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670 Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193 UMA ABORDAGEM RETÓRICA NO GÊNERO TEXTUAL ARTIGO DE OPINIÃO José Nildo Barbosa de Melo Junior Mestre em Linguística, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. Professor de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Alagoas, Viçosa, AL, Brasil. Eduardo Pantaleão de Morais Doutor em Letras, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil. Professor de Linguística e Língua Portuguesa, Universidade Estadual de Alagoas, São Miguel dos Campos, AL, Brasil. Antonio Cesar da Silva Mestre em Letras, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. Professor de Língua Portuguesa e Língua Latina, Universidade Estadual de Alagoas, São Miguel dos Campos, AL, Brasil. RESUMO: Este estudo centra-se na análise de especificidades retóricas no gênero artigo de opinião, especificamente quanto à organização do sistema retórico. Objetiva mostrar que estratégias de persuasão faz o articulista assumir a imagem de um ethos, para despertar os sentimentos e as emoções do leitor (pathos), por meio da exposição dos seus argumentos (logos). Optou-se pela metodologia de Flick (2009), de natureza qualitativa, embora tenham sido utilizados números para a seleção do corpus. A arquitetura teórica está embasada na Linguística Textual, com os fundamentos de Costa (2009), Marcuschi (2008, 2011), Köche, Boff e Marinello (2014) e de estudiosos do Jornalismo, no que diz respeito à definição do gênero artigo opinativo, bem como fundamenta-se na Retórica Moderna, com as acepções de Aristóteles (2005), Meyer (2007), Perelman (1997), Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004), Santos (2011), entre outros. A relevância da temática dá-se por contemplar a argumentação retórica num gênero que circula no domínio discursivo da comunicação. PALAVRAS-CHAVE: Artigo de opinião. Argumentos. Retórica Moderna. Sistema retórico. ABSTRACT: This study focuses on the analysis of rhetorical specificities in the opinion article genre, specifically regarding the organization of the rhetorical system. It aims to show which strategies of persuasion makes the writer take on the image of an ethos, to awaken the reader's feelings and emotions (pathos), by exposing his arguments (logos). We opted for Flick's (2009) methodology, of a qualitative nature, although numbers were used to select the corpus. Theoretical architecture is based on Textual Linguistics, with the foundations of Costa (2009), Marcuschi (2008, 2011), Köche, Boff and Marinello (2014) and of Journalism scholars, with regard to the definition of the opinion article genre, as well as based on Modern Rhetoric, with the meanings of Aristotle (2005), Meyer (2007), Perelman (1997), Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004), Santos (2011), among others. The relevance of the theme comes from contemplating rhetorical arguments in a genre that circulates in the discursive domain of communication. KEYWORDS: Opinion article. Arguments. Modern Rhetoric. Rhetorical system.

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Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

UMA ABORDAGEM RETÓRICA NO GÊNERO TEXTUAL ARTIGO DE

OPINIÃO

José Nildo Barbosa de Melo Junior

Mestre em Linguística, Universidade Federal de Alagoas,

Maceió, AL, Brasil. Professor de Língua Portuguesa do

Instituto Federal de Alagoas, Viçosa, AL, Brasil.

Eduardo Pantaleão de Morais

Doutor em Letras, Universidade Estadual de Maringá,

Maringá, Paraná, Brasil. Professor de Linguística e Língua

Portuguesa, Universidade Estadual de Alagoas, São

Miguel dos Campos, AL, Brasil.

Antonio Cesar da Silva

Mestre em Letras, Universidade Federal de Alagoas,

Maceió, AL, Brasil. Professor de Língua Portuguesa e

Língua Latina, Universidade Estadual de Alagoas, São

Miguel dos Campos, AL, Brasil.

RESUMO: Este estudo centra-se na análise de especificidades retóricas no gênero artigo

de opinião, especificamente quanto à organização do sistema retórico. Objetiva mostrar

que estratégias de persuasão faz o articulista assumir a imagem de um ethos, para

despertar os sentimentos e as emoções do leitor (pathos), por meio da exposição dos seus

argumentos (logos). Optou-se pela metodologia de Flick (2009), de natureza qualitativa,

embora tenham sido utilizados números para a seleção do corpus. A arquitetura teórica

está embasada na Linguística Textual, com os fundamentos de Costa (2009), Marcuschi

(2008, 2011), Köche, Boff e Marinello (2014) e de estudiosos do Jornalismo, no que diz

respeito à definição do gênero artigo opinativo, bem como fundamenta-se na Retórica

Moderna, com as acepções de Aristóteles (2005), Meyer (2007), Perelman (1997),

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004), Santos (2011), entre outros. A

relevância da temática dá-se por contemplar a argumentação retórica num gênero que

circula no domínio discursivo da comunicação.

PALAVRAS-CHAVE: Artigo de opinião. Argumentos. Retórica Moderna. Sistema

retórico.

ABSTRACT: This study focuses on the analysis of rhetorical specificities in the opinion

article genre, specifically regarding the organization of the rhetorical system. It aims to

show which strategies of persuasion makes the writer take on the image of an ethos, to

awaken the reader's feelings and emotions (pathos), by exposing his arguments (logos).

We opted for Flick's (2009) methodology, of a qualitative nature, although numbers were

used to select the corpus. Theoretical architecture is based on Textual Linguistics, with

the foundations of Costa (2009), Marcuschi (2008, 2011), Köche, Boff and Marinello

(2014) and of Journalism scholars, with regard to the definition of the opinion article

genre, as well as based on Modern Rhetoric, with the meanings of Aristotle (2005), Meyer

(2007), Perelman (1997), Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004), Santos

(2011), among others. The relevance of the theme comes from contemplating rhetorical

arguments in a genre that circulates in the discursive domain of communication.

KEYWORDS: Opinion article. Arguments. Modern Rhetoric. Rhetorical system.

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Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este artigo visa analisar aspectos argumentativos, numa abordagem retórica, mostrando

como os retores podem construir sua argumentação no gênero midiático artigo opinativo, em

circulação na internet e na forma impressa, tornando possíveis a identificação e a interpretação

de elementos retóricos, utilizados pelo articulista (retor1), com a finalidade de estabelecer um

diálogo persuasivo com os seus leitores.

Embora a argumentação seja inerente à língua(gem), o retor precisa desenvolver

habilidades e estratégias retóricas para persuadir o auditório social2. Assim, o ato de persuadir

dá-se por intermédio de caracteres argumentativos (premissas, técnicas, figuras), possibilitando

a formulação de um discurso que porte esses mecanismos linguísticos, a fim de influenciar de

maneira significativa no caráter argumentativo do retor, pois a argumentação retórica depende

do auditório social a quem o orador se dirige, o que implica estar bem preparado retoricamente.

A esse respeito, Perelman (1997, p. 70) salienta:

Para que a argumentação retórica possa desenvolver-se, é preciso que o orador dê

valor à adesão alheia e que aquele que fala tenha a atenção daqueles a quem se dirige:

é preciso que aquele que desenvolve sua tese e aquele a quem quer conquistar já

formem uma comunidade, e isso pelo próprio fato do compromisso das mentes em

interessar-se pelo mesmo problema.

Para o uso dos argumentos e para a interação com o auditório, a fim de conquistá-lo, é

preciso que o orador saiba a medida como será ouvido, uma vez que não basta convencer; é

fundamental persuadir. Dessa forma, a fim de alcançar o outro, é preciso argumentar; essa arte

se concretiza pela união dos dois atos (convencer e persuadir) no diálogo entre os interlocutores.

Meyer (2008, p. 3) discorre sobre a existência de duas teses quanto à noção de diálogo em textos

argumentativos:

Por um lado, argumentar não consistirá apenas em justificar uma tese, mas também

em considerar a(s) tese(s) contrária(s), o que será feito de múltiplas maneiras, que será

preciso saber dominar: evocação, citação, refutação ou concessão; por outro lado,

pode ocorrer que uma das duas teses esteja implícita, ou por não ter sido evocada no

enunciado, ou porque a situação de comunicação a oculte [...].

1 O termo retor será utilizado para referenciar o articulista, e o termo auditório, para indicar os leitores que acessam

o artigo de opinião veiculado na web e na forma impressa. 2 Em Retórica, refere-se ao (s) (grupo de) sujeitos sociais a que o discurso se dirige.

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Reboul (2004, p. XV) cita a distinção entre persuadir e convencer para assinalar a

semântica desses dois termos. Persuadir “é levar alguém a crer em alguma coisa” e convencer

“consiste não em fazer crer, mas em fazer compreender”. Conforme Abreu (2004, p. 25),

persuadir “é saber gerenciar relação, é falar à emoção do outro”; por sua vez, “convencer é

construir algo no campo das ideias” (ABREU, 2004, p. 25). Assim, a persuasão se dá no plano

das emoções; o convencimento se concretiza no plano das ideias, da razão, por isso não atinge

o interlocutor em sua totalidade. Por vezes, é possível convencer as pessoas; não sendo fácil

persuadi-las.

No âmbito da argumentação, as definições mencionadas anteriormente estão

intrinsecamente ligadas à tríade aristotélica: ethos/pathos/logos. No estabelecimento das

relações retóricas, a imagem que se projeta do retor (ethos), as paixões e os sentimentos

despertados no auditório (pathos) e a linguagem (logos) são igualmente fundamentais3. Nas

dimensões constitutivas da relação retórica e com vistas à argumentação, o retor e o auditório

social negociam sua distância, suas concepções distintas, seus questionamentos, por meio de

uma linguagem persuasiva ou discurso persuasivo na prática comunicativa.

Nesse sentido, de acordo com Meyer (2007, p. 26): “[...] A retórica é a análise dos

questionamentos que são feitos na comunicação interpessoal e que a suscitam ou nela se

encontram”. A Retórica é a arte de persuadir pelo discurso4, por meio de argumentos

negociáveis em contexto interativo, e está presente em qualquer texto, oral ou escrito, que tem

por finalidade persuadir.

Para a execução deste estudo, partiu-se da elaboração de alguns questionamentos, que

assim se resumem: De que maneira o gênero artigo de opinião segue a linha retórica quanto a

sua organização estrutural? Como se apresenta o sistema retórico no gênero textual artigo

opinativo? As respostas a essas perguntas constituem o grande foco desta análise, que tomou

como corpus o citado gênero, em jornal de circulação local.

3Para Meyer (2007, p. 25), “[...] o ethos, o pathos e o logos devem ser postos em pé de igualdade, se não quisermos

cair em uma concepção que exclua as dimensões constitutivas da relação retórica. O orador, o auditório e a

linguagem são igualmente essenciais”. Notadamente, nesse jogo argumentativo, o ethos, o pathos e o logos

exercem o mesmo grau de importância, destacando-se, de forma diferenciada, em cada momento discursivo. 4 A Retórica apropria-se do discurso persuasivo ou do que o discurso tem de persuasivo. Neste estudo, discurso

consiste em toda produção verbal, escrita ou oral, que se constitui por frases, períodos, parágrafos ou textos e

apresenta sentido (REBOUL, 2004)

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O SISTEMA RETÓRICO

Após fundamentos e definições, criadas por adeptos da Retórica, os quais serviram de

base para endossar os primeiros trabalhos nessa perspectiva, os estudos retóricos foram

reabilitados e reconfigurados por Aristóteles numa visão sistemática no mundo, onde a Retórica

ocupa seu lugar, de forma delimitada e direcionada. Esse direcionamento contempla elementos,

conjugados num sistema e integrados por Aristóteles à Retórica.

Cano (2000) referencia os principais retóricos responsáveis por essa sistematização,

seguidos de suas obras: Aristóteles (384-322 a. C.): Arte Poética, Arte Retórica; Cícero (106-

43 a. C.): De Inventione, De Oratore, De Optimo Genere, Oratorum, Partitiones oratoriae,

Orador, Topica; Quintiliano (35-aproximadamente 100 d. C.): Institutio Oratoria.

Os cânones da Retórica (ou sistema retórico) ratificam a força argumentativa do texto

(escrito ou oral) e determinam a carga persuasiva do discurso, que pode conduzir o

articulista/retor a persuadir seu auditório social. Nesse sentido, foi analisado o gênero artigo de

opinião, à luz dos estudos retóricos, no que diz respeito a especificidades nele encontradas.

Aristóteles, Cícero e Quintiliano comungam as bases teóricas fundamentais para a

sistematização dos cânones da retórica, conforme mencionado anteriormente, e consideram que

o sistema retórico compõe-se de quatro partes: inventio, dispositio, elocutio e actio. Durante a

época de Cícero, a retórica além de abranger esses quatro ofícios, mencionados anteriormente,

era uma disciplina que se manifestava nas mais diversas esferas de comunicação do cotidiano.

Conforme Santos (2011, p. 34), “Não eram apenas os discursos, mas também os poemas, as

peças e quase todos os produtos linguísticos se encaixavam na arte criativa dos retóricos”.

As partes que compõem a retórica, cujos nomes são de origem latina, estão assim

dispostas: invenção (heurésis, em grego), disposição (taxis), elocução (lexis) e ação

(hypocrisis). A invenção consiste em compreender o assunto e reunir todos os argumentos que

possam servir para convencer o leitor; a disposição se dá pelo encadeamento dos argumentos,

ordená-los antes de proferi-los; esse cânone retórico se divide em quatro partes: exórdio (parte

que inicia o discurso), narração (exposição dos fatos recorrentes à causa), confirmação

(conjunto de provas, seguido por uma refutação, que destrói os argumentos adversários),

digressão (tem como função distrair o auditório, mas também apiedá-lo ou indigná-lo) e

peroração (o que se põe no fim do discurso); a elocução consiste em redigir o discurso o melhor

possível; e a ação, diz respeito ao ato de proferir efetivamente o discurso.

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Além dessas quatro partes da retórica, as quais se complementam entre si, no período

romano, foi acrescentada a memória, que consiste na memorização do discurso ou da mensagem

a ser transmitida. Todas essas partes constitutivas do sistema retórico são importantes, em se

tratando de envolvimento de um auditório por um retor/orador que pretende persuadir com seus

argumentos, materializados na linguagem, pois o não cumprimento de algum dos cânones

retóricos pode tornar o discurso infundado, vazio, desarticulado, desordenado, mal elaborado e

incompreensível.

INVENÇÃO

Para gerir um discurso, é necessário que o orador encontre os argumentos, saiba acerca

do que ele vai versar, determinando e especificando o tipo de discurso e o gênero que se adapta

ao assunto. Essa fase do discurso torna-se possível na relação retórica, estabelecida por

Aristóteles (2005), de três argumentos: ethos, pathos e logos. Os dois primeiros são de ordem

afetiva e o último é de ordem racional.

O ethos é o caráter assumido pelo retor/orador, com vistas à persuasão do auditório. Para

tanto, deve obter a confiança desse auditório, adequando-se ao contexto no qual estiver inserido.

O pathos diz respeito ao conjunto de emoções, paixões e sentimentos, despertados no auditório,

por meio dos argumentos do orador. Por fim, o logos diz respeito aos argumentos propriamente

ditos; é a linguagem, dotada de um caráter persuasivo ou argumentativo.

Em sua argumentação, o retor dispõe de dois tipos de provas: as extrarretóricas ou

extrínsecas (atekhnai), que se apresentam antes da invenção, sejam por confissões, leis,

testemunhas, gravações, contratos etc.; e as intrarretóricas ou intrínsecas (entekhnai), que se

estabelecem no próprio discurso do orador e que podem revelar autenticidade, dependendo do

seu método, talento pessoal e do seu modo de conduzir o discurso.

DISPOSIÇÃO

A disposição consiste em dispor os argumentos, colocá-los em ordem, encadeá-los antes

de proferi-los. Essa tarefa do discurso divide-se em quatro partes (plano-tipo mais clássico):

exórdio, narração, confirmação, digressão e peroração.

O exórdio constitui a parte que dá início ao discurso e tem uma função primordialmente

fática, com o intuito de tornar o auditório dócil, atento e benevolente. Diz-se dócil, no sentido

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de apreender e compreender o assunto tratado, daí a importância da clareza e brevidade; atento,

por os argumentos apresentados fixarem-se no auditório, surpreendendo-o. e benevolente,

quando o orador reconhece a habilidade de argumentar do adversário, frente à sua falta de

experiência. A respeito do exórdio, Santos (2011, p. 37) referencia:

Muitas vezes, não se usa o exórdio, indo o orador diretamente ao assunto do seu

interesse. De qualquer forma, deve-se estar atento à execução do exórdio por ser

duplamente importante: a) em discurso escrito, deve ser capaz de convidar o leitor à

sua leitura e b) em fala improvisada, deve o orador demonstrar toda arte para fazer-se

ouvir.

A narração nada mais é do que expor fatos conjugados a uma causa. Essa exposição,

que aparenta ser objetiva, é baseada nas necessidades da acusação e da defesa. A eficácia da

narração dá-se pela clareza (seleção lexical, encadeamento, articulação/organização das ideias),

brevidade (implica ser objetivo e conciso quanto aos fatos) e credibilidade (enunciação dos

fatos e das suas causas) dos argumentos.

A confirmação refere-se a um conjunto de provas, refutadas pelo orador, a fim de

destruir os argumentos adversários. Na confirmação, a ordem dos argumentos pode ser

observada, no que se refere à sua força ou intensidade do discurso.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) preconizam que a força dos argumentos sofrerá

variação, de acordo com os auditórios e o objetivo da argumentação. Ainda conforme os autores

(2005, p. 528):

A força dos argumentos depende, pois, largamente, de um contexto tradicional. Às

vezes o orador pode abordar todos os assuntos e valer-se de toda espécie de

argumentos; às vezes sua argumentação é limitada pelo hábito, pela lei, pelos métodos

e técnicas próprias da disciplina em cujo seio se desenvolve seu raciocínio. Esta

determina amiúde o nível da argumentação, o que pode ser considerado fora de

discussão, o que deve ser considerado irrelevante no debate.

Quanto à digressão, esta pode não apenas distrair o auditório, mas ainda apiedá-lo ou

indigná-lo. Já a peroração consiste na finalização do discurso. Esse momento pode se alongar

e se dividir em várias partes, como: a amplificação, que consiste em apresentar a realidade de

um delito, de maneira a castigar exemplarmente o culpado; a paixão que implica em despertar

seja piedade, seja indignação no auditório; e a recapitulação que consiste em expor um resumo

da argumentação, não havendo qualquer argumento (SANTOS, 2011).

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ELOCUÇÃO

Entende-se por elocução a verbalização das ideias ou a redação sistematizada do

discurso, seja na modalidade escrita ou oral. Esse discurso deve ser bem redigido/elaborado

pelo orador e adequado à situação, ao contexto no qual o auditório está inserido.

AÇÃO

A ação consiste em declamar ou proferir o discurso, a fim de alcançar o auditório social.

De acordo com Santos (2011), incluem-se, nessa categoria, os elementos suprassegmentais

(ritmo, pausa, entonação, timbre de voz) e a gestualidade; por intermédio da ação, os elementos

não verbais são operacionalizados e representados pelas categorias da cinésica e da proxêmica.

MEMÓRIA

Embora, para alguns estudiosos da Retórica, a memória não constitua parte do sistema,

pois é inerente ao discurso, um dom de que o retor dispõe, outros autores acrescentam-na como

o quinto cânone da retórica, por considerarem não apenas um dom, mas ainda uma técnica que

pode ser aprendida.

A memorização do discurso acontece facilmente, desde que o retor disponha de bom

estado físico. Há elementos que favorecem o ato de memorizar, tais como: “[...] a própria

estrutura do discurso, a sua coerência interna, o encadeamento lógico das partes e a euritmia de

suas frases” (SANTOS, 2011, p. 41).

O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO

Os gêneros textuais não são superestruturas canônicas e deterministas, modelos rígidos

ou estanques, mas são dotados de um caráter flexível, mesmo que condicionem os usuários da

língua a escolhas, na produção discursiva, as quais não podem ser totalmente livres nem

aleatórias, conforme preconizam dadas teorias linguísticas (MARCUSCHI, 2008, 2011). Isso

ocorre porque os gêneros possuem esse viés interativo, dinâmico, plástico, cognitivo, social,

tanto do ponto de vista do processamento quanto da construção enunciativa, quer na produção

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de sentidos e interação, quer nas várias instâncias da atividade humana organizada discursiva e

socialmente.

A partir desse raciocínio, gêneros de texto, neste estudo, remetem-se a “formas culturais

e cognitivas de ação social corporificadas de modo particular na linguagem [...]”

(MARCUSCHI, 2011, p. 18) e que devem ser vistas na relação com as práticas sociais,

atividades discursivas, interacionais, pragmáticas, linguísticas, literárias, entre outras.

Esses gêneros de texto materializam-se não apenas por mecanismos cotextuais presentes

no texto, mas ainda por valores, ideias e elementos contextuais. São os fatores linguísticos e

sociais, organizados por meio das sequências textuais, que tornam possível o tipo e os gêneros

textuais. Nessa perspectiva, está situado o artigo opinativo, gênero midiático, veiculado na

esfera jornalística, que versa sobre uma temática de cunho social, cultural, econômico, político

e outras questões socialmente relevantes aos leitores.

Dolz, Schneuwly (2004) figuram uma proposta de agrupamento de gêneros, elencando,

em seu quadro de proposições teóricas, os domínios sociais de comunicação, os aspectos

tipológicos e as capacidades de linguagem globais em relação aos gêneros textuais. Nessa

perspectiva, situa-se o artigo de opinião, cujo domínio essencial da comunicação encontra-se

na discussão de problemas sociais controversos. Quanto aos aspectos tipológicos, o gênero em

foco localiza-se na tipologia do argumentar, cuja capacidade de linguagem dominante objetiva

a sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.

Nos mais diversos suportes textuais, seja em jornais, revistas, seja em periódicos, na TV

e no webjornalismo, trata-se de um texto opinativo de natureza dissertativo-argumentativa,

formando um corpo distinto na publicação e trazendo a interpretação do autor sobre um fato

noticiado ou tema variado, de cunho político, cultural, científico, religioso e social.

A partir de uma problemática e seguindo uma linha persuasiva e convincente, por meio

da linguagem, o articulista – jornalista ou pessoa que tem domínio sobre o tema – expõe seu

ponto de vista sobre o assunto da atualidade, utilizando técnicas argumentativas, defendendo,

exemplificando, comprovando, explicando e refutando ideias ou opiniões. Segundo Melo

(2003, p. 124), o artigo opinativo ou jornalístico

[...] se destina a analisar uma questão da atualidade, sugerindo ao público uma

determinada maneira de vê-la ou de julgá-la. É uma matéria através da qual o

articulista participa da vida da sua sociedade, denotando a sua condição de intelectual

compromissado com o presente.

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Independentemente da construção composicional ou das características redacionais, o

processo de elaboração do artigo opinativo passa por três momentos fundamentais: invenção,

disposição e elocução. Consoante Vivaldi (1999 apud MELO, 2003, p. 125-126):

Inventar significa tirar do mundo, da vida; do mundo dos fatos e das ideias. Implica

em buscar na atualidade a motivação suficiente para justificar o encontro com os

leitores. Não basta porém identificar uma ideia, um argumento; é preciso que o

articulista avalie sua capacidade de desenvolvê-lo. Dispor significa colocar as ideias

em ordem. Anotá-las, na medida em que surgem, ordená-las, quando vão crescendo.

A disposição é o equilíbrio entre a inspiração e a ordem. Nem arrastar-se pela

imaginação desenfreada, nem barrar o caminho da reflexão com critérios

excessivamente fechados. A elocução corresponde à expressão escrita das ideias já

planejadas. É o momento de dar forma definitiva ao pensamento. O que não significa

apenas escrever, mas pressupõe também rever, corrigir. E corrigindo, abreviar,

suprimir, substituir.

Embora o artigo seja constituído por três momentos fundamentais – invenção,

disposição e elocução – e o texto revele marcas de estilo do articulista, a estrutura

composicional desse gênero retórico-argumentativo, do jornalismo opinativo, segundo Costa

(2009), varia bastante, isto é, não apresenta uma estrutura canônica, tradicionalmente ensinada

na escola, embora muitos artigos jornalísticos a apresentam: tese inicial na introdução;

argumentação/discussão/refutação no desenvolvimento e conclusão. Todavia, sempre

desenvolve, de forma explícita ou implícita, uma opinião sobre o assunto tratado, a partir da

exposição das ideias e da argumentação construída, com vistas a concordar ou discordar de

algo.

O artigo opinativo traz diferentes visões de mundo, pontos de vista ou concepções

formuladas por alguém exterior ao jornal, colaboradores ou não, jornalistas ou não, autoridade

no assunto ou pessoa reconhecida na sociedade (KÖCHE; BOFF; MARINELLO, 2014). Por

meio de uma tipologia de linguagem argumentativa, o articulista deseja atingir um dado

público, pois é exatamente o ato de argumentar que move o artigo de opinião e prevalece nesse

gênero.

Para tanto, o articulista projeta o público (auditório) em sua linguagem, bem como

utiliza o tempo verbal presente do indicativo e os operadores argumentativos, para marcar suas

intenções no decurso do texto. Além disso, quanto ao aspecto estrutural do artigo de opinião,

tanto referente às três partes constitutivas do sistema retórico - invenção, disposição e elocução

– quanto no que diz respeito à organização textual básica do referido gênero, é possível verificar

que os elementos requisitados em seu processo de produção textual condizem exatamente com

as exigências do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), conforme a figura 1 a seguir:

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Figura1 – ENEM e o Sistema Retórico5

Fonte: Elaborado pelos autores (2020)

Sob a perspectiva de caracterização e da estrutura retórica, o gênero artigo de opinião

estrutura-se a partir de uma situação-problema – por meio da contextualização do assunto a ser

abordado, baseando-se em afirmações gerais e/ou específicas –, da discussão – fundamentada

nos argumentos escolhidos pelo articulista para sustentar sua argumentação e seus

posicionamentos de concordância ou não com as provas e os fatos apresentados – e da solução-

avaliação dos fatos ou das ideias discutidas, na qual o retor (articulista) evidenciará uma

resposta ao problema posto, reafirmará a sua posição ou apreciará o tópico abordado ao longo

do artigo (KÖCHE; BOFF; MARINELLO, 2014).

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia contemplada para a realização desta análise segue a linha qualitativa,

que privilegia o processamento de informações, a ênfase na descrição e interpretação dos dados,

flexibilidade e subjetividade nas análises. Na pesquisa qualitativa, o pesquisador torna-se parte

do ambiente de investigação, mantém contato direto com o objeto de estudo investigado, a

realidade é construída, dinâmica e contextualizada. A pesquisa de linha qualitativa. A respeito

da pesquisa nessa linha, Flick (2009, p. 23) salienta:

Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem na escolha adequada de

métodos e teorias convenientes; no reconhecimento e na análise de diferentes

5A figura 1 referencia que a prova de redação do ENEM retrata o modelo do sistema retórico.

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perspectivas; nas reflexões dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte

do processo de produção de conhecimento, e na variedade de abordagens e métodos.

Assim, esses aspectos essenciais caracterizam a pesquisa qualitativa por possibilitarem

ao pesquisador se apropriar de métodos e teorias que expliquem o fenômeno, observar as

perspectivas que servem de base para a análise do objeto teórico, refletir acerca de questões

levantadas, bem como da abordagem e do método explorados no desenvolvimento do seu

trabalho.

Flick (2009) enfatiza que o processo de pesquisa qualitativa abrange uma compreensão

específica da relação entre o que se aborda (tema) e como se procede ao estudo (método), o que

se explica por o pesquisador ter de escolher uma linha metodológica que permita o

entendimento dos elementos linguísticos presentes no objeto teórico, a exemplo deste estudo

cuja análise se centra no artigo de opinião, a fim de responder aos questionamentos levantados,

relativos a especificidades retóricas e à estrutura composicional do gênero em foco. Oliveira

(2002, p. 117) salienta:

As pesquisas que se utilizam da abordagem qualitativa possuem a facilidade de poder

descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema, analisar a

interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos

experimentados por grupos sociais, apresentar contribuições no processo de mudança,

criação ou formação de opiniões de determinado grupo e permitir, em maior grau de

profundidade, a interpretação das particularidades dos comportamentos ou atitudes

dos indivíduos.

Para a consecução do estudo, recorreu-se aos números na seleção do corpus, pois o

universo da pesquisa foi constituído por uma quantidade de jornais, nos quais o gênero artigo

de opinião foi coletado. Elencou-se um jornal de circulação local, o qual detém alto grau de

aceitabilidade. Do total dos jornais, foi retirada uma amostragem de artigos num total de 20%

para o estudo analítico. Durante dois meses, foram levantados 156 artigos de opinião, os quais

circulam durante toda a semana, com exceção das segundas-feiras. Considerando o percentual

da amostragem, dos 156 artigos de opinião foram selecionados 31 que correspondem a 20% do

total.

A partir da amostragem, foi retirado um artigo de opinião, aleatoriamente. Fez-se, a

seguir, a análise do gênero, tomando por base os estudos retóricos e definições de ordem textual,

observando elementos retóricos que marcam o artigo opinativo. A partir daí, foram estudados

os cânones da retórica, quais sejam: invenção, disposição, elocução, ação e memória.

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ANÁLISE RETÓRICA DO ARTIGO OPINATIVO “AS NOSSAS ESCOLHAS”

O artigo a seguir, produzido por Benedito Ramos e publicado no jornal Gazeta de

Alagoas, mostra a análise realizada com base nas considerações feitas ao longo deste estudo.

Quadro 1 – Exemplar do artigo de opinião, objeto de análise

As nossas escolhas

Temos a ideia de que o nosso destino é imutável, que de uma forma ou de outra teremos que passar

por determinadas circunstâncias. Mas a realidade é bem outra. Tudo parece ter causa e efeito. E se isto é aplicado

ao clima do mundo, imagine ao ser humano para quem não falta vilania.

O que somos hoje? Em que o século 21 nos transformou? O tempo nos fez mais intolerantes e cada

vez mais sectários. A violência urbana ganhou status de terrorismo. O avanço do tráfico de entorpecentes não

encontra barreiras. O Estado se tornou impotente para gerir a segurança do cidadão.

A constituição é um documento obsoleto rasgado a todo instante por quem deveria guardar. As leis

criadas são, muitas vezes, escudo, elmo e armadura para corruptos e corruptores. Com isso, a fé no trabalho honesto

se esvai. O jovem já não olha o futuro com o mesmo alcance da dignidade e da honra, na profissão que escolhe,

mas já anseia o propósito de alçar degraus mais fáceis, embora frágeis, construídos sobre areia movediça. Muitos

se espelham nos próprios pais, quando não são corrompidos por eles, que já são reféns do sistema.

O fato é que não sabemos para onde estamos indo. Caminhamos ao sabor dos acontecimentos e à

mercê do destino. Este destino que refutamos como falacioso no início do texto. Destino talvez como um sorteio

do dia de ser assaltado, ferido ou morto. A “morte morrida”, como diz o caboclo, é um prêmio.

A bem da verdade, com a banalização da violência, explosões de bancos, apreensão de toneladas de

drogas e corrupção alarmante, as imagens mostradas pela mídia, de agressões entre estudantes ou contra

professores e até de usuários de drogas perambulando feito espectros em ruas assoladas é como ficção. Ninguém

sequer deseja ver, quanto mais dar solução.

Não é difícil reescrever a história de um país, de um Estado ou município se fazemos boas escolhas.

É preciso que entendamos que as próprias escolhas dos governantes que escolhemos concorrem para o nosso

próprio destino. E mais ainda, o papel do próprio cidadão escolhido de não se deixar envolver, de não compactuar

com conchavavas, palavra conhecida popularmente como: “conchambrança”.

Coisa considerada naturalíssima em todas as esferas sociais. Porque temos a peja de nos

escandalizarmos com as más ações dos outros esquecendo nossos pequenos delitos quase inocentes, sob defesas

ferrenhas do velho adágio popular: “Quem não furta, nem herda, tem merda”.

Fonte: RAMOS, Benedito. As nossas escolhas. Gazeta de Alagoas, 28 de dezembro de 2012.

Para construir o texto, de caráter argumentativo, o retor projeta uma imagem (ethos) de

sujeito que vai de encontro a diversos fatores que subvertem valores e direitos sociais, utiliza-

se da invenção, buscando argumentos (logos) nos lugares da argumentação (topoi)6, a fim de

proferir seu discurso sobre o assunto tratado – as nossas escolhas – e persuadir seu auditório

social universal, por meio dos sentimentos de indignição, de arrependimento e vontade de

6Os lugares retóricos são definidos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 94) como “depósitos de

argumentos”. Há outros dois conceitos claros e possíveis: no primeiro, Santos (2011, p. 35) define: “Os lugares

(topoi) são argumentos prontos que o defensor pode colocar em determinado momento do seu discurso”; no

segundo, Cavalcanti (2011, p.67) esclarece: “Entendemos que os lugares retóricos são grandes estocagens de

argumentos acessados sempre que pretendem estabelecer um acordo com o auditório”. Esses lugares da

argumentação dividem-se em: lugar da quantidade, da qualidade, da ordem, da essência, da pessoa e do lugar, do

existente, segundo Abreu (2004) e Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005).

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mudar (pathos) que se pretende despertar nesse auditório, especificamente o público-leitor. Para

tanto, o articulista recorre a fatores de âmbito social, quais sejam: a banalização da violência, o

avanço do tráfico de entorpecentes, a impotência do Estado para gerir a segurança, a falta de

segurança, o desacato às leis constitucionais, as explosões de bancos e a corrupção alarmante.

No primeiro parágrafo, tem-se o exórdio, pois o retor inicia o discurso, afirmando que

as pessoas mantêm em sua memória a ideia de imutabilidade do destino. O articulista refuta a

ideia de que o destino humano é imutável, já que vivenciar determinados acontecimentos é

reflexo das práticas humanas, havendo causas e efeitos para as boas e más ações.

No segundo parágrafo, aparece a narração, por meio da qual o autor suscita uma

reflexão entre os leitores, a partir de duas perguntas retóricas e expõe os fatos resultantes da

vilania do ser humano: “O que somos hoje? Em que o século 21 nos transformou? O tempo nos

fez mais intolerantes e cada vez mais sectários. A violência urbana ganhou status de terrorismo.

O avanço do tráfico de entorpecentes não encontra barreiras. O Estado se tornou impotente para

gerir a segurança do cidadão”.

A argumentação do retor avança e apresenta a confirmação, quando contesta a ideia de

que as pessoas precisa passar por determinadas situações, pois, segundo ele, “tudo parece ter

causa e efeito no mundo”, devido à vilania e aos atos contrários à ética, moral, educação, ao

senso de responsabilidade e de humanidade das pessoas.

Esse canône retórico (a confirmação) aparece no terceiro, quarto e quinto parágrafos,

em que o retor estabelece uma crítica à inércia e à negligência quanto a sérios problemas sociais

e políticos, que precisam ser gerenciados pelo Estado. Nesse sentido, consolidar a ordem e

combater a banalização da violência, explosões de bancos, apreensão de toneladas de drogas e

corrupção alarmante, as agressões entre estudantes ou contra professores e de moradores de rua

usuários de drogas constitui responsabilidade dos governantes, e os cidadãos têm o dever de

exigir a efetivação de tais práticas.

Ao longo dos parágrafos 4, 5 e 6, o retor faz alusão ao título do texto e o justifica, quando

atinge a ideia central do texto de forma mais evidente, ao falar em esvaimento da fé, do não

olhar ao futuro com dignidade e honra e do não fazer escolhas coerentes que determinam um

destino falacioso. Nessa parte, o articulista constrói uma digressão, com o intuito de apiedar e

indignar o auditório (leitor), induzindo-o à mudança social e discursiva.

No sexto parágrafo, o retor finaliza o discurso (peroração) e reitera a importância da

mudança social e discursiva, ao enfatizar que “Não é difícil reescrever a história de um país, de

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um Estado ou município se fazemos boas escolhas, se o cidadão não se deixar envolver,

compactuar com conchavavas”, o que comumente acontece em todas as esferas sociais.

A elocução é representada no texto por estratégias linguísticas e cognitivas, utilizadas

pelo articulista para sistematizar o seu discurso. É um texto opinativo e midiático que circula

na esfera jornalística, no qual predomina uma linguagem objetiva, crítica, a partir da qual se

evidenciam questões sociais controversas e vão de encontro a uma sociedade mais sustentável

e justa.

Quanto à ação, é o próprio discurso do articulista que se efetiva por intermédio da

disposição dos argumentos; no discurso, o encadeamento da argumentação do orador efetiva-

se pela memória. Destacam-se algumas questões de ordem textual-discursiva (questões sociais

expressas nos atos de linguagem do retor), considerando que o texto redigido pelo articulista, e

do qual o leitor se apropria, pertence à modalidade escrita.

Como se pôde comprovar, os resultados apontam para a presença de elementos

persuasivos na estrutura do artigo de opinião. O quadro a seguir permite uma melhor

visualização dos referidos elementos.

Quadro 2 – Resumo da análise do artigo opinativo “As nossas escolhas”

Artigo opinativo – As nossas escolhas Partes constitutivas do

Sistema Retórico

O retor (articulista) recorre a fatores de âmbito social, para

justificar a situação-problema, quais sejam: a banalização da

violência, o avanço do tráfico de entorpecentes, a impotência

do Estado para gerir a segurança, a falta de segurança, o

desacato às leis constitucionais, as explosões de bancos e a

corrupção alarmante.

Invenção

Constituída pelos trechos seguintes, em que o discurso é

disposto em várias partes, delineando a discussão.

Disposição

No 1º parágrafo, o retor inicia o discurso, afirmando que as

pessoas mantêm em sua memória a ideia de imutabilidade do

destino. O articulista refuta a ideia de que o destino humano é

imutável, já que vivenciar determinados acontecimentos é

reflexo das práticas humanas, havendo causas e efeitos para as

boas e más ações.

Exórdio

No 2º parágrafo, o autor suscita uma reflexão entre os leitores,

a partir de duas perguntas retóricas e expõe os fatos resultantes

da vilania do ser humano: “O que somos hoje? Em que o

século 21 nos transformou? O tempo nos fez mais intolerantes

e cada vez mais sectários. A violência urbana ganhou status de

terrorismo. O avanço do tráfico de entorpecentes não encontra

Narração

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barreiras. O Estado se tornou impotente para gerir a segurança

do cidadão”.

O retor contesta a ideia de que as pessoas precisa passar por

determinadas situações, pois, segundo ele, “tudo parece ter

causa e efeito no mundo”, devido à vilania e aos atos

contrários à ética, moral, educação, ao senso de

responsabilidade e de humanidade das pessoas. A confirmação

aparece no 3º, 4º e 5º parágrafos, em que o retor estabelece

uma crítica à inércia e à negligência quanto a sérios problemas

sociais e políticos da narração, que precisam ser gerenciados

pelo Estado, por intermédio dos governantes.

Confirmação

Ao longo dos parágrafos 4, 5 e 6, o retor faz alusão ao título

do texto e o justifica, quando atinge a ideia central do texto de

forma mais evidente, ao falar em esvaimento da fé, do não

olhar ao futuro com dignidade e honra e do não fazer escolhas

coerentes que determinam um destino falacioso. Nessa parte,

o articulista constrói uma digressão, com o intuito de apiedar

e indignar o auditório (leitor), induzindo-o à mudança social e

discursiva.

Digressão

No 6º parágrafo, o retor finaliza o discurso e reitera a

importância da mudança social e discursiva, ao enfatizar que

“Não é difícil reescrever a história de um país, de um Estado

ou município se fazemos boas escolhas, se o cidadão não se

deixar envolver, compactuar com conchavavas”, o que

comumente acontece em todas as esferas sociais.

Peroração

Representada no texto por estratégias linguísticas e cognitivas,

utilizadas pelo articulista para sistematizar o seu discurso. É

um texto opinativo e midiático que circula na esfera

jornalística, no qual predomina uma linguagem objetiva,

crítica, a partir da qual se evidenciam questões sociais

controversas e vão de encontro a uma sociedade mais

sustentável e justa.

Elocução

O próprio discurso do articulista que se efetiva por intermédio

da disposição dos argumentos. No discurso, o encadeamento

da argumentação do orador efetiva-se pela memória.

Destacam-se questões sociais expressas nos atos de linguagem

do retor.

Ação e Memória

Fonte: Elaborado pelos autores (2020)

A elocução é representada no texto por estratégias linguísticas e cognitivas, utilizadas

pelo articulista para sistematizar o seu discurso. É um texto opinativo e midiático que circula

na esfera jornalística, no qual predomina uma linguagem objetiva, crítica, a partir da qual se

evidenciam questões sociais controversas e vão de encontro a uma sociedade mais sustentável

e justa.

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Assim, verificou-se que o sistema retórico, por meio dos cânones, configura-se no artigo

de opinião e funciona como elemento retórico-argumentativo no referido gênero textual, o que

contribui para que o auditório social seja persuadido pelos argumentos do articulista/retor, com

o intuito de o leitor aderir ao seu ponto de vista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que é possível a presença de elementos retóricos no artigo de opinião, os

quais contribuem significativamente para a construção do caráter persuasivo da linguagem no

referido gênero textual deste estudo. Desse modo, o artigo opinativo segue a linha retórica

quanto à sua organização estrutural. O domínio dessa organização retórica implica

dissertar/argumentar com objetividade e clareza.

Associar os estudos textuais aos estudos retóricos não é um fazer científico qualquer ou

construir ciência sem propósito, mas é mostrar que os gêneros, ao circularem por uma dada

esfera, assumem outras funções, além da acadêmica. Isso ressalta o quão fundamentais são as

reflexões teóricas e críticas nas Ciências Humanas, as quais endossam seu papel ante a

sociedade e o mundo.

Nesse tocante, há uma função social, quando as informações veiculadas, que tratam de

questões político-sociais, são levadas ao público-leitor, por meio do retor/articulista. Isso

implica dizer que o gênero midiático artigo de opinião caracteriza-se pela influência persuasiva,

gerada pelo uso de argumentos do retor, para convencer o público que, por sua vez, tende a

desenvolver a criticidade, o poder argumentativo e ampliar os conhecimentos de mundo do

leitor (linguísticos e contextuais).

Por fim, com relação aos aspectos estrutural e social, a análise apontou que o viés social

se caracteriza pelo uso das estratégias retóricas e dos argumentos do retor para persuadir o

público-leitor, buscando incongruências sociais que interferem diretamente nos direitos

socialmente adquiridos pelos cidadãos; o viés estrutural apresenta marcas de pessoalidade e

assinatura de alguém exterior ou não ao jornal, dentre suas características redacionais, além de

operadores argumentativos (conectores ou articuladores) – que orientam as intenções do retor,

mas não constituíram o foco deste estudo.

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