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ISSN 1677-0668 ANO XIV Nº 52 janeiro/abril de 2014 Revista de Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal ARTIGOS Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional promove alterações na profissão de Economista. Leia a entrevista com o presidente do Conselho Federal de Economia, Paulo Dantas. O que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro? Sérgio Wulff Gobetti Falta energia para avançarmos? Thaís Riether Vizioli Geovana Lorena Bertussi Acordos monetários dos BRICS – para que servem? Maria Celina Berardinelli Arraes Cidades: automóveis produzem autoimobilidade Valdir Melo Oligarquia e depressão Adriano Benayon Os impactos do orçamento na economia do Distrito Federal Agaciel Maia Análise das recentes operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as contas públicas, a “contabilidade criativa” Maria Liz de Medeiros Roarelli, Joaquim Ornelas Neto e Renato Brown A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro José Luis Oreiro A informação como insumo para o planejamento Antonio Pereira S. Marinho A transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES não percebida pelas contas públicas Felipe Ohana Razões para o não rebaixamento Júlio Flávio Gameiro Miragaya Paulo Dantas da Costa Paulo Dantas da Costa Presidente do Conselho Federal de Economia ENTREVISTA

Revista de Conjuntura n. 52

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Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional promove alterações na profissão de Economista. Leia a entrevista com o presidente do Conselho Federal de Economia, Paulo Dantas.

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ISSN

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ANO XIV • Nº 52 • janeiro/abril de 2014

Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

artigosProjeto de Lei em tramitação no

Congresso Nacional promove alterações na profissão de Economista.

Leia a entrevista com o presidente do Conselho Federal de Economia,

Paulo Dantas.

o que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro?

Sérgio Wulff Gobetti

Falta energia para avançarmos?Thaís Riether Vizioli

Geovana Lorena Bertussi

acordos monetários dos BriCs – para que servem?

Maria Celina Berardinelli Arraes

Cidades: automóveis produzem autoimobilidade

Valdir Melo

oligarquia e depressãoAdriano Benayon

os impactos do orçamento naeconomia do Distrito Federal

Agaciel Maia

análise das recentes operações entre o tesouro, o BNDEs, CEF e o Fundo

soberano e seu impacto sobre as contas públicas, a “contabilidade criativa”

Maria Liz de Medeiros Roarelli,Joaquim Ornelas Neto e

Renato Brown

a armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio

macroeconômico brasileiroJosé Luis Oreiro

a informação como insumo para o planejamento

Antonio Pereira S. Marinho

a transferência de recursos do tesouro Nacional para o BNDEs não percebida

pelas contas públicasFelipe Ohana

razões para o não rebaixamentoJúlio Flávio Gameiro Miragaya

Paulo Dantas da Costa

Paulo Dantas da CostaPresidente do Conselho Federal de Economia

ENtrEVista

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Page 3: Revista de Conjuntura n. 52

Tãmnia

As opiniões expressas nos artigos e entrevistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e entrevistados e

não refletem necessariamente a do Corecon/DF.

O que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro?

Sérgio Wulff Gobetti

Falta energia para avançarmos?Thaís Riether Vizioli

Geovana Lorena Bertussi

Acordos monetários dos BRICS – para que servem?

Maria Celina Berardinelli Arraes

Cidades: automóveis produzem autoimobilidade

Valdir Melo

Oligarquia e depressãoAdriano Benayon

Os impactos do orçamento naeconomia do Distrito Federal

Agaciel Maia

Análise das recentes operações entre o Tesouro, o BNDES,

CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as contas

públicas, a “contabilidade criativa”

Maria Liz de Medeiros Roarelli,Joaquim Ornelas Neto e

Renato Brown

A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio

macroeconômico brasileiroJosé Luis Oreiro

A informação como insumo para o planejamento

Antonio Pereira S. Marinho

A transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES

não percebida pelas contas públicas

Felipe Ohana

Razões para o não rebaixamentoJúlio Flávio Gameiro Miragaya

Paulo Dantas da Costa

ArtigoS

02editorial

03 entrevista

Paulo Dantas da Costa

ÍndicePublicação do Conselho Regional de

Economia do Distrito Federal

ANO XIV • Nº 52 • janeiro/abril de 2014

ConjunturaRevista de

Nesta edição06

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Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat

Conselho editorialCarlito Roberto ZanettiCarlos Eduardo de FreitasElder Linton Alves de AraújoGeovana Lorena BertussiJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaJusçanio Umbelino de SouzaMário Sérgio Fernandez SallorenzoNewton Ferreira da Silva Marques

Revisão Marluce Moreira de Souza

Tiragem: 3.600Periodicidade: Quadrimestral

As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF

PresidenteCarlos Eduardo de Freitas

Vice-presidenteCarlito Roberto Zanetti

Conselheiros efetivosJusçanio Umbelino de SouzaMaria Cristina de AraújoCarlos Eduardo de FreitasJosé Luiz PagnussatNewton Ferreira da Silva MarquesCarlito Roberto ZanettiBento de Matos FélixJucemar José ImperatoriCésar Augusto Moreira Bergo

Conselheiros suplentesRoberto Bocaccio PiscitelliMônica Beraldo Fabrício da SilvaHumberto Vendelino RichterRoberto Carvalho Costa FilhoEduardo Toledo NetoGilson Duarte Ferreira dos SantosJosé Roberto Novaes de AlmeidaJosé Eustáquio Moreira de CarvalhoGeovana Lorena Bertussi

Equipe do Corecon-DF:Gerente executivoAngeilton Francisco de Lima FaleiroAdriana Félix FerreiraIraci da Costa LopesÍsis de Oliveira RodriguesJamildo Cezário GomesJaqueline de Fátima PinheiroMichele Cantuária SoaresWallace Santos Pires

Estagiário:Kayo Henrique Lopes da Silva

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70.300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

A Revista de Conjuntura do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal se ca-

racteriza por ser um espaço aberto, eclético, para os Economistas do DF expressarem seus

diferentes pontos de vista sobre os mais variados temas econômicos. O sucesso da Revis-

ta depende da motivação dos Economistas para enviarem seus artigos para publicação.

Neste sentido, cabe registrar o grande número de artigos recebidos para esta edição em

resposta ao convite enviado pelo presidente do Conselho aos Economistas registrados

no CORECON/DF.

Entre os que responderam ao convite do CORECON se destacam Economistas em di-

ferentes posições profissionais: Economistas em cargos técnicos, alta direção, professores,

Economistas parlamentares, entre outros. A alta qualidade dos artigos dificultou o traba-

lho do Conselho Editorial, que priorizou a inclusão de artigos ainda não publicados e os

que não demandavam revisão.

Os artigos trazem importantes contribuições para o debate mais aprofundado de te-

mas destacados pela mídia. A leitura dos artigos certamente contribuirá para o enten-

dimento de questões atuais da conjuntura econômica, dada a densidade das análises,

colocando no debate propostas inovadoras sobre temas atuais da economia brasileira.

O excelente artigo do Sérgio Gobetti analisa a controvérsia sobre o regime fiscal brasi-

leiro e propõe a avaliação dos resultados fiscais a partir do conceito de resultado estrutu-

ral, que busca expurgar dos indicadores tradicionais os efeitos do ciclo econômico e dos

chamados eventos não-recorrentes. Dois outros artigos na área fiscal focam suas análises

nas operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as

contas públicas. O artigo do Felipe Ohana avalia a perda de capital do Tesouro Nacional

nas operações com o BNDES.

O artigo da Geovana Bertussi e Thaís Vizioli aponta a falta energia como um gargalo

para o desenvolvimento brasileiro. Maria Celina Arraes analisa os acordos monetários e o

debate sobre cooperação financeira entre os BRICS. O artigo do Agaciel Maia analisa os

impactos do orçamento na economia do Distrito Federal. Paulo Dantas e Júlio Miragaya

apontam inconsistências para o rebaixamento da nota brasileira pela agência de rating

Standard & Poor’s (S&P).

Cabe um destaque especial para o artigo do José Luiz Oreiro, “A armadilha juros-câmbio:

a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro”, em que faz uma síntese do

debate sobre o tema e apresenta sua proposta de mudança no regime macroeconômico

brasileiro. A proposta do professor Oreiro, “para o próximo Presidente da República”, inclui

a adoção de “metas de superávit em conta-corrente do governo”, “câmbio administrado”,

“extinção da parcela “selicada” da dívida pública”, “desindexação da economia” e “modera-

ção salarial”.

O professor Oreiro esclarece que o artigo foi produzido a pedido da liderança do PPS

com o intuito de embasar as discussões a respeito da elaboração do programa econô-

mico do candidato da aliança PSB-Rede-PPS à Presidência da República. Neste sentido,

a Revista de Conjuntura do CORECON/DF convida os assessores econômicos dos demais

patidos a apresentarem a proposta de política macroeconômica dos seus candidatos.

Por fim, esta edição da Revista traz, ainda, a entrevista com o Presidente do COFECON,

Paulo Dantas da Costa, em torno do Projeto de Lei, em tramitação no Congresso Nacional,

que traz inovações na profissão de Economista.

EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ConjunturaRevista de

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Presidente do Conselho Federal de Economia

ENTREVISTA

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janeiro/abril de 2014

Paulo Dantas da Costa

Conjuntura - Quais os principais projetos da sua

gestão à frente do COFECON em 2014?

Paulo Dantas - Dentre os projetos inclusos no Programa

de Trabalho, destaco as iniciativas que venham a

consolidar a condição de referencial opinativo do

COFECON nas questões de natureza econômica, por

meio de manifestações ou notas que expressem o

pensamento dos integrantes do Plenário. Destaco

ainda a intensificação na relação com os estudantes de

economia; os avanços nos processos de modernização

do banco de dados do Sistema COFECON/CORECON,

de modo a contemplar a agilização na atualização de

informações ou até a almejada eleição eletrônica; e

o aproveitamento de experiências exitosas entre os

órgãos Regionais nos campos da fiscalização, cobrança

e criação de delegacias. Mas o grande projeto da

atual gestão do COFECON diz respeito às iniciativas

destinadas aos avanços no exame do Projeto de Lei do

Senado (PLS) 658/07 pelo Congresso Nacional.

Conjuntura - Do ponto de vista da sociedade,

exatamente para que servem os Conselhos de

Fiscalização Profissional? Especificamente qual a

funcionalidade do Conselho Federal de Economia

(Cofecon) e dos respectivos Conselhos Regionais

(Corecons)?

Paulo Dantas da Costa graduou-se em Ciências Econômicas (1976) pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia. Tem também especia-lização em Direito Tributário e Administração Financeira Governamental. Trabalhou no Banespa antes de sua graduação, ali permanecendo até 1978. Foi Auditor Fiscal da Secretária da Fazenda do Estado da Bahia até junho de 1994, tendo ocupado cargos de direção - o mais importante deles foi o de Coordenador de Programação Financeira. Desde então tem atuado como consultor. Dantas foi vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia em 2002 e 2003 e presidente em 2008 e 2009. Desde 2010 é conselheiro federal, tendo realizado no período um destacado trabalho na Comissão de Normas, Legislação e Fiscalização. Em dezembro de 2013 foi eleito presi-dente do Conselho Federal de Economia – COFECON para o ano de 2014.

Paulo Dantas - Os Conselhos de Fiscalização atuam na

defesa dos interesses da sociedade, na medida em que

podem inibir a ação de profissionais não qualificados.

No nosso caso, o Cofecon atua como “cabeça” do

Sistema, buscando orientar e disciplinar o exercício

da profissão de economista. Isso é feito por meio da

normatização das relações dos profissionais com os

órgãos do mesmo Sistema. Já os Regionais têm uma

relação mais direta com os economistas, notadamente

no tocante a registro e fiscalização profissional.

Conjuntura - A que atribui a resistência dos

economistas ao registro profissional?

Paulo Dantas - Voltemos à lei: penso que parte dos

economistas não enxergam uma correlação entre o

detalhamento de natureza legal das atividades que

eventualmente venham a desenvolver e o que existe

de fato na vida prática.

Conjuntura - A que atribui a assimetria entre o

evidente prestígio dos economistas e o desprestígio

dos cursos de graduação em economia?

Paulo Dantas - Entendo que, antes de ingressar na

universidade, os jovens estão fazendo avaliações

aligeiradas na busca de soluções rápidas e objetivas

em detrimento dos cursos de economia, que têm

um razoável grau de dificuldade para a conclusão.

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O resultado disso é que o profissional economista

conquista o reconhecimento e prestígio porque bem

preparado academicamente e consequentemente

bem posicionado no campo profissional.

Conjuntura - Em relação ao Projeto de Lei em

tramitação no Congresso Nacional sobre a Profissão de

Economista, quais são as principais inovações?

Paulo Dantas - O PLS 658/07 inova no sentido de

detalhar as atividades que entendemos como próprias

ou reservadas ao profissional economista, definindo

muito claramente o que pode ser entendido como uma

equânime divisão social do trabalho qualificado nos

campos da economia e das finanças. Outras inovações

que também merecem destaque dizem respeito à

criação legal da figura da Anotação de Responsabilidade

Técnica – ART e à possibilidade de certificação da

qualificação técnica especializada do economista.

Conjuntura - O PL inclui a possibilidade de registro

nos Conselhos de Economia de outros profissionais.

O senhor poderia destacar como isso poderá

ocorrer e que “outros” profissionais poderão vir a se

registrar nos CORECONs?

Paulo Dantas - O nosso conjunto normativo chegou

a possibilitar o registro de graduados em Relações

Internacionais e em Comércio Exterior. O PLS 658/07

está contemplando essa possibilidade, com algumas

condicionantes. Em primeiro lugar aos registrados

seria dada a denominação consistente com o curso

realizado; outro detalhe importante diz respeito

às atividades que esses profissionais poderiam

desempenhar, que ficariam restritas àquelas que tanto

podem ser desempenhadas por economistas como

por integrantes de outras profissões regulamentadas,

conforme § 1º do art. 1-A do PLS 658/07. Com isso, as

atividades restritas seriam, como devem ser, privativas

do economista, nos termos do art. 1-A do PLS 658/07.

Conjuntura - Os mestres e doutores em economia,

caso o PL seja aprovado pelo Congresso Nacional,

poderão se registrar nos Conselhos de Economia

e atuar como profissionais de economia na sua

especialidade?

Paulo Dantas - Não, essa hipótese não está prevista no

PLS 658.

Conjuntura - O novo projeto de lei contempla a

exigência de um exame de qualificação profissional

para registro nos Corecons?

Paulo Dantas - Essa hipótese também não havia

sido prevista quando da apresentação do Projeto

de Lei em 2007. O entendimento é de que o assunto

demanda dúvidas de natureza jurídica no tocante à sua

aplicabilidade.

Conjuntura - Alguns Conselhos Regionais (como

Paraná e Santa Catarina) tem algumas “dúvidas”

sobre alguns pontos do PL. Quais são e qual é a

preocupação desses conselhos?

Paulo Dantas - Alguns Conselhos Regionais

apresentaram indagações a respeito de diversos

pontos do Projeto. O aspecto mais indagado foi o §

único do art. 16, que trata da possibilidade do registro

daqueles profissionais egressos de outros cursos.

As preocupações ficaram muito concentradas em

questões de natureza burocrática, no que diz respeito

às formalidades de registro e denominação do registro

profissional. Também foram levantadas, em bem menor

proporção, questões atinentes ao mercado de trabalho

e a uma eventual concorrência. O importante é que os

questionamentos parecem esclarecidos.

Conjuntura - Em que estágio está o PL no Congresso

Nacional e qual a sequência do trâmite até a

aprovação?

Paulo Dantas - O projeto está em fase de conclusão

no âmbito do Senado Federal. Na sequência vai para

o exame na Câmara dos Deputados. O Cofecon tem

acompanhado a tramitação passo a passo, de modo a

preservar os interesses dos economistas do Brasil.

Conjuntura - Neste ano teremos o SINCE (Simpósio

Nacional dos Conselhos de Economia), quais os

temas que o presidente do COFECON gostaria que

fossem analisados e aprovados?

Paulo Dantas - Não pretendo me situar na aprovação

de temas. Prefiro afirmar que do SINCE poderíamos tirar

um grande acordo entre os economistas brasileiros

para enfrentar a missão de ver aprovado o PLS 658.

Não posso deixar de repetir: esse é o grande projeto do

interesse de todos nós.

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ArtigoO que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro?

Sérgio Wulff Gobetti

O Brasil possui uma dívida líquida do setor

público de menos de 35% do PIB e é um dos poucos

países que atravessou a crise internacional dos últi-

mos anos produzindo sucessivos superávits primá-

rios em suas contas públicas, mas ao mesmo tempo,

paradoxalmente, tem sofrido uma crise de credibi-

lidade associada à forma de obter esses resultados

e conduzir a política fiscal. Segundo os críticos

mais tenazes do governo, os indicadores fiscais ofi-

ciais deixaram de retratar a realidade e estaríamos

diante de um quadro de deterioração fiscal que,

por sua vez, estaria na raiz do estado de estagflação

que aparentemente se abateu sobre a economia.

Embora tal crítica seja um tanto catastrofista e

viesada, principalmente por desconhecer ou mini-

mizar os efeitos preponderantes de outros fatores

sobre a inflação e o crescimento do PIB, ela tem ali-

mentado, por via oblíqua, um debate em torno de

possíveis aprimoramentos no regime fiscal brasi-

leiro. Ou seja, independentemente de divergências

sobre a relação entre a política fiscal e as demais

variáveis macroeconômicas, embrionariamente

constitui-se um relativo consenso entre econo-

mistas de diversas matizes sobre a necessidade de

utilizar-se novas balizas e métricas para avaliar e

conduzir a política fiscal.

Entre essas novas métricas, destaca-se uma, a

do balanço estrutural, que não é nova na economia

internacional, mas que apenas recentemente pas-

sou a fazer parte da agenda de pesquisa e debate

econômico no Brasil. Trata-se de um conceito de

resultado fiscal que busca expurgar dos indica-

dores tradicionais – seja de resultado primário ou

nominal – os efeitos do ciclo econômico e dos cha-

mados eventos não-recorrentes.

Basicamente, busca-se refletir por meio do

balanço estrutural qual teria sido o resultado fiscal

de um país caso a economia não tivesse se desviado

de sua tendência de longo prazo nem o governo

recorrido a receitas extraordinárias ou artifícios

contábeis para fechar suas contas. Tecnicamente,

o ajuste do resultado fiscal ao ciclo econômico

se calcula estimando as elasticidades das receitas

às variações do PIB e aplicando-as ao hiato entre

o produto tendencial (ou potencial) e o produto

efetivo.1

A vantagem desse indicador fiscal em relação

aos convencionais é que, como o próprio nome

já diz, ele retrata a posição “estrutural” das contas

públicas e, com isso, permite avaliar não só a sus-

tentabilidade como também a discricionariedade

da política fiscal em cada momento do tempo. Em

outras palavras, permite mensurar o quão expan-

sionista ou contracionista é a política fiscal.

Na União Europeia, esse conceito já vem sendo

adotado desde 2005 como âncora das trajetó-

rias de ajustamento dos países às metas fiscais de

Maastricht e desde 2010 também foi incorporado

pelo Reino Unido no monitoramento de sua polí-

tica fiscal. Enquanto na União Europeia o objetivo

de médio prazo da política fiscal é aproximar pro-

gressivamente o déficit nominal de zero, no Reino

1 A utilização do conceito de produto tendencial (ou potencial) no cálculo do resultado estrutural nada tem a ver com a aceitação de que o mes-mo represente um limite superior para a economia crescer sem pressões inflacionárias, como supõem alguns modelos de política monetária. Trata-se apenas de mensurar o que é aceito por qualquer economista: a evidência de que a economia cresce submetida a ciclos econômicos que afetam a magnitude dos agregados fiscais, principalmente as receitas públicas.

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Basicamente, busca-se refletir

por meio do balanço estrutural qual teria sido o resultado fiscal de um

país caso a economia não tivesse se desviado

de sua tendência de longo prazo nem o governo recorrido a

receitas extraordinárias ou artifícios contábeis

para fechar suas contas.

Unido busca-se equilibrar o orçamento corrente,

permitindo-se déficits ocasionais para financiar

investimentos (a chamada regra de ouro), desde

que a dívida esteja sob controle, o que lá significa

estar abaixo de 60% do PIB.

Tanto em um caso quanto noutro, o cumprimento

das metas é verificado com base no resultado estru-

tural, líquido dos efeitos cíclicos e não-recorrentes.

E as metas são adaptadas às condições econômicas

de cada momento, tudo supervisionado por orga-

nismos multilaterais ou independentes. Tal estraté-

gia dota a política fiscal de uma maior flexibilidade

no curto prazo (evitando reações pró-cíclicas da

política fiscal), ao mesmo tempo que sinaliza, no

longo prazo, compromissos mais consistentes com

a estabilidade do endividamento público.

No Brasil, diferentemente, nossas metas fiscais

são baseadas em um terceiro conceito, o de resul-

tado primário, mas seu defeito não é este exata-

mente, mas sim o de não prever institucionalmente

uma regra para lidar com as oscilações da econo-

mia e para impedir que métodos contábeis criativos

sejam utilizados para ajustar os resultados às metas.

Na prática, portanto, a grande diferença entre o

que se faz no Brasil e na Europa está na instituciona-

lização da flexibilidade fiscal e, antes disso, no grau

de maturidade do debate público. Na Alemanha,

por exemplo, o governo discutiu durante três anos

com a sociedade qual seria o modelo a ser aplicado

em sua reforma fiscal, de 2009, que foi precursora

nas reformas que se realizaram nos anos seguintes

na União Européia.

Aqui no Brasil, ao contrário, ainda assistimos

a um debate sobre política fiscal muito pautado

pelos interesses e visões de curto prazo, embora

algumas vozes do mercado pareçam estar sendo

despertadas para a experiência internacional. Cito,

em particular, o caso da assessoria econômica do

Banco Itaú, que já desenvolve atualmente uma

metodologia de monitoramento dos resultados fis-

cais a partir do conceito de resultado estrutural.

No governo também existem iniciativas seme-

lhantes, que nasceram de pesquisas do Instituto de

Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e que hoje

são partilhadas por outros órgãos da administração

federal, como o Banco Central. Contudo, falta uma

coordenação para este debate, que só pode surgir

por decisão e disposição das autoridades maiores

do país.

O ponto de partida é reconhecer que o regime

fiscal brasileiro precisa ser reformado, porque,

como disse um certo ex-diretor do BC, “o que não

se mexe não muda; logo, não evolui.” E está na hora

de evoluir.

Sérgio Wulff Gobetti [email protected]

Doutor em Economia e Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA.

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ArtigoFalta energia para avançarmos?Thaís Riether Vizioli

Geovana Lorena Bertussi

Os investimentos em infraestrutura energética são

de grande magnitude, extensos prazos de amortiza-

ção, intensivos em capital e geralmente irreversíveis.

Todos esses elementos, somados à dimensão regula-

tória e contratual, aumentam o grau de incerteza, difi-

cultando o interesse dos investidores privados. Nesse

sentido, torna-se imprescindível a existência de um

ambiente institucional e macroeconômico favorável,

sendo o papel do Estado crucial na viabilização dos

investimentos privados (IPEA, 2012).

A fim de obter um nível ótimo de investimento no

setor, o Estado deve atuar em três dimensões princi-

pais: (i) realização de investimentos públicos, em razão

das externalidades positivas associadas; (ii) transpa-

rência, clareza e credibilidade das informações; e (iii)

estabelecimento de marcos legais e regulatórios que

incentivem a atividade privada no setor (Frischtak,

2008; Ferreira; Azzoni, 2011).

Cumpre ao Estado considerar as vantagens e os custos

de cada opção tecnológica do setor, de forma a construir

um sistema eficiente e seguro. Mais do que efetividade

e clareza, o arcabouço institucional deve ser flexível e

detentor de uma capacidade de pronta resposta a crises e

eventos inesperados, assim como a novas oportunidades

de expansão do parque energético (IPEA, 2012).

É em razão da deficiência na construção do

marco regulatório que diversos autores explicam o

esvaziamento do planejamento estratégico estatal,

a retração dos investimentos públicos e a insufici-

ência dos investimentos privados, que forçaram a

declaração de racionamento energético emergen-

cial em maio de 2001 no país.

O consumo teve redução de 7,9% no ano de 2001

se comparado com 2000, de acordo com o Balanço

Energético Nacional (EPE). A crise expôs as deficiên-

cias do modelo e de sua implementação e demonstrou

que a reforma subestimou as dificuldades envolvidas

(Ferreira; Azzonni, 2011).

Segundo Tankha (2009), o racionamento durou 10

meses e custou à indústria pelo menos US$5 bilhões em

perda de receitas. O autor afirma, ainda, que estimações

da perda no PIB em razão do racionamento variam entre

1,5% e 2%, o que indica uma perda de cerca de US$ 10

bilhões à economia brasileira somente naquele ano.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva é marcado por

outra reforma do setor elétrico, em que configuraram

as seguintes convicções: a possibilidade de assegurar a

modicidade tarifária por vias institucionais, a confiança na

eficácia da ação do Estado mediante empresas públicas, a

desconfiança no comportamento das empresas privadas

e a necessidade de planejamento estratégico de longo

prazo por parte do governo para assegurar o suprimento

de energia elétrica (Frischtak, 2013).

O lançamento do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC), em 2007, sintetiza a renovada dispo-

sição governamental em liderar o investimento no País,

em especial em infraestrutura energética: dos R$ 665,2

bilhões previstos em investimento entre 2007 e 2010, R$

294,2 bilhões (44%) destinar-se-iam ao eixo de Energia.

De acordo com o 11º Balanço divulgado pelo governo,

das 705 ações monitoradas do eixo de energia, 51%

haviam sido concluídas até outubro de 2010, pelo critério

de quantidade, e 43% pelo critério de valor.

A segunda etapa do programa, o PAC 2, foi lan-

çada ainda no governo do Presidente Lula, em março

de 2010, para ser desenvolvida entre 2011 e 2014, já

no governo da Presidenta Dilma Rousseff. Em relação

ao primeiro programa, observamos maior previsão de

investimentos, que totalizam R$ 955 bilhões entre 2011

e 2014, dos quais R$ 461,6 bilhões (48%) destinam-se

ao eixo de Energia. De acordo com o 8º Balanço do

PAC 2, em agosto de 2013, foram concluídas 53% das

ações do eixo de Energia pelo critério de quantidade e

34%, de valor. O reduzido número de ações concluídas

reflete-se na situação crítica com que o setor tem se

deparado recentemente, da qual é exemplo o apagão

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janeiro/abril de 2014

ocorrido em fevereiro de 2013, que afetou 7% do con-

sumo do País (Valor Econômico, 2013).

De acordo com o Operador Nacional do Sistema

Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios das Regiões

Sudeste e Centro-Oeste, responsáveis por 70% da

geração de energia, está em 34,6%, próximo ao nível

que antecedeu a crise de 2001, de 33,4%. A falta de

chuvas elevou o preço no mercado à vista e obrigou

o governo a colocar as usinas térmicas em operação.

O acionamento das termelétricas, cuja energia produ-

zida é mais cara, tem gerado problemas fiscais para o

governo, que anunciou o repasse de R$ 1,2 bilhão para

as distribuidoras para o mês de janeiro. A conta deve

chegar a mais de R$ 20 bilhões no fim do ano.

Apesar de os representantes do governo – como

o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão e o pre-

sidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício

Tolmasquim – informarem que tudo se resolverá natu-

ralmente, empresários do setor alertam sobre a situa-

ção crítica, pedindo medidas de economia de energia

(Valor Econômico, 2013; O Estado de São Paulo, 2014).

Os dados corroboram o argumento das entidades

setoriais. Apesar de as normas de segurança admitirem

risco hidrológico de deficiência de suprimento no nível

de 5% – nível já considerado baixo para alguns espe-

cialistas – hoje a margem extra de energia está limitada

a aproximadamente 2% do consumo (O Estado de São

Paulo, 2014). A disponibilidade adicional de energia

é considerada fundamental para atender a picos de

consumo.

A modicidade tarifária buscada pelo governo, efe-

tivada pela redução de 20% das tarifas (resultado da

Lei nº 12.783 de janeiro de 2013), é apontada por espe-

cialistas como um sinal errado para os consumidores,

uma vez que o custo aumentou muito para o sistema.

O Tesouro Nacional, já em 2013, desembolsou R$ 9,8

bilhões para subsidiar o uso da energia. (VEJA, 2014).

Segundo o Instituto Acende Brasil (2010), os esfor-

ços depreendidos pelo governo para redução das tari-

fas levaram à perda de credibilidade e confiança no

setor, colocando em risco a sustentabilidade econô-

mica e financeira das empresas reguladas. Dentre as

melhorias sugeridas, destaca-se a reversão da deterio-

ração do ambiente de negócios, organização da expan-

são do sistema e corte de custos tributários. A redução

da carga tributária também é enfatizada pelo Ipea

(2010), que aponta ser fundamental para que a dispo-

nibilidade de energia barata configure-se como vanta-

gem comparativa da economia brasileira. De fato, 45%

da tarifa compõem-se de tributos e encargos. Do total

faturado, 24% destinam-se às distribuidoras e 31% às

geradoras e transmissoras.

Outro aspecto das iniciativas mais recentes são

as de caráter social, cujo expoente é o Programa Luz

para Todos, com o intuito de prover o acesso à energia

elétrica à totalidade da população rural brasileira. No

âmbito no PAC 1, até outubro de 2010 foram realizadas

2.568.913 ligações. No PAC 2, foram realizadas 413.739

ligações (58% da meta do programa – 716 mil ligações).

A contribuição para o aumento da demanda é signifi-

cativa, com um aumento de 5,3% do consumo de ele-

tricidade já em 2004, frente ao ano anterior (Balanço

Energético Nacional, EPE).

Além da superação da crise, cumpre destacar a impor-

tância dos investimentos em infraestrutura e, em especial,

‘‘

‘‘

De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS),

o nível dos reservatórios das Regiões Sudeste e

Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração de energia,

está em 34,6%, próximo ao nível que

antecedeu a crise de 2001, de 33,4%.

Page 12: Revista de Conjuntura n. 52

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a

infraestrutura energética, na contribuição para o cresci-

mento econômico. Mais do que destaque na literatura

econômica, a relevância destes investimentos se reflete

no resultado do País no Relatório de Competitividade

Global (2013). Entre os 12 pilares de competitividade defi-

nidos pelo Fórum Econômico Mundial, figura a infraes-

trutura, apresentada como crítica para o funcionamento

efetivo da economia, como um importante fator na deter-

minação da localização da atividade econômica e do tipo

de atividades ou setores que se desenvolvem dentro de

um país. Mais ainda: o aludido Relatório afirma que os

países dependem de suprimento de eletricidade, livre de

interrupções e quedas, de forma que o setor produtivo

possa operar sem impedimentos.

Nesse sentido, a infraestrutura aparece entre os requi-

sitos básicos componentes do Índice de Competitividade

Global calculado pela instituição, fator pelo qual o Brasil

obteve pontuação quatro (de um máximo de sete),

atingindo a posição 71 entre 148 países. A qualidade

da infraestrutura tem resultado ainda pior, com pon-

tuação 3.4, levando o País ao 114º lugar neste quesito.

Especificamente para a qualidade do suprimento de ele-

tricidade, a pontuação foi de 4.8, atingindo a 76ª posição.

Esta deficiência tem efeitos práticos desfavoráveis, refle-

tindo-se no fato de que a inadequada oferta de infraes-

trutura seja apontada como fator problemático principal

para a realização de negócios no País.

Apesar dos recentes esforços empenhados pelo

governo brasileiro em aumentar os investimentos em

infraestrutura, e especialmente em energia, a análise

exposta demonstra a existência de gargalos. Essas

deficiências tendem a agravar-se com a crescente

demanda por energia. A solução para a crise que tem

se desenvolvido e a criação de condições propícias

ao investimento privado deve dar-se pelo aumento e

melhoria da qualidade dos gastos públicos relaciona-

dos à infraestrutura energética, bem como por meio do

melhor desenho de incentivos à participação privada.

O caminho a ser percorrido para aperfeiçoarmos o

setor ainda é longo. Será que falta mais energia e dis-

posição do governo para avançarmos?

Referências bibliográficasFERREIRA, T.; AZZONI, C. R. Arranjos institucionais e investimento em infraestrutura no Brasil. Revista do BNDES, n. 35, p. 37-86, jun. 2011.

FRISCHTAK, C. R. O Investimento em Infraestrutura no Brasil: Histórico Recente e Perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 38, n. 2, p. 307-348, 2008.

______. Infraestrutura e desenvolvimento no Brasil. In: FERREIRA, P. C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Org.). Desenvolvimento Econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA E APLICADA. Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025, livro 6, volume 1, 2010.

______. Infraestrutura e Planejamento no Brasil: Coordenação estatal da regulação e dos incentivos em prol do investimento – o caso do setor elétrico. Relatório de pesquisa, 2012.

O ESTADO DE SÃO PAULO. Sistema elétrico trabalha com reserva de energia abaixo do recomendável. 5 de fevereiro 2014.

TANKHA, S. Lost in Translation: Interpreting the Failure of Privatization in the Brazilian Electric Power Industry. Journal of Latin American Studies, v. 41, n. 1, p. 59-90, 2009.

VALOR ECONÔMICO. Apagão afeta 6 milhões e opera-ção abafa é frustrada. 5 de fevereiro, 2014.

VEJA. Socorro extra do governo a elétricas pode chegar a R$ 5 bi. 6 de fevereiro, 2014.

WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiveness Report 2013 – 2014, 2013.

Thaís Riether Vizioli Formada em economia pela UnB.

Geovana Lorena Bertussi [email protected]

Conselheira do CORECON/DF e Professora do Departamento de Economia da UnB.

10

Page 13: Revista de Conjuntura n. 52

11

janeiro/abril de 2014

ArtigoAcordos monetários dos BRICS – para que servem?

Maria Celina Berardinelli Arraes1

A cooperação financeira é tema recorrente na

agenda das reuniões dos chamados BRICS (Brasil,

Rússia, Índia, China e África do Sul) e provavelmente

constará entre os itens a serem discutidos no evento

que ocorrerá em Fortaleza nos dias 15 e 16 de julho

próximo. Encontra-se na mesa a possibilidade de

um acordo contingente de empréstimos de reservas

internacionais em caso de dificuldades de balanço de

pagamentos (CRA –Contingent Reserve Arrangement)

e de criação do Novo Banco de Desenvolvimento

(NDB -New Development Bank).

Na ocasião, provavelmente Brasil e China aprovei-

tarão a oportunidade para atualização sobre aspectos

operacionais do acordo para troca de moedas locais

assinado em junho de 2013, após a regulamentação de

lei de 2008, permitindo ao Banco Central do Brasil rece-

ber depósitos de bancos centrais estrangeiros, exclu-

sivamente para os fins de operação de swap.2 O foco

desse curto artigo será sobre as questões monetárias

dos países do BRICS.

Os primeiros acordos de cooperação financeira

semelhantes datam da época de escassez de divisas

do pós-guerra na Europa e América Latina e as suas

discussões costumam ressurgir quando há crises finan-

ceiras. Com as crises internacionais que ocorreram a

partir de 1997, observa-se uma retomada de tais acor-

dos, conforme reconhecido pelo Grupo dos 20 e pelo

Fundo Monetário Internacional (FMI). Com as magni-

tudes crescentes dos fluxos internacionais, as maneiras

tradicionais de enfrentar as crises, como a assistência

financeira do FMI, a acumulação de reservas internacio-

nais pelos países e os ajustes nas políticas econômicas,

não são suficientes para enfrentá-las, como ocorreu no

caso recente dos países periféricos da União Europeia:

Irlanda, Grécia e Portugal.

A experiência internacional mostra que a maioria

de tais acordos foi estabelecida no contexto de forta-

lecimento de um processo de integração regional. No

caso da experiência da América Latina, haviam acor-

dos de assistência financeira, como no caso do Fundo

Latino-Americano de Reservas (FLAR), mas também

sistemas regionais de pagamentos e créditos, assim

como a facilitação de transações em moeda local.

Quais são as lições aprendidas com a experiência

internacional?

Todas as iniciativas incorrem em riscos, sejam

políticos, de crédito, de variação cambial dos valores

emprestados, sendo que a transparência na sua aloca-

ção é chave para a celebração da cooperação financeira.

A maioria dos acordos de cooperação tem impli-

cações de supervisão de políticas econômicas, ou,

em outras palavras, condicionalidades. Não pode-

ria ser de outra maneira, pois os países que estão

financiando aqueles em dificuldades têm que pres-

tar contas internamente sobre como os recursos

emprestados serão recuperados. Além disso, os

montantes a serem emprestados, seja em relação ao

PIB dos países que estão sendo financiados, seja em

relação a suas quotas do FMI, são relevantes para o

sucesso do mecanismo. Nesse caso, o melhor exem-

plo é a chamada iniciativa de Chiang Mai que totaliza

US$ 240 bilhões.

Adicionalmente, quais as lições apreendidas da

experiência brasileira?

1 Ex-Diretora de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (2008-2009) e co-presidente do G-20 financeiro suplentes, em 2008. Funcionária do Banco Central do Brasil durante 25 anos. 2 O CMN editou a Resolução nº 4.202, de 28 de março de 2013, que regulamentou o art. 7º da Lei nº 11.803, de 5 de novembro de 2008, norma-tizando a abertura e manutenção de contas de depósito em reais tituladas por bancos centrais estrangeiros, com os quais a autarquia celebre contratos de swap de moedas.

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a

Todas as iniciativas brasileiras estavam associa-

das a processos de integração regional – ALADI e

MERCOSUL. Confirma-se, na região, a importância da

relevância dos montantes comprometidos nos acor-

dos. Um bom exemplo é o caso do acordo de swap

do Brasil com o Federal Reserve, por ocasião da crise

financeira internacional: seu montante foi suficiente

para demonstrar segurança e não houve necessi-

dade de sua utilização, pelo Brasil. Por outro lado,

quando dependem da disponibilidade financeira, no

momento da crise, os recursos podem não estar dis-

poníveis, pois os montantes a serem utilizados não

estão previamente apartados em um fundo de reser-

vas. O acordo de São Domingos, destinado a apoiar

o sistema de pagamentos internacionais no âmbito

da ALADI, foi finalizado pela indisponibilidade de

recursos dos Bancos Centrais. A exceção é o FLAR

que conta com capital subscrito e integralizado.

Mostra, ainda, a experiência brasileira, que a coo-

peração financeira pode ser afetada negativamente

quando não existe algum nível de coordenação de

políticas econômicas. O exemplo mais importante é

o Sistema de Moedas Locais (SML), em vigor com a

Argentina e situação desse país em relação ao dólar

paralelo. A discussão sobre alocação dos diversos

riscos envolvidos – político, crédito, mercado etc.,

pode ser bem complexa, assim como a discussão de

garantias concretas ou de correções de rumo de polí-

tica econômica. Mais uma vez o exemplo principal

é a negociação do acordo de swap com Argentina,

que não se concretizou. Finalmente, a inexistência

de uma política de Estado para cooperação finan-

ceira e a necessidade de aprovação legal de linhas

de crédito, podem retardar o processo de formaliza-

ção dos acordos. No caso da linha de crédito para o

Banco Central do Uruguai, necessária para extensão

do SML, finalmente foi aprovada, em 2013, após 3

anos de sua proposição.3

Quais, os pontos relevantes para discussão das ini-

ciativas BRICS?

• A assistência financeira BRICS e o swap de

moeda, com a China, não estão relacionados

a processos de integração regional. Como esse

arcabouço institucional frágil afetaria as inicia-

tivas? Note-se que o fato de os BRICS não serem

um grupo regional também pode ser positivo,

no sentido de que diminui o risco de contágio.

Por outro lado, enfraquece a vontade política

de celebrar e operacionalizar os arranjos.

• Os montantes anunciados para o acordo con-

tingente de reservas, US$ 100 bilhões (China

com US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e Rússia, com

US$ 18 bilhões e África do Sul com 5 bilhões),

são relevantes para a prevenção de crises de

balanço de pagamentos? Em que países?

• Assimetrias de poder dentro do grupo vão difi-

cultar o processo de negociação de alocação

de riscos, e possivelmente as condições para

acesso às linhas de crédito.

• Há um limite para inovação na área de assistên-

cia financeira: o grau de risco a que se expõe o

recurso dos contribuintes. Garantias formais ou

alterações na política econômica do país finan-

ciado para garantir sua capacidade de paga-

mentos deverão ser exigidas.

• A iniciativa de swap de moedas com a China

está inserida num processo de internacionali-

zação do Yuan conforme explícito em relatório

de seu Banco Central. E do lado brasileiro, o que

se pretende com esse acordo?

Quais seriam as consequências para o dia a dia

das pessoas caso as iniciativas fossem implementa-

das? Podemos dividir as consequências em gerais

e específicas, ou, como dizem os economistas, em

macro e micro.

No caso das consequências macro, relacionadas

ao acordo de empréstimo das reservas internacionais,

podemos dizer que a prevenção de crises e a existên-

cia de linhas de financiamento adicionais facilitam o

ajuste do país a eventuais dificuldades de balanço de

pagamentos, permitindo que seja feito com menor

sacrifício, em termos de crescimento da economia.

O aprofundamento das relações entre os BRICS e,

3 Lei nº 12.822, de 5 de junho de 2013, que autorizou o BCB a conceder crédito ao banco central uruguaio em forma de margem de contingência no valor de até US$ 40 milhões.

12

Page 15: Revista de Conjuntura n. 52

13

janeiro/abril de 2014

especialmente com a China, principal parceiro comer-

cial do Brasil, poderá fortalecer o comércio exterior bra-

sileiro, com influência positiva para o crescimento do

País. Por outro lado, se o Brasil for chamado a financiar

os outros países, haverá utilização de reservas que pos-

sivelmente terão uma melhor remuneração que nas

aplicações conservadoras típicas. Neste caso, o risco é

o default do parceiro, caso em que todos os brasileiros

financiam a perda.

As consequências microeconômicas são mais rela-

cionadas aos pagamentos em moeda local, e relacio-

nam-se a aumento de produtividade e diminuição

de custo de transação para o exportador ou para as

pessoas que fazem transferências internacionais para

manutenção pessoal. Finalmente, o amadurecimento

dos sistemas bancários para operações, sem a inter-

venção de terceiras moedas e o desenvolvimento de

cotação de taxas de câmbio bilaterais, poderá facilitar

a vida dos turistas e pequenos operadores desse setor.

Em suma, se as iniciativas em discussão não forem

inseridas numa estratégia de política exterior para o

Brasil, os seus benefícios deverão ser reduzidos e terão

risco de ser descontinuados, seja porque não apresen-

tem resultados palpáveis, seja por alteração no direcio-

namento internacional, com mudanças de governo.

‘‘ ‘‘

A maioria dos acordos de

cooperação tem implicações de

supervisão de políticas econômicas, ou,

em outras palavras, condicionalidades.

Maria Celina Berardinelli Arraes [email protected]

Ex-Diretora de Assuntos

Internacionais do Banco Central

do Brasil (2008-2009) e co-

presidente do G-20 financeiro

suplentes, em 2008. Funcionária

do Banco Central do Brasil

durante 25 anos.

Premiação em cada tema:

R$ 20.000,00 - 1º colocadoR$ 10.000,00 - 2º colocadoR$ 5.000,00 - 3º colocado

Certificado e Publicação da Monografia

de 19/02 a 08/09/2014Via Sedex

Inscrições e envio das monografias:

pr -seae.df(61) 3412-6018

emio [email protected]: www.esaf.fazenda.gov.br

Informações:

Patrocínio Realização Idealização

Concurso de Monografias sobre os temas:Defesa da Concorrência e Regulação da Atividade Econômica

Page 16: Revista de Conjuntura n. 52

INFORMAÇÕESFone: (61) 3412-6018

[email protected]

TEMAS• Qualidade do Gasto Público

• Aperfeiçoamento do Orçamento Público

PREMIAÇÃO POR TEMAS1° colocado - R$ 20.000,002° colocado - R$ 10.000,003° colocado - R$ 5.000,00

Cer cado • Publicação da Monograa

INSCRIÇÕES E ENTREGA DOS TRABALHOSde 17 de março a 10 de novembro de 2014, Via SEDEX.

licaaç

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Page 17: Revista de Conjuntura n. 52

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janeiro/abril de 2014

ArtigoCidades: automóveis produzem autoimobilidade

Valdir Melo

Mudanças tecnológicas trazem tanto vantagens e

benefícios quanto desvantagens e custos; vêm para

o bem e para o mal. Todavia, poucos pensavam assim

no final do século 19 e primeiras décadas do século 20.

Havia enorme fascínio pelas inúmeras e impressionan-

tes mudanças experimentadas nas décadas anteriores,

paixão pelo progresso, uma propensão social a aceitar

como inegavelmente benéficas as inovações. Soava

mal, quase antissocial, não se conformar com a inevi-

tabilidade dos novos artefatos. Neste clima, nasceu e

espalhou-se o automóvel.

Ademais, o automóvel era inicialmente um esporte

e um passatempo de ricos; além de caríssimo, não ser-

via como uma forma prática e confortável de trans-

porte. Os jovens adultos europeus, muitos com títulos

de conde ou barão, exibiam-se como adeptos do pro-

gresso em suas sensacionais “carruagens sem cavalo”.

Deste modo nasceu, na sociedade, uma aura de prestí-

gio envolvendo ter um automóvel. Esta aura permane-

ceu mesmo quando a chamada massificação, atribuída

a Henry Ford, estendeu a posse de automóveis a cama-

das da classe média. Afinal, o automóvel continuou

sendo um bem caro.

Antes do automóvel, instalara-se o transporte de

massa. Com este, as pessoas procuraram morar nas

cercanias das cidades, combinar a tranquilidade, o ar

fresco, a disponibilidade de quintais e árvores, a vizi-

nhança de matas, rios e lagos, com as vantagens da

vida urbana.

Todavia, as cidades investiram fortemente em

infraestrutura para se adaptar ao automóvel, tanto

seguindo como recompensando a moda de comprar

carro. Pensava-se que a adaptação seria uma reforma

urbana de uma vez por todas. Mas não; os congestiona-

mentos de trânsito exigiram obras públicas adicionais.

Nasceu a pressão sobre o Estado por avenidas apro-

priadas a tráfego de alta velocidade e por locais para

estacionar.

Todas essas medidas estimularam ainda mais a

aquisição de carros particulares, porque elas facilitam e

tornam mais cômodo o uso do veículo. Em uma etapa

seguinte, o resultado foi sempre que as vias voltaram a

ter tráfego intenso e ficar engarrafadas, desta vez com

muito mais carros nas ruas do que quando se fizeram

as obras motivadas pelo engarrafamento anterior.

Em seguida, entre os anos 1920 e 1930, os grupos

de interesse vinculados ao automóvel levaram as auto-

ridades municipais a reduzir o âmbito de atuação dos

transportes de massa. Alegavam-se que estes atrapa-

lhavam os automóveis, o verdadeiro meio de transporte

do futuro. Os transportes de massa não conseguiram

enfrentar a concorrência dos automóveis, francamente

apoiada em declarações, obras e subsídios providos

pelas autoridades do poder público.

Mesmo havendo congestionamento, o automóvel

ainda tinha mais facilidade de manobra e dava mais

mobilidade do que os ônibus. Estes se prejudicavam

por não poderem mais fornecer viagens rápidas e

cumprir horário. Os transportes de massa caíram em

um ciclo vicioso de perder clientes, ter menor receita e

diminuir a capacidade de manutenção e investimento.

Deixaram de ser atrativos a investidores, tendo em

vista que a política de longo prazo do poder público

era visivelmente contra este ramo de negócios.

Desde então, por décadas a fio, não se parou de

alargar e asfaltar ruas, derrubar quarteirões, construir

viadutos, túneis, passagens subterrâneas e elevadas,

derrubar árvores urbanas, diminuir praças e jardins,

tudo para facilitar o uso do automóvel. A organização

das relações entre carros e pedestres passou a ser em

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a

detrimento destes: nos cruzamentos, aumentando-se

as distâncias que o pedestre precisa cobrir; nas aveni-

das obrigando-os a atravessar mal-conservadas, insa-

lubres e, sobretudo, distantes e perigosas passagens

subterrâneas ou de nível. Lados de uma mesma rua ou

bairros vizinhos foram separados dos contatos a pé ao

serem cortadas por avenidas de quatro ou mais pistas

de automóveis em alta velocidade.

Essa história geral do automóvel é semelhante a

de vários países individualmente, inclusive o nosso.

Uma lição é que, por cerca de 80 anos, os fazedores de

política urbana têm se enganado com a ilusão de que

obras adicionais resolveriam os problemas do conges-

tionamento das ruas e da falta de mobilidade urbana.

Outra, mais importante, é beneficiar o automóvel no

montante e na forma que se fez, em particular dar-lhe

a prioridade na política de trânsito, foi um dos grandes

erros da humanidade no século 20.

Um mecanismo fundamental do problema é de

fundo econômico. Nas cidades, espaço é um dos bens

mais raros e muito caro. Ora, ao se adquirir um carro

obtém-se um meio de usar gratuitamente um vasto

espaço urbano, de valor talvez até superior ao preço do

carro. Muitas vezes até o pernoite do carro é feito em

espaço público, pois não é preciso ter garagem própria

para possuir carro. Uma boa previsão é que mais pes-

soas terão carros, devido ao aumento de renda e do

prestígio de possuir o bem.

E também porque, mesmo com o trânsito ruim,

ainda é mais confortável e conveniente o ambiente

particular do carro do que viajar em pé nos transportes

de massa, em forçada intimidade de corpo colado aos

de estranhos – a compartilhar suores, hálitos, espirros,

odores íntimos, doenças de pele, esfregões lúbricos,

bem como facilitando os bolsos e bolsas aos furtos por

viajantes com dedos ágeis. O ambiente dos metrôs,

trens e muitos ônibus de nossas grandes cidades é par-

ticularmente prejudicial, perigoso e impróprio a crian-

ças e adolescentes, a idosos, a pessoas com deficiência

e a mulheres.

Outra boa previsão, a julgar pela atual fronteira

da tecnologia, é que nenhuma inovação expandirá

o espaço das ruas e avenidas nem contrairá o espaço

que um automóvel ocupa em seu tempo total de

viagem.

Explore-se mais o mecanismo econômico associado

ao automóvel: o espaço que este ocupa ou pode usar

não pertence ao dono do automóvel; é de quem che-

gar primeiro e pegar primeiro. Por isso, cada motorista

coloca um carro no trânsito: quer se apossar do espaço,

quer usar um pedaço da enorme e cara infraestrutura

que o poder público coloca gratuitamente a seu dis-

por. Não se preocupa por estar gerando ou agravando

engarrafamento para os outros (externalidades, no jar-

gão econômico).

Na disputa para ocupar espaço onde ninguém

limita quantos podem entrar, os usuários de automó-

veis produzem autoimobilidade. Os congestionamen-

tos geram desperdício de outro bem valiosíssimo, o

tempo das pessoas. O automóvel é um caso de bem em

que, de forma exacerbada, os benefícios são particula-

res e os custos são coletivos.

É tempo de inverter esse círculo vicioso de oito

décadas ou mais: combater o prestígio do carro parti-

cular; redirecionar os investimentos em infraestrutura

para os pedestres, os ciclistas e os transportes de massa;

cobrar dos automobilistas o uso do espaço urbano;

devolver a praças, canteiros de árvores, jardins e calça-

mentos de pedestres o espaço subtraído no passado;

priorizar a conveniência, o conforto e a segurança dos

pedestres, dos ciclistas e dos usuários de transporte de

massas. Outros benefícios virão deste caminho: menos

poluição urbana e estresse nos cidadãos, menos mor-

tes violentas e mutilações.

Valdir Melo [email protected]

Doutor em economia pela Escola

de Pós-Graduação em Economia

(EPGE) da Fundação Getulio

Vargas, com pós-doutorado na

Universidade de Boston. Técnico

de Planejamento e Pesquisa

do Ipea (DIEST). Os juízos aqui

expressos são pessoais, não de

qualquer instituição.

16

Page 19: Revista de Conjuntura n. 52

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janeiro/abril de 2014

ArtigoOligarquia e depressãoAdriano Benayon

É hora de abrir o olho. Estamos no Brasil e no

mundo em situação especialmente perigosa, de que

há copiosas manifestações, cujas causas são sistema-

ticamente ocultadas, pois os que estão por trás delas

querem operar despercebidos.

As potências hegemônicas, suas associadas e

satélites seguem em depressão econômica, com

aspectos mais perversos que os da iniciada em 1930

e que só terminou, em 1943, nos EUA – com a mobi-

lização de dezenas de milhões de combatentes na

Segunda Guerra Mundial, mais os vultosos inves-

timentos para produzir armas. Na Europa e Ásia, a

depressão foi substituída pela devastação.

A terrível Guerra de 1939 a 1945 não foi desenca-

deada para acabar com a depressão, pois sempre os

fins (ou motivos reais) são obter mais poder, arrui-

nar potências vistas como rivais e desviar o foco dos

reais problemas sociais e econômicos.

Agora, desde a contrarrevolução liberal dos anos

80, a financeirização e a concentração do poder eco-

nômico e da renda deram grandes saltos, enquanto

decai o patrimônio e a renda real, no caso da grande

maioria dos que trabalham e no da crescente massa

dos desempregados.

Essa iniquidade jamais poderia ser tolerada em

sistemas democráticos. Assim, quase nada resta do

pouco de democracia, antes presente nos sistemas

políticos representativos, hoje mera embalagem,

com rótulo falso de um sistema tirânico, que investe

massivamente em contracultura, desinformação e

alienação, há mais de século.

Assim institucionalizou-se a mentira, e a verdade

é reprimida através de instrumentos totalitários,

radicalizados desde os ataques de 11.09.2001.

O terrorismo de Estado dirige-se contra os

cidadãos e é usado para marquetar, como jus-

tas, agressões militares genocidas contra países

alvos da geopolítica da oligarquia angloamericana:

Afeganistão, Iraque, Somália e Líbia.

Além disso, EUA, Reino Unido e satélites têm inter-

vindo em numerosos países com golpes e pretensas

revoluções suscitadas por serviços secretos, merce-

nários e organizações terroristas. Síria e Ucrânia são

alvos preferenciais dessas agressões, sem falar nas

permanentes pressões e falsas acusações contra o

Irã.

O prelúdio da Segunda Guerra Mundial, nos anos

30, também apresentou invasões e conflitos loca-

lizados, e a ascensão de regimes fascistas (Itália,

Alemanha e Japão), além de na Espanha, após san-

grenta guerra civil, de 1936 a 1939, com participação

de forças militares estrangeiras.

No presente, a depressão econômica prossegue,

bem como suas trágicas consequências sociais. A oli-

garquia financeira está cada vez mais concentrada

e tem cada vez mais poder sobre os governos – à

exceção dos demonizados, por não se submeterem

- pela mídia e pelas demais instituições formadoras

de opinião.

A oligarquia não deseja acabar com a depressão

- tarefa fácil, se fosse decidida – e visa concentrar

mais poder e tornar irreversível o controle totalitá-

rio sobre o Planeta, seus recursos e habitantes. Isso

envolve desumanizar os seres humanos, inclusive

acabando com as sociedades nacionais.

As soluções para recuperar a economia podem

ser entendidas por qualquer pessoa sensata, não

bitolada por lugares comuns disseminados pelos

economistas mais renomados (justamente por agra-

darem a oligarquia).

A depressão dos anos 30 explodiu com violência,

notadamente na Alemanha, exaurida pelas repara-

ções da 1ª Guerra Mundial. Ali o desemprego atingiu

6 milhões em março de 1932.

Economistas competentes, como Lautenbach,

alto funcionário do ministério da economia, mostra-

ram o caminho correto, apoiado pela federação das

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a

indústrias, semelhante ao plano de Woytinski, sus-

tentado por sindicatos de trabalhadores.

Em 1931, Lautenbach apresentou o memoran-

dum “Possibilidades para reviver a atividade eco-

nômica, através do investimento e da expansão do

crédito”. Afirmou:

“O curso para superar a emergência econômica

e financeira não é limitar a atividade econômica,

mas aumentá-la, porque o mercado não mais fun-

ciona nas condições de depressão e crise monetária

mundial.”

“Neste momento, temos situação paradoxal, na

qual, apesar dos cortes extraordinários na produção,

a procura ainda está defasada em relação à oferta.

Assim, temos excedentes crônicos da produção,

com os quais não sabemos lidar. Encontrar algum

modo de transformar esses excedentes em valor

real é o problema real e o mais urgente da política

econômica.”

“Excedentes de bens físicos, capacidade não-

-utilizada dos equipamentos produtivos e força de

trabalho não-aproveitada podem ser aplicados para

satisfazer uma nova necessidade, a qual, do ponto de

vista econômico, representa investimento de capital.

Podemos conceber tarefas como obras públicas, ou

obras realizadas com apoio público – que para a eco-

nomia significariam aumento da riqueza nacional – e

que teriam de ser feitas de qualquer modo, quando

se voltasse a ter condições normais (construção de

estradas, expansão do sistema ferroviário, melhora-

mentos na infra-estrutura, etc.)”

“Com tal política de crédito e investimentos,

será remediado o desequilíbrio entre a oferta e a

procura no mercado interno, e toda a produção

terá ganhado direção e objetivo. Se, todavia, dei-

xarmos de instituir tal política, estaremos enca-

minhados para inevitável e continuado colapso e

para a completa destruição da economia nacional,

levando-nos a uma situação que nos forçará, para

evitar uma catástrofe, a assumir dívidas de curto

prazo meramente para fins de consumo; enquanto

que hoje, está ainda em nosso poder obter esse

crédito para fins produtivos e, assim, recolocar

em equilíbrio tanto a economia como as finanças

públicas.”

Woytinski recomendou explorar oportunidades

de complementar as iniciativas das empresas pri-

vadas com a criação de empregos, através de inves-

timentos públicos. Propôs, ainda, a liberação de

fundos, via políticas de expansão monetária para a

reconstrução da Europa.

Em janeiro de 1932 foi apresentado o plano de

criação de empregos WTB (Woytinski, Tarnow e

Baade) para criar 1 milhão de novos empregos, com

investimentos financiados por créditos de longo

prazo, a juros baixos, pela Reichskredit AG, descon-

táveis no Reichsbank.

A Confederação Geral dos Trabalhadores Alemães

aprovou esse plano, recusado, entretanto, conforme

o parecer dos “peritos economistas” Hilferding,

Naphtali e Bauer, pelo Partido Social-Democrata.

Schäffer, secretário de Estado do Ministério das

Finanças, apoiou o plano de Lautenbach. Moção

similar partiu de Wagemann, chefe do Escritório

Nacional de Estatísticas, que, em janeiro de 1932,

publicou seu plano, que incluía emitir 3 bilhões de

reichsmarks para criar empregos.

Nada disso foi adiante, pois não interessava à oli-

garquia angloamericana. Esta armava a subida de

Hitler ao poder, mesmo tendo os nazistas perdido 2

milhões de votos nas eleições de 6.11.1932.

Após essas eleições, o presidente, marechal

Hindenburg, nomeou chanceler o chefe do Estado-

Maior, general Von Schleicher, que propunha pôr em

execução as políticas recomendadas por Lautenbach,

Woytinski e Schäffer, e apoiadas por entidades de

classe patronais e dos trabalhadores.

A oligarquia financeira tratou de evitar que Von

Schleicher sequer as iniciasse, minando-lhe a susten-

tação política, enquanto conspirava na chantagem

junto ao marechal-presidente para nomear Hitler,

consumada em 30.01.1933.

O objetivo era a Segunda Guerra Mundial, pois

Hitler anunciara no “Mein Kampf” seu desígnio de

atacar a União Soviética. Finalidade: empregos e

recuperação econômica só mediante a mobilização

para a guerra, que destruiria mutuamente Alemanha

e Rússia.

Hoje, o Estado é enfraquecido como agente de

desenvolvimento econômico e social. Ele serve, nos

18

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19

janeiro/abril de 2014

países-sede da oligarquia, para erguer enormes arse-

nais de armas destrutivas e hipertrofiar órgãos de

repressão, serviços secretos e meios tecnológicos de

desinformar.

Nos países periféricos, como o Brasil, o Estado,

empobrecido pelo serviço da dívida e pelas priva-

tizações, funciona para arrecadar recursos para a

dívida e subsidiar empresas transnacionais.

Com a política econômica dominada pela oligar-

quia financeira, a concentração não cessa de cres-

cer. No trabalho The Network of Global Corporate

Control, publicado em 2011, os matemáticos suíços,

Vitali, Glattfelder e Battiston, demonstraram a interli-

gação das corporações econômicas e financeiras por

laços diretos e indiretos de propriedade.

Com dados sobre 43.000 transnacionais (ETNs),

chegaram a 1.300 maiores companhias com fortes

elos entre si, núcleo refinado para um de somente

737 companhias, que controlam 80% das 43.000.

Mais elaboração permitiu chegar a 147, detentoras

da propriedade quase total sobre si mesmas, mais

40% das 43.000.

As 147 são basicamente controladas por somente

50, das quais 48 são financeiras. Apenas duas envol-

vem-se diretamente com a economia real (Walmart e

China Petrochemical Group).

Susan George, do Transnational Institute,

Amsterdam, conclui: “Nossos problemas originam-se

do 0,1%, na verdade do 0,001%.” Mas essa fração não

retrata a dimensão infinitesimal, em relação à popu-

lação da Terra, da minoria que concentra o poder

econômico, financeiro e político.

De fato, há hierarquia entre os donos das compa-

nhias mais poderosas, e, entre esses, pouquíssimos

exercem comando sobre bancos centrais, institui-

ções financeiras multilaterais e mercados financeiros.

George aponta as interligações entre a finança

e as corporações de petróleo e gás, e seus vínculos

com a indústria automotiva, gastadora de combus-

tíveis fósseis.

O poder dos concentradores financeiros mani-

festa-se, inclusive, pelo fato de 1% do topo pagar

percentual de tributos inferior ao de qualquer época

desde os anos 20, apesar da enorme elevação de seus

ganhos e de seu patrimônio nos últimos 35 anos.

Mais: dezenas de trilhões de dólares/euros das

emissões dos bancos centrais e das receitas tribu-

tárias foram usadas para salvar da bancarrota insti-

tuições financeiras cujos controladores e executivos

haviam lucrado dezenas de trilhões com jogadas

financeiras, em operações alavancadas, sobre tudo

com o quatrilhão de derivativos criados a impulsos

de chips, antes do colapso de 2007/2008.

Pior: o dinheiro depositado nos bancos é apli-

cado em novas especulações, criando novas bolhas,

prestes a estourar. A conta fica para os cidadãos dos

países endividados, inclusive dos EUA, e maior para

os dos países menos privilegiados que não podem

emitir dólares.

No Brasil, recordista mundial de juros altos, só

dois bancos, Itaú e Bradesco, registraram R$ 28

bilhões de lucros em 2013.

Adriano Benayon [email protected]

Doutor em economia e autor

do livro Globalização versus

Desenvolvimento.

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a

ArtigoOs impactos do orçamento na economia do Distrito Federal

Agaciel Maia

O setor público tem participação expressiva na

economia do Distrito Federal e podemos dizer que se

o setor público vai bem, a economia do DF também

vai bem. Essa assertiva decorre da participação de

54,41% da atividade da administração, saúde e educa-

ção pública na economia local, de acordo com levan-

tamento realizado pela Companhia de Planejamento

do DF (Codeplan).

A atividade administração, saúde e educação públi-

cas têm como finalidade prestar serviços de natureza

gratuita à coletividade, financiada pelos impostos, taxas

e contribuições sociais pagos pela sociedade. Dentre os

principais serviços prestados estão segurança, defesa

civil, justiça, saúde e educação públicas que são refe-

rências para os demais estados da Federação, em que

pese a necessidade de aprimoramento e investimentos

permanentes desses serviços.

A injeção de mais de R$ 35 bilhões, pelo setor

público, na economia do DF em 2014, deverá assegu-

rar bom desempenho na economia, sobretudo para

os setores ligados diretamente às demandas de bens

e serviços públicos que deverão, também, influenciar

de forma indireta os demais setores da atividade eco-

nômica local.

O orçamento aprovado pela Câmara Legislativa do

Distrito Federal, para o exercício financeiro de 2014 é

de R$ 23,394 bilhões (orçamento fiscal e seguridade

social mais o orçamento de investimento), conforme

tabela a seguir, evidenciando um crescimento nominal

de 13% do orçamento fiscal e da seguridade social e

queda de 16,46% no orçamento de investimento.

Fazem parte dos recursos administrados pelo

Governo do Distrito Federal os oriundos dos tributos

e serviços prestados pelo governo local, aqui represen-

tados pelos orçamentos fiscal e da seguridade social

e de investimento, e os provenientes do Orçamento

Geral União destinados ao DF por meio do Fundo

Constitucional do Distrito Federal (FCDF), fixado em

de R$ 11.664.812.281,00 (onze bilhões, seiscentos

e sessenta e quatro milhões, oitocentos e doze mil,

duzentos e oitenta e um reais) , para 2014, destinados

ao custeio das despesas da Polícia Civil, Polícia Militar

e Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, bem

como à assistência financeira às áreas de Educação e

de Saúde do Distrito Federal, na forma do art. 21, inciso

XIV, da Constituição Federal de 1988.

Dessa forma, computando-se os recursos local e

federal, o Distrito Federal tem a sua disposição um total

de recursos que superam os R$ 35 bilhões, fazendo com

que o DF seja o ente da federação com maior volume de

recursos por habitante-ano do País, com R$ 13.640,73.

Certamente, em decorrência da alta participação do

setor público na economia local, os gastos públicos

têm uma contribuição importante na renda per capita

do DF que, segundo o IBGE, é de R$ 63.020,00 por habi-

tante/ano, sendo o mais elevado do País e representa

quase o dobro da renda per capita do Estado de São

Paulo, de R$ 28.696,00 por habitante/ano.

O Distrito Federal é a sétima economia do Brasil,

tendo um PIB superado apenas pelos estados de São

Paulo (o maior do Brasil), Rio de Janeiro, Minas Gerais,

Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

O montante de investimentos previstos no orça-

mento 2014, na ordem de R$ 7,039 bilhões, sendo

R$ 5,097 bilhões no orçamento fiscal e seguridade

social e R$ 1,942 bilhão no orçamento de investimento,

1 Economista, Deputado Distrital, Vice-Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

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janeiro/abril de 2014

reveste-se numa medida de alto impacto na economia

local e do entorno do DF. Esses recursos públicos cer-

tamente se somarão aos investimentos privados que

ampliarão, sobremaneira, o dinamismo do desenvolvi-

mento regional.

Se, de um lado, o orçamento do DF mostra cres-

cimento vertiginoso nesses últimos anos, de outro,

mostra-se bastante satisfatório do ponto de vista do

resultado fiscal. Para 2014, o resultado primário, ou seja,

sem cômputo das receitas e despesas financeiras, pre-

visto e autorizado na Lei de Diretrizes Orçamentárias,

é deficitário em 903,4 milhões, o que impacta positi-

vamente na dívida pública consolidada do Distrito

Federal, fazendo com que atinja o valor de R$ 6,464

bilhões. Deduzindo-se, dessa dívida os ativos financei-

ros, a dívida consolidada líquida cai para R$ 4 bilhões.

A dívida pública local não apresenta, no momento,

maiores preocupações, tendo em vista que está muito

distante do valor máximo de endividamento dos esta-

dos permitido pelo Senado Federal que é de 200%

da receita corrente líquida para a dívida consolidada

líquida. Dessa forma, a dívida do DF participa com ape-

nas 22,6% da receita corrente líquida.

Com despesa prevista de R$ 150 milhões para juros

e encargos e de R$ 177 milhões para amortização, esses

valores não se apresentam demasiadamente onerosos

para o orçamento do Distrito Federal.

Vale ressaltar que a despesa do governo local

com pessoal é de R$ 10 bilhões para 2014, represen-

tando um crescimento nominal de 13,7% em relação

ao orçamento de 2013, que foi de R$ 8,793 bilhões,

sem considerar as despesas de pessoal constantes no

Fundo Constitucional do Distrito Federal, destinados

ao custeio de pessoal da área de segurança.

Além das despesas de investimentos e de pessoal,

anteriormente relatadas, destacam-se as despesas obri-

gatórias com educação, saúde e cultura do DF. Pela legis-

lação vigente, o DF deve aplicar R$ 1,864 bilhão em saúde,

R$ 6,187 bilhões em educação e R$ 53 milhões para a cul-

tura. Esses valores são extremamente significativos nas

suas respectivas áreas e tem permitido a ampliação des-

ses serviços para a sociedade local, principalmente nas

diversas cidades-satélites. Ressalte-se, no caso da educa-

ção pública e da saúde, atender, inclusive, cidadãos do

entorno e de outros estados da Federação.

Com crescimento de 9,56%, o orçamento do

Governo do Distrito Federal, para 2014, sem dúvida,

deverá contribuir para impulsionar a economia local,

aumentando a renda e o emprego em todos os seto-

res da atividade econômica, beneficiando, também, a

região do entorno.

Agaciel Maia [email protected]

Economista, Deputado Distrital,

Vice-Presidente da Câmara

Legislativa do Distrito Federal.

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a

ArtigoAnálise das recentes operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as

contas públicas, a “contabilidade criativa”

Maria Liz de Medeiros Roarelli*Joaquim Ornelas Neto**

Renato Brown***

1 IntroduçãoO objetivo deste trabalho é fazer um levanta-

mento das principais operações entre o Tesouro, o Fundo Soberano e o BNDES, bem como entre o Tesouro e a Caixa Econômica Federal, com vistas a analisar o seu impacto sobre as con-tas públicas e verificar se estão sendo previstas no Orçamento Geral da União. A análise de tais operações avalia como as mesmas estão sendo computadas no cálculo do resultado primário e por que sua contabilização ficou conhecida como “contabilidade criativa”. Não se pretende, todavia, esgotar a análise de todas as operações entre o Tesouro e seus bancos oficiais, mas apresentar as mais importantes para a avaliação das contas públicas como um todo.

2 Principais OperaçõesDentro do que se chama contabilidade criativa,

identificamos dez tipos de operações/ações abaixo

assinaladas:

1. Capitalização ou injeção de recursos pelo

Tesouro em bancos públicos federais, como

Caixa Econômica Federal-CEF e Banco

Nacional do Desenvolvimento Econômico

e Social-BNDES e de bancos de economia

mista, como o Banco do Brasil, com emissão

de títulos públicos (instrumento híbrido de

capital e dívida – Resolução CMN nº 2.543/98,

Carta-Circular BCB 2.819/98, Carta-Circular BCB

2.953/2001);

2. Capitalização da CEF com aumento de capital

ocorrido por meio da compra pelo Tesouro/

Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização-

FFIE de ações da Petrobras e outras compa-

nhias abertas em poder da CEF (Decreto nº

7.880, de 28/12/2012);

3. “Capitalização” do BNDES, por meio da cessão

onerosa a tal Banco dos direitos de crédito

detidos pelo Tesouro contra Itaipu Binacional,

no valor de R$ 6 bilhões, sendo que o Tesouro

recebe, como pagamento, títulos da dívida

pública mobiliária ou ações de sociedades anô-

nimas (Lei nº 12.833, de 20 de junho de 2013

- MPV 600 de 28/12/2012);

4. Autorização para emissão direta de títulos

públicos para compra de direitos de crédito

da Eletrobrás contra Itaipu Binacional (Lei nº

12.783/2013 – marco legal recente do setor

elétrico), sem incluir tal emissão no Orçamento

Geral da União;

5. Autorização para emissão direta de títulos

públicos pelo Tesouro a favor da Conta de

Desenvolvimento Energético-CDE, conforme

art. 15 da MPV nº 615/2013 e aquisição pelo

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janeiro/abril de 2014

Tesouro de créditos da Eletrobrás contra Itaipu,

pagando na forma de emissão direta de títulos

a favor da Eletrobrás, sem incluir as emissões

diretas no Orçamento Geral da União;

6. Classificação como receita primária do Tesouro,

em 2012, do seguinte ingresso de recurso:

compra pelo BNDES de ações da Petrobras

na carteira do Fundo Fiscal de Investimento e

Estabilização-FFIE dando, como pagamento,

títulos públicos em seu poder, posteriormente

resgatados antecipadamente pelo Tesouro,

com o objetivo de alcançar o superávit primá-

rio (Decreto nº 7.881, de 28/12/2013)1;

7. Antecipação de dividendos (receita primária)

ao Tesouro pela CEF e pelo BNDES (por meio de

Ofício do Ministério da Fazenda);

8. Dispensa somente ao BNDES de marcar a

mercado as ações que possuía das empresas

Eletrobrás, Petrobras e Vale, o que possibilitou

que houvesse lucro no Banco, enquanto que,

se tais ações fossem cotadas a mercado, gera-

riam prejuízo (pois o valor de mercado caiu –

Resolução CMN nº 4.175/12);

9. Autorização pelo Conselho Monetário Nacional

– CMN para que o BNDES fosse dispensado do

limite de exposição ao risco por cliente em ope-

rações de empréstimo e de compra de ações

da Eletrobrás, Petrobras e Vale (Resolução

4.089/2012);

10. Autorização pelo CMN para que o BNDES

excluísse da apuração do limite do Ativo

Permanente em relação ao Patrimônio Líquido

as compras de ações da Eletrobrás, Petrobrás e

Vale (Resolução 4.089/2012). Isso possibilitou a

compra dessas ações, o que, pela regra anterior,

levaria o Banco a ultrapassar esse limite legal.

2.1 Capitalização ou injeção de recursos pelo

Tesouro em bancos públicos federais, como Caixa

Econômica Federal - CEF e Banco Nacional do

Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e de

bancos de economia mista, como o Banco do Brasil,

com emissão de títulos públicos (instrumento

híbrido de capital e dívida – Resolução CMN nº

2.543, de 1998, Carta-Circular BCB 2.819/98, Carta-

Circular BCB 2.953/2001);

O termo “híbrido” demonstra a característica mista

do instrumento que ao mesmo tempo é capital por-

que entra na contabilização do Patrimônio Líquido do

tomador e, também, é dívida porque, na contabilidade

do credor, é computado como um crédito contra a ins-

tituição financeira tomadora do recurso.

O instrumento híbrido de capital e dívida é utili-

zado para dar aporte financeiro às instituições, aumen-

tando, assim, a “alavancagem”, sem que a participação

dos acionistas diminua e, ao mesmo tempo, aumente

o Patrimônio de Referência da instituição tomadora (o

banco), permitindo à mesma aumentar seus ativos em

várias vezes o valor recebido.

Esse instrumento é reconhecido pelo Acordo da

Basileia2. Por meio da Resolução CMN nº 2.543, de 1998,

o Banco Central procurou adaptar as normas e os limi-

tes das instituições brasileiras aos padrões internacio-

nais definidos no Acordo de Basileia e pelas Normas

Internacionais de Contabilidade, publicadas pelo Comitê

de Padrões Contábeis Internacionais e incluiu as normas

para o instrumento híbrido de capital e dívida.

Normalmente, esse instrumento teria a desvanta-

gem de acarretar uma taxa de juros mais cara (prêmio),

por causa do risco, para o tomador. Mas não é isso que

ocorre no Brasil, principalmente quando o “credor” é o

Tesouro. No Brasil, há dois tipos de instrumentos híbri-

dos de capital e dívida: o bônus perpétuo e o de dívida

subordinada. Nos dois casos, existe o risco de o credor

não receber os recursos de volta.

A dívida subordinada é normalmente um papel

de longo prazo e quem o detém somente em caso de

liquidação fica à frente do acionista, na fila para receber

o “espólio”. No caso do bônus perpétuo, o credor não

pode exigir resgate do principal, o qual só é pago ao

1 Em 2010, o superávit primário somente foi alcançado devido à classificação como receita primária dos recursos pagos pela Petrobras, no valor de R$ 74,8 bilhões, na forma de títulos públicos em seu poder, decorrentes do Contrato de Cessão Onerosa entre a Petrobras e a União (previsto na Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010);

2 Acordo firmado entre vários países, inclusive o Brasil, para adotar normas e regras internacionais para as instituições financeiras, em Basileia, Suíça.

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tomador se desejar, e esse é o tipo mais reconhecido

como instrumento híbrido de capital e dívida.

No Brasil, o governo tem utilizado esse instrumento

para capitalizar bancos oficiais federais como a CEF e

o BNDES e ainda o Banco do Brasil. Os recursos utiliza-

dos nessas operações são provenientes da emissão de

títulos públicos, especificamente, da emissão direta de

títulos públicos.

Porém, a taxa de juros desses “empréstimos” cos-

tuma ser abaixo da Selic, o título não pode ser resga-

tado por iniciativa do “credor” e ainda há uma série de

características que tornam o detentor desse título em

desvantagem, caso não compense os riscos com o prê-

mio maior.

Do ponto de vista orçamentário, cumpre ressal-

tar que tais operações não estão sendo registradas

no Orçamento Geral da União (OGU). Alega-se que as

emissões de título são emissões diretas, ou seja, não

vão a mercado3. Mas, o problema é que simplesmente

ignora-se que se trata de um tipo de operação de cré-

dito do Tesouro (receita), e também de que existe um

subsídio implícito em tais operações.

Caso tais operações fossem registradas correta-

mente, haveríamos de ter registro no OGU primeira-

mente da operação de emissão de títulos públicos,

que deveria ser registrada como despesa de capital,

conforme determina a Lei nº 4.320/64. Além disso, a

operação do instrumento híbrido deveria constar na

despesa de capital, inversão financeira, como conces-

são de empréstimo (despesa financeira)4. O diferencial

entre os juros de captação de recursos (Selic) e os juros

do instrumento híbrido deveria constar como despesa

corrente, subvenção econômica, diferencial ou equali-

zação de taxa de juros (despesa primária)5. Esse dife-

rencial deveria ser computado a cada ano no OGU e no

cálculo do resultado primário, acima da linha, ou seja,

receitas primárias menos despesas primárias.

Assim, o que torna a contabilidade pública “criativa”,

nesse caso, é o fato de não se registrarem tais opera-

ções nem no Orçamento, nem no cálculo do resultado

primário, “acima da linha”. Esse procedimento con-

traria a Lei nº 4.320/64 (art.6º) que manda que sejam

registradas no Orçamento toda a receita e toda a des-

pesa. Além disso, não passar pelo Orçamento impede

que tais operações sejam avaliadas pelo Congresso

Nacional, conforme o art. 166 da Constituição Federal.

Devemos observar, entretanto, que, no cálculo do

resultado nominal pelo Banco Central, ou necessidades

de financiamento do setor público no conceito nominal

(que não deduz juros líquidos)6, abaixo da linha (dife-

rença entre haveres e obrigações no setor público), o

diferencial entre as taxas Selic e TJLP referente à ope-

ração de instrumento híbrido de capital e dívida com

emissão de títulos públicos acaba surgindo, ao longo

do tempo. Isso ocorre porque tanto a emissão de título

quanto o crédito às instituições financeiras federais são

contabilizados como obrigação e haver, respectiva-

mente, no cálculo “abaixo” da linha do resultado nomi-

nal (necessidades de financiamento do setor público

não financeiro – conceito nominal). Assim, a emissão

de títulos acaba afetando a Dívida Bruta, embora não

afete à Dívida Líquida e o resultado nominal (variação

de dívida líquida), abaixo da linha, acaba sendo afetado

pelo diferencial de taxas de juros.

2.2 Capitalização da CEF com aumento de capital

ocorrido por meio da compra pelo Tesouro/Fundo

Fiscal de Investimento e Estabilização-FFIE de

ações da Petrobras e outras companhias abertas

em poder da CEF (Decreto nº 7.880, de 28/12/2012).

Essas operações permitiram o ingresso de recursos

na CEF, no valor de R$ 5,4 bilhões, sem a necessidade

de tomar empréstimos junto ao Tesouro. Além disso, a

entrega de ações, como forma de pagamento, à Caixa

não foi considerada despesa primária do Tesouro. Com

o aumento de capital, a CEF pôde atender às exigências

3 De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, “As emissões diretas de títulos são realizadas para atender finalidades específicas, definidas em Lei. Caracterizam-se pela colocação direta de títulos públicos sem a realização de leilões ou outro tipo de oferta pública”.

4 Essa concessão de empréstimo pode ser considerada aquisição de ativo ou direito, mas essa rubrica não consta no Manual Técnico de Orçamento (MTO), e, por se tratar de uma espécie de título de dívida(haver, do ponto de vista do Tesouro) não consideramos impróprio que a contabilização seja no elemento de despesa “concessão de empréstimo”, conforme descrito na Lei nº 4.320/64.

5 Essa despesa deveria estar registrada na Unidade Orçamentária Operações Oficiais de Crédito, no Orçamento Geral da União.6 Conceito que considera as despesas primárias somadas às despesas financeiras de juros nominais e as receitas primárias também somadas às receitas

financeiras relacionadas a juros nominais.

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janeiro/abril de 2014

das resoluções do Banco Central, quanto ao limite de

créditos, podendo emprestar mais. Em contrapartida,

foi possível à Caixa pagar antecipadamente dividendos

no valor de R$ 4,7 bilhões (item 8).

O Decreto nº 7.880, de 28/12/2012 estabelece:

“Art. 1º Fica autorizado o aumento de capital social

da Caixa Econômica Federal - CEF, no montante de

até R$ 5.400.000.000,00 (cinco bilhões e quatrocentos

milhões de reais), mediante a transferência de ações

ordinárias de emissão da Petróleo Brasileiro S.A. -

PETROBRAS, excedentes à manutenção do controle

acionário da União, bem como ações de sociedades

anônimas de capital aberto, a critério da Secretaria

do Tesouro Nacional.

§ 1º O valor exato da subscrição e a quantidade de

ações a serem transferidas à CEF serão determinados

utilizando-se cotação de fechamento do dia útil

anterior à data da transferência das ações referente

às negociações realizadas na BM&FBOVESPA.

§ 2º Caberá à Secretaria do Tesouro Nacional adotar

as providências relativas à transferência de titulari-

dade junto à entidade custodiante.”

2.3 “Capitalização” do BNDES por meio da cessão

onerosa a tal Banco dos direitos de crédito detidos

pelo Tesouro contra Itaipu Binacional, no valor de

R$ 6 bilhões, sendo que o Tesouro recebe, como

pagamento, títulos da dívida pública mobiliária ou

ações de sociedades anônimas (Lei nº 12.833, de 20

de junho de 2013 - MPV 600 de 28/12/2012).

Essa operação permitiu que o Tesouro capita-

lizasse, posteriormente, a Caixa com as ações que

obteve do BNDES (conforme item 2), além de possi-

bilitar que União arque com os subsídios da Conta de

Desenvolvimento Energético com os recursos advin-

dos da cessão onerosa.

O art. 8°, da Lei nº 12.833, de 20 de junho de 2013

(MPV 600 de 28/12/2012) determina:

“Art. 8º Fica a União autorizada a ceder onerosamente

ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social - BNDES e suas controladas direitos de cré-

dito detidos pelo Tesouro Nacional contra a Itaipu

Binacional.

§ 1º O pagamento devido pelo BNDES pela cessão

de que trata o caput poderá ser efetivado em títu-

los da dívida pública mobiliária federal ou ações de

sociedades anônimas, exceto as integrantes de insti-

tuições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional,

respeitada a equivalência econômica da operação,

sendo o ajuste de eventual diferença pago em moeda

corrente pelo BNDES à União.

§ 2º A operação deverá ser formalizada mediante ins-

trumento contratual a ser firmado pelas partes.

§ 3º Fica a União autorizada a destinar à Conta de

Desenvolvimento Energético - CDE, no todo ou em

parte, os recursos financeiros provenientes da cessão

onerosa de que trata o caput.

§ 4º Fica a União autorizada a celebrar contratos com

o BNDES com a finalidade de excluir os efeitos da

variação cambial incidentes nos direitos de crédito de

que trata o caput.”

2.4 Autorização de emissão direta de títulos públi-

cos para compra de direitos de crédito da Eletrobrás

contra Itaipu Binacional (Lei nº 12.783/2013 - marco

legal recente do setor elétrico), sem incluir tais

emissões no Orçamento Geral da União.

Os art. 17 e 18 da Lei nº 12.783/2013 (marco legal

recente do setor elétrico), estabelece:

“Art. 17. Fica a União autorizada a adquirir créditos

que a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRAS

detém contra a Itaipu Binacional.

Parágrafo único. Para a cobertura dos créditos de que

trata o caput, a União poderá emitir, sob a forma de colo-

cação direta, em favor da Eletrobrás, títulos da Dívida

Pública Mobiliária Federal, cujas características serão

definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda, respeitada

a equivalência econômica com o valor dos créditos.

Art. 18. Fica a União autorizada a destinar os créditos

objeto do art. 17 e os créditos que possui diretamente

na Itaipu Binacional à Conta de Desenvolvimento

Energético - CDE.”

A colocação direta de títulos públicos não tem sido

incluída no Orçamento Geral da União, o que contraria

os princípios da contabilidade e do orçamento públi-

cos, além de contrariar a Lei nº 4.320/64. A Eletrobrás

poderá ir ao mercado e vender tais títulos, obtendo

recursos, sem precisar obter empréstimos junto ao

Tesouro. O Tesouro pagará taxa de juros selic sobre os

títulos que emitir e receberá em parcelas os créditos de

Itaipu Binacional, até o ano de 2023. Ainda não pode-

mos afirmar se há subsídio implícito nessa operação

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a

(diferencial de juros), mas, caso ocorra, deverá ser com-

putado como despesa no cálculo do resultado primá-

rio. Caso contrário, estaremos novamente diante de um

quadro de “contabilidade criativa”.

2.5 Autorização para emissão direta de títulos públi-

cos pelo Tesouro a favor da Conta de Desenvolvimento

Energético-CDE, conforme art. 15 da MPV nº 615/2013

e aquisição pelo Tesouro de créditos da Eletrobrás

contra Itaipu, pagando na forma de emissão direta de

títulos a favor da Eletrobrás, sem incluir as emissões

diretas no Orçamento Geral da União;

O art. 15 da MPV nº 615/2013 determina:

“Art. 15. Fica a União autorizada a emitir, sob a

forma de colocação direta, em favor da Conta de

Desenvolvimento Energético - CDE, títulos da Dívida

Pública Mobiliária Federal, a valor de mercado e até

o limite dos créditos totais detidos, em 1o de março

de 2013, por ela e pela Eletrobrás junto a Itaipu

Binacional.

§ 1º As características dos títulos de que trata o caput

serão definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda.

§ 2º Os valores recebidos pela União em decorrência

de seus créditos junto a Itaipu Binacional serão des-

tinados exclusivamente ao pagamento da Dívida

Pública Federal.”

A emissão direta de títulos do Tesouro não tem

passado pelo Orçamento Geral da União-OGU, con-

trariando princípios da contabilidade e do orçamento

públicos e a Lei 4.320/64. Nesse caso, há um compro-

metimento de receitas futuras que viriam da usina

Itaipu, uma vez que tais receitas estão vinculadas

ao pagamento (resgate) dos títulos. Trata-se de uma

antecipação de receita que provavelmente será consi-

derada receita primária, à medida que for ocorrendo,

e que custeará os subsídios da redução de tarifas do

setor elétrico. Esses créditos contra Itaipu estão estima-

dos em R$ 15 bilhões.

2.6 Classificação como receita primária do Tesouro

do seguinte ingresso de recurso: compra pelo BNDES

de ações da Petrobrás na carteira do Fundo Fiscal

de Investimento e Estabilização-FFIE, dando, como

pagamento, títulos públicos em seu poder, que

foram posteriormente resgatados antecipadamente

pelo Tesouro, com o objetivo de alcançar o superávit

primário (Decreto nº 7.881, de 28/12/2013);

O BNDES comprou ações da Petrobras na carteira

do FFIE. Primeiro, vale ressaltar, que isso somente foi

possível porque o BNDES foi dispensado de cumprir

limites de crédito por credor definidos com base na

relação entre os créditos e o patrimônio líquido do

banco, conforme será explicado no item 7. Em segundo

lugar, o pagamento por parte do BNDES foi feito com

títulos públicos e não em dinheiro. Em terceiro lugar,

a compra de ações da Petrobras foi feita diretamente

pelo BNDES, ou seja, o FFIE não foi ao mercado ven-

der tais ações, pois isso efetivaria a perda decorrente

da queda do valor das ações da Petrobras no mercado.

Assim, fica justificada a entrada do BNDES nessa ope-

ração: evitar a perda de recursos com a marcação das

ações a preço de mercado, uma vez que o preço por

ação ordinária da Petrobrás caiu de R$ 31,25, em 2010,

para R$ 19,55, ao final de 2012.

O art. 1º do Decreto nº 7.881, de 28/12/2013

determina:

“Art. 1º Compete ao Presidente da República, por

proposta do Conselho de Administração do Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -

BNDES, autorizar a alienação das ações ordinárias de

emissão da PETROBRAS, adquiridas diretamente junto

ao Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização-FFIE,

a qual ficará, ainda, condicionada ao cumprimento

das formalidades estabelecidas neste artigo.”

De posse dos títulos públicos, o FFIE entregou-os

ao Fundo Soberano do Brasil - FSB (fundo público/

Tesouro), que diminuiu sua participação como cotista

do FFIE, ou seja, resgatou as cotas. Uma vez que esses

títulos ficaram na carteira do Fundo Soberano, dei-

xaram de estar no “mercado”. Isso gera impacto no

resultado primário medido no conceito “abaixo da

linha” (variação da dívida líquida), pois significa uma

amortização de dívida (redução), o que equivale a um

superávit primário. Devemos lembrar que o FSB é uma

Unidade Orçamentária da União, fazendo parte do

Orçamento Geral da União. Assim, do ponto de vista

do resultado primário medido “acima da linha” (receita

menos despesa), é como se houvesse uma receita para

o Tesouro, não importando se é na forma de títulos ou

de moeda.

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27

janeiro/abril de 2014

O Fundo Soberano do Brasil - FSB é um fundo espe-

cial, de natureza contábil e financeira, vinculado ao

Ministério da Fazenda criado por lei, conforme exige

o art. 167, IX, da Constituição Federal. Integra o orça-

mento fiscal, por se tratar de fundo pertencente à

União, conforme o art. 165, § 5º da Carta.

Ao final de 2008, o governo utilizou parte do seu

excesso de arrecadação de receita para fazer aporte no

FSB, mantendo a meta fiscal de superávit primário. Esse

aporte de recursos, no valor de R$ 14,2 bilhões, foi con-

siderado como despesa primária, ao se calcular o resul-

tado primário do exercício de 2008. Com esses recursos, o

FSB integralizou cotas do Fundo Fiscal de Investimento e

Estabilização- FFIE que é de caráter privado.

Dessa forma, assim como o aporte do Tesouro no

Fundo Soberano (ou integralização de cotas no FFIE)

foi considerado como despesa primária, a “devolução”

dessas cotas ao Fundo Soberano/Tesouro foi conside-

rada receita primária.

Essas operações possibilitaram que o Tesouro utili-

zasse, no ano de 2012, a poupança que fez em 2008, sem

que isso fosse considerado receita financeira, possibili-

tando que fosse gerado resultado primário maior. Por isso,

alguns consideram tais operações como parte da cha-

mada “contabilidade criativa”, com o objetivo de alcançar

a meta de resultado primário, o que não ocorreria se tais

receitas não fossem computadas como receitas primárias.

O problema desse tipo de operação é que esconde

a verdadeira situação das contas públicas, além de não

tornar transparente a perda patrimonial do FFIE esti-

mada em R$ 4 bilhões, decorrente da compra, em 2010,

e venda, em 2012, das ações da Petrobras.

Além disso, essa operação se desvia das de natu-

reza típica do FSB, que foi criado originalmente com

o objetivo de atenuar os ciclos econômicos, fomentar

projetos do País no exterior e suavizar as oscilações do

mercado de câmbio.

Vale destacar que a decisão de resgate de cotas

do FFIE foi aprovada pelo Conselho Deliberativo do

Fundo Soberano do Brasil, por meio da Resolução nº 9,

de 28 de dezembro de 2012, com base no parecer da

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

2.7 Antecipação de dividendos (receita primária) ao

Tesouro pela CEF e pelo BNDES (por meio de Ofício do

Ministério da Fazenda);

O principal problema quanto a essa antecipação é

que o lucro dessas instituições (CEF e BNDES) foi gerado

pelos juros subsidiados que o próprio Tesouro oferece

às mesmas. Ou seja, o Tesouro emite títulos no mer-

cado e paga a taxa Selic sobre os mesmos, enquanto

empresta a juros bem inferiores à CEF/BNDES, que, por

sua vez, emprestam a juros mais altos a seus clientes.

Enquanto os subsídios a tais instituições financeiras

não são registrados como despesa primária, os divi-

dendos advindos dos lucros, gerados a partir de tais

subsídios, são registrados como receita primária.

Por sua vez, a antecipação de dividendos pelo BNDES

teve que ser feita por meio de um Ofício do Ministério da

Fazenda, já que pelo Estatuto do Banco não seria permi-

tida a distribuição em 28 de dezembro de 2012, conforme

foi feita. O TCU questionou a validade de tal Ofício, mas

a resposta foi a de que houve a permissão de que ao

Tesouro, principal acionista do BNDES, foi dada compe-

tência para fazer tal distribuição e que a decisão por fazê-

-lo de ofício é justificada pelo fato de não se achar por

bem alterar o Estatuto do Banco para uma ação mera-

mente pontual, que só valeria para 2012.

Assim, pelas razões acima, a operação de anteci-

pação de dividendos comentada é considerada no

âmbito do que se convencionou chamar de “contabi-

lidade criativa”.

2.8 Dispensa somente ao BNDES de marcar a mer-

cado as ações que possuía das empresas Eletrobrás,

Petrobras e Vale (Resolução CMN nº 4.175/12).

Isso possibilitou que houvesse lucro no Banco e

o mesmo distribuísse dividendos ao Tesouro. Se tais

ações fossem cotadas pelo valor de mercado, gerariam

prejuízo (pois o valor de mercado caiu). Os dividen-

dos foram entregues ao Tesouro e computados como

receita primária. Isto também faz parte da chamada

“contabilidade criativa”;

2.9 Autorização pelo Conselho Monetário Nacional

– CMN para que o BNDES fosse dispensado do limite

de exposição ao risco por cliente em operações de

empréstimo e de compra de ações da Eletrobrás,

Petrobrás e Vale (Resolução 4.089/2012).

No caso da elevação do limite para operações de

empréstimo, isso possibilitou que o BNDES fizesse

empréstimos à empresa Vale acima do limite de 25%

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a

do Patrimônio de Referência do Banco. No caso da

elevação do limite de exposição ao risco para compra

de ações das referidas empresas, isso possibilitou que

o BNDES comprasse mais ações da Petrobras e, assim,

participasse das operações com o Fundo Soberano

(“contabilidade criativa” já comentada no item 5); Além

disso, foi estendido para 31 de julho de 2015 o prazo

para que o BNDES não se submeta a qualquer tipo de

limite para conceder empréstimo para as empresas

Eletrobrás e Petrobras (Resolução 4.089/2012).

2.10 Autorização pelo CMN para que o BNDES exclu-

ísse da apuração do limite do Ativo Permanente

em relação ao Patrimônio Líquido as compras de

ações da Eletrobrás, Petrobras e Vale (Resolução

4.089/2012).

Isso possibilitou a compra dessas ações, o que,

pela regra anterior, levaria o Banco a ultrapassar esse

limite legal.

3 Truques Contábeis e Contabilidade Criativa A Relação do BNDES com o Tesouro é uma das fon-

tes da chamada “Contabilidade Criativa”. Com base nas

explicações acima, destacamos os seguintes pontos:

(1) emitir novas dívidas para emprestar aos bancos

públicos e, simultaneamente, recolher dividendos desses

bancos (inclusive dividendos antecipados). Se um banco

público precisa de recursos, o correto seria o governo dei-

xar a instituição reter os dividendos que seriam distribuí-

dos e, assim, reduzir as emissões de dívida.

Fonte: http://mansueto.wordpress.com/ acessado em 10.08.2013

(2) O segundo truque contábil é vender receitas

futuras (dividendos) de outras estatais para o BNDES

e, assim, o Tesouro transforma uma receita que entra-

ria no futuro em receita primária hoje. Isso foi feito, em

2009 e 2010, com créditos (dividendos) a receber da

Eletrobrás e, no final de 2012, feito com a receita futura

de Itaipu.

Fonte: http://mansueto.wordpress.com/ acessado em 10.08.2013

(3) O terceiro truque contábil envolveu relação

entre o BNDES e a Petrobras. Originalmente, a ope-

ração aprovada no Congresso Nacional, em 2010,

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janeiro/abril de 2014

permitiu ao governo ceder 5 bilhões de barris de petró-

leo (que estão lá no fundo do mar) por R$ 74,8 bilhões

à Petrobras que pagaria ao governo com ações da

companhia. Porém, foi emitido R$ 25 bilhões em novas

dívidas para capitalizar o BNDES que, em conjunto com

o Fundo Soberano, compraram R$ 32 bilhões de ações

da Petrobras que pagou parte dos 5 bilhões de barris

de petróleo ao Tesouro não com ações, mas com esse

dinheiro.

Assim, uma operação que deveria ser neutra do

ponto de vista fiscal, troca de barris de petróleo por

ações, acabou gerando uma receita primária de R$ 32

bilhões (1% do PIB).

Fonte: http://mansueto.wordpress.com/ acessado em 10.08.2013

4 Capitalização por Instrumento não Orçamentário

Conforme comentado na seção 2, a capitalização/

financiamento realizada em favor do BNDES, por meio

de instrumento híbrido de capital e dívida, revela duas

operações no âmbito da União: uma receita de capital

relativa à operação de crédito (emissão do título, que

ocorre quando de sua entrega ao BNDES) e uma des-

pesa de capital relativa à aquisição de um ativo (crédito

contra o BNDES).

Segundo técnicos do Poder Executivo, tais ope-

rações não são incluídas no orçamento porque não

produzem movimentação na conta única. Contudo, a

movimentação na conta única deveria ser tida como

irrelevante para caracterizar o fenômeno financeiro. De

fato, efetivamente ocorre uma operação de crédito e

uma aquisição de ativo!

Devemos refletir sobre a seguinte questão: aumen-

tar a participação acionária no BNDES é considerada

despesa primária nos manuais internacionais de apu-

ração do resultado primário, mas capitalizar o BNDES

com a entrega de títulos por meio de instrumentos

híbridos de capital e dívida é despesa financeira.

Até que ponto tal instrumento estaria mascarando a

verdadeira situação das contas públicas?

O BNDES é capitalizado em conformidade com

normas do Banco Central (que estão em conformidade

com o Acordo de Basiléia), que considera capital para

fins de concessão de financiamentos o montante

obtido da soma do patrimônio líquido com valores

relativos a instrumentos híbridos de capital e dívida.

A União tem capitalizado o banco para que possa con-

ceder maior volume de financiamentos, atendendo à

política creditícia do governo. Será que a política cre-

ditícia não deveria ser limitada pelas restrições orça-

mentárias? E consequentemente se submeterem ao

processo orçamentário no Congresso Nacional? Será

que a classificação dos aportes de recursos ao BNDES

como despesa financeira não representaria uma burla

a essas restrições?

Salvo melhor juízo, a aquisição de ativo decor-

rente da capitalização do BNDES, Banco do Brasil e

Caixa Econômica Federal (quer ocorra com aumento

de participação acionária ou por meio de instrumento

híbrido de capital e dívida) deveria sempre passar pelo

orçamento, ainda que se dê não com o pagamento em

dinheiro, mas com a emissão (entrega) de títulos.

Deve-se lembrar de que, recentemente, o Poder

Executivo estabeleceu que o BNDES pode pagar divi-

dendos à União ainda que isso prejudique a consti-

tuição de reservas (Decreto nº 8.034, de 28/06/2013),

desde que a consequente descapitalização seja com-

pensada por instrumentos que possam ser utilizados

como capital.

5 Efeitos sobre a Dívida Bruta e LíquidaEmbora não se perceba, em função dos “truques”

assinalados acima, o impacto das operações sobre o

resultado primário, não há muito como esconder o

aumento da dívida bruta, nos últimos anos. A dívida

bruta do setor público cresceu muito, enquanto

a dívida líquida caiu, em proporção do PIB. Isso

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aporque os créditos junto ao BNDES são conside-

rados haver e compensam o aumento da emissão

de títulos mobiliários correspondentes. Entretanto,

o principal mal que está sendo encoberto nessas

operações o fato de que tais créditos possuem ris-

cos de não serem recebidos pelo Tesouro. Então, o

Tesouro está com dívida certa (dívida bruta) e have-

res incertos (crédito junto a instituições públicas

financeiras). Por isso, o resultado primário médio

pela variação da dívida líquida, tal como é medida

hoje, não tem sido um bom indicador da “saúde”

das contas públicas.

6 Capitalização e Financiamento Subsidiado

O BNDES tem sido capitalizado de forma frequente

desde 2008, tendo como justificativa o uso da institui-

ção pública de desenvolvimento como forma de agir

de forma “anticíclica” frente a escassez de crédito inter-

nacional, ocorrida no agravamento da crise financeira

agravada no segundo semestre de 2008 com a quebra

do banco Lehman Brothers e com a crise do Subprime.

Esse financiamento é feito quer diretamente, com

concessão de crédito, quer indiretamente, com o

aumento do crédito subsidiado pelo Tesouro ou por

absorção de dívida iliquidável do Banco (ver Lei nº

12.404/2011, na Tabela 1). Todos esses mecanismos,

por mais que se diga o contrário, representam alguma

forma de custo ao erário federal.

O TCU, no seu relatório de contas do governo tem

quantificado esse custo:

“o valor do benefício concedido nas operações de

crédito ao BNDES representaram, em 2011, o mon-

tante de R$ 19,2 bilhões. De modo semelhante, a STN

havia apurado, no exercício de 2010, que o montante

dos subsídios associados aos mesmos empréstimos

atingiram R$ 1,4 bilhão, em 2009, e R$ 7,6 bilhões, no

ano de 2010. Dessa forma, o total de benefícios incor-

ridos no período entre 2009 e 2011 chegou a R$ 28,2

bilhões.”

Adicionalmente, em relação ao segundo tipo de

custo explicado acima, o custo orçamentário, é possível

ler na p. 145 do Relatório de Contas de 2011 que esse

custo foi de R$ 3,6 bilhões – subsídios do Programa de

Sustentação do Investimento (PSI). Mas quando olha-

mos para os dados do Siafi, nota-se que, em 2011, só

foram pagos R$ 428,9 milhões desses subsídios e esse

pagamento ocorreu uma única vez no mês de junho do

ano passado.

Ao analisarmos as Contas de 2012 verificamos que

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janeiro/abril de 2014

os subsídios ao BNDES e PSI, no conjunto, ficaram em

R$ 12,686 bilhões no ano passado (p.177 do Relatório

das Contas de 2012), adicione-se a isso ao custo de

oportunidade de aplicação e aos valores do PSI e atin-

gimos valores de custo total próximos a R$ 21 bilhões.

O custo total, portanto, em 2011, foi de R$ 22,8

bilhões, e em 2012, cerca de, R$ 21 bilhões; um valor

nada irrelevante para um custo que, até 2008, não

existia.

Dispositivo Legal Conteúdo e Valores ObjetivoLei nº 11.805, de 6 de novembro de 2008

Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, no montante de até R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais)

Constitui fonte de recursos adicional para amplia-ção de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES

Lei nº 11.688, de 4 de junho de 2008.

Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, no valor de até R$ 12.500.000.000,00 (doze bilhões e quinhentos milhões de reais)

Constitui fonte de recursos adicional para amplia-ção de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES

Lei nº 12.096, de 24 de novembro de 2009.

O valor total dos financiamentos subvenciona-dos pela União é limitado ao montante de até R$ 312.000.000.000,00 (trezentos e doze bilhões de reais).

Autoriza a concessão de subvenção econômica ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES

Fica a União autorizada a renegociar ou estabelecer as condições financeiras e contratuais de operações de crédito realizadas com o BNDES, mantida, em caso de renegociação, a equivalência econômica com o valor do saldo das operações de crédito renegociadas, e mediante aprovação do Ministro de Estado da Fazenda, observado o seguinte:I - até o montante de R$ 11.000.000.000,00 (onze bilhões de reais), visando ao seu enquadramento como instrumento híbrido de capital e dívida, conforme defi-nido pelo Conselho Monetário Nacional, ficando, neste caso, assegurada ao Tesouro Nacional remuneração compatível com o seu custo de captação; eII - até o montante de R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais), referente ao crédito concedido ao amparo da Lei no 11.805, de 6 de novembro de 2008, para alterar a remuneração do Tesouro Nacional para o custo de captação externa, em dólares norte-americanos para prazo equivalente ao do ressarcimento a ser efetuado pelo BNDES à União.

Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009.

Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, no montante de até R$ 180.000.000.000,00 (cento e oitenta bilhões de reais),

Constitui fonte adicional de recursos para amplia-ção de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e dá outras providências

Lei nº 11.943, de 28 de maio de 2009.

Art. 15. Fica a União autorizada a repassar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, mediante operação de crédito, recur-sos captados junto ao Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento - BIRD. § 1o Os recursos obtidos pela União junto ao BIRD, no montante de até US$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de dólares norte-americanos), serão repassados ao BNDES convertidos em reais à taxa de câmbio de venda do dólar, informada por meio do SISBACEN, transação PTAX800 - abertura, do dia da celebração do contrato com o BNDES. § 2o A União repassará os recursos ao BNDES nas mesmas condições financeiras oferecidas pelo BIRD.

Autoriza a União a participar de Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica - FGEE; altera o § 4o do art. 1o da Lei no 11.805, de 6 de novembro de 2008; dispõe sobre a utilização do excesso de arrecadação e do superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional; altera o art. 1o da Lei no 10.841, de 18 de fevereiro de 2004, as Leis nos 9.074, de 7 de julho de 1995, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 10.848, de 15 de março de 2004, 3.890-A, de 25 de abril de 1961, 10.847, de 15 de março de 2004, e 10.438, de 26 de abril de 2002; e autoriza a União a repassar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES recursos captados junto ao Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento - BIRD.

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Lei nº 12.404, de 4 de maio de 2011.

Art. 23. Fica a União, a critério do Ministro de Estado da Fazenda, autorizada a abater, até o limite de R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais), parte do saldo devedor de operações de crédito firmadas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, em contrapartida às provisões para crédito de liquidação duvidosa registradas por aquele Banco, relativas a financiamento concedido a investi-mentos em infraestrutura do País. § 1o O disposto no caput aplica-se apenas a financiamento concedido a partir da data de publicação desta Lei, cujo provisionamento decorrente de perda no valor esperado de realização dos créditos resulte em queda do patrimô-nio de referência, conforme definição dada pelo Conselho Monetário Nacional, de no mínimo R$ 8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais). § 2o O abatimento de que trata o caput deverá ser sufi-ciente para compensar até 90% (noventa por cento) das perdas sobre o valor provisionado pelo BNDES para as operações de financiamento a projetos de investimento.

Autoriza a criação da Empresa de Planejamento e Logística S.A. - EPL; estabelece medidas voltadas a assegurar a sustentabilidade econômico-financeira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; dispõe sobre a autorização para garantia do financiamento do Trem de Alta Velocidade - TAV, no trecho entre os Municípios do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, e Campinas, Estado de São Paulo; e dá outras providências.

Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012.

“Art. 2o Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, no montante de até R$ 100.000.000.000,00 (cem bilhões de reais), em condições financeiras e contratuais a serem definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda.

Altera as Leis nos 12.096, de 24 de novembro de 2009, 12.453, de 21 de julho de 2011, para conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, 9.529, de 10 de dezembro de 1997, 11.529, de 22 de outubro de 2007, para incluir no Programa Revitaliza do BNDES os setores que específica, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 7.972, de 22 de dezembro de 1989, 12.666, de 14 de junho de 2012, 10.260, de 12 de julho de 2001, 12.087, de 11 de novembro de 2009, 7.827, de 27 de setembro de 1989, 10.849, de 23 de março de 2004, e 6.704, de 26 de outubro de 1979, as Medidas Provisórias nos 2.156-5, de 24 de agosto de 2001, e 2.157-5, de 24 de agosto de 2001;

Lei nº 12.397, de 23 de março de 2011.

Art. 1o Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, no montante de até R$ 30.000.000.000,00 (trinta bilhões de reais),

Constitui fonte de recursos adicional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES; e altera a Relação Descritiva constante do Anexo da Lei no 5.917, de 10 de setembro de 1973.

Outro aspecto importante é o aumento da expo-

sição ao risco da União às operações de crédito feitas

pelo BNDES, inclusive risco já executado em 2011 e

2012 (Lei nº 12.4014/2011), outra exposição é feita

pela participação em fundos de garantia de crédito.

A tabela abaixo explicita os ativos financeiros do

governo geral e vemos o crescimento de pouco mais

de 1% para quase 24% do total dos ativos relacionados

com créditos ao BNDES.

32

Page 35: Revista de Conjuntura n. 52

7 ConclusãoMuito se tem comentado na imprensa sobre as opera-

ções entre o Tesouro e o BNDES, principalmente, ao final

de 2012, quando foram utilizados vários artifícios contá-

beis, para se alcançar a meta de superávit primário. Muitas

operações desse tipo já vêm ocorrendo desde a crise

financeira mundial de 2008. Porém, após a operação como

o Fundo Soberano, ao final de 2012, ficou mais nítido o

uso do BNDES como instrumento para viabilizar a polí-

tica econômica, creditícia e fiscal do governo, nos últimos

anos. A gravidade dos artifícios utilizados é que mascara a

verdadeira situação das contas públicas, além do fato de

muitas operações não estarem previstas no Orçamento

Geral da União. O trabalho conclui que tais operações

acabam se refletindo na dívida bruta, enquanto o mesmo

não ocorre com a dívida líquida, o que torna o indicador

de resultado primário, da forma como está sendo calcu-

lado, não muito confiável para medir a real situação das

contas públicas do País.

Maria Liz de Medeiros [email protected]

Consultora de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, Mestre em Economia pela EPGE/FGV-RJ.

Joaquim Ornelas [email protected]

Consultor de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, Mestre em Economia pela UnB-DF.

Renato [email protected]

Consultor de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, Doutor em Administração Pública pela FGV-RJ.

Page 36: Revista de Conjuntura n. 52

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a

ArtigoA armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio

macroeconômico brasileiro*

José Luís Oreiro

No final do ano de 2012, o secretário de política

econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland,

afirmou, em entrevista para o jornal Valor Econômico

(“Transição para a nova matriz macroeconômica, afe-

tou o PIB”), que o governo brasileiro havia adotado

uma “nova matriz macroeconômica” caracterizada pela

combinação entre juros baixos, câmbio competitivo

e política fiscal “amigável” ao investimento público.

Essa nova matriz macroeconômica deveria levar a um

aumento considerável do ritmo de crescimento do

investimento ao longo do ano de 2013, de maneira a

permitir a aceleração do crescimento da economia

brasileira.

Essas expectativas, contudo, não se concretizaram.

Embora a economia brasileira tenha, de fato, acelerado

o seu crescimento com respeito ao ano de 2012 (2,28%

em 2013 contra 1,03% em 2012), o valor registrado em

2013 foi muito inferior à média do período Lula (4,05%

na média do período 2003-2010). Além disso, a partir

de meados de 2013 o Banco Central do Brasil iniciou

um novo ciclo de elevação da taxa de juros, fazendo

com que a taxa Selic voltasse ao mesmo nível preva-

lecente no início do governo Dilma Rousseff (10,75%

a.a.). Por fim, a desvalorização da taxa nominal de câm-

bio ocorrida nos últimos dois anos aparentemente não

foi capaz de recuperar a competitividade da indústria

brasileira, cuja produção física se encontra estagnada

há 36 meses.

Esses resultados têm levado alguns analistas a

afirmar que a mudança na combinação câmbio-

-juros, para um patamar mais condizente com

aquele observado no resto do mundo, é irrelevante

para o crescimento da economia brasileira no longo-

-prazo. Segundo essa linha de interpretação, o real

obstáculo à aceleração do crescimento não estaria

na esfera macroeconômica, mas se daria em nível

microeconômico. Nesse contexto, o problema real

seria o baixo crescimento da produtividade dos

recursos econômicos (trabalho e capital), resultado

de uma série de ineficiências, tanto do setor privado

– devido ao grau reduzido de exposição da econo-

mia à concorrência internacional – como do governo

– devido à ineficiência da máquina administrativa

e a política de concessão de subsídios públicos via

BNDES para algumas empresas do setor privado. A

solução passaria, portanto, por um choque de aber-

tura comercial – com uma redução unilateral e não

negociada das alíquotas de importação – combinada

com um (sic) “choque de gestão” no setor público e

uma redução – se não a extinção pura e simples –

da política de subsídio ao investimento privado por

meio do BNDES.

Não irei aqui entrar em detalhes pormenoriza-

dos a respeito do porquê essa linha de interpretação

é incorreta. Quero apenas salientar que, no período

compreendido entre o terceiro trimestre de 2003 e o

1 Este artigo foi produzido a pedido da liderança do PPS com o intuito de embasar as discussões a respeito da elaboração do programa econô-mico do candidato da aliança PSB-Rede-PPS à Presidência da República. As opiniões aqui expressas são em caráter pessoal, não representando a posição político-ideológica das instituições as quais o autor é ligado por razões profissionais e/ou acadêmicas.

34

Page 37: Revista de Conjuntura n. 52

35

janeiro/abril de 2014

segundo trimestre de 2012, o coeficiente de penetra-

ção das importações na indústria de transformação

no Brasil dobrou de tamanho, indicando com isso um

movimento expressivo de substituição de produção

doméstica por importações. Esses dados são claramente

incompatíveis com a tese de que a economia brasileira

se encontra pouco exposta à concorrência internacio-

nal; pelo contrário, o problema parece ser justamente

excesso de exposição.

O baixo crescimento da economia brasileira nos

últimos anos é o resultado de um nível baixo de investi-

mento (público e privado) em expansão da capacidade

produtiva e em infraestrutura. Nos últimos anos a taxa

de investimento, ou seja, a razão entre o gasto reali-

zado na compra de máquinas, equipamentos e instala-

ções e o PIB tem flutuado em torno de 19%. Para que o

Brasil possa crescer de forma sustentada, sem pressões

inflacionárias, a um ritmo de 5% a.a, é necessário que a

taxa de investimento seja de, pelo menos, 24% do PIB.

Daqui concluímos que a taxa de investimento precisa

aumentar 26,31% para que seja possível alcançar essa

meta de crescimento.

O investimento privado responde a estímulos pecu-

niários. Se o setor privado está investindo pouco no

Brasil, é porque a taxa esperada de retorno dos proje-

tos de investimento é baixa. E isso decorre da combina-

ção entre câmbio apreciado e juros elevados.

Em matéria publicada no jornal Valor Econômico em

14/09/2012 (“câmbio não gerou recessão na indústria”)

o então Secretário Executivo do Ministério da Fazenda

Nelson Barbosa afirmou que “o empresário não investe

porque o governo pediu nem porque a taxa de juros

está baixa. O empresário investe se tiver demanda”. A

afirmação de Barbosa é parcialmente correta, pois, de

fato, se não houver demanda, o empresário não vai

investir na ampliação da capacidade produtiva. Mas

o que o Secretário se esqueceu de mencionar é que não

basta ter demanda, é necessário também que os empre-

sários tenham acesso a essa demanda. E o acesso à

demanda – tanto interna como externa – é mediado

pela taxa de câmbio. Em outros termos, uma taxa de

câmbio competitiva é fundamental para que o empre-

sário nacional possa atender a demanda, tanto dos

consumidores domésticos quanto dos consumidores

do resto do mundo.

Uma taxa de câmbio valorizada elimina essa pos-

sibilidade, uma vez que torna os preços dos produtos

brasileiros muito caros e, portanto, pouco competiti-

vos, tanto no mercado doméstico como no mercado

internacional. Essa é a razão principal da estagnação

da produção industrial no Brasil desde o final de 2010,

apesar de todos os esforços realizados pelo governo

brasileiro no sentido de criar demanda para a indústria

nacional. Esforço realizado em vão, pois a demanda

criada pela política econômica do governo vazou para

o exterior, beneficiando a indústria de outros países

como China e Alemanha.

Mas alguém poderia dizer que a taxa de câmbio se

desvalorizou nos últimos anos e isso não teve efeito

sobre a competitividade da indústria ou sobre a taxa

de investimento. Com efeito, a taxa de câmbio dólar-

-real passou de R$ 1,65 no dia 03/01/2011 (primeiro dia

útil do mandato da Presidente Dilma) para R$ 2,35 no

dia 18/03/2014 (no momento que escrevo este artigo).

Trata-se de uma desvalorização de 42% em pouco mais

de três anos.

Por que a desvalorização cambial não estimulou o

investimento?

‘‘

‘‘

O problema é que essa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio não foi suficientemente

grande para eliminar a sobrevalorização da taxa de câmbio

que se processou na economia brasileira ao longo de toda a

década passada.

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Durante o governo da Presidente Dilma houve uma

desvalorização bastante significativa da taxa de câm-

bio, a qual foi, sem sombra de dúvida, um dos fatores

responsáveis pela manutenção da taxa de inflação em

patamares sistematicamente superiores ao centro da

meta de inflação (4,5% a.a), mas não foi o Real que se

desvalorizou frente ao dólar, e sim o dólar que se des-

valorizou frente a todas as moedas do mundo, inclusive

o Real. Dessa forma, a taxa de câmbio entre o Real e

as moedas de nossos demais parceiros comerciais se

desvalorizou muito menos do que a taxa de câmbio

dólar-real. Com efeito, dados do IPEADATA mostram

que entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013 a taxa

real efetiva de câmbio (uma medida do valor da moeda

brasileira em comparação com as moedas dos 16 prin-

cipais parceiros comerciais do Brasil) acumulou uma

desvalorização de 33,64%, um número alto, mas infe-

rior ao observado na taxa de câmbio dólar-real.

O problema é que essa desvalorização da taxa real

efetiva de câmbio não foi suficientemente grande para

eliminar a sobrevalorização da taxa de câmbio que se

processou na economia brasileira ao longo de toda

a década passada. Com efeito, na comparação com

junho de 2004 a taxa real efetiva de câmbio se encon-

trava sobrevalorizada em 23,85% em dezembro de

2013. Isso significa que, para voltar ao valor prevale-

cente em meados de 2004, a taxa de câmbio real-dólar

deveria ser aproximadamente igual a R$ 2,90.

O outro fator que limita a expansão do investi-

mento é a elevada taxa real de juros prevalecente no

Brasil. A taxa Selic representa a taxa de retorno da apli-

cação financeira livre de risco no Brasil, uma vez que

ela é a que remunera as assim chamadas letras financei-

ras do tesouro, as quais são um tipo de título de dívida

emitido pelo governo federal que tem liquidez diária.

No momento em que escrevo este artigo a taxa Selic

se encontra em 10,75% a.a. Supondo uma expectativa

de inflação para os próximos 12 meses de 6%, então a

taxa real de juros da aplicação financeira livre de risco

na economia brasileira é igual a 4,48% a.a. Em poucos

lugares do mundo uma aplicação livre de risco gera uma

taxa de retorno tão alta. O efeito disso sobre a decisão

de investimento é perverso. Como a taxa de juros das

aplicações livre de risco é muito alta, os empresários

só estarão dispostos a realizar aqueles projetos de

investimento cuja taxa de retorno supere a taxa de juros

livre de risco por uma elevada margem (essa margem é

o que se conhece como prêmio de risco). O problema

é que, numa economia que se defronta com uma forte

sobrevalorização cambial e que possui sérias deficiên-

cias de infraestrutura – problemas esses que se somam

à incerteza oriunda da política macroeconômica que se

comporta como uma “biruta de aeroporto” –, poucos

são os projetos de investimento cuja taxa de retorno

supera, por uma margem suficientemente grande para

se tornar atrativa para os empresários, a taxa de juros

livre de risco.

A argumentação que conduzi até aqui aponta para

o fato de que a permanência de uma taxa de câmbio

valorizada e uma taxa de juros elevada atua no sentido

de desestimular o investimento, o que termina por

condenar a economia brasileira a uma taxa de cresci-

mento medíocre. Nas próximas seções iremos discutir

as razões da existência dessa armadilha câmbio-juros e

o que podemos fazer para desmontá-la.

As razões da Armadilha Câmbio-Juros

Na primeira parte deste ensaio argumentei a res-

peito da persistência do desequilíbrio macroeco-

nômico brasileiro, na forma de uma armadilha ou

“equilíbrio ruim” de juros altos e câmbio valorizado.

Argumentei também que a persistência desse desequi-

líbrio é a causa fundamental do desempenho medíocre

da economia brasileira desde 2011. Na segunda parte

deste ensaio irei tratar das razões da persistência da

armadilha câmbio-juros, uma vez que o entendimento

dessas razões é de importância fundamental para a

formulação de uma política econômica que consiga

desatar, de uma vez pra sempre, esse nó que impede o

desenvolvimento do Brasil.

Vamos começar com a questão dos juros. A temática

da taxa de juros desperta no Brasil paixões similares as

que se observam num jogo de futebol. Podemos identi-

ficar claramente dois times na disputa, os “Falcões”, que

desejam que o BCB eleve a taxa de juros em qualquer

circunstância e os “Pombos” que gritam pela redução

da taxa de juros, igualmente em qualquer circunstân-

cia. Ai de quem tentar se posicionar nesse debate de

forma menos “apaixonada”, procurando usar a razão,

o bom-senso, a prudência e a teoria econômica para

formar sua opinião a respeito de qual deve ser o curso

36

Page 39: Revista de Conjuntura n. 52

37

janeiro/abril de 2014

desejado da política monetária. Quem assim o fizer

corre o risco de ser mandado para a fogueira, sem

direito à apelação, por ambos os times do campeonato

da Selic.

Por que a taxa de juros no Brasil é tão alta? A litera-

tura relevante sobre o tema no Brasil aponta as seguin-

tes causas:

(i) Elevado grau de inércia inflacionária, devido à

permanência de mecanismos formais de indexação de

preços após o Plano Real. Quanto maior o grau de inér-

cia inflacionária maior é a dosagem de juros requerida

para fazer com que a inflação convirja para a meta defi-

nida pelo Conselho Monetário Nacional. Essa inércia

foi aumentada durante o governo da Presidenta Dilma

Rousseff por intermédio da institucionalização da regra

de reajuste do salário mínimo, a qual atrela mecanica-

mente os reajustes do salário mínimo a inflação do ano

anterior, acrescida da variação do PIB observada dois

anos antes.

(ii) Baixa eficácia da política monetária devido à exis-

tência de uma parcela considerável de títulos da dívida

pública que são indexados à taxa básica de juros, as

assim chamadas Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). A

existência das LFTs reduz a eficácia da política mone-

tária, aumentando assim a dosagem de juros que é

necessária para que a inflação convirja com respeito à

meta definida pelo CMN. Isso ocorre por dois motivos.

Em primeiro lugar, as LFTs reduzem a eficácia do canal

de juros na transmissão da política monetária ao distor-

cer a formação da estrutura a termo da taxa de juros. Por

terem remuneração diária e elevada liquidez, as LFTs

geram incentivos para que os agentes mantenham

parte significativa de sua riqueza financeira no curto

prazo, o que diminui o fluxo de recursos disponíveis

para financiar projetos de investimento de longo prazo,

cuja remuneração não estaria muito acima daquela ofe-

recida pelas LFTs. Em segundo lugar, as LFTs restringem

a eficácia do canal dos preços dos ativos na transmissão

da política monetária. Elevações na taxa de juros fazem

com que o preço dos títulos pré-fixados diminua. Essa

diminuição implica perdas de capital para seus deten-

tores e, portanto, redução de sua riqueza financeira, o

que tende a diminuir o consumo. As LFTs, ao contrário,

têm seu preço aumentado como decorrência de uma

elevação da taxa de juros, de forma que esses títulos

não sinalizariam corretamente para as famílias a dire-

ção desejada pela política monetária.

(iii) Mix inadequado entre a política monetária e fiscal,

uma vez que a política fiscal no Brasil (ao menos desde

2008) tem sido francamente expansionista em função

do crescimento dos gastos primários do governo a uma

taxa superior a do crescimento do PIB, o que obriga a

política monetária a ser contracionista para evitar um

crescimento excessivo da demanda agregada domés-

tica, a qual impediria a obtenção da meta de inflação.

(iv) Rigidez excessiva do regime de metas de inflação

brasileiro, o qual se baseou na sistemática de metas

declinantes de inflação (até 2005) e na convergência

da inflação para a meta ao longo do ano calendário

(até 2010). A imposição de metas declinantes obrigava

o BCB a manter a economia em estado de permanente

semiestagnação para forçar assim uma elevação do

hiato do produto, a qual permitiria uma queda gradual

da inflação ao longo do tempo. A convergência para

a meta ao longo do ano calendário reduzia o espaço

de manobra para o BCB acomodar choques de oferta,

obrigando a autoridade monetária a elevar os juros

mesmo diante das pressões inflacionárias vindas do

lado da oferta da economia.

(v) Fragilidade financeira do Estado Brasileiro devido

ao reduzido prazo de maturidade da dívida pública,

‘‘ ‘‘

Nos últimos anos avançamos apenas

em duas frentes, quais sejam, a flexibilização do regime de metas

de inflação e a redução da parcela da dívida pública indexada a Selic.

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a qual vence num prazo médio inferior a 40 meses.

Os elevados pagamentos de juros e amortizações da

dívida pública aumentam o poder de barganha dos

demandantes de títulos, os quais podem exigir prêmios

de juros mais altos por parte do Tesouro. Em função da

indexação da dívida pela Selic, a política monetária é

contaminada pela dívida pública, fazendo com que a

taxa de juros que o Tesouro Nacional paga pelos títulos

da dívida pública determine a taxa de juros usada no

dia a dia pelo BCB para a regulação da liquidez da eco-

nomia no mercado interbancário.

Nos últimos anos avançamos apenas em duas fren-

tes, quais sejam, a flexibilização do regime de metas de

inflação e a redução da parcela da dívida pública inde-

xada a Selic. Graças a isso, a taxa real de juros foi reduzida

de aproximadamente 10% a.a em 2006 para algo como

5-6% a.a no início de 2014. Contudo, em outras frentes

recuamos como, por exemplo, na questão da inércia

inflacionária. O salário mínimo é agora formalmente

indexado pela inflação passada. O aumento do grau de

indexação formal da economia brasileira atua na direção

contrária à queda da taxa de juros.

Outra frente, na qual recuamos, foi o mix de política

macroeconômica. Desde 2008 a política fiscal tem sido

francamente expansionista, o que reduz o espaço de

manobra para o BCB reduzir a taxa de juros sem com-

prometer a estabilidade da taxa de inflação. A meta de

superávit primário não só foi reduzida – o que, por si só,

já indica uma política fiscal expansionista – como ainda

parece ser cada vez mais importante, para a sua obten-

ção, o uso de esquemas heterodoxos de “contabilidade

criativa”. O uso de tais recursos mostra que a expansão

fiscal é ainda maior do que a registrada nos números

oficiais do governo, tornando mais difícil para o BCB

manter a inflação na meta ao mesmo tempo em que

tenta alcançar patamares mais baixos de taxa de juros.

A fragilidade financeira do Estado Brasileiro con-

tinua inalterada em função da incapacidade que o

Tesouro tem demonstrado em alongar o prazo de

vencimento da dívida pública, assim como eliminar a

participação, ainda expressiva, das letras financeiras do

tesouro na composição da dívida pública federal.

Agora vamos voltar nossa atenção para a questão

do câmbio valorizado. Entre janeiro de 2003 e feve-

reiro de 2012 a taxa real efetiva de câmbio da economia

brasileira sofreu uma valorização de 37,32%. No mesmo

período, a participação da indústria de transformação

no PIB caiu de 18,01% para 14,59%. Os dados indicam

de forma inexorável a ocorrência de um processo de

desindustrialização da economia brasileira, causada,

entre outros fatores, pela sobrevalorização da taxa real

de câmbio.

Embora os efeitos negativos da apreciação cambial

sobre a indústria de transformação sejam relativamente

consensuais entre os economistas, subsiste um debate

sobre o que pode ser feito para lidar com o problema.

Nesse contexto, podemos identificar claramente três

posições distintas. Um primeiro grupo de economis-

tas, mais ligado à ortodoxia liberal, muito próxima ao

PSDB, acredita que a sobrevalorização cambial é um

problema estrutural derivado da implementação, de

jure, do Estado do Bem-Estar Social pela Constituição

de 1988 e, de facto, pelo governo do PT desde 2003. As

políticas de redistribuição de renda atuariam no sen-

tido de produzir uma expansão dos gastos públicos,

limitando assim os graus de liberdade do Setor Público

para aumentar o superávit primário como proporção

do PIB. Dessa forma, não seria possível operacionali-

zar a contração fiscal requerida para a desvalorização

da taxa real de câmbio. Como a Sociedade brasileira

teria feito uma escolha bem clara pelo Estado do Bem-

Estar Social com a eleição de Lula e, posteriormente,

Dilma; segue-se que a sobrevalorização cambial é irre-

versível e, por conseguinte, o país está condenado à

desindustrialização.

Um segundo grupo de economistas, fortemente

ligado à equipe econômica do governo do PT, acredita

que a valorização da taxa real de câmbio está relacio-

nada com as transformações ocorridas na economia

mundial, em particular a ascensão da China ao status

de grande potência econômica. A demanda aparen-

temente insaciável da China por matérias-primas e

commodities teria gerado uma elevação dos preços

dos bens primários exportados pelo Brasil, atuando

assim no sentido de produzir uma melhoria significa-

tiva dos termos de troca da economia brasileira. Essa

melhoria teria resultado numa forte apreciação da taxa

real de câmbio. Dado que a mudança na configuração

mundial de poder econômico é um fato irreversível, a

apreciação da taxa real de câmbio seria um fenômeno

38

Page 41: Revista de Conjuntura n. 52

39

janeiro/abril de 2014

de caráter permanente, sobre o qual a política econô-

mica pouco pode fazer a respeito. Nesse contexto, a

desindustrialização tem que ser enfrentada, não pela

mudança na política cambial, a qual seria inócua sobre

a dinâmica do câmbio real, mas pela volta ao prote-

cionismo comercial prevalecente durante a vigência

do modelo de industrialização por substituição de

importações.

Por fim, os economistas ligados ao “novo-desenvol-

vimentismo” – entre os quais eu me incluo – acreditam

que a valorização da taxa real de câmbio nos últimos

anos foi em decorrência, fundamentalmente, da ado-

ção do “populismo cambial”, uma vez que a sobreva-

lorização da taxa real de câmbio produz um aumento

temporário do salário real. O aumento do salário real

nos últimos anos – embora insustentável a longo-

-prazo, pois não decorre do aumento de produtividade

do trabalho, mas apenas da sobrevalorização do câm-

bio – tem se mostrado politicamente eficaz no sentido

de garantir ao Partido dos Trabalhadores a vitória nos

pleitos eleitorais. Nesse contexto, a desindustrialização

tem que ser enfrentada, não pelo retorno do modelo

protecionista dos anos 1970, mas pela mudança na

política cambial.

Uma análise dos dados da economia brasileira, no

período em consideração, nos permite descartar, de

imediato, a posição defendida pela ortodoxia liberal

tucana. Com efeito, no período que estamos anali-

sando (2003-2012), enquanto a taxa real de câmbio

apresentava uma apreciação de 37,42%, o superávit

primário do setor público (%PIB) permaneceu pratica-

mente estável, aumentando míseros 2,14%. Daqui se

segue que a política fiscal não pode ser culpada pela

sobrevalorização do câmbio.

O mesmo não pode ser dito a respeito dos termos

de troca, os quais apresentaram uma valorização de

37,43% no período, guardando uma correlação de

-0,6127 com a taxa real de câmbio.

Isso não quer dizer, contudo, que a tendência à

valorização dos termos de troca imponha uma tendên-

cia inexorável à sobrevalorização cambial. Isso porque,

ao decompor o período 2003-2012 em dois subperío-

dos, a saber, 2003-2008 e 2009-2012, verifica-se que

a correlação entre câmbio real e termos de troca caiu

de forma abrupta após a erupção da crise econômica

mundial de 2008. Com efeito, no período 2003-2008

a correlação entre câmbio real e termos de troca era

igual a -0,698; ao passo que no período 2009-2012 a

correlação caiu para -0,3323, ou seja, menos da metade

do que o observado no período anterior. Essa queda do

coeficiente de correlação explica por que, após a crise

de 2008, o aumento espetacular dos termos de troca

da economia brasileira não resultou numa apreciação

muito maior da taxa real de câmbio do que a que efeti-

vamente observada.

Por que a correlação entre câmbio e termos de troca

caiu após a crise de 2008? A explicação é que, desde

então, o governo e o BCB têm adotado um piso implí-

cito para a taxa de câmbio, atuando de forma coorde-

nada para evitar que o câmbio caia abaixo de certo

nível crítico (índice 80 na série de câmbio real efetivo).

Para tanto, o governo e o BCB tem usado vários instru-

mentos como, por exemplo, os controles de capitais e a

política de incremento das reservas internacionais.

‘‘

‘‘

Outra frente, na qual recuamos, foi o mix de política

macroeconômica. Desde 2008 a

política fiscal tem sido francamente

expansionista, o que reduz o espaço de

manobra para o BCB reduzir a taxa de juros sem comprometer a estabilidade da taxa

de inflação.

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a

Mas se o governo e o BCB são capazes de impedir

que o câmbio real se aprecie abaixo de um certo nível

crítico, então eles também seriam capazes de produzir

uma desvalorização administrada da taxa de câmbio,

caso estivessem dispostos a fazê-lo. Daqui se segue que

o câmbio sobrevalorizado é resultado de uma decisão do

governo, ou seja, é o resultado do populismo cambial do

governo do PT. Não interessa ao governo desvalori-

zar o câmbio, pois isso traria prejuízos eleitorais.

Um Novo Regime de Política Macroeconômica

Na seção anterior apresentei as razões da existên-

cia de uma armadilha juros altos-câmbio valorizado.

Essa armadilha decorre da combinação perversa entre

populismo cambial, persistência dos mecanismos for-

mais e informais de indexação de preços e salários,

baixa eficácia da política monetária devido à existên-

cia de uma fração significativa da dívida pública que

é indexada a taxa de juros, crescimento dos gastos de

consumo e de custeio do governo a um ritmo superior

ao PIB nominal, o que gera uma poupança do setor

público negligenciável ou negativa.

O desmonte dessa armadilha não é, contudo, com-

patível com a manutenção do tripé macroeconômico

herdado do período do Presidente Fernando Henrique

Cardoso. É importante ressaltar, no entanto, que o tripé

macroeconômico, constituído pela combinação entre

meta de superávit primário, câmbio flutuante e metas

de inflação foi muito bem sucedido no que se refere a

alcançar os objetivos para os quais foi pensado. O tripé

foi desenhado em 1999 para almejar três objetivos, a

saber: estabilizar/reduzir a relação dívida pública/PIB,

garantir a estabilidade da taxa de inflação e permitir

que a política monetária fosse conduzida com vistas

ao atendimento de objetivos domésticos, ao invés de

ser desenhada em função das necessidades de ajuste

do balanço de pagamentos. Esses três objetivos foram

cumpridos e, sob esse ponto de vista, o tripé foi muito

bem-sucedido.

O tripé, contudo, não foi desenhado para viabili-

zar as condições macroeconômicas necessárias para o

crescimento sustentado da economia brasileira; muito

menos, para desmontar a armadilha câmbio-juros. Em

particular, o tripé se mostrou compatível com a obten-

ção de uma poupança pública negligenciável ou nega-

tiva, com a deterioração crescente da competitividade

externa da economia brasileira em função da apre-

ciação crônica da taxa real de câmbio, com a manu-

tenção da taxa real de juros em patamares elevados

simultaneamente à obtenção de uma taxa de inflação

superior a 5% a.a na média do período 2003-2012. A

combinação entre poupança pública baixa ou nega-

tiva, câmbio apreciado, juro real elevado e inflação

superior à média internacional resultaram numa taxa

de investimento em torno de 18% nos últimos anos,

valor esse compatível com um crescimento não infla-

cionário do PIB abaixo de 3% a.a.

Alguns defensores mais radicais do tripé poderão

argumentar que tudo o que a política macroeconô-

mica pode fazer é garantir a estabilidade da taxa de

inflação e a solvência das contas públicas. Para garantir

um crescimento robusto no longo-prazo seria neces-

sário adotar políticas do “lado da oferta da economia”

com vistas a estimular o dinamismo da “produtividade

total dos fatores de produção”. Nesse contexto, seria

necessário criar um “choque de eficiência” na economia

brasileira, o que demandaria uma abertura comercial

irrestrita, com a redução unilateral de alíquotas de

importação. Os efeitos deletérios dessa política sobre

a indústria brasileira são considerados de segunda ou

terceira ordem, pois a indústria é, segundo essa visão,

um setor como qualquer outro.

‘‘

‘‘

O mesmo não pode ser dito a respeito dos

termos de troca, os quais apresentaram uma valorização de 37,43% no período,

guardando uma correlação de -0,6127

com a taxa real de câmbio.

40

Page 43: Revista de Conjuntura n. 52

41

janeiro/abril de 2014

Economistas keynesianos como eu não compram

esse argumento, uma vez que para nós o longo prazo

é apenas uma sucessão de curtos-prazos, de maneira

que a condução da política macroeconômica afeta,

para o bem ou para o mal, o desempenho da economia

a longo prazo.

Sendo assim, qual seria a alternativa ao tripé?

Minha proposta é que o próximo Presidente da

República adote um regime macroeconômico baseado

na obtenção de metas de superávit em conta-corrente

do governo, câmbio administrado, extinção da parcela

“selicada” da dívida pública, desindexação da econo-

mia e “moderação salarial”.

A política fiscal seria baseada na obtenção de uma

meta de superávit em conta-corrente do governo

(igual a soma entre superávit primário e gastos de

investimento menos o pagamento de juros da dívida),

de maneira que o governo brasileiro finalmente aban-

donaria a postura fiscal Ponzi que possui há décadas,

adotando assim a chamada “regra de ouro” da polí-

tica fiscal, qual seja: “só te endividarás para financiar

investimento”. Dessa forma, a política fiscal seria con-

duzida com vistas a gerar poupança pública positiva,

fazendo com que eventuais déficits sejam resultados

do excesso de investimento sobre poupança pública.

Está claro que a transição para esse regime não pode

ser imediata, mas deve ser feita gradualmente na forma

de metas de superávit em conta-corrente crescentes ao

longo de um período de 4 a 5 anos.

A título de exemplo o governo poderia adotar uma

meta de superávit em conta corrente de 0,5% do PIB

em 2015 e aumentar gradualmente a mesma em 0,5%

do PIB até alcançar 5% do PIB em 2025. Para que essa

estratégia seja factível, será necessária a intro-

dução de um limite ao ritmo de crescimento dos

gastos de consumo e de custeio do governo. Mais

especificamente, para que o superávit em conta cor-

rente do governo aumente a um ritmo igual a 0,5% do

PIB por ano, é necessário que os gastos correntes do

governo aumentem a uma taxa igual à taxa de cresci-

mento do PIB menos 0,5% ao ano. Considerando que,

nas condições atuais da economia brasileira, o cresci-

mento potencial do PIB é aproximadamente 3,5% ao

ano, então a taxa máxima de crescimento dos gastos

de consumo de governo será de 3% a.a.

A administração da taxa de câmbio deverá ser feita

por intermédio da adoção de um sistema de ban-

das cambiais deslizantes, no qual o teto e o piso da

banda sejam gradualmente desvalorizados ao longo

do tempo de forma a obter uma taxa de câmbio com-

petitiva a médio prazo. Esse sistema irá viabilizar um

ajuste gradual da taxa de câmbio, ao invés de uma

desvalorização súbita do câmbio. A implantação desse

sistema irá requerer a adoção de controles temporários

à saída de capitais do país, para impedir que a expecta-

tiva de desvalorização cambial leve a uma desvaloriza-

ção abrupta da taxa de câmbio.

A estabilidade da inflação a médio prazo será

obtida pela combinação entre a austeridade gerada

pelo novo regime fiscal e pela política salarial. Esta

deverá ter como meta a obtenção de uma taxa de

crescimento dos salários nominais a um ritmo apro-

ximadamente igual à meta de inflação definida pelo

Conselho Monetário Nacional e o ritmo de cresci-

mento da produtividade do trabalho. Uma forma de

se obter esse resultado será por intermédio da intro-

dução de uma Tax Income Policy, na qual o governo

cobraria um imposto extraordinário sobre o lucro das

empresas que concederem aumentos salariais acima

do patamar dado pela meta de inflação e pelo cresci-

mento da produtividade do trabalho.

Um reforço importante na política salarial será a

mudança na política de reajuste do salário mínimo

(a qual pode ser realizada a partir de 2015). Sugerimos

que o salário mínimo seja reajustado a uma taxa igual

a meta de inflação acrescida de 2% a.a, valor esse que

podemos considerar como uma estimativa a respeito

do crescimento médio da produtividade do trabalho

na economia brasileira no longo prazo. O objetivo da

política salarial será fazer com que o custo unitário do

trabalho em termos nominais aumente a uma taxa

aproximadamente igual à meta de inflação, o que será

um importante reforço no controle da taxa de inflação

e na obtenção de uma taxa de câmbio competitiva a

médio e longo-prazo. Deve-se ressaltar que essa polí-

tica, de forma alguma, implica em “arrocho salarial” haja

vista que ela é compatível com o crescimento do salá-

rio real a uma taxa aproximadamente igual ao ritmo de

crescimento da produtividade do trabalho. Trata-se da

única política salarial que é sustentável no longo-prazo.

Page 44: Revista de Conjuntura n. 52

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a

Qualquer outra coisa é puro e simples populismo.

Voltemos, agora, nossa atenção para o problema

dos juros. A redução da taxa básica de juros exige a

extinção das Letras Financeiras do Tesouro (LFT´s)

no bojo do ajuste fiscal engendrado pela adoção de

um regime de metas de superávit em conta-corrente

do governo, o que irá, finalmente, reduzir a fragili-

dade financeira do Estado Brasileiro. Com efeito,

conforme vimos na seção anterior, uma razão funda-

mental para a persistência de um juro real tão elevado

deve-se ao fato de que nosso país é, provavelmente,

o único lugar do mundo onde o mercado monetário

e o mercado de dívida pública estão umbilicalmente

conectados por intermédio das LFT´s, a “jabuticaba”

brasileira, as quais respondem por aproximadamente

20% da dívida mobiliária federal.

A existência desses títulos faz com que a mesma taxa

de juros que a autoridade monetária utiliza para colo-

car a inflação dentro da meta definida pelo Conselho

Monetário Nacional seja a mesma taxa de juros que o

Tesouro Nacional paga por uma fração considerável da

dívida pública. Dessa forma, a taxa Selic é obrigada a

cumprir duas funções dentro do sistema financeiro bra-

sileiro: ela é a taxa de juros que regula os empréstimos

no mercado interbancário, ao mesmo tempo que ela é

a taxa pela qual o Tesouro Nacional consegue rolar uma

parte significativa da dívida pública. Como a mesma

taxa de juros precisa desempenhar duas funções, segue-

-se que a função de instrumento de política monetária

acaba sendo contaminada pela função de rolagem da

dívida pública federal, uma vez que o Banco Central não

tem como fixar um valor da Selic para as operações no

mercado interbancário e outro valor da Selic para as

operações de rolagem da dívida pública.

Nesse contexto, a fragilidade das contas públicas bra-

sileiras acaba por fazer com que a taxa de juros reque-

rida pelo mercado para a rolagem da dívida pública seja

“excessivamente alta”, o que acaba se transmitindo, por

arbitragem, para as operações normais de política mone-

tária. Deve-se ressaltar que a tão propalada melhoria da

situação fiscal do Estado Brasileiro após a implantação

do tripé macroeconômico e após a adoção de expressivos

superávits primários, é mais mito que fato. Com efeito,

não só o setor público consolidado continua gerando

expressivos déficits nominais (na casa de 3% a.a. em

2008 e 2009), como ainda os encargos financeiros da

dívida pública (juros e amortizações) superam em cerca

de cinco vezes o montante de superávit primário gerado

a cada ano. Dessa forma, o Estado Brasileiro ainda pos-

sui uma postura financeira Ponzi, o que eleva o risco de

financiamento do Tesouro, aumentando enormemente o

poder de mercado dos compradores de títulos, os quais

podem exigir taxas de juros mais altas para a colocação

dos papéis do governo.

5 Considerações Finais

Em resumo, o desmonte da armadilha juros-câm-

bio, essencial para a retomada do crescimento eco-

nômico a taxas robustas, exige a adoção de um novo

regime macroeconômico, que se distancia tanto do

tripé macroeconômico herdado do período FHC como

da (sic) nova matriz macroeconômica do governo da

Presidente Dilma.

O novo modelo macroeconômico aqui proposto

deverá ser capaz de assegurar a obtenção simultânea dos

seguintes objetivos: crescimento robusto do PIB, câmbio

competitivo, taxa de inflação baixa e estável, taxa real de

juros compatível com o padrão internacional, equilíbrio

das finanças públicas e crescimento dos salários reais em

linha com a produtividade do trabalho. Para obter esses

objetivos, propomos a adoção de um “quadripé macroe-

conômico” composto por uma política fiscal baseada

na obtenção de metas de superávit em conta-corrente

do governo; regime de câmbio administrado baseado

num sistema de bandas cambiais deslizantes com vistas

a obtenção de uma taxa real de câmbio competitiva a

médio e longo-prazo; política monetária baseada num

regime flexível de metas de inflação, onde a extinção

da parcela “selicada” permitirá o fim do contágio entre a

política monetária e a política fiscal, e uma política salarial

capaz de induzir o crescimento dos salários reais em linha

com a produtividade do trabalho.

José Luis Oreiro [email protected]

Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador Nível IB do CNPq e líder do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento” cadastrado no CNPq. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br Blog: www.jlcoreiro.wordpress.com

42

Page 45: Revista de Conjuntura n. 52

43

janeiro/abril de 2014

ArtigoA informação como insumo para o planejamento

Antonio Pereira S. Marinho

O binômio planejamento e informação representa o

substrato das ações bem-sucedidas. É impossível conce-

ber-se planejamento consistente sem a disponibilidade

de informações que lhe deem sustentação. Ou seja,

há uma interdependência. A propósito, Médici (1990)

diz que, sem informação, não há planejamento. Mas,

em muitos casos, sem a demanda pelo planejamento

não há informação; pelo menos em forma visível e

adequada. Podemos dizer então, com respaldo em

Cleveland (1983), que a informação constitui sempre a

base da organização e das ações humanas.

De fato, a informação tornou-se uma necessidade

crescente para qualquer setor da atividade. É o ponto

de partida, revelando-se indispensável mesmo que

a sua procura não seja ordenada ou sistemática, mas

resultante apenas de decisões casuísticas e/ou intui-

tivas (Braga, 1996). O autor acrescenta ainda que as

decisões da gestão moderna se dão a partir do maior

número possível de informações. Importante salientar

que não se trata de uma informação qualquer. É funda-

mental saber a fonte e o grau de confiabilidade.

A informação também é de natureza seletiva:

“muita informação, nenhuma informação. É a própria

regra dos limiares da Teoria da Informação. É também

a lei da memória que, para ser exercida com eficácia,

deve se livrar do supérfluo” (Sfez,1996)

Podemos assegurar que só planeja bem quem

busca, na informação, o elemento norteador das suas

ações. Cavalcanti (1995) dimensiona muito bem esta

assertiva. No seu entendimento é descartada a chance

de sucesso em uma ação sem planejamento fundamen-

tado em informação. No dizer do autor, “a informação

é condição essencial não apenas para o controle, mas

para outras funções administrativas como a tomada

de decisão, o planejamento etc.. A probabilidade do

acerto de uma decisão sem uma base em informações

é praticamente nula. Como poderemos tomar uma

decisão sem o conhecimento através de informações

sobre o assunto?”.

A sociedade atual é caracterizada como sociedade

da informação. A Unesco, em relatório de 1998, comenta

uma das principais características dessa sociedade,

qual seja: usa a informação como um recurso econô-

mico. Uma maior utilização da informação pelas orga-

nizações aumenta a sua eficiência, estimula a inovação,

além de melhorar a qualidade dos bens e serviços que

produzem.

O relatório acrescenta ainda que a informação pro-

duz semelhante impacto na administração pública.

Quer seja no nível nacional ou local, tem-se dado conta

da importância dela para uma drástica mudança na

forma de encaminhamento das ações. Ou seja: o uso da

informação possibilita uma melhora geral de eficiên-

cia, a exemplo do que acontece na iniciativa privada.

Teracine et al (2000) sustentam que as decisões de onde

e como investir os recursos não podem ser ditadas ape-

nas por um sentimento ou pelos interesses de grupos

menores dentro da fábrica social. Todos os interessa-

dos devem dispor de iguais meios de acesso às mes-

mas informações.

Importante chamar à atenção para um aspecto

singular na nossa cultura: quando falamos de informa-

ções, somos remetidos quase que automaticamente às

informações estatísticas, com as quais estamos mais

familiarizados. Não podemos nos esquecer, entre-

tanto, que as informações de natureza geográfica são

de fundamental importância para o planejamento. O

encontro do dado estatístico com o geográfico resulta

na informação georreferenciada, que responde a qua-

tro questões básicas em relação aos objetos do mundo

Page 46: Revista de Conjuntura n. 52

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a

real: Onde estão? O que são? Que relação existe entre

os objetos? Quando ocorreram?

Considerando a interdependência entre dado,

informação e conhecimento, necessário se faz estabe-

lecer a distinção entre estes três vocábulos, haja vista

que na linguagem comum, por vezes estes termos são

utilizados indistintamente.

Sobre os três vocábulos, o filólogo e lexicógrafo

Houaiss (2009) apresenta a seguinte tradução literal:

Dado: aquilo que se conhece e a partir do qual

se inicia a solução de um problema, a formu-

lação de um juízo, o desenvolvimento de um

raciocínio; informação capaz de ser processada

por um computador.

Informação: conjunto de conhecimentos reuni-

dos sobre determinado assunto ou pessoa;

Mensagem suscetível de ser tratada pelos meios

informáticos; conteúdo dessa mensagem;

Conhecimento: somatório do que se conhece;

conjunto de informações e princípios armazena-

dos pela humanidade.

Como veremos a seguir, estes termos adquirem

acepções próprias, quando tratados em contextos

específicos, portanto, é necessária uma delimitação.

Comecemos pelo primeiro vocábulo. Setzer (2008)

diz que dado pode ser entendido como “um elemento

da informação; um conjunto de letras, números ou

dígitos que tomados isoladamente não transmitem

nenhum conhecimento, ou seja, não possui signifi-

cado. E, além disso, é descontextualizado. Segundo

Davenport e Prusak (1998), Drucker (1999) apud

Salgado (2007, p.23), o dado é simplesmente o fato

capturado de uma entidade qualquer, que passa por

um processo de organização e interpretação para gera-

ção da informação.

Quanto à informação, Setzer (2008) diz que “é uma

abstração informal (isto é, não pode ser formalizada atra-

vés de uma teoria lógica ou matemática), que está na

mente de alguém, representando algo significativo para

essa pessoa. (...) não é possível processar informação

diretamente em um computador. Para isso é necessário

reduzi-la a dados”. Salgado (2007, p.23) resume de forma

bastante didática: “informação é o resultado de dados

combinados, estruturados ou contextualizados, passí-

veis de serem interpretados por quem deles faz uso.

Feitas estas importantes distinções, retornemos ao

eixo da questão, qual seja a informação como insumo

básico do planejamento.

Campos (1988) destaca a sua relevância ao dizer

que a informação é o ingrediente essencial da decisão.

Não se pode pensar em uma situação decisória que

dispense informação. A pessoa que decide precisa de

informações para identificar problemas, para perce-

ber oportunidades, apoios e restrições. A geração e a

avaliação de alternativas não ocorrem sem uma base

de informações. E prossegue nesse foco dizendo que a

atividade de planejamento apoia-se na intensa busca e

organização de informações voltadas para o diagnós-

tico e o estabelecimento de metas.

Podemos dizer, então, que a informação é funda-

mental não apenas ao planejamento, mas ao próprio

processo democrático. Nas palavras de Dowbor (2010),

a informação aparece como uma condição chave da

construção de processos democráticos de tomadas de

decisão. Trata-se, pois, de um recurso precioso, e de um

poderoso racionalizador das atividades sociais.

Por fim, como incentivo à utilização da informação

destaque-se a sua natureza essencial, qual seja, a não

rivalidade; uma vez gerada, uma informação pode ser

infinitamente usada. Esta característica reveste-se da

singularidade de que o consumo de uma unidade do

serviço não reduz a quantidade disponível para outros

consumidores; mais ainda: a exclusão não é desejável,

diante da inexistência de custos adicionais, em face

do consumo ou utilização extra; o custo marginal de

prover o bem para um consumidor adicional é zero

para qualquer nível de produção. Tais recursos (não

materiais e, portanto, intangíveis) não são esgotáveis.

Além disso, o consumo dos mesmos não os destrói,

e seu descarte geralmente não deixa vestígios físicos

(Lastres, 2010). Cedê-los (mediante venda, por exem-

plo) não faz com que sejam perdidos.

Ou seja, o uso exaustivo da informação nos diversos

setores da atividade humana não diminui a sua dispo-

nibilidade. Pelo contrário, na medida em que é usada

ou compartilhada a informação expande-se, o que

representa um estímulo à sua utilização.

Espera-se, portanto, que todos aqueles que têm em

suas mãos a responsabilidade pelo planejamento, seja

na iniciativa privada ou no setor público, percebam a

44

Page 47: Revista de Conjuntura n. 52

45

janeiro/abril de 2014

natureza fundamental da informação, que a compre-

endam como insumo básico e apropriem-se do grande

estoque disponível de maneira ética e responsável.

Dessa forma, ampliaremos significativamente a

probabilidade de sucesso nas ações de planejamento

e toda sociedade será beneficiada.

Referências bibliográficasBRAGA, Ascenção. A gestão da Informação. Trabalho realizado a partir de Tese de Mestrado em Gestão - Universidade da Beira Interior (1996), Beira, Portugal. Millenium on-line, n. 19, jun. 2000. Disponível em: <http://www.ipv.pt/millenium/Millenium_19.htm>. Acesso em: 2013.

CAVALCANTI, Elmano P. Revolução da Informação: algu-mas reflexões. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 1, 2 sem., 1995.

CLEVELAND, Harlan. A informação como um recurso. Diálogo. Tradução: Elcio de Cerqueira. Rio de Janeiro: USIS, 1983.

DOWBOR, Ladislau. Sistema local de informação e cidadania. (Subprojeto das propostas de rede da RTS). Brasília, set. 2004. Disponível em: <www.rts.org.br/biblioteca/sistema-local-de-informacao-e-cidadania> Acesso em: 12 dez. 2013.

LASTRES Helena M. M. Informação e conhecimento na nova ordem mundial. Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 1, p. 72-78, jan. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/v28n1/28n1a09.pdf> Acesso em: 2 out. 2013.

MÉDICI, André Cézar. Sistema estatístico, planejamento e sociedade no Brasil (notas para discussão). Revista Brasileira de Estudos de População, Campinas, v. 7, n. 2, p. 191-206, jul./dez. 1990.

SALGADO, Carla M. M. Uso da informação no desen-volvimento do território turístico de bonito - MS. 2007. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local) - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2007.

SETZER, Valdemar W. Dado, Informação, Conhecimento e Competência. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/dado-info.html>. Acesso em: 29 out. 2013. Este artigo é uma ampliação e atualização do artigo correspondente publicado na revista Datagrama, ele foi publicado em: SETZER, V. W. Os Meios Eletrônicos e a Educação: Uma Visão alternativa. São Paulo: Editora Escrituras, 2001. (Coleção Ensaios Transversais, v. 10)

SFEZ, Lucien. Informação, saber e comunicação. Informare, Cad. Prog. Pós-Grado Cio Inf., Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 5-13, jan./jun. 1996.

TERRACINE Edson B.; SILVA, José L. A.; FERNANDES T. A.; FONSECA, Cristian R.; SARLI, Paulo F. A Excelência da Informação no Planejamento Participativo. Disponível em: <www.campinas.sp.gov.br/governo/seplan/plano--diretor>. Acesso em: 12 dez. 2013.

‘‘ ‘‘

Dessa forma, ampliaremos

significativamente a probabilidade de sucesso nas ações de planejamento e

toda sociedade será beneficiada.

Antonio Pereira S. Marinho [email protected]

Mestre em Economia (UFS)Analista em Planejamento e Gestão da Informação (IBGE)

Page 48: Revista de Conjuntura n. 52

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a

ArtigoA transferência de recursos do tesouro nacional para o BNDES não

percebida pelas contas públicasFelipe Ohana

O presente artigo procura mostrar a transferência

de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES não per-

cebida pelas contas públicas. O artigo faz uma simula-

ção de perda de capital do Tesouro Nacional dada as

taxas de juros subsidiadas praticadas nas transferên-

cias ao Banco e demonstra, com exemplo, como fun-

ciona o mecanismo.

As Contas do Tesouro Nacional - Perda de capital

A MP 618 de 2013, convertida na lei nº 12 872 de outu-

bro de 2013, autorizou a União a renegociar as operações

de crédito com o BNDES, conforme o artigo 3º:

Art. 3o Fica a União autorizada a renegociar as

condições financeiras e contratuais das operações de

crédito com o Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social - BNDES firmadas com fundamento

no art. 26 da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, no

art. 12 da Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, no art. 1º

da Lei nº 11.688, de 4 de junho de 2008, e nos arts. 1º e

2º-A da Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009.

Diz o artigo, ainda, que a taxa de juros deve, no

mínimo, ser a TJLP. Como a maioria dos contratos assi-

nados entre as partes estabelece taxa de juros de TJLP

é de se presumir que parte da renegociação se dará por

ampliação de prazo, uma vez que renegociar as con-

dições contratuais inclui esta opção. Ressalta-se que,

sempre que há tal ampliação, sem elevação da taxa de

juros, o valor do crédito cai (ou seja, ocorre transferên-

cia de renda ao devedor).

Informações prestadas pelo BNDES à Comissão de

Orçamento do Congresso e as respostas aos requeri-

mentos de informação feitos pela Mesa do Senado não

indicam os prazos dos contratos, somente o valor e a

taxa de juros.

Para se avaliar o montante da perda de capital do

Tesouro Nacional supõe-se que o prazo dos contratos

de empréstimos esteja entre 20 e 25 anos.

O primeiro Quadro abaixo indica as informações

básicas. O segundo, o resultado das quantificações

das perdas, para cada prazo, supondo-se pagamento

no sistema Price, com prestações constantes e anuais.

A leitura dos quadrosO primeiro Quadro mostra, por exemplo, que em

2009, houve um contrato de empréstimo de R$ 13

bilhões, com taxa de juros de TJLP + 2,5% (equivalente

a 8,75% a.a.), enquanto a SELIC corria a 11,7%. Nesse

caso, diz o Quadro 2, a União perdeu entre R$ 2,35

bilhões (se o prazo da operação fosse de 20 anos) e R$

2,61 bilhões (para o prazo de 25 anos), por ter empres-

tado com taxa subsidiada, em vez de quitar sua dívida,

que corria a 11,7%.

A perda total da União, pela prática do crédito sub-

sidiado, está entre R$ 68,16 bilhões e R$ 76,8 bilhões,

desde 2009, o que equivale a 21% ou 24% do total

emprestado, dependendo do prazo do empréstimos.

Uma perda que representa mais de 3 Bolsas Família

anuais; 1,5 vezes o déficit da Previdência de 2013 ou

o resultado primário do Governo Central (R$ 75,2

bilhões) deste mesmo ano.

O Governo tem respondido a esta crítica com o

seguinte argumento: a redução do custo de capital

(taxas subsidiadas) alavanca o crescimento econô-

mico, de onde se originam receitas fiscais que, de

outra forma, não existiriam.

Trata-se de um argumento de difícil comprovação e

que não se presta a contestar o fundamento da crítica.

46

Page 49: Revista de Conjuntura n. 52

47

janeiro/abril de 2014

Quadro 1: Empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES - Informações básicas

LinhasData da

CaptaçãoCaptação

R$ bilhõesTaxa de

contrato (%)TJLP do mês

(% aa)Selic do mês

(% aa)

Saldo devedor em dezembro 2013 -

R$ bilhões

1 mar/09 13,00 TJLP+2,5 6,25 11,7 7,82

2 jun/09 26,00 TJLP+1 6,25 9,54 20,83

3 jul/09 16,30 TJLP 6 9 16,30

4 jul/09 8,70 USD+5,97 10,39

5 ago/09 8,54 TJLP 6 8,65 8,69

6 ago/09 21,23 TJLP 6 8,65 21,62

7 ago/09 6,24 TJLP 6 8,65 6,35

8 abr/10 74,20 TJLP 6 8,72 84,92

9 mai/10 5,80 TJLP 6 9,4 6,64

10 mar/11 5,25 TJLP 6 11,62 5,80

11 jun/11 30,00 TJLP 6 12,1 32,83

12 dez/11 15,00 TJLP 6 10,9 16,07

13 jan/12 10,00 TJLP 6 10,7 10,71

14 jun/12 10,00 TJLP 6 8,39 10,52

15 out/12 20,00 TJLP 5,5 7,23 20,79

16 dez/12 15,00 TJLP 5,5 7,16 15,48

17 jun/13 15,00 TJLP 5 7,9 15,00

18 dez/13 24,00 TJLP 5 9,9 24,03

Total 324,24 334,79

Fonte: Câmara dos Deputados/Comissão de Orçamento - demonstrativos trimestrais do BNDES

Quadro 2: Perda de Capital do Tesouro nos Empréstimos ao BNDES

Linha Data da Captação

Captação R$ bilhões

Deságio para prazo de 20 anos (% da captação)

Deságio para prazo de 20 anos em

R$ bilhões

Deságio para prazo de 25 anos (% da

captação)

Deságio para prazo de 25 anos

em R$ bilhões

1 mar/09 13 18,09% 2,35 20,11% 2,61

2 jun/09 26 15,43% 4,01 17,44% 4,53

3 jul/09 16,297 20,41% 3,33 23,16% 3,77

4 jul/09 8,702

5 ago/09 8,535 18,39% 1,57 20,93% 1,79

6 ago/09 21,225 18,39% 3,90 20,93% 4,44

7 ago/09 6,238 18,39% 1,15 20,93% 1,31

8 abr/10 74,2 18,80% 13,95 21,38% 15,86

9 mai/10 5,8 22,63% 1,31 25,59% 1,48

10 mar/11 5,246 35,32% 1,85 36,99% 1,94

11 jun/11 30 35,28% 10,58 39,07% 11,72

12 dez/11 15 30,12% 4,52 33,64% 5,05

13 jan/12 10 29,19% 2,92 32,65% 3,27

14 jun/12 10 16,83% 1,68 19,20% 1,92

15 out/12 20 12,91% 2,58 14,89% 2,98

16 dez/12 15 12,44% 1,87 14,36% 2,15

17 jun/13 15 20,63% 3,09 23,61% 3,54

18 dez/13 24 31,22% 7,49 35,10% 8,42

Total 324,243 68,16 76,80

Fonte: Câmara dos Deputados/Comissão de Orçamento - demonstrativos trimestrais do BNDES. Nota: As perdas correspondem ao valor presente do fluxo de pagamento do devedor, no prazo previsto, descontado pela taxa de custo de oportunidade do Tesouro (SELIC).

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A crítica está no fato de haver transferências de

recursos da União sem a devida contabilidade. Nenhum

sistema de acompanhamento de despesas públicas, no

País, é capaz de capturar esta informação. Portanto, a

política fiscal - pode-se dizer - é opaca.

O impacto expansionista dos R$ 76 bilhões é repre-

sentativo. As autorizações para tais despesas deveriam

estar previstas no orçamento, para ordenar as priorida-

des de gasto e conferir consistência à meta fiscal. Ainda

assim, não seria suficiente. Os créditos da União deve-

riam, adicionalmente, pelas razões expostas, serem

acompanhados, na forma de marcação a mercado para

se conhecer integral e precisamente as eventuais trans-

ferências de recursos do setor público para o setor pri-

vado e, com isso, conseguir medir os movimentos da

dívida federal líquida.

Como funciona o mecanismo: um exemplo

Suponha que a taxa de juros de mercado seja de

10% ao ano, numa economia sem inflação. Um credor

(A) empresta R$ 100,00 ao BNDES por um ano, com

taxa de juros de mercado. Outro credor (B) empresta

a mesma quantia, também por um ano, a uma taxa de

juros de 5% ao ano (uma taxa subsidiada).

Ao final do ano, o credor (A) receberá o principal

mais juros, no total de R$ 110,00, enquanto o credor

(B) receberá somente R$ 105,00. Se isto acontecer, o

credor (B) terminará o ano 4,55% mais pobre do que o

credor (A) (=105/110).

Percebendo o mau negócio, o credor (A) pode se

interessar em vender este crédito contra o BNDES para

outro credor. O eventual comprador, sabendo que ao

final do ano receberá do devedor R$ 105,00, fará uma

oferta de R$ 95,45 pelo crédito (=R$ 105/1,1). Com isso,

o retorno de R$ 105 será 10% superior à quantia ofer-

tada, o que equivale à taxa de juros de mercado. Em

outros termos, o credor (B) só conseguiria sair da ope-

ração se vendesse o crédito de R$ 100,00 por R$ 95,45,

perdendo R$ 4,55. Em suma, quando um credor pratica

uma taxa de juros abaixo da taxa de mercado, ele perde

capital.

Esta conta adquire um apelo intuitivo quando se

imagina que o credor (B), em vez de emprestar a uma

taxa de 5%, poderia recomprar R$ 100,00 de sua dívida

em mercado, eliminando sua obrigação (pagamento)

de R$ 110,00 ao final do ano.

ConclusãoEm suma, as despesas públicas com os subsídios de

taxa de juros:

• Não são registradas no orçamento;

• Não são contabilizadas no cálculo da dívida

federal líquida e, portanto, no resultado

primário;

• A meta de resultado primário é, portanto, um

faz de conta, pois trata-se de o Governo Federal

executar despesas por fora do compromisso

fiscal;

• A renegociação proposta pela Lei nº 12 872 só

irá agravar o quadro de descontrole. Os primei-

ros contratos a serem afetados são aqueles em

negrito, no Quadro 2 (linhas 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9).

Não é possível fomentar o crescimento econômico

em meio à “desregulamentação” da macroeconomia,

como acredita o Governo.

Felipe Ohana [email protected]

Eduardo Felipe Ohana é Consultor Econômico e membro do grupo de conjuntura do CORECON/DF

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janeiro/abril de 2014

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ArtigoRazões para o não rebaixamento

Paulo DantasJúlio Miragaya

Em 24 de março, a agência de rating Standard &

Poor’s (S&P), sediada em Nova Iorque, rebaixou a “nota”

conferida ao Brasil de “BBB” para “BBB-”. Os argumentos

centrais apresentados pela S&P para tal decisão foram

o baixo crescimento econômico do país, o insuficiente

superávit primário, a elevada dívida pública e a vulne-

rabilidade externa, além de outros, como uma suposta-

mente excessiva atuação dos bancos públicos.

Inicialmente, deve-se mencionar a ausência de crité-

rios na aplicação das variáveis. A economia do México,

por exemplo, cresceu apenas 1,0% em 2013, menos da

metade do crescimento do PIB do Brasil, mas sua nota

foi mantida em um nível superior (A3). O superávit pri-

mário no Brasil, de 1,9% do PIB, foi considerado insufi-

ciente, mas o Brasil é um dos países do G-20 com maior

superávit primário. A dívida pública bruta brasileira, de

57% do PIB, é praticamente a metade da norte-ameri-

cana (106%). Já a relação entre compromissos externos

de curto prazo e de longo prazo vincendos sobre as

reservas internacionais, que mede o grau de vulnerabi-

lidade externa, é no Brasil de apenas 24%, contra 60%

no México (A3), 127% no Chile (Aa3) e 136% na Polônia

(A2), todos, portanto, com “nota” superior a do Brasil.

Deve também ser questionada a não considera-

ção pela agência de outras variáveis para determinar

a saúde econômica e financeira de um país, tais como

a geração de emprego, a elevação da renda média da

população e a própria distribuição desta. O México, por

exemplo, gerou apenas 200 mil em todo o ano de 2013,

sete vezes menos dos que foram gerados no Brasil.

Evidente que a situação econômica brasileira não é

nada confortável, acumulando-se problemas conjun-

turais e estruturais, como a ampliação do déficit em

transações correntes, que em 2013 atingiu 3,5% do PIB.

Ocorre que a S&P rebaixou a “nota” brasileira enquanto

outras agências têm considerado os fundamentos

econômicos do país como estáveis, não obstante os

diversos problemas existentes, absolutamente alinha-

dos com as dificuldades apresentadas pela quase tota-

lidade dos países emergentes e, sobretudo, dos países

centrais, em função da crise econômica mundial.

As consequências advindas do rebaixamento con-

ferido pela S&P são os evidentes prejuízos à economia

nacional, elevando o custo de captação de financia-

mento externo por parte do governo federal e de diver-

sas empresas nacionais. Isso, no limite, pode configurar

um cenário propício a situações de ataques especu-

lativos contra a economia brasileira. O substantivo

ingresso de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED),

fonte essencial e desejável de financiamento de nosso

balanço de pagamentos pode ser prejudicado com a

medida da S&P.

Aliás, a alegação de que investidores estrangei-

ros estão receosos de investir no Brasil cai por terra

confrontada com o fato de termos sido o 4º país do

mundo em recepção de investimentos externos em

2013, registrando o ingresso de mais de 60 bilhões de

dólares. Deve-se registrar, ainda, que nas duas últimas

semanas, até 31 de março, o Ibovespa subiu até nada

menos que 12,1%, recuperando toda a perda ocorrida

desde janeiro de 2014, em face, sobretudo, do ingresso

na Bolsa de R$ 2,2 bilhões de investidores estrangeiros.

Em suma, merece credibilidade uma agência que,

às vésperas da quebra do Lehman Brothers, em setem-

bro de 2008, conferia uma nota elevada ao referido

banco? A serviço do que estão essas agências?

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janeiro/abril de 2014

O Presidente da Vale, Murilo Ferreira, em recente

entrevista sobre relatório de analistas do mercado

financeiro que apostavam numa crise financeira na

China, afirmou que “A China tem as maiores reservas do

mundo, 4 trilhões de dólares. Parece, para esses analis-

tas, que quem tem dívida de 17,3 trilhões de dólares é

a China. Mas não, são os EUA, de onde parte a maior

parte desses relatórios”.

Por todas essas razões, a reunião plenária do

Conselho Federal de Economia, realizada em 29 de

março, posicionou-se em total desacordo com o rebai-

xamento da “nota” conferida ao Brasil pela agência

Standard & Poor’s.

Paulo Dantas [email protected]

Presidente do Conselho Federal de Economia - COFECON

Júlio Flávio Gameiro Miragaya [email protected]

Membro da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia.

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CONCURSOSQUESTÕES DE CONCURSOS DE ECONOMIASeleção das questões e comentários: Econ. Hélio Socolik

[email protected] pela UFRJ e Mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Auditor-Fiscal da Receita Federal (aposentado). Professor de Macroeconomia, Microeconomia e Finanças Públicas em diversas faculdades e cursos reparató-rios de concursos públicos.

1- (Auditor Público do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, 2011) A necessidade de atuação econômica do setor público prende-se à constatação de que o sistema de preços não consegue cumprir ade-quadamente algumas tarefas ou funções. Por exemplo, existem alguns bens e serviços que são indivisíveis em que o princípio da exclusão não é aplicável. Esta situação caracteriza qual das funções econômicas clás-sicas do setor público?a) Função distributiva. b) Função estabilizadora. c) Função alocativa. d) Todas as alternativas anteriores. e) Nenhuma das alternativas anteriores.

Comentário: Costuma-se atribuir ao setor público determinadas funções, justamente para complementar a contri-buição do setor privado para as tarefas que os sistemas econômicos necessitam cumprir, e que podem ser resumidas nas questões: o que, como e para quem produzir. A função alocativa trata justamente da oferta dos bens públicos, que o setor privado por suposição não atenderia com eficiência em razão das características desses bens de não exclusão e da não rivalidade no consumo. A função estabilizadora trata do conjunto de políticas que o governo tem de implementar para corrigir principalmente os problemas de desemprego e inflação, e também administrar níveis equilibrados de déficit e dívida pública e os resultados das transações com o exterior. A função distributiva trata das medidas tomadas pelo setor público para corrigir níveis considerados inaceitáveis de desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, ao nível pessoal e entre regiões de um país. Gabarito: c

2- (Perito em Economia do Ministério Público da União, 2010) Julgue os itens subsequentes.a- A modificação de um dos preços (efeito preço) altera a inclinação da linha do orçamento.

Comentário: A linha do orçamento é a representação gráfica da expressão R = p1x

1 + p

2x

2, onde R é a renda, p é o

preço e x é a quantidade dos bens 1 e 2. A equação pode ser colocada na forma x2 = R/ p

2 – (p

1/ p

2 ) x

1, onde se pode

observar que a inclinação da linha é igual à razão entre os preços. Assim, qualquer modificação em um dos preços altera a sua inclinação. Resposta: Certo.

b- Em uma economia com inflação, quando os preços e a renda são reajustados na mesma proporção a linha do orçamento do consumidor desloca-se nessa mesma proporção.

Comentário: Quando os preços são reajustados na mesma proporção a relação entre eles permanece a mesma e a inclinação da linha de orçamento é a mesma. Se a renda também é reajustada na mesma proporção a quantidade consumida de cada bem permanece a mesma. Portanto, a linha de orçamento não se altera. Vamos a um exemplo. Consideremos uma renda de $100 e os preços de dois bens, x e y, $10 e $5. As quantidades máximas consumidas de cada bem são, respectivamente, de 10 e de 20 unidades. Se a renda e os preços são reajustados em 10% a renda vai para $110 e os preços para $11 e $5,5. Em consequencia as quantidades máximas consumidas continuarão a ser, respectivamente, de 10 e de 20 unidades.Resposta: Errado.

c- Os bens X e Y são complementares perfeitos quando a taxa marginal de substituição de um pelo outro é constante.

Comentário: Bens complementares são aqueles que são consumidos simultaneamente, como café e açúcar, por exemplo. A taxa marginal de substituição de um bem por outro é a quantidade de um bem que pode ser trocada por unidades adicionais do outro com a mesma satisfação pelo consumidor. No caso de dois bens substitutos per-feitos, como canetas preta e azul, por exemplo, a substituição de uma caneta por outra pode ser feita sempre na mesma proporção, ou seja, a taxa marginal de substituição é constante. Mas no caso de bens complementares, no entanto, não se pode substituir um bem por outro sem perda de satisfação. Menos açúcar não pode ser substituído por mais café. Nesse caso, a taxa marginal de substituição assume duas situações: ou é zero ou é infinita. Resposta: Errado.

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