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Revista de Geografia e Pesquisa

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Revista de Geografi a e Pesquisa

© 2007 Curso de Geografi a do Campus Experimental de Ourinhos

CAPAFernanda Pareja

Foto:Horto Florestal de Manduri/SP

Rodolfo José Pareja

DIAGRAMAÇÃO e EDITORAÇÃO Canal 6 Projetos Editoriais

IMPRESSÃOViena Gráfi ca e Editora

TIRAGEM300

Os textos aqui publicados são de exclusiva responsabilidade dos autores.Permite-se a reprodução parcial, desde que mencionada a fonte.

Solicita-se permuta – Se solicita intercambio – We ask for exchange

Revista Geografi a e Pesquisa / Universidade Estadual Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso de Geografi a.-- Ourinhos: Curso de Geografi a, 2011.

152 p. ; 21 cm.

Semestralv.5, n.1, jan/jun.

ISSN 1982-9760

1. Geografia. 2. História. I. Universidade Estadual Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso de Geografia. II. Título.

CDD: 910.05

R4546

Revista de Geografi a e Pesquisa

Volume 5 - número 12011

Ourinhos

EXPEDIENTE

ADMINISTRAÇÃO E CORRESPONDÊNCIAUniversidade Estadual Paulista, Campus Experimental de Ourinhos - Curso de Geografi a

Av. Vitalina Marcusso, 150019910-206 Ourinhos - SP

PABX: (14) 3302-5700Home Page: www.ourinhos.unesp.br/revistageografi apesquisa

E-mail: revistageografi [email protected]

EDITORES RESPONSÁVEISLuciene Cristina Risso (Editora-Chefe)

e-mail: [email protected]

Fabiana Lopes da Cunha (Sub-Editora)e-mail: [email protected]

SECRETARIABarbara Gomes Flaire Jordão

e-mail: revistageografi [email protected]

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESPReitor afastado

Herman Jacobus Cornelis VoorwaldVice-Reitor no exercício da reitoria

Júlio Cézar DuriganPró-Reitor de Administração – PRAD

Ricardo Samih Georges Abi RachedPró-Reitora de Extensão Universitária e Assuntos

Comunitários – PROEXMaria Amélia Máximo de Araújo

Pró-Reitora de Pós-Graduação – PROPGMarilza Vieira Cunha Rudge

Pró-Reitor de Pesquisa – PROPEMaria José Soares Mendes Giannini

Pró-Reitora de Graduação – PROGRADSheila Zambello de Pinho

CAMPUS EXPERIMENTAL DE OURINHOSCoordenador Executivo

Paulo Fernando Cirino MourãoVice- Coordenadora Executiva

Andrea Aparecida ZachariasCoordenador do Curso de Geografi a

Nelson Rodrigo Pedon

REVISTA GEOGRAFIA E PESQUISA

COMISSÃO EDITORIAL

Luciene Cristina Risso (Editora-Chefe)- UNESP OurinhosFabiana Lopes da Cunha (Subeditora) – UNESP Ourinhos

CONSELHO CIENTÍFICOAilton Luchiari – USP / SPAlice Yatiyo Asari – UEL

Andrea Aparecida Zacharias – UNESP / OurinhosÂngela Massumi Katuta – UEL

Angelita Matos Souza – UNICAMPAntonio Nivaldo Hespanhol – UNESP / P. Prudente

Antonio Thomáz Junior – UNESP / P. PrudenteBernadete Castro Oliveira – Unesp / Rio Claro

Carlos José Espindola – UFSCCelso Donizeti Locatel – UFS

Cenira Lupinacci – UNESP / Rio ClaroEliseu Saverio Sposito – UNESP / P. Prudente

Elson Luciano Silva Perez – UNESP / Rio ClaroFabrício Pedroso Bauab – UNIOESTE

João Lima San’tanna Neto – UNESP / P. PrudenteJoão Osvaldo Rodriguez – UNESP / Presidente Prudente

Jonas Teixeira Nery – UNESP / OurinhosJose Flávio Morais Castro – PUC / Minas Gerais

José Manuel Mateo Rodriguez – Universidad De Havana / CubaJoão Márcio Palheta da Silva – UFPA

José Messias Bastos – UFSCLisandra Pereira Lamoso – UFGD

Lucia Helena Gerardi – UNESP / Rio ClaroMarcelo José Lopes De Souza – UFRJ

Marcello Martinelli – USP / SPMaria Bernadete de Oliveira – UNESP / Rio Claro

Maria Cristina Perusi – UNESP/OurinhosMaria Encarnação Beltrão Sposito – UNESP / P. Prudente

Maria Inez Machado Borges Pinto – USP / SPMarta da Silveira Luedmann – UNESP/ Ourinhos

Paulo Fernando Cirino Mourão – UNESP / OurinhosRicardo Antonio Tema Nunez – UM / México

Rosangêla Doin de Almeida – UNESP / Rio ClaroSilvia Aparecida Guarnieri Ortigosa – UNESP / Rio Claro

Tânia Costa Garcia – UNESP / Franca

William Ribeiro Da Silva – UELZeny Rosendh

A Revista Geografi a e Pesquisa conta desde 2007 com a publicação de artigos científi cos no território nacional, e a partir de 2010 também passou a ser distribu-ída para países de lingua latina.

A publicação deste semestre conta com artigos que mantêm a refl exão sobre os temas da ciência geografi ca e areas afi ns, traz ainda discussões de temas recen-tes na Geografi a, e portanto polemicos, como é o caso da pesquisa de campo, do Geomarketing e educação ambiental.

O espaço, a paisagem e a região, conceitos básicos da Geografi a, aparecem na coleção de artigos desta edição. Esta conta com a contribuição das universidades no estado de São Paulo, como a Universidade Estadual Paulista – UNESP, a Uni-versidade de São Paulo – USP, bem como de universidades fora do estado, como em Goiás, Piauí e Minas Gerais.

Agradecemos a todas/os as/os colaboradoras/es que encaminharam seus tex-tos para apreciação, e aos pareceristas pelas críticas e sugestões que contribuíram para o refi namento das idéias apresentadas neste número.

Esperamos que a publicação da Revista Geografi a e Pesquisa atinja a meta de democratizar o conhecimento e incitar o pensamento critico. Reiteramos o convi-te a comunidade na divulgação da pesquisa e na consolidação do periódico.

Luciene Cristina Risso

Editora Chefe

Editorial

Sumário

Cidade do mangue, onde a lama é a insurreição”: O Recife contemporâ-neo e a contrução da região cultural do movimento ManguebitBruno Picchi

A ocupação da terra na formação do municipio de Ourinhos-SPDébora Fernandes de Araújo e Profa. Dra. Fabiana Lopes da Cunha

Educação ambiental e ofi cina sobre recursos hídricos desenvolvida du-rante a I Feira Regional de Educação Ambiental do norte de Minas Gerais em Nova Porteirinha (MG)Fernanda Cristina Rodrigues de Souza, Gracy Kelly Martins da Silva, Fabiana Pereira dos Santos, Tiago Fernandes Santana, Valdimir Cordeiro Jorge, Daniela Gomes de Oliveira, Helcilene Maciel Neves, Rita Alexssandra Gonçalves do Nascimento, Helen Lima Araújo e Patrícia Ferreira Iara

A bacia hidrográfi ca do rio Paraibuna “Mineiro”: Produção do espaço, dinâmica hidrológica e gestão das águas em cursoPaulo Henrique Kingma Orlando

Percepção e paisagem geográfi ca: Procedimentos teóricos e metodológi-cos da pesquisa de campoAgostinho Paula Brito Cavalcanti

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As mutações do mundo do trabalho e a geografi a: O caso do geomar-ketingAmir El Hakim de Paula

Normas para publicação

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PICCHI, Bruno1

ResumoA infl uência da cena cultural denominada movimento Manguebit na cultura po-pular nordestina é o objeto de estudo do artigo, sendo através das metodologias de investigação em Geografi a, especifi camente as abordagens regional e cultural, o subsídio científi co para a construção do conceito de região cultural própria do movimento. Destacam-se características espaciais referentes à cultura, cidade e ao próprio regionalismo nordestino frente ao mundo global. Além das letras musicais escritas pelos artistas de dentro da cena recifense, a perspectiva metodológica em geografi a regional caminhou junta com a cultural, passando pelos conceitos de regionalismo nordestino de Castro (1992), heterotopia epistemológica de Dun-can (2000), sendo a convergência fi nal objetivada pelos apontamentos de Corrêa (2008) acerca a emergência de novas regiões culturais no Brasil. Sendo Recife a cidade do mangue2, foi justamente a lama, como cantou Chico Science, o elemen-to chave para o seu ressurgimento nos circuitos culturais global no fi nal do século XX, tendo Pernambuco nos pés, e a mente na imensidão3.

1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografi a da Universidade Es-tadual Paulista, Campus de Rio Claro (SP). Email: [email protected]

2 Fragmento da letra de “Antene-se” (1994), de Chico Science.

3 Fragmento da letra de “Mateus Enter” (1996), de Chico Science.

“Cidade do mangue, onde a lama é a insurreição”: o Recife contemporâneo

e a contrução da região cultural do movimento Manguebit

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PALAVRASCHAVE: movimento Manguebit; Recife (PE); região; cultura; música.

AbstractThe infl uence by the cultural scene called Manguebit movement in popular culture of Northeast is the object of studying the article. By applying the techniques of research in geography, particularly regional and cultural approaches, shows the subsidy for the construction of a scientifi c concept about a cultural movement own region. Among them spatial features related to culture, and the city itself, highlights northeastern re-gionalism front of the global world. In addition to the letters written by the musical artists in the scene of Recife, the methodological perspective in regional geography walked together with the cultural, through the concepts of regionalism in Northeast from Castro (1992), epistemological heterotopie from Duncan (2000), and the fi nal convergence objectifi ed by notes from Corrêa (2008) about the emergence of new cultural regions in Brazil. Being Recife the city of the swamp, it was just the mud, as sung by Chico Science, the key to its resurgence in the global cultural circuit in the late twentieth century, having Pernambuco over the feet, and the spirit in the wilderness.

KEY WORDS: Manguebit movement; Recife (PE); region; culture; music

1. Introdução

No cortejo de maracatu de baque solto um caboclo de lança pára, se agacha, e amarra seu tênis Nike. Uma cena que, a princípio, possa parecer normal, apresen-ta uma potencialidade de análise simbólica tão expressiva que é capaz de explicar neste singular frame o que aconteceu com a cultura nordestina, em específi co com a do Estado do Pernambuco, no fi nal do século XX.

Esse caboclo, que ontem andava de alpargatas de couro, hoje usa tênis e ouve rock’n’roll, porém, ainda duela no maracatu rural e bebe jurema, a bebida dos ín-dios. Entre o tradicional e o contemporâneo, o sertão e a cidade, o ontem e o hoje, o inevitável aconteceu: o nordeste tornou-se globalizado. E a sua cultura, uma das mais marcantes características dessa região peculiar, que fascina os turistas e leva-os a dançar frevo, forró e baião no solo rachado de um vilarejo no sertão ou nas la-deiras de Olinda, o que aconteceu? Na conhecida “Capital do Nordeste”, a cidade do Recife foi capaz de responder à essa pergunta de forma inovadora e pioneira.

Rupturas culturais muito marcantes começam a se manifestar na cidade ao fi nal do século XX, sendo que na década de 1990, materializa-se através de uma

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cena cultural independente, tendo como símbolo uma antena parabólica incrusta-da na lama de um manguezal. Esse movimento cultural, o Manguebit, que mistura o mangue com chips de computador, apresenta ao Brasil um Nordeste diferente.

Eu vim com a Nação Zumbi/Ao seu ouvido falar/Quero ver a poeira subir/E muita fumaça no ar/Cheguei com meu universo/E aterriso no seu pensamento/Trago as luzes dos postes nos olhos/Rios e pontes no coração/Pernambuco em baixo dos pés/E minha mente na imensidão.(Chico Science, Mateus Enter, 1996)

Uma cena cultural urbana que apresenta uma concepção de mundo visto por um cidadão que mora num país deprimido economicamente, e, justamente na sua região mais deprimida, aparece fazendo música sobre cybercultura e híbridos homens-caranguejos. Um sujeito que tem a mente na imensidão do global com os pés no seu local de origem, Pernambuco. Esse é o fértil terreno que o trabalho se propôs a analisar sob a perspectiva da geografi a, tendo como ferramentas de análise as abordagens em geografi a regional e cultural para estudar o fenômeno Manguebit do Recife.

2. O movimento Manguebit do Recife (PE)

“A lama injeta, alimenta, abastece, recarrega as baterias da beleza”4 – procla-ma Frederico Montenegro, co-liderança do movimento Manguebit da cidade de Recife (PE, Brasil). Sob a alcunha de Fred Zeroquatro e ao lado de Francisco de Assis França - o Chico Science -, articula um núcleo pessoas (na maioria músicos, jornalistas e desempregados) que objetivam fazer das Artes sua expressão de cida-dania. Contemporânea, urbana, regional e local, criou-se uma nova leitura de Re-cife a partir da visão de uma classe média que vive numa cidade grande junto aos caranguejos; onde seus escritórios estão alicerçados sob depósitos quaternários, instáveis, mal cheirosos, porém férteis. Lá vivem em coexistência aratus, guaia-

4 Fragmento da música “Cidade Estuário” (1994), de Fred Zeroquatro.

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muns e outros artrópodes junto aos homo sapiens sapiens - assim como o Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado de Pernambuco -.

A híbrida paisagem dessa metrópole serviu de inspiração para essa cena cul-tural que surge no início dos anos 1990, sendo o próprio neologismo/estandarte “Manguebit” um exemplo dessa sintética estética - uma “cidade anfíbia” - pois representa a interação do ecossistema mangue com um chip de computador (o bit é a menor unidade de cibermemória). Cena Mangue, Manguebit ou ainda Manguebeat, como preferiu a mídia em razão da sonoridade da batida (beat) das alfaias de maracatu muito usada nos arranjos musicais, foi em razão de um press release no Jornal do Commercio de Recife, escrito por Fred Zeroquatro e intitula-do de “Manifesto Caranguejos com Cérebro”, que ganharam status de movimento artístico. Foi adotado o termo “Manguebit” para discorrer sobre o tema (PICCHI, 2008. p. 4). Apesar de ser um problema de simples ortografi a, Manguebit, Man-guebeat ou Mangue Beat disputam até hoje um incerto lugar na imprensa e em trabalhos científi cos sobre o tema.

A música foi sua expressão de maior revelação. Os ritmos apresentam ino-vação ao juntar elementos regionais, como maracatus de baque virado e de ba-que solto5, cavalo marinho e caboclinho, junto aos riffs de guitarras elétricas e samplers. As letras musicais de suas bandas, em destaque as de Chico Science e Nação Zumbi, mundo livre s/a e Eddie, apresentam grande riqueza de elementos da paisagem urbana entrecortada com a natureza dos manguezais, citam perso-nagens do folclore nordestino colocando-os ao lado de ícones geopolíticos, como Emiliano Zapata e os Panteras Negras, e proclamam o surgimento de uma bizarra nova espécie de caranguejos com antenas wi-fi . Um caranguejo globalizado.

No início da década de 1990, Fred (já como Zeroquatro) e Renato L. orga-nizaram juntamente com seu novo amigo desse meio cultural, Chico Science, o festival “Viagem ao Centro do Mangue” que incluía, além de show com as bandas Mundo Livre S/A e Loustal, toda a diversidade do pop representada pela mistura de punk, hip hop e cultura popular que posteriormente seria classifi cada de “Man-guebit” ou “Manguebeat”, ambos relacionados ao conceito de movimento e batida (LEÃO, 2002. p. 6-7).

5 Também conhecido como maracatu rural.

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Para LINS (2000):

As primeiras festas e shows aconteceram nos antigos bordéis da área portuária, ainda não revitalizadas naqueles tempos. Todo mundo trabalhava em cooperativa, uns fazendo os car-tazes, outros discotecando e/ou trabalhando na bilheteria.

A história do Manguebit e da formação do grupo “Chico Science e Nação Zumbi” começa a se defi nir em 1991. Francisco França juntou-se ao grupo de samba-reggae “Lamento Negro” e desenvolveu o projeto conceitual do grupo da futura Nação Zumbi: tocar ritmos ligados à musicalidade pernambucana parale-lamente às expressões do pop norte-americano como o funk e o hip-hop.

Era a chance de movimentar a cidade. O mangue nasceu do choque entre caras fi ssurados por hip-hop com caras apaixonados por punk-rock. Foi, como o próprio Chico di-zia, um pouco de diversão levada a sério” (Renato L. apud LEÃO, 2002, p. 8).

Segundo LEÃO (2002, p. 8-9):

Da fusão de ritmos regionais (maracatu, samba, coco, ci-randa) com o pop (funk, rock, soul, black, hip hop, punk), desenvolve-se essa síntese musical que expõem um tipo de sincretismo de ritmos e a interação deles com as diversas culturas do globo. O tambor tribal se junta à guitarra e aos amplifi cadores norte-americanos. A releitura de ritmos regionais, conceitos e idéias pop não se manifesta de forma passiva. A tentativa de universalizar esses elementos nacio-nais, com o intuito de mostrar e criar uma nova cena para o mundo, conectando o Brasil com o cenário pop mundial, estabelece um diálogo com as manifestações artísticas que trouxeram à tona um Brasil cosmopolita como o Movimen-to Antropofágico e a Tropicália.

Em 1992, Fred Zeroquatro e Renato Lins redigem um documento que procura sintetizar as idéias dessa nova geração de artistas. Intitulado de “Caranguejos-com-Cérebro”, o press release logo se transformou em manifesto através da crítica musical, principalmente a do Jornal do Commércio (JC) de Pernambuco, e chegou aos jornalis-tas causando grande euforia na imprensa pernambucana (LEÃO, 2002. p. 9).

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O “Caranguejos com Cérebro” toma o ecossistema da cidade como metáfora e subverte os seus princípios ecológicos ao desgaste físico e cultural da metrópole recifense (idem, ibidem). Esse desgaste físico e cultural é o principal desafi o para a imaginação e produção Manguebit, tendo uma antena parabólica enfi ada na lama dos manguezais como imagem símbolo, capaz de captar os conceitos pop, o que seria capaz de tirar Recife da situação de inércia (MORAIS DE SOUZA, 2001. p. 4).

Ninguém do núcleo-base gostava de chamar a coisa de ‘movimento’, palavra tida como pretensiosa. Foi a mídia que começou a usar o termo, principalmente a partir da chegada às redações, em 92, daquilo que era apenas um release escrito por Zero Quatro – de forma brilhante, diga-se de passagem - mas que acabou encarado como um ma-nifesto tipo ‘semana de 22’. Movimento ou não, o fato é que o som e as idéias do Mangue rapidamente conquistaram os formadores de opinião, com exceção dos armoriais e de um Alceu Valença morto de ciúmes e inveja (LINS, 2000).

É em tom de urgência que “Mangue – a Cena” clama por mudanças na cidade de Recife. Tal quadro clínico tem como diagnóstico a falta de energia. Prognósti-co: captação de boas vibrações via mangue.

Segundo Gusmão (1999)6 apud Ribeiro (2007. p. 15):

O Recife estava calado. Ouvia-se o que era produzido lá fora: Smiths, The Cure, Pet Shop Boys; ouvia-se o que era produzido lá embaixo: Legião Urbana, Capital Inicial, Ira. Mas não se ouvia mais o que se fazia por aqui, algo bom como o Ave Sangria. Recife parecia não ter voz para dizer o que sentia os pernambucanos que não se lembravam mais que a capital era bonita e era feliz. Um tempo em que bom mesmo era o que podia ser buscado lá fora.

O batismo de “Mangue” para o som que estavam criando no Recife veio de Chico, porém, o frenesi em torno desse nome deve muito a Fred Zeroquato. Em entrevista à José Teles, Fred conta que: “A gente agiu à maneira de Malcolm

6 O fragmento pertence ao artigo “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”, de Flávia de Gusmão, escrito para o caderno de reportagens produzido pelo Jornal do Commercio do Recife, em comemoração aos seus oitenta anos. Foi publicado e disponibilizado on-line em 1999.

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McLaren. Vimos que ali havia elementos para criarmos uma cena particular. En-tão bolamos gíria, visual, manifesto. Quase todas as músicas que fi zemos depois disso continham palavras extraídas dos manifestos” (TELES, 2000, p. 274).

Apesar de ser a música seu veículo principal, o movimento Manguebit não se restringiu à apenas uma das Sete Artes. Segundo Fonseca (2005. p. 1) foi através da articulação entre centro e periferia e o relacionamento de uma nova forma de cultura popular e cultura pop, o conceito Manguebit, que começou na músi-ca, passa depois a infl uenciar outros setores da cultura, obtendo uma projeção inédita no cenário nacional. “Quem não deve ter gostado nada desse negócio de Manguebeat foram os caranguejos sem cérebro. Agora é moda. Os restaurantes à base de guaiamuns e aratus proliferaram no Grande Recife, um deles oferecia inclusive rodízio de caranguejos” (TELES, 2000, p. 305).

3. Região e considerações acerca de sua escolha

A escolha pelo conceito de região para o desenvolvimento da pesquisa se dá pelo reconhecimento de seu caráter inclusivo, da concepção de sua multiplicida-de e riqueza. Tais características remetem os séculos.

“Regione nos tempos do Império Romano era a denomi-nação utilizada para designar áreas que, ainda que dispu-sessem de uma administração local, estavam subordinadas às regras gerais e hegemônicas das magistraturas sediadas em Roma. Alguns fi lósofos interpretam a emergência deste conceito como uma necessidade de um momento histórico que, pela primeira vez, surge, de forma ampla, a relação entre a centralização do poder em um local e a extensão dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial” (GOMES, 1995, p. 50-51).

Acerca desse caráter de abrangência social, cultural e espacial da região, tríade essa constante no trabalho, Paulo Cesar da Costa Gomes (1995) discorre sobre as suas consequências, que também vão de encontro aos objetivos gerais, reforçan-do a opção pelo conceito:

“a primeira é que o conceito de região tem implicações fun-dadoras no campo da discussão política, da dinâmica do Es-tado, da organização da cultura e do estatuto da diversidade espacial; percebemos também que este debate sobre a região

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(...) possui um inequívoco componente espacial, ou seja, ve-mos que o viés na discussão destes temas, da política, da cultura, das atividades econômicas, está relacionado especi-fi camente às projeções no espaço das noções de autonomia, soberania, direitos, etc., e de suas representações; fi nalmen-te, em terceiro lugar, percebemos que a geografi a foi o campo privilegiado destas discussões ao abrigar a região como um dos seus conceitos-chave e ao tomar a sai a tarefa de produzir uma refl exão sistemática sobre o tema” (idem, p. 52)

Baseado em Hartshorne, Gomes (idem, ibidem) diz que “o método regional, ou seja, o ponto de vista da geografi a, de procurar na distribuição espacial dos fenômenos a caracterização de unidades regionais, é a particularidade que identi-fi ca e diferencia a geografi a das demais ciências”. Porém, a sua noção fundamental - a diferenciação de área, e a aceitação de que a Terra é constituída por áreas dife-rentes entre si -, não se faz de maneira harmoniosa entre os geógrafos (CORRÊA, 2003, p. 22). Faz-se então necessária uma escolha, uma triagem conceitual.

A complexidade provém em razão de a região ser um produto intelectual e de seu constante aprofundamento na geografi a. Como o espaço é produzido pela sociedade, a região é o espaço da sociedade local, em interação com a sociedade global, porém confi gurando-se de forma diferenciada. A região é justamente a expressão de diferenciações do processo de produção do espaço, onde tais dife-renças se combinam, porém permanecendo como diferenças (LIPIETZ, 1980, p. 37 apud CASTRO, 1992. p. 32), constituindo um mosaico regional.

Analisada como um subsistema espacial fi ca claro que, apesar das relações com o sistema maior, a região possui relações internas autônomas, que lhe conferem um cará-ter próprio e diferenciado. Ainda, enquanto construção espacial, a região é a concretização dos processos sociais e incorpora a sua dinâmica. Esses processos, entendidos como ação humana – econômica, política ou cultural – sobre uma base natural, estruturam em conjunto a cons-trução do espaço em áreas geografi camente delimitadas, moldando suas peculiaridades e identifi cando-se com elas. A importância de conceber a região como um ele-mento concreto, delimitável e dinâmico, com caráter par-ticular, mas aberta à infl uência externa, está em torná-la um objeto de pesquisa específi ca, com signifi cação pró-pria (CASTRO, 1992, p. 33).

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A região, portanto, possui uma dimensão territorial e uma dimensão social que interagem. Ao confi gurar uma escala particular do espaço, caracteriza a re-gião como um espaço vivido, ou seja, o espaço das relações sociais mais imediatas e da identidade cultural (Idem, p. 33).

A região natural e o determinismo ambiental, o possibilismo vidaliano e a região concreta, a região da nova geografi a com suas marcas do positivismo lógico de clas-sifi cação, a região da geografi a crítica que tende à diferenciação pela lei do desenvol-vimento desigual de Trotsky e pela abordagem dialética. Nessa breve, porém gradual abordagem da história do pensamento geográfi co enfocado na questão da região, e tendo em vista a já citada necessidade de um recorte conceitual, o trabalho opta por dialogar com a nova geografi a em razão da idéia de que as regiões são infi nitas, contrapondo a perspectiva vidaliana de ser fi nita, esgotável (idem, ibidem).

Na perspectiva da análise regional, opta-se por trabalhar com o conceito de regiões funcionais (ou polarizadas), em razão de o estudo possuir um caráter de pluralidade ao se tratar de um fenômeno relacionado à cultura, conceito esse que carece de uniformidade. Também se opta por regiões polarizadas em razão de a cena cultural em questão ser urbana. “Grande parte desta perspectiva (regiões funcionais) surge com a valorização do papel da cidade como centro de organiza-

ção espacial” (GOMES, 1995, p. 64).

4. Cultura contemporânea

Assim como no caso de região, cultura destaca-se enquanto conceito-chave da pesquisa, principalmente no que concerne aos objetivos específi cos. Porém, com o intuito de ser tratado juntamente à região e metodologicamente ser integrante dos objetivos gerais, foi dada preferência aos autores e bibliografi as que traba-lham a cultura no contexto atual e com os fenômenos relacionados ao espaço regional nos dias de hoje.

The study of culture has, over the last few years, been quite dramatically transformed as questions of modernity and postmodernity have replaced the more familiar concepts of ideology and hegemony (…). Modernity and postmoderni-ty have also moved far beyond the academic fi elds of media or cultural studies. Hardly one branch of the arts, huma-nities or social sciences has remained untouched by the debates which have accompanied their presence (McROB-BIE, 1994, p. 24).

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Em razão do recorte temporal, a constância do termo pós-modernidade é marcante ao se tratar de cultura. Tendo em vista as diferentes concepções acerca do termo, seu emprego se deu não de forma a explicar ou aprofundar o concei-to, más sim com o intuito de ilustrar as diferentes estéticas artísticas que vêm se desenhando nos últimos anos, principalmente em razão de o termo “cultura pop” ser sinônimo de “cultura pós-moderna”.

So deeply interrogative has been the notion of postmodernity that it has proved not just permissible, but necessary, to bring together postmodernism as an aesthetic/cultural movement whose impetus derives from the break it marks out with mo-dernism and the avant-garde, and whose impact lies in its turning away from linearity and teleological progress towards pastiche, quotation, parody and pluralism of style, with post-modernity as a more general condition (idem, p. 24).

Sendo o lócus de acontecimentos a cidade do Recife, a relação entre cultu-ra e urbe e a produção de uma cultura urbana nordestina, que justamente por soar entranho (pois não seria o Nordeste algo mais sertanejo? Rural?), é inves-tida enquanto uma inovação da cena. Destacam-se questões acerca da cultura no ambiente urbano dentro de um contexto de cosmopolitismo. “Yet culture is also a powerful means of controlling cities. As a source of images and memories, it symbolizes ‘who belongs’ in specifi c places” (ZUKIN, 2006, p. 1). Sobre esse cosmopolitismo cultural e urbano, Ângela Prysthon discorre:

Contudo, chama a atenção como recorrência o modo a partir do qual as sensibilidades culturais aparecem como constitutivas do tecido urbano, como tais articulações (tan-to a música propriamente dita, como todo o seu entorno, seu acessórios – moda, audiovisual, códigos de compor-tamento, etc.) se tornam base de inserção (ou reinserção) dessas cidades num contexto globalizado. Manchester, Se-attle, Recife, em espaços-tempos distintos e cada um de sua maneira particular, demonstram o funcionamento do que poderíamos chamar de cosmopolitismo pós-moderno ou cosmopolitismo periférico (PRYSTHON, 2008, p. 9).

As relações entre globalização e cultura, assim como o próprio enfoque regio-nal, na abordagem crítica, apresentam duas perspectivas: dissolução, destruição,

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fragmentação do espaço regional em razão dos objetivos capitalistas, ou insur-gência nacionalista, separatista, regionalista (HAESBAERT, 2001). Uma terceira via, incipiente em geografi a, é trabalhada acerca de culturas híbridas (CANCLINI, 1995), onde existe a possibilidade de convivo entre o global e o local, a cultura regional e as infl uências mundiais, a regionalização e a mundialização.

Na simpatia que existe ao movimento regional que nega o global, da tradição acima de qualquer imposição “imperia-lista” mundializante, essa tendência é necessária de ser re-vista. “O regionalismo visto sob este ângulo perde um pou-co do seu revestimento generoso e pode ser visto como uma legitimação da estranheza, do repúdio e da incapacidade de conviver com a diferença. (...). Por isso, muitos preferem hoje falar do ‘direito à indiferença’, desta possibilidade de gerir a alteridade que, de certo modo, é a possibilidade de um cosmopolitismo moderno que opõe à noção de comuni-dade e de cidadão” (GOMES, 1995, p. 71-72).

Pois justamente se opondo à essa simpatia ao movimento regional que o tra-

balho se apóia na possibilidade de convivência com a diferença, sendo esse “di-ferente” calcado acerca dos conceitos de fusão cultural, hibridização cultural, ou ainda o terceiro espaço (BHABHA, 1998).

5. As perspectivas em geografi a regional e cultural

Diante das preferências epistemológicas expostas, são trabalhadas as pers-pectivas em geografi a regional e cultural em razão de, em um primeiro mo-mento, a geografi a regional se apresentar enquanto opção metodológica de pesquisa que mais adequada, porém, para atender à questões culturais que se referem ao contemporâneo, a geografi a cultural responder melhor às questões que aparecem.

O que pode parecer um confl ito metodológico é resolvido em razão de a geo-grafi a cultural, historicamente, ser um desmembramento da regional, assim como no caso da geografi a econômica, industrial e política.

Em um primeiro momento, o enfoque regional é esclarecedor no que concer-ne à questão da região Nordeste do Brasil, tanto pela divisão administrativa do país como no próprio desenvolvimento do conceito de regionalismo nordestino (CASTRO, 2001).

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A preocupação com a região, enquanto problema de investiga-ção, e com o regionalismo, enquanto um dos conteúdos pos-síveis da primeira, deriva das suas possibilidades explicativas dos processos de transformação do espaço e dos atores sociais mais destacados das mudanças (CASTRO, 1994, p. 161-162).

Porém, como citado anteriormente, o estudo de regiões e suas implicações culturais no contexto contemporâneo, carecem de possibilidades explicativas no prisma da geografi a regional. Ou tende à “terra arrasada” do fi m das horizonta-lidades (SANTOS, 1994) causadas pelo capitalismo, ou foca nas revoltas locais, normalmente marcadas pela violência e confl itos.

Nessa terceira via, a da possibilidade de estabelecer um equilíbrio entre os antagonismos7, observou-se a possibilidade de ser mais bem trabalhada pelas ferramentas que a geografi a cultural nos fornece. Também, em razão das fontes secundárias de pesquisa se destacarem no trabalho, principalmente letras musi-cais, a geografi a cultural propicia tanto condições como proposições analíticas para recursos desse tipo, como literatura (BROSSEAU, 2007), cinema (AZEVE-DO, 2009) e, propriamente, música (CARNEY, 2007; KONG, 2009).

Ainda no referente à escolha pela geografi a cultural para tratar da cena cul-tural em questão, na concepção de Claval (1999), entre os critérios em que a cultura é concebida, se destaca a paisagem enquanto objeto de trabalho da Geo-grafi a cultural. Sendo as referências imagéticas analisadas, em grande maioria, a paisagem “sonora” da cidade do Recife na obra Manguebit, a escolha pela referida abordagem geográfi ca é reforçada.

Diante dessa escolha de pluralidade metodológica, tal possibilidade também encontra espaço dentro da própria perspectiva cultural, que desde sua renovação, processo que vem ocorrendo desde a década de 1980, tende a trabalhar com a proposição de heterotopia epistemológica (DUNCAN, 2000).

6. A região cultural

Da necessidade de se trabalhar com duas perspectivas geográfi cas diferentes (porém muito relacionadas), o resultado obtido a posteriori chama-nos a atenção. Apesar da divergência que a análise assume em determinado estágio, ao fi nal, ocorre sua nova convergência através do conceito de região cultural.

7 Hibridização cultural.

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a cultura surge como uma forma de interpretar a organi-zação do espaço, através das experiências de cada grupo, suas atitudes e valores, onde as singularidades conferem caráter próprio a uma determinada região, ou seja, um re-corte espacial com conotação cultural. Logo, numa região, os laços entre a sociedade e seu espaço, ora ampliam-se, ora estreitam-se, resultando, dessa forma, nas distintas expres-sões da paisagem (BRUM NETO & BEZZI, 2008, p. 9).

Segundo Corrêa (2008, p. 12), “as regiões culturais podem ser reconhecidas em diversas escalas espaciais, constituindo a mais contundente expressão da es-pacialidade da cultura”.

No contexto brasileiro, ainda segundo Corrêa (idem, p. 32-33), existe uma emergência na identifi cação de novas regiões culturais em razão de terem sido defi nidas ao fi nal dos distantes anos de 1940, sendo que a partir da próxima dé-cada, em razão do intenso processo de urbanização e industrialização do Brasil, este quadro foi alterado. Assim, tendo em vista que cada divisão regional tem a marca de seu tempo, existe a necessidade de revisões de ordem conceitual e operacional – uma atualização renovada. É sob essa possibilidade que o trabalho se debruça na tentativa de regionalizar o espaço da cultura nordestina através de evidências como inovação musical e a infl uência e polarização cultural do Recife a partir da década de 1990.

Onde e em que condições aparecem as regiões culturais emergentes? Este ponto é de fundamental importância em um país como o Brasil, onde há, no começo do século XXI, áreas a serem efetivamente incorporadas à economia bra-sileira e global. Se há regiões em dissolução, levantamos a hipótese de que novas regiões emergem, quer pela trans-formação de regiões culturais tradicionais, quer, mais ain-da, pela fragmentação de regiões culturais preexistentes, das quais emergem duas ou mais regiões (idem, p. 35-36).

7. O Recife contemporâneo

O Recife sempre despontou como a cidade de grandes músicos e criadouro de ritmos. O frevo, por exemplo, é um ritmo essencialmente de Recife, e ainda, de apenas alguns bairros da capital. Apesar da abundância musical, sua reprodução

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se deu de forma oral, sendo gravada apenas por poucas produtoras do eixo Rio - São Paulo. Apenas em 1954 foi que Recife ganhou a sua própria, a gravadora Rozenblit, que teve curto período de vida, sendo fechada em 1968, e dedicou-se a gravar frevos, frevo-canção, alguns xotes e raros forrós.

O dono do gravadora, o judeu José Rozenblit (inclusive foi padrinho de Cazu-za) conta que a idéia de fundar um selo para gravar música pernambucana, prin-cipalmente frevos, surgiu quando ele passou a ser um dos dezesseis lojistas que negociavam com discos no Recife. A forma como o frevo era usado pela indústria fonográfi ca o deixava incomodado, ou melhor, ferido no seu orgulho arraigado de pernambucano, cujas raízes vêm de uma sentimento de regionalismo, que teve entre seus principais defensores e teóricos o sociólogo Gilberto Freyre. “Um regionalismo que se refl etiu no direcionamento que a gravadora tomou, priori-zando música pernambucana” (TELES, 2000, p. 31-32).

Até os anos 1970, raras foram as vezes que se ousou romper a muralha da ortodoxia que circunda Pernambuco, em todos os setores. “Sempre foi fortíssima a dicotomia, pernambucaníssima (...). Até hoje essa falta de maleabilidade social é difícil de ser contornada” (Idem, p. 10).

A cena “udigrudi”, de Alceu Valença, Geraldinho Azevedo e Zé Ramalho (os mais famosos), ou o “grupo pernambucano”, tornou-se a primeira a começar ar-ticular uma forma de transcender às fronteiras do Estado.

O udigrudi recifense foi um movimento artístico ocorrida na década de 1970. Muito infl uenciado pela contracultura, resgatava-se o escapista slogan sessentista de Timothy Leary: “Tune in, turn on and drop out” (“Antense-se, ligue-se e sal-te fora”), tinha no festival Woodstock a materialização desse ideal e Jimi Hendrix seu guru. Zé Ramalho, Almir Oliveira e Lula Cortês eram os principais articuladores (Idem, p. 148).

Em relação à década de 1980, esta representou o desastre para o Recife, em razão da hegemonia do BRock na música nacional. As gravadoras colhiam sua matéria-prima no Rio, em Brasília, um pouco menos em São Paulo e em Porto Alegre; e assim voltaram suas costas para o que acontecia no restante do país. “Pa-ralamas (do sucesso) Legião (Urbana), Lobão, ofuscaram os nordestinos (cearen-ses, paraibanos e pernambucanos), que a partir de meados de 1970 engordaram as contas das multinacionais do disco” (Idem, p. 225). O princípio da articulação com o “além Recife, o além Pernambuco”, árdua tarefa, voltou praticamente à estaca zero. E os mangueboys sentiram isso.

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No princípio do movimento Mangue, segundo TELES (idem, p. 9):

a intelectualidade da província ou torcia o nariz para o que considerava um bando de garotos fazendo música ba-rulhenta, sem a menor conseqüência, ou simplesmente os ignorava. Pouquíssimos foram os que sacaram que os man-gueboys chegaram para por fi m a uma cultura que abomi-nava qualquer coisa que ameaçasse seu status quo.

Como se pode observar, essa análise tem como referência de contempora-neidade do Recife sua produção musical ao longo do século XX, sendo seu mar-co de modernidade os anos 1990, principalmente pelos novos fl uxos globais de informação.

A relação entre a globalização e o papel cultural das cidades pode ser visto através do conceito de cidade heterogenética, que é a criação de um grupo externo à região onde foi implantada a urbe. Com a globalização, emergem cidades que desempenham esse papel de transformação cultural de amplos espaços, consti-tuindo outras cidades “proeminentemente engajadas em transformações e recom-binações de signifi cados e formas simbólicas, que estão alterando o mapa cultural da superfície” (HANNERZ, 1996 apud CORRÊA, 2006, p. 157-158).

Segundo Ulf Hannerz (1996), as cidades globais (World cities) exercem essa função de transformação cultural em ampla escala espacial por intermédio de quatro grupos sociais nela presentes, sendo que, sem esses grupos, difi cilmente essas cidades possuiriam seu caráter global. Respectivamente empresários, imi-grantes, artistas e turistas, o terceiro grupo (o de pessoas vinculadas às artes em geral) merece destaque no caso do Recife:

“As a third category I would identify an undoubtedly con-siderably smaller number of people who yet tend to main-tain a rather high profi le in the world cities I am concerned with: people concerned with culture in a narrower sense, people somehow specializing in expressive activities. (…). But the present range of activities is wider, including art, fashion, design, photography, fi lm-making, writing, mu-sic, cuisine, and more (…)” (HANNERZ, 1996, p. 130).

Como de consenso, os países periféricos e suas capitais e metrópoles são os exemplos onde a cultura de fora, principalmente com o processo de globalização, encontra terreno propício para se estabelecer, - processo este que tem nas grandes

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empresas multinacionais, a procura de mercado consumidor, se grande vetor-. Na antemão desse processo, Corrêa (2006) destaca que “se as cidades globais são, de modo geral, os pontos iniciais dos fl uxos culturais globais, são também postos de reelaboração de aspectos da cultura externa (...). Assim, as relações entre cidades globais da cultura e seus espaços são complexas” (CORRÊA, 2006, p. 159).

Fortalece esse pensamento o caso apresentado por Hannerz (1996), em razão do processo imigratório da população de países subdesenvolvidos para os desen-volvidos, gerou um híbrido cultural, creole culture, que é a interconectividade de tradições culturais históricas e geografi camente distintas.

8. “Com cheiro de gás”

Quando uma coisa nova aparece e rapidamente é percebida, se fi rma, faz su-cesso, o nordestino tem um termo próprio bem elucidativo: “com cheiro de gás”. No caso da cena Mangue foi assim - rápida, inovadora, diferente (estranha até), e, principalmente, todo mundo notou -.

O movimento Manguebit é algo essencialmente ligado à cultura pop. Original-mente, o termo e o estilo surgiram das experiências da Pop Art, reveladas na década de quarenta por seu vanguardista mais conhecido, Andy Warhol. Preocupada em apresentar o cotidiano no mundo contemporâneo, a cultura pop e suas defi nições integram o que se convenciona chamar de pós-modernismo (LEÃO, 2002. p. 1).

Essa nova expressão cultural, que busca elementos contemporâneos, como a globalização, identidades culturais, intertextualidade, desconstrução, hibridez, pluralismo, pode ser observada numa escala global de acontecimentos.

Segundo Leão (Idem, p. 4):

“Em metrópoles foram sendo gerada novas formas de co-municação que trazia elementos da cultura popular (folk) misturadas a outras informações obtidas via meios de comunicação. É o caso do grupo Mano Negra em Paris, Massive Attack em Bristol, Chico Science e Nação Zumbi e mundo livre s/a no Recife”.

Na visão de Ribeiro (2007. p. 33) foi com o diálogo entre o movimento Punk e a cena da New Wave, tendências estético-políticas dos anos oitenta oriundas da con-tracultura com o universos das novas tecnologias de comunicação eletrônica, e com uma perspectiva globalizada no mundo, que gera uma abordagem bastante especial ao longo dos anos oitenta através da literatura cyberpunk, e se encontra amplamente

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difuso no campo da música pop com o desenvolvimento das cenas voltadas para a música eletrônica no fi nal da década. A proximidade entre o movimento Manguebit com a literatura cyberpunk está na “perspectiva estética e política bastante parecida, por ambos adotada, no que diz respeito ao compartilhamento de uma experiência histórica mais ampla, envolvendo novas maneiras de pensar e de agir sobre a reali-dade. Experiências que se entrecruzarão na busca por novos referenciais teóricos e estéticos, a conferirem sentido a todo um novo conjunto de práticas sócio-culturais em desenvolvimento durante o período em questão” (Idem, p. 33).

A referência à globalização da cultura pop é bastante marcante. No entanto, a glo-balização não é tratada enquanto componente externo em relação à sua prática mais imediata, e sim enquanto prática que também é sua, as quais participam ativamente enquanto sujeitos. É nesse sentido que a cena mangue se confi gura enquanto tendên-cia ativa a contrariar paradigmas homogeneizantes, apontando para a diversidade da cultura global a partir do seu próprio local, cujo símbolo é o mangue (Idem, p. 76).

Através do uso do fragmento da música “Monólogo ao pé do ouvido” (1994), de Chico Science, onde “modernizar o passado é uma evolução musical”, sintetica-mente esta passagem exprime o que esta nova cena cultural objetivou: tanto mo-dernizar o passado através de sua releitura sob o prisma contemporâneo, quanto atribuir à musica um aspecto evolutivo.

A “modernização do passado” foi realizada através do resgate da cultura nor-destina, em especial aos ícones referentes ao Estado de Pernambuco, como per-sonagens e ritmos musicais. A fusão entre alfaia, agogô, abe, triângulo, pandeiro, cavaquinho e zabumba - instrumentos musicais locais -, com guitarra, sampler, pick-up e mixers – estrangeiros, importados -, caracterizaram a criação de um ritmo inovador, híbrido, que concomitantemente transita pelas vias da localidade nordestina quanto nas contemporâneas de um mundo globalizado.

O Recife conecta-se defi nitivamente, através daquela parabólica incrustada na lama de um manguezal, nos fl uxos de informações e trocas mundiais. Seu caráter contemporâneo se consolida e a cultura da metrópole aspira de vez o “gás” da novidade, que expele todo seu potencial híbrido.

9. Hibridismo cultural

O a análise das letras musicais, realizada através de aspectos pontuais como palavras sintéticas e neologismos, evidencia os elementos acerca do conceito do Manguebit, tendo como recorte territorial a região Nordeste, porém, um Nordeste inserido num contexto mais amplo de acontecimentos mundiais e

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infl uências da modernidade. É o caso da música “Manguebit” (1994), que trata a cidade do Recife enquanto um circuito dentre vários no chip de computador chamado Brasil:

Sou eu um transistor/ Recife é um circuito/ O país é um chip/ Se a terra é um radio/ Qual é a música?/ ManguebitUm vírus contamina pelos olhos, ouvidos/ Línguas, narizes, fi os elétricos/ Ondas sonoras, vírus conduzidos a cabo/ UHF, antenas agulhas/ Antenas agulhas/ Mangue, Manguebit/ Eletricidade alimenta/ Tanto quanto oxigênio/ Meus pulmões ligados/ Informações entram pelas narinas/ E a cultura sai mal hálito/

Ideologia Mangue, Manguebit/ Meus pulmões ligado/ Se aterra é um radio/ Qual é a musica?/Manguebit.(Fred Zeroquatro, Manguebit, 1994)

O diálogo entre o local e o global pode ser observado também através do resgate histórico em torno da fi gura de Lampião, marcante em todo o trabalho produzido pelas bandas integrantes do movimento Manguebit. Na letra de “San-gue de Bairro” (1996) são citados todos os integrantes de seu bando, tendo em seu arranjo fortes riffs de guitarra e batidas de alfaia. A fusão entre esses dois elementos musicais distintos (rock e maracatu), porém, semelhantes pela agres-sividade sonora, nos transmite o sentimento de tensão de uma perseguição dos volantes8 pela caatinga, assim como o trágico desfecho que tiveram os cangacei-ros – a degola:

8 Soldados dos regimentos militares encarregados de reprimir o cangaço.

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Bezouro, Moderno, Ezequiel/Candeeiro, Seca Preta, Labareda, Azulão, Arvoredo/ Quina-Quina, Bananeira, Sabonete/Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco!/

Volta Seca, Jararaca, Cajarana, Viriato/Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zambelê/Quando degolaram minha cabeça

passei mais dois minutos vendo meu corpo tremendo

e não sabia o que fazer/Morrer? Viver? Morrer? Viver!(Chico Science/Ortinho, Sangue de Bairro, 1996).

Com a evidência do local e do global se interagir, trocarem fl uxos, a análise da cultura nordestina sob o prisma contemporâneo pode revelar aspectos da reali-dade que seriam mais difíceis de serem percebidos e analisados se considerados apenas do ponto de vista global.

Conforme Lencione (2003, p. 180):

Com a emergência do pensamento pós-moderno, a crença nas verdades absolutas foi minada, bem como a negação de qualquer explicação fundada na concepção de totali-dade e em discursos universalistas. A ênfase foi dada no heterogêneo, na diferença e na descontinuidade. Incorpo-rou-se a dimensão da subjetividade e valorizaram-se as ilusões, procurando reaver a tradição cultural comprome-tida pela homogeneização e universalização encontradas na modernidade.

Essa idéia de reconstrução ou de reestruturação da região, cada vez mais heterogê-nea, diversifi cada, múltipla em signifi cados, incorporando valores diversos dos seus e fortalecendo paradigmas próprios, fortalece a justifi cativa do Mangue ser um exemplo de grande importância na redefi nição de região e cultura no Nordeste brasileiro.

Esta forma da representação identitária, no caso do movimento Manguebit, não pode ser considerada apenas como um movimento de exaltação regional tradicional nordestina, pois se da a entender de uma manifestação aos moldes do movimento Armorial e Regionalista. O Manguebit trás novos elementos que destoam com os do passado.

Em relação a estes movimentos culturais anteriores, ao comparar com as di-

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ferenças da cena Mangue, Neto (2001, p. 99) afi rma que “nem antitradicional nem conservador, o estilo de Science é relativista no sentido de negar o caráter imutável das normas sociais e artísticas. Ele fez da variabilidade uma bandeira e empiricamente encontrou seu canal de expressão, pondo em evidencia uma au-tonomia radical em relação aos cânones tradicionais que impunham um ‘folclore’ (cultura popular) que não deve ‘evoluir’, temendo perder as raízes”.

Segundo Neto (Idem, p. 99):

Ora, já que o ‘folclore’ é a única herança cultural digna que o povo tem em Pernambuco, visto que os livros são objetos inatingíveis praticamente para as classes menos favoreci-das, por que não mesclá-lo às angústias e alegrias do fi nal do século XX no Recife? Por que não fazê-lo acompanhar a sociedade tecnológica representada pelo computador e pela arte pós-moderna? Em Chico, o folclore é o princípio explícito da criação. É a fundamentação histórica da cul-tura que visa à liberdade, espontaneidade e singularidade típicas das grandes obras literárias subjetivo-objetivas que anseiam unir presente-passado-futuro”.

Uma passagem ilustrativa dessa nova concepção da cena Mangue que lida tanto com a valoração regional tradicional quanto com a contemporaneidade ocorre quan-do Chico Science sugere que agora é possível ver o Curupira, guardião das fl orestas nas lendas indígenas, que têm seus pés voltados para trás, usando um tênis:

A engenharia cai sobre as pedras/Um curupira já tem o seu tênis importado/Não conseguimos acompanhar o motor da história/Mas somos batizados pelo batuque/E apreciamos a agricultura celeste/Mas enquanto o mundo explode/Nós dormimos no silêncio do bairro/Fechando os olhos e mordendo os lábios/Sinto vontade de fazer muita coisa.(Chico Science, Enquanto o mundo explode, 1996).

Nas músicas da cena Mangue, a exaltação regional se manifesta através do res-gate de elementos estéticos da cultura nordestina e de referências contraculturais que incluem tanto a marginalidade quanto lendas urbanas do Recife. Mitos ur-banos e anti-heróis como “Galeguinho do Coque”, “Biu do Olho Verde” e a “Perna

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Cabiluda”9, e lendas como Virgulino Lampião e Zumbi dos Palmares, são colo-cadas ao lado dos Panteras Negras norte-americanos e George W. Bush. O que vem a ser um fato determinante nas sociedades latino-americanas: a colocação da cultura e da identidade nacional dentro de um paradigma cujas próprias barreiras entre localismo e universalismo sejam substituídas por uma expressão lingüística heterogênea (LEÃO, 2002, p. 47):

Há um tempo atrás se falava em bandidos/Há um tempo atrás se falava em solução/Há um tempo atrás se falava em progresso/Há um tempo atrás que eu via televisão/Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha/Não tinha medo da perna cabiluda/Biu do olho verde fazia sexo, fazia/Fazia sexo com seu alicate/Oi sobe morro, ladeira córrego, beco, favela/A polícia atrás deles e eles no rabo dela/Acontece hoje e acontecia no sertão/quando um bando de macaco perseguia Lampião/E o que ele falava outros ainda falam/‘Eu carrego comigo: coragem, dinheiro e bala’/Em cada morro uma história diferente/Que a polícia mata gente inocente/E quem era inocente hoje já virou bandido/Pra poder comer um pedaço de pão todo fodido/Banditismo por pura maldade/Banditismo por necessidade(Chico Science, Banditismo por uma questão de classe, 1994).

Modernizar o passadoÉ uma evolução musicalCadê as notas que estavam aqui?/Não preciso delas/

9 Galeguinho do Coque e Bio do Olho Verde praticaram crimes em série de abuso sexual contra, respectivamente, mulheres e crianças do sexo masculino. Gale-guinho fi cou conhecido por violentar suas vítimas utilizando um alicate. A perna cabeluda, uma lenda urbana, foi criação de um radialista de uma rádio de Olinda, aos moldes dos tablóides sensacionalistas britânicos, que tratava de uma perna que andava sozinha acusada de mortes e estupros de mulheres.

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Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos/O medo da origem ao mal/O homem coletivo sente a necessidade de lutar/O orgulho, a arrogância, a glória/Deixa a imaginação de domínio/São demônios os que destroem o poder bravio da humanidade/Viva Zapata, viva Sandino, viva Zumbi, Antônio Conselheiro/E todos os panteras Negras/Lampião, sua imagem e semelhança/Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia.(Chico Science, Monólogo Ao Pé Do Ouvido, 1994).

A fusão entre ritmos da cultura regional com elementos da cultura pós-mo-derna é exaltada na letra da música “Etnia” (1996):

Somos todos juntos uma miscigenação/E não podemos fugir da nossa Etnia/Todos juntos uma miscigenação/E não podemos fugir da nossa Etnia/Índios, brancos, negros e mestiços/Nada de errado em seus princípios/O seu e o meu são iguais/Corre nas veias sem parar/Costumes, é folclore, é tradição/Capoeira que rasga o chão/Samba que sai na favela acabada/É hip hop na minha embolada/É povo na arte é arte no povo /E não o povo na arte/De quem faz arte com o povo/Foram atrás de algo que se esconde/É sempre uma grande mina de conhecimentos e/Sentimentos/Não há mistérios em descobrir/O que você tem e o que você gosta/Não há mistérios em descobrir/O que você é e o que você faz/E o que você faz/Maracatu psicodélico/Capoeira da pesada/Bumba meu rádio/

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Berimbau elétrico/Frevo, samba e cores/Cores unidas e alegria/Nada de errado em nossa etnia.(Chico Science, Etnia, 1996).

Como se trata de uma cena entrecortada de hibridismos estéticos e cultu-rais, a letra gera até imagens sintéticas, como “maracatu psicodélico”, “bumba meu rádio” (em referência ao folclore do Bumba meu Boi) e “berimbau elétri-co”, sendo esta última um ótimo exemplo da materialização relativa à experi-mentação do Manguebit, com seu seus hibridismos entre palha de coco e chips de computadores.

Segundo Leão (2002, p. 18):

o Manguebit tornou-se um dos componentes da narrativa de uma identidade local. E esse interesse está relacionado à produção de uma determinada identidade cultural repre-sentada, com esse projeto, através da conexão dos ritmos que deram visibilidade e projetaram a cidade (de Recife) para todo o país.

10. A região cultural do Manguebit

Diante desse panorama atípico ao longo da história cultural do Pernambu-co, do conteúdo híbrido das letras Mangue, da ruptura com outros movimentos culturais ligado à tradição, da infl uência que a paisagem da cidade apresenta nas letras de forma fundida com ritmos regionais e internacionais (assim como sím-bolos desse aspecto global), e do poder de articulação e polarização em razão do sucesso das bandas do movimento, o Manguebit torna-se passível de análise sob a perspectiva detentora de uma região cultural própria.

Como anteriormente citado, o trabalho opta por dialogar com a nova geografi a pela possibilidade de proposições de formas de regionalização através de outros objetos analíticos, como dimensões culturais, e, dentro da perspectiva da análise regional, opta-se por trabalhar com o conceito de regiões funcionais (ou polariza-das), em razão de o estudo possuir um caráter de pluralidade ao se tratar de um fenômeno relacionado à cultura de um determinado local, porém, infl uenciado pela contexto histórico e espacial em questão.

No processo de regionalização cultural, os processos de Duplicação, desvio e

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fusão, mais frequentes processos pela qual se formam as novas regiões culturais, se assemelham ao caso do Manguebit, em destaque a fusão, pois “nele fundem-se tra-ços culturais oriundos de dois um mais focos iniciais ou núcleos, com a resultante formação de uma nova região cultural” (CORRÊA, 2008, p. 19). Como pressuposto dessa afi rmação, o diálogo que realiza o Manguebit entre as esferas local e global, tradicional e moderno, sertanejo e urbano, etc., como tratado por Picchi (2009), explicita o encaixe referente ao citado processo específi co de difusão espacial.

Sou eu transistor/Recife é um circuito/O país é um chip/Se a terra é um radio/Qual é a música?(Fred Zeroquatro, Manguebit, 1994).

Essa força centrípeta que o Recife exerce enquanto receptor de infl uências regionais e globais, principalmente em razão de ser uma metrópole, são quesitos integradores e complementam essa idéia de que dentro da cidade existe uma re-gião cultural oriunda da década de 1990.

Numa perspectiva saueriana, o lócus de acontecimentos do Manguebit, o epi-centro da cena cultural, foi (e ainda é) a Rua da Moeda. Lá, onde existem diversos bares e a juventude se concentra para beber e ouvir música, localizava-se o “Bar do Pina”, de propriedade de Roger de Renoir, agitador cultural da metrópole, sendo que as primeiras festas Mangue foram realizadas nesses galpões quatrocentões.

Ao andar pelas ruas do Bairro (região central), ao se aproximar da Rua da Mo-eda, na época do carnaval os foliões vestidos de mangueboy (tênis, calça e camisa colorida, óculos escuro e chapéu de rolha, como Chico Science normalmente aparecia na imprensa) são mais presentes. Também, ao ser avistado uma pessoa nesses trajes, costuma-se gritar “Diga aí, Moeda!”, em referência à Rua.

Outra evidência de uma região cultural do Manguebit são as nações de ma-racatu de baque virado, além de terem sido fortalecidas após a cena Mangue, convergem ao Bairro em suas apresentações, na direção do território dos caran-guejos-com-cérebro.

Pode-se ainda dizer que, levando em consideração a origem dos músicos Mangue, a região cultural do movimento Manguebit amplia-se desde o centro até as margens da Região Metropolitana do Recife, exercendo mais infl uência sob determinadas localidades.

Além do poder aglutinador e centrípeto que o Manguebit exerceu, um tipo

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de antropofagia cultural pós-moderna na cidade do Recife ao longo da década de 1990, toda essa massa retrabalhada também polarizou as demais regiões vizinhas (como no surgimento de bandas que utilizavam desse mesmo tipo de som, como “Cordel do Fogo Encantado”, na cidade de Arcoverde, zona da mata), além de ter lançado cidade novamente no cenário nacional, agora sob uma nova roupagem, a da estética contemporânea, pop, e também no mundo.

11. Considerações fi nais

A infl uência do movimento Mangue na transformação da cultura regional se faz também em razão do engajamento dos músicos em fazer parte de uma intelec-tualidade preocupada em refl etir cultura. “Tal proeminência de uma importância que ultrapassa o campo musical pode ser evidenciada na participação de Fred Ze-roquatro no Conselho de Cultura de Recife. Com relação a DJ Dolores e Renato L., os dois foram colunistas do Diário de Pernambuco” (CALAZANS, 2008, p. 170). Atualmente Renato L., parceiro de Chico Science e co-autor de “Caranguejos com Cérebro”, é coordenador da Secretaria de Cultura da Prefeitura do Recife.

Em novembro de 2005, o Ministério da Cultura (sendo o ministro à época Gilberto Gil) concedeu a medalha de “Ordem do Mérito Cultural” ao Movimento Manguebit de Recife, em razão de ter transformado a capital pernambucana e resgatado a auto-estima do próprio público local, que passou a valorizar e a se orgulhar de seus artistas. “A turma dos caranguejos com cérebro recolocou Recife como centro catalisador e difusor de inovadora cultura pop. E abriu um novo capítulo na história da música brasileira. Da lama ao céu” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2005).

Em pouco mais de três anos de carreira, e dois CDs, ele e a banda encetavam uma meteórica carreira internacional, participando de importantes festivais nos EUA e Europa, com matérias laudatórias nas principais revistas especia-lizadas americanas e européias. Reconhecimento interna-cional tão imediato só havia acontecido antes com a bossa nova (TELES, 2000. p. 9).

O Manguebit ocupa os vários lugares da cultura, mas se reconhece pertencen-te à cultura de Pernambuco. Porém, por estar inserido em um contexto diferente ao que se conhecia, produzia e viva até então, esse Pernambuco que é uma aldeia

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global apresenta características regionais inéditas através da expressão artística. “Repensar o desenvolvimento da ‘manguetown’ é rever, não apenas, a ecologia urbana, a geografi a, a sociologia, a antropologia, mas também um apanhado de linguagens que aparece e desaparece no cotidiano de encruzilhadas e traduções culturais” (LIMA, 2007, p. 227).

Pela perspectiva de sua própria região cultural, sendo possível até uma análise em relação ao sentimento de pertença do indivíduo infl uenciado pelo Manguebit, ao se in-titular de “mangueboy” ou um “caranguejo-com-cérebro”, o “Pernambuco embaixo dos pés com a mente na imensidão”10, como proclamou Science, transparece de intenção.

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10 Fragmento da música “Mateus Enter” (1996), de Chico Science.

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ARAÚJO, Débora Fernandes de1

CUNHA, Profa. Dra. Fabiana Lopes da2

ResumoA pesquisa busca, através de um diálogo entre a História e a Geografi a, compre-ender o processo histórico de formação do município de Ourinhos a partir da análise de como se deu a ocupação da região do Vale do Paranapanema (especifi -camente a região do Oeste Paulista) através das Frentes de Expansão e Pioneira. Pretendemos em nossa análise resgatar os principais elementos desta conjuntura histórica que contribuíram para a formação do município: com destaque para a atuação dos posseiros, pioneiros e fazendeiros. Desta maneira, trabalharemos aqui os aspectos concernentes à posse da terra no Oeste Paulista em seus diferen-tes matizes e refl exos, relacionando-os à cultura itinerante do café e a expansão

1 Graduada em Geografi a pela UNESP, Campus Experimental de Ourinhos. O ar-tigo é fruto de pesquisa de iniciação científi ca fi nanciada pela FAPESP. [email protected]

2 Professora de História Social e Política e Sociologia da UNESP - Campus Experi-mental de Ourinhos. Foi orientadora do projeto de iniciação científi ca. O tema do artigo tem sido alvo de pesquisa por parte da docente e de outros orientandos que atualmente desenvolvem trabalhos na área de memória, patrimônio e história. [email protected]

A ocupação da terra na formação do municipio de Ourinhos-SP

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da ferrovia. Este estudo, cujo tema faz parte de um projeto mais ambicioso e de cunho coletivo - Nos Trilhos da Memória e a Memória dos Trilhos: A Expansão e Revitalização do Museu Histórico de Ourinhos - aprovado através do edital FAPESP/VITAE (n°. Processo 2006/57425-0), é de suma importância para a com-preensão da ocupação da terra e da formação do município em questão.

PALAVRASCHAVES: História; Café; Ourinhos

AbstractThis Project searchs, through a dialogue between the History and Geography cien-cies, to understand the history of the Ourinhos municipality formation process since the analysis of how the occupation in the Paranapanema´s Valley region came about (especially the west area in São Paulo´s state) through the Fronties of Expansion and Pioneering.We intend in our analysis to salvage the main elements of this historial conjecture that contributed to the municipality formation: with prominence to the performance of posseiros, pioneers and the farmers. This way we will work on the project the concernent aspects to the lands possession in São Paulos´s west on its different shades and refl ections, relationing its to the group of people who were important for the culture of coffee and the expansion of the railroad. This study, whose theme is part of a project more ambicious with public nature – Nos trilhos da memória e na memória dos trilhos ( At the memory tracks and at the tracks of the memory): The expansion and the new structure of the His-torical Museum of Ourinhos – approved through the proclamation FAPESP/VITAE (Case nº 2006/57425-0), corresponds to a very important form of understanding the lands occupation and the formation of the municipality of Ourinhos.

KEYWORDS: History; Cofee; Ourinhos.

1. Introdução

A presente pesquisa nasceu da inquietação de tentarmos entender como se deu o processo de formação de Ourinhos, pois, a história era contada a partir da chegada da ferrovia no início do século XX quando o fundador da cidade, o senhor Jacintho Ferreira de Sá, devido a uma série de artimanhas políticas conse-gue fazer com que o projeto do prolongamento dos trilhos da Sorocabana passe a privilegiar a propriedade que havia recém adquirido de D. Escolástica Melchert

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da Fonseca. Estas terras que ainda pertenciam ao território de Salto Grande, com a chegada dos trilhos sofrem uma série de transformações que vão propiciar o crescimento da pequena vila que ganharia autonomia política em 1918, sendo elevada a categoria de município, e recebendo o nome de Ourinhos.

Apesar de compreendermos que os trilhos da ferrovia muito contribuíram para o nascimento ofi cial desta cidade, percebemos que faltavam mais informa-ções a respeito da história do surgimento de Ourinhos que fossem anteriores à chegada da ferrovia, o que nos instigou a procurar documentos e livros que pu-dessem esclarecer o assunto.

Desta maneira, passamos a trilhar este caminho tentando encontrar respostas sobre como se deu o processo de ocupação destas terras a partir da implementa-ção da Lei de Terras em 1850 e, principalmente, como toda uma teia de relações políticas, econômicas, culturais e sociais que perpassaram durante este período contribuiriam para o surgimento de Ourinhos.

Neste contexto, percebemos também a importância de refl etirmos sobre os in-teresses que levaram num primeiro momento, a família de D. Escolástica Fonseca e, posteriormente, o Sr. Jacintho Sá, a adquirirem as terras que dariam origem ao município. Percebemos o quanto esta análise será importante para que possamos recontar a história de Ourinhos.

D. Escolástica era uma rica fazendeira paulista pertencente a uma família tradicio-nal do estado de São Paulo, e seu marido adquiriu esta propriedade, parte da Fazenda de Furnas, no início do século com o intuito de reservar estas terras para uma futura expansão do café na região. Tais fatos nos fi zeram entender, como seria importante a compreensão de como a cultura do café, devido às suas peculiaridades naturais e geográfi cas, tinha a necessidade de incorporar novos espaços, o que acabaria estimu-lando a abertura de fronteiras pioneiras no interior do estado de São Paulo. Esta his-tória tem continuidade quando D. Escolástica vende estas terras para Jacintho que as compra sabendo de sua possível valorização, com a chegada da ferrovia na região.

A análise da bibliografi a sobre este pioneiro nos fez entender que o histórico de sua família e de como chegou à região estaria intimamente relacionado aos processos que levariam vários de seus conterrâneos a migrarem para Oeste Paulista em busca de melhores condições de vida, após a implementação da Lei de 1850. Dentro deste contexto, buscamos pensar a formação do município, partindo do pressuposto, segundo Ana Fani de que “a cidade é uma realização humana, uma criação que vai se constituindo ao longo do processo histórico e que ganha materialização concreta, diferenciada, em função de determinações históricas especifi cas”3.

3 CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 8a. ed., Contexto: SP., 2005: 57.

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Isto posto, buscamos aqui desvendar estes elementos históricos e geográfi cos que confi guraram a transformação da região conhecida na época como “sertão desconhecido” em uma área indispensável para a expansão do café, já que esta cultura esgota o solo em poucos anos, e por conta disso, o deslocamento e cultivo de áreas a oeste do estado de São Paulo eram imprescindíveis.4 Foi dentro desta lógica que se formaram vários núcleos urbanos, inclusive Ourinhos.

Para a fundamentação desta pesquisa foi realizado um amplo levantamento docu-mental em várias instituições, principalmente em cartórios de registros de imóveis e títulos da cidade de Ourinhos e Santa Cruz do Rio Pardo. Os documentos conseguidos nestes locais evidenciam em parte, como ocorreu a ocupação da terra em um perío-do anterior e posterior à formação do município. Também fi zemos um levantamento documental no acervo do CEDAP/Assis, e consultamos os que se relacionavam com questões que tratavam da ocupação da terra e da expulsão dos indígenas na região.

A procura e análise destes documentos foi um elemento norteador em todas as fases desta pesquisa. Partimos em busca destes documentos, e assim como os pioneiros, fomos procurando vestígios de uma história que poderia estar distri-buída de forma dispersa nas memórias das famílias, nos cantos empoeirados de baús, dos cartórios ou ainda em uma das salas do museu da cidade.

Esta busca se tornou ainda mais relevante porque ela não apenas auxiliou nossa pesquisa, mas também porque ela poderá contribuir com documentos para aumentar o acervo do Centro de Documentação da UNESP-Ourinhos, ainda em fase de cons-trução. Estes documentos, por meio do Centro de Documentação, serão compartilha-dos para todos aqueles que tenham interesse em obter acesso a estas preciosas infor-mações, principalmente para os pesquisadores que desejem trilhar por este caminho, pois encontrarão tais documentos já organizados, a partir dos esforços somados para a produção desta pesquisa. Infelizmente, nós não tivemos a mesma sorte que terão os pesquisadores futuros sobre a história da região, pois encontramos muita difi culdade em obter documentos que nos auxiliassem a entender a história do município. Como por exemplo, a pesquisa nos arquivos do cartório de Santa Cruz do Rio Pardo tem nos atrasado e impedido de chegar a algumas conclusões vitais para esta pesquisa, isto porque os documentos que são imprescindíveis para que possamos entender como se deu o processo de apropriação das terras que deram origem ao município estão ali guardados, mas, em virtude do afastamento do responsável do cartório, por proble-mas de saúde, não fomos autorizados a ter acesso a referida documentação durante o desenvolvimento da pesquisa. Por outro lado, em relação ao cartório de Ourinhos, tivemos o acesso facilitado, fato que nos possibilitou fazer um levantamento criterioso

4 HOLLOWAY,Thomas H. Imigrantes para o café.RJ:Paz e Terra, 1984.

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dos imóveis registrados no cartório do município nos primeiros anos de sua forma-ção. Tais documentos são preciosidades que serão bem exploradas tanto na nossa pesquisa quanto em outros estudos que desejem dar continuidade a este caminho que vem sendo percorrido pelas presentes pesquisadoras.

Desta maneira, procuramos analisar neste trabalho o desenvolvimento his-tórico da região do Oeste paulista tendo como foco inicial a compreensão do processo de ocupação do Vale do Paranapanema dando ênfase para as formas de acesso e de utilização dessas terras durante a conjuntura histórica do século XIX e início do século XX.

2. Objetivos

Este trabalho tem como objetivo a compreensão do processo de formação do município de Ourinhos dentro do contexto de expansão cafeeira no Estado de São Paulo. Além disso, procuramos também compreender as formas de apro-priação deste espaço em diferentes momentos históricos. Também procuramos com este trabalho buscar fontes documentais que viabilizem a compreensão deste processo, tanto na própria cidade quanto em instituições situadas em outros mu-nicípios. Tais documentos serão disponibilizados à sociedade por meio do Centro De Documentação e Memória da UNESP/ Ourinhos.

3. Fundamentação teórica

Para que pudéssemos compreender as formas de ocupação e exploração econômica desta região em diferentes momentos históricos optamos por utilizar as defi nições de Frente de Expansão e Pioneira a partir da perspectiva teórica de José de Souza Martins.

Como Frente de Expansão, entendemos o momento em que “ainda partici-pantes (posseiros) dedicavam-se à própria subsistência e secundariamente à troca [...] foi esse tipo de economia que prevaleceu [...] em regiões como o Oeste de São Paulo [...]”.5 . Ou seja, segundo Martins6, apesar da implementação da Lei de

5 MARTINS, José de Souza. Apud PENÇO, Célia de Carvalho Ferreira. A “Evapora-ção das Terras Devolutas” No Vale do Paranapanema. Tese de doutoramento, FFLCH, USP, SP, 1980: 11.

6 MARTINS, José de Souza. Sociologia da frente pioneira.Revista Mexicana de Socio-logia, Vol.35, nº 4(Oct.-Dec.,1973), p. 767-768.

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Terras, a posse privada das terras comuns ainda persistirá e esse tipo de posse se combina com uma economia a base de trocas e, portanto, ainda não pelas regras capitalistas. Para ele, ainda prevalece nestas áreas o “grau de fartura” e não o de ri-queza. Além disso, “o empreendimento capitalista se situa “fora” do componente da estrutura social da frente de expansão e absorve a renda potencialmente gerada na terra”7. Desta forma, “as tensões que marcam a frente de expansão são tensões en-tre a sociedade capitalista que se faz presente na fronteira econômica e a sociedade tribal à qual se disputa, mediante o empenho dos que estão situados na Frente de Expansão, a terra necessária à preservação desta frente”. 8 Segundo Lima9 e Nimi-non10, tais confl itos tornaram-se tão agudos que foram organizadas expedições com o intuito de exterminar as diversas tribos indígenas que habitavam a região.

Conforme apontam os estudos de Pierre Monbeig11, Célia Penço12, Amador Nogueira Cobra13, durante esta frente de ocupação, veremos que a grande dispo-nibilidade de terras que foram declaradas como devolutas pelo estado contribuiu para a chegada de muitos aventureiros à região, homens desprovidos de pro-priedade que desejavam prosperar nas terras do sertão paulista. Neste contexto, grande parte destas terras que eram desejadas por estes aventureiros pertenciam ao território de diversas tribos indígenas, no entanto, muitas vezes este direito foi negligenciado pelas autoridades competentes, a começar pelo fato de que estas terras foram declaradas como devolutas pelo estado. Tal fato, somado à forma como o estado permitiu que estes homens pobres- muitos deles dispostos a lutar contra a população nativa pela posse da terra,atendendo assim aos interesses da sociedade da época, que repudiava a presença indígena- fossem considerados os donos legais de extensas propriedades na região do Vale do Paranapanema, per-mitiu uma série de irregularidades com relação à posse da terra na região, que de certa forma, tem conseqüências até os dias atuais.

7 Idem,p.768.

8 Idem, p.768

9 LIMA, João Francisco Tidei. A Ocupação da Terra e a Destruição dos índios na Região de Bauru. Dissertação de Mestrado. FFLCH/USP, 1978.

10 PINHEIRO, Niminon Suzel. Etnohistória Kaigang e seu contexto: São Paulo, 1850-1912. Dissertação de Mestrado, FCL, UNESP/Assis, 1992.

11 MOMBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. SP: Hucitec, 1984

12 PENÇO, Célia de Carvalho Ferreira. A “Evaporação das Terras Devolutas” No Vale do Paranapanema.Tese de doutoramento, FFLCH, USP, SP, 1980.

13 COBRA, Amador Nogueira. Em um recanto paulista.Tip. Hennyes. São Paulo, 1943

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Com base na bibliografi a mencionada, abordamos a forma como as terras devolutas foram adquiridas, em especial por José Teodoro14, que durante o pro-cesso conhecido como a marcha para o oeste deslocou-se de Minas Gerais para o interior de São Paulo tendo com intuito de se tornar proprietário de grandes extensões de terras na região do Vale do Paranapanema.

Já num segundo momento, estas terras passaram a ser valorizadas como um espaço indispensável para a expansão das atividades capitalistas, principalmente as relativas ao cultivo do café, as quais modifi cariam por completo o “sertão pau-lista”. Por conta disso faremos algumas considerações sobre a Frente Pioneira. Mas, antes disso, gostaríamos de ressaltar que José de Souza Martins, dentro ainda da Frente de Expansão, trabalha com a idéia de fronteira demográfi ca, tratando da forma como se deu a ocupação nestas terras quando ocorreu o encontro entre os nativos e os posseiros. Os desbravadores forçavam tribos indígenas a se inter-narem cada vez mais na fl oresta ou simplesmente a destruíam, a posse da terra se dava sem o titulo legal, e a lei geralmente dependia da vontade e beneplácito de algum poderoso, proprietário de fato da terra.15

Deste modo, a partir da ocupação deste espaço sobre as diretrizes da fronteira demográfi ca, foram criadas as condições históricas para que outro tipo de fron-teira se estabelecesse na região: a fronteira pioneira. Esta foi promovida devido a peculiaridades da cultura do café que possibilitou que esta se expandisse pelas terras do Oeste Paulista incorporando novos espaços que dariam suporte para o seu pleno desenvolvimento16.

Neste momento, durante a Frente Pioneira, a expansão desta cultura itineran-te, o café, contribui para transformar por completo esta região dentro ainda dos pressupostos da expansão e ampliação do espaço mercantil.

Como Frente Pioneira, entendemos uma ocupação que “se instaura como empreendimento econômico: empresas imobiliárias, ferroviárias, comerciais, ban-cárias, etc, loteiam terras, transportam mercadorias, compram e vendem, fi nan-ciam a produção e o comércio. Passa-se assim da produção do excedente para a produção de mercadorias.”17 Ainda segundo Martins, o principal elemento da Frente Pioneira é a propriedade privada da terra, ou seja, esta não será ocupada

14 Apesar de uma série de irregularidades Teodoro foi considerado o primeiro dono legal de uma extensa gleba de terras na região.

15 Martins., op., cit., 35.

16 Love.,op.,cit.,p.20.

17 MARTINS, José de Souza. Apud PENÇO., op., cit,. p. 11.

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mas sim comprada.18A “terra passa a ser o equivalente em capital e é através da mercadoria que o sujeito trava suas relações sociais. Essas relações não se esgotam mais no âmbito do contato pessoal”19. É neste momento, para Lima que ocorre a consolidação da incorporação deste território ao sistema capitalista20.

Conseqüentemente, para Martins a Frente de Expansão equivale à con-juntura histórica mais ampla na qual o contato interétnico possibilitou que a sociedade nacional expandisse, enquanto formação capitalista, incorporando áreas que eram de domínios das sociedades indígenas. Em contrapartida, a Frente de Pioneira é móvel, caracterizada pelo fato de que nela “o capitalismo perde seu caráter “exterior” passa a permear as relações sociais e a cultura. Ou seja, na “frente de pioneira” o capitalismo exprime-se como articulador interno da sociedade”.21

Desta maneira, acreditamos que a compreensão destas duas defi nições de ocupação da terra, Frente de Expansão e Frente Pioneira, são muito importan-tes para que possamos entender melhor o processo histórico de formação do município de Ourinhos.

Assim,se a cidade surge dentro deste último contexto, ou seja, na Frente Pio-neira, a ocupação sistemática de suas terras ocorreu num momento anterior, du-rante a corrida pela obtenção das terras devolutas, liderada por José Teodoro de Souza, e com a expulsão dos indígenas.

4. Metodologia

Para que o referido projeto pudesse atingir seus objetivos, o de entender a formação histórica do município de Ourinhos principiamos nossa pesquisa em-basando-a através de fundamentação teórica e histórica da temática, em conjunto com uma busca incessante por fontes e documentos cartoriais que nos auxiliassem a entender este processo histórico.

Desta maneira, buscamos ampliar e aprofundar as leituras relacionadas ao projeto dando ênfase para a bibliografi a sobre a ocupação do Vale do Parana-panema, à expansão do café e da ferrovia, bem como, o que já foi produzido sobre a história do município.

18 Martins.,op.,cit.,p.768.

19 Idem.,op.,cit.,p.768

20 Lima,.op,.cit.,p.54.

21 Marins.,op.,cit.,p.770-771.

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A compreensão deste processo se deu através da análise de bibliografi a relacio-nada ao tema, de documentação cartorial e de relatórios geológicos (como os resul-tantes da primeira expedição de reconhecimento da região em 1886) e também de outros documentos relacionados ao café e à ferrovia.22 Além disso, fi zemos tam-bém a leitura e análise de documentos cartográfi cos e cartoriais que contrapondo com a bibliografi a consultada nos auxiliou na compreensão dos fatores históricos e geográfi cos que durante este período contribuíram para a formação de Ourinhos destacando a importância dos pioneiros, da cultura cafeeira e da ferrovia.

Em especial destacamos a análise dos estudos produzidos por José de Sou-za Martins23, Pierre Monbeig24, Célia Penço25, Thomas H. Holloway26, Joseph Love27, Ana Maria Martinez Correia28, João Francisco Tidei29, Niminion Pi-nheiro30, Amador Nogueira Cobra31 e Teodoro Sampaio32. Em conjunto, com os estudos produzidos sobre o município pelos autores Jefférson Del Rios33,

22 “Terras e Colonização”. CEDAP/Unesp-Assis

23 MARTINS, Jose de Souza. O Cativeiro da Terra. 8.ed.São Paulo:Hucitec, 2004.

24 MOMBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. SP: Hucitec, 1984.

25 PENÇO, Célia de Carvalho Ferreira. A “Evaporação das Terras Devolutas” No Vale do Paranapanema. Tese de doutoramento, FFLCH, USP, SP, 1980.

26 HOLLOWAY,Thomas H. Imigrantes para o café.RJ:Paz e Terra, 1984.

27 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. RJ: Paz e Terra,1982.

28 CORREIA, Anna Maria Martinez. Poder local e representatividade político-partidária no Vale do Paranapanema(1920-1930). Tese de Livre Docência, Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis, UNESP, 1988.

29 LIMA, João Francisco Tidei. A Ocupação da Terra e a Destruição dos índios na Região de Bauru. Dissertação de Mestrado. FFLCH/USP, 1978

30 PINHEIRO, Niminon Suzel. Etnohistória Kaigang e seu contexto: São Paulo, 1850-1912. Dissertação de Mestrado, FCL, UNESP/Assis, 1992

31 COBRA, Amador Nogueira. Em um recanto paulista.Tip. Hennyes. São Paulo, 1943

32 SAMPAIO, Theodoro F. Exploração dos Rios Itapetininga e Paranapanema. RJ: Imp-rensa Nacional, 1889.

33 RIOS, Jefferson Del.Ourinhos: memória de uma cidade paulista: Prefeitura Municipal de Ourinhos,1991.

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Fernanda Saraiva & Rosemary Romero34, Roberto Carlos Massei35 e Oscar D` Ambrósio36.

Para a fundamentação teórica e metodológica do projeto buscamos respaldo da bibliografi a de apoio pautado nos trabalhos de Carlo Ginzburg37, pois, este autor introduziu uma nova maneira de fazer história, através de uma abordagem que privilegia os fenômenos aparentemente marginais nas zonas de clivagem, as estruturas arcaicas, os confl itos socioculturais por meio de uma abordagem que procede a partir de uma micro-análise de casos bem delimitados, mas que acabam por revelar problemas de ordem mais geral, que permite uma leitura apurada de vários fenômenos em determinados períodos. A micro-história, desta forma, pos-sibilitaria a análise mais ampla do contexto social, político, econômico, ideológico e cultural da história da ocupação da terra no Brasil. Ou seja, dentro de nossa pesquisa, focamos a análise em três “personagens” da história do município: José Teodoro de Souza, Escolástica Melchert da Fonseca e Jacintho Ferreira e Sá. Eles serão importantes e emblemáticos em três momentos diferentes, mas todos eles imprescindíveis para compreendermos não apenas a ocupação das terras que da-riam origem a Ourinhos, mas também sobre como seu deu esta “conquista” de ter-ras no Oeste Paulista e como esta denota a forma como a questão da propriedade da terra é tratada em nosso país, e os problemas decorrentes desse processo.

Tendo como elemento norteador a forma como o autor foi interconectando as fontes e recontando os fatos dando as diretrizes mais gerais de um determinado período uma vez que, este projeto trata-se de um estudo que micro-história o que obriga muitas vezes o pesquisador muitas vezes busca em outros espaços, em di-ferentes instituições que abrigam documentos preciosos sobre a temática regional e que ao mesmo tempo nos possibilitam entender o próprio processo de forma-ção de Ourinhos. Em virtude disso, optamos por realizar um amplo levantamento documental a principio no próprio município e depois em outras instituições situadas nas regiões que poderiam abrigar vestígios desta história.

34 SARAIVA, Fernanda Romero & MORAES, Rosemary Reginato de. Um espaço para lembrar de Ourinhos. Prefeitura Municipal de Ourinhos: Ourinhos, 2004.

35 MASSEI, Roberto Carlos. As inovações tecnológicas e o ocaso dos oleiros. A mecaniza-ção das olarias em Ourinhos - 1950 - 1990. Ourinhos 01/10/2001. Dissertação de Mestrado. PUC/SP/História. 01/10/2001

36 D’AMBRÓSIO, Oscar.(org).Ourinhos: um século de História. SP: Noovha América, 2004. (série conto, canto e encanto com a minha história)

37 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: O cotidiano das idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. SP. Companhia das Letras, 2006.

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Essa etapa da pesquisa ocorreu em conjunto com a realização de inúmeros tra-balhos de campo para o levantamento dos documentos que irão fundamentar esta pesquisa. Estes foram realizados a principio no próprio Museu Histórico de Ou-rinhos, na Prefeitura Municipal de Ourinhos, 1º Tabelião de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Ourinhos, 2º Tabelião de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Ourinhos, Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Ci-vil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ourinhos-SP, Instituto Geográfi co e Carto-gráfi co e no Centro de Apoio a Pesquisa – CEDAP, na UNESP/Assis.Nesta última instituição, durante três meses, foi feito o levantamento e a leitura de microfi lmes. Tal atividade demandou muito tempo e dedicação, pois, os documentos estão dispostos de forma aleatória nos rolos de microfi lmes e, cada microfi lme contém em torno de quinhentos documentos. Foram lidos todos os documentos para que fosse possível selecionar os que poderiam ser interessantes para a pesquisa. No total foram lidos cerca de dois mil documentos, entre os quais pudemos apreciar vários relatórios que foram interessantes para a nossa pesquisa dentre eles os que foram apresentados à Assembléia Provincial de São Paulo, Relatórios da Província de São Paulo, Ofícios diversos sobre os índios, relatórios sobre a expedição geo-lógica realizada em 1886, entre outros.

Outra pesquisa, extremamente importante foi a realizada no Cartório de Re-gistro de Imóveis da Comarca de Ourinhos. Percebendo a preciosidade de tais informações contidas nos livros desta instituição referente ao processo inicial da ocupação do município e da região, realizeimos um rigoroso levantamento do-cumental transcrevendo de forma integral as transmissões referentes aos imóveis da cidade no período de 1923 a 1926. A partir destas informações pudemos orga-nizar tabelas anuais com estes documentos. Tais documentos em conjunto com outras fontes, como a de memorialistas e as citadas acima, possibilitaram-nos compreender melhor como se deu a ocupação das terras em Ourinhos.

5. Resultados e discussões

A implantação da Lei de Terras em 1850 trouxe grandes impactos para a so-ciedade, não de imediato, porém, a regulamentação acabaria modifi cando por completo a forma de acesso a terra substituindo o sistema de propriedade here-ditário das sesmarias pela propriedade privada adquirida através de relações de mercado. Isto porque, no início da colonização, a terra era vista como patrimônio pessoal do rei, que doava parte delas a pessoa que ele escolhia devido ao seu status social, às qualidades pessoais e aos serviços prestados à Coroa por parte

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do interessado em obter parte deste patrimônio.38 Com a instauração da Lei de Terras este cenário foi modifi cado, pois, esta lei dividiu as terras em particulares e devolutas atendendo, segundo Penço39, aos pressupostos estabelecidos desde os debates de 1842. O artigo 1º. da Lei de Terras afi rmava que fi cavam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não fosse o de compra.40 Neste contexto, a maioria das terras paulistas foi enquadrada como devolutas, ou seja, em plena disponibilidade para serem negociadas, ignorando assim por completo o direito assegurado aos primeiros ocupantes da região, os índios 41, es-pecifi camente os Caingangues e Otis. Em relação a esta questão havia apenas uma pequena ressalva no artigo 16 desta lei na qual cabia ao governo disponibilizar as terras devolutas que julgasse necessárias para a colonização indígena. 42 Por outro lado, o artigo 5 desta Lei abria um grande leque de possibilidades de fraudes e irregularidades, pois reconhecia o direito de quem “já possuísse terras, havidas por posses mansa e pacífi cas, e [que] tivesse iniciado alguma cultura, deveria mandar medi-las e registrá-las nas respectivas paróquias num prazo de quatro anos”.43Este prazo, segundo, Emília Viotti, possibilitou que as posses resultantes de ocupação aumentassem de forma incontrolável e os posseiros acumularam grandes extensões de terra cujos limites eram vagamente defi nidos por acidentes geográfi cos naturais como um rio, uma queda d’água, uma encosta. Apesar de não possuírem estatuto legal, elas eram compradas, vendidas e avaliadas à vonta-de44.Tais condições de legitimação de posse contidas neste artigo somadas à falta de fi scalização para o cumprimento destas exigências possibilitaram que várias

38 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à Republica: Momentos Decisivos.São Paulo, Fundação da Editora UNESP, 1999, p. 173.

39 PENÇO, Célia de Carvalho Ferreira. A “Evaporação das Terras Devolutas” No Vale do Paranapanema. Tese de doutoramento, FFLCH, USP, SP, 1980.

40 Penço., op.,cit., p. 8.

41 LIMA, João Francisco Tidei. A Ocupação da Terra e a Destruição dos índios na Região de Bauru. Dissertação de Mestrado. FFLCH/USP, 1978:116.

42 Lima.,op.,cit.,p.68. Segundo Lima, este projeto de colonização indígena expresso neste artigo não respeitou as especifi cidades de cultura e as necessidades indíge-nas de preservação de seus territórios, pois, pretendia via de regra confi ná-los em aldeamentos e estes estiveram sempre ameaçados pelos interesses da sociedade expansionista.

43 Idem.,op.,cit., p.15.

44 Viotti.,op.,cit.,p.172.

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irregularidades fossem cometidas, como veremos especifi camente, no caso das posses adquiridas irregularmente por José Teodoro de Souza45, durante processo conhecido como Marcha para Oeste46.

José Teodoro de Souza, é o típico pioneiro, aventureiro, desbravador e con-quistador, na visão de Cobra, um memorialista que narra sua epopéia. Saindo de Minas Gerais, após conseguir uma vasta gleba de terras, graças a uma “brecha jurídica” da nova Lei de Terras, retorna à sua província com o objetivo de recrutar conterrâneos que tivessem interesse em adquirir tais propriedades, e obteve su-cesso, pois muitos mineiros compraram quase todas as suas posses. No entanto, poucos foram os novos proprietários que se deslocaram de Minas Gerais para po-voar estas terras tão distantes e desprovidas de qualquer tipo de infra-estrutura47. A falta de interesse na posse de tais terras está vinculada à falta de infra-estrutura e o alto custo, fi nanceiro e por vezes, humano, de tal empreitada. Posteriormente, veremos que fatos históricos como a Guerra do Paraguai contribuirá demasiada-mente para o processo de ocupação desta região uma vez que muitos mineiros preferiram aventurar-se nas matas do sertão ao invés de serem obrigados a lutar nesta guerra48. Neste primeiro momento, muitos mineiros, passaram a povoar a região ainda que de forma reduzida e dispersa e puderam contribuir para a for-mação de vários povoados que posteriormente dariam origem a vários núcleos urbanos. Estes ocupantes posseiros para Martins constituem a fi gura central da Frente de Expansão, já que esta é caracterizada justamente por esse uso privados das terras devolutas sem que estas adquirissem equivalência de mercadoria49.

Esta região, neste momento, ainda era conhecida como “sertão desconheci-do”, e era coberta por uma vegetação primitiva, formando uma fl oresta de difícil penetração para colonizadores brancos. Além disso, era povoada por diversas tribos indígenas que eram consideradas uma ameaça para a sociedade tida como

45 Com a posse dessas terras, iniciou-se o processo que posteriormente se desen-rolaria para apropriação da terra em toda essa região. Em virtude disto, inicia-se um contínuo processo de grilagem constituindo a raiz histórica dos problemas relacionados aos confl itos pela posse da terra típicos da região, e que caracterizam a estrutura agrária brasileira.

46 Tal processo de ocupação pode ser estudado a partir dos trabalhos produzidos por Penço e Monbeig os quais já foram mencionados neste trabalho.

47 Cobra.,op.,cit.,p.32.

48 Cobra.,op.,cit.,p.34.

49 Martins.,op.,cit.,p.767.

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“civilizada” na época. Por isso, estas terras apesar de ainda não serem exploradas economicamente devido às contingências históricas, deveriam ser preservadas para uma futura ocupação capitalista.

De forma similar ao que ocorreu no início da ocupação do território brasileiro pelos portugueses, a fartura da terra, a permissividade e o acesso a tais proprieda-des50 eram pródigos e denotam de certa forma, os interesses desta sociedade, que num primeiro momento, durante esta frente de ocupação, permitiam a homens desprovidos de grandes posses a iniciativa do processo de ocupação. Tal processo foi violento, pois para estabelecer suas posses, estes pioneiros lutaram e dizima-ram muitos índios. Também coube a eles a limpeza da terra, a derrubada e quei-ma das matas, a organização de roças e criação de porcos, como formas de garan-tir sua subsistência51.Conseqüentemente, esta ocupação apesar de voltada para a subsistência, atendeu aos interesses capitalistas de produção, uma vez que, num segundo momento, quando as plantações de café expandiram-se para o interior paulista alcançando o Vale do Paranapanema, já haviam sido construídas uma relativa infra-estrutura, “tanto no que diz respeito ao abastecimento de gêneros alimentícios, com em relação a um considerável trabalho de desmatamento.”52Ou seja, os mineiros que foram os primeiros pioneiros da região, facilitaram o cami-nho para os agricultores que os precederiam, fundando núcleos de povoamento que serviriam de base para a irradiação e o crescimento de outros, as famosas “bocas de sertão”, e as picadas abertas seriam seguidas pela expansão do café em um momento posterior sob os pressupostos da Frente Pioneira.

No entanto, a resistência indígena tem como reposta a repressão de grupos armados tendo o apoio dos grandes proprietários em conjunto com o beneplácito do Estado, que só intervém quando a violência armada já aproxima as tribos ao limite do extermínio e retarda a própria conquista econômica da região53. Tanto na primeira quanto na segunda fase de ocupação, a reivindicação principal dos colonizadores foi tomar posse destas terras, e os índios que as habitavam repre-sentavam um obstáculo para tal penetração54.

Assim, à medida que as terras do Oeste Paulista passam a ser valorizadas como um importante núcleo para a expansão cafeeira, os confl itos pela posse da

50 MARCHANT, A. Do Escambo à Escravidão. Ed. Brasiliana: RJ: 1980.

51 Penço.,cit.,op.,p.18.

52 Penço.,cit.,op.,p.18.

53 Lima.,op.,cit.,p.54.

54 Lima.,op.,cit.,p.54.

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terra tornam-se maiores. É neste momento que se intensifi cam as expedições para organização de bandeiras armadas, que acabam se tornando um componente es-trutural no processo de conquista destas terras55. Concomitantemente, com este processo de valorização das terras do “sertão” paulista, acentua-se o problema da propriedade nestas regiões pioneiras. Surge então, na região, o grileiro ou o grilo, como são popularmente conhecidos, os “fabricantes de escrituras”. Estes passam a adquirir fortunas através da falsifi cação de títulos de propriedades. Dentre eles, podemos citar como exemplo José Teodoro de Souza, que aparece vendendo e alienando várias de “suas propriedades” a terceiros.

Em virtude disso, os pioneiros quando chegavam à região passavam a ser be-nefi ciados por estas práticas ilegais, pois bastava apenas que estes comprassem as glebas dos falsos proprietários para que fossem considerados os legítimos donos das terras, sem qualquer questionamento. Segundo Love, estas artimanhas da-vam uma aparente legalidade a estas terras. Assim, segundo este autor, a “posse legal”prevaleceu na fronteira pioneira, onde a concepção capitalista de produção, dos direitos de propriedade, acompanhou a integração econômica da área no sis-tema econômico nacional. Apesar das disputas relativas a títulos de propriedades poderem se arrastar a fi o, a fronteira econômica inexoravelmente avança para o oeste, impelindo os plantadores de café.56

Segundo Love, esta busca incessante por terras férteis propiciou que a fron-teira pioneira avançasse para o oeste incorporando novos espaços, o que gestaria uma reserva segura para o café. Em virtude disso, muitas famílias de fazendeiros compravam terras ainda não cultivadas com o intuito de as utilizarem para operações futuras. Estas, muitas vezes, se localizavam bem longe de suas proprie-dades originais. Como por exemplo, os Pereiras Barreto, apesar de serem prove-nientes do Vale do Paraíba, acabaram se tornando pioneiros no desenvolvimento do cultivo do café em Ribeirão Preto, “primeiro município cafeicultor na zona Mogiana, enquanto que os Rodrigues Alves iniciam plantações em São Manuel e Piratininga, nas zonas da Alta Sorocabana e Alta Paulista, respectivamente”.57 Em virtude disso, a história de Ourinhos está intimamente relacionada a este processo de valorização das terras do Oeste Paulista propiciada pela expansão da cultura do café e da ferrovia. Uma vez que as terras que dariam origem a Ou-rinhos pertenciam ao território de Salto Grande, conhecidas como Fazenda das

55 Cobra.,op.,cit.,p.136.

56 Love.,op.,cit.,p.20.

57 Love.,op.,cit.,p.20.

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Furnas, quando ainda desocupadas e cobertas pela vegetação nativa, estas foram no início do século XX adquiridas pela família de D. Escolástica Melchert da Fon-seca, esta era uma rica fazendeira que pertencia elite paulista, com o intuito de se tornarem uma importante reserva para uma futura expansão da cultura do café58.Além dessa posse longínqua, esta família possuía várias terras nos arredores do estado, bem como na capital, como a fazenda Gavião que posteriormente daria origem à Vila Matilde. 59

Em 11 de fevereiro de 1910, D. Escolástica vende estas terras para o mineiro Jacintho F. de Sá, que teve as mesmas valorizadas com a chegada de ferrovia e do café durante a Frente Pioneira.60 Segundo Del Rios, tal venda ocorreu por que D. Escolástica perdeu o marido e a fi lha e não tinha condições de administrar estas terras tão distantes da capital.61. Tal venda refl ete também o início de um movi-mento que ocorreria em nosso país e que aumentaria gradativamente com o pas-sar dos anos: a da ascensão social de um outro grupo, vinculado a uma pequena burguesia, que enriqueceria muitas vezes através de meios ilícitos, de negociatas ou de amizades “infl uentes”.

Tal levantamento documental realizado no cartório de Registro de Imóveis de Ourinhos nos possibilitou analisar a forma como Jacintho F. de Sá foi acumulan-do uma grande extensão de terras na região transformando-se em um dos maiores proprietário da vila de Ourinhos, quando esta foi elevada a categoria de Muni-cípio, Jacinto já havia iniciado o processo de loteamentos de suas terras situadas em pontos estratégicos da cidade, conforme pudemos verifi car nos documentos cartoriais pesquisados no cartório desta cidade.

Com a chegada da ferrovia, ocorreriam várias transformações nesta paisagem, em especial, o desenvolvimento desta pequena vila chamada de Ourinho, que em 1918, ganharia autonomia política e administrativa, sendo elevada à categoria de Município. A ferrovia trouxe também consigo conseqüências importantes para o

58 Estamos buscando documentos cartoriais que nos possibilitem fazer a reconstitu-ição desta propriedade, partindo do pressuposto de que o primeiro dono dessas terras foi o mineiro José Teodoro, ou seja, pela descrição cartorial de sua extensa propriedade contida na obra de Amador Nogueira Cobra, podemos concluir que Ourinhos ainda que de forma imprecisa pertencesse a este território.

59 Conversei com alguns moradores antigos e verifi quei em campo várias dessas homenagens espalhadas por praças e ruas do bairro da Vila Matilde.

60 No entanto, a data do registro é de 18 de fevereiro de 1910, segundo documento retirado do mesmo livro de Rios, op., cit., p.11.

61 Rios.,op.,cit.,p.17.

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Oeste Paulista, uma vez que viabilizou a exploração de áreas novas e de solos fér-teis que antes eram impossíveis devido à falta de conexão do Oeste Paulista com os outros regiões do país, de modo que estas pudessem concorrer vantajosamente com outras regiões do estado de São Paulo, como Campinas ou o Vale do Paraíba, barateando os custos com transportes. Conseqüentemente, “a abertura de enormes fazendas com seus cafezais novos selou a sorte dos cafezais antigos, cuja produtivi-dade física era apenas cerca de 50 a 80%, com relação aos cafezais novos”.62

Tal avanço em direção ao Oeste Paulista, propiciado pela expansão da Estra-da de Ferro Sorocabana, não contribuiu apenas para a formação de Ourinhos, mas também para outros municípios na região, tais como: Salto Grande(1911), Ipaussu(1915), Platina(1915), Assis(1917), Palmital(1919), Chavantes(1922), Bernardinho de Campos(1923), Cândido Mota(1923), Maracaí(1924), Paragua-çu(1924) e Quatá(1925).

6. Conclusões

A chegada da ferrovia propiciou uma série de mudanças consideráveis no espaço, a começar pela remoção da vegetação original que deu lugar os trilhos e as extensas plantações de café que se expandiam em ritmo acelerado na região, posteriormente, ao redor dos “trilhos” surgiriam dinâmicas que seriam responsáveis pelo surgimento do município. No entanto, acreditamos que seria muito importante considerar em nossa pesquisa os processos anteriores a chegada da ferrovia e do café na região para análise da ocupação no contexto da frente de Expansão e da Pioneira. Conseqüen-temente, por meio de tal análise pudemos destacar a importância que a população mineira teve na região e principalmente na própria cidade de Ourinhos. Além disso, as terras que dariam origem ao município faziam parte anteriormente do vasto ter-ritório “conquistado” por José Teodoro de Souza, no entanto, com os desmembra-mentos destas em conjunto com uma série de irregularidades estas passaram para as mãos de outras pessoas. D. Escolástica, por exemplo, adquiriu estas terras no início do século XX com o intuito de reservá-las para uma futura expansão do café. Entretanto, as vende para este mineiro empreendedor que consegue obter riqueza e prestígio, e que, por fatos ainda não esclarecidos, consegue com que o prolongamen-to da Sorocabana passe a privilegiar suas terras. Com estas propriedades valorizadas ele inicia então um novo processo de ocupação através do loteamento de pequenas parcelas de terra que dariam origem ao formato que Ourinhos possui hoje.

62 Idem,p.21.

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- CEDAP- Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa

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LARA, Patrícia Ferreira8

ARAÚJO, Helen Lima9

NASCIMENTO, Rita Alexssandra Gonçalves do10

1 [email protected]

2 [email protected]

3 [email protected]

4 [email protected]

5 [email protected]

6 [email protected]

7 helcimn_geografi [email protected]

8 [email protected]

9 [email protected]

10 alexssandragonç[email protected] Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Educação ambiental e ofi cina sobre recursos hídricos desenvolvida duran-te a I Feira Regional de Educação Am-

biental do norte de Minas Gerais em Nova Porteirinha (MG)

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ResumoA problemática das questões ambientais aumenta em larga escala, o que desperta a necessidade de realização de eventos e trabalhos de educação ambiental. Por isso, este estudo tem como objetivo relatar acerca da I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas e da aplicação da ofi cina sobre recursos hídricos, desenvolvida durante o referido evento. A Feira ocorreu a partir de iniciativas do Conselho Nacio-nal de Desenvolvimento Ambiental de Nova Porteirinha (CODEMA) e contou com a participação dos acadêmicos do curso de Geografi a da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Campus Pirapora, para o desenvolvimento da ofi cina sobre recursos hídricos. A metodologia utilizada correspondeu à revisão bibliográfi ca; pesquisa documental; planejamento da ofi cina; orçamento e aquisição dos recursos didáticos; montagem da dinâmica; execução da ofi cina; análise dos resultados obtidos e registros icnográfi cos. Apesar dos resultados da ofi cina não serem palpáveis, percebe-se que aumentou o índice de sensibilização ambiental, houve a inter-relação entre os participantes e os organizadores da ofi cina e desenvolveu aprendizados mútuos sobre a educação ambiental e a postura profi ssional acerca da temática.

PALAVRASCHAVE: Educação Ambiental; Recursos Hídricos; Nova Porteirinha; Ofi cina.

AbstractThe issue of environmental quality increases in scale, this need the events and environmental education work. This study objective relate the I Regional Envi-ronmetal Education Fair in the North of Minas Gerais and the implementation of the workshop on water resources, developed during this event. The event with initiatives of the Conselho Nacional de Desenvolvimento Ambiental de Nova Por-teirinha (CODEMA) and has participation of students of Geography, Universida-de Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Campus Pirapora, for the develo-pment of the workshop on water resources. The methodology used corresponded to the literature review, documentary research, planning workshop; acquisition of teaching resources; dynamics; implementation of the workshop; analysis of results and photographic records. The results of the workshop are not palpable, but increased the level of environmental awareness, was the interrelationship between the participants and organizers of the workshop and mutual learning on environmental education and professional attitude on this issue.

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KEY WORDS: Environmental Education; Water Resources, Nova Porteirinha; Workshop.

1. Introdução

Atualmente há diversos debates sobre o uso dos recursos naturais pelo homem. Sabe-se que a utilização da água ocorre de forma indiscriminada e, enquanto um recurso natural fi nito, indispensável para a vida e atividades humanas; é um dos temas-chave em debates nacionais e internacionais. A temática sobre recursos hí-dricos é uma das principais preocupações ambientais em função do seu uso em vá-rios setores da economia, principalmente, na indústria e agricultura; assim como por problemáticas que envolvem saneamento básico, altos níveis de poluição, des-perdício, contaminação e consumo humano.

Em escala regional, o Norte de Minas possui um dos principais cursos hídri-cos do país: o Rio São Francisco, que é alvo de várias ações impactantes como a poluição industrial e agrícola, contaminação com elementos traços e lançamento de esgotos domésticos. Toda essa problemática aponta para a necessidade de re-fl exões e busca de alternativas para a manutenção desses recursos.

No município de Nova Porteirinha, Norte de Minas Gerais, há diversos pro-blemas relacionados à contaminação da água com esgoto doméstico, agrotóxicos, assoreamento dos rios, construção de barragem e desperdício, que comprometem a qualidade dos recursos hídricos.

Uma das principais drenagens a nível local é o Rio Gorutuba, que divide a cidade de Janaúba e Nova Porteirinha e apresenta altos índices de poluição e contaminação. Portanto, torna-se necessário desenvolver junto à comunidade local trabalhos de educação ambiental e sensibilização quanto à importância dos recursos hídricos.

Diante dessa problemática a equipe de organização da I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas propôs a execução de uma ofi cina com o tema “Recursos Hídricos”. A ofi cina foi executada pelos acadêmicos do 7º Período de Geografi a (2010) da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, Campus Pirapora e procurou envolver alunos das escolas da rede pública e parti-cular, acadêmicos e a comunidade em geral de Nova Porteirinha.

Assim, o principal objetivo desse estudo é relatar acerca da I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas e a aplicação da ofi cina sobre recursos hídri-cos, que procurou ser o espaço de conhecimento, discussão, sensibilização e refl exão sobre os recursos hídricos e os diversos problemas a respeito da temática.

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2. Metodologia

A metodologia constituiu-se em três etapas principais. A primeira etapa cor-respondeu à revisão bibliográfi ca sobre recursos hídricos, poluição hídrica, edu-cação ambiental, água e saúde, entre outros; assim como pesquisa documental do Projeto da I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas; análise das propostas didáticas sobre ofi cinas e educação ambiental.

A segunda etapa foi composta pelo planejamento da ofi cina, orçamento e aqui-sição dos recursos didáticos necessários. A terceira etapa, por sua vez, constituiu na montagem da dinâmica, execução da ofi cina, análise dos resultados obtidos e registros icnográfi cos.

3. A I Feira Regional de Educação Ambiental do nor-te de Minas Gerais

A I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas Gerais foi um evento organizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Ambiental de Nova Porteirinha (CODEMA), que buscou parcerias como a Faculdade Vale do Gorutuba (FAVAG) e Prefeitura Municipal de Nova Porteirinha.

O evento contou com o apoio de algumas instituições como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) e Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG).

Essa iniciativa tinha como propósito geral realizar ações educativas na comu-nidade e nas escolas de Nova Porteirinha para promover a conscientização da preservação ambiental. Para isso desenvolveu-se um conjunto de ações interdis-ciplinares, multi-institucionais e complementares, que contou com dois focos de atuação, sendo um composto pela comunidade em geral e outro constituído pos estudantes e acadêmicos.

A Feira tinha como título “Gorutuba: um olhar para o futuro” e tema “Cons-cientização ambiental e preservação local”. A culminância do projeto ocorreu no dia 09 de Outubro de 2010, no prédio da Faculdade Vale do Gorutuba (FAVAG), situado no município de Nova Porteirinha (MG).

A I Feira Regional de Educação Ambiental buscou incorporar temas transver-sais que facilitam a inter-relação entre os conhecimentos teóricos e a realidade local. Além disso, proporcionou o desenvolvimento de competências, como a

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identifi cação das questões ambientais locais e planetárias; aquisição de conhe-cimentos que permitam sua participação ativa para a preservação e conservação do ambiente; compreensão de que o meio ambiente é patrimônio de todos e, por fi m, levantamento de propostas que estimulam transformações sócio-ambientais para a melhoria da qualidade de vida.

A Feira foi composta pela realização de diversas atividades, como: exposição de trabalhos dos alunos das escolas básicas, standes de empresas e instituições públicas e privadas (sobre reciclagem do lixo, aproveitamento de produtos orgâ-nicos, coleta seletiva, entre outros) e exposição de produtos confeccionados com materiais recicláveis. A Figura 01 mostra as barracas de exposição dos trabalhos.

Figura 01: Barracas de exposição dos trabalhos durante a I Feira de EAFonte: Pesquisa empírica (JORGE, V. C, 2010)

Uma amostra interessante corresponde à horticultura circular, implantada pela EPAMIG. Nessa horticultura não há uso de produtos agrotóxicos e os ferti-lizantes são naturais, ou seja, utiliza-se das próprias pragas para exterminar ou-

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tras (princípio da cadeia alimentar), e as hortaliças são cultivadas conforme sua resistência na natureza. Trata-se de um projeto que atende somente a demanda local, mas que, conforme a aceitação do mercado, pretende expandir e exportar as hortaliças para todo o Estado.

Durante a realização da feira houve o desenvolvimento de atividades corporais e luta de box. Estiveram presentes no evento alguns representantes do Movimen-to Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (CATAFORTE), que mostra-ram vários produtos confeccionados a partir de materiais recicláveis, tais como bolsas, caixinhas de presente e luminárias.

É indispensável destacar que o evento esteve sempre relacionado aos objetivos da Educação Ambiental propostos por Reigota (2001), que são: conscientização, co-nhecimento, comportamento, competência, capacidade de avaliação e participação.

Durante o evento houve pronunciamentos sobre educação ambiental e preser-vação do meio ambiente, como mostra a Figura 02.

Figura 02: Palestra desenvolvida durante a I Feira de EAFonte: Pesquisa empírica (ARAUJO, H. L, 2010)

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A realização de apresentações culturais com a utilização de instrumentos fei-tos com materiais recicláveis (Fig. 03) fez parte do desenvolvimento do evento.

Figura 03: Apresentação musical com instrumentos feitos com materiais recicláveisFonte: Pesquisa empírica (JORGE, V. C, 2010)

Outras atividades que fi zeram parte da I Feira Regional de Educação Ambien-tal foram ofi cinas educativas desenvolvidas pelos acadêmicos do 7º Período de Geografi a (2010) da Unimontes, Campus Pirapora. Havia duas ofi cinas com os seguintes temas: poluição urbana e recursos hídricos. A Figura 04 mostra um dos módulos da ofi cina sobre poluição urbana.

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Figura 04: Ofi cina sobre poluição urbanaFonte: Pesquisa empírica (ARAUJO, H. L, 2010)

Este trabalho, por sua vez, relata com maiores detalhes sobre a ofi cina acerca dos recursos hídricos, por isso discute sobre o seu planejamento, desenvolvimen-to e resultados obtidos.

4. Planejamento didático de educação ambiental e da ofi cina sobre recursos hidricos

O planejamento torna-se indispensável, principalmente, quando o assunto trabalhado corresponde à educação ambiental. Afi nal, a educação ambiental visa à formação pessoas capazes de inter-relacionar com o meio ambiente sem degra-dar suas características e potencialidades.

Nesse sentido, a educação ambiental deve ter como eixo norteador a problema-tização de situações reais e o conhecimento interdisciplinar sobre a realidade local. Como afi rma Obara (2005), a busca da compreensão das concepções e vivências possibilita o desenvolvimento de um conhecimento sistematizado e complexo.

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Porém, o desenvolvimento de todas as atividades deve conter um planejamen-to. Lakatos (2001) afi rma que todo planejamento deve responder às seguintes perguntas: quando, onde, quem, como, o que, por que e quanto. Assim, o pla-nejamento é capaz de nortear as diretrizes a serem praticadas. Fusari (2008 apud CASTRO, 2008) argumenta que devido à importância do planejamento nada o substitui, pois ele faz parte da competência teórica do professor e dos compro-missos com a democratização do ensino.

Diante desses pressupostos, elaborou-se o planejamento da ofi cina desen-volvida durante a I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas. Conforme Obara et al (2005) as ofi cinas pedagógicas constituem-se num espaço articulador e problematizador de diferentes situações e contextos, individuais ou coletivos, e passíveis de serem reavaliados e construídos.

As ofi cinas se caracterizam pelo caráter lúdico e criativo associando os conteú-dos didáticos, à realidade local e à problemática ambiental. O tema proposto pela organização da I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas foi sobre recursos hídricos. Para tanto, durante o planejamento a equipe procurou levantar questões sobre:

• A relevância do tema para a realidade local;• O desperdiço de água;• A relação entre água e saúde humana;• As atividades de uso e ocupação, como agricultura, pecuária e indústria,

e os riscos de contaminação da água;• Importância e escassez de água.

Percebe-se que esse tema possui relevância nacional, especialmente para a região Norte de Minas Gerais, que conforme a Superintendência Regional do Nordeste (SUDENE) corresponde ao Polígono de Seca, caracterizada por baixos índices pluviométricos, vegetação xerófi la, forte insolação e baixos indicadores sócio-econômicos.

Na cidade de Nova Porteirinha e microrregião há o desenvolvimento de diver-sas atividades de uso e ocupação, como projeto de fruticultura irrigada, agricul-tura e pecuária de pequeno porte, urbanização em áreas que legalmente deveriam ser Áreas de Preservação Permanente (APP). Há o lançamento de esgoto urbano sem tratamento nos rios, construção de barragens de contenção de água, des-matamento das matas de galeria, assoreamento dos rios, lançamento de lixo nas calhas dos rios e desperdício de água pela população civil, que contribuem para a degradação dos recursos naturais.

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Portanto, o trabalho de educação ambiental acerca do uso dos recursos hí-dricos é importante para a realidade vivenciada no município de Nova Pirapora (MG). Por isso, procurou-se desenvolver uma atividade dinâmica e participativa que envolvesse todos os participantes; além disso, procurou valorizar os conheci-mentos prévios dos alunos e estimular a participação refl exiva dos mesmos.

Defi niu-se que a ofi cina seria desenvolvida através do “Jogo de Trilhas” e o título foi “Educação Ambiental e Recursos Hídricos”. Os objetivos específi cos da ofi cina foram refl etir sobre as práticas cotidianas de uso e preservação dos recur-sos hídricos, enquanto sujeitos ambientais e sociais, especialmente no município de Nova Porteirinha (MG); e por fi m, desenvolver o espírito crítico sobre a im-portância dos recursos hídricos para a manutenção da vida, enquanto um bem de domínio público, não renovável e constituído de valor econômico.

A metodologia utilizada no desenvolvimento da dinâmica foi composta de perguntas sobre a temática e atividades práticas coletivas. Os recursos didáti-cos utilizados foram: fi ta adesiva branca, cartolina, pincel atômico, marcador de quadro branco, fi guras sobre recursos hídricos preservados e poluídos, fi cha de perguntas, informações e atividades lúdicas, letra de músicas (Planeta Azul e O Sertão Vai Virar Mar), CD de músicas, laptop, caixa de som, caneta, papel A4 e dado. O parâmetro utilizado para avaliar o rendimento da ofi cina foi a participa-ção dos presentes entre si e com os organizadores da ofi cina..

5. A ofi cina educação ambiental e recursos hídricos

A ofi cina “Educação Ambiental e Recursos Hídricos” buscou atender às pro-postas da educação ambiental a partir da associação entre a educação formal e não formal. Afi nal, segundo a linha de pesquisa que defende a atuação de uma educação ambiental crítica e transformadora, é relevante questionar:

O que falta no processo educativo para que venha este mundo melhor? Um caminho percebido por esta pers-pectiva crítica é o da participação do ambiente educativo para além dos muros da escola superando a fragmentação e a dualidade que tradicionalmente não se completam en-tre educação formal (escolar) e não formal. É o processo educativo de a escola estar integrada, interagindo com os movimentos externos a ela, presentes nas comunidades. (GUIMARÃES, 2007)

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A integração da escola com a comunidade transforma a “educação formal” em uma educação crítica capaz de incentivar a leitura da paisagem e a modifi cação da mesma pela ação antrópica e por processos “naturais” que estão intimamente ligados aos impactos causados pelas atividades desenvolvidas pelo homem.

Percebe-se que a metodologia e os recursos didáticos utilizados são simples e corresponde a uma alternativa lúdica, dinâmica e participativa de despertar o conhecimento sobre os recursos hídricos e promover a sensibilização sobre a importância de preservação ambiental.

Para o desenvolvimento da ofi cina a equipe elaborou a trilha no piso da sala (Fig. 05), enumerou algumas “casas” para representar as perguntas e escreveu as letras do alfabeto em outras “casas” para representar as atividades práticas que a equipe devia desenvolver. Em seguida afi xou as fi guras selecionadas ao longo de toda a trilha.

Figura 05: Confecção da trilha de jogos pela equipe organizadoraFonte: Pesquisa empírica (JORGE, V. C, 2010)

A realização da ofi cina ocorreu a partir da subdivisão de tarefas pela equipe, nesse caso, havia os animadores, os organizadores das equipes, a porteira, os fo-tógrafos, os auxiliares dos animadores e a oradora das perguntas e dinâmicas.

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Após a formação de um grupo de pessoas, os mesmos eram credenciados e se organizavam na sala de ofi cinas. A Figura 06 o processo de credenciamento dos participantes da ofi cina.

Figura 06: Credenciamento dos participantes da ofi cina sobre recursos hídricos.Fonte: Pesquisa empírica (JORGE, V. C, 2010)

As pessoas interessadas em participar da ofi cina possuíam faixas etárias diver-sifi cadas, gênero diferentes, condições fi nanceiras e níveis de escolaridade variá-veis. Por isso, os organizadores da ofi cina deviam saber lidar com as diferenças e estimular a participação coletiva.

Foram realizados cinco módulos de ofi cina compostos por números diversifi cados de participantes da ofi cina, conforme a demanda, desde que o resultado fi nal formasse número par de integrantes. Em cada módulo o animador estimulava a formação de duas equipes e procurava promover a aproximação entre os mesmos para criar o es-pírito de grupo e competitividade sadia. Explicava-se o objetivo da dinâmica e como ela funcionava e, posteriormente, solicitava que cada equipe criasse um nome para representá-los, entre as principais equipes, destaca-se: Romário x Virgínia, Panteras Verdes x 3VMP, Feras Ambientais x Domadores de Feras Ambientais, Sem Noção x Os Caras de Pau e, por fi m, Arara Azul x Vibradores.

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Cada equipe escolhida um representante que devia jogar o dado e percorrer a trilha. Todas as perguntas ou dinâmicas poderiam ser desenvolvidas por todas as pessoas das equipes. Para iniciar o jogo os representantes das equipes tiravam a sorte no “impar ou par” e o vencedor jogava o dado e percorria o número de “casas” indi-cado. A Figura 07 mostra os representantes da equipes percorrendo a trilha.

Figura 07: Representantes da equipes “Romário” e “Virgínia” percorrendo a trilhaFonte: Pesquisa empírica (ARAÚJO, H. L, 2010)

Quando a “casa” da trilha era representada por um número a equipe devia res-ponder uma pergunta sobre os recursos hídricos, sua importância e forma de evitar o desperdício. A Figura 08 exemplifi ca uma equipe respondendo uma questão.

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Figura 08: Equipe “Panteras Verdes” respondendo perguntas sobre recursos hídricos

Fonte: Pesquisa empírica (ARAÚJO, H. L, 2010)

Caso a “casa” da trilha fosse preenchida por uma letra do alfabeto, a equipe devia desenvolver uma dinâmica, como por exemplo, criar um grito de guerra, cantar uma música, fazer uma mímica, elaborar uma paródia, entre outros. A Figura 09 mostra uma equipe apresentando a paródia e coreografi a elaborada por eles.

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Figura 09: Equipe “Sem Noção” apresentando a paródia e coreografi a sobre os recursos hídricos

Fonte: Pesquisa empírica (SOUZA, F. C. R, 2010)

A equipe que alcançasse primeiro a chegada era a vencedora. A partir da análise crítica do desenvolvimento das ofi cinas desde o primeiro ao último módulo é possí-vel fazer algumas considerações. Houve uma evolução gradual no desenvolvimento da dinâmica e percebe-se que nas primeiras ofi cinas a interação entre os participan-tes era pequena e se desenvolvia de forma simples e tímida, mas à medida que foram desenvolvidos os outros módulos, a interação tornou-se maior e a participação nas atividades propostas passou a envolver todas as pessoas do grupo.

Ressalta-se que os resultados do projeto não foram palpáveis, visto que se en-contra em um campo que vai além de análises visíveis, entrando no universo do subjetivo. Para tanto, Loureiro (2007) afi rma que:

(...) o cerne da educação ambiental crítica é a problemati-zação da realidade, de novos valores, atitudes e comporta-mentos em práticas dialógicas. Ou seja, aqui conscientizar só faz sentido se for no sentido posto por Paulo Freire de “conscientização”: de processo de mútua aprendizagem

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pelo diálogo, refl exão e ação no mundo (...) conhecendo para transformá-lo e, ao transformá-lo, conhecê-lo.

Compreende-se que a ofi cina ao levantar questionamentos à comunidade fez com que os mesmos praticassem uma auto-avaliação sobre suas práticas cotidia-nas relacionadas ao meio ambiente. Portanto, a ofi cina visou criar espaços para a refl exão crítica e a mudança de comportamento dos sujeitos envolvidos.

Por fi m, constata-se que entre as teorias didáticas sobre educação ambiental e a prática há algumas variáveis, que exigem do profi ssional dinamismo e fl exi-bilidade para utilizar os desafi os como instrumentos de construção da aprendi-zagem. Nesse sentido, o profi ssional aprende e ensina, educa e se reeduca, o que contribui para que mudanças de comportamento ocorram. A Figura 10 mostra a interação entre a equipe organizadora da dinâmica e os sujeitos da mesma.

Figura 10: Equipes “Vibradores” e “Arara Azul” juntamente com algumas pes-soas da equipe organizadora da ofi cina

Fonte: Pesquisa empírica (ARAÚJO, H. L, 2010)

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Registra-se que a ofi cina “Educação Ambiental e Recursos Hídricos” realizada durante a I Feira Regional de Educação Ambiental do Norte de Minas Gerais con-tribuiu signifi cativamente para a realização do trabalho de educação ambiental, assim como para o amadurecimento dos acadêmicos organizadores, enquanto futuros profi ssionais.

6. Considerações fi nais

A Feira e a ofi cina representaram na comunidade de Nova Porteirinha a opor-tunidade de desenvolvimento de novos trabalhos que possam ir além da refl exão e se concretize através de ações diretas para sanar os problemas ambientais. Afi -nal, primeiramente é necessária a refl exão para que posteriormente haja a atuação positiva vinda de diversos âmbitos da sociedade com o intuito de proporcionar uma melhor qualidade de vida para a população como um todo.

O evento ofereceu oportunidade para troca de experiências, conhecimentos e refl exões sobre a temática ambiental. A ofi cina “Educação Ambiental e Recursos Hídricos”, por sua vez, correspondeu a uma forma lúdica e dinâmica de refl etir sobre a problemática hídrica e as ações que podem ser praticadas cotidianamente para preservar esse recurso natural.

Além da interatividade entre os participantes do grupo e os coordenadores das ofi cinas, houve também experiências diversifi cadas de postura, dinamismo e criatividade em cada módulo desenvolvido, os quais exigiram da equipe organi-zadora uma postura diferenciada de atuação.

Assim, conclui-se que, a Feira e a ofi cina contribuíram para o aprendizado de todos os envolvidos. Afi nal, os organizadores da ofi cina ampliaram os conheci-mentos sobre a questão ambiental, assim como, sobre o planejamento e execução de atividades de educação ambiental.

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ORLANDO, Paulo Henrique Kingma1

ResumoA Bacia do Rio Paraibuna está situada na zona da mata mineira e em território fl uminense. A área era coberta por uma vegetação fl orestal densa e compacta, catalogada como uma vegetação fl orestal semí-decídua. O relevo movimentado, as falhas geológicas, as cachoeiras e os trechos de águas calmas com suas planícies alveolares foram e são uma marca das paisagens dessa bacia. Sua Ocupação foi marcada por fases distintas que revelaram uma interação particular dos novos habitantes com o meio e sua respectiva dinâmica. A ocupação da Bacia do Rio Pa-raibuna esteve marcada pelos assentamentos ao longo do caminho novo, expan-são dos cafezais vindos do Vale do Paraíba do Sul e pecuária leiteira, no campo, e industrialização e comércio e serviços nas cidades. As mudanças ocorridas nas paisagens na Bacia do Rio Paraibuna revelam alterações na dinâmica do meio. O estudo buscou mostrar que as transformações nas paisagens da bacia e na dinâ-mica do meio foram se forjando através do processo de “produção” do espaço geográfi co que teve como motor as atividades econômicas ali exercidas. Mostrar a realidade espacial e os processos de gestão ambiental e das águas em curso torna-se importante para a inversão do processo de degradação ali presente.

1 Prof. Dr. Universidade Federal de Goiás – Campus de Catalão - [email protected]

A bacia hidrográfi ca do rio Paraibuna “Mineiro”: Produção do espaço, dinâ-

mica hidrológica e gestão das águas em curso

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PALAVRAS CHAVE: Produção do Espaço; Bacia do Paraibuna; Gestão Hídrica

AbstractThe Parabuina river basin is located in the Zona da Mata Mineira and also in fl uminense territory. This area was covered by a dense and compacted forest vegetation, acknowledged as being a semi deciduous. The changed landform, the geological fault, waterfalls and some calm waters along the way, with plains have always been a landscape feature of this basin. The process of occupation went through different stages revealing a particular interaction between the new inhabitants, the environment and the resulting dynamics. The occupation of the Paraibuna was marked by the settlement along the new way, that means, expan-sion of the coffee cropping come from the Paranaiba Sul Valley, and in addition to that, milk-cattle raising in countryside – industrialization, trade and services in the city. The changes regarding the Paraibuina river drained basin reveal the alte-rations in that environment. This study revealed that landscape transformations in the basin and in its environment dynamics were forged through the space “pro-duction” process and all that was triggered by the economical activities developed over there. Showing the existing spatial reality and how water and environment are managed is an important tool, so that, degradation may be reversed.

KEY WORDS: Production of Space, Paraibuna basin; Water management

1. Introdução

Uma das grandes questões colocadas para a comunidade mundial e a socieda-de brasileira nas últimas décadas do século XX foi o modelo de crescimento econô-mico vigente, que, pautado numa lógica da produção de mercadorias sem limites e nem sustentabilidade, veio acumulando atrás de si uma enorme degradação dos ambientes. Tal degradação, sem fronteiras nacionais, comprometeu a sustentabili-dade de vários ecossistemas nas mais diversas escalas e partes do mundo.

No Brasil, não obstante seu passado colonial com seus ciclos econômicos que tamanhas perdas trouxeram para a biodiversidade das espécies da Mata Atlân-tica, o século XX veio marcar um novo período na apropriação e utilização dos recursos naturais. Com o movimento de industrialização do país, intensifi cado na Era Vargas, e a contínua ocupação dos vastos estoques territoriais dos sertões brasileiros, expandiram-se tanto as atividades produtivas da indústria como as

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da agropecuária nacional. Nesse processo a industrialização concentrada no eixo Rio - São Paulo veio logo colocar o Vale do Rio Paraíba do Sul como uma das áreas mais críticas em termos de poluição das águas e de degradação ambiental. Área essa que já sofrera com o desenvolvimento de uma cafeicultura baseada em técnicas inadequadas às condições do meio.

É dentro desse cenário que se encontra a Bacia do Rio Paraibuna banhando território mineiro (maior área) e fl uminense. Como importante afl uente da mar-gem esquerda do Rio Paraíba do Sul, teve processos análogos aos desse último no tocante à apropriação e ocupação das terras de sua bacia sendo a paisagem domi-nante os morros desfl orestados hoje cobertos por pastagens de espécies exóticas. Nos núcleos urbanos, geralmente confi nados aos fundos de vale, intensifi caram-se as mudanças no comportamento da dinâmica dos ambientes, surgindo como principais questões a serem resolvidas: a erosão e os movimentos de massa nas vertentes degradadas por ocupações desordenadas; as enchentes e inundações nas áreas próximas aos cursos de água exprimidos pelas construções em terrenos de várzeas e a poluição dos córregos e rios urbanos utilizados para afastar os es-gotos domésticos e industriais.

Do exposto objetiva-se realizar uma análise de como ocorreu a produção do espaço na Bacia do Rio Paraibuna, suas implicações na mudança da dinâmica hidrológica e ambiental da área e discorrer sobre a gestão hídrica em curso.

2. A área em estudo

A Bacia do Rio Paraibuna, localizada na Zona da Mata Mineira e terras fl umi-nenses adjacentes (ver Figura 01), teve seu espaço produzido por períodos históri-cos que se sucederam, podendo ser destacados a onda cafeeira que invadiu o vale do Rio Paraíba do Sul e de seus afl uentes desde as primeiras décadas do século XIX até as décadas iniciais do século XX e o processo de industrialização do eixo Rio – São Paulo e áreas vizinhas já no século XX, notadamente em sua última metade. Soma-se a esse quadro uma pecuária extensiva, que veio na esteira do abandono das terras pela cafeicultura.

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Figura 1. Localização da Bacia do Rio Paraibuna na Bacia do Rio Paraíba do Sul.

O Rio Paraibuna nasce na Serra da Mantiqueira, a cerca de 1200 metros de altitude e percorre aproximadamente 166 km, dos quais 44 km como divisa natural dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, até desaguar na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul a 250 metros de altitude, com uma vazão média de aproximadamente 200m³/s. A declividade média do Rio Paraibuna é bastante variada, nos 4 km iniciais atinge valores máximos da ordem de 70m/km. Já no trecho urbano de Juiz de Fora a declividade média é da ordem de 1,0m/km e à jusante do município de Matias Barbosa até o encontro com o Rio Paraíba do Sul é da ordem de 5,0m/km (FEAM, 1996).

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3. Metamorfoses espaciais na Bacia do Rio Parai-buna “Mineiro”

Num primeiro momento devemos assinalar que as mudanças espaciais ocorridas na Bacia Hidrográfi ca do Rio Paraibuna jamais poderiam se dar através de eventos circunscritos apenas a essa unidade de área. O que foi produzido e está sendo pro-duzido na Bacia do Rio Paraibuna é resultado de acontecimentos e dinâmicas sócio-espaciais do passado e da atualidade em outras escalas geográfi cas de análise, como o povoado, a cidade, a região, o país etc., conforme propostas por Smith (1988).

Assim, a produção do espaço geográfi co na Bacia do Rio Paraibuna relaciona-se aos acontecimentos mundiais, nacionais e regionais que marcaram a história das terras brasileiras desde sua colonização, ou até mesmo antes, quando, prova-velmente, por ali passavam indígenas à procura de caça e alimentos e/ou planta-vam pequenas roças.

É importante, antes de avançarmos, lembrar que hoje nessa porção espacial as pai-sagens mostram as alterações cumulativas relativas às temporalidades justapostas, que se confi guram na atualidade naquilo que Milton Santos denominou de rugosidades.

4. O ambiente da Bacia do Paraibuna

Antes da chegada dos primeiros povoadores, não nativos, essa área era coberta por uma vegetação fl orestal bastante homogênea e compacta, catalogada como uma fl oresta semi-decídua (VAN KEULEN, 1974). Quando Valverde (1958) es-tudava a região encontrou extrema semelhança desse manto fl orestal com aquele que predominava na região do médio vale do Rio Paraíba do Sul.

O ambiente físico-natural da Zona da Mata Mineira pode ser descrito no seu aspecto morfológico como uma área de relevo movimentado, com altitudes entre 300 e 1000 metros, em sua maior parte coexistindo cursos d’água que apresentam trechos encachoeirados e trechos de águas “calmas.” Entretanto, a complexidade morfológica desse meio faz surgir a cada novo ponto de observação uma paisa-gem diferente, notadamente em seu aspecto morfológico. Essa complexidade foi observada e analisada por F. Ruellan2 que iluminou de forma magistral a geomor-fologia do leste da Mantiqueira que assim foi apresentada por Valverde (1958):

2 RUELLAN, F. Estudo preliminar da geomorfologia do leste da Mantiqueira, p. 5-17.

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O planalto da Mantiqueira forma estruturalmente um anti-clinorium, isto é, uma vasta superfície em que as camadas podem tomar mergulho e direções diversas, mas no conjunto formam um arqueamento convexo para o alto. Na extremi-dade voltada para sudeste, suas camadas se continuam for-mando um sinclinal muito fechado no vale do Paraíba [...]. No vale do Paraíba e na Mantiqueira predomina o gnaisse xistoso, ao qual, nesta última, os geólogos atribuem idade algonquiana [...]. O traço distintivo dessa orogenia presumi-velmente mais nova é a virgação das camadas de gnaisse, que se torna manifesta na Zona da Mata. De fato, na parte sul da região as direções das cristas são francamente WSW-ENE, e à medida que vai para norte, vão passando gradual-mente para o azimute SSW-NNE, que é a direção geral da costa do Brasil, que, da Planície Goitacá até Salvador, toma visivelmente o mesmo rumo. Na sua parte ocidental, o pla-nalto da Mantiqueira forma a região vulgarmente denomi-nada sul de minas, com altitudes sempre superiores a 1000 metros. Tal não acontece na parte oriental, em que a serra da Mantiqueira sofreu, entre os maciços de Itatiaia e Caparaó, um afundamento em forma de sela, que tem feição de uma dobra de fundo, de grande raio de curvatura, esse afunda-mento provocou fraturas radiais nem sempre paralelas, mas com predominância da direção NW-SE. Essas fraturas foram aproveitadas pelos afl uentes da margem esquerda do Paraí-ba do Sul, do Paraibuna inclusive para jusante: o Pomba, o Muriaé, por exemplo, os quais trespassam os alinhamentos de cristas por meio de gargantas e foram regularizar os seus perfi s e ampliar as suas bacias de drenagem muito para o interior. Com isso, fi zeram regredir muito a escarpa da Man-tiqueira, que se infl ete para nordeste, em direção ao centro de Minas. (VALVERDE, 1958, p. 10-12).

Essa brilhante síntese feita por Orlando Valverde após consultar Ruellan,3 de-monstra com clareza a geomorfologia onde se encontra a Bacia do Rio Paraibuna. O relevo, as falhas, as cachoeiras, os trechos de águas calmas com suas planí-cies alveolares são uma realidade na Bacia do Rio Paraibuna, o mais importante afl uente da margem esquerda do Rio Paraíba do sul.

3 RUELLAN, F. Estudo preliminar da geomorfologia do leste da Mantiqueira, p. 5-17.

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Nesse cenário acrescente-se ainda a dominância de latossolos vermelho-amare-los, argilo-arenosos, profundos e ácidos e a atuação de um clima tropical de altitude com verões quentes a amenos e com duas estações diferenciadas pelas precipita-ções: outubro–março, chuvoso; abril–setembro, mais seca; fi cando a média anual das precipitações em torno de 1536 mm anuais na bacia4. Ab`Saber (1966) destaca a presença extensiva na área de latossolos nas vertentes e interfl úvios dos morros arre-dondados, desenvolvidos sobre depósitos de cobertura elúvio-coluviais posteriores às stone lines ou sobre os regolitos das rochas cristalinas ou cristalofi lianas.

Ainda, destaca que nesta área existe um equilíbrio sutil da dinâmica ambien-tal entre os processos morfoclimáticos, pedológicos, hidrológicos e biogênicos (predomínio da biostasia), contudo, ocorre o rompimento rápido desse estado de equilíbrio, quando o ambiente está sujeito a ações antrópicas predatórias (predo-mínio da resistasia). Assim, exemplifi ca como área central do domínio dos “mares de morros”, citando as paisagens do médio vale do Rio Paraíba do Sul, área core da produção cafeeira no Brasil, ou seja, exatamente a área objeto de estudo, a Bacia do Rio Paraibuna , situada no médio vale do Rio Paraíba do Sul.

5. Os procedimentos de pesquisa

Os procedimentos adotados neste trabalho partiram da caracterização da área da Bacia Hidrográfi ca do Rio Paraibuna, realizada através da observação de cartas, mapas e leitura de fontes escritas. Em seguida procurou-se realizar uma pesquisa para reconhecer a dinâmica ocorrida na bacia durante os vários períodos históri-cos que ali deixaram suas marcas. Neste particular partiu-se da idéia de que as co-munidades que ali viveram acabaram por produzir um espaço geográfi co singular, fruto de sua interação com o ambiente físico pré-existente. No seguinte momento procurou-se revelar as alterações ocorridas no meio e as dinâmicas ambientais daí decorrentes. Por fi m buscou-se revelar a gestão hídrica que vem sendo realizada na bacia com suas contradições, avanços, desafi os, limites e perspectivas.

5.1. Da mineração aos cafezais A ocupação da região da Zona da Mata Mineira e, por conseqüência, da Bacia

do Rio Paraibuna, ou seja, a produção do espaço, ocorreu sob a orientação dos povos vindos do continente europeu. Certamente, um fato importante foi o Ciclo

4 Dados da estação climatológica principal de Juiz de Fora - 5º DISME - Distrito de Meteorologia constantes no PDJF, 1996.

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do Ouro nas “Gerais”, notadamente, com o advento da abertura do Caminho Novo, ligando as Minas à corte, no Rio de Janeiro; caminho que era a nova rota do ouro das minas ao litoral, cidade do Rio de Janeiro.

Oliveira (1994), dentre outros historiadores, aponta que só a partir do desenvol-vimento da mineração aurífera na região central de Minas Gerais, no início do século XVIII, é que a Zona da Mata começou a fi gurar como território desbravado.

Em Minas Gerais, durante o período minerador, por volta de 1703, foi construída uma estrada chamada caminho novo. Esta ligava a região das minas ao Rio de Janeiro, facilitando o transporte do ouro extraído. Assim, a Coroa Portuguesa tentava evitar que o ouro fosse contrabande-ado e transportado por outros caminhos, sem pagamento dos altos tributos, que incidiram sobre toda extração. O Caminho Novo passava pela Zona da Mata Mineira e, des-sa forma, permitiu uma maior circulação de pessoas pela região, que anteriormente era habitada por poucos índios. (OLIVEIRA, 1994, p. 18).

Com a abertura do Caminho Novo surgem dois registros na Zona da Mata Mineira, notadamente no Vale do Rio Paraibuna, mais precisamente em suas mar-gens. A da então capitania de Minas Gerais, Matias Barbosa, e a da capitania do Rio de Janeiro, Paraibuna. Note-se também que a produção do espaço da Zona da Mata Mineira e da Bacia do Rio Paraibuna tinha como motor as relações econô-micas que se davam entre a colônia, o Brasil, e o império, Portugal, relações essas inseridas no capitalismo mercantil monopolista da época.

Pelo Caminho Novo, as tropas de muares iam do Rio de Janeiro às Minas, levando suprimentos, e faziam o percurso contrário, levando o ouro para ser em-barcado para Portugal. Nessa época, primeira metade do século XVIII, os pousios do Caminho Novo cresciam e ao seu redor se desenvolviam roças para suprir as tropas (VALVERDE, 1958).

É de se supor, entretanto, que esses incipientes povoados não se afastavam da beira do Caminho Novo pela sua função de pousio e abastecimento, o que não requeria alargar as atividades para longe do seu traçado, a via de comunicação efetiva da região àquela época.

Mas, a partir de 1750, a mineração entra progressivamente em declínio e com ela todo o sistema construído para dar-lhe suporte. O quinto, instituído no auge da mineração, sobrecarregava cada vez mais os mineiros diante da crescente es-cassez do precioso metal. Assim, a mineração começa a ser deixada de lado por

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muitos trabalhadores, que partem em busca de novas atividades como a agricul-tura e a pecuária (CIVITA, 1971).

Com o declínio progressivo da economia mineira, um contingente de migran-tes veio das minas fomentar a ocupação da Zona da Mata Mineira, eram antigos mineradores que procuravam na agricultura e na pecuária uma nova forma de trabalho e sustento.

No período que transcorre do fi nal do século XVIII a meados do século XIX a Zona da Mata Mineira e sua incipiente infra-estrutura e povoamento, surgidos ao longo do Caminho Novo , parecem ter vivido um período pouco dinâmico.

Assim se faz crer, pela existência, nos escritos dos historiadores regionais, muito mais de fatos restritos ao cotidiano do que aqueles que poderiam denotar uma movimentação social e econômica.

A economia mineira, após ter experimentado grande cres-cimento durante o Ciclo da Mineração, vive um período relativamente longo de estagnação, do qual somente se re-cuperará com o desenvolvimento da cafeicultura. (GIROL-LETI, 1988, p. 24).

Com a chegada da cafeicultura, o panorama regional foi completamente trans-formado e uma nova dinâmica sócio-econômica toma conta de toda a região.

A partir da terceira década do século XIX, a lavoura cafeeira se desenvolve em território mineiro, em especial na Zona da Mata. O café, o “ouro verde”, que vinha subindo o vale do Paraíba transpõe os limites da província do Rio de Janeiro e alcança a região da Zona da Mata Mineira através do vale do Rio Paraibuna. Dessa forma estava encontrada a solução para a economia que permaneceu paralisada desde o esgo-tamento das “Minas de Ouro”. (CIVITA, 1971, p. 188).

A cultura de café na Zona da Mata Mineira vai ser análoga a que predominava no Vale do Paraíba, ou seja, baseada no trabalho escravo, no latifúndio e dominada por uma aristocracia luso-brasileira. As paisagens das fazendas de café vão ser singulares: nas encostas mais altas fi cam as matas, nas inferiores as lavouras de café, nos vales, a sede das fazendas, as estradas, enfi m a paisagem humanizada (VALVERDE, 1958).

Assim, estava montado um padrão de produção do espaço geográfi co na Bacia do Rio Paraibuna por ocasião da chegada dos cafezais às terras mineiras e fl umi-nenses. Interessante notar é o assinalado por Girolleti (1988) quando fala da pou-

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ca atenção dada por alguns historiadores a essa cafeicultura que se desenvolveu na região, pois como veremos adiante a mesma teve vulto e induziu importantes processos sócio-espaciais ocorridos na área, com refl exos na atividade econômica do Império e mais tarde da República brasileira.

Nesse particular todas as evidências apontam para as lavouras de café subindo o Vale do Rio Paraibuna a partir de sua foz no Rio Paraíba do Sul; assim é que o próprio Valverde (1958) reconhece que na década de (18)30, as lavouras de café, já existentes nos arredores de Matias Barbosa e de Juiz de Fora, ambas no Vale do Paraibuna, já tinham se deslocado para leste, Mar de Espanha, e em 1850 já ocupavam as terras a sudoeste no Vale do Rio Preto, reforçando a ocupação inci-piente, nesse vale, já realizada em 1830.

Valverde (1958) ainda nos informa que:

A Zona da Mata jamais conheceu cafezais muito extensos; nada que se assemelhasse à paisagem do mar de café do planalto paulista. As culturas embora numerosas ocupavam áreas relativamente pequenas. São formadas à custa do solo vegetal cuja mata é derrubada. (VALVERDE, 1958, p. 15).

Um fato conhecido nas terras mineiras e fl uminenses próximas à Zona da Mata é que ali o padrão de ocupação sempre precedeu os trilhos das ferrovias, ao con-trário de outras áreas do Brasil. Segundo Oliveira (1994), as fazendas da época não eram exclusivamente de café, nelas outras atividades também eram desenvolvidas, como o cultivo em roças de alimentos como o arroz e, principalmente, o feijão e o milho. Essa autora ainda informa que se encontravam também nessas fazendas engenhos de cana e os tradicionais moinhos de fubá.

5.2. Dos cafezais ao núcleo urbano mais dinâmico: Juiz de ForaGirolleti (1988) aponta para o dinamismo econômico produzido pela cafei-

cultura na região que teve como conseqüência uma crescente urbanização de alguns povoados regionais como a então Vila de Santo Antônio do Paraibuna, hoje, cidade de Juiz de Fora.

Em acordo com o exposto por Domingos Girolleti, Oliveira (1994) traduz de forma bem objetiva o que se passava na então Vila de Santo Antônio do Paraibuna:

Essa cafeicultura, que fl oresceu ao redor de Santo Antônio do Paraibuna, transformou a vila no principal núcleo urba-no da região. Nela, a produção das fazendas se concentrava

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para ser transportada e comercializada na corte, na cidade do Rio de Janeiro. Além de se constituir em local onde se encontravam os variados gêneros de subsistência, possuía, também, funções sociais e culturais. Como ponto de partida de famílias para lazer e diversão. (OLIVEIRA, 1994, p. 22).

Se a região da Zona da Mata Mineira se desenvolvia em ritmo acelerado com os capitais vindos da cafeicultura, os seus povoados mais dinâmicos eram os locais onde esses capitais se concentravam e onde o desenvolvimento era maior. Assim, por iniciativa do cafeicultor e, mais tarde industrial Mariano Procópio Ferreira Lage, foi construída, na década de (18)50 a Estrada União Indústria, ligando Juiz de Fora à corte, no Rio de Janeiro, fi gurando a partir de então como a principal via de sua época e um dos elementos que mais dinamizou a economia da Zona da Mata Mineira, em especial a cafeicultura (OLIVEIRA, 1994).

Como nos informa Giroletti (1988), no fi nal do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a lavoura cafeeira entra em crise. A abolição da escravatura em 1888 tinha, de certa forma, desorganizado a produção nas fazendas e reduzido a rentabilidade geral do setor. Somava-se a isso o esgotamento dos solos e as crises de superprodução.

O advento da abolição da escravatura em 1888 trouxe algu-mas mudanças nas bases da economia da Mata Mineira. Se por um lado liberava uma população para formar um mer-cado consumidor, por outro, em curto prazo, desorganizava a produção nas fazendas trazendo repercussão à economia como um todo. (GIROLLETI, 1988, p. 123).

Um outro fator que vinha pressionando a cafeicultura mineira eram as novas frentes dessa cultura no estado de São Paulo, estabelecendo uma concorrência comercial e por mão de obra (OLIVEIRA, 1994).

Igualmente, nota-se que a cafeicultura na Zona da Mata caminhou em geral das áreas mais ao sul para leste e nordeste, onde, ainda hoje, o café tem papel importante na economia, como é o caso da área de Manhuaçu e vizinhanças, nor-deste da Zona da Mata Mineira. Mas na região de Juiz de Fora a lavoura cafeeira, que possibilitou o acúmulo de capitais e proporcionou em boa medida o processo de industrialização, desaquecia já no fi nal do século XIX.

Já nessa época os solos, antes produtivos, se encontravam exauridos por um uso constante de uma única cultura, sem a adoção de um manejo adequado do solo à topografi a e ao clima.

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A partir da diminuição gradativa da cultura cafeeira, a paisagem se modifi ca, pois a pecuária vai aos poucos tomando o lugar do café, até que acaba por se sobrepor a este, principalmente, na parte sul da Zona da Mata, Bacia do Paraibuna, onde o café chegou primeiro e promoveu, mais rapidamente, o esgotamento do solo.

Essa zona, segundo o autor, caracteriza-se pelo predomínio de uma pecuária ex-tensiva de um gado mestiço (holandês com zebu), voltada para a produção leiteira. Muitas cooperativas leiteiras foram criadas, e até hoje atuam nessa área, não só bene-fi ciando o leite, mas também produzindo derivados como queijos e manteiga, dentre outros, que são consumidos regionalmente e na cidade do Rio de Janeiro.

A história regional da Zona da Mata (incluindo todas as terras da Bacia do Rio Paraibuna) com seus povoados e cidades foi marcada por fases econômicas distintas, nas lavras, no campo e nas cidades, que comandaram o processo de povoamento e defi niram a forma de apropriação e uso–ocupação do solo, ou seja, a maneira como o espaço foi produzido, denotando diferentes relações sócio-espaciais.

Destacamos Juiz de Fora, dentre as demais cidades localizadas na Bacia do Pa-raibuna, por ser essa cidade a de maior importância e a que mais profundamente infl uenciou a produção do espaço nessa citada unidade espacial.

Contudo, outras cidades demonstram importância na produção do espaço na ba-cia. Certamente, uma infl uência muito distante da exercida por Juiz de Fora, notada-mente, pela separação entre o poder político e econômico dessa última das demais.

A cidade de Juiz de Fora, principal núcleo, era tão dinâmica que na década de (19)20 foi considerada a “Manchester Mineira”, alusão à cidade industrial inglesa de Manchester. Esse processo sofreu após a década de (19)30, altos e baixos e foi acompanhado por uma maior diversifi cação das atividades exercidas nesse centro urbano (OLIVEIRA, 1994).

Essa diversifi cação é assinalada por Mattes et al. (1985), que aponta para um crescimento acelerado do setor terciário, em razão do esvaziamento econômico das cidades periféricas, provocada pelo intenso êxodo rural.

Observa-se na atualidade que a cidade de Juiz de Fora possui uma economia diversifi cada, destacando-se as atividades do ramo industrial e aquelas ligadas ao comércio e serviços, fi rmando assim cada vez mais seu papel de centro regional de vasta área que se estende desde o território mineiro até o vizinho estado do Rio de Janeiro.

5.3. Uso das terras na bacia A Tabela 1 traz a área total da Bacia do Rio Paraibuna, bem como sua distribui-

ção em termos quantitativos entre os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

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Tabela 1 – Bacia do Rio Paraibuna e sua área nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro

BACIA DO RIO PARAIBUNA

Estado Área em km²Minas Gerais 6.859Rio de Janeiro 1.693

Total 8.552Fonte: LABHID/COPPE/UFRJ, 2002 e BRASIL, MMA;

MINAS GERAIS, SEMAD; IGAM; UFJF, 1998.

Desses dados e considerando que mais 71 % da população da bacia, acima de 500.000 habitantes5, estão na cidade de Juiz de Fora podemos verifi car a impor-tância dessa cidade na análise do que ocorre na bacia.

Um fato, entretanto, há de se considerar: mesmo os municípios de porte me-nor, aqui considerados como aqueles com menos de 15.000 habitantes, se con-fi guram, principalmente quando suas sedes municipais se encontram às margens do Rio Paraibuna ou de seus afl uentes, como áreas de intenso metabolismo entre o espaço produzido e as derivações ambientais observadas. Em verdade são pontos potenciais para a existência de fontes pontuais de poluição e contaminação das águas através de atividades comerciais e indústrias que lançam seus efl uentes sem tratamento nos cursos d’água bem como do despejo dos esgotos urbanos.

Com uma população residente de 704.213 habitantes6, essa porção espacial abriga numerosas atividades produtivas, tanto no campo como nas cidades, daí advindo um metabolismo com a dinâmica do meio que tem provocado nesse último derivações signifi cativas.

É importante salientar que os municípios que mais relação têm com essas de-rivações são aqueles cujas sedes municipais se encontram dentro da bacia, pois os demais, com suas cidades, interferem de forma bem mais intensa em outras bacias hidrográfi cas, como é o caso dos municípios do estado do Rio de Janeiro voltados diretamente para a área de drenagem do Rio Paraíba do Sul, em terras fl uminenses.

Por fi m toda essa malha de municípios e suas respectivas sedes encontram-se distribuídos na Bacia do Paraibuna segundo os seus afl uentes, destacando-se o Rio do Peixe, o Rio Cágado e o Rio Preto.

5 Ver dados produzidos para a bacia em 2005 na tese Produção do Espaço e Gestão Hídrica na Bacia do Rio Paraibuna (MG – RJ): Uma análise crítica, autor Paulo Henrique Kingma Orlando

6 Conforme nota anterior

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Como resultado na bacia vamos encontrar vários usos que são dados às suas águas, mas, no geral, considerando a freqüência dos usos, esses têm se con-centrado em determinados aproveitamentos. Os usos para abastecimento urbano (sem prévio tratamento ou com simples trabalho de desinfecção), a recreação de contato primário e a criação natural de espécies destinadas à alimentação humana (pesca) se mostraram presentes na maioria dos municípios.

Mas é na área de Juiz de Fora que existe o maior consumo de água, destacan-do-se o abastecimento urbano da população e a água destinada aos processos industriais das empresas instaladas. Destaca-se ainda o uso do Rio Paraibuna e de seus afl uentes para o lançamento de esgotos in natura, visando à diluição dos mesmos e ao seu transporte pelos cursos d’água para jusante.

Em grande parte as doenças transmitidas por veiculação hídrica estão asso-ciadas à poluição e à contaminação das águas, principalmente as superfi ciais, por organismos patogênicos provenientes de atividades humanas às margens dos cursos d’água como: currais, pastagens, pocilgas, estradas vicinais, desmanches, povoados à montante e atividades de lazer.

Quanto ao aspecto quantidade, a sazonalidade climática aliada a outros fato-res como uma ocupação degradadora das terras da bacia, têm diminuído a vazão dos cursos d’água durante os meses mais secos, e, com isso, gerado problemas em vários povoados tanto em relação à utilização das águas para o abastecimento urbano, quanto ao aumento relativo das cargas de esgotos em rios e córregos que cortam algumas cidades da bacia (ex. Bicas, Matias Barbosa etc.). A produção do espaço na bacia se deu sem considerar que as águas da bacia poderiam, no futuro, sofrer um processo de intensa degradação, como acontece com o Rio Paraibuna na área urbana da cidade de Juiz de Fora.

Considerando a coleta e tratamento de esgotos na bacia, podemos verifi car o baixo índice de tratamento o que acaba refl etido no Índice de Qualidade das Águas revelado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (ano 2008) onde fi gu-ra o trecho do Paraibuna que atravesa a cidade de Juiz de Fora com IQA “ruim” e a maioria dos outros rios da bacia com IQA “médio”. Tal situação vem sendo atacada nos últimos anos com a implantação de algumas estações de tratamento de esgoto nos principais núcleos urbanos da bacia.

Como vimos anteriormente, a cobertura fl orestal na bacia sofreu um processo de devastação muito acentuado com o advento da cafeicultura na última metade do sé-culo XIX e início do século XX. A área da bacia possui atualmente muito pouco da sua cobertura original, fi cando a mesma confi nada aos topos dos morros mais altos, às margens de alguns cursos d’água e às unidades de conservação existentes na bacia.

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A utilização das águas para a geração de energia hidrelétrica na Bacia do Rio Paraibuna pode ser considerada relevante tendo em vista as várias usinas ins-taladas e em processo de instalação principalmente nos rios: Paraibuna, Peixe, Santana, Cágado e Preto.

As características geográfi cas dos cursos d’água da Bacia do Rio Paraibuna tornaram-se um dos fatores centrais para que aí se instalassem, desde o século passado, várias usinas hidrelétricas, visando atender às demandas locais, notada-mente das cidades existentes na bacia. Atualmente, busca-se explorar os rios da bacia para a construção de usinas hidrelétricas para atendimento de demandas que vão além das necessidades das já citadas cidades.

Além dessas usinas é importante destacar a Barragem de Chapéu D’uvas no Rio Paraibuna, à montante da cidade de Juiz de fora, cujo projeto foi elaborado em 1957 pelo engenheiro Oto Pfafsstetter. Essa barragem hoje a tanto regularizar a vazão do rio, para evitar cheias em Juiz de Fora quanto fornecer água para a cidade de Juiz de Fora.

Retomando as questões relativas à urbanização na bacia e ao processo de indus-trialização, logo nos deparamos com as questões atinentes à poluição do Rio Parai-buna pela cidade de Juiz de Fora, isto por ser este núcleo urbano o maior da bacia.

O Rio Paraibuna por conta da industrialização do núcleo urbano de Juiz de Fora, sofre duplamente, tendo suas águas poluídas por esgotos in natura e por efl uentes industriais não tratados ou tratados de forma insufi ciente para eliminar a totalidade das substâncias poluentes e contaminantes.

A tabela 01 a seguir ilustra o uso do solo na Bacia do Rio Paraibuna, destacan-do as principais categorias encontradas.

Tabela 01 - Categorias de vegetação e uso – ocupação na Bacia do Rio Paraibuna em área (km²) e em percentual %)

Uso – ocupação do solo/vegetação Área em km² %Vegetação Nativa 658,57 7,70

Vegetação Secundária 1379,59 16,13Refl orestamento 70,98 0,83Campo/Pastagem 6.193,30 72,41

Área Agrícola 20,52 0,24 Área Urbana 57,94 0,68

Outros 172,06 2,01Total 8552,96 100,00

Fonte: Orlando, P.H.K. 2006.

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O objetivo de conhecer como o espaço da Bacia do Rio Paraibuna foi produzi-do, nossa intenção foi demonstrar que, para entendermos a realidade da unidade espacial Bacia hidrográfi ca, temos que recorrer aos processos históricos que se desenrolaram em diversas escalas geográfi cas (Mundo, Brasil, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Zona da Mata, Cidade de Juiz de Fora e outras possíveis) e que se constituíram no motor que dinamizou a produção do espaço nessa área, ora ado-tada como unidade de planejamento e gestão de recursos hídricos. Entendendo dessa forma o espaço da bacia do Rio Paraibuna, é que vamos, com a visão focada na gestão hídrica, refl etir sobre os processos que ali se dão na atualidade, visando o planejamento e a gestão dos recursos hídricos.

Assim, podemos observar que, na bacia como um todo, a vegetação nativa primitiva ocupa 658,57km² de área e a vegetação secundária, 1379,59km², res-pectivamente 7,70% e 16,13 % da área total da bacia.

Um uso mapeado merece destaque: trata-se das áreas ocupadas pelos assen-tamentos urbanos, que, não obstante aparecerem com apenas 57,94 km² de área (0,68 % da área total da bacia), tornam-se importantes para uma análise da di-nâmica do meio, ou seja, a dinâmica da Bacia. Há de se reconhecer que tais núcleos exercem interferências no comportamento dos corpos d’água da Bacia, notadamente, através do lançamento de efl uentes domésticos e industriais. De tal fato advém uma infl uência disseminada por toda a Bacia, tendo como focos mais importantes as cidades de Juiz de Fora (MG) e Valença (RJ).

De todo esse mosaico de usos observados nas terras da Bacia, verifi camos um quadro de profundas modifi cações na dinâmica do meio, com alterações acen-tuadas nas condições ecológicas dos vários ambientes particulares, tais como: as áreas de cabeceiras de drenagem; as várzeas, as encostas dos morros, os fundos de vale, as grotas, as planícies alveolares etc.

Nesse ponto somos levados a destacar como passivo ambiental a degradação da qualidade das águas na Bacia, em especial as do Rio Paraibuna. Tal fato tem sido constatado através do monitoramento efetuado pelo Projeto Águas de Minas, do IGAM-MG, além de outros estudos.

Como observamos, uma outra dinâmica se instaurou no ambiente da Bacia. Nesse caso, ainda podemos verifi car, inclusive, processos erosivos de maior intensi-dade em áreas onde houve a intervenção da sociedade, chegando mesmo a promo-ver a existência de movimentos de massa (deslizamentos, corridas de lama etc.).

Kelman (2003) nos traz uma visão do que ocorreu na área da Serra da Manti-queira e da Serra do Mar, incluindo aí a Bacia do Rio Paraibuna:

Apenas 11% da cobertura vegetal permaneceram onde o relevo montanhoso torna difícil o acesso do Homem [...].

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A vulnerabilidade à erosão ao longo das íngremes encostas ocupadas por pastagens e por práticas agrícolas inadequa-das deram origem a enormes voçorocas que no período chuvoso ampliam a carga de sedimentos nos rios e, portan-to, a ocorrência de cheias, com perdas econômicas e riscos à saúde da população em geral. (KELMAN, 2003, p. 8).

Se o primeiro caso (processos erosivos) se generaliza em toda a Bacia, nota-damente próximo às franjas das áreas urbanas, perto da infra-estrutura viária e nas áreas de pastagens degradadas, o segundo (movimentos de massa) tem maior ocorrência junto às áreas mais declivosas dos sítios urbanos onde existem assen-tamentos sem as medidas próprias de estabilização dos cortes e taludes efetuados nas encostas.

Nesse particular, os altos índices pluviométricos, aliados a certas caracterís-ticas do manto de intemperismo (argilo-arenoso) e à declividade acentuada, não conseguem manter em equilíbrio certas encostas diante de uma intervenção de-sordenada da sociedade.

Em estudo realizado sobre a dinâmica das encostas na cidade de Juiz de Fora Mattes et al (1985) colocam:

Intervenções desordenadas sobre o meio físico se consti-tuem nos responsáveis diretos pelo desencadeamento de eventos de degradação ambiental. A ocupação irregular dos aglomerados urbanos em encostas fez com que os fato-res naturais adversos produzissem respostas rápidas e vio-lentas através de muitas centenas de movimentos de massa e erosões. (MATTES et al. 1985, p. 5-6).

Esses autores ainda destacam que o intenso desmatamento e as obras executa-das sem observância das condições do meio físico, além de resíduos líquidos pro-venientes de acúmulo de lixo, se colocam como principais intervenções geradoras das degradações do meio por processos erosivos e movimentos de massa.

Numa outra linha de raciocínio, podemos verifi car que, em igual risco se encon-tram as áreas de várzeas ou próximas dos cursos d’água, porque, periodicamente, se vêem alagadas, com danos tanto materiais quanto perdas de vidas humanas.

O processo de gestão hídrica e territorial na Bacia do Rio Paraibuna:Nesse momento chegamos ao ponto onde está o foco de nossas atenções, ou

seja, como a produção do espaço na Bacia do Rio Paraibuna vai se relacionar com o processo de gestão de suas águas.

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5.4. A gestão pelo CEIVAP: um processo em construçãoNum primeiro instante recordemos que o atual Comitê para Integração da

Bacia do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP - teve como instrumentos jurídicos nor-teadores tanto o Decreto Federal nº. 1842/96 (criação do Comitê) quanto a Lei Federal nº. 9433/97 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos). O CEIVAP foi instalado em 18 de dezembro de 1997 na cidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro. Tal Comitê fi cou responsável pela gestão hídrica da Bacia do Rio Paraíba do Sul, que abrange territórios de três estados federados: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

A evolução da gestão hídrica nas terras da Bacia do Rio Paraíba do Sul, incluindo as terras mineiras e fl uminenses da Bacia do Rio Paraibuna, já vêm de décadas ante-riores e procura se fi rmar e fortalecer nos dias atuais, quando o CEIVAP e a Associa-ção Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfi ca do Rio Paraíba do Sul - AGEVAP, já em funcionamento, constitui importantes entidades para a gestão hídrica na bacia.

Por ser este rio um bem da União, a gestão de sua bacia fi xa-se, através da Política Nacional de Recursos Hídricos, vinculada a um comitê de âmbito fede-ral, mas não de forma exclusiva, pois se o Rio Paraíba do Sul e alguns de seus afl uentes são de domínio da União, uma quantidade maior de canais fl uviais é de domínio dos estados (SP, RJ, MG), sendo passíveis de uma gestão estadual.

Com a criação da Agência Nacional de Águas (ANA) – Lei Federal nº. 9984/00, algumas iniciativas institucionais tem sido tomadas para efetivar a gestão hídrica a ser realizada pelo CEIVAP.

O CEIVAP constituiu-se na implantação de um instrumento de Estado7 novo dentro da organização institucional brasileira. Os comitês de bacia representam, dentro do modelo de gestão implantado no país, algo novo, um espaço que busca a convergência de atores do Estado (União, estados e municípios) e da sociedade civil (usuários e sociedade civil organizada), visando à gestão de um recurso na-tural em dada porção espacial – a água na bacia hidrográfi ca.

O CEIVAP intenta ser um ambiente de negociação e acordos onde as partes presentes irão debater e direcionar práticas e ações que visem disciplinar e racio-nalizar o uso da água dentro da Bacia do Rio Paraíba do Sul.

Se a Bacia do Paraíba do Sul se encontra hoje fortemente degradada em seus diversos ambientes, tal degradação é o resultado da apropriação e utilização dos recursos naturais efetuados pela sociedade, em especial no período que vai do

7 O comitê se coloca como instrumento de Estado a partir do momento que faz parte do ordenamento político e jurídico do Estado Brasileiro e busca viabilizar os objetivos da preservação dos recursos hídricos.

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início da implantação dos cafezais até os dias atuais. Dessa forma, a produção do espaço geográfi co verifi cada durante esse período, pautada numa lógica econômi-ca, não utilizou de forma sustentável os recursos aí presentes.

Com a aplicação, na área, de uma gestão hídrica que visa disciplinar o uso das águas e promover a recuperação dos diferentes ambientes, uma vez que da recupe-ração desses ambientes depende a recuperação da qualidade e quantidade das águas, surge uma política pública que tenciona, como já assinalamos, com os objetivos dos agentes promotores da produção do espaço. Recuperar a bacia da degradação insta-lada e adotar posturas voltadas para a conservação dos recursos naturais existentes impõem a incorporação da dimensão sustentabilidade ambiental (aí inclusa a das águas) no campo da apropriação e utilização do território. Tal fato se opõe à lógica do máximo aproveitamento dos ambientes para e pelo capital, criando, assim, uma arena de lutas onde cada vez mais as frações de classe hegemônicas irão procurar estabelecer seu poderio político, a fi m de reduzir o componente sustentabilidade ambiental naquilo que lhes puser peias às suas atividades econômicas.

Em estudo realizado pelo Laboratório de Hidrologia e Meio Ambiente da CO-PPE/UFRJ8, foi discutida a questão da adoção da bacia hidrográfi ca como unidade de planejamento e gestão hídrica no Brasil, onde existe a dupla dominialidade das águas, da União e dos estados. Demonstrou-se aí a possibilidade da coexistên-cia, em uma mesma base territorial (bacia hidrográfi ca), de organismos de bacia pertencentes à União e aos estados. Também há que se considerar que, além dos comitês federais e estaduais, e a possibilidade de seus sub-comitês, ainda podem existir os organismos de bacia de outra tipologia, como os consórcios intermuni-cipais e as associações de usuários, dentre outros.

Forma-se assim um verdadeiro mosaico institucional para a gestão dos recursos hídricos. É o que ocorre na gestão hídrica da Bacia do Paraibuna “Mineiro” e da bacia maior, do Paraíba do Sul. Atemos-nos à Bacia do Paraibuna.

Como já visto, a Bacia do Rio Paraibuna encontra-se hoje ligada à gestão re-alizada pelo CEIVAP na Bacia do Rio Paraíba do Sul como um todo. Mas, pelas próprias dimensões dessa última bacia era de se esperar que organismos de sub-bacias fossem criados para atuar conjuntamente com o CEIVAP no trabalho de gestão. Esse processo vem acontecendo em toda a Bacia do Paraíba do Sul e a Bacia do Paraibuna encontra-se nesse movimento.

O governo de Minas instituiu, em dezembro de 2005, o Comitê da Bacia Hi-drográfi ca dos Afl uentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna (Bacia do Paraibuna

8 LABHID/COPPE/UFRJ. Compatibilização e articulação do plano de recursos hídri-cos do Rio Paraíba do Sul: PGRH-027, p. (VII- 1)-(VII-10).

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em Minas) – CBH Preto e Paraibuna, integrante do Sistema Estadual de Geren-ciamento de Recursos Hídricos. Assim, temos sobre as terras e águas “mineiras” da bacia uma gestão federal e uma gestão estadual, com seu respectivo comitê, fi cando as terras fl uminenses fora dessa gestão. Entretanto, tal arranjo pode ga-nhar outros contornos, uma vez que tem-se tornado claro através de estudos9 o tratamento distinto das Bacias do Paraibuna “Mineiro” e do Rio Preto, um de seus afl uentes cujas águas drenam território mineiro e fl uminense.10

Deve-se acrescentar nesse quadro a existência de outros tipos de organismos de bacia, além dos comitês, como os consórcios intermunicipais e associações de usuários, entre outros. Tais organismos não poderiam deixar de ser considerados como uma interface para a articulação e integração, uma vez que representam interesses locais de bacias e sub-bacias na gestão hídrica.

Do exposto, ainda há que se ressaltar a dinamicidade de todo o processo de criação de organismos de bacia, muitos dos quais independem de sua institucio-nalização pelo poder público: nas suas várias esferas: União, estados e municípios. Dessa forma, somos obrigados a reconhecer que as interfaces institucionais para a gestão hídrica na Bacia do Rio Paraibuna sempre serão portadoras de dinamicida-de e, portanto, deverão ser tratadas com especial atenção, pois sem articulação e integração entre os atores institucionais envolvidos no processo, fi ca toda a gestão hídrica profundamente comprometida. Aqui ainda somos levados a colocar que os órgãos gestores dos recursos hídricos e do meio ambiente, tanto nacionais (SRH, IBAMA e ANA), quanto estaduais (Minas Gerais: IGAM e FEAM e Rio de Janeiro: FEEMA e SERLA), também se colocam como interfaces a serem objeto de articula-ção e integração no processo de gestão hídrica na Bacia do Rio Paraibuna.

Nesse ponto julgamos importante refl etir sobre o processo que vem ocor-rendo na Bacia do Rio Paraibuna, de esclarecimento/informação sobre a Política Nacional e Estadual de Gestão Hídrica, junto às comunidades, com o intuito de mobilizá-las para participarem desse processo, inclusive, através da criação de organismos de bacia, como consórcios e associações.

No processo de levar até os municípios e seus atores, no processo de gestão hídrica, as informações, para iniciar a sensibilização e o esclarecimento para a formação de organismos de bacia, tem-se notado informações desencontradas, fragmentadas e oriundas de mirantes de observação políticos diferentes, notada-

9 Conforme nota anterior.

10 Para maiores conhecimentos e visualização de mapas consultar a tese de douto-rado intitulada “Produção do Espaço e Gestão Hídrica na Bacia do Rio Paraibuna (MG-RJ) : uma análise crítica, autor Paulo Henrique Kingma Orlando

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mente, CEIVAP-ANA e IGAM-MG, o que efetivamente tem causado difi culdades aos atores municipais em entenderem o processo.

Como constatado, a atuação de entidades diferentes no intuito de se instalar uma gestão nas terras drenadas pelo Rio Paraibuna e seus afl uentes tem, no mo-mento presente, gerado muitas dúvidas a nível local e poucos esclarecimentos.

Ainda dentro dessa questão, existe uma colocação muito forte da parte dos atores sociais vinculados aos municípios, apontando a necessidade de se integrar, em qualquer discussão a respeito da gestão hídrica, a destinação dos recursos fi nanceiros para obras de saneamento e recuperação ambiental. Tal fato ganha gravidade, segundo esses atores, na medida em que os órgãos que cuidam da gestão ambiental e hídrica a nível da União e dos estados traçam normas de sa-neamento e recuperação ambiental impraticáveis, pois apontam o que fazer, mas não apontam com quais recursos, e os municípios, segundo seus gestores, vivem hoje com recursos incompatíveis com as demandas locais.

Não obstante ser positiva a existência de demanda por uma gestão na Bacia do Paraibuna e afl uentes, há que se considerar a arquitetura a ser implantada nessa gestão, levando em conta, de forma bem clara, a diferenciação de funções entre os vários tipos de organismos de bacia, ou seja, consórcios intermunicipais, associações pró-gestão, comitês de bacias e outras formas de entidades interes-sadas na gestão hídrica. Assim, um amplo processo de esclarecimento já devia estar ocorrendo no intuito de deixar claro, tanto para os atores mais diretamente envolvidos no processo de gestão hídrica quanto para a sociedade como um todo, a função de cada organismo bem como a própria proposta das políticas nacional e estaduais de gestão hídrica (MG-RJ).

6. Conclusões

Num primeiro instante podemos afi rmar que a realidade sócio-espacial na Ba-cia do Rio Paraibuna representa o fruto cumulativo da produção-reprodução do espaço ali ocorrida. Nesse sentido, tal realidade vincula-se aos diferentes períodos históricos por que passou a região onde se insere a Bacia do Rio Paraibuna, perí-odos esses, fortemente ligados aos processos econômicos que atravessaram a re-gião da Zona da Mata Mineira e áreas contíguas, em território fl uminense como o do ciclo do ouro, o dos cafezais e a industriliazação das cidades mais dinâmicas.

De todo esse processo de produção–reprodução do espaço que foi observado na Bacia do Rio Paraibuna, nota-se, no tocante ao uso do solo, a predominância das pastagens, com uma área de 6193,30km² (72,41%), seguida pelos demais

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usos: vegetação secundária com 1379,59km² (16,13%), vegetação nativa com 658,57km² (7,70%) e outros. Cabe destacar as áreas mapeadas como urbanas que apenas aparecem com 57,94km² de área (0,68%), mas que são locais que impactam profundamente o ambiente da bacia.

Conclui-se assim que a descarga de esgotos domésticos lançados sem tra-tamento no Rio Paraibuna é um dos fatores que têm gerado o maior impacto nas suas águas.

A forte presença de ambientes com atuação de processos erosivos na bacia (periferias urbanas, áreas impactadas por obras civis e pastagens degradadas) leva à constatação de que tais processos se confi guram em um outro fator de degrada-ção das terras e águas da Bacia. É nesse contexto que estão sendo implementadas ações vinculadas à Política Nacional de Recursos Hídricos e suas congêneres nos âmbitos dos Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

Quanto à implementação recente, na Bacia do Rio Paraíba do Sul e na Bacia do Rio Paraibuna, da Política Nacional de Recursos Hídricos e suas congêneres estaduais, o que se observou foi a existência de um processo de gestão que tem buscado sua implantação na área mediante esforços do governo federal, através da ANA, do Comitê para Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), do Comitê da Bacia Hidrográfi ca dos Afl uentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna além dos estados envolvidos.

Um outro aspecto a ser colocado é o reconhecimento crescente, por parte dos órgãos gestores dos recursos hídricos, tanto a nível da União como dos estados, e na instância do próprio CEIVAP, da necessidade de valorização da dimensão local na gestão hídrica.

Contudo, esse reconhecimento ainda carece de um encaminhamento mais positivo, capilarizando e levando, de forma articulada e integrada, a discussão da gestão hídrica para a dimensão local, notadamente os municípios (as cidades e seus povoados), incorporando defi nitivamente essas escalas à gestão hídrica.

Nesse particular, torna-se inevitável reconhecer a interferência das questões de âmbito municipal nos processos de degradação dos recursos hídricos de uma bacia e ao mesmo tempo seu amplo potencial para adoção de políticas voltadas para uma gestão das águas centradas na preservação e conservação dessas em qualidade e quantidade.

Após refl etirmos sobre a gestão territorial como um instrumento que visa controlar as relações de poder territorializadas e os confl itos de interesse que se manifestam na apropriação da natureza e produção – reprodução do espaço, chegamos, assim, a reconhecer um ambiente maior, onde se insere a gestão

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hídrica em nosso país e nas áreas de nossas bacias hidrográfi cas, o contexto da economia de mercado.

Dessa forma, para alcançarmos uma visão consistente da gestão hídrica estu-dada na presente pesquisa, tornou-se necessário reconhecer que a ação do Estado brasileiro no tocante à gestão de seu território visa em grande parte desenvolver uma atividade administrativa e intervencionista com o intuito de aproveitar ao máximo os recursos ambientais integrados às atividades produtivas. Essa ação acaba por estar presente tanto nos planos de desenvolvimento, nacional e regio-nal, quanto nas políticas setoriais existentes, notadamente nas que se relacionam com as atividades produtivas.

É imperioso observar que no campo das políticas setoriais adotadas pelo Esta-do (União e estados), através de seus governos, se justapõem interesses múltiplos e, por vezes, contraditórios.

A gestão hídrica implantada no país e, em especial, na área de estudo situa-se numa arena de luta entre políticas públicas de caráter contraditório, umas volta-das para o atendimento das demandas sociais e coletivas e outras voltadas para o aproveitamento insustentável dos recursos da natureza. Nesse sentido, reconhe-cemos, de um lado, as possibilidades do processo de gestão hídrica na Bacia do Rio Paraibuna em promover melhoras nas condições das águas da Bacia, mas, de outro, limites a essa ação, impostos pelas determinações de máximo aproveita-mento dos recursos naturais ali territorializados.

Por isso, concordamos com Enrique Leff (2000) quando afi rma que os mé-todos de planejamento setorial e de gestão das atividades produtivas são insufi -cientes para empreender um projeto de desenvolvimento sócio-econômico com sustentabilidade ambiental, notadamente no que diz respeito ao aproveitamento do potencial produtivo dos ecossistemas (meios biótico e abiótico). Assim, há que se colocar para a discussão uma nova forma de organização produtiva, que, ao mesmo tempo, valorize as potencialidades dos ambientes e respeite suas limita-ções, tudo isso pautado num planejamento integrado para o aproveitamento social e ambiental sustentável dos recursos naturais.

Há que se considerar ainda que mesmo dentro do sistema de gestão hídri-ca implantado no país, centrado em fóruns de discussão e decisão, que são os comitês de bacia, a representação da sociedade, através da chamada sociedade civil organizada, ONGs, associações etc. ainda não alcançou uma boa participa-ção e representatividade.

Nesse sentido, gostaríamos de encerrar concordando com as idéias de Leff (2000) quando afi rma que é da gestão e do manejo integrado dos recursos que

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emerge a possibilidade de se desenvolver uma atividade produtiva mais equili-brada, que valorize tanto a diversidade biológica da natureza quanto a riqueza cultural da humanidade.

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CAVALCANTI, Agostinho Paula Brito*

ResumoO presente trabalho tem por objetivo uma abordagem metodológica sobre a pes-quisa de campo, evidenciando sua importância e discutindo aspectos da percep-ção da paisagem. Trata ainda através de um enfoque metodológico, da prática pedagógica, dentro do planejamento do ensino e pelo contato com a realidade para a formação do pesquisador. Os procedimentos metodológicos seguiram uma seqüência de encaminhamentos assim constituída: coleta de dados; pesquisa bi-bliográfi ca; observação e entrevistas. Os resultados mostraram que os métodos da pesquisa de campo são importantes na formação de professores/pesquisadores e acadêmicos, como um meio para o desenvolvimento da percepção sobre o ter-ritório, num contexto menos formal que a sala de aula, além da construção de alternativas de trabalho relevantes para a prática pedagógica passando necessa-riamente pela observação científi ca, com cautela e predeterminação, em contras-te com a percepção da vida cotidiana, causal e passiva. Como etapa conclusiva foi enfatizada a importância da pesquisa de campo como recurso didático, pois oferece potencialidades formativas que devem ser levadas em consideração no processo ensino-aprendizagem e como prática pedagógica acessível e efi caz.

* Professor Associado (Pós-Doutor), Universidade Federal do Piauí/Departa-mento de Geografi a [email protected]

Percepção e paisagem geográfi ca: Pro-cedimentos teóricos e metodológicos da

pesquisa de campo

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Palavras-chaves: Geografi a; Teoria; Metodologia, Pesquisa de campo.

AbstractThis paper aims at a methodological approach on the fi eld research, highli-ghting its importance and discussing aspects of perception of the landscape. It still through a methodological approach, the pedagogical practice in the plan-ning of education and contact with reality to the training of researchers. The methodological procedures followed a string of referrals constituted as follows: data collection, literature review, observation and interviews. The results sho-wed that the methods of fi eld research are important in the training of teachers/researchers and academics as a means to develop the perception of the territory, in a less formal than the classroom and the construction of alternative work relevant to teaching practice necessarily passing through scientifi c observation, with caution and predetermination, in contrast to the perception of everyday life, causal and passive. The conclusive phase emphasize the importance of fi eldwork as a teaching tool because it offers training potential that should be taken into account in the teaching-learning and pedagogical practice as acces-sible and effective.

Keywords: Geography; Theory, Methodology, Research Methods.

1. Considerações iniciais

As diferentes sociedades humanas (ou culturas) em suas relações sociais de pro-dução acabam transformando ou modifi cando os quadros naturais, dando origem a organizações espaciais diferenciadas, alvo ou objeto de estudo da ciência geográfi ca.

No estudo da percepção da paisagem, compreensão e explicação das diferen-tes organizações espaciais procuram-se utilizar a denominada pesquisa de campo, denominação dada à atividade desenvolvida pelos pesquisadores que se desloca de seu gabinete de trabalho para a área ou local de seu interesse (objeto de estu-do), para realizar observações e levantarem dados e informações pertinentes.

Trata-se de um trabalho empírico, pois utiliza a observação e a experimen-tação, procurando atingir um conhecimento verdadeiro e objetivo, através do contato direto com a realidade observada.

É através dessa prática tradicional, mas de signifi cativa utilidade, que se con-segue desenvolver e impulsionar o avanço das ciências até os dias atuais, estando

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isso valorizada e praticada, tendo também uma inestimável contribuição para a prática didática e pedagógica do ensino e da aprendizagem.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, ocorreram mudanças profundas na sociedade, na política, na economia e nas ciências de modo geral, afetando todo o conhecimento científi co. Novas teorias e novas maneiras de entender e com-preender o mundo, aliadas ao emprego da tecnologia e auxiliado pelo avanço dos meios de comunicações e o advento dos computadores, provocaram mudanças irreversíveis.

A Geografi a também foi afetada por essas mudanças, sofrendo uma verdadeira revolução no seu modo de pensar, aparecendo novas abordagens de pensamen-to com envolvimento mais direto dos aspectos fi losófi cos e metodológicos, bem como no esforço para desenvolver leis e teorias explicativas.

Fazendo apologia do uso intensivo da confecção de modelos e da utilização em larga escala de técnicas matemático/estatísticas, para poder alcançar um “sta-tus” científi co, os geógrafos neopositivistas quase que abandonaram completa-mente a prática tradicional da pesquisa de campo.

Tendo uma nova concepção da realidade observada, passaram a acreditar que o espaço geográfi co era abstrato, nos mesmos moldes do espaço matemático de “n” dimensões, podendo ser então estudado por meio de um conjunto de variá-veis e seus atributos. Os elementos do espaço geográfi co passaram a ser medidos, calculados e quantifi cados, através de outras fontes de dados tais como censos demográfi cos variados; cartas topográfi cas; fotografi as aéreas; imagens de satélite e demais produtos advindos dos mais variados tipos de sensores remotos.

A preocupação era com a geometria do espaço e com o estudo dos processos, daí a necessidade do emprego das técnicas matemáticas e estatísticas, da confec-ção de modelos e do uso dos computadores.

Em função dessa nova maneira de perceber o espaço e de levantar dados e informações necessárias, passaram a desprezar o trabalho de campo na sua forma tradicional, não havendo mais necessidade de se deslocar para o campo para ob-servar a paisagem, sendo substituída pelo trabalho de gabinete.

Procurando contribuir para o revigoramento dessa prática tradicional, pro-põem-se como objetivos deste trabalho evidenciar a importância da pesquisa de campo e discutir aspectos inerentes à percepção da paisagem geográfi ca.

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1.1.Percepção da paisagem: fundamentos teóricos da pesquisa de campoA pesquisa de campo é a forma clássica e tradicional de levantamento de

dados e informações e na percepção e valoração da paisagem, utilizando-se o método denominado de empirismo raciocinado, valorizando a intuição, a partir da observação.

Muller Filho (1988) salienta que a fonte ideal para a obtenção de informações é a própria paisagem, por que ela é a realidade à disposição da capacidade de interpretação do pesquisador.

Através da pesquisa de campo ocorre o contato com a realidade, procurando perceber sua complexidade, como produto da interação entre os elementos do quadro natural modifi cado e transformado pela dinâmica social, exigindo uma fundamentação teórica e conceitual para apreender a totalidade observada.

Denomina-se campo, o local, área ou região, aonde o pesquisador vai para ob-servar, registrar, descrever e explicar os fatos ou fenômenos naturais e humanos.

Silva (1982) explicita o signifi cado da palavra campo salientando que em um sentido empírico tradicional o campo confunde-se com o lugar que se percebe e do qual se pode ter vivência cotidiana sendo parte de um território, de uma região, de uma área.

Há uma diferença fundamental entre uma pesquisa de campo, cujo objetivo é o desenvolvimento de uma pesquisa por parte do pesquisador, de um trabalho de campo, cuja fi nalidade é uma excursão com acadêmicos, com fi ns puramente didáticos e pedagógicos, ou mesmo uma saída ao campo, com fi ns turísticos ou de recreação.

Na maioria dos casos, quando se reporta ao trabalho de campo, refere-se es-pecifi camente às excursões, onde os professores levam os acadêmicos ao campo para tomarem contato com a realidade, a fi m de aprimorarem e colocarem em prática os ensinamentos teóricos obtidos em sala de aula.

Radaelli da Silva (2002) acrescenta que como instrumento, técnica, método ou meio, a pesquisa de campo vem a ser toda atividade que proporciona a construção do conhecimento em ambiente externo, através da concretização de experiências que promovam a observação, percepção, contato, registro, descrição e represen-tação, análise e refl exão crítica de uma dada realidade, bem como a elaboração conceitual como parte de um processo intelectual mais amplo, que é o ensino.

Considerado como um instrumento didático-pedagógico, um processo, uma técnica, ou mesmo um método, o trabalho de campo é de importância fundamen-tal, pois é através dele, que se entra em contato com a realidade, construindo o conhecimento.

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A pesquisa de campo é concebida como um importante instrumento na formação de professores/pesquisadores, pois se constitui em um meio para desenvolver a per-cepção sobre o território, num contexto menos formal que o da sala de aula, e para construir alternativas de trabalho que sejam relevantes para a prática pedagógica.

Alguns autores o consideram como um verdadeiro método para o desenvol-vimento do conhecimento, bem como para a prática de ensino. Defendendo esse ponto de vista, Rodrigues & Otaviano (2001), observam que a pesquisa de cam-po abrange o signifi cado de método, pois é um caminho ou procedimento cons-ciente, organizado racionalmente, com a fi nalidade de tornar o trabalho mais fácil e produtivo para o alcance dos objetivos propostos.

Não se pode perder de vista o papel do campo como fonte de conhecimento e suas conseqüências para o ensino como o local a ser enfatizado, enquanto prática. O campo representa tanto o local de onde se extraem as informações para as ela-borações teóricas, como o local onde tais teorias são testadas. A pesquisa de campo é ao mesmo tempo, fonte de informações e crítica da produção científi ca, funda-mental para a assimilação e construção de seus conceitos (Compiani, 1991).

Deve ser valorizada como recurso didático, propiciando aos acadêmicos, um contato direto com a realidade observada, obtendo-se uma nova dimensão dos te-mas tratados em sala de aula, o que, se bem programado e orientado, servirá entre tantas fi nalidades, estimular o estudo articulado com as diferentes disciplinas.

Deve-se enfatizar a importância da pesquisa de campo como recurso didático, pois oferece potencialidades formativas que devem ser levadas em consideração no processo ensino-aprendizagem como uma das técnicas pedagógicas mais aces-síveis e efi cazes ao pesquisador.

1.2.Procedimentos metodológicos da pesquisa de campo: coleta de dadosOs instrumentos de coleta de dados na pesquisa de campo, de modo geral,

oferecem esboços práticos que servem de orientação na montagem dos formulá-rios, roteiros de entrevistas, questionários, opiniões e atitudes, além de indicações sobre o tempo e o material necessário à realização da referida pesquisa.

A maneira mais efi ciente para a execução de uma pesquisa através da coleta de dados em campo é elaborar um bom planejamento da mesma. Na execução da pesquisa deve-se, de antemão, defi nir ainda na fase do projeto, onde será reali-zada a pesquisa, identifi cando pontos principais para o levantamento dos dados; que abrangência de pessoas será pesquisada, ou se serão todos os envolvidos na questão; se a pesquisa incluir levantamento de documentos, e fi nalmente por amostragem do total.

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Outro aspecto importante é o perfeito entrosamento das tarefas organizacio-nais e administrativas com as tarefas científi cas, obedecendo aos prazos estipu-lados, os orçamentos previstos e o preparo pessoal. Quanto mais planejamento for feito previamente, menos desperdício de tempo haverá no trabalho de campo propriamente dito, facilitando a etapa seguinte.

A partir do início das tarefas de investigação, é necessário preparar não só os instru-mentos de observação, mas também uma documentação relativa à pesquisa fazendo parte do acervo da revisão da literatura pertinente ao tema ou a área de estudo.

Normalmente utiliza-se de documentos já lidos ou a serem consultados, com as devidas referências; relação de pessoas que serão visitadas ou entrevistadas ou que se pretenda visitar, com alguns dados essenciais e dados dos indivíduos pes-quisados ou objetos de pesquisa, vistos no sentido estatístico: pessoas, famílias, classes sociais, comércios, indústrias, transportes, salários, etc.

Esta documentação deve contar, também, resumos de obras sobre o tema e/ou a área da pesquisa, recortes de periódicos, notas e outros materiais necessários à ampliação de conhecimentos, cuidadosamente organizados.

A coleta de dados é a etapa da pesquisa de campo que tem por fi nalidade a obtenção de informações sobre a realidade, de acordo com os objetivos propos-tos da pesquisa, existindo diferentes formas e instrumentos de operacionaliza-ção, conforme as informações necessárias. É ainda onde se inicia a aplicação dos instrumentos elaborados e selecionados, a fi m de se efetuar a coleta de dados previstos, exigindo do pesquisador um esforço pessoal, bem como um cuidadoso registro desses dados, boa preparação, perseverança e paciência.

Para os procedimentos da percepção da paisagem, deve-se observar e anotar no diário (caderneta) de campo, procedendo-se a observação participante, com o acompanhamento junto às atividades programadas, registro imediato dos aconte-cimentos e sua conseqüente anotação no diário.

Geralmente cometem-se alguns erros quando da coleta de dados, devendo-se evitar mudanças radicais no plano de pesquisa devido a conveniências adminis-trativas e a escolha de medidas pouco adequadas e sem o conhecimento sufi cien-te que garantam a sua correta aplicação, produzindo erros de medição.

É necessário ainda fi car atento para as possíveis falhas no relacionamento com os sujeitos da pesquisa, bem como a falta de avaliação das medidas disponíveis, antes de decidir aquelas que serão utilizadas na pesquisa.

Outro aspecto importante que deve ser levado em conta quando da coleta de dados, refere-se amaneira de conseguir as informações necessárias para a pesquisa, a saber: (i) Estabelecer previamente de comum acordo com o pes-

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quisado o local e a hora das entrevistas, deixando à vontade, pois os mesmos não estão disponíveis a qualquer tempo; (ii) Ter sempre em mente que não é obrigação dos pesquisado responder as perguntas do pesquisador; (iii) Solicitar autorização prévia para anotar ou gravar as informações obtidas; (iv) Refazer a pergunta com outras palavras se for necessário, tendo o cuidado de não induzir a resposta.

Para a execução da pesquisa propriamente dita, através da coleta de dados, faz-se necessário a especifi cação do universo ou da amostra a ser abrangida na pesquisa de campo. O procedimento mais utilizado para a averiguação de sua validade é através de testes preliminares, consistindo em verifi car se os instru-mentos (técnicas) da pesquisa têm realmente condições de garantir os resultados isentos de erros.

Independentemente das técnicas escolhidas, deve-se descrever as formas de sua aplicação, indicando como será processada a tabulação dos dados obtidos. Um controle na aplicação destas técnicas é fundamental para evitarem equívocos e falhas resultantes de mau encaminhamento durante a coleta de dados, seja atra-vés de pesquisadores inexperientes ou de informantes tendenciosos.

Este teste é aplicado em parte da população, do universo ou da amostra, an-tes de ser aplicado defi nitivamente, com a fi nalidade de que a pesquisa chegue a um resultado confi ável, devendo-se proceder à especifi cação da área de execu-ção (espaço físico); da população a ser atingida pela pesquisa; da explicitação da forma de seleção dos sujeitos pesquisados e do tipo de amostra e determinação de seu tamanho.

O teste pode ser aplicado em uma amostra aleatória representativa ou inten-cional, servindo para verifi car se os instrumentos de pesquisa utilizados apre-sentam três elementos: a operatividade (através de um vocabulário acessível e signifi cado claro); a validade (se os dados recolhidos são necessários à pesquisa) e a fi dedignidade (onde qualquer pesquisador que o aplique obterá sempre os mesmos resultados).

Os instrumentos de coleta de dados mais freqüentes são a entrevista e o ques-tionário, pelo fato de possuírem uma lista de indagações que ao serem respon-didas, oferecem ao pesquisador as informações necessárias para o pleno êxito de seu estudo, obtendo-se um conhecimento verbal do fato ou fenômeno pelo pes-quisado, apesar de que em alguns casos, o pesquisador não terá a oportunidade de observar diretamente os acontecimentos.

Estes instrumentos devem ser aplicados por pesquisadores capazes de deter-minar a validade dos métodos e dos procedimentos utilizados, não sendo possí-

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vel, nem sempre, prever todas as difi culdades e problemas decorrentes de uma pesquisa que envolva coleta de dados.

Para que a pesquisa ofereça boas condições científi cas, certas exigências de-vem ser levadas em consideração, tais como: (i) precisão, consistência e objeti-vidade dos instrumentos (técnicas) escolhidos; (ii) criteriosa seleção da amostra; (iii) validade dos dados recolhidos, necessários à pesquisa; (iv) fi dedignidade dos dados coletados (obtenção dos mesmos resultados).

Através da pesquisa de campo, onde serão coletados dados de acordo com os procedimentos indicados anteriormente, deve-se elaborá-los e classifi cá-los de forma sistemática, através de uma seqüência lógica de etapas, abrangendo a seleção, codifi cação e tabulação.

2. Importância da pesquisa prática

Considerado e valorizado como importante instrumento para o desenvolvi-mento do conhecimento, a pesquisa prática faz com que o “processo de observa-ção” se revista de grande signifi cação, pois é através da percepção que o pesquisa-dor investiga o mundo real, na tentativa de compreendê-lo e interpretá-lo. Muller Filho (1988) atesta este fato afi rmando que ao interpretar as realidades espaciais sob o prisma tradicional, fundamenta-se na observação: coletam-se os dados, eles são comparados, verifi ca-se o que entre eles há de comum, e, detectado o que é comum, baseiam-se padrões e formulam-se generalizações.

A observação, segundo Gil (1999), nada mais é do que o uso dos sentidos com vistas a adquirir conhecimentos necessários para o cotidiano, podendo, porém, ser utilizada para fi ns científi cos desde que tenha um objetivo formulado de pes-quisa; seja sistematicamente planejada e submetida à verifi cação e controle.

O processo de observação está dentro de um contexto maior que é a denomi-nada Teoria do Conhecimento, sendo a mesma considerada uma das formas de se adquirir conhecimento através da utilização dos sentidos, juntamente com as outras duas que são a razão e a intuição. É através dos sentidos que nos relacio-namos com o mundo exterior, sendo a visão, uma das principais, dentro os cincos que possuímos. O conhecimento adquirido através dos sentidos é denominado conhecimento empírico. De acordo com Oliveira (1988):

Sua origem vem do grego empeiria, que signifi ca experiência. É uma dou-trina que afi rma que a única fonte de nossos conhecimentos é a experiência re-cebida e experimentada pelos sentidos ( p. 52)Utilizando-se da visão o homem observa o mundo exterior, com as mentes livre de preconceitos, acreditando

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que aquilo que ele vê é a realidade. Através dessa percepção sensorial, pode conhecer a verdade dos fatos, não questionando a possibilidade dos sentidos se enganarem, distorcerem a realidade ou não aprenderem a realidade como realmente ela é, pois a subjetividade não existe para o empirista. Kaplan (1969) considera que:

[...] em ciência, observação é a procura do que está enco-berto, não apenas porque está encoberto, mas porque o seu disvelamento facilitará uma íntima, bem fundamentada e produtiva relação com o mundo ( p. 132)

A observação sempre foi considerada de importância fundamental para o ge-ógrafo, pois é através dela que se observam as paisagens com o intuito de desen-volver o conhecimento geográfi co. Mas olhar, ver e observar não são um procedi-mento exclusivo do geógrafo ou de outros pesquisadores, podendo ser realizado por qualquer pessoa sã, que não tenha problemas visuais. É necessário então, fazer uma distinção entre o que se denomina de observação ou percepções coti-dianas, do dia-a-dia, passivas ou não intencionais das observações científi cas.

No primeiro caso reporta-se às observações do homem comum, no seu dia-a-dia e que são meramente contemplativas, sem maiores preocupações com o que está sendo observado. É o caso do deslocamento diário da casa ao local de trabalho, onde se observa sempre o mesmo trajeto, mas não se presta atenção ao que foi observado. Sobre essa questão, Kaplan (op. cit.) afi rma que a observação científi ca é busca deliberada, com cautela e predeterminação, em contraste com a percepção da vida cotidiana, causal e em grande porção, passivas.

Já na observação dita científi ca existe uma intenção no ato de observar. Deve-se saber de antemão o que queremos observar, devemos ter um pro-pósito em mente. Observar por observar não leva a nada. O ato de observar é sempre norteado por alguma ideia, algum problema, ou alguma teoria ou sobre conhecimentos e experiências anteriores. A este respeito Kaplan (op.cit, p. 138.) salienta que: “Observar é um comportamento dirigido a um fi m; o relatório de uma observação é signifi cativo com base em sua presumida relação com o objetivo”.

Portanto, antes de efetuar qualquer observação é necessário desenvolver os conhecimentos teóricos, pois são eles que nortearão no processo de observação.

Quando os acadêmicos de Geografi a estão em trabalho de campo é necessário que já tenham aprendido em sala de aula os fundamentos teóricos para procede-rem corretamente o ato da observação.

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Ao observar uma paisagem é preciso selecionar aquilo que se quer observar, pois a noção da observação completa evidentemente não tem sentido algum, uma vez que observar é sempre selecionar, estruturar e, portanto, abandonar o que não se utiliza.

A observação científi ca é ao mesmo tempo, ativa e seletiva, sendo procedida e guiada por hipóteses e/ou teorias que no indicam quais os fatos ou fenômenos são mais relevantes para os nossos interesses. Ao mesmo tempo em que se obser-va automaticamente se interpreta, através de um esforço mental, na tentativa de apreender o objeto observado.

Duas ou mais pessoas observando um mesmo objeto ou a mesma paisagem podem realizar diferentes interpretações. O mesmo objeto ou fenômeno pode ser visto e apreendido de maneiras diferentes por diferentes pessoas, em função de suas diferentes formações profi ssionais.

O geógrafo da atualidade precisa urgentemente superar essa questão, desen-volvendo a capacidade de observar as paisagens de modo integrado, ou seja, procurando relacionar os aspectos do quadro natural com os aspectos humanos e sociais e não separadamente, limitando a capacidade de observação.

Weatheral (1970) assegura que os acontecimentos que podem ser observados, diretamente, através dos sentidos, correspondem a uma diminuta fração da gama de fenômenos físicos de que temos conhecimento.

Para poder aumentar a capacidade de observação utiliza-se aparelhos e instru-mentos desenvolvidos para esse fi m. Existem hoje à nossa disposição uma ampla e variada gama de aparelhos e instrumentos que nos auxiliam no ato de observar e de coleta de dados. Mas para utilizá-los, o pesquisador deve ter um mínimo de conhecimento sobre os princípios físicos relativos a esses instrumentos, havendo também a necessidade de treinamento.

Na escolha de determinado aparelho para a observação ou registro de dados, é preciso levar em conta, o grau de precisão do aparelho; quais os recursos dis-poníveis; verifi car se o mesmo atende às necessidades do pesquisador e conheci-mentos técnicos para operá-los.

No caso do trabalho de campo em Geografi a, quando da necessidade da uti-lização de aparelhos e instrumentos de observação, registro, coleta de dados e de medição, é aconselhável que o geógrafo possa dispor de um técnico especializa-do, para assessorá-lo nesta tarefa.

Fourez (1995) ao discorrer sobre a observação científi ca afi rma que quando observo ‘alguma coisa’, é preciso sempre que eu a descreva. Portanto, sempre que observar algo (um fato, um fenômeno ou uma paisagem) há a necessidade da descrição, para que fi que registrada a observação.

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No caso da Geografi a, a prática da descrição já é bastante antiga. La Blache, (1982) afi rmava que:

A Geografi a distingue-se como ciência essencialmente des-critiva. Não seguramente que renuncie à explicação: o es-tudo das relações dos fenômenos, de seus encadeamentos e de sua evolução, são também caminhos que levam a ela. Mas esse objeto mesmo a obriga mais que em outra ciência, a seguir minuciosamente o método descritivo (p. 45).

Não se descreve um objeto ou paisagem se não utilizar uma linguagem. A lingua-gem é a maneira cultural de expressar ou estruturar uma determinada visão, uma compreensão a respeito de algo a ser observado. A não utilização de uma linguagem para descrever os fenômenos observados não tem a menor importância para o co-nhecimento científi co. De certa forma, muitos autores consideram a linguagem uma espécie de construção social, relativa à sua cultura e seus projetos. Nota-se que não se pode observar sem utilizar a linguagem seja ela verbal ou mental, pois a língua é uma forma cultural de estruturar uma visão, uma compreensão.

No caso da observação científi ca a linguagem utilizada é a técnica, com uma terminologia precisa, bem defi nida e conceituada, permitindo a compreensão pe-los especialistas que militam na mesma área do conhecimento. Na Geografi a tam-bém se precisa da familiarização com a linguagem técnica. Na Geografi a Humana essa discrepância terminológica é bastante signifi cativa. Pode-se citar a linguagem específi ca, advinda da fi losofi a marxista, utilizada pelos geógrafos críticos, ao des-creverem ou explicarem os problemas sociais, que difere também da linguagem matemático/estatística utilizada pelos geógrafos neopositivistas (quantitativos).

Na Geografi a Física é comum se encontrar laboratórios de pesquisa, onde se desenvolvem experimentos para as pesquisas ou são utilizados para fi ns didáti-cos e pedagógicos. Os elementos básicos e necessários para um experimento de laboratório são os seguintes:

a) existência do “experimentador”; b) um fenômeno a ser observado ou uma hipótese a ser testada; c) laboratório equipado com a aparelhagem necessária; d) controle do experimento pelo observador; e) eliminação dos fatores estranhos ao experimento (fatores outros que pos-

sam atrapalhar o seu bom desenvolvimento); f) observação minuciosa; g) possibilidade de repetição do experimento quanta vezes forem necessárias;

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h) relatório fi nal; i) utilização de uma linguagem técnica para descrever o que foi observado.

Para o bom êxito da observação são também necessárias algumas condições para os quais o pesquisador deve estar atento, evitando enganos ou distorções no proces-so de observação, além da utilização de instrumentos para satisfazer o rigor científi co e a objetividade, realçando, evidenciando ou tornando acessível, fatos ou fenômenos de interesse, que de outro modo poderiam passar despercebidos pelo observador.

As condições intelectuais do observador também devem ser levadas em conta, para o bom desempenho do processo de observação, sendo necessário um emba-samento teórico conceitual, pleno domínio de sua área de atuação, curiosidade e sagacidade para poder discernir e interpretar os fatos signifi cativos.

Juntamente com as condições intelectuais vêm às condições morais tais como: ter paciência, para resistir à precipitação natural que leva a concluir resultados antes do tempo necessário; coragem, para enfrentar os perigos e simplicidade, ou seja, liberdade e isenção de toda preocupação com o resultado fi nal das observações, respeitando o resultado a que se chegou, seja ou não de agrado do pesquisador.

A importância que tem o trabalho de campo para a Geografi a deve ser res-saltada, pois desde os tempos mais remotos, até os dias atuais, esse vem sendo o procedimento clássico e tradicional do geógrafo. Levantar dados e informações, bem como desenvolver o processo pedagógico do ensino e prática da Geografi a. Também a observação científi ca deve ser cada vez mais praticada e utilizada pelos geógrafos, pois esses dois procedimentos (trabalho de campo e observação cientí-fi ca) têm contribuído para o desenvolvimento e o engrandecimento da Geografi a.

3. Procedimentos do trabalho de campo em geografi a

Os procedimentos na pesquisa de campo em Geografi a são os instrumentos (técnicas) que serão necessariamente utilizadas para um desempenho satisfatório quando da aferição da verdade terrestre (trabalho de campo).

Para a efetivação desses procedimentos deve ser considerado um conjunto de processos que se serve à ciência geográfi ca, levando-se em conta a habilidade para sua plena utilização, na busca da obtenção satisfatória dos objetivos preestabele-cidos da pesquisa.

A elaboração ou organização dos instrumentos de investigação não é tarefa simples, pois necessita de tempo, tornando-se, porém uma etapa importante no

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planejamento do trabalho de campo. Na organização do material para o trabalho de campo em Geografi a, devem-se observar dois aspectos importantes:

(i) organização do material para investigação: trata-se do levantamento pre-liminar de dados coletados através das referências bibliográfi cas que tratam do tema em estudo e da área da pesquisa. Deve-se ainda realizar um levantamento dos documentos cartográfi cos disponíveis (mapas, cartas e plantas) em qualquer escala, da área de estudo;

(ii) organização do material de investigação para arquivo: trata-se do arquiva-mento das idéias expostas, fatos que foram vivenciados na realidade e refl exões que o pesquisador acumulou durante as inspeções de campo.

O trabalho de campo em Geografi a refere-se a um conjunto de atividades práticas orientadas para a busca de um determinado conhecimento, realizada de maneira sistemática através da realidade empírica; na utilização de métodos próprios e técnicas específi cas de pesquisa e que os resultados obtidos venham a ser apresentado de forma peculiar. Existem várias defi nições sobre o signifi cado do trabalho de campo como a de Rodrigues & Otaviano, (2001):

Em um enfoque conceitual-pedagógico, considera-se que o trabalho de campo em sua forma e essência é um método relevante dentro do planejamento do ensino e ou em sua prática propriamente dita, visto que, há correspondência com objetivo proposto – faz com que o homem se relacione de forma mais adequada com o mundo da natureza e com o mundo da cultura. (p. 36)

Deve-se partir de um problema ou de uma dúvida, utilizando-se o método científi co, na procura de respostas ou soluções para o problema (as) apresentado (os). É necessário ainda, de acordo com o pesquisador, ser direcionada para objeti-vos e resultados diferentes na dependência da aprendizagem durante sua vida aca-dêmica e do enfoque das técnicas de investigação adotadas por cada pesquisador.

Na especifi cação do planejamento do trabalho de campo, deve-se descrever o tratamento (em estudos experimentais), sujeito o controle das variáveis que pos-sam interferir nos resultados da pesquisa. Faz-se necessário ainda a descrição do planejamento do trabalho de campo, abrangendo três vertentes principais:

• Inspeções de campo explicativas: quando se deseja analisar as causas ou conseqüências de um fenômeno;

• Inspeções de campo exploratórias: quando não se têm informações sobre determinado tema e se deseja conhecer o fenômeno;

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• Inspeções de campo descritivas: quando se deseja descrever as caracterís-ticas de um fenômeno.

Comumente cometem-se alguns equívocos quando da elaboração do planeja-mento da pesquisa de campo e os métodos que serão adotados, a saber:

(I) instrumentos muito cansativos que prejudicam a colaboração dos entre-vistados;

(II) ausência de um plano de coleta de dados detalhado que evite trabalhar em excesso e não otimização do tempo;

(III) escolha de amostras muito pequenas que não permitem trabalhar as áreas ou grupos de interesse;

(IV) não defi nição dos entrevistados da pesquisa; (V) coleta de dados sem a realização de um pré-teste ou uma avaliação dos

procedimentos e instrumentos do trabalho de campo; (VI) modifi cações constantes no planejamento para facilitar a coleta de dados,

mas que prejudicam a pesquisa; (VII) inexistência de um plano de pesquisa adequado para o trabalho de cam-

po e ao problema em estudo; (VIII) intenção de realizar em pouco tempo, um trabalho que demandaria

mais tempo.A pesquisa de campo em Geografi a é uma atividade de planejamento, que irá

delinear o caminho a ser seguido no desenvolvimento da investigação, rumo à redação do texto acadêmico fi nal, que poderá ser um artigo científi co, monogra-fi a, dissertação ou uma tese. Deve-se observar ainda, que não é a pesquisa, mas a intenção de executá-la, de produzir um conhecimento sistemático.

4. Dependência da observação

É preciso fazer uma distinção entre “observação” e “experimentação”. Na observação constatam-se os fatos ou a realidade como realmente ela é como ela se apresenta ao observador. Já na “experimentação” ou no “experimento”, (observação controlada) ressalta a idéia de certa manipulação ou modifi cação da realidade para podermos observar em condições especiais. Fica clara a exis-tência de uma fi nalidade, de um controle da observação. A esse respeito Gil (1999) ressalta que:

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A observação constitui elemento fundamental para a pes-quisa. Desde a formulação do problema, passando pela construção de hipóteses, coleta, análise e interpretação dos dados, a observação desempenha papel imprescindível no processo da pesquisa. É, todavia na fase de coleta de dados que o seu papel se torna mais evidente. (p. 110)

Sobre os instrumentos da pesquisa de campo, estes se apresentam em duas divisões: a documentação direta - dividida em observação direta intensiva e ob-servação direta extensiva; e a documentação indireta - abrangendo a pesquisa documental e a bibliográfi ca.

Na observação direta intensiva, aplicam-se as técnicas de observação e entre-vistas. Com relação às técnicas de observação, utilizam-se os sentidos na obten-ção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas ainda examinar fatos ou fenômenos que se deseja aferir. A aplicação dessa técnica pode ser realizada de forma sistemática, quando o pesquisador no traba-lho de campo, observa apenas fatos que já foram previamente pré-determinados e; assistemática, quando o pesquisador, observa os fatos que ocorrem no momen-to exato do trabalho de campo.

Pode ser inda participante, quando o pesquisador interage diretamente com a comunidade residente na área de estudo, participando dos questionamentos e; não participante, quando o pesquisador observa os fatos sem a participação de outras pessoas.

A observação pode ser individual, quando o pesquisador adquire dados ob-serváveis individualmente, obtendo informações independentes da opinião de outras pessoas e; em equipe, quando o pesquisador trabalha com um determina-do grupo de pessoas (profi ssionais, acadêmicos, comunidade local), que partici-pam ativamente das observações realizadas.

A observação direta intensiva pode ser também obtida da vida real, quando são realizadas “in loco”, ou seja, no próprio local da pesquisa, na área de estudo pré-estabelecida, com aferição da verdade terrestre e; em laboratório, quando são coletados dados, através de informações colhidas por outros pesquisadores que obtiveram dados sobre a área de estudo ou sobre o tema proposto da pesquisa.

Ainda com referência a observação direta intensiva, aplica-se ainda a técnica da entrevista, que consiste em uma conversação efetuada face a face, de forma metódica, proporcionando ao pesquisador a informação necessária.

A entrevista pode ser concretizada com cada pesquisado selecionado indivi-dualmente, sendo anotada ou gravada e posteriormente transcrita. Pode-se ainda

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ser processada com um grupo de pessoas em forma de seminário de discussão, devendo também ser na anotada ou gravada e transcrita. Na sua realização deve-se estabelecer um roteiro prévio, que deverá ser ajustado pelo pesquisador no desenvolvimento da conversação, tratando para que as perguntas não percam de vista os objetivos da pesquisa.

Esse tipo de observação pode ser aplicado de maneira estruturada ou padroni-zado, quando o pesquisador realiza um roteiro prévio de questionamentos ante-rior ao deslocamento a campo, com determinação daquilo que se deseja observar, de forma a atender os objetivos traçados da pesquisa e; de forma não estruturada ou despadronizada, quando o pesquisador dirige-se as inspeções de campo, sem obedecer a critérios pré-estabelecidos do que deseja observar.

A observação direta extensiva apresenta as técnicas de questionário, consistindo por uma série de perguntas que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do pesquisador, funcionado melhor para levantamento de dados mais objetivos so-bre determinada realidade e com pessoas ou grupos que saibam escrever e a preen-cher documentos; e pelo formulário, constituído por um roteiro de perguntas enun-ciadas pelo pesquisador e preenchidas por ele com as respostas do pesquisado.

Também é preciso ressaltar que existem alguns tipos clássicos ou já plenamen-te consagrados de procedimentos de observação. Pode-se dividir o procedimento de observação em dois tipos básicos:

a) a observação in loco, in natura ou no campo; b) a observação em laboratório.No primeiro caso, reporta-se à observação no campo propriamente dita, ou

seja, quando o pesquisador desloca-se de seu gabinete de trabalho e vai até o lo-cal aonde se encontra o seu objeto de observação. Esse tipo de observação ainda pode ser subdividido em dois, a observação assistemática (espontânea, ocasional ou não estruturada) e a dita sistemática ou estruturada.

A observação assistemática é aquela que é feita sem a preocupação com um roteiro ou organização prévia, se dando ao acaso, observando como os fenôme-nos aparecem na natureza. Não há planejamento nem controle e o observador age como um mero expectador, apenas contemplando os fenômenos como lhes aparecem à observação.

No caso da observação sistemática ou estruturada, tem que ser bem planejada, requerendo uma preparação prévia, exigindo do pesquisador o desenvolvimento de um roteiro para nortear o seu desenvolvimento. Os objetivos devem ser bem defi nidos e estruturados, existindo uma determinada intenção ou fi nalidade so-bre o que vai ser observado.

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Na observação em laboratório o pesquisador realiza um experimento já previa-mente planejado, provocando intencionalmente uma determinada situação que pode ser observada em condições especiais e sujeita ao controle e manipulação, podendo isolar um determinado fenômeno ou testar uma determinada hipótese, para verifi car se ela é verdadeira ou falsa.

Outro aspecto a ser levantado, a respeito da observação, e que é impos-sível observar a totalidade de modo integrado, sendo praticamente inviável perceber tudo ao mesmo tempo. Só observa-se o que temos interesse. Sobre essa questão Fourez (1995 p. 40) observa que “Quase de maneira automática, eliminarei de meu campo de visão os elementos, que não fazem parte daquilo que observo”

A observação adquire um caráter pessoal, pois são os pesquisadores que vêem, com os seus olhos e com a sua consciência, ou melhor, com as suas experiências anteriores. Ela vai depender muito da capacidade, da formação profi ssional e in-telectual, da prática e dos conhecimentos adquiridos pelo pesquisador.

Outro elemento que deve ser levado em conta é o treinamento do observador. Para aumentar a capacidade de observação devem-se treinar os sentidos, aper-feiçoando cada vez mais essa prática. Daí advém à importância do trabalho de campo em Geografi a, onde se confrontam os conhecimentos teóricos adquiridos no gabinete, com a realidade observada.

O aprimoramento da técnica da observação e da prática de campo faz com que apa-reça a fi gura do especialista, ou seja, aquele que domina um determinado tipo de conhe-cimento, tornando-se reconhecido como um verdadeiro expert naquele assunto.

Na observação, não é só o sentido da visão que é utilizado, mas também a consciência (a razão, o raciocínio).

Fourez (1995, p.40) acrescenta que: “[...] para observar, é preciso sempre relacionar aquilo que se vê com noções que já se possuía anteriormente. Uma observação é uma interpretação”.

Kaplan (1969, p.140), ilustra muito bem esses procedimentos salientando: “[...] ao observarmos não somos passivos, porém ativos; e estamos fazendo algo com nossos olhos e inteligência, mas também com os nossos lábios, mãos, pés e determinação”.

Apesar de ser importante para a formação profi ssional do geógrafo, a espe-cialização por outro lado, acabou trazendo certos problemas. Os geógrafos mais ligados à Geografi a Física, acabavam se especializando tanto que passavam a se denominar de geomorfólogos, climatólogos, pedólogos, biogeógrafos, etc., des-prezando totalmente a Geografi a Humana.

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O mesmo acontecia com os geógrafos mais ligados com a Geografi a Humana que negligenciavam a Geografi a Física, como sendo de menos importância para as suas pesquisas. Essa excessiva especialização acabou provocando um dualismo epistemológico na Geografi a, fazendo com que se perdesse a visão da totalidade, pois na realidade a Geografi a não é só a parte física nem só a parte humana, mas a integração e seu inter - relacionamento.

Esse procedimento é o tipo clássico de observação utilizada nas Ciências Na-turais, onde há uma intervenção na natureza, para que o pesquisador possa ob-servar em condições especiais, controlando e dirigindo o experimento de acordo com os seus propósitos e interesses.

5. Considerações fi nais

A pesquisa de campo é de importância fundamental para o avanço, ensino e aprendizagem em Geografi a, além do peso de sua tradição histórica no pensa-mento geográfi co, havendo um período recente por sinal, onde esse procedimen-to foi quase abandonado.

Ultimamente vem ocorrendo uma maior preocupação para a retomada dessa prática nos cursos de Geografi a a âmbito nacional. Esta preocupação atual pode ser atestada, pelo número de publicações voltadas especifi camente para essa te-mática, bem como ter sido aprovada, nas novas grades curriculares, disciplinas que tem como objetivo principal fornecer aos acadêmicos, informações relativas à programação e à prática da pesquisa de campo.

Pode-se afi rmar, com base nos dados e informações levantadas, que realmente está havendo, nos últimos anos, uma maior preocupação e valorização dessa prá-tica, nos cursos de Geografi a a âmbito nacional.

Deve-se enfatizar a importância da pesquisa de campo como recurso didático, pois oferece potencialidades formativas que devem ser levadas em consideração no processo ensino-aprendizagem como uma das técnicas pedagógicas mais aces-síveis e efi cazes ao pesquisador da ciência geográfi ca.

A pesquisa de campo como um método efi ciente na produção da ciência ge-ográfi ca e na prática de ensino proporciona a oportunidade de confronto com a realidade com as discussões teóricas realizadas em sala de aula, possibilitando a atuação conjunta dos professores/pesquisadores das disciplinas envolvidas e a percepção das interfaces existente entre elas.

Ressalte-se a importância da pesquisa de campo para a Geografi a, pois desde os tempos mais remotos, até os dias atuais, esse resulta o procedimento clássico e tradicional do geógrafo; levantar dados e informações, bem como desenvolver o processo pedagógico do ensino e prática da ciência geográfi ca.

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PAULA, Amir El Hakim de1

ResumoO artigo procura discutir como as mudanças no mundo do trabalho repercutem nas ciências humanas, em especial na Geografi a. Para tal êxito desenvolvemos uma análise mais aprofundada sobre a emergência do trabalho imaterial e do Geomarketing.Ao realizarmos isso, procuramos demonstrar de que forma alguns atributos ge-ográfi cos foram incorporados nesse novo mundo do trabalho, muito embora a ciência geográfi ca ainda mantivesse uma análise crítica a essas transformações.Entender esse processo possibilita-nos desvelar que, muito embora as ciências humanas estivessem quase que totalmente alijadas dessas inovações, a Geografi a, principalmente em seu ramo técnico (Cartografi a) agregou a si novos conheci-mentos e mesmo que discutivelmente, conseguiu um espaço nessa moderna con-fi guração do trabalho.

Palavras-Chave: trabalho-geografi a-geomarketing-tecnologia

1 Estudante de Doutorado em Geografi a da FFLCH-USP. E-mail: [email protected]

As mutações do mundo do trabalho e a geografi a: O caso do geomarketing

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AbstractThe article seeks to argue as the changes in the world of the work reverberate in sciences human, in special in Geography. For such success we develop a more deepened analysis on the emergency of incorporeal work and the Geomarketing. When carrying through this, we seek demonstrate as some geographic attributes had been incorporated in this new world of the work, although the geographic science have kept a critical analysis to these transformations. Understanding this process makes possible us see that although sciences human had almost that total unloaded of these innovations, Geography, mainly in its branch technician (Cartography) added itself new knowledge and same that arguably, a space in this modern confi guration of the work obtained.

Key Words: work-geograph-geomarketing-tecnology

1. Introdução

Nos últimos trinta anos surgiram grandes mudanças no mundo do Trabalho, como também novas metodologias que discutem o porquê dessas transformações.

O modelo de produção dominante até a década de 1970 (taylorista/fordista) começa a receber severas críticas devido, principalmente, a sua baixa capacidade de acumulação de capital, bem como ainda mantêm o trabalhador numa esfera ocupacional largamente baseada em movimentos mecanizados.

Dentro dessa dinâmica inicia-se um processo de transformação do modelo taylorista-fordista, que resulta no surgimento de uma nova ideologia adminis-trativa, o chamado toyotismo (ohnismo), pós-fordismo ou mesmo acumulação fl exível, que se caracteriza, entre outras coisas, por uma enorme informatização da economia com refl exos intensos no mundo do trabalho.

A aplicação desse novo modelo administrativo ocasionou grandes discussões nas ciências sociais sobre as novas condições dos trabalhadores. Analisando sob um prisma mais crítico, Alves (2000), afi rma que o toyotismo é uma ofensiva do capital na produção, procurando debilitar a solidariedade de classe e ocasionando “a precarização da classe dos trabalhadores assalariados, que atinge não apenas no sentido objetivo, a sua condição de emprego e salário, mas no sentido subjetivo, a sua consciência de classe.” (ALVES 2000, p.29)

Já para Castells (1999), essas mudanças seriam benéfi cas a longo prazo para a classe trabalhadora, pois

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o que tende a desaparecer (...) são as tarefas rotineiras, repetiti-vas que podem ser precodifi cadas e programadas para que as máquinas as executem. É a linha de montagem taylorista que se torna uma relíquia histórica.” (CASTELLS 1999, p.264)

Para nós, as duas avaliações engrandecem a discussão, e embora divergentes

em vários momentos, se complementam. A primeira dotada de uma posição classista analisa as transformações sob um prisma no qual predomina o concei-to de luta de classes, que entende o mundo sendo sempre um palco de confl itos entre os ‘donos do capital’, que na sua volúpia por mais lucros exploram cada vez mais a ‘classe trabalhadora’. Na segunda, as mudanças que o toyotismo traz não se confi guram apenas como um processo de precarização do trabalho, mas possibilitam o surgimento de um trabalhador mais capacitado, polivalente, pois as “tecnologias da informação exigem maior liberdade para [que] trabalhado-res mais esclarecidos atinjam o pleno potencial da produtividade prometida.” (CASTELLS 1999, p.263)

Assim Alves (2000), se mostra extremamente pessimista quanto às condições gerais da nova organização do trabalho e dos trabalhadores e tem como escopo principal, os trabalhadores menos capacitados. Enquanto Castells (1999) enten-de que de alguma forma essas mudanças prenunciam a chegada de um ‘admirável mundo novo’, visto que o fi m (?) das tarefas rotinizadas propiciarão um trabalha-dor cada vez mais de decisão e não apenas executor de funções.

Nesse sentido as duas têm pontos fortes a favor, pois apontam com proprie-dade essas transformações. Pode-se criticar os dois estudos, pela análise parcelar, já que um analisa prioritariamente o operário do “chão da fábrica”, enquanto o outro se preocupa mais com os trabalhadores do setor de serviços.

Afora as discussões sobre a materialidade do trabalhador de fi ns do século XX, temos outras que demonstram as mudanças econômicas surgidas dessas transfor-mações, denotando que saímos de uma economia baseada na industrialização, para neste século, entrarmos num paradigma que segundo Negri (2001), chama-se ‘pós-modernização econômica’(dominada pelos serviços e pela informação) ou simplesmente ‘economia informacional’.2

É dentro dessa mudança de paradigma, que se encaixa a teorização do trabalho imaterial, já que a transição para uma economia informacional envolve, necessaria-mente, uma mudança na qualidade e natureza do trabalho. Assim, para Negri (2001),

2 NEGRI, Antonio e HARDT, Michael – Império (Esses conceitos se encontram, principalmente, no CAP III)

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com a emergência do trabalho imaterial, “a informação e a comunicação desempe-nham um papel fundamental nos processos de produção.” (NEGRI 2001, p.310)

Tão fundamental, que é nessa esfera (diríamos comunicacional) que, segundo esse autor, se cria a mais-valia. Diz:

Na sociedade produtiva pós-fordista (mas também nes-te caso, pós-taylorista) a natureza do trabalho transfor-mou-se completamente. A força de trabalho que criando mais-valia, hoje se coloca hegemonicamente, no centro do sistema produtivo, já é essencialmente imaterial: vale di-zer, trabalho de modo intelectual com empreendimento autônomo e com fortes e independentes capacidades de cooperação “3. E completa:” Por conseguinte, o lugar onde se produz o excedente de produtividade já não é a fábrica, nem o sistema da grande indústria, mas o conjunto de ‘redes sociais’ por meio das quais essa massa de trabalha-dores imateriais aprende, coloca-se em contato, comunica, inventa, produz mercadorias e faz tudo isso reproduzindo subjetividades. (NEGRI 2001, p.310)

É como se a mais-valia não fosse mais gerada na fábrica, mas por todos aque-

les que participam dessas ‘redes sociais’, como a escola, a ciência, os sistemas de comunicação e informação, etc.

Contrários, a essas formulações encontramos Antunes (2000), afi rmando que

[...] em vez da substituição do trabalho pela ciência, ou ainda da substituição de produção de valores pela esfera comuni-cacional da substituição da produção pela informação, o que se pode presenciar no mundo contemporâneo é uma maior inter-relação, uma maior interpenetração entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços, entre as atividades laborativas e as atividades de concepção que se expandem no contexto da reeestruturação produtiva do capital.4

Na verdade, com a entrada de novas tecnologias no mundo do trabalho que

3 NEGRI, Antonio –” Direita e Esquerda na Era Pós-Fordista”. Folha de São Paulo. 29 de Junho de 1998.

4 ANTUNES, Ricardo – “ Material e Imaterial.” Folha de São Paulo.13 de Agosto de 2000.

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possibilitaram a sua informatização, a discussão sobre aonde é gerada a mais-valia, para alguns autores merecem uma revisão, já que a idéia central de que esse “ganho” o capitalista retira do operário no processo de produção material já não pode ser levado muito em consideração, pois grande parte das indústrias já sofreu ou sofre um processo de robotização, ocasionando a demissão de parte dos trabalhadores, sendo que em longo prazo, o ofício destes trabalhadores poderia acabar ou estes fi carem como gerenciadores dessas máquinas.5

Como percebemos, essas discussões são instigantes e demonstram a possibili-dade de grandes inovações metodológicas. Essa introdução serve-nos como rotei-ro de nosso estudo que terá como ponto máximo um parecer sobre a emergência do trabalho imaterial nas ciências sociais, mais especifi camente na geografi a, a chamada geografi a de mercado ou geomarketing.

Para isso, analisaremos as mudanças que vem ocorrendo no mundo do tra-balho, enfocando como esse trabalhador foi se constituindo desde a Revolução Industrial, bem como o signifi cado do surgimento de modelos de reestruturação produtiva, que tanto o transformaram subjetivamente como materialmente.

2. Mudanças nas formas de ser do trabalho e do trabalhador

Para o homem o trabalho sempre teve um papel primordial em sua vida. É a partir dele que o homem percebe-se como sujeito social. Obviamente, o traba-lho não é exclusividade humana, mas diferentemente de qualquer outro animal, antes mesmo de concretizar algo, o homem o projeta em sua mente, percebendo então a sua capacidade de abstração e a sua possibilidade de dominar e trans-formar a natureza.

Como diz Antunes (1995),

Através do trabalho, tem lugar uma dupla transformação. Por um lado, o próprio homem que trabalha é transfor-mado pelo seu trabalho: ele atua sobre a natureza, desen-volve as potências nelas ocultas e subordina as forças da natureza ao seu próprio poder. Por outro lado, os objetos e as forças da natureza são transformadas em meios, em objetos de trabalho, em matérias-primas, etc. O homem

5 Sobre um uma análise da mais-valia nas mudanças tecnológicas, ver Harvey(2000), p.174.

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que trabalha utiliza as propriedades mecânicas, físicas e químicas das coisas, a fi m de fazê-las atuar como meio para poder exercer seu poder sobre outras coisas, de acor-do com sua fi nalidade. (ANTUNES 1995, p.123)

Dominando a natureza e a transformando (diríamos em muitos casos a des-

truindo!), ao homem foi possibilitado a sua expansão por todo o planeta, inde-pendente das condições climato-botânicas, geológicas, etc, que ele encontrava, já que pelo trabalho ele conseguia se adequar ao meio-ambiente e em certa medida adequar o meio-ambiente á si.

Em que pese ser fruto da natureza, como qualquer outro animal, aos poucos o homem (principalmente o ocidental), cada vez menos se julga um ser natural, fato que chega ao seu limite quando da emergência do modo de produção capita-lista, quando entre o homem e a natureza se coloca a noção de valor.6

Como diz Moreira (2000): “O fato é que o surgimento da mediação do capital faz da relação ambiental uma relação técnica do trabalho, capitalizando-a. De imediato, o nascimento do valor separa homem e natureza.” (MOREIRA 2000, pp.54-55)

Assim, antes de se ter o valor entre o homem e a natureza, havia uma identi-fi cação próxima, o homem se identifi cava com um ser natural. Com a Revolução Industrial e a incessante necessidade de produção de mercadorias, a natureza cada vez mais é vista como algo alheio ao homem, por isso passível de pilhagem, na tentativa de se obter mais lucros.

Antes do advento da Revolução Industrial, trabalho, natureza e sociedade in-teragiam numa relação de identidade. As fases do trabalho eram momentos de festas e tomadas como calendário de vida e de tempo-espaço da sociedade como um todo. Uma sincronia que aos poucos vai se perdendo, conforme o avanço das técnicas surgidas e a busca incessante por mais lucros. É daí então que certo utilitarismo predomina nessa relação e relacionar-se com a natureza passa a ser a sua conversão em mercadorias pelo trabalho.

A Revolução Industrial além de trazer modifi cações na relação homem-natu-reza, trouxe também modifi cações nas relações entre os homens. Já que a nature-za passa a ser vista como um grande e inesgotável arsenal de recursos (e lucros!), têm-se cada vez mais a necessidade de transformar as relações entre os homens, para que se possa extrair e utilizar-se desses recursos em um uso mínimo do tem-

6 Aqui entende-se valor como atributo que transforma bens naturais em bens econômicos.

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po.7 Assim, como aponta Antunes (1995),

de imediato o nascimento do valor separa o homem e na-tureza. Em seguida, separa o trabalho dentro da socie-dade, destacando-o para torná-lo o designativo dentro dela da função de uma das suas frações demográfi cas, daí surgindo a fi gura do trabalhador e da classe do trabalho. (ANTUNES 1995, p.55)

O trabalho que possibilitou ao homem efetivar-se enquanto um ser social, na

fábrica transforma esse homem em coisa, e a mercadoria que este acaba produ-zindo torna-se mais valiosa que ele próprio.

Esse trabalho é enfadonho, desgastante, pois não é voluntário, mas compul-sório, trabalho forçado, já que o operário não satisfaz-se trabalhando, mas ele é apenas um meio de satisfazer necessidades alheias. E como se constituía o coti-diano alienado desse trabalhador?

Os exemplos são inúmeros. Vamos nos concentrar no caso brasileiro, abor-dando alguns aspectos do operário do início do século XX, o que no geral, não difere muito das condições dos operários da Europa industrial.

Lopreato (2000) nos descreve esses aspectos:

As fachadas suntuosas das fábricas ocultavam a torpe rea-lidade do seu interior: o ar e a luz eram escassos e abunda-vam resíduos, detritos e poeiras. [...] Os operários, sujeitos a doenças provocadas pela insalubridade do ambiente e pelo trabalho excessivo, ainda eram vítimas das engrena-gens das máquinas que os deixavam mutilados e inválidos, quando não mortos. (LOPREATO 2000, pp.78-79)

Afora todas essas difi culdades, temos de lembrar que seu ritmo de trabalho era

intenso, sujeito a multas por qualquer motivo banal, trabalhava-se pelo menos 12 horas por dia e o salário não dava nem para a própria sobrevivência do operário, quiçá de sua família, que, diga-se de passagem, quase sempre trabalhava com ele, inclusive em horário noturno.8

7 Importante seria perceber também que aos poucos, os recursos naturais, como carvão, petróleo, etc passam a ser de uso privado.

8 Lopreato aponta o depoimento de um menino de 14 anos que trabalhava das 19hs ás 6hs da manhã. Se dormia era acordado com baldes de água gelada, mas se o

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Poderíamos dizer também que afora o “inferno” de dentro da fábrica, a sua vida tinha escassas atrações. Recebia muito pouco, vivia em cortiços, era um trabalhador sem nenhum direito, precarizado, pois a atividade fabril era controlada pelos humo-res dos industriais. Situações que em pleno século XXI aparecem novamente!9

Vivenciando tão terrível realidade, suas expectativas de uma vida razoável eram mínimas. Daí, surgirem no Brasil, como na Europa e EUA, amplas manifestações exigindo melhores condições de trabalho, garantias de emprego, etc, que resulta-ram em grandes confl itos (1º de Maio, Greve de 1917) e que promoveram o surgi-mento de sindicatos. Por meio dos sindicatos, os trabalhadores, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, conseguem melhores condições de vida.

Percebemos então que, desde o início da Revolução Industrial, tanto as re-lações entre o homem e a natureza são confl itantes, como entre os próprios ho-mens, no caso relações entre o Trabalho e o Capital.

Como forma de tentar diminuir as relações confl ituosas entre Capital e Trabalho, a intensifi cação da competição entre empresas e o avanço das idéias socialistas entre os operários, começam a surgir, no início do século XX, novas formas de gerencia-mento industrial, que ao mesmo tempo possibilitassem uma maior racionalização do tempo e a geração de mais lucros. A principal delas foi o taylorismo/fordismo.

Segundo Harvey (2000),

a data inicial do fordismo foi 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares como re-compensa para os trabalhadores da linha automática de montagem de carros, que ele estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan. (HARVEY 2000, p.121)

Estudando esse modelo, o binômio taylorismo/fordismo, Gomes e Silva (2001)

afi rmam que “tanto para F.W.Taylor como para H.Ford, o mal do mundo está no desperdício de tempo: esse inefi ciente dispêndio impede que o homem receba o exato equivalente de seu trabalho.” (GOMES E SILVA, 2001, p.217) Ford pensa ainda que o seu modelo serviria para todos os outros ramos da economia, como escolas, hospitais, etc, tudo isso imbuído da mais pura certeza de que todos sai-riam ganhando, pois a efi ciente gestão da força de trabalho deveria contribuir para o máximo de prosperidade para o patrão e para o trabalhador, gerando, ao

capataz estava nervoso, não era raro bofetadas e chutes. Ver pp. 79-81.

9 Esse o caso de vários trabalhadores do Sudeste Asiático e da China. Mais detalhes ver Antunes (1999).

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mesmo tempo, uma sociedade sem desemprego e sem pobreza.Entretanto, para se concretizar essa “utopia industrial”, o trabalhador deve-

ria ter suas funções racionalizadas, combatendo-se o desperdício na produção e aumentando o ritmo de trabalho. A materialização desse desejo é conseguida com o uso da esteira automática e do cronômetro, pelo qual os movimentos do trabalhador fi cariam submetidos aos ditames da máquina.

A fábrica taylorista-fordista teve como melhor e mais completo exemplo a indústria automobilística, e caracterizava-se, segundo Antunes (1999)

pela produção em massa de mercadorias, que se estru-turava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada. (...) Grande parte da produção necessária para a fabricação de veículos era realizada inter-namente, recorrendo-se apenas de maneira secundária ao fornecimento externo, ao setor de autopeças. (ANTUNES 1999, pp.36-37)

Um controle total sobre todos os setores da empresa. Isso também necessitaria uma grande quantidade de pessoas em cargo de chefi as e gerência. Então a fábrica de Ford em nada se diferenciava das indústrias do século XIX e início do século XX?

Veremos. Em que pese o trabalhador sob o regime fordista ser tratado com uma engrenagem, um “apertador de parafusos”, a principal diferença residia no fato de que com as novas técnicas, Ford possibilitava a produção em massa, que propicia-va o barateamento dos produtos, fazendo com que camadas médias da sociedade, inclusive alguns de seus funcionários, fossem consumidores de mercadorias mais sofi sticadas. Com o fordismo, nascia de alguma maneira a sociedade de consumo.

Grande parte desse movimento de crescimento econômico teve como principal agente os partidos social-democratas, que, dirigindo uma parte da classe trabalha-dora europeia, abandonavam bandeiras históricas do movimento operário e antes de serem promotores de confl itos, passaram a aparecer como árbitros, delimitando o campo de luta de classes, enquanto algumas melhorias do modelo Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), num acordo que “implementava ganhos sociais e se-guridade social para os trabalhadores dos países centrais, desde que a temática do socialismo fosse relegada a um futuro a perder de vista.” (ANTUNES, 1999, p.38)

Aos trabalhadores se ofereciam uma extensa rede de segurança social que possibilitava uma maior participação no “maravilhoso mundo das mercadorias”, desde que em contrapartida, seu antigo sonho de se libertar do trabalho explo-rado defi nitivamente fosse enterrado; e os empresários arcariam com as despesas

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advindas dos benefícios dos trabalhadores. Essa situação possibilitava maiores lucros já que poucos confl itos ocorreriam e uma

maior parcela dos trabalhadores tornar-se-ia consumidora. Sendo assim, não é a toa que esse modelo fordista/keynesiano, vigorou nos países centrais, entre as décadas de 1930 e 1970. Mas porque esse modelo não conseguiu se manter a partir daí?

Na realidade, desde a década de 1960 esse modelo mostrava que tinha che-gado ao seu ocaso. Através do “pacto” fordista/keynesiano, grandes parcelas dos trabalhadores dos países centrais conseguiram obter estabilidade empregatícia e enormes benefícios extra-salariais, como seguridade social, direitos de pensão, etc, e que, entre outras coisas, encareciam o preço da produção.

Além disso, países da América Latina e do Sudeste Asiático, onde praticamen-te inexistia algum compromisso fordista, acirraram a competição industrial inter-nacional. Essa competição dos países periféricos provocou demissão de trabalha-dores nos países centrais e sobrecarregou a arrecadação do Estado Keynesiano.

Afora os elementos econômicos (poderíamos citar ainda a crise do petróleo de 1973), os trabalhadores, nesse período (décadas de 1960 e1970) iniciavam questionamentos sobre os pilares constitutivos da sociabilidade do Capital, par-ticularmente, o controle social da produção, pois era contraditório o fato de que pelo taylorismo/fordismo o operário era destituído de qualquer participação na organização do trabalho, só realizando tarefas repetitivas, mas ao mesmo tem-po era convocado para corrigir deformações e enganos cometidos pela “gerência científi ca” e pelos quadros administrativos.

Dentro desse panorama (crise econômica e crítica á rotinização de tarefas) é que modelos administrativos, chamados “fl exíveis” (como o toyotismo) aparecem com o objetivo de recuperar o ciclo reprodutivo econômico e ao mesmo tempo, repor o projeto de dominação social do Capital.

O toyotismo, modelo de acumulação fl exível, inspira-se “parcialmente, no âmbito da gestão da força de trabalho de execução direta, nas idéias participativas surgidas nos Estados Unidos na década de 30”. (GOMES E SILVA, 2000, p.221) Essas idéias tiveram como “ideólogo” Elton Mayo, criador da “Sala de Terapia das Tensões Industriais”, que procurando controlar a subjetividade do trabalhador, para Gomes e Silva (2000)

busca harmonizar os interesses entre a gerência e os operá-rios por meio do ‘truque’ dos valores múltiplos: os fatos de-vem ser enfrentados, colocados em um determinado qua-dro de referência, numa nova gramática do poder, numa nova linguagem. (GOMES E SILVA 2000, p.221)

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Com a entrada dos Estados Unidos no Japão, a partir do fi m da Segunda Guerra Mundial, empresários japoneses perceberam que a idéia de cooperação poderia mui-to bem se adequar a uma gerência do trabalho baseada em métodos paternalistas.

Já em fi ns da década de 50, o conceito de TQC (Total Quality Control) norte-americano, é adotado em empresas japonesas, com o nome de Círculos de Controle de Qualidade (CCQ). Em 1990, eles eram em torno de 314.000 e envolviam 2,5 milhões de trabalhadores. Mais do que diminuir os cargos de gerência procuravam a participa-ção efetiva dos trabalhadores nos CCQ’s. Como afi rma Gomes e Silva (2000):

esse esquema de participação, além de estimular o trabalha-dor, é considerado um simples e efi caz sistema de difusão de informações, pois rompe com os segredos de ofícios e com al-guns conhecimentos que ainda continuam nas mãos dos ope-rários no fordismo clássico. (GOMES E SILVA 2000, p.225)

Junto aos CCQ’s, novas idéias surgiriam como forma de aperfeiçoar a produ-

ção. Através do método Kanbam/Just in Time (produção no momento certo), a produção fi caria voltada e conduzida, diretamente, pela demanda, instituindo-se o “estoque mínimo”.

Essas novas formas de gerir a produção promoveram também uma modifi ca-ção na espacialidade das indústrias. Essa transformação espacial era necessária, já que na fábrica toyotista deveria haver agilidade na adaptação do maquinário e dos instrumentos para que novos produtos fossem elaborados. Deixava de ser viável a fábrica verticalizada, lenta e onerosa, pois tinha como premissa o controle de to-das as fases da produção, para surgir a toyotista que atuaria de forma horizontal, reduzindo-se o âmbito de produção da montadora (no caso das automobilísticas) e delegando esses serviços ás subcontratadas, ás terceiras.

A fábrica fl exível “forçava” a existência do trabalhador fl exível. A informatiza-ção da indústria e a recessão provocada pela crise do petróleo de 1973 levam a um aumento do desemprego, criando novas formas de trabalho, sem a “rigidez”10 do fordismo. Nas palavras de Antunes (1995), surge uma “subproletarização do trabalho, presente nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, subcon-tratado, terceirizado, vinculado á economia informal.” (ANTUNES, 1995, p.44)

10 Aqui, no sentido de que, no fordismo havia uma grande estrutura de benefícios so-ciais. Achamos conveniente usar desta forma, visto que no debate atual, sobre mu-danças na CLT, benefícios sociais são vistos como “engessadores” da produção.

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Mas não apenas essa tendência “destrutiva” ocorreu, já que outra, não menos importante, gerada com a informatização da indústria e o desemprego, possibili-taria ao operário estável, deixar de operar apenas uma única máquina (caracterís-tica do fordismo) e passa a ser polivalente.

Para Castells (1999), essa polivalência leva ao fi m das tarefas rotineiras e as-sim, esse operário fi cará autônomo, mais intelectualizado, deixando de ser apenas um simples apertador de parafusos.

Em nossa opinião, o que na verdade ocorre é que com essas mudanças, o operário, longe de ter uma importância no processo de produção, tem seu saber intelectual apropriado (e não pago!), pois na realidade a sua opinião sempre se restringirá em “como produzir” e não “o que produzir”. Ilusão achar que ele ga-nhou autonomia!

Além das grandes mudanças ocorridas na indústria, citadas anteriormente, para alguns autores, como Lazzarato (2000), a aplicação das técnicas toyotistas na economia, como um todo, favoreceu a predominância, a partir da década de 1980, do setor de serviços sobre o setor industrial. De certa forma a própria indústria tende a valorizar mais a informação do que o produto em si. Como diz Lazzarato (2000) “Ela (a indústria) se volta sempre mais para a comercialização e fi nanceirização do que para a produção. Um produto antes de ser fabricado deve ser vendido.” (LAZZARATO 2000, p.44)

Corroborando essa asserção, Dantas (2000), baseado em reportagem do Jor-nal do Brasil e concordando com as proposições sobre as mudanças na economia derivadas da emergência do toyotismo, aponta que o produto (automóvel) em si gera menos lucro do que a “infra-estrutura” que ele cria para a sua venda.11 (DANTAS, 2000, p.119)

Levando em consideração essas análises, percebemos que gradualmente o eixo da economia mundial migra da indústria para o setor de serviços, no qual a informação e a comunicação desempenham um papel fundamental nos processos

11 DANTAS, Marcos – O Valor da Informação: Trabalho e Apropriação no Capitalis-mo Contemporâneo, p.119. A reportagem do Jornal do Brasil indica que “o avanço tecnológico e a globalização dos mercados começam a trazer alterações profun-das e radicais em diversos segmentos da economia. A indústria automobilística está mudando e outras transformações vão chegar para as concessionárias(...) Há 15 anos, nos Estados Unidos, 70% dos lucros das concessionárias eram fruto da venda de veículos. Hoje representam apenas 1%. O pós-venda – contrato de ma-nutenção, assistência e venda de peças e equipamentos -, que era responsável por apenas 2% do lucro, responde agora por quase 70%.” JB, 23/10/95.

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de produção. O mundo dominado pela informação e a comunicação é o mundo do trabalho imaterial.

A lista desses serviços é vastíssima: marketing, ciência, opinião pública, moda, esporte, entre outros. Esses serviços, segundo Negri (2001) podem ser separados em subgrupos.

O primeiro está envolvido numa produção industrial que foi informacionalizada e incorporou tecnologias de comu-nicação de um modo que transforma o próprio processo de produção. A atividade fabril é vista como serviço e o trabalho material da produção de bens duráveis, mistura-se com o trabalho imaterial e se inclina na direção dele. O segundo é o trabalho imaterial de tarefas analíticas e sim-bólicas, que se divide na manipulação inteligente e criativa de um lado e nos trabalhos simbólicos de rotina de outro. Finalmente, a terceira espécie de trabalho imaterial envol-ve a produção e a manipulação de afetos e requer contato humano (virtual ou real), bem como trabalho tipo físico. (NEGRI 2001, p. 314)

A supremacia do setor de serviços e do trabalho imaterial na economia atual enquanto produtores de valor está longe de ser uma unanimidade. Um dos maio-res críticos é Antunes (1995; 1999). Para o autor,

(...) a refl exão em torno do trabalho vivo e de sua centra-lidade hoje deve recuperar a discussão sobre o trabalho imaterial como uma tendência presente no mundo produ-tivo da empresa capitalista moderna e em interação com as formas de trabalho material. (ANTUNES 1999, p.130)

Assim a discussão sobre o trabalho imaterial só tem importância na medida

em que relaciona-se com o trabalho produtivo ou que produz mercadorias “ma-terializadas” e não subjetivas, informacionais, etc. Não se pode querer entender o imaterial sem essa relação, pois para ele ainda é na materialidade que o Capital se reproduz.

Mudanças espaciais são percebidas com o intenso processo de informatização. A efi ciência da fábrica fordista passava pela concentração num mesmo local de matérias-primas, transportes, comunicações e mão-de-obra.

Hoje a fábrica pós-fordista, baseada nessa informatização não necessita de

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todos esses elementos aglutinados e já não existe uma relação entre efi ciência e concentração. Pelo contrário, quanto mais enxuta, mais lucrativa tende a ser. Negri (2001) comenta a extensão dessas mudanças:

Avanços nas telecomunicações e nas tecnologias de infor-mação tornaram possível desterritorializar a produção. (...) Processo laborais podem ser conduzidos de forma quase inteiramente compatíveis com redes de comunicação, para as quais localizações e distância tem pouca importância”. E completa: “ Operários envolvidos num único processo podem, com efeito, se comunicar e cooperar em pontos re-motos, não dependendo da proximidade. De fato, a rede de cooperação no trabalho não requer território nem centro físico. (NEGRI 2001, p.316)

Apesar do surgimento dessa rede social informacional, o mundo do traba-

lho ainda tem na sua maior parte, pessoas trabalhando em péssimas condições, sem mínimas garantias sociais, pessoas estas esquecidas, que apenas sobrevivem, como as mulheres da Indonésia que fabricam o tênis Nike durante 12 horas ao dia e ganham 38 dólares, ou mesmo os perto de 1 bilhão de homens e mulhe-res desempregados, subempregados e precarizados, que são descartados como se fossem seringas. Para essas pessoas, o Capital ainda não lhes deu “autonomia”.

Trilhamos esse caminho extenso a fi m de mostrar que a categoria trabalho vem se modifi cando desde a revolução industrial, o que implicou no surgi-mento de novas “harmonias administrativas”, mas também modifi cações na sua própria materialidade e de quem a compõe, o que seria hoje, a classe dos trabalhadores.

Percebemos que as mudanças do mundo do Trabalho, acontecem desde a emergência da Revolução Industrial. Desse momento inicial até os dias atuais, inúmeras transformações de ordem econômicas ocorreram no Capitalismo, que alteraram o modo de ser subjetivo do trabalhador, suas idéias e suas esperanças, mas, principalmente no nosso caso, percebemos como a introdução de mudanças de cunho organizacional no mundo industrial, modela também sensíveis mudan-ças espaciais, como no caso da passagem da fábrica fordista verticalizada para a fábrica toyotista horizontal.

Nosso intuito a partir deste momento é discutir a emergência do trabalho imaterial nas ciências sociais e para isso nos valeremos da geografi a, mais especi-fi camente, a geografi a de mercado ou geomarketing.

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3. A emergência do trabalho imaterial nas ciências humano-sociais: o caso do geomarketing

As sucessivas greves de funcionários, alunos e professores da FFLCH-USP, que vem ocorrendo desde 2002 colocam na mídia o debate sobre a importân-cia das ciências humano-sociais em uma universidade12. Demonstram também que é tão relevante uma pesquisa em biotecnologia que possibilite algo prático à sociedade, como a cura do câncer, como um estudo comparativo em línguas ou ciências sociais, mesmo que a princípio não se veja algum uso imediato nas últimas citadas.

Na verdade, há pelo menos vinte anos, certo utilitarismo vem predomi-nando na sociedade, promovendo a ascensão das ciências ditas aplicadas ou que possuem uma aplicabilidade de resultados mais perceptíveis (caso das ciências exatas e biológicas) e em contrapartida o ostracismo das ciências humano-sociais (como história, letras e geografia), já que estas não compre-endem o conhecimento como instrumento de solução imediata, pois qualquer transformação necessitaria, a priori, de um amplo debate de idéias, o que denota tempo.

O mundo moderno, chamado por alguns autores como pós-fordista, é o mundo das soluções rápidas e baratas, do pensamento único (e por isso que nega o debate), baseado no lucro fácil e no uso mínimo de tempo para a con-clusão de algo.

Dentro desta lógica, as ciências humano-sociais pouco “servem” visto que possuem “baixa” efi ciência e não raramente criticam essa nova ordem.

Assim, a possível “falta de aplicabilidade”, deixa essas ciências em uma posi-ção inferior com relação às demais na universidade, particularmente a pública, já que a própria universidade, cobrada pela mídia e através desta pela opinião pública, “optou” ao invés de ser um centro formador de estudiosos e pesqui-

12 Mais recentemente, no mês de Março de 2011, notícia vinculado no site R7, infor-mava que uma sala de aula do curso de História da USP tinha mais de 200 alunos, alguns deles sentando em cadeiras quebradas. Esse fato demonstra ainda o descaso que grande parte da Universidade tem com relação às ciências humano-sociais. Mais detalhes ver: “Falta de professor faz aula fi car superlotada na USP –Sala do curso de História abrigou 240 alunos; reitoria diz que responsabilidade é da FFLCH” em htttp//: noticias. R7.com/vestibular-e-concursos/noticias/falta-de-professor-faz-aula-fi car-superlotada-na-usp-20110304.html. Acessado em 04/03/2011.

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sadores, ser um centro formador de técnicos, prontos para ocupar um posto no mercado de trabalho13.

E dessa forma, colocando técnicos no mercado, fi ca clara a sua interação com a sociedade que a sustenta com impostos, e demonstra também que aos poucos diminui-se o mantenimento de estudiosos “parasitas”, que ocupam seu tempo em discussões “vagas”.

Dentro deste panorama, as ciências humano-sociais vêm travando uma luta contra seu sucateamento. Mas ilude-se quem acha que dentro desse quadro tão adverso, só lhe restou a luta.

A crise que acometeu (e vem acometendo) as ciências humano-sociais, elo menos desde a década de 1980, trouxe a necessidade de discussão da inserção desses profi ssionais no mercado, quase que ainda restrito ao também despresti-giado magistério.

Desta forma surgem várias empresas-júnior. Ou seja, núcleos de estudantes universitários orientados por um professor-doutor, prestadores de serviços à co-munidade, mas principalmente às empresas, possibilitando uma sintonia com o mercado de trabalho antes do fi m da graduação.

Várias dessas empresas prosperaram (como no curso de ciências sociais e eco-nomia, entre outros) e outras tentaram, mas nem saíram do papel (caso da Geo-grafi a na USP). Mas importante desse processo é que o mercado já não era mais um “mal” a ser evitado e mesmo onde a empresa-júnior não vingou uma maior aproximação ocorreu entre o mercado e a Universidade.

E como se deu essa interação? A partir dessa experiência com as empresas-júnior, os sociólogos preocuparam-se em ocupar postos nas empresas de análise de mercado, pesquisa político-partidária, entre outros. Assim, também estudan-tes de letras, fi losofi a, história, tentaram achar seu “nicho” no mercado atual, enquanto que aos geógrafos, couberam trabalhos com cartografi a digital, geo-processamento e geomarketing.

Em suma, todos inseridos no mercado de trabalho e principalmente num novo mercado de trabalho, dado que a década de noventa inicia-se dentro de uma nova conjuntura política (fi m da guerra fria) e a emergência de políticas ne-oliberais, que acopladas a uma intensa informatização, impulsionaram uma nova dinâmica do Capital.

13 Isso pode ser observado pela diminuição de verbas em pesquisas nas ciências humanas, o surgimento do mestrado profi ssionalizante (MBA) na universidade pública, bem como, a instituição dos cursos seqüenciais de curta duração nas fac-uldades particulares.

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Dito de outra forma, as ciências humano-sociais vão se inserindo em uma “nova” economia, baseada no trabalho imaterial, que vem trazendo transformações signi-fi cativas, seja na ampliação do mercado de trabalho para seus profi ssionais, mas também na incorporação de novas disciplinas ao seu currículo, como a introdução aos estudos de microinformática ou mais recentemente, análises sobre geoprocessa-mento, cursos estes ministrados nos vários Departamentos de Geografi a.

Assim, percebe-se que concomitante à entrada do profi ssional no mercado, novas disciplinas técnicas são incorporadas no currículo universitário.

Dentro dessa dinâmica de incorporação mercadológica, é que iniciaremos uma análise específi ca de uma sub-área da Geografi a, que tem grande inter-rela-ção com o Marketing e a Economia e, em que pese não ter uma disciplina própria na academia, se utiliza dos vários instrumentais modernos (como o geoprocessa-mento) que aos poucos vão se incorporando aos estudos geográfi cos. E de alguma forma, além do geógrafo estudioso, intelectual, surge um que se ocupa essencial-mente de um trabalho técnico.

Em suma, analisaremos o geomarketing, sua relação com o trabalho imaterial e as implicações que esse modelo traz á Geografi a.

Qualquer análise histórica desse processo, obrigatoriamente nos leva à década de 1950, quando ainda havia certo desinteresse da geografi a e do geógrafo pelo marketing.

Em 1954, Willian Applebaum14, citado por Berry (1971) publicou um artigo na revista da Associação de Geógrafos Americanos “Marketing Geography”, no qual afi rmava que

el estudio del marketing habia sido descuidado por los ge-ografos, a pesar de la considerable parte de la poblacion activa ocupada de estas funciones, de la parte importante del paisaje urbano consagrado a los emplazamientos para la venta al por mayor y al por menor, y de los complejos ca-nales de distribucion que van desde las zonas produtoras a las consumidoras. (apud BERRY 1971, p.166)

14 Conhecido como o fundador do Marketing Geográfi co, Applebaum na década de 1950, por meio dos trabalhos de Walter Christaler (Teoria do Lugar Central) e de Willian Reilly (Lei da Gravitação do Varejo) propunha um método quantitativo para a seleção de pon-tos varejistas. Segundo Davies (1976, p.02) para Applebaum o Marketing Geográfi co “estava preocupado com os canais de distribuição através dos quais os bens se deslocam do produtor para o consumidor.” (He defi ned the subject as being concerned with the channels of distribution through which goods move from producer to consumer).

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Um pouco mais adiante, na década de 70, Berry15(1971) criticava ainda a falta de interesse do geógrafo na área de Marketing, quando dizia que” [...] La evaluación de los emplazamientos comerciales y la búsqueda de su lacalización óptima se entendían más como un arte que como una ciencia” (BERRY 1971, p.167)

Ou seja, para esses autores, o geógrafo poderia (e deveria) também promover uma maior otimização do espaço, possibilitando uma maior rapidez na circulação de uma mercadoria.

Mas o próprio Berry (1971), reconhece que essa mudança na análise espacial não seria nada fácil. Como menciona (através de uma crítica a um certo corpora-tivismo geográfi co),

Es comprensible que, tras la llamada de Applebaun em 1954, los geógrafos del marketing fracasaran en su intento de desarrollar su parcela científi ca en el marco de la cien-cia del marketing, porque la geografi a en su conjunto fue durante muchos años una ciencia encerrada en sí misma y permaneció insensible muchas vezes a los progresos realiza-dos en campos afi nes. BERRY 1971, p.168)

Assim para o autor, a Geografi a não se interessaria pelas novas “perspectivas”

que surgiam e preferia centrar suas discussões em seu mundo “fechado”.Deste momento inicial (décadas de 50 e 60) até o início do século XXI, consi-

deráveis transformações ocorreram na economia mundial, que trouxeram modi-fi cações, tanto nesse “novo ramo geográfi co – o geomarketing”, como também na postura do geógrafo em relação á ele.

O caminho de evolução que o geomarketing trilhou, passa de uma simples colocação de alfi netes em um mapa posto na parede, para o uso dos sistemas de informações geográfi cas que possibilitam cálculos de áreas, defi nição de períme-tros, sobreposição de mapas de uma mesma região, etc, fazendo com que alguns

15 Brian Berry é um geógrafo anglo-americano, um dos principais expoentes da chama-da “New Geography”, conhecida no país, principalmente a partir da década de 1960, como Geografi a Pragmática ou Teorética. Para Moraes (1987, p.108-109) a Geogra-fi a Pragmática “é um instrumento de dominação burguesa. Um aparato do Estado capitalista. Seus fundamentos, enquanto um saber de classe, estão indissoluvelmente ligados ao desenvolvimento do capitalismo monopolista. Assim, são interesses cla-ros os que ela defende: a maximização dos lucros, a ampliação da acumulação de capital, enfi m, a manutenção da exploração do trabalho. Nesse sentido, mascara as contradições sociais, legitima a ação do capital sobre o espaço terrestre.”

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geógrafos deixassem de encarar o marketing como algo supérfl uo, e hoje, tor-nam-se profi ssionais da área, quando não raramente, empresários desse setor.

Poderíamos entender esse processo da aliança entre o marketing e a geogra-fi a, respectivamente como, “a ciência que convence” com a “ciência que mostra o melhor caminho”. Resumindo, a aliança facilita em muito, a circulação de um bem que hoje em dia é bastante valorizado: a informação.

Então enviar correspondências para as pessoas certas, escolher os pontos de afi xação de outdoors, a localização de uma loja/empreendimento, são trabalhos que exigem um grande estudo sócio-econômico da população local e a fl utuante e obviamente, o conhecimento geográfi co facilita esse processo de análise anterior à consecução do projeto.

E, dentro da perspectiva de que mais importante do que ser crítico o geógrafo deve ser um técnico do espaço, ao invés de se discutir mudanças que favoreçam uma maior parte da população, esse profi ssional deve preocupar-se com uma análise espacial para o mercado, identifi cando, por exemplo, regiões onde algum grande atacadista poderia melhor se instalar.

Sendo assim, esse trabalho que entendemos imaterial, pois é essencialmente informacional, transforma o geógrafo de crítico do espaço em otimizador do es-paço. Antes a serviço da sociedade e agora do Capital. Bem, mas uma questão surge: De onde saem as informações que facilitam a análise desse geógrafo e que propiciariam a viabilidade ou não da instalação de um empreendimento?

A resposta quem nos traz é Tadeu Masano, em entrevista feita por Érico Guizzo. Tadeu Masano, diretor da empresa Geografi a de Mercado, ao comentar sobre a ori-gem dos dados que se utiliza para a consecução de seus negócios, aponta que:

Com 16 anos de vida, a “Geografi a de Mercado” acumula uma base de dados considerável. Ao todo já são mais de 100 bilhões de bytes provenientes de mais de uma centena de fontes de informação – como o IBGE, SEADE, Banco Central, Ministério do Trabalho, Secretaria da Fazenda, Prefeituras, entidades de classe e outras. Alguns dados não custam nada, são públicos.16

16 Entrevista retirada da revista eletrônica Exame Negócios, em www.geografi ade-mercado.com.br/mapscapev3/tacticianonlineartigos/bit_bem_passado.htm. Aces-sado em 12/10/2010

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Informações que posteriormente serão organizadas e armazenadas em bancos de dados e oferecidas como se fosse de uso privado, copyright!

Diríamos que ocorre a privatização da informação pública. Uma informação que é de natureza social, alocada num CD se transforma em algo extremamente valioso e possibilita a arrecadação de alguns milhares de reais.

Na verdade, como nos mostra Dantas (2000), em relação ao programa CAD, que tem em si cálculos e problemas resolvidos, possibilitando então a solução de questões novas, originais, esse CD com informações públicas será caro, pois

[...] o valor da informação encontra-se justamente no tra-balho que poupa, no tempo que algum subsistema social não precisou consumir porque pôde benefi ciar-se do resul-tado da busca feita por algum outro subsistema. (DANTAS 2000, p.113)

Mais ainda, seu uso restrito à geração de lucros de uma empresa, produz mecanismos de investigação que perpassam o respeito ao direito inviolável de não ser investigado sem autorização judicial (o que já seria questionável), num verdadeiro big brother real. Diz a matéria sobre a avidez do empresário:

Está negociando a compra de fotos de satélite de alta pre-cisão. “São fotos de um satélite russo e de um americano”, diz Masano. As imagens vão mostrar ruas e casas com niti-dez, como nos fi lmes de espionagem.

Ou seja, uma informação com acesso livre, com vista a planejamento público,

torna-se um produto de grande valia e lucro, visto essas informações estarem organizadas para determinado fi m, neste caso, aos interesses dos empresários do geomarketing.

E com essas informações, empresas trabalham com uma análise para o merca-do, demonstrando afora as possibilidades já citadas, o potencial de venda de um produto, tendo-se o perfi l sócio-econômico do local de instalação de uma empre-sa; indicam a melhor rota de entrega de um produto, garantindo maior rapidez, redução de custos e maior satisfação de clientes e até quais as possibilidades de instalação de grandes empreendimentos agropecuários.

Dessa forma, o visível concretizado na loja de departamento, na agência ban-cária ou mesmo numa loja de Mc Donald´s, foi determinado depois de uma ex-tensa pesquisa de localização espacial, bem como, a análise sócio-econômica da população local ou fl utuante, com o objetivo de se correr o mínimo de riscos

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desse empreendimento e o mesmo não ser lucrativo. Assim, anterior a fase de inauguração de uma grande loja, ocorreram vários meses de pesquisas.

O geógrafo, enquanto estudioso do espaço, exerce essa nova “função”, anali-sando os dados fornecidos por órgãos públicos, tendo como objetivo propiciar ao Capital uma melhor aplicação dos recursos fi nanceiros, quando da instalação de um estabelecimento comercial.

E, se anteriormente sua função principal função era utilizar os dados públicos, tendo em vista as demandas e necessidades da população em geral, enquanto profi ssional do geomarketing, sua preocupação se restringirá em garantir maiores lucros ao seu cliente.

Com o geomerketing, a ação espacial das grandes empresas fi ca facilitada, pela quase instantânea circulação das informações, possibilitada por essas novas tecnologias.

Ao geógrafo, abre-se um novo campo de trabalho. Mas, ao invés de sua análise favorecer a população em geral, como se esperaria tratando-se de um profi ssional com grande formação humanística, agora terá como foco um único objetivo: pro-piciar as empresas de terem um alcance espacial maior e melhor planejado.

A Geografi a mesmo tendo essas particularidades humanas, ao se inserir no mercado, por meio do geomarketing, torna-se pragmática e perde, aos poucos, sua principal característica: a crítica social.

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Sites Acessados

www.geografi ademercado.com.br/mapscapev3/tacticianonlineartigos/bit_bem_passado.htm

htttp//: noticias. R7.com/vestibular-e-concursos/noticias/falta-de-professor-faz-aula-fi car-superlotada-na-usp-20110304.html.

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Os textos devem ser digitados no processador Microsoft Word; Fonte Times New Roman; letra corpo 12; com espaçamento 1.5 entre linhas; margens (todas) de 2,5 cm; páginas tamanho A4.

O corpo do texto deverá conter: I)Introdução; II)Objetivos; III)Metodologia;

IV)Resultados; V)Considerações Finais; e VI) Referências (de acordo com as nor-mas da ABNT). Todos devem estar alinhados a esquerda, em negrito, fonte Arial 12 e em caixa alta.

   O número máximo de páginas permitidas para publicação (incluindo fi guras,

tabelas, gráfi cos, fotos, anexos e bibliografi a), é de: Artigos - 25 páginasNotas - 10 páginas

Resenhas - 8 páginas     Título do trabalho deve estar em maiúsculas, centralizado, negrito, fonte Arial 14.

    Nome do(s) autor(es) deve(rão) constar, um espaço abaixo do Título, em minúsculas, alinhados à direita, negrito, fonte Arial 12, acompanhados de nota de rodapé numerada, indicando a instituição a qual pertence cada au-tor e/ou cargo(s) exercido(s), com endereço eletrônico (e-mail) para contato.

No caso de Artigos (português), além do texto principal, deverão constar na primeira página as informações a seguir, conforme exemplo da fi gura 1:

Normas para a publicação

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Revista Geografi a e Pesquisa, Ourinhos, v. 5, n. 1, p. 145-152.

Refl exões realizadas pelo professor Doutor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro durante a V Semana de Geografi a realizada pela UNESP - Ourinhos no ano de 2009

a) Título do artigo em inglês ou francês, negrito, centralizado, Fonte Arial 12; b) Resumo em português e outro em inglês (abstract) ou francês (Resumé)

com 150 a 200 palavras     no máximo, num único parágrafo na fonte Arial 12; c) Abaixo do Resumo Palavras-chave (até 5) em português, inglês (Key words)

ou francês (Mots clé). No caso de Artigos (estrangeiros), além do texto principal na língua de ori-

gem, deverão constar na primeira página as informações a seguir, conforme exemplo da fi gura 2:

d) Título do artigo obrigatoriamente em português, centralizado, Fonte Arial 12; e) Resumo na língua do texto (espanhol, francês ou inglês) e outro obrigato-

riamente em português com 150 a 200 palavras no máximo, datilografado em um só parágrafo na fonte Arial 12;

f) Abaixo do Resumo Palavras-chave (até 5) em português, inglês (Key words) ou francês (Mots clé).

As fi guras não deverão exceder o tamanho de 17 x 11 cm e poderão ser in-seridas no texto, com extensão .CDR, .TIF, ou .JPG (com no mínimo 300 dpi) com escala gráfi ca (no caso de cartogramas e mapas) e legendas legíveis. De-verão ter chamada no texto desta forma: Figura 5. Os títulos não deverão es-tar escritos nas fi guras, mas enviados em folha à parte. As fi guras devem ser identifi cadas por numeração seqüencial e sua posição de inserção no tex-to marcada como exemplifi cado abaixo. Figuras coloridas poderão ser acei-tas desde que o autor se responsabilize pelo custo das páginas respectivas.    

Os textos devem ser encaminhados em disquete ou CD, com TRÊS cópias impressas, sendo duas cópias sem os nome(s) do(s) autor(es). O disquete ou CD deve ser identifi cado com o sobrenome do primeiro autor e título do artigo, resenha ou notas técnica.

Após elaborar o original, enviar o mesmo diretamente para o endereço abaixo:

UNESP - Campus Experimental de Ourinhos - SPAvenida Vitalina Marcusso, 1500 - Campus Universitário

Ourinhos/SP - CEP: 19.910-206A/C revista Geografi a e Pesquisa

Email: revistageografi [email protected]ágina: www.ourinhos.unesp.br/geografi apesquisa

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Refl exões realizadas pelo professor Doutor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro durante a V Semana de Geografi a realizada pela UNESP - Ourinhos no ano de 2009

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