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REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO FUNDADA EM 1991

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REVISTA

DO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

FUNDADA EM 1991

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COMISSÃO EDITORIAL

Maria Aparecida GugelSandra Lia SimónJosé Claudio Monteiro de Brito FilhoCristiano Paixão Araujo Pinto

Secretária: Anamaria Damasceno Corrêa

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

REVISTADO

MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO

EDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVÊNIOCOM A PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

E COM A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOSPROCURADORES DO TRABALHO

OS ARTIGOS PUBLICADOS SÃO DERESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

REV. MPT — BRASÍLIA, ANO XIII — Nº 26 — SETEMBRO 2003

RedaçãoProcuradoria-Geral do Trabalho

S.A.S. Quadra 4, Bloco L — 9º andar — sala 901CEP 70070-900 — Brasília — DF

Telefone: (61) 314-8912 — FAX (61) 225-0984e-mail: [email protected]

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Rua Apa, 165 - CEP 01201-904 - Fone (11) 3826-2788 - Fax (11) 3826-9180São Paulo, SP - Brasil - www.ltr.com.br

Setembro, 2003

(Cód. 2764.6)

Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria-Geral doTrabalho — Ano 1, n. 1 (mar., 1991) — Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho, 1991 — v. Semestral.

1. Direito do Trabalho. 2. Justiça do Trabalho. I. Procuradoria-Geral do Trabalho (Brasil).

CDD 341.6

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................. 7

ESTUDOS

PREMISSAS PARA UM EFICAZ COMBATE AO TRABALHOESCRAVO

Luis Antônio Camargo de Melo .......................................................... 11MEIOS COADJUVANTES DE COMBATE AO TRABALHO ESCRA-

VO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOEvanna Soares ...................................................................................... 34A ESCRAVIDÃO POR DÍVIDAS NAS RELAÇÕES DE TRABAHO

NO BRASIL CONTEMPORÂNEORonaldo Lima dos Santos ................................................................... 47NOVA FORMA DE ESCRAVIDÃO URBANA: TRABALHO DE IMI-

GRANTESAlmara Nogueira Mendes .................................................................... 67COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO —

AÇÃO PENAL PRIVADA E AÇÃO PENAL PÚBLICA —REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Marcelo José Fernandes da Silva ...................................................... 71O COMBATE AO TRABALHO FORÇADO NO BRASIL: ASPECTOS

JURÍDICOSFlávio Dino de Castro e Costa ........................................................... 86O TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO PELO MINISTÉ-

RIO PÚBLICO NO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO EA DEFESA ENDOPROCESSUAL DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

Cícero Rufino Pereira ........................................................................... 110TRABALHO ESCRAVO. UMA CHAGA ABERTA. OFICINA DO

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 2003Maurício Pessoa Lima ................................................................ 121

INQUÉRITOS, TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA, AÇÕES E DEMAIS ATIVIDADES

Ação Civil Pública — Trabalho em Condições Análogas à de Es-cravo — Liminar — Indisponibilidade de Bens (PRT 8ª Região) 131

Ação Civil Pública — Trabalho Forçado — Liminar — Quebra deSigilo Bancário e Fiscal (PRT 8ª Região) ............................... 157

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Ação Civil Pública — Trabalho Forçado — Dano Moral Coletivo —

(PRT 8ª Região) .......................................................................... 189Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta — Trabalho

Escravo e em Condições Degradantes — (PRT 8ª Região) 228Ação Civil Pública — Liminar Aliciamento e Exploração de Traba-

lhadores (PRT 16ª Região) ........................................................ 233Protocolo de Procedimentos Conjuntos — Aliciamento, Tráfico,

Transpor te Irregular e Exploração de Trabalhadores (PRT22ª Região) .................................................................................. 261

Notificação Recomendatória — Transporte Interestadual Irregularde Trabalhadores (PRT 22ª Região) ........................................ 269

Ação Civil Pública — Liminar — Proibição de Fornecimento de Mão-de-Obra por Cooperativa no Meio Rural (PRT 24ª Região) 271

JURISPRUDÊNCIA

Ação Civil Pública — Trabalho em Condições Degradantes — DanoMoral Coletivo (TRT 8ª Região) ................................................ 305

Ação Civil Pública — Trabalho em Condições Degradantes — DanoMoral Coletivo — Legitimidade Ativa do MPT (TRT 8ª Região) 321

Ação Civil Pública — Trabalho em Condições Análogas à de Es-cravo — Dano Moral Coletivo (TRT 10ª Região) .................... 330

NORMAS INTERNACIONAIS (TRABALHO FORÇADO)

Decreto n. 58.563, de 1º de junho de 1966 — Promulga a Convençãosobre Escravatura de 1926, emendada pelo Protocolo de1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escra-vatura de 1956 ............................................................................. 349

Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho —

Sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório ............................... 359Convenção n. 105 da Organização Internacional do Trabalho —

Relativa à Abolição do Trabalho Forçado ............................... 370

MEMBROS ............................................................................................. 375

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APRESENTAÇÃO

Pela primeira vez em 12 anos de existência, a Revista do Minis-tério Público do Trabalho dedica-se em uma única edição a um temaespecífico: o trabalho escravo. A submissão do trabalhador à condi-ção análoga à de escravo, embora constitua ilícito penal, é corriquei-ra em nosso país, nos meios rural e urbano.

O Ministério Público do Trabalho é intransigente com este ilíci-to, por isso tem se revelado incisivo no combate a essa prática pormeio de procuradores designados para o desempenho das atribui-ções legais, junto à Coordenadoria Nacional de Combate ao Traba-lho Escravo, criada pela Portaria n. 231, de 12.9.02, do Excelentíssi-mo Procurador-Geral do Trabalho.

As matérias nesta edição mostram a amplitude da questão queultrapassa os limites da condição de trabalho escravo ou forçado,indo além, discutem as condições degradantes relacionadas ao am-biente de trabalho, à saúde e segurança do trabalhador e à regulari-zação dos contratos.

Assim a Comissão Editorial da Revista apresenta a 26ª ediçãoda Revista do Ministério Público do Trabalho, esperando que a publi-cidade de artigos, ações, e decisões judiciais relacionadas ao temapromovam conscientização, informação e mobilização dos operado-res do direito e da sociedade em geral para a erradicação do traba-lho escravo.

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ESTUDOS

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PREMISSAS PARA UM EFICAZ COMBATEAO TRABALHO ESCRAVO (*)

Luís Antônio Camargo de Melo(**)

1. DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO — DISTINÇÃO ENTRETRABALHO ESCRAVO, FORÇADO E DEGRADANTE

Cumpre-nos, inicialmente, estabelecer uma clara definição do objetode nossa análise, promovendo, ainda, a distinção entre o que vem a sertrabalho escravo, trabalho forçado e formas degradantes de trabalho.

Para tanto, partiremos da definição de trabalho escravo.

Quando se fala em trabalho escravo a primeira imagem que vem àmente da maioria das pessoas é a do escravo negro, preso a correntes evivendo em senzalas. Situação comum na sociedade escravocrata doséculo XIX.

Tal impressão inicial, perfunctória, a respeito deste delicado tema,tem causado sérias dificuldades na aplicação eficaz das medidas coerciti-vas aos infratores, até mesmo por parte dos Agentes Públicos encarrega-dos do combate a esta aviltante forma de exploração do ser humano.

Ocorre que, ao associarmos a expressão trabalho escravo àquela fi-gura oitocentista, incorremos no grave risco de tornarmo-nos pouco sensí-veis às formas modernas de escravidão. Estas últimas travestidas das maisdiversas formas de “licitude”.

(*) Palestra proferida no II Seminário de Direito e Processo do Trabalho de Santa Maria — RS, dia7.11.2002.(**) Procurador Regional do Trabalho (24ª Região) e Vice-Coordenador da Coordenadoria Nacio-nal e Combate ao Trabalho Escravo — CNCTE.

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A propósito, vale transcrever a lúcida análise feita por João CarlosAlexim(1), in verbis:

“Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, estáproibida em basicamente todos os países, surgem formas de dissi-mulação que causam efeitos talvez menos escandalosos ou ostensi-vos, mas resultam na prática em formas muito semelhantes. Existemmuitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça seu direito deescolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu em-prego quando julgar necessário ou conveniente.”(2)

Atento a esta dificuldade, o Ministério da Justiça, por meio da Secre-taria de Estado dos Direitos Humanos, promoveu, em parceria com o Mi-nistério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Tra-balho e Emprego, Associação dos Juízes Federais e a Organização Inter-nacional do Trabalho, uma Câmara Técnica sobre as Formas Contemporâ-neas de Escravidão (vide tópico 2.4 — Atuação articulada).

Daí, muitos preferirem as expressões trabalho forçado ou formas con-temporâneas de escravidão para designarem o mesmo tipo de exploraçãodo trabalhador.

Aliás, a própria Organização Internacional do Trabalho — OIT utili-zou-se da expressão trabalho forçado ou obrigatório na Convenção OIT n.29, da qual o Brasil é signatário(3), conforme teor do art. 2º, da citada normainternacional, in verbis:

“Art. 2º

1. Para fins desta Convenção, a expressão “trabalho forçado ouobrigatório” compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de umapessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha ofereci-do espontaneamente.”

Em nosso ordenamento jurídico o trabalho escravo ou forçado é con-siderado crime, nos termos do art. 149, do Código Penal, in verbis:

“Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.”

(1) João Carlos Alexim é sociólogo e ex-diretor da Organização Internacional do Trabalho noBrasil.(2) In “Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo”, Comissão Pastoral da Terra — CPT EdiçõesLoyola, São Paulo: 1999, p. 44.(3) Convenção aprovada pelo Decreto Legislativo n. 4, de 29.5.1956, ratificada em 25.04.1957 epromulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25.6.1957.

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Frise-se, por oportuno, não se tratar de incriminação de conduta pros-crita do ordenamento jurídico pátrio, desde a Lei Áurea de 1888, mas simde redução de uma pessoa à condição análoga à de um escravo.

O trabalho escravo ou forçado, contudo, segundo o conceito hodier-namente adotado, não será somente aquele para o qual o trabalhador nãotenha se oferecido espontaneamente, porquanto há situações em que esteé engodado por falsas promessas de ótimas condições de trabalho e salá-rio. Esta situação, inclusive, é a que mais se verifica atualmente.

Imprescindível, porém, para a caracterização do trabalho escravo ouforçado, que o trabalhador seja coagido a permanecer prestando serviços,impossibilitando ou dificultando, sobremaneira, o seu desligamento.

Esta coação poderá ser de três ordens: moral, psicológica e física.

Será moral quando o tomador dos serviços, valendo-se da pouca ins-trução e do elevado senso de honra pessoal dos trabalhadores, geralmen-te pessoas pobres e sem escolaridade, submete estes a elevadas dívidas,constituídas fraudulentamente com o fito de impossibilitar o desligamentode trabalhador.

Será psicológica quando o trabalhador for ameaçado de sofrer vio-lência, a fim de que permaneça trabalhando. Tais ameaças dirigem-se, nor-malmente, à integridade física do trabalhador, sendo comum, em algumaslocalidades, a utilização de empregados armados para exercerem esta co-ação. Ameaças de “surra” e de morte não são raras, estabelecendo-se umclima de terror entre os trabalhadores.

A ameaça de abandono do trabalhador à sua própria sorte, em deter-minados casos, constitui-se em um poderoso instrumento de coação psico-lógica. Muitas vezes o local da prestação dos serviços é distante e inóspito,centenas de quilômetros da cidade ou distrito mais próximo, sendo certoque diversos relatos dão conta de trabalhadores desaparecidos ao tentarfugir da exploração.

À guisa de ilustração, destacamos um relato de um trabalhador, viti-mado pela exploração do trabalho forçado, in verbis:

“Eu, Sebastião Luiz Paulo, sou brasileiro com 17 anos, semdocumento, residente em Colinas, Tocantins, no poder da minha bi-savó, que mora na rua 18 de setembro s/n., em Colinas — TO. Soufilho de pai falecido Sr. Valdir e Dª Zenaide que convive com Raimun-do Soares e trabalha na Fazenda Volkswagen, entre Redenção eSantana do Araguaia.

(...)

Ele estava oferecendo uma boa remuneração por alqueires deserviço em uma fazenda de Sul do Pará no município de Xinguara, eeu e mais 22 peões, incluindo dois menores, entramos em uma car-

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reta de transportar gado e fomos até a fazenda Lagoa das Antas, nomunicípio de Xinguara, do fazendeiro Luiz Pires. Quando chegamoslá encontramos o gato Fogoió que é o contabilista do gato JoãoMoaramas, que nos levou à fazenda Flor da Mata, do fazendeiro LuizPires, a 300 km da fazenda em que estávamos. Fomos transportadosde avião.

(...)

Depois de ter feito um alqueire e meio de juquirão e 20 km deaceiros, eu vi uma cena perigosa de um companheiro menor comidade mais ou menos de 10 anos que andava mais eu: em uma sexta-feira ele tomou uma botina emprestada para ir ao trabalho, pois nãoqueria comprar uma por preço de 20,00 reais, tinha medo de ficardevendo e não poder mais ir embora, depois disseram que ele tinharoubado a botina, então o gato Fogoió levou ele para o mesmo barra-cão abandonado que ficamos quando chegamos na fazenda Flor daMata, e bateram nele de facão, depois pegaram uma arma de calibre38, apontaram para ele e mandaram ele correr sem olhar para trás, eele correu, entrou na mata e eu não vi mais.

(...)

Por ser verdade, assino a presente declaração (impressão digital)

Tucumã, 15.8.97...”(4)

Como visto no relato em voga, além de sofrerem ameaças de violên-cia física (o que, por si só, exerce forte coação sobre muitos) os trabalha-dores são, efetivamente, submetidos a castigos físicos e, não sendo estes“suficientes”, alguns deles são sumariamente assassinados, servindo, en-tão, como exemplo àqueles que pretendam enfrentar o tomador dos servi-ços. É a coação de ordem física.

Portanto, ousamos estabelecer uma definição sobre trabalho escravoou forçado. Considerar-se-á trabalho escravo ou forçado toda modalidadede exploração do trabalhador em que este esteja impedido, moral, psicoló-gica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e pelas razõesque entender apropriados, a despeito de haver, inicialmente, ajustado li-vremente a prestação dos serviços.

Estabelecida a definição de trabalho escravo, bem assim sabedoresde que a expressão trabalho forçado guarda sinonímia com aquela expres-são, passemos a tratar do conceito de formas degradantes de trabalho.

(4) Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo — Comissão Pastoral da Terra — CPT. EdiçõesLoyola: São Paulo, 1999, pp. 26-28.

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Por vezes, podemos identificar péssimas condições de trabalho e deremuneração sem que estejamos diante de mais um caso de trabalho es-cravo ou forçado. Isto ocorrerá sempre que o trabalhador tiver garantida, nomínimo, sua liberdade de locomoção e autodeterminação, podendo deixar,a qualquer tempo, de prestar serviços ao seu empregador. Estaremos dian-te de uma das formas degradantes de trabalho, dentre as quais destaca-mos as seguintes:

1 — utilização de trabalhadores, através de intermediação demão-de-obra pelos chamados “gatos”;

2 — utilização de trabalhadores, através de intermediação demão-de-obra pelas chamadas “fraudoperativas” (designação dadaàquelas cooperativas de trabalho fraudulentas);

3 — utilização de trabalhadores, aliciados em outros Municí-pios e Estados, pelos chamados “gatos”; submissão às condiçõesprecárias de trabalho pela falta ou inadequado fornecimento de boaalimentação e água potável;

4 — alojamentos sem as mínimas condições de habitação efalta de instalações sanitárias;

5 — falta de fornecimento gratuito de instrumentos para a pres-tação de serviços;

6 — falta de fornecimento gratuito de equipamentos de prote-ção individual (chapéu, botas, luvas, caneleiras etc. ...);

7 — falta de fornecimento de materiais de primeiros socorros;

8 — não utilização de transporte seguro e adequado aos traba-lhadores;

9 — não cumprimento da legislação trabalhista, desde o regis-tro do contrato na CTPS, passando pela ...

10 — falta de exames médicos admissionais e demissionais,até a remuneração ao empregado.

2. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

2.1. Introdução

O Ministério Público, segundo dispõe o art. 127, da Constituição Fe-deral de 1988, é instituição permanente, essencial à prestação jurisdicio-nal do Estado, a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime de-mocrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

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O Ministério Público abrange, segundo o art. 128, da CF/88, o Minis-tério Público da União e o Ministério Público dos Estados. O primeiro com-preende, ainda, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Traba-lho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal eTerritórios.

Dentre as funções institucionais do Ministério Público, insculpidas noart. 129, da CF/88, podemos destacar aquelas que se aplicam, especial-mente, ao Ministério Público do Trabalho, a saber:

a) promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteçãodos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores (art. 129, III);

b) defender judicialmente os direitos e interesses das popula-ções indígenas (art. 129, V);

c) expedir notificações nos procedimentos administrativos desua competência, requisitando informações e documentos para ins-truí-los, na forma da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993(art. 129, VI);

d) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inqué-rito policial (art. 129, VIII); e

e) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde quecompatíveis com sua finalidade (art. 129, IX).

Por seu turno, a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC n.75/93), após elencar suas funções institucionais (art. 5º), passa a especifi-car os seus instrumentos de atuação, tratando, em seu art. 6º, das “compe-tências”, dentre as quais destacaremos aquelas que são mais afetas à atu-ação do Ministério Público do Trabalho:

a) impetrar habeas corpus e mandado de segurança (art. 6º, VI);

b) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a defesade outros (trabalhistas) interesses individuais indisponíveis, homo-gêneos, sociais, difusos e coletivos (art. 6º, VII, d);

c) promover outras ações, quando difusos os interesses a se-rem protegidos (art. 6º, VIII);

d) defender judicialmente os direitos e interesses das popula-ções indígenas, propondo as ações cabíveis (art. 6º, XI);

e) propor ação civil coletiva para a defesa de interesses indivi-duais homogêneos (art. 6º, XII);

f) promover outras ações necessárias ao exercício de suas fun-ções institucionais, em defesa da ordem jurídica e dos interessessociais e individuais indisponíveis (art. 6º, XIV);

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g) manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendosolicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existenteinteresse em causa que justifique a intervenção (art. 6º , XV); e

h) expedir recomendações, visando ao respeito, aos interes-ses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazorazoável para a adoção das providências cabíveis (art. 6º, XX).

Ainda dentro da Lei Orgânica do Ministério Público da União, merecedestaque o Capítulo II — Do Ministério Público do Trabalho, do Título II —Dos Ramos do Ministério Público da União, e em especial o art. 83, queassevera competir ao Ministério Público do Trabalho o exercício, dentreoutras, das seguintes atribuições:

a) promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constitui-ção Federal e pelas leis trabalhistas (art. 83, I);

b) manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, aco-lhendo solicitação do Juiz ou por sua iniciativa, quando entender exis-tente interesse público que justifique a intervenção (art. 83, II);

c) promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Traba-lho, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados osdireitos sociais constitucionalmente garantidos (art. 83, III);

d) propor as ações cabíveis para declaração de nulidade decláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que violeas liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indis-poníveis dos trabalhadores (art. 83, IV);

e) propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interes-ses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações detrabalho (art. 83, V);

f) recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando enten-der necessário, tanto nos processos em que for parte, como naquelesem que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir a revisão dos Enun-ciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho(art. 83, VI);

Incumbe, ainda, ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito de suasatribuições:

a) instaurar o inquérito civil público e outros procedimentosadministrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observânciados direitos sociais dos trabalhadores (art. 84, II);

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b) requisitar à autoridade administrativa federal competente, dosórgãos de proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos ad-ministrativos, podendo acompanhá-los e produzir provas (art. 83, III);

c) ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pelaJustiça do Trabalho, nas causas em que o órgão tenha intervindo ouemitido parecer escrito (art. 84, IV).

Quanto à atuação do Parquet Trabalhista, esta se dará de duas for-mas: como órgão interveniente (fiscal da lei) ou como órgão agente.

2.1.1. Da atuação como órgão interveniente (fiscal da lei)

Conforme visto anteriormente, várias são as hipóteses em que o Mi-nistério Público do Trabalho estará atuando como custos legis, tanto emprimeira instância, como também nas instâncias superiores, podendo, in-clusive, aviar recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, nas hi-póteses de violação à Constituição Federal.

Em primeira instância, a intervenção se dará, conforme previsto noart 6º, XV, e art. 83, II, ambos da Lei Complementar n. 75/93, mediantesolicitação do Juiz ou por iniciativa própria, quando entender existente in-teresse público que justifique a intervenção, notadamente quando presen-tes interesses de menores, incapazes e indígenas.

Já nos segundo e terceiro graus de jurisdição, a intervenção do Mi-nistério Público do Trabalho se dará mediante a emissão de parecer cir-cunstanciado, quando presente interesse público, podendo, inclusive, soli-citar as requisições e diligências que julgar convenientes, ou mediante sim-ples cota (pelo regular prosseguimento do feito), quando ausente aquele.Ressalte-se que ao Ministério Público do Trabalho é garantida, ainda, aparticipação nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se ver-balmente sobre a matéria em debate, conforme art. 83, VII, da LC n. 75/93.

2.1.2. Da atuação como órgão agente

A par da atuação como fiscal da lei, o Ministério Público do Trabalhopassou a atuar, após o advento da Constituição Federal de 1988, de formamais efetiva como órgão agente, conforme destacado, instaurando inquéri-tos civis e propondo ações civis públicas, bem como outras ações, no âm-bito da Justiça do Trabalho, visando à defesa da ordem jurídica, dos direi-tos e interesses sociais dos trabalhadores, dos menores, dos incapazes edos indígenas.

No âmbito das Procuradorias Regionais, ressalvadas as diferentesdenominações, destacamos a atuação através da Coordenadoria da Defe-

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sa dos Interesses Individuais, Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos— CODIN, integrada por um Procurador do Trabalho, que a coordenará, epelos demais Procuradores do Trabalho lotados na Regional, que funciona-rão como membros.

Recebida a denúncia na CODIN, o Coordenador a analisará e deter-minará sua distribuição, como Representação, a um dos Procuradores doTrabalho, conforme a ordem de distribuição, ou mediante compensação,caso haja, em relação à referida denúncia, outro procedimento investigató-rio já em andamento.

Após a análise da Representação, o Procurador do Trabalho a quemcouber a distribuição, poderá instaurar Procedimento Preparatório de Inqué-rito Civil, caso sejam necessárias algumas diligências preliminares, a fimde verificar a procedência das informações contidas na Representação e,após, instaurar o Inquérito Civil, para proceder às investigações que sefizerem necessárias.

Encerradas as diligências, o Procurador do Trabalho poderá proporaos investigados que firmem um Termo de Ajuste de Conduta (Lei n. 7.347/85, art. 5º, § 6º c/c. art. 876, da CLT) e, em não sendo aceito este, seráproposta a ação judicial competente, na Justiça do Trabalho, visando aoajustamento compulsório da conduta dos investigados ao que dispuser alei de regência.

Do contrário, convencendo-se da inexistência de fundamento para apropositura da ação civil, o Procurador responsável promoverá o arquiva-mento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, hipótese emque a referida promoção de arquivamento estará sujeita à chancela doConselho Superior do Ministério Público do Trabalho, conforme preconiza-do pelo art. 9º, § 2º, da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

2.2. Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo —CNCTE

Em junho de 2001, por meio das Portarias ns. 221 e 230, da lavra doExmo. Sr. Procurador-Geral do Trabalho, institui-se, no âmbito do MinistérioPúblico do Trabalho, uma Comissão Temática destinada a elaborar estudose indicar políticas para atuação do Parquet Trabalhista no combate ao tra-balho forçado e à regularização do trabalho indígena.

Os trabalhos realizados desde então tiveram como ponto de partida odocumento intitulado “Carta de Belém”, o qual representa a síntese do Se-minário Internacional realizado naquela cidade, em novembro de 2000, sobo título de “Trabalho Forçado — Realidade a Ser Combatida.”

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Os pontos prefaciais analisados pela Comissão coincidiram com aque-les gizados na Carta de Belém, a seguir arrolados:

a) Utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra por meio dos chamados “gatos” e pelas cooperativas fraudu-lentas;

b) Utilização de trabalhadores aliciados em outros Municípiosou Estados, pelos próprios tomadores de serviços ou através de in-terposta pessoa, com promessas enganosas e não cumpridas;

c) Servidão de trabalhadores por dívida, com cerceamento deliberdade de ir e vir e o uso de coação moral ou física, para mantê-losno trabalho;

d) Submissão de trabalhadores a condições precárias de traba-lho, pela falta ou inadequado fornecimento de alimentação sadia efarta e de água potável;

e) Fornecimento aos trabalhadores, de alojamentos sem condi-ções de habitabilidade e à míngua de instalações sanitárias adequadas;

f) Falta de fornecimento gratuito aos trabalhadores, de instru-mentos para prestação de serviços, equipamentos de proteção indi-vidual e materiais de primeiros socorros;

g) Não utilização de transporte seguro e adequado aos traba-lhadores;

h) Não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registrodo contrato na CTPS, passando pela falta de cumprimento das nor-mas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, até a au-sência de pagamento da remuneração a eles devidas;

i) Coação ou, no mínimo, indução de trabalhadores no sentidode que se utilizem de armazéns ou serviços mantidos pelos empre-gadores ou seus prepostos;

j) Aliciamento de mão-de-obra feminina para fins de exploraçãosexual, tolhendo-lhes a liberdade de ir e vir.

Assim, alicerçados nas situações fáticas apresentadas, e sem des-considerar outras detectadas ao longo dos trabalhos, foram discutidas so-luções e definições de políticas institucionais com o objetivo de otimizar osserviços prestados à sociedade, tornando mais efetiva a atuação do ParquetLaboral.

Concluídos os trabalhos da Comissão Temática sobre o TrabalhoEscravo e considerando as conclusões insertas no respectivo RelatórioFinal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral do Trabalho, em 12 de setembro último,

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por meio da Portaria n. 231, decidiu criar a Coordenadoria Nacional deCombate ao Trabalho Escravo — CNCTE, a fim de harmonizar a ação desen-volvida no âmbito do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalhoescravo, inclusive no relacionamento com outros órgãos dedicados ao tema.

Observe-se, por oportuno, que a citada Coordenadoria atuará não sóno combate ao trabalho forçado ou escravo, mas também nas hipótesesem que for detectada qualquer das formas degradantes de trabalho.

2.3. Operações conjuntas com o grupo móvel do GERTRAF —Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado

Outro importante ponto a ser destacado é a atuação conjunta entre oMinistério Público do Trabalho e o Grupo Móvel do GERTRAF.

Como resultado da pressão exercida pela sociedade, imprensa e di-versas entidades não-governamentais, nacionais e estrangeiras, o Gover-no Brasileiro decidiu criar, em junho de 1995, o Grupo Especial de Fiscali-zação Móvel, subordinado diretamente à Secretaria de Fiscalização do Tra-balho. A propósito, relatam Ruth Beatriz Vasconcelos Vilela(5) e Rachel Ma-ria Andrade Cunha(6), in verbis:

“Visava-se, assim, centralizar o comando para diagnosticar edimensionar o problema; garantir a padronização dos procedimentose supervisão direta dos casos fiscalizados; assegurar o sigilo absolu-to na apuração das denúncias; deixar a fiscalização local livre de pres-sões e ameaças...

Além disso, as ações de Fiscalização Móvel, sendo extra-roti-neiras, possibilitam o levantamento preliminar de dados para depuraro conteúdo das denúncias, permitindo um planejamento e uma exe-cução mais cuidadosos, sempre em parceria com a Polícia Federal —parceria que, em alguns casos, inclui os ministérios públicos, o Ibamae Funai.

(...)

A Fiscalização Móvel constitui a estrutura operacional do Gru-po Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) no comba-te ao trabalho escravo. Subordinado à Câmara de Política Social doConselho de Governo...”.

(5) Secretária de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego.(6) Coordenadora do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado.

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A experiência vem mostrando a importância da presença física de umProcurador do Trabalho durante as inspeções do Grupo Móvel. Além de darsuporte aos Auditores Fiscais do Trabalho, o Procurador do Trabalho pode-rá promover, in loco, a coleta de dados indispensáveis à propositura deeventual ação para a tutela dos interesses envolvidos.

Ademais, a presença de um Procurador do Trabalho durante as ins-peções pode tornar-se essencial, porquanto, não raras vezes, há a neces-sidade de que sejam propostas medidas judicias urgentes.

Muitos depoimentos dão conta de que a simples presença de um Pro-curador do Trabalho nas inspeções tem servido para reforçar a atuação dosAuditores Fiscais do Trabalho, tendo em vista as prerrogativas constitucio-nais e legais de que são investidas aquelas autoridades.

2.4. Atuação articulada

É certo, porém, que a atuação do Parquet Trabalhista não se dá deforma isolada. Ao contrário, muitas das denúncias chegadas às diversasProcuradorias são oriundas de nossos parceiros, dentre os quais destaca-mos o Ministério do Trabalho e Emprego, a Comissão Pastoral da Terra —CPT, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura — FETAGRI, o Ministé-rio Público Federal, a Polícia Federal e a OIT.

Cioso da importância das parcerias, o Ministério Público do Trabalhotem buscado integrar ativamente diversos fóruns, conselhos e comissões— nacionais, estaduais e municipais — voltados para a defesa dos interes-ses e direitos da pessoa humana e, em especial, dos trabalhadores, sendomerecedora de nota a participação do Ministério Público do Trabalho juntoà Comissão Especial criada no âmbito do CDDPH, do Ministério da Justiça.

Outra importante forma de atuação do Ministério Público do Trabalhoé a articulação visando à alteração da Constituição Federal, de nossa le-gislação penal e trabalhista, a fim de imprimir maior efetividade ao comba-te ao trabalho forçado. A propósito, o Ministério Público do Trabalho partici-pou da Câmara Técnica — Formas Contemporâneas de Escravidão, reali-zada no período de 28 a 30 de novembro de 2001, na sede da OrganizaçãoInternacional do Trabalho — OIT, em Brasília (DF).

Objetivou o referido evento o estímulo à discussão sobre as dificulda-des de tipificação do crime de trabalho escravo, em função da generali-dade do art. 149, do Código Penal, e sobre o conceito que define as formasmodernas de escravidão.

O evento contou com a participação de Juízes Federais, Juízes doTrabalho, Procuradores do Trabalho, Procuradores da República, represen-tantes do Ministério da Justiça, do Ministério do Trabalho e Emprego, deoutros órgãos que integram o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho

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Forçado — GERTRAF, do Poder Legislativo (Comissão de Direitos Huma-nos e Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos), da Polí-cia Federal, da Comissão Pastoral da Terra — CPT, da Confederação Na-cional dos Trabalhadores na Agricultura — CONTAG, do Centro de Justiçae o Direito Internacional — CEJIL e da OAB.

Linhas adiante (tópico 4) veremos, com maior destaque, a questãorelativa às propostas de alterações legislativas.

3. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL

3.1. Considerações

Apesar de não ser, como sabemos, a única forma de combate à ex-ploração do trabalhador, a responsabilização penal dos infratores repre-senta indispensável ferramenta para a mudança do quadro que atualmenteverificamos em nosso País.

A exploração do trabalhador é um círculo vicioso, alimentado, em parte,pela sensação de que os principais beneficiários desta exploração livram-se soltos e impunes.

A propósito, anota Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé(7), in verbis:

“Um outro aspecto que concorre de forma decisiva para a per-petuação desta realidade é a falta de punição àqueles responsáveispela adoção do trabalho escravo contemporâneo.

Ora, o que prevalece é uma grande sensação de impunidade.As denúncias sobre ocorrência deste terrível fato costumam ocuparas páginas da imprensa, mas pouco se conhece sobre a adoção ouaplicação de medidas duras para coibir esta lamentável prática.

Normalmente, o detentor de grande propriedade na zona ruralé também um homem de forte influência política, ou seja, tem víncu-los estreitos com o poder político local. Daí, usualmente, contar coma indiferença das autoridades policiais da região, que não manifes-tam qualquer reação ao exercício desta abusividade. Pior ainda, cos-tumam contar com seu beneplácito para trazer de volta o trabalhadorfugitivo, a fim de que ele possa “honrar” os compromissos provenien-tes da dívida não adimplida.”

(7) Sento-Sé, Jairo Lins de Albuquerque, ‘‘Trabalho escravo no Brasil na atualidade’’. São Paulo:LTr, 2000, p. 60.

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Portanto, consideraremos alguns tipos penais, atualmente existentesem nosso ordenamento, além de alguns diapositivos legais relativos à com-petência, buscando detectar as causas da ineficácia quanto à responsabi-lização penal.

3.2. Art. 149, do Código Penal

O tipo penal em epígrafe busca reprimir não o trabalho escravo, esteabolido desde 1888, mas sim a conduta consistente em “reduzir alguém àcondição análoga à de escravo”. É o crime denominado pela doutrina comoplágio.

A pena para o infrator varia de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão.

Anote-se, a propósito, que há um consenso quanto à imperfeição daredação dada ao art. 149, notadamente pelo alto grau de generalidade.Corrobora esta assertiva a falta de aplicação desta norma pelo Judiciáriopátrio, que encontra dificuldades na tipificação da conduta descrita de for-ma extremamente genérica no tipo penal em comento.

Por outro lado, conforme já destacado, os Agentes do Poder Público,especialmente os juízes, necessitam ser sensibilizados quanto à existên-cia de formas contemporâneas de escravidão, a fim desvincular esta con-duta delituosa daquela figura do escravo negro, acorrentado e vivendo emsenzalas.

Registra Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé(8), com acerto, não setratar de submeter a vítima à escravidão, colocando-a como parte integran-te da propriedade de outrem.

Observa, ainda, o ilustre Procurador do Trabalho, que o elemento pri-mordial para caracterização do trabalho escravo contemporâneo é o denatureza econômica. Tanto por parte do empregador, que busca locupletar-se às custas da exploração do trabalhador, como por parte deste último, namedida em que se sente obrigado a saudar as dívidas fraudulentamenteconstituídas durante o malfadado período de coexistência.

Visando corrigir a imperfeição redacional do artigo em tela, os parti-cipantes da Oficina de Trabalho sobre Aperfeiçoamento Legislativo para oCombate ao Trabalho Escravo (vide tópico 4 abaixo) entenderam queo projeto de lei que melhor atende à necessidade de maior eficácia na luta

(8) Sento-Sé, Jairo Lins de Albuquerque, “Trabalho Escravo no Brasil na Atualidade’’. São Paulo:LTr, 2000, p. 86.

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pela erradicação do trabalho forçado é o substitutivo apresentado pelaDeputada Federal Zulaiê Cobra ao PL n. 5.693, do Deputado NelsonPellegrino. Segundo o referido substitutivo, o art. 149, do CP, passará a tera seguinte redação:

“Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo,negociar pessoa como objeto para qualquer finalidade ou beneficiar-se dessa negociação:

Pena — Reclusão de 5 a 10 anos e multa.

Parágrafo único. Considera-se em condição análoga à de es-cravo quem é submetido à vontade de outrem mediante fraude, amea-ça, violência ou privação de direitos individuais ou sociais, ou qual-quer outro meio que impossibilite a pessoa de se libertar da situaçãoem que se encontra.’’

O fato de estar o delito sob exame no capítulo do Código Penal des-tinado aos “crimes contra a liberdade individual”, tem sido motivo de dis-cussão e dúvidas, especialmente no que concerne à competência jurisdi-cional. Quanto a este aspecto, porém, reservamos tópico próprio, linhasadiante.

3.3. Outros tipos penais

3.3.1. Art. 197, do Código Penal

Consiste a conduta descrita no artigo acima epigrafado em:

“Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou graveameaça:

I — a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria,ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determi-nados dias:

Pena — detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além dapena correspondente à violência;

II — a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou aparticipar de parede ou paralisação de atividade econômica:

Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa,além da pena correspondente à violência.”

Importante destacar que, justamente em função da dificuldade detipificação, muitos juízes deixam de aplicar o art. 149, do CP, para aplicartipos penais menos graves, como o que agora estamos a tratar — atentadocontra a liberdade de trabalho.

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Destaque-se, por derradeiro, que uma conduta poderá não sertipificada como redução de alguém à condição análoga à de escravo, atémesmo pela dificuldade por diversas vezes referida neste trabalho. Contu-do, a conduta do infrator há de subsumir-se, com grande probabilidade, emum dos tipos a seguir tratados.

3.3.2. Art. 203, do Código Penal

Trata-se de “frustração de direito assegurado por lei trabalhista”. Estaconduta consiste em frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegu-rado pela legislação do trabalho. A pena a ser aplicada será de detençãode 1 (um) ano a 2 (dois) anos, e multa, além da pena correspondente àviolência (art. 203, caput, do CP, com a nova redação dada pela Lei n. 9.777,de 29.12.1998).

O caput acima destacado encerra norma penal em branco, porquantonecessita ser complementada pela legislação trabalhista naquilo que defi-ne os direitos trabalhistas que eventualmente venham a ser frustrados,mediante o emprego de fraude ou violência.

Vale relembrar, por oportuno, que fraude é o ardil, a burla ou o enga-no, engendrada, em regra, pelos empregadores ou por terceiros a seu man-do. Nada impede, porém, que o trabalhador venha a ser sujeito ativo dodelito em tela.

A violência, ainda no tipo descrito no caput, deverá ser a agressãofísica (vis corpori illata), não sendo admitida, segundo a doutrina e juris-prudência dominantes, a violência moral (vis animo illata).

É certo que, embora ainda verificável em nosso país, conforme des-tacado anteriormente, o emprego de violência física contra trabalhadores,por certo, não é o meio de coação mais comum.

Portanto, atento ao fato de que a coação moral tem sido um poderosoinstrumento a serviço da exploração dos trabalhadores, andou bem o legis-lador pátrio ao promover a introdução de dois novos tipos penais (Lei n.9.777, de 29.12.1998), insertos nos dois incisos do novel § 1º, do art. 203,a saber:

“Art. 203. (...)

§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I — obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determina-do estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço emvirtude de dívida;

II — impede alguém de se desligar de serviços de qualquernatureza, mediante coação ou por meio de retenção de seus docu-mentos pessoais ou contratuais.(...)”

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Na hipótese do inciso I, suso, impende ressaltar que a CLT, em seu art.462, § 2º, já asseverava ser “vedado à empresa que mantiver armazém paravenda de mercadorias aos empregados ou serviços destinados a proporcio-nar-lhes prestações in natura exercer qualquer coação ou induzimento nosentido de que os empregados se utilizem de armazém ou dos serviços”. OCódigo Penal, porém, exige a concorrência de dolo específico, qual seja,“... para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida”.

Esta prática descrita na CLT e, agora, no CP, é a conhecida comotruck system ou “política do barracão”, muito comum no meio rural.

Também introduzido pela citada Lei n. 9.777/98, o § 2º prevê umahipótese de aumento de pena quando a vítima for menor de 18 anos, idosa,gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

3.3.3. Art. 207, do Código Penal

Denominado “aliciamento de trabalhadores de um local para outro doterritório nacional”, este tipo pune a conduta consistente em “aliciar traba-lhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do territórionacional”. A pena para o infrator variará de 1 (um) ano a 3 (três) anos dedetenção, e multa (redação dada pela Lei n. 9.777, de 29.12.1998).

Quanto ao caput do citado artigo, acreditamos que este tipo penaltem como objetividade jurídica a proteção da ordem econômica, conformedestacado por Francisco Campos, na Exposição de Motivos da Nova ParteGeral do Código Penal. Daí por que não se exigia, como elemento do tipo,à semelhança do que ocorre com os artigos 201, 205 e 206(9), a fraude ou aviolência. Basta, para a tipificação da conduta, o simples aliciamento detrabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do terri-tório nacional, ainda que com o consentimento destes.

Contudo, este tipo penal, possivelmente por não visar imediatamentea tutela dos interesses do trabalhador, mostrou-se insuficiente ao enqua-dramento de situações periclitantes.

Ocorre que, em determinadas situações, embora haja o deslocamen-to de trabalhadores de uma para outra localidade do território nacional, istopoderá não representar uma grave ameaça à ordem econômica, o que tor-naria a conduta dos aliciadores atípica, ainda que estes trabalhadores te-nham sido engodados com promessas de salários atraentes e boas condi-ções de trabalho na localidade de destino.

Com a introdução do § 1º ao art. 207, podemos afirmar, sem medo deerrar, que houve considerável avanço legislativo, dada a freqüência comque é verificada esta conduta, até então, de difícil tipificação.

(9) Tais artigos, pois tratam, respectivamente, dos crimes de Paralisação de trabalho de interessecoletivo; Exercício de atividade com infração de decisão administrativa; e Aliciamento para o fimde emigração, não merecem análise detalhada na discussão em tela.

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Registre-se, por imperioso, que o novel § 1º, do art. 207, exige tão-somente que os trabalhadores tenham sido recrutados fora do local da exe-cução do trabalho, bastando, ao nosso ver, que tenha havido mudança dedomicílio. Não se exige, para a tipificação da conduta, que os trabalhado-res tenham sido recrutados em unidade da federação, diversa daquela emque se dará a prestação dos serviços.

A propósito, entendemos que poderia ser utilizado como parâmetropara a compreensão de tal situação o que dispõe a CLT, em seu art. 469,caput, quanto à transferência de empregados, verbis:

“Art. 469. Ao empregador é vedado transferir o empregado, sema sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato,não se considerando transferência a que não acarretar necessaria-mente a mudança do seu domicílio.’’

Outro importante destaque a ser feito é a criminalização da cobrançade qualquer quantia do trabalhador pelo transporte do mesmo de seu local deorigem até o local da prestação dos serviços, ou, ainda, não assegurarcondições para o seu retorno, conforme descrito na parte final do citado § 1º,do art. 207, CP.

À semelhança da disposição introduzida no § 2º, do art. 203, do CP, onovel § 2º, do art. 207, do CP, estabelece causa de aumento de pena quan-do a vítima for menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadorade deficiência física ou mental.

4. COMPETÊNCIA E PROPOSTAS DE ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO

Um dos pontos de estrangulamento no combate ao trabalho escravoe às formas degradantes de trabalho é a questão da competência jurisdi-cional. Este tema vem tomando espaço considerável na pauta de muitosseminários, reuniões, câmaras técnicas e oficinas de trabalho, realizadaspara a discussão e proposição de medidas eficazes para o combate a estaaviltante chaga social.

Podem ser citados como exemplos específicos a Câmara Técnica “For-mas Contemporâneas de Escravidão’’ (vide tópico 2.4 suso) e a Oficina deTrabalho sobre “Aperfeiçoamento Legislativo para o Combate ao TrabalhoEscravo”, este último promovido pela Secretaria de Estado de Direitos Hu-manos (SEDH/MJ) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), nosdias 18 e 19 de junho de 2002, em Brasília (DF), com a participação dasentidades:

Secretaria de Fiscalização do Trabalho (SEFIT/MTE);

Ministério Público Federal (MPF);

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Ministério Público do Trabalho (MPT);

Polícia Federal (PF);

Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL);

Comissão Pastoral da Terra (CPT);

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura(CONTAG); e

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF).

Como resultado da referida Oficina de Trabalho foram elaboradas di-versas propostas de alteração legislativa, visando imprimir maior efetivida-de no combate ao trabalho forçado e formas degradantes de trabalho, den-tre as quais buscaremos destacar, neste tópico, aquelas relativas à compe-tência jurisdicional.

Impende ressaltar, porém, que a confusão em torno da competênciajurisdicional não se limita ao art. 149 — plágio, mas também aos crimescontra a organização do trabalho.

4.1. Competência para o julgamento do crime de plágio — Art. 149,do Código Penal

Vale destacar, a propósito, a existência de diversos pronunciamentosda Justiça Federal, declinando da competência para a Justiça Comum Esta-dual(10), tendo em vista precedente jurisprudencial do E. STF (RE n. 90.042),para quem o trabalho forçado não caracteriza crime contra a organização dotrabalho, porquanto “não ofende o sistema de órgãos e institutos destinadosa preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores”.

O legislador constituinte adotou para o efeito da definição da compe-tência jurisdicional da Justiça Federal dois critérios. O primeiro, em razãoda matéria expressamente especificada. O segundo, em razão do interes-se da União e de seus entes, inclusive bens e direitos.

Coerentemente com as discussões entabuladas e acima noticiadas,esposamos o entendimento segundo o qual o crime do art. 149, do CP,ofende claramente interesses da União Federal, expressamente previstosno texto constitucional, porquanto esta conduta atenta contra a dignidadeda pessoa humana (art. 1º, III), a liberdade no trabalho (art. 1º, IV e art. 5º,XIII), e retira a função social da propriedade (art. 5º, XXIII).

(10) Tal situação em muito contribui para a sensação de impunidade, diante de injunções político-corporativas, normalmente afetas à Justiça Comum.

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Anote-se, a propósito, que a República Federativa do Brasil é signatáriados seguintes tratados e convenções internacionais:

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), segundo aqual “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidãoe tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” e,ainda, “toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de em-prego, a condições justas e favoráveis de trabalho”;

Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura (1926), emen-dada pelo Protocolo de 1953 e Convenção Suplementar sobre a Abo-lição da Escravatura (1956);

Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)— sobre Trabalho Forçado (1930); e

Convenção n. 105 da Organização Internacional do Trabalho(OIT)(11) — sobre a Abolição do Trabalho Forçado (1957).

Todas estas normas internacionais foram ratificadas pelo Brasil, en-contrando-se incorporadas ao nosso ordenamento jurídico.

Contudo, conforme consenso entre os participantes da Oficina de Tra-balho sobre Aperfeiçoamento Legislativo para o Combate ao Trabalho Es-cravo(12), o Poder Judiciário não tem dado resposta adequada à questão dacompetência para processar e julgar o crime em comento. Diante disso,entendeu-se pela proposição de alteração do texto constitucional (art. 109),a fim de elidir qualquer dúvida a respeito do tema. Eis a proposta:

Alteração do inciso VI, do art. 109, da CF/88, que passará a tera seguinte redação: “os crimes contra o sistema financeiro e à ordemeconômico-financeira, nos casos determinados em Lei”.

Acréscimo do inciso XII, ao art. 109, da CF/88, com a seguinteredação: “os crimes contra a organização do trabalho, o crime de re-dução à condição análoga à de escravo e crimes que envolvam tra-balho degradante ou forçado”.

(11) Convenção aprovada pelo Decreto Legislativo n. 20, de 30.4.1965, ratificada em 18.6.1965 epromulgada pelo Decreto n. 58.822, de 14.7.1966.(12) Aperfeiçoamento Legislativo para o Combate ao Trabalho Escravo: Oficina de Trabalho/OIT;SEDH/MJ — Brasília: OIT, 2002, p. 7.

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4.2. Competência para o processamento e julgamento dos crimescontra a organização do trabalho

A competência para o julgamento dos crimes contra a organizaçãodo trabalho encontra-se definida no art. 109, inc. VI, da Constituição daRepública, in verbis:

“Art. 109. (...)

VI — os crimes contra a organização do trabalho e, nos casosdeterminados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômi-co-financeira; (...).”

Apesar da clareza do texto constitucional, a Justiça Federal, confor-me já anotado anteriormente, desde o final dos anos 70, vem declinandoda competência para a Justiça Estadual.

O entendimento adotado à época pelo extinto TFR era no sentido de quecompetia à Justiça Federal apenas os crimes ofensivos à “organização geraldo trabalho ou dos direitos dos trabalhadores, considerados coletivamente”.

Este entendimento veio a ser acolhido pelo STF em 30.8.1979, aoapreciar o RE n. 90.042-SP, cuja ementa é a seguinte:

“Conflito de competência. Interpretação do artigo 125, VI, daConstituição Federal. A expressão ‘crimes contra a organização dotrabalho’, utilizada no referido texto constitucional, não abarca o deli-to praticado pelo empregador que, fraudulentamente, viola direito tra-balhista de determinado empregado. Competência da Justiça Esta-dual. Em face do art. 125, VI, da Constituição Federal, são da compe-tência da Justiça Federal apenas os crimes que ofendam o sistemade órgãos e instituições que preservem, coletivamente, os direitos edeveres dos trabalhadores. Recurso extraordinário não conhecido.”

Por derradeiro, o TFR, em 9.6.1982, editou a Súmula n. 115, dis-pondo que “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contraa organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considera-dos coletivamente”.

Contudo, este entendimento, já à época em que foi adotado, encon-trou vozes discordantes, como a do Ministro Néri da Silveira, citado porFlávio Dino de Castro e Costa(13), em texto entitulado “Os Crimes Contra aOrganização do Trabalho”, in verbis:

“Penso que, existente na legislação penal brasileira, com ante-rioridade à restauração da Justiça Federal, no Código Penal, descri-

(13) Flávio Dino de Castro e Costa é Juiz Federal, ex-presidente e diretor da Associação dosJuízes Federais do Brasil (AJUFE) e membro da Comissão Especial de Combate ao TrabalhoForçado (CDDPH/MJ).

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ção de crimes contra a organização do trabalho, se o Constituintequis atribuir aos Juízes Federais a competência para processo e jul-gamento de crimes contra Organização do Trabalho, estes são os quea lei Penal assim considera. (...) Compreendo, data venia, que, diantedo preceito constitucional genérico, não é possível dar-lhe interpreta-ção restritiva, assim como não incumbiria emprestar-lhe interpretaçãoextensiva. Por igual, em matéria de competência, não podemosrestringir se o legislador constituinte não o quis. Se ele diz que todosos crimes contra Organização do Trabalho são do âmbito da JustiçaFederal, parece que o intérprete tem que buscar, na legislação ordi-nária, esses crimes. E onde eles descritos? Nos arts. 197 a 207, doCódigo Penal, desde antes da Carta Constitucional.”

Independentemente do prisma sobre o qual analisemos a questão dacompetência para o processamento e julgamento dos crimes contra a or-ganização do trabalho, chegaremos à inexorável conclusão de que é a Jus-tiça Federal e não a Justiça Estadual a competente para tanto.

Ora, considerando a existência de disposição expressa no texto cons-titucional sobre o tema, parece-nos inconcebível tergiversar a respeito doalcance da referida expressão, restringindo aquilo que o legislador consti-tuinte não quis restringir.

Vale destacar a percuciente análise sobre o tema feita por Flávio Dinode Castro e Costa, no texto referido anteriormente, observando que o cons-tituinte de 1988 reiterou a decisão de incluir, na competência da Justiça Fe-deral, os crimes contra a organização do trabalho, sem qualquer ressalva.

Se o constituinte de 1988 pretendesse prestigiar o entendimento doextinto TFR, adotado muito antes da promulgação da atual Carta Política,bastaria a inclusão da expressão “geral” no inciso VI, do atual artigo 109,conforme consta da Súmula do extinto TFR, já referida.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O combate às formas degradantes de trabalho, bem assim ao própriotrabalho escravo, por serem formas de exploração muitos assemelhadas,demandam a conjugação de esforços de todos os atores sociais engajadosdireta ou indiretamente na defesa e promoção da dignidade da pessoa hu-mana, especialmente do trabalhador.

Não serão medidas isoladas, por mais organizadas e bem intencio-nadas que sejam, que lograrão êxito nesta empreitada.

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Ao lado da indeclinável atuação repressiva do Estado, através de seusórgãos competentes, são necessárias medidas profiláticas, tendentes apermitir ao trabalhador libertar-se, definitivamente, do círculo vicioso deendividamento-exploração-resgate-endividamento.

Nesse passo, merece nota a recente edição da Medida Provisória n.74, de 23 de outubro de 2002, garantindo o acesso ao seguro-desempregoàquele trabalhador, comprovadamente resgatado de regime de trabalhoforçado ou de condição análoga à de escravo. Acrescente-se, por oportu-no, a imperiosa necessidade de pôr em prática um programa de qualifica-ção de mão-de-obra (e outros, de geração de renda e de cunho social) nosMunicípios de origem (alguns já perfeitamente identificados) dos trabalha-dores escravizados, com o objetivo de impedir o êxodo através doaliciamento.

Outras propostas, não tratadas nesse trabalho, mereceriam desta-que, dentre as quais citamos a PEC n. 438/2001, do Senador AdemirAndrade; a PEC n. 232/95, do Deputado Paulo Rocha; e a PEC n. 21/99, deautoria do Deputado Marçal Filho, todas visando à alteração do art. 243,da Constituição da República, a fim de permitir a expropriação de terras emcaso de exploração do trabalho escravo ou forçado, pois, uma vez garan-tida a pena de perdimento da propriedade, a punição dos escravocratasmodernos seria efetivada e inibidora da conduta ilegal.

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MEIOS COADJUVANTES DE COMBATEAO TRABALHO ESCRAVO

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Evanna Soares(*)

1. AMPLITUDE DA EXPRESSÃO TRABALHO ESCRAVO

A escravidão é tão antiga quanto a história do homem.

Nos primórdios, os homens se digladiavam até a morte nas guerras.Os vencidos eram sumariamente executados. Houve uma evolução nessecomportamento e os derrotados, em vez de assassinados, passaram a seraprisionados para servir aos vencedores como escravos ou vendidos coma mesma finalidade. A noção básica de escravidão tem a ver, assim, com otrabalho exigido pela força, em troca de algum alimento e de trapos paracobrir o corpo, sem respeito à dignidade humana, à liberdade de ir e vir, e,obviamente, sem remuneração ou qualquer direito reconhecido à pessoasubjugada.

Considerada tal essência do trabalho escravo, ou melhor, do trabalhoem condições análogas à escravidão — expressão mais apropriada aosdias atuais em que a escravidão é proibida pelos povos civilizados — tem-se como exploração de mão-de-obra em tais condições todos os casos emque a dignidade humana é aviltada, notadamente quando o trabalhador éiludido com promessas de bons salários e transportado sem obediênciaaos requisitos legais, ou impedido de sair do local de trabalho pela vigilân-cia armada ou preso a dívidas impagáveis contraídas perante o emprega-

(*) Procuradora Regional do Trabalho (22ª Região). Pós-graduada em Direito Processual (UFPI).Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires).

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dor, ou, ainda, quando explorado sem atenção aos direitos trabalhistaselementares, tais o salário mínimo, jornada de trabalho normal, pagamentode adicionais, repouso remunerado e boas condições de higiene, saúde esegurança no trabalho.

2. A POBREZA COMO CAUSA DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA:EXEMPLOS NA EUROPA E NO BRASIL

A escravidão mais recente não se fundamenta no domínio angariadonas guerras, como na antigüidade, mas, sim, em fatores econômicos.

No mundo atual em que a globalização foi extremamente generosaao distribuir mazelas e mesquinha ao compartilhar os benefícios — aquiincluídos os empregos de boa qualidade — para os menos favorecidos, aexploração do trabalho do homem em condições degradantes tem comocausa, inegavelmente, a pobreza, localizada em determinadas regiões domesmo país ou de um país para outro.

Exemplos disso são encontrados fartamente no Brasil, em pleno Sé-culo XXI, apesar dos esforços das autoridades encarregadas de combatertão grave prática, estampados nos jornais, onde são freqüentes as notíciascom o seguinte conteúdo:

“Piauienses escravizados em fazendas no Pará

Belém — Fiscais do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho li-bertaram ontem 67 trabalhadores rurais que viviam em regime de semi-escravidão em duas fazendas no município de Marabá, no sul do Pará.

Na fazenda Tapirapé, trinta peões, entre eles um menor, seamontoavam num apertado alojamento, vivendo em condições subu-manas. Não tinham carteira de trabalho assinada e estavam sem re-ceber salário havia dois meses. O menor contou que havia sido con-tratado para derrubar a mata e transformá-la em pasto. O dono dafazenda foi obrigado a regularizar a situação dos empregados e res-ponderá a processo por trabalho escravo.

Na fazenda Ponta da Serra, onde foram encontrados 37 traba-lhadores, o que mais impressionou os fiscais foram as condições de-gradantes. Os peões tomavam banho, lavavam a roupa e bebiam aágua do açude utilizado pelo gado do fazendeiro.

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O pagamento das indenizações começará a ser feito nesta terça-feira (06), na sede da Subdelegacia do Trabalho de Marabá. Os traba-lhadores afirmam que só voltarão para suas cidades, nos estados doMaranhão e Piauí, depois de receberem tudo a que têm direito.”(1)

O problema não é verificado apenas na zona rural. Também vem seprojetando o trabalho degradante urbano, notadamente no estado de SãoPaulo, tendo como vítimas imigrantes, geralmente ilegais, como ilustra arecente notícia:

“SP: Preso coreano acusado de manter 15 trabalhadoresescravos.

O coreano Hae Dong Ho, de 46 anos, foi preso nesta quarta-feira por manter em regime de escravidão 11 paraguaios e quatrobolivianos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, eles traba-lhavam para o coreano em uma confecção que funcionava no BomRetiro, na região central de São Paulo. Os paraguaios e bolivianosrecebiam, segundo a polícia, R$ 50 a cada dois meses e raramentepodiam sair do sobrado.”(2)

Os países desenvolvidos não estão imunes a tais práticas, que afli-gem, de regra, os imigrantes nos países mais ricos do Planeta.

Vale a pena transcrever trechos de notícias coletadas em Portugal ena Espanha, onde foram detectados trabalhadores escravizados em plenoano 2000, que demonstram a semelhança com as práticas brasileiras:

“Clandestinos. Trabalho escravo na margem sul.

A história é a de costume: um empreiteiro promete salários ape-tecíveis a imigrantes clandestinos. Garante-lhes a legalização quenunca chega e os ordenados também ficam pelo caminho. Mas estecaso, na margem Sul do Tejo, encerra uma agravante: o empreiteirotem aliciado os imigrantes dizendo-lhes que a mulher é funcionáriado Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.”(3)

(1) Notícia publicada no jornal Diário do Povo, edição de 6.5.2003, p. 5, Teresina. Os estados doPiauí e do Maranhão estão entre os maiores “exportadores” de escravos do Brasil, via de regrapara a zona rural dos estados do Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mas em todos osestados brasileiros há casos de exploração da mão-de-obra em condições degradantes.(2) Notícia disponibilizada na Internet em <http://www.globo.com> em 14.5.2003.(3) Notícia publicada no Jornal “Público”, edição de 11.8.2000, pp. 1 e 17, cidade do Porto.

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“Empresário detido por explorar estrangeiros.

Barcelona

E. M. A., de 53 anos, foi detido em Badalona na segunda-feirapassada como autor presumido do delito de exploração laboral depessoas estrangeiras, segundo informam agentes da Polícia Nacio-nal. A Polícia Nacional havia recebido diferentes testemunhos quedenunciavam que E. M. A. explorava imigrantes em sua empresa deencadernações.

Segundo investigações oficiais, a jornada de trabalho dos imi-grantes era de 12 a 14 horas diárias em turnos de dia e de noite,incluídos os festivos, em troca de um salário de 500 pesetas a hora.

‘Todos suspeitávamos da utilização de imigrantes ilegais e in-clusive havíamos visto como eram abordados na rua’, afirma um tra-balhador de uma fábrica da mesma rua que prefere não se identificar.

‘Eu estive a ponto de pedir emprego na fábrica do detido, masme avisaram do que se passava’, indica outra testemunha. O detidopassou ontem à disposição do juízo de Badalona acusado de um de-lito contra os trabalhadores. E. M. A. havia sido detido na semanapassada depois que uma jovem equatoriana denunciara que lhe im-portunava e assediava sexualmente.”(4)

Nesses exemplos, o que caracteriza a exploração semelhante à es-cravização é a sujeição econômica do trabalhador. No caso dos nordesti-nos brasileiros explorados no estado do Pará e na Região Centro-Oeste doBrasil, a pobreza que os impele a se aventurarem fora de seus domicíliosdecorre das condições climáticas adversas e da ausência de políticas pú-blicas de desenvolvimento da região. Os imigrantes flagrados em São Pau-lo, por sua vez, vieram para o Brasil coagidos pela pobreza reinante emseus países, Paraguai e Bolívia, assim como os imigrantes da África, Euro-pa Central e Oriental, Ásia e América Latina buscam na Europa mais ricaoportunidades de trabalho e sobrevivência que não encontram nos paísesde origem, colocando-se em situação mais vulnerável ainda, em conse-qüência da clandestinidade.

No Brasil, a triste tradição de escravização dos trabalhadores estámais ligada à área rural, notadamente nos lugares de difícil acesso, tais a

(4) Notícia publicada no Jornal “El País”, edição de 17.8.2000, p. 15, Madri. Tradução da autora.

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Amazônia e os Cerrados do centro do País, e sobre tal situação é que setêm concentrado as ações governamentais e de organismos não governa-mentais visando à erradicação das práticas abomináveis. No entanto, comoilustra a notícia acima referida, vêm sendo detectados casos de escravidãourbana, notadamente na capital de São Paulo, envolvendo estrangeiros eimigrantes ilegais, não se dispondo, no entanto, de dados estatísticos oumesmo de estratégias consolidadas para combater a grave irregularidade.

3. MEDIDAS JUDICIAIS TRADICIONAIS DE COMBATE ÀESCRAVIDÃO PELO MPT PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO

O Ministério Público do Trabalho dispõe da ação civil pública e daação civil coletiva para responsabilizar os empregadores que explorem tra-balhadores em condições degradantes, na Justiça do Trabalho(5).

Através da ação civil pública é possível postular, a teor do artigo 3ºda Lei n. 7.347/1985, a condenação do explorador em dinheiro ou o cum-primento da obrigação de fazer ou não fazer. O dinheiro, no caso, deve sedestinar à recomposição do bem jurídico coletivo lesado. A obrigação defazer ou não fazer, por sua vez, engloba todas as medidas e providênciastendentes a devolver a dignidade ao trabalhador, tais a determinação deregistro do contrato de trabalho na Carteira respectiva, a cessação de des-contos salariais indevidos, a retirada de seguranças que estiverem intimi-dando os trabalhadores ou constrangendo sua liberdade de ir e vir, a ob-servância do salário mínimo, da jornada de trabalho legal e de outros direi-tos reconhecidos aos trabalhadores, a oferta de condições de trabalho mí-nimas envolvendo água potável, alojamento, transporte adequado, equipa-mentos de proteção individual e coletiva de trabalho, entre outros direitosdifusos e coletivos.

A ação civil coletiva, por seu turno, conforme artigo 91 da Lei n. 8.070/1990, é manejável na Justiça do Trabalho para responsabilizar o explora-dor por danos individualmente sofridos pelos trabalhadores, sejam moraisou patrimoniais, tais as diferenças salariais e adicionais de periculosidade ouinsalubridade, noturno e de horas extras.

Há-de se destacar, no entanto, que, quando se cogita de reprimir oureparar os danos causados ao homem explorado em condições análogas àescravidão, por força da própria situação aviltante, está-se diante do inte-

(5) As medidas judiciais são citadas superficialmente neste estudo porque não constituem o seuobjeto, mas, sim, as providências extrajudiciais à disposição do MPT para combater o trabalhoescravo.

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resse social relevante, o que autoriza sejam tratados os interesses indivi-duais homogêneos — em princípio defensáveis via ação civil coletiva — atra-vés da própria ação civil pública, equiparados aos interesses coletivos(6).

Dispõe, também, o MPT, das ações cautelares em socorro das situa-ções de periculum in mora e fumus boni iuris, tão presentes nos casos detrabalho escravo.

4. A INTEGRAÇÃO DAS AÇÕES DE COMBATE AO TRABALHOESCRAVO

O enfrentamento do trabalho escravo exige ações coordenadas e in-tegradas de todos os segmentos envolvidos no problema. Ninguém podearvorar-se em “D. Quixote” no caso, a menos que seja leviano ou queirasomente promover-se na mídia. Cada um tem determinado papel a cumprir.É preciso quem denuncie (sindicatos, ONGs, Igrejas etc.). Quem fiscalizeas condições de trabalho (Ministério do Trabalho) e o tráfego ou transportede trabalhadores (Polícia Rodoviária). É necessário quem dê garantias aosagentes da fiscalização trabalhista, às diligências levadas a efeito pelo pró-prio representante do Ministério Público e exerça a polícia judiciária (Polí-cia Federal). Quem mova as ações judiciais de responsabilização dos infra-tores (Ministério Público). E quem julgue tais infratores (Poder Judiciário).Sem informação ou denúncia o Ministério do Trabalho não agirá. Sem asPolícias não será possível realizar as fiscalizações com segurança física emoral dos auditores. Sem os elementos colhidos pela fiscalização e pelospoliciais, o Ministério Público não terá condições de instruir seus inquéritoscivis e suas ações judiciais, que, se não forem movidas, obviamente, nãoserão julgadas, e a impunidade reinará. Devem ser integrados nessa cor-rente, ainda, as Polícias estaduais e os Ministérios Públicos dos Estados,seja para auxiliarem os demais, seja para agirem residualmente no quesobejar das incumbências daqueles.

5. MEDIDAS EXTRAJUDICIAIS COADJUVANTES DE COMBATE AOTRABALHO ESCRAVO À DISPOSIÇÃO DO MPT

Quem lida com o problema focalizado sabe, porém, que não se acabacom a exploração da mão-de-obra em condições aviltantes através de sen-tenças judiciais trabalhistas, apenas. A Justiça do Trabalho tem o seu im-portante e insubstituível papel repressor e reparador — isso é inegável —

(6) Consulte-se, agasalhando a defesa de direitos individuais homogêneos qualificados como in-teresse social relevante, o acórdão proferido pelo TST no Proc. n. E-RR-473.110/98.4, SBDI-1,relator juiz convocado Vieira de Mello Filho, publicado no DJ de 13.12.2002.

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mas sua força é mitigada pelas limitações de competência material, namedida em que, perante ela, somente pode ser tratada a faceta trabalhistado problema, enclausurada no dissídio trabalhador-empregador, conformea legislação em vigor. Nela não se pode também responsabilizar o empre-gador criminalmente. Nem os aliciadores de mão-de-obra. Impossível, ain-da, responsabilizar as autoridades administrativas omissas ou insuficien-tes na adoção das medidas de fiscalização de todo o ciclo em que se per-petra a exploração — do transporte irregular de trabalhadores à execuçãodo contrato de trabalho e seu rompimento.

Dessas dificuldades emerge e ganha relevo a atuação extrajudicialdo Ministério Público do Trabalho, em harmonia com as ações da fiscaliza-ção trabalhista e das Polícias Federal e Rodoviária (Federal e Estaduais),não para imiscuir-se ou substituir-se nas funções de seus agentes, maspara deles receber subsídios de atuação, dar sugestões(7), preparar estra-tégias de enfrentamento das irregularidades e agir no espaço impenetrávelpelos referidos órgãos, providenciando, por exemplo, a expedição de notifi-cações recomendatórias visando à melhoria dos serviços públicos de fis-calização, apoiadas no artigo 6º, XX, da Lei Complementar n. 75/1993, e,assim, corrigir falhas e demarcar responsabilidades.

Como se disse, não se erradica trabalho escravo somente com sen-tenças judiciais. São necessárias inúmeras providências para tal desidera-to, onde se acham inseridas as intervenções judiciais. Tais providênciasestão compiladas no “Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Es-cravo”(8), lançado em março de 2003, que reserva papéis para diversos ór-gãos governamentais e organismos não-governamentais, abrangendo açõesgerais, melhorias nas estruturas administrativas do grupo de fiscalizaçãomóvel do Ministério do Trabalho e Emprego, da ação policial (notadamentePolícia Federal e Polícia Rodoviária Federal), dos Ministérios Públicos Fe-deral e do Trabalho, bem assim ações específicas de promoção da cidada-nia e combate à impunidade e de conscientização, capacitação esensibilização para erradicação do trabalho escravo, prevendo-se, ainda,alterações legislativas, para implementação a curto e médio prazo, confor-me a natureza da medida.

(7) Veja-se, por exemplo, o relatório contendo “soluções para prevenir o aliciamento de trabalha-dores e o trabalho forçado e obrigatório”, disponível na Internet em <http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/escravo_2000.pdf>. Também a exposição, com sugestões de medidas concretas, fei-ta pela Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região, representada pelo procurador MarcoAurélio Lustosa Caminha, no Seminário “Trabalho forçado, realidade a ser combatida”, realizadoem Belém/PA dias 6 e 7.4.2000, disponível na Internet em <http://www.prt22.mpt.gov.br/noticia8.htm>.(8) Disponível na Internet em <http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/escravo/planonacional.pdf>.O “Plano” se ocupa do trabalho escravo rural.

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5.1. Desenvolvimento econômico-social nos locais exportadores demão-de-obra escrava

Se o subdesenvolvimento, a falta de trabalho e a extrema necessidadede recursos para subsistência própria e de seus dependentes são a causamaior da submissão dos trabalhadores à exploração em condições análo-gas à escravidão, é óbvio que qualquer medida ou política pública que viseà erradicação do trabalho escravo, necessariamente, deve combater a po-breza e fomentar o emprego e o desenvolvimento nas regiões exportado-ras de escravos.

O Ministério Público do Trabalho não dispõe de ações judiciais mane-jáveis no seu palco de atuação que possam obrigar a Administração Públi-ca a lançar-se em tal combate.

Mas pode agir fora do âmbito judicial, levando idéias e sugestõespara seminários temáticos e planos de combate ao trabalho escravo(9), par-ticipando de convênios de atuação conjunta(10), expedindo notificaçõesrecomendatórias etc. Sem a promoção desse desenvolvimento o ciclo deexploração jamais será quebrado. Os trabalhadores libertados das senza-las contemporâneas a elas voltarão se não encontrarem trabalho em con-dições dignas em sua região de origem. Aliás, é isso que se constata naprática.

5.2. Repressão ao tráfico de trabalhadores

A erradicação do trabalho escravo passa, forçosamente, pelo comba-te à pobreza e, também, pela repressão ao tráfico de trabalhadores.

O recrutamento de mão-de-obra e o deslocamento de trabalhadores,em si, não são proibidos, mesmo porque necessários à subsistência devárias atividades econômicas, considerada a carência de trabalhadores nasregiões mais remotas ou que exijam grande quantidade de pessoas paraexecução de serviços sazonais, por exemplo.

(9) O MPT integrou a comissão especial que elaborou o “Plano Nacional para a Erradicação doTrabalho Escravo”, contribuindo para sua formulação.(10) Veja-se, como exemplo, o “Protocolo de procedimentos conjuntos” celebrado no Piauí paracombater o aliciamento, tráfico e transporte irregular de trabalhadores e o trabalho forçado ou emcondições degradantes, que traz, entre outras cláusulas idealizadas, compromissos da Secreta-ria Estadual de Trabalho e Ação Comunitária voltados para a “adoção de políticas de fixação dohomem no campo, como a geração de emprego e renda, o franqueamento de cursos de profissio-nalização agrícola e pecuária, de modo a desestimular a emigração de trabalhadores” e o estímu-lo ao “desenvolvimento das potencialidades regionais, como o turismo, a agricultura, fruticultura,piscicultura, pecuária, mineração, artesanato e outros”, e dos Municípios (representados pelaAssociação de Prefeitos), notadamente para que “adotem políticas econômico-sociais visando àf ixação do homem no seu local ou no campo”. Disponível na Internet em <http:/ /www.prt22.mpt.gov.br/protoco3.htm>.

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No entanto, quem pretender tal deslocamento deve seguir as regrasconstantes da Instrução Normativa Intersecretarial MTb n. 1, de 24.3.1994,item II.1. O transporte de trabalhadores para localidade diversa de sua ori-gem será lícito, assim, se estiver munido da Certidão Liberatória emitidapela Delegacia Regional do Trabalho e Emprego, a qual depende de com-provação, por parte do empregador, da regularidade da contratação, me-diante o registro nas Carteiras de Trabalho e de “contrato de trabalho escri-to que discipline a duração do trabalho, salário, alojamento, alimentação econdições de retorno à localidade de origem do trabalhador”.

A expedição da referida Certidão deve ser comunicada às Delegaci-as, Subdelegacias e Postos da fiscalização trabalhista, locais e do destinodos trabalhadores, para que possam ser acompanhados. O empregador,por sua vez, é obrigado, ainda, a comunicar o recrutamento aos sindicatosde trabalhadores rurais do local de origem e de destino.

Se a norma fosse atendida não haveria tráfico de trabalhadores,obviamente.

O problema é que, em geral, quem explora a mão-de-obra em condi-ções subumanas o faz desde o recrutamento, valendo-se de prepostosvulgarmente conhecidos como gatos, que aliciam trabalhadores mediantefalsas promessas de bom emprego e os transportam irregularmente.

Essa locomoção se dá, na maioria dos casos, pelas rodovias e estra-das, em caminhões impróprios para seres humanos, ônibus com itinerárioregular, ônibus fretado e outros veículos automotores. Ocorre, também, emembarcações e até por via aérea, em pequenos aviões, nas regiõesintrafegáveis por terra, como no interior da Amazônia.

A intensificação das ações de combate ao tráfico de trabalhadores temcomprovada eficiência preventiva da escravização(11) e contribui para a me-

(11) A celebração do “Protocolo de procedimentos conjuntos” referido na nota anterior trouxecomo efeito prático imediato o aumento dos casos de apreensão de veículos transportando traba-lhadores nas estradas piauienses, arrebanhados no próprio estado do Piauí, no Ceará e até naBahia, como i lustra o Relatór io disponibi l izado no site da PRT-22ª Região <http:/ /www.prt22.mpt.gov.br/trabescr.htm>. A atuação conjunta funciona do seguinte modo: a PolíciaRodoviária apreende o veículo e entra em contato imediato com a Polícia Federal (que autua emflagrante os responsáveis pelo aliciamento), com a Delegacia Regional do Trabalho e Emprego(que destaca, imediatamente, uma equipe de auditores para providenciar a regularização confor-me a IN Intersecretarial n. 1/1994, deixando prosseguir a viagem somente se cumpridos os requi-sitos para expedição da Certidão Liberatória) e com o MPT da 22ª Região (que instaura o proce-dimento investigatório para verificar as condições de trabalho na empresa situada no Estado ouencaminha os elementos colhidos à Procuradoria Regional em que esteja situado o estabeleci-mento ou fazenda para onde se dirigiam os trabalhadores, com posterior propositura das açõesjudiciais que forem necessárias, na Justiça do Trabalho). A sistemática é simples mas tem dadobons resultados. O mesmo Relatório sinaliza que o combate efetivo à exploração do trabalhoescravo no próprio território piauiense — incrementado graças à instalação da PRT local emdezembro de 1992, cumprindo sua missão institucional — alterou as práticas da exploração, apa-recendo o tráfico de trabalhadores para outros Estados, o que demandou o redirecionamento dosesforços dos órgãos envolvidos para combater esse tráfico. Os resultados da ação conjunta seriam

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lhoria das condições de trabalho, notadamente porque propicia a locomoçãoregular e o acompanhamento do grupo de trabalhadores, pela fiscalizaçãotrabalhista (e pelos sindicatos obreiros), da origem ao local de destino.

5.3. Responsabilização dos transportadores

Nesse processo de exploração da mão-de-obra em condições análo-gas à escravidão, quem transporta, irregularmente, trabalhadores, não éinocente e deve ser responsabilizado penal (co-partícipe do aliciamento)e administrativamente (com a apreensão do veículo e perda da permissãodo serviço público de transporte de passageiros, se for o caso).

Note-se que, conforme se intensifica o combate ao tráfico de traba-lhadores, os meios de locomoção são aprimorados para burlar a fiscaliza-ção. A experiência tem demonstrado que, do transporte ostensivo nascarrocerias de caminhões, facilmente detectados e apreendidos, os alicia-dores passaram a utilizar as linhas regulares de ônibus intermunicipal einterestadual, embarcando pequenos grupos de trabalhadores para nãochamar a atenção dos policiais e dos auditores fiscais, dificultando, inclusi-ve, a caracterização da ilicitude. Outra modalidade irregular de transporterodoviário de trabalhadores consiste do fretamento de ônibus, que trafe-gam fora da linha permitida ou com licenças para levar falsos turistas(12).

5.4. O papel das Agências Nacionais de Transportes e outros órgãosde fiscalização dos transportes públicos

O transporte rodoviário é o mais utilizado pelo tráfico de trabalhado-res, que, como visto, vem se aperfeiçoando e utilizando até ônibus de em-presas autorizadas a explorar o serviço de transporte público.

Nesse contexto, é fundamental a integração dos órgãos responsá-veis pela emissão das licenças para as linhas regulares e outras viagens,bem como a respectiva fiscalização.

melhores se não fossem a precariedade da Polícia Rodoviária Estadual e as conhecidas limita-ções de quantidade de pessoal e orçamentárias do Ministério do Trabalho e Emprego e das Polí-cias Federal e Rodoviária Federal — as quais, espera-se, serão resolvidas se cumprido o “PlanoNacional para Erradicação do Trabalho Escravo”.(12) Em novembro de 2002 flagrou-se uma situação inusitada nas proximidades de Floriano, cen-tro-sul do Piauí: ônibus de uma das maiores empresas nacionais do ramo transportava 42 traba-lhadores, de Alcântaras/CE para Alto Araguaia/MT, valendo-se de uma autorização para viagemem regime de fretamento turístico! Os policiais desconfiaram do singular “roteiro turístico” e doaspecto modesto dos “turistas”, que tinham para alimentar-se apenas farofa durante a viagemque duraria em torno de três dias, e apreenderam o veículo, chamando a fiscalização trabalhista que,com muito esforço, conseguiu que a empresa contratante regularizasse o transporte dos recruta-dos. No caso, a PRT-22ª Região encaminhou os elementos à PRT da Região para onde seguiamos trabalhadores e, detectando a falha na emissão e fiscalização da autorização para a viagem“turística” pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), expediu-lhe a NotificaçãoRecomendatória n. 1.133/2002, para que corrigisse tais serviços, bem assim para instaurar pro-cesso administrativo visando à apuração da irregularidade praticada pela empresa de transportepúblico autorizada.

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O transporte rodoviário interestadual de passageiros está sob o crivoda Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)(13), nos temos da Lein. 10.233/2001, a quem cabe outorgar as respectivas permissões do servi-ço e autorizações destinadas ao turismo ou sob o regime de fretamento,bem assim fiscalizar o cumprimento das condições de outorga das permis-sões e autorizações, devendo coibir a prática de serviços de transporte depassageiros irregular (artigo 26, VII e § 6º).

O Decreto n. 2.521/1998, nos arts. 79 e seguintes, prevê penalidadespara as empresas transportadoras de passageiros que cometam infrações,observado o devido processo administrativo.

Importante ressaltar, notadamente quando se cogita de empresasautorizadas ou permissionárias dos serviços públicos de transporte de pas-sageiros, seja pela via terrestre, aquática ou aérea, que nenhuma delaspoderá se desviar do objeto dos serviços lícitos que lhe foram outorgados,nem concorrer, de qualquer forma, para o tráfico de trabalhadores, outransportá-los sem que estejam contratados regularmente, muito menosauferir receitas com o transporte de mão-de-obra fadada à exploração emcondições análogas à escravidão.

Cumpre ao membro do MPT, diante dos casos concretos, verificar oórgão responsável pela autorização ou permissão e fiscalização do cum-primento das condições da outorga, seja federal, estadual ou municipal, enotificá-lo para que instaure o processo visando à apuração da responsa-bilidade do transportador de trabalhadores em tais condições irregulares(14).

5.5. O papel dos sindicatos rurais

Geralmente, quem primeiro tem contato com as manobras dealiciamento de mão-de-obra são os sindicatos de trabalhadores rurais. Daía sua importância no contexto da erradicação do trabalho escravo, pois seo fato for levado imediatamente ao conhecimento das autoridades, notada-mente policiais, auditores fiscais e Ministério Público, a ilicitude poderá ser

(13) Inclui-se na esfera de atuação da ANTT, também, o transporte ferroviário de passageiros aolongo do Sistema Nacional de Viação, e o transporte rodoviário internacional de passageiros (art.22, I e III, da Lei n. 10.233/2001). A mesma lei trata da Agência Nacional de Transportes Aquaviários(ANTAQ), constando da sua esfera de atuação a “navegação fluvial, lacustre, de travessia, deapoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e de longo curso”, nos termos do art. 23, I. TalAgência realiza sua missão, marcadamente, mediante convênios de cooperação técnica e admi-nistrativa com outros órgãos e entidades públicas, inclusive para fiscalização (art. 27, § 1º, I). Afiscalização do transporte aéreo é responsabilidade das autoridades aeronáuticas, conforme Lein. 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), constando dos arts. 288 e seguintes as infra-ções e penalidades administrativas passíveis de aplicação.(14) Infelizmente, as Agências Nacionais de Transportes e outras entidades responsáveis pelolicenciamento e fiscalização do transporte de pessoas não foram integradas no “Plano Nacionalpara a Erradicação do Trabalho Escravo”. Tal omissão precisa ser corrigida, urgentemente, consi-derada a importância dessas entidades para o combate ao tráfico de trabalhadores.

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atacada na origem, seja com a prisão em flagrante do gato, seja com aidentificação do contratante e chamamento para que regularize o recruta-mento de pessoal.

A atuação dos sindicatos nas regiões onde se encontrem instaladasempresas usualmente praticantes das péssimas condições de trabalho,notadamente do trabalho escravo, é igualmente salutar e necessária paraque as denúncias cheguem aos agentes da fiscalização

A formulação de denúncias constitui, assim, papel valioso e funda-mental das entidades sindicais obreiras.

Sua atuação é importante, também, pelo acesso direto que têm aostrabalhadores rurais, via de regra pessoas modestas com pouca ou nenhu-ma instrução, no sentido da promoção de campanhas de esclarecimentoquanto às conseqüências do aliciamento e transporte irregular e informa-ções sobre os direitos trabalhistas elementares.

CONCLUSÃO

Entende-se por trabalho escravo, em linhas gerais, a exploração damão-de-obra em condições ofensivas à dignidade do ser humano.

A pobreza constitui a causa direta dessa exploração no mundo contem-porâneo, que se evidencia no Brasil rural, havendo, também, registro decasos de trabalho escravo urbano, e em países desenvolvidos, tais comoEspanha e Portugal, afligindo, principalmente, os trabalhadores imigrantes.

É possível afirmar, sem exagero, que o Ministério Público do Trabalhopode exercer, extrajudicialmente, na missão de combater o trabalho escra-vo, um papel tão importante quanto o que se acha reservado para a Insti-tuição no plano judicial.

Necessita, porém, de atuar de forma coordenada e harmônica comos órgãos públicos e entidades privadas dedicadas à erradicação de talprática ilícita, principalmente para que possa obter informações e elemen-tos probatórios visando à instrução dos procedimentos investigatórios eações judiciais, e realizar, através de seus membros, as próprias diligênci-as, com apoio e segurança física.

Entre os parceiros indispensáveis constam o Ministério do Trabalho eEmprego, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as Estaduaise os sindicatos rurais.

As sugestões de estratégias de atuação, medidas de prevenção erepressão ao tráfico de trabalhadores e à exploração dos trabalhadores emcondições aviltantes, bem como a participação em convênios regionais,entre outras providências, constituem importante contribuição do Ministé-rio Público do Trabalho.

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A repressão ostensiva ao aliciamento e transporte irregular de traba-lhadores é de fundamental importância para a erradicação do trabalho es-cravo. Nesse contexto, ganha relevo a atuação do Ministério Público doTrabalho, no plano administrativo-institucional, quando expede recomen-dações visando à melhoria dos serviços públicos de fiscalização dos trans-portes e adoção das providências tendentes à responsabilização do transpor-tador, em especial quando se tratar de permissionários do serviço público— a quem não se pode tolerar a participação no processo de escravizaçãodos trabalhadores.

Os órgãos responsáveis pela outorga de autorizações e permissões,bem assim pela fiscalização do serviço público de transportes, notadamen-te a Agência Nacional de Transportes Terrestres, devem ser notificados peloMinistério Público do Trabalho, sempre que se detectar falha no cumpri-mento do seu papel.

Não se combate o trabalho em condições degradantes apenas comsentença proferida nas ações coletivas trabalhistas. É preciso, também,lançar mão dos meios coadjuvantes à atuação judicial, no plano extrajudi-cial, em especial daqueles que ataquem a ilicitude na origem, notadamen-te a prevenção e a repressão ao aliciamento e ao transporte irregular depessoal.

O problema do tráfico e exploração de trabalhadores, no entanto, so-mente será eliminado com a promoção do desenvolvimento, geração deemprego e renda e adoção de políticas públicas de fixação do homem nasua região, que dêem condições de sobrevivência digna nos locais diag-nosticados como exportadores de escravos.

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A ESCRAVIDÃO POR DÍVIDAS NAS RELAÇÕESDE TRABALHO NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

Ronaldo Lima dos Santos (*)

1. ALVORES DA ESCRAVIDÃO — A IDADE ANTIGA

A escravidão(1) é uma instituição antiga na história da humanidade.Dados históricos fornecem notícias que as primeiras civilizações que sur-giram na região de Crescente Fértil (nordeste da África, as terras do corre-dor mediterrâneo e a Mesopotâmia) já faziam grande uso da mão-de-obrade indivíduos escravos.

Nos primórdios, a escravidão correspondia a um meio de subjugaçãode um povo por outro, como conseqüência direta das guerras que ocorriamentre as diversas tribos e povos. Na região da Mesopotâmia (berço dasprimeiras civilizações — sumérios, acádios, amoritas, assírios e caldeus),por exemplo, os diversos povos combatiam uns aos outros, sucedendo-seno domínio da região, com a escravização dos sucedidos.

Na Babilônia os escravos compunham a última camada da população.O Código de Hamurabi já continha normas a respeito do trabalho escravo,como a limitação do tempo de trabalho dos escravizados por dívidas,asseguramento do direito do escravo esposar a filha de um homem livre

(*) Procurador do Trabalho da PRT/2ª Região. Mestre e Doutorando em Direito do Trabalho pelaFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor Universitário.(1) Sinteticamente, a escravidão pode ser definida como o “regime social de sujeição do homeme utilização de sua força, explorada para fins econômicos, como propriedade privada”. Escravo,por sua vez, é aquele que “está sujeito a um senhor, como propriedade dele.” Escravocrata é opartidário da escravatura, senhor, dono de escravos” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Novo Aurélio século XXI : o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999,p. 800). A Convenção sobre Escravidão, da Sociedade das Nações, de 1926, define a escravidãocomo “o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente,alguns ou todos os atributos do direito de propriedade” (art. 1º).

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(o que lhe dava direito à herança nos matrimônios e a liberdade à sua pro-le).(2) O episódio mais notável de subjugação de um povo pelos neobabilônicosficou conhecido como o “Cativeiro da Babilônia”, período no qual, após atomada de Jerusalém pelos neobabilônicos (caldeus), em 586 a.C., sob ocomando do rei Nabucodonosor, os hebreus foram escravizados.

Egito, Grécia e Roma fizeram grande uso dessa instituição (escravi-dão). Costumavam, por meio de práticas guerreiras, aprisionar os derrota-dos e utilizá-los como escravos na atividade agropecuária, na construção enas funções domésticas.(3) Eram também escravos os nascidos de pais oumães escravas.

No antigo Egito, a sociedade era dividida em dois grandes grupos:dos dominantes e dos dominados. Ao primeiro grupo pertenciam os no-bres, os sacerdotes e os escribas; ao segundo, os artesãos, os felás (cam-poneses e os que trabalhavam em obras públicas) e os escravos. Os escra-vos eram compostos pelos prisioneiros capturados em guerra. Viviam emcondições precárias, mas possuíam alguns direitos como o casamento compessoas livres, a possibilidade de propriedade de bens, capacidade de tes-temunhar em tribunais.

Na Grécia antiga, a escravidão foi largamente utilizada, iniciando-sejá no período Homérico (séc. XV a séc. VIII a.C.) até o período Helenístico(séc. IV a séc. I a.C.), com a escravidão de prisioneiros de guerra. Na Gréciadesenvolveram-se as primeiras formas de escravidão por dívida entre ospróprios membros da comunidade. Em Atenas, a maioria da população eraformada por escravos que trabalhavam no campo, nas minas e nas ofici-nas. Embora considerados propriedades do seu senhor, já havia leis queos protegiam contra excessivos maus-tratos.

Em Roma, cuja economia era baseada no ruralismo, as propriedadeseram cultivadas por escravos, estabelecendo-se uma relação de direito realentre o titular do direito — dominus — e o escravo — res. Nessa sociedade,o escravo não era considerado sujeito de direitos, mas objeto de direito,recaindo sobre ele (coisa) o domínio do proprietário, que possuía o direitode castigá-lo, vendê-lo, alugar seus serviços, tomar decisões sobre a suavida e morte. Na sociedade romana desenvolveu-se a utilização dos escra-vos como capatazes, professores e artesãos.

Com o advento do cristianismo, a escravidão fora amenizada por in-fluência dos pensamentos religiosos de igualdade, fraternidade e solidarie-dade. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, embora não condenassemdiretamente a escravidão, reclamavam tratamento digno e caridoso paraos escravos.(4) Em 366 a.C., decretou-se, por lei, a proibição da escravidãopor dívidas e, em 326 a.C., a escravidão foi abolida.

(2) OLIVEIRA, José César de. Formação histórica do direito do trabalho. In: BARROS, Alice Monteirode (Org.). Estudos em memória de Célio Goyatá. 3ª ed. rev. ampl., São Paulo: LTr, 1997, v. 1, p. 45.(3) SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, 2001, p. 29.(4) OLIVEIRA, José César de. Formação histórica do direito do trabalho. op. cit., p. 54.

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2. A SERVIDÃO NA IDADE MÉDIA

Embora na Idade Antiga a servidão já fosse encontrada em determi-nadas regiões, como na Grécia, com a figura dos ilotas(5), foi na Idade Mé-dia que esse regime de trabalho prevaleceu. A descentralização política ea fragilidade do poder do Monarca possibilitaram a fixação do poder nasmãos dos senhores feudais, detentores da terra, que mantinham servosnas suas propriedades. A passagem do regime de escravidão para o deservidão foi lenta e gradual; a relação de domínio transferiu-se da pessoapara a propriedade; o servo não é considerado coisa como o escravo (res),mas pessoa, embora vinculado às glebas (manso servil ou tenência). Cons-tituíam a maioria da população camponesa e eram também denominadosde laboratores (vocábulo latino que significa “trabalhadores”).

Apesar de não serem considerados coisa (res), como ocorria outroracom os escravos, a situação dos servos não se distanciava muito da daque-les, pois eram considerados acessórios das terras pertencentes ao senhorfeudal, as quais se vinculavam e ficavam sujeitos a diversas restrições pes-soais (não podiam contrair casamento sem permissão ou deslocarem-separa outras terras). Passavam fome, habitavam em condições precárias,não sabiam ler ou escrever e ficavam sujeitos ao cumprimento de diversasobrigações.(6)

Havia também, nesse período, a existência de um regime de escravi-dão paralelo ao servilismo; os senhores feudais aprisionavam os derrota-dos nas batalhas — principalmente os bárbaros e os infiéis — e os comer-cializavam nos mercados de compra e venda de escravos.

Desse modo, o que se nota é que “o trabalho servil era uma deriva-ção do trabalho escravo, mudando apenas o eixo do domínio, eis que en-quanto no trabalho escravo era o senhor o seu dono, no trabalho servil, otrabalhador era o servo da gleba.” (7)

3. A ESCRAVIDÃO NA IDADE MODERNA

Na Idade Moderna, com o aparecimento das grandes navegações e odescobrimento de novos territórios, seguidos da expansão territorial das

(5) Os ilotas eram servos que trabalhavam no cultivo das terras dos cidadãos espartanos geraçãoapós geração. Pagavam um valor anual pelo uso da terra. Não eram protegidos pelas leis dacidade: podiam ser maltratados e mortos, impunemente.(6) Entre as diversas obrigações destacavam-se: a) a corvéia, obrigação servil de trabalhar gra-tuitamente, em alguns dias da semana, nas terras do senhor feudal; b) a capitação, imposto pes-soal; c) a talha, entrega de parte da produção agrícola ao senhor feudal; d) a banalidade, paga-mento pela utilização de equipamentos e instalações do feudo (celeiro, fornos etc.).(7) FERRARY, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra. História dotrabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 41.

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potências da época, verificou-se a escravização de negros trazidos da Áfri-ca para as novas terras da América e o aprisionamento de indígenas porportugueses e espanhóis nas terras recém-descobertas. Tem-se o início domercantilismo e do sistema colonial. Usufruíram desse sistema países comoPortugal, Espanha, França, Holanda e Inglaterra.

O nascimento e o desenvolvimento do capitalismo mercantilista con-cederam um caráter motivacional para a escravidão na Idade Moderna to-talmente diverso do que se verificou na Idade Antiga. Na Idade Moderna ainstituição da escravidão foi um instrumento de exploração para fins delucro, por meio da obtenção de mão-de-obra barata, ao passo que na Anti-güidade objetivava-se excluir o labor das condições de vida dos cidadãos.(8)

O uso da mão-de-obra escrava, na Idade Moderna, cumpria uma finalidademercantilista: produzir para o mercado externo, em favor da metrópole.

Devido à grande dominação em diversas regiões da África, Portugalfoi o primeiro país da Idade Moderna a utilizar o comércio de escravosnegros. Posteriormente, o tráfico negreiro foi mundialmente difundido pelospaíses mercantilistas. Cerca de 20 milhões de negros, segundo dados his-tóricos, foram abrupta e violentamente retirados do continente Africano,marcados com ferro e brasa, e transportados para as regiões coloniais,entre elas o Brasil, que recebeu cerca de 4 milhões de negros africanos.De 20 a 40% dos negros morriam nos porões escuros e inóspitos dos navi-os negreiros (tumbeiros) durante as viagens.

Nos pontos de chegada eram vendidos e utilizados nas mais diversasatividades (agricultura, mineração, serviços domésticos, artesanato etc.).Estavam sujeitos às mais diversas formas de castigo e torturas; excesso detrabalho, péssimas condições de higiene e saúde; baixíssimas expectati-vas de vida (muitos morriam depois de 5 a 10 anos de trabalho).

Apenas na Idade Contemporânea, com a decadência do sistema co-lonial e o desenvolvimento do capitalismo industrial — que necessitava daexpansão dos mercados consumidores, o que somente seria possível com aexistência de trabalho assalariado nas nações ainda não desenvolvidas —,além das lutas dos negros pela sua liberdade, que teve início a decadênciado regime de escravidão das nações africanas. No Brasil, sua abolição for-mal ocorreu em 1888, com a promulgação da Lei Áurea.

(8) E nesse ponto, vale considerar as observações de Hannah Arendt: “A opinião de que o labor eo trabalho eram ambos vistos com desdém na antigüidade pelo fato de que somente os escravosos exerciam é um preconceito dos historiadores modernos. Os antigos raciocinavam de outraforma: achavam necessário ter escravos em virtude da natureza servil de todas as ocupaçõesque servissem às necessidades de manutenção da vida. Precisamente por este motivo é que ainstituição da escravidão era defendida e justificada. Laborar significava ser escravizado pelanecessidade, escravidão esta inerente às condições da vida humana. Pelo fato de serem sujeitosàs necessidades da vida, os homens só podiam conquistar a liberdade subjugando outros queeles, à força, submetiam à necessidade” (ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed., Rio deJaneiro, Forense, 2000, p. 94).

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4. A ESCRAVIDÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA — PROSCRIÇÃOINTERNACIONAL

A Idade Contemporânea tem início sob os influxos da universaliza-ção dos ideários burgueses da Revolução Francesa de 1789 e das idéiasiluministas presentes na Constituição da Independência dos Estados Uni-dos da América, embora a proscrição da escravidão dos negros, nessepaís, adveio somente após a Guerra da Sucessão (1861-1865).

Em 26 de agosto de 1789, a Assembléia Nacional Francesa procla-mou a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com pre-missas referentes à dignidade da pessoa humana, à liberdade e à igualda-de dos cidadãos perante a lei, o direito à resistência e à opressão política,a liberdade de pensamento e de opinião.

Os princípios da igualdade, fraternidade e da liberdade, a doutrinados direitos humanos e as diversas formas de manifestação ressoaram portodo o mundo e contribuíram para a proscrição internacional da escravidãono período contemporâneo. No Congresso de Viena de 1815, essa práticafoi contundentemente condenada. Em 1926, a Sociedade das Nações pro-clamou a Convenção sobre a Escravidão.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pelaOrganização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabeleceque “ninguém será obrigado à escravidão nem em servidão; a escravidão eo tráfico de escravos são proibidos em todas as suas formas” (artigo 4º).

Em seu artigo 5º, declara que “Ninguém será submetido à tortura,nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” e, assinala,no artigo 13, que “todo homem tem direito à liberdade de locomoção eresidência dentro das fronteiras de cada Estado”.

No mais, a própria Declaração consagra o livre direito à escolha dotrabalho ao dispor que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolhade seu trabalho e à proteção contra o desemprego” (artigo 23, item 1).

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada na Con-ferência de São José da Costa Rica, em 22.11.1969 — Pacto de San Joséda Costa Rica —, proíbe as práticas da escravidão e da servidão, bemcomo as de trabalho forçado ou obrigatório.(9)

(9) O artigo 6º da Convenção está assim redigido: “Art. 6º Proibição da escravidão e da servidão.§ 1º Ninguém será submetido à escravidão ou servidão, e tanto estas como o tráfico de escravose o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. § 2º Ninguém será constrangidoa executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos,pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode serinterpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunalcompetente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectualdo recluso. § 3º Não se consideram trabalhos forçados ou obrigatórios para efeitos deste artigo:

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A Convenção Suplementar das Nações Unidas sobre a Abolição daEscravidão, Tráfico de Escravos e Instituições e Práticas Semelhantesà Escravidão, de 1965, considera como escravidão a “situação ou condiçãodecorrente do empenho, por parte do devedor, dos seus serviços pessoaisou dos de pessoas sob seu controle como garantia para uma dívida, se ovalor desses serviços, razoavelmente avaliado, não for aplicado à liquida-ção da dívida, ou se a duração e a natureza desses serviços não forem,respectivamente, limitados e definidos” (artigo 1º).

A Convenção n. 29, da OIT, de 1930, sobre Abolição do Trabalho For-çado utiliza as expressões “trabalho forçado’’ ou “trabalho obrigatório” paradesignar todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça dequalquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea von-tade” (art. 2º, item 1)(10). O Brasil, como os demais membros ratificadoresdessa Convenção, obrigou-se a suprimir o emprego do trabalho forçado ouobrigatório sob todas as suas formas, no mais curto prazo possível (art. 1º,item 1).

A Convenção n. 105, da OIT, sobre Abolição do Trabalho forçado dis-põe que “Qualquer membro da Organização Internacional do Trabalho queratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho força-do ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma: a) comomedida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida apessoas que exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposi-ção ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida; b) como

a) trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentençaou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviçosdevem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos queos executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurí-dicas de caráter privado; b) o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivosde consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c) o serviço impostoem casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e d)o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais”.(10) Pelo artigo 2º, item 2, da Convenção não se compreende na expressão trabalho forçado ouobrigatório: a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude de leis sobre o serviço militar obriga-tório e que só compreenda trabalhos de caráter puramente militar; b) qualquer trabalho ou serviçoque faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadãos de um país plenamente autônomo;c) qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como conseqüência de condenação pro-nunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou serviço seja executado sob afiscalização e o controle das autoridades públicas e que dito indivíduo não seja posto à disposi-ção de particulares, companhias ou pessoas privadas; d) qualquer trabalho ou serviço exigidonos casos de força maior, isto é, em caso de guerra, de sinistro ou ameaças de sinistro, tais comoincêndios, inundações, fome, tremores de terra, epidemias e epizootias, invasões de animais, deinsetos ou de parasitas vegetais daninhos e em geral todas as circunstâncias que ponham emperigo a vida ou as condições normais de existência de toda ou de parte da população; e) peque-nos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse direto da coletivida-de pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser considerados obrigações cívicasnormais dos membros da coletividade, contanto, que a própria população ou seus representantesdiretos tenham o direito de se pronunciar sobre a necessidade desse trabalho.

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método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desen-volvimento econômico; c) como punição por participação em greves; d) comomedida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa” (art. 1º).(11)

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturaisprescreve que os Estados-Partes reconheçam o direito ao trabalho, quecompreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar avida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medi-das apropriadas para salvaguardar esse direito (art. 6º, item 1).

Todas as normas internacionais acima elencadas, além de outras quenão foram citadas, têm duas preocupações básicas: evitar a utilização demão-de-obra servil ou escrava diretamente pelos Estados-Membros, e im-pedir que estes permitam a adoção desse regime de trabalho em seu terri-tório, seja por autoridades públicas e governantes, seja por particulares edemais cidadãos.

No entanto, a proscrição internacional das diversas formas de escra-vidão, seguida de normas internas dos Estados, embora eficaz naerradicação da forma tradicional de escravidão, acabou por levar ao surgi-mento de formas dissimuladas de escravidão, destacando-se as situaçõesde escravidão por dívidas, comumente verificadas na América Central,América Latina, África e Sul da Ásia, cujas características são semelhan-tes às constatadas no Brasil, como veremos a seguir.

Em virtude do aspecto limitado do presente estudo, deixaremos deanalisar outras formas dissimuladas de trabalhos forçados, obrigatórios oude escravidão contemporânea verificadas, atualmente, em diversos países— escravidão tradicional, servidão, casamento servil, tráfico de mulheres,crianças e adolescentes para exploração sexual etc. — cujas necessidadesde combate são igualmente relevantes as que se verificam na escravidãopor dívidas.

Mas, vale ressaltar que, sem embasamento legal, essas modernaspráticas escravizatórias substituem a idéia da propriedade juridicamentegarantida sobre a pessoa de outrem — como na escravidão romana — peloprocedimento da posse fática e forçada, embasada na dissuasão pelo medo,sobre o corpo e a própria pessoa de indivíduos que se encontram em ma-nifesta posição de inferioridade. Equivale à transformação da antiga figurado homem-coisa (escravo) — considerado a própria res — na do homemcoisificado.

(11) Ao que nos parece, num primeiro momento, a Convenção n. 105 da OIT tem uma preocupa-ção imediata com a abolição do trabalho escravo, forçado ou obrigatório praticado por Estados-Membros. Ao prescrever medidas diretas e imediatas para a abolição dessa espécie de trabalhopor particulares no âmbito desses Estados, exige a tomada de providências por cada Estadoratificante da Convenção no combate às formas de escravidão praticadas em seu território tam-bém por particulares. Caso contrário, estaria abrindo-se uma fenda para o não-cumprimento daaludida norma internacional.

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5. FORMAS DE ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Como vimos, o Brasil iniciou suas atividades econômicas por meio dautilização da mão-de-obra escrava dos indígenas nativos e dos negros afri-canos trazidos ao nosso território pelos portugueses, vigorando o regimeescravocrata até o final do século passado, quando em 1888, foi formal-mente abolida a escravidão.(12)

Após três séculos em meio de escravidão formalmente admitida pelonosso ordenamento jurídico, ainda são encontradas diversas formas deescravidão no Brasil dos dias atuais. Não deixamos de ser um país escra-vocrata. Uma escravocracia camuflada. Hodiernamente, não somente osnegros estão relegados à herança negativa da escravidão oficial, como tam-bém brancos, pobres, mulheres e crianças são submetidos a verdadeirosregimes escravocratas de trabalho nas mais diversas regiões do País; des-de as mais industrializadas, como o Sul e o Sudeste, às menos desenvolvi-das, como Norte e Nordeste.

“Em quatro séculos e meio de história do Brasil, três séculos e meioforam marcados pela existência da escravidão”, cuja influência se faz sen-tir até hoje na cultura nacional, por gerar a concepção de trabalho comoalgo que se possa obrigar o outro a fazer e que possibilita tratar as pes-soas como mercadorias. Essa situação nos legou “uma insensibilidade, umaespécie de descompromisso com a sorte das pessoas que se situam foradas classes mais favorecidas”, está, ainda, atualmente esse espíritoescravista arraigado na cultura brasileira, seja na discriminação da mulher,seja na discriminação do negro e seus tratamentos desfavorecidos.(13)

(12) “Lei n. 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara Extinta a Escravidão no Brasil. A PrincesaImperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o senhor D. Pedro II faz saber a todosos súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e Ela sancionou a Lei seguinte: Art 1º Édeclarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art 2º Revogam-se as disposiçõesem contrário. Manda portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução dareferida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela secontém. Dada no palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e doImpério. Princesa Regente Imperial.”Formalmente, porque se tem notícias que em muitas regiões do Brasil a escravidão não foi ime-diatamente eliminada, seja pela resistência dos senhores de engenho, seja pela ausência deperspectiva dos negros, que, sem recursos, eram obrigados a trabalhar para seus antigos senho-res. À elaboração da Lei Áurea não correspondeu uma mudança imediata de cultura e comporta-mento. Como assinala Irany Ferrari, “com a abolição, exigiu-se a elaboração ‘de uma novaautoconcepção de status e papéis sociais por parte dos negros e mestiços, a formação de novosideais e padrões de comportamento. Ela implicava também na mudança de comportamento dohomem livre e branco diante do liberto, do negro não mais escravo. Impunha-se um novo ajusta-mento inter-racial. A súbita equiparação legal entre negros e brancos, em 1888, não destruiu deimediato o conjunto de valores que se elaborara durante o período colonial. Econômica, social epsicologicamente, os ajustamentos foram lentos” (FERRARY, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mas-caro; MARTINS FILHO, Ives Gandra, op. cit., p. 34).(13) MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. SãoPaulo: LTr, 2000, pp. 61-63.

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Não são raras as veiculações de matérias na imprensa a respeito delesões a direitos de trabalhadores rurais e a submissão dos mesmos àsmais aviltantes condições de trabalho nos diversos pontos do país, comotambém a denúncia de subserviência do rurícola ao empregador em fun-ção de dívidas que contraiu no curso da relação de emprego.(14)

Atualmente, vários modos de proceder dão ensejo à existência dotrabalho escravo, forçado ou obrigatório no Brasil:

a) a constrição da vontade inicial do trabalhador em se oferecerà prestação de serviços, sendo, por isso, constrangido à prestaçãode trabalhos forçados sem sequer emitir sentimento volitivo nestesentido (geralmente esta situação ocorre com os filhos de trabalha-dores sujeitos a trabalho escravo e seus familiares);

b) o aliciamento de trabalhadores em uma dada região com pro-messas de bom trabalho e salário em outras regiões, com a superve-niente contração de dívidas de transportes, de equipamentos de tra-balho, de moradia e alimentação, cujo pagamento se torna obrigató-rio e permanente, determinando a chamada escravidão por dívidas;

c) o trabalho efetuado sob ameaça de uma penalidade — comoameaças de morte com armas —, geralmente violadora da integrida-de física ou psicológica do empregador; modalidade que quase sem-pre segue a escravidão por dívidas;

d) a coação, pelos proprietários de oficinas de costuras em gran-des centros urbanos — como São Paulo — de trabalhadores latinospobres e sem perspectivas em seus países de origem — geralmentebolivianos e paraguaios —, que ingressam irregularmente no Brasil.Os empregadores apropriam-se coativamente de sua documentaçãoe os ameaçam de expulsão do país, por meio de denúncias às auto-ridades competentes. Obstados de locomoverem-se para outras lo-calidades, diante da sua situação irregular, os trabalhadores subme-tem-se às mais vis condições de trabalho e de moradia (coletiva).

Independentemente da denominação adotada — “trabalho escravocontemporâneo”, “escravidão por dívidas”, “trabalho forçado”, “trabalhoobrigatório”, “redução à condição análoga à de escravo”, cujo estudo dife-renciador e detalhado não é objeto deste trabalho — em todas as hipóte-ses levantadas, constatamos flagrantemente a sempre presença de víciosde vontade, seja no início da arregimentação do trabalhador, no começo daprestação de serviços, no curso da relação de trabalho e até mesmo por

(14) SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque, op. cit., pp. 16-17.

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ocasião do seu término. Os mais diversos métodos de coação, simulação,fraude, dolo, indução a erro, são empregados para cercear a vontade doempregado e obrigá-lo à prestação de serviços contra a sua vontade.

Além da posse fática exercida sobre a própria pessoa subjugada edos vícios de vontade, uma outra característica marca todos esses movi-mentos: a atividade desempenhada pelo trabalhador não transfere a quemdela se beneficia somente sua força de trabalho (labor), como sói aconte-cer nas tradicionais formas contratuais de trabalho, mas consome a própriapessoa do trabalhador, sua energia e seu corpo; desgasta-o; desfalece-o;retira sua vida.

Não se trata, evidentemente, de relações juridicamente caracteriza-das como de trabalho, e muito menos de emprego, nelas não se encontra ohomo faber, no sentido expresso por Hannah Arendt, como aquele que cria,ao trabalhar sobre os materiais, mas algo próximo do seu animal laborans,na medida em que o homo mistura-se com os materiais por ele mesmoutilizados, consoante o restrito e contextualizado significado com o qual oestamos empregando e, com a diferença fundamental de que para Arendt,o animal laborans é servo da natureza e da terra e, no nosso contexto, elaapresenta-se como subjugado às vontades de outrem.

6. A ESPECÍFICA ESCRAVIDÃO POR DÍVIDAS NO BRASIL

O modo peculiar e mais conhecido de forma escravizatória no Brasilcontemporâneo é a denominada escravidão por dívidas, instituto há muitoconhecido na história da humanidade e largamente utilizado nas diversasépocas da história do nosso país.

A escravidão por dívidas é conhecida desde a Babilônia. Na GréciaAntiga, ela desenvolveu-se, no período Homérico, ao lado da escravidãodos prisioneiros de guerra, para atingir diretamente os próprios membrosda comunidade. Em Atenas foi largamente utilizada. A concentraçãofundiária nas mãos dos nobres atenienses empobrecia os pequenos pro-prietários e aumentava as suas dívidas. Diante da insuficiência de recur-sos dos devedores, os nobres passaram a apoderar-se das próprias pessoasdos devedores, tornando-se seus proprietários e transformando-os emescravos. Para sanar dívidas, também era comum os pais venderem seusfilhos ou filhas considerados rebeldes, ato comum em sociedades patriar-cais. Somente com a legislação de Sólon, os cidadãos transformados emescravos foram oficialmente libertados.

Na Roma Antiga, tornou-se comum a escravização dos plebeus (ho-mens livres, sem status de cidadãos, que se dedicavam ao comércio, aoartesanato e ao trabalho agrícola) por dívidas contraídas junto aos Patrícios

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(cidadãos romanos, grandes proprietários de terras, rebanhos e escravos).Sua proibição oficial ocorreu por volta de 366 a.C., quando foi editada umalei que proibia a escravidão de romanos por dívidas.

No Brasil, a escravidão por dívidas tem existência no período docolonato; os colonos que chegaram ao Brasil em 1853 eram sujeitos à es-cravidão por dívidas. Conforme a descrição que Irany Ferrari extrai da obraMemórias de um Colono no Brasil, do suíço Thomaz Davatz, o procedimen-to ocorria de modo semelhante ao abaixo transcrito:

“os colonos recebiam dinheiro adiantado para a viagem de Ham-burgo a Santos e deste porto à Fazenda Ibicaba, no Município deLimeira, de propriedade de Vergueiro & Cia. Esse adiantamento jáera o começo de uma dívida que deveria ser reembolsada, acrescidados juros legais.

A essa primeira dívida acrescentava-se uma segunda, relativaà comissão que tinham os colonos, suas mulheres e seus filhos quepagar pelo contrato e pelo que nem sequer constava no contrato.Consta que tal comissão se destinava a pagar os agentes da empre-sa, na Europa.

Ao desembarcarem, eram trancados em um pátio enorme. De-pois de paga ou garantida a dívida dos colonos (dinheiro da passa-gem mais comissão), o colono era destinado a outro proprietário, casonão ficasse para trabalhar na firma Vergueiro & Cia. Aí, então, com-preendia que tinha sido comprado, como se fosse uma mercadoria. Equando o colono era destinado a outro proprietário? Exatamente quan-do não tinha podido saldar sua dívida com Vergueiro & Cia.” (15)

Nos dias atuais, a escravidão por dívidas tem sido a vitrina mais visí-vel dos diversos modos de escravidão presentes em nossa sociedade. JairoLins de Albuquerque Sento-Sé descreve minuciosamente(16) como se verifi-ca a escravidão por dívidas em nosso país. Segundo sua narrativa, a qualsintetizamos e simplificamos, o procedimento, em geral, ocorre do seguintemodo:

a) o empregado recebe uma proposta de emprego bastante ten-tadora para trabalhar em um determinado local, normalmente muitodistante de sua cidade natal;

b) são-lhe oferecidos salários atraentes e feitas promessas demelhores condições de vida;

(15) FERRARY, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra, op. cit., p. 39.(16) SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque, op. cit., passim.

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c) a tarefa de arregimentação e recrutamento da mão-de-obra érealizada por empreiteiros, “gatos”, “zangões” ou “turmeiros”, via deregra, meros prepostos dos empregadores rurais;

d) os “gatos” não exigem qualquer documento de identificaçãoou Carteira de Trabalho dos Trabalhadores, mas quando apresentadoalgum documento, eles retêm, para criar um vínculo de dependênciaentre o trabalhador e o suposto empreiteiro;

e) o arregimentador geralmente adianta uma pequena quantiaem dinheiro para o trabalhador satisfazer as suas necessidades bási-cas e as de sua família. Este não sabe que é a sua primeira dívidaperante o empregador; início do débito que o reduzirá à escravidão;

f) quando inicia o trabalho, o trabalhador percebe o engodo emque foi envolvido, o empregador lhe submete a uma jornada de traba-lho insuportável; o pagamento é quase todo feito in natura — alimen-tos e vestuário adquiridos nos barracões do empregador — e o débi-to para com o patrão vai aumentando de tal maneira que o valor queele tem a receber não é suficiente para saldar a sua dívida;

g) muitas vezes, como forma de aliciar os trabalhadores, o futu-ro empregador quita a dívida desses com as pensões onde permane-cem nos períodos de entressafra;

h) a dívida aumenta vertiginosamente no local de serviços. Aochegar ao seu destino, os trabalhadores recebem os equipamentosessenciais para realizar o seu trabalho (como facão, facas, botas,chapéu etc.), juntamente com aqueles fundamentais para a sua so-brevivência (rede de dormir, panelas, mantimentos, lonas para barra-ca e outros), todos cobrados pelo empregador, a preços superioresaos do mercado;

i) os gêneros alimentícios de primeira necessidade são vendidospelo próprio proprietário rural em sua fazenda a preços acimados de mercado e descontados do salário do obreiro ao final do mês.É o chamado sistema de barracão ou truck-system. Por ser uma pes-soa de pouco discernimento, muitas vezes analfabeta, o trabalhadorperde totalmente o controle do valor da dívida e é facilmente ludibria-do pelo credor;

j) sob a justificativa de não ter sido quitado todo o débito, oempregado é coagido pelo fazendeiro e obrigado a prestar serviçosmesmo contra a sua vontade;

k) quando decide abandonar o emprego, o trabalhador é coagi-do a manter a relação de trabalho;

l) advém coação física e detenção ilegal de documentos.

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Como se percebe, apesar de o Brasil ter uma das legislações maisavançadas no concernente à proteção do salário e da remuneração do tra-balho, dedicando todo o Capítulo II do Título IV da Consolidação das Leisdo Trabalho para a disciplina da matéria, além de outras normas esparsas(17),a constrição do salário dos trabalhadores e o seu controle por meio dasdívidas por estes contraídas constituem as formas preferidas pelosescravagistas para coagi-los à prestação forçada de serviços.

Várias são as normas, de proteção ao trabalho, violadas pelas práti-cas acima enunciadas. O pagamento ao empregado, quando feito, o é comdrástica redução, em virtude dos descontos pelo fornecimento de instru-mentos de trabalho, moradia e gêneros alimentícios; isto, quando ele não édirecionado diretamente para os donos de pensões para pagamento daestada dos trabalhadores no período de entressafras, de modo que nada,ou quase nada, sobra, verdadeiramente, ao empregado.

Tais procedimentos ferem os princípios da pessoalidade do salário(art. 464 da CLT), da intangibilidade do salário (art. 462, caput, da CLT), dairredutibilidade do salário (art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal) e, prin-cipalmente, a vedação à prática do truck system (§§ 2º e 3º do art. 462 daCLT) e a determinação do pagamento da prestação em espécie do salárioem moeda corrente do país (art. 463 da CLT).

No caso específico da escravização no meio rural, há ainda violaçãoaos dispositivos da Lei n. 5.889, de 8.6.1973, que estatui normas regulado-ras do trabalho rural, que, mutatis mutandis, consagra os mesmos princí-pios da legislação consolidada. Tem sido comum, proprietários rurais, ca-muflarem o regime de trabalho forçado ou de redução à condição análogaa de escravo com a figura do arrendamento. Esta dissimulação possui umajustificativa histórica, pois o arrendamento, juridicamente previsto em nos-so ordenamento, é a forma contratual que mais se aproxima do regime deservidão, sendo exatamente o regime de trabalho que passou a ser impos-to aos servos da gleba no início da decadência desse regime.

Além das normas trabalhistas infligidas, as condutas descritas tipificamos crimes definidos no Código Penal, em seus arts. 149 (redução dealguém à condição análoga à de escravo); 203 (frustração de direitos tra-balhistas mediante fraude ou violência); 132, parágrafo único (exposiçãoda vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente decorrente dotransporte em condições ilegais); e 207 (aliciamento de trabalhadores, como fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional).

(17) São algumas delas: Portaria n. 3.281, de 7.12.1984, que dispõe sobre o pagamento de saláriose férias por meio de cheque; Lei n. 3.030, de 19.12.1956, determina os percentuais de desconto atítulo de alimentação; Lei n. 5.725, de 27.10.1971, regulamenta descontos a título de prestação paraaquisição de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação; Lei n. 7.064, de 6.12.1982, possuinormas específicas sobre o pagamento de salário e remuneração de trabalhadores contratados outransferidos para prestar serviços no exterior; Lei n. 6.019, de 3.1.1974, assegura a isonomia sala-rial entre o trabalhador temporário e os empregados da empresa tomadora.

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Essa famigerada prática também afronta os preceitos da Convençãon. 95, da OIT, sobre proteção ao salário, de 1949, aprovada no Brasil, pormeio do Decreto Legislativo n. 24, de 29.5.1996.(18)

O trabalhador envolvido nessa situação é privado da sua condição deser humano, deixa de ser um destinatário dos bens e produtos por ele pro-duzidos para assumir a condição de instrumento de trabalho. Perde suadignidade, sua imagem e, não raramente, sua própria identidade, uma vezque se vê desprovido até de laços de família e dos valores de cidadania.Seu trabalho perde o valor social e humano estampado no artigo 1º daConstituição Federal de 1988.

Essa prática viola várias cláusulas pétreas asseguradoras de direitosfundamentais contidas na nossa Carta Política, especificamente a não-per-missão da imposição de pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhosforçados, de banimento e tratamento cruéis (artigo 5º, inciso XVII), e umEstado que permite essa prática por particulares, está, de toda forma,descumprindo o preceito constitucional, a cuja observância ele está, indu-bitavelmente, obrigado.

(18) Entre outras disposições, a Convenção n. 95, da OIT dispõe: “Art. 1 — Para os fins da presen-te Convenção, o termo ‘salário’ significa, qualquer que seja a denominação ou o modo de cálculo,a remuneração ou os ganhos suscetíveis de serem avaliados em espécie ou fixados por acordoou pela legislação nacional, que são devidos em virtude de um contrato de aluguel de serviços,escrito ou verbal, por um empregador a um trabalhador, seja por trabalho efetuado, ou pelo quedeverá ser efetuado, seja por serviços prestados ou que devam ser prestados. Art. 3 — 1. Ossalários pagáveis em espécie serão pagos exclusivamente em moeda de curso legal; o pagamen-to sob a forma de ordem de pagamento, bônus, cupons, ou sob qualquer outra forma que sesuponha representar a moeda de curso legal, será proibido. 2. A autoridade competente poderápermitir ou prescrever o pagamento do salário em cheque ou vale postal, quando esse modo depagamento for de prática corrente ou necessária, em razão de circunstâncias especiais, quandouma convenção coletiva ou uma sentença arbitral o determinar, ou quando, apesar de tais dispo-sições, o trabalhador interessado consentir. Art. 4 — Nos casos em que o pagamento parcial dosalário em espécie é autorizado, serão tomadas medidas apropriadas para que: a) as prestaçõesem espécie sirvam para o uso pessoal do trabalhador e de sua família e lhes tragam benefício; b)o valor atribuído a essas prestações seja justo e razoável. Art. 5 — O salário será pago diretamen-te ao trabalhador interessado, a menos que a legislação nacional, uma convenção coletiva ouuma sentença arbitral disponha diferentemente, ou que o trabalhador interessado aceite outroprocesso. Art. 6 — Fica o empregador proibido de restringir a liberdade do trabalhador de disporde seu salário da maneira que lhe convier. Art. 7 — 1. Quando em uma empresa forem instaladaslojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços a ela ligados e destinados a fazer-lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados paraque eles façam uso dessas lojas ou serviços. 2. Quando o acesso a outras lojas ou serviços nãofor possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que asmercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabele-cidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos traba-lhadores. Art. 8 — 1. Descontos em salários não serão autorizados, senão sob condições e limitesprescritos pela legislação nacional ou fixados por convenção coletiva ou sentença arbitral.2. Ostrabalhadores deverão ser informados, de maneira que a autoridade competente considerar maisapropriada, sobre condições e limites nos quais tais descontos puderem ser efetuados. Art. 9 —Fica proibido qualquer desconto dos salários cuja finalidade seja assegurar pagamento direto ouindireto do trabalhador ao empregador, a representante deste ou a qualquer intermediário (talcomo um agente encarregado de recrutar mão-de-obra, com o fim de obter ou conservar umemprego”.

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Em decorrência da mudança radical de localidade, desenvolve-se umprocesso de desestruturação das famílias dos trabalhadores submetidos aestas condições, pois, guardadas as devidas proporções, da mesma ma-neira que houve o deslocamento de escravos negros africanos para as ter-ras americanas, há um deslocamento de trabalhadores rurais de um esta-do para o outro dentro do território brasileiro, ou dentro de Estadosterritorialmente grandes como Pará, Amapá, Mato Grosso do Sul etc. Alicia-dos com propostas de empregos e moradia, eles deixam seus locais deresidência e suas famílias para estabelecerem-se nas propriedades doscontratantes, terminando como escravos destes.(19)

Os trabalhadores submetidos a essa forma de trabalho forçado, alémdo desprezo da sua vontade, ficam submetidos aos mais diversos tipos decastigos físicos e psicológicos: a) eles e seus familiares, principalmente seusfilhos, são privados do acesso às escolas; b) desfazimento dos vínculos con-jugais e familiares; c) sujeição à contração de moléstias contagiosas e doen-ças endêmicas, além daquelas decorrentes da prestação de serviços emcondições subumanas; d) jornadas de trabalho sobre-humanas, sem alimenta-ção condigna; e) inexistência de repousos semanais remunerados; f) apreen-são de seus documentos e dos seus familiares; g) desamparo ao sofreralgum acidente do trabalho ou doença profissional que os deixem incapaci-tados, transitória ou permanentemente, para o trabalho; h) não adaptação aoclima ou condições de alimentação dos lugares para os quais foram levadospara trabalhar; i) condições subumanas de higiene e de habitat; sem aloja-mentos dignos, inexistência de água potável, ausência de serviços médicos;j) desamparo da família em caso de morte ou doença do trabalhador; l) perdada identidade como pessoa humana; l) baixa expectativa de vida; m) escravi-zação de filhos e familiares; n) punições e maus-tratos físicos e psicológicos;o) altos índices de acidentes de trabalho, muitas vezes, com ocorrência demutilações e/ou mortes.

A descrição do trabalho escravo contemporâneo se assemelha emmuito ao trabalho escravo da época colonial. Ao trocar-se a figura do se-nhor de engenho pela do fazendeiro e a do feitor pela do gato ou capataz,as similaridades são gritantes, como se extrai da descrição de GilbertoCotrim:

“sob a fiscalização do feitor, o negro era obrigado a trabalhar,em média, 15 horas por dia. Além disso, caso desobedecesse a

(19) O jornal Folha de São Paulo, 16 nov. 2001, noticiou o “Ministério do Trabalho já localizou elibertou, de janeiro a setembro deste ano, 1.812 empregados rurais escravizados em fazendas dointerior do país. Segundo o colaborador do jornal, ‘a modalidade mais comum nas fazendas brasi-leiras é a escravidão por dívida — quando o empregador obriga os trabalhadores a pagar portransporte, comida e ferramentas’. Há também casos de peões mantidos no trabalho por meio daretenção de documentos ou de ameaças físicas”.

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ordens, sofria vários tipos de castigo e torturas: chicotadas, queima-duras, prisão em calabouço etc.”. O “excesso de trabalho, a má ali-mentação, as péssimas condições de higiene, os castigos acabavamdeteriorando rapidamente a saúde do escravo. A maioria morria de-pois de cinco a dez anos de trabalho.” (20)

7. TRANSINDIVIDUALIDADE DOS DANOS DECORRENTES DEPRÁTICAS ESCRAVIZATÓRIAS

Escravizar um indivíduo equivale à escravização de toda a nação.Dessa simples e profunda assertiva extrai-se a natureza difusa das práti-cas escravizatórias. A proibição da escravidão é um direito de toda a socie-dade e, quiçá, da humanidade, como expressam as declarações interna-cionais. Os titulares desse direito são indeterminados e, espraiam-se portoda a sociedade — a mera circunstância fática de se localizar no territóriobrasileiro deixa o indivíduo protegido contra a escravidão — proteção ergaomnes. Sua natureza é indivisível, o usufruto por um indivíduo não obsta ogozo por outros, e a violação em relação a uma pessoa, equivale à viola-ção total do direito. É insuscetível, por isso, de disposição coletiva ou indi-vidual, de sorte que a ninguém, ainda que voltivamente, é dado submeter-se a práticas escravizatórias, pois sua esfera de repercussão atinge a todaa sociedade, isto é, transcende a mera esfera individual.(21)

Escravizar é violar direitos fundamentais e difusos da sociedade, con-sagrados na Constituição Federal de 1988, entre a quais se destacam: aproteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); os valores sociais dotrabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV); a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança (art. 5º, caput); a construção de umasociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); o princípio da legalidade (art.5º, II); não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante(art. 5º, III); a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e daimagem (art. 5º, X); a liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão(art. 5º, XIII); a liberdade de locomoção (art. 5º, XV); a função social dapropriedade (art. 5º, XXIII); a proibição de imposição de pena de trabalhosforçados e cruéis (art. 5º, XLVI); a proibição de prisão civil por dívida (art.5º, LXVII).

(20) COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 212.(21) A inalienabilidade da pessoa humana já era normativamente expressa na Declaração deDireitos do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa de 1793. “Art. 18. Todo homem podeempenhar seus serviços e tempo; mas não pode vender a si próprio nem ser vendido; sua pessoanão é propriedade alienável. A lei não reconhece a domesticidade; somente pode existir umaobrigação de cuidados e de reconhecimento, entre o homem que trabalha e o que emprega”.

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Torna-se evidente que, se a própria pessoa subjugada a essas práti-cas não tem reconhecidas sua liberdade e dignidade, todas essas formasde trabalho forçado vêm acompanhadas da submissão dos trabalhadoresàs mais vis e desumanas condições de trabalho. Por elas também são vio-lados direitos coletivos(22) dos trabalhadores como a salubridade do meioambiente e a proteção à saúde, dentre outros, além de diversos interessesindividuais homogêneos(23), posto que, acompanham esses métodos a nãosatisfação de uma série de direitos trabalhistas dos trabalhadores, que, pordecorrerem de uma origem comum, revestem-se de homogeneidade, demodo a propiciar a sua tutela processual conjunta. Entre os diversos direi-tos individuais lesados destacam-se: o não pagamento dos salários inte-grais; não pagamento do 13º salário, das férias e dos repousos semanaisremunerados, e a suas respectivas concessões, e todos os demais títulosdecorrentes de uma relação de trabalho.

Além desses efeitos, essas práticas dão ensejo à reparação por da-nos morais em três esferas distintas: dano moral difuso (à imagem da so-ciedade); dano moral coletivo (do grupo globalmente considerado); e danomoral individual homogêneo (correspondente aos danos sofridos de formapessoal por cada trabalhador encontrado na situação em comento); cujasreparações possuem finalidades distintas e independentes, sendo, por issoespecíficas e, assim, passíveis de serem exigidas concomitantemente.

8. FORMAS DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO E PROPOSTASSOLUCIONANTES

A realidade do trabalho escravo, forçado ou em condições análogas àde escravo é integralmente complexa, de modo a exigir uma sériediversificada de procedimentos para a sua devida solução. A necessidadepremente de alijamento dessa forma de exploração humana invoca umaplena movimentação da sociedade no combate ao seu desenvolvimentoem nosso território.

(22) Legalmente, os interesses coletivos são definidos como os “transindividuais de naturezaindivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com aparte contrária por uma relação jurídica base” (artigo 81, II, da Lei n. 8.078/90).

(23) Os interesses individuais homogêneos são interesses individuais de pessoas determinadas,comumente disponíveis e de fruição singular, mas decorrentes de uma origem comum, que lhesconcede homogeneidade e possibilita o seu tratamento processual conjunto e uniforme, sem que,por tal fato, percam a nota da sua individualidade. SANTOS, Ronaldo Lima. A tutela processualsindical dos direitos metaindividuais — difusos, coletivos e individuais homogêneos — perante aJustiça do Trabalho. 2002, pp. 84-5. Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito, Universidadede São Paulo, São Paulo.

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Não têm sido poucas as atuações do Ministério Público do Trabalho,da Polícia Federal e dos Auditores do Ministério do Trabalho(24) na batalhacontra a proliferação do trabalho escravo no Brasil, com a propositura deações civis públicas, fiscalizações e fechamento de fazendas, detençãode escravagistas e outras medidas que ainda não se tornaram suficientes,em virtude da extensão territorial do nosso país e da dificuldade dessesórgãos de adentrar aos cantões em que se verificam essas práticas odiosas.

No campo específico da tutela processual, é plenamente possível,paralelamente às atividades do Ministério Público do Trabalho, que já vêmse desenvolvendo, a participação das entidades sindicais no combate aesta forma de exploração do trabalho humano, e aqui, entendemos cabívela utilização dos diversos instrumentos jurídicos de tutela dos direitos meta-individuais dos trabalhadores (Leis ns. 7.345/85 e 8.078/90), podendo asentidades sindicais fazer uso da ação civil pública em face de certo“escravizador” (empregador) para a cessação das práticas escravizantesem determinada localidade, bem como dos atos de aliciamento, além daresponsabilidade pelos danos morais ocasionados à coletividade, como,outrossim, ingressar, cumulativamente, na mesma lide ou de forma autôno-ma, com ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneosdos trabalhadores, como o pagamento dos seus haveres trabalhistase dos danos morais individualmente sofridos, sem prejuízo da reparaçãopelos danos morais coletivos.

Na esfera processual trabalhista, deveria ser elaborada uma legisla-ção que disciplinasse o trâmite das ações coletivas e individuais decorren-te de situações como as descritas neste trabalho, dando-se preferência detrâmite processual, com maior celeridade e simplificação, posto que a li-bertação dos trabalhadores geralmente é seguida de um desamparo sociale financeiro que lhes obsta até de retornarem aos seus locais de origem.(25)

(24) Com a criação do Grupo Móvel do Trabalho em 1995, os Auditores Fiscais do Trabalhosconseguiram, até abril de 2003, a libertação de, aproximadamente, 5.993 trabalhadores e o paga-mento de mais de 6,3 milhões de reais de verbas trabalhistas (Jornal Folha de São Paulo, 6 deabril de 2003, Caderno Brasil, p. A 15.)(25) Experiência legislativa extrajudicial nesse caminho adveio com a edição da Lei n.10.608, de20 de dezembro de 2002, que alterou a redação da Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, paraassegurar o pagamento de seguro-desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga àde escravo: “Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória n. 74, de2002, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Ramez Tebet, Presidente da Mesa do CongressoNacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pelaEmenda Constitucional n. 32, de 2001, promulgo a seguinte Lei: Art. 1º O art. 2º da Lei n. 7.998,de 11 de janeiro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 2º ...: I — prover assistên-cia financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa,inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçadoou da condição análoga à de escravo; ...” Art. 2º A Lei n. 7.998, de 1990, passa a vigorar acrescidado seguinte art. 2ºC: Art. 2º-C O trabalhador que vier a ser identificado como sub-metido a regimede trabalho forçado ou reduzido à condição análoga à de escravo, em decorrência de ação defiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à

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No campo da tutela penal, há necessidade de uma punição mais pre-sente e mais eficaz, pois, atualmente, observa-se um desinteresse do Judi-ciár io em relação aos del i tos prat icados nas diversas condutasescravagistas. Na Justiça Federal, até abril de 2003, registrava-se somenteum único caso de condenação em sentença definitiva de um fazendeiro,cujo resultado foi meramente simbólico: Em fevereiro de 1998, um fazen-deiro, condenado por trabalho escravo, foi punido com a obrigatoriedadede doar, mensalmente, durante um semestre, cinco cestas básicas à Co-missão Pastoral da Terra.(26) A atribuição de competência penal ao Ministé-rio Público do Trabalho, cuja sensibilidade decorrente do contato com essarealidade é mais notável, traria maior eficácia à tutela penal, principalmen-te com a conjugação das provas obtidas no âmbito do inquérito civil públicotrabalhista com a investigação criminal, tornando o conjunto probatório maisconsistente.

Além da punição penal, devem ser sujeitas à expropriação as proprie-dades onde se constate a utilização de mão-de-obra nos termos aqui estu-dados.

Ao lado das condutas fiscalizatórias e da tutela processual dos órgãose entidades legitimadas para agir em juízo para a imediata libertação dostrabalhadores, imprescindível a adoção de medidas pós-libertação voltadaspara a garantia de moradia provisória, alimentação, cuidados médicos e quepropiciem o retorno dos trabalhadores libertados aos seus locais de origem,além da sua imediata proteção, conjugadas com programas de desenvolvi-mento profissional e educacional, como bolsa escola, fome zero, erradicaçãodo trabalho infantil (PETI) e políticas fomentatórias de emprego.

No entanto, o primeiro plano deveria ser a adoção de medidas so-ciais que, conseqüentemente, previnam o desenvolvimento dessa formade exploração humana em nosso território, como a elaboração de uma amplae profunda reforma agrária para a democratização das formas de acessoàs propriedades rurais de produção, políticas de fomento e apoio às pe-quenas propriedades rurais, concessão de créditos com taxas diferencia-

percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada,conformeo disposto no § 2º deste artigo. § 1º O trabalhador resgatado nos termos do caput deste artigoserá encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para qualificação profissional e reco-locação no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego — SINE, na formaestabelecida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador — CODEFAT. § 2ºCaberá ao CODEFAT, por proposta do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, estabelecer osprocedimentos necessários ao recebimento do benefício previsto no caput deste artigo, observa-dos os respectivos limites de comprometimento dos recursos do FAT, ficando vedado ao mesmotrabalhador o recebimento do benefício, em circunstâncias similares, nos doze meses seguintes àpercepção da última parcela.” (NR) Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Congresso Nacional, em 20 de dezembro de 2002; 181º da Independência e 114º da República.Senador RAMEZ TEBET Presidente da Mesa do Congresso Nacional”.(26) Jornal Folha de São Paulo, 6 de abril de 2003, Caderno Brasil, p. A 15.

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das, fomento à criação das cooperativas agrícolas entre os pequenos agri-cultores. Tudo de modo a alijar definitivamente as condições fáticas quefornecem oportunidade à perpetuação do Brasil como uma sociedade es-cravocrata internacionalmente conhecida e denunciada perante os orga-nismos internacionais de defesa dos direitos humanos.

OBRAS CITADAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000.

COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

FERRARY, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra.História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo:LTr, 1998.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário dalíngua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça social.São Paulo: LTr, 2000.

OLIVEIRA, José César de. Formação histórica do direito do trabalho. In: BARROS,Alice Monteiro de (Org.). Estudos em memória de Célio Goyatá. 3ª ed. rev.ampl., São Paulo: LTr, 1997, v. 1.

SANTOS, Ronaldo Lima. A tutela processual sindical dos direitos metaindividuais —difusos, coletivos e individuais homogêneos — perante a Justiça do Trabalho.2002. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de SãoPaulo, São Paulo.

SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr,2001, p. 29.

Folha de São Paulo, 6 abr. 2003. Caderno Brasil.

Folha de São Paulo, 16 nov. 2001.

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NOVA FORMA DE ESCRAVIDÃO URBANA:TRABALHO DE IMIGRANTES

Almara Nogueira Mendes(*)

Em decorrência de representação de ofício, do então Procurador doTrabalho, Dr. André Cremonesi, dando notícia de matéria publicada no jor-nal “O Estado de São Paulo”, no caderno Cidades, em 18.3.2001, sobre oensaio da lavra de Albino Ruiz Lazo, pesquisador do Instituto Ferand Braudelde Economia Mundial no Peru, extraído do “Braudel Papers”, documentodo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, a Procuradoria Regio-nal do Trabalho da 2ª Região, tomou conhecimento da exploração da mão-de-obra de estrangeiros latino-americanos em confecções clandestinas.

Referido ensaio relata que pessoas de nacionalidade boliviana, perua-na e equatoriana estariam sendo contratadas para trabalhar em oficinas decostura “ocultas”, de propriedade de coreanos, em condições semelhantesà dos escravos.

Ao mesmo tempo, foi recebida denúncia sobre uma confecção clan-destina localizada no bairro da Moóca, que relatava o trabalho de bolivia-nos, nos exatos moldes apontados pelo referido ensaio.

Iniciamos as investigações. No local denunciado, verificamos que osbolivianos laboravam, aproximadamente, 16 horas ao dia, sem folga, mon-tando peças de roupas para uma confecção de coreanos, recebendo porpeça de R$ 0,30 a R$ 1,00. Esses bolivianos são, na maioria, irregularesno país.

Esta investigação foi noticiada na imprensa, o que provocou o recebi-mento de inúmeras denúncias de vários bolivianos explorados por confec-ções regularmente estabelecidas no centro da cidade de São Paulo.

(*) Procuradora do Trabalho, PRT-2ª Região/SP.

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Em quase dois anos de intensas investigações, pudemos verificarque tudo começa com anúncios veiculados em rádios da Bolívia, “seduzin-do” as pessoas a trabalhar na cidade de São Paulo, com todos os gastospagos (transporte, casa e comida) e promessas de grandes salários e vidadigna. Esses imigrantes viajam milhares de quilômetros e entram no Brasil,pela cidade de Corumbá, sem passaporte ou apenas com visto de turista.

Quando chegam a São Paulo, são distribuídos entre as oficinas decosturas espalhadas por diversos bairros da cidade de São Paulo, tais como:Bom Retiro, Pari, Moóca e Brás. Ali moram e trabalham, sem descanso,sem nenhum direito trabalhista, em ambiente perigoso e insalubre, poissempre encontramos lugares sem ventilação, com fiação exposta e tecidosespalhados pelo chão. Na maioria das vezes percebemos fortes indícios detrabalho escravo, porém os trabalhadores nada dizem com receio de repre-sália e de possível expulsão, já que afirmam viverem em melhores condi-ções no Brasil do que em seu país.

Em algumas oficinas averiguamos que as pessoas laboram com ja-nelas fechadas e mantêm o volume de rádio alto para esconder o ruído dasmáquinas.

A jornada de trabalho excessiva e os baixos salários, quando exis-tentes, foram constatados em todas as oficinas clandestinas, inspecionadaspelo Ministério Público do Trabalho.

Detectadas as irregularidades, passamos a intimar os empresáriosdas confecções que contratam os serviços de costura daquelas oficinas,para assinar termo de ajustamento de conduta, visando cessar a explora-ção da mão-de-obra de estrangeiros irregulares, bem como não arregimen-tar trabalhadores nacionais e/ou estrangeiros, em qualquer situação no país,para trabalhar no domicílio ou em seu estabelecimento, sem o competenteregistro na CTPS.

Objetivando a melhoria do ambiente de trabalho, comprometem-se,ainda, essas confecções a zelar pelas condições de trabalho do emprega-do, não apenas daquele que presta serviços em seu estabelecimento co-mercial, como também do empregado no domicílio.

As confecções, quando intimadas, não se negam a ajustar a condutanos termos propostos, porém temos plena consciência que isto não bastapara cessar a exploração da mão-de-obra desses estrangeiros irregulares,em face da existência de milhares de empresas que agem dessa forma.

Atente-se para o fato de que, segundo Albino Ruiz Lazo (1), os coreanosafirmam que controlam 60% da produção de vestuário de São Paulo, na

(1) “O Estado de São Paulo”, Caderno Cidades, 18.3.2001, Ensaio de Albino Ruiz Lazo, pesqui-sador do Instituto Ferand Braudel de Economia Mundial no Peru, extraído do “Braudel Papers”,documento do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

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maioria das vezes utilizando mão-de-obra boliviana em pelo menos 30 milconfecções, concentradas na ferradura do centro de São Paulo. O númerode costureiros ultrapassa 150 mil.

É certo que, nossas investigações provocaram manifestações positi-vas. A comunidade boliviana criou uma associação denominada BOLBRA— Bolívia Brasil visando assessorar os cidadãos bolivianos residentes noBrasil; a Câmara do Comércio Brasil Coréia iniciou um trabalho de cons-cientização dos empresários para combater a exploração da mão-de-obrade estrangeiros irregulares, o que foi seguido pela Câmara de DirigentesLojistas do Bom Retiro; a Pastoral dos Migrantes passou a oferecer denún-cias no MPT em conjunto com cidadãos bolivianos.

Em decorrência desses contatos, enviamos 120 (cento e vinte) No-tificações Recomendatórias para confecções localizadas nos bairros doBom Retiro e do Pari para cessar a exploração da mão-de-obra estrangeirairregular.

Ocorre que, mesmo com nossa atuação, a erradicação desse labordesprezível encontra grandes obstáculos, pois não basta combater as pe-quenas empresas de confecção, é preciso encontrar a verdadeira causa quedá origem ao tráfico desses seres humanos, isto é os grandes agenciadores.

Uma das dificuldades reside na nossa lei de estrangeiros, que foieditada em 1980, em plena ditadura, e reflete exatamente a ideologia daépoca, proibindo expressamente o exercício da atividade remunerada peloestrangeiro. Ora, vedado o trabalho legal a essas pessoas, não resta outraalternativa senão a de se submeter às condições impostas pelos chama-dos “espertos de plantão”. Em conseqüência, o estrangeiro irregular nãodenuncia o seu verdadeiro explorador, que muitas vezes o impede de exer-cer o direito humano fundamental de ir e vir e o direito ao trabalho.

Na tentativa de ultrapassar essas barreiras, decidimos, em parceriacom o Ministério Público Federal, realizar uma reunião Interinstitucionalpara Discussão do Combate ao Trabalho Escravo dos Imigrantes Ilegais.

Esta reunião, realizada na Procuradoria Regional do Trabalho da 2ªRegião, contou com a presença, além do Ministério Público do Trabalho edo Ministério Público Federal, da Polícia Federal de São Paulo, da Delega-cia Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, da Pastoral dosMigrantes, do CEMSP — Centro de Estudos Migratórios, da AssociaçãoBolívia Brasil — BOLBRA e do Departamento de Estrangeiros do Ministérioda Justiça.

Após discussões e debates, decidiu-se: a) criar um grupo de trabalhopara apresentar estudo para viabilizar, juridicamente, a possibilidade deconcessão de autorização de trabalho e visto aos trabalhadores estrangei-ros em situação irregular que denunciarem/testemunharem o trabalho es-

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cravo, até o trânsito em julgado da ação penal, visando a necessidade deobtenção de colaboração à persecução criminal por parte das vítimas dotrabalho escravo; b) organizar Banco de Dados centralizado no Ministérioda Justiça sobre o trabalho escravo no Brasil, com “janela” específica parao trabalho escravo de estrangeiros em situação irregular; c) implantar trei-namento específico para os agentes públicos envolvidos na persecuçãopenal e administrativa, patrocinado pelo Ministério da Justiça e demais Ins-tituições; d) programar mensalmente diligências pela Polícia Federal com aparticipação do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal eDelegacia Regional do Trabalho; e) Termo de Ajuste de Conduta a ser cele-brado entre o MPT, sindicato e empresas de confecção, visando banir aexploração de mão-de-obra; f) priorizar as investigações decorrentes dasdenúncias recebidas; g) marcar reunião com consulados, de início os daBolívia, Colômbia e Peru, para expor o quadro de divulgação (em rádios ejornais) naqueles países de tráfico de seres humanos para o Brasil; h) so-licitar ao Ministério das Relações Exteriores que inicie campanha naquelespaíses para combater esse tráfico de seres humanos, tal qual foi feito nocaso do combate ao turismo sexual; i) comunicar, de imediato, o Ministérioda Justiça de procedimentos envolvendo estrangeiros que exploram traba-lho escravo, para fins de expulsão; e j) buscar apoio da Prefeitura de SãoPaulo para que seja aferida a regularidade face às posturas municipais deempresas sob suspeita de usar trabalho escravo, direta ou indiretamente.

Algumas das propostas mencionadas já foram colocadas em prática,mas temos certeza que muito ainda há que ser feito. O certo é que a luta naerradicação do trabalho escravo, no Brasil, deve incluir o trabalho degra-dante e a exploração a que estão submetidos os estrangeiros irregulares,nos grandes centros urbanos. O combate a essa nova forma de escravidãodepende, em grande parte, do reconhecimento, a todos, do direito funda-mental ao trabalho(2).

Apesar de todos os embaraços encontrados, o Ministério Público doTrabalho não ficará inerte e fará uso de todos os instrumentos legais paraque sejam respeitados os princípios constitucionais da dignidade da pes-soa humana e dos valores sociais do trabalho.

(2) “O Brasil e as Novas Formas de Escravidão” — Artigo enviado ao Jornal a “Folha de SãoPaulo” de Sergio Gardenghi Suiama e Almara Nogueira Mendes.

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COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA DOTRABALHO — AÇÃO PENAL PRIVADA E AÇÃOPENAL PÚBLICA — REDUÇÃO À CONDIÇÃO

ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Marcelo José Fernandes da Silva(*)

1. INTRODUÇÃO

Há muitos anos vivo atormentado por uma questão de grande rele-vância.

Quando ingressei no Ministério Público do Trabalho esse tormentoganhou proporções dramáticas, que, aos poucos, foi consumido pelo gran-de volume de trabalho proporcionado pelos procedimentos preparatórios deinquéritos civis públicos, os próprios inquéritos civis públicos e as açõescivis deles decorrentes.

Sentia-me integrante de uma instituição incompleta, que, embora atuan-te, não ultrapassa limites muito bem delineados, embora inovadores.

Cooperava para esse estado psicológico, o fato de a matéria com aqual me debatia internamente, ser completamente desconsiderada pelosProcessualistas Laborais que, em regra, só escrevem obras tratando da-queles mesmos e batidos temas do processo individual do trabalho, quan-do muito abrindo pequenas clareiras para o processo coletivo, de índolemarcadamente sindical. Mesmo neste sentido, o Colendo Tribunal Superiordo Trabalho acabou desfigurando o instituto da substituição processual,quando editou o Enunciado n. 310.

Quanto às atribuições do Ministério Público do Trabalho, o silênciopropositado, a ignorância e a negação são as tônicas dos compêndios deProcesso do Trabalho.

(*) Procurador do Trabalho (1ª Região).

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Com a iniciativa pioneira dos colegas Procuradores e de alguns Juízesvisionários, alguns artigos e livros foram escritos sobre a atuação ministe-rial perante a Justiça do Trabalho, mas sempre ligada ao estudo do inqué-rito e da ação civis públicos.

Entretanto, isso não me basta, e penso que também incomoda meuscolegas aguerridos, inconformados com uma atuação incompleta e insatis-feitos ainda pela falta que essa outra atribuição fazia e tornava-nos menosMinistério Público.

Até que um fato ocorreu e fez eclodir do inconsciente para a vida derelação os velhos questionamentos.

Entre os dias 28 de abril a 8 de maio de 2003, acompanhei uma dasequipes do Grupo Móvel de Repressão e Combate ao Trabalho Escravo doMinistério do Trabalho e Emprego. A equipe, coordenada pelo Auditordo Trabalho Dr. João Batista G. da Silva e integrada pelo Médico do TrabalhoDr. Ricciotti Piana Filho, pelo Engenheiro do Trabalho Dr. Benedito de Limae Silva Filho e pelo Auditor do Trabalho Humberto Célio Pereira da Silva,todos acompanhados pelo Delegado de Polícia Federal Dr. Francisco Albu-querque Parente Junior e mais cinco agentes federais.

Foram dez dias de poeira, buraco e receio nas estradas de Marabá,Tucuruí, Novo Repartimento, além de muita lama, mato, fezes e urina deboi, e de ver, in locu, muita miséria, rostos desesperançados, e até sorrisosde gente que nunca teve uma Carteira de Trabalho e os direitos decorren-tes da lei.

Durante a operação, ajuizei ação civil coletiva pleiteando a rescisãoindireta, por justa causa do empregador, em favor dos trabalhadores en-contrados em situação degradante na Fazenda Califórnia em Goianésia doPará.

A equipe, ainda, conseguiu que os “proprietários” de três fazendasregistrassem todos os trabalhadores e efetuassem o pagamento dos di-reitos trabalhistas daqueles cuja permanência no local de trabalho era detodo inviável, em razão das gravíssimas condições de perigo em que seencontravam.

Ao fim da operação, regressando a Marabá, encontrei um colega doMinistério Público Federal, falante, articulado, que ressaltou, durante todaa breve conversa, a atuação na esfera criminal.

Pois é senhores, esse colega tocou exatamente na questão que vi-nha me atormentando há tanto tempo: a competência da Justiça do Traba-lho e a atribuição do Parquet Laboral para os crimes relacionados com otrabalho, em especial, o trabalho escravo.

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Eu estava ali, sujo do pó da estrada e de bosta de vaca, mas limpo deespírito. Vi o semblante daquelas almas mudar da desesperança à alegriae, no instante crucial, de continuar o trabalho, alguém que nada entende domundo do trabalho (em regra, despreza-o) iria acionar criminalmente osfazendeiros e seus asseclas, sob o pressuposto, até hoje não contestado,de que essa atribuição não pertence ao Ministério Público do Trabalho enão é da competência da Justiça Laboral.

Digo não contestado, pois as vozes dissonantes defendem a mudan-ça total do Sistema Jurídico Constitucional vigente para que esses crimespossam ser apreciados e julgados na esfera trabalhista, enquanto eu en-tendo que, desde há muito, pelo menos desde a CR/88 e da Lei Comple-mentar n. 75/93, a Justiça do Trabalho é competente e o Parquet Trabalhis-ta tem atribuição para as ações penais públicas, no que concerne ao traba-lho escravo e outros crimes ocorridos no curso da relação de emprego e aela relacionados, que desafiam essa modalidade de demanda.

É certo que a alteração da Constituição da República é, outrossim,bem-vinda para que os crimes contra a organização do trabalho saiam daórbita da Justiça Federal e sejam definitivamente incorporados à compe-tência da Justiça Laboral, uma vez que não mais existem os fundamentoshistóricos (maior controle sobre a classe trabalhadora) que levaram essescrimes à apreciação e julgamento dos Juízes Federais.

Também, superficialmente pois este não é o objeto do artigo, tratareida competência criminal para os crimes ensejadores da ação penal privada,nos quais o Ministério Público do Trabalho intervirá como custos legis.

Este artigo, portanto, tem como escopo identificar alguns casos emque a Justiça do Trabalho é competente, na esfera criminal, quer para oscrimes que exigem a ação penal pública, quer para aqueles que dão ensejoà ação penal promovida pelo particular.

2. DA COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO E DAATRIBUIÇÃO PARA A AÇÃO PENAL PÚBLICA DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO

2.1. Da competência da Justiça do Trabalho para a ação penalprivada

A idéia de que à Justiça do Trabalho compete dirimir conflitos de na-tureza penal, confesso, há de causar sorrisos amarelados, outros jocosos,narizes torcidos. Puro preconceito.

Preconceito que emerge de dois fatos: 1) o Direito do Trabalho sem-pre foi visto pelos civilistas e penalistas como um “direito menor”; 2) aJustiça do Trabalho, olhada com desprezo, pois a consideram um “grandemercado”.

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Esse preconceito tem raízes ainda mais remotas, quais sejam: 1) aorigem administrativa da Justiça do Trabalho; e 2) sua marca estadonovista:a conciliação.

Indagarão: como pode uma Justiça voltada para a composição capi-tal-trabalho, arvorar-se competente para dirimir conflitos na área penal?

Aos críticos, lembraremos que os princípios do Direito do Trabalhomuito inspiraram o Código de Defesa do Consumidor e o próprio DireitoCivil (vide o princípio da finalidade social do contrato).

De outro lado, a prática forense trabalhista, as regras e princípios doDireito Processual do Trabalho são responsáveis, em parte, pela granderevolução conceitual do Direito Processual Civil e do próprio Processo Pe-nal, que também incorporou a transação penal em seu repertório.

A Justiça Federal tem origem na ditadura militar recente e nem porisso esse é um argumento para desmerecê-la (reconheço que alguns pro-põem a sua extinção, por considerá-la um resquício do regime militar).

Por fim, a conciliação, hoje, é marca fundamental do Processo Civil etambém do Processo Penal.

Assim, retirados de cena os preconceitos, o caminho está livre parauma análise técnica do problema colocado.

Um senão, entretanto, há de ser reconhecido.

O fato de o Direito Laboral, por natureza, e a Justiça do Trabalho porconseqüência terem sido erigidos, desde os primórdios, para conter e apla-car a luta entre empregadores e trabalhadores e a feição classista desseramo do Poder Judiciário, adquirida com a presença dos vogais (depoisJuízes Classistas), fizeram-na voltar-se, exclusivamente, para a soluçãode conflitos individuais de natureza patrimonial.

Essa visão equivocada dos próprios operadores do Direito material eprocessual do trabalho, inclusive no plano legislativo, empresta à expres-são “dissídio individual” (trazida nas Constituições de 1946,1967 e 1988) osinônimo limitativo de reclamação individual (ou plúrima), no campo pro-cessual, ou de conflito de interesse patrimonial individual, na esfera pré-processual. É o que se vê, por exemplo, em Wagner Giglio (Direito Proces-sual do Trabalho).

Por dissídio, em verdade, dever-se-ia entender: conflito de interes-ses, que pode se dar tanto na esfera trabalhista-patrimonial ou no campodo Direito Penal do Trabalho, desde que este conflito seja praticado no cur-so da relação de trabalho, tendo como sujeitos ativo e passivo, empregadore trabalhador, pois o Juiz Criminal também soluciona conflitos de interes-ses, como é cediço.

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O Sistema Jurídico Processual Penal Brasileiro, no que diz respeito àcompetência, distribui as parcelas de Jurisdição, tendo como ponto de par-tida as Justiças Especializadas (Federal, Militar e, também, a Justiça doTrabalho), estabelecendo para os Estados a competência residual.

Diriam os opositores: o Legislador Constituinte deveria ter estabele-cido clara e expressamente a competência criminal da Justiça do Trabalho.

A resposta é também clara e simples, para isso seria necessária umaoutra Constituição com tantos artigos como o do Código Penal, pois quasetodos os crimes nele previstos são passíveis de ocorrer no curso da rela-ção de trabalho e em razão dela, entre trabalhador e empregador (v. g.injúria, calúnia e difamação).

Destarte, somente um visão preconceituosa e de má vontade poderiaobjetar a tese ora apresentada ou seja de que a Justiça do Trabalho é com-petente para julgar os crimes ensejadores da ação penal privada.

Não esqueçamos de que ninguém ousa, nos dias atuais, negar à Jus-tiça Laboral competência para o mandado de segurança, as ações posses-sórias, as rescisórias, as ações de danos morais, as ações decorrentes deplanos de aposentadoria complementar, e, de certa forma, o habeas corpus.Todas ações admitidas, inicialmente, com base em construções da Doutri-na e da Jurisprudência.

Com a implantação das políticas econômicas neoliberais e das re-gras do Consenso de Washington, a Justiça do Trabalho esvaziou o seumaior poder: o normativo.

E, aos poucos, o ideário neoliberal foi sendo albergado pelos inte-grantes da Magistratura Trabalhista que, paulatinamente, abandonaram, oúltimo pilar de sustentação da Justiça do Trabalho: o princípio protetivo(hoje uma marca do Código do Consumidor).

Reflexo disso, é a grande restrição que sofreu o Ministério Público doTrabalho no manejo das ações civis públicas.

Chegou-se a um ponto de vozes (abalizadas ou não) pregarem o fimda Justiça do Trabalho ou, pelo menos, a extinção do Tribunal Superior doTrabalho, e a sua incorporação pela Justiça Federal.

Assim, é hora de a Justiça do Trabalho reassumir o seu papel voltan-do-se para os princípios basilares do Direito do Trabalho e ampliando cadavez mais a sua atuação, sob pena de, criado o vácuo político, esse papelser destinado a um outro ramo do Poder Judiciário, pois em política não háespaço vazio.

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2.1. Da competência da Justiça do Trabalho para a ação penalpública

Dirimida a questão relativa à competência para apreciar e julgar osconflitos de interesses penais, em sede de ação penal privada, passo aanalisar a atuação do Ministério Público do Trabalho, na Jurisdição Penaldo Trabalho, nos crimes que dão ensejo à ação penal pública, condiciona-da ou incondicionada.

Neste capítulo, também não há espaço para a má vontade e, sobretu-do, preconceitos.

Aliás, a ignorância e o preconceito, no que diz respeito à atuação doParquet Laboral, como órgão agente, são as pedras para a efetividadedo Direito do Trabalho. Observe-se que alguns membros do Poder JudiciárioTrabalhista são completamente avessos às ações civis públicas (extinguin-do-as sem exame do mérito por ilegitimidade ou declinando da competên-cia em favor das Justiças Federal ou Estadual), pois estão acostumados àfunção homologadora de acordos, que têm dado ensanchas às lides simu-ladas e ao costume cada vez mais arraigado por parte dos empregadores,que apontam aos trabalhadores o caminho da Justiça do Trabalho comoúnico meio de receberem seus direitos, em ofensa ao artigo 477, da CLT.

Mas esses refratários juízes não podem ser tomados como paradigmas.

Há de outro lado, uma gama imensa de Juízes do Trabalho, advogadose Membros do Ministério Público Trabalhista comprometidos com a efetivida-de do Direito do Trabalho e a transformação da Justiça Laboral em instância derealização de um Direito Justo, com um processo célere eficaz.

A presença marcante do Ministro Fausto, Presidente do Tribunal Su-perior do Trabalho, é a pura expressão dessa nova Justiça do Trabalho quehá de se fortalecer.

Continuando, é preciso, portanto, que os operadores do Direito Labo-ral tenham um visão sem preconceitos.

Esqueçam-se do Ministério Público do Trabalho como órgão do PoderExecutivo ou do Poder Judiciário, a velha Procuradoria da Justiça do Traba-lho, do Procurador de gabinete.

Agora, é a hora do Procurador que vai ao encontro dos fatos, querealiza diligências externas, onde for necessário, nos confins da Amazôniaou nos escritórios suntuosos da Avenida Paulista.

É o Procurador que ouve os trabalhadores e empregadores, inquiretestemunhas, busca parcerias com a sociedade civil e com organismosestatais, requisita a instauração de inquérito policial, ações fiscalizatórias,realiza inspeções.

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A atividade parecerista não deve, nem pode ser abandonada, pois éde revelância, pois ao Ministério Público, nos casos que exigem a interven-ção como custos legis, principalmente, quando esta intervenção ocorre noprimeiro grau de jurisdição, cabe apontar o bom direito, reprimir a utiliza-ção do processo para fins escusos. Mas essa atuação deve estarconcatenada, passo a passo, com a atividade de órgão agente, municiando-lhe com representações, instrumentos de prova, e dando ao Poder Judiciá-rio um feedback.

Voltemos ao tema.

É a Justiça do Trabalho competente para apreciar e julgar a açãopenal pública?

Entendo que sim.

A Constituição Cidadã de 1988 estabelece em seu art. 114 a compe-tência da Justiça do Trabalho.

No mencionado dispositivo, além dos dissídios individuais (lato sensu)e coletivos, reza a Carta Magna que ao Poder Judiciário caberá a aprecia-ção e julgamento, na forma da lei, de outras controvérsias decorrentes darelação de trabalho.

A competência, pois, da Justiça Laboral tem origem no OrdenamentoConstitucional, em razão da matéria, mas a própria Constituição remete aolegislador infraconstitucional atribuição de estabelecer, via legislação, ou-tras competências a este ramo especial do Poder Judiciário Nacional.

A CLT, por exemplo, estabelece que as questões decorrentes dos con-tratos de pequena empreitada são da competência da Justiça do Trabalho.

Considere-se que a Constituição da República de 1988, deu novafeição ao Ministério Público Brasileiro, mas em especial ao Parquet doTrabalho.

Vejamos o que a Carta Política de 1946 estabelecia em seu art.125:

“Art 125. A lei organizará o Ministério Público da União, junto àJustiça Comum, à Militar, à Eleitoral e à do Trabalho.”

Mas, prevaleceu o texto da CLT, que em seu art. 736 dispunha:

“O Ministério Público do Trabalho é constituído por agentes di-retos do Poder Executivo ...”.

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Já o Estatuto Político vigente engrandeceu o Ministério Público Na-cional, desatrelando-o do Poder Executivo, conforme se pode inferir da lei-tura do caput do art. 127:

‘‘Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essen-cial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da or-dem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indivi-duais indisponíveis.’’

A Constituição da República, ainda, atribuiu aos diversos ramos doMinistério Público Nacional, sem exceção de qualquer espécie, uma sériede funções institucionais, no art. 129, quais sejam:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I — promover, privativamente, a ação penal pública, na formada lei;

II — zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos ser-viços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constitui-ção, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III — promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de ou-tros interesses difusos e coletivos;

IV — promover a ação de inconstitucionalidade ou representa-ção para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos pre-vistos nesta Constituição;

V — defender judicialmente os direitos e interesses das popula-ções indígenas;

VI — expedir notificações nos procedimentos administrativosde sua competência, requisitando informações e documentos parainstruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII — exercer o controle externo da atividade policial, na formada lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII — requisitar diligências investigatórias e a instauração deinquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas mani-festações processuais;

IX — exercer outras funções que lhe forem conferidas, desdeque compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representa-ção judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”

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No § 5º, do art. 128, o legislador constituinte determinou que “leiscomplementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aosrespectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribui-ções e o estatuto de cada Ministério Público ...”.

A Lei Complementar n. 75/93, fruto de grandes lutas e estudos dosMembros do Parquet nacional, quando da disciplina do Ministério Públicodo Trabalho, prescreveu, nos artigos 83, I e 84, caput, que:

“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercíciodas seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

I — promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constitui-ção Federal e pelas leis trabalhistas;

...

Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbitodas suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas nosCapítulos I, II, III e IV do Título I, especialmente:”

Como bem ficou evidenciado pela leitura dos artigos acima citados,ao Ministério Público do Trabalho cabe promover as ações que lhe sejamatribuídas pela Constituição Federal, bem como exercer as funções institu-cionais estabelecidas nos Capítulos I, II, III e IV, do Título I.

Lembremos que, como já exposto anteriormente, na Constituição daRepública ficou previsto que o MINISTÉRIO PÚBLICO NACIONAL, semexceção, exerceria as seguintes funções institucionais (repetirei apenas osincisos que importam para a discussão), conforme disposição do art.129:

‘‘I — promover, privativamente, a ação penal pública, na formada lei;

...

VII — exercer o controle externo da atividade policial, na formada lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII — requisitar diligências investigatórias e a instauração deinquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas mani-festações processuais;’’

Ora, a Lei Complementar n. 75/93 estabelece, clara e literalmente,que ao Parquet Laboral incumbe o manejo das ações constitucionalmenteprevistas e a Constituição da República estabelece como funções institucio-nais de todo o Ministério Público Nacional, sem exceção, a promoção, pri-vativamente, da ação penal pública, o poder-dever de requisitar a instaura-

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ção de Inquérito Policial e o próprio controle externo da atividade policial.Não há, portanto, como se negar essas funções ao Ministério Público doTrabalho.

Por outro lado, repito, a própria Lei Complementar n. 75/93 estabele-ce, como indicado anteriormente, em seu art. 84, que ao Ministério Públicodo Trabalho cabe o exercício de outras funções relacionadas nos CapítulosI, II, III e IV do seu Título I.

Esses capítulos do Título I, da LC n. 75/93, estabelecem, em conso-nância com a natureza do Ministério Público do Trabalho:

“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

...

V — promover, privativamente, a ação penal pública, na formada lei;

...

XIV — promover outras ações necessárias ao exercício de suasfunções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime demo-crático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especial-mente quanto:

...”

“Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre quenecessário ao exercício de suas funções institucionais:

...

II — requisitar diligências investigatórias e a instauração de in-quérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-lose apresentar provas;

...”

Ora, se, conforme estipula o art. 83, caput, ao Ministério Público doTrabalho compete o exercício das suas atribuições junto aos órgãos daJustiça do Trabalho, é tautológico que a Justiça do Trabalho, por conse-qüência e de lege condita, detém a competência criminal para os crimes deação penal pública.

Portanto, a competência material para apreciar e julgar a ação penalpública, condicionada ou não, decorre do comando Constitucional que es-tabelece que a legislação infraconstitucional pode distribuir competência àJustiça do Trabalho, nos casos decorrentes da relação de trabalho.

Não há necessidade, portanto, de alteração constitucional ou legisla-tiva para tal desiderato.

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Por todo o exposto, compete à Justiça do Trabalho o julgamento dosconflitos de interesses na esfera penal, relacionados com o mundo do tra-balho, que desafiam ação penal pública, de lege condita (v. g. o crime deperigo para a vida ou saúde de outrem, no caso o trabalhador — art. 132 doCP).

2.3. Da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar aação penal pública versando sobre o crime de redução acondição análoga à de escravo — Trabalho escravo (art. 149 doCódigo Penal)

2.3.1. Do crime de redução à condição análoga à de escravo

Inicialmente, faz-se necessária uma análise sobre o que seja verda-deiramente o crime que, equivocadamente, tem sido denominado de traba-lho escravo.

O art. 149 do Código Penal estabelece:

“Reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.”

Observe-se que esse crime está previsto no Título I, Dos Crimes con-tra a Pessoa, Capítulo VI, Dos Crimes contra a Liberdade Individual, SeçãoI, Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal, dentre os quais encontramos,ainda, o crime de constrangimento ilegal (art. 146), de ameaça (art. 147) eo seqüestro e cárcere privado (art. 148).

É um crime cometido contra o status libertatis e como ensina PauloJosé da Costa Jr., na obra ‘‘Comentários ao Código Penal’’, 7ª ed., Saraiva,página 442:

“Consiste o crime em reduzir alguém à condição análoga à deescravo. Fica, pois, integralmente, anulada a liberdade humana, quese vê submetido ao seu senhor.”

Obtempera, ainda, o referido penalista, que:

“Não será necessário, no entanto, que a vítima permaneçaenclausurada ou que seja transportada de um lugar para o outro (delocu ad locum).”

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Esclarece, citando Soler, in Derecho Penal Argentino, que:

“o domínio exercido pelo agente sobre a vítima não é apenasfísico, mas também psíquico. Reduzi-lo à condição análoga à de es-cravo equivale a poder comprá-lo, vendê-lo, cedê-lo sem consultá-lo,servindo-se dele sem lhe reconhecer qualquer direito.”

Quanto aos meios para consumação do crime, afirma que são indife-rentes.

Com relação ao Direito Comparado, cita o Código Italiano, que emseu art. 600 incrimina a redução de alguém à condição análoga à de escra-vo, considerando como tal “um relacionamento de serviço (gratuito ou retri-buído) diverso da locação ou da prestação devida de serviço”.

O jurista Aníbal Bruno, na obra ‘‘Direito Penal’’, Tomo 4, 2ª ed., Foren-se, páginas 367 e seguintes, leciona que:

“A forma extrema dos crimes contra a liberdade é a redução dealguém à condição análoga à de escravo.”

E escreve mais:

“Em princípio esse gênero de crime pode realizar-se em qual-quer parte, mas praticamente só em lugar onde a vigilância da cons-ciência jurídica ou dos poderes públicos seja tão débil que fato detamanha gravidade escape à ação sancionadora da lei. Entre nós,tem-se atribuído a sua prática em certas regiões do interior mais afas-tadas dos centros regulares da cultura, como nos seringais da Ama-zônia, ou em outras regiões do país aonde são atraídos pobres traba-lhadores e depois explorados por empresários criminosos.”

Sustenta, seu magistério:

“O fato não suprime determinado aspecto da liberdade. Atingeesse bem jurídico integralmente, destruindo o pressuposto da própriadignidade do homem, que se opõe a que ele se veja sujeito ao poderincontrastável do outro homem e, enfim, anulando a sua personalida-de e reduzindo-o praticamente à condição de coisa...”

“O essencial é essa situação em que aliena totalmente a liber-dade da vítima, submetendo-a física e moralmente à posse e domíniodo detentor. Não se trata de simples sujeição a regime de trabalho,embora o senhor de fato se utilize dos serviços da vítima sem conce-der-lhe qualquer compensação direta por eles, nem possibilidade deresistência.

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Não é necessário que a vítima seja transportada de um lugarpara outro, como exigiam os antigos comentadores, ao tempo da es-cravidão... Nem é preciso que ela fique enclausurada. Pode ser-lhepermitido, em certas condições, o gozo de uma série de franquias comoa de locomover-se, mesmo dentro de largos limites, ou a de corres-ponder-se com outros, não, porém como expressão de liberdade, mascomo regalia ao arbítrio do coator.”

E continua:

“Esse estado de constrangimento deve ter certa duração. Não ébastante uma detenção momentânea, que, em certa circunstânciapoderia configurar o seqüestro.”

Quanto aos meios empregados, tanto o primeiro quanto o último afir-mam que o Código Penal não os determina, podendo ser, assim, qualquermeio de violência, de ameaça, de fraude.

O crime de redução à condição análoga à de escravo, portanto, écrime contra a liberdade individual, provocando cerceamento à liberdadede ir e vir e estado de sujeição, mediante qualquer meio fraudulento, deameaça ou violento.

Embora, como verificou Bruno, de fato não há compensação diretaaos serviços prestados, o certo porém é que mesmo havendo certa retri-buição, inclusive em dinheiro, se houver cerceamento e sujeição a outrem,estará configurado o crime de redução à condição análoga à de escravo,pois mesmo nos sistemas escravocratas, o senhor tinha obrigações paracom o escravo, como, por exemplo, alimentá-lo, sob pena de perda da mão-de-obra.

Também não é preciso que o sujeito, reduzido à condição análoga àde escravo, seja traditado de um lugar para outro, como em regra ocorre,pois o fato de ser o trabalhador da localidade não afasta a figura do crime.

Logo, trata-se de um crime, cujo tipo pode ser consumado pela práti-ca de outros delitos, inclusive os crimes contra a organização do trabalho,mas por outras formas de fraude, ameaça e violência (v. g. o seqüestro).

2.3.2. Da competência da Justiça do Trabalho e da atribuição doMinistério Público do Trabalho para o crime de redução àcondição análoga à de escravo

Equivocadamente, o Ministério Público do Trabalho tem declinado desua atribuição em favor do Ministério Público Federal, que tem atuado comodetentor da ação penal pública nos crimes de redução à condição análogaà de escravo.

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Infelizmente, essa iniciativa não sofreu contestação à altura.

Entretanto, ouso discordar frontalmente desse posicionamento.

Diz-se que é um crime federal. Ora a Justiça do Trabalho também éfederal.

De outro ângulo, o art. 109

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

...

VI — os crimes contra a organização do trabalho e, nos casosdeterminados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômi-co-financeira;

...”

Assim, a Constituição da República estabelece que à Justiça Federalcabe, unicamente, no campo das relações de trabalho, apreciar e julgar oscrimes contra a organização do trabalho.

O certo, porém, é que o crime de redução à condição análoga à deescravo não se encontra relacionado dentre os crimes contra a organiza-ção do trabalho, mas, como mencionado acima, dentre os crimes contra aliberdade.

Ficou claro, no item anterior, que o crime de redução à condição aná-loga à de escravo pode ser tipificado pelo uso de qualquer tipo de ameaça,fraude, violência, não estipulando o Código Penal que esse crime somenteocorre quando praticados os crimes contra a organização do trabalho.

Assim, não é da competência da Justiça Federal e da atribuição doParquet Federal o crime de redução à condição análoga à de escravo.

Ora, se é um crime pertinente à relação de trabalho, a competência éda Justiça do Trabalho e a atribuição para o encetamento da ação penalpública é do Ministério Público do Trabalho.

Frise-se que se praticado em concomitância com outros crimes (con-curso formal) e/ou mediante concurso de pessoas, sendo o primeiro crime(redução à condição análoga à de escravo) apenado mais gravemente,estamos diante de um crime continente (art. 76 do Código de ProcessoPenal e 70 do Código Penal — Nova Parte Especial), ou seja, que abrangeos demais.

Desta forma, o crime de redução à condição análoga à de escravo,caracterizado por qualquer conduta que restrinja o status libertatis do tra-balhador, inclusive aquelas tipificadas como crimes contra a organizaçãodo trabalho, por força do art. 78, IV, também do CPP, a competência é fixa-

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da em favor da Justiça Especializada, no caso a Justiça do Trabalho, emrazão da continência, uma vez que as penas previstas para estes últimossão mais brandas do que a prevista para o crime de redução à condiçãoanáloga à de escravo.

A Competência Residual da Justiça Federal para os crimes contra aorganização do trabalho subsiste quando estes crimes não sejam cometi-dos em concurso formal com o crime de redução à condição análoga à deescravo.

Assim, entendo ser da Justiça do Trabalho, de lege condita, a compe-tência para apreciar e julgar as ações penais públicas promovidas peloMinistério Público do Trabalho, em relação aos crimes de redução à condi-ção análoga à de escravo, mesmo que praticados em concurso formal comos crimes contra a organização do trabalho, por força dos arts. 76 e 78, IV,do Código de Processo Penal e art. 70 do Código Penal, art. 114, segundaparte, e art. 129 da CR/88, dos arts. 83, caput, e inciso I, 84, 6º, V e XIV, 7º,II, da Lei Complementar n. 75/93.

3. CONCLUSÃO

1) Por força do próprio art. 114 da CR/88, a Justiça do Trabalho écompetente para dirimir conflitos de interesse de natureza penal relaciona-dos com o mundo do trabalho;

2) De lege condita, a Justiça do Trabalho é competente e ao Ministé-rio Público do Trabalho cabe encetar ação penal pública em relação aoscrimes ligados às relações de trabalho;

3) De lege condita, a Justiça do Trabalho é competente e o MinistérioPúblico do Trabalho tem atribuição para encetar ação penal pública em re-lação ao crime de redução à condição análoga à de escravo, ainda que emconcurso formal com os crimes contra a organização do trabalho, em razãode continência;

4) De lege ferenda, não existem razões históricas para que os crimescontra a organização do trabalho, não praticados em concurso formal aocrime de redução à condição análoga à de escravo, permaneçam na Justi-ça Federal.

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O COMBATE AO TRABALHO FORÇADO NOBRASIL: ASPECTOS JURÍDICOS (*)

Flávio Dino de Castro e Costa(**)

1. INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, com uma freqüência espantosa em um paísque ostenta um dos maiores Produtos Internos Brutos do mundo, lêem-senotícias como as abaixo reproduzidas:

Trabalho escravo no ParáAntônio José SoaresEspecial para o JBBELÉM — Fiscais do Ministério do Trabalho localizaram no Sul

do Pará 38 trabalhadores submetidos a trabalho escravo. Eles esta-vam na Fazenda Riqueza, em São Félix do Xingu, a 950 quilômetrosde Belém. Uma das coordenadoras do Grupo Executivo de Repres-são ao Trabalho Forçado (Gertraf), Marinalva Cardoso, aguarda emMarabá a apresentação das vítimas.

Os trabalhadores — 36 homens e duas mulheres — foram con-tratados pelo gateiro (intermediador de trabalho escravo) Alberto Tei-xeira da Silva, no Tocantins, para serem distribuídos por diversas fa-zendas, no Pará. Marinalva calcula que a dívida acumulada com osagricultores seja de R$ 73 mil. O dono da fazenda será obrigado aindenizá-los antes de retornarem ao Tocantins. O intermediador e ofazendeiro deverão ser processados judicialmente e autuados peloMinistério do Trabalho.” [3.ago.2002]

(*) Versão atualizada (maio de 2003) de texto escrito em setembro de 2002.(**) Juiz Federal, ex-presidente e diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE),membro da Comissão Especial de Combate ao Trabalho Forçado do CDDPH/MJ (2002-2003),mestre em Direito Público, professor de Direito Administrativo (Unb).

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23.8.02 — Fazenda no Maranhão tinha 66 escravos

Lavradores foram resgatados depois da denúncia de dois jo-vens que conseguiram fugir

Andréa Viana

Especial para o Estado

São Luís — Um grupo de 49 homens adultos e 17 adolescentescom idade entre 13 e 17 anos foi resgatado ontem de uma fazenda nopovoado de São Miguel, a 280 quilômetros de São Luís. Lá eles tra-balhavam na colheita da folha de carnaúba em regime de semi-escravidão.

Os trabalhadores rurais haviam sido contratados por um em-presário piauiense no município de Araioses, interior do Maranhão.Mas nunca chegaram a receber salário pelos trabalhos executados eainda deviam dinheiro ao patrão pelo pagamento da comida forneci-da na fazenda e da hospedagem. A alimentação, de acordo com orelato deles, era apenas à base de garapa de cana e arroz.

Espancamento — A fazenda de escravidão foi descoberta de-pois que dois adolescentes conseguiram fugir e denunciar a explora-ção do trabalho. Segundo o delegado de São Vicente de Férrer, JoãoDiniz, responsável pelo resgate dos lavradores, as condições de vidadesses trabalhadores eram subumanas e quase todos apresentavamsinais de espancamento. (...)”

Relatos desta natureza, além de provocarem sentimentos de revoltadiante de tanta injustiça, devem motivar diversas linhas de reflexão porparte dos agentes que integram o Estado. Uma delas situa-se no planojurídico, a começar da ratificação de uma já sedimentada e lamentável cons-tatação: o elevadíssimo grau de ausência de efetividade de nosso sistemanormativo.

Importante lembrar, no pórtico deste trabalho, o artigo 1º da Conven-ção n. 29 da Organização do Trabalho, celebrada em 1930 e incorporadaao Direito brasileiro em 1958:

“Todos os Membros da Organização Internacional do Trabalhoque ratificam a presente convenção se obrigam a suprimir o empregodo trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no maiscurto prazo possível.”

Mais de quatro décadas se passaram e a anunciada supressão nãose procedeu em nosso país, como as matérias jornalísticas transcritas cla-ramente revelam. Embora estudos sobre o assunto assinalem que houve

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uma diminuição de tais práticas no território brasileiro(1), o certo é que osnúmeros demonstram que ainda estamos distantes da meta convenciona-da. Veja-se que entre 1995 e 2001 mais de 3.500 trabalhadores foram en-contrados, pela fiscalização, em situação de trabalho forçado.

Apesar deste quadro, a discussão sobre a problemática no âmbito dacomunidade jurídica é bastante incipiente. A quantidade de processos judi-ciais versando sobre o tema é, proporcionalmente aos que tramitam, esta-tisticamente irrelevante. Não se tem notícia, em número digno de nota, decondenações criminais transitadas em julgado —, não obstante a existênciade diversos tipos penais suscetíveis de incidência. Daí nasceu a motivaçãopara este estudo, que vem em continuidade à atuação como presidente daAssociação dos Juízes Federais do Brasil — AJUFE (até junho de 2002) ecomo membro da Comissão Especial do CDDPH/Ministério da Justiça quetratou da temática.

A exposição buscará traçar um panorama dos aspectos jurídicos con-siderados mais relevantes e emergenciais, resenhando e oferecendo algu-mas propostas pertinentes ao assunto.

2. OS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

2.1. O lugar do Direito Penal na luta contra o trabalho escravo

Preliminarmente, é necessário compreender o papel insubstituível doDireito Penal no combate a práticas ilícitas como o trabalho forçado. Estaobservação é importante à vista de uma crescente crítica à supostahipertrofia desse ramo do Direito no Brasil. Se essa visão pode fazer senti-do em determinados casos, entre estes certamente não se situa a repres-são penal contra condutas aviltantes no mundo do trabalho. Evidentemen-te, não se cogita que a mera existência de normas penais dispondo sobre amatéria será capaz de levar “automaticamente” à erradicação do trabalhoforçado, porém o mencionado papel insubstituível é bastante claro, por vá-rios motivos.

Em primeiro lugar, estamos diante de bens jurídicos fundamentais,como assentado pela Constituição Federal, que erige “a dignidade da pes-soa humana” e “os valores sociais do trabalho” ao status de fundamentosdo Estado Democrático de Direito. Logo, a tutela penal de tais bens estáclara e plenamente legitimada, pois, como ensina Nicolao Dino de Castro eCosta Neto, “atuando como ultima ratio, o Direito Penal exerce papel rele-vante na proteção dos valores fundamentais. Irradia seus efeitos, dessarte,

(1) O Combate ao Trabalho Forçado no Brasil. Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho.Brasília, maio de 2002, p. 10.

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em relação aos comportamentos que ofendem os bens mais caros da cole-tividade”.(2) Em outras palavras, é como lembra Francisco Muñoz Conde:“El derecho penal existe porque existe un tipo de sociedad que lo necesitapara mantener las condiciones fundamentales de su sistema deconvivencia”.(3)

Em segundo lugar, em ilícitos desta natureza e magnitude, as sançõesextrapenais são insuficientes também do ponto de vista econômico. Comefeito, é óbvio que a manutenção de padrões de superexploração do traba-lho humano visa gerar e/ou ampliar lucros para os empresários que assimatuam. Deste modo, a intervenção do Direito Penal é imprescindível paraevitar um raciocínio de “custo-benefício” segundo o qual compensaria escra-vizar trabalhadores, já que tal conduta poderia implicar, no máximo, sançõeseconômicas (multas ou mesmo indenizações por dano moral). Tais valores,uma vez pagos, seriam simplesmente repassados para o elo seguinte dacadeia produtiva, sendo assim diluídos e absorvidos, como mais um “custoda produção”. Daí por que unicamente com a atuação conjunta dos váriossistemas de responsabilização (civil, administrativo e penal) teremos o ade-quado desempenho, pela ordem jurídica, das funções repressiva e preventi-va em relação aos atos violadores dos direitos fundamentais.

Por último, é interessante lembrar que o Direito Penal sempre inter-veio para sancionar as condutas que desbordassem da moldura estabele-cida para as relações de trabalho, normalmente em defesa dos interessesdos proprietários dos meios de produção(4). Ora, por que seria diferentequando se cuida de proteger a dignidade dos trabalhadores?

2.2. Os crimes em espécie — propostas de aperfeiçoamento

Feitas estas observações preliminares, vejamos os tipos penais maisdiretamente relacionados com a matéria:

Redução à condição análoga à de escravo

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

(2) In Proteção Jurídica do meio ambiente — Florestas. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 308.(3) In Derecho Penal e Control Social. Santa Fe de Bogotá: Editorial Temis, 1999, p. 119.(4) As Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil por mais de dois séculos, estabeleciampunições para os “que dão ajuda aos escravos cativos para fugirem ou os encobrem”. Estas puni-ções incluíam açoites, indenizações e, em se tratando de delitos cometidos em Portugal, degredo“para o Brasil para sempre” (Ordenações Filipinas, Livro V. São Paulo: Companhia das Letras,1999, pp. 204-205).

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Frustração de direito assegurado por lei trabalhista

Art. 203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegu-rado pela legislação do trabalho:

Pena — detenção de um ano a dois anos, e multa, além dapena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei n. 9.777,de 29.12.1998)

§ 1º Na mesma pena incorre quem: (Parágrafo acrescentadopela Lei n. 9.777, de 29.12.1998)

I — obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determina-do estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço emvir tude de dívida; (Alínea acrescentada pela Lei n. 9.777, de29.12.1998)

II — impede alguém de se desligar de serviços de qualquernatureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus docu-mentos pessoais ou contratuais. (Alínea acrescentada pela Lei n.9.777, de 29.12.1998)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima émenor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora dedeficiência física ou mental. (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 9.777,de 29.12.1998)

Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do territó-rio nacional

Art. 207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de umapara outra localidade do território nacional:

Pena — detenção de um a três anos, e multa. (Redação dadapela Lei n. 9.777, de 29.12.1998)

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores forada localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional,mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou,ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.(Parágrafo acrescentado pela Lei n. 9.777, de 29.12.1998)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima émenor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora dedeficiência física ou mental. (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 9.777,de 29.12.1998)

A primeira observação a ser feita refere-se ao artigo 149 do CódigoPenal. Este encontra-se no capítulo destinado aos “crimes contra a liberda-de individual”, o que tem gerado uma série de confusões, inclusive no to-cante à competência jurisdicional, como será abordado posteriormente.

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A importância deste tipo penal para o combate ao trabalho forçado ébastante evidente. Ressalte-se que a sua aplicação não é excludente emrelação aos crimes contra a organização do trabalho, como acentua CezarRoberto Bitencourt: “Se algum dos meios utilizados pelo sujeito ativo tipificaralgum crime contra a liberdade individual, como, por exemplo, ameaça,seqüestro, entre outros, será absorvido pelo crime de redução à condiçãoanáloga à de escravo; se, no entanto, tipificar crimes de outra natureza,haverá concurso com este, que poderá ser formal ou material, dependendoda unidade ou pluralidade de condutas”.(5)

Há uma tendência positiva na doutrina e na jurisprudência em confe-rir um peso preponderante, no processo interpretativo, ao termo “análoga”.Assim não fosse, somente quando pessoas fossem encontradasacorrentadas em uma senzala oitocentista haveria a configuração do cri-me, o que seria um absurdo. Neste sentido, mais uma vez invoque-se CezarBitencourt: “Os meios ou modos para a prática do crime são os mais varia-dos possíveis, não havendo qualquer limitação legal nesse sentido; o agentepoderá praticá-lo, por exemplo, retendo os salários, pagando-os de formairrisória, mediante fraude, fazendo descontos de alimentação e de habita-ção desproporcionais aos ganhos, com violência ou grave ameaça etc.”(6)

No plano jurisprudencial, existe um elucidativo precedente do TRF-3ªRegião, sediado em São Paulo:

“Penal e processual penal. Redução à condição análoga à deescravo. Nulidade da sentença. Extinção da punibilidade. Prescri-ção. Insuficiência de provas. Exasperação da pena. Incidência deagravantes.

I — A sentença recorrida preenche todos os requisitos do artigo381 do Código de Processo Penal, inexistindo, assim, quaisquer víci-os de existência formal.

II — Havendo recurso do Ministério Público Federal o prazo pres-cricional regula-se pela pena in abstracto.

III — O delito do artigo 149 do Código Penal consiste em sub-meter integralmente a vítima ao poder de disposição do agente, redu-zindo-a à situação análoga à de escravo.

IV — No caso dos autos os empregados eram submetidos a con-dições totalmente desumanas com precárias acomodações. Os direi-

(5) In Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 602.(6) Id. ibid.

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tos humanos e trabalhistas não eram respeitados. Os empregados eramvigiados para não fugirem da fazenda e ainda eram obrigados a adqui-rir os produtos de que necessitassem no próprio acampamento.

V — Inconteste a comprovação dos fatos narrados na denúncia.

VI — No concurso de pessoas é inafastável a agravante do art.62, I do Código Penal, quando o agente promove ou organiza a ativi-dade delituosa.

VII — A participação na prática do delito mediante pagamento,promessa de lucros e incentivos, leva à incidência da agravante pre-vista no artigo 62, inciso IV, do Código Penal.

VIII — Improvido o recurso dos acusados e parcialmente provi-do o recurso do órgão ministerial.” (DJ 2.6.99, Relator Juiz CélioBenevides)

Não obstante outros exemplos positivos pudessem ser citados(7), du-rante a Oficina de Trabalho “Aperfeiçoamento Legislativo para o Combateao Trabalho Escravo”, realizada em junho de 2002 por iniciativa da Secre-taria de Estado dos Direitos Humanos e da Organização Internacional doTrabalho, os participantes deliberaram ser necessária alteração legislativadestinada a superar perplexidades e/ou leituras equivocadas ainda verifi-cadas em torno do artigo 149 em foco(8). Esta alteração viria com a aprova-ção, pela Câmara dos Deputados, do Substitutivo oferecido pela deputadaZulaiê Cobra ao PL n. 5.693, de autoria do deputado Nelson Pellegrino,assim redigido:

“Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo,negociar pessoa como objeto para qualquer finalidade ou beneficiar-se dessa negociação:

Pena — Reclusão de 5 a 10 anos e multa.

Parágrafo único. Considera-se em condição análoga à de es-cravo quem é submetido à vontade de outrem mediante fraude, amea-ça, violência ou privação de direitos individuais ou sociais, ou qual-quer outro meio que impossibilite a pessoa de se libertar da situaçãoem que se encontra.”

A principal virtude que vislumbramos nesta proposição refere-se àrelativa diminuição do grau de “abertura” do tipo, minimizando a possibili-dade de interpretações contraditórias, as quais podem contribuir para abaixa efetividade das normas repressivas.

(7) Há sentenças condenatórias recentes em Varas Federais situadas nos Estados do Pará, SãoPaulo e Santa Catarina.(8) Esta deliberação encontra amparo no que consta na atualização do Programa Nacional deDireitos Humanos, chamado PNDH II.

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Contudo, quando da conclusão das atividades da Comissão Especialde Combate ao Trabalho Forçado, instituída pelo Conselho de Defesa dosDireitos da Pessoa Humana (CDDPH), prevaleceu tese diversa. Assim, notocante ao artigo 149 do Código Penal, as proposições insertas no PlanoNacional para a Erradicação do Trabalho Escravo — lançado pelo presi-dente Luís Inácio Lula da Silva — visam a sua classificação como crimehediondo e a fixação da pena entre 4 e 8 anos de reclusão. Contra estaspropostas certamente advirão fortes reações oriundas dos arautos do cha-mado “Direito Penal Mínimo”, que via de regra são contrários ao aumentode penas e à própria existência do conceito de crime hediondo. Entretanto,parece-nos que o incremento proposto está nos limites do razoável, guar-dando proporcionalidade entre a gravidade do crime e a respectiva sanção.Ademais, a gradação de benefícios aos réus, em razão do poder ofensivode suas condutas, integra a nossa ordem constitucional, que alberga a no-ção de crime hediondo como o diametralmente oposto das infrações pe-nais de menor potencial ofensivo. Considerada tal realidade, também pare-ce-nos razoável a inclusão da conduta de escravizar seres humanos entreos crimes hediondos.

De outra face, no que tange às condutas tipificadas no artigo 203 doCódigo Penal, qualificadas entre os “crimes contra a organização do traba-lho”, observe-se que hoje se trata de infrações catalogadas entre as demenor potencial ofensivo, de competência dos Juizados Especiais, o queimplica significativas conseqüências. Tal enquadramento decorre da Lei n.10.259/2001, que classificou como infrações de menor potencial ofensivoaquelas cujas penas máximas não ultrapassem dois anos. Contudo, consi-deramos que sob a ótica material, no mais das vezes, não estamos diantede crimes de baixa potencialidade ofensiva, em virtude de sua direta agres-são ao núcleo fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana.Daí defendermos um incremento das penas abstratamente previstas no ci-tado artigo 203, sem que isso signifique a adesão a uma política criminal“encarceradora”, bastando que se mantenha a possibilidade de aplicaçãode penas alternativas nos (raros) casos eventualmente mais brandos, con-forme o artigo 44 do Código Penal.

2.3. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas

Uma última observação consideramos significativa quanto ao item 2:assim como nos crimes ambientais, seria útil a previsão legal de responsabili-zação penal das pessoas jurídicas nos casos de trabalho escravo. Isso por-que, a exemplo daqueles delitos, nos crimes em foco é freqüente que empre-sas tenham benefícios com a prática de tais ilícitos sem que haja a imposiçãode quaisquer sanções penais contra os maiores beneficiários. Com efeito, di-ante da inexistência de responsabilidade penal objetiva, grandes empreende-dores podem escapar de punições criminais alegando a não caracterização

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do dolo, acarretando uma nova iniqüidade: a repressão penal somente contraos “gatos” e os “gerentes” das fazendas, enquanto os “escravocratas do asfal-to” não sentem nenhuma conseqüência da persecução penal.

No Direito Ambiental, a solução encontrada foi a inserção, na Lei n.9.605/98, do seguinte preceito:

‘‘Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas adminis-trativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casosem que a infração seja cometida por decisão de seu representantelegal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou bene-fício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas nãoexclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes domesmo fato.’’

Embora estejamos refletindo há pouco tempo sobre esta possibilida-de no que tange ao trabalho escravo, consideramos ser importante apre-sentar a idéia para que outros estudiosos debatam o assunto. Desde logo,adiantamos que — além de nos parecer conveniente — pensamos que aproposição é compatível com o nosso sistema constitucional. O art. 173, § 5º,da Constituição Federal estabelece que: “A lei, sem prejuízo da responsa-bilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a res-ponsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natu-reza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra aeconomia popular”. Ora, a utilização de mão-de-obra escrava é contrária àordem econômica, conforme o art. 170 da Constituição, que estabeleceque aquela “tem por fim assegurar a todos existência digna”, incluindo-seentre os seus princípios a “função social da propriedade” e a “livre concor-rência”. O trabalho escravo privilegia injustamente os empresários que delese utilizam, distorcendo a livre concorrência. Demais disso, para que umapropriedade rural cumpra a sua função social é imprescindível que observeas “disposições que regulam as relações de trabalho”, de acordo com o art.186 da Carta Magna. Logo, a interpretação sistemática da Constituição abrea possibilidade de que uma lei institua a responsabilidade penal da pessoajurídica em casos de trabalho forçado, podendo-se ainda cogitar de umaeventual proposta de emenda constitucional (que temos por desnecessá-ria, como assinalado).

Qualquer que viesse a ser o caminho formal eleito, a responsabiliza-ção em tela deveria ter como pressupostos: benefício para a empresa deri-vado do ato criminoso; caracterização de vínculo entre o preposto e a em-presa; utilização da estrutura empresarial para o cometimento do crime.Isso, frise-se mais uma vez, sem que se exclua a responsabilidade penaldos indivíduos, quando assim seja possível.

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3. A COMPETÊNCIA JURISDICIONAL NA ESFERA PENAL

A Constituição da República, no seu artigo 109, inciso VI, estabeleceser de competência da Justiça Federal julgar os crimes contra a organiza-ção do trabalho. Apesar disso, ainda é dominante nos Tribunais Regionaise Superiores uma corrente jurisprudencial que, na prática, remete à JustiçaEstadual o julgamento de tais crimes. Isso fez com que no já citado PNDHII fosse incluída uma meta no sentido de “sensibilizar juízes federais para anecessidade de manter, no âmbito federal, a competência para julgar cri-mes de trabalho forçado”. Após a edição desta diretriz, acompanhada deuma série de iniciativas em torno do tema, verificamos uma forte tendênciano sentido do reconhecimento da citada competência federal, com expres-sivas decisões no âmbito da 1ª Região da Justiça Federal (que abrangetoda a Amazônia Legal, o Centro-Oeste e parte do Nordeste)(9).

O apontado quadro de esvaziamento da força normativa do preceitoconstitucional tem origem em precedentes do extinto Tribunal Federal deRecursos, datados dos anos 70, posteriormente corroborados pelo Supre-mo Tribunal Federal. É importante assinalar que, anteriormente a esse pe-ríodo, a jurisprudência do STF mantinha na Justiça Federal os crimes con-tra a organização do trabalho, como ilustra o RHC n. 48.037, São Paulo,Rel. Ministro Carlos Thompson Flores:

“Crime contra a Organização do Trabalho, conjugado comestelionato. Competência da Justiça Federal.

Nulidade do processo, inclusive a denúncia, por falta de legiti-midade de seu firmatário.

Aplicação dos arts. 125, VI, da Constituição Federal, 171 e 204,do Código Penal e 564, II, do Código de Processo Penal.”

(9) A título exemplificativo, mencionamos decisão do Juiz Federal Herculano Martins Nacif, deMarabá-PA, datada de fevereiro de 2003, pela qual houve a decretação de prisão de acusados docometimento de diversos crimes. De tal decisão, destacamos alguns trechos: “In primis, cumpreregistrar que dentre os diversos e gravíssimos crimes apontados pelo Ministério Público Federale que constituem objeto das investigações no inquérito policial instaurado sob sua requisição,estão infrações penais, em tese, praticadas contra a organização do trabalho, além de crimesambientais, fixando, assim, pela conexão, em relação aos demais crimes, inclusive o de formaçãode quadrilha, a competência da Justiça Federal para processar e julgar a eventual e futura açãopenal, nos precisos termos do art. 109, IV e VI, da Constituição Federal, razão pela qual julgo-mecompetente para apreciar o pedido de prisão temporária dos indiciados. (...) A perversidade dascondutas e a gravidade dos fatos são identificadas pelo significativo número de mais de umacentena trabalhadores vitimados, alguns deles encontrados laborando na Fazenda Santa Ana emcondições absolutamente deploráveis, indignas do ser humano e humilhantes, sendo a eles dis-pensado um tratamento que nem os animais irracionais merecem. (...) Enfim, é inconcebível queem pleno século XXI ainda se constate a dura realidade da existência de trabalho escravo emnosso País, especialmente na região do Sul do Pará, como amplamente divulgado pela mídianacional, impondo-se a enérgica atuação da Polícia Judiciária e do Ministério Público Federal,com vistas a erradicar essa abominável prática criminosa, cabendo ao Poder Judiciário respaldaras medidas necessárias à apuração dos crimes e punição dos inescrupulosos criminosos, tudo, àluz da evidência, com a estrita observância do devido processo legal e sob os comandos dosprincípios constitucionais pertinentes’’.

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Frise-se que neste caso a vítima era uma única empregada, de umaempresa de São Paulo, não sendo esta circunstância vista como impedi-mento para a incidência do art. 125, VI, da Constituição anterior, reproduzi-do pelo vigente art. 109, VI.

No final dos anos 70, entendeu o TFR, por maioria de um voto(10), quecompetia à Justiça Federal julgar somente os crimes ofensivos à “organiza-ção geral do trabalho ou dos direitos dos trabalhadores, considerados coleti-vamente”. Na ocasião, o ministro Néri da Silveira, que até recentemente ilus-trou o STF, disse: “Penso que, existente na legislação penal brasileira, comanterioridade à restauração da Justiça Federal, no Código Penal, descriçãode crimes contra a organização do trabalho, se o Constituinte quis atribuiraos Juízes Federais a competência para processo e julgamento de crimescontra Organização do Trabalho, estes são os que a Lei Penal assim consi-dera. (...) Compreendo, data venia, que, diante do preceito constitucionalgenérico, não é possível dar-lhe interpretação restritiva, assim como nãoincumbiria emprestar-lhe interpretação extensiva. Por igual, em matéria decompetência, não podemos restringir se o legislador constituinte não o quis.Se ele diz que todos os crimes contra Organização do Trabalho são do âmbi-to da Justiça Federal, parece que o intérprete tem que buscar, na legislaçãoordinária, esses crimes. E onde eles estão descritos? Nos arts. 197 a 207, doCódigo Penal, desde antes da Carta Constitucional”.

O entendimento majoritário no TFR foi acolhido pelo STF em 30.8.79,ao apreciar o RE n. 90.042-SP, relator o ministro Moreira Alves, sendo ven-cido somente o Ministro Xavier de Albuquerque. A ementa do julgado assimestá escrita:

“Conflito de competência. Interpretação do artigo 125, VI, daConstituição Federal.

— A expressão ‘crimes contra a organização do trabalho’, utili-zada no referido texto constitucional, não abarca o delito praticadopelo empregador que, fraudulentamente, viola direito trabalhista dedeterminado empregado. Competência da Justiça Estadual.

— Em face do artigo 125, VI, da Constituição Federal, são dacompetência da Justiça Federal apenas os crimes que ofendem osistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, osdireitos e deveres dos trabalhadores.

— Recurso extraordinário não conhecido.”

(10) Ficaram vencidos os Ministros Aldir Passarinho, Oscar Corrêa Pina, Otto Rocha, José Nérida Silveira e Jorge Lafayette Guimarães.

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No voto condutor, o relator argumentou: “O que, em realidade, justifi-ca a atribuição de competência, nessa matéria, à Justiça Federal Comum éum interesse de ordem geral — e, por isso mesmo, se atribui à União suatutela —, na manutenção dos princípios básicos sobre os quais se estrutu-ra o trabalho em todo o país, ou na defesa da ordem pública ou do trabalhocoletivo. (...) Nesse interesse que justifica, a meu ver, a competência daJustiça Federal, em tal terreno, não se enquadram crimes como o de quetratam os presentes autos: deixar o empregador, fraudulentamente, de pa-gar o salário mínimo a um determinado empregado. Trata-se, aqui, de atoque atenta contra direito individual, mas que não coloca em risco a organi-zação do trabalho. Competente para apreciá-lo é a Justiça Estadual”.

Posteriormente, em 9.6.82, o TFR editou a Súmula n. 115, dispondo:

“Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contraa organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores consi-derados coletivamente.”

Sobre esta súmula, é muito relevante destacar que nenhum dos jul-gados que levaram à sua edição referiam-se a casos de trabalho forçado.Ademais, assinale-se que a primeira redação sugerida para tal súmula eramais congruente com os precedentes que a geraram, como se constata:“Compete à Justiça Estadual processar e julgar o delito praticado por em-pregador que, fraudulentamente, viola direito trabalhista de determinadoempregado” (11).

Com a adoção da redação acima retratada, mais genérica, a Súmulan. 115 acabou sendo estendida a casos de trabalho forçado, em geral semuma análise mais detalhada das suas especificidades.

Esta situação vem perdurando mesmo após a edição da Lei n. 9.777,de 29 de dezembro de 1998, que acrescentou aos arts. 203 e 207 do Códi-go Penal os parágrafos 1º e 2º (acima transcritos), compondo uma novamoldura normativa para o problema em exame.

Chegamos assim ao momento atual, marcado por dúvidas derivadasde uma orientação jurisprudencial antiga, que ainda não refletiu sobre no-vos fatos e normas. Assim, ainda que em superação, persistem os conflitosde competência, as sentenças anuladas, os crimes prescritos. Diante des-te quadro, algumas considerações parecem-nos fundamentais, a seguirefetuadas.

(11) Estas informações constam do arquivo-geral do STJ. Louve-se aqui a excelente pesquisafeita, a pedido do autor, pela Central de Atendimento ao Juiz Federal, do Conselho da JustiçaFederal.

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Em primeiro lugar, o constituinte de 1987/1988 reiterou a decisão deincluir, na competência da Justiça Federal, os crimes contra a organizaçãodo trabalho, sem qualquer ressalva. Isso é motivo suficiente para ilidir even-tuais dúvidas existentes sob o pálio do regime constitucional anterior. Fri-se-se que a diretriz jurisprudencial do TFR já era bastante conhecida esedimentada quando da Assembléia Constituinte. Caso fosse sua intençãoprestigiar a citada diretriz, bastaria ter inserido o termo “geral” na redaçãodo atual art. 109, VI, do Texto Magno, consagrando-se a fórmula constanteda Súmula TFR n. 115. Não foi isso que ocorreu, o que é bastante significa-tivo para o processo interpretativo do preceito constitucional.

Por segundo, a Constituição de 1988 definiu que compete constitu-cionalmente à União “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”(art. 21, XXIV). Dispositivo similar não constava do art. 8º da Constituiçãode 1967. Esta competência atrai a incidência do artigo 109, IV, da vigenteConstituição(12), de maneira que também por interpretação sistemática podese chegar a um correto delineamento do que sejam os crimes contra aorganização do trabalho referidos no artigo 109, VI, multicitado. Neste pas-so, há um interessante julgado da 3ª Seção do STJ, no qual se concluiupela competência da Justiça Federal adotando-se o critério do “interesse”nascido de uma atribuição legal, como se lê: “... a infração, em tese, ocor-reu nas águas do rio Sucuri, situado integralmente nos limites territoriaisdo Estado de São Paulo, próximos aos Municípios de Bebedouro, Varadouro,Pitangueiras e Taqualral. Destarte, para atrair a competência da JustiçaFederal, faz-se mister a existência objetiva de ofensa a bens, serviços ouinteresse da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas,o que se verifica na hipótese vertente. In casu, vislumbra-se a prática decrime em detrimento de interesse de entidade autárquica federal, qual seja,o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis— IBAMA, vez que compete a tal entidade autárquica de personalidadejurídica de direito público, disciplinar, fiscalizar e autorizar a pesca” (CC n.32.414-SP, rel. ministro Felix Fischer, j. 13.3.2002).

Em terceiro lugar, no ano de 1998 novos tipos de crimes contra aorganização do trabalho foram introduzidos em nosso Código Penal,desbordando em muito a noção de “meras” ofensas a direitos patrimoniaisindividuais. Consultem-se, a propósito, os parágrafos 1º e 2º dos artigos203 e 207 do mencionado Código. Assim, mesmo que se siga, em linhasgerais, o entendimento contido na citada Súmula n. 115, estamos diante denovos preceitos legais que tipificam crimes que têm uma inequívoca reper-cussão em direitos coletivos e na organização geral do trabalho.

(12) Este dispositivo fixa a competência da Justiça Federal para julgar “os crimes políticos e asinfrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suasentidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a compe-tência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.

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Em convergência com esta última tese, porém com argumentos diver-sos, a procuradora regional da República Deborah Macedo Duprat de BrittoPereira, em recurso extraordinário recentemente oferecido, argumentou:

“... ad argumentadum, se correto o raciocínio desenvolvido nodecisum, segundo o qual a competência da justiça federal se definiriaem face de crimes que ofendam o sistema de órgãos e instituiçõesque preservam coletivamente o direito do trabalho, ainda assim o cri-me de redução à condição análoga de escravo mediante trabalho for-çado aí se enquadraria.

Vejamos.

O Brasil é signatário das Convenções 29 e 105 da OIT, a pri-meira aprovada pelo Decreto Legislativo n. 24, de 29.5.56, ratificadaem 25.4.57 e promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25.6.57, e asegunda aprovada pelo Decreto Legislativo n. 20, de 30.4.65, comratificação em 18.6.65 e promulgação em 14.7.66, pelo Decreto n.58.822, sendo que, em ambas, se compromete a adotar medidas efi-cazes, no sentido da abolição imediata e completa do trabalho força-do ou obrigatório.

De modo a cumprir os compromissos internacionalmente as-sumidos, ainda que tardiamente, foi criado, pelo Decreto presidencialn. 1.538, de 27 de junho de 1995, o GERTRAF — Grupo Executivo deRepressão ao Trabalho Forçado, subordinado à Câmara de PolíticaSocial do Conselho de Governo e integrado pelos Ministérios do Tra-balho e Emprego; da Justiça; do Meio Ambiente; do DesenvolvimentoAgrário; da Agricultura; do Desenvolvimento, Indústria e ComércioExterior e da Previdência e Assistência Social.

Foi instituído, ainda, no âmbito do Ministério do Trabalho e Em-prego, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, sendo que os proce-dimentos para a atuação do Grupo são objeto das Portarias ns. 549 e550, ambas de 14 de junho de 1995. Este Grupo, que atua com oapoio da Polícia Federal, na condição de polícia judiciária da União,libertou, no quadriênio de 1995/1998, 800 trabalhadores, e, nos trêsanos subseqüentes, ou seja, de 1999 a 2001, retirou mais de 2.600trabalhadores de situações análogas à de escravidão, de acordo comdados oficiais.

No Ministério da Justiça, foi criada, no âmbito do Conselho deDefesa dos Direitos da Pessoa Humana — CDDPH, por meio da Re-solução n. 5/2002, comissão especial para propor mecanismos quegarantam maior eficácia na prevenção e repressão à violência nocampo, à exploração do trabalho forçado e escravo e à exploração dotrabalho infantil.

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O Ministério do Trabalho e Emprego, por intermédio da Secreta-ria de Inspeção do Trabalho e da Secretaria de Políticas Públicas deEmprego, elaborou um programa denominado termo de referência paraeducação e qualificação profissional de trabalhadores rurais subme-tidos a regime de trabalho escravo e degradante ou potencialmentevítimas desta situação.

O Programa Nacional de Direitos Humanos — PNDH, lançadopelo Presidente da República em 13 de maio de 1996, já previa açõesno campo da prevenção e repressão do trabalho forçado, as quaisforam ampliadas pelo PNDH II, resultando em 10 metas, a saber:

(...)

Assim, parece não restar dúvidas de que a submissão de traba-lhadores à condição análoga à de escravo afronta todo um sistemade órgãos e instituições federais que tratam de prevenir e reprimiresta prática, de modo a assegurar que o direito do trabalho possaalcançar, indistintamente, a todos os trabalhadores, preservando-ode mácula que o elimina em definitivo: a ausência de liberdade. Ade-mais, a persistência desta conduta Brasil afora, a despeito da longa eefetiva atuação destes órgãos e instituições, revela a intenção dosagentes em prosseguir afrontando-os ou ignorando-os, donde resul-tar inequívoca a lesão ao sistema.”

Em quarto lugar, ainda para demonstrar a competência da JustiçaFederal, lembramos que os crimes contra a organização do trabalho lesam,simultaneamente e de modo indissociável, a previdência social. Com efei-to, os trabalhadores submetidos à situação análoga à de escravo são segu-rados obrigatórios da previdência social, a teor do artigo 11 da Lei n. 8.213/91. Negam-se a eles, então, não somente direitos trabalhistas, mas tam-bém previdenciários, o que corresponde a crimes previstos no Código Pe-nal, tais como:

Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, oualterar documento público verdadeiro:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: (Pa-rágrafo acrescentado pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

I — na folha de pagamento ou em documento de informaçõesque seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pes-soa que não possua a qualidade de segurado obrigatório; (Alíneaacrescentada pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

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II — na Carteira de Trabalho e Previdência Social do emprega-do ou em documento que deva produzir efeito perante a previdênciasocial, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;(Alínea acrescentada pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

III — em documento contábil ou em qualquer outro documentorelacionado com as obrigações da empresa perante a previdênciasocial, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado. (Alí-nea acrescentada pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentosmencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, aremuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação deserviços. (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciá-ria e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Artigoacrescentado pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

I — omitir de folha de pagamento da empresa ou de documentode informações previsto pela legislação previdenciária seguradosempregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autôno-mo ou a este equiparado que lhe prestem serviços: (Alínea acrescen-tada pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000)

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Assim, mesmo que se despreze toda a argumentação expendida, ain-da haveria a conexão com crimes contra a previdência social como elementogerador da competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso IV,da CF. Da mesma maneira, em alguns casos pode se configurar a conexãodos crimes contra a organização do trabalho com outros delitos federais, porexemplo utilização do trabalho escravo para promoção de desmatamento emunidades de conservação federais ou em terras indígenas.

Note-se que a conclusão derivada da conexão de crimes aplica-senão só aos insertos no Título IV do Código Penal (“Dos Crimes contra aOrganização do Trabalho”), mas também ao artigo 149 do Código Penal,catalogado como crime contra a liberdade individual. Por um lado, porque— como já mencionado — em praticamente todos os casos há conexãoentre o crime do art. 149 e os qualificados nos arts. 203 e 207. Por outro,porque também é lesada a previdência social quando alguém é reduzido àcondição análoga à de escravo, nos termos do citado art. 149.

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Finalmente, em acréscimo a todo o exposto, vale reproduzir as bemlançadas conclusões da Oficina de Trabalho “Aperfeiçoamento Legislativopara o Combate ao Trabalho Escravo”, em torno do tema da competênciajurisdicional:

“O modelo constitucional de definição da competência federalse funda em dois critérios básicos: (i) em razão da matéria expressa-mente especificada; ou (ii) do interesse da União e dos seus entes,inclusive envolvendo seus bens e direitos. A competência federal parao julgamento dos crimes contra a organização do trabalho está pre-vista especificamente no art. 109, VI da CF, nesses termos:

‘Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

VI — os crimes contra a organização do trabalho e, nos casosdeterminados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômi-co-financeira.’

Solapar a liberdade de participar do mercado de trabalho, en-trando num contrato trabalhista ou dele saindo livremente, é uma dasmaneiras de manter o cativeiro da mão-de-obra, reduzindo o trabalha-dor à condição análoga à de escravo. O trabalho, como fator de produ-ção, é um bem jurídico que não pode ser organizado sem liberdade. Aproteção desta, como dever de todos, é tarefa do Governo central.

O trabalho e a propriedade, como o capital financeiro, são ele-mentos básicos do sistema econômico, sendo todos objetos de pro-teção da ordem econômica, nos termos do art. 170, incisos II e VIII,da Constituição Federal. Ao se referir à organização do trabalho, oconstituinte não podia, logicamente, deixar de fora a questão da li-berdade do mercado da mão-de-obra, como forma de se valorizar otrabalho humano e assegurar existência digna a todos. E diferentedos crimes financeiros (relativos aos aspectos financeiros da ordemeconômica), a Constituição não exige a especificação da lei quanto àcompetência da Justiça Federal.

Pelo critério do interesse da União, objetivamente identificado,o resultado da avaliação satisfaz também ao modelo de definição dacompetência federal. O delito em exame ofende claramente interes-ses da União Federal, expressos na Constituição, já que atenta con-tra a dignidade da pessoa humana, a liberdade no trabalho, e retira afunção social da propriedade, valores que a União Federal compro-meteu-se a defender, assumindo inclusive compromissos internacio-nais, como visto. Veja-se que o art. 34, VII, b, da CF atribui mesmo aoente central o poder de intervenção nas entidades da Federação, parapreservar os “direitos da pessoa humana”.

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De outra parte, a Justiça Federal hoje encontra-se interiorizadae devidamente aparelhada para responder à questão proposta. Oquadro atual é completamente diverso daquele registrado em antigasdecisões da Suprema Corte do País (RE n. 156.527-6/PA), em que setemia a ampliação da competência da Justiça Federal, por falta demeios adequados.” (13)

4. PREVISÃO E APERFEIÇOAMENTO DE OUTRAS SANÇÕES

Além das sanções penais, acima analisadas, o combate ao trabalhoforçado imprescinde de outros sistemas punitivos que remarquem a suareprovabilidade e desestimulem a sua difusão. Vejamos.

4.1. Aperfeiçoamento da lei sobre multas administrativas

Na já referida Oficina de Trabalho na qual foram aprovadas suges-tões no campo legislativo, esse tópico foi intensamente debatido, resultan-do na proposta de modificação da Lei n. 5.889/73, que dispõe sobre o tra-balho rural, visando agravar as multas administrativas passíveis de apli-cação pela fiscalização diante dos ilícitos relacionados com o trabalho for-çado. Esta proposição foi incluída no Plano Nacional para a Erradicação doTrabalho Escravo, sendo aguardado o envio do projeto de lei ao CongressoNacional. A proposta atualmente tem a seguinte redação:

Art. 1º O art. 18 da Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973, passa avigorar com as seguintes alterações:

“Art. 18. .....................................................................................

§ 1º ............................................................................................

§ 2º .............................................................................................

§ 3º ............................................................................................

(13) Na mencionada Oficina se concluiu pela necessidade de propositura de uma emenda cons-titucional que supere a interpretação dominante, explicitando ser da competência da Justiça Fe-deral “os crimes contra a organização do trabalho, o crime de redução à condição análoga à deescravo e crimes que envolvam trabalho degradante ou forçado”. Outra solução possível, no pla-no legislativo, seria a aprovação da proposta de emenda constitucional que versa sobre afederalização da competência para o julgamento de crimes contra os direitos humanos. A esterespeito, remetemos o leitor para o artigo “Federalização da competência para julgamento decrimes contra os direitos humanos”, escrito pelo autor deste trabalho em conjunto com a juízaSimone Schreiber, disponível nos sites Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) e Carta Maior(www.cartamaior.com.br). Se não houver a preconizada e necessária revisão da jurisprudência,de fato não restará outro caminho (a não ser o legislativo) para a elucidação da problemática, emcaráter definitivo.

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§ 4º Será punido com multa de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhen-tos reais), por trabalhador, sem prejuízo das sanções penais cabí-veis, o empregador rural que, direta ou indiretamente:

I — reduzir alguém à condição análoga à de escravo:

a) mediante erro, dolo, simulação, coação ou fraude, ardil ouartifício, de modo a subtrair-lhe a livre manifestação de vontade quantoàs reais condições de trabalho que lhe foram propostas; ou

b) mediante ameaça, violência ou privação de direitos indivi-duais ou sociais, ou de qualquer outro meio que dificulte a pessoa dese libertar da situação em que se encontra; ou

c) não assegurando condições do seu retorno ao local de ori-gem; ou

d) vendendo aos seus empregados, mercadorias ou serviçoscom inobservância do § 3º do art. 462 da CLT, bem como coagindo-osou induzindo-os para que se utilizem de seu armazém ou serviçoscom o intuito de obter lucro ou mantê-los em dívida; ou

e) efetuando descontos não previstos em lei, não efetuando opagamento de débitos trabalhistas no prazo legal ou retendo docu-mentos, com a finalidade de manter o trabalhador no local da execu-ção dos serviços; ou

f) mediante a imposição de maus-tratos ou sofrimento degra-dante ao trabalhador; ou

g) vinculando contrato de trabalho, ainda que informal, a paga-mento de quantia, direta ou indiretamente ao empregador, por meiode erro, dolo, coação, simulação, fraude, ardil, artifício ou falta dealternativa de subsistência; ou

h) mediante imposição de condições penosas ou insalubres detrabalho, negando-lhe proteção mínima de vida, saúde e segurança; ou

i) mediante a omissão, a dissimulação ou negação de informa-ção sobre a localização ou via de acesso do local em que se encontrao trabalhador; ou

j) cerceando, de qualquer modo, o livre deslocamento do traba-lhador; ou

l) mantendo vigilância sobre o trabalhador com o emprego deviolência ou ameaça;

II — aliciar trabalhadores de um local para outro do territórionacional;

III — recrutar trabalhadores fora da localidade de execução dotrabalho, mediante fraude ou cobrança de qualquer dívida do traba-lhador.

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§ 5º Exaurida a via administrativa, o empregador sancionado,em qualquer das hipóteses do parágrafo anterior, não poderá recebere perderá, imediatamente, o direito a benefícios ou incentivos, fiscaisou creditícios, concedidos pelo poder público, diretamente ou atravésde agentes financeiros.

§ 6º As hipóteses do § 4º, também sujeitam o infrator aos efei-tos da rescisão indireta do contrato de trabalho, implicando no paga-mento das verbas rescisórias ocorrer em procedimento fiscal do Mi-nistério do Trabalho e Emprego, sob pena de pagamento das multasprevistas no § 8º do art. 477 da CLT.

§ 7º As multas previstas no § 4º serão aplicadas pelo DelegadoRegional do Trabalho que encaminhará, no prazo de 10 (dez) dias doseu recebimento, cópia dos autos de infração e relatório de inspeçãoà Procuradoria Regional do Trabalho e a Procuradoria da República,sob pena de responsabilidade.

§ 8º Em caso de reincidência, embaraço, resistência à fiscaliza-ção, desacato à autoridade, emprego de artifício ou simulação com oobjetivo de fraudar a lei, ou em caso de trabalho de criança ou detrabalho irregular ou ilícito de adolescente, a multa será aplicada emdobro, sem prejuízo da sanção penal cabível.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.’’

4.2. A expropriação de terras

Em segundo lugar, sugere-se a alteração do artigo 243 da Constitui-ção, que prevê: “As glebas de qualquer região do País onde forem localiza-das culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expro-priadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para ocultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indeni-zação ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Amudança objetiva inclui, como hipótese geradora de expropriação, o em-prego de trabalho forçado. Trata-se de proposição plenamente justificada,inclusive sob a ótica da proporcionalidade das sanções, uma vez que otrabalho forçado atinge, com enorme intensidade, princípios e direitosfundamentais.

Ao fundamentar esta sugestão, o documento emanado da Oficina deTrabalho consigna:

“Atualmente existe em trâmite na Câmara dos Deputados, ten-do apensadas as propostas 232/95 e 21/99, a proposta de emenda n.438/2001. A primeira de autoria do Deputado Paulo Rocha (PT) e a

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segunda do Deputado Marçal Filho (PMDB). A PEC 438/2001, deautoria do Senador Ademir Andrade, é oriunda do Senado Federal eteve seu texto já aprovado. Entretanto, nos parece que o texto apro-vado pelo Senado submete a Expropriação a um pressuposto muitoespecífico, qual seja, ser encontrados trabalhadores “… submetidos acondições análogas à escravidão…” Entendemos que vincular a ex-propriação ao próprio tipo penal poderá dificultar, sobremaneira, aaplicação do confisco legal, pois incorrerá em sério risco de se exigirum pronunciamento judicial para caracterizar a espécie e não permi-tir a aplicação do preceito constitucional de modo rápido e célere.

Todo o preceito contido no artigo 243 da Constituição Federal,no nosso entender, está voltado a possibilitar que o agente públicoaja com rapidez e eficácia imediata, pois ao tratar da questão do plantiode psicotrópicos apenas alude ao requisito de haver localização de“culturas ilegais e plantas psicotrópicas…” para serem as glebas “ime-diatamente expropriadas”.

Inserir, portanto, o tipo penal como requisito para a expropriaçãoseria frustrar a imediatidade pretendida pelo preceito constitucional.

Já a PEC 232/95 possui, no particular, uma redação mais abran-gente e consentânea com a mens legis do artigo 243 da Constituiçãoda República, quando diz: “… ou constatadas condutas que favoreçamou configurem trabalho forçado e escravo…”.

Essa redação, por conseguinte, nos parece-nos mais adequa-da e deveríamos apoiá-la através dos procedimentos por nós jáexpostos.

Seria interessante, se possível, que fosse trocada a partícula“e” para “ou”, pois não há necessidade de se configurarem ambas assituações, ou seja, trabalho escravo e trabalho forçado, bastandoapenas a confirmação de uma delas para possibilitar a expropriação.

Em resumo, o grupo apóia a iniciativa do Congresso Nacionalno sentido de que o instrumento da expropriação seja aplicado tam-bém para aqueles que se utilizam do trabalho forçado ou degradante.Havendo a possibilidade, sugerimos uma redação que permita umamaior abrangência de situações relacionadas a este trabalho escra-vo, forçado ou degradante.”

Ressalte-se que, atualmente, é possível a desapropriação, medianteindenização, das terras nas quais ocorre o trabalho forçado, com amparono artigo 186 da Constituição Federal. Com efeito, a inobservância das“disposições que regulam as relações de trabalho” constitui violação à fun-ção social que a propriedade rural deve cumprir. A utilização desta possibi-

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lidade é vista por alguns como um “prêmio” aos proprietários, em razão dosabusivos valores que as indenizações alcançariam. Tal fenômeno de fatoocorreu, no tocante a desapropriações para fins de reforma agrária e pro-teção ambiental efetivadas nos anos 80 e 90. Felizmente, contudo, altera-ção normativa introduzida por medida provisória e a revisão da jurispru-dência sobre o assunto fizeram com que abusos e/ou equívocos deixas-sem de acontecer com freqüência. Abre-se, assim, uma alternativa, quepode e deve ser utilizada enquanto se processa a tramitação das citadasPropostas de Emendas à Constituição.

4.3. Indenizações por dano moral coletivo

Trata-se de interessante vereda, aberta por iniciativa do MinistérioPúblico do Trabalho, com excelente acolhida pela Justiça do Trabalho, ha-vendo já precedentes em 2º grau de jurisdição, a exemplo do que segue,oriundo do TRT-8ª Região (julgado em 17.12.2002):

‘‘Dano moral coletivo — Possibilidade — Uma vez configuradoque a ré violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindonormas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene emeio ambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a indenizaçãopor dano moral coletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento dedignidade, falta de apreço e consideração, tendo reflexos na coletivi-dade e causando grandes prejuízos à sociedade.’’

Do voto do Relator, Juiz Luis José de Jesus Ribeiro, merecem espe-cial registro os seguintes trechos:

“Pelo que destes autos consta, a reclamada imputou a um con-junto de trabalhadores que não se pode quantificar, pois aqueles queforam indenizados restringem-se aos que estavam no local por oca-sião da fiscalização, o exercício de atividade profissional em condi-ções subumanas, pois o ambiente de trabalho não tinha a menor salu-bridade, sem instalações higiênicas, sem água potável, com trabalho acéu aberto e não eram fornecidos os equipamentos de proteção.

Essa atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta deapreço e consideração, tendo reflexos na coletividade, pois as nor-mas que regem a matéria envolvendo a saúde, segurança, higiene emeio ambiente do trabalho e do trabalhador são de ordem pública.(...)

(...) Podemos concluir, pois, que cabe ação civil pública no âm-bito da Justiça do Trabalho para a defesa judicial do meio ambientedo trabalho; e que o meio ambiente do trabalho não se limita apenas

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a condições que respeitem o meio ambiente geral, mas que estabele-çam a higidez do habitat laboral, que deve estar livre de ameaças àsaúde e à segurança dos trabalhadores.

A lesividade à saúde do trabalhador e ao meio ambiente do tra-balho tem forte carga degradante, merecendo a sanção jurídica, talcomo aplicada pelo juízo de primeiro grau.

Todos os procedimentos adotados contra os trabalhadores con-duzem a que se reconheça o dano moral coletivo, porque atingido ocomplexo social em seus valores íntimos, em especial a própria dig-nidade humana.’’

4.4. Outras sanções administrativas

Por fim, existem outros projetos de lei que merecem menção e apoio,como o de n. 2.130/96, proposto pelo deputado Augusto Nardes, que esta-belece a competência do CADE para sancionar, como ofensiva à ordemeconômica, a exploração dos trabalhos infantil e forçado. Outrossim, o Pro-jeto de Lei n. 2.022, de 1996, de autoria do Deputado Eduardo Jorge, tam-bém é bastante positivo, ao dispor sobre “vedações à formalização de con-tratos com órgãos e entidades da administração pública e à participaçãoem licitações por eles promovidas às empresas que, direta ou indiretamen-te, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços”.

A propósito desta classe de sanções administrativas, sublinhe-se quenão constituem novidade no Direito brasileiro, uma vez que já vigoram emcasos de agressões ao meio ambiente, conforme o artigo 72, caput e § 8º,da Lei n. 9.605/98:

“Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as se-guintes sanções, observado o disposto no art. 6º: (...)

XI — restritiva de direitos. (...)

§ 8º As sanções restritivas de direito são:

I — suspensão de registro, licença ou autorização;

II — cancelamento de registro, licença ou autorização;

III — perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;

IV — perda ou suspensão da participação em linhas de financia-mento em estabelecimentos oficiais de crédito;

V — proibição de contratar com a Administração Pública, peloperíodo de até três anos.”

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5. CONCLUSÃO

Como considerações finais, reportamo-nos à perfeita síntese cons-tante de documento da OIT intitulado “Não ao Trabalho Forçado”:

“Para que avanços reais sejam feitos, é imperativo que a comu-nidade global compreenda que:

• a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou com-pulsório é um pré-requisito para o alcance de objetivos mais amplosde desenvolvimento, como a agricultura sustentável e a redução dapobreza de homens e mulheres em todos os setores;

• trabalho forçado é um problema contínuo de graves propor-ções, e não uma simples relíquia dos tempos passados;

• a ação é exigida em várias frentes.” (14)

No caso brasileiro, as metas fundamentais estão corretamente fixa-das no PNDH II e no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escra-vo, podendo ser atingidas a curto e médio prazos, com pequeno empregode recursos públicos e um impacto bastante positivo. Contudo, suas eficá-cias serão muito esvaziadas se não houver a complementação com medi-das educativas e, sobretudo, com o estabelecimento de um modelo econô-mico que tenha como prioridade máxima a extensão a todos os brasileirosdos frutos do progresso material.

Para sublinhar o relevo do assunto, observemos o peso das palavrasde Joaquim Nabuco, escritas em 1883 no clássico “O Abolicionismo”: a es-cravidão “criou uma atmosfera que nos envolve e abafa todos, e isso no maisrico e admirável dos domínios da terra”. Que estas palavras ecoem sempre,enquanto houver um único trabalhador aviltado em nosso território.

(14) Não ao Trabalho Forçado. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT relativa aPrincípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Secretaria Internacional do Trabalho, 2001,p. 110.

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O TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADOPELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE

AO TRABALHO ESCRAVO E A DEFESAENDOPROCESSUAL DA EXCEÇÃO

DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

Cícero Rufino Pereira(*)

1. INTRODUÇÃO

Como Coordenador Regional, no Estado de Mato Grosso do Sul, da“Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo e Regularização do Tra-balho Indígena”, preocupa-me, sobremaneira, a forma como as empresasque tenham ou tiveram em suas instalações trabalhadores submetidos àcondinação análoga à de escravo (ou que estiveram sob a égide das for-mas comtemporâneas — “modernas” — de escravidão) têm se utilizado deinstrumentos jurídicos inidôneos (como, por exemplo, a exceção de pré-executividade) para tentar afastar a execução dos TACs (Termos de Ajustede Conduta), furtando-se, assim, ao pagamento das multas, bem como aocumprimento das obrigações de fazer e não fazer inseridas neste tipo detítulo executivo extrajudicial, quando os mesmos são inadimplidos.

Tal tipo de procedimento por parte destas “empregadoras”, leva-nosa refletir, num primeiro momento, sobre a efetividade de se firmar Termosde Ajuste em tais casos e, num segundo momento, a questionar, cientifica-mente, se, por acaso, especificamente a exceção de pré-executividade ca-beria em face dum título executivo extrajudicial de grande relevância social(ao tentar coibir o trabalho forçado), como é o caso dos citados Termos deAjuste de Conduta.

(*) Procurador do Trabalho no Estado de Mato Grosso do Sul, exercendo a função de Procurador-chefe substituto. Professor de Direito Processual do Trabalho e de Direito Previdenciário na Univer-sidade Católica Dom Bosco (Campo Grande/MS), da EMATRA (Escola da Magistratura Trabalhistado TRT-24ª Região), bem como de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Ex-Fiscal doTrabalho e ex-Procurador Autárquico do INSS, ambos cargos exercidos em São Paulo/SP.

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Este trabalho é uma tentativa de colaborar com o debate sobre o temae, principalmente, contribuir para o raciocínio crítico dos operadores dodireito, os quais devem manter a capacidade de indignação diante do tra-balho escravo, verdadeira chaga social imperante no no Brasil, em plenoséculo XXI, como também devem ter o cuidado de, ao efetuar o seus miste-res, preocupar-se, previamente, com as conseqüências de sua peça admi-nistrativa ou processual e com a necessidade de precisar susentá-la nofuturo, deixando-a a salvo dos ataques jurídico-processuais que as mes-mas poderão vir a sofrer.

O presente artigo irá tratar, ainda que sucintamente, acerca da ques-tão da existência e do combate ao trabalho escravo (ou trabalho forçado,como preferem alguns), da questão da exceção (ou objeção, como a dou-trina tem, mais tecnicamente, chamado) de pré-executividade e, finalmen-te, tentar traçar aspectos relevantes acerca do enfrentamento desta última,em face de ação de execução fundada em título executivo extrajudicial,especificamente o Termo de Ajuste de Conduta firmado perante o Ministé-rio Público do Trabalho.

2. DO TRABALHO ESCRAVO

Num primeiro momento, esclareço que, apesar dos valiosos ensina-mentos dos defensores da tese de que o tema em tela deva ser cognominadode “trabalho forçado”, prefiro nominá-lo de “trabalho escravo”, ante o maiorgrau de indignação que esta expressão traduz. Grau de indignação de sumaimportância para que toda a sociedade nacional (e não apenas os profis-sionais do direito que se debrucem sobre o tema) lute, diuturnamente, paraafastar este verdadeiro “cancro” da vida brasileira.

Por primeiro, cumpre salientar que, como se sabe, a caracterizaçãoda moderna forma de escravidão no Brasil dá-se, via de regra, através daretirada do trabalhador de seu local de origem; trabalhador este aliciado(enganado em sua falta de conhecimento da lei e na sua boa-fé) pelo em-pregador (ou por um seu “atravessador ou intermediador de mão-de-obra”,também chamado de “gato”), com promessas de bons salários, boas condi-ções de trabalho e com a garantia de poder retornar para sua terra natal,após o término da safra ou da “empreitada” ou, ainda, da produção quepactua.

Todavia, ao chegar no local de trabalho, vê o labutador espezinhadodos mais comezinhos princípios de justiça e de dignidade da pessoa hu-mana: vê-se diante de condições de trabalho inóspitas, “alojamentos” semum mínimo de higiene e de codições de habitabilidade; o valor do “salário”decai, às vezes, a um décimo do combinado na origem; é obrigado a com-prar mantimentos e produtos de uma forma em geral, inclusive ferramentas

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e equipamentos de proteção individual, os quais, por imposição legal, de-vem ser fornecidos, gratuitamente, pelo empregador, no “armazém” da fa-zenda (tendo que comprar todos os gêneros através de vales ou cupons,caracterizando o odioso truck-system, repelido pelo direito. Tais produtos,como se sabe, têm preços muitas vezes superiores ao real, iniciando-seuma verdadeira “escravidão por dívida” (o que tradicionalmente se chamoude “servidão por dívida”), remetendo-se a práticas antigas e medievais, háséculos conjurada pelos países ditos civilizados.

A conclusão desta tal ordem de coisas é que o empregado estarádevendo ao patrão bem mais do que ganha, sentindo-se constrangido,moralmente, e muitas vezes, com o uso de armas, a ficar eternamente nes-te círculo vicioso, como que “reduzido à condição análoga à de escravo”,jamais podendo deixar de trabalhar para aquele “empregador”, abando-nando assim, sem sua vontade, família, amigos e parentes do local de ondeemigrou.

A situação supra-referida caracteriza o desrespeito quer aos direitose interesses individuais homogêneos, quer coletivos, quer difusos.

O professor e Procurador do Trabalho Jairo Sento Sé, em seu livro“Trabalho Escravo no Brasil”, São Paulo: LTr, 2001, pontifica:

“Quanto ao trabalho escravo, nos moldes encontrados nos diasatuais, boa parte da doutrina o considera como sendo exemplo deviolação de interesse difuso. É o caso de Ives Gandra da Silva MartinsFilho, Rodolfo de Camargo Mancuso, Adriana Maria de Freitas Tapetye Douglas Alencar Rodrigues. Entretanto, voltamos a afirmar, ele podeser caracterizado como qualquer das três manifestações em que seapresentam os interesses meta-individuais, dependendo de como seconfigure o caso concreto”. Esclarece mais, que, “de qualquer forma,diante do prejuízo a que todos os trabalhadores em tela (submetidosao trabalho forçado, esclarece-se) estão submetidos, bem como danecessidade de se coibir a mesma prática no tocante a todos os tra-balhadores que possam vir a ser trazidos e tratados nas mesmascondições supranarradas, ocasionados pelas violações à legislaçãoque rege os direitos trabalhistas’’; temos, em conclusão, que estamosdiante de violações a interesses coletivos e difusos dos trabalhado-res e da própria sociedade, que necessita ser coibida e corrigida atra-vés da Ação Civil Pública.

Ora, como bem ficou aqui definido, uma forma de se coibir o trabalhoescravo é a partir da atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), oqual terá na Ação Civil Pública Trabalhista o instrumento adequado paracoibir as lesões a quaisquer interesses difusos ou coletivos, na forma doinciso IV, do art. 1º, da Lei n. 7.347/85 (atualizada pela Lei n. 8.078/90).

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Bem se sabe que o Ministério Público, como guardião da ordem jurí-dica, tem como função institucional a defesa de certos valores eleitos pelaConstituição como fundamentais ao Estado Democrático de Direito, entreos quais os direitos difusos e os coletivos. Versa a Carta Política Nacional:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essen-cial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa de or-dem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indivi-duais indisponíveis.

....................................................................................................

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:....................................................................................................

III — promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de ou-tros interesses difusos e coletivos” (grifo nosso).

A Lei Orgânica do Ministério Público da União, por sua vez, confereao Ministério Público do Trabalho as seguintes atribuições:

“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercíciodas seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

I — promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constitui-ção Federal e pelas leis trabalhistas;

...................................................................................................

III — promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Tra-balho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitadosos direitos sociais constitucionalmente garantidos.”

A mesma lei — Lei Complementar n. 75/93 — traz em seu art. 84,caput, que ao Ministério Público do Trabalho (obviamente por ser um dosramos do Ministério Público da União, conforme o art. 128, I, b, da CF)incumbe “exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III eIV do Título I” da referida lei.

No mencionado Capítulo II, do Título I, da Lei Orgânica do MinistérioPúblico da União, dispõe o art. 6º:

“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

....................................................................................................

VII — promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

....................................................................................................

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos,sociais, difusos e coletivos.”

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Por outro lado, se a ação civil pública é o remédio processual para seatacar o trabalho escravo no Brasil, por sua feita, o seu corolário, no âmbitoadministrativo, é, justamente, o Inquérito Civil Público (ICP).

O Inquérito Civil deverá terminar, necessariamente, ou com o ajuiza-mento da ação civil ou a feitura de um Termo de Ajuste de Conduta, noqual, a empresa desrespeitante dos direitos humanos e trabalhistas, pac-tua, sob pena de multa (astreintes) por descumprimento de obrigaçõesde fazer ou de não fazer, omitir-se de praticar atos que caracterizam o tra-balho forçado, bem como a obedecer, doravante, a legislação trabalhista.

Muitas vezes, até para o Procurador do Trabalho oficiante no ICP,instaurado para combater as formas modernas de escravidão é mais inte-ressante e produtivo firmar o TAC, a ter que ajuizar a ACP, com todas asdelongas e dificuldades de produção de prova que este tipo de remédiojurídico impõe. Sem se falar da necessidade preemente de convencer a“empresa” inquirida de pagar os direitos trabalhistas dos empregados es-poliados, bem como devolvê-los a seu local de origem.

Daí, muitas vezes, o caminho mais pragmático a se seguir é o de sefirmar o Termo de Ajuste de Conduta, em detrimento da Ação Civil Pública.Até porque, o Termo de Ajuste tem força cogente de Título Executivo Extra-judicial, o que já era admitido pela doutrina e jurisprudência e encontroulegitimação legal na Lei n. 9.958/2000, a qual deu nova redação ao artigo876 da CLT.

Ter-se-á então (por ser o Termo de Ajuste um título executivo extraju-dicial), a possibilidade de se ajuizar, diretamente (sem a necessidade doprocesso de conhecimento da ação civil pública), uma ação de excuçãopor descumprimento do mesmo, buscando obrigar a empresa executadaque tenha desrespeitado o termo de se abster de atividades caracterizado-ras de forma moderna de escravidão (ou que voltou a descumprir a legisla-ção trabalhista) e adimplir todo o pactuado, sanando as irregularidades econsertando os estragos por ela perpetrados contra os trabalhadores.

Em conclusão, estreme de dúvidas que o Termo de Ajuste de Condu-ta é um instrumento e um remédio jurídico útil e hábil a combater as frau-des trabalhistas e ofensas aos direitos humanos, sob a faceta do trabalhoforçado ou escravo.

3. DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

A parte que no processo tem contra si (ou em face de si) um título execu-tivo (judicial: decorrente de um decisão processual, ou extrajudicial: decorren-te dum documento formado fora do processo, documento este ao qual a leiatribui eficácia executiva) é denominado, genericamente, de executado.

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A forma de defesa através da qual o executado opõe-se à execuçãopode ser própria ou imprópria. A primeira é a que tem regramento específicono ordenamento jurídico pátrio; serve de exemplo os Embargos à Execução(artigo 736 e seguintes do CPC e 884 e seguintes da CLT, para o caso doprocesso do trabalho). A segunda é defesa que não encontra previsão expres-sa na lei; serve de exemplo, exatamente, a Exceção de Pré-Executividade.

Dentre as defesas impróprias há a divisão entre as ações autônomasprejudiciais à execução — também chamada de defesa heterotópica (exem-plos: ação rescisória, ação anulatória, mandado de segurança etc.) e defesaendoprocessual (expressão também usada como sinônimo de exceção depré-executividade), a qual ocorre no bojo do próprio processo de execução.

Sandro Gilbert Martins, em seu livro “A defesa do executado por meiode ações autônomas — defesa heterotópica”, São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2002, pág. 260, define, sucintamente, a Exceção de Pré-executividade, in verbis:

“... é a defesa do executado que tem por objetivo impedir o inícioou o prosseguimento dos atos executivos que não estão em confor-midade com os ditames legais. Somente deve encontrar limitação noplano vertical de sua cognição (sumária), o que implica não ensejarcerteza sobre a relação jurídica de direito material que através delavenha a ser discutida, isto é, não produz coisa julgada material.”

Em outras palavras, é a Exceção de Pré-Executividade uma forma doexecutado, por simples petição (sem que seja obrigada a garantir o juízo,com depósito em dinheiro ou indicação de bens à penhora, como ocorre comos Embargos à Execução) informar ao juízo da execução que o títuloexecutivo a aparelhar o processo de execução não preenche os requisitosindispensáveis para tal: liquidez, certeza e exigibilidade (artigo 586 do CPC),ou, reforçando-se estes requisitos, a execução padeça de nulidades que aferem de morte: ausência de um dos pressupostos processuais ou condi-ções da ação para tornar válido e regular o processo de execução (ou afase executória, para o processo do trabalho); portanto, matérias cognoscí-veis de ofício pelo juiz da causa. Em se tratando de título excutivo extraju-dicial (como no caso do Termo de Ajuste de Conduta firmado perante oMPT, conforme alhures referido), o remédio processual em tela deve atacara higidez do título já aqui referida (liquidez, certeza e exigibilidade).

A doutrina critica tanto o termo “exceção”, como o termo “objeção” oumesmo “oposição”, no tocante à pré-executividade. Sérgio Pinto Martins,em sua obra “Direito Processual do Trabalho”, São Paulo: Editora Atlas,2003, 19ª ed., pág. 612, vaticina:

“Não se pode falar em exceção de pré-executividade, pois aexceção, no sistema processual brasileiro, diz respeito a impedimento,

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suspeição ou incompetência e não a outras hipóteses. Exceção su-gere defesa. Não poderia ser, em princípio, conhecida de ofício. Ob-jeção também envolve matéria de defesa ou preliminar, como era nosistema do CPC de 1939. O termo oposição é incorreto, visto que dizrespeito à modalidade de intervenção de terceiros. Melhor falar ape-nas em pré-executividade.”

Nelson Nery Junior, citado por José Reinaldo Coser, no livro “Da Ex-ceção de Pré-Executividade e dos Títulos Executivos”, Campinas/SP: Edi-tora Servanda, 2003, pág. 331, é categórico em afirmar:

“a expressão objeção de pré-executividade é a mais adequada,já que o termo ‘exceção’ sugere que se trate de matéria de defesa,e, portanto, não passível de ser conhecida de ofício e sujeita àpreclusão.”

Nesta mesma obra, cita-se o Professor José Carlos Barbosa Moreiratambém critica o termo “exceção”, mas também o faz quanto ao termo “pré-executividade”, pois o substantivo abstrato “executividade” indica a quali-dade do que é executivo; como esta característica é própria do processo edo título (executivos), o prefixo “pré” os atingiria, levando a pensar em pro-cesso pré-executivo ou título pré-executivo, em evidente inadequaçãoterminológica.

Daí, José Reinaldo Coser, na obra citada, pag. 332, concluir que asexpressões “mais oportunas e técnicas” seriam: “objeção de não-executivi-dade” ou “objeção à executividade”, por entender que melhor exprimem anegativa da executividade, a qual deveria ter sido conhecida de plano pelojuiz, não o sendo, o executado deve apontá-la, através do remédio jurídicoem tela.

De qualquer forma, imperfeições terminológicas à parte, o que impor-ta, para se esgrimir o expediente da “exceção de pré-executividade”, comobem afirma Humberto Teodoro Junior, citado por Coser (obra supra, pág.333), é que o título executivo deve mostrar-se “visivelmente nulo” “ou mani-festamente ilegítima a parte contra quem se intenta a execução”, “ou ainda,estando a relação processual contaminada de nulidade plena e ostensiva”.

Reinterando-se e reforçando-se o que até aqui foi dito, a pré-executi-vidade ou a objeção à executividade (fazendo-se um paralelo e ao mesmotempo uma “oposição” aos embargos à execução), somente é cabível emcaso de matéria de ordem pública, que poderia ter sido conhecida “de ofí-cio” pelo juiz. Além disso, é incabível a exceção oposta quando sua deci-são depender de análise mais profunda, ou seja, de dilação probatória.

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Marcos Araújo, em obra coordenada por Maria do Perpétuo SocorroWanderley de Castro (1), leciona que ‘‘... a objeção de não-executividade temlugar nas hipótese em que caberia ao juiz, de ofício, conhecer da matéria,mesmo sem provocação da parte interessada, mais especificamente aque-las que importem em ausência de pressupostos de constituição e desen-volvimento válido e regular do processo de execução”.

E continua: “O juiz, atento aos preceitos processuais, somente deferi-rá o pedido em objeção da não-executividade quando, de plano ou pelaprova suscinta produzida pelo executado, vislumbrar a inexorável improce-dência da execução encetada. Havendo a mínima dúvida, ou sendo a ma-téria afeta ao mérito da causa debendi, com possibilidade de manutençãodo título executivo ou reconhecimento da relação jurídica que lhe deu ori-gem, deverá, por prudência, reservar a discussão da matéria para os com-petentes embargos”.

Estêvão Mallet, em trabalho coordenado por José Affonso DallegraveNeto e Ney José de Freitas(2) expõe que ‘‘... em síntese, a oposição à execu-ção, deduzida independentemente de embargos e sem necessidade de ga-rantia do juízo, em rigor não abrange outras matérias que não as relacionadascom os pressupostos processuais e as condições da ação de execução”.

Manoel Antônio Teixeira Filho, em sua famosa obra “Execução no Pro-cesso do Trabalho” obtempera que ‘‘... referida exceção se destina, funda-mentalmente, a impedir que a exigência de prévio garantimento patrimo-nial da execução possa representar, em situações especiais, obstáculo in-transponível à justa defesa do devedor, como quando pretenda alegar nuli-dade do título judicial; prescrição intercorrente, pagamento da dívida, ilegi-timidade ativa e o mais. É importante assinalar, portanto, que a exceção depré-executividade foi concebida pela doutrina para atender a situações ver-dadeiramente excepcionais, e não para deitar por terra, na generalidadedos casos, a provecta imposição legal da garantia patrimonial da execu-ção, como pressuposto para o oferecimento de embargos pelo devedor”.(3)

A jurisprudência também não discrepa do que foi aqui verificado, inverbis:

“Exceção de pré-executividade. Cabimento e recorribilidade noProcesso do Trabalho. A chamada exceção de pré-executividade cons-titui inovação doutrinária pela qual se pretende a cognição de temasobstativos da execução sem que seja necessária a garantia do juízo.

(1) Processo de Execução — Homenagem ao Ministro Francisco Fausto, LTr, pág. 166, São Paulo,2002.(2) Execução Trabalhista — Estudos em homenagem ao Ministro João Oreste Dalazen, LTr, pág.118, São Paulo, 2002.(3) LTr, 7ª edição, revista e atualizada, pág. 600, São Paulo, 2001.

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Seu uso indiscriminado, entretanto, tem causado graves prejuízos àceleridade necessária ao processo do trabalho, e por isso deve serrestrita somente àquelas situações em que se pode aferir, de plano,pelo descabimento da execução da forma como processada. (...) Qual-quer situação que depende de uma cognição abrangente, inclusivecom coleta de provas orais, refoge totalmente à pertinência da ditaexceção, e por isso não se deve processar medida nesse sentido ...”(TRT 15ª Região — Processo 021394-2001-9 — 3ª Turma — RelatorJuiz Carlos Eduardo Oliveira Dias — publicado no DOESP de18.2.2002).

“Mandado de segurança. Exceção de pré-executividade. A ex-ceção de pré-executividade, por construção doutrinária e jurispruden-cial, é cabível em execução de sentença, no processo do trabalho,sem a obrigatoriedade da garantia do juízo, quando alegadas a nuli-dade da execução, pagamento, transação, prescrição (intercorrente),novação — enfim, envolventes de outras matérias dessa natureza,capazes, muitas delas, de extinguir a fase de execução. Se todavia,desejar provar fatos em que funda sua alegação, ou a matéria jurídi-ca que pretenda suscitar exigir elevada reflexão, ou se controvertida,então deverá valer-se a parte dos embargos à execução, nos termosdo art. 884, caput, da CLT, pois este: a) comporta uma fase cognitivaincidental, que pode envolver fatos (CPC, art. 740, caput); b) é o foroapropriado para reflexões mais aprofundadas” (TRT 23ª Região —MS 0261/2001 — Relatora Juíza Maria Berenice — publicado no DJMTno dia 9.07.2001, pág. 22).

“Agravo de petição. Exceção de pré-executividade. Cabimentono Processo do Trabalho. Hipóteses. Natureza da decisão prolatada.Admite-se a utilização da exceção de pré-executividade, no processodo trabalho, sem a exigência da garantia do juízo, para atender situa-ções verdadeiramente excepcionais e especialíssimas, nas quais sediscutam as condições da ação, os pressupostos de constituição ede desenvolvimento válido e regular do processo, bem como outrasquestões que impliquem nulidade absoluta do processo executivo ousua própria extinção e, ainda, matérias de mérito que importem emprejuízo definitivo à execução, tais como o pagamento, transação ouquitação dos débitos em execução. Em não se constatando as hipó-teses acima elencadas, a via processual deve ser a dos embargos àexecução, com a regular garantia do juízo da execução” (TRT da 23ªRegião — Processo AP n. 1.810/2000 — Relator Juiz Bruno Weiler —publicado no DJMT de 16.11.2000, pág. 30).

Aliás, a preocupação por mim externada, na introdução destetrabalho, é compartilhada no seio do MPT. Senão vejamos as profícuas

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palavras de Eduardo Varandas Araruna (4), o qual vê a necessidade dese manter no processo de execução na sua devida seara, eis que omesmo tem natureza diversa da do processo de conhecimento. Vati-cina o Procurador do Trabalho que “ao se admitir ampla abertura parao contraditório dentro do processo de execução, estar-se-á esvazian-do a sua própria finalidade e transformando-o em processo de co-nhecimento complementar, o que acabaria por comprometer a efeti-vidade da jurisdição e a credibilidade do poder judiciário”. (g.n.)

O magistério de Humberto Theodoro Júnior indica que ‘‘... se houvernecessidade de maior pesquisa probatória, não será própria a exceção depré-executividade. As matérias de maior complexidade, no tocante à análi-se do suporte fático, somente serão discutíveis, dentro do procedimentoregular de embargos”.(5)

Bem se vê que a exceção de pré-executividade é instrumentoexcepcionalíssimo para se afastar a constrição judicial sobre os bensdo devedor (mesmo sendo este o executado em ação de execução deTAC — Termo de Ajuste de Conduta — firmado perante o Ministério Públi-co do Trabalho).

O problema é se admitir que tal instrumento excepcional possa seresgrimido em face de TAC que tenha sido firmado para coibir o trabalhoescravo ou forçado.

De qualquer sorte, é necessário que o operador do direito tenha “co-nhecimento de causa”, ainda que perfunctório, acerca do instituto proces-sual aqui tratado, bem como do modus operandi da consecução do traba-lho escravo ou forçado no Brasil (na acepção das “formas modernas deescravidão”, mormente a “servidão por dívida”), para que, ao atuar, admi-nistrativa ou judicialmente, possa se precaver e antecipar os passos dosempregadores/empresas desrespeitantes dos direitos trabalhistas e atinen-tes à dignidade humana.

4. CONCLUSÃO

Estreme de dúvidas que o tema aqui tratado é por demais atual epreocupante, tanto o combate ao trabalho escravo/forçado, como a utiliza-ção de moderníssimos instrumentos de protelação da execução (no caso,a “exceção de pré-executividade”, a qual, de tão indefinida, sequer tem onomen iuris reconhecido, ainda que de forma majoritária, pela doutrina ejurisprudência pátrias).

(4) Procurador do Trabalho. Professor do Centro Universitário de João Pessoa. Mestrando emCiências Jurídico-Processuais pela Universidade de Coimbra — Portugal. Palavras extraídas doartigo “A Execução do Termo de Ajuste de Conduta: Assuntos Polêmicos”, publicado na Revistado Ministério Público n. 23, Ano XII, em Março/2002, Editora LTr, pág. 26, Brasília, 2002.(5) Processo de Execução, 20ª edição.

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Uma primeira providência para se precaver contra tais insurgênciasprocessuais, não somente no combate ao trabalho escravo, mais de umaforma em geral, é ficar atento às cláusulas dos Termos de Ajuste de Condu-ta, evitando-se determinações dúbias ou procedimentos que possam levara alegações do artigo 586 do CPC, quais sejam, de incerteza, iliquidez ouinexigibilidade do título executivo extrajudicial que é o TAC (artigo 876 daCLT). Vale dizer, deve-se evitar questões que possam tornar nulo ou inexis-tente o título executivo em tela.

Ao depois, é importante, em eventual manifestação em face da “exce-ção/objeção ou oposição” de pré-executividade (ou “objeção à executivida-de”, expressão que prefiro), requerer-se a condenação do executado, anteo total e flagrante incabimento do remédio processual utilizado, por “abusode direito de defesa”. Tal condenação pode ser em indenização por perdase danos, por litigância de má-fé (artigo 18 do CPC), multa (artigo 601 doCPC) ou, se for o caso e cabível, concessão de tutela antecipada em favordo exeqüente (artigo 598 c/c. 273 do CPC).

Finalmente, após a decisão acerca da exceção de pré-executividadee já em sede de contestação aos Embargos à Execução (os quais, certa-mente, serão ajuizados pelo executado, após ver sua “pré-executividade”afastada), deve-se, preliminarmente, argüir o não cabimento dos Embar-gos, por intempestivos, eis que, segundo Sérgio Pinto Martins, na obra su-pracitada, pág. 613, “a pré-executividade não suspende a exigibilidade dotítulo”, pois, na dúvida quanto ao cabimento da “objeção à executividade”,o mais adequado é a parte opor embargos à execução, do contrário, perde-rá o prazo para oferecê-los.

Todos os cuidados aqui referidos, dentre outros, têm sua importânciadestacada ao se tratar da chaga que é o trabalho escravo no Brasil, paraque o Ministério Público do Trabalho (MPT), juntamente com seus parcei-ros institucionais: Justiça do Trabalho, Polícia Federal, Ministério do Traba-lho e Emprego, Ministérios Públicos Estaduais e outros, possa contribuirpara a extirpação do cancro social que é o trabalho forçado (ou escravo),em busca do total respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitossociais do homem-cidadão-trabalhador brasileiro.

5. BIBLIOGRAFIA

ARARUNA, Eduardo Varandas, A execução do termo de ajuste de conduta: pontospolêmicos, in Revista do Ministério Público do Trabalho, ano XII, março, 2002.São Paulo: Editora LTr, 2002.

COSER, José Reinaldo. Da exceção de pré-executividade e dos títulos executivos.Campinas: Editora Servanda, 2003.

MARTINS, Sandro Gilbert. A defesa do executado por meio de ações autônomas —defesa heterotópica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. São Paulo: Editora Atlas,19ª ed., 2003.

SÉ, Jairo Sento. O trabaho escravo no Brasil. São Paulo: Editora LTr, 2001.

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TRABALHO ESCRAVO. UMA CHAGA ABERTA.OFICINA DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 2003

Maurício Pessoa Lima(*)

A princípio cabe advertir que o presente texto não é um artigo cientí-fico, nem pretende discutir questões acadêmicas acerca do tema. Trata-sede um relato, de um testemunho de quem já acompanha a problemáticarelativa ao trabalho escravo há alguns anos, e esteve presente no FórumSocial Mundial no ano de 2002, quando também foi realizada uma oficinasobre o mesmo tema.

Decorrido pouco mais de um ano constatamos que muito do que ali foidiscutido não teve qualquer registro, motivo que nos incentivou a relatar,mesmo que superficialmente, os principais fatos ocorridos na Oficina de 2003.

No dia 25 de janeiro deste ano realizou-se no III Fórum Social Mundi-al, na cidade de Porto Alegre — RS, a Oficina “Trabalho Escravo. Uma Cha-ga Aberta”, com a participação de várias entidades governamentais e não-governamentais, ocasião em foram efetivadas várias denúncias e aponta-das algumas soluções. O evento foi um dos mais concorridos, lotando oSalão de Atos da PUC-RS, cuja capacidade é de 1.700 pessoas.

A Oficina foi dividida em três momentos: 1º — Quem é o escravo?; 2º— Quem escraviza? e 3º — O que liberta?

Primeiro momento: Quem é o escravo?

Este tópico iniciou com a exposição de Dom Tomáz Balduíno, repre-sentante da Comissão Pastoral da Terra, para quem os trabalhadores sub-metidos às modernas formas de escravidão são vítimas de um mercadofinanceiro incondicionado, sem restrições, que gera um aumento dos mise-ráveis, potenciais vítimas dessa situação.

(*) Procurador do Ministério Público do Trabalho, Mestre em Direito Público pela UFPE, Professorda disciplina de Processo do Trabalho no UNICEUMA e Delegado da Escola Superior do Ministé-rio Público da União no Fórum Social Mundial 2003.

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Em seguida manifestou-se a Auditora Fiscal Marinalva Cardoso Dantaspertencente ao Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho eEmprego, e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais doTrabalho — SINAIT.

Após um breve balanço da atuação do grupo móvel, referida auditoraafirmou que diante de sua atuação direta com os trabalhadores vítimas daescravidão pôde constatar que a principal causa do problema é a fome queainda caracteriza determinadas regiões do país. Traçou também um perfildo cidadão brasileiro que é submetido a condições degradantes de traba-lho afirmando que a maioria, cerca de 60%, são nordestinos, relatando quetambém são encontrados índios, crianças, ex-garimpeiros, portadores dedeficiência, imigrantes clandestinos, prostitutas, foragidos da justiça eflagelados.

Em seguida foi projetado um filme com excertos de algumas missõesdo Grupo Móvel de Fiscalização, de onde destacamos alguns relatos emo-cionantes, de trabalhadores espancados apenas por pedirem água limpapara beber, trabalhador que exibia vários hematomas decorrentes de umasurra com facão, trabalhadores com carrapatos, doentes em virtude da pés-sima qualidade da comida, outros com as mãos em estado deplorável e atédenúncias de assassinatos. Um quadro inacreditável.

Dentro do mesmo subtópico falou o Procurador Regional do Trabalhono Estado do Pará, Dr. Lóris Pereira Júnior, que ressaltou a importância dasformas extrajudiciais para a solução do problema, principalmente a adoçãode políticas públicas, bem como relatou o revigoramento da atuação do Mi-nistério Público do Trabalho com as recentes decisões que reconheceram aexistência de dano moral coletivo nos casos de trabalho escravo.

Ressaltou ainda os recentes avanços no combate a essa mazela,destacando a participação de Procuradores do Trabalho nas missões doGrupo Móvel, e o engajamento da Justiça do Trabalho, principalmente daVara Itinerante, que propicia a verificação in loco das condições de traba-lho dos obreiros escravizados ou submetidos a maus-tratos.

Destacou também que a Justiça do Trabalho do Pará vem se valendode moderno convênio com o Banco Central que viabiliza o bloqueio de va-lores dos empregadores responsáveis pelo trabalho escravo, de forma apropiciar célere resolução das ações coletivas ajuizadas pelo MinistérioPúblico do Trabalho. Noticiou que recentemente foi determinado o bloqueiode R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais) direto na conta bancária de umfazendeiro, quando a Vara Itinerante ainda se encontrava na fazenda, utili-zando uma conexão pela internet, sendo que no mesmo dia o fazendeiroprovidenciou o pagamento em espécie de todos direitos trabalhistas dosempregados libertados. O relato foi efusivamente aplaudido pelos presen-tes no auditório.

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Concluiu o membro do Parquet ressaltando a importância da atuaçãoarticulada do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público doTrabalho e da Justiça do Trabalho, destacando sua admiração pelos audito-res do Grupo Móvel por sua “seriedade, determinação e resistência física”pois fazem um trabalho abnegado, recebendo parcas diárias e submeten-do-se ao desconforto do trabalho no campo.

Encerrando o primeiro momento da oficina falou o Presidente da As-sociação Nacional dos Juízes do Trabalho — ANAMATRA, Dr. Hugo Caval-canti Melo Filho que destacou o número insuficiente de fiscais para cobrir agrande extensão territorial brasileira. Teceu elogios à atuação do MinistérioPúblico nessa seara e conclamou a Justiça do Trabalho a se engajar naluta contra as teses preconizadoras da retirada de garantias trabalhistassob pena de se ampliar o contingente de trabalhadores em estado degra-dante e escravo.

No intervalo para o momento seguinte falou o Dr. Nilmário Miranda,Secretário Nacional de Direitos Humanos, afirmando que a forma contem-porânea de escravidão é tão indigna quanto a escravidão formal, agravadaporque se dá num Estado de Direito. Rendeu homenagens ao Padre RicardoRezende que teve de se ausentar do Pará por ter sido ameaçado de morteem virtude de sua luta contra o trabalho escravo. Registrou ainda que umadas prioridades do Presidente Luís Inácio Lula da Silva é a erradicação dotrabalho escravo no Brasil, asseverando que já dispõe de informações acercados municípios do Maranhão e Piauí onde os trabalhadores são aliciados,e que serão adotadas políticas públicas nos municípios de origem e re-pressão nos locais onde se concentram os focos de trabalho escravo, res-saltando ser imprescindível a desapropriação das fazendas onde for en-contrado trabalho escravo.

Segundo momento: Quem escraviza?

Dando início ao segundo momento falou o Dr. Roberto de FigueiredoCaldas, representado a OAB e a Associação Brasileira dos Advogados Tra-balhistas. Afirmou que o capital desregrado, a fome e a impunidade levamàs formas modernas de escravidão, exortando que não basta modificar asleis sem lhes dar efetividade e que a morosidade do Judiciário contribuipara esse estado de coisas.

Em seguida tivemos o pronunciamento do Juiz Flávio Dino de Castroe Costa, representando a Associação dos Juízes Federais. Apontou o ma-gistrado maranhense que a brutal concentração de renda e as desigualda-des regionais também levam às modernas formas de escravidão. Destacouque a maioria dos municípios com piores Índices de Desenvolvimento Hu-mano — IDH estão situados nas regiões Norte e Nordeste, onde encontra-mos 80% do trabalho escravo no Brasil. Também apontou como focos do

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problema as regiões de expansão das fronteiras agrícolas e os grandesprojetos para exportação baseados na produção de carvão. Defendeu ahumanização do mercado e condenou a coisificação do homem.

Ato contínuo palestrou a Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge, Procura-dora do Ministério Público da União, representando a Escola Superior doMPU e a Associação dos Procuradores da República dentre outras institui-ções, fazendo uma análise evolutiva da escravidão no Brasil, buscandodemonstrar as origens históricas do problema até a moderna servidão pordívida. Afirmou que as compensações financeiras incentivam o uso e des-carte do ser humano nos empreendimentos e projetos agrícolas, ressaltan-do que a sujeição à condição análoga à de escravo decorre da fome, damiséria, da falta de educação, da grilagem de terras, do porte ilícito dearmas, da sonegação de impostos e da lavagem de dinheiro. Noticiou quea Procuradoria da República está investigando a utilização de financiamen-tos oficiais em empreendimentos onde foi encontrado trabalho escravo einformou que a federalização dos crimes decorrentes do trabalho escravofoi objeto de recentes decisões judiciais, firmando-se a competência daJustiça Federal. Arrematou afirmando que a solução para o problema pas-sa por sua inclusão na pauta política do país.

Exposição que também causou muita emoção foi a do Dr. RicciottiPianna Filho, Médico do Trabalho também integrante do Grupo Móvel deFiscalização, que fez a projeção de várias fotos colhidas durante açõesfiscais que participou. Foram imagens fortes de trabalhadores transporta-dos em caminhões apropriados para gado, alojados como bichos em chãode terra batida, em currais e em depósitos de agrotóxicos, sem água potá-vel para beber, sem os mais básicos equipamentos de proteção individual.Documentou também o trabalho de crianças na colheita de pimenta noMunicípio de Açailândia — MA e na quebra do coco babaçu no Municípiode Chapadinha-MA. Testemunhou já ter encontrado trabalhadores commalária no meio da mata sem socorro médico, vários trabalhadorescom hanseníase (lepra) em alojamentos coletivos, outros contaminados comagrotóxico, vários trabalhadores acidentados sem socorro além de já terconstatado um esquema de fornecimento de bebidas alcóolicas como for-ma de pagamento, resultando na dependência química (alcoolismo) dostrabalhadores.

Ao falar sobre os modernos senhores de escravo o Frei Henri Burindes Roziers, da Comissão Pastoral da Terra afirmou existir dois grupos defazendeiros: o médio fazendeiro que se utiliza do sistema de cantina, andaarmado e espanca os trabalhadores, e o grande fazendeiro que terceirizaou empreita os trabalhos nas suas fazendas através dos chamados “gatos”(empreiteiros) onde se constata o mesmo quadro de violência e explora-ção. Denunciou que o problema persiste devido à impunidade, mas reco-nheceu os recentes avanços no trabalho dos órgãos envolvidos. Defendeuo desenvolvimento do sul do Pará com dignidade.

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Encerrando o segundo momento representando a ANAMATRA tive-mos a exposição do Juiz do Trabalho Jorge Antônio Ramos Vieira, que re-centemente condenou um fazendeiro no pagamento de danos morais cole-tivos decorrentes da submissão de trabalhadores à condição análoga à deescravo.

Assentou o magistrado que existe uma rede criminosa criada para aexploração de seres humanos composta de aliciadores (“gatos”),estalajadeiros, donos de terras e donos de cantina. Ressaltou que a pobre-za não é a única causa do problema, e atribui à ausência do Estado o fatorpreponderante para a ocorrência da exploração do trabalhador rural.

Terceiro momento: O que liberta?

A Auditora Fiscal do Trabalho Valderez Rodrigues iniciou o terceiromomento fazendo um breve histórico do Grupo Móvel de Fiscalização queintegra há vários anos. Rendeu homenagens a Dom Pedro Casaldaglia porseu pioneirismo na luta contra o trabalho escravo no norte do país. Con-cluiu que a verdadeira libertação decorre da inclusão na cidadania com aadoção de políticas públicas, educação, assistência médica e técnica, re-forma agrária além da punição dos fazendeiros e a expropriação das terrasonde for constatado o trabalho escravo. Também sugeriu que os custos dasoperações do Grupo Móvel fossem cobrados dos fazendeiros.

Representando a Organização Internacional do Trabalho falou a Dra.Patrícia Audi que ressaltou a importância do evento e das instituições par-ticipantes, externou a preocupação constante da OIT com o problema eelogiou a atuação do Grupo Móvel, do Ministério Público do Trabalho e daJustiça do Trabalho. Defendeu o boicote aos produtos que se utilizem detrabalho escravo na sua cadeia produtiva e afirmou que a indignação é queliberta, ressaltando o grande interesse que o assunto desperta, observan-do que o auditório estava quase lotado.

Para o Subprocurador-Geral do Trabalho Dr. Otávio Brito Lopes o tra-balho escravo decorre da fome, da miséria e da ignorância. Defendeu quepara libertar os trabalhadores é necessário intensificar a repressão, acres-cer a competência da Justiça do Trabalho para executar as multas impos-tas pela fiscalização trabalhista, perseguir a indenização dos danos coleti-vos e os danos materiais, inclusive as despesas com a retirada dos traba-lhadores. Argumentou ser conveniente direcionar os recursos do ProgramaFome Zero para os locais de aliciamento. Concluiu ser necessária amobilização da sociedade civil organizada.

Pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados semanifestou o Deputado Orlando Fantazzini Neto que aduziu ser necessárioo fortalecimento do Grupo Móvel de Fiscalização. Denunciou que em SãoPaulo também ocorrem casos de trabalho de escravo com imigrantes deorigem boliviana e árabe. Exortou o combate às falsas cooperativas e as-

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severou ser oportuna a criação de uma certidão negativa de trabalho ilegale escravo. Concluiu que a solução também passa pela reforma agrária eexpropriação das terras onde exista trabalho escravo, lembrando que o paísdeve observar as convenções internacionais acerca do tema.

Encerrando as exposições manifestou-se o Frei Xavier Plassat, tam-bém da CPT, que descreveu com muita propriedade o processo dealiciamento dos trabalhadores nos Estados do Pará, Maranhão e Piauí, ondeos aliciadores (“gatos”) fazem falsas promessas de um bom salário, adian-tam algum dinheiro para o trabalhador deixar com a família, constituindo aíuma “dívida” que só aumentará quando chegar no local de trabalho ondeterá que comprar alimentação, ferramentas de trabalho, roupas, remédios,botas etc., tudo na cantina ou barracão do aliciador a preços superfatura-dos, resultando no endividamento cíclico do obreiro, que nunca recebe seusalário pois tudo é descontado para o pagamento das compras feitas emregime de “adiantamento”. Ressaltou que deste modo o homem simples setorna prisioneiro de uma dívida de honra, pois acredita não poder se au-sentar do local de trabalho sem quitar suas compras.

Esclareceu ainda que existem outras formas de redução à condiçãoanáloga à de escravo, como o isolamento do trabalhador em frentes dedesmatamento em plena floresta amazônica, quando muitas vezes ele nãosabe sequer onde se encontra ou a distância do município mais próximo.Outras vezes os trabalhadores são ameaçados por prepostos armados quelhes cerceiam a liberdade de ir e vir até o término da empreita, outras ve-zes os documentos pessoais são retidos.

O Frei denunciou que em oito anos aproximadamente 6.000 trabalha-dores foram libertados pelo Grupo Móvel de Fiscalização e que a reinci-dência dos fazendeiros é grande em virtude da impunidade de seus crimes.Elogiou a iniciativa de criação das varas itinerantes, mas ressalvou que asgrandes distâncias no norte do país imprescindem do incremento dessainiciativa, com mais grupos móveis de fiscalização e mais varas itinerantes.Concluiu que é necessária vontade política para a resolução do problema.

Em seguida ocorreu o debate que foi breve em virtude do adiantadoda hora.

A palavra de ordem do evento foi “indignação”.

Quase todos os expositores a citaram expressamente quando fala-ram de suas experiências. Mesmo aqueles que não a pronunciaram, deixa-ram transparecer claramente quão indignados e envergonhados ficavamao se deparar com as situações acima retratadas.

Até os que estavam ausentes fizeram ouvir sua indignação, foi o casoda Auditora Fiscal do Trabalho Cláudia Márcia Ribeiro Brito que no momen-to da realização da Oficina se encontrava em mais uma missão no Estado

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do Pará. O Procurador do Trabalho Lóris Pereira Júnior contou que certafeita, ao viajarem juntos para uma operação fiscal, encontrou-a rezando eindagou o que pedia em suas preces, tendo recebido a seguinte resposta:“rezo por nossa segurança e para que Deus não retire a capacidade de meindignar”.

Esses foram os principais pontos tratados na oficina; entretanto nelanão se produziu qualquer documento com a pretensão de apontar solu-ções ao Estado Brasileiro, até porque esse não é o objetivo do Fórum So-cial Mundial, que se destina apenas a ser um local de manifestação deidéias, livre de qualquer deliberação que busque aferir o consenso dospresentes ou prevalência de maiorias.

Não obstante, cabe à sociedade, e especialmente aos operadores doDireito, considerar os testemunhos, a indignação externada e as soluçõespropostas para buscar a erradicação do trabalho escravo no país. Foi comesse desiderato que resolvemos relatar o que presenciamos nesse dia his-tórico para a luta contra o trabalho escravo no Brasil.

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INQUÉRITOS, TERMOSDE COMPROMISSO DE

AJUSTAMENTO DECONDUTA, AÇÕES E

DEMAIS ATIVIDADES

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O Ministério Público do Traba-lho, neste ato representado pelo Pro-curador do Trabalho que esta subs-creve, com endereço para recebernotificações na Rua dos Mundurucus1794 — Batista Campos — Belém (PA),CEP 66025-660, vem perante V. Exa.,no termos dos artigos 127, caput, e129, III, da Constituição Federal de1988; artigos 6º, VII, d, e 83, III, da LeiComplementar n. 75/93, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMPEDIDO DE LIMINAR

INAUDITA ALTERA PARS

Contra João Braz da Silva (Fa-zenda Boa Esperança), brasileiro,pecuar ista, por tador do CPF n.034.895.906/00, residente e domici-liado na Rua Prefeito João Costa,1375, Unaí/MG, podendo ainda ser

AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRABALHO EMCONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO

— LIMINAR — INDISPONIBILIDADE DE BENS(PRT 8ª REGIÃO)

EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) PRESIDENTE DA MM. VARA TRABA-LHISTA DE PARAUAPEBAS

UrgentíssimoACP — Trabalho forçado“Peão é bicho bruto e eu é que não vou fazer hotel cinco estrelas prapeão” (proprietário da Fazenda Boa Esperança)

notificado no endereço da FazendaBoa Esperança, localizada na ET VS45,8 — entre 44 — Canaã dos Cara-jás/PA — CEP 68515-000, pelos fa-tos e fundamentos a seguir descritos:

Dos fatos

A atividade principal do reque-rido é a pecuária.

No dia 12.12.2002, o GrupoEspecial de Fiscalização Móvelacompanhado pela Dra. GuadalupeLouro Turos Couto, Procuradora doTrabalho, dir ig iu-se à Fazendade Boa Esperança, de propriedade deJoão Braz da Silva (Prefeito do Mu-nicípio de Unaí-MG), com o fito deverificar a denúncia de reduçãode trabalhadores à condição análogaà de escravo.

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Ocorre que, ao chegar na Fa-zenda, dez dias após a denúncia, oGrupo de Fiscalização Móvel cons-tatou que existia mais trabalhadoreslaborando no roço da juquira, vezque todos já tinham sido dispensa-dos, com exceção de três trabalha-dores lotados na sede.

Na casa de alvenaria situadana sede da Fazenda, onde resideElismar Oliveira da Silva, vulgo“Branco”, e a sua esposa Sandra daSilva Aquino, foram apreendidos pe-los integrantes do Grupo Especial deFiscalização um caderno de anota-ções, onde constavam apontamen-tos referentes às mercadorias adqui-ridas pelos trabalhadores na canti-na da Fazenda, tais como: botas parao trabalho, fumo e bebidas, para pos-terior dedução do salário; os paga-mentos realizados pelo vulgo “Bran-co”, aliciador de mão-de-obra, a tí-tulo de adiantamento (abono) aostrabalhadores arregimentados e, ain-da, a contabilização dos gastos re-ferentes à arregimentação de mão-de-obra, pois constatei o seguintelançamento: “dinheiro para buscarpeão”.

Na mesma ocasião, foramapreendidas pela Polícia Federal cin-co (05) armas de fogo, cartuchos,como também, duas motosserras(doc. fl.).

Ao verificar as condições co-locadas à disposição dos trabalha-dores contratados para o desmata-mento florestal, constatou-se que ostrabalhadores contratados não ti-nham direito a direito básicos, como,por exemplo:

a) a consumirem água potável,pois eram impingidos a consumir

água, tomar banho, lavar roupas elouças num igarapé situado muitopróximo ao barraco onde dormiam;

b) a dormirem em alojamentoscom paredes construídas de alvena-ria de tijolo comum, em concreto oumadeira, pois ficavam alojados numbarraco rústico, edificado com tron-cos de madeiras fincados no chão,sem proteção lateral e coberto de umplástico preto, adquirido pelos pró-prios trabalhadores;

c) à intimidade, uma vez quecompartilhavam o barraco onde dor-miam com todos os trabalhadores,inclusive, com uma família compos-ta por um casal e mais cinco crian-ças (moradia coletiva);

d) à instalação sanitária, sen-do obrigados a realizar suas neces-sidades fisiológicas no “mato” a céuaberto, sem as mínimas condiçõesde higiene;

e) a uma cozinha equipadapara preparem o alimento, pois o fo-gão era de pedra feito no chão;

f) a um refeitório, pois consu-miam os alimentos produzidos nopróprio barraco sentados no chão ouem troncos de árvores.

Segundo relato do trabalhadorJosé Antônio Amorim, empregado daFazenda desde 1996, ao pedir, aoproprietário, melhores condições dehabitação, teve do patrão a seguin-te resposta: “Peão é bicho bruto eeu é que não vou fazer hotel cincoestrelas pra peão”.

Foram localizados pelo Grupode Fiscalização Móvel no Município deEldorado dos Carajás 14 (quatorze)

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trabalhadores que se encontravamna Fazenda na ocasião da denúnciaà Pastoral da Terra.

Os fatos narrados, como vistoacima, comprovam a responsabilida-de do requerido nas irregularidadestrabalhistas praticadas na FazendaBoa Esperança, ensejando a propo-situra da presente Ação Civil Pública.

DOS DIREITOS LESADOSLESADOS

Do trabalho forçado

O aliciamento de trabalhado-res somado à servidão é a situaçãomais corrente encontrada no Brasila caracterizar o trabalho forçado,abolido pelas normas internacionais(artigos 1º e 2º da Convenção n. 29,da Organização Internacional do Tra-balho). O trabalhador provém de lu-gar distante, sendo aliciado por um“gato” através de promessas enga-nosas no que diz respeito ao salárioe condições de trabalho. Chegandono local da prestação de serviços, oobreiro contrai dívidas junto ao bar-racão do próprio empregador paraadquirir alimentos e bens de usopessoal, até porque não há outraopção próxima. Dessa forma, passaa trabalhar sem receber qualquer re-muneração pelo seu trabalho, poiso valor das dívidas sempre supera osaldo salarial. Acaba por ser impe-dido de deixar o local de trabalho eobrigado a trabalhar para saldar odébito, que só aumenta em face dosuperfaturamento dos produtos. Otrabalhador fica confinado em lugarermo e tem a sua liberdade indivi-dual suprimida, reduzindo-se à con-dição análoga à de escravo.

O trabalho forçado constatadoafronta os regramentos básicos doDireito do Trabalho contemporâneo.

Notas caracterizadoras dotrabalho forçado na FazendaRibeirão Bonito

a) Do aliciamento e da intermediação

A exploração do homem pelohomem, infelizmente, decorre daconcentração de riqueza nas mãosde poucos aliado ao interesse eco-nômico cada vez maior de lucro emdetrimento dos direitos sociais e hu-manos. Desta forma, impelidos pelasobrevivência diária, pela precarie-dade de suas condições sociais epelo desemprego, esses trabalhado-res são contratados por meio do su-posto empreiteiro, também conheci-do como “gato”.

No caso telado, os grupos detrabalhadores foram contratados/ali-ciados por Elismar Oliveira da Silva,o Branco, em nome do proprietárioda Fazenda Boa Esperança.

O “aliciador” citado agiu emnome do requerido, escolheu o tra-balhador, agenciou o respectivotransporte, determinou o salário (porprodução), fiscalizou o trabalho, en-fim, cunhou todas as regras da rela-ção jurídica estabelecida com o tra-balhador rural, sendo, portanto, osúnicos referenciais que o obreiropossui no local de trabalho.

De fato, o Sr Elismar Oliveirada Silva nessa engrenagem de ex-ploração do homem pelo homem,

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não passa de mero intermediário dodono da terra, ora requerido, vez quefala em seu nome e na defesa dosseus interesses. Destaque-se aindaa seguinte realidade: o senhor an-tes citado não tem idoneidade eco-nômica/financeira, ao contrário, poisé tão (ou mais) miserável e humildeque se assemelha aos trabalhado-res explorados.

O depoimento do Sr. José An-tônio Amorim (fls. 31/33), tomadopela Dra. Guadalupe Lourg TurosCouto, Procuradora do Trabalho,confirma a intermediação ilegal demão-de-obra:

“(...) que o “Branco”, cujo nomeé Elismar Oliveira da Silva, é oaliciador de trabalhadores para afazenda; que o Branco, costumapegar trabalhadores no municípiode Eldorado dos Carajás e levá-los para a fazenda; (...) que naalta temporada o gato traz para afazenda em média quinze (15) tra-balhadores; (...).”

Desta forma, está clara a inter-mediação de mão-de-obra ilegal,com o objetivo de impedir a identifi-cação da relação de emprego (art.2º, da CLT). No caso, as atividadesdesenvolvidas pelos trabalhadoresnão poderiam ser intermediadas outerceirizadas, já que se tratam deatividades essenciais (fins) à ativi-dade rural. Também não se podeconsiderar a existência de um con-trato de empreitada — que tem na-tureza civil e difere do contrato detrabalho.

b) Das promessas do aliciador

No trabalho forçado (ou escra-vo), o trabalhador provém de lugardistante, sendo aliciado por um“gato” através de promessas enga-nosas no que diz respeito ao salárioe condições de trabalho.

Registre-se, mais uma vez, odepoimento (excertos) do Sr. JoséAmorim, confirmando tal prática: “(...)que o Sr. José Braz quando aliciatrabalhadores, costuma pagar umabono para que o trabalhador deixecom a família; que o Branco quandoconvidou o depoente para trabalharnão lhe deu abono; (...)”.

No mesmo diapasão é o depoi-mento do Sr. Raimundo AlvesBarreto (fls. 35/37), vejamos: “(...)que quando foi para a fazenda, oagenciador que tomava conta doserviço, Sr. Bené, deixou R$ 200,00(duzentos reais) com sua esposa nacidade de Eldorado dos Carajás”.

c) Do fornecimento aos trabalhadoresde alojamentos sem condição dehabitabilidade e sem instalaçõessanitárias adequados

Os trabalhadores foram encon-trados vivendo sob condições precá-rias. Residiam em barracos cobertoscom lona plástica preta, piso de chãobatido, sem proteção lateral capazde impedir a ação dos ventos e dachuva, sem qualquer privacidade, esem nenhuma condição sanitária, semágua potável, dormindo amontoadosem redes pelo reduzido espaço dosbarracos.

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O réu não fornecia instalaçõessanitárias (por mais rústicas que fos-sem) para os trabalhadores satisfa-zerem as suas necessidades fisio-lógicas, como exige a dignidade mí-nima de um ser humano. Na verda-de, tais necessidades são satisfei-tas ao relento, normalmente próximoao igarapé que cruza a enorme áreada Fazenda.

Outro aspecto desumano ob-servado pela equipe (Grupo Móvel),é o não fornecimento de água potá-vel aos trabalhadores. Os emprega-dos bebem a mesma água do peque-no igarapé referida no parágrafo aci-ma: a água onde são despejadosexcrementos humanos. Não é só. Énessa mesma água que os animaisda fazenda bebem e se banham. Ostrabalhadores, tal como os animais,também se util izam da água docórrego para o banho, para cozinharseus alimentos e para lavar as pou-cas peças de louça utilizadas.

O depoimento do Sr. José An-tônio Amorim (fls.31/33), confirma aprecarização das condições de habi-tação existentes na Fazenda:

“(...) que todos dormem no úni-co barraco por eles mesmosconstruídos, em redes próprias;que o barraco é coberto por plás-tico preto somente no teto e loca-lizado próximo a um igarapé; queno último barraco utilizado peloDepoente habitou uma família for-mada por um casal e cinco filhosmenores; que nesse igarapé ostrabalhadores tomavam água,banho e lavavam suas roupas; (...)que no final de outubro de 2002,

devido a fortes chuvas e ventos,o plástico preto que cobria o bar-raco foi arrancado, ficando impos-sível dormir no local; que o depo-ente foi então reclamar para o Sr.José Braz que lhe respondeu:“Peão é bicho bruto e eu é quenão vou fazer hotel cinco estre-las pra peão”; que depois disso,o depoente se sentiu muito humi-lhado e pediu as contas; que opessoal da fazenda se negou alevá-lo até a rodovia de carro, di-zendo a ele que se virasse a irembora, que então pegou caronacom um fazendeiro vizinho; (...).”

Tal humilhação também é con-firmada pelo Sr. Raimundo AlvesBarreto (fls. 35/37): “(...) que dormiaem rede de sua propriedade numbarraco coberto de plástico preto,sem proteção lateral e de chão bati-do; que neste barraco dormiam jun-tos oito (08) trabalhadores mais umcasal e quatro (04) crianças; (...)”.

Sobre o tema vertente, os co-mandos legais estabelecem:

Art.157. Cabe às empresas:

I — cumprir e fazer cumprir asnormas de segurança e medicinado trabalho;

II — omissis;

III — adotar as medidas quelhes sejam determinadas pelo ór-gão regional competente.”

NR 21.1 — Nos trabalhos rea-lizados a céu aberto, é obrigadoa existência de abrigos, ainda querústicos, capazes de proteger ostrabalhadores contra intempéries.

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NR-21 — 21.6 — “Quando oempregador fornecer ao empre-gado moradia para si e sua famí-lia, esta deverá possuir condiçõessanitárias adequadas”.

NR-21 — 21.12 — “Toda mo-radia disporá de pelo menos umdormitório, uma cozinha e um com-partimento sanitário”.

NR-24 — 24.7.1.1 — “As em-presas devem garantir, nos locaisde trabalho, suprimento de águapotável e fresca em quantidadesuperior a ¼ de litro (250ml) porhora/homem trabalho”.

Desse modo, postula este Par-quet que o Réu seja condenado afornecer alojamentos, instalaçõessanitárias e água potável adequadasaos trabalhadores, nos termos daNR-24 da Portaria n. 3.214/78.

f) Não fornecimento gratuito aostrabalhadores de instrumentos paraprestação de serviços, deequipamentos de proteção individuale de materiais de primeiros socorros

Foi constatado na inspeçãorealizada que os Equipamentos deProteção Individual não eram forne-cidos pelo empregadores aos traba-lhadores. Não se trata de forneci-mento insuficiente de EPI, mas deinexistência de qualquer EPI. Sequerluvas, máscaras e vestimenta apro-priada para a aplicação de venenonas pastagens eram fornecidos aostrabalhadores, conforme se inferepelos depoimentos colhidos.

O Sr. Raimundo Alves Barretodeclara:

“(...) que trabalhava no roço,aplicação de veneno, plantava ca-pim de forma manual e com má-quinas; que os venenos utilizadoseram o Tordon e Radap; que a fa-zenda não fornecia equipamentode proteção para a preparação eaplicação dos venenos; que estáintoxicado com veneno, inclusive,o braço está marcado com os res-pingos de veneno; (...) que apósaplicar veneno, adoeceu, tendo fi-cado por seis (06) dias no barracosem poder levantar, com febre,dores de cabeça, vômitos e diar-réia que nestes seis dias ficou semcomer porque não tinha condiçãode preparar seu alimento; que oGerente José Eduardo, filho dodono da fazenda, ficou sabendoda sua doença e não deu qualquertipo de assistência, razão pelaqual saiu da fazenda, sem nadareceber; (...) esclareceu ainda quesente sintomas de tosse seca, vô-mito e cansaço por causa da into-xicação.”

Em seu depoimento o Sr.Dione Amorim Pereira esclarece:

“(...) que o Sr. Raimundo erauma pessoa muito forte e traba-lhadora, porém, adoeceu em ja-neiro de 2001 e não mais conse-gue trabalhar; que a fazenda BoaEsperança não deu assistênciaao Sr. Raimundo; que o depoentetrabalhava junto com o Sr. Rai-mundo na aplicação de veneno;

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que batiam o veneno Torlon, Ple-niun e Torgaz; que todos tinhamtarjara vermelha; que os própriostrabalhadores preparavam e co-locavam o veneno na bomba; quea fazenda não fornecia luvas,máscaras e vestimenta apropria-da para a aplicação; que trabalha-va com roupa normal de todos osdias: calça e camisa; (...) que du-rante a aplicação do veneno eranormal sentir-se mal, meio tonto,mas bastava tomar leite para me-lhorar; (...)”

No mesmo sentido é o depoi-mento do Sr. Hamilton Amorim Pe-reira:

“(...) que trabalhava na fazen-da aplicando veneno ou roçando;que na época em que ficou doen-te estava apenas roçando; quetem certeza que não era maláriaou dengue; que o Branco soubeda sua doença e nada fez; que fi-cou quatro (04) dias deitado narede na fazenda, porém comoestava muito doente resolveu sairpor conta própria da fazenda; quecaminhou um dia inteiro parandopara descansar até chegar na ro-dovia PA-150; que em casa ficoupor quinze (15) dias doente; queprocurou o Posto de Saúde deEldorado dos Carajás, mas a con-sulta só poderia ser marcada de-pois de três meses; que não podemais trabalhar porque sente fra-queza e dores no corpo todo; quena fazenda aplicava os venenosTordon, Torgaz e outro que nãorecorda o nome; que os traba-

lhadores preparavam e aplicavamo veneno, que a fazenda não for-necia equipamentos de proteçãopara o manuseio de agrotóxico;(...).”

Todos os fatos foram confirma-dos no depoimento do Sr. José An-tônio Amorim:

“(...) que o empregador nãofornecia luvas nem treinamentoprévio para lidar com a motosserra;(...) que nunca foi submetido aexame médico; que na época deaplicação dos agrotóxicos traba-lhava sem qualquer tipo de pro-teção; que o empregador nuncacomunicou ao depoente o perigodo uso de agrotóxicos; que den-tre os agrotóxicos aplicados peloDepoente um deles era chamadoTordon e o outro denominadoPleinum; que apesar de não lem-brar o nome dos outros agrotóxi-cos utilizados afirma que todostinham uma faixa vermelha; (...)”.

Ora, o regramento celetizado(art. 2º da CLT) estabelece claramen-te que o fornecimento do instrumen-to necessário à operacionalizaçãoda atividade do empregado, essen-cial à atividade econômica da em-presa, é dever da empresa. Casocontrár io, o empregador estarátransferindo o risco de seu negócioao empregado, o que, longe de des-caracterizar o vínculo de emprego,configura sim a violação pelo empre-gador a dever decorrente do contra-to de trabalho. Em virtude desse ra-ciocínio que estipula o fornecimento

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do instrumento de trabalho ao em-pregado como ônus da empresa éque o art. 458, § 2º, da CLT exclui aintegração do valor correspondenteao mesmo a remuneração do empre-gado para qualquer efeito.

A NRR-4, da Portaria n. 3.067,de 12.4.88, item 4.2, estipula que: “Oempregador rural é obrigado a for-necer, gratuitamente, EPI adequadoao risco e em perfeito estado de con-servação e funcionamento, nas se-guintes circunstâncias: a) sempreque as medidas de proteção coleti-va forem tecnicamente inviáveis ounão oferecerem completa proteçãocontra os riscos de acidentes do tra-balho e/ou doenças profissionais”.

Desse modo, deve o emprega-dor ser condenado a fornecer gra-tuitamente o equipamento de traba-lho necessário à operacionalizaçãoda atividade exigida do empregado,no caso, os calçados de proteção,luvas, chapéu de palha etc.

g) Coação ou indução dostrabalhadores a utilizarem oarmazém/cantina mantida pelo“gato”, para aquisição de materialde primeira necessidade, bebidas,fumo, instrumentos de trabalho apreços superiores ao praticado nocomércio em geral

Pela inspeção fiscal ficou com-provada a utilização do sistema debarracão utilizado pela Fazenda Ri-beirão Bonito.

O sistema da Fazenda é debarracão clássico — só que espúrio—, vez que os trabalhadores pagam

não só os equipamentos essenciaispara realizarem o trabalho (foice, fa-cão, botina), como também aquelesfundamentais para a sobrevivênciahumana (rede de dormir, mantimen-tos — arroz, feijão, farinha, carne,lonas para barracas, gêneros de lim-peza e outros). E mais. Pagam pelosprodutos citados acima, preços supe-riores ao do mercado, conforme com-provam os depoimentos dos trabalha-dores e os relatos fiscalizatórios.

O depoimento do trabalhadorJosé Antônio Amorim, denuncia osistema ilegal de barracão existentena fazenda. Vejamos.

“(...) que para trabalhar na fa-zenda tinha que comprar na can-tina localizada na mesma os se-guintes utensílios: botinas, cha-péu, foice, mantimentos, plásticopara cobrir o barraco para dormir;que pagou R$ 13,00 (treze reais)pela botina comprada na cantina,não sabendo dizer se era maiscaro que nos outros lugares; (...).”

O Sr. Raimundo Alves Barrostambém expressou que:

“(...) desde que entrou para tra-balhar na fazenda, comprou mui-tas botinas na fazenda, porque odono da fazenda não fornecia;que os outros trabalhadores com-pravam cigarros e isqueiro nacantina, sendo que os valoresdestes eram descontados dossalários dos trabalhadores; quesabe que o trabalhador Antôniopagou duas vezes o valor de umaconta da cantina; que na cidade

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a botina era comprada por R$9,00 (nove reais) ou R$ 10,00(dez reais) e na cantina da fazen-da pagava R$ 12,00 (doze reais);que comprou ferramentas paratrabalhar na fazenda, tais como:foice, lima e esmeril; (...).”

No mesmo sentido é o depoi-mento de Dione Amorim Pereira:“(...) que adquiria fumo na cantina edepois o valor era descontado dopagamento; (...)”.

Como se observa, o sistemade barracão existente na Fazenda étotalmente irregular, estando emdesconformidade com o artigo 458,da CLT, aplicado subsidiariamente àrelação de trabalho rural.

h) Servidão dos trabalhadores pordívida, com cerceamento de sualiberdade de ir e vir e o uso dacoação moral ou física para mantê-los no trabalho

Como já foi visto antes, che-gando no local da prestação dosserviços, o obreiro contrai dívidasjunto ao barracão do próprio empre-gador para adquirir alimentos e bensde uso pessoal, até porque não háoutra opção próxima. Dessa forma,passa a trabalhar sem receber qual-quer remuneração pelo seu trabalho,pois o valor das dívidas sempre su-pera o saldo salarial. Acaba por serimpedido de deixar o local de traba-lho e obrigado a trabalhar para sal-dar o débito, que só aumenta emface do superfaturamento dos pro-dutos. O trabalhador fica confinado

em lugar ermo e tem a sua liberda-de individual suprimida, reduzindo-se à condição análoga à de escravo.

Vejamos o que dispõe o depoi-mento do Sr. José Antônio Amorima respeito do assunto vertente:

“(...) que o dono da fazenda, oSr. José Braz, fornecia bebidagrátis quase todas as noites paraos trabalhadores do barracão;que os trabalhadores não podiamsair da fazenda enquanto não ter-minassem o serviço; que o paga-mento só era acertado só no finaldo serviço, quando eram liberadospara irem embora da fazenda; quea fazenda está localizada a, apro-ximadamente, 60 km da RodoviaPA-150 km 128; (...) que a fazen-da era de difícil acesso e parasair de lá somente de carro dosvizinhos; (...).”

No mesmo sentido é o depoi-mento do Sr. Dione Amorim Pereira,verbis: “(...) que antes de terminar osserviços os trabalhadores não pode-riam sair da fazenda, pois que aguar-dar o pagamento; (...)”.

O Sr. Ronaldo Pereira de Al-meida afirmou em depoimento: “(...)que para sair da fazenda precisavamde transporte fornecido pela própriafazenda, dada a distância da mes-ma até a rodovia; que se algum tra-balhador quisesse sair, deveria an-tes acertar as contas; (...).”

Como se observa, o cerceio daliberdade de ir e vir ficou bem carac-terizado com os depoimentos decal-cados acima, vez que se manifesta

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pela dívida existente na cantina; pelonão-recebimento de salários; pelo iso-lamento dos trabalhadores haja vis-ta a dificuldade de acesso à Fazen-da, pois não servido por transporteregular e a estrada é perigosa devi-do aos assaltos.

i) Da ausência de registro dostrabalhadores

A fiscalização apurou que ostrabalhadores encontrados em ativi-dade não tinham CTPS. Apurou tam-bém que os trabalhadores não ti-nham sido registrados, seja em suaCTPS, seja através de livro, ficha ousistema eletrônico competente, emdesobediência ao art. 41 da CLT.

Foi lavrado o Auto de Infraçãon. 007107200.

Preceitua o art. 41, caput daCLT:

“Art. 41. Em todas as ativida-des será obrigatório para o em-pregador o registro dos respecti-vos trabalhadores, podendo seradotados livros, fichas ou siste-ma eletrônico, conforme instru-ções a serem expedidas pelo Mi-nistério do Trabalho.”

Note-se que o empregador nãoefetuou os registros dos seus empre-gados, conforme determina o art. 41,caput, transcrito.

Caracteriza-se, assim, a ten-tativa do requerido de manter a ati-vidade laboral de seus empregadosà margem da lei e do controle doEstado, negando-se aos trabalha-

dores direitos mínimos previstos naCLT e demais normas de proteçãoao trabalho.

Na verdade, o périplo de irre-gularidades trabalhistas praticadaspelo requerido não se restringe ape-nas a ausência de registro do con-trato na carteira de trabalho, passan-do pela falta de cumprimento dasnormas de proteção à saúde e se-gurança dos trabalhadores, laboraos domingos e feriados e em horassuplementares até a ausência depagamento da remuneração devida.

“(...) trabalhou como lavradorna Fazenda Boa Esperança des-de 1996 até dia 4 de novembro de2002; que durante todo esse pe-ríodo, o Sr. José Braz da Silva,proprietário da fazenda, não as-sinou a CTPS do depoente; (...)que utilizava motosserra para de-sempenhar atividade de corta le-nha; (...) que o depoente tinhauma ligação estreita de subordi-nação na seguinte ordem: emprei-teiro ‘Bené’ (pai do Branco, Bran-co (Capataz e Gato), José Eduar-do, filho do Sr. José Braz, e porúltimo o Sr. José Braz; (...) quenunca tirou férias, nunca recebeu13º salário e Repouso SemanalRemunerado (RSR); que traba-lhava das 7 às 17 horas, com in-tervalo de uma hora para almo-ço, num total de 9 horas por dia,de segunda a sábado; que nãosabe quanto tem pra receber; quea fazenda não assina CTPS denenhum empregado, inclusive dopróprio Branco, que já está na fa-zenda há 07 anos ou mais; que

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no momento não tem mais traba-lhadores porque foram dispensa-dos, não sabendo explicar o mo-tivo”. Depoimento do Sr. José An-tônio Amorim.

Em conseqüência, impõe-se acondenação dos requeridos a efetu-ar o registro da CTPS de seus em-pregados, nos termos do art. 29 daConsolidação das Leis do Trabalho,e a efetuar o registro em livro, fichaou sistema eletrônico, consoante oart. 41 do mesmo diploma legal.

j) Do pagamento mensal de saláriosdevidos até o quinto dia útilsubsequente ao vencido

Mais uma vez, cotejando osfatos relatados, verifica-se a ocorrên-cia de lesão aos direitos dos traba-lhadores, qual seja: não efetuar opagamento mensal dos salários, atéo quinto dia útil subseqüente ao ven-cido, malferindo o parágrafo único doart. 459 da CLT.

Preceitua o parágrafo único, doart. 459 da CLT:

“Parágrafo único. Quando opagamento houver sido estipula-do por mês, deverá ser efetuado,o mais tardar, até o quinto dia domês subseqüente ao vencido.”

Note-se que o empregador nãoefetua o pagamento mensal de sa-lários de seus empregados, confor-me determina o parágrafo único, art.459 da CLT, acima transcrito, man-

tendo a atividade laborativa de seusempregados à margem da lei e docontrole Estatal.

A irregularidade apontada fo-mentou a lavratura do AI n.007107242.

Em sendo assim, o órgão mi-nisterial, diante da gravidade de tudoque foi exposto, em razão da totalinobservância das normas trabalhis-tas e constitucionais, requer, diantedesses acontecimentos, que a MMªVara do Trabalho julgue totalmenteprocedente a ação.

k) Do pagamento do salário doempregado com bebidas alcoólicasou drogas nocivas

O Grupo de Fiscalização Mó-vel constatou que o Réu pagavasalários de seus empregados comdrogas nocivas à saúde dos traba-lhadores. Cigarros, fumos e papelpara confecção de cigarros eram uti-lizados como moeda pelo proprietá-rios da Fazenda Boa Esperança.

Com efeito, nos transcorrer daação fiscal os auditores do GrupoEspecial de Fiscalização Móvelconstataram que os valores dessesprodutos, existentes na cantina daFazenda, eram anotados em cader-nos de controle de débitos, para des-contos posteriores, por ocasião doacerto salarial.

Nos termos do art. 458, caput,da CLT, em caso algum será permi-tido o pagamento de salário combebidas alcoólicas ou drogas noci-vas à saúde dos trabalhadores.

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A irregular idade trabalhistaflagrada gerou a lavratura do Autode Infração n. 007958463.

Nesse sentido, requer o Minis-tério Público do Trabalho seja o Réucondenado não mais pagar salárioscom bebidas alcoólicas ou drogasnocivas.

O trabalho forçado — Outrosaspectos

As irregularidades praticadaspelo requerido caracterizam simcomo prática de trabalho forçado.

Como bem ficou demonstradoacima, na Fazenda Boa Esperançaa tarefa de arregimentação e o re-crutamento de mão-de-obra era efe-tuada pelo “gato”, no caso, mero pre-posto do requerido, estes, sim, oúnico beneficiário pela utilização dostrabalhadores rurais libertados.

Outra prática abusiva bem pre-sente na Fazenda é o sistema debarracão/cantina. Este abuso restoucomprovado no instante em que orequerido, valendo-se da boa-fé dosempregados, obriga-os a adquirirbens por preços bem acima dos demercado, com aumento consideráveldas dívidas dos trabalhadores.

E mais. O trabalho forçado naFazenda reluz ainda mais, ou seja,fica mais patente, quando se verificao descompromisso do requerido comos direitos trabalhistas mínimos. Nãoassinatura da CTPS dos trabalhado-res, não pagamento dos salários de-vidos no período legal e, por fim, des-cuido por completo com as normas

de medicina e segurança do traba-lho, consoante atestam os autos la-vrados pelos agentes da fiscalização.

Os fatos retronarrados apon-tam de forma clara, insofismável, queo Réu atuava de forma marginal emrelação ao texto legal trabalhista. Naverdade, como bem visto acima, asdisposições de proteção ao trabalhoforam todas malferidas pelo reque-rido.

Da lesão e da reparação do dano

É inegável que a conduta ado-tada pelo requerido causou, e cau-sa, lesão aos interesses difusos detoda a coletividade de trabalhadores,uma vez que propiciam a negaçãodos direitos trabalhistas aos atuaistrabalhadores flagrados trabalhandonas condições apontadas pela fisca-lização, bem como a toda a catego-ria de trabalhadores que, no futuro,possa vir a laborar na fazenda, orarequerida.

Há, também, de se levar emconta a afronta ao próprio ordena-mento jurídico, que, erigido pelo le-gislador como caminho seguro parase atingir o bem comum, é flagran-temente aviltado pelos intermediado-res de mão-de-obra, que visando aobtenção de lucro, favorecem a inob-servância dos ditames constitucio-nais atinentes às normas mínimasde proteção ao trabalhador.

Como tais lesões amoldam-sena definição do artigo 81, incisos I eII, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Minis-tério Público, com espeque nos arti-gos 1º, caput, e inciso IV e 3º da Lei

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n. 7.347/85, propor a medida judici-al necessária à reparação do danoe à sustação da prática.

Em se tratando de danos a in-teresses difusos e coletivos, a res-ponsabilidade deve ser objetiva, por-que é a única capaz de asseguraruma proteção eficaz a esses interes-ses. Cuida-se, na hipótese, do “danoem potencial”, sobre o qual já semanifestou o Eg. TRT da 12ª Região,ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V7.158/97. Transcreve-se parte dovoto do Exmo. Sr. Juiz Relator:

“O prejuízo em potencial já ésuficiente a justificar a actio. Exa-tamente porque o prejuízo empotencial já é suficiente a justifi-car a propositura da presenteação civil pública, cujo objeto,como se infere dos balizamentosatribuídos pela peça exordial aopetitum, é em sua essência pre-ventivo (a maior sanção) e ape-nas superficialmente punitivo, éque entendo desnecessária a pro-va de prejuízos aos empregados.De se recordar que nosso orde-namento não tutela apenas oscasos de dano in concreto, comotambém os casos de exposiçãoao dano, seja ele físico, patrimo-nial ou jurídico, como se infere doCódigo Penal, do Código Civil, daCLT e de outros instrumentos ju-rídicos. Tanto assim é que a CLT,em seu artigo 9º, taxa de nulosos atos praticados com o objetivode fraudar, o que impende reco-nhecer que a mera tentativa dedesvirtuar a lei trabalhista já épunível.” (g. n.)

De outra parte, a violação dadignidade dos trabalhadores nãopode ficar impune.

Nesse passo, afigura-se cabí-vel a reparação da coletividade dostrabalhadores, não só pelos danoscausados, mas, igualmente, paradesestimular tais atos.

Oportuno se torna dizer que:“não somente a dor psíquica podegerar danos morais; devemos aindaconsiderar que o tratamento transin-dividual aos chamados interessesdifusos e coletivos origina-se justa-mente da importância destes interes-ses e da necessidade de uma efeti-va tutela jurídica. Ora, tal importân-cia somente reforça a necessidadede aceitação do dano moral coleti-vo, já que a dor psíquica que alicer-çou a teoria do dano moral individualacaba cedendo lugar, no caso dodano moral coletivo, a um sentimen-to de desapreço e de perda de valo-res essenciais que afetam negativa-mente toda uma coletividade. (...)Assim, é preciso sempre enfatizar oimenso dano moral coletivo causa-do pelas agressões aos interessestransindividuais afeta-se a boa ima-gem da proteção legal a estes direi-tos e afeta-se a tranqüilidade do ci-dadão, que se vê em verdadeira sel-va, onde a lei do mais forte impera.

Tal intranqüilidade e sentimen-to de desapreço gerado pelos danoscoletivos, justamente por seremindivisíveis, acarretam lesão moralque também deve ser reparada co-letivamente. Ou será que alguémduvida que o cidadão brasileiro, acada notícia de lesão a seus direi-tos, não se vê desprestigiado e ofen-

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dido no seu sentimento de perten-cer a uma comunidade séria, ondeas leis são cumpridas? Omissis.

A reparação moral deve se uti-lizar dos mesmos instrumentos dareparação material, já que os pres-supostos (dano e nexo causal) sãoos mesmos. A destinação de even-tual indenização deve ser o FundoFederal de Direitos Difusos, que seráresponsável pela utilização do mon-tante para a efetiva reparação destepatrimônio moral lesado. Com isso,vê-se que a coletividade é passívelde ser indenizada pelo abalo moral,o qual, por sua vez, não necessitaser a dor subjetiva ou estado anímiconegativo, que caracterizariam o danomoral na pessoa física...”. In Andréde Carvalho Ramos, A Ação CivilPública e o Dano Moral Coletivo.

Destarte, através do exercícioda Ação Civil Pública, pretende o Mi-nistério Público do Trabalho a defini-ção das responsabilidades por ato ilí-cito que causou danos morais ou pa-trimoniais a interesses difusos oucoletivos. A questão está assim defi-nida pelo art. 1º da Lei n. 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas dispo-sições desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

(...)

V — a qualquer outro interes-se difuso ou coletivo.”

Busca-se, aqui, a reparação dodano jurídico social emergente daconduta ilícita do réu, cuja responsa-

bilidade pode e deve ser apuradaatravés de ação civil pública (Lei n.7.347/85, art. 1º, IV), bem como — eespecialmente — a imediata cessa-ção do ato lesivo (art. 3º), através daimposição de obrigação de não fazer.

Ressalte-se, por opor tuno,que, no presente caso, o MinistérioPúblico do Trabalho visa não só fa-zer cumprir o ordenamento jurídico,mas, também, restaurá-lo, vez quejá foi violado. Tem por escopo, ain-da, coibir a repercussão negativa nasociedade que essa situação gera.

Assim, o restabelecimento daordem jurídica envolve, além da sus-pensão da continuidade da lesão, aadoção de algumas medidas: impe-dir os requeridos que voltem a utili-zar trabalhadores aliciados peloschamados “gatos”, assim como pri-var seus trabalhadores do direito de“ir e vir”, impedindo-os de deixaremseus empregos quando bem lhesaprouverem; e mais: que propicie areparação do dano social emergen-te da conduta da Ré de burlar todo oarcabouço de princípios e normas,constitucionais e infraconstitucio-nais, que disciplinam as relações detrabalho.

Entende o Ministério Públicoque é bastante razoável a fixação daindenização pela lesão a direitos di-fusos no valor de R$ 160.000,00(cento e sessenta mil reais), a sersuportada pelo requerido. Trata-sede indenização simbólica, conside-rando-se os malefícios causadoscom a ilegal intermediação de mão-de-obra, privando os trabalhadores detodas as garantias trabalhistas eprevidenciárias.

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Todo esse valor deverá ser re-vertido em prol de um fundo desti-nado à reconstituição dos bens le-sados, conforme previsto no artigo13 da Lei n. 7.347/85. No caso deinteresses difusos e coletivos naárea trabalhista, esse fundo é o FAT —Fundo de Amparo ao Trabalhador—, que, instituído pela Lei n. 7.998/90, custeia o pagamento do seguro-desemprego (art.10) e o financia-mento de políticas públicas que vi-sem à redução dos níveis de desem-prego, o que propicia, de forma ade-quada, a reparação dos danos sofri-dos pelos trabalhadores, aqui incluí-dos os desempregados que buscamuma colocação no mercado.

Da medida liminar

O art. 12 da Lei n. 7.347/85,que instituiu a Ação Civil Pública, au-toriza: “Poderá o juiz conceder man-dado liminar, com ou sem justifica-ção prévia, em decisão sujeita aagravo”.

De início, cabe ressaltar que amedida liminar prevista na ação ci-vil pública não tem natureza caute-lar; tratando-se de típica hipótese deantecipação de tutela e, assim, de-vem estar presentes os requisitos doart. 273 do CPC, conforme lição deHumberto Theodoro Junior:

“A propósito, convém ressaltarque se registra, nas principaisfontes do direito europeu contem-porâneo, o reconhecimento deque, além da tutela cautelar, des-tinada a assegurar a efetividadedo resultado final do processo

principal, deve existir, em deter-minadas circunstâncias, o poderdo juiz de antecipar, provisoria-mente, a própria solução definiti-va esperada no processo princi-pal. São reclamos de justiça quefazem com que a realização dodireito não possa, em determina-dos casos, aguardar a longa einevitável sentença final.

Assim, fala-se em medidasprovisórias de natureza cautelare medidas provisórias de nature-za antecipatória; estas, de cunhosatisfativo, e aquelas, de cunho ape-nas preventivo.

“Entre nós, várias leis recen-tes têm previsto, sob a forma deliminares, deferíveis inaudita alte-ra pars, a tutela antecipatória,como, por exemplo, se dá na açãopopular, nas ações locatícias, naação civil pública, na ação decla-ratória direta de inconstituciona-lidade etc.” (in “As Inovações doCódigo de Processo Civil”, Ed.Forense, Rio de Janeiro, 1995,pág. 12). (grifamos)

No caso, estão presentes todosos requisitos que ensejam o deferi-mento de tutela antecipada. Há pro-va inequívoca (art. 273 do CPC,caput) de trabalho forçado na Fazen-da Ribeirão Bonito. Tais provas sãocabais quando se analisa os trechosde depoimentos acima transcritos. Osdocumentos (as fotografias) acosta-dos na exordial também comprovama prática de trabalho forçado.

Quanto ao requisito da veros-similhança (art. 273, caput), estadecorre da existência de provas ine-

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quívocas já mencionadas e da notó-ria ocorrência de trabalho forçadomediante o emprego do aliciamentode trabalhadores, sistema de barra-cão/cantina (o que fomenta a escra-vidão por dívida), e pela banalizaçãodas normas trabalhistas, inclusive demedicina e segurança do trabalho.

De outra parte, há fundado re-ceio de dano irreparável ou de difícilreparação (CPC, art. 273, inc. I). Istoporque, o trâmite normal desta açãocivil pública poderá tornar inócua aprestação jurisdicional, propiciandoa dilapidação do patrimônio dos de-vedores, o que frustraria futura exe-cução judicial.

Cabe lembrar que o deferimen-to de tutela antecipatória e específi-ca de obrigação de não fazer já exis-te no processo do trabalho, pois oinciso IX do art. 659 da CLT autorizaao Juiz impedir, por medida idênticaa que ora se postula, a transferên-cia ilegal do empregado até a deci-são final da ação.

Assim, nos termos do art. 12da Lei n. 7.347/85, requer-se, inici-almente, a concessão de medida li-minar inaudita altera pars, para:

1 — decretar a quebra do sigi-lo bancário dos requeridos, ofici-ando-se, com urgência ao BancoCentral do Brasil, para que infor-me todas as modalidades de con-tas bancárias (conta corrente,conta-aplicação financeira, conta-poupança etc.) em nome de JoséBraz da Silva (Prefeito Municipalde Unaí-MG).

2 — determinar, neste mesmoato, o bloqueio de dinheiro nasreferidas conta bancár ias em

nome dos requeridos, no valor deR$ 280.000,00 (duzentos e oiten-ta mil reais), a fim de assegurar ointegral pagamento do dano mo-ral coletivo, cujo o depósito deve-rá ficar à disposição desse MM.Juízo.

3 — decretar a quebra do sigi-lo fiscal dos réus, oficiando-se,com urgência à Receita Federal,para que informe todos os bensmóveis e imóveis em nome dosrequeridos.

4 — determinar a indisponibi-lidade dos bens móveis e imóveis,necessários para a integral satis-fação do dano moral coletivo, efe-tuando-se, respectivamente, ocompetente depósito judicial coma intimação do depositário nostermos do art. 148 e seguintes doCPC, e a averbação de cláusulade inalienabilidade no registrocompetente (art.167, II, 11 e art.247, ambos da Lei n. 6.015/73).

5 — que seja imposta imedia-tamente aos requeridos a obriga-ção consistente em absterem-sede exigir trabalhos forçados deseus empregados, bem como:

a) se abster de coagir e indu-zir seus empregados a utilizaremarmazém ou serviços mantidospela fazenda;

b) se abster de impor sançãoaos trabalhadores decorrente dedívida;

c) efetuar o registro da CTPSde seus empregados, nos termosdo art. 29 da CLT, e efetuar o re-gistro de seus empregados em li-

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vros, ficha ou sistema eletrônico,consoante art. 41 do mesmo di-ploma legal;

d) caso o trabalhador não pos-sua CTPS, em razão de não ter osdocumentos civis necessários, oréu deverá proceder o devido re-gistro e o cumprimento das obri-gações contidas no item anterior,excetuando-se quanto àquelasonde se exija o número do documen-to laboral que deverá ser feito pos-teriormente, mas, com efeito retro-ativo à data da contratação;

e) o réu concederá o prazo de15 dias para que o empregadoregularize a situação de que tra-ta o item “g” sob pena de resci-são contratual;

f) não reter por mais de 48 horasa CTPS recebida para anotação;

g) garantir aos empregados con-tratados todos os direitos ineren-tes a esta condição, em especial;

h) efetuar o pagamento men-sal dos salários até o quinto diaútil subseqüente ao vencido (art.459, § 1º da CLT);

i) não pagar salários com be-bidas alcoólicas ou drogas noci-vas (art. 458, caput, da CLT);

j) conceder aos empregados ointervalo mínimo de 11 horas en-tre uma jornada e outra (art. 66da CLT);

k) conceder o descanso sema-nal remunerado (art. 67, caput daCLT);

l) conceder o descanso de do-mingos e feriados, excetuandoquando autorizado pela autorida-de competente (art. 68, caput daCLT);

m) não prorrogar a jornada poralém dos limites e na forma esta-belecida pela CLT (art. 59, caput,da CLT);

n) fornecer recibos de paga-mento (contracheques) ondeconste discriminadamente as ver-bas objeto de pagamento;

o) fornecer materiais necessá-rios à prestação de primeiros so-corros;

p) fornecer o equipamento detrabalho necessário à operaciona-lização da atividade exigida doempregado, no caso, os calçadosde proteção, luvas, chapéu depalha etc.

Dos pedidos definitivos

Ante o exposto, e com funda-mento nas normas legais antes men-cionadas, requer o Ministério Públi-co do Trabalho:

1 — A notificação do requeri-do, após efetivado o bloqueio denumerário e decretada a indisponi-bilidade de bens necessários para aintegral satisfação do pagamento dodano moral coletivo, no endereçosupramencionado, para, querendo,responder aos termos da presenteação, sob as penas da lei;

2 — A confirmação, em defini-tivo, da decisão liminar, no caso dedeferimento do mandado; e

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2.1 — independentemente daconcessão ou não do mandado limi-nar, ao final, a procedência total dapresente Ação Civil Pública, ou seja:com a condenação do Réu das se-guintes obrigações:

a) se abster de exigir trabalhoforçado de seus empregados;

b) se abster de coagir e indu-zir seus empregados a utilizaremarmazém ou serviços mantidospela fazenda;

c) se abster de impor sançãoaos trabalhadores decorrente dedívida;

d) determinar o bloqueio dedinheiro nas referidas contas ban-cárias em nome do requerido, novalor de R$ 280.000,00 (duzen-tos e oitenta mil reais), a fim deassegurar o integral pagamentodo dano moral coletivo, cujo depó-sito deverá ficar à disposição des-se r. Juízo, intimando-se os ban-cos em que os requeridos pos-suam dinheiro, para que cumprama ordem judicial no prazo que lhefor assinado;

e) determinar a indisponibilida-de dos bens móveis e imóveis,declarados à Receita Federal, ne-cessários para a integral satisfa-ção do dano moral coletivo, efe-tuando-se, respectivamente, ocompetente depósito judicial coma intimação do depositário nostermos do art. 148 e seguintes doCPC, e a averbação de cláusulade inalienabilidade no registrocompetente (art.167, II, 11 e art.247, ambos da Lei n. 6.015/73);

f) efetuar o registro da CTPSde seus empregados, nos termosdo art. 29 da CLT, e efetuar o re-gistro de seus empregados em li-vros, ficha ou sistema eletrônico,consoante art. 41 do mesmo di-ploma legal;

g) caso o trabalhador não pos-sua CTPS, em razão de não ter osdocumentos civis necessários, oréu deverá proceder o devido re-gistro e o cumprimento das obri-gações contidas no item anterior,excetuando-se quanto àquelasonde se exija o número do docu-mento laboral que deverá ser feitoposteriormente, mas, com efeitoretroativo à data da contratação;

h) o réu concederá o prazo de15 dias para que o empregadoregularize a situação de que tra-ta o item “g” sob pena de resci-são contratual;

i) não reter por mais de 48 ho-ras a CTPS recebida para ano-tação;

j) garantir aos empregadoscontratados todos os direitos ine-rentes a esta condição, em espe-cial;

k) efetuar o pagamento men-sal dos salários até o quinto diaútil subseqüente ao vencido (art.459, § 1º da CLT);

l) não pagar salários com be-bidas alcoólicas ou drogas noci-vas (art. 458, caput, da CLT);

m) conceder aos empregadoso intervalo mínimo de 11 horasentre uma jornada e outra (art. 66da CLT);

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n) conceder o descanso sema-nal remunerado (art. 67, caput daCLT);

o) conceder o descanso dedomingos e feriados, excetuandoquando autorizado pela autorida-de competente (art. 68, caput daCLT);

p) não prorrogar a jornada poralém dos limites e na forma esta-belecida pela CLT (art. 59, caput,da CLT);

q) fornecer recibos de paga-mento (contracheques) ondeconstem discriminadamente asverbas objeto de pagamento;

r) fornecer materiais necessá-rios à prestação de primeirossocorros;

s) fornecer o equipamento detrabalho necessário à operaciona-lização da atividade exigida doempregado, no caso, os calçadosde proteção, luvas, chapéu depalha etc.;

2.2 — ao cumprimento de obri-gações de fazer (art. 3º da Lei n.7.347/85), com cominação de multadiária ao demandado, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), por infra-ção e por trabalhador, em caso dedescumprimento futuro de qualquerdas obrigações impostas, a ser rever-tido em favor do FAT, instituído pelaLei n. 7.998/90, consoante estabele-ce o art. 11 da Lei n. 7.347/85;

3 — Condenar o demandadono pagamento da quantia de R$280.000,00 (duzentos e oitenta milreais), a título de reparação pelos

danos causados aos direitos difusose coletivos dos trabalhadores, corri-gido monetariamente até o efetivorecolhimento em favor do FAT.

4 — A condenação da reque-rida ao pagamento das custas doprocesso;

5 — A intimação pessoal dosatos e prazos processuais atinentesà espécie, segundo o art. 18, II, h,da Lei Complementar n. 75/93.

Protesta por todos os meios deprova em Direito admitidos, especial-mente prova testemunhal, pericial,depoimento pessoal do representan-te legal da demandada, sob as pe-nas da lei, e quaisquer outras quese façam necessárias no curso doprocesso.

O MPT requer, desde já, a no-tificação para oitiva das seguintestestemunhas, todas exercentes desuas funções perante a DRT/PA, naRua Gaspar Viana n. 284, Comércio,Belém — Pará, caso infrutífira a ten-tativa de conciliação em primeiraaudiência:

a) Marco Antônio Mollinetti;

b) Robson Waldeck Silva; e

c) Rosemberguer de AlmeidaCronemberger.

Dá-se à causa o valor de R$280.000,00, para efeitos meramen-te fiscais.

Termos em que pede deferi-mento.

Belém (PA), 10 de fevereiro de2003.

Hideraldo Luiz de Sousa Ma-chado, Procurador do Trabalho.

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LIMINAR

Processo Vara Parauapebas/PA n. 682/2003

Espécie: Ação Civil Pública

Autor: Ministério Público doTrabalho da 8ª Região

Procurador: Dr. Hideraldo Luizde Sousa Machado

Réu: José Braz da Silva(Fazenda Boa Esperança)

Vistos etc.

Examino pedido de concessãode liminar formulado pelo MinistérioPúblico do Trabalho, nos autos deAção Civil Pública, contra João Brazda Silva (Fazenda Boa Esperança).

Alega o Ministério Público queo réu se trata de fazendeiro que uti-lizava trabalhadores rurais, em suaatividade empresarial, reduzindo-osà condição análoga à de escravo, emsua propriedade, localizada em Canaãdos Carajás, Sul do Pará.

As alegações do Parquet fun-dam-se em documentos e constata-ções contidas em Relatórios produ-zidos por Equipe do GEFM (GrupoEspecial de Fiscalização Móvel), queempreendeu diligência de fiscaliza-ção na propriedade do réu, acompa-nhada pela Procuradora do Trabalho,Dra. Guadalupe Louro Turos Couto.

Afirma o autor que na Fazen-da foram encontradas várias irregu-laridades trabalhistas, a saber:

a) inexistência de água potável;

b) inexistência de alojamentosadequados;

c) inexistência de acomoda-ções indevassadas para homens,mulheres e crianças;

d) inexistência de instalaçõessanitárias adequadas;

e) inexistência de cozinha ade-quada para preparo da alimenta-ção dos trabalhadores;

f) inexistência de refeitórioadequado para os trabalhadores;

g) fornecimento oneroso de ali-mentação, EPI´s, equipamentosde trabalho, fumo e bebida alco-ólica aos trabalhadores;

h) manutenção de “cantina”para venda dos artigos acima aostrabalhadores, mantidos em regi-me de trabalho forçado, em decor-rência de dívidas ilegais contraí-das no estabelecimento do réu.

O MPT da 8ª Região diz, ain-da, que no local foram apreendidosos seguintes itens:

a) caderno de anotação de dí-vidas contraídas pelos trabalha-dores na cantina da Fazenda;

b) armas de fogo;

c) munição;

d) motosserras.

Por fim, o nobre Procuradorque assina a inicial, como antesmencionado, diz que na proprieda-de do réu foi detectada a existên-cia de trabalho forçado, na modali-dade de servidão por dívidas, con-traídas na cantina mantida pelo de-mandado, que se trata do Sr. Pre-feito Municipal de Unaí/MG.

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Com base nos fatos constata-dos pelo GEFM, com acompanha-mento do Ministério Público do Tra-balho, foram requeridos em sede deliminar:

1. Quebra dos sigilos bancárioe fiscal do réu para evitar transfe-rências patrimoniais que impor-tem risco à não efetividade doprovimento jurisdicional requeri-do nesta Ação;

2. Bloqueio de dinheiros doréu, no valor de R$ 280.000,00(duzentos e oitenta mil reais),para assegurar o pagamento dasobrigações requeridas na presen-te Ação;

3. Indisponibilidade dos bensdo réu para efeitos acauteladores documprimento da provisional edo pedido de fundo.

Quanto às ilegalidades traba-lhistas apontadas, o Autor requereua concessão de Tutela Inibitória, paraque fosse o réu compelido a:

1. Abster-se da prática de qual-quer ato, comissivo ou omissivo,que importe na coação, fraude,erro ou dolo, no sentido de com-pelir os trabalhadores que man-tenha em sua propriedade, ouque venha a manter, a utilizaremarmazém, cantina ou serviçosmantidos pela fazenda a títulooneroso;

2. Abster-se de imposição dequalquer sanção aos trabalhado-res em decorrência de dívidas ile-gais contraídas em fraude contraaplicação de direitos trabalhistas;

3. Efetuar registro do contratode trabalho de seus empregadosem CTPS e providenciar, para osque não tenham o documento emquestão, sua expedição, encami-nhando o trabalhador que preten-da contratar, ou esteja contratan-do nestas condições, aos Órgãospróprios para efeito de expediçãodos documentos necessários aoregistro do contrato de trabalho;

4. Abster-se de reter documen-tos dos trabalhadores por mais de48 horas;

5. Garantir aos empregadosque tenha contratado, ou venha acontratar, todos os direitos traba-lhistas previstos em lei e, especial-mente, atinentes a condições dig-nas de emprego, higiene, seguran-ça e medicina do trabalho.

Em resumo, estes são os fa-tos e pedidos formulados pelo Minis-tério Público do Trabalho, em sededa presente provisional, que passoa decidir.

Às fls. 57/68 constam diversosAutos de Infração, lavrados pelosAuditores Fiscais do GEFM. Nos do-cumentos em questão, verifico aexistência de diversas ilegalidadespraticadas na propriedade do réu.

De acordo com o doc. de fls.57/59 foram encontradas na Fazen-da cadernetas com anotações dedívidas contraídas pelos trabalhado-res, que, além de não se encontra-rem registrados legalmente, confor-me determina o art. 29, da CLT, erammantidos em regime de servidão pordívida, prática que resulta em traba-

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lho forçado, uma vez que os empre-gados ficam atrelados à atividade dotomador em face de dívidas contraí-das ilegalmente, a teor do dispostonos arts. 458 e 462, consolidados.

Ainda no mesmo documento,foi constatada existência de interme-diação ilegal de mão-de-obra, atra-vés da figura conhecida como “gato”,ou “empreiteiro”, que integra organi-zação criminosa no sentido de for-necer trabalhadores para o tomador,livrando este da contratação direta,o que é ilegal de acordo com o dis-posto no Enunciado n. 331, I, do C.TST.

Os Auditores Fiscais aindaflagraram o fornecimento ilegal eoneroso de mantimentos, utensíliosde trabalho, equipamentos de pro-teção e até bebidas e fumo, queeram descontados dos pagamentosdevidos aos trabalhadores, o queafronta o art. 462, caput e seus §§ 2º,3º e 4º, assim redigidos:

Art. 462. Ao empregador é ve-dado efetuar qualquer descontonos salários do empregado, sal-vo quando este resultar de adian-tamentos, de dispositivos de leiou de contrato coletivo.

§ 1º (...)

§ 2º É vedado à empresa quemantiver armazém para venda demercadorias aos empregados ouserviços destinados a proporcio-nar-lhes prestações in naturaexercer qualquer coação ou indu-zimento no sentido de que osempregados se utilizem do arma-zém ou dos serviços.

§ 3º Sempre que não for pos-sível o acesso dos empregadosa armazéns ou serviços não man-tidos pela empresa, é lícito à au-toridade competente determinar aadoção de medidas adequadas,visando a que as mercadoriassejam vendidas e os serviçosprestados a preços razoáveis,sem intuito de lucro e sempre embenefício dos empregados.

§ 4º Observado o disposto nes-te Capítulo, é vedado às empre-sas limitar, por qualquer forma, aliberdade dos empregados de dis-por do seu salário.

Os documentos de fls. 60/68comprovam diversas irregularidadespraticadas na propriedade do recla-mado que colocam em risco acentua-do a saúde, a liberdade, a vida, asegurança e o patrimônio dos traba-lhadores mantidos no local.

Os Auditores Fiscais, em con-junto com o Ministério Público do Tra-balho, nos citados documentos, des-creveram as seguintes irregularida-des, em síntese:

1. não pagamento de saláriosao tempo, modo e forma devidos;

2. inexistência de registro dostrabalhadores;

3. inexistência de fornecimen-to gratuito de EPI;

4. inexistência de fornecimen-to de EPI’s adequados aos riscosinerentes à atividade lucrativa doréu;

5. fornecimento de drogas no-civas à saúde dos empregados;

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6. desconto de drogas (álcoole fumo) dos salários ou pagamen-to salarial através de utilidadesnocivas;

7. coação de empregados àutilização de armazém mantidona propriedade para efeito de for-necimento oneroso de utilidadesaos trabalhadores.

Conforme o doc. de fls. 73, aPolícia Federal apreendeu na pro-priedade do réu várias armas defogo. As armas eram de diversos ti-pos e calibres, de acordo com o quefoi mencionado no Termo de Apreen-são que consta dos autos.

Na fazenda do réu foi encon-trada e apreendida grande quantidadede munição intacta e deflagrada.

Os documentos de fls. 75/79,fotografias, comprovam as demaisalegações do MPT.

Através das fotografias possoverificar as péssimas condições dehigiene, segurança e de trabalho aque estavam submetidos os trabalha-dores na propriedade do réu. As fo-tos demonstram de maneira contun-dente que o fornecimento de águanão era adequado, conforme diz oParquet; que foram encontradas cri-anças na propriedade, submetidasaos mesmos alojamentos de adultos;que os alojamentos e a cozinha eramconstruídos de madeira retirada damata nativa, cobertos com plástico,sem paredes e com piso de chãobatido, expostos às intempéries esem nenhuma proteção contra ven-to, chuva e animais silvestres.

Além dos dispositivos acimareferidos, os atos e omissões do réuencontram impedimento legal con-forme o disposto nos arts. 13; 41; 74,§ 2º; 444, 459 da CLT e art. 13, daLei n. 5.889/73 c/c. NRR-4, 4.2, “a”— isto somente para ficar na legis-lação trabalhista infraconstitucional.

As obrigações de fazer, reque-ridas pelo MPT, têm espeque legal erespectivo, conforme a inicial, nasPortarias MTb 3.214/78 (NR-24) e3.067/88 (NRR-2 e 4), relativas àadoção, pelo réu, de medidas neces-sárias e suficientes a dotar o esta-belecimento de alojamentos com ins-talações sanitár ias adequadas(24.1.2); piso impermeável e nãoderrapante (áspero — NR-24.5.8);estruturas de madeira ou metal, co-bertos com telhas de barro ou fibro-cimento (24.5.9); fornecer água po-tável aos trabalhadores das frentesde trabalho (24.7.1.2); fornecer EPI´sadequados e necessários aos traba-lhadores, de acordo com as ativida-des de cada um, desenvolvidas noestabelecimento (NRR-4); fornecermaterial necessário para primeirossocorros e atendimento urgente aostrabalhadores (NRR-2, 2.8.1).

As obrigações de não fazerreferem-se à abstenção de práticasem contrário ao disposto na Lei5.889/70, art. 9º, b, § 1º (o emprega-dor não fará nenhum desconto nossalários dos trabalhadores superiora 25%, se não atendidas as exigên-cias legais para tanto); abster-se decontratar por interposta pessoa (ju-rídica ou física), em atividade-fim daempresa, empregados sem anota-

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ção de CTPS e não registrá-los emficha ou livro próprios (arts. 13, 29 e41, CLT).

Conforme se depreende dopedido do autor, as obrigações sãode natureza legal e cogente, social-mente justificáveis, legalmente im-postas e materialmente exigíveis.

De acordo com o acima expos-to o pedido liminar possui densida-de jurídica e espeque na legislaçãoe no material probatório inequívoco ecolhido validamente, nestes autosapresentado.

Por tudo isso, vislumbro os re-quisitos para concessão da liminar,conforme a seguir:

O fumus boni juris resta con-substanciado nos dispositivos acimamencionados, base do pedido doautor também em sede liminar, eestá corroborado pelos documentosacima citados, que possuem fé pú-blica (art. 364, CPC).

O periculum in mora, por seuturno, resta evidente pois a todos éobrigatório o cumprimento da legis-lação, principalmente em se tratan-do de normas de proteção do traba-lho humano, cujo descumprimento,ainda que momentâneo, traz gravesconseqüências à saúde e à vida dostrabalhadores, e prejuízo social irre-parável, se encontrados em situaçãoirregular, conforme os documentosproduzidos pelo Grupo Móvel de Fis-calização, firmados por servidorespúblicos (Auditores Fiscais), comnecessidade social urgente da proi-bição de práticas que visem subme-ter os trabalhadores à condiçãosubumana, tanto em situações pre-sentes, quanto para o futuro, e emrelação a obrigações de fazer e denão fazer postuladas.

A concessão da provisionaltem previsão legal nos arts. 11 e 12,da Lei n. 7.347/85; arts. 273, I c/c.588, do CPC; 461, §§ 3º e 5º; 798 e799; 804, do mesmo Código.

A quebra dos sigilos fiscal ebancário do réu é providência neces-sária à garantia de efetividade documprimento desta provisional, poisinstrumentaliza a garantia que aquise pretende conceder à coletividadede trabalhadores, indistintamenteconsiderados, no sentido de preve-nir possíveis manobras do deman-dado concernentes a inviabilizar oprovimento jur isdicional, com adilapidação proposital, simulada, deseus haveres. A medida encontrabase legal no que dispõem os arts.461, §§ 3º e 5º, do CPC.

No mesmo sentido, a indispo-nibilidade dos bens do réu torna-senecessária e legalmente justificávelpois somente com tal providência,requerida pelo MINISTÉRIO PÚBLI-CO DO TRABALHO, o réu efetiva-mente poderá garantir o cumprimen-to da pretensão do Autor, garantin-do, como já disse, efetividade ao pro-vimento jurisdicional antecipado, emconformidade com o disposto no ci-tado art. 461, §§ 3º e 5º, do CPC.

DO EXPOSTO, DEFIROA LIMINAR

Pois presentes os requisitospara sua concessão, acima demons-trados.

Com base nos arts. 11 e 12,da Lei n. 7.347/85, determino ao réuque cumpra as obrigações legaisprevistas nos dispositivos acimamencionados, e abstenha-se de des-cumprir as normas protetivas do

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trabalho, conforme requerido peloAutor, nos termos da presente pro-visional, como a seguir:

1. Abster-se da prática de qual-quer ato, comissivo ou omissivo, queimporte na coação, fraude, erro oudolo, no sentido de compelir os tra-balhadores que mantenha em suapropr iedade, ou que venha amanter, a utilizarem armazém,cantina ou serviços mantidos pelafazenda a título oneroso;

2. Abster-se de impor qualquersanção aos trabalhadores emdecorrência de dívidas ilegaiscontraídas em fraude contra apli-cação de direitos trabalhistas;

3. Efetuar registro do contratode trabalho de seus empregadosem CTPS e providenciar, para osque não tenham o documento emquestão, sua expedição, encami-nhando o trabalhador que preten-da contratar, ou esteja contrata-do nestas condições, aos Órgãospróprios para efeito de expediçãodos documentos necessários aoregistro do contrato de trabalho;

4. Abster-se de reter documen-tos dos trabalhadores por mais de48 horas;

5. Garantir aos empregadosque tenha contratado, ou venha acontratar, todos os direitos traba-lhistas previstos em lei e, especial-mente, atinentes a condições dig-nas de emprego, higiene, seguran-ça e medicina do trabalho;

6. Observar em suas ações àfrente de sua atividade econômi-ca os impedimentos legais confor-me o disposto nos arts. 13; 41; 74,§ 2º; 444, 459 da CLT e art. 13, daLei n. 5.889/73 c/c. NRR-4, 4.2, a;

7. Cumprir as obrigações defazer que têm espeque legal nasPortarias MTb 3.214/78 (NR-24)e 3.067/88 (NRR-2 e 4), relativasà adoção de medidas necessáriase suficientes a dotar o estabele-cimento de alojamentos com ins-talações sanitárias adequadas(24.1.2); piso impermeável e nãoderrapante (áspero — NR-24.5.8);estruturas de madeira ou metal,cobertos com telhas de barro oufibrocimento (24.5.9); fornecerágua potável aos trabalhadoresdas frentes de trabalho (24.7.1.2);fornecer EPI´s adequados e ne-cessários aos trabalhadores, deacordo com as atividades de cadaum, desenvolvidas no estabele-cimento (NRR-4); fornecer mate-rial necessário para primeiros so-corros e atendimento urgente aostrabalhadores (NRR-2, 2.8.1);

8. Observar as obrigações denão fazer referentes à abstençãode práticas em contrário ao dispos-to na Lei n. 5.889/70, art. 9º, b, §1ºe art. 462, §§ 2º a 4º, da CLT (nãofazendo nenhum desconto nos sa-lários dos trabalhadores superior a25%, se não atendidas as exigên-cias legais para tanto); abster-se decontratar por interposta pessoa(jurídica ou física), para atividades-fim da empresa, empregados semanotação de CTPS e sem registros,ficha ou livro próprios (arts. 13, 29e 41, CLT).

Em caso de descumprimentodas obrigações de fazer e não fazerdeferidas nesta liminar, e nos termosdos arts. 11 e 12 da Lei n. 7.347/85 e461, §§ 4º e 5º, do CPC, fica esta-belecida multa de R$ 5.000,00, porinfração e por empregado, encontra-do em situação trabalhista irregular,

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contrárias às obrigações impostaspela presente decisão, a ser reverti-da em favor do FAT — Fundo deAmparo ao Trabalhador.

9. Determino a quebra do sigi-lo fiscal do réu, devendo a Secre-taria oficiar à Receita Federalpara o envio das declarações derenda do mesmo, dos últimos 5(cinco) anos, de acordo com o art.461, §§ 3º e 5º, do CPC;

10. Determino a quebra do si-gilo bancário do réu, através doSistema BacenJud, gerido peloBanco Central do Brasil, deven-do ser encaminhados aos autostodos os extratos de movimenta-ção financeira do réu, dos últimos12 meses, em contas e aplica-ções bancárias de qualquer na-tureza, também de acordo com oart. 461, §§ 3º e 5º, do CPC;

11. Decreto a indisponibilida-de dos bens pessoais do réu atéposterior decisão neste feito, fi-cando invalidada qualquer transa-ção que importe em diminuição deseu patrimônio, realizada a partirdo ajuizamento da presente AçãoCivil Pública, de acordo com oprevisto no art. 273, I, do CPC;

12. Por fim, defiro o bloqueioimediato e preventivo do valor deR$ 280.000,00 (duzentos e oiten-ta mil reais) que foram encontra-dos em contas bancárias de qual-quer espécie em nome do réu,quantia que deverá ser indispo-nibilizada e bloqueada em contaremunerada, à disposição desteJuízo, com base no art. 273, I, doCPC c/c. o art. 588, do CPC.

Intime-se o réu desta Decisão.

Providenciar a expedição deOrdem à Receita Federal e BancoCentral, conforme acima determinado,para envio dos dados requisitados.

Oficie-se aos Juízos Federaise Estaduais desta Jurisdição, comcópia da presente Decisão, para ci-ência da indisponibilidade de bensdecretada.

Oficie-se aos Cartórios e Ins-tituições Bancárias desta Jurisdiçãopara a mesma finalidade e tambémcom cópia desta decisão.

O presente feito deverá trami-tar em segredo de justiça eis que foideterminada a quebra de sigilos ban-cário e fiscal do réu, informaçõesprotegidas por garantia legal.

Oposta qualquer resistênciacontra esta Decisão e as determina-ções aqui constantes fica autoriza-da a requisição de força policial parasua efetivação, conforme o dispostono art. 461, § 5º, parte final, do CPC,com a redação dada pela Lei n.10.444/2002.

Às multas aqui cominadas ficaaplicado o disposto no § 6º, do cita-do art. 461, do CPC (Lei n. 10.444/2002).

Notifique-se o Órgão do Minis-tério Público do Trabalho da 8ª Re-gião, pessoalmente.

Cumpra-se.

Parauapebas, PA, 22 de maiode 2003.

Juiz Jorge Antonio RamosVieira, Titular da MM Vara do Traba-lho de Parauapebas/PA.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRABALHO FORÇADO— LIMINAR — QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO

E FISCAL (PRT 8ª REGIÃO)

O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional doTrabalho da Oitava Região, nesteato representado pelo Procurador doTrabalho que esta subscreve, comendereço para receber notificaçõesna Rua dos Mundurucus 1794 — Ba-t ista Campos-Belém (PA), CEP66025-66 vem perante V. Exa., notermos dos artigos 127, caput, e 129,III da Constituição Federal de 1988,artigos 6º, VII, d, e 83, III, da LeiComplementar n. 75/93, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICACOM PEDIDO DE LIMINAR

INAUDITA ALTERA PARS

Em face de Antônio Braga deOliveira (Fazenda Marajoara), brasi-leiro, pecuarista, portador da Cédu-la de Identidade n. 8.098/SSP/CE eCPF n. 005911573-4949, residentee domiciliado na Rodovia Transama-zônica, Km 258, Vicinal do Adão, Km17, Pacajá, Estado do Pará, CEP68485-000, pelos fatos e fundamen-tos a seguir descritos:

“... E há tempos nem os Santos têm ao certo a medida da maldade.’’(Renato Russo)

DOS FATOS

A atividade principal do reque-rido é a pecuária. Nos dias 15 e 16dezembro de 2002, o Grupo Especi-al de Fiscalização Móvel, do Minis-tério do Trabalho e Emprego, acom-panhado de Agentes da Polícia Fe-deral e pela Procuradora do Traba-lho Dra. Guadalupe Louro TurosCouto, atendendo denúncia de tra-balho em condições degradantes,procedeu a oitiva de diversos traba-lhadores que tinham trabalhado naFazenda Marajoara, localizada nacidade de Pacajá/PA.

Foram ouvidos diversos traba-lhadores, o intermediador (“gato”) eo fazendeiro denunciado, sendo querestaram constatadas diversas ir-regularidades trabalhistas na Fazendade propriedade do réu quer pelosAuditores Fiscais quer pela Procu-radora oficiante, sendo comum des-tacar as seguintes: ameaça de mor-te; arregimentação irregular de mão-de-obra; não-fornecimento de ág uapotável e condições de higiene aosempregados; ausência de registro

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dos empregados na forma do art. 41caput da CLT; não-anotação do con-trato na CTPS(s) na forma dos arts.13 e 29 da CLT; não-fornecimentogratuito de equipamento de proteçãoindividual aos trabalhadores ade-quado ao risco da atividade; coaçãopara os trabalhadores utilizaremarmazém existente na Fazenda; não-fornecimento de alojamento comadequadas condições sanitárias;manutenção de empregados emcondições contrárias às disposiçõesde proteção ao trabalho; atraso nopagamento dos salár ios, dentreoutros.

Os fatos narrados, como vistoacima, ensejam a propositura da pre-sente Ação Civil Pública.

O aliciamento de trabalhado-res somado à servidão é a situaçãomais corrente encontrada no Brasila caracterizar o trabalho forçado,abolido pelas normas internacionais(artigos 1º e 2º da Convenção n. 29,da Organização Internacional do Tra-balho). O trabalhador provavelmen-te provém de lugar distante, sendoaliciado por um “gato” através de pro-messas enganosas no que diz res-peito ao salário e condições de tra-balho. Chegando no local da presta-ção de serviços, o obreiro contraidívidas junto ao barracão do próprioempregador para adquirir alimentose bens de uso pessoal, até porquenão tem outra opção próxima. Des-sa forma passa a trabalhar sem re-ceber qualquer remuneração peloseu trabalho, pois o valor das dívi-das sempre supera o saldo salarial.Acaba por ser impedido de deixar olocal de trabalho e obrigado a traba-lhar para saldar o débito, que só au-

menta em face do superfaturamentodos produtos. O trabalhador fica con-finado em lugar ermo e tem a sualiberdade individual suprimida, redu-zindo-se à condição análoga à deescravo.

O trabalho forçado constatadoafronta os regramentos básicos doDireito do Trabalho contemporâneo.

A atividade principal do reque-rido é a pecuária. Nos dias 15 e 16dezembro de 2002, o Grupo Especialde Fiscalização Móvel, do Ministé-rio do Trabalho e Emprego, acompa-nhado de Agentes da Polícia Fede-ral e pela Procuradora do TrabalhoDra. Guadalupe Louro Turos Couto,atendendo denúncia de trabalho emcondições degradantes, procedeu aoitiva de diversos trabalhadores quetinham trabalhado na FazendaMarajoara, localizada na cidade dePacajá/PA.

Foram ouvidos diversos traba-lhadores, o intermediador (“gato”) eo fazendeiro denunciado, sendo querestaram constatadas diversas irre-gularidades trabalhistas na Fazendade propriedade do réu quer pelosAuditores Fiscais quer pela Procu-radora oficiante, sendo comum des-tacar as seguintes: ameaça de mor-te; arregimentação irregular de mão-de-obra; não-fornecimento de águapotável e condições e higiene aosempregados; ausência de registrodos empregados na forma do art. 41,caput da CLT; não-anotação do con-trato na CTPS(s) na forma dos arts.13 e 29 da CLT; não-fornecimentogratuito de equipamento de proteçãoindividual aos trabalhadores adequa-do ao risco da atividade; coação para

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os trabalhadores utilizarem armazémexistente na Fazenda; não-forneci-mento de alojamento com adequadascondições sanitárias; manutenção deempregados em condições contráriasàs disposições de proteção ao traba-lho; atraso no pagamento dos salários,dentre outros.

Os fatos narrados, como vistoacima, ensejam a propositura da pre-sente Ação Civil Pública.

DOS DIREITOS LESADOS

Do trabalho forçado

O aliciamento de trabalhado-res somado à servidão é a situaçãomais corrente encontrada no Brasila caracterizar o trabalho forçado,abolido pelas normas internacionais(artigos 1º e 2º da Convenção n. 29,da Organização Internacional do Tra-balho). O trabalhador provavelmen-te provém de lugar distante, sendoaliciado por um “gato” através de pro-messas enganosas no que diz res-peito ao salário e condições de tra-balho. Chegando no local da presta-ção de serviços, o obreiro contraidívidas junto ao barracão do próprioempregador para adquirir alimentose bens de uso pessoal, até porquenão tem outra opção próxima. Des-sa forma passa a trabalhar sem re-ceber qualquer remuneração peloseu trabalho, pois o valor das dívi-das sempre supera o saldo salarial.Acaba por ser impedido de deixar olocal de trabalho e obrigado a traba-lhar para saldar o débito, que só au-menta em face do superfaturamentodos produtos. O trabalhador fica con-finado em lugar ermo e tem a sualiberdade individual suprimida, redu-zindo-se à condição análoga à deescravo.

O trabalho forçado constatadoafronta os regramentos básicos doDireito do Trabalho contemporâneo.

NOTAS CARACTERIZADORASDO TRABALHO FORÇADO NA

FAZENDA MARAJOARA

Da intermediação ilegal de mão-de-obra e da ameaça de morte aostrabalhadores

A exploração do homem pelohomem, infelizmente, decorre daconcentração de riqueza nas mãosde poucos, aliado ao interesse eco-nômico cada vez maior de lucro emdetrimento dos direitos sociais e hu-manos. Desta forma, impelidos pelasobrevivência diária, pela precarie-dade de suas condições sociais epelo desemprego, esses trabalhado-res são contratados por meio do su-posto empreiteiro, também conheci-do como ‘‘gato’’.

No caso telado, os grupos detrabalhadores foram contratadospelo Sr. Antônio Braga de Oliveira,ora demandado, e aliciados (em seunome) por Raimundo Simão Filho.

Este ‘‘aliciador’’ agiu em nomedo requerido, escolhendo os traba-lhadores, agenciando o respectivotransporte, determinando o salário(por produção), enfim, fixando todasas regras da relação jurídica esta-belecida com o trabalhador rural,sendo, normalmente, o único refe-rencial que o obreiro possui no localde trabalho.

De fato, o Sr. Raimundo SimãoFilho, nessa engrenagem de explo-ração do homem pelo homem, nãopassa de mero intermediário dodono da terra, ora requerido, vez que

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fala em seu nome e na defesa dosseus interesses. Destaque-se aindaa seguinte realidade: o ‘‘gato’’ citadonão tem idoneidade econômica/fi-nanceira, ao contrário, pois é tão (oumais) miserável e humilde que, mui-tas vezes, se assemelha ao traba-lhador explorando.

O depoimento do Sr. Raimun-do Simão Filho, o ‘‘gato’’ da FazendaMarajoara, tomado pela Procurado-ra do Trabalho oficiante e pelos au-ditores-fiscais, confirma a interme-diação ilegal de mão-de-obra, entreoutras irregularidades perpetradaspelos requeridos:

‘‘que foi contratado, diretamen-te, pelo proprietário da Fazendao Sr. Antônio Braga de Oliveira,apelidado de ‘‘Barba Azul’’; que osalário contratado foi R$ 550,00por roço e alqueire derrubado;que saiu da fazenda no dia 22 deoutubro de 2002; durante a con-tratualidade roçou e derrubou 95alqueires, como também derru-bou 70 alqueires a R$ 350,00 poralqueire; que nesses seis mesesde trabalho o depoente não rece-beu o valor contratado; que nes-ses seis meses o depoente, suaesposa e seis filhos junto commais treze trabalhadores, dormi-am num barraco confeccionadode palha de coqueiro e plástico,onde eram armados redes; quefaziam as necessidades no mato,sem lugar específico; que toma-vam banho em uma grota, bebi-am água de uma cacimba (bura-co cavado pelo depoente; que odepoente era responsável pelaequipe composta por quatorzetrabalhadores contratados para aderrubada; que trabalhava das

6:00h às 18:30h, com intervalo de20 minutos para o almoço, todosos dias, inclusive domingo e osprimeiros dois meses o dono dafazenda comprava os mantimen-tos, para a Sra. Maria Diana daConceição (esposa do depoente)cozinhar; que essa alimentaçãoseria descontada dos salários dostrabalhadores; que essa alimen-tação fornecida era em quantida-de razoável; que do terceiro mêsem diante o dono da fazenda dei-xou de fornecer alimentação,motivo pelo qual o depoente pas-sou a adquiri-la; que o dono dafazenda alegou que não poderiamais comprar o alimento, porquenão tinha mais dinheiro nem cré-dito para comprá-la; que traba-lhou no roço até o final de junho/2002, ocasião em que o dono dafazenda deveria pagar a primeiraparte de serviço; que como nãopagou na data fixada, o depoen-te perguntou ao Sr. Antônio Bragaquando ele iria pagar e se iriacontratar a equipe para trabalharna derrubada; que o dono da fa-zenda por estar endividado, fezum acordo com os trabalhadorespara que trabalhassem na derru-bada até 1º.9.2002, data em quepagaria o valor devido desdeabril/2002’’.

Quanto à ameaça de morteaos trabalhadores por parte do de-mandado, afirmou o Sr. RaimundoSimão Filho:

“que no dia 1º de setembro, oSr. Antônio disse que não tinha di-nheiro para pagar os trabalhado-res; o depoente esperou até o dia04 de setembro o pagamento, dian-

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te então da inércia do dono dafazenda, o depoente foi novamen-te procurá-lo; que nessa ocasião,o Sr.Antônio ficou enfurecido, eem voz alta falou: “Onde vou ar-rumar dinheiro, só se for no infer-no que eu vou arrumar dinheiropara pagar vocês, e se vocês pro-curar a justiça vou matar um porum”; que após essa ameaça, odepoente sabendo que o Sr. An-tônio andava com uma pistola 380no bolso, ficou temeroso e foi àDelegacia de Polícia noticiar ofato; que no dia 21 de outubro, aoser chamado na delegacia, o Sr.António na frente de todos os tra-balhadores e do Cabo de Políciaesbravejou:

“Que se vocês continuassecom isso, vou matar um por um”;que no dia 22 de outubro o depo-ente e os demais trabalhadoressaíram da fazenda; que o depo-ente procurou então a Dra. Nájila,Subdelegada do Trabalho deMarabá-PA, para que fosse pagoos seus direitos; que a Dra. Nájilamandou uma Notificação convo-cando para comparecer na Sub-delegacia do Trabalho; que essanotificação foi entregue pessoal-mente por um trabalhador, na pre-sença de um soldado da PM, queentão recusou-se a receber eameaçou dar um tiro na boca dotrabalhador; que apesar de tersido contratado a equipe só parao roço e derrubada, também, fo-ram realizados os seguintes ser-viços: 150 diár ias de roço dejuquira a R$ 15,00 por dia, 27 diá-rias de queimada no valor de R$20,00 por dia, desdobramento demadeira com motosserra, por R$2.400,00, conserto de roço de

mata por R$ 3.000,00 que o totaldevido pelo Sr. Antônio aos 15 tra-balhadores, “descontando os adian-tamentos pagos perfaz o total deR$ 50.075,00 (cinqüenta mil e cin-qüenta e sete reais); que as CTPSde todos os trabalhadores não fo-ram assinadas; que o Sr. Antônionão forneceu material para o tra-balho e nem para proteção do tra-balhador; que os 15 trabalhado-res encontram-se escondidos sobameaça de morte de quatro pis-toleiros contratados pelo dono dafazenda, que todos os trabalha-dores saíram fugidos da fazenda;que o Sr. Antônio é proprietáriada Fazenda Marajoara”.

O aliciamento de trabalhado-res restou comprovado pelo próprio“gato” em depoimento prestado aoMinistério Público do Trabalho.

Para não restar qualquer dúvi-da quanto ao aliciamento e à inter-mediação fraudulenta de mão-de-obra através de “gato”, confessou,em depoimento prestado ao Minis-tério Público do Trabalho, o proprie-tário da Fazenda Sr. Antônio Bragade Oliveira:

“(...) Que o Sr. Raimundo Si-mão Filho foi até à Fazenda doDepoente pedir trabalho em abrilde 2002; que o Depoente o con-tratou para o “roço” de 30 alquei-res de derrubada; (...)”

Desta forma está clara a inter-mediação de mão-de-obra ilegal,com o objetivo de impedir a identifi-cação da relação de emprego (art.2º, da CLT). No caso, as atividadesdesenvolvidas pelos trabalhadoresnão poderiam ser intermediadas ou

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terceirizadas, já que se tratam deatividades essenciais (atividade-fim)a atividades rurais.

Sistema ilegal de barracão

Pela inspeção fiscal ficou com-provada a utilização do sistema debarracão pela Fazenda Marajoara.Os depoimentos já decalcados aci-ma corroboram com esta assertiva.

O sistema da fazenda é de bar-racão clássico — só que espúrio —,vez que os trabalhadores pagam nãosó os materiais fundamentais para asobrevivência humana (rede de dor-mir, mantimentos — arroz, feijão, fa-rinha, carne, lonas para barracas,gêneros de limpeza e outros), comotambém os equipamentos essenciaispara realizarem o trabalho (foice, fa-cão, botina), os quais deveriam serfornecidos gratuitamente pelos em-pregadores, vez que são instrumen-tos de trabalho. E mais, o grave pro-blema e que consiste na grande irre-gularidade é que os trabalhadorespagam pelos produtos citados acimapreços superiores aos do mercado,conforme comprovam os depoimen-tos prestados pelos trabalhadores eos relatos fiscalizatórios.

No tocante à tal irregularidade,necessária a transcrição de algunstrechos de depoimentos prestadospelos trabalhadores, verbis:

Sr. José Mariano da Silva:

“(...) que quando chegou paratrabalhar teve que comprar nacantina da fazenda: foice, botas ecapacete; que o preço pago porestes utensílios era bem superiorao cobrado na cidade; que nãosabe precisar o preço pago por-

que não foi revelado pela canti-na, mas sabe que era mais caroque na cidade; que o caderno decompras da cantina ficava guar-dado na própria; (...)”

Josenilson Rocha:

“(...) que a botina e a foice fo-ram compradas pelo próprio de-poente; que pagou R$ 15,00 pelabotina e não sabe informar seestava muito cara; (...) que lidavacom motosserra e o fazendeiro sófornecia o capacete; que nuncarecebeu treinamento para usar amotosserra; que nunca aconteceuacidente de trabalho na fazenda;que o Barba Azul não forneciaequipamentos de proteção; (...)”

Tais dívidas contraídas pelostrabalhadores caracterizam o tra-balho forçado, uma vez que acar-retava o cerceamento de sua li-berdade de ir e vir, e o uso da coa-ção moral ou física para mantê-los trabalhando.

Sr. José Mariano da Silva:

“(...) que não tinha como sairda fazenda porque sua vida erasó trabalhar; que na fazenda opróprio proprietário andava sem-pre armado e tinha dois pistolei-ros; que estes pistoleiros ficavamimpedindo a saída dos trabalha-dores da fazenda; que por váriasvezes o Sr. Barba Azul ameaçouos trabalhadores de morte porquedois trabalhadores foram pedir opagamento pelos serviços pres-tados; que um dia à noite, en-quanto estavam dormindo no bar-raco, dois pistoleiros armados fo-ram tentar matá-los, mas os tra-balhadores homens se esconde-ram no mato após ouvirem os la-tidos dos cachorros e os passos

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dos pistoleiros; que nessa oca-sião ficaram no barraco a DonaMaria e seus 04 filhos; que os pis-toleiros não conseguiram chegarno barraco porque os cachorrosnão deixaram; que saíram fugidosda fazenda no dia 22 de outubrode 2002 sem nada receber; (...)”

Josenilson Rocha disse:

“(...) que no final do contrato oSr. Barba Azul ameaçou os traba-lhadores de morte por várias ve-zes, pois não queria pagá-los; quenão podia sair da fazenda porquetrabalhava direto; (...) que o Bar-ba Azul sempre andava com umapistola; que de vez em quando oSr. Barba Azul ameaçava dar umtiro em alguém; que o local ondetrabalhava ficava aproximadamen-te 3 km da sede da fazenda; que afazenda ficava 17 km da rodoviaTransamazônica; que este trechoera complicado de andar até a ro-dovia; que saiu da fazenda em 22de outubro fugido por conta deameaça de morte feita pelo pro-prietário a todos os trabalhadores;que até hoje não recebeu o res-tante seu trabalho; (...)”

Como se observa, o sistemade barracão existente na FazendaMarajoara é totalmente irregular,estando em desconformidade com oartigo 458, da CLT, aplicado subsi-diariamente à relação de trabalhorural.

Da ausência de registro de diverostrabalhadores

Com os depoimentos dos tra-balhadores e a confissão do deman-dado (em anexo), restou comprova-

do pela fiscalização que os trabalha-dores que laboravam para o recla-mado não tinham CTPS assinada.Apurou também que os trabalhado-res não tinham sido registrados, sejaem sua CTPS, seja através de livro,ficha ou sistema eletrônico compe-tente, em desobediência ao art. 41da CLT.

Tal irregularidade fere o dis-posto na CLT em seu artigo 13, abai-xo transcrito:

Art. 13. A Carteira de Trabalhoe Previdência Social é obrigató-ria para o exercício de qualqueremprego, inclusive de naturezarural, ainda que em caráter tem-porário, e para o exercício porconta própria de atividade profis-sional remunerada.

Prescreve ainda o artigo 29,caput, da CLT, também desrespeitado:

Art. 29. A Carteira de Trabalhoe Previdência Social será obriga-toriamente apresentada, contrarecibo pelo trabalhador ao empre-gador que o admitir, o qual teráprazo de quarenta e oito horaspara nela anotar, especificamen-te a data de admissão, a remune-ração e as condições especiais,se houver, sendo facultada a ado-ção de sistema manual, mecâni-co ou eletrônico, conforme instru-ções a serem expedidas pelo Mi-nistério do Trabalho.

Os dispositivos revelam que,sem a assinatura da CTPS, não po-derá ser prestado qualquer trabalho,bem como que é o empregador obri-gado a proceder à assinatura da

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Carteira nas 48 horas imediatamen-te que se seguirem à admissão doempregado.

Isto não significa que a falta deassinatura irá impedir o desenvolvi-mento do contrato de trabalho — quese caracteriza como um contrato-rea-lidade — independendo, portanto, documprimento ou não de formalidades.

Mas sem dúvida que este fatoé considerado falta do empregador,que desta circunstância se pode va-ler para sonegar direitos trabalhis-tas do empregado, como tambémpara vir a eximir-se de responsabili-dades decorrentes da relação deemprego como as contribuições pre-videnciárias.

A falta de registro transcende,então à relação entre e empregador,configurando-se em lesão ao interes-se público, pela constituição situa-ção irregular que afeta a coletivida-de como um todo e ofende as nor-mas existentes sobre a matéria.

Note-se que o requerido, alémde não anotar a CTPS dos empre-gados, da mesma forma não efetuao registro dos mesmos, conformedetermina o artigo 41, caput, da CLT:

Art. 41. Em todas as atividadesserá obrigatório para o emprega-dor o registro dos respectivos tra-balhadores, podendo ser adota-dos livros, fichas ou sistema ele-trônico, conforme instruções aserem expedidas pelo Ministériodo Trabalho.

Fica então, caracterizada atentativa do Requerido de mantera atividade laboral de seus empre-gados à margem da lei e do controledo Estado, negando aos trabalhado-

res direitos mínimos previstos naCLT e demais normas de proteçãoao trabalhador.

Permitir a continuidade dessasituação é permitir que a lei traba-lhista continue a ser violada estimu-lando-se novas inflações.

Em conseqüência impõe-se acondenação do requerido a efetuaro registro da CTPS de seus empre-gados, nos termos dos arts. 13 e 29,ambos da Consolidação das Leis doTrabalho, e a efetuar o registro emlivro, ficha ou sistema eletrônico,consoante o art. 41 do mesmo diplo-ma legal.

Das condições de higiene

Os trabalhadores viviam sobcondições precárias. Residiam embarracos cobertos com lona plásti-ca preta, piso de chão batido, semproteção lateral capaz de impedir aação dos ventos e da chuva semqualquer privacidade, e sem nenhu-ma condição sanitária, sem águapotável, dormindo amontoados emredes pelo reduzido espaço dos bar-racos, demonstrando a forma indig-na em que os empregados do de-mandado eram mantidos.

O réu não fornecia instalaçõessanitárias por mais rústica que fos-sem, para os trabalhadores satisfa-zerem as suas necessidades fisio-lógicas, como exige a dignidade mí-nima de um ser humano. Na verda-de, tais necessidades são satisfei-tas ao relento, em buracos cavadospelos trabalhadores; os quais nãotinham outra opção.

Outro aspecto desumano ob-servado pela equipe (Grupo Móvel eA4PT), é o não fornecimento de água

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potável aos trabalhadores. Os empre-gados bebem a mesma água docórrego, ou seja a água onde sãodespejados excrementos humanos.Não é só. É nessa mesma água queos animais da fazenda bebem e sebanham. Os trabalhadores, tal comoos animais, também se utilizavam daágua do córrego para o banho, paracozinhar seus alimentos e para lavaras poucas peças de louça utilizadas.

Outro destaque negativo daFazenda Marajoara de propriedadedo requerido, era a total inexistên-cia de local para as refeições, sen-do que os trabalhadores se alimen-tam sentados no “chão”, em qualquerlugar, em total desconformidade coma lei trabalhista.

Tais irregular idades sãomantidas com naturalidade pelo pro-prietário da Fazenda sendo que o Sr.Antônio Braga de Oliveira, vulgo“Barba Azul”, sabia onde os traba-lhadores resgatados dormiam, faziamsuas necessidades etc.

Os depoimentos dos trabalha-dores, do “gato” e do demandadodemonstram as condições de traba-lho e de moradia dos empregadosda Fazenda do réu, relatando a si-tuação degradante em que os traba-lhadores eram mantidos:

O “gato” afirmou:

“que nesses seis meses o de-poente, sua esposa e seis filhosjunto com mais treze trabalhado-res, dormiam num barraco confec-cionado de palha de coqueiro eplástico, onde eram armadas re-des; que faziam as necessidadesno mato, sem lugar específico; quetomavam banho em uma grota,bebiam água de uma cacimba (bu-raco cavado pelo depoente).”

Em relação à submissão àscondições precárias de trabalho pelafalta ou inadequado fornecimento deboa alimentação e água potável:

Sr. José Mariano da Silva afir-mou: “(...) que tomavam água numacacimba cavada pelos próprios traba-lhadores; que essa água era barren-ta; que tomavam banho num riacholonge do barraco onde dormiam; (...)”

Josenilson Rocha: “(...) que acomida não era farta, além de sertodos os dias arroz, feijão e carne;(...) que tomava água de uma cacim-ba cavada pelos próprios trabalha-dores; (...)”

Antônio Braga de Oliveira, vul-go “Barba Azul” confessou: “(...) quetomavam água num poço pelos pró-prios trabalhadores cavados; (...)”

Especif icamente sobre osalojamentos sem condições de ha-bitação e falta de instalações sani-tárias, relataram os trabalhadores econfessou o demandado:

Sr. José Mariano da Silva: “(...)que faziam as necessidades fisioló-gicas no mato em lugar não específi-co; (...) que todos dormiam no mes-mo barraco coberto de plástico; queeram 30 trabalhadores, um casal emais 4 crianças dormindo no mesmobarraco; que depois que esses 21 tra-balhadores saíram, permaneceramtrabalhando; que no barraco entãopassaram a dormir 13 trabalhadoresmais 1 casal e 4 crianças; (...)”

Josenilson Rocha: “(...) quedormia num barraco de chão batido,coberto de plástico preto, com aslaterais abertas, junto com mais 15trabalhadores e 4 crianças; (...)”

Antônio Braga de Oliveira, vul-go “Barba Azul”: “(...) que ninguémcostuma na Região dar banheiro aostrabalhadores; (...)”

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Todos os demais trabalhado-res confirmaram a situação desuma-na em que viviam, não podendo osoperadores do direito aceitar a con-tinuação da situação fática relatada.

Registre-se a tranqüilidade dodemandado ao confessar a situaçãodegradante em que estavam os tra-balhadores, argumentando que tra-ta-se de costume na região. Será queo demandado viveria nas mesmascondições em que foram encontra-dos os seus empregados? É claroque não!

Sobre o tema vertente, os co-mandos legais são claros ao esta-belecerem:

‘‘Art.157. Cabe às empresas:

I — cumprir e fazer cumprir asnormas de segurança e medicina dotrabalho;

II — in omissis;

III — adotar as medidas quelhes sejam determinadas pelo ór-gão regional competente.”

NR-21 — ‘‘Nos trabalhos reali-zados a céu aberto, é obrigado aexistência de abrigos, ainda querústicos, capazes de proteger ostrabalhadores contra intempéries.’’

NR-21 — 21.6 — “Quando oempregador fornecer ao empre-gado moradia para si e sua famí-lia, esta deverá possuir condiçõessanitárias adequadas”.

NR-21 — 21.12 — “Toda mo-radia disporá de pelo menos umdormitório, uma cozinha e um com-partimento sanitário”.

24.5.8. ‘‘Os pisos dos alojamen-tos deverão ser impermeáveis,laváveis e de acabamento áspero.Deverão impedir a entrada deumidade e emanações no aloja-

mento. Não deverão apresentarressaltos e saliência sendo o aca-bamento com as condições míni-mas de conforto térmico e higiene.

24.5.9. A cobertura dos aloja-mentos deverá ter estrutura de oumetálica, as telhas poderão serde barro ou de fibrocimento, e nãohaverá forro’’.

NR-24 — 24.7,1,1 — “As em-presas devem garantir, nos locaisde trabalho, suprimento de águapotável e fresca em quantidadesuperior a 1/4 de litro (250ml) porhora/homem trabalho”.

24.7.1.2. ‘‘Quando não for pos-sível obter água potável corren-te, essa deverá ser fornecida emrecipientes portáteis hermetica-mente fechados de material ade-quado e construído de maneira apermitir fácil limpeza’’.

Como se vê, as condições detrabalho na Fazenda Marajoara sãoas mais precárias possíveis, semque sejam fornecidas as condiçõesmínimas de resguardo à saúde esegurança dos trabalhadores, sujei-tos a intempéries, acidentes e àaquisição de doenças tropicais dasmais diversas.

Desse modo, postula este Par-quet que o Réu seja condenado afornecer alojamentos, instalaçõessanitárias e água potável adequadasaos trabalhadores, nos termos dalegislação trabalhista e das NormasRegulamentadoras indicadas acima.

Do fornecimento de equipamentode trabalho

Foi constatado na inspeção rea-lizada que os Equipamentos de Pro-teção Individual não eram fornecidos

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pelo empregador aos trabalhadores.Não se trata de fornecimento insufi-ciente de EPI, mas de inexistência dequalquer EPI. Sequer botinas ou cha-péus de palha são fornecidos aos tra-balhadores, quanto mais perneiras ouluvas. Ao contrário, todos os equipa-mentos de proteção eram cobrados,conforme se infere pelos depoimen-tos colhidos.

Sr. José Mariano da Silva:.

“(...) que quando chegou paratrabalhar teve que comprar nacantina da fazenda: foice botas ecapacete; que o preço pago porestes utensílios era bem superiorao cobrado na cidade;’’

Josenilson Rocha:

“(...) que a botina e a foice fo-ram compradas pelo próprio de-poente; que pagou R$ 15,00 pelabotina e não sabe informar seestava muito cara; (...) que lidavacom motosserra e o fazendeiro sófornecia o capacete; que nuncarecebeu treinamento para usar amotosserra; que nunca aconteceuacidente de trabalha na fazenda;que o Barba Azul não forneciaequipamentos de proteção; (...)”

Ora, a legislação trabalhista(art. 13 da Lei n. 5.889/73 c/c. NRR-4, item 4.2, a) estabelece claramen-te que o fornecimento do instrumen-to à operacionalização da atividadedo empregado, essencial à ativida-de econômica do empreendimento,é dever da empregador.

A NRR-4, da Portaria n. 3.067,de 12.4.88, item 4.2, estipula que: “Oempregador rural é obrigado a for-necer, gratuitamente, EPI adequado

ao risco e em perfeito estado de con-servação e funcionamento, nas se-guintes circunstâncias: a) sempreque as medidas de proteção coleti-va forem tecnicamente inviáveis ounão oferecerem completa proteçãocontra os riscos de acidentes do tra-balho e/ou doenças profissionais”.

Note-se que não tornar obriga-tório o uso do EPI causa a agilizaçãoda saúde ou mesmo a possível in-capacitação do empregado para otrabalho, afetando diretamente osdependentes do empregado doente,acidentado ou inválido, onerando emúltima instância o Estado, por meiode concessão de benefícios para si-tuações perfeitamente prescindíveise evitáveis.

Ademais, a Constituição Fede-ral assegura aos trabalhadores aredução dos riscos inerentes ao tra-balho, por meio de normas de saú-de, higiene e segurança (art. 7º,XXII), condições benéficas ao de-sempenho do trabalho, inobservadaspelo Demandado, como se viu.

O legislador ordinário procurouprivilegiar o direito dos trabalhado-res a uma finalidade social que asobriga a cumprir determinados ob-jetivos, voltados para a sua total rea-lização, que não se limita aos obje-tivos econômicos. Na sua organiza-ção, devem estar presentes os mei-os destinados a esses objetivos,dentre os quais uma estrutura ade-quada para zelar pela segurança ehigiene dos seus empregados” (Cur-so de Direito do Trabalho”, 10ª edi-ção, São Paulo, Saraiva, 1992, p.532, grifou-se).

A saúde do trabalhador é pre-missa indispensável e inarredável àefetivação dos demais direitos refe-

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rentes à vida, ao lazer, à dignidade,ao respeito, à liberdade e à convi-vência familiar e comunitária.

Freqüentemente relegadas aosegundo plano, pela ausência deexpressão econômica as normassobre Segurança e Medicina do Tra-balho, que integram o Direito Tutelardo Trabalho, são de importânciacrucial no relacionamento entre em-pregados e empregadores, já queestabelecem normas de conduta embenefício da saúde, do bem-estar eda segurança do empregado.

Na hipótese em tela constatou-se o não fornecimento de Equipa-mentos de Proteção Individual, comobotinas, calçados, viseiras e másca-ras para proteção de pó para opera-dores de motosserras, chapéus etc.,conforme determina a NRR-4, item4.2, a, da Portaria n. 3.067/88, doMTb, verbis:

4.2. O empregador rural é obri-gado a fornecer, gratuitamente,EPI’s adequados ao risco e emperfeito estado de conservação efuncionamento nas seguintes cir-cunstâncias:

a) sempre que as medidas deproteção coletiva forem tecnica-mente inviáveis ou não oferece-rem completa proteção contra osriscos de acidentes do trabalho e/ou doenças profissionais;

...

4.3. Atendidas as peculia-r idades de cada atividade, o em-pregador rural deve fornecer aostrabalhadores os seguintes EPI:

I) proteção da cabeça;

b) chapéu de palha de abaslargas e cor clara para proteçãocontra o sol, chuva, salpicos, etc.

II — proteção dos olhos e daface:

...

b) óculos de segurança paratrabalhos que possam causar fe-rimentos provenientes do impac-to de partículas, ou de objetospontiagudos ou cortantes;

...

d) óculos de segurança contrapoeira e pólen.

IV — proteção das vias respi-ratórias:

a) respiradores com filtros me-cânicos para trabalhos que impli-quem produção de poeiras;

...

V — proteção dos membrossuperiores:

Luvas e/ou mangas de prote-ção nas atividades em que hajaperigo de lesões provocadas por:

a) materiais ou objetos escori-antes, abrasivos, cantantes ouperfurantes;

...

f) picadas de animais peço-nhentos.

VI — proteção dos membrosinferiores:

a) botas impermeáveis e comestrias no solado para trabalhosem terrenos lamacentos, enchar-cados ou com dejetos de animais;

...

d) perneiras em atividadesonde haja perigo de lesões, pro-vocadas por materiais ou objetoscortantes, escoriantes ou perfu-rantes;

...f) calçados de couro para as

demais atividades.

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Sendo assim, o réu deve serobrigado a fornecer os referidosEquipamentos de Proteção Indivi-dual, para que os seus empregadosnão continuem sujeitos a acidentesde trabalho dos mais diversos e setornem futuros mutilados.

Dos salários

A fiscalização constatou diver-sas irregularidades no tocante a sa-lários, uma vez que os mesmos nãoforam pagos aos trabalhadores.

Quanto ao pagamento do sa-lário no prazo legal os depoimentosdos trabalhadores confirmam quenão tiveram seus salários pagos pelodemandado.

O Raimundo Simão Filho rela-ta em seu depoimento:

“(...) que nesses seis meses detrabalho o depoente não recebeuo valor contratado; (...) que comonão pagou na data fixada, o de-poente perguntou ao Sr. AntônioBraga quando ele iria pagar e seiria contratar a equipe para traba-lhar na derrubada; que o dono dafazenda por estar endividado, fezum acordo com os trabalhadorespara que trabalhasse na derruba-da até 1º.9.2002, data em quepagaria o valor devido desdeabril/2002; que no dia 1º de se-tembro, o Sr. Antônio disse quenão tinha dinheiro para pagar ostrabalhadores; o depoente espe-rou até o dia 4 de setembro opagamento, diante então da inér-cia do dono da fazenda, o depoen-te foi novamente procurá-lo; quenessa ocasião, o Sr. Antônio ficouenfurecido, e em voz alta falou:“Onde vou arrumar dinheiro, só se

for no inferno que eu vou arrumardinheiro para pagar vocês, e sevocês procurar a justiça vou ma-tar um por um”; que, após essaameaça, o depoente sabendo queo Sr. Antônio andava com umapistola 380 no bolso, ficou teme-roso e foi à Delegacia de Polícianoticiar o fato; que no dia 21 deoutubro, ao ser chamado na de-legacia, o Sr. Antônio na frente detodos os trabalhadores e do Cabode Polícia esbravejou: “Que sevocês continuasse com isso, voumatar um por um”; que no dia 22de outubro o depoente e os de-mais trabalhadores saíram dafazenda”.

O Sr. Josenilson Rocha confir-mou: “que no final do contrato o Sr.Barba Azul ameaçou os trabalhado-res de morte por várias vezes, poisnão queria pagá-los; que não podiasair da fazenda porque trabalhavadireto; (...) que o Barba Azul sempreandava com uma pistola; que de vezem quando o Sr. Barba Azul amea-çava dar um tiro em alguém; que olocal onde ficava aproximadamente3 km da sede da fazenda; que a fa-zenda ficava 17 km da rodovia Tran-samazônica; que este trecho eracomplicado de andar até a rodovia;que saiu da fazenda em 22 de outu-bro fugido por conta de ameaça demorte feita pelo proprietário a todosos trabalhadores; que até hoje nãorecebeu o restante devido pelo seutrabalho”.

Os demais trabalhadores con-firmaram a irregularidade quanto aopagamento e às ameaças feitas peloSr. Antônio Braga de Oliveira confor-me depoimentos em anexo.

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Salário é a contraprestação doserviço executado pelo empregado.No dizer de Arnaldo Süssekind, é “oprincipal e único meio de subsistên-cia da família operária”. Por estemotivo, visando atenuar o jugo queo empregador exercia sobre o em-pregado, surgiram normas protecio-nistas do trabalho.

A proteção ao salário (e, via deconseqüência ao seu pagamentotempestivo) merece até patamarconstitucional, como se lê do art. 7º,inciso X:

X — proteção do salário na for-ma da lei, constituindo crime suaretenção dolosa;

São por demais conhecidos osefeitos danosos aos trabalhadoresdecorrentes da inadimplência doempregador quanto a essa obriga-ção. Não pode honrar seus compro-missos, não terá condições de pa-gar despesas decorrentes de proble-mas de saúde (medicamentos, porexemplo), não poderá adquirir quais-quer peças de vestuário, não pode-rá adquirir livros escolares para seusfilhos, e, o que é pior, não terá con-dições de alimentar-se e de susten-tar sua família.

Como fará enfim, para atenderàs suas necessidades mais básicascomo moradias, alimentação, educa-ção, saúde, lazer, vestuário, higiene,transporte etc.??

O pagamento de salários épremissa indispensável e inarredá-vel à efetivação dos demais direitosdecorrentes da relação de trabalho.

A CLT estabelece, expressa-mente, em seus arts. 458, caput e459, § 1º, como e quando deverá serefetuado o pagamento do salário:

Art. 458. Além do pagamentoem dinheiro, compreende-se no

salário, para todos os efeitos le-gais, a alimentação, habitação,vestuário ou outras prestações innatura que a empresa, por forçado contrato ou do costume, for-necer habitualmente ao emprega-do. Em caso algum será permiti-do o pagamento com bebidas al-coólicas ou drogas nocivas. (grifonosso)

Art. 459. O pagamento do sa-lário, qualquer que seja a modali-dade do trabalho, não deve serestipulado por período superior a1 (um) mês, salvo no que concen-trem a comissões, percentagense gratificações.

§ 1º Quando o pagamento hou-ver sido estipulado por mês, efetua-do, o mais tardar, até o quinto diaútil do mês vencido. (grifo nosso)

Não há justificativa para o atra-so nos pagamentos dos salários dosempregados do demandado, já que,como sabido, não pode o emprega-do sofrer os riscos do empreendi-mento empresarial — da mesma for-ma como não participa dos lucros domesmo. Muito menos pode ser acei-to o fato dos salários ficarem retidospelo chamado “gato”.

Como observa Garcia Oviedo:

“A regularidade no pagamen-to se prende à necessidade parao trabalhador de contar com osalário em determinados momen-tos, para a ordenação econômi-ca de sua vida. Se depender davontade do patrão ou dos azaresda indústria à época em que se háde abonar o salár io, logo seromperá o equilíbrio na economiado operário, e, se houver dilata-

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ção do momento, obrigará o as-salariado a entregar-se ao agio-ta, que não outorgará seus favo-res senão a muito elevada usura”(‘‘Instituições de Direito do Traba-lho’’, Arnaldo Süssekind et alli,LTr, 17ª, 1997, 486)

Um dos princípios básicos deproteção ao salário é o da sua in-tangibilidade. O art. 9º, letra V, § 1º,da Lei n. 5.889/70 admite o descon-to sobre o salário do empregado ru-ral até o limite de 25% calculadosobre o salário mínimo, por conta dofornecimento de alimentação sadiae farta, atendidos os preços vigen-tes na Região e mediante préviaautorização do obreiro, sob pena denulidade. São admitidos tambémdescontos a título de adiantamentos.Entretanto, os valores que superemo valor mensal da remuneração per-dem o caráter de adiantamento.

Conforme já relatado anterior-mente, a fiscalização constatou queexiste exploração de vendas em can-tinas aos trabalhadores, sendo queos trabalhadores não receberamqualquer remuneração pelos servi-ços prestados ao Reclamado (traba-lho em situação degradante). Dessemodo, deve ser condenado a efetu-ar o pagamento dos salários até oquinto dia útil do mês subseqüenteao laborado e de forma integral aosseus empregados.

Diante da patente ocorrênciade lesão coletiva de direitos indispo-níveis dos trabalhadores e de direitosocial fundamental, assegurado pelaConstituição Federal, não resta dúvi-da de que é legítima a propositura dapresente Ação Civil Pública.

Do desrespeito à jornada detrabalho

Entende-se por jornada de tra-balho o período em que o trabalha-dor fica à disposição do empregador,recebendo e executando ordens.Este período, de acordo com o dis-posto na Constituição Federal emseu artigo 7º, XIII é de 08 (oito) ho-ras diárias.

Assim dispões o art. 7º, XIII daCarta Magna de 1988:

“Art 7º São direitos dos traba-lhadores urbanos e rurais, alémque visem à melhoria de sua con-dição social:

XIII — duração do trabalhonormal não superior a oito horasdiárias e de quatro semanais, fa-cultada a compensação de horá-rios e a da jornada, medianteacordo ou convenção coletiva detrabalho.”

Vê-se, portanto, que o citadoartigo constitucional e os diversos dalegislação infraconstitucional refe-rentes ao trabalhador rural foramdesrespeitados de forma a prejudi-car os empregados, pois estes tan-to trabalham além do limite estabe-lecido constitucionalmente e em lei,como não recebem pelas horas la-boradas excessivamente.

O empregado José Mariano daSilva depoimento em anexo, relatou:

“(...) que trabalhava das 6:30hàs 18:00h com intervalo de 20minutos para o almoço todos os

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dias, inclusive domingos e feria-dos; (...) que no início havia 36trabalhadores na fazenda, porémcomo o Barba Azul nada pagava,21 trabalhadores saíram da fa-zenda sem nada receber (...)”

Josenilson Rocha expôs:

“(...) que trabalhava das 6:00hàs 18:00h, com intervalo de 20 mi-nutos para o almoço, todos os dias,inclusive domingos e feriados;

(...) que não tem CTPS; (...)”

Constata-se, portanto, o totaldesrespeito dos demandados quan-to à limitação de 08 (oito) horas diá-rias e 44 (quarenta e quatro) horassemanais para a jornada de traba-lho dos seus empregados, devendoo réu ser condenado a se abster deexigir o labor em sobrejornada alémdos limites autorizados pela legisla-ção trabalhista.

Do trabalho forçado — Outrosaspectos

O périplo das irregularidadespraticadas pelo requerido caracte-riza sim como prática de trabalhoforçado.

Como bem ficou demonstradonos subitens traçados linhas antevis-tas, na Fazenda Marajoara a tarefade arregimentação e o recrutamen-to de mão-de-obra era efetuada pelo“gato”, no caso, mero preposto dorequerido, este, sim, o único benefi-ciário pela utilização dos trabalha-dores rurais.

Outra prática abusiva bem pre-sente na Fazenda é o sistema debarracão/cantina. Este abuso restoucomprovado no instante em que orequerido, valendo-se da boa-fé dosempregados, obriga-os a adquirirbens por preços bem acima dos demercado, inclusive equipamentosde proteção individual que deveriamser fornecidos gratuitamente, resul-tando em aumento considerável dasdívidas dos trabalhadores.

E mais. O trabalho forçado naFazenda Marajoara reluz ainda mais,ou seja fica mais patente, quando severifica o descompromisso do reque-rido com os direitos trabalhistas mí-nimos: ameaça de morte, não assi-natura da CTPS de vários trabalha-dores, não pagamento dos saláriosdevidos no período legal e, por fimdescuido por completo com as nor-mas de medicina e segurança do tra-balho, consoante atestam os depoi-mentos, inclusive com confissão dodemandado.

Assim permitir a continuidadedessa situação é permitir que a le-gislação trabalhista continue a serviolada, estimulando-se novas infra-ções.

Da lesão e da reparação do danomoral difuso e coletivo

É inegável que a conduta ado-tada pelo requerido causou, e cau-sa lesão aos interesses difusos detoda a coletividade de trabalhadores,uma vez que propiciam a negaçãodos direitos trabalhistas aos atuaistrabalhadores flagrados trabalhando

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nas condições apontadas pela fisca-lização, bem como a toda a catego-ria de trabalhadores que, no futuro,possa vir a laborar na fazenda dodemandado, ora requerido.

Há também, de se levar emconta a afronta ao próprio ordena-mento jurídico, que, erigido pelo le-gislador como caminho seguro parase atingir o bem comum é flagrante-mente aviltado pelos intermediado-res de mão-de-obra que visando aobtenção de lucro, favorecem a inob-servância dos ditames constitucio-nais atinentes às normas mínimasde proteção ao trabalhador.

Como tais lesões amoldam-sena definição do artigo 81, incisos I eIl, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Minis-tério Público, com espeque nos arti-gos 1º, caput, e inciso IV e 3º da Lein. 7. 347/85, propor a medida judicialnecessária à reparação do dano e àsustação da prática.

Em se tratando de danos a in-teresses difusos e coletivos, a res-ponsabilidade deve ser objetiva por-que é a única capaz de asseguraruma proteção eficaz a esses interes-ses. Cuida-se, na hipótese, do “danoem potencial”, sobre o qual já semanifestou o Eg. TRT da 12ª Região,ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V n.7.158/97. Transcreve-se parte dovoto do Exmo. Sr. Juiz Relator:

“O prejuízo em potencial já ésuficiente a justificar a actio. Exa-tamente porque o prejuízo empotencial já é suficiente a justifi-car a propositura da presenteação civil pública, cujo objeto,como se infere dos balizamentos

atribuídos pela peça exordial aopetitum, é em sua essência pre-ventivo (a maior sanção) e ape-nas superficialmente punitivo, éque entendo desnecessária a pro-va de prejuízos aos empregados.De se recordar que nosso orde-namento não tutela apenas oscasos de dano in concreto, comotambém os casos de exposiçãoao dano, seja ele físico, patrimo-nial ou jurídico, como se infere doCódigo Penal, do Código Civil, daCLT e de outros instrumentos ju-rídicos. Tanto assim é que a CLT,em seu artigo 9º, taxa de nulosos atos praticados com o objetivode fraudar, o que impende reco-nhecer que a mera tentativa dedesvirtuar a lei trabalhista já é pu-nível.” (g.n.)

De outra parte, a violação dadignidade dos trabalhadores nãopode ficar impune. Nesse passo, afi-gura-se cabível a reparação da co-letividade dos trabalhadores, não sópelos danos causados, mas, igual-mente, para desestimular tais atos.

Oportuno se torna dizer que:

“não somente a dor psíquicapode gerar danos morais; deve-mos ainda considerar que o tra-tamento transindividual aos cha-mados interesses difusos e cole-tivos origina-se justamente daimportância destes interesses eda necessidade de uma efetivatutela jurídica. Ora tal importân-cia somente reforça a necessidadede aceitação do dano moral cole-

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tivo, já que a dor psíquica que ali-cerçou a teoria do dano moralindividual acaba cedendo lugar,no caso do dano moral coletivo,a um sentimento de desapreço ede perda de valores essenciaisque afetam negativamente todauma coletividade (...) Assim, épreciso sempre enfatizar o imen-so dano moral coletivo causadopelas agressões aos interessestransindividuais: afeta-se a boaimagem da proteção legal a es-tes direitos e afeta-se a tranqüi-lidade do cidadão, que se vê emverdadeira selva onde a lei domais forte impera.’’

Tal intranqüilidade e sentimen-to de desapreço gerado pelos danoscoletivos, justamente por seremindivisíveis, acarretam lesão moralque também deve ser reparada co-letivamente. Ou será que alguémduvida que o cidadão brasileiro, acada notícia de lesão a seus direi-tos, não se vê desprestigiado e ofen-dido no seu sentimento de perten-cer a uma comunidade séria, ondeas leis são cumpridas? Omissis.

A reparação moral deve seutilizar dos mesmos instrumentos dareparação material, já que os pres-supostos (dano e nexo causal) sãoos mesmos. A destinação de even-tual indenização deve ser o FundoFederal de Direitos Difusos, que seráresponsável pela utilização do mon-tante para a efetiva reparação destepatrimônio moral lesado. Com isso,vê-se que a coletividade é passívelde ser indenizada pelo abalo moralo qual, por sua vez não necessita ser

a dor subjetiva ou estado anímiconegativo, que caracterizariam o danomoral na pessoa física..’’ In André deCarvalho Ramos, A Ação Civil Pú-blica e o Dano Moral Coletivo.

Destarte, através do exercícioda Ação Civil Pública pretende o Mi-nistério Público do Trabalho a defini-ção das responsabilidades por ato ilí-cito que causou danos morais ou pa-trimoniais a interesses difusos oucoletivos. A questão está assim defi-nida pelo art. 1º da Lei n. 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas dispo-sições desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

(...)

V — a qualquer outro interes-se difuso ou coletivo.”

Busca-se, aqui, a reparação dodano jurídico social emergente daconduta ilícita do réu, cuja responsa-bilidade pode e deve ser apuradaatravés de ação civil pública (Lei n.7.347/85, art. 1º, IV), bem como — eespecialmente — a imediata cessa-ção do ato lesivo (art. 3º), através daimposição de obrigação de não fazer.

Ressalte-se, por opor tuno,que, no presente caso, o MinistérioPúblico do Trabalho visa não só fa-zer cumprir o ordenamento jurídico,mas, também, restaurá-lo, vez quejá foi violado. Tem por escopo, aindacoibir a repercussão negativa nasociedade que essa situação gera.

A MMª Vara do Trabalho deParauapebas (Proc. VT-PP-0233/

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2002) já teve oportunidade de julgarcasos semelhantes ao presente,sendo que naqueles processos osdemandados foram condenados deforma exemplar por este Juízo, sen-do necessária a transcrição de par-te da decisão:

Processo do Trabalho — AçãoCivil Pública — Reparação de DanoColetivo — Afronta à Legislação deHigiene, Medicina e Segurança doTrabalho — Trabalho Degradante —Possibilidade Jurídica do Pedido —Configuração — Cabimento — Legi-timidade do Ministério Público doTrabalho — Possibilidade — Interes-ses Coletivos e Difusos dos Traba-lhadores — Ocorrência — Inexistin-do dúvida razoável , sobre o fato deo réu utilizar-se, abusivamente, demão-de-obra obtida de forma ilegale aviltante, de maneira degradante,com base nos Relatórios de Inspe-ção do Grupo Móvel, emitidos pelosAuditores Fiscais do MTe, tal ato ésuficiente e necessário, por si só, agerar a possibilidade jurídica de con-cessão de reparação por dano cole-tivo contra o infrator de normas pro-tetivas de higiene, segurança e saú-de do trabalho. Dizer que tal condu-ta não gera dano coletivo, impõechancela judicial a todo tipo dedesmando e inobservância da legis-lação trabalhista, que põem em ris-co, coletivamente, trabalhadores in-definidamente considerados. Osempregadores rurais, que se utilizamde práticas ilícitas, dessa naturezae magnitude, devem ser responsa-bilizados, pecuniariamente, com areparação do dano em questão, ematenção às expressas imposições

constitucionais, insculpidas nos arts.1º, III; 4º, II; 5º, III, que minimamen-te, estabelecem parâmetros, em quese fundam o Estado Brasileiro e asGarantias de seus cidadãos. Dessemodo, o pedido do autor tem nature-za nitidamente coletiva, o que auto-riza a atuação do Ministério Públicodo Trabalho, de acordo com suacompetência constitucional, poden-do ser acatado, sem rebuços de na-tureza legal ou acadêmica, pois aatividade produtiva impõe responsa-bilidade social (art. 1º, IV, da CF/88)e o direito de propriedade tem fun-ção de mesma natureza, a ele liga-do por substrato constitucional, es-culpido no art. 5º, XXIII, pois de nadaadianta a existência de Leis justas,se estas não forem observadas, ain-da que por imposição coercitiva, pu-nitiva e reparadora, que presenteAção visa compor. Reparação pordano coletivo julgada procedente.

Mais:

De nada adianta a existênciade Leis justas, se estas não fo-rem observadas e, para os casosque tais, a par do fato de que apropriedade, e todos os outrosdireitos que a integram ou deladerivam, terem relevância social,pois capazes de gerar empregoe renda, desde que sejam exerci-tados com responsabilidade e emobediência à legislação, não sepode esquecer que, no caso con-creto, direitos foram gravementeviolados o que gerou dano irre-parável do ponto de vista social.

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Ainda:

“Os fatos narrados na inicial,comprovados por documentos pú-blicos, põem em risco toda cole-tividade de trabalhadores, inde-finidamente considerados, que pordesconhecimento de seus direitos,imposição da vontade ilícita doempregador e por necessidadede subsistência, são explorados, deforma aviltante e violenta, redu-zindo-os à condição de indigênciagrave e tratando seres huma-nos de maneira inadequada e de-gradante, que, certamente nãoseria dispensada ao animal ga-nhador de prêmios em exposiçõese fornecedor de material genéticopara melhoria da qualidade do re-banho, nesta Região.”

Assim, o restabelecimento daordem jurídica envolve, além da sus-pensão da continuidade da lesão, aadoção de algumas medidas; impe-dir que o requerido volte a utilizar tra-balhadores aliciados pelos chamados“gatos”, assim como privar seus tra-balhadores do direito de “ir e vir”, im-pedindo-os de deixarem seus empre-gos quando bem lhes aprouverem,ameaçando-os de morte; e mais: quepropicie a reparação do dano socialemergente da conduta do Réu deburlar todo o arcabouço de princípiose normas, constitucionais e inconsti-tucionais, que disciplinam as relaçõesde trabalho.

Entende o Ministério Públicoque é bastante razoável a fixação daindenização pela lesão a direitos di-fusos no valor de R$ 200.000,00

(duzentos mil reais), a ser suporta-da pelo requerido. Trata-se de inde-nização simbólica considerando-seos malefícios causados com a ilegalintermediação de mão-de-obra pri-vando os de todas as garantias tra-balhistas e previdenciárias.

Todo esse valor deverá ser re-vertido em prol de um fundo desti-nado à reconstituição dos bens le-sados, conforme previsto no artigo13 da Lei n. 7.347/85. No caso deinteresses difusos e coletivos naárea trabalhista esse fundo é o FAT— Fundo de Amparo ao Trabalhador—, que, instituído pela Lei n. 7.998/90, custeia o pagamento do seguro— desemprego (art. 10) e o financia-mento de políticas públicas que vi-sem à redução dos níveis de desem-prego, o que propicia, de forma ade-quada, a reparação dos danos sofri-dos pelos trabalhadores, aqui incluí-dos os desempregados que buscamuma colocação no mercado.

Da natureza do provimentojurisdicional perseguido peloMPT

Cumpre, finalmente, esclare-cer o objetivo do Parquet na presen-te ação.

Além da condenação em da-nos morais coletivos, ante a violaçãoda lei já consumada pelo requerido,a qual merece ser reparada postulao MPT a imposição de multa diáriaem caso de descumprimento dasobrigações de fazer e não fazer pos-tuladas na presente ação. Demons-trada e comprovada a ocorrência de

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infração às normas trabalhistas, vi-olando toda a coletividade de traba-lhadores, busca o MPT impedir quea infração se repita, impondo multaque seja suficiente para coibir, deuma vez por todas, as infrações.Multa que, evidentemente, sóincidirá e será cobrada pelo MPT sea Demandada voltar a praticar qual-quer dos ilícitos trabalhistas.

Sem dúvida que se trata de umprovimento jurisdicional que se pro-jeta para o futuro, como é inerente àtutela preventiva.

No caso, trata-se de uma tute-la preventiva voltada para uma obri-gação de fazer.

Sobre o assunto, são precisase encaixam-se como luva ao casodos autos as lições de Luiz Guilher-me Marinoni:

“A tutela inibitória, configuran-do-se como tutela preventiva visaa prevenir o ilícito, culminando porapresentar-se, assim como umatutela anterior à sua prática e nãocomo uma tutela voltada para opassado, como a tradicionalressarcitória.

Quando se pensa em tutelainibitória, imagina-se uma tutelaque tem por fim a prática, a conti-nuação ou a repetição do ilícito,e vão uma tutela dirigida à repa-ração do dano. Portanto, o proble-ma da tutela inibitória é da práti-ca da continuação ou da repeti-ção do ilícito; enquanto o da tute-la ressarcitória é saber quemdeve suportar o custo do dano,

independentemente do fato de odano ressarcível ter sido produ-zido ou não com culpa.’’ (pág. 26)

“é melhor prevenir do que res-sarcir, o que equivale a dizer queno confronto entre a tutela pre-ventiva e a tutela ressarcitóriadeve-se dar preferência à primei-ra.” (pág. 28)

“A tutela inibitória é caracteri-zada por ser voltada para o futu-ro independentemente de estarsendo dirigida a impedir a práti-ca, a continuação ou da repetiçãoilícito. Note-se, com efeito, que ainibitória ainda que empenhadaapenas em fazer cessar ou ilícitoou impedir a sua repetição, nãoperde a sua natureza preventivapois não tem por fim reintegrar oureparar o direito, violado.’’ (págs.28/29)

“A inibitória funciona, basica-mente através de uma decisão ousentença um não fazer ou um fa-zer, conforme a conduta ilícita te-mida seja comissiva ou omissiva.Este fazer ou não fazer deve serimposto de multa, o que permiteidentificar o fundamento normati-vo — processual desta tutela nosarts. 461 do CPC e 84 do CDC.”(pág. 29)

“Já o fundamento maior da ini-bitória ou seja a base de uma tu-tela encontra-se — como serámelhor explicado mais tarde — naprópria Constituição da Repúbli-ca, precisamente no art. 5º, XXXV,que estabelece que “a lei não ex-cluirá de apreciação do PoderJudiciário lesão ou ameaça a di-reito”. (pág. 30)

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“(...) a tutela inibitória não deveser compreendida como uma tu-tela contra do dano, mas simcomo uma tutela contra o perigoda prática, ou da repetição do ilí-cito, compreendido como ato con-trário ao prescinde da configura-ção do dano.” (pág. 36)

“A moderna doutrina italianaao tratar do tema, deixa claro quea tutela inibitória tem por fim pre-venir o ilícito e não o dano.”

Luiz Guilherme, ‘‘Tutela Inibitó-r ia’’ , Editora Revista dos Tr ibu-nais,1998,

Não se pode fechar os olhospara a situação fática plenamentedemonstrada nos autos e ocorrida naFazenda do demandado, devendo oJudiciário evitar que o ilícito traba-lhista se repita, com visíveis prejuí-zos aos trabalhadores.

Além disso, a situação denun-ciada ao Judiciário Trabalhista reve-la que a ordem jurídica foi maltrata-da pelos fatos ocorridos.

No que toca ao resguardo dodireito dos trabalhadores, a provoca-ção ao Estado-Juiz foi feita pelo Par-quet.

O mínimo que se pode espe-rar é que os ilícitos trabalhistas nãomais se repitam.

Está-se, pois, diante de umapostulação de um provimento juris-dicional com efeitos futuros e frentea uma obrigação de natureza conti-nuativa.

Em irretocável sentença, aMMª 13ª Vara do Trabalho de Belém,

em sentença lavrada pelo Magistra-do Ricardo André Maranhão Santia-go, reconheceu a natureza continua-tiva e preventiva do provimento ju-risdicional perseguido pelo MPT.Vale a pena transcrevê-la:

“Preliminares argüidas combase na inexistência de interes-se do autor por ocasião da sen-tença, eis que a empresa em ne-nhum momento, praticou os atosque o autor requer que ela seexima de fazer, havendo no casoperda do objeto, devendo o feitosem julgamento do mérito, nostermos do art. 267, VI, do CPC. Ointeresse de agir não deve, nocaso, ser analisado apenas emrelação ao que teria ocorrido comas supostas infrações denuncia-das, mas sim ao que ainda podeocorrer no futuro com os empre-gados que ingressarem nos qua-dros da empresa, razão pela qualsucumbem as razões da ré.

Ademais, o binômio necessi-dade-adequação do provimentojurisdicional, em sede de açãocivil pública, faz-se presente, poisseria de uma comodidade assom-brosa se toda vez que situaçõescomo as que supostamente ocor-reram nos autos constatadas, osresponsáveis suscitassem que ointeresse apontado já não sofrevilipêndio depois de alteradas ascondições no sem qualquer con-seqüência, deixando que tal inte-resse durma no limbo Jurídico.Seria negar a própria finaIidadedo Judiciário em resolver as que-relas surgidas no meio social. E a

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pretensão ministerial objetiva ocumprimento obrigações de fazere não fazer por parte da requeri-da já que não se vale do instru-mento usado para declarar ouconstituir direitos, nos moldes daclassificação das ações de cog-nição, e sim, condená-la nos plei-tos da exordial da ação principal.

Pelo que, rejeitam-se as preli-minares” (Processo n. 13 JCJ/Belém970/99, Autor: Ministério Público doTrabalho. Réu: Transporte BertoliniLtda., sentença publ icada em4.10.99 às 12:05, destacou-se).

Naquela ACP, o MPT compro-vara, através de documentos apre-endidos na sede da demandada, quea empresa fazia com que seus em-pregados assinassem previamentedocumentos em branco.

Perseguia-se, então, que aempresa se abstivesse de, no futu-ro, vir a exigir de seus empregados,anuais e futuros, a assinatura dedocumentos nas mesmas condições,sob pena de multa, caso viesse a sercomprovada essa prática, novamen-te, no futuro.

O próprio Oitavo Regional játeve oportunidade de comungar domesmo entendimento aqui esposado:

“Ação Civil Pública. Obrigaçõesde fazer. Não pode ser totalmenteimprocedente a ação civil pública,se a própria empresa admite quenão vinha cumprindo as obriga-ções de fazer mencionadas na ini-cial, ainda que no curso da instru-ção processual venha a compro-var o início do cumprimento de tais

obrigações” (Acórdão TRT/8ª — 3ªTurma TRT RO 5050/98 – Recor-rente : Ministério Público do Tra-balho — Recorrido: Hamex — In-dústria e Comércio de ProdutosAlimentícios Ltda.).

É oportuno reler ainda o deci-dido nos autos do processo TRT 8ª— 3ª Turma — RO 284/99, ondeaquela Turma deixa bem claro que ofato de a Demandada corrigir sua ir-regularidade — se se tratar de umaprestação continuada — não impor-ta na perda do objeto da ação:

“O fato de no curso da presen-te demanda judicial, por força daliminar concedida pela Meretíssi-ma Junta (folha 20), ter a empre-sa providenciado o que ali foi de-terminado, não impede que sejaela, na decisão terminativa do fei-to, condenada nos pedidos. Antespelo contrário, o que visa a pre-sente ação civil pública é a cons-tituição de obrigações de fazer,para o presente e para o futuro. Ofato de estar a empresa, agora —e somente agora — cumprindo taisobrigações, e não obsta, sobretu-do, não torna extra petita a deci-são de primeiro grau. O raciocínioexposto no recurso e argumenta-ção construída a partir dele é equi-vocada e tortuosa (folhas 340 a342), olvidando que o pedido doautor é de constituição de obriga-ções de fazer (obrigações conti-nuadas) e é nisso que foi o recor-rente condenado.

(...)

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Postula (a empresa), desta for-ma seja a sentença recorrida re-formada com a declaração documprimento das determinaçõesimpostas ao recorrente, desobri-gando-o de qualquer obrigaçãode fazer superveniente ao já re-ferido cumprimento.

Bem ao contrário do que en-tende o recorrente, é exatamentea sua prática revelada nestes au-tos, admitida, confessada e confir-mada neste recurso, que conduznecessariamente, à sua condena-ção. (...) Durante esta demandaficou revelada também a recalci-trância do recorrente em cumprirtais elementares obrigações, im-pondo aos seus trabalhadorespéssimas condições de trabalho(...).

Não é, a toda evidência umambiente de trabalho que se pos-sa ter por adequado para o tra-balho humano. Aliás, em ambien-tes como esses, até mesmo aaplicação da legislação protetorados animais seria um considerá-vel avanço. Só mesmo em paísesatrasados ainda se permite aexistência e o funcionamento deinstalações industr iais comoessa. (...) O cumprimento força-do de primárias, elementares ecomezinhas normas tutelares dascondições e meio ambiente detrabalho não constitui motivo paraabsolver o reclamado a negar aimposição das obrigações de fa-zer pleiteadas na inicial. Bem aocontrário — insisto — a instruçãodo presente feito serviu para to-mar induvidosa a necessidade de

ser o recorrente condenado emtodos os pedidos, da forma comoo foi” (Rel. Juiz José Maria Qua-dros Alencar, destacou-se).

Ressalte-se, por opor tuno,que, no presente caso, o MinistérioPúblico do Trabalho visa não só fa-zer cumprir o ordenamento jurídico,mas, também restaurá-lo, vez que jáfoi violado.

DA MEDIDA LIMINAR

O art. 12 da Lei n. 7.347/85,que instituiu a Ação Civil Pública,autoriza:

“Poderá o juiz conceder man-dado liminar, com ou sem justifi-cação prévia, em decisão sujeitaa agravo.”

De início, cabe ressaltar que amedida liminar prevista na ação ci-vil pública não tem natureza caute-lar; tratando-se de típica hipótese deantecipação de tutela e,assim, devemestar presentes os requisitos do art.273 do CPC, conforme lição deHumberto Theodoro Junior:

“A propósito, convém ressaltarque se registra nas principais fontesdo direito europeu contemporâneo,o reconhecimento de que, além datutela cautelar, destinada a assegu-rar a efetividade do resultado finaldo processo principal deve existir,em determinadas circunstâncias, opoder do juiz de antecipar, proviso-riamente, a própria solução definiti-va esperada no processo principal.São reclamos de justiça que fazem

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com que a realização do direito nãopossa, em determinados casos,aguardar a longa e inevitável senten-ça final.

Assim, fala-se em medidasprovisórias de natureza cautelar emedidas provisórias de naturezaantecipatór ia; estas, de cunhosatisfativo, e aquelas, de cunho ape-nas preventivo.

“Entre nós, várias leis recen-tes têm previsto, sob a forma de li-minares, deferíveis inaudita alterapars, a tutela antecipatória como, porexemplo, se da na ação popular, nasações locatícias, na ação civil públi-ca, na ação declaratória direta deinconstitucionalidade etc., in “As Ino-vações do Código do Processo Ci-vil”, Ed. Forense, Rio de Janeiro,1955, pág. 12). (grifamos)

No caso, estão presentes to-dos os requisitos que ensejam o de-ferimento de tutela antecipada. Háprova inequívoca (art. 273 do CPC,caput) de trabalho forçado na Fazen-da Marajoara. — Tais provas sãocabais quando se analisa os trechosde depoimentos acima transcritos,inclusive o depoimento do própriodemandado confessando as irregu-laridades perpetradas contra os tra-balhadores, comprovando a práticade trabalho forçado.

Quanto ao requisito da veros-similhança (art. 273, caput), estadecorre da existência de provas ine-quívocas já mencionadas (confissãodo demandado) e da notória ocor-rência de trabalho forçado medianteo emprego do aliciamento de traba-lhadores, sistema de barracão/can-

tina (o que fomenta a escravidão pordívida), e pela banalização das nor-mas trabalhistas, inclusive de medi-cina e segurança do trabalho.

De outra parte, há fundado re-ceio de dano irreparável ou de difícilreparação (CPC, art. 273, inc. I). Istoporque, o trâmite normal desta açãocivil pública poderá tornar inócua aprestação jurisdicional, propiciandoa dilapidação do patrimônio dos de-vedores, o que frustraria futura exe-cução judicial.

Assim, nos termos do art. 12da Lei n. 7.347/85, requer-se, inici-almente, a concessão de medida li-minar inaudita altera pars, para:

1 — decretar a quebra do sigi-lo bancário do requerido, ofician-do-se com urgência ao BancoCentral do Brasil, para que infor-me todas as modalidades de con-tas bancárias (conta corrente,conta-aplicação financeira, conta-poupança etc.) em nome de An-tônio Braga de Oliveira.

2 — Determinar, neste mesmoato, o bloueio de dinheiro nas re-fer idas contas bancár ias emnome do requerido, no valor deR$ 200.000,00 (duzentos mil reais),a fim de assegurar o integralpagamento do dano moral coleti-vo, cujo depósito deverá ficar àdisposição desse MM. Juízo.

3 — Decretar a quebra do sigi-lo fiscal do réu, oficiando-se, comurgência à Receita Federal, parainforme todos os bens móveis eimóveis em nome do requerido.

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4 — Determinar a indisponibi-lidade dos bens móveis e imóveis,necessários para a integral satis-fação do dano moral coletivo, efe-tuando-se, respectivamente, ocompetente depósito judicial coma intimação do depositário nostermos do art. 148 e seguintes doCPC, e a averbação de cláusulade inalienabilidade no registrocompetente (art. 167, II, 11 e art.247, ambos da Lei n. 6.015/73).

5 — Condenar o réu a, imedia-tamente, cumprir as obrigaçõesde fazer e não fazer listadas aseguir, sob pena de pagamentode multa, no valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), por infração epor cada trabalhador encontradoem situação irregular, reversívelao FAT — Fundo de Amparo aoTrabalhador:

a) se abster de exigir trabalhoforçado de seus empregados;

b) se abster de aliciar trabalha-dores, diretamente ou através deterceiros, de um local para outrodo território nacional, promovendoo transporte dos trabalhadoresaté o local de origem, em condi-ções de segurança, higiene e lo-tação normal, ao final do contra-to de trabalho;

c) se abster de coagir e indu-zir seus empregados a utilizaremarmazém ou serviços mantidospela fazenda;

d) se abster de efetuar descon-tos salariais fora das hipóteses doart. 9º da Lei n. 5.889/70 e não seutilizar do sistema “truck sistem “;

e) efetuar o registro da CTPSde seus empregados, nos termosdos arts. 13 e 29, ambos da CLT,e efetuar o registro de seus em-pregados em livros, ficha ou sis-tema eletrônico, consoante art. 41do mesmo diploma legal;

f) fornecer o equipamento deproteção individual de trabalhonecessário à operacionalizaçãoda atividade exigida do emprega-do, no caso, os calçados de pro-teção, luvas, chapéu de palhaetc.;

g) pagar os salários de formaintegral e até o quinto dia útil sub-seqüente ao vencido, na formaprevista nos arts. 457 e 459, pa-rágrafo primeiro da CLT;

h) se abster de exigir o laborem sobrejornada além dos limitesautorizados pela legislação traba-lhista;

i) cumprir as seguintes normasde higiene e segurança do traba-lho rural:

i.l) fornecer água potável aosempregados que laboram nasfrentes de trabalho (NR-24,24.7,1.2, Portaria n. 3.214/78,MTb);

i.2) construir os pisos do alo-jamento com material impermeá-vel e de acabamento áspero (NR-24, 24.S.8, Portaria n. 3.214/78,MTb);

i.3) dotar o alojamento de es-trutura de madeira ou metálica,com telhas de barro ou de fibro-cimento (NR-24, 24.5.9, Portarian. 3.214/78, MTb);

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i.4) construir abrigos, aindaque rústicos, capazes de protegeros trabalhadores contra intempé-ries nos trabalhos realizados acéu aberto (NR-21.1, Portaria n.3.214/78, MTb).

DOS PEDIDOS DEFINITIVOS

Ante o exposto, e com funda-mento nas normas legais antes men-cionadas requer o Ministério Públi-co do Trabalho, após a concessão daliminar e, efetivado o bloqueio denumerário e decretada a indisponi-bilidade de bens necessários para aintegral satisfação do pagamento dodano moral coletivo, o seguinte:

1 — A citação do requerido noendereço supramencionado,para, querendo, responder aostermos da presente ação, sob aspenas da lei;

2 — A confirmação, em defini-tivo, da decisão liminar e, ao fi-nal, a procedência total dos pedi-dos contidos na presente AçãoCivil Pública ou seja com a con-denação do demandado nas se-guintes obrigações:

a) se abster de exigir trabalhoforçado de seus empregados;

b) se abster de aliciar trabalha-dores, diretamente ou através deterceiros, de um local para outrodo território nacional, promovendoo transporte dos trabalhadoresaté o local de origem, em condi-ções de segurança, higiene e lo-tação normal, ao final do contra-to de trabalho;

c) se abster de coagir e indu-zir seus empregados a utilizaremarmazém ou serviços mantidospela fazenda;

d) se abster de efetuar descon-tos salariais fora das hipóteses doart. 9º da Lei n. 5.889/70 e não seutilizar do sistema “truck sistem”;

e) efetuar o registro da CTPSde seus empregados, nos termosdos arts. 13 e 29, ambos da CLT,e efetuar o registro de seus em-pregados em livros, ficha ou sis-tema eletrônico, consoante art. 41do mesmo diploma legal;

f) fornecer o equipamento deproteção individual de trabalhonecessário à operacionalizaçãoda atividade exigida do emprega-do, no caso, os calçados de pro-teção, luvas, chapéu de palhaetc.;

g) pagar os salários de formaintegral e até o quinto dia útil sub-seqüente ao vencido, na formaprevista nos arts. 457 e 459, pa-rágrafo primeiro da CLT;

h) se abster de exigir o laborem sobrejornada além dos limitesautorizados pela legislação traba-lhista;

i) cumprir as seguintes normasde higiene e segurança do traba-lho rural:

i.1) fornecer água potável aosempregados que laboram nas fren-tes de trabalho (NR-24, 24.7.1.2,Portaria n. 3.214/78, MTb);

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i.2) construir os pisos do alo-jamento com material impermeá-vel e de acabamento áspero (NR-24, 24.S.8, Portaria n. 3.214/78,MTb);

i.3) dotar o alojamento de es-trutura de madeira ou metálica,com telhas de barro ou de fibro-cimento (NR-24, 24.S.9, Portarian. 3.214/78, MTb);

i.4) construir abrigos, aindaque rústicos, capazes de protegeros trabalhadores contra intempé-ries nos trabalhos realizados acéu aberto (NR-21.1, Portaria n.3.214/78, MTb).

2.1 — ao cumprimento de obri-gações de fazer e não fazer (art.3º da Lei n. 7.347/85), com comi-nação de multa diária aos deman-dados, no valor de 5.000,00 (cin-co mil reais), por infração e portrabalhador, em caso de descum-primento futuro de qualquer dasobrigações impostas, a ser rever-tido em favor do FAT — Fundo deAmparo ao Trabalhador, instituí-do pela Lei n. 7.998/90, consoan-te estabelece o art. 11 da Lei n.7.347/85:

3 — Requer, ainda, a condena-ção do demandado no pagamen-to da quantia de R$ 200.000,00(duzentos mil reais), a título dereparação pelos danos causadosaos direitos difusos e coletivos dostrabalhadores, corrigido monetaria-mente até o efetivo recolhimentoem favor do FAT.

4 — A condenação do reque-rido ao pagamento das custas doprocesso;

Requer, ainda, a intimaçãopessoal dos atos e prazos proces-suais atinentes à espécie, segun-do o art. 18, h, da Lei Comple-mentar n. 75/93.

Protesta por todos os meios deprova em Direito admitidos, especial-mente prova testemunhal, pericial,depoimento pessoal do demandado,sob as penas da lei, e quaisqueroutras que se façam necessárias nocurso do processo.

O MPT requer, desde já, a no-tificação para oitiva das seguintestestemunhas, todas exercentes desuas funções perante a Secretariade Inspeção do Trabalho do Ministé-r io do Trabalho e Emprego, naEsplanada dos Ministérios — Bl. F,Anexo B, Sala 120, 1º Andar, Brasília— Distrito Federal, CEP 70059-900,caso infrutífera a tentativa de conci-liação em primeira audiência.

a) Paulo César Lima;

b) Rosemberguer de AlmeidaCronemberger; e

c) Romero Santana de Albu-querque.

Dá-se à causa o valor de R$200.000,00, para meramente fiscais.

Termos em que,

Pede deferimento.

Belém (PA), 5 de março de2003.

Marcelo Brandão de MoraisCunha, Procurador do Trabalho.

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MEDIDA LIMINARANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Processo n. 00542/2003-110-08-00-5

Referência: 110-00542/2003-5

Com fundamento no art. 273do CPC, o Ministério Público do Tra-balho da 8ª Região requer a conces-são de liminar inaudita altera pars,para que seja: decretada a quebrade sigilo bancário do requerido, An-tônio Braga de Oliveira (FazendaMarajoara), determinado o bloqueiode dinheiro nas contas bancárias domesmo, para assegurar o integralpagamento de dano moral coletivono importe de R$ 200.000,00 (du-zentos mil reais); decretada a que-bra do sigilo fiscal do requerido, ofi-ciando-se à Receita Federal paraque informe todos os bens móveis eimóveis em nome do mesmo; deter-minada a indisponibilidade dos refe-ridos bens; e condenado o requeri-do a cumprir as obrigações de fazere não fazer listadas às fls. 28, de “a”a “i.4”.

Sustenta o requerente que hános autos prova inequívoca da exis-tência de trabalho forçado na Fazen-da Marajoara, quando se analisamos trechos de depoimentos transcri-tos na inicial, inclusive o depoimen-to do próprio demandado; está pre-sente o requisito da verossimilhan-ça de suas alegações, o que decor-re da confissão do demandado, danotória ocorrência de trabalho força-do mediante emprego de aliciamen-to de trabalhadores, do sistema debarracão/cantina, e pela banalizaçãodas normas trabalhistas, inclusive de

medicina e segurança do trabalho.Por fim, ressalta que há fundado re-ceio de dano irreparável ou de difícilreparação, pois durante o trâmitenormal desta ação o patrimônio dodevedor poderá ser dilapidado, frus-trando futura execução.

De fato há nos autos prova ine-quívoca e verossimilhança da situa-ção de trabalho forçado, análoga àde escravo, e em condições degra-dantes, nas dependências da Fazen-da Marajoara, de propriedade do Sr.Antônio Braga de Oliveira, o que logose depreende do termo de depoi-mento de fls. 32/33, colhido pelo Gru-po Especial de Fiscalização Móvel,onde o requerido declara: que o Sr.Raimundo Simão Filho foi até a Fa-zenda do Depoente pedir trabalhoem abril de 2002; que o Depoente ocontratou para o “roço’’ de 30 alquei-res de derrubada; que o Depoentecomprou ferramentas, motosserras ealimento para os trabalhadores; ...que o Sr. Raimundo realizava com-pras na Agrovete, casa veterináriaem Pacajás, e o Depoente é quempagava; ... que ninguém costuma naRegião dar banheiro aos trabalhado-res; que tomavam água num poçopelos próprios trabalhadores cava-dos; que o Depoente reconhece queos trabalhadores trabalharam na suaFazenda.

A par disso, há também os de-poimentos dos trabalhadores, cujostermos constam às fls. 22/44, de ondedestaco as seguintes declarações:

Sr. Raimundo Simão Filho:“que nesses seis meses de trabalhoo depoente não recebeu o valor con-tratado; que nesses seis meses o

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depoente, sua esposa e seis filhosjunto com mais treze trabalhadores,dormiam num barraco confecciona-do de palha de coqueiro e plástico,onde eram armadas redes; que fa-ziam as necessidades no mato, semlugar específico; que tomavam banhoem uma grota, bebiam água de umacacimba (buraco cavado pelo depo-ente); que o depoente era responsá-vel pela equipe composta por quator-ze trabalhadores contratados para aderrubada; que trabalhava das 6:00hàs 18:30h, com intervalo de 20 minu-tos para o almoço, todos os dias, in-clusive domingos e feriados; que osprimeiros dois meses o dono da fa-zenda comprava os mantimentos,para a Sra. Maria Diana (esposa dodepoente) cozinhar; que essa alimen-tação seria descontada dos saláriosdos trabalhadores” (fls. 36).

Sr. Josenilson Rocha; “que foio próprio proprietário da fazenda,conhecido como “Barba Azul’’ que oconvidou para trabalhar; ... que nofinal do contrato o Sr. Barba Azulameaçou os trabalhadores por vári-as vezes, pois não queria pagá-los;que não podia sair da fazenda porquetrabalhava direto; ... que o BarbaAzul sempre andava com uma pis-tola; que de vez em quando o Sr.Barba Azul ameaçava dar um tiro emalguém; ... que saiu da fazenda em 22de outubro fugido por conta de amea-ça de morte feita pelo proprietário atodos os trabalhadores; que até hojenão recebeu o restante devido peloseu trabalho... “ (fls. 41).

Sr. José Mariano da Silva: “quequando chegou para t rabalharteve que comprar na cantina da fa-

zenda: foice, botas e capacete; queo preço pago por estes utensílios erabem superior ao cobrado na cidade;... que não tinha como sair da fazen-da porque sua vida era só trabalhar;que na fazenda o próprio proprietá-rio andava armado e tinha dois pis-toleiros... “ (fls. 43).

Diante da semelhança dos de-poimentos transcritos verossímeissão as alegações do parquet: os tra-balhadores da Fazenda Marajoaraestão sofrendo toda ordem de lesãoa seus direitos fundamentais de ci-dadãos, de trabalhadores e acima detudo de seres humanos, que devemter sua dignidade e liberdade preser-vadas; pois trabalham para o Sr. An-tônio Braga de Oliveira, sem rece-ber salários, sem CTPS assinada,sem observância da jornada máxi-ma permitida por lei, mediante coa-ção ou ameaça, em condições físi-cas e de higiene desumanas, sendotransportados em veículos sem qual-quer segurança, e sem a utilizaçãode equipamentos necessários à suaproteção no exercício da atividade;condições estas suficientes para aconcessão da liminar pleiteada.

De fato, pela natureza dos pe-didos formulados na petição iniciale pela gravidade dos fatos narrados,que atingem não só a dignidade eliberdade dos trabalhadores, mas aprópria saúde e a vida dos mesmos,já que estão expostos a riscos detoda ordem, é justo o receio do re-querente quanto à ocorrência dedano irreparável ou de difícil repa-ração, bem como de que sejadilapitado o patrimônio do devedor,diante da demora decorrente do trâ-mite normal desta ação, em prejuí-zo de uma futura execução.

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Diante do exposto, concedoem parte a medida liminar inauditaaltera pars pleiteada, para:

1 — decretar a quebra do sigi-lo bancário e fiscal do requerido,determinando que se proceda aoimediato bloqueio em suas contasbancárias, via SISBACEN, do valor deR$ 200.000,00 (duzentos mil reais),e a imediata expedição de ofício àReceita Federal, para que informetodos os bens móveis e imóveis exis-tentes em nome do requerido, visan-do assegurar o integral pagamentodo dano moral coletivo;

2 — determinar ao requeridoque cumpra, de imediato, as obriga-ções de fazer e não fazer a seguirelencadas:

a) abstenha-se de exigir traba-lho forçado de seus empregados ede aliciar trabalhadores, diretamen-te ou através de terceiros, de um lo-cal para outro do território nacional;

b) promova o transporte dostrabalhadores aliciados até o local deorigem em condições de segurança,higiene e lotação normal, ao final docontrato de trabalho;

c) abstenha-se de coagir e in-duzir seus empregados a utilizaremarmazém ou serviços mantidos pelafazenda, de efetuar descontos sala-riais fora das hipóteses do art. 9° daLei n. 5.889/70, e de utilizar o siste-ma truck sistem;

d) efetue o registro da CTPSde seus empregados, nos termos doarts. 13 e 29 da CLT, bem como atra-vés de livros, fichas ou sistema ele-trônico, consoante art. 41 da CLT;

e) forneça equipamentos deproteção individual, necessários àoperacionalização das atividadeslaborais exigidas, como: calçados deproteção, luvas, chapéu de palhaetc.;

f) pague os salários dos em-pregados de forma integral e até oquinto dia útil subseqüente ao mêsde trabalho, na forma dos arts. 457e 459 da CLT;

g) abstenha-se de exigir traba-lho em sobrejornada, além dos limi-tes autorizados na legislação traba-lhista;

h) e cumpra as seguintes nor-mas de higiene e segurança de tra-balho:

h.l — forneça água potável aosempregados que laboram em fren-tes de trabalho;

h.2 — construa os pisos doalojamento com material impermeá-vel e de acabamento áspero;

h.3 — dote o alojamento deestrutura de madeira, com telhasde barro ou de fibrocimento;

h.4 — e construa abrigos, ain-da que rústicos, capazes de prote-ger os trabalhadores contra intem-péries nos trabalhos a céu aberto;tudo nos termos da Por tar ia n.3.214/78 do Ministério do Trabalhoe Normas Regulamentadoras.

Deixo para análise oportuna opedido de indisponibilidade dos bensmóveis e imóveis do requerido, umavez que necessário se faz, primeiro,conhecer-se a existência de taisbens.

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As determinações constantesnas letras “a”, “b”, “c”, “f”, “g” e “h.l”,devem ser cumpridas, imediatamen-te, a partir da notificação desta de-cisão, sob pena de multa que fixo emR$ 5.000,00 (cinco mil reais), porcada infração e cada trabalhadoratingido pela irregularidade, o quereverterá em favor do FAT — Fundode Amparo ao Trabalhador.

Quanto às determinações dasletras “d” e “e”, concedo ao requeri-do o prazo razoável de 5 (cinco) diaspara providenciar seu integral cum-primento, comprovando nos autos ocumprimento dessa determinação,sob pena de multa que fixo em R$5.000,00 (cinco mil reais), por cadainfração e cada trabalhador atingidopela irregularidade, o que reverteráem favor do FAT — Fundo de Ampa-ro ao Trabalhador.

Por fim, no que tange às de-terminações das letras h.2, h.3 e h.4,

concedo ao requerido o prazo razoá-vel de 30 (trinta) dias para providen-ciar seu integral cumprimento, com-provando nos autos o cumprimentodessa determinação, sob pena demulta que fixo em R$ 5.000,00 (cin-co mil reais), por cada infração ecada trabalhador atingido pela irre-gularidade, o que reverterá em fa-vor do FAT — Fundo de Amparo aoTrabalhador.

O Sr. Diretor de Secretaria de-verá providenciar o bloqueio de cré-dito bancário e a expedição de ofi-cio à Receita Federal, como deter-minado no item 1.

Expeça-se Mandado de Cum-primento.

Notifique-se e cumpra-se.

Tucuruí-PA, 23 de abril de2003.

Vanilza Malcher de França,Juíza do Trabalho.

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O Ministério Público do Traba-lho, neste ato representado pelo Pro-curador do Trabalho ao fim assinado,que pode ser notIficado à Rua dosMundurucus, n. 1794, bairro BatistaCampos, CEP 66025-660, Belém-PA,vem, perante esse Juízo, com funda-mento no art. 129, III, da Constitui-ção Federal; art. 6º, VII, a, d e incisoXIV, e art. 83, III, estes da Lei Com-plementar n. 75/93, e, finalmente, nostermos da Lei Complementar n. 75/93, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMPEDIDO LIMINAR

em face de Osvaldo Saldanha Almei-da (CPF 139.874.376-34) FazendaBandeirante, fazendas localizadasna zona rural do Município de Canaãdos Carajás — PA, tendo como ende-reço para correspondência a RuaFlamengo, 481, Maracanã, MontesClaros, Estado de Minas Gerais, CEP39400-000, pelos fatos e fundamen-tos jurídicos que se expõe a seguir:

I — Dos fatos

No dia 13 (treze) de setembrode 2001, a fiscalização da DRT re-

AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRABALHO FORÇADO —DANO MORAL COLETIVO — (PRT 8ª REGIÃO)

EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) DA VARA DO TRABALHO DEPARAUAPEBAS

meteu ao Ministério Público do Tra-balho relatório de diligência a respeitoda empresa acima qualificada, emque são relatadas as seguintes irre-gularidades: a contratação de empre-gados sem o respectivo registro; dei-xar de apresentar documentos sujei-tos à inspeção do trabalho, em horae dia previamente fixados pelo agen-te de inspeção; manter os emprega-dos laborando sob condições contraas disposições de proteção do traba-lho; não efetuar o pagamento men-sal dos salários até o quinto dia útildo mês subseqüente ao vencido; dei-xar de fornecer e tornar obrigatório ouso de equipamentos de proteção in-dividual necessários para a proteçãocompleta contra riscos de acidentes;deixar de cumprir as normas regula-mentadoras rurais (NRR) relativas àsegurança e higiene do trabalho ru-ral; não proceder o pagamento dasverbas rescisórias dos empregadosdispensados no prazo legal e não efe-tivar o pagamento de multa em casode descumprimento do referido pra-zo; não submeter os seus emprega-dos ao exame médico ocupacional,por ocasião de suas admissões; não

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fornecer, para cada frente de traba-lho, o material necessário para pres-tação de primeiros socorros e recur-sos mínimos para atendimento de ur-gência; não efetuar o pagamento do13º salário em seu valor devido e naépoca adequada; manter setor deserviço interditado em pleno funcio-namento, de acordo com os Autos deInfração n. 005431573, 004971426,004971400, 004971396, 004971418,004360435, 005431581, 003521061,003521079, 004360451, 004971388,005431565, 003521117, 003521087,004350443, 004360451, 004971388,003521109, 003521125, 003521095e 003368122 ferindo assim direitosindisponíveis dos trabalhadores (có-pia dos autos em anexo).

A referida denúncia revela o fla-grante desrespeito à ConstituiçãoFederal e à legislação trabalhista emvigor, tendo em vista o disposto nosartigos 13, 29, caput e 41, caput daCLT, 7º, III e VIII da CF/88; art. 9º, daLei n. 5.889/70; art. 157, I e III da CLTc/c. os itens 1.7, “a” da NRR-1 e 4.2,“a” e “c” da NRR-4, ambos da Porta-ria n. 3.067/88, item 24.6.1, da NR-24da Portaria 3.214/78 do MTb e NR-03 da Portaria 06/83 do MTb; art. 444da CLT; art. 630, §§ 3º e 4º da CLT,art. 459, § 1º da CLT, art. 477, §§ 6º e8º da CLT, art. 168 da CLT c/c. item7.4.3.1, da NR-7, item 7.4.3.1, da NR-7, artigo 1º e seg. da Lei n. 4.749/65.

Quanto ao trabalho degradan-te dos trabalhadores da demanda-da, ressalte-se:

O aliciamento de trabalhado-res somado à servidão é a situaçãomais corrente encontrada no Brasila caracterizar o trabalho forçado,

abolido pelas normas internacionais(artigos 1º e 2º da Convenção n. 29,da Organização Internacional do Tra-balho). O trabalhador provavelmenteprovém de lugar distante, sendo ali-ciado por um “gato” através de pro-messas enganosas no que diz res-peito ao salário e condições de tra-balho. Chegando no local da presta-ção de serviços, o obreiro contrai dí-vidas junto ao barracão do próprioempregador para adquirir alimentose bens de uso pessoal, até porquenão tem outra opção próxima. Dessaforma, passa a trabalhar sem rece-ber qualquer remuneração pelo seutrabalho, pois o valor das dívidassempre supera o saldo salarial. Aca-ba por ser impedido de deixar o localde trabalho e obrigado a trabalhar parasaldar o débito, que só aumenta emface do superfaturamento dos produ-tos. O trabalhador fica confinado emlugar ermo e tem a sua liberdade indi-vidual suprimida, reduzindo-se à con-dição análoga à de escravo.

No caso em tela, relata o Fis-cal do Trabalho:

“Em inspeção realizada na fa-zenda bandeirante, localizada nazona rural, cedere iii, do municí-pio de Canaã dos Carajás/PA, depropriedade do empregador aci-ma qualificado, constatamos queo mesmo mantém empregadoscontratados através de “gatos”;que os trabalhadores já chegamà fazenda com dívidas decorren-tes do transporte e da hospeda-gem em pensões mantidas na ci-dade de Canaã dos Carajás/PA;que a fazenda mantém o sistema

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de cantina como único meio paraos trabalhadores adquirirem osmantimentos de que necessitam;que nunca sabem o quanto devempelas mercadorias adquiridas;que os empregados são obriga-dos a comprar os equipamentosnecessários ao trabalho, comobotas; que não é informado oCAGED nem a RAIS, impossibili-tando o trabalhador de ter aces-so aos benefícios do ProgramaPIS/PASEP e seguro-desempre-go; que os outros fatos constata-dos motivaram a lavratura de 18(dezoito) autos de infração e quetodo o serviço de limpeza e roçodo pasto da citada fazenda foi in-terditado, através de laudo técni-co de interdição n. 014/2001, pe-las condições irregulares e degra-dantes verificadas, com prejuízosirreparáveis à integridade física,à saúde e à dignidade humanados empregados” (grifos nossos).

O trabalho forçado constatadoafronta os regramentos básicos doDireito do Trabalho contemporâneo.Em conseqüência, a fiscalizaçãoautuou o réu por “coagir e induzirempregado a utilizar-se de armazémou serviços mantidos pela empresa”,de acordo com os Autos de Infraçãoem anexo.

Além do mais, a conduta ado-tada tipifica o crime estabelecido noart. 149 (reduzir alguém à condiçãoanáloga à de escravo) do CódigoPenal Brasileiro.

Portanto, para que seja obede-cido o ordenamento pátrio, o réudeve ser condenado a se abster de

exigir trabalho forçado de seus em-pregados (60), se abster de coagir einduzir seus empregados a utiliza-rem armazém ou serviços mantidospela fazenda, assim como se absterde impor sanção aos trabalhadoresdecorrente de dívida.

Assim, percebe-se que a em-presa em questão descumpre textosexpressos de lei e regulamentosconexos, violando o direito de seussubordinados.

II — Do direto

A apuração dos fatos acimarelatados evidencia, de forma indis-cutível, a ilegalidade perpetrada pelaRé, consistente no descumprimentode preceitos legais relativo ao direi-to de seus empregados, especifica-mente a contratação de empregadossem o respectivo registro; deixar deapresentar documentos sujeitos àinspeção do trabalho, em hora e diapreviamente fixados pelo agente deinspeção; não efetuar o pagamentomensal dos salários até o quinto diaútil do mês subseqüente ao venci-do; deixar de fornecer e tornar obri-gatório o uso de equipamentos deproteção individual necessários paraproteção completa contra riscos deacidentes; deixar de cumprir as nor-mas regulamentadoras rurais (NRR)relativas à segurança e higiene dotrabalho rural; não proceder o paga-mento das verbas rescisórias dosempregados dispensados no prazolegal e não efetivar o pagamento demulta em caso de descumprimentodo referido prazo; não submeter osseus empregados ao exame médico

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ocupacional, por ocasião de suasadmissões; não fornecer, para cadafrente de trabalho, o material neces-sário para prestação de primeirossocorros e recursos mínimos paraatendimento de urgência; não efetu-ar o pagamento do 13º salário emseu valor devido em época adequa-da; manter setor de serviço interdi-tado em pleno funcionamento, bemcomo manter os empregados labo-rando sob condições contra as dis-posições de proteção do trabalho.

II.I — Da falta de registro dosempregados

A fiscalização da DRT, de acor-do com o exposto acima, constatoua prática de irregularidade cometidapela Demandada no que diz respeitoao não registro de seus empregados.

Tal irregularidade fere o dis-posto na CLT em seu artigo 13, abai-xo transcrito:

Art. 13. A Carteira de Trabalhoe Previdência Social é obrigató-ria para o exercício de qualqueremprego, inclusive de naturezarural, ainda que em caráter tem-porário, e para o exercício porconta própria de atividade profis-sional remunerada.

Prescreve ainda o artigo 29,caput, CLT, também desrespeitado:

Art. 29. A Carteira de Trabalhoe Previdência Social será obriga-toriamente apresentada, contrarecibo pelo trabalhador ao em-

pregador que o admitir, o qual teráprazo de quarenta e oito horaspara nela anotar, especificamen-te, a data de admissão, a remu-neração e as condições espe-ciais, se houver, sendo facultadaa adoção de sistema manual,mecânico ou eletrônico, conformeinstruções a serem expedidaspelo Ministério do Trabalho.

Os dispositivos revelam que,sem a assinatura da CTPS, não po-derá ser prestado qualquer trabalho,bem como que é o empregador obri-gado a proceder à assinatura daCarteira, nas 48 horas imediatamen-te que se seguirem à admissão doempregado.

Isto não significa que a falta deassinatura irá impedir o desenvolvi-mento do contrato de trabalho — quese caracteriza como um contrato-rea-lidade independendo, portanto, documprimento ou não de formalidades.

Mas sem dúvida que este fatoé considerado falta do empregador,que desta circunstância se pode va-ler para sonegar direitos trabalhis-tas do empregado, como tambémpara vir a eximir-se de responsabili-dades decorrentes da relação deemprego, como as contribuições pre-videnciárias.

A falta de registro transcende,então, a relação entre empregado eempregador, configurando-se em le-são ao interesse público, pela cons-tituição de uma situação irregularque afeta a coletividade como umtodo e ofende as normas jurídicasexistentes sobre a matéria.

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Note-se que o requerido, alémde não anotar a CTPS dos empre-gados, da mesma forma não efetuao registro dos mesmos, conformedetermina o artigo 41, caput, da CLT:

Art. 41. Em todas as atividadesserá obrigatório para o emprega-dor o registro dos respectivos tra-balhadores, podendo ser adota-dos livros, fichas ou sistema ele-trônico, conforme instruções aserem expedidas pelo Ministériodo Trabalho.

Fica, então, caracterizada atentativa do Requerido de manter aatividade laboral de seus emprega-dos à margem da lei e do controledo Estado, negando aos trabalhado-res direitos mínimos previstos naCLT e demais normas de proteçãoao trabalhador.

Permitir a continuidade dessasituação é permitir que a lei traba-lhista continue a ser violada, estimu-lando-se novas infrações.

Ressalte-se ainda, que a Re-clamada deve se abster de aliciartrabalhadores, diretamente ou atra-vés de terceiros, de um local paraoutro do território nacional, promo-vendo o transporte dos trabalhado-res até o local de origem, em condi-ções de segurança, higiene e lota-ção normal, ao final do contrato detrabalho.

II.II — Segurança e higiene dotrabalho rural

A Delegacia Regional do Tra-balho constatou o não fornecimento

de água potável aos empregadosque laboram nas frentes de trabalho,conforme determina a NR-24, item24. 7.1.2, da Portaria n. 3.214/78 doMTb, verbis:

24.7.1.2. Quando não for pos-sível obter água potável corren-te, essa deverá ser fornecida emrecipientes portáteis hermetica-mente fechados de material ade-quado e construído de maneira apermitir fácil limpeza.

Relatou ainda o Auditor-Fiscaldo trabalho que a empresa deixoude construir os pisos do alojamentocom material impermeável e de aca-bamento áspero, de dotar o estabe-lecimento com instalações sanitáriasque atendam as dimensões mínimasexigidas, bem como deixou de dotaro alojamento de estrutura de madei-ra ou metálica, com telhas de barroou de fibrocimento, utilizando cober-tura de palha (de fácil combustão),conforme determina a NR-24, itens24. 5.8, 24.1.2, 24.1.3 e 24.5.9, to-dos da Portaria n. 3.214/78 do MTb,verbis:

24.5.8. Os pisos dos alojamen-tos deverão ser impermeáveis,laváveis e de acabamento áspe-ro. Deverão impedir a entrada deumidade e emanações no aloja-mento. Não deverão apresentarressaltos e saliência sendo o aca-bamento compatível com as con-dições mínimas de conforto tér-mico e higiene.

24.1.2 As áreas destinadasaos sanitários deverão atender

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às dimensões mínimas essenciais.O órgão regional competente emSegurança e Medicina do Traba-lho poderá, à vista de perícia lo-cal, exigir alterações de metra-gem que atendam ao mínimo deconforto exigível. É consideradasatisfatória a metragem de 1,00m2 (um metro quadrado), paracada sanitário, por 20 (vinte)operários em atividade.

24.1.3. Os locais onde se en-contrarem instalações sanitáriasdeverão ser submetidos a proces-so permanente de higienização,de sorte que sejam mantidos lim-pos e desprovidos de quaisquerodores durante toda a jornada detrabalho.

24.5.9. A cobertura dos aloja-mentos deverá ter estrutura demadeira ou metálica, as telhaspoderão ser de barro ou de fibro-cimento, e não haverá forro.

Como se vê dos autos de in-fração, em anexo, as condições detrabalho na Fazenda Demandadasão as mais precárias possíveis.

Trata-se de labor desenvolvidoa céu aberto; sem que sejam forne-cidas as condições mínimas de res-guardo à saúde e segurança dos tra-balhadores, sujeitos a intempéries,acidentes e à aquisição de doençastropicais das mais diversas.

O relato dos Agentes de Fisca-lização revela que a empresa descum-pre, à evidência e escancaradamen-te, a legislação trabalhista e a Consti-tuição Federal, devendo se adequar,portanto, às referidas normas de se-gurança e higiene do trabalho.

II.III — Dos EPI

A DRT comprovou, também, deacordo com a documentação emanexo, a ilegalidade perpetrada peloRéu, consistente no descumprimen-to de preceitos legais relativos à saú-de e segurança de seus emprega-dos, especificamente quanto à nãoimplementação do uso dos Equipa-mentos de Proteção Individual —EPI pelos seus subordinados.

Note-se que não tornar obriga-tório o uso do EPI causa a fragiliza-ção da saúde ou mesmo a possívelincapacitação do empregado para otrabalho, afetando diretamente osdependentes do empregado doente,acidentado ou inválido, onerando emúltima instância, o Estado, por meiode concessão de benefícios para si-tuações perfeitamente prescindíveise evitáveis.

Ademais, a Constituição Fede-ral assegura aos trabalhadores aredução dos riscos inerentes ao tra-balho, por meio de normas de saú-de, higiene e segurança (art. 7º,XXII), condições benéficas ao de-sempenho do trabalho, inobservadaspelo Demandado, como se viu.

O legislador ordinário (CLT) pro-curou privilegiar o direito dos trabalha-dores a um meio ambiente de traba-lho saudável e com um mínimo possí-vel de riscos à sua saúde, fazendoinserir na legislação consolidada todoum Capítulo, onde se vê normas deproteção que lhes dêem condiçõesde trabalho também com um mínimo dedignidade. Além da vasta legislaçãoprotecionista da saúde e da seguran-

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ça do trabalhador, são minuciosas asdisposições insertas nas diversasNormas Regulamentadoras do Minis-tério do Trabalho.

O objetivo do lucro não podeser alcançado com o atropelo desseregramento mínimo de proteção àpessoa do trabalhador, sem que selhe dê garantia de condições míni-mas de higiene e segurança, asse-gurando um meio ambiente de tra-balho saudável e com um mínimo denocividade possível.

Há que incutir, no empregador,uma nova mentalidade, aquela assi-nalada por Amauri Mascaro Nasci-mento:

“As empresas têm uma finali-dade social que as obriga a cum-prir determinados objetivos, vol-tados para a sua total realização,que não se limita aos objetivoseconômicos. Na sua organização,devem estar presentes os meiosdestinados a esses objetivos,dentre os quais uma estruturaadequada para zelar pela segu-rança e higiene dos seus empre-gados” (Curso de Direito do Tra-balho”, 10ª edição, São Paulo, Sa-raiva, 1992, p. 532, grifou-se).

A saúde do trabalhador é pre-missa indispensável e inarredável àefetivação dos demais direitos refe-rentes à vida, ao lazer, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade eà convivência familiar e comunitária.

Freqüentemente relegadas aosegundo plano, pela ausência deexpressão econômica, as normas

sobre Segurança e Medicina do Tra-balho, que integram o Direito Tutelardo Trabalho, são de importânciacrucial no relacionamento entre em-pregados e empregadores, já queestabelecem normas de conduta embeneficio da saúde, do bem-estar eda segurança do empregado.

Na hipótese em tela constatou-se o não fornecimento de Equipa-mentos de Proteção Individual, comobotinas, calçados, viseiras e másca-ras para proteção de pó para opera-dores de motosserras, chapéus etc.,conforme determina a NRR-4, item4.2.a, da Portaria n. 3.067/88, doMTb, verbis:

4.2. O empregador rural é obri-gado a fornecer, gratuitamente,EPI adequados ao risco e em per-feito estado de conservação efuncionamento nas seguintes cir-cunstâncias:

a) sempre que as medidas deproteção coletiva forem tecnica-mente inviáveis ou não oferece-rem completa proteção contra osriscos de acidentes do trabalho e/ou doenças profissionais;

...

4.3. Atendidas as peculiarida-des de cada atividade, o empre-gador rural deve fornecer aos tra-balhadores os seguintes EPI:

I — Proteção da cabeça:

...

b) chapéu de palha de abaslargas e cor clara para proteçãocontra o sol, chuva, salpicos etc.

...

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II — Proteção dos olhos e daface:

...

b) óculos de segurança paratrabalhos que possam causar fe-rimentos provenientes do impac-to de partículas, ou de objetospontiagudos ou cortantes;

...

d) óculos de segurança contrapoeira e pólen.

IV — Proteção das vias respi-ratórias:

a) respiradores com filtros me-cânicos para trabalhos que impli-quem produção de poeiras;

...

V — Proteção dos membrossuperiores:

Luvas e/ou mangas de prote-ção nas atividades em que hajaperigo de lesões provocadas por:

a) materiais ou objetos escorian-tes, abrasivos, cortantes ou per-furantes;

...

f) picadas de animais peço-nhentos.

VI — Proteção dos membrosinferiores:

a) botas impermeáveis e comestrias no solado para trabalhosem terrenos úmidos, lamacentos,encharcados ou com dejetos deanimais;

...

d) perneiras em atividadesonde haja perigo de lesões pro-

vocadas por materiais ou objetoscortantes, escoriantes ou perfu-rantes;

f) calçados de couro para asdemais atividades.

Sendo assim, a ré deve serobrigada a fornecer os referidosEquipamentos de Proteção Indivi-dual, para que os seus empregadosnão continuem sujeitos a acidentesde trabalho dos mais diversos e setornem futuros mutilados.

II.IV — Da falta de higienização noslocais para refeições

A Demandada descumpre oartigo 157 da CLT em seus incisos Ia III.

“Art. 157. cabe às empresas:

I — cumprir e fazer cumprir asnormas de segurança e medicinado trabalho;

II — instruir os empregados,através de ordens de serviço,quanto às precauções a tomar nosentido de evitar acidentes do tra-balho ou doenças ocupacionais;

III — adotar as medidas quelhes sejam determinadas pelo ór-gão competente.”

O Parquet pretende, assim,impor à Demandada o cumprimentodo item 24.6.1, da NR-24 da Porta-ria 3.214/78 do MTb, verbis:

24.6.1. As empresas urbanase rurais, que possuam emprega-

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dos regidos pela Consolidaçãodas Leis do Trabalho — CLT, e osórgãos governamentais devemoferecer a seus empregados eservidores condições de confor-to e higiene que garantam refei-ções adequadas por ocasião dosintervalos previstos na jornada detrabalho.

24.6.1.1. A empresa que con-tratar terceiro para a prestação deserviços em seus estabelecimen-tos deve estender aos trabalha-dores da contratada as mesmascondições de higiene e confortooferecidas aos seus empregados.

É inaceitável que os emprega-dos continuem realizando refei-ções em lugares desprovidos dequalquer higienização, devendoa demandada fornecer locais pro-pícios para esta finalidade.

II.V — Dos salários

O Salário é a contraprestaçãodo serviço executado pelo emprega-do. No dizer de Arnaldo Süssekind,é “o principal e único meio de sub-sistência da família operária”.Poreste motivo, visando atenuar o jugoque o empregador exercia sobre oempregado, surgiram normas prote-cionistas do trabalho.

A proteção ao salário (e, via deconseqüência, ao seu pagamentotempestivo) merece até patamarconstitucional, como se lê do art. 7º,inciso X:

X — proteção do salário naforma da lei, constituindo crime suaretenção dolosa.

São por demais conhecidos osefeitos danosos aos trabalhadoresdecorrentes da inadimplência doempregador quanto a essa obriga-ção. Não pode honrar seus compro-missos, não terá condições de pa-gar despesas decorrentes de proble-mas de saúde (medicamentos, porexemplo), não poderá adquirir quais-quer peças de vestuário, não pode-rá adquirir livros escolares para seusfilhos, e, o que pior, não terá condi-ções de alimentar-se e de sustentarsua família.

Como fará, enfim, para aten-der às suas necessidades mais bá-sicas como moradia, alimentação,educação, saúde, lazer, vestuário,higiene, transporte etc.??

O pagamento de salários épremissa indispensável e inarredá-vel à efetivação dos demais direitosdecorrentes da relação de trabalho.

Por fim, sublinhe-se que nãose pode acolher o argumento de queos pagamentos em atraso por partedos tomadores dos serviços é queestariam a gerar os atrasos nos rece-bimentos dos salários dos emprega-dos da Demandada, já que, comosabido, não pode o empregado so-frer os riscos do empreendimentoempresarial — da mesma formacomo não participa dos lucros domesmo.

Como observa Garcia Oviedo:

“A regularidade no pagamen-to se prende à necessidade parao trabalhador de contar com osalário em determinados momen-tos, para a ordenação econômi-

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ca de sua vida. Se depender davontade do patrão ou dos azaresda indústria a época em que se háde abonar o salár io, logo seromperá o equilíbrio na economiado operário, e, se houver dilata-ção do momento,obrigará o assa-lariado a entregar-se ao agiota,que não outorgará seus favoressenão a muito elevada usura”(‘‘Instituições de Direito do Traba-lho’’, Arnaldo Süssekind et alli,LTr, 17ª edição, 1997, pág. 486).

Um dos princípios básicos deproteção ao salário é o da sua in-tangibilidade. O art. 9º, letra b, § 1º,da Lei n. 5.889/70 admite o descon-to sobre o salário do empregado ru-ral, até o limite de 25% calculadosobre o salário mínimo, por conta dofornecimento de alimentação sadiae farta, atendidos os preços vigen-tes na Região e mediante préviaautorização do obreiro, sob pena denulidade. São admitidos tambémdescontos a título de adiantamentos.Entretanto, os valores que superemo valor mensal da remuneração per-dem o caráter de adiantamento.

A fiscalização da DRT consta-tou que existe exploração de vendasem cantinas aos trabalhadores, sen-do que os trabalhadores não rece-beram qualquer remuneração pelosserviços prestados à Reclamada(trabalho escravo), conforme Auto deInfração em anexo. Desse modo,deve ser condenada a efetuar o pa-gamento dos salários no quinto diaútil do mês subseqüente ao laboradoe se abster de explorar os seus tra-

balhadores em vendas superfatura-das efetuadas por estes na cantina,ou seja, não se utilizar do sistematruck sistem.

Diante da patente ocorrênciade lesão coletiva de direitos indis-poníveis dos trabalhadores e de di-reito social fundamental, assegura-do pela Constituição Regional, XX,Número de Pontos Ativos XX. Fede-ral, não resta dúvida de que é legíti-ma a propositura da presente AçãoCivil Pública.

II.VI — Do pagamento das verbasrescisórias

A lei trabalhista, ao tratar doassunto, prevê alguns direitos aostrabalhadores. Dentre estes encon-tra-se o período em que deverá ocor-rer pagamento das verbas rescisóri-as pelo empregador e o pagamentode multa em caso de descumprimen-to do referido prazo legal. Estabelece:

O artigo 477, §§ 6º e 8º, daCLT, assim

477 — É assegurado a todoempregado, não estipulado para aterminação do respectivo contra-to, quando não haja ele dado mo-tivo para cessação de trabalho, odireito de haver do empregadorpaga na base da maior remunera-ção que na mesma empresa.

§ 6º O pagamento das par-celas constantes do rescisão ourecibo de quitação deverá ser efe-tuado nos prazos:

a) até o primeiro dia útil ime-diato ao término do contrato; até

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o décimo dia, contado da data danotificação quando da ausênciado aviso prévio, ou dispensa deseu cumprimento.

(...)

§ 8º A inobservância do dis-posto no § 6º deste o infrator àmulta de 160 BTN, por trabalha-dor, assim ao pagamento da mul-ta a favor do empregado, equiva-lente ao seu salário, devidamen-te índice de variação do BTN,salvo quando, o trabalhador dercausa à mora.

No entanto, o Auto de Infraçãon. 005431573, em anexo DRT, cons-tata que a empresa acima qualifica-da se mantém recalcitrante no quese refere ao cumprimento deste dis-positivo legal.

II.VII. Apresentação dos documentos àfiscalização do trabalho

O réu foi autuado porque nãoapresentou à fiscalização os docu-mentos exigidos, qual seja, o livro ouficha de registro de seus emprega-dos. Nos termos do art. 630 da Con-solidação das Leis do Trabalho, éobrigação do empregador exibir aoagente de inspeção os documentosquando solicitados.

Requer o Ministério Público doTrabalho, por fim, seja a ré conde-nada a manter os documentos su-jeitos à fiscalização no local de tra-balho ou então apresentá-los no pra-zo fixado pelo Fiscal do Trabalho,nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 630da CLT.

II.VIII — Do exame médicoadminissional

O artigo 168 da Consolidaçãodas Leis Trabalhistas prescreve aobrigatoriedade do exame médico,que correrá por conta do emprega-dor, em três momentos distintos: naadmissão, na demissão e periodica-mente:

Art. 168. Será obrigatório exa-me médico, por conta do empre-gador, nas condições estabeleci-das neste artigo e nas instruçõescomplementares a serem expedi-das pelo Ministério do Trabalho:

I — na admissão;

II — na demissão;

III — periodicamente.

Além disso, ao não proceder àrealização do exame médicoadmissional, o Demandado infrin-ge o disposto no item 7.4.3.1, daNR-7, abaixo transcrito:

7.4.3. A avaliação clínica refe-rida no item 7.4.2, alínea “a”, comoparte integrante dos exames noitem 7.4.1, deverá obedecer aosprazos e à periodicidade confor-me previstos nos subitens abaixorelacionados:

7.4.3.1. no exame médico-admissional, deverá ser feito an-tes que o trabalhador assuma suaatividades;

Como se verifica do Auto deInfração n. 003521087, o emprega-dor não cumpre os dispositivos le-gais supracitados, uma vez que seusempregados não são submetidos ao

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exame médico ocupacional, por oca-sião de suas admissões, ficando ex-postos ao risco de comprometimen-to de sua saúde.

O comportamento omissivo daDemandada, mais que se constituirem atentado à ordem jurídica, é ofen-sivo a mais elementar noção de pro-teção à saúde do trabalhador.

II.IX — Dos primeiros socorros

As normas que dispõem sobreSegurança e Medicina do Trabalho,que integram o Direito Tutelar do Tra-balho, são de importância crucial norelacionamento entre empregados eempregadores, já que estabelecemnormas de conduta em benefício dasaúde, do bem-estar e da seguran-ça do empregado.

Sendo assim, a saúde do tra-balhador é premissa indispensávele inarredável à efetivação dos de-mais direitos referentes à vida, aolazer, à cultura, à dignidade, ao res-peito, à liberdade e à convivênciafamiliar e comunitária.

O Demandado em questão, aonão fornecer o material necessáriopara atendimentos emergenciais deseus empregados está descumprin-do as normas constantes do item7.4.3.1, da NR-7, abaixo transcritos:

“Art. 13. Nos locais de traba-lho rural serão observadas asnormas de segurança e higieneestabelecidas em portaria do Mi-nistério do Trabalho e Previdên-cia Social.”

2.8. Sempre que em uma fren-te de trabalho houver 10 (dez) oumais trabalhadores, um dos efe-tivos deverá ser treinado em se-gurança e higiene do trabalho deprimeiros socorros.

2.8.1. Será fornecido, peloempregador, para cada frente detrabalho, o material necessáriopara prestação de primeiros so-corros e recursos mínimos paraatendimento de urgência.’’

A infração encontra-se descri-ta no Auto de Infração n. 003521117,em anexo.

II.X — Do 13º salário

O pagamento do 13º salário,até o dia 20 (vinte) de dezembro decada ano, sendo que deverá serpago o adiantamento do 13º até ofinal do mês de novembro, conformegarantido pelo artigo 1º e seg. da Lein. 4.749/65, que assim dispõe:

Art. 1º “A gratificação salarialinstituída pela Lei n. 4.090, de 13de julho de 1962, será paga peloempregador até o dia 20 dedezembro de cada ano, compen-sada a importância que, a títulode adiantamento, o empregadohouver recebido na forma do arti-go seguinte”.

Vê-se, assim, que o Demanda-do agride de forma veemente textoexpresso de lei, pois até a data dafiscalização não havia efetuado opagamento do 13º salário, como sedepreende dos Autos de Infração ns.004360435 e 005431581.

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Logo, este Juízo deve acolhero pleito de determinar que a deman-dada proceda o pagamento do déci-mo terceiro salário na forma e épo-ca próprias.

II.XI — Serviço interditado

Os fatos relatados no auto deinfração em anexo evidenciam,de forma cabal e indiscutível, a ile-galidade perpetrada pela Ré, consis-tente no descumprimento de precei-tos legais e mesmo constitucionaisreferentes à proteção à saúde e àintegridade física do trabalhador,com sérios riscos de acidentes detrabalho, com danos irreversíveis aotrabalhador.

Note-se que manter trabalha-dores laborando em áreas de servi-ço que estão interditadas pode re-sultar em acidentes de trabalho econseqüente incapacitação do em-pregado para o trabalho, afetandodiretamente seus dependentes, aci-dentado ou inválido, onerando emúltima instância, o Estado, por meiode concessão de benefícios para si-tuações perfeitamente prescindíveise evitáveis.

Ademais, a Constituição Fede-ral assegura aos trabalhadores aredução dos riscos inerentes ao tra-balho, por meio de normas de saú-de, higiene e segurança (art. 7º,XXII), condições benéficas ao de-sempenho do trabalho, inobservadaspelo Demandado, como se viu.

A NR-03 da Portaria n. 06/83do MTb veda de forma expressa olabor em tais áreas, verbis:

3.1. O delegado Regional doTrabalho ou delegado do Trabalho

Marítimo, conforme o caso, à vis-ta de laudo técnico do serviçocompetente que demonstre gravee iminente risco para o trabalha-dor, poderá interditar estabeleci-mento, setor de serviço, máquinaou equipamento, ou embargarobra, indicando na decisão toma-da, com a brevidade que a ocor-rência exigir, as providências quedeverão ser adotadas para preven-ção de acidentes do trabalho edoenças profissionais.

3.1.1.Considera-se grave eiminente risco toda condição am-biental de trabalho que possacausar acidente do trabalho oudoença profissional com lesãograve à integr idade física dotrabalhador.

3.2. A interdição importará naparalisação total ou parcial doestabelecimento, setor de servi-ço, máquina ou equipamento.

Sendo assim, requer o MPTque este Juízo determine a imedia-ta suspensão de qualquer labor nasáreas interditadas pertencentes àdemandada, uma vez que represen-ta sério risco à segurança dos tra-balhadores.

II.XII. Da lesão e da reparação do dano

É inegável que a conduta ado-tada pelo réu causou, e causa, le-são aos interesses difusos de todaa coletividade de trabalhadores, umavez que propiciam a negação dosdireitos trabalhistas aos atuais tra-balhadores flagrados trabalhando

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nas condições apontadas pela fisca-lização, bem como a toda a catego-ria de trabalhadores que, no futuro,possa vir a laborar na fazenda, orarequerida.

Há, também, de se levar emconta a afronta ao próprio ordena-mento jurídico, que, erigido pelo le-gislador como caminho seguro parase atingir o bem comum, é flagran-temente aviltado pelos intermediado-res de mão-de-obra, que visando aobtenção de lucro, favorecem a inob-servância dos ditames constitucio-nais atinentes às normas mínimasde proteção ao trabalhador.

Como tais lesões amoldam-sena definição do artigo 81, incisos I eII, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Minis-tério Público, com espeque nos arti-gos 1º, caput, e inciso IV e 3º da Lein. 7.347/85, propor a medida judicialnecessária à reparação do dano e àsustação da prática.

Em se tratando de danos a in-teresses difusos e coletivos, a res-ponsabilidade deve ser objetiva, por-que é a única capaz de asseguraruma proteção eficaz a esses interes-ses. Cuida-se, na hipótese, do “danoem potencial”, sobre o qual já semanifestou o Eg. TRT da 12ª Região,ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V7158/97. Transcreve-se parte do votodo Exmo. Sr. Juiz Relator:

“O prejuízo em potencial já ésuficiente a justificar a actio. Exa-tamente porque o prejuízo empotencial já é suficiente a justifi-car a propositura da presenteação civil pública, cujo objeto,como se infere dos balizamentos

atribuídos pela peça exordial aopetitum, é em sua essência pre-ventivo (a maior sanção) e ape-nas superficialmente punitivo, éque entendo desnecessária a pro-va de prejuízos aos empregados.De se recordar que nosso orde-namento não tutela apenas oscasos de dano in concreto, comotambém os casos de exposiçãoao dano, seja ele físico, patrimo-nial ou jurídico, como se infere doCódigo Penal, do Código Civil, daCLT e de outros instrumentos ju-rídicos. Tanto assim é que a CLT,em seu artigo 9º, taxa de nulosos atos praticados com o objetivode fraudar, o que impende reco-nhecer que a mera tentativa dedesvirtuar a lei trabalhista já épunível.” (g.n.)

De outra parte, a violação dadignidade dos trabalhadores nãopode ficar impune.

Nesse passo, afigura-se cabí-vel a reparação da coletividade dostrabalhadores, não só pelos danoscausados, mas, igualmente, paradesestimular tais atos.

Oportuno se torna dizer que:“não somente a dor psíquica podegerar danos morais; devemos aindaconsiderar que o tratamento transin-dividual aos chamados interessesdifusos e coletivos origina-se justa-mente da importância destes interes-ses e da necessidade de uma efeti-va tutela jurídica. Ora, tal importân-cia somente reforça a necessidadede aceitação do dano moral coleti-vo, já que a dor psíquica que alicer-çou a teoria do dano moral individual

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acaba cedendo lugar, no caso dodano moral coletivo, a um sentimen-to de desapreço e de perda de valo-res essenciais que afetam negativa-mente toda uma coletividade. (...)Assim, é preciso sempre enfatizar oimenso dano moral coletivo causa-do pelas agressões aos interessestransindividuais afeta-se a boa ima-gem da proteção legal a estes direi-tos e afeta-se a tranqüilidade do ci-dadão, que se vê em verdadeira sel-va, onde a lei do mais forte impera.Tal intranqüilidade e sentimento dedesapreço gerado pelos danos co-let ivos, justamente por seremindivisíveis, acarretam lesão moralque também deve ser reparada co-letivamente. Ou será que alguémduvida que o cidadão brasileiro, acada notícia de lesão a seus direi-tos, não se vê desprestigiado e ofen-dido no seu sentimento de perten-cer a uma comunidade séria, ondeas leis são cumpridas? Omissis. Areparação moral deve se utilizar dosmesmos instrumentos da reparaçãomaterial, já que os pressupostos(dano e nexo causal) são os mes-mos. A destinação de eventual inde-nização deve ser o Fundo Federal deDireitos Difusos, que será responsá-vel pela utilização do montante paraa efetiva reparação deste patrimôniomoral lesado. Com isso, vê-se que acoletividade é passível de ser inde-nizada pelo abalo moral, o qual, porsua vez, não necessita ser a dor sub-jetiva ou estado anímico negativo,que caracterizariam o dano moral napessoa física...”. In André de Carva-lho Ramos, A Ação Civil Pública e oDano Moral Coletivo.

Destarte, através do exercícioda Ação Civil Pública, pretende o Mi-nistério Público do Trabalho a defini-ção das responsabilidades por ato ilí-cito que causou danos morais ou pa-trimoniais a interesses difusos oucoletivos. A questão está assim defi-nida pelo art. 1º da Lei n. 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas dispo-sições desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

(...)

V — a qualquer outro interes-se difuso ou coletivo.”

Busca-se, aqui, a reparação dodano jurídico social emergente daconduta ilícita da ré, cuja responsa-bilidade pode e deve ser apuradaatravés de ação civil pública (Lei n.7.347/85, art. 1º, IV), bem como — eespecialmente — a imediata cessa-ção do ato lesivo (art. 3º), através daimposição de obrigação de não fazer.

Ressalte-se, por opor tuno,que, no presente caso, o MinistérioPúblico do Trabalho visa não só fa-zer cumprir o ordenamento jurídico,mas, também, restaurá-lo, vez quejá foi violado. Tem por escopo, ain-da, coibir a repercussão negativa nasociedade que essa situação gera.

Assim, o restabelecimento daordem jurídica envolve, além da sus-pensão da continuidade da lesão, aadoção de algumas medidas: impe-dir a Ré que volte a utilizar trabalha-dores aliciados pelos chamados “ga-tos”, assim como privar seus traba-

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lhadores do direito de “ir e vir”, im-pedindo-os de deixar seus empregosquando bem lhes aprouver; e mais:que propicie a reparação do danosocial emergente da conduta da Réde burlar todo o arcabouço de prin-cípios e normas, constitucionais e in-fraconstitucionais, que disciplinamas relações de trabalho.

Entende o Ministério Públicoque é bastante razoável a fixação daindenização pela lesão a direitos di-fusos no valor de R$ 60.000,00 (ses-senta mil reais), a ser suportada peloréu/proprietário. Trata-se de indeniza-ção simbólica, considerando-se osmalefícios causados com a ilegal in-termediação de mão-de-obra, privan-do os trabalhadores de todas as ga-rantias trabalhistas e previdenciárias.

Todo esse valor deverá ser re-vertido em prol de um fundo desti-nado à reconstituição dos bens le-sados, conforme previsto no artigo13 da Lei n. 7.347/85. No caso deinteresses difusos e coletivos naárea trabalhista, esse fundo é o FAT —Fundo de Amparo ao Trabalhador—, que, instituído pela Lei n. 7.998/90, custeia o pagamento do seguro-desemprego (art.10) e o financia-mento de políticas públicas que vi-sem à redução dos níveis de desem-prego, o que propicia, de forma ade-quada, a reparação dos danos sofri-dos pelos trabalhadores, aqui incluídosos desempregados que buscam umacolocação no mercado.

III — Da natureza do provimentojurisdiconal perseguidopelo MPT

Cumpre, finalmente, esclare-cer o objetivo do Parquet na presen-te ação.

Demonstrada e comprovada aocorrência de infração às normastrabalhistas, violando toda a coletivi-dade de trabalhadores, busca o MPTimpedir que a infração se repita, im-pondo multa que seja suficiente paracoibir, de uma vez por todas, as in-frações. Multa que, evidentemente, sóincidirá e será cobrada pelo MPT sea Demandada voltar a praticar qual-quer dos ilícitos trabalhistas.

Sem dúvida que se trata de umprovimento jurisdicional que se pro-jeta para o futuro, como é inerente àtutela preventiva.

No caso, trata-se de uma tute-la preventiva voltada para uma obri-gação de fazer.

Sobre o assunto, são precisase encaixam-se como luva ao casodos autos as lições de Luiz Guilher-me Marinoni:

“A tutela inibitória, configuran-do-se como tutela preventiva, visaa prevenir o ilícito, culminando porapresentar-se, assim, como umatutela anterior à sua prática, e nãocomo uma tutela voltada para opassado, como a tradicional tute-la ressarcitória.

Quando se pensa em tutelainibitória, imagina-se uma tutelaque tem por fim impedir a prática,a continuação ou a repetição do

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ilícito, e não uma tutela dirigida àreparação do dano. Portanto, oproblema da tutela inibitória é aprevenção da prática, da continua-ção ou da repetição do ilícito, en-quanto o da tutela ressarcitória ésaber quem deve suportar o cus-to do dano, independentementedo fato de o dano ressarcível tersido produzido ou não com cul-pa.” (pág. 26)

(...) é melhor prevenir do queressarcir, o que equivale a dizerque no confronto entre a tutelapreventiva e a tutela ressarcitóriadeve-se dar preferência à primei-ra.” (pág. 28)

“A tutela inibitória é caracteri-zada por ser voltada para o futu-ro, independentemente de estarsendo dirigida a impedir a práti-ca, a continuação ou a repetiçãodo ilícito. Note-se, com efeito, quea inibitória, ainda que empenha-da apenas em fazer cessar o ilí-cito ou impedir a sua repetição,não perde a sua natureza preven-tiva, pois não tem por fim reinte-grar ou reparar o direito violado.”(págs. 28/29)

“A inibitória funciona, basica-mente, através de uma decisão ousentença que impõe um não fa-zer ou um fazer, conforme a con-duta ilícita temida seja de nature-za comissiva ou omissiva. Estefazer ou não fazer deve ser im-posto sob pena multa, o que per-mite identificar o fundamento nor-mativo-processual desta tutelanos arts. 461 do CPC e 84 doCDC.” (pág. 29)

“Já o fundamento maior dainibitória, ou seja, a base de umatutela preventiva geral, encontra-se — como será melhor explicadomais tarde — na própria Consti-tuição da República, precisamen-te no art. 5º, XXXV, que estabele-ce que ‘a lei não excluirá de apre-ciação do Poder Judiciário lesãoou ameaça a direito’.’’ (pág. 30)

“(...) a tutela inibitória não deveser compreendida como uma tu-tela contra a probabilidade dodano, mas sim como uma tutelacontra o perigo da prática, da con-tinuação ou da repetição do ilíci-to, compreendido como ato con-trário ao direito que prescinde daconfiguração do dano.” (pág. 36)

“A moderna doutrina italiana,ao tratar do tema, deixa claro quea tutela inibitória tem por fim pre-venir o i l ícito e não o dano.”(Marinoni, Luiz Guilherme, TutelaInibitória, Editora Revista dos Tri-bunais, São Paulo, 1998, pág. 37)

Não se pode fechar os olhospara a situação fática plenamentedemonstrada nos autos e ocorrida naempresa demandada, devendo oJudiciário evitar que o ilícito traba-lhista se repita, com visíveis prejuí-zos aos trabalhadores.

Além disso, a situação denun-ciada ao Judiciário Trabalhista reve-la que a ordem jurídica foi maltrata-da pelos fatos ocorridos.

No que toca ao resguardo dodireito dos trabalhadores, a provo-cação ao Estado-Juiz foi feita peloParquet.

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O mínimo que se pode espe-rar é que os ilícitos trabalhistas nãomais se repitam.

Está-se, pois, diante de umapostulação de um provimento juris-dicional com efeitos futuros e frentea uma obrigação de natureza conti-nuativa.

Em irretocável sentença, aMMª 13ª Vara do Trabalho de Belém,em sentença lavrada pelo Magistra-do Ricardo André Maranhão Santia-go, reconheceu a natureza continua-tiva e preventiva do provimento ju-risdicional perseguido pelo MPT.Vale a pena transcrevê-la:

“Preliminares argüidas combase na inexistência de interes-se do autor por ocasião da sen-tença, eis que a empresa, emnenhum momento, praticou osatos que o autor requer que elase exima de fazer, havendo nocaso, perda do objeto, devendo ofeito ser extinto sem julgamentodo mérito, nos termos do art. 267,VI, do CPC.

O interesse de agir não deve,no caso, ser analisado apenas emrelação ao que teria ocorrido comas supostas infrações denuncia-das, mas sim ao que ainda podeocorrer no futuro com os empre-gados que ingressarem nos qua-dros da empresa, razão pela qualsucumbem as razões da ré.

Ademais, o binômio necessi-dade-adequação do provimentojurisdicional, em sede de açãocivil pública, faz-se presente, poisseria de uma comodidade assom-

brosa se toda vez que situaçõescomo as que supostamente ocor-reram nos autos fossem realmen-te constatadas, os responsáveissuscitassem que o interesseapontado como violado já nãosofre vilipêndio depois de altera-das as condições no terrenofático, sem qualquer conseqüên-cia, deixando que tal interessedurma no limbo jurídico. Serianegar a própria finalidade do Ju-diciário em resolver as querelassurgidas no meio social. E a pre-tensão ministerial objetiva o cum-primento de obrigações de fazere não fazer por parte da requeri-da, já que não se vale do instru-mento usado para declarar ouconstituir direitos, nos moldes daclassificação das ações de cog-nição, e sim, condená-la nos plei-tos da exordial da ação principal.Pelo que, rejeitam-se as prelimi-nares” (Processo n. 13ª JCJ/Belém 970/99, Autor: MinistérioPúblico do Trabalho, Réu: Trans-portes Bertolini Ltda., sentençapublicada em 4.10.99, às 12:05,destacou-se)

Naquela ACP, o MPT compro-vara, através de documentos apre-endidos na sede da Demandada,que a empresa fazia com que seusempregados assinassem previamen-te documentos em branco.

Perseguia-se, então, que aempresa se abstivesse de, no futu-ro, vir a exigir de seus empregados,atuais e futuros, a assinatura dedocumentos nas mesmas condições,sob pena de multa, caso viesse a sercomprovada essa prática, novamen-te, no futuro.

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O próprio Oitavo Regional játeve oportunidade de comungar domesmo entendimento aqui esposado:

“Ação Civil Pública. Obriga-ções de fazer. Não pode ser jul-gada totalmente improcedente aação civil pública, se a própriaempresa admite que não vinhacumprindo as obrigações de fa-zer mencionadas na inicial, ain-da que no curso da instrução pro-cessual venha a comprovar o iní-cio do cumprimento de tais obri-gações” (Acórdão TRT/8ª — 3ªTurma TRT RO 5050/98 — Recor-rente: Ministério Público do Tra-balho — Recorrido: Hamex — In-dústria e Comércio de ProdutosAlimentícios Ltda.)

É oportuno reler ainda o deci-dido nos autos do processo TRT 8ª— 3ª Turma — RO 284/99, ondeaquela Turma deixa bem claro que ofato de a Demandada corrigir sua ir-regularidade — se se tratar de umaprestação continuada — não impor-ta na perda do objeto da ação:

“O fato de no curso da presen-te demanda judicial, por força daliminar concedida pela Meritíssi-ma Junta (folha 20), ter a empre-sa providenciado o que ali foi de-terminado, não impede que sejaela, na decisão terminativa do fei-to, condenada nos pedidos. An-tes pelo contrário, o que visa apresente ação civi l pública éa constituição de obrigações defazer, para o presente e para o fu-turo. O fato de estar a empresa,

agora — e somente agora — cum-prindo tais obrigações, não obs-ta e, sobretudo, não torna extrapetita a decisão de primeiro grau.O raciocínio exposto no recursoe argumentação construída a par-tir dele é equivocada e tortuosa(folhas 340 a 342), olvidando queo pedido do autor é de constitui-ção de obrigações de fazer (obri-gações continuadas) e é nissoque foi o recorrente condenado.

(...)

Postula (a empresa), desta for-ma, seja a sentença recorrida re-formada, com a declaração documprimento das determinaçõesimpostas ao recorrente, desobri-gando-o de qualquer obrigaçãode fazer superveniente ao já re-ferido cumprimento.

Bem ao contrário do que en-tende o recorrente, é exatamentea sua prática revelada nestes au-tos, admitida, confessada e confir-mada neste recurso, que conduz,necessariamente, à sua condena-ção. (...) Durante esta demandaficou revelada também a recalci-trância do recorrente em cumprirtais elementares obrigações, im-pondo aos seus trabalhadorespéssimas condições de trabalho(...). Não é, a toda evidência, umambiente de trabalho que se pos-sa ter por adequado para o tra-balho humano. Aliás, em ambien-tes como esses, até mesmo aaplicação da legislação protetorados animais seria um considerá-vel avanço. Só mesmo em paísesatrasados ainda se permite aexistência e o funcionamento de

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instalações industr iais comoessa. (...) O cumprimento força-do de primárias, elementares ecomezinhas normas das condi-ções e meio ambiente de traba-lho não constitui motivo para ab-solver o reclamado e negar a im-posição das obrigações de fazerpleiteadas na inicial. Bem ao con-trário — insisto — a instrução dopresente feito serviu para tornarinduvidosa a necessidade de sero recorrente condenado em todosos pedidos, da forma como o foi”(Rel. Juiz José Maria QuadrosAlencar, destacou-se).

Como se vê, são irrebatíveis osargumentos do Egrégio 8º Regionalacerca da necessidade-adequaçãoda tutela jurisdicional perseguidapelo MPT em Ações Civis Públicascomo a dos presentes autos.

IV — Do Cabimento da AçãoCivil Pública eLegitimidade do MinistérioPúblico do Trabalho

Constitui a Ação Civil Públicainstrumento ofertado pela Constitui-ção Federal (art. 129, III) ao Minis-tério Público para a defesa do inte-resse público na órbita civil, sendosua finalidade obter a tutela jurisdi-cional de interesses que transcen-dem os meramente individuais, quersejam públicos, difusos ou coletivos.

Na esfera trabalhista, cabe aoMinistério Público do Trabalho a de-fesa da ordem jurídica, zelando pelorespeito aos direitos sociais, por par-te dos poderes públicos (CF, art. 128)e de trabalhadores e empregadores.

A Ação Civil Pública trabalhis-ta visa ao resguardo de interessescoletivos ou difusos, referentes a di-reito social constitucionalmente as-segurado, bem como aqueles quedecorrem das demais leis trabalhis-tas (cf. Arion Sayão Romita, “AçãoCivil Pública Trabalhista — Legitima-ção do Ministério Público do Traba-lho para agir”, in LTr 56 — 10/165/169; Jorge Eduardo de Souza Maia,“Os interesses difusos e a Ação Ci-vil Pública no âmbito das RelaçõesLaborais”, in LTr 56 — 09/1044-1047;Ives Gandra da Silva Martins Filho,“A Ação Civil Pública Trabalhista”, inLTr 56 — 07/809-813; Nelson Nazar,“Novas Ações Judiciais da Procura-doria da Justiça do Trabalho, in “Cur-so de Direito Constitucional do Tra-balho — Estudos em Homenagemao Prof. Amauri Mascaro Nascimen-to, LTr — 1991, São Paulo, v. II, págs.206-246)

Em se tratando de interessecoletivo, a legitimidade ativa parapropor a ação é concorrente (CF, art.129, parágrafo1º), do Sindicato (CF,art. 8º, III) e do Ministério Público doTrabalho (art. 128, III), sendo quecada um com fundamento diverso:o sindicato defendendo os trabalha-dores que a ordem jurídica protegee o Ministério Público defendendo aprópria ordem jurídica protetora dosinteresses coletivos (cf. Ives Gandrada Silva Martins Filho, “O MinistérioPúblico do Trabalho e a Nova Cons-tituição”, in “Curso de Direito Cons-titucional do Trabalho...”, op. cit., págs.174-205)

Além dos interesses coletivos,especificamente trabalhistas, esta-

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belece a Lei Complementar n. 75/93a competência do Ministério Públicodo Trabalho para promover a AçãoCivil Pública para defesa dos inte-resses difusos, no âmbito do Judi-ciário Trabalhista:

“Art. 6º Compete ao MinistérioPúblico da União:

VII — promover o inquérito ci-vil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos cons-titucionais;

(...)

c) a proteção de outros interes-ses individuais indisponíveis,homogêneos, sociais, difusos ecoletivos.”

“Art. 83. Compete ao MinistérioPúblico do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos ór-gãos da Justiça do Trabalho:

III — promover a ação civil pú-blica no âmbito da Justiça do Tra-balho, para defesa de interessescoletivos, quando desrespeitadosos direitos sociais constitucional-mente garantidos.”

A hipótese em questão, envol-ve, além da proteção ao interessecoletivo dos trabalhadores, no sen-tido de ver assegurado o cumprimen-to da legislação trabalhista desres-peitada, a proteção ao interessedifuso, posto que se defende a mas-sa de trabalhadores que poderia al-mejar a um emprego na empresaacionada. Nesse caso, o interesse édifuso em decorrência da impossibi-lidade de se especificar o número detrabalhadores que poderiam postu-lar ao emprego.

Por outro lado, inegável a legi-timidade do Ministério Público doTrabalho, posto que se defende aordem jurídica laboral, desrespeita-da pela empresa acionada que in-siste em não cumprir a legislaçãotrabalhista.

V — Conclusão

Constata-se, através das di-versas irregularidades apontadas,que a ré violou o art. 444 da Con-solidação das Leis do Trabalho,uma vez que mantinha empregadostrabalhando sob condições contrá-rias às disposições de proteção aotrabalho.

O objetivo do MPT, na presen-te ação, é a imposição à Demanda-da de obrigações (Lei n. 7.347/85,art. 3º), consistentes em: 1) passara admitir empregados com o respec-tivo registro e assinatura de CTPS;2) efetuar o pagamento dos saláriosdos seus empregados e até o quintodia útil do mês subseqüente ao ven-cido; 3) se abster de efetuar descon-tos salariais fora da hipóteses do art.9º da Lei n. 5.889/70 e não se utili-zar do sistema truck sistem; 4) for-necer e tornar obrigatório o uso deequipamentos de proteção individualnecessários para a proteção comple-ta contra riscos de acidentes; 5) cum-prir as normas regulamentadorasrurais (NRR) relativas à segurança ehigiene do trabalho rural; 6) manteros empregados laborando de acor-do com as disposições de proteçãodo trabalho; 7) manter os documen-tos sujeitos à fiscalização no localde trabalho ou então apresentá-los

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no prazo fixado pelo Fiscal do Tra-balho, nos termos dos §§ 3º e 4º doart. 630 da CLT; 8) proceder o paga-mento das verbas rescisórias dosempregados dispensados no prazolegal, e efetivar o pagamento demulta em caso de descumprimentodo referido prazo; 9) submeter osseus empregados ao exame médicoocupacional, por ocasião de suasadmissões; 10) fornecer, para cadafrente de trabalho, o material neces-sário para prestação de primeirossocorros e recursos mínimos paraatendimento de urgência; 11) efetu-ar o pagamento do 13º salário emseu valor devido e na época adequa-da; 12) manter setor de serviço in-terditado em pleno funcionamento,em tudo observado o disposto arti-gos 13, 29, caput e 41, caput da CLT,7º, III e VIII da CF/88; art. 9º, da Lein. 5.889/70; art. 157, I e III da CLTc/c. os itens 1.7, “a” da NRR-1 e 4.2,“a” e “c” da NRR-4, ambos da Porta-ria n. 3.067/88, item 24.6.1, da NR-24 da Portaria n. 3.214/78 do MTb eNR-03 da Portaria n. 6/83 do MTb;art. 444 da CLT; art. 630, §§ 3º e 4ºda CLT, art. 459, § 1º da CLT, art. 477,§§ 6º e 8º da CLT, art. 168 da CLTc/c. item 7.4.3,1, da NR-7, artigo 1ºe seg. da Lei n. 4.749/65, sob penade multa de R$ 1.000 (mil reais) porinfração e por empregado encon-trado em situação irregular, em casode inadimplemento futuro de qual-quer das obrigações ou outra penaque venha a ser arbitrada por esseJuízo (Lei n. 7.347/85, art. 11, partefinal), suficiente para compelir a Réao adimplemento das obrigações. Amulta, acaso descumprido o precei-to judicial cominatório, reverterá

em favor do FAT — Fundo de Am-paro ao Trabalhador, instituído pelaLei n. 7.998/90, conforme estabe-lece o art. 11 da Lei da Ação CivilPública.

E nem se argumente ser amulta excessiva. Ela assim deve serpara impedir, de uma vez por todas,o descumprimento de direitos bási-cos do trabalhador, pois, como sabi-do, as multas administrativas devi-das em decorrência da lavratura deautos de infração pela DRT são, in-variavelmente, recolhidas — comreduções percentuais altíssimas —ou são objeto de impugnação judici-al perante a Justiça Federal, o queresulta, ao fim e ao cabo, no esvazia-mento da função repressora dasmesmas.

Ressalte-se, ainda, que a mul-ta cominada somente será devida ecobrada em Juízo pelo Parquet emcaso de futuro descumprimento dasobrigações a serem impostas pelocomando judicial.

Além dessas obrigações defazer e não fazer postuladas, requerainda o MPT a condenação da de-mandada para que esta pague a im-portância de R$ 60.000,00 (sessen-ta mil reais) a título de indenizaçãoem face da situação degradante emque foram encontrados os emprega-dos da mesma.

VI — Da liminar

Do pedido liminar, inaudita al-tera pars:

O pedido liminar tem esteio noart. 12 da Lei n. 7.347/85 e autoriza

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o Juízo nos próprios autos da AçãoCivil Pública determinar que a réimediatamente regularize seu proce-dimento. Esta medida é essencial emvista do propósito da presente de-manda que, para regularizar as re-lações de trabalho, visa a obstar oprocedimento da demandada desubmeter os seus empregados acondições precárias de vida e de tra-balho, não lhes fornecendo atendi-mento em caso de acidente de tra-balho, alojamento adequado, águapotável ou mesmo instrumentos ade-quados à execução normal do seutrabalho, ou seja, violando e desres-peitando dia-a-dia os direitos traba-lhistas, sendo a grande parte delesconstitucionalmente protegidos.

O periculum in mora está evi-denciado pelos fundamentos fáticosacima citados, que, por si só de-monstram o perigo da demora datutela jurisdicional, uma vez que ostrabalhadores estão submetidos acondições desumanas e degradan-tes, estando expostos constante-mente a riscos à sua integridade fí-sica e à sua saúde. Por outro aspec-to, o perigo da demora é facilmentedemonstrado, visto que não sendoconcedida a liminar que ora se plei-teia, comprometida estará a utilida-de do processo, já que o demanda-do somente estará obrigado a re-gularizar a situação de seus empre-gados quando a decisão transitar emjulgado, o que leva tempo suficientepara que muitos sofram irremediavel-mente as conseqüências dessa de-mora, ficando, os atingidos, por con-seguinte, durante este período, àmargem da lei e ao desamparo dajustiça.

Ademais, é patente o fumusboni juris, vez que os trabalhadoresestão tendo desde os seus direitosfundamentais constitucionais lesa-dos, como o direito a tratamento dig-no (art. 5º, III), o direito à saúde e aotrabalho (art. 6º), o direito à prote-ção do salário (art. 7º, X) e o direitoao meio ambiente de trabalho sau-dável (art. 7º, XXII), até todas asnormas mínimas de proteção ao tra-balho, à saúde e ao salário desres-peitadas, como já exposto anterior-mente.

VII — Do pedido

O Parquet Laboral requer sejadeferida liminar, sem oitiva da partecontrária, com base no art. 12 da Lein. 7.347/85, com o fito de que o réuseja condenado a imediatamentecumprir as obrigações de fazer e nãofazer listadas a seguir, sob pena depagamento de multa, no valor de R$1.000,00 (mil reais), por infração epor cada trabalhador encontrado emsituação irregular, reversível ao FAT— Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Postula o Ministério Público doTrabalho a procedência dos pedidosconstantes da presente Ação CivilPública com a condenação da De-mandada ao cumprimento das se-guintes obrigações:

a) passar a admitir emprega-dos com o respectivo registro eassinatura de CTPS, de acordocom o estabelecido nos artigos13, 29, caput e 41, caput da CLT;

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b) efetuar o pagamento dossalários dos seus empregados eaté o quinto dia útil do mês sub-seqüente ao vencido, de acordocom os artigos 457 e 459, § 1º daCLT;

c) se abster de efetuar descon-tos salariais fora das hipóteses doart. 9º da Lei n. 5.889/70 e não seutilizar do sistema truck sistem;

d) cumprir as seguintes nor-mas de higiene e segurança dotrabalho rural:

d.1) fornecer água potável aosempregados que laboram nasfrentes de trabalho (NR-24,24.7.1.2, Portar ia n. 3.214/78,MTb);

d.2) fornecer Equipamentos deProteção Individual (EPI), comobotinas, calçados, viseiras e más-caras para proteção de pó paraoperadores de motosserras, cha-péus etc. (NRR-4, 4.2.a, Portarian. 3.067/88, MTb);

d.3) construir os pisos do alo-jamento com material impermeá-vel e de acabamento áspero (NR-24, 24.5.8, Portaria n. 3.214/78,MTb);

d.4) dotar o estabelecimento ealojamento com instalações sani-tárias que atendam as dimensõesmínimas exigidas (NR-24, 24.1.2,Portaria n. 3.214/78, MTb);

d.5) dotar o alojamento de es-trutura de madeira ou metálica,com telhas de barro ou de fibro-cimento (NR-24, 24.5.9, Portarian. 3.214/78, MTb);

d.6) oferecer a seus emprega-dos e servidores condições deconforto e higiene que garantamrefeições adequadas por ocasiãodos intervalos previstos na jorna-da de trabalho (item 24.6.1, daNR-24 da Portaria n. 3.214/78 doMTb);

d.7) suspensão de qualquerlabor nas áreas interditadas per-tencentes à demandada, na for-ma do art. 157 da CLT c/c. NR-03da Portaria n. 06/83 do MTb;

e) se abster de aliciar trabalha-dores, diretamente ou através deterceiros (“gatos”), de um localpara outro do território nacional,bem como promover o transportedos trabalhadores aliciados até olocal de origem, em condições desegurança, higiene e lotação nor-mal, no primeiro dia útil após o fi-nal do contrato de trabalho;

f) manter os documentos sujei-tos à fiscalização do local de tra-balho ou então apresentá-los noprazo fixado pelo Fiscal do Tra-balho, nos termos dos §§ 3º e 4ºdo art. 630 da CLT;

g) proceder o pagamento dasverbas rescisórias dos emprega-dos dispensados no prazo legal,e efetivar o pagamento de multaem caso de descumprimento doreferido prazo, na forma do art.477, §§ 6º e 8º;

h) submeter os seus emprega-dos ao exame médico ocupacio-nal, por ocasião de suas admis-sões, na forma do art. 168 da CLTc/c. item 7.4.3.1, da NR-7;

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i) fornecer, para cada frente detrabalho, o material necessáriopara prestação de primeiros so-corros e recursos mínimos paraatendimento de urgência;

j) efetuar o pagamento do 13ºsalário em seu valor devido e naépoca adequada, na forma esta-belecida no artigo 1º e seg., daLei n. 4.749/65;

Postula, ainda, o MPT a con-denação da demandada ao paga-mento da quantia de R$ 60.000,00(sessenta mil reais), a título de re-paração pelos danos causados aosdireitos difusos e coletivos dos tra-balhadores, corrigido monetariamen-te até o efetivo recolhimento em fa-vor do FAT.

Requer-se a fixação de penapecuniária à Demandada, em caso dedescumprimento futuro da obrigaçãoimposta, consistente em multa diáriade R$ 1.000,00 (mil reais) por infra-ção e por trabalhador encontrado emsituação irregular ou outra pena quevenha a ser arbitrada por esse Juízo(Lei n. 7.347/85, art. 11, parte final),suficiente para compelir a Ré aoadimplemento das obrigações.

Requer a citação da Requeri-da, no endereço indicado, para, que-rendo, responder aos termos da pre-sente, sob as penas de revelia e con-fissão, quanto à matéria de fato.

Requer, ainda, a condenaçãoda parte ré nas custas e demais des-pesas processuais da sucumbência.

O Ministério Público do Traba-lho requer a produção de todos os

meios de prova em direito admitidos,especialmente, prova testemunhal,pericial, depoimento pessoal do re-presentante legal da Demandada,sob as penas da lei, e quaisqueroutras que se façam necessárias nocurso do processo.

Desde logo, o MPT arrola,como testemunhas, os Fiscais doTrabalho, Joélho Ferreira de Olivei-ra, Isabele Jacob Morgado, MariaLusângela Pessoa Bravo e Alcebía-des Malheiros Mota, podendo sernotificados na Delegacia Regionaldo Trabalho em Belém, localizada àRua Gaspar Viana, 284, CEP 66010-060, Belém, Pará.

Requer-se, ainda, a observân-cia da prerrogativa processual con-ferido ao MPT (intimação pessoal detodos os atos do processo) previstona Lei n. 75, em seu art. 18, incisoXI, letra h.

Dá-se à causa o valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Belém, 28 de fevereiro de2002.

Marcelo Brandão de MoraisCunha, Procurador do Trabalho.

Processo n. 0276/2002

Autor: Ministério Público doTrabalho — 8ª Região

Procurador : Dr. MarceloBrandão de Morais Cunha

Réu: Osvaldo Saldanha de Al-meida (Fazenda Bandeirante)

Advogado: Dr. Arnaldo Seve-rino de Oliveira

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Em 30.9.2002 às 13:00 horas,o Exmo. Sr. Juiz Titular, Dr. JorgeAntonio Ramos Vieira, fez publicar aseguinte decisão:

Processo do Trabalho — AçãoCivil Pública — Reparação deDano Coletivo — Afronta à Legis-lação de Higiene, Medicina e Se-gurança do Trabalho — Trabalhodegradante — Possibilidade jurí-dica do pedido — Configuração— Cabimento — Legitimidade doMinistério Público do Trabalho —Possibilidade — Interesses Cole-tivos e Difusos dos Trabalhadores— Ocorrência — Inexistindo dú-vida razoável sobre o fato de o réuutilizar-se, abusivamente, de mão-de-obra obtida de forma ilegal eaviltante, de maneira degradante,com base nos Relatórios da Ins-peção do Grupo Móvel, emitidospelos Fiscais da DRT, tal ato ésuficiente e necessário, por si só,a gerar a possibilidade jurídica deconcessão de reparação por danocoletivo contra o infrator de nor-mas protetivas de higiene, segu-rança e saúde do trabalho. Dizerque tal conduta não gera danocoletivo, impõe chancela judiciala todo tipo de desmando e inob-servância da legislação trabalhis-ta, que põem em risco coletiva-mente, trabalhadores indefinida-mente considerados. Os empre-gadores rurais, que se utilizam depráticas ilícitas, dessa natureza emagnitude, devem ser responsa-bilizados, pecuniariamente, coma reparação do dano em questão,em atenção às expressas impo-sições constitucionais, inscul-

pidas nos arts. 1º, III; 4º, II; 5º, III,que, minimamente, estabelecemparâmetros, em que se fundam oEstado Brasileiro e as Garantiasde seus cidadãos. Desse modo,o pedido do autor, tem naturezanitidamente coletiva, o que auto-riza a atuação do Ministério Pú-blico do Trabalho, de acordo comsua competência constitucional,podendo ser acatado, semrebuços de natureza legal ou aca-dêmica, pois a atividade produti-va impõe responsabilidade social(art. 1º, IV, da CF/88) e o direitode propriedade tem função demesma natureza, a ele ligado porsubstrato constitucional, insculpi-do no art. 5º, XXIII, pois de nadaadianta a existência de Leis jus-tas, se estas não forem observa-das, ainda que por imposição coer-citiva, punitiva e reparadora, quepresente Ação visa compor. Re-paração por Dano Coletivo jul-gada procedente.

RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Pública,ajuizada pelo Ministério Público doTrabalho — 8ª Região contra Osval-do Saldanha Almeida (Fazenda Ban-deirante).

Alega o autor, que aos 13 diasdo mês de setembro/2001, a equipemóvel da DRT, através dos GruposEspeciais de Fiscalização Móvel —GEFM, cujas ações se dão em con-junto com os representantes do Gru-po Executivo de Repressão ao Tra-balho Forçado — GERTRAF, fiscali-zaram a Fazenda do réu e, no local,

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foram lavrados os Autos menciona-dos às fls. 03, relativos a uma sériede irregularidades, também ali men-cionadas, com afronta a diversos dis-positivos legais e constitucionais,relacionados na petição inicial.

Na propriedade do réu, afirmao parquet, com base nos Relatóriosda Fiscalização da Equipe Móvel,foram encontrados diversos traba-lhadores em situação irregular, su-jeitos à imposição de trabalho degra-dante e forçado, na medida em que,os trabalhadores, eram reduzidos eexpostos a condições de trabalhosubumano, sem possibilidade dedispor do direito de ir e vir, pois oempregador mantinha-os atreladosà sua atividade econômica, e a seujugo, em decorrência de dívidas in-termináveis, relativas a supostasdespesas de hospedagem, alimen-tação, transporte e outros gênerosque “compravam” na “cantina” do réu.

No curso da petição inicial, oMinistério Público do Trabalho, apon-tou diversos dispositivos legais vio-lados, inclusive de natureza penal(art. 149, CPB), concernentes à ine-xistência de Registros dos emprega-dos; inobservância de normas desegurança e higiene do trabalho ru-ral; não fornecimento de EPI; nãopagamento de salários e verbas res-cisórias; ausência de exames médi-cos admissionais, entre outras irre-gularidades de natureza legal.

Requereu o Douto MPT, a con-cessão de liminar, para os efeitosprovisionais requeridos às fls. 30/31e que, em definitivo, no exame defundo da pretensão, fosse confirma-da a pretensão provisória, para

condenação do réu nas obrigaçõesde fazer, e não fazer, que elenca naexordial. Postula, por fim, seja defe-rida reparação por dano coletivo,conforme tese que sustenta, no va-lor de R$ 60.000,00 (sessenta milreais).

O MPT arrolou testemunhas aserem ouvidas através de CPI, fls. 34.

Com a inicial vieram aos au-tos os documentos relativos aos Au-tos de Infração lavrados contra o réupela Equipe Móvel da DRT.

O réu, às fls. 71/76, apresen-tou sua defesa, na qual alegou queas afirmações do autor são infunda-das, pois levadas a efeito com baseem documentos produzidos pelaEquipe de Fiscalização que não con-dizem com a realidade observada emsua propriedade, pois, segundo diz,“sempre pautou sua conduta no sen-tido de cumprir todas as normas detrabalho, em relação aos seus .efeti-vos e reais funcionários” (fls. 72).

Aduz ainda, em defesa, que ostrabalhadores encontrados pelaEquipe Móvel eram empreiteiros, to-dos autônomos, situação consolida-da nos autos das Reclamações dens. 951/2001 e 1199/2001, que trami-taram perante este Órgão, conformedocs. de fls. 77/83.

Às fls. 126/1281 concedi a li-minar, requerida pelo MPT. O ÓrgãoMinisterial manifestou-se sobre adocumentação apresentada peloréu, fls. 132/134.

Foram dispensados depoimen-tos pessoais.

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As partes insistiram na oitivade testemunhas, através de CPI, oque retardou o término da instruçãodeste feito.

Alçada fixada com base novalor atribuído à causa na inicial. Osdepoimentos das testemunhas queas partes quiseram ouvir encontram-se nos autos. Razões finais do MPTàs fls. 412/416. Razões finais do réunão foram apresentadas pois ausen-te na sessão de encerramento dainstrução, conforme os termos da atade fls. 417.

FUNDAMENTAÇÃO

Das obrigações de fazer e nãofazer postuladas pelo MPT, às fls. 32/33 o autor requereu fosse concedi-da liminar para que o réu, provisoria-mente, cumprisse com suas obri-gações legais.

A respeito, ao conceder a pro-visional, assim decidi:

Examino pedido de concessãode liminar formulado pelo Minis-tério Público do Trabalho, nos au-tos de Ação Civil Pública.

O douto parquet requereu aprovisional para que o réu passea cumprir obrigações decorrentesde Lei, conforme pedido de fls. 32/33 dos autos. As obrigações re-queridas pelo MPT têm espequelegal e respectivo nos arts. 13, 29,41, da CLT; 457 e 459, § 1º daCLT; 9º da Lei n. 5.889/70; NR-24,24.7.1.2, Portaria n. 3.214/78 doMTb; NR-4, 4.2.a, Por tar ia n.3.067/88, MTb; NR-24, 24.5.8,

Portaria n. 3.214/78, MTb; NR-24,24.1.2, Portaria n. 3.214/78, MTb;NR-24, 24.5.9, Portaria n. 3.214/78, MTb; NR-24, 24.6,1, PortariaMTb n. 3.214/78; 157, CLT c/c.NR-03, Portaria n. 06/83, MTb; art.9º CLT; art. 630, §§ 3º e 4º CLT;477, §§ 6º e 8º, CLT; art. 168, CLTc/c. 7.4.3.1 da NR-7; arts. 5º, III,art. 6º, art. 7º, X e XXII, da Cons-tituição Federal; e arts. 1º e segs.da Lei n. 4.749/65.

O fumus boni juris resta con-substanciado nos dispositivosacima mencionados, base do pe-dido do autor também em sedeliminar, e está corroborado pelosdocs. de fls. 37/62, que possuemfé pública.

O periculum in mora, por seuturno, resta evidente pois a todosé obrigatório o cumprimento da le-gislação, principalmente em setratando de normas de proteçãodo trabalho humano, cujo des-cumprimento, ainda que momen-tâneo, traz graves conseqüênciasà saúde e à vida dos trabalhado-res, e prejuízo social irreparável,se encontrados em situação irre-gular, conforme os docs. de fls.37/62, com necessidade social ur-gente da proibição de práticasque visem submeter o emprega-do à condição subumana, tantoem situações presentes, quantopara o futuro.

A concessão da provisionaltem previsão legal no art. 12, daLei n. 7.347/85.

Dessarte, presentes os requi-sitos para a concessão da liminar,

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acima demonstrados e com baseno art. 12, da Lei n. 7.347/85, de-firo a provisional para determinarao réu que cumpra as obrigaçõeslegais previstas nos dispositivosacima mencionados, e abstenha-se de descumprir as normas pro-tetivas do trabalho, conforme re-querido nos itens “a” a “i”, da peti-ção de fls. 32/33. Em caso de des-cumprimento desta liminar, e nostermos do art. 461 e segs. do CPC,fica estabelecida multa de R$1.000,00 por trabalhador encontra-do em situação irregular, contrá-ria à presente provisional, a serrevertida em favor do FAT — Fun-do de Amparo ao Trabalhador.

Intime-se o réu desta decisão.

Notifique-se o MPT da 8ª Região.

Cumpra-se.

Parauapebas, PA, 8 de maio de2002.

O réu, às fls. 135/136, reque-reu fosse “reconsiderado” o deferi-mento da liminar e sustados os seusefeitos, pois entendia que, tratando-se os contratos dos trabalhadores desimples empreitada, a provisionalnão teria nenhum efeito sobre osmesmos, pois os direitos trabalhis-tas ali reconhecidos e impostos, ape-nas poderiam aderir aos que possuís-sem a condição de empregados, enão autônomos, conforme previsãocontida nos arts. 22 e 32, da CLT.

Indeferi o pedido, conformedespacho de fls. 142, no qual aco-lhi, integralmente, o parecer do MPT,emitido sobre o pedido do réu.

Naquela oportunidade, enten-di que não havia motivo legal, soci-almente justificável, para cassar aliminar por mim mesmo concedida,ou alterar-lhe os efeitos, eis que nãohavia provas da mudança no estadode direito, e de fato, suficientes aensejar a sustação da provisional,defer ida, inclusive, por motivosacauteladores, repressivos e puniti-vos, com objetivo de que situaçãofutura, de igual magnitude, não pu-desse voltar a acontecer no âmbitode minha jurisdição, particularmen-te na propriedade do réu.

Desde a concessão da liminar,até a presente data, quase cincomeses se passaram. Inexistem rela-tos ou provas, nos autos, até a pre-sente data, de que o réu tenha vol-tado a cometer as mesmas irregula-ridades de antes, reprimidas pela li-minar concedida; logo, conclui-se,que a provisional, mesmo tratando-se de medida de natureza precária,surtiu os efeitos pretendidos, inclu-sive de caráter propedêutico erepressor de atos concernentes areduzir o trabalhador àquelas con-dições a que me referi na Funda-mentação da Medida.

Por essas razões e conside-rando que contra os fatos acima des-critos, não há argumentos sólidos,mantenho a medida, em definitivo,pois o cumprimento da legislação édever de todos, que dever iamindepender de providências judiciaisque obrigassem o jurisdicionado aobservar as leis. Por outro lado, se oréu, conforme diz em sua defesa,“sempre pautou sua conduta no sen-tido de cumprir todas as normas de

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trabalho, em relação aos seus efeti-vos e reais funcionários” (fls. 72) nãodeveria temer que lhe sejam aplica-das as penalidades previstas na li-minar, que, de igual modo ficammantidas, com fundamento nos arts.13, 29, 41, da CLT; 457 e 459, 512,da CLT; 92, da Lei n. 5.889;70; NR-24, 24.7.1.2, Portaria n. 3.214/78 doMTb; NR-4, 4.2.a, Portaria n. 3.067/88, MTb; NR-24, 24.5.8, Portaria n.3.214/78, MTb; NR-24, 24.1.2, Por-tar ia n. 3.214/78, MTb; NR-24,24.5.9, Portaria n. 3.214/78, MTb;NR-24, 24.6.1, Por tar ia MTb n.3.214/78; 157, CLT c/c. NR-03, Por-taria n. 06/83 MTb; art. 92, CLT; art.630, §§ 3º e 4º, CLT; 477, §§ 6º e 8º,CLT; art. 168, CLT c/c. 7.4.3.1 da NR-7; arts. 52, III, art. 62, art. 7º, X e XXII,da Constituição Federal; e arts. 12 esegs. da Lei n. 4.749/65.

Assim, se o réu é cumpridor deseus deveres legais, no campo tra-balhista, conforme assegura, na ver-dade deveria aceitar os termos daprovisional ora mantida, em definiti-vo, pois, a ninguém é dado o direitode não cumprir a lei alegando desco-nhecê-la e, como as obrigações re-queridas pelo MPT, e impostas poreste Juízo, são de natureza legal, deobservância cogente, e o réu, écumpridor de seus deveres e obser-va a legislação, conforme asseveraem sua contestação, deveria haverinteresse deste em cumprir a legis-lação trabalhista, aqui imposta, in-dependentemente da provisional.Por isso, não vejo porque não man-ter a Liminar, tal como concedida econfirmá-la, neste ato.

Esclareço, entrementes, queconfirmo a Liminar, integralmente,não porque não acredite na firmezade propósitos do réu, mas porque,como todos são falíveis, e a falibili-dade é característica do gênero hu-mano, que justifica, inclusive, a exis-tência do Estado e das Leis, é ne-cessária sua mantença para lembrarao réu, ainda que coercitivamente,que deverá observar a legislação eas obrigações de fazer e não fazerdeferidas na Liminar, requeridas nainicial, sob pena de imposição dasmultas reconhecidas, pois, afinal, asmedidas em tela, tratam-se e visamassegurar garantias constitucionais,a todos reconhecidas, empregadosou não, eis que “ninguém será sub-metido à tortura nem a tratamentodesumano ou degradante” (art. 5º, III,da Constituição Federal).

O réu alega em defesa que aEquipe Móvel do MTb agiu com abu-so de poder e que os Fiscais, na la-vratura dos Autos de Infração, jun-tados pelo MPT, não observaram a“realidade fática”, pois não “prima-ram em colher a verdade dos fatos”,entendendo como verdade que ostrabalhadores eram autônomos eestavam contratados a título de em-preitada, inclusive com reconheci-mento jurisdicional (doc. de fls. 83 —Termo de Conciliação).

O Termo em questão, no en-tanto, não implica na perda de obje-to da presente ação pois não há coi-sa julgada formada no Processo VT-PP-1199/2001 que possa interferirno mérito da presente Ação, já que,ambas ações possuem partes distin-tas, além de objeto, pedido e causa

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de pedir diversos, não configurando,desse modo, as hipóteses previstasnos arts. 831, parágrafo único daCLT e 301, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC.

Quanto à alegação de que ostrabalhadores, tratavam-se de autô-nomos, assim já decidi, em casoanálogo:

Vínculo de emprego. Existên-cia ou inexistência da relação ju-rídica empregatícia. Nulidade dasanotações contidas na CTPS e noLivro de Registro de Empregados.No mérito, alegou a reclamadaque a autora não era empregadapois sua CTPS foi anotada me-diante coação perpetrada pela fis-calização da DRT, em conjuntocom a Polícia Federal. Aduz quea autora era concubina de um dosempregados da Fazenda e ape-nas fornecia, informalmente, re-feições para empregados da recla-mada, recebendo pagamentosdos clientes por este serviço. Re-quereu fosse o vínculo de empre-go declarado inexistente, com adecretação de nulidade das ano-tações existentes na CTPS e noLivro de Registro de Empregados.

Às fls. 8 constam registros naCTPS da reclamante, com os se-guintes dados: admissão em7.8.2001, dispensa em 4.3.2002,salário de R$ 180,00 e cargo decozinheira.

A reclamada alega que somen-te anotou a CTPS mediante coa-ção e que, por isso, estes regis-tros são nulos.

Entendo que o fato de o em-pregador anotar a CTPS do em-pregado, mediante fiscalizaçãoda DRT, ainda que sob escoltapolicial, não causa nulidade dopacto, pois este era preexistenteà data da coação alegada.

Conforme o doc. de fls. 37, adiligência da DRT ocorreu em1º.3.2002; contudo, conforme aprópria reclamada registrou noLivro (fls. 37) a autora teria iniciadoseu contrato em 1º.11.2001, massua CTPS, nessa data, não estavaanotada, e nem seria, não fosse aeficiente fiscalização do GrupoMóvel da DRT que somente se fazacompanhar pela Polícia Federalem função da necessidade desegurança aos servidores do MTbe não para coagir os Fazendeirosda Região, que, comumente, ale-gam a existência de coação quan-do, na verdade, estes é que prati-cam atos ilegais ao não observa-rem os preceitos trabalhistas.

O preposto disse em seu de-poimento que a reclamante come-çou a residir na Fazenda em 8/2001, data compatível com a ano-tação registrada na CTPS. Disseque passaram diversas cozinhei-ras pela Fazenda, que trabalha-vam de 2 a 3 meses cada; logo,conclui-se, que apenas a recla-mante era empregada permanen-te no estabelecimento. Ainda se-gundo o preposto, apenas a últi-ma cozinheira teve sua CTPSanotada “a partir 3/2002”, datacompatível com a registrada parasaída da autora, que era cozinhei-

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ra, ou seja, se a autora saiu em3/2002 e logo foi contratada ou-tra cozinheira, que somente tevesua CTPS assinada pela açãoprofilática e propedêutica dos Fis-cais do Ministério do Trabalho,pois o serviço é necessário parao fornecimento de alimentaçãopara os empregados da Fazenda.

Assim, mantenho as anota-ções registradas na CTPS da re-clamante, que possuem forçaprobante regulada em Lei (art. 40,I, CLT). A anotação contida no Li-vro de Registro de Empregadosda ré (fls. 37), que contém obser-vação de que o vínculo teria seiniciado apenas em 1º.11.2001,fica declarada sem efeito, a teordo disposto no art. 9º, da CLT. Oregistro do contrato, no mesmolivro, fica mantido, nos termos doart. 41, da CLT. (Processo n. 500/2002. Reclamante: Diva Tomé daSilva. Reclamado: Maria AméliaFacury Novaes — Fazenda San-ta Maria)

De outra face, segundo os Au-tos de Infração apresentados, que,tratando-se de documentos públicos,têm força probante reconhecida emLei (art. 364, CPC), vejo que os tra-balhadores, que o réu qualifica como“autônomos”, realizavam “limpeza eroço de pasto”, fls. 37.

Ora, tais atividades não podemser enquadradas como atividadespróprias de trabalhador autônomo,que somente pode realizar trabalhoeventual, com base na Teoria da Fi-nalidade do Empreendimento.

O ramo de atividade do réu,logo, a finalidade do empreendimen-to, é afeto à exploração de atividadeprimária, ligada ao ramo de Fazen-das para criação de gado.

Dessa simples verificação deidentidade entre a atividade desen-volvida pelos trabalhadores, encon-trados em situação irregular pelaEquipe Móvel da DRT, e a ativida-de econômica do reclamado, cons-tata-se que o trabalho desenvolvi-do está inserido na finalidade doempreendimento.

Com efeito, tenho que o indiví-duo que exerce suas atividades den-tro dos fins específicos do estabele-cimento, deve ser considerado em-pregado, pois não pode ser típi-co trabalhador eventual, ou autôno-mo; logo resta presente o caráter dacontinuidade.

Uma das figuras que mais seaproxima da relação de emprego, éa prestação de caráter eventual; en-tretanto, os institutos não se confun-dem, pois apesar de existirem vári-os dos pressupostos caracterizado-res da relação empregatícia, no tra-balho eventual inexiste o caráter dacontinuidade.

No dizer de Amauri Mascaro otrabalhador eventual exerce “um tra-balho subordinado de curta duração”(in Iniciação ao Direito do Trabalho,14ª ed., LTr, S. Paulo, 1989, p.106).

Assim, o eminente mestre ade-re à teoria de que o trabalhadoreventual atua corno se empregadofosse, na dinâmica de uma curta re-lação contratual, que não pode sercaracterizada como empregatícia,

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por lhe faltar a continuidade neces-sária, devido ao fato de que como aprestação não se enquadra na fina-lidade do empreendimento é eviden-te que não pode ser perene, impos-sível ser contínua.

No caso que examino a pres-tação se dava dentro da finalidadedo empreendimento; logo, não podeser considerada eventual, dado que,a atividade econômica também nãoo era.

O critério dos fins da empresaé a teoria mais prestigiada, atual-mente, para a caracterização daexistência ou inexistência do víncu-lo empregatício. Informa que seráempregado o indivíduo chamado arealizar tarefa inserida nos fins nor-mais da empresa, as quais, por essamesma razão, não serão esporádi-cas e nem de estreita duração, sen-do, portanto, habituais e contínuas.

O contrário também pode serentendido, com base na mesma Teo-ria, ou seja, será eventual o indiví-duo chamado a realizar tarefa nãoinserida nos fins normais da empre-sa, as quais, por essa mesma razão,serão esporádicas e de curta dura-ção, não sendo, portanto, habituaise contínuas.

Destarte, os trabalhadores en-contrados em situação irregular, en-quadram-se na primeira assertiva,ou seja, trabalhavam na atividade-fimdo réu; logo, não poderiam ser con-siderados trabalhadores autônomose nem eventuais.

Délio Maranhão adere a essateoria e diz:

“Circunstâncias transitórias,porém, exigirão algumas vezesadmita-se o trabalho de alguémque se destina a atender a umanecessidade, que se apresentacom caráter de exceção dentro doquadro das necessidades nor-mais do empreendimento. Os ser-viços prestados serão de nature-za eventual e aquele que os pres-tar — trabalhador eventual — nãoserá empregado” (in Direito doTrabalho, Ed. da Fundação Getú-lio Vargas, 14ª ed., Rio de Janei-ro, 1987, pp. 49/50).

Diz ainda, o mesmo Autor:

“A aferição da natureza even-tual dos serviços prestados há deser feita tendo em vista os finsnormais da empresa” (in Direitodo Trabalho, Ed. da Fundação Ge-túlio Vargas, 14ª ed., Rio de Ja-neiro, 1987, pp. 49/50).

Dessarte, se os trabalhadoreseram roceiros do pasto da proprieda-de, e a finalidade do empreendimen-to é a criação de gado, que se ali-menta e é criado nesse mesmo pas-to, é evidente que nesta relação exis-te o caráter da continuidade, não sen-do juridicamente passível de aceita-ção, principalmente em Juízo, a ale-gação de que tais trabalhadores eramautônomos e que o trabalho realiza-do, desempenhado em função da ati-vidade econômica desenvolvida noempreendimento do réu, em sua áreafim, fosse eventual.

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Assim, ainda por esses moti-vos, mantenho e confirmo a provisio-nal de fls. 126/128, reconhecendo aprocedência do pedido do autor, emrelação aos pleitos formulados na ini-cial, fls. 32/33, letras “a” a “j”, combase legal nos dispositivos e na Fun-damentação acima mencionados.

Dano coletivo. O autor reque-reu a condenação do réu no paga-mento de R$ 60.000,00 (sessentamil reais) a título de indenização pordanos coletivos, causados aos in-teresses difusos e coletivos dostrabalhadores.

O réu, em defesa, alegou que aação em tela não pode ser utilizadacom a finalidade de “amparar direitosindividuais, nem destina à reparaçãode prejuízos causados a particularespela suposta conduta comissiva ouomissiva do réu” (fls. 74).

Primeiramente, vejo que asalegações do réu não podem ser le-vadas em consideração, ante ao fatode que nesta Ação o MPT não bus-ca amparar direitos individuais e nemisto é objeto da discussão, confor-me o pedido contido na inicial, queora examino.

Ademais, de acordo com o queacima já foi decidido, os trabalhado-res encontrados em situação irregu-lar, não se tratam de “particulares”.Na verdade, segundo os Autos deInfração, estes eram utilizados ematividade necessária ao desenvolvi-mento da atividade produtiva e eco-nômica do réu.

A conduta do réu, ao contráriodo que disse em defesa, não se su-põe prejudicial aos interesses dos

trabalhadores. Aqui, tal assertiva, desuposição não se trata. O que existede concreto são os fatos comprova-dos durante a fiscalização, documen-talmente, conforme dispõe o art. 364,do CPC:

Art. 364. O documento públicofaz prova não só da sua forma-ção, mas também dos fatos queo escrivão, o tabelião, ou o funcio-nário declarar que ocorreram emsua presença.

Assim, não há dúvidas de queo réu utilizava-se, ilegalmente, demão-de-obra obtida de forma abusivae de maneira aviltante, conforme sedepreende dos docs. de fls. 37/62,cujo teor, apesar de despiciendo, foiconfirmado pelos Fiscais ouvidosnas CPI’s que constam dos autos.

Por outro lado, a testemunhaarrolada pelo réu, ouvida conformeata de fls. 216, nada comprovou, oudisse, que pudesse animar a tese dadefesa.

Com base nos Relatórios daInspeção do Grupo Móvel, emitidospelos Fiscais da DRT, vejo que o réuutilizava-se do chamado “gato” paraarregimentar mão-de-obra, prome-tendo pagamento de salários e ou-tras vantagns aos trabalhadores. Aochegarem à Fazenda, os mesmoseram submetidos a toda sorte de ile-galidades trabalhistas, médicas e desegurança e medicina do trabalho,ou seja, ao empregado não era re-conhecido nenhum direito, somenteobrigações e quando estes pensa-vam em receber algum dinheiro pelotrabalho realizado, o empregador

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apresentava apenas a conta do va-lor que deviam na chamada “canti-na”, mantida pela ré.

Desse modo, os empregadosdesempenhavam suas atividades emduplo proveito econômico do réu,isto é, tanto através de seu trabalhoárduo, sem contraprestação salariale sem a observância das mínimasregras de higiene e segurança notrabalho, a baixíssimo custo financei-ro; mas alto custo social — diga-se,e com a agravante de ainda remu-nerarem o empregador pagando-lhepor gêneros que era obrigado a for-necer gratuitamente.

Dizer que tal conduta não geradano colet ivo, é o mesmo quechancelar, judicialmente, todo tipo dedesmando e inobservância da legis-lação trabalhista, que, por dever deOfício, o Juiz deve fazer cumprir.

Os fatos narrados na inicial,comprovados por documentos públi-cos, põem em risco toda coletividadede trabalhadores, indefinidamenteconsiderada, que, por desconheci-mento de seus direitos, imposição davontade ilícita do empregador e pornecessidade de subsistência, é ex-plorada, de forma aviltante, redu-zindo seus integrantes à condição deindigência grave e tratando sereshumanos de maneira inadequada edegradante, que, certamente, nãoseria dispensada ao animal ganha-dor de prêmios em exposições e for-necedor de material genético paramelhoria da qualidade do rebanho.

Aqui, friso, não estou dizendoque o empresário rural deve deixarsuas atividades econômicas de lado,

ou que trate seu rebanho de formainadequada, o que prejudicaria seuempreendimento. Apenas estou im-pondo, que o empregador rural, quese utiliza de práticas ilícitas, confor-me as descritas nos Autos de Infra-ção apresentados, deixe de fazê-lo,em atenção às expressas imposi-ções constitucionais insculpidas nosarts. 1º, III; 4º, II; 5º, III, que, minima-mente, estabelecem parâmetros emque se fundam o Estado Brasileiro eas Garantias de seus cidadãos.

O que se deseja, ainda que porimposição do aparelho do Estado, éque se dispense ao homem, maioratenção e cuidados que, voluntaria-mente, os empregadores rurais jádispensam aos seus animais, poisestes, por essência, não podem sermais importantes que o homem, emqualquer escala de valores, excluí-das as questões de natureza religio-sa, que não é o caso da realidadeque se discute nestes autos.

Aqui, neste ponto da contro-vérsia, poderia mencionar farta Ju-risprudência que admite a possibili-dade jurídica do pedido do autor, oumesmo citar doutrina abalizada arespeito, mas isto o Ministério Públi-co já o fez, com muita competência— registro — em sua inicial.

Também poderia citar conven-ções internacionais que o Brasil é sig-natário, que garantem aos homens emgeral, e aos trabalhadores em parti-cular, direitos universalmente aceitos;contudo, a respeito já citei a Legisla-ção pátria, inclusive de natureza Cons-titucional, que é suficiente.

Prefiro, neste desiderato, “ape-nas” distribuir Justiça, conquanto

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entenda que nem sempre seja fácilesta tarefa, aos que dela necessi-tam, ensinando, ou impondo, aindaque por coerção pecuniária, ao réu,a obrigação de que deverá mudar deatitude em relação aos trabalhadoresque mantenha sob contrato, ou ve-nha a contratar, revendo suas priori-dades, na direção do seu negócio, demodo que nenhum interesse de na-tureza particular, interfira ou se so-breponha ao interesse público e co-letivo, pois entre aquele que contra-ta, e aquele que é contratado, deveexistir livre discernimento em relaçãoaos limites impostos pela Lei, cujoprimado deve ser observado.

Desse modo, o pedido do au-tor, tem relevância e é de naturezanitidamente coletiva, podendo seracatado, sem rebuços de naturezalegal ou acadêmica, pois a ativida-de produtiva impõe responsabilidadesocial (art. 1º, IV, da CF/88) e o pró-prio direito de propriedade, tem essafunção com substrato constitucional,insculpido no art. 5º, XXIII.

De nada adianta a existênciade Leis justas, se estas não foremobservadas e, para os casos quetais, a par do fato de que a proprie-dade, e todos os outros direitos quea integram, têm relevância social,pois capazes de gerar emprego erenda, desde que estes direitos se-jam exercitados com responsabilida-de e em obediência à legislação, nãose pode esquecer que, no caso con-creto, direitos foram violados e ge-raram danos irreparáveis do pontode vista social.

Assim, é exatamente estedano que o Autor visa compor, atra-

vés de seu pedido, inclusive comfundamento em Princípios de Direi-to Internacional, que asseguram aohomem tratamento diferenciado,para melhor, evidentemente, daque-le que é dispensado aos semoven-tes, que, com certeza, por integra-rem o patrimônio do réu, não são tra-tados de forma aviltante, que colo-que em risco a saúde e segurançados animais, pois se tal ocorresseimplicaria em diminuição de patrimô-nio e, possivelmente, no fim de suaatividade lucrativa.

Com efeito, não posso conce-ber que um rebanho, ou qualqueratividade empresarial, por mais im-portante que seja, ou possa vir a ser,justifique a exploração aviltante edegradante de seres humanos, e queum animal, que por essência existee é criado para atender às necessi-dades humanas possa ser conside-rado mais importante, econômica esocialmente, do que o trabalhadorque cuida do mesmo semovente.

Por isso, verifico que a condu-ta do réu, por ser nociva a uma cole-tividade de trabalhadores, indistinta-mente considerados, já que a práticaé disseminada nesta Região, perma-necendo inalterada e repetida porgerações, e eis que há prova incon-testável do nexo causal entre asações e omissões do empregador emrelação à imposição de condiçõesdegradantes de trabalho a uma cole-tividade de indivíduos, causando ris-cos potenciais e danos concretos, écapaz de gerar plausibilidade jurídi-ca e densidade à pretensão do Mi-nistério Público do Trabalho, consubs-tanciada no pedido de condenaçãodo réu na reparação pleiteada.

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O art. 5º, XXXV, da Constitui-ção Federal, impõe que é do Judiciá-rio a tarefa de apreciar “lesão ouameaça a direito”; logo, não se podeafastar a Jurisdição em relação aoque se pede na inicial.

Por seu turno, o art. 114, tam-bém da Constituição Federal, con-firma ser desta Justiça Especial acompetência para dirimir dissídiosgerados em decorrência das “rela-ções de trabalho”.

O art. 127, ainda da Constitui-ção da República, atribui ao autor aincumbência da “defesa da ordemjurídica”, além dos “interesses so-ciais e individuais indisponíveis”, queé exatamente a matéria tratada nes-ta Ação.

O art. 129, II, assegura ao au-tor a prerrogativa de “zelar pelo efe-tivo respeito (...) aos direitos asse-gurados nesta Constituição, promo-vendo as medidas necessárias a suagarantia”. O inciso III, do mesmo art.129, da Constituição Federal, espe-cificamente, impõe ao autor, ainda,que deverá promover ação da natu-reza desta, que ora aprecio, para a“proteção de outros interesses difu-sos e coletivos”.

Dessa forma, há respaldoconstitucional, tanto para a preten-são do autor, quanto para sua atua-ção, via Ação Civil Pública, para pos-tular, perante esta Justiça, o pedidode reparação que formula, cuja cau-sa jurígena acima foi exaustivamen-te demonstrada.

Entretanto, conquanto entendadesnecessário, mas é aconselhávellembrar que o art. 7º, XXII, da CF/

88, assegura a todos os trabalhado-res, e não há definição de grupos oupessoas, mas toda a coletividade detrabalhadores, o direito de “reduçãodos riscos inerentes ao trabalho, pormeio de normas de saúde, higiene esegurança”, que foram exatamenteaquelas descumpridas e não obser-vadas pelo réu.

O art. 7º, XXVIII, da CF/88, in-clui entre os direitos da coletividadede trabalhadores, que o empregadorque descumprir suas obrigações le-gais, relacionadas à segurança notrabalho, por dolo ou culpa, e comseu ato, que pode ser omissivo oucomissivo, causar danos aos desti-natários da norma, responderá, porseus atos e omissões, com o paga-mento de indenização, isto é, existeclara previsão constitucional para aimposição de reparação por dano,causado por inobservância, culposaou dolosa, por parte do empregador,de regras relativas à segurança dotrabalho, gênero de normas dasquais os acidentes, propriamenteditos, mencionados no dispositivo,são apenas a parte visível da res-ponsabilidade do empregador.

Para finalizar, cito os ensina-mentos milenares de um antigo gre-go, cujas teorias ainda hoje permane-cem vivas, a respeito da realização deJustiça, cujas palavras, embora te-nham sido proferidas antes da EraCristã, não foram levadas pelo tem-po, ou esquecidas pela humanidade:

“Se as pessoas não foremiguais, elas não terão uma parti-cipação igual nas coisas, e isto éa origem de querelas e queixas

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(quando pessoas iguais têm erecebem quinhões desiguais, oupessoas desiguais recebem qui-nhões iguais).

(...) Como as pessoas que in-fringem a lei parecem injustas eas cumpridoras da lei parecemjustas, evidentemente todos osatos conforme a lei são justos emcerto sentido (...) Em seus precei-tos sobre todos os assuntos asleis visam ao interesse comum atodas as pessoas, (...), de tal for-ma que em certo sentido chama-mos de justos os atos que tendema produzir e preservar a felicida-de, e os elementos que a com-põem, para a comunidade políti-ca. E a lei determina que ajamoscomo agem os homens corajosos,ou que não desertemos do nossoposto, nem fujamos, nem nos des-vencilhemos de nossas armasdurante a guerra. E como os ho-mens moderados, que não come-tamos ultrajes. E como os homensamáveis, que não agridamos osoutros, e assim por diante, impon-do a prática de certos atos e proi-bindo outros; (...)

Então, a justiça neste sentidoé a excelência perfeita, emboranão o seja de modo irrestrito, masem relação ao próximo. Portanto,a justiça é considerada, nestesentido, a forma mais ampla e ele-vada de excelência moral (...) etambém como se diz proverbial-mente que ‘na justiça se resumetoda a excelência.’” (1)

Desse modo, resume Aristóte-les, sua Teoria sobre justiça correti-va e distributiva, que se amolda à hi-pótese de composição de dano, porreparação, conforme aqui pleiteado.

Cito Aristóteles, para demons-trar que desde a antigüidade clássi-ca, já se sabia que para haver a jus-tiça, deve haver reparação do danocausado, de modo a ensejar que “aspartes iguais na essência devem per-manecer iguais antes e depois deuma relação”, e como o réu já usu-fruiu indevidamente e burlou, deso-bedecendo, a lei, deve reparar o pre-juízo concreto que causou, para efei-to de reparação, por dano punitivo, erecompor o risco potencial que suasatitudes e omissões representaramcontra os interesses sociais e dos tra-balhadores, coletivamente considera-dos, a título de dano corretivo.

Por isso, decido pela proce-dência do pedido do Ministério Pú-blico do Trabalho, impondo ao réu acondenação requerida nesta ação,consubstanciada no pagamento dereparação dos danos causados aosinteresses difusos e coletivos dostrabalhadores, com o pagamento deindenização de R$ 60.000,00 (ses-senta mil reais), a ser revertido emfavor do FAT.

A respeito da fixação do valordo dano não há impugnação espe-cífica, de acordo com o disposto nosarts. 300 e 302, do CPC; logo, sen-do incontroverso o valor postulado,cabe seu deferimento integral.

Juros e correção monetária, naforma da Lei.

(1) Aristóteles. “Ética a Nicômaco’’. 2ª ed.,Brasília: EDUNB, 1992, pp. 92-93 e 96.

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CONCLUSÃO

Nos termos da fundamenta-ção, no mérito, julgo os pedidos doautor totalmente procedentes paraconfirmar os efeitos da liminar con-cedida, impondo ao réu as obriga-ções de fazer e de não fazer reque-ridas e descritas na inicial, sob penade pagamento da multa prevista naliminar ora confirmada, equivalentea R$ 1.000,00 (um mil reais) por tra-balhador que for encontrado em si-tuação irregular, conforme os termosda provisional de fls. 126/128, quefica mantida para todos os efeitoslegais e neste ato confirmada e, ain-da, condenar o réu ao pagamento dereparação dos danos causados aos

interesses difusos e coletivos dostrabalhadores com o pagamento deindenização de R$ 60.000,00 (ses-senta mil reais), a ser revertido emfavor do FAT, juros e correção mone-tária, na forma da lei, custas peloréu, de R$ 1.000,00, calculadas so-bre R$ 50.000,00, valor atribuído àcausa na inicial. Notificar o réu, porseu advogado, após o prazo recur-sal, com ou sem recurso voluntáriodo réu, enviar os autos ao MinistérioPúblico do Trabalho para intimaçãopessoal do douto representante doórgão. Nada mais.

Parauapebas, PA, 30 de se-tembro de 2002.

Jorge Antonio Ramos Vieira,Juiz do Trabalho.

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — TRABALHO ESCRAVO E EM

CONDIÇÕES DEGRADANTES — (PRT 8ª REGIÃO)

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

A Agropecuária São RobertoS/A, inscrita no CNPJ sob o n.46.991.295/0001-06, com sede naFazenda Agropecuária São RobertoS/A, local izada no lote 196 deSantana do Araguaia-PA, doravantedenominada Compromissária, nes-te ato representada pelo Presidentedo Conselho de Administração Sr.Antonio Lucena Barros, brasileiro,solteiro, empresário CI 15.640.420-SSP-SP, CPF n. 066.374.852-68, re-sidente e domiciliado na Av. JoãoGomes de Val, Centro, Redenção-PA, acompanhado do Dr. João Ro-ber to Dias de Oliveira, OAB/PA6.234-B, firma o presente Termo deCompromisso de A jus tamentode Conduta — TAC perante o Minis-tério Público do Trabalho, doravantedenominado MPT, representado peloProcurador do Trabalho SebastiãoVieira Caixeta, e o Ministério do Tra-balho e Emprego — MTE, represen-tado pela Coordenadora da Fiscali-zação Móvel do Gertraf ValderezMaria Monte Rodrigues, nos termosdo art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85,estabelecendo as cláusulas e con-dições abaixo.

Do objeto

Cláusula Primeira. O objetodeste TAC é a adequação da condu-ta da Compomissária às prescriçõeslegais, mediante as obrigações defazer ou de não fazer abaixo consig-nadas, cujo cumprimento se dará,sob cominação de multa (astreinte),nas condições de prazo, modo e lu-gar estabelecidas.

Parágrafo único. O presenteTAC tem vigência por prazo indeter-minado salvo quanto às Cláusulastemporárias por natureza.

Das obrigações ajustadas

Cláusula Segunda. A Compro-missária se compromete a efetuar opagamento de seus empregados,impreterivelmente, até o quinto diaútil do mês subseqüente ao venci-do, conforme determina o parágrafoúnico do art. 459 da CLT.

Cláusula Terceira. A Compro-missária se obriga a quitar os valo-res devidos a título de rescisões

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contratuais até o primeiro dia útilimediato ao término do contrato ouaté o décimo dia, contado da notifi-cação da demissão, quando o avisoprévio não for cumprido, de confor-midade com o estabelecido no § 6ºdo art. 477 da CLT.

Parágrafo único. A Compromis-sária, em qualquer caso, deverá ob-servar as demais normas contidasno art. 477 da CLT, ficando ajustadoque a multa pelo descumprimento doTAC, reversível ao Fundo de Ampa-ro ao Trabalhador — FAT, não exclui,em nenhuma hipótese, a cominaçãocontida no § 8º do mencionado pre-ceito, cujo valor é devido ao traba-lhador prejudicado e deverá ser co-brado na via própria.

Cláusula Quarta. A Compro-missária se compromete a concederférias remuneradas, acrescida doadicional de 1/3 (um terço) previstono art. 7º, inciso XVII, da Carta Mag-na, devendo a fruição ocorrer nosdoze meses subseqüentes à data emque o empregado tiver adquirido odireito, sob pena de pagamento emdobro da respectiva remuneração,nos termos do disposto nos arts. 134e seguintes da CLT.

Cláusula Quinta. A Compro-missária se obriga a recolher, corre-tamente, o valor referente ao Fundode Garantia do Tempo de Serviço —FGTS, observados os dispositivoscontidos na Lei n. 8.036, de 11 demaio de 1990, especialmente o art.15, e no Decreto n. 99.684, de 8 denovembro de 1990, além das demaisnormas pertinentes.

Cláusula Sexta. A Compromis-sária se compromete a remunerar as

horas extraordinárias, que somenteserão exigidas nos casos previstosnos arts. 59 e seguintes da CLT, como adicional de pelo menos 50% (cin-qüenta por cento) da hora normal,de conformidade com o preceituadono inciso XVI do art. 7º da Constitui-ção Federal.

Cláusula Sétima. A Compro-missária não criará qualquer emba-raço às ações fiscalizatórias empre-endidas pelo Ministério do Trabalho,apresentando todos os documentose prestando as informações que lheforem solicitados.

Cláusula Oitava. A Compro-missária providenciará o registro dosempregados, procedendo às anota-ções pertinentes na Carteira de Tra-balho e Previdência Social — CTPS,de conformidade com as normascontidas nos arts. 29 e 41 da CLT ePortaria n. 3.626, de 13 de novem-bro de 1991 do Ministério do Traba-lho e Emprego — MTE.

Cláusula Nona. A Compromis-sária não contratará trabalhadorespor intermédio de empreiteiros ougatos, admitindo a mão-de-obra quelhe é essencial mediante contrata-ção direta ou por consórcio de em-pregadores, garantido, de qualquerforma, o registro dos trabalhadorese a anotação das respectivas Car-teiras de Trabalho e Previdência So-cial — CTPS.

Cláusula Décima. A Compro-missária se compromete a observaras normas de Segurança e Medici-na do Trabalho (art. 200 da CLT eNormas Regulamentares do Minis-tér io do Trabalho e Emprego —MTE), especialmente no que concer-

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ne a: 1) fornecer, gratuitamente,água potável em quantidade sufici-ente e em vasilhames adequadospara o consumo de todos os traba-lhadores; 2) fornecer, gratuitamente,manter em perfeitas condições deuso e exigir a efetiva utilização dosEquipamentos de Proteção Indivi-dual — EPI adequados aos riscos daatividade (chapéu, botas, luvas etc.);3) não cobrar, nem descontar dossalários qualquer valor pelo forneci-mento de EPI, fardamento ou reser-vatórios para acondicionamento etransporte de água (CLT, arts. 166e 462 e Lei n. 5.889/73, art. 9o); 4)providenciar alojamentos em quan-tidade suficiente e condições higiê-nicas de utilização pelos trabalhado-res, observando o disposto no art.200, V e VII, da CLT e regulamenta-ção correspondente do Ministério doTrabalho e Emprego — MTE (NR-24); 5) providenciar local apropria-do para abrigo contra intempéries erealização de refeição e descansoem condições adequadas de higie-ne e conforto, conforme normas desegurança e medicina do trabalho(art. 200, V e VII, da CLT, NR’s 21 e24); 6) além de prevenir acidentesde trabalho, providenciar o atendi-mento de urgência aos trabalhado-res acidentados, mantendo materialnecessário e pessoa com treinamen-tos básicos, nas frentes de trabalho,para prestação dos primeiros socor-ros, bem como providenciar o trans-porte do acidentado até centro desaúde de urgência mais próximopara atendimento e, se necessário,o encaminhamento para serviçosespecializados de saúde (CLT, art.168, § 4º, NRR-2); 7) elaborar e im-

plementar, no prazo de sessentadias contados desta data, o Progra-ma de Controle Médico de SaúdeOcupacional — PCMSO; 8) subme-ter os empregados a exames admis-sionais, periódicos e demissionais(CLT, art. 168, I, II e III, e NR-7); 9)organizar e manter em funcionamen-to a Comissão Interna de Prevençãode Acidentes do Trabalho Rural —CIPATR, nas hipóteses e obedecidasas regras previstas na NRR-3 doMTE, devendo iniciar-se o processode organização até trinta dias con-tados desta data; 10) manter asmotosserras com os dispositivos desegurança obrigatórios, promovendoo treinamento obrigatório para osoperadores na utilização segura damáquina (NR-12, Anexo I); 11) orga-nizar e manter em funcionamento oServiço Especializado em Preven-ção de Acidentes de Trabalho Rural— SEPATR, no prazo de trinta dias,atendidas as hipóteses e regras con-tidas na NRR-2 do MTE.

Cláusula Décima Primeira. ACompromissária não manterá o sis-tema de barracão, pelo qual forneceaos obreiros mantimentos, ferramen-tas, remédios, bebidas alcoólicas,cujos valores são descontados doscorrespondentes salários a preçosexorbitantes, efetuando somente osdescontos salariais previstos no art.9º da Lei n. 5.889/73.

Cláusula Décima Segunda. ACompromissária não admitirá meno-res de dezoito anos (Portaria n. 20,de 13.9.2001, do MTE/SIT).

Cláusula Décima Terceira. Ten-do em vista a ausência de transpor-te público e a dificuldade de acesso,

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a Compromissária fornecerá trans-porte adequado e regular, a fim depermitir aos trabalhadores a saídada fazenda nos dias de folga e emcasos de necessidade.

Do descumprimento do TAC

Cláusula Décima Quarta. Odescumprimento de qualquer obriga-ção prevista no presente Termo deCompromisso de A jus tamentode Conduta — TAC sujeitará a Com-promissária à multa (astreinte) de R$500,00 (quinhentos reais) por traba-lhador encontrado em situação irre-gular, reversível ao Fundo de Ampa-ro ao Trabalhador — FAT, nos termosdos arts. 5º, § 6º, e 13 da Lei n. 7.347/85, ficando constituída em mora apartir do momento da constataçãodo inadimplemento das obrigaçõespelo MPT ou pela Fiscalização doTrabalho.

Do título executivo extrajudicial

Cláusula Décima Quinta. Opresente Termo de Compromisso deAjustamento de Conduta — TAC édotado de eficácia e força de títuloexecutivo extrajudicial, nos termosdo disposto nos arts. 5º, § 6º, da Lein. 7.347, de 24 de julho de 1985, e585, inciso II, do Código de Proces-so Civil.

Da execução do TAC

Cláusula Décima Sexta. ACompromissária fica cientificada deque o inadimplemento de qualquer

obrigação assumida neste instru-mento ensejará a execução forçadado Termo de Compromisso de Ajus-tamento de Conduta — TAC perantea Justiça do Trabalho, de conformi-dade com o disposto no art. 876 daCLT, com a redação dada pela Lei n.9.958, de 12 de janeiro de 2000.

Das disposições finais

Cláusula Décima Sétima. Opresente Termo de Compromisso deAjustamento de Conduta — TACaperfeiçoa-se e passa a produzirefeitos com a assinatura do repre-sentante da Compromissária, compoderes para tanto, e do Membro doMinistério Público do Trabalho pre-sente na audiência de celebração doajuste, não dependendo de homolo-gação ou de qualquer ato posteriorpara validá-lo.

Cláusula Décima Oitava. Opresente Termo de Compromisso épassível de fiscalização do Ministé-rio do Trabalho e Emprego, cujo re-presentante receberá cópia fiel doseu inteiro teor, e pelo MinistérioPúblico do Trabalho, reconhecendo-se-lhes aptidão para certificar o des-cumprimento das obrigações con-vencionadas.

Cláusula Décima Nona. Ascondições estabelecidas neste TAC,desde que respeitados os requisitosde validade e os limites constitucio-nais e legais da negociação coleti-va, não subsistem frente à Conven-ção ou Acordo Coletivo de Trabalho.

Cláusula Vigésima. A Compro-missária providenciará, até o dia

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16.4.2002, a regularização da situa-ção funcional dos trabalhadores ematividade, devendo providenciar asanotações nas CTPS’s e os termosde rescisão dos empregados despe-didos, com o pagamento integral dasverbas rescisórias apuradas, fican-do ajustado que a fiscalização mó-vel do Ministério do Trabalho e Em-prego, Coordenada pela Dra.Valderez Maria Monte Rodrigues,inspecionará todo o procedimento.

Estando as partes esclareci-das e de acordo com as estipulações

acima, firmam em caráter irrevogá-vel o presente Termo de Compromis-so de Ajustamento de Conduta, emtrês vias de igual teor, para que pro-duza todos os seus efeitos.

Redenção-PA, 12 de abril de2002.

Sebastião Vieira Caixeta, Pro-curador do Trabalho. Valderez MariaMonte Rodrigues, Representante doMTE. Antonio Lucena Barros, Pro-prietário da Fazenda Cipó Cortado.João Roberto Dias de Oliveira, OAB/PA 6.234-B.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — LIMINAR ALICIAMENTOE EXPLORAÇÃO DE TRABALHADORES

(PRT 16ª REGIÃO)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ PRESIDENTE DA VARA FEDERALDO TRABALHO DE BARRA DO CORDA — MARANHÃO

“Lei 3.353 de 13 de maio de1888

Declara extinta a escravidãono Brasil.

A Princesa Imperial Regente,em nome de Sua Majestade o Impe-rador, o senhor D. Pedro II faz sabera todos os súditos do Império que aAssembléia Geral decretou e Elasancionou a Lei seguinte:

Art. 1º É declarada extinta des-de a data desta lei a escravidão noBrasil.

Art. 2º Revogam-se as dispo-sições em contrário.

Manda portanto a todas asautoridades, a quem o conhecimen-to e execução da referida Lei perten-cer, que a cumpram e façam cum-prir e guardar tão inteiramente comonela se contém. Dada no palácio doRio de Janeiro, em 13 de maio de1888, 67º da Independência e do Im-pério. Princesa Regente Imperial.”

Ministério Público do Trabalho,por intermédio dos Procuradoresque ao final assinam, com endereço

para as intimações que se fizeremnecessárias à Av. Marechal CasteloBranco, 657, São Francisco, SãoLuís/MA, vem, com base nos artigos127, caput, da Constituição Federal,5º, I, 6º, XII, e 83, I, da Lei Comple-mentar n. 75/93, arts. 81 e seguin-tes da Lei n. 8.078/90 por força dodisposto no art. 21 da Lei n. 7.347/85, promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMPEDIDO DE LIMINAR

em face do Sr. Inocêncio Gomes deOliveira, brasileiro, casado, fazendei-ro, CPF n. 001.776.014-34, RG n.418.569-SSP-PE residente e domi-ciliado na Rua Inocêncio Gomes deAndrada, n. 602, Centro, Serra Ta-lhada — PE, CEP 56.900-000, ondedeverá ser citado, pelos motivosfáticos e jurídicos que passa a ex-por e ao final pedir:

1. Dos fatos

No mês de março do correnteano esta Procuradoria recebeu ofício

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da Procuradoria Regional do Tra-balho da 22ª Região, encaminhan-do fita VHS com matéria veiculadapela TV Pioneira, filiada do SBT emTeresina-PI, noticiando fortes indíciosda prática de exploração de traba-lhadores em condições análogas àescravidão, oriundos do Municípiode União-PI, em fazenda situada nointerior do Maranhão, como ilustrareportagem gravada na anexa fitaVHS (doc. n. 01).

A matéria veiculada permitesentir com extrema fidelidade a rea-lidade vivida pelas famílias daque-les trabalhadores, que se suspeita-va, por fraude ou violência, estavamsubmetidos a condições análogas asde escravos.

Como se vê, os ardis e humi-lhações a que é submetida uma par-cela dos cidadãos brasileiros, paisde famílias, geralmente analfabetos,trabalhadores nômades em busca demelhores condições de trabalho, to-dos vítimas de uma dura realidadeque os torna passíveis de serem lu-dibriados por aliciadores de mão-de-obra, conhecidos como “gatos”, quearregimentam o pessoal necessáriopara a consecução de obra certa,geralmente desmatamento ou limpe-za de pasto (roço de juquira), iludin-do-os com falsas promessas de boaremuneração.

Através de promessas enga-nosas no que diz respeito ao salárioe condições de trabalho, estes tra-balhadores rurais, para os quais asleis trabalhistas ainda não vingaram,são normalmente aliciados por “ga-tos”, que, então, os transporta para

outra localidade distante, não rarasvezes localizada em outro estado,onde devem prestar o trabalho.

Os trabalhadores já se tornamdevedores no ato do contrato, postoque o “gato”, como forma de adianta-mento do salário, lhes dá uma peque-na quantia em dinheiro, in casu R$100,00 (cem reais), a fim de que dei-xem com seus familiares para garan-tir o sustento destes pelo período emque se mantiverem afastados.

Em regra, a experiência mos-tra que, em situações semelhantes,chegando no local da prestação deserviços, que sempre é distante, oobreiro contrai novas dívidas juntoao barracão do próprio empregadorpara adquirir alimentos e bens deuso pessoal, até porque não há ou-tra opção próxima. Dessa forma,passam a trabalhar sem receberqualquer remuneração pelo seu tra-balho pois o valor das dívidas sem-pre supera o saldo salarial. Acabampor serem impedidos de deixar o lo-cal de trabalho e obrigados a traba-lhar para saldar o débito, que só au-menta em face do superfaturamentodos produtos. Os trabalhadores fi-cam confinados em local ermo e têmas suas liberdades individuais supri-midas, reduzidos à condição análo-ga à de escravo.

O aliciamento de trabalhado-res somado à servidão por dívidas éa situação mais corrente encontra-da no Brasil a caracterizar o traba-lho forçado, abolido não só pela nos-sa legislação pátria como tambémpor normas internacionais.

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Diante do conteúdo da repor-tagem, oficiou-se à Secretaria deInspeção do Trabalho em Brasíliasolicitando a realização da fiscaliza-ção com o escopo de arregimentarmaterial probatório para a instruçãode Inquérito Civil Público que seriadevidamente instaurado mediante aconfirmação dos fatos denunciados.

Os fatos a seguir relatados fo-ram constatados in locco, em opera-ção fiscal efetivada no período de 19a 27 de março do corrente ano, noMunicípio de Gonçalves Dias — MA.

A verificação física foi dirigidapara aferição dos fatos relacionadoscom a prestação do trabalho na fa-zenda denunciada, sem prejuízo daconstatação da existência de ilícitospenais a serem comunicados aosórgãos competentes.

O quadro testemunhado pelaequipe de fiscalização na fazenda,de propriedade do réu à época, foi demiséria absoluta e exploração damão-de-obra de trabalhadores víti-mas de um círculo vicioso decorren-te da inexistência de qualquer pers-pectiva profissional, tendo sido ins-taurado o Inquérito Civil Público n.18/2002, conforme Portaria n. 303/2002, uma vez que restou confirma-da a denúncia de exploração de tra-balhadores em condições análogasà escravidão.

O relatório da Ação Fiscal (doc.n. 02), que foi protocolada nestaRegional em 20.8.2002, se faz acom-panhar de vários depoimentos colhi-dos no local.

Em que pese juntar-se cópiaintegral do relatório da Ação Fiscal,

faz-se mister transcrever alguns tre-chos de depoimentos colhidos, inclu-sive de trabalhadores resgatados porocasião da fiscalização, que retratamcom propriedade os fatos testemu-nhados pela fiscalização do trabalhonaquelas paragens, objeto da pre-sente ação, merecendo destaquetrechos do depoimento dos trabalha-dores Vicente de Pinho Borges eJosé Adailton da Costa, verbis:

— Vicente de Pinho Borges

“Que foi recrutado nesta cida-de de União-PI, em 21 de janeirode ano em curso, pelo “gato” JoséLuis, apelidado de “Magro Velho”,que reside na mesma rua do de-clarante juntamente com mais 14(quatorze) trabalhadores tambémresidentes nesta cidade de União-PI; que no ato da contrataçãofoi prometido ao declarante eaos demais t rabalhadores opagamento de diária no valor deR$ 15,00 (quinze reais) para umajornada de trabalho de 10 (dez)horas/dia; alimentação farta ealojamentos confortáveis; que oreferido gato forneceu a títulode adiantamento a quantia deR$ 100,00 (cem reais) para queo declarante deixasse com sua fa-mília; que o declarante e demaistrabalhadores foram transporta-dos em veículos tipo camionete eônibus até chegar ao destino fi-nal, qual seja Fazenda Caraíbas,localizada no Município de Espí-rito Santo-MA; que ao chegaremà Fazenda Caraíbas, foram leva-dos para alojamentos precários,sem piso e sem qualquer ilumina-

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ção, bem como sem instalaçõessanitárias; que os 15 (quinze) tra-balhadores ficaram alojados nolocal ora descrito; que, ao inicia-rem suas atividades, cuja tarefaconsistia em roço de juqueira,passaram a trabalhar sob as or-dens do gato Vicente, o qual in-formou aos trabalhadores e aodeclarante que o adiantamentoque havia sido fornecido aos mes-mos seria descontado posterior-mente bem como as botas e fer-ramentas de trabalho (foice) quelhes foram entregues pelo referi-do gato Vicente, naquela ocasião;que a água fornecida aos traba-lhadores era retirada de uma ca-cimba infestada de insetos e“capa-rosa”; que a alimentaçãofornecida era de péssima qualida-de e era composta apenas de fei-jão e arroz (no almoço e no jan-tar), e que o café da manhã con-sistia apenas em café puro e fari-nha de puba; que a alimentaçãotambém seria descontada, con-forme lhes informou o gatoVicente, que anotava em cader-nos todos os gastos com os tra-balhadores, inclusive as despe-sas realizadas com o transportedos referidos trabalhadores paraa citada Fazenda Caraíbas; quedevido às péssimas condições detrabalho e alimentação, o decla-rante, juntamente com os demaistrabalhadores, resolveram parar oserviço e abordarem o gatoVicente com o objetivo de fazeracerto de contas e retornarem aoseu município de origem (União-PI); que após alguns dias de tra-balho, os trabalhadores verifica-

ram que todas as promessas, in-clusive de salário, não seriamcumpridas, haja vista que o gatoVicente informou aos trabalhado-res que os mesmos só poderiamdeixar o trabalho após a quitaçãoda dívida adquirida com o adian-tamento, transporte e alimenta-ção, bem como as ferramentas detrabalho; que diante disso, os tra-balhadores continuaram a traba-lhar nas mesmas condições paraquitarem suas dívidas e serem li-berados pelo gato Vicente, que,no dia 8.3.02, sexta-feira, o gatoVicente, a pedido dos trabalhado-res fez o acerto de contas e infor-mou ao final, que dos 15 (quinze)trabalhadores apenas 5 (cinco) ti-nham soldo a receber, no valor deR$ 20,00, sendo que o declarantenada recebeu, pois, segundo ogato Vicente, suas dívidascorrespondiam aos valores dosdias trabalhados; que, para retor-nar ao seu município foi necessá-rio que os 5 (cinco) trabalhadoresque tiveram saldo pagassem aspassagens dos demais e inclusi-ve a sua; que, para sair da fazen-da, percorreram cerca de 9 (nove)quilômetros, digo 15 (quinze) qui-lômetros a pé, até chegarem àcidade de Espírito Santo-MA, deonde retornaram à União-PI.”

— José Adailton da Costa

“Que está alojado com mais 10trabalhadores, digo 9 (nove) numbarraco coberto de palha, semparede, de chão batido e sem ba-nheiro. Os trabalhadores utilizama mata para suas necessidadesfisiológicas. A água que bebe,

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lava roupa, banha e para fazer acomida é retirada de um açudepróximo ao barraco. A água é bas-tante suja, com lama, mato, “ca-beça de prego” e “capa rosa”.Para beber, os trabalhadorescoam a água com um pano e co-locam em um pote. Os trabalha-dores já mataram 8 (oito) cobrascascavel, próximo ao barraco ereclamam bastante, durante a noi-te, não conseguem dormir porcausa da grande quantidade demosquitos, muriçocas e outros ani-mais peçonhentos (...) O emprega-dor não fornece EPI nem ferramen-tas para o trabalho. O trabalhadorcomprou a foice ao preço de R$6,00, ao gato (...) Não há materialde primeiros socorros à disposiçãodos trabalhadores, nem tampoucona sede da fazenda. Do local queestá alojado trabalhando é distan-te 03 (três) Km da sede da fazen-da, e no caso de exigência por mo-tivo de saúde ou acidente terá quecaminhar por entre a mata, atraves-sar um rio e ir para sede e de lá atéo Município, povoado mais próxi-mo, Espírito Santo, perfazer umtotal de 13 Km.”

Destaca-se, ainda, trechos dodepoimento do Sr. Edílson Diniz Fer-reira, contratado como “gato” pelogerente da fazenda Caraíbas, verbis:

“Num barraco de 6x4m ficavamalojados cerca de 30 trabalhado-res, não havia instalações sani-tárias; não era fornecida águapotável (a água para consumo eraretirada do açude). Os barracos

não têm paredes e são de terrabatida. Muitas vezes foram encon-trados animais peçonhentos,como cobras e aranhas dentro dobarracão. O declarante informaque desde dezembro/2001 oacesso ao alojamento está alaga-do, sendo os trabalhadores obri-gados a nadarem em locais ondea água alcança a altura do peitode um homem adulto para selocomoverem do alojamento atéa sede da fazenda, e de lá de vol-ta para o alojamento.

(...)

O Sr. Edílson declara que osprimeiros R$ 2.000,00 foram rece-bidos do Sr. Inocêncio, o qual, pes-soalmente mandou-o contratar de30 a 40 homens para trabalhar...”

(...)

Declara ainda que no caso dealgum trabalhador que quisessedeixar a fazenda, em sendo apu-rado saldo a pagar pelo mesmoem razão da alimentação e com-pra das ferramentas ou botas eraexigido que o mesmo permane-cesse trabalhando até que o sal-do fosse acertado.”

E por último, trecho do depoi-mento do “gato” Vicente da SilvaSousa, verbis:

“Que mensalmente o proprie-tário da fazenda Sr. Inocêncio deOliveira comparece à fazenda enessa ocasião acerta com o de-clarante o serviço que foi execu-tado e o “gato” paga aos traba-lhadores, conforme a produção,

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ou seja, R$ 3,00 (três reais) porlinha roçada. (...) Declara que ostrabalhadores roçam em média 25linhas por mês cada um, no valorde R$ 3,00 a R$ 5,00.”

Naquela ocasião, os “cadernosde fiado” nos quais o “gato” contro-lava a “dívida” dos trabalhadores fo-ram apreendidos e cerca de 45 (qua-renta e cinco) trabalhadores, dentreeles, um com idade inferior a 16 anosde idade, restaram resgatados como recebimento de verbas rescisóriasque lhes eram devidas, tendo sidoencontrados em condições subuma-nas, sem alojamento adequado, semalimentação suficiente e adequada,sem qualquer cuidado no que pertineàs condições de higiene e saúde notrabalho. Não havia sequer águapotável e material de primeiros so-corros, contrariando várias normaslegais e regulamentares, quais se-jam: arts. 157, 166, 168, § 4º, 188,200, 462, da CLT e NR’s ns. 01, 07,13, 21, 24 e NRR ns. 02 e 04, todasdo Ministério do Trabalho. Com res-peito a estas últimas, tem-se que éoportuno lembrar que são fruto decompetência delegada na forma doart. 155 da CLT, verbis:

“Art. 155. Incumbe ao órgão deâmbito nacional competente emmatéria de segurança e medicinado trabalho:

I — estabelecer, nos limites desua competência, normas sobrea aplicação dos preceitos desteCapítulo, especialmente os refe-ridos no art. 200;”

O trabalho forçado constatadoafronta os regramentos básicos doDireito do Trabalho contemporâ-neo. Em conseqüência, a fiscali-zação lavrou diversos autos deinfração, que se ressalta não pro-duzem nenhum efeito prático, pos-to que o empregador é pessoa fí-sica, fato que dificulta a execuçãodas multas trabalhistas impostas.

Os autos foram lavrados pelosseguintes fatos:

— por não realizar o exame mé-dico admissional antes que o em-pregado assuma suas atividades;

— por não fornecer água po-tável e em condições higiênicas;

— por não fornecer, gratuita-mente, o Equipamento de Prote-ção Individual — EPI aos traba-lhadores;

— por permitir o uso de aloja-mento sem condições sanitáriasadequadas;

— por deixar de dotar o esta-belecimento com material de pri-meiros socorros;

— por não fornecer aos empre-gados, condições de conforto ehigiene que garantam refeiçõesadequadas;

— por permitir a morada cole-tiva;

— por não dotar de abrigo, aindaque rústico, capaz de proteger os tra-balhadores contra intempéries;

— por não manter instalaçõessanitárias como parte integrantedo alojamento nem estar localizadaa uma distância máxima de 50 mda habitação;

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— por manter em serviço em-pregado com idade inferior a 16anos; e

— por manter empregados tra-balhando em condições con-trárias às disposições de prote-ção ao trabalho, às convençõescoletivas e às decisões das auto-ridades competentes.

Registre-se que em nossa re-gião existe farta oferta de mão-de-obra devidamente documentada,entretanto o réu preferiu contrataraqueles trabalhadores mais humil-des e ignorantes de forma a perpe-trar sua fraude mais facilmente.

Assim, havendo lesão a direi-tos trabalhistas coletivamente con-siderados, conforme se demonstra-rá no decorrer da instrução proces-sual, ajuíza este Parquet Trabalhis-ta a presente Ação Civil Pública paraacionar o empregador a restabele-cer a ordem jurídica trabalhista vio-lada e obstar a continuação de ex-ploração pelo réu de trabalhadoresem condições análogas às de escra-vo, submetidos a condições subuma-nas, sem alojamento adequado, semalimentação suficiente e adequada,sem qualquer cuidado no que pertineàs condições de higiene e saúde notrabalho, sem sequer água potávele material de primeiros socorros e,pior, sem direito de ir e vir quandoassim quisessem, sendo obstada asua liberdade de locomoção.

A conduta adotada, no mais,tipifica os crimes estabelecidos noart. 149 (reduzir alguém à condiçãoanáloga à de escravo); art. 203 (frus-tração de direitos trabalhistas me-

diante fraude ou violência); art. 132,parágrafo único (expor a vida ou asaúde de outrem a perigo direto eiminente decorrente do transporteem condições ilegais); e 207 (aliciartrabalhadores, com o fim de levá-losde uma para outra localidade do ter-ritório nacional) do Código Penal.

Quanto ao aspecto criminal re-gistre-se que já foi efetivada a notitiacriminis às autoridades competentes.

Por último, anote-se que, paraque seja plenamente obedecido oordenamento pátrio, entende esteparquet que o réu deve ser conde-nado a pagar indenização pelos da-nos morais que causou aos trabalha-dores com sua conduta ilegal, imo-ral e desumana, que será objeto deAção Civil Coletiva a ser ajuizada poreste MPT, e principalmente, reprimira exploração de trabalhadores emcondições análogas às de escravidão,prática corriqueira em nosso Esta-do, sendo esta uma das prioridadesdo Ministério Público do Trabalho.

Anexa-se aos autos, também,as notícias dos principais jornais erevistas que tratam sobre a presen-te denúncia.

Do direito

2.1. Da legitimidade

2.1.1. Do Ministério Público

Dispondo a Constituição Fede-ral acerca das funções institucionaisdo Ministério Público, deixa claro oart. 129, IX que, além das hipótesesexpressamente contempladas nos

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diversos incisos do mesmo precei-to, cabe-lhe exercer outras funçõesprevistas em lei. Vale dizer, o elencode funções insculpidas no precitadodispositivo não é restritivo.

Neste passo, ao legislador or-dinário é dado ampliar o campo deatuação ao Ministério Público. Comefeito neste sentido orienta-se a LeiComplementar n. 75/93 c/c. o art. 91da Lei n. 8.078/90, in verbis:

(CF/88) — “Art. 129. São fun-ções institucionais do MinistérioPúblico:

................................................

III — promover o inquérito civile a ação civil pública, para a pro-teção do patrimônio público e so-cial, do meio ambiente e de outrosinteresses difusos e coletivos;”

(LC n. 75/93) — “Art. 6º Com-pete ao Ministér io Público daUnião:

VII — promover o inquérito ci-vil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitosconstitucionais;

................................................

c) a proteção de outros interes-ses individuais indisponíveis,homogêneos, sociais, difusos ecoletivos ...;

d) outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, so-ciais, difusos e coletivos;”

(LC n. 75/93) — “Art. 83. Com-pete ao Ministér io Público do

Trabalho o exercício das seguin-tes atribuições junto aos órgãosda Justiça do Trabalho:

................................................

III — promover a ação civil pú-blica no âmbito da Justiça do Tra-balho, para defesa de interessescoletivos, quando desrespeitadosos direitos sociais constitucional-mente garantidos.”

(Lei n. 7.347/85) — “Art. 21.Aplicam-se à defesa dos direitose interesses difusos, coletivos eindividuais, no que for cabível, osdispositivos do Título III da lei queinstituiu o Código de Defesa doConsumidor.”

(Lei n. 8.078/90) — “Art. 82.Para os fins do art. 81, parágrafoúnico, são legitimados concorren-temente:

I — o Ministério Público;

.................................................

Art. 91. Os legitimados de quetrata o art. 82 poderão propor, emnome próprio e no interesse dasvítimas ou seus sucessores, açãocivil coletiva de responsabilidadepelos danos individualmente sofri-dos, de acordo com o disposto nosartigos seguintes.”

Assim, havendo lesão a direi-tos trabalhistas coletivamente consi-derados, conforme se demonstraráno decorrer da instrução processual,resta clara a legitimidade do Parquetpara acionar o réu a fim de restabe-lecer a ordem jurídica trabalhista.

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2.1.2. Do réu

Convém observar, desde logo,que em matéria veiculada na revistaVeja, edição 1767, de 4.9.2002, foinoticiado que a fazenda Caraíbasteria sido vendida pelo réu após osacontecimentos acima narrados.

Conforme comprovado no re-latório, o réu era proprietário da fa-zenda Caraíbas quando foram apu-radas as irregularidades perpetradascontra os trabalhadores, sendo, por-tanto, o réu o responsável pelasilicitudes ali praticadas, cabendo-lheo dever de ressarcir os danos cau-sados aos trabalhadores. Indubitávelé, pois, o réu o legitimado passivoda presente ação.

Infundado é pois o argumentode que a ação perdeu o objeto ten-do em vista que o réu não é maisproprietário da fazenda posto que oobjetivo principal da ação civil públi-ca é o de prevenir a ocorrência dedanos por violação a interesses co-letivos e, no caso em tela, o objetivoprincipal da presente ação é preve-nir a ocorrência de novos danos aserem causados pelo réu a seusempregados.

2.2. Do trabalho escravo

Em que pese a carência de dis-positivos na legislação nacional quedefinam a condição análoga à de es-cravo, não se pode olvidar que o Bra-sil é signatário de vários instrumen-tos internacionais que dispõem acer-ca do tema, que por terem sido rati-

ficados e depositados nas reparti-ções competentes passam a integrarnosso ordenamento jurídico:

Normas internacionais:

Declaração universal dos direi-tos humanos

Ar tigo IV — Ninguém serámantido em escravidão ou servi-dão; a escravidão e o tráfico deescravos serão proibidos em to-das as suas formas.

Convenção suplementar sobrepráticas análogas à escravatura*(ONU)

(Decreto n. 58.563, de 1º.6.1966— DOU 3.6.1966)

Promulga a Convenção (ONU)sobre Escravatura de 1926 emen-dada pelo Protocolo de 1953 e aConvenção Suplementar sobre aAbol ição da Escravatura de1956).

* Aprovada pelo Decreto Legis-lativo n. 66, de 14.7.1965 — DOUde 19.7.1965.

Convenção Suplementar sobrea Abolição da Escravatura, do Trá-fego de Escravos e das Institui-ções e Práticas Análogas à Es-cravatura.

Seção I — Instituições e Práti-cas Análogas à Escravidão (arti-gos 1 e 2)

Art. 1 — Cada um dos Estados-Partes à presente Convenção to-mará todas as medidas, legislati-vas e de outra natureza, que se-jam viáveis e necessárias, paraobter progressivamente e logo

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que possível a abolição comple-ta ou o abandono das instituiçõese práticas seguintes, onde querainda subsistam, enquadrem-seou não na definição de escravi-dão que figura no artigo primeiroda Convenção sobre a escravidãoassinada em Genebra, em 25 desetembro de 1926:

a) a servidão por dívidas, istoé, o estado ou a condição resul-tante do fato de que um devedorse haja comprometido a fornecer,em garantia de uma dívida, seusserviços pessoais ou os de al-guém sobre o qual tenha autori-dade, se o valor desses serviçosnão for eqüitativamente avaliadono ato da liquidação da dívida ouse a duração desses serviços nãofor limitada nem sua naturezadefinida;

b) a servidão, isto é, a condi-ção de qualquer um que sejaobrigado pela lei, pelo costumeou por um acordo, a viver e tra-balhar numa terra pertencente aoutra pessoa e a fornecer a essaoutra pessoa, contra remunera-ção ou gratuitamente, determina-dos serviços, sem poder mudarsua condição:

Convenção n. 29 da OIT

Art. 2 — 1 Para fins da pre-sente Convenção, a expressão“trabalho forçado ou obrigatório”designará todo trabalho ou servi-ço exigido de um indivíduo sobameaça de qualquer penalidadee para o qual ele não se ofereceude espontânea vontade.

Destaque-se que a Constitui-ção Federal Brasileira disciplinaa questão do tratamento degra-dante, além de prever indeniza-ção por dano moral.

Constituição Federal — Art. 5º:....

III — ninguém será submetidoà tortura nem a tratamento desu-mano ou degradante;

....

X — são invioláveis a intimida-de, a vida privada, a honra e aimagem das pessoas, assegura-do o direito à indenização pelodano material ou moral decorren-te de sua violação;

....

XLVII — não haverá penas:

....

c) de trabalhos forçados;

...

Como se denota facilmente, adeficiência da legislação nacionalpode ser suprida pelos instrumentosinternacionais. Não obstante, na es-fera criminal as condutas típicas daredução à condição análoga à de es-cravo e do trabalho degradante es-tão disciplinadas no Código Penal,tendo sido recentemente alteradaspela Lei n. 9.777/98, verbis:

Código Penal

Art. 198. Constranger alguém,mediante violência ou grave amea-ça, a celebrar contrato de traba-lho, ou a não fornecer a outrem

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ou não adquirir de outrem maté-ria-prima ou produto industrial ouagrícola:

Pena — detenção, de 1 (um) mêsa 1 (um) ano, e multa, além da penacorrespondente à violência.

— Frustração de direito asse-gurado por lei trabalhista

Art. 203. Frustrar, mediante frau-de ou violência, direito assegura-do pela legislação do trabalho:

Pena — detenção de um anoa dois anos, e multa, além dapena correspondente à violência.

§ 1º Na mesma pena incorrequem:

I — obriga ou coage alguém ausar mercadorias de determina-do estabelecimento, para impos-sibilitar o desligamento do servi-ço em virtude de dívida;

II — impede alguém de se des-ligar de serviços de qualquer na-tureza, mediante coação ou pormeio da retenção de seus docu-mentos pessoais ou contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de umsexto a um terço se a vítima émenor de dezoito anos, idosa, ges-tante, indígena ou portadora dedeficiência física ou mental. Reda-ção dada pela Lei n. 9.777/98.

— Aliciamento de trabalhado-res de um local para outro do ter-ritório nacional

Art. 207. Aliciar trabalhadores,com o fim de levá-los de uma paraoutra localidade do território na-cional:

Pena — detenção de um a trêsanos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma penaquem recrutar trabalhadores forada localidade de execução do tra-balho, dentro do território nacio-nal, mediante fraude ou cobran-ça de qualquer quantia do traba-lhador, ou, ainda, não assegurarcondições do seu retorno ao lo-cal de origem.

§ 2º A pena é aumentada de umsexto a um terço se a vítima émenor de dezoito anos, idosa, ges-tante, indígena ou portadora dedeficiência física ou mental. Re-dação dada pela Lei n. 9.777/98.

O aliciamento de trabalhado-res somado à servidão por dívidas éa situação que caracteriza o traba-lho forçado, abolido pelas normasinternacionais acima citadas.

No caso em tela, restou com-provado que diversos trabalhadoresforam aliciados por “gatos” para tra-balhar na fazenda de propriedade doréu, através de promessas enga-nosas no que diz respeito ao salárioe condições de trabalho.

Chegando no local da presta-ção de serviços, os obreiros “contraí-ram” dívidas junto ao próprio empre-gador para adquirir alimentos, ferra-mentas de trabalho, equipamentosde proteção individual e bens de usopessoal.

Dessa forma, os trabalhadorespassaram a trabalhar sem receberqualquer remuneração pelo seu tra-balho, pois o valor das dívidas sem-pre superou o saldo salarial.

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Finalmente, os obreiros aca-baram sendo impedidos de deixar olocal de trabalho e obrigados a traba-lhar para saldar o débito. Os traba-lhadores ficaram confinados em lo-cal ermo e tiveram a sua liberdadeindividual suprimida, reduzidos àcondição análoga à de escravo.

Em consequência, a fiscaliza-ção autuou o réu pelo fato de man-ter empregados trabalhando em con-dições contrárias às disposições deproteção ao trabalho, às convençõescoletivas e às decisões das autori-dades competentes, de acordo comos Autos de Infracão constantes norelatório de fiscalização em anexo.

Portanto, para que seja obede-cido o ordenamento pátrio, o réudeve ser condenado a abster-se:

a) de impedir os trabalhadoresde exercer o direito constitucionalde ir e vir;

b) de exigir o trabalho forçadode seus empregados, qual seja,aquele realizado sob a ameaçade sanção e para o qual não te-nha espontaneamente se apre-sentado;

c) de aliciar trabalhadores,diretamente ou por intermédio deterceiros, de um local para outrodo território nacional.

2.3. Da intermediação ilegal

No ordenamento jurídico pátrionão é permitida a locação ou a in-termediação de mão-de-obra, exce-to nos casos previstos na Lei n.6.019/74 e na Lei n. 7.102/83.

Destar te, a jur isprudênciaeditou primeiro o Enunciado n. 256e por último, o com a Súmula n. 331,todos do colendo Tribunal Superiordo Trabalho.

Veja-se, o teor do Enunciado:

“ 331 — Contrato de prestaçãode serviços. Legalidade. revisãodo Enunciado n. 256.

I — A contratação do trabalha-dor por empresa interposta é ile-gal, firmando-se o vínculo direta-mente com o tomador dos servi-ços salvo no caso de trabalhotemporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74;

II — (...).’’

III — Não forma vínculo deemprego com o tomador a contra-tação de serviços de vigilância (Lein. 7.102, de 20.6.83), de conser-vação e limpeza, bem como a dosserviços especializados ligados àatividade-meio do tomador, desdeque inexistente a pessoalidade ea subordinação direta;

IV — (...).’’

Portanto, a regra é a contrata-ção direta pelo tomador de serviços,conforme prevê o art. 3º da CLT e aterceirização é a exceção.

De fato, o processo de tercei-rização, sinteticamente, significa atransferência de determinadas ativi-dades do empreendimento econômi-co para empresas especializadasque poderão desempenhá-las commais eficiência e a um custo menorpara a empresa contratante.

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A legislação brasileira consa-grou a possibilidade de terceirizaçãode serviços de vigilância (Lei n.7.102/83). A contratação de traba-lhador temporário, por empresa in-terposta, também é tolerada, na for-ma e nos limites da Lei n. 6.019/74.

A jurisprudência trabalhistamostrou-se, a pr incípio, muitorestritiva a respeito da matéria, libe-rando a contratação de serviços deterceiros apenas à certa atividade ouserviço não incluídos nos fins sociaisda empresa tomadora de serviço.

Como se pode observar doenunciado acima transcrito — quesubstituiu o Enunciado n. 256 —, sepassou a admitir a contratação deserviços especializados (qualquerum) ligados à atividade-meio do to-mador, desde que inexistente a pes-soalidade e a subordinação direta(item III do E. n. 331).

Como se vê, o espaço conce-dido ao fenômeno da terceirizaçãonão é absoluto, restringindo-se à ati-vidade-meio da empresa, isto é,aquele serviço que não faz parte doprocesso criador do produto finaldo empreendimento. Nem poderiaser diferente, sob pena de se permi-tir que uma empresa existisse semprecisar contratar diretamente ne-nhum empregado.

Ainda, é importante ressaltarque a contratação ilegal de empre-gado por interposta pessoa consti-tui fraude aos direitos trabalhistas etransgride o princípio da valorizaçãodo trabalho humano, atraindo a inci-dência do art. 9º da CLT e do art. 1º,IV, da Constituição da República.

No caso em tela, não se pode-ria falar em regularidade da contra-tação dos trabalhadores através doregime de “empreitada”, desobrigan-do o réu de qualquer responsabili-dade, apontando um suposto em-preiteiro (gato) como o real contra-tante dos trabalhadores.

Isto porque, da análise do vas-to material probatório colhido no bojodo inquérito civil público, constata-se facilmente a configuração da re-lação de emprego, eis que presen-tes a subordinação, onerosidade,pessoalidade e não eventualidadedos serviços prestados.

Nos depoimentos, os trabalha-dores informaram que foram contra-tados por “gatos”, que supervisiona-vam os seus serviços. Os trabalhoseram dirigidos pelo réu através deprepostos, “gatos”, configurando asubordinação. Registre-se, conformenoticiado em uníssono nos depoi-mentos, que os trabalhadores sópoderiam deixar o local de trabalhoapós o término dos serviços. Haviamais que subordinação, havia esta-do de escravidão.

Ressalta-se que, no depoi-mento do Sr. Miguel Ferreira, contra-tado para trabalhar na fazenda doréu, está relatado que o próprio réu,em dezembro de 2001, chegou aolocal onde estavam alojados os tra-balhadores, juntamente com o ge-rente, para inspecionar o serviço.

Não fosse suficiente a respon-sabilidade in eligendo e in vigilandodo réu sobre o que ocorria em suafazenda, tem-se ainda que as pro-vas constantes nos autos levam àcaracterização de uma relação deemprego e não simples empreitada.

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A pessoalidade também estápresente posto que os trabalhadoresficavam isolados, não havendo qual-quer possibilidade de sua substitui-ção. Ademais, a existência de dívi-das pessoais obrigava a permanên-cia do trabalhador-devedor.

Mesmo não havendo o paga-mento regular de salários, a adoçãodo sistema de barracão demonstrao caráter oneroso do contrato reali-zado, mormente que nos depoimen-tos citados sempre foi noticiada apromessa de pagamento de salário.

De fato, as tarefas desempe-nhadas pelos empregados do réudemonstram a natureza não eventu-al do serviço uma vez que trabalha-vam na fazenda do réu na atividadede roço e no desmatamento, neces-sários para a criação de gado. Ora,numa fazenda tal serviço não podeser considerado eventual, posto quese identifica com a atividade-fim doempreendimento, o que leva a con-tratação e recontratação dos traba-lhadores para os mesmos serviços.

Neste particular pouco impor-ta que o empregador necessite damão-de-obra apenas por alguns me-ses no ano, eis que a eventualidadenão está ligada ao lapso temporalnecessário para execução dos ser-viços, mas sim à atividade-fim daempresa.

No caso do réu, tem-se que astarefas desempenhadas pelos traba-lhadores libertados coincidem com aatividade-fim de sua fazenda, e aindaque se argumente que tal necessida-de é sazonal, o réu deveria efetivarcontratos por tempo determinado, aexemplo dos contratos de safra.

Desde logo, portanto, se de-monstra que o réu não poderá fur-tar-se às obrigações trabalhistas pordetrás de uma falsa empreitada. Ora,se terceirizou serviços de limpeza depasto (atividade-fim) com uma pes-soa física, que por sua vez contra-tou operários para trabalhar no ser-viço, esses trabalhadores são em-pregados do réu e o tomador damão-de-obra supostamente terceiri-zada é responsável direto pelos di-reitos trabalhistas desses trabalha-dores porque não pode terceirizarsua atividade-fim conforme assenta-do no Enunciado n. 331 do TST.

Se empreitada existiu foi só emrelação ao arregimentador de mão-de-obra (ou “gato”), mas não em re-lação aos operários contratados paraa execução dos serviços, cujo vín-culo empregatício se forma direta-mente com o tomador na forma pre-vista no Enunciado acima citado.

Amauri Mascaro Nascimento,escudado nas lições de Evaristo deMoraes Filho demonstra a improprie-dade da pequena empreitada envol-vendo operários quando observadaa subordinação na efetivação do tra-balho. Registre-se que não poderáhaver maior subordinação do que ocerceamento da liberdade de ir e virdo trabalhador vinculado à prestaçãodos serviços.

Com propriedade o ilustre au-tor distingue que a “assimilação en-tre as duas figuras, do empregado edo pequeno empreiteiro, dar-se-iasempre que o empreiteiro, pessoafísica, trabalhando isoladamentepara terceiro, em troca de pequenosvalores, pagos globalmente ou em

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parcelas, em nada diferir do operá-rio, embora gozando de maior auto-nomia quanto aos horários de traba-lho e ao submetimento à fiscaliza-ção e ordens de serviço”.

A submissão de trabalhadoresa condições humilhantes de traba-lho, a sonegação dos mais básicosdireitos trabalhistas, o cerceamen-to da liberdade destes cidadãos, autilização de ardis para não pagarnem mesmo os salários devidos,enfim, todo o contexto em que acon-teceram os fatos se conclui que nãose pode falar na utilização de regi-me de empreitada.

Assim sendo, requer-se seja oréu condenado na obrigação de seabster de contratar trabalhadorescom intermediação de terceiros paraatividade-fim.

2.4. Do transporte irregular

Conforme apurado na ação fis-cal, os trabalhadores foram transpor-tados para trabalhar na fazenda do réuem caminhonetes, em condições derisco, nas carroceiras dos veículossem qualquer proteção ou segurança.

É importante ressaltar que aConstituição Federal, em seu art. 7º,inciso XXII, reconhece como direitosdos trabalhadores a “redução dosriscos inerentes ao trabalho, pormeio de normas de saúde, higiene esegurança do trabalho”.

Por outro lado, o art. 157 daCLT, dispõe que cabe ao emprega-dor instruir os empregados quanto àsprecauções a tomar no sentido de

evitar acidentes do trabalho, estan-do obrigado a observar as normas desegurança e medicina do trabalho.

Necessária, ainda, a transcri-ção da NR-18, no item 25, aplicávelanalogicamente ao presente caso,que disciplina as condições de trans-porte de trabalhadores em veículosautomotores na atividade da cons-trução civil:

18.25.5. A utilização de veícu-los, a título precário para trans-porte de passageiros, somenteserá permitida em vias que nãoapresentem condições de tráfegopara ônibus. Neste caso, os veí-culos devem apresentar as se-guintes condições mínimas desegurança:

a) carroceria em todo o perí-metro do veículo, com guardasaltas e cobertura de altura livre de2,10 m (dois metros e dez centí-metros) em relação ao piso dacarroceria, ambas com materialde boa qualidade e resistênciaestrutural que evite o esmaga-mento e não permita a projeçãode pessoas em caso de colisãoe/ou tombamento do veículo;

b) assentos com espumarevestida de 0,45 m (quarenta ecinco centímetros) de largura por0,35 m (trinta e cinco centímetros)de profundidade de 0,45 m (qua-renta e cinco centímetros) de al-tura com encosto e cinto de se-gurança tipo 3 (três) pontos;

c) barras de apoio para asmãos a 0,10 m (dez centímetros)da cobertura e para os braços emãos entre os assentos;

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d) a capacidade de transportede trabalhadores será dimensio-nada em função da área dos as-sentos acrescida do corredor depassagem de pelo menos 0,80 m(oitenta centímetros) de largura;

e) o material transportado,como ferramentas e equipamen-tos, deve estar acondicionado emcompartimentos separados dostrabalhadores, de forma a nãocausar lesões aos mesmos numaeventual ocorrência de acidentecom o veículo;

f) escada, com corrimão, paraacesso pela traseira da carroce-ria, sistemas de ventilação nasguardas altas e de comunicaçãoentre a cobertura e a cabina doveículo;

g) só será permitido o trans-porte de trabalhadores acomoda-dos nos assentos acima dimen-sionados.

Desse modo, requer seja o réucondenado a abster-se de promovero transporte dos trabalhadores emveículos sem condições de seguran-ça e higiene.

2.5. Do Registro da CTPS e noLivro de Registro deEmpregados

Demonstrado está que a maio-ria dos trabalhadores encontradosem atividade na fazenda do réu nãotinha sido registrada, seja em suaCTPS, seja através de livro, ficha ousistema eletrônico competente, emdesobediência aos arts. 29 e 41 daConsolidação das Leis do Trabalho.

É certo que o registro na CTPSé direito básico do empregado, pois éatravés dele que o trabalhador podecomprovar o seu direito a inúmerosbenefícios sociais, tais como segu-ro-desemprego, aposentadoria, en-tre outros, sem contar ser prova con-tundente para se reclamar os direi-tos trabalhistas, pois, em caso denegativa do empregador, incumbe aele o ônus de comprovar a existên-cia de vínculo de emprego.

Da mesma forma, a ausênciado registro do empregado em livro,ficha ou sistema eletrônico dificultaa fiscalização dos órgãos da inspe-ção quanto às condições de trabalho,violando os arts. 630, § 3º e 49, daConsolidação das Leis do Trabalho.

Em conseqüência, impõe-se acondenação do réu a efetuar o re-gistro da CTPS de todos os seusempregados, nos termos do art. 29da Consolidação das Leis do Traba-lho, e a efetuar o registro em livro, fi-cha ou sistema eletrônico, consoan-te o art. 41 do mesmo diploma legal.

2.6. Dos salários

O salário é a contraprestaçãodo serviço executado pelo emprega-do. No dizer de Arnaldo Süssekind,é “o principal e único meio de sub-sistência da família operária”.

No art. 459, parágrafo único, aCLT fixa como prazo máximo parapagamento dos salários dos empre-gados o 5º (quinto) dia útil do mêssubseqüente ao trabalhado. No art.466, regula os prazos para os paga-mentos de comissões. Estes enten-

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dimentos estão em consonância coma Convenção n. 95/49, ratificada noBrasil pelo Decreto n. 41.721/57, quefixa a obrigatoriedade do pagamentodos salários com intervalos regula-res, em dias úteis, no local de trabalhoou em lugar próximo ao mesmo.

O art. 7º da Constituição Fede-ral erigiu como direito social funda-mental o salário mínimo e a proteçãodo salário na forma da lei. Um dosprincípios básicos de proteção aosalário é o da sua intangibilidade.

O art. 9º, letra b, § 1º, da Lei n.5.889/70 admite o desconto sobre osalário do empregado rural, até o li-mite de 25% calculado sobre o salá-rio mínimo, por conta do fornecimen-to de alimentação sadia e farta, aten-didos os preços vigentes na regiãoe mediante prévia autorização doobreiro, sob pena de nulidade. Sãoadmitidos também descontos a títu-lo de adiantamentos. Entretanto, osvalores que superem o valor mensalda remuneração perdem o caráter deadiantamento.

Na ação fiscal do Ministério doTrabalho e Emprego, ficou constata-do que a alimentação dos trabalha-dores é fornecida pelo réu para pos-terior desconto no salário, e que, emrazão disso, muitos trabalhadoresnão recebem qualquer remuneração,mesmo após vários meses de pres-tação de serviços.

Desse modo, o réu deve sercondenado a efetuar o pagamentodos salários aos seus empregadosaté o quinto dia útil do mês subse-qüente ao trabalhado bem como apagar-lhes como remuneração míni-

ma o salário mínimo e, ainda, a abs-ter-se de efetuar descontos salariaisfora das hipóteses do art. 9º da Lein. 5.889/70.

2.7. Do FGTS

O recolhimento do Fundo deGarantia por Tempo de Serviço cons-titui direito social dos trabalhadores,consoante o art. 7º, inciso III da Cons-tituição Federal. A nível infraconsti-tucional a matéria está regulada nosarts. 15 e 18 da Lei n. 8.036/96, a qualestabelece ao empregador a obriga-ção de depositar, em conta bancáriavinculada, a importância correspon-dente a 8% da remuneração de cadatrabalhador até o dia 7 do mês sub-seqüente ao do pagamento.

Dessa forma, o retardamentodo réu em efetuar os recolhimentosna época própria, constitui indubita-velmente lesão aos direitos de seusempregados.

Requer-se, então, seja o réucondenado a recolher o FGTS detodos os seus empregados no pra-zo previsto em lei.

2.8. Do fornecimento deequipamentos de trabalho

Ainda na inspeção do Ministé-rio do Trabalho e Emprego, ficoucomprovado que os equipamentosde proteção individual não foramfornecidos pelo réu aos seus empre-gados e que os poucos trabalhado-res que usavam botas teriam o valorcorrespondente descontado dosseus salários.

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O art. 2º da CLT dispõe o se-guinte:

Art. 2º Considera-se emprega-dor a empresa, individual ou co-letiva, que, assumindo os riscosda entidade econômica, admite,assalaria e dirige a prestaçãopessoal de serviços (grifou-se).

É indubitável que o forneci-mento do instrumento necessário àoperacionalização da atividade doempregado, essencial à atividadeeconômica da empresa, é dever doempregador. Do contrário, o empre-gador estará transferindo o risco deseu empreendimento ao empregado,o que, longe de descaracterizar ovínculo de emprego, configura sim,a violação pelo empregador a deverdecorrente do contrato de trabalho.

Em virtude desse raciocínio éque a legislação estipula o forneci-mento do instrumento de trabalho aoempregado como um ônus exclusi-vo da empresa, preceituando o art.458, § 2º, da CLT a exclusão e inte-gração do valor correspondente aomesmo à remuneração do emprega-do para qualquer efeito.

Nesse diapasão, a NR-4, daPortaria n. 3.067, do 12.4.88, combase no art. 200 da Consolidação dasLeis do Trabalho, estipula no tem 4.2:

“O empregador rural é obri-gado a fornecer, gratuitamente,EPI adequado ao risco e em per-feito estado de conservação efuncionamento, nas seguintes cir-cunstâncias: a) sempre que asmedidas de proteção coletiva fo-

rem tecnicamente inviáveis ounão oferecerem completa prote-ção contra os riscos de aciden-tes do trabalho e/ou doençasprofissionais.”

Desse modo, deve o réu sercondenado a fornecer gratuitamentea todos os seus empregados osequipamentos de trabalho necessá-rios à operacionalização da ativida-de a ser por eles desenvolvidas du-rante todo o contrato de trabalho, fis-calizando o seu efetivo uso.

2.9. Do material necessário aosprimeiros socorros

Na hipótese presente, verifica-se que, no desenvolvimento da ati-vidade de roçagem de pasto, os tra-balhadores do réu estão expostos àsintempéries e a animais peçonhentose perigosos, o que acentua a possi-bilidade de acidentes de trabalho.

Entretanto, o réu não fornecematerial necessário à prestação dosprimeiros socorros.

Pelo que, requer seja o réucondenado a fornecer os materiaisnecessários à prestação de primei-ros socorros.

2.10. Das condições de higiene detrabalho

2.10.1. Da moradia

Os trabalhadores do réu foramencontrados vivendo em condiçõesprecárias, residindo em barracos,

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alguns de madeira e outros de tai-pa, cobertos de palha, de chão bati-do, sem proteção lateral, sem qual-quer iluminação e sem instalaçõessanitárias.

Ficou comprovado que as mo-radias dos trabalhadores do réu sãocoletivas, estando alojados no mes-mo barraco mais de 12 (doze) traba-lhadores, tendo sido apurado que ho-mens e mulheres viviam no mesmobarraco, sem qualquer privacidade.

Dessa maneira, violada a NR-24 da Portaria n. 3214/ 78, no item24.5 e subitens, que estabelece queas paredes dos alojamentos podemser construídas em alvenaria de ti-jolo comum, em concreto e madeira;os pisos devem ser impermeáveis,laváveis e de acabamento áspero,devendo impedir a entrada de umi-dade e emanações e não devendoapresentar ressaltos e saliências; acobertura deve ter estrutura de ma-deira ou metálica; as telhas podemser de barro ou de fibrocimento, eas instalações sanitárias e os bebe-douros devem fazer parte integran-te do alojamento, sendo que aque-las podem também estar localizadasa uma distância máxima de 50metros.

Convém citar ainda a NR-21que trata da matéria em alguns itens:

“21.3. Aos trabalhadores queresidirem no local do trabalho, de-verão ser oferecidos alojamentosque apresentem adequadas con-dições sanitárias. (121.003-3/I1)

...............................................

21.6. Quando o empregadorfornecer ao empregado moradiapara si e sua família, esta deverápossuir condições sanitárias ade-quadas. (121.006-8/I1)

21.6.1. É vedada, em qualquerhipótese, a moradia coletiva da fa-mília. (121.007-6/I1)

21.7. A moradia deverá ter:

a) capacidade dimensionadade acordo com o número de mo-radores; (121.008-4/I1)

b) ventilação e luz direta sufi-ciente; (121.009-2/I1)

c) as paredes caiadas e os pi-sos construídos de material im-permeável. (121.010-6/I1)

21.8. As casas de moradia se-rão construídas em locais areja-dos, livres de vegetação e afas-tadas no mínimo 50,00 m (cin-qüenta metros) dos depósitos defeno ou estercos, currais, estábu-los, pocilgas e quaisquer viveirosde criação. (121.011-4/I1)

21.9. As portas, janelas e fres-tas deverão ter dispositivos capa-zes de mantê-las fechadas, quan-do necessário. (121.012-2/I1)

...............................................

21.12. Toda moradia disporáde, pelo menos, um dormitório,uma cozinha e um compartimen-to sanitário. (121.015-7/I1)”

2.10.2. Da água fornecida aostrabalhadores

A água consumida pelos traba-lhadores não tem qualquer tratamen-

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to, sendo imprópria para o uso do-méstico, retirada de cacimbas eacondicionada em recipientes rea-proveitados de produtos ignorados.Alguns trabalhadores consomemágua retirada de açudes.

Destarte, transgredida a NR-24que determina que em todos os locaisde trabalho deverá ser fornecida aostrabalhadores, água potável, em con-dições higiênicas, sendo proibido ouso de recipientes coletivos — subi-tem 24.7.1 —, devendo ter um bebe-douro para cada 50 empregados.

2.10.3. Da inexistência de abrigospara proteção contraintempéries

Também foi apurado que nãohá no local de trabalho abrigo paraproteger os trabalhadores do réucontra as intempéries.

Desse modo, verifica-se a vio-lação da NR-21 que dispõe:

21.1 Nos trabalhos realizadosa céu aberto, é obrigatória a exis-tência de abrigos, ainda que rús-ticos, capazes de proteger os tra-balhadores contra intempéries.(121.001-7/I1)

2.10.4. Das refeições

Ainda, comprovado durante aação fiscal que os empregados doréu fazem suas refeições sentadosno chão ou de pé, sem que haja

local adequado para as refeições,contrariando o disposto na NR-24,item 24.6.1, que dispõe:

24.6. Condições de higiene econforto por ocasião das refeições.

24.6.1. As empresas urbanase rurais, que possuam emprega-dos regidos pela Consolidaçãodas Leis do Trabalho — CLT, e osórgãos governamentais devemoferecer a seus empregados eservidores condições de confor-to e higiene que garantam refei-ções adequadas por ocasião dosintervalos previstos na jornada detrabalho. (124.141-9/ I)

Desse modo, postula este Par-quet que o réu seja condenado a for-necer alojamentos, instalações sa-nitárias e água potável e condiçõesde trabalho adequados aos trabalha-dores, nos termos das NR-21 e 24da Portaria n. 3.214/78, em especial,nas obrigações seguintes:

a) oferecer aos seus emprega-dos e/ou suas famílias somentealojamentos que apresentem ade-quadas condições sanitárias comparedes construídas em alvenariade tijolo comum, em concreto emadeira, pisos impermeáveis,laváveis e de acabamento áspe-ro, devendo impedir a entrada deumidade e emanações e não de-vendo apresentar ressaltos e sa-liências, com a cobertura deve terestrutura de madeira ou metálica,com as telhas de barro ou de fibro-cimento, e com instalações sani-tárias e os bebedouros integrandodo alojamento;

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b) abster-se de oferecer, emqualquer hipótese, moradia cole-tiva aos seus empregados e suasfamílias;

c) fornecer aos trabalhadores,água potável, em condições higiê-nicas, proibindo o uso de recipi-entes coletivos, devendo ter umbebedouro para cada 50 empre-gados;

d) nos trabalhos realizados acéu aberto, oferecer abrigos, ain-da que rústicos, capazes de pro-teger os trabalhadores contra in-tempéries;

e) oferecer a seus empregadoscondições de conforto e higieneque garantam refeições adequa-das por ocasião dos intervalosprevistos na jornada de trabalho.

2.11. Do trabalho de menor de 16anos

A Constituição Federal, em seuart. 7º, inciso XXXIV, proíbe a con-tratação do menor de 16 anos paraqualquer trabalho, exceto na condi-ção de aprendiz.

Desse modo, deve o réu sercondenado a abster-se de contratarmenor de 16 anos para trabalhar emrazão da comprovação de trabalha-dor menor de 16 (dezesseis) anos.

DO PEDIDO LIMINAR,INAUDITA ALTERA PARS

O pedido liminar tem esteio noart. 12 da Lei n. 7.347/85 e autorizao Juízo nos próprios autos da ação

civil pública determinar que o réu ime-diatamente regularize seu procedi-mento. Esta medida é essencial emvista do propósito da presente de-manda que, para regularizar as re-lações de trabalho, visa a obstar oprocedimento do réu de se utilizarde trabalho forçado e de manter ostrabalhadores em situação análogaà de escravo, impedindo-os de seausentar do local da prestação deserviços e não remunerando-os peloseu trabalho. Ademais, o réu subme-te seus empregados a condiçõesprecárias de vida e de trabalho, nãolhes fornecendo atendimento emcaso de acidente de trabalho, aloja-mento adequado, água potável oumesmo o instrumento necessário àexecução normal do trabalho.

O periculum in mora está evi-denciado pelos fundamentos fáticosacima citados, que, por si só de-monstram o perigo da demora datutela jurisdicional uma vez que ostrabalhadores estão submetidos acondições desumanas e degradan-tes, estando expostos constante-mente a riscos à sua integridade fí-sica e à sua saúde.

Ademais, é patente o fumusboni iuris, vez que os trabalhadoresestão tendo os seus direitos funda-mentais constitucionais lesados, den-tre eles, o direito de ir e vir (art. 5º,XV), o direito a tratamento digno (art.5º, III), o direito à saúde e ao traba-lho (art. 6º), o direito à proteção dosalário (art. 7º, X) e o direito a meioambiente de trabalho saudável (art.7º, XXII), como também as normasmínimas de proteção ao trabalho, àsaúde e ao salário desrespeitadas,como já exposto anteriormente.

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Dessa forma, requer seja de-ferida liminar, sem oitiva da partecontrária, com base no art. 12 da Lein. 7.347/85, com o fito de que o réuseja condenado a imediatamente:

Obrigações de não fazer

a) abster-se de impedir os tra-balhadores de exercer o direitoconstitucional de ir e vir, omitin-do-se, em especial, de reter apessoa do empregado no local detrabalho ou em serviço por contade “eventuais” dívidas;

b) abster-se de exigir o traba-lho forçado de seus empregados,qual seja, aquele realizado sob aameaça de sanção e para o qualnão tenha espontaneamente seapresentado;

c) abster-se de aliciar trabalha-dores, diretamente ou por intermé-dio de terceiros, de um local paraoutro do território nacional;

d) abster-se de contratar tra-balhadores com intermediação deterceiros, para atividade-fim;

e) abster-se de contratar me-nores de 16 (dezesseis) anospara trabalhar;

f) abster-se de efetuar descon-tos salariais, salvo nas hipótesesdo art. 9º da Lei n. 5.889/70, ad-mitindo-se desconto em decorrên-cia da alimentação somente quan-do fornecida pelo próprio réu, edesde que observado, rigorosa-mente, inclusive quanto à qualida-de e quantidade do alimento, o dis-posto na alínea b, § 1º do referidodispositivo retrocitado;

g) abster-se de transportar tra-balhadores em veículos sem con-dições de segurança;

h) abster-se de oferecer, emqualquer hipótese, moradia cole-tiva aos seus empregados e suasfamílias;

Obrigações de fazer

i) efetuar o registro da CTPSde seus empregados, nos termosdo art. 29 da Consolidação dasLeis do Trabalho e efetuar o re-gistro dos empregados em livro,ficha ou sistema eletrônico, con-soante o art. 41 do mesmo diplo-ma legal;

j) efetuar o pagamento dossalários dos seus empregadosaté o quinto dia útil do mês sub-seqüente ao laborado, nos termosdo art. 459 da Consolidação dasLeis do Trabalho;

k) efetuar o pagamento, comoremuneração mínima, do saláriomínimo;

l) recolher o FGTS de todos osseus empregados no prazo pre-visto em lei;

m) fornecer os materiais ne-cessários à prestação de primei-ros socorros;

n) fornecer água potável ade-quada ao consumo e em condi-ções higiênicas aos trabalhadores,nos termos da NR-24, subitem24.7.1, da Portaria n. 3.214/78;

o) fornecer, em prazo a ser fi-xado pelo juízo, gratuitamente osinstrumentos de trabalho necessá-rios à execução dos serviços exi-

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gidos ao empregado, durante todoo contrato de trabalho, com a com-provação nos autos do forneci-mento;

p) fornecer alojamentos e ins-talações sanitárias adequadasaos trabalhadores e/ou suas fa-mílias, no prazo máximo de 90dias, nos termos das NRs-21 e 24da Portaria n. 3.214/78;

q) nos trabalhos realizados acéu aberto, oferecer abrigo, ain-da, que rústicos, capazes de pro-teger os trabalhadores contra in-tempéries;

r) oferecer a seus empregadoscondições de conforto e higieneque garantam refeições adequa-das por ocasião dos intervelosprevistos na jornada de trabalho.

Em caso de descumprimento,o réu incorrerá no pagamento demulta diária de R$ 1.000,00 (um milreais), por trabalhador em situaçãoirregular, por cada item descumpri-do, reversíveis ao Fundo de Amparoao Trabalhador, nos termos do art.13 da Lei n. 7.347/85.

Do pedido final

Finalmente, requer o Ministé-rio Público do Trabalho, em julga-mento definitivo, a procedência totalda ação para que seja o réu conde-nado ao cumprimento das seguintesobrigações:

Obrigações de não fazer

a) abster-se de impedir os tra-balhadores de exercer o direito

constitucional de ir e vir, omitin-do-se, em especial, de reter apessoa do empregado no local detrabalho ou em serviço por contade “eventuais” dívidas;

b) abster-se de exigir o traba-lho forçado de seus empregados,qual seja aquele realizado sob aameaça de sanção e para o qualnão tenha espontaneamente seapresentado;

c) abster-se de aliciar trabalha-dores, diretamente ou por inter-médio de terceiros, de um localpara outro do território nacional;

d) abster-se de contratar tra-balhadores com intermediação deterceiros, para atividade-fim;

e) abster-se de contratar me-nores de 16 (dezesseis) anospara trabalhar;

f) abster-se de efetuar descon-tos salariais, salvo nas hipótesesdo art. 9º da Lei n. 5.889/70, ad-mitindo-se desconto em decorrên-cia da alimentação somente quan-do fornecida pelo próprio réu, edesde que observado, rigorosa-mente, inclusive quanto à qualida-de e quantidade do alimento, o dis-posto na alínea b, § 1º do referidodispositivo retrocitado;

g) abster-se de promover otransporte de trabalhadores emveículos sem condições de segu-rança;

h) abster-se de oferecer, emqualquer hipótese, moradia cole-tiva aos seus empregados e suasfamílias;

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Obrigações de fazer

i) efetuar o registro da CTPSde seus empregados, nos termosdo art. 29 da Consolidação dasLeis do Trabalho e efetuar o re-gistro dos empregados em livro,ficha ou sistema eletrônico, con-soante o art. 41 do mesmo diplo-ma legal;

j) efetuar o pagamento dossalários dos seus empregadosaté o quinto dia útil do mês sub-seqüente ao laborado, nos termosdo art. 459 da Consolidação dasLeis do Trabalho;

k) pagar, como remuneraçãomínima, o salário mínimo a todosos seus empregados;

l) recolher o FGTS de todos osseus empregados no prazo pre-visto em lei;

m) fornecer, gratuitamente, oequipamento de trabalho neces-sário à operacionalização da ati-vidade exigida ao empregado du-rante todo o contrato de trabalho,fiscalizando o seu efetivo uso;

n) fornecer os materiais ne-cessários à prestação de primei-ros socorros;

o) fornecer alojamentos e ins-talações sanitárias adequadasaos trabalhadores e/ou suas fa-mílias, nos termos das NRs-21 e24 da Portaria n. 3.214/78;

p) nos trabalhos realizados acéu aber to, oferecer abr igos,ainda que rústicos, capazes deproteger os trabalhadores con-tra intempéries;

q) oferecer a seus empregadoscondições de conforto e higieneque garantam refeições adequa-das por ocasião dos intervalosprevistos na jornada de trabalho;

r) fornecer água potável ade-quada ao consumo e em condi-ções higiênicas aos trabalhadores,nos termos da NR-24, subitem24.7.1, da Portaria n. 3.214/78.

Em caso de descumprimento,requer-se a aplicação da pena depagamento de multa de R$ 1.000,00(hum mil reais), por trabalhador en-contrado em situação irregular, porcada item descumprido, reversíveisao Fundo de Amparo ao Trabalha-dor, nos termos do art. 13 da Lei n.7.347/85.

Pleiteia a notificação do réupara que compareça à audiência deconciliação e julgamento, a ser de-signada, e, querendo, apresentedefesa, sob as penas legais.

Requer, ainda, a produção detodos os meios de prova que se fizeremnecessários, postulando principal-mente a realização de perícia técni-ca para apurar as condições desegurança e higiene do local de tra-balho.

Pede, também, a teor do dis-posto no art. 84, IV, da LC n. 75/93,seja o Órgão do Ministério Públicoque este subscreve notificado pes-soalmente das decisões proferidaspor V. Exa., no endereço da Procu-radoria Regional do Trabalho da 16ªRegião, indicado no preâmbulo.

No que pertine a custas e de-pósitos processuais, enfatiza a isen-ção que assiste ao Ministério Públi-

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co, invocando, outrossim, as dispo-sições do art. 18 da Lei n. 7.347/85,e arts. 19, § 2º e 27 do CPC.

Dá-se à causa o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) para finsfiscais.

Termos em que,Pede deferimento.São Luís, 4 de setembro de

2002.Márcia Andrea Farias Silva,

Procuradora do Trabalho. MauricioPessoa Lima, Procurador do Traba-lho. Roberto Magno Peixoto Morei-ra, Procurador Regional do Trabalho,Procurador-Chefe. Virgínia de A. N.Saldanha, Procuradora do Trabalho.

1 — Cláudia Márcia RibeiroBrito. Auditora Fiscal do Trabalho.Coordenadora da Fiscalização Móvel— Região 04. Endereço: Secretariade Fiscalização do Trabalho — SEFIT,Ministério do Trabalho, Esplanadados Ministérios, Bl. “F”, Anexo, 1º an-dar, Ala “B”, Brasília — DF, CEP70059-900, fone 061-323-7853.

2 — Celso Roberto Dantas.Auditor Fiscal do Trabalho. Engenhei-ro do Trabalho. Endereço: Secreta-ria de Fiscalização do Trabalho —SEFIT, Ministér io do Trabalho,Esplanada dos Ministérios, Bl. “F”,Anexo, 1º andar, Ala “B”, Brasília —DF, CEP 70059-900.

3 — Virna Soraya Damasceno.Auditor Fiscal do Trabalho. Endere-ço: Secretaria de Fiscalização doTrabalho — SEFIT, Ministério do Tra-balho, Esplanada dos Ministérios, Bl.“F”, Anexo, 1º andar, Ala “B”, Brasília— DF, CEP 70059-900.

Rol de testemunhas:* Intimações necessárias na forma do§ 2º do art. 412 do CPC.

Processo n. 612/2002 — AçãoCivil Pública

Autor: Ministério Público doTrabalho

Réu: Inocêncio Gomes de Oli-veira

Vistos etc.

RELATÓRIO

Ministério Público do Trabalho,por seus procuradores que subscre-veram a petição inicial (fls. 02/25),ajuizou Ação Civi l Públ ica, emdesfavor de Inocêncio Gomes deOliveira, CPF n. 001.776.014-34, RGn. 418.569-SSP-PE, residente e do-miciliado na Rua Inocencio Gomesde Andrada, n. 602, Centro, em Ser-ra Talhada, Pernambuco, CEP56900-00, este proprietário da Fa-zenda Caraíbas, no Povoado Espíri-to Santo, Município de Dom Pedro,deste Estado. A petição inicial veioinstruída com uma fita VHS conten-do matéria veiculada pela TV Pionei-ra de Teresina-PI (fls.26), relatórioproduzido pela Inspeção do Traba-lho — Grupo Móvel da Região 04,em virtude de fiscalização realizadana Fazenda Caraíbas, de proprieda-de do réu (fls. 27/262), outros docu-mentos (fls. 263/275) e Autos de In-fração lavrados por Auditores Fiscaisdo Trabalho (fls. 277/288), com pe-dido liminar, inaudita altera pars, nosentido de que o réu seja condena-do imediatamente a Obrigações denão fazer e Obrigações de fazer, naforma especificada na exordial.

É o relatório.

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FUNDAMENTAÇÃO

Com efeito, a ação civil públi-ca tem por objetivo proteger os bensconsiderados de importância espe-cial para a sociedade, de modo quesejam responsabi l izados todosaqueles que atentarem, de algumaforma, contra esses bens ou em ra-zão do cometimento de infrações àordem econômica ou de qualqueroutro interesse difuso ou coletivo,nos termos da legislação pertinente(art. 129, III, da Constituição Fede-ral; Leis ns. 7.347/85 e 8.078/90,bemassim Lei Complementar n. 75/93).

DO PEDIDO DE LIMINAR,INAUDITA ALTERA PARS

Constituem pressupostos es-pecíficos e necessários para con-cessão de qualquer medida caute-lar a presença conjugada do fumusboni iuris (a aparência de bom di-reito) e do periculum in mora (peri-go na demora).

Em verdade, os autos estãorecheados de informações a respei-to da ocorrência de aliciamento e ex-ploração de trabalhadores, bem as-sim, descumprimento total das nor-mas de proteção ao trabalho, higie-ne, medicina e segurança do traba-lho por parte do réu, Inocêncio Go-mes de Oliveira, proprietário da Fa-zenda Caraíbas, situada no PovoadoEspírito Santo, Município de DomPedro, deste Estado e integrante dajurisdição desta Vara do Trabalho.Neste contexto se destaca a ação fis-cal empreendida naquele local pelaInspeção do Trabalho — Grupo Mó-

vel Região 4, em cujo relatório, ins-truído com fartos elementos (fls. 27/262), permite que se firme convicçãode que realmente vem ocorrendo,com habitualidade, as infrações es-pecificadas, com bastante clareza, napetição inicial e ratificadas em virtu-de dos Autos de Infração (fls. 277/228) lavrados pelos Auditores Fiscaisdo Trabalho responsáveis pela aludi-da ação fiscal.

Diante de todo exposto e porvislumbrar a presença dos requisi-tos básicos para concessão da me-dida judicial requerida, defere-se opedido liminar, inaudita altera pars,determinando que o réu de imedia-to, cumpra com as obrigações deNão fazer e Obrigações de fazer, nosprecisos termos da petição inicial,posto que todas elas, tanto as obri-gações de não fazer como as de fa-zer, envolvem matérias disciplinadasna legislação pátria que trata da pro-teção ao trabalho.

CONCLUSÃO

Isto posto e mais que dos au-tos constam, decide-se deferir o pe-dido de liminar requerida pelo Minis-tério Público do Trabalho, sem noti-ficação prévia da parte, condenan-do o réu, Inocêncio Gomes de Oli-veira, RG n. 418.569-SSP-PE e CPFn. 001.776.014-34, proprietário daFazenda Caraíbas, situada no Povoa-do denominado Espírito Santo, Mu-nicípio de Dom Pedro — Mara-nhão ao cumprimento, de imediatodas obrigações de não fazer: abster-se de impedir os trabalhadores deexercer o direito constitucional de ir

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e vir, omitindo-se, em especial, dereter a pessoa do empregado no lo-cal de trabalho ou em serviço porconta de “eventuais” dívidas; — abs-ter-se de exigir o trabalho forçado deseus empregados, qual seja, aque-le realizado sob a ameaça de san-ção e para o qual não tenha espon-taneamente se apresentado; — abs-ter-se de aliciar trabalhadores, dire-tamente ou intermédio de terceiros,de um lado para outro do territórionacional; — abster-se de contratartrabalhadores com intermediação deterceiros, para atividade-fim; — abs-ter-se de contratar menores de 16(dezesseis) anos para trabalhar; —abster-se de efetuar descontos sa-lariais nas hipóteses do art. 9º da Lein. 5.888/70, admitindo-se descontoem decorrência da alimentação so-mente quando fornecida pelo próprioréu e desde que observado, rigoro-samente, inclusive quanto à qualida-de e quantidade do alimento, o dispos-to na alínea b, § 8º do referido dispo-sitivo citado; — abster-se de trans-portar trabalhadores em veículossem condições de segurança; — eabster-se de oferecer, em qualquerhipótese, moradia coletiva aos seusempregados e suas famílias; e dasobrigaçoes de fazer: efetuar o regis-tro da CTPS de seus empregados,nos termos da art. 29 da Consolida-ção das Leis da Trabalho e efetuar oregistro dos empregados em livro,ficha ou sistema eletrônico, conso-ante o art. 41 do mês mesmo diplo-ma legal; — efetuar o pagamento dossalários dos seus empregados até oquinto dia útil do mês subseqüenteao laborado, nos termos do art. 450da Consolidação das Leis do Traba-

lho; — efetuar o pagamento, comoremuneração mínima, do salário mí-nimo; — recolher o FGTS de todosos empregados no prazo previsto emlei; — fornecer os materiais neces-sários à prestação de primeiros so-corros; — fornecer água potável ade-quada ao consumo e em condiçõeshigiênicas aos trabalhadores, nostermos da NR-24, subitem 24.7.1, daPortaria n. 3.214/78; fornecer, emtrinta dias, gratuitamente os instru-mentos de trabalho necessários àexecução dos serviços exigidos aoempregado, durante todo contrato detrabalho, com a comprovação do for-necimento; — fornecer alojamentose instalações sanitárias adequadasaos trabalhadores e/ou suas famíli-as, no prazo de 90 (noventa) dias,nos termos das NR’s-21 e 24 e Por-taria n. 3.214/78; fornecer abrigo,ainda, que rústico, para proteger astrabalhadores contra intempéries,quando envolver trabalhos realiza-dos a céu aberto; — e oferecer aseus empregados condições deconforto e higiene que garantamrefeições adequadas por ocasiãodos intervalos previstos na jomadade trabalho.

Fixa-se multa diária equivalen-te ao valor de R$ 1.000,00 (hum milreais), até o limite de R$ 1.000.000,00(hum milhão de reais), revertida emfavor do Fundo de Amparo ao Tra-balhador — FAT, nos termos da Lei7.347/85, em caso de descumpri-mento de quaisquer das obrigaçõesantes especificadas.

Designa-se audiência para ins-trução e julgamento do feito para as10:00 horas do dia 29 de novembrode 2002.

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Notifique-se o réu, via cartaprecatória, para o endereço indica-do na inicial, na Rua Inocêncio Go-mes de Andrada, n. 602, Centro,Serra Talhada — Pernambuco, envi-ando ao mesmo, além da presentedecisão, uma via da petição inicial.

Notifique-se o Ministério Pú-blico do Trabalho, com endereço naAv. Marechal Castelo Branco, n.657, São Francisco, em São Luís— Maranhão.

Oficie-se ao ExcelentíssimoSenhor Ministro do Trabalho paraautorizar os Auditores Fiscais: Cláu-dia Márcia Ribeiro Brito, Coordena-

dora da Fiscalização Móvel — Região04; Celso Roberto Dantas e VirnaSoraya Damasceno, todos lotadosnaquele Ministério, em Brasília, a sefazerem presentes à audiência nacondição de testemunhas arroladaspelo Ministério Público do Trabalho,com cópia desta decisão.

Por fim, envie-se cópia da pre-sente ao Senhor Delegado Regionaldo Trabalho no Maranhão.

Barra do Corda(MA), 26 desetembro de 2002.

Inácio de Araújo Costa, JuizTitular.

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PROTOCOLO DE PROCEDIMENTOS CONJUNTOS— ALICIAMENTO, TRÁFICO, TRANSPORTE

IRREGULAR E EXPLORAÇÃO DE TRABALHADORES(PRT 22ª REGIÃO)

Dispõe sobre procedimentosconjuntos a serem adotados para ocombate ao aliciamento, tráfico etransporte irregular de trabalhadorese à exploração do trabalho forçadoe/ou em condições degradantes.

O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional do Tra-balho/22ª Região, o Ministério doTrabalho e Emprego — DelegaciaRegional do Trabalho no Piauí, oMinistério Público do Estado doPiauí, a Superintendência Regionaldo Departamento de Polícia Federalno Estado do Piauí, a Superinten-dência Regional do Departamentode Polícia Rodoviária Federal noEstado do Piauí, a Companhia dePoliciamento Rodoviário do Estadodo Piauí, a Secretaria ao Trabalho eAção Comunitária do Estado doPiauí, a Associação Piauiense deMunicípios, e a Federação dos Tra-balhadores na Agricultura do Estadodo Piauí, no âmbito de suas respec-tivas competências,

Considerando a necessidadede coibir a prática de todas as for-mas degradantes de exploração dotrabalho e assegurar o respeito aos

direitos sociais e trabalhistas, bemcomo garantir a segurança dos tra-balhadores e de suas famílias;

Considerando a necessidade deurgente integração entre os diversosórgãos e entidades envolvidos para aadoção de medidas de cunho osten-sivo que visem à prevenção e ao com-bate ao aliciamento, tráfico e transpor-te irregular de trabalhadores rurais eà exploração do trabalho forçado e/ouem condições degradantes;

Considerando que a complexi-dade da situação exige o estabele-cimento de mecanismos mais ade-quados de ação;

Considerando que, além docunho eminentemente trabalhista, otrabalho em condições degradantese o deslocamento de trabalhadoresenvolvem aspectos sociais, econô-micos, criminais e ambientais, entreoutros;

Considerando que a Lei n.9.777, de 29 de dezembro de 1998prevê pena de detenção de um a trêsanos para quem recrutar trabalhado-res fora da localidade de execução dostrabalhos, mediante fraude ou cobran-

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ça de qualquer quantia do trabalha-dor, ou, ainda, não assegurar condi-ções de retorno ao local de origem;

Considerando que cabe aoMinistério Público do Trabalho, en-tre outras atribuições, defender aordem jurídica trabalhista, os interes-ses difusos, coletivos e individuaisindisponíveis, e, ainda, implementar,através da PRT — 22ª Região, noEstado do Piauí, o Termo de Com-promisso firmado em 8.11.1994,pelo MTb, MPF, MPT e SPF;

Considerando que ao Ministé-rio do Trabalho e Emprego, atravésdas DRTs, a quem compete a fisca-lização das condições de trabalho ede segurança e saúde do trabalha-dor, também cumpre exigir e exami-nar documentação a ser apresenta-da pelo empregador que pretendaefetuar deslocamento de trabalhado-res de uma localidade para outra,expedindo “Certidão Liberatória”,desde que comprovada a contrata-ção regular, nos termos definidospela Instrução Normativa n. 1, doMinistério do Trabalho, de 24 demarço de 1994, que versa sobre osprocedimentos da inspeção do tra-balho na zona rural;

Considerando que ao Ministé-rio Público do Estado incumbe a de-fesa da ordem jurídica, do regimedemócrático e dos interesses sociaise individuais indisponíveis;

Considerando que é da atribui-ção do Departamento de Polícia Fe-deral apurar infrações penais contraa ordem política e social ou em de-trimento de bens, serviços e interes-ses da União ou de suas entidades

autárquicas e empresas públicas,assim como outras infrações cujaprática tenha repercussão interesta-dual ou internacional e exija repres-são uniforme, segundo se dispuserem lei; prevenir ou reprimir o tráficoilícito de entorpecentes e drogasafins, o contrabando e o descami-nho, sem prejuízo da ação fazendá-ria e de outros órgãos públicos nasrespectivas áreas de competência;

Considerando ao Departamen-to de Polícia Rodoviária Federal sãoatribuídas, dentre outras, as compe-tências de colaborar e atuar na pre-venção e repressão aos crimes con-tra a vida, os costumes, o patrimô-nio e demais crimes previstos em leise, ainda, efetuar a fiscalização e ocontrole do tráfico de menores nasRodovias Federais;

Considerando que a Compa-nhia de Policiamento Rodoviário Es-tadual efetua a fiscalização de veí-culos e condutores no tocante à do-cumentação de porte obrigatório ea qualquer ilícito penal constatadono ato da abordagem nas RodoviasEstaduais;

Considerando que cabe à Se-cretaria do Trabalho e Ação Comu-nitária possibilitar a geração de em-prego, ocupação e renda, identificaros desequilíbrios existentes no mer-cado de trabalho, com a finalidadede estabelecer medidas que possi-bilitem a sua organização, incentivara empregabilidade e prestar apoiopara que os trabalhadores possamter mais e melhores empregos e con-dições para o enfrentamento dasquestões do emprego no mundo detrabalho;

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Considerando que a Associa-ção Piauiense de Municípios temcomo objetivos, dentre outros, a con-gregação dos municípios do Estado,a difusão e a promoção do estudode problemas de interesse local egeral e manter serviços de consultae assistência jurídica e administrati-va aos municípios, promovendo en-tendimentos para a solução dos pro-blemas comuns;

Considerando que à Federa-ção dos Trabalhadores na Agricultu-ra cabe a defesa dos direitos e inte-resses coletivos ou individuais dacategoria, colaborando com o poderpúblico para o desenvolvimento dasolidariedade social;

Resolvem firmar o presenteprotocolo, visando à implementaçãode ações integradas que objetivemgarantir a dignidade do trabalhadorrural, o combate ao tráfico de traba-lhadores e a exploração de mão-de-obra em condições degradantes ouanálogas à escravidão, nos seguin-tes termos:

1. Cabe ao Ministério Públicodo Trabalho:

1.1. utilizar os instrumentoslegais de sua atuação em prol dosobjetivos do presente Protocolo,especialmente o Inquérito Civil eoutros procedimentos administra-tivos e/ou a propositura da açãocivil pública, ação civil coletiva eoutras ações necessárias aoexercício de suas funções institu-cionais, no âmbito da Justiça doTrabalho no Estado do Piauí;

1.2. notificar os responsáveispelo desrespeito aos direitos dos

trabalhadores, para que tomemas providências necessárias paraprevenir a repetição ou para ces-sação do desrespeito verificado;

1.3. adotar as providências noart. 8º, incisos I a IX, da Lei Com-plementar n. 75/93, quais sejam:

a) notificar testemunhas e re-quisitar sua condução coercitiva,no caso de ausência injustificada;

b) requisitar informações, exa-mes, perícias e documentos deautoridades da AdministraçãoPública direta ou indireta;

c) requisitar da AdministraçãoPública serviços temporários deseus servidores e meios materiaisnecessários para a realização deatividades específicas;

d) requisitar informações e do-cumentos a entidades privadas;

e) realizar inspeções e diligên-cias investigatórias;

f) ter livre acesso a qualquerlocal público ou privado, respei-tadas as normas constitucionaispertinentes à inviolabilidade dodomicílio;

g) expedir notificações e intima-ções necessárias aos procedi-mentos e inquéritos que instaurar;

h) ter acesso incondicional a“qualquer banco de dados de ca-ráter público ou relativo a serviçode relevância pública;

i) requisitar o auxílio de forçapolicial;

1.4. informar aos órgãos signa-tários deste Protocolo sobre os

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procedimentos instaurados, bemcomo sobre as ações propostaspelo MPT, cientificando-os, quan-do solicitado, sobre as medidasadotadas em cada caso;

1.5. manter contatos com ou-tras Procuradorias Regionais doTrabalho, sediadas nos Estadospor onde transitem, para onde sedestinem ou onde se achem ex-plorados trabalhadores aliciadosou transportados irregularmentedo Estado do Piauí, visando àsolução do desrespeito às nor-mas trabalhistas.

2. Cabe à Delegacia Regionaldo Trabalho no Piauí:

2.1. adotar as providências defiscalização sempre que tomarconhecimento da ameaça ou efe-tivação das irregularidades obje-to deste Protocolo, ou quandosolicitado pelos demais signatá-rios, com absoluta prioridade;

2.2. acompanhar e coadjuvaros demais signatários nas diligên-cias e investigações que proce-derem, sempre que solicitado,adotando as medidas legais desua competência;

2.3. informar aos demais sig-natários sobre o resultado dasprovidências que lhe forem soli-citadas;

2.4. zelar, especificamente,para que sejam apreendidos osveículos que irregularmentetransportem trabalhadores, comu-nicando à Polícia Rodoviária Fe-deral e/ou Companhia de Policia-

mento Rodoviário Estadual, paraas providências de suas respec-tivas competências;

2.5. verificar a regularidade dacontratação de trabalhadores paraprestar serviços em localidade di-versa da sua origem, em especialaqueles que estejam sendo trans-portados coletivamente, exigindodo empregador a assinatura dasCTPS, contrato escrito que disci-pline a duração do trabalho, salá-rio, alojamento, alimentação e con-dições de retorno à localidade deorigem do trabalhador, expedindo,conforme o caso, e nos termos daInstrução Normativa Intersecrea-tarial n. 1/94, a competente Certi-dão Liberatória;

2.6. providenciar para que se-jam satisfeitos os direitos traba-lhistas dos trabalhadores encon-trados em situação descrita noobjeto deste Protocolo, ao seremdevolvidos aos respectivos locaisde origem;

2.7. providenciar a comunica-ção, devidamente instruída, aoINCRA ou outro órgão competen-te, da constatação de exploraçãode mão-de-obra em condiçõesdegradantes, para fins de desa-propriação das terras, nos termosdo artigo 2º, § 1º e artigo 9º, III eIV e §§ 4º e 5º da Lei n. 8.629, de25.2.93.

3. Cabe ao Ministério Públicodo Estado do Piauí:

3.1. comunicar ao MPT o teorde todas as denúncias e repre-sentações que lhe sejam formu-

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ladas, para conhecimento e ado-ção das providências que enten-der necessárias, relacionadascom o objeto deste Protocolo;

3.2. facultar a utilização dasinstalações físicas e equipamen-tos das Promotorias nas Comar-cas do interior do Estado do Piauí,para uso funcional pelos mem-bros do MPT;

3.3. solicitar a atuação dosdemais signatários para providên-cias da alçada de cada um que,por sua natureza, estejam afetasao objeto deste Protocolo;

3.4. utilizar os instrumentoslegais de sua atuação em prol dasatisfação dos objetivos do pre-sente Protocolo, especialmente oinquérito civil e outros procedi-mentos administrativos de suacompetência, a propositura deações penais e/ou civis públicas,além de outras necessárias per-tinentes ao exercício de suas fun-ções institucionais e relacionadascom a competência da JustiçaEstadual comum.

4. Cabe ao Departamento dePolícia Federal:

4.1. adotar providências de re-pressão sempre que tomar co-nhecimento de violação de direi-tos assegurados aos trabalhado-res, ou quando houver solicitaçãodos demais signatários;

4.2. acompanhar e coadjuvaros demais signatários nas diligên-cias e investigações que proce-derem, sempre que solicitado,

adotando as medidas legais ca-bíveis, dentro da respectiva áreade atuação;

4.3. informar aos demais sig-natários sobre o resultado dasações que lhe forem especifica-mente solicitadas;

4.4. articular-se com os órgãospoliciais estaduais visando à ins-tauração de inquérito policial,quando o assunto exceder suasatribuições;

4.5. organizar e manter umcadastro criminal específico, comdados empresariais e pessoais deinteresse dos signatários do pre-sente Protocolo.

5. Cabe ao Departamento dePolícia Rodoviária Federal:

5.1. apreender os veículos, nasrodovias sob sua fiscalização, quetransportem trabalhadores irregu-larmente, isto é, sem a devida“Certidão Liberatória” expedidapela DRT, comunicando, imediata-mente, aos demais signatários.

6. Cabe à Companhia de Poli-ciamento Rodoviário Estadual:

6.1. apreender os veículos,nas rodovias e vias sob a sua fis-calização, que transportem tra-balhadores irregularmente, istoé, sem a devida “Certidão Libe-ratória” expedida pela DRT, co-municando, imediatamente, aosdemais signatários.

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7. Cabe à Secretaria de Traba-lho e Ação Comunitária do Estadodo Piauí:

7.1. A adoção de políticas defixação do homem no campo,como a geração de emprego e ren-da, o franqueamento de cursos deprofissionalização agrícola e pecuá-ria, de modo a desestimular aemigração de trabalhadores;

7.2. estimular o desenvolvi-mento das potencialidades regio-nais, como o turismo, a agricul-tura, fruticultura, piscicultura, pe-cuária, mineração, artesanato eoutros;

7.3. providenciar para que se-jam abrigados e alimentados ostrabalhadores encontrados em si-tuação de tráfico irregular, até quesejam encaminhados ao localapropriado.

8. Cabe à Associação Piauien-se dos Prefeitos Municipais:

8.1. Agir perante seus associa-dos para que promovam campa-nhas de esclarecimento junto àscomunidades locais, visando aevitar o aliciamento de trabalhado-res, bem assim para que denunci-em as irregularidades que se pre-nunciem, particularmente a presen-ça de aliciadores (“gatos”), aossignatários deste instrumento;

8.2. interferir junto a seus as-sociados para que adotem políti-cas econômico-sociais visando àfixação do homem no seu local ouno campo;

8.3. estimular seus associadospara que implementem campa-nhas de fornecimento de docu-mentos básicos aos munícipes,especialmente os trabalhadorescarentes, compreendendo regis-tro de nascimento, carteira de tra-balho e carteira de identidade,sem ônus, inclusive quanto às fo-tografias necessárias, buscandoconvênio com outros órgãos com-petentes;

8.4. incentivar, através de seusassociados, a ampla discussãocom a sociedade piauiense,disponibilizando-lhe informações,de modo a alertar e prevenir atodos os trabalhadores piauien-ses sobre o risco da exploraçãoda mão-de-obra em condiçõesdegradantes, principalmente nosem que seu deslocamento é exi-gido, sem que lhes sejam con-cedidas as mínimas garantias so-ciais, como a assinatura da CTPS;

8.5. Intervir junto aos seus as-sociados para que providenciemalimentação e abrigo aos traba-lhadores encontrados em situa-ção de tráfico irregular, até quesejam encaminhados ao localapropriado.

9. Cabe à Federação dos Tra-balhadores na Agricultura do Esta-do do Piauí:

9.1. denunciar aos demais sig-natários as irregularidades de quetiver conhecimento, objeto desteProtocolo, procurando identificar

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os responsáveis e os locais paraonde se dirijam ou se encontremos obreiros vitimados;

9.2. promover campanhas deesclarecimento aos trabalhadoresquanto às conseqüências do ali-ciamento e transporte irregular,bem como para lhes informar deseus direitos trabalhistas (cartei-ra assinada, pelo menos um sa-lário mínimo mensal, previdênciasocial, depósitos do FGTS, jorna-da de trabalho não superior a 44horas semanais, horas extras,equipamentos de segurança notrabalho, férias anuais, não des-conto de ferramentas, etc.).

DISPOSIÇÕES GERAIS

Comprometem-se as entida-des convenentes a elaborar diagnós-tico do aliciamento de mão-de-obrano Estado do Piauí, a partir de da-dos compilados desde o início davigência deste Protocolo, atualizadoperiodicamente, a fim de que os re-sultados possam ser analisados combase em dados concretos.

Estando assim acordados, fir-mam o presente instrumento em tan-tas vias quanto são os signatários,com prazo de vigência indeterminado.

Teresina, 14 de novembro de2001.

MPT — Procuradoria Regionaldo Trabalho/22ª Região

Av. Miguel Rosa, 2862/N —Centro

64000-480 Teresina/PI

Responsável: Dra. Evanna Soa-res — Procuradora-Chefe (988-3023)

Fone: (86) 221-9084 Fax: (86)223-9936

MTE — Delegacia Regional doTrabalho no Piauí

Av. Frei Serafim, 1860 — Centro

64001-020 Teresina/PI

Responsável: Dr. José LuizBorges Formiga Júnior — Delegado(986-0390)

Fones: (86) 222-0001/226-1715/221-7704 Fax: (86) 222-6124

Ministério Público do Estadodo Piauí

Rua Álvaro Mendes, 2294 —Centro

64000-060 Teresina/Pl

Responsável: Dr. Antônio Ivane Silva — Procurador Geral

Fone: (86) 222-5570/222-5585

SR/Departamento de PolíciaFederal

Av. Maranhão, 1022/N

64000-010 Teresina/PI

Responsável: Dr. FranciscoAírton Franco Filho — Superinten-dente Substituto

Fone: (86) 215-4900 Fax: 215-4911

SR/Departamento de PolíciaRodoviária Federal no Estado doPiauí

Av. João XXIII, 1516

64045-000 Teresina/PI

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Responsável: Inspetor Bernar-do José Carvalho Val — Superinten-dente Substituto.

Fone: (86) 233-1414/233-2322

Companhia de PoliciamentoRodoviário do Estado do Piauí

Responsável: Tenente NelsonOnédio Feitosa — Comandante daCPRv

Tenente Coronel Ernani Torre— Comandante do BPTRAN

Fone: (86) 226-5701

Secretaria do Trabalho e AçãoComunitária do Estado do Piauí

Av. Pedro Freitas, s/n. — Cen-tro Administrativo Teresina/PI

Responsável: Homero Caste-lo Branco — Secretário

Fone: (86) 218-1919 Fax: (86)218-1933

Associação Piauiense de Mu-nicípios — APPM

Av. Pedro Freitas, s/n.

64018-900 Teresina/PI

Responsável: José de AndradeMaia Filho — Presidente

Fone: (86) 211-0595 Fax: (86)211-0524

Federação dos Trabalhadoresna Agricultura do Estado do Piauí

Av. Frei Serafim, 1884 — Centro

64001-020 Teresina/PI

Responsável: Adonias Higinode Sousa — Presidente

Fone: (86) 222-8640 Fax: (86)222-8680

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NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA —TRANSPORTE INTERESTADUAL IRREGULAR DE

TRABALHADORES (PRT 22ª REGIÃO)

NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA N. 1133/2002EXMO. SR. DR. JOSÉ ALEXANDRE NOGUEIRA RESENDEDiretor-Geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres — ANTTSCS-Quadra 4, Bloco A, Ed. Vera Cruz — 1º andar70.304-913 — Brasília — DF

Senhor Diretor-Presidente

Conforme anexa fotocópia deRelatório de fiscalização realizadapela Delegacia Regional do Traba-lho e Emprego no Piauí (fls. 12 a 17),constatou-se que a Viação ItapemirinS/A está envolvida com o transporteinterestadual irregular de trabalhado-res, valendo-se de autorização paraviagem em regime de fretamento tu-rístico, sem que se tratem de passa-geiros ‘‘turistas’’, mas sim de traba-lhadores aliciados na cidade deAlcântaras/CE para Alto Araguaia/MT, em viagem com duração aproxi-mada de três dias, desprovidos dosregistros trabalhistas necessários etendo como alimentação, unicamen-te, um ‘‘frito’’, violando-se, inclusive,a proibição de embarque e desem-barque de passageiros durante opercurso, conforme arts. 35, II, e 36,§§ 1º e 5º, do Decreto n. 2.521/1998.

Incumbe a este Ministério Pú-blico do Trabalho zelar pela defesados direitos sociais dos trabalhado-res descritos nos arts. 61 a 81 daConstituição de 1988, como deter-mina a Lei Complementar n. 75/1993, arts. 83, III e 84, II, incluídasas boas e regulares condições detransporte, dever este que tem sidoposto em relevo na medida em queEstado do Piauí é um dos maiores‘‘expor tadores’’ de trabalhadorespara as Regiões Norte e Centro-Oes-te, onde são explorados, via regra,em condições análogas à escravi-dão. Neste Estado, também, devidoà intensa fiscalização realizada pelaPolícia Rodoviária — que trabalhaem conjunto com a fiscalização daDRT, com a Polícia Federal e comeste Ministério Público no combateao tráfico de trabalhadores — sãofreqüentemente interceptados ôni-bus conduzindo trabalhadores de

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outros Estados nordestinos para asreferidas Regiões — como se deu nocaso referenciado, em que os obrei-ros vinham do Ceará.

A mesma Lei Complementar,no art. 6º, XX, determina ao Ministé-rio Público que expeça ‘‘recomenda-ção’’ às autoridades públicas, avi-sando à melhoria dos serviços pú-blicos e de relevância pública, bemcomo ao respeito, aos interesses,direitos e bens cuja defesa lhe cabemover, fixando prazo razoável paraadoção das providências cabíveis’’.

Nos termos da Lei n. 10.233/2001, art. 26, cabe a essa diligenteANTT, responsável pelas permis-sões dos serviços de transporte ro-doviário interestadual de passagei-ros e pelas autorizações com a fina-lidade de turismo ou sob o regimede fretamento, fiscalizar o cumpri-mento das permissões e autoriza-ções, devendo coibir a prática deserviços de transporte de passagei-ros irregular (§ 6º).

No caso específico de trans-porte interestadual sob o regime defretamento eventual ou turístico (arts.35 e seguintes, do Decreto n. 2.521/1998), as infrações demandam a

aplicação de penalidade à transpor-tadora, mediante, é claro, prévio pro-cesso administrativo.

Considerando isso, notifica-seessa Agência Nacional de Transpor-tes Terrestres, na pessoa do Diretor-Geral, para recomendar que exerci-te suas incumbências legais e pro-videncie a instauração de processovisando à apuração da responsabi-lidade da Viação Itapemirin S/A como transporte irregular de trabalhado-res aliciados como se fossem ‘‘turis-tas’’, até final aplicação da penalida-de prevista em lei.

Esta recomendação deve seratendida imediatamente, comunican-do-se as providências preliminaresadotadas a este Ministério Públicodo Trabalho, no endereço indicadona nota abaixo, no prazo de 30 (trin-ta) dias, contado do recebimento,bem assim o resultado do processoadministrativo de apuração da infra-ção ora noticiada quando de suaconclusão.

Teresina (PI), 10 de dezembrode 2002.

Evanna Soares, ProcuradoraRegional do Trabalho.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — LIMINAR — PROIBIÇÃODE FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA POR

COOPERATIVA NO MEIO RURAL (PRT 24ª REGIÃO)

EXMO(A). SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA EGRÉGIAVARA CÍVEL DA COMARCA DE COSTA RICA-MS

O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional do Tra-balho da Vigésima Quarta Região,por intermédio do Procurador do Tra-balho infra-assinado, vem, respeito-samente, à presença de Vossa Ex-celência, com fundamento nos arti-gos 129, III, da Constituição da Re-pública, c/c. art. 5º, I, e III, e, bemcomo com art. 83, III e 6º, VII, d,todos da Lei Complementar n. 75/93e na Lei n. 7.347/85, com os acrés-cimos introduzidos pela Lei n. 8.078/90, promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COMPEDIDO DE LIMINAR

INAUDITA ALTERA PARS,

em face de:

1) COOPERTRACA — Coope-rativa dos Trabalhadores Rurais deCosta Rica, pessoa jurídica de direi-to pr ivado interno, por tadora doCNPJ/MF n. 03.710.784/0001-30,com sede à Chácara Ferreira, parteda Fazenda Taboca, bairro Vale doAmanhecer, Centro, em Costa Rica/MS, CEP 79550-000,

2) Ondino Ferreira Dias, brasi-leiro, casado, comerciante, com car-teira de identidade n. 000482586SSP/MS, por tador do CPF n.107.623.961-72, residente na RuaTércio Teixeira Machado, n. 1.565,Centro, na cidade de Costa Rica/MS,CEP 79550-000 (conforme fls. 65 doICP, anexo (Doc. 01) — ata de cons-tituição da Coopertraca) ou R. Cam-pos Sales, 61, em Costa Rica/MS(conforme fls. 447 do ICP anexo) —(Doc. 02) — termo de interrogatóriona Ação Penal 01.2169-3, da 2ª VaraCível e Criminal da Comarca de Cos-ta Rica/MS; e

3) Zelma Ferreira Dias, brasi-leira, solteira, tesoureira da 1ª ré,portadora do RG 528.611, SSP/MS,CPF 542.888.511-49, residente naR. Ambrosina Paes Coelho, n. 362,centro, em Costa Rica/MS, CEP79 550-000 (conforme ata de consti-tuição da cooperativa, às fls. 65 do ICP,anexo) — (Doc. 01) ou R. HismériaBorges Nunes, 560, Vila Nunes, Cos-ta Rica/MS (conforme fls. 445 do ICPanexo) — (Doc. 03) — termo de in-

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terrogatório da Ação Penal 01.2169-3, da 2ª Vara Cível e Criminal daComarca de Costa Rica/MS); pelosfundamentos de fato e de direito aseguir expostos:

1. Da competência das varas cíveisde Costa Rica

A presente actio visa garantir,em última análise, os direitos dos tra-balhadores rurais, de modo que te-nham tratamento digno e humano,em consonância com os princípiosconstitucionais e da legislação deproteção ao trabalho.

Logo, o Ministério Público doTrabalho, como titular da ação, de-fende os interesses coletivos e difu-sos dos trabalhadores prejudicados,em face do empregador, o que de-monstra ser da competência da Jus-tiça Obreira o julgamento da lide (art.114, caput, da CF).

Conforme previsto no textoConstitucional, verbis:

“Compete à Justiça do Traba-lho conciliar e julgar os dissídiosindividuais e coletivos entre tra-balhadores e empregadores,abrangidos os entes de direitopúblico externo e da administra-ção pública direta e indireta dosMunicípios, do Distrito Federal,dos Estados e da União, e, na for-ma da lei, outras controvérsiasdecorrentes da relação de traba-lho, bem como os litígios que te-nham origem no cumprimento desuas próprias sentenças, inclusi-ve coletivas.”

Trata-se de controvérsia advindada relação de emprego, cabendoexclusivamente à Justiça do Traba-lho apreciá-la e julgá-la.

Porém, como a Comarca deCosta Rica não possui Vara do Tra-balho e também não está abrangidapela jurisdição de nenhuma Vara Tra-balhista, a competência para apre-ciar e julgar a lide trabalhista, é des-ta Vara da Justiça Estadual, segun-do o art. 668 da CLT, que nos diz oseguinte:

Art. 668. “Nas localidades nãocompreendidas na jurisdição dasVaras do Trabalho, os Juízes deDireito são os órgãos de adminis-tração da Justiça do Trabalho,com a jurisdição que lhes for de-terminada pela lei de organizaçãojudiciária local”.

2. Dos fatos

2.1. Em 22.1.01 foi instauradoInquérito Civil Público, no âmbitodesta Procuradoria Regional do Tra-balho, com o escopo de apurar fatosdenunciados referentes à violaçãodos direitos sociais dos trabalhado-res, tais como, trabalho forçado (tra-balho escravo), na modalidade ser-vidão por dívida, bem como reten-ção de documentos, compensaçãoirregular de verbas trabalhistas, trucksystem (obrigatoriedade do trabalha-dor fazer compras no armazém/bar-racão do empregador, ficando sem-pre em débito, não podendo sair doemprego, ante a eterna dívida) edesrespeito coletivo a várias normastrabalhistas de caráter cogente.

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2.2. Consta do referido ICP (den. 3/01) que a primeira ré, Cooper-traca — Cooperativa dos Trabalha-dores Rurais de Costa Rica —, temcomo seu “presidente” o segundoréu, Sr. Ondino Ferreira Dias e como1ª tesoureira, a 3ª ré, Sra. ZelmaFerreira Dias, filha do Sr. Ondino.

2.3. Pois bem, no dia 16 de ja-neiro de 2001, numa operação con-junta do Ministério Público do Traba-lho (Procuradoria Regional do Tra-balho da 24ª Região — MS) e daDelegacia Regional do Trabalho noEstado de Mato Grosso do Sul, oProcurador do Trabalho infra-assina-do dirigiu-se à Fazenda Planalto, nacidade de Costa Rica/MS, a fim deproceder a uma inspeção, juntamen-te com o Auditor Fiscal do TrabalhoOswaldo e a Auditora Regina Rupp,com o intuito de verificar denúnciade trabalhos forçados e várias irre-gularidades trabalhistas. Denúnciaesta formulada por três trabalhado-res, os quais teriam fugido da Fazen-da Planalto (caminhando cerca de 15km a pé, conseguindo uma caronade um rapaz, quando estavam nasterras da Fazenda Jatobá).

2.4. De acordo com a denún-cia dos trabalhadores que fugiram,o Sr. Ondino Ferreira Dias teria sedirigido à cidade de Santa Helena,no Estado de Goiás (cerca de 480Km de distância de Costa Rica) e láprometido trabalho na lavoura de al-godão, prometendo um salário míni-mo assinado na carteira de trabalho,mais o pagamento, por fora, de 10reais por hectare limpo. Cento e vin-te trabalhadores teriam aceitadoesta proposta e foram trazidos pelo

Sr. Ondino, em dois ônibus lotados(com muitos trabalhadores viajandoem pé) para a Fazenda Planalto; ten-do o Sr. Ondino, antes da viagem,dado aos trabalhadores vales (auto-rização de compra) para usarem nacompra de alimentos, estes deixadosna casa dos trabalhadores para aalimentação de seus familiares, emSanta Helena (GO).

2.5. Chegando na FazendaPlanalto, o Sr. Ondino teria obriga-do os trabalhadores a comprar, porpreço exorbitante, equipamentos deproteção individuais e ferramentasde trabalho, tais como limas, garra-fas de água, chapéus, botas, capase até colheres (talher para se servirde alimentos), sendo o valor dascompras descontados dos saláriosao final do contrato. Teria ainda ins-talado os trabalhadores em local ina-dequado, bem como teria dito que ovalor da produção diminuiria paracinco reais (não mais dez reais) ohectare limpo, que haveria trabalha-dor que, segundo as anotações emsua caderneta, não estaria ganhan-do nem para pagar a “bóia” (o ali-mento que lhes era fornecido), ten-do obrigado alguns trabalhadores arefazer o serviço, sem que recebes-sem pelo serviço refeito.

2.6. Segundo ainda a denún-cia, o Sr. Ondino, juntamente comseus familiares, não permitia que ostrabalhadores saíssem da Fazenda,e, para tanto, utilizavam-se de vigi-lância armada (o próprio Sr. Ondinofora visto portando arma de fogo naFazenda, bem como um seu irmão).Afirmara, o Sr. Ondino, que, paraqualquer trabalhador poder ir embo-

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ra teria, primeiro, que lhe pagar o quelhe devia, qual seja, as ferramentase equipamentos que comprara, o“vale” gasto em Santa Helena, alémda passagem de vinda (a cobrançadesta sequer fora aventada, quandodo trato para o trabalho), teria quepagar, ainda, o que o trabalhadorgastara no “barracão” (armazémmontado pelo Sr. Ondino, na Fazen-da, no qual vendia pinga, arroz, ci-garro, fumo e vela, tendo proibido ostrabalhadores de comprar qualquerproduto na cidade, obrigando-os afazer compras tão-somente no “bar-racão”). Informaram também os de-nunciantes que existia trabalhadormenor de idade na Fazenda e quemuitos operários fugiram somentecom a roupa do corpo, com medo doSr. Ondino, tendo este inclusive reti-do todos os documentos de todos ostrabalhadores.

2.7. Na Fazenda Planalto, lo-cal de onde os trabalhadores denun-ciantes, os Srs. Minevaldo TeixeiraOliveira, José Wilson Oliveira eCleibson da Silva Santos, fugiram, aequipe da operação conjunta MPT/DRT, acompanhada pela então Pro-motora de Justiça de Costa Rica,Dra. Luciana do Amaral Rebelo, foiabordada por diversos trabalhadores(os quais vieram correndo em dire-ção às pick-ups da DRT e do MPT),no meio da lavoura, pode consta-tar, pelo testemunho de cerca de 80a 90 homens, que o teor da denún-cia constante dos itens anterioresera verdadeiro. Os trabalhadores re-clamaram, em tom de desabafo, daforma que estavam sendo tratados,que não podiam sair da fazenda, que

muitos tinham fugido e que queriam,a todo custo, voltar para casa (paraSanta Helena/GO), para seus fami-liares e que não aceitavam mais, dejeito nenhum, trabalhar para o Sr.Ondino naquelas condições, refor-çando que estavam com medo demaiores represálias por parte des-te, agora que o mesmo fora denun-ciado. Alguns testemunhos foramgravados pela DRT, em fita VHS.

2.8. A equipe conjunta fez veraos responsáveis pela Fazenda Pla-nalto (Agropecuár ia SchneiderLogemann Ltda.) que a Coopertra-ca, numa primeira análise, não erauma cooperativa de trabalho e que,para um bom desfecho da situaçãodenunciada pelos trabalhadores,seria de bom alvitre que a Fazendaassumisse a responsabilidade pelopagamento dos dias de trabalho dosrurícolas, bem como o retorno gra-tuito, dos que assim desejassem, aoseu local de origem, sendo certo queos trabalhadores “devolveriam” aoSr. Ondino todos os equipamentosde proteção individual “comprados”deste, não remanescendo mais ne-nhum ônus trabalhista para os labo-ristas rurais.

A Fazenda Planalto comprome-teu-se a disponibilizar numerário paraque o Sr. Ondino pagasse os dias tra-balhados, fazendo a anotação docontrato de trabalho na carteira dosrurícolas, e providenciasse dois ôni-bus para levar os trabalhadores devolta para o local de origem.

2.9. No dia seguinte, 17 de ja-neiro de 2001, o contador da Coo-pertraca tomou as providências parao pagamento dos trabalhadores, en-

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tão, a equipe MPT/DRT, a Promoto-ra de Justiça de Costa Rica, mais aimprensa (reportagem da TV More-na — afiliada da Rede Globo de Te-levisão em Mato Grosso do Sul —chefiada, na oportunidade, pela re-pórter Cláudia Gaigher retornou àFazenda Planalto, onde, após a reti-rada da imprensa — a qual fez seutrabalho livremente, entrevistandotanto os membros da equipe conjun-ta, quanto os trabalhadores e o pró-prio Sr. Ondino), nova rodada de dis-cussões e negociações foi entabu-lada, pois o Sr. Ondino, assistido porseu advogado, queria descontar os“vales” pagos em Goiás. Porém, aca-bou concordando em não cobrar tais“vales”, iniciando-se o pagamentoaos trabalhadores, com baixa emsuas carteiras de trabalho e previ-dência social.

2.10. Com o intuito de agilizare facilitar as investigações de ummodo geral, bem como descobrir averdade real, no calor dos fatos re-cém-ocorridos, o Ministério PúblicoEstadual e o Ministério Público doTrabalho resolveram tomar o depoi-mento de mais cinco trabalhadores(antes que voltassem para Goiás),utilizando-se da estrutura da Promo-toria de Justiça de Costa Rica. E, paradar o maior respaldo possível aosprocedimentos, convidaram um advo-gado local para acompanhar os de-poimentos, sendo indicado pela OABo Advogado Delegado dos DireitosHumanos, Dr. Ibio Antonio Corrêa, oqual participou, inclusive formulandoperguntas aos depoentes.

2.11. O Delegado de Polícialocal compareceu à sede da Cooper-

traca e levou outros cinco trabalha-dores até à delegacia para lavrarBoletim de Ocorrência. Atendendopedido do auxiliar deste Procurador,o Sr. Ricardo Elias, o Delegado dePolícia alertou o Sr. Ondino acercada manutenção da integridade físi-ca dos três trabalhadores denunci-antes (quando da viagem de voltapara Goiás), bem como de dois ir-mãos destes. Concluindo-se a ope-ração conjunta MPT/DRT, por voltadas 21:00 horas, do dia 17 de janei-ro, com o acompanhamento destesórgãos, da Promotora de Justiça edo Advogado Delegado dos DireitosHumanos da partida dos dois ônibuscom cerca de 90 trabalhadores devolta para Santa Helena (GO).

2.12. Durante a operação con-junta MPT/DRT não ficou, em prin-cípio, comprovada a responsabilida-de da Fazenda Planalto com relaçãoao ocorrido.

2.13. Em síntese, através dedeclarações feitas por três trabalha-dores à Promotoria de Justiça deCosta Rica, chegou a informaçãoque havia cerca de 120 trabalhado-res em regime de trabalho forçadona Fazenda Planalto, os quais havi-am sido contratados pelo Sr. Ondinopara trabalhar na colheita de algo-dão, com a promessa de receber umsalário mínimo, carteira assinada epagamento por fora, no valor de R$10,00 o hectare limpo.

Porém, ao chegarem à fazen-da, os documentos pessoais dos tra-balhadores foram retidos, as cartei-ras de trabalho não foram assinadas.Ademais, os trabalhadores tiveram

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que comprar, a preços exorbitantes,as ferramentas de trabalho e equi-pamentos de segurança, além dealimentos, na “venda” (barracão doSr. Ondino) da própria fazenda, poisforam impedidos de sair da mesma,através de vigilância armada.

Em razão das condições en-contradas pelos trabalhadores, dasituação a que foram submetidos,como o regime de semi-escravidãoimposto pelo Sr. Ondino, além deameaças que o mesmo fazia para ostrabalhadores, incluindo, repita-se,vigilância armada; os três trabalha-dores, Sr. Minevaldo Teixeira Olivei-ra, Sr. José Wilson Oliveira e Sr.Cleibson da Silva Santos consegui-ram fugir e procuraram o MinistérioPúblico de Costa Rica.

2.14. Dos depoimentos

Foram colhidas dos três traba-lhadores citados no item 2.13 supra,(fls. 04-06 do ICP n.003/2001) —(Doc. 04), pelo Ministério Público Es-tadual de Costa Rica, a seguintedeclaração:

“... informa que há aproxima-damente cinco dias foi trazido dacidade de Santa Helena pelo se-nhor Ondino Ferreira Dias foibuscá-lo juntamente com mais120 pessoas, para trabalhar naFazenda Planalto na colheita dealgodão (para carpir algodão). Osenhor Ondino prometeu que ostrabalhadores iriam ganhar umsalário mínimo assinado na car-teira de trabalho, e por fora a pro-dução. Os trabalhadores estão

trabalhando das 07:00 horas damanhã às 18:00 horas, sendo quepossuem uma hora de almoço.Chegando na fazenda todos osdocumentos pessoais dos traba-lhadores foram retidos pela filhado senhor Ondino, a carteira detrabalho não foi assinada e os tra-balhadores não assinaram ne-nhum contrato de trabalho. A ali-mentação consiste unicamenteem macarrão, arroz, e às vezesum pedaço de carne, servindo atodos os trabalhadores. Os traba-lhadores tiveram que comprarcom seu próprio dinheiro os equi-pamentos de segurança, pois osenhor Ondino diz que eles eramobrigatórios. O senhor Ondino osvende dentro de um alojamentolocalizado dentro da Fazenda Pla-nalto. ... Ao chegarem na fazen-da, os trabalhadores foram avisa-dos pelo senhor Ondino que de-veriam adquirir os tais equipa-mentos, obrigatoriamente, e queestes seriam descontados do sa-lário que cada um iria receber. ...O senhor Ondino informou aindaque enquanto os trabalhadoresnão pagassem os equipamentose a passagem, no valor de 25,00reais, os trabalhadores não pode-riam sair da fazenda. Além disso,o senhor Ondino fica armado den-tro da fazenda... Existem meno-res de idade trabalhando na fa-zenda também, um deles chama-do de Naldo. O senhor Ondinonão deixa os trabalhadores saí-rem da fazenda, tendo os mes-mos conseguido fugir e foram atéa fazenda Jatobá, e um rapaz lhesdeu carona até o fórum de Costa

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Rica-MS. ... No começo não ha-via nem colchão para os trabalha-dores dormirem, falta água parabeber e tomar banho, bem comono alojamento não há luz elétricae nem ao menos um lampião. OSenhor Ondino vende vela e pin-ga no alojamento.” (sic).

Da mesma forma, confirmadosos fatos supranarrados pelos depoi-mentos de outros trabalhadores, co-lhidos pelo MPT e MPE:

— Sr. Severino Lino da Rocha:“...ao chegarem na cidade deCosta Rica, o Sr. Ondino teria in-formado aos trabalhadores quesomente pagaria R$ 5,00 por hec-tare e que não queria ninguémparado sem trabalhar. Os traba-lhadores questionaram-no sobrea mudança no contrato e o Sr.Ondino falou que não pagarianada além de R$ 5,00 o hectare.(...) Os trabalhadores foram obri-gados a comprar os equipamen-tos de segurança, bota, capa dechuva, garrafa d’água, chapéu eisto somente avisado já no aloja-mento. (...) Os trabalhadores quequeriam ir embora eram informa-dos que deveriam pagar pelosobjetos comprados e pelo vale,não sendo aceito devolução. (...)Os trabalhadores só podiam fazercompras dentro do alojamento.(...) O Sr. Severino disse não sa-ber o que significa cooperativa detrabalho. O Sr. Ondino nunca in-formou que todos os trabalhado-res formariam uma cooperativa detrabalho, não recebendo os direi-tos trabalhistas” (fls. 15-17 do ICPn. 003/2001) — (Doc. 05). (sic).

— Sr. Marcelo Paixão Rozendo:“Os trabalhadores foram obrigadosa comprar os equipamentos desegurança, bota, capa de chuva,garrafa d’água, chapéu, lima e istosó foi avisado já no alojamento, jáem Costa Rica-MS. (...) Ondinoinformou que se fosse para ir em-bora, os trabalhadores deveriampassar pelo genro dele, que fica-va tomando conta durante a noitena porta do alojamento. (...) O Sr.Ondino possui um barraco commantimentos no alojamento, osquais vende para os trabalhado-res e após marca no caderno. (...)Todos os documentos pessoaisdos trabalhadores e a carteira detrabalho foram recolhidas pela fi-lha do Sr. Ondino em Santa Hele-na-GO, a qual disse que no prazode 24 horas tais documentos seriamentregues aos trabalhadores,mas somente foram entregueshoje, após a rescisão do contratode trabalho.(...) O Sr. Ondino fa-lou que quem conseguisse ir em-bora sem lhe pagar, teria que vol-tar para Santa Helena como indi-gente e que só receberia de voltaos documentos depois de traba-lharem e quitarem as dívidas como Sr. Ondino”. (fls. 22-25 do ICP n.003/2001) — (Doc. 06). (sic).

A título de exemplificação, àsfls. 30 a 46 do ICP (Doc. 07), estãocópias de diversas Carteiras de Tra-balho e Previdência Social (CTPS)de vários trabalhadores vítimas dasfraudes/crimes perpetrados pelosréus.

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Na mesma linha de informa-ções dos fatos supra-referidos (me-lhor detalhados no Relatório de Ins-peção, datado de 19.1.01 — fls. 08/14 do ICP), porém em tempo crono-lógico anterior (março/julho/2000),consoante documento de fls. 61/64do ICP (Doc. 08), a fiscalização daDelegacia Regional do Trabalho, aqual fiscalizou a Coopertraca, o Sin-dicato dos Trabalhadores Rurais deCosta Rica e algumas fazendas, apedido da Promotoria de Justiça deCosta Rica, sendo que a fiscaliza-ção informou que estavam sendocometidos vários “crimes pelo Sin-dicato dos trabalhadores rurais, eque, os fazendeiros visitados infor-maram que iriam continuar utilizan-do daquele sistema de mão-de-obrafornecido pelo Sindicato”. Informan-do-se a gravidade da situação e oabandono total dos trabalhadoresrurais.

Em relação à Coopertraca, éainda interessante observar, ao ana-lisar a ata da Assembléia Geral deConstituição da Coopertraca (fls. 65-70 do ICP n. 003/2001, ora juntado)— (Doc. 09), que entre os vinte inte-grantes que constituem a Coopertra-ca, nenhum é trabalhador rural, sen-do que todos se intitulam como co-merciantes. E dentre eles, cerca denove pessoas são parentes do Pre-sidente, o Sr. Ondino Ferreira Dias.Vê-se ainda que a cooperativa éapenas e tão-somente uma formapara que o segundo e terceiro réuspossam auferir maiores lucros, ain-da que em detrimento dos “coope-rados”, quando deveria ser exata-mente o contrário, ou seja, a coope-

rativa deveria propiciar melhorescondições aos seus associados,contudo, não passa de mera inter-mediadora de mão-de-obra; situaçãode toda reprovada pelo ordenamen-to jurídico trabalhista.

Instaurado Inquérito Policial,para apurar os fatos na área penal,sendo interrogado o Sr. Ondino Fer-reira Dias, o qual prestou as seguin-tes informações (fls. 237-239 do ICPn. 003/2001) — (Doc. 10):

“... que trabalha como emprei-teiro há 16 anos; que abriu umaCooperativa denominada Cooper-traca, (...) que pegou uma emprei-tada para a limpança de algodão,numa área de 5.500 ha, (...) quecomo a área de empreitada é mui-to grande foi necessário contra-tar funcionários de outras comar-cas, recordando-se que contratoucerca de oitenta homens na cidadede Santa Helena-GO, tendo com-binado com os funcionários quepagaria um salário registrado emcarteira e ainda R$ 10,00 por hec-tare trabalhado, (...) que quantoaos equipamentos obrigatóriospara uso no trabalho e de segu-rança, nega que em qualquermomento tenha vendido aos fun-cionários ora contratados, escla-recendo que possui todo equipa-mento, (...) instrumentos essesque são fornecidos aos funcioná-rios a título de empréstimo, (...)apesar de não fornecer aos fun-cionários (objetos de uso pesso-al) o interrogando possui tais ob-jetos os quais são vendidos aquem tiver interesse em comprar,

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(...) que vende tais produtos aovalor da nota fiscal de compra, ouseja, não tira nenhum lucro sobrea mercadoria, (...) que os funcio-nários não mantêm um horáriocerto de trabalho pois são contra-tados por empreita e que traba-lham nos horários que acharemmelhor, (...) que na fazenda osfuncionários são livres para ir evir ou seja podem sair de lá quan-do quiserem, (...) que apesar deter a Cooperativa Coopertraca,diz que não foi feita nenhuma pa-lestra aos funcionários por pes-soa especializada, mas que o pró-prio interrogando orienta seusfuncionários quanto à prevençãode acidentes; que a CooperativaCoopertraca possui vinte mem-bros dos quais o interrogando éPresidente, sendo que dos outrosmembros alguns são empreiteirose outros da cidade” (sic).

E, em decorrência dos fatos, oMinistério Público Estadual ofereceudenúncia (fls. 422-424 do ICP n. 003/2001) — (Doc. 11) em face deOndino Ferreira Dias, incurso naspenas do art. 148 (Seqüestro e cár-cere privado), art. 149 (Redução àcondição análoga à de escravo), art.203, § 1º, incisos I e II (Frustraçãode direito assegurado por lei traba-lhista) e art. 207, § 1º c/c. art. 69 (Ali-ciamento de trabalhadores de umlocal para outro do território nacio-nal c/c. concurso material), todos doCódigo Penal, e Zelma Ferreira Dias,incurso na pena do art. 203, § 1º,inciso II c/c. art. 29 do Código Penal.

Assim restou-se instaurada,em Costa Rica, a Ação Penal n.01.2169-3, onde ocorreu o interro-gatório do Sr. Ondino Ferreira Diase de Zelma Ferreira Dias.

Destacamos alguns pontos rele-vantes:

Sr. Ondino: “... Que os serviçocontratado na fazenda planalto erade limpa de algodão. ..., ... que aoferta de trabalho aqui é grandee existem mais de dez “gatos” tra-balhando em Costa Rica... Quenaquela ocasião havia gente tra-balhando oriunda tanto da Sta.Helena (cerca de 80 pessoas)quanto de Dourados (por volta de80 pessoas) havia ainda algumaspessoas da região. Que o acordoque se fazia ainda em Sta. Helenaera de que o valor do salário se-ria de 01 (um) salário mínimomais 10,00 (dez reais) por hecta-re, sendo que o contrato seria decerca de 60 dias. Que caso os tra-balhadores não cumprissem ossessenta dias teriam que indeni-zar a passagem de Sta. Helena aCosta Rica, passagem esta queseria calculada sobre o custo dofretamento do ônibus e quantidadede pessoas transportadas. ... Queantes de deixarem Santa Helena... o interrogando permitiu que ostrabalhadores fizessem uma com-pra no mercado... anotada paraser cobrada posteriormente dostrabalhadores... Que tão logo che-garam na fazenda foram recolhi-das as carteiras para registro. ...Que os instrumentos de trabalhoeram fornecidos para os funcio-

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nários mediante anotação em umcaderno próprio, sendo que se osequipamentos fossem devolvidosem perfeito estado nada serialhes cobrado. Que se os trabalha-dores precisassem de algumacoisa tal qual sabonete ou outracoisa o interrogando levaria até afazenda. Que os funcionários nãochegaram a ser trazidos na cida-de até o prazo muito curto. Queem geral, passados 30 dias, o in-terrogando costumava trazer osfuncionários até a cidade. Que erafornecido pinga aos trabalhado-res, até porque se esta não tives-se à disposição os trabalhadoresqueriam vir à cidade. Que pelocopo de pinga era cobrado cercade 1 real a 1,50. Que não existehorário fixo de trabalho. ... Que oalojamento dos trabalhadores eraum barracão. Que tinha belichesde sobra para todos os trabalha-dores. Que no dia que os traba-lhadores chegaram, faltaram al-guns colchões ...” (sic). (fls. 526 a527 do ICP n. 003/01) — (Doc.12).

Sra. Zelma: “... Que é tesourei-ra da cooperativa COOPERTRA-CA. Que é filha do denunciadoOndino Ferreira Dias. ... Que amão-de-obra utilizada para limpade algodão era sempre contrata-da verbalmente por cerca de 60a 90 dias. Que o registro na CTPSera feito por prazo indeterminado.Que todos os trabalhadores ti-nham as sua CTPS registrada.Que se dirigiam a Santa Helenaem Goiás para contratar o pessoalque já havia feito isso ante com

sucesso. ... Que o pagamentocombinado era de 1 (um) saláriomínimo (registrado na carteira) emais 10,00 (dez reais) em hecta-re trabalhado. Que o acertado eraque caso os trabalhadores per-manecessem durante todoprazo combinado (60 a 90 dias),teriam assegurado gratuitamenteseu transporte de volta a Sta.Helena-Goiás. Caso contrário te-riam que arcar com as despesasde retorno por conta própria. ...Que antes de deixar Sta. Helenaa cooperativa efetuou compraspara a família mediante expedi-ção de vale-compra aos trabalha-dores. ... Que caso os trabalha-dores necessitassem de algumacoisa já dentro da fazenda planal-to teriam que adquiri-las do de-nunciado Ondino. Que anotava asdespesas, não havia previsão deida a cidade para compra ... Quehavia fornecimento de bebida al-coólica que posteriormente seriacobrada. (fls. 524 a 525 do ICP n.003/01) — (Doc. 13).

Na própria audiência onde fo-ram interrogados o Sr. Ondino e Sra.Zelma, a MMª Juíza determinou, senecessário, a emissão de cartasprecatórias. Emitiu-se, então, cartaprecatória para ouvir os trabalhado-res em Santa Helena-GO.

2.15. Dos fatos recentes

Enquanto se aguardava o re-sultado da referida Ação Penal (atépara, eventualmente, serem utiliza-dos os atos processuais desta ação

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como prova emprestada, bem comoante o fato dos artigos 64, parágrafoúnico, 65, 66 e 67 do Código de Pro-cesso Penal — CPP — trazem aquestão da sentença penal poder vira influenciar à ação cível e, por viade extensão, à ação trabalhista. Tudoisto aliado ao fato de se estar aber-ta a possibilidade de ser assinadocom o Sr. Ondino um TAC — Termo deAjustamento de Conduta, fls. 449/450do ICP — TAC este ao qual a Fazen-da Planalto não se recusou a assi-nar e de fato o fez) — (Doc. 14 ),ocorreram novos e terríveis fatos quelevam o MPT a propor a presenteAção Civil Pública, eis que, mesmocom a ação penal em curso, o Sr.Ondino não se intimidou, continuan-do sua atividade de aliciamento detrabalhadores.

No início do mês de abril des-te ano de 2002, o Estado de MatoGrosso do Sul foi surpreendido coma notícia de denúncia de trabalhoescravo em Costa Rica e que o Sr.Ondino Ferreira Dias estava envol-vido com este tipo degradante de tra-balho (notícias de jornais juntadasàs fls. 475/476 do ICP) — (Doc.15).

Realmente, desta vez, o Sr.Ondino procedeu à contratação irre-gular de um grupo formado por, apro-ximadamente, 42 trabalhadores indí-genas, explorando-os e submetendo-os a um regime de semi-escravidão,já que não forneceu a eles alojamen-to apropriado, como prometido, ser-viu, algumas vezes, comida azeda,continuou praticando o truck system,já que mantinha armazém para os tra-balhadores procederem as suas com-pras, sem dar a estes outra opção de

compra, não procedeu a anotaçãodas CTPS’s, dentre outras. Pratica-mente o mesmo cenário exposto ini-cialmente, onde figuravam os tra-balhadores de Santa Helena-GO(consoante as declarações de traba-lhadores indígenas, às fls. 455/468 doICP anexo) — (Doc. 16).

A Promotoria de Costa Ricaenviou a este Parquet Trabalhista, ostermos de declaração prestados poralguns indígenas que foram contra-tados pelo Sr. Ondino para presta-rem serviço na lavoura de algodão,serviço este que estava, mais umavez, em total desrespeito à legisla-ção trabalhista, tendo sido efetuadaa “quitação” das verbas devidas atra-vés de um “termo de transação” (fls.454 do ICP) — (Doc. 17) totalmenteirregular. Transcrevemos algumasdessas declarações:

Sr. Adierson Venâncio Mota:“que todas as vezes que os índi-os precisam trabalhar já procura-vam o declarante para saber setinha serviço, porque é sempreele que arruma trabalho para osmesmos. Os índios vieram paraCosta Rica acreditando que quemos pagaria era Ondino. Ao chega-rem aqui o declarante e o Genival(2º responsável) foram até a casado Sr. Ondino e este comunicouque o serviço seria pago por ele(Ondino) a Oscar, que por suavez, repassaria para os trabalha-dores. ... Que o declarante veioaté esta cidade ontem à noitepara fazer um acerto amigável.Ondino ameaçou todas as pes-soas que estavam no alojamen-

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to, dizendo que não iria dar comi-da para “vagabundo” e disse quemataria todos, mostrando as duasarmas que estava portando nacintura...” (sic). (fl. 455 do ICP n.003/01) — (Doc. 18).

Sr. Gilberto Roudoura: “que nomês de março do presente ano, odeclarante foi procurado porAdielson (também índio) para tra-balhar na capina de soja, rece-bendo R$ 5,00 por 1.000 metros.Também foi prometido que teriaalojamento, teria colchão e teriacomida. Tudo isso a mando deOndino Dias Ferreira e Oscar. Porvolta do dia 26.3.02, à noite, odeclarante chegou até Costa Ricae constatou que o colchão erabem usado, a comida é fraca ecerto dia a comida foi servida aodeclarante, azeda, só tinha umbanheiro para 39 pessoas, fora oencarregado e o “cabeçante”. Queno sábado à noite houve uma dis-cussão com Ondino e em razãodisto, o declarante pegou suascoisas e quer voltar para suacasa. Não foi assinada a CTPS...”(sic). (fl.457 do IPC n. 003/01) —(Doc. 19).

Sr. Genival Muchacho Henri-que: “que um rapaz chamado Os-car foi até a casa do tio do decla-rante e chamou-o para trabalharna capina de soja. Ele foi atéCampo Grande a mando deOndino e prometeu que pagava aR$ 5,00 a ‘rua’ e teria alojamentocom camas, comida. Porém,quando chegou até Costa Rica,

verificou que o alojamento não ti-nha camas e o declarante e osseus companheiros dormem nochão. Que a capina muitas vezesé paga a R$ 2,50. A comida for-necida é razoável e às vezes che-ga até o declarante e seus com-panheiros azeda. Que os índiosquerem ir embora para suas ca-sas.” (sic). (fl.462 do ICP n. 003/01) — (Doc. 20).

Existem ainda outros termosde declaração de fls. 461, 463, 467e 468 dos autos do ICP, os quais,cer tamente, servirão de subsídiopara que Vossa Excelência possaaquilatar a verdade real dos fatos;faz-se, neste momento, por motivode economia, remissão aos mesmos(Doc. 21).

Portanto, a presente Ação Ci-vil Pública tem o propósito de res-guardar os direitos trabalhistas quevêm sendo desrespeitados pelosréus; diretamente pelo Sr. OndinoFerreira Dias (2º réu) e indiretamen-te pela Sra. Zelma Ferreira Dias (3ªré) — a qual, em verdadeira “co-au-toria”, participa das ações de alicia-mento e desrespeito aos direitossociais e da pessoa humana dos tra-balhadores “contratados” pela e atra-vés da Coopertraca (1ª ré).

3. Do cabimento da Ação CivilPública e da legitimidade doMinistério Público do Trabalho

A Ação Civil Pública é o ins-trumento adequado para coibir aslesões a quaisquer interesses difu-

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sos ou coletivos, na forma do incisoIV, do art. 1º, da Lei n. 7.347/85.Vejamos:

Art. 1º Regem-se pelas dispo-sições desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

.................................................

IV — a qualquer outro interes-se difuso ou coletivo” (g.n.).

A Lei n. 8.078/90 (cujo TítuloIII é aplicável à defesa dos interes-ses e direitos difusos e coletivos porforça do art. 21, da Lei da Ação CivilPública) define nos incisos I e II, doparágrafo único, do seu art. 81, osinteresses ou direitos difusos eos interesses ou direitos coletivos,in verbis:

“I — interesses ou direitos di-fusos, assim entendidos, paraefeitos deste Código, os transin-dividuais, de natureza indivisível,de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por cir-cunstâncias de fato;

II — interesses ou direitos co-letivos, assim entendidos, paraefeitos deste Código, os transin-dividuais de natureza indivisívelde que seja titular grupo, catego-ria ou classe de pessoas ligadasentre si ou com a parte contráriacom uma relação jurídica base.”

O Ministério Público, comoguardião da ordem jurídica, temcomo função institucional a defesa

de certos valores eleitos pela Cons-tituição como fundamentais ao Es-tado Democrático de Direito, entre osquais os direitos difusos e os coleti-vos. Versa a Carta Política Nacional:

“Art. 127. O Ministério Públicoé instituição permanente, essen-cial à função jurisdicional do Es-tado, incumbindo-lhe a defesa deordem jurídica, do regime demo-crático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis.

.................................................

Art. 129. São funções institu-cionais do Ministério Público:

..................................................

III — promover o inquérito civile a ação civil pública, para a pro-teção do patrimônio público e so-cial, do meio ambiente e de ou-tros interesses difusos e coleti-vos” (grifo nosso).

A Lei Orgânica do MinistérioPúblico da União, por sua vez, con-fere ao Ministério Público do Traba-lho as seguintes atribuições:

“Art. 83. Compete ao MinistérioPúblico do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos ór-gãos da Justiça do Trabalho:

I — promover as ações que lhesejam atribuídas pela ConstituiçãoFederal e pelas leis trabalhistas;

................................................

III — promover a ação civil pú-blica no âmbito da Justiça do Tra-balho, para defesa de interessescoletivos, quando desrespeitadosos direitos sociais constitucional-mente garantidos.”

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A mesma lei — Lei Comple-mentar n. 75/93 — traz em seu art.84, caput, que ao Ministério Públicodo Trabalho (obviamente por ser umdos ramos do Ministério Público daUnião, conforme o art. 128, I, b, daCF) incumbe “exercer as funções ins-titucionais previstas nos Capítulos I,II, III e IV do Título I” da referida lei.

No mencionado Capítulo II, doTítulo I, da Lei Orgânica do Ministé-rio Público da União, dispõe o art. 6º:

“Art. 6º Compete ao MinistérioPúblico da União:

..................................................

VII — promover o inquérito ci-vil e a ação civil pública para:

................................................

d) outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, so-ciais, difusos e coletivos.”

Quanto à atuação do Ministé-rio Público do Trabalho, transcreve-mos, por oportuno, os ensinamentosdo professor Jairo Lins de Albuquer-que Sento-Sé, em seu livro “Traba-lho Escravo no Brasil”:

“O Ministério Público da Uniãoe, particularmente, o do Trabalho,ampliou consideravelmente seupapel institucional com o adven-to da Carta Política vigente. Dei-xou de sustentar a triste pecha demero apêndice do Poder Executi-vo, convertendo-se no autênticodefensor da ordem jurídica, doregime democrático e dos interes-ses sociais e individuais indis-

poníveis, conforme estabelece oart. 127, caput, da CF/88. Por talrazão, dilataram-se sobremanei-ra as atribuições no cumprimen-to de tais funções.

No âmbito do processo do tra-balho o Ministério Público exerceduas atribuições de destacadorelevo. De uma banda, competeao Parquet funcionar como órgãointerveniente, elaborando parece-rem opinativos em todos os pro-cessos a serem analisados pelosTr ibunais Regionais e peloColendo Tribunal Superior do Tra-balho, podendo também recorrerde suas decisões, o que legitimaainda mais a sua condição decustos legis. Ao lado desta, dis-põe ele da prerrogativa de atuarcomo órgão agente, exercendo asua legitimação pró-ativa e pro-tegendo os direitos difusos, cole-tivos e individuais homogêneosque se encontrarem violados.”(em “Trabalho Escravo no Brasil”,São Paulo: LTr, 2001)

Ainda, discorrendo o mesmoautor, destaca-se:

“A ação civil pública, no âmbi-to processual, e o inquérito civilpúblico, em nível administrativo,são os instrumentos efetivos dedefesa dos chamados interessesmeta-individuais ou em sentidoamplo, inclusive na seara traba-lhista. No magistério de Rodolfode Camargo Mancuso, interessemeta-individual é aquele que, “...além de depassar o círculo deatr ibutividade individual, cor-

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responde à síntese dos valorespredominantes num determinadosegmento ou categoria social”.

Esses valores determinantes,por sua vez, se dividem em inte-resses difusos, coletivos strictosensu e individuais homogêneos.Para diferenciá-los, vamos utilizara conceituação por nós apresen-tada em breve artigo escrito parahomenagear o professor baianoJosé Augusto Rodrigues Pinto.Senão vejamos:

“Interesses difusos são aque-les em que é impossível identifi-car o universo de pessoas de quedeles são titulares. Isto se expli-ca em face da amplitude do bemda vida a ser protegido, uma vezque pode ser desfrutável em tesepor toda sociedade.(...)

De outra banda, interesses oudireitos coletivos em sentido es-trito são exatamente aqueles co-muns a uma determinada coleti-vidade, razão pela qual exigemuma solução homogênea para acomposição do conflito.(...)

Interesses individuais homo-gêneos são aqueles que decor-rem de uma mesma e uniformecircunstância fática, mas de na-tureza concreta: em ocorrendoqualquer violação do ordenamen-to jurídico, permite-se que pos-sam ser identificados quais os ti-tulares que tiveram os seus direi-tos atingidos, em face dessa uni-formidade antedita”. (em “Traba-lho Escravo no Brasil”, São Pau-lo: LTr, 2001)

Em relação ao combate do tra-balho ‘semi-escravo’, nos dias atuais,através da Ação Civil Pública na es-fera trabalhista, o professor JairoLins de Albuquerque Sento-Sé, ain-da em seu livro “Trabalho Escravo noBrasil”, expôs que:

“Essa é uma das circunstânciasmais marcantes da necessidadede atuação do Parquet Laboral naseara trabalhista, com vistas aassegurar o cumprimento dos di-tames constitucionais. Com efei-to, a prática do trabalho escravocontemporâneo materializa pa-tente desrespeito aos maiscomezinhos princípios de justiça,uma vez que, de uma banda, vio-la regramentos legais que regu-lam as condições de trabalho e,de outra, se constitui em inques-tionável desobediência à dignida-de da pessoa humana.

Se um fazendeiro mantém emsua propriedade um certo núme-ro de trabalhadores rurais e, pordeterminado lapso de tempo, ossubmete à condição análoga à deescravo, inclusive sujeitando-osao sistema de barracão para queacumulem, durante este período,um débito cada vez maior, a fimde caracterizar a chamada escra-vidão por dívida, proibindo, atémesmo, que abandonem o perí-metro da fazenda, estaremos di-ante de violação de interessesindividuais homogêneos.

Nessa hipótese, nada impedeque os referidos rurícolas deman-dem em juízo individualmente asparcelas que lhes forem devidas,

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uma vez que o direito permanecedivisível e individual. Considera-mos não haver dúvida na legiti-midade do Órgão Ministerial paracumprir este mesmo desiderato.

Daí é que, voltamos a repetir,estar plenamente justificada aatuação do Órgão Ministerial La-boral, ainda mais se levarmos emconta que a conduta do empre-gador termina por provocar o des-respeito a vários direitos sociaisconstitucionalmente garantidos.

Naquele mesmo exemplo, ima-ginemos que um fazendeiro tenhacomo praxe manter em sua pro-priedade trabalhadores rurais tra-zidos sempre pelo mesmo “gato”.Este, por sua vez, em todas asoportunidades, os arregimentanuma mesma região, para subme-tê-los à condição análoga à deescravo e sujeitá-los ao sistemade barracão, a fim de que acumu-lem um débito impagável, inclu-sive, proibindo-os de deixar ascercanias da referida gleba deterra, sem que realizem a quita-ção de tais dívidas. Neste caso,estaremos diante da violação deinteresses coletivos em sentidoestrito.

Finalmente, vamos formularum último exemplo em derredordo tema em comento. Imagine-mos que um outro fazendeiro usu-almente mantenha em sua pro-priedade vários trabalhadores ru-rais trazidos por diferentes “gatos”de diversos pontos do País, sub-metendo-os ao sistema de barra-cão, para que acumulem um dé-

bito de alto valor, que os obriguea permanecer, ininterruptamente,na sobredita gleba de terra, atéque realizem a quitação de taisdívidas. Neste caso, estaremosdiante da violação de interessesdifusos.

Quanto ao trabalho escravo,nos moldes encontrados nos diasatuais, boa parte da doutrina oconsidera como sendo exemplode violação de interesse difuso.É o caso de Ives Gandra da SilvaMartins Filho, Rodolfo de Camar-go Mancuso, Adriana Maria deFreitas Tapety e Douglas AlencarRodrigues. Entretanto, voltamos aafirmar, ele pode ser caracteriza-do como qualquer das três mani-festações em que se apresentamos interesses meta-individuais,dependendo de como se configu-re o caso concreto”. (em “Traba-lho Escravo no Brasil”, São Pau-lo: LTr, 2001)

De qualquer forma, diante doprejuízo a que todos os trabalhado-res em tela estão submetidos, bemcomo da necessidade de se coibir amesma prática no tocante a todos ostrabalhadores que possam vir a sertrazidos e tratados nas mesmas con-dições supranarradas, ocasionadospelas violações à legislação querege os direitos trabalhistas, temos,em conclusão, que estamos diantede violações a interesses coletivose difusos dos trabalhadores e da pró-pria sociedade, que necessita sercoibida e corrigida através da AçãoCivil Pública.

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4. Do direito

4.1. A Questão Constitucional

A Constituição Federal Brasi-leira estatuiu em seu art.1º que aRepública Federativa do Brasil temcomo um de seus fundamentos:

Art.1º (...)

“III — a dignidade da pessoahumana;’’

E em seu art. 5º, estabeleceuque:

Art. 5º (...)

‘‘III — ninguém será submeti-do à tortura nem a tratamento de-sumano ou degradante;’’

Segundo os ensinamentos deCelso Ribeiro Bastos e Ives GandraMartins, ao analisarem o art. 1º, III e5º, III, da CF, temos que:

Art.1º, III:

“A referência à dignidade dapessoa humana congloba em sitodos aqueles direitos fundamen-tais, quer sejam os individuaisclássicos, quer sejam os de fun-do econômico e social. Em últimaanálise, a dignidade tem uma di-mensão também moral. São aspróprias pessoas que conferemou não dignidade às suas vidas.Não foi neste sentido, todavia, oencampado pelo constituinte.O que ele quis significar é que oEstado se erige sob a noção dadignidade da pessoa humana.Portanto, o que ele está a indicar

é que é um dos fins do Estadopropiciar as condições para queas pessoas se tornem dignas. Éde lembrar-se, contudo, que a dig-nidade humana pode ser ofendi-da de muitas maneiras. Tanto aqualidade de vida desumanaquanto a prática de tortura, sobtodas as suas modalidades, po-dem impedir que o ser humanocumpra na terra sua missão, con-ferindo-lhe um sentido.” (em “Co-mentários à Constituição do Bra-sil”, v. 1, São Paulo: Saraiva,1989, p. 425)

Art. 5º, III:

“... a proteção que é dada àvida, à liberdade, à segurança eà propriedade é extensiva a todosaqueles que estejam sujeitos àordem jurídica brasileira. Éimpensável que uma pessoa qual-quer possa ser ferida em um des-ses bens jurídicos tutelados semque as leis brasileiras lhes dêema devida proteção.” (em “Comen-tários à Constituição do Brasil”, v. 2,São Paulo: Saraiva, 1989, p. 04)

Na relação com os trabalhado-res, os réus têm passado ao largodo cumprimento de diversas normastrabalhistas, fazendo-o de forma ge-neralizada e prolongada no tempo.Desse modo, viola os direitos so-ciais, coletivos e difusos de seusempregados, conforme foi expostonos fatos acima narrados.

Nitidamente, a exploração semlimites e, além de tudo, desumanada mão-de-obra na busca desenfrea-da e desesperada do lucro, só traz

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prejuízos aos trabalhadores, já queestes são aliciados a realizar a pres-tação laboral em locais muitas ve-zes afastados de suas cidades deorigem, em troca de salários supos-tamente atraentes e promessas deobtenção de melhores condições devida, porém o que acontece na prá-tica é totalmente o contrário do quese promete na contratação do traba-lhador, já que as garantias mínimasa que os trabalhadores têm direitosão facilmente desrespeitadas.

Segundo o professor Jairo Linsde Albuquerque Sento-Sé, em suaobra “Trabalho Escravo no Brasil”,citando o professor José de SouzaMartins, constatou-se que:

“... especialmente aos jovense solteiros, são oferecidas condi-ções de trabalhos melhores queas locais: assistência médica,contrato, bom salário, transporte.Promessas que não serão cum-pridas. Um adiantamento é deixa-do para a subsistência da famí-lia. É o início do débito que osreduzirá à escravidão. Quandochegam ao local de trabalho, apósmuitos dias de viagem, já estãodevendo muito. E o débito cres-cerá sempre: tudo que consumi-rem custará no barracão da fazen-da três vezes mais do que custanormalmente. E o salário prome-tido se reduzirá a dois terços oumetade. Ou menos. O débito é oprincipal instrumento da escravi-dão: justifica a violenta repressãocontra esses trabalhadores”. (em“Trabalho Escravo no Brasil”, SãoPaulo: LTr, 2001, p. 45)

Não há como se admitir essetipo de situação onde a liberdade doobreiro é cerceada através de me-canismos de repressão e sujeição.Mecanismos estes que, praticamen-te, reduzem homens livres a situa-ções análogas à de escravos, já queo empregado endivida-se tanto jun-to a seu patrão, que ao final do mêsreceberá pouco ou quase nada doque seria devido, trabalhando ape-nas para pagar o que deve a seuempregador.

Essa discussão acerca da si-tuação a que são submetidos os tra-balhadores rurais pode e deve sercoibida através de Ação Civil Públi-ca, e, neste sentido temos manifes-tação jurisprudencial do TribunalRegional do Trabalho (24ª Região):

Ementa n. 1 — Ação Civil Pú-blica — I. Competência funcional.A ação civil pública, em virtude deproteger interesses difusos, temnatureza coletiva. As ações traba-lhistas de natureza coletiva sãode competência dos TribunaisRegionais, de modo que a açãocivil pública escapa à competên-cia da primeira instância trabalhis-ta. Art. 678, I, a, da CLT, c/c. Lein. 7.347/85. II. A Justiça do Tra-balho tem amparo legal para aaplicação de pena cominatória demulta decorrente de irregularida-de trabalhista provada em açãocivil pública. Ar t. 11 da Lei n.7.347/85 c/c. art. 652, d, da CLT.III. Cabimento — Condições daação. Alegação de escravidão ématéria que se configura no âm-bito de proteção de direitos difu-

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sos — seja porque não é possí-vel a identificação precisa dos tra-balhadores envolvidos, seja por-que de interesse social — preen-chendo as condições da ação,correspondentes a objeto que serefere a um conjunto indetermina-do de sujeitos e cujo sucesso oufracasso é do interesse da coleti-vidade e não apenas dos envol-vidos. IV. Mérito. Provada a in-termediação de mão-de-obrafraudulenta e de conseqüênciasdesastrosas, geradora de condi-ções subumanas de trabalho,justifica-se a aplicação do dispos-to no art. 9º da CLT e a condena-ção das empresas responsáveis,seja em razão do error in eligen-do, seja do error in vigilando. Açãocivil pública julgada procedente,em parte, para condenar as em-presas responsáveis a obriga-ções de não fazer e de fazer ne-cessárias ao estabelecimento dascondições legais e dignas de tra-balho e a pena cominatória demulta. (Juiz Relator: João de DeusGomes de Souza, Juiz Revisor:Idelmar da Mota Lima. Acórdão n.:612/1995. Data da decisão:26.1.1995. Decisão do acórdão:Unânime. Julgada ParcialmenteProcedente).

O nosso ordenamento jurídicocondena de maneira veemente essaprática a que vêm sendo submetidosos trabalhadores rurais, já que estaprática contraria princípios constitu-cionais como o da dignidade da hu-mana e da valorização social do tra-balho. Porém os empregadores nãodão importância a estes princípios

já que utilizam este trabalho de for-ma desumana, agredindo da pior for-ma a pessoa humana, e tudo isso emuma busca egoísta, buscando ape-nas a diminuição de seus custos e oaumento de seus lucros.

Em razão dessas terríveis si-tuações a que são submetidos ostrabalhadores rurais, há a necessi-dade da atuação do Ministério Pú-blico do Trabalho, em conjunto comoutros ramos da Instituição Ministé-rio Público, bem como Ministério daJustiça, Ministério do Trabalho e todoe qualquer Órgão Público Brasileiro,no sentido de assegurar o cumpri-mento dos ditames constitucionais eevitar a violação aos interesses dostrabalhadores e dos princípios deJustiça.

E, o que anda prevalecendoatualmente, é uma grande sensaçãode impunidade, já que a ocorrênciadestes terríveis fatos ocupam cons-tantemente as notícias apresentadaspela imprensa, mas poucas são asmedidas aplicadas para coibir estaterrível prática, e por isso espera-mos, através desta Ação Civil Públi-ca, conseguir obter esta medida tãonecessária à segurança e à dignida-de do trabalhador.

4.2. Das Falsas Cooperativas

A primeira ré se autodenominade “Cooperativa dos TrabalhadoresRurais” de Costa Rica. Porém, comose verá, esta “denominação” não re-siste a qualquer investigação; sen-do a mesma mais uma falsa coope-rativa de trabalho, constituída paraburlar os mais comezinhos direitostrabalhistas. Senão vejamos.

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4.2.1. A Lei n. 8.949/94acrescentou um parágrafo único aoartigo 442 da CLT, da seguinte for-ma:

“Art. 442. Omissis

Parágrafo único. Qualquer queseja o ramo da atividade da so-ciedade cooperativa, não existevínculo empregatício entre ela eseus associados, nem entre es-tes e os tomadores de serviçosdaquela.”

Essa alteração se deu no finaldo ano de 1994 e já causou nefas-tas conseqüências aos trabalhado-res subordinados, os quais estãosendo arregimentados e ludibriadospor arremedos de cooperativas,como a que ora se depara, cujosidealizadores têm como fito, única eexclusivamente, a obtenção de van-tagens próprias e pessoais, elidindoeventuais responsabilizações traba-lhistas e previdenciárias.

A Constituição Federal decla-ra, no art. 1º, incisos III e IV, que aRepública Federativa do Brasil temcomo fundamentos “a dignidade dapessoa humana” e “os valores sociaisdo trabalho e da livre iniciativa”. Jáo art. 170 do Texto Constitucionalestatui que “a ordem econômica, fun-dada na valorização do trabalho hu-mano, tem por fim assegurar a to-dos existência digna, conforme osditames da justiça social”, observa-do, como princípio, “a busca do ple-no emprego” (inciso VIII).

Conclui-se, assim, que a pro-teção da dignidade do cidadão tra-balhador e dos valores sociais dotrabalho não pode ser dissociada darelação de emprego.

Admitir a contratação de mão-de-obra nos moldes perpetradospelas rés, sob o pálio do parágrafoúnico do art. 442 da CLT, é permitira obliteração dos princípios consti-tucionais que protegem os valoressociais do trabalho, da dignidade dapessoa humana e da busca do ple-no emprego.

4.2.2. Segundo constava norevogado Decreto n. 22.239/32, co-operativas de trabalho seriam “aque-las que, constituídas entre operári-os de uma determinada profissão ouofício, ou de ofícios vários de umamesma classe, têm como finalidadeprimordial melhorar o salário e ascondições de trabalho pessoal deseus associados e, dispensando aintervenção de um patrão ou empre-sário, se propõem a contratar obras,tarefas, trabalhos ou serviços públi-cos e particulares, coletivamente portodos ou por grupos de alguns”.

A atual Lei n. 5.764/71, quedisciplina a política de cooperativis-mo, consigna, em seu art. 3º, o se-guinte: “Celebram contrato de socie-dade cooperativa as pessoas quereciprocamente se obrigam a contri-buir com bens ou serviços para oexercício de uma atividade econômi-ca, de proveito comum, sem objeti-vo de lucro”.

De uma exegese dos dispositi-vos legais acima transcritos, é forço-so inferir que a cooperativa de traba-lho é uma organização de pessoasque visam a ajudar-se mutuamente,já que o traço diferenciador desse tipode sociedade para as demais é, pre-cipuamente, a finalidade de presta-ção de serviços aos associados, para

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o exercício de uma atividade comum,econômica e sem finalidade lucrati-va. Impende que esteja presente,pois, a affectio societatis.

Nesse passo:

“Isto porque a entidade quevise apenas locar mão-de-obranão poderá se constituir na for-ma de cooperativa por não aten-der aos requisitos substanciaisdeste tipo de sociedade, mas tão-somente como empresa locado-ra de mão-de-obra, com as con-seqüências legais, em especial acontratação de empregados paraa prestação de serviços dentrodas hipóteses permitidas peloEnunciado n. 331 do TST” (“Ma-nual de Cooperativas”, 1997, Mi-nistério do Trabalho, Secretaria deFiscalização do Trabalho, p. 37).

Outrossim:

“É essencial distinguir o ‘forne-cimento de pessoal’ da prestaçãode serviços por empresa. Na pri-meira figura, há mero leasing detrabalho humano, condenável sobtodos os aspectos. O ‘agencia-mento de colocações’ se carac-teriza pela exploração do traba-lhador, que não é empregado dointermediár io. Afirma-se, semqualquer hesitação, a existênciade relação empregatícia com aempresa tomadora de serviços.Tais características não se iden-tificam no contrato de prestaçãode serviços por empresa, desdeque o serviço contratado se exe-cute fora do âmbito das ativida-

des essenciais e normais exerci-das pela empresa pr incipal”(Arion Sayão Romita, in “Políticade Emprego”, Ed. LTr, 1993, p. 52).

No caso vertente, por uma sim-ples leitura que se faça dos objeti-vos sociais da indigitada cooperati-va constata-se que o seu objeto é ofornecimento de mão-de-obra neces-sária ao desenvolvimento das ativi-dades de empreiteiro do segundoréu. Esse fato, por si só, já é o quan-to basta para ter-se como nula a in-termediação de mão-de-obra, combase no artigo 9º da Consolidaçãoda Leis Trabalhistas.

4.2.3. Em uma feliz síntese, aCoordenadoria de Defesa dos Inte-resses Difusos e Coletivos da Pro-curadoria Regional do Trabalho da15ª Região, no trabalho “A Negaçãodo Direito”, deixou assentado o se-guinte, relativamente às cooperati-vas de trabalho urbano:

“Cooperativa é uma organiza-ção de pessoas que visam ajudar-se mutuamente. Unem-se paramultiplicar sua própria capacidadede consecução de bens, serviçosou mercados para si mesmos. Porisso, um dos princípios caracteri-zadores das cooperativas é o dadupla qualidade, pelo qual cadaassociado é, ao mesmo tempo,cliente e fornecedor.

Esse traço se evidencia nacooperativa de produção agríco-la, por exemplo, para a qual cadacooperado fornece o que produze, em troca, obtém facilidade dearmazenamento, transporte, colo-

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cação no mercado, além de po-der adquirir instrumentos de tra-balho de forma facilitada. Ou, ain-da, na cooperativa de médicos,para a qual o médico fornece al-gumas horas de sua agenda, erecebe um mercado e serviços deapoio (laboratórios, equipamentosradiológicos etc.) aos quais nãoteria acesso sem a cooperativa.

Cooperar significa trabalharjunto. Para trabalhar junto, ou seja:ao lado de, é preciso haver identi-dade profissional ou econômicaentre os que entre si cooperam.Isso significa que fazendeiros co-operam com fazendeiros, industriaiscom industriais, médicos commédicos, engenheiros com enge-nheiros etc. Quando existe multi-plicidade de profissões nos qua-dros da cooperativa, ela é, comcerteza, fraudulenta.

Além dessa igualdade de ati-vidade, há que haver igualdadesocial entre os cooperados. Aigualdade social decorre da na-tureza do trabalho e se espelhana forma pela qual esse trabalhoé desenvolvido.

Para que se possam ombrear,os cooperados hão de exercercompleto domínio sobre o seu tra-balho, de forma a que possamrealizá-lo com ou sem a partici-pação dos demais cooperados. Acooperativa não altera a nature-za do trabalho; apenas organiza,facilita, melhora, proporciona ga-nhos melhores, otimiza recursos.Esse domínio pode ser técnico, seo profissional necessita apenasde seus conhecimentos e habili-

dades para desenvolvê-lo (médi-co, por exemplo). E pode ser ma-terial, se o profissional dependetambém de equipamentos pararealizá-lo (por exemplo, motoris-tas de táxi, analistas de sistema).

Isso é essencial porque o tra-balhador que não detiver tais co-nhecimentos ou equipamentos,enfim, não puder dominar técni-ca e materialmente o seu própriotrabalho sempre dependerá dealguém para operar. E essa depen-dência quebra a possibilidade dehaver igualdade entre os que seassociam, porque quem detivermais conhecimento e/ou equipa-mento dominará a sociedade edela extrairá mais do que o outro,que será dominado.

Daí que somente aquele quepossa desenvolver individualmen-te o seu trabalho pode se coope-rar. O trabalho que exige equipeexclui a autonomia da vontade emsua execução, porque o membroda equipe realiza apenas parte dotodo, não exerce o domínio sobreele e é forçado a se sujeitar ahorários e regras de outrem. É,portanto, subordinado. A subordi-nação do trabalho impede que otrabalhador seja cooperado, por-que a igualdade técnica e socialnão será jamais alcançada.

Além disso, o trabalhador cujaatividade seja subordinada pornatureza não vende trabalho, masforça de trabalho. O médico, porexemplo, vende tratamento dadoença. O advogado vende a de-fesa do cliente. O taxista o trans-porte. O analista um programa.

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Eles decidem quando, de que for-ma e com que meios cumprirãoseu contrato, e não interessa aocliente quanto tempo o profissio-nal dedicará ao estudo do seucaso.

O operário e o trabalhador ru-ral, cujo trabalho se desenvolvetipicamente em equipe e sob su-bordinação de gerentes eturmeiros, não vendem um produ-to porque contribuem para a rea-lização apenas de parte dele. Ooperár io da Volkswagen, porexemplo, não monta veículo:aperta parafuso ou encaixa peçasou opera máquinas. O trabalha-dor rural não realiza a colheita:extrai a fruta ou encaixota ou car-rega ou corta a cana. O veículo éo produto do dispêndio de forçade trabalho de milhares de ope-rários. A colheita é o resultado doesforço de milhares de rurícolas.

Daí que, não importa se o pa-gamento é feito por horas ou porprodução, o que o trabalhador deequipe vende é o seu esforço, asua energia, a sua inteligência:não resultado final dela.

Só vende o trabalho quempode realizá-lo independente-mente de outrem, com seus pró-prios meios e da forma que elepróprio determine. Quem assimnão pode proceder, em decorrên-cia da natureza do trabalho, ven-de força de trabalho, vende a simesmo.

Além disso, é preciso que oprofissional ou empresário (ruralou urbano) queira se cooperar.

Esse traço é fundamental paracaracterizar uma cooperativa.Ninguém pode ser obrigado a seassociar, porque a voluntarieda-de é essência de toda associa-ção, cooperativa ou não. É aaffectio societatis, vontade de seassociar, que garante a idoneidadede qualquer corporação.

Feitas essas considerações,pode-se arriscar a elaboração deum enunciado orientador sobrecooperativa de trabalho:

‘‘Somente o profissional urbanoque detenha os conhecimentos epossua os equipamentos neces-sários aos seu trabalho e que opossa realizar individualmentepode se unir, querendo, em coo-perativa, com outros profissionaisque exerçam a mesma profissão,detendo o mesmo domínio técni-co ou material sobre o seu traba-lho, para fornecer à cooperativaesse trabalho e dela receber van-tagens que, de outra forma, nãoobteria” (destaques constantes nooriginal).

Ora, na espécie presente, pe-las atividades desenvolvidas pelosobreiros (serviço rural) é mais doque evidente que eles não poderi-am desempenhá-las individualmen-te ou autonomamente, já que sem-pre estariam sujeitos ao poder dedireção do empregador (statussubjectionis), seja com relação àtécnica ou seja com relação aosequipamentos materiais.

De outro tanto, há total deso-bediência ao disposto no art. 4º daLei n. 5.764/71, já que a cooperativa

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não presta serviço algum a seus as-sociados, mas sim aos tomadores deseus serviços. Ora, reza o mencio-nado preceptivo legal: “As coopera-tivas são sociedades de pessoascom forma e natureza jurídica pró-prias, de natureza civil, não-sujeitasà falência, constituídas para prestarserviços aos associados...”, de sor-te que a cooperativa somente se jus-tifica enquanto associação com o fitode ofertar aos associados a condi-ção de cliente e fornecedor ao mes-mo tempo. Em outro dizer, além dedar trabalho ao associado, deve pro-piciar-lhe benesses como saúde,aquisição de equipamento ou ali-mentos a preço de custo, de tal for-ma que o associado seja sócio edestinatário dos serviços empreen-didos pela cooperativa.

Na verdade, a cooperativa emapreço, como consta no seu estatu-to constitutivo, colima exclusivamen-te ser uma alternativa barata à mão-de-obra subordinada.

Logo, a intenção foi, pura e sim-plesmente, desonerar o empregadordo pagamento aos seus trabalhado-res dos direitos relativos à carteiraassinada, registro em livro competen-te, fundo de garantia, salários treze-nos, férias, descansos semanais re-munerados, horas extras, recolhimen-tos previdenciários etc. O artifício, porconseguinte, é o de meramentecognominar o laborista de “coopera-do”, para que seja desconsiderada asua verdadeira condição de empre-gado. Entrementes, como já salien-

tado alhures, tal expediente é nulo,diante do disposto no art. 9º consoli-dado, textualmente:

“Art. 9º Serão nulos de plenodireito os atos praticados com oobjetivo de desvirtuar, impedir oufraudar a aplicação dos precei-tos contidos na presente Conso-lidação.”

4.2.4. Ainda relativamente àatuação da Inspeção do Trabalho, foiconstatado que os cooperados ati-vam-se na atividade-fim da empre-sa locatária de mão-de-obra.

Ora, conforme consta no Enun-ciado n. 331 do colendo TribunalSuperior do Trabalho, não se podeter como lícita a intermediação demão-de-obra relativamente à ativida-de primordial da empresa tomadora deserviços, textualmente:

“Contrato de prestação de ser-viços — Legalidade — Revisão doEnunciado n. 256.

I — A contratação de trabalha-dores por empresa interposta éilegal, formando-se o vínculo di-retamente com o tomador dosserviços, salvo no caso de traba-lho temporário (Lei n. 6.019, de3.1.74).

II — A contratação irregular detrabalhador, através de empresainterposta, não gera vínculo deemprego com os órgãos da Ad-ministração Pública Direta, Indi-reta ou Fundacional (art. 37, II, daConstituição da República).

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III — Não forma vínculo deemprego com o tomador a contra-tação de serviços de vigilância (Lein. 7.102, de 20.06.83), de conser-vação e limpeza, bem como a deserviços especializados ligados àatividade-meio do tomador, desdeque inexistente a pessoalidade esubordinação direta.

IV — O inadimplemento dasobrigações trabalhistas, por par-te do empregador, implica na res-ponsabilidade do tomador dosserviços quanto àquelas obriga-ções, desde que este tenha par-ticipado da relação processual econste também do título executi-vo judicial.”

Conforme reza a boa doutrina,atividade-fim da empresa é aquelana qual esta envida todos os seusesforços, é a sua atividade principal,a sua força motriz.

Em ato contínuo, é mais doque evidente que são trabalhadoresligados à sua atividade primordialaqueles arrolados nos autos de in-fração colacionados.

Assim sendo, também sobesse prisma é nula a terceirizaçãooperada.

4.2.5. O egrégio Tribunal Regio-nal da 24ª Região já sufragou talentendimento, conforme se depreen-de da transcrição dos seguintes ar-restos, verbis:

“Cooperativa de trabalho. Re-lação de emprego. A criação decooperativas de trabalho deveatender aos restritos ditames le-

gais, restando imprópria e inidô-nea a sua constituição com o ve-lado objetivo de fraudar, impedirou desvirtuar a aplicação dos pre-ceitos da CLT. Uma conjunturaeconômica adversa, marcadapelo desemprego, não pode jus-tificar o desprezo imediatista pelalegislação em vigor, ignorando-seque a contratação de empregadosem conformidade com a lei redun-da em benefício não apenas paraaquele que é contratado, mas, emvista dos encargos recolhidospelo Estado, para toda a socieda-de, que deles se beneficia. Verifi-cada a inidoneidade da coopera-tiva, forma-se o vínculo de empre-go com a empresa beneficiáriados serviços prestados pelos tra-balhadores tidos por cooperados.Inteligência do art. 9º da CLT”(TRT 24ª Região — RO — 0257/99 — Juiz Márcio Eurico VitralAmaro).

“Cooperativa de trabalho —Fraude — As chamadas coopera-tivas de trabalho se constituemcom a finalidade precípua de me-lhorar as condições de trabalho enível salarial de determinados tra-balhadores, dispensando a inter-venção do empregador. Todavia,arregimentar mão-de-obra barata,sob o manto de falso cooperati-vismo, fazendo o trabalhador re-nunciar a direitos sabidamente ir-renunciáveis, e que assim sem-pre irá fazê-lo em virtude da coa-ção do próprio emprego, é umretrocesso histórico a todos osavanços conseguidos pelo Direi-to do Trabalho no decorrer dos

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tempos. Trabalhador que é fisca-lizado, subordinado e que recebeimportâncias com característicasde salário, é padronizado pelanorma consolidada (art. 3º), nãocomo cooperado, mas sim empre-gado, e como tal se acha ampa-rado por todas as leis trabalhis-tas e previdenciárias” (TRT 24ªRegião — RO 0150/99 — Rel.Juiz Nicanor de Araújo Lima. DJ/MS n. 5.101 de 15.9.99, p. 51).

5. Da medida liminar

5.1. O art. 12 da Lei n. 7.347/85, que instituiu a Ação Civil Públi-ca, autoriza: “Poderá o juiz conce-der mandado liminar, com ou semjustificação prévia...”.

De início, cabe ressaltar que amedida liminar prevista na ação ci-vil pública não tem natureza caute-lar, trata-se de típica hipótese de an-tecipação de tutela e, assim, devemestar presentes os requisitos do arts.273 e 461 do Código de ProcessoCivil, conforme lição de HumbertoTheodoro Júnior:

“A propósito, convém ressaltarque se registra, nas principaisfontes do direito europeu contem-porâneo, o reconhecimento deque, além da tutela cautelar, des-tinada a assegurar a efetividadedo resultado final do processoprincipal, deve existir, em deter-minadas circunstâncias, o poderdo juiz de antecipar, provisoria-mente, a própria solução definiti-va esperada no processo princi-

pal. São reclamos de justiça quefazem com que a realização dodireito não possa, em determina-dos casos, aguardar a longa einevitável sentença final.

Assim, fala-se em medidasprovisórias de natureza cautelare medidas provisórias de nature-za antecipatória; estas, de cunhosatisfativo, e aquelas, de cunhoapenas preventivo.

Entre nós, várias leis recentestêm previsto, sob a forma deliminares, deferíveis inaudita alte-ra pars, a tutela antecipatória,como por exemplo, se dá na açãopopular, nas ações locatícias, naação civil pública, na ação decla-ratória direta de inconstituciona-lidade etc.” (in “As Inovações doCódigo de Processo Civil”, Ed.Forense, 1995, p. 12).

No caso, estão presentes todosos requisitos que ensejam o deferi-mento de tutela antecipada. A fiscali-zação e as constantes notícias reve-lam que há prova inequívoca (art.273, caput, do CPC) de fraude e des-respeito aos direitos trabalhistas e dapessoa humana dos trabalhadoresutilizados na ilícita intermediaçãoperpetrada entre (e pelas) as rés.

Quanto ao requisito da veros-similhança, esta decorre da existên-cia de provas inequívocas já mencio-nadas e da notória ocorrência dodesvir tuamento das cooperativasnas relações de trabalho no Brasil,acarretando controvérsias que têmsido apresentadas à Justiça do Tra-balho diariamente.

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Portanto, a pertinência da me-dida liminar (na verdade, tutela an-tecipada) está no fato de que mes-mo após a intervenção do MinistérioPúblico do Trabalho, Promotoria deCosta Rica e da Delegacia Regionaldo Trabalho, a fim de resolver os pro-blemas pertinentes à relação de tra-balho entre os prestadores de servi-ços rurais e o Sr. Ondino, e, em se-guida, a propositura de uma AçãoPenal, o Sr. Ondino não se intimidoue continuou a praticar o aliciamento edesrespeito aos direitos de trabalha-dores rurais.

Cabe lembrar que o deferimen-to de tutela antecipatória em espe-cífica obrigação de não fazer já exis-te no processo do trabalho, pois oinciso IX do art. 659 da CLT autorizaao juiz impedir, por medida idênticaa que ora se postula, a transferên-cia ilegal do empregado até a deci-são final da ação. Logo, é possível,no processo laboral, a aplicação su-pletiva do instituto de direito proces-sual civil da antecipação da tutela(art. 769 da CLT).

Assim, nos termos do art. 12da Lei n. 7.347/85, requer-se:

a) a concessão de medida li-minar inaudita altera pars, a fimde que seja imediatamente sus-penso o fornecimento, direto ouindireto, pela primeira ré (Cooper-traca — Cooperativa dos Traba-lhadores Rurais de Costa Rica),de mão-de-obra subordinada aqualquer empresa, a qualquerprodutor rural (incluídas as pes-soas físicas, jurídicas, parceiros,

meeiros etc.) do Estado de MatoGrosso do Sul que necessite detrabalhadores rurais;

b) no tocante ao réu OndinoFerreira Dias, também se requer,da mesa forma que o item “a”, aconcessão de medida liminar inau-dita altera pars, a fim de que sejaimediatamente suspenso o forne-cimento, direto ou indireto, por par-te do mesmo, de mão-de-obra su-bordinada a qualquer empresa, aqualquer produtor rural (incluídasas pessoas físicas, jurídicas, par-ceiros, meeiros etc.) do Estado deMato Grosso do Sul que necessitede trabalhadores rurais, acrescen-tando-se quanto a este, inclusive,que também se abstenha de aliciartrabalhadores com falsas pro-messas, colocando-os para traba-lhar em empreendimentos de ter-ceiros. Devendo o réu em tela res-peitar todos os direitos trabalhistas(inclusive de Medicina e Seguran-ça do Trabalho, respeitando asNormas Regulamentadoras da Por-taria n. 3.214/78, do Ministério doTrabalho, notadamente fornecimen-to gratuito de EPIs) de seus contra-tados, não lhes cobrando o deslo-camento (a passagem) entre o lo-cal da contratação e o da presta-ção de serviço e vice-e-versa), in-clusive se responsabilizando solida-riamente (e por contrato escrito)com os produtores rurais nos quaiscolocar a mão-de-obra por ele con-tratado; sendo cláusula indispensá-vel do negócio jurídico entre taisprodutores rurais e o 2º réu a daresponsabilidade solidária;

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c) faz-se os mesmos requeri-mentos dos itens “a” e “b” supra,no tocante à terceira ré (ZelmaFerreira Dias), e quanto, a esta,inclusive, que se abstenha decolaborar com o segundo réu(Ondino) no aliciamento dos tra-balhadores (retendo-lhes Cartei-ra de Trabalho e Previdência So-cial, exigindo-lhes pagamento depassagens, de equipamentosde proteção individual etc.).

6. Em caráter definitivo

A Ação Civil Pública tem porobjeto a “condenação em dinhei-ro ou o cumprimento de obriga-ção de fazer ou não fazer” (art. 3ºda Lei n. 7.347/85).

Ante o todo exposto, o Minis-tério Público do Trabalho requer aconfirmação da antecipação dosefeitos da tutela, em caráter definiti-vo e a procedência dos pedidos dapresente ação civil pública, para con-denar nas seguintes obrigações:

a) a manutenção da medida li-minar requerida;

b) a declaração de inidoneida-de da COOPERTRACA — Coope-rativa dos Trabalhadores Ruraisde Costa Rica, para o fornecimen-to de mão-de-obra subordinada;

c) quanto ao Ondino FerreiraDias, especificamente, que seabstenha do fornecimento, diretoou indireto, por parte do mesmo,de mão-de-obra subordinada aqualquer empresa, a qualquer pro-dutor rural (incluídas as pessoas

físicas, jurídicas, parceiros,meeiros etc.) do Estado de MatoGrosso do Sul que necessite detrabalhadores rurais; bem como seabstenha de aliciar trabalhadorescom falsas promessas, colocando-os para trabalhar em empreendi-mentos de terceiros. Devendo oréu em tela respeitar todos os di-reitos trabalhistas (inclusive deMedicina e Segurança do Traba-lho, respeitando as Normas Regu-lamentadoras da Portaria n. 3.214/78, do Ministério do Trabalho, no-tadamente fornecimento gratuitode EPIs) de seus contratados, nãolhes cobrando o deslocamento (apassagem) entre o local da con-tratação e o da prestação de ser-viço e vice-e-versa, inclusive seresponsabilizando solidariamente(e por contrato escrito) com os pro-dutores rurais nos quais colocar amão-de-obra por ele contratado;sendo cláusula indispensável donegócio jurídico entre tais produ-tores rurais e o 2º réu a da res-ponsabilidade solidária;

d) quanto a Zelma FerreiraDias, especificamente, que seabstenha dos procedimentoselencados no item “c” anterior,bem como que se abstenha decolaborar com o segundo réu(Ondino) no aliciamento dos tra-balhadores (retendo-lhes Cartei-ra de Trabalho e Previdência So-cial, exigindo-lhes pagamento depassagens, de equipamentosde proteção individual etc.) .

e) na forma do art. 11 da Lei n.7.347/85 (astreintes) c/c. art. 287do Código de Processo Civil, nãohavendo cumprimento de qual-

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quer preceito da sentença, ou seuretardamento, sejam as rés con-denadas à multa diária correspon-dente a 5.000,00 (cinco mil) reaisreajustado da mesma forma queos tributos do governo federal ecom juros de mora de 1% ao mês),revertida ao FAT — Fundo de Am-paro ao Trabalhador ou outro fun-do a ser indicado pelo MPT.

Requer-se, também, a citaçãodos réus para, querendo, apresen-tar defesa que entendam cabível,sob pena de revelia, acompanhan-do a ação em seus ulteriores termos,quando então haverá de ser julgadatotalmente procedente, o que ficadesde já postulado, e, ainda, que asintimações do MPT sejam efetuadasna forma do disposto no art. 18,inciso II, alínea h, da LC n. 75/93(intimação pessoal).

Protesta pela produção de to-dos os meios de prova em direitoadmitidos, inclusive, se necessário,juntada de fitas de vídeo com entre-vistas dos trabalhadores, utilizaçãode prova emprestada, arrolamento detestemunhas, bem como ofícios àDRT para o envio de cópias de to-dos os autos de infração, lavradosem face do 1º e 2º réus.

Não obstante o bem jurídicoque se pretende proteger seja inco-mensurável, atribui-se à causa ovalor de R$ 50.000,00 (cinqüenta milreais).

Termos em que,

Pede deferimento.

Campo Grande (MS), 29 demaio de 2002.

Cícero Rufino Pereira, Procu-rador do Trabalho.

Autos n. 02.1399-4

Vistos etc.

O Ministério Público do Tra-balho, através de seu representan-te e no uso de suas atribuições le-gais, propôs a presente Ação CivilPública, em face de Coopertraca —Cooperativa dos Trabalhadores Ru-rais de Costa Rica, pessoa jurídicade direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob. o n. 03.710.784/0001-30,com sede na Chácara Ferreira, par-te da Fazenda Taboca — Vale doAmanhecer, em Costa Rica (MS),neste ato representada pelo segun-do requerido, Ondino Ferreira Dias,brasileiro, casado, comerciante,com carteira de identidade RG n.482.586-SSP/MS, portador do CPFn. 107.623.961-72, residente naRua Tércio Teixeira Machado, 1565— Centro, ou Rua Campos Sales,61, e Zelma Ferreira Dias, brasilei-ra, solteira, tesoureira da primeirarequer ida, por tadora do RG n.528.611 SSP/MS e do CPF n.542.888.511-49, residente na RuaAmbrosina Paes Coelho, 362 —Centro ou Rua Hisméria BorgesNunes, 560 — Vila Nunes, domicilia-da em Costa Rica (MS), aduzindo,em apertada síntese, que consta-tou, a partir de denúncias realiza-das por três trabalhadores, que osrequeridos submetiam trabalhado-res ao regime de semi-escravidão,sob violência armada, bem comoque a despeito de já se encontra-rem os requeridos sendo penalmen-te processados em decorrência des-tes fatos, tornaram a submeter tra-balhadores, desta feita de origem in-dígena, à mesma situação. Argu-

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menta que, ao fazê-lo, os requeri-dos contrariaram vários preceitosconstitucionais, ferindo frontalmen-te a dignidade da pessoa humanados trabalhadores submetidos a tra-tamento vexatório e desonroso.Sustenta que restou evidenciadonos autos que a primeira requeridanada mais é que uma falsa coope-rativa, cujo único objetivo é o for-necimento de mão-de-obra neces-sária ao desenvolvimento das ativi-dades de empreiteiro do segundoréu. Requereu a concessão de me-dida liminar inaudita altera pars afim de que seja imediatamente sus-penso o fornecimento, direto ou in-direto, pela primeira ré de mão-de-obra subordinada a qualquer em-presa, a qualquer produtor rural (in-cluídas as pessoas físicas, jurídi-cas, parceiros, meeiros etc.) do Es-tado de Mato Grosso do Sul quenecessite de trabalhadores rurais,bem como, com relação aos segun-do e terceiro requeridos, que tam-bém seja imediatamente suspensoo fornecimento, direto ou indireto,por parte dos mesmos, de mão-de-obra subordinada a qualquer em-presa ou produtor rural no âmbitodo Estado de Mato Grosso do Sul,responsabilizando-se solidariamen-te e por contrato escrito, com os pro-dutores rurais pela mão-de-obra poreles contratada. Como provimentodefinitivo, requer a declaração deinidoneidade da primeira requeridapara fornecimento de mão-de-obrasubordinada, bem como com rela-ção ao segundo e terceira requeri-dos, que se abstenham do forneci-mento, direto ou indireto, por partedo mesmo, de mão-de-obra subor-dinada a qualquer empresa, a qual-

quer produtor rural do Estado deMato Grosso do Sul que necessitede trabalhadores rurais, bem comose abstenha de aliciar trabalhadorescom falsas promessas, colocando-ospara trabalhar em empreendimentosde terceiros. Postulou, ainda, que emcaso de descumprimento de qual-quer disposição supra, sejam os réuscondenados à multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais), reajustadada mesma forma que os tributosdo governo federal e com juros demora de 1% ao mês, revertida aoFAT ou outro fundo a ser indicadopelo autor.

Com a inicial vieram os docu-mentos de fls. 40/152.

Relatei o necessário.

Decido.

In casu, o representante doMinistério Público requer a conces-são de liminar para o fim de assegu-rar a efetividade do provimento ju-risdicional a ser proferido nestesautos, de modo a coibir que os re-queridos permaneçam praticandoatos em detrimento aos direitos in-dividuais e sociais dos trabalhado-res rurais do Estado de Mato Gros-so do Sul.

A doutrina já deixou externadoque “analisa-se a situação do autore exclusivamente ela, para, em ra-zão de fatores objetivos, se concluirpela necessidade ou não da anteci-pação e essa necessidade só severificará quando houver o fundadoreceio de que os danos ocorrerão” (1).

(1) Passos, J. J. Calmon. ‘‘Inovações noCódigo de Processo Civil’’, São Paulo:Forense, 2ª ed., p. 18.

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Cândido Rangel Dinamarco(2),cuja autoridade como o maior cien-tista do direito processual civil bra-sileiro ninguém pode colocar emdúvida, prelecionada que “conven-cer-se da verossimilhança, não po-deria significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realida-de fática pode ser como a descreveo autor”.

Dentro de um grau de proba-bilidade do direito alegado, queinexige prova robusta e convincentea seu respeito, por ser a cogniçãoaqui, sumária, e considerando queefetivamente o direito do autor podeser como o descrito na peça vesti-bular, há que se conceder a liminarpara antecipar os efeitos da tutelajurisdicional de mérito.

Creio que, ao menos nestemomento de cognição sumária, as-siste razão ao parquet.

Primeiramente, ressalte-se queo Ministério Público do Trabalho éparte legítima para a defesa, por meiodesta ação, dos interesses coletivosdos trabalhadores rurais da CostaRica (MS), o que ora se vislumbra.

Ademais, ainda que em umjuízo de cognição sumária, causaestranheza a constituição da objur-gada cooperativa, que congrega pes-soas das mais diversas qualificaçõese objetivos, o que enseja à crença,ainda que provisória, de que foi cons-tituída como forma de burlar a fiscali-zação dos direitos laborais dos tra-balhadores arrebatados.

A reiteração da situação, porsua vez, ressalta o periculum in morada manutenção do atual status quo,eis que os requeridos, embora res-pondendo a ação penal em decor-rência da primeira situação narradana exordial, não se acanharam emcontinuar na mesma seara, destafeita arrebatando indígenas para omesmo tipo e situação de trabalho,o que causou comoção nesta peque-na comunidade.

Logo, por congruentes os ar-gumentos expendidos pela repre-sentante ministerial, tem-se que amanutenção do status quo atual im-portaria em prejuízos desnecessá-rios à coletividade, que continuariase sujeito à prestação de serviço emdesconformidade com os requisitoslegais. Frise-se que no confrontoentre os interesses particulares (re-querida) e coletivos, é evidente apreponderância destes últimos.

Assim, vislumbro presentes oselementos necessários para a con-cessão da medida liminar objetivadana inicial.

Assim, anotado que a inicialcontém pedido de ser estabelecidaa obrigação de não fazer (se absteros requeridos do fornecimento, dire-to ou indireto, de mão-de-obra subor-dinada a qualquer empresa, a qual-quer produtor rural do Estado deMato Grosso do Sul que necessitede trabalhadores rurais, bem comode aliciar trabalhadores com falsaspromessas, colocando-os para tra-balhar em empreendimentos de ter-ceiros), e cabível a fixação de astre-inte até de ofício pelo Juiz (confira-se o artigo 461, § 4º, do CPC), deve

(2) Dinamarco, Cândido Rangel. ‘‘A Re-forma do Código de Processo Civil’’, SãoPaulo: Malheiros, 2ª ed., p. 143.

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essa multa ser fixada em valor alto,apto a compelir a requerida a cum-prir a obrigação específica, cuja tu-tela foi antecipada para o limiar daação.

Por tais considerações, defiroa medida liminar requerida na exor-dial, consistente em ordenar aos re-queridos que se abstenham do for-necimento, direto ou indireto, demão-de-obra subordinada a qual-quer empresa, a qualquer produtorrural do Estado de Mato Grosso doSul que necessite de trabalhadoresrurais, bem como se abstenham dealiciar trabalhadores com falsas pro-messas, colocando-os para trabalharem empreendimentos de terceiros,já a partir desta mesma data.

A determinação ora emanada,inequivocamente, implica em impo-sição de obrigação de não fazer que,se descumprida sujeitará os reque-ridos às sanções penais por deso-bediência à ordem judicial, sem pre-juízo da imposição de multa diáriaem caso de descumprimento, quefixo, na forma do artigo 461 do CPC,em R$ 1.000,00 (um mil reais), semprejuízo das sanções administrativasaplicáveis à espécie.

Cumpra-se.

Registre-se o decisum.

Intimem-se.

Costa Rica (MS), 25 de junhode 2002.

Daniela Vieira Tardin, Juíza deDireito.

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JURISPRUDÊNCIA

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1. Relatório

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso Ordinário,provenientes da Vara do Trabalho deParauapebas, em que são partes asacima identificadas.

Inconformado com a r. senten-ça de fls. 514/545, que julgou total-mente procedente a Ação ajuizada,o réu interpõe o presente recurso. Emsuas razões alega, inicialmente, quea demanda não se enquadra comoação civil pública, pois não amparadireitos individuais, não tendo a fina-lidade de reparar prejuízos particula-res pela “suposta conduta comissivaou omissiva do então Requerido”.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRABALHO EMCONDIÇÕES DEGRADANTES — DANO MORAL

COLETIVO (TRT 8ª REGIÃO)

Recorrente: José Humberto de Oliveira (Fazenda Palmar)Advogados: Doutor Irineu Dutra Fernandes e outrosRecorrido: Ministério Público do TrabalhoProcurador: Loris Rocha Pereira Junior

Trabalho forçado. Configuração. Os fatos devidamente comprovadosnos autos, demonstram de maneira incontestável o descuido continuadodo empregador com o meio ambiente do trabalho, afetando potencial-mente todos os seus empregados, que, ao contrário do que alega a peçarecursal, estavam impossibilitados do livre exercício do direito de IR eVIR, e o que é mais degradante, estavam submetidos à condiçãosubumana como bem retratam as fotos e a fita VHS residentes nos au-tos. Está, assim, configurada a prática de dano coletivo.

Assevera que houve violação àgarantia da coisa julgada, vez que areferida ação perdeu o objeto median-te a qualidade de empreiteiros dos tra-balhadores. Aponta, ainda, outra irre-gularidade processual na dispensa daoitiva do representante do requerido,bem como dos trabalhadores, o queprejudicou sua defesa.

Por fim, arrazoa que a destina-ção da multa ao FAT é inadequada,bem como considera que houve umadesproporcionalidade entre as mul-tas e pretensas infrações e o bis inidem.

Houve apresentação de con-tra-razões às fls. 563/577, pela Pro-

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curadoria Regional do Trabalho, queà fl. 581, considerou redundante aemissão de parecer, vez que se re-veste da condição de autor na refe-rida ação.

2. Fundamentação

Conheço do recurso, eis quesatisfeitos os pressupostos de ad-missibilidade.

Da impossiblidade da Ação CivilPública

O recorrente sustenta a impro-bidade do instrumento processualutilizado pelo Ministério Público doTrabalho da 8ª Região, ao argumen-to de que a Ação Civil Pública nãose presta a amparar direitos indivi-duais, nem se destina à reparaçãode prejuízos causados a particula-res pela suposta conduta comissivaou omissiva do empregador. Citadoutrina de nomeada em abono àtese abraçada.

Não obstante reconheça a só-lida cultura dos mestres citados pelapeça recursal, o Prof. José CláudioMonteiro de Brito Filho, por quemnutro enorme admiração e respeito,e o Dr. Ibraim Rocha, não tenho ne-nhuma dúvida e nem incerteza deque o Ministério Público do Trabalhoda Oitava Região utilizou o único ins-trumento processual capaz de pos-sibilitar o pronunciamento do PoderJudiciário sobre matéria que consti-tui verdadeira “chaga” aberta na de-mocracia, qual seja, a utilização demão-de-obra sem o mínimo respeito

à dignidade humana, cuja defesaconstitui um dos pilares do EstadoDemocrático de Direito.

Pois bem. O Ministério Públicodo Trabalho, ao ajuizar a presenteação, buscou inspiração na moder-na concepção do direito processu-al, concebido não mais como instru-mento para satisfação do direito in-dividual, mas voltado para a defesados interesses do cidadão, comomembro de uma coletividade. Daí sefalar em direito de terceira geraçãoe que impõe ao magistrado verda-deira revolução de pensamento, jáque deixará de ser mero aplicadordo direito, voltando atenção para osescopos jurídicos, sociais e políticos,a fim de que haja perfeita integraçãoentre a pretensão deduzida em juízoe o direito material.

Diante dessa nova concepçãoprocessual é que o nosso ordena-mento jurídico vem sofrendo profun-das alterações desde 1985, com aedição da Lei n. 7.347/85, que tratada Ação Civil Pública.

O artigo 11 da citada lei, aodeterminar que “na ação que tenhapor objeto o cumprimento de obriga-ção de fazer ou não fazer, o juiz de-terminará o cumprimento da pres-tação da atividade devida ou a cessa-ção da atividade nociva, sob penade execução específica, ou de co-minação de multa diária, se esta forsuficiente ou compatível, indepen-dentemente de requerimento do au-tor”, originou a chamada tutela inibi-tória, cujo objetivo é conservar a in-tegridade do direito e, assim, evita-ria a prática, a continuação ou a re-petição do ilícito. Este, portanto, é o

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objetivo da presente ação civil pú-blica — evitar que o recorrente con-tinue a explorar a força de trabalhosem observar as mínimas garantiasasseguradas aos trabalhadores pelaConsolidação das Leis do Trabalho,prática discriminatória que vem sen-do consagrada no Estado do Parátodo e que merece ser repelida peloPoder Judiciário sob pena de inver-termos o real significado do artigo3º da Carta da República, que so-mente admite uma única leitura, istoé, a construção de uma sociedadelivre, justa, solidária, mais igual, queerradique a pobreza e a marginali-zação e reduza as desigualdadessociais e regionais.

Vê-se, desse modo, que o pos-tulado em causa não deve ser en-quadrado com a simplicidade apre-sentada pelo recorrente, na medidaem que o bem jurídico perseguidopela presente ação civil pública, valedizer, aquele que o Ministério Públi-co do Trabalho pretende que sejaefetivado, é o direito dos trabalha-dores em atividade na propriedadedo reclamado que não respeita osdireitos sociais garantidos pelo arti-go 7º da Carta Magna em vigor. Orecorrente ao assim proceder, vemhá tempos praticando um ilícito tra-balhista com graves prejuízos aopatrimônio jurídico dos empregadosque labutam em seu benefício. Emoutras palavras: pretende o Ministé-rio Público do Trabalho que seja ve-dado, por decisão judicial, a contra-tação de empregados sem o cumpri-mento das normas de proteção aotrabalho, como forma de contribuir

efetivamente para a erradicação dotrabalho forçado, que a nós todosenvergonha.

Portanto, o Órgão Ministerialestá atuando em defesa dos direitoshumanos de trabalhadores que, emlarga escala, vivem em verdadeirasituação analóga à de escravo, con-dição que lhes retira o direito de par-ticipar de uma verdadeira socieda-de democrática.

Este é, sem dúvida, o grandedesafio das instituições democráti-cas, que não pode ser concebido deoutra forma senão como a proteçãoda dignidade humana. Cabe referiraqui a lúcida lição de Fábio KonderComparato, Professor Titular da Fa-culdade de Direito da Universidadede São Paulo, no sentido de que:“Felizmente, não é apenas essa glo-balização capitalista que está emcurso no mundo contemporâneo. Aolado dela, ou melhor, contra ela tra-balha outra força histórica de unifi-cação da humanidade: a consciên-cia de que nada há de mais impor-tante no mundo que a pessoa huma-na, e de que todos os homens, nãoimportando a sua raça, o seu sexo,as suas condições patrimoniais, asua nacionalidade ou a sua cultura,possuem essa mesma dignidade.Assim, se a sociedade capitalistaobedece unicamente ao princípio doindividualismo soberano, que é a leido mais forte, a “sociedade univer-sal do gênero humano”, já anuncia-da pela filosofia estóica há mais devinte séculos, funda-se em princípiooposto: a comunhão solidária de to-dos, na construção de um mundo li-vre, justo e fraterno” (O Papel do Juiz

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na Efetivação dos Direitos Humanosin Direitos Humanos — visões con-temporâneas. Publicação Especialem Comemoração aos 10 anos deFundação da Associação Juízespara a Democracia, São Paulo, 2001,p. 16).

Logo, afigura-se possível o ra-ciocínio no sentido de que a preten-são ora analisada encontra respal-do no artigo 11 da Lei n. 7.347/85,aliás, como já referido ao norte.

Da coisa julgada

A instrução processual promo-vida pelo juízo sentenciante desres-peitou os princípios contitucionaisinsertos nos incisos II, LIV e LV, doartigo 5º, da Carta da República,apregoa o recorrente. Assevera queo juízo de origem não deu nenhumaimportância ao instituto da coisa jul-gada, apesar da alegação contida nadefesa, no sentido de que teria sidoefetuado o acerto do saldo de em-preitada com todos os trabalhadoresem atividade na propriedade do re-clamado, ou pela inexistência deempreiteiro em serviço em sua fa-zenda, o que demonstra a perda doobjeto da presente ação. Diz, ainda,que os documentos inclusos — có-pias de reclamações trabalhistas,que teriam sido rejeitados pelo juízoa quo, corroboram a tese da perdado objeto, eis que comprovam a qua-lidade de empreiteiros.

Diante das razões contidas napeça recursal não poderia furtar-mede dizer, como já o fez o juízo sen-tenciante, que são conhecidas as

críticas assacadas pelos emprega-dores contra a efetiva atuação doEstado no combate ao trabalho for-çado e da parte do reclamado nãose poderia esperar outra atitude, daípor que lança sobre a presente açãocivil pública toda sorte de irregulari-dades e ilegalidades processuais,tais como desrespeito à coisa julga-da, desprezo ao princípio do juízonatural, desrespeito ao princípio dodevido processo legal, da ampla de-fesa e do contraditório, enfim a açãointentada pelo Órgão Ministerial se-ria abusiva e ilegal.

Vale dizer que estamos diantede uma ação civil pública que nãodefende interesses individuais e simque o empregador paute sua condu-ta pelas regras que disciplinam arelação de emprego no Brasil. Pen-so que a presente relação proces-sual transcede a esfera da defesa dedireitos dos trabalhadores, que fo-ram discriminados pelo recorrente namedida em que somente foram re-conhecidos como seres humanosapós a interferência da unidade mó-vel do Ministério do Trabalho e Em-prego, mas para a defesa da socie-dade, da dignidade humana, cujadefesa não pode passar à margemdo Órgão Ministerial. Sempre repor-to-me à realização de uma nova jus-tiça, cuja tarefa de criação pertenceaos magistrados que, para tanto,devem sempre estar presentes ondehouver violação de direito, quer sejano campo, quer seja na área urbanae na realização dessa nova justiçatem papel da mais alta relevância oMinistério Público do Trabalho. Daínão ser possível o acolhimento dasrazões recursais, no particular.

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Bem sei que o direito de peti-ção pode ser exercido por qualquercidadão na busca de um direito as-segurado pelo ordenamento jurídiconacional. No presente caso, todavia,não encontrei um só indício de queos trabalhadores tivessem ajuizadoreclamações trabalhistas visando orecebimento de saldo de empreita-da. Mas, ainda, que assim tivessemprocedido, o ajuizamento da recla-mação trabalhista não seria obstá-culo para a atuação Ministerial, atéporque a disciplina da coisa julgadaem ações coletivas, à luz do artigo103 do Código de Defesa do Consu-midor, aqui invocado em caráter sub-sidiário, é distinta da prevista peloartigo 472 do CPC.

É de se assinalar que a recla-mação trabalhista e a ação civil pú-blica não são as mesmas ações, namedida em que possuem objetos eobjetivos distintos, partindo-se doexame de seus elementos identifica-dores que, certamente, não são osmesmos. Ainda que as partes pos-sam ser consideradas as mesmas,diversos serão a causa de pedir e opedido.

Antoni Gidi, mestre em DireitoProcessual Civil pela PUC-SP, aoabordar o tema em discussão, lecio-na: “Entretanto, se a ação civil públi-ca em defesa de direito superindivi-dual for julgada improcedente, a imu-tabilidade do teor dessa decisão nãopoderá prejudicar nenhum direitoindividual dos consumidores interes-sados na demanda.

A lide superindividual objeto daação civil pública, bem verdade, es-tará definitivamente julgada e o di-

reito difuso ou coletivo já não pode-rá ser objeto de novo pronunciamen-to judicial. Em vista de uma ação ci-vil pública em defesa de direito su-perindividual ser julgada improce-dente após instrução suficiente, jánão será permitida a propositura deuma ação coletiva do CDC com fun-damento na mesma causa de pedire formulando o mesmo pedido emdefesa do mesmo direito superindi-vidual. Há formação de coisa julga-da material em relação à comunida-de ou à coletividade titular do direi-to, impedindo a reabertura da discus-são em juízo.

Há de se ressaltar, entretanto,a hipótese de a ação civil pública tersido julgada improcedente por insu-ficiência de provas. Se for esse ocaso, a via coletiva ainda estaráaberta se nova prova for apresenta-da, e essa ação tanto pode ser umacoletiva do CDC como uma ação ci-vil pública.

Para a defesa dos direitos in-dividuais homogêneos correspon-dentes ao superindivudual, porém,continuam abertas ao consumidortanto a via individual quanto a viacoletiva, independentemente da cau-sa da improcedência. Isso porque setrata, como vimos, de ações diferen-tes, em defesa de direitos diferentes.Assim, ainda que improcedente opedido da ação civil pública, o con-sumidor poderá ter o seu prejuízo,individualmente sofrido, ressarcidoatravés de uma ação individual oumesmo de uma ação coletiva emdefesa de direitos individuais homo-gêneos, seja ela proposta com baseno CDC, seja na própria LACP” (in

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Coisa Julgada e Litispendência emAções Coletivas, São Paulo, Sarai-va, 1995, p. 158).

No que tange à insobservânciado princípio do juízo natural, igualsorte merece as razões recursais.

A Constituição Federal, comotodos sabemos, consagrou como umdos direitos e garantias fundamen-tais, o julgamento da lide por órgãosjurisdicionais pré-constituídos, o quesignifica dizer que não se pode criartribunais após verificado o fato quemotivou a tutela jurisdicional. Ditoprincípio é contemplado pelo incisoLIII, do artigo 5º, da Carta Magna de1988, isto é, “ninguém será proces-sado, nem sentenciado senão porautoridade competente”. Em outraspalavras: o processo deve ser julga-do por juiz imparcial, independente,isento e competente, na forma da lei.

O princípio do juízo natural éindispensável para o fortalecimentodo Estado Democrático de Direito,cujo pilar básico repousa na sobera-nia, na cidadania, na dignidade dapessoa humana, nos valores sociaisdo trabalho e da livre iniciativa e nopluralismo político, como reza o arti-go 1º, da Carta Maior da República.

Na lição do festejado proces-sualista, Humberto Theodoro Júnior,“só pode exercer a jurisdição aque-le órgão a que a Constituição atribuio poder jurisdicional. Toda origem,expressa ou implícita, do poder ju-risdicional só pode emanar da Cons-tituição, de modo que não é dado aolegislador ordinário criar juízes outribunais de exceção, para julgamen-to de certas causas, nem tampouco

dar aos organismos judiciários es-truturação diversa daquela previstana Lei Magna”, in Curso de DireitoProcessual Civil, 15ª edição, EditoraForense, p. 38.

Finalmente, é de anotar que,ao lado dos direitos civis e políticos(primeira geração), dos direitos so-ciais, econômicos e culturais (segun-da geração), emerge uma terceirageração de direitos que tem comovalor supremo o homem, na buscade uma sociedade livre, justa e soli-dária. Tais direitos reclamam do Ju-diciário uma participação mais ativanos debates sociais, daí a presençaefetiva de magistrados em debatesrelativos à dignidade humana, redu-ção das desigualdades sociais,erradicação do trabalho escravo, dotrabalho infantil, da miséria e damarginalização, defesa do meio am-biente e outros temas.

Quanto ao desrespeito às ga-rantias da legalidade e do devidoprocesso legal não tenho a mesmavisão apresentada pela recorrente,pois a atuação do Órgão Ministerialocorreu em estrito cumprimento danorma que regulamenta a ação civilpública em nosso ordenamento jurí-dico, qual seja, a Lei n. 7.347/85, queconcebeu a ação civil pública comoadequado meio de defesa dos direi-tos difusos e coletivos, função insti-tucional do Ministério Público paraa proteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente (direitosdas futuras gerações) e de outrosinteresses difusos e coletivos e indi-vidual homogêneos, na forma pres-crita pelos ar tigos 127 e 129 daConstituição Federal em vigor.

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A mesma concepção deve serseguida em relação ao alegado des-respeito aos princípios da ampladefesa e do contraditório. Penso quequando se alega prejuízo decorren-te da atuação do Poder Judiciárionão se pode partir de premissa fal-sa, como tenta impor a recorrente, esim de real e efetivo descumprimen-to das regras insertas no ordena-mento jurídico pátrio.

O exame dos autos revela queo recorrente foi devidamente notifi-cado para apresentar defesa, fls, 40.Na data designada para a audiênciainaugural, fls. 187, o recorrenteofer tou defesa em doze laudas,acompanhada de farto material pro-batório, como: fotocópia do livro deregistro de empregados, diversasfotografias, TRCT, contracheques elivros, e ainda arrolou duas testemu-nhas, Srs. Emerson Arnaldo Ferrei-ra e Edmundo Horácio Ferreira, queforam inquiridos às fls. 194/195. Nãohá lugar, assim, para alegação deviolação dos princípios da ampladefesa e do contraditório.

Irregularidades processuais

A recorrente sustenta que aausência do depoimento pessoal doautor e dos trabalhadores teria pre-judicado a sua defesa.

Afirma, ainda, que os depoi-mentos prestados pelos fiscais dotrabalho, autores do auto de infração,não podem ser concebidos comoprova testemunhal ante à falta deisenção de ânimo.

Narra que os trabalhadoresnão estavm impedidos de exercer odireito constitucional de IR e VIR, aocontrário do que consta na peça deacusação, pois realizavam comprasnos supermercados localizados naCidade de Curionopólis, o que im-pede falar em trabalho escravo ouem situação análoga. Apregoa que, emprestígio da verdade, os fatos devemser narrados como realmente acon-teceram.

Aponta, por derradeiro, comoirregularidade processual, a ausên-cia de oitiva de qualquer dos traba-lhadores em atividade na fazendaPalmar, cujo comparecimento seriapossível diante do cadastro realiza-do pelo grupo móvel do Ministério doTrabalho e Emprego.

Do exame dos autos depreen-de-se que não existe a irregularidadeapontada. O juízo sentenciante dis-pensou os depoimentos das partessem que o recorrente se insurgisseno curso da instrução processual.Logo, qualquer lamento nesta oca-sião resta abrangido pela preclusãotemporal.

A inquirição dos fiscais do tra-balho como testemunhas, realizadapor via de cartas precatórias, cum-pridas pelos TRTs da 21ª e 23ª Re-giões, não significa irregularidadeprocessual e nem causou prejuízo àdefesa do recorrente. Ao contrário,foi de grande utilidade para o escla-recimento da verdade real, já que,como fiscais do trabalho, integraramo grupo móvel que realizou diligên-cia na referida fazenda. As testemu-nhas, portanto, tinham pleno conhe-cimento da verdadeira realidade vi-venciada pelos trabalhadores.

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Ademais, verifico que a impug-nação ora analisada também estáfulminada pela preclusão temporal,pois não encontro um só linha lan-çada pela recorrente perante o juízodeprecado contra a oitiva de GlauberFreitas de Moura, fiscal do trabalhoque integrou o Grupo Móvel do Mi-nistério do Trabalho e Emprego queatuou na fiscalização da fazendaPalmar. Assim, o depoimento da ci-tada testemunha está isento dequaisquer irregularidades, devendoser considerado prova cabal dos fa-tos alegados pela exordial.

Da inadequação da multa do FATe da desproporcionalidade entreas multas e as pretensas infraçõese o bis in idem

As questões acima guardamcerta identidade e, assim, serão ana-lisadas em conjunto.

O recorrente questiona a des-tinação da multa de R$ 60.000,00(sessenta mil reais) ao Fundo deAmparo ao Trabalhador. Afirma que,se a multa é decorrente de pretensodano sofrido por certos e determi-nados trabalhadores, a eles deveriaser destinada, e que, portanto, essefato impossibilitaria o entendimentoda existência de dano coletivo, comopretende o Parquet, que, no enten-der da recorrente, apenas pretende“engordar o saldo do FAT”.

Apregoa, ainda, que a fixaçãoda multa em epígrafe não respeitouo princípio da proporcionalidade, naforma consagrada pela ConstituiçãoFederal.

Assevera que as infraçõesapontadas restam prejudicadas anteà inexistência de vínculo de empre-go, “decidamente comprovada eamparada pelo efeito da res judicata,comprovada pelos documentos tra-zidos com a defesa”, e que todas asinfrações foram autuadas e proces-sadas na esfera própria, a adminis-trativa e perante a Delegacia Regio-nal do Trabalho, onde a recorrenteapresentou defesa.

Argumenta que “... se existe oprocedimento adminstrativo decor-rente de fiscalização, com a possi-bilidade de serem aplicadas multasprevistas em lei, especialmente paracada uma das pretensas infrações,é inadmissível e ilegal que o recla-mado venha a sofrer nova punição edesta vez em dobro (duas multas)em razão das mesmas acusações.Pois, é certo que a regra específicaafasta a aplicação de regra geral,e,pelo mesmo princípio de direito ge-nérico ou geral, pr incipalmente,quando fixada em dobro e concomi-tante com a multa de procedimentoespecífica”.

A fixação da multa, assim, con-figura bis in idem e total violação aoprincípio insculpido no artigo 5º,inciso II, da Carta Política de 1988— princípio da legalidade, pois a re-corrente já foi penalizada com asmultas estampadas nos autos de in-frações. Desta feita, requer que per-maneça tão-somente uma das mul-tas, qual seja, a advertência — paracaso de descumprimento futuro deobrigações do porte das citadas pelaexordial.

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Não tenho a menor dúvida emafirmar que o problema relativo àscondições em que os trabalhadoresforam encontrados pela Equipe doGrupo de Fiscalização Móvel é con-seqüência da falta de políticas pú-blicas voltadas para amplas refor-mas (reforma agrária, urbana, tribu-tária que possibilite melhor distribui-ção de renda, saúde pública, ensinopúblico e previdenciária) e até mes-mo para possibilitar a profissionali-zação do trabalhador, sendo estamedida básica para possível manu-tenção das mínimas condições deempregabilidade, pois como já dis-se o cantor Gonzaguinha “e sem oseu trabalho o homem não tem hon-ra, e sem a sua honra, se mata, semorre. Não dá pra ser feliz”.

Também não tenho dúvida emafirmar que a situação degradantedenunciada pelos trabalhadores aosintegrantes do Grupo de Fiscaliza-ção Móvel é conseqüência da impu-nidade que reina em alguns Estadosda Federação, onde as organizaçõescriminosas teimam em desrespeitaro Poder legalmente constituído, paraimpor suas barbaridades como regrade conduta a ser observada pelasociedade, chegando até mesmo àsmãos daqueles que têm como devermaior a solução dos conflitos de in-teresses de acordo com as normasinsertas no nosso ordenamento ju-rídico, cujo objetivo não pode serconcebido senão como o de garan-tir a paz social.

Assim, mais uma vez devo afir-mar que a via eleita pelo Órgão Mi-nisterial é o único instrumento capazde combater, no plano judicial, a

discriminação perpetrada contra ostrabalhadores rurais, aos quais deveser garantido o pleno exercício dosdireitos civis, políticos, sociais, eco-nômicos e culturais, ou seja, a elesdeve ser assegurado o pleno exer-cício da cidadania, baliza maior dosregimes democráticos de direito.

Analisada por esse ângulo, apretensão do Ministério Público doTrabalho não pode ser vista comoobstáculo a impedir o exercício dodireito ao trabalho, princípio de índo-le constitucional e em vigor desde oTratado de Versalhes, e do direitoconstitucional de liberdade de traba-lho, na medida em que seu objetivoreside em evitar a prática, a continua-ção do ilícito trabalhista, consistenteno descumpr imento de normasinsertas na Constituição Federal e naConsolidação das Leis do Trabalho.Daí ser plenamente correta a postu-lação de tutela inibitória.

É certo que a atuação do Mi-nistério Público, especialmente nasregiões mais pobres do país, muitotem incomodado as oligarquias lo-cais, sempre interessadas na manu-tenção de seus privilégios e na ex-ploração da pobreza e da misériahumana. É contra esse estado deexploração humana que se insurgeo Parquet com arrimo em norma deperfil constitucional, artigos 127 e129, da Carta da República de 1988.

Convém ressaltar que consti-tui conduta altamente censurável,com todas as conseqüências jurídi-cas, inclusive aquelas de ordem pe-nal que dela possam resultar, atransgressão por qualquer empresá-rio do dever jurídico de respeitar adignidade humana.

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O acervo probatório, e aquidestaco a fita VHS apensada aosautos, demonstra que a FazendaPalmar, de propriedade do Sr. JoséHumberto de Oliveira, mantinha ostrabalhadores em estado de discri-minação, de abandono à própria sor-te, de verdadeira situação de escra-vos, sem direito às mínimas garantiasbásicas para uma sobrevivênciadigna, afinal eram trabalhadores queviviam no mato e, assim, estavam emsituação bem semelhantes à dosanimais, passando de galho em ga-lho à luz de um belo amanhecer,embalados pelos mistérios que en-volvem as nossas florestas e apenasisso.

E nem se tente justificar esseprocedimento pela ausência de re-lação de emprego, pois, como bemsalientou o digno juízo sentencian-te, nem mesmo ao seu rebano o re-clamado seria capaz de dispensartratamento tão aviltante sob pena decomprometer o seu patrimônio, a suasobrevivência.

Pois bem. Como já revelado oacervo probatório — e aqui abro umparêntese para dizer que minha per-cepção a respeito da produção daprova é diferente da anunciada peladefesa, pois entendo que o amplodireito de defesa assegurado pelomandamento constitucional, artigo5º, inciso LV, possibilita que a parteapresente documentos no curso dainstrução processual, que sempredeverá ser submetido ao contraditó-rio — demonstra a violação de inte-resses coletivos — de pesssoas hu-manas, que, por infortúnio, foramsubmetidas às condições análogas

à de escravos. Percebe-se que, des-sa forma, está configurada a práticade dano coletivo senão vejamos.

O depoimento da testemunhaGlauber Freitas de Moura, residentena cidade de Natal, é fundamentalpara o reconhecimento do dano co-letivo. Disse a testemunha: “Que par-ticipou da diligência na FazendaPalmar entre abril e maio de 2001;que, ao chegarem à fazenda verifi-caram que havia trabalhadores ar-regimentados por “gatos” para fazero serviço de limpeza de terreno; quenessa fazenda se recorda do nomede um dos “gatos”, chamado Zezinho;que os trabalhadores não estavamregistrados e não havia obediênciaàs normas de segurança do trabalho;que a reclamação dos trabalhadoresera porque não recebiam pagamen-to em dinheiro, entregando a relaçãode alimentos a serem adquiridos, ao“gato”, a quem cabia comprar na ci-dade os víveres e trazer para o localdo trabalho, ficando o acerto de con-tas postergado para o final do ser-viço; que não havia alojamento paraos trabalhadores, mas apenas bar-racos de palha, com chão de pisobatido; que não havia banheiros, fa-zendo os trabalhadores suas neces-sidades fisiológicas ao relento; que,com a chegada da fiscalização doMinistério do Trabalho, o dono dafazenda foi compelido a anotar ascarteiras dos trabalhadores e a pa-gar a rescisão de contrato após oque os trabalhadores foram emborada fazenda; que ainda foi verificadono local que os trabalhadores nãoutilizavam qualquer equipamentode proteção, havendo apenas alguns

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que tinham botinas impróprias parao trabalho e adquiridas com seu pró-prio dinheiro; foi verificado ainda aexistência de trabalhadores aciden-tados, havendo um com sutura rea-lizada no próprio local e outro comperda de membro, o qual foi enca-minhado ao INSS para lavratura daCAT, não sabendo, todavia, o depoen-te se tais providências foram real-mente efetivadas; que havia cerca de18 trabalhadores e a única água dis-ponível para beber era a de um iga-rapé próximo, a qual também era uti-lizada para lavagem de roupa e parahigiene pessoal; que a Sra. MarinalvaCardoso Dantas também participouda diligência com o depoente, comocoordenadora, e possui fitas VHScom imagens gravadas no local”,fls. 305.

O relatório elaborado pelo gru-po especial de fiscalização móvel,documento públ ico com valorprobante definido pelo artigo 364 doCPC, narra o seguinte:

“O que chamou a atenção nocaso da fazenda Palmar foi o fato deque os trabalhadores eram todosgarimpeiros e foram arregimentadosno Garimpo de Serra Pelada, quedista cerca de 35 Km da proprieda-de fiscalizada. O que mais nos dei-xou espantados foi a afirmação de-les de que aquela situação absolu-tamente degradante estaria menosruim do que a situação que estavamvivendo em Serra Pelada, onde amiséria era insuportável. Um traba-lhador idoso nos afirmou que emSerra Pelada havia muito serviço,

mas não tinha trabalho, querendocom isso dizer que não havia maisemprego.

(...)

A atividade desenvolvida pelos“foiceiros” no roço da juquira é bas-tante penosa, causando estragos emsuas roupas e no seu corpo. Haviaumas áreas encharcadas, que agre-dia os pés dos trabalhadores ense-jando doenças causadas por fungos,uma vez que a água entrava nosseus calçados. Encontramos os tra-balhadores em situação deplorável,com as vestes rasgadas pela juquirae as botas arrebentadas que deixa-vam à mostra os pés (fotos fls. 11).Estavam, portanto, totalmente vulne-ráveis aos ataques dos animais pe-çonhentos e aos cortes causadospela rude vegetação. O sol, agressornatural e diário, completava o qua-dro de desconforto laboral. Os tra-balhadores, salvo raras exceções,não usavam sequer chapéu.

O “gato” adotava duas situa-ções distintas em relação aos traba-lhadores encontrados na fazenda:havia o sistema dos diaristas, assimchamados porque ganhavam saláriomínimo/dia, submetidos a uma jorna-da de oito horas diárias. Esse siste-ma era adotado para os que faziam odesmatamento usando veneno paramatar as palmeiras de babaçu. Osfoiceiros, que roçavam a juquira eramcontratados por produção e podiamtrabalhar o quanto aguentassem, poisterminariam suas tarefas mais rapi-damente. Nenhum dos dois sistemasadotava a CTPS, sendo todos manti-dos na informalidade.

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As duas formas adotadas pelo“gato” representavam baixíssimocusto, uma vez que os salários se re-sumiam praticamente a arroz e feijão.

(...)

Os alojamentos eram estrutu-rados em pau-a-pique, alguns cober-tos de palha e outros com plásticopreto, com algumas paredes feitascom o mesmo material, havendo vá-rias laterais sem proteção contra in-tempéries, totalmente devassadas esem privacidade. O piso era de ter-ra, sem nenhum móvel, o que deixa-va os trabalhadores submetidos àsmesmas condições dos cães quehabitavam os referidos alojamentos(fotos fls. 14 e 15). A única diferençaentre os trabalhadores e seus cãesse resumia a dormir em redes.

Não havia banheiros nem sa-nitários, o que levava os trabalhado-res a banhar-se e satisfazer suasnecessidades fisiológicas ao relento,no meio do mato (foto fls. 20). Ossanitários, inclusive, eram facilmentedenunciados pelo forte odor exalado.

(...)

Ao serem contratados, foi acer-tado que a alimentação seria forne-cida sem desconto no salário, assimdenominado “livre” (em contraparti-da ao salário “cativo”, que sofre des-contos). Todavia, esse pacto não foihonrado pelo “gato” Zezinho, queefetuava um desconto de 55%, tor-nando-se um ônus insuportável parao trabalhador.

Em relação à qualidade da co-mida, verificamos que somente eraservido aos trabalhadores como refei-ção, feijão com arroz. Esse cardápio,

por ser o único, resultava na práticade fornecer apenas colheres comotalher (fls. 16). As facas e garfos eramdispensáveis, uma vez que nunca ha-via carne ou qualquer “mistura”.

A denúncia de que ocasional-mente havia “mistura” de carne deanimais silvestres, foi comprovadadiante da existência de vários cou-ros desses animais estendidos ao solpara secagem (tijuaçu, lagartos, ga-tos do mato, queixada etc.) e a ven-da de lanternas de pilhas e anzóisaos trabalhadores para caça e pes-ca noturnas denunciavam essa prá-tica, que era inclusive incentivadapelo “gato”, que além de não ter quecomprar carne, ainda lucrava com avenda de equipamentos. O cão de-sempenhava importante papel nesseparticular, pois era o principal caça-dor (depoimento de fls. 49).

Segundo depoimento gravadoem filmadora, o café da manhã seresumia a café preto e farinha, alter-nando-se punhados de farinha comgoles de café. A única opção à fari-nha era uma espécie de angu feitosomente com farinha e água fer-vente com sal ou açúcar. Era essaa dieta que mantinha os trabalha-dores o dia inteiro sob trabalho in-salubre e penoso.

De acordo com declarações,alguns costumavam sentir fraqueza.

Completando o atentado àsaúde dos trabalhadores, a águaera retirada de um buraco, onde eramantida completamente estagnadae aquecida com o calor escaldantedo sol, além de ser turva e com mui-

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to lixo ao seu redor. Esse era tam-bém o local onde o cachorro bebiaágua.

(...)

Havia quatro “subgatos” naFazenda Palmar, a saber: Raimun-do, Capixaba, Índio e Edílson. Os tra-balhadores respeitavam os níveis da“hierarquia felina” e se referiam aoSr. José Gonçalves Machado como“Gato Geral”. Verificamos que os“subgatos” apesar do título, não pas-savam de meros cantineiros, poisseu poder limitava-se a anotar a uti-lização de produtos que o “gato” ad-quiria no supermercado e eram tãomiseráveis e semi-analfabetos quan-to os demais trabalhadores, fazen-do inclusive o mesmo serviço. OCapixaba, inclusive, tinha aulas dearitmética com a companheira (fls. 66verso) a qual fazia as anotações noscadernos e cozinhava para o “time”chefiado pelo seu marido. O Capixaba,por incrível que pareça, vivia maismiseravelmente que os demais.

(...)

As compras eram efetuadaspessoalmente pelo “gato” no super-mercado Tocantins de Curionopólis.Os preços das mercadorias são dis-criminados nas notas de compra,mas, o preço pelo qual era vendidoaos trabalhadores não consta, dei-xando-s (sic) totalmente sem noçãodo tamanho da dívida, o que os le-vava a consumir de tudo, inclusivecamisa (fls. 64).

(...)

A água de beber, cozer e lavarlouças era totalmente inservível,

estagnada, turva e repleta de lixo,sendo acondicionada em poços ci-líndricos feitos na areia, sem nenhu-ma cobertura, caindo animais den-tro e areia. Os trabalhadores se quei-xavam de sentir muitas dores nosrins pelo fato de tomarem água po-dre e por essa razão, beberem pou-co líquido, apesar de suarem muitono sol escaldante sob os efeitos doqual passam o dia roçando”.

Os trechos pinçados acimademonstram de maneira incontestá-vel o descuido continuado do empre-gador com o meio ambiente do tra-balho, afetando potencialmente to-dos os seus empregados, que, aocontrário do que alega a peça recur-sal, estavam impossibilitados do li-vre exercício do direito de IR e VIR,e o que é mais degradante, estavamsubmetidos à condição subumanacomo bem retratam as fotos e a fitaVHS residentes nos autos. Está, as-sim, configurada a prática de danocoletivo.

É verdade que o reclamadoadotou de imediato providências vi-sando a melhoria das condições detrabalho de seus empregados, comodemonstram as fotos, as cópias dolivro de registro de empregados e osrecibos de pagamento de salários,trazidos com a defesa. Esse compor-tamento, contudo, não desqualificaa prática do ílicito trabalhista denun-ciado pelo Órgão Ministerial que,com a presente ação, pretende ini-bir a empresa de continuar descum-prindo as leis de proteção ao traba-lho, consagradas pela Carta Políticae pelas normas infraconstitucionais.

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Também, nesta via, não há,desde logo, acolher a alegação dedupla penalidade pelo mesmo fatogerador, na medida em que, aindaque tenha ocorrido autuação da in-fração pela Delegacia Regional doTrabalho, órgão que atua somente naesfera administrativa, esse fato, porsi só, não impossibilita a interven-ção do Poder Judiciário na formaproconizada pelo artigo 5º, XXXV, daCarta Maior deste País.

Neste passo, não posso deixarde registrar que também inocorreuviolação ao previsto pelo menciona-do artigo 5º, inciso II, na medida emque a relação jurídica a envolver aspartes, no presente caso, seguiu to-das as diretrizes ditadas pelo devidoprocesso legal, tendo sido assegura-do ao recorrente o sagrado direito daampla defesa e do contraditório.

Quanto à manutenção apenasda multa de advertência a matérianão foi analisada pela r. decisão hos-tilizada, configurando inovação dorecurso.

No que pertine à inadequadadestinação da multa ao FAT, pensoque mais uma vez a recorrente está semrazão. É que, diversamente doque prega a peça recursal, o Fundode Amparo do Trabalhador, criadopela Lei n. 7.998/90, pode ser benefi-ciado com a multa imposta por deci-são judicial, conforme estabelece oinciso V, do artigo 11, da Lei 7.998/90. Portanto, procedeu com acertoo juízo sentenciante em destinar aindenização de R$ 60.000,00 (ses-senta mil reais) ao Fundo de Ampa-ro ao Trabalhador.

A recorrente também alegaque a multa de R$ 60.000,00 (ses-senta mil reais) não guarda propor-cionalidade com as supostas infra-ções apontadas pela fiscalização doGrupo Móvel.

Ainda uma vez acredito que arecorrente está sem razão. Esque-ceu a recorrente que estão em jogointeresses ligados direta ou indire-tamente com valores supremoscomo liberdade de IR e VIR, direitosfundamentais do homem e exigên-cia de justiça social, pelo que a mul-ta em referência se afigure como ra-zoável e juridicamente defensável.

O juízo sentenciante, certa-mente, buscou inspiração no princí-pio de defesa de condições mínimasde existência inerente ao respeito dadignidade da pessoa humana, con-siderando as circunstâncias que cer-caram as atividades desenvolvidaspelos trabalhadores na FazendaPalmar, que, como já revelado, eramatentatórias da dignidade humana.

O princípio da razoabilidade ouda proibição do excesso, ou confor-me a maioria dos doutrinadores bra-sileiros, da proporcionalidade, bali-za a ser considerada na realizaçãoda justiça, parte do pressuposto deque o julgador deve agir de acordocom a razão, na medida em que “ne-nhum direito pode ser exercido demodo não razoável, porque o quenão é razoável não é direito”, con-forme ensinamento do mestre darazoabi l idade, Luís RecasénsSiches, citado por Luiz de Pinho Pe-dreira da Silva (in Principiologia doDireito do Trabalho, p.152).

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Não custa enfatizar, portanto,que a r. decisão hostilizada tambémobservou o princípio retromenciona-do, de índole constitucional, e aquientendido como instrumento de so-lução de conflitos de direitos funda-mentais, que somente foram reco-nhecidos pela recorrente com a fis-calização realizada pelo Ministériodo Trabalho e Emprego.

Desta forma, na formação doconvencimento do juízo sentencian-te foram considerados todos os as-pectos que circundaram a realidadevivenciada pelos trabalhadores naFazenda Palmar, inclusive os aspec-tos sociais, e até mesmo o imediatocumprimento das normas trabalhis-tas pelo proprietário da mencionadafazenda, certamente, um cidadãodo bem.

Com esses argumentos, man-tenho o valor da multa na ordem deR$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

3. Dispositivo

Ante o exposto, conheço dorecurso, porque preenchidos ospressupostos de admissibilidade; nomérito, nego provimento para man-ter a r. sentença recorrida em todosos seus termos, conforme os funda-mentos, inclusive quanto às custas.

Isto posto, acordam os Juízesda Quarta Turma do Egrégio Tribu-nal Regional do Trabalho da OitavaRegião, unanimemente, em conhe-cer do recurso; no mérito, sem diver-gência, negar-lhe provimento paramanter a r. sentença recorrida emtodos os seus termos, conforme os

fundamentos, inclusive quanto àscustas. O Excelentíssimo Juiz Revi-sor requereu e lhe foi deferida justi-ficativa de voto convergente ao pédo Acórdão.

Sala de Sessões da QuartaTurma do Egrégio Tribunal Regionaldo Trabalho da Oitava Região.Belém, 6 de maio de 2003.

Francisca Oliveira Formigosa,Juíza Relatora.

JUSTIFICATIVA DE VOTOCONVERGENTE

Os fundamentos jurídicos e aanálise minuciosa dos fatos de lavrada Exma. Juíza Relatora enfocam,de forma exaustiva e perspicaz, aquestão. Aderindo integralmente aostermos e fundamentos lavrados comfelicidade por Sua Excelência, uno-me para acrescentar razões que melevam, também, a convergir com ovoto condutor.

Houve época em que a Justi-ça do Trabalho acomodava-se emsua inércia e encarava o trabalha-dor apenas sob o ângulo patrimonial.Interessava-lhe apenas remunerar oaviso prévio, as horas extras, asquantias que haviam sido inadimpli-das pelo empregador.

O Ministério Público do Traba-lho, no mesmo diapasão, limitava-sea lançar pareceres que, na maior par-te das vezes, pouco acrescentavam.

A questão acerca da função edo papel do Poder Judiciário do Tra-balho foi, assim, colocada à socie-dade brasileira. Afinal, como pode ter

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efetividade uma Justiça do Trabalhoquando há tanto desrespeito aos di-reitos trabalhistas e persiste a explo-ração do trabalho forçado?

É nesse contexto que surge ocombate a toda forma de discrimi-nação e opressão injurídicas e noqual deve ocupar papel central aJustiça do Trabalho. Compete-nosresgatar o trabalhador em sua intei-reza, deixando de vê-lo unicamenteno viés econômico.

Se os horizontes do Juiz do Tra-balho estavam gizados ao homem-econômico, a hora é de estendê-lossobre todo o mundo do trabalho, re-conhecendo a competência e o de-ver constitucional de dirimir todos osconflitos individuais e coletivos quedigam respeito ao meio ambiente dotrabalho, ao combate ao trabalho for-çado, à luta contra a discriminação etantas outras bandeiras. No âmbitoindividual, cabe perceber que a saú-de, a vida, a honra e a dignidade dotrabalhador são também bens jurídi-cos e direitos humanos, que devemencontrar guarida no Judiciário Tra-balhista e não encontram expressãomeramente econômica.

A Justiça do Trabalho somen-te poderá considerar cumprida suafunção social na medida em que

abre os olhos para os conflitos detrabalho em sua inteireza e na di-mensão coletiva. Não há mais lugarpara a manutenção simples do puroe antigo processo do trabalho indi-vidual; há novos direitos a serem tu-telados e a sociedade brasileira exi-ge a efetividade da Justiça.

Não apenas ratifico as razõesda erudita sentença, mas louvo o tra-balho profícuo que é desenvolvido,com a participação decisiva dos Fis-cais do Trabalho, do Ministério Pú-blico do Trabalho e a visão de van-guarda dos Juízes de Primeiro Grau.Somente essa feliz combinação écapaz de combater a forma hedion-da de opressão ao trabalhador cons-tatada nestes autos e vivenciada portantos brasileiros.

A Vara de Combate ao Traba-lho Escravo e o Grupo Móvel sãoconquistas não apenas da Justiça doTrabalho, que reafirma e redimensio-na seu papel como instituição, massobretudo da sociedade brasileira,que passa a perceber a atuação doEstado onde reinava a barbárie.

Confirmo a decisão por seusjurídicos fundamentos.

Gabriel Napoleão Velloso Fi-lho, Juiz Revisor.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRABALHO EMCONDIÇÕES DEGRADANTES — DANO MORALCOLETIVO — LEGITIMIDADE ATIVA DO MPT

(TRT 8ª REGIÃO)

Recorrente(s): Lima Araújo Agropecuária Ltda.Dr. Fernando Carlos Araújo de Paiva e outros

Recorrido(s): Ministério Público do TrabalhoDr. Hideraldo Luis de Sousa Machado

Dano moral coletivo — Possibilidade — Uma vez configurado que aré violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindo normas deordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e meio ambientedo trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por dano moralcoletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta deapreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e causando gran-des prejuízos à sociedade.

1. Relatório

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso Ordinário,oriundos da MMª 2ª Vara do Traba-lho de Marabá — PA, em que sãopartes, como recorrente, a reclama-da Lima Araújo Agropecuária Ltda.,e, como recorrido, o Ministério Pú-blico do Trabalho.

A MMª 2ª VT de Marabá-PA jul-gou procedente a reclamação e afas-tou a preliminar de carência de açãosuscitada; acolheu o pedido de cum-primento de obrigações de fazer (for-necimento de equipamentos de tra-balho necessários à operacionaliza-

ção da atividade exigida do empre-gado; efetuar o registro da CTPS dosseus empregados; efetuar o registrode seus empregados em livro, fichaou sistema eletrônico; realizar exa-mes médicos admissionais, demis-sionais e periódicos; fornecer mate-riais de primeiros socorros; forneceralojamento e instalações sanitáriasaos seus empregados e fornecerágua potável para consumo de seusempregados), com cominação demulta à demandada, no valor de R$1.000,00 para cada obrigação des-cumprida e para cada trabalhadoratingido, a ser revertida ao FAT; aco-lheu o pedido de pagamento de in-

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denização por dano moral coletivo,no valor de R$ 30.000,00, em favordo FAT. Condenou a reclamada aocumprimento das obrigações de fa-zer elencadas acima e ao pagamen-to de indenização de R$ 30.000,00,a favor do FAT, em virtude do danomoral coletivo sofrido pelos seusempregados.

Inconformada, a reclamada in-terpõe Recurso Ordinário a este E.Tribunal. Em suas razões de fls. 105/121, reitera a preliminar de ilegitimi-dade ad causam do Ministério Públi-co do Trabalho para propor Ação Ci-vil Pública. Aponta, ainda, a recorren-te a impossibilidade de manutençãodo julgado no que atine à fixação daindenização por dano moral coletivo,eis que a Ação Civil Pública foi inten-tada sem que tenha sido sequer es-gotada a fase administrativa.

Há contra-razões de fls. 126/144.

O órgão do Ministério Público,à fl. 171, entendeu ser dispensável aemissão de parecer, considerandoa posição já assumida.

2. Fundamentação

Do conhecimento

Conheço do Recurso Ordiná-rio interposto pela reclamada. É tem-pestivo, está subscrito por advoga-dos habilitados, fl. 122, e a recorren-te efetuou regularmente o depósitodo principal, fl. 102, e o pagamentodas custas, fl. 103.

Igualmente, considero as con-tra-razões apresentadas pelo Minis-tério Público, eis que atendem osrequisitos de admissibilidade.

Da preliminar de ilegitimidade adcausam do autor e falta deinteresse de agir

A recorrente reitera a prelimi-nar de ilegitimidade ad causam doautor para propor a Ação Civil Públi-ca. Aponta que a Lei Complementarn. 75/93 somente dá competência aoMinistério Público para promover aaludida ação nos casos de interes-ses individuais, homogêneos, so-ciais, difusos e coletivos, vedandoexpressamente a lei nas ações quese refiram a relações jurídicas per-feitamente individualizadas e identi-ficadas. Ressalta que, no caso sobenfoque, o processo de fiscalizaçãoestá relacionado a um número certoe determinado de empregados, osquais atuam ou atuavam na empre-sa, o que, no seu entender, afasta autilização da ação civil pública comomeio de defesa de supostos interes-ses coletivos ou difusos.

A recorrente afirma, ainda, sertotalmente inadequado o ajuizamen-to da ação civil pública, pois não estátraduzindo o interesse coletivo, massim individual dos empregados daempresa. Entende, assim, que o Mi-nistério Público carece de interessede agir nos presentes autos, deven-do o processo ser extinto sem o jul-gamento do mérito, nos termos doart. 267, inciso VI, do CPC.

A questio juris levantada pelarecorrente é pertinente, pois existeum grande debate jurídico acerca dalegitimação do Ministério Público emdeterminados casos, principalmen-te se existe uma linha tênue entre ointeresse coletivo em sentido lato e

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interesses individuais homogêneos,tudo estando a depender, em últimaanálise, da verificação sobre se asolução da lide apresenta interesserelevante à coletividade como umtodo.

Dárcio Guimarães de Andrade,em conhecida monografia sobre aclassificação dos interesses, assimpontifica:

No vasto espaço do universodos interesses de uma coletivida-de, se enquadram não só os co-letivos e os individuais, mas, tam-bém, os difusos, nascidos no seiode um grupo social intermediário,delineado a partir da manifesta-ção das relações de trabalho den-tro de um modelo democráticoparticipativo. Assim, podemosdefinir os interesses existentes nasociedade em: — interesses indi-viduais: são aqueles que dizemrespeito às pessoas físicas oujurídicas consideradas na sua in-dividualidade, ou seja, se restrin-gem à esfera de atuação de umasó pessoa; — interesses grupaisou coletivos: são aqueles referen-tes a uma determinada categoriade pessoas que têm pontos emcomum, ligadas por uma relaçãojurídica base, impondo soluçõeshomogêneas para a composiçãode conflitos; — interesses difusos:são aqueles que não comportamuma determinação do sujeito dodireito, também denominadosmeta-individuais; têm a caracte-rística da generalidade, da fluidezdo objeto, por sua intensa litigio-sidade interna e por sua tendên-

cia à mutação ou transição no tem-po e no espaço. Têm um alcancemaior do que o do direito coletivo,pois não emergem de um grupoorganizado, mas da própria desa-gregação e indefinição de indiví-duos. Se apresentam ligados poruma circunstância de fato; — in-teresses gerais ou sociais: sãoaqueles afetos a toda a socie-dade, chegando a ser confundidoscom o interesse público, mas trans-cendendo-o, na proporção em queos interesses do Estado podemconflitar, a um certo momento, como interesse geral da sociedade. (InAção civil pública no âmbito daJustiça do Trabalho — Publicadana Síntese Trabalhista n. 139 —Jan./2001, pág. 22)

O jurista Ives Gandra da SilvaMar t ins assinala, com grandepercuciência no aspecto processu-al, que “quem tem a faculdade dedispor de um seu direito é seu únicotitular, não podendo ser substituídopor ninguém contra sua vontade,contra sua autorização, contra suadeliberação. O MP não pode disporde direito individual de um cidadão,sem que este o autorize, razão pelaqual não lhe outorgou a CF compe-tência para proteção dos direitos in-dividuais se não aqueles que sãoindisponíveis e, assim mesmo, poroutro veículo processual que não oveículo da ACP” (Ver parecer publi-cado na RT 707/19-32).

A doutrina então remete a pos-sibilidade de um direito individual vira ser albergado pelo Ministério Pú-blico do Trabalho desde que haja,pespegado a ele, a adjetivação daindisponibilidade.

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Assim, a defesa coletiva de uminteresse está intimamente vincula-da à natureza desse mesmo interes-se, não sombreando dúvidas que ostransindividuais de natureza indivi-sível, que se classificam em difusose coletivos, e, ainda, os individuaishomogêneos, ingressam nessa ca-tegoria (ver art. 81, parágrafo único,da Lei n. 8.078, de 11 de setembrode 1990).

Para desalento da tese levan-tada no recurso, vislumbro no pre-sente caso não só uma violação adireitos individuais indisponíveis,mas também e principalmente, vio-lação a interesse coletivo.

O Ministério Público, cujas atri-buições foram realçadas na vigenteConstituição Federal, é por esta de-finido no art. 127, caput, como umainstituição permanente, essencial àfunção jurisdicional, “incumbindo-lhea defesa da ordem jurídica, do regi-me democrático e dos interessessociais e individuais indisponíveis”(grifamos).

No tocante às funções institu-cionais do Parquet, temos a redaçãodo art. 129 da mesma Constituição,cabendo-lhe, no que diz respeito àsações coletivas, “promover o inqué-rito civil e a ação civil pública, paraa proteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e de ou-tros interesses difusos e coletivos”(grifamos).

Nesse mesmo rumo, temos aLei Complementar n. 75, de 20 demaio de 1993, que dispõe sobre aorganização, as atribuições e o es-

tatuto do Ministério Público da União,que deixou gravado, nos artigos 6ºe 83:

Art. 6º Compete ao MinistérioPúblico da União:

VII — promover o inquérito ci-vil e a ação civil pública para:

d) outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, so-ciais, difusos e coletivos.

Art. 83. Compete ao MinistérioPúblico do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos ór-gãos da Justiça do Trabalho:

I — promover as ações que lhesejam atribuídas pela ConstituiçãoFederal e pelas leis trabalhistas;

II — manifestar-se em qual-quer fase do processo trabalhis-ta, acolhendo solicitação do juizou por sua iniciativa, quando en-tender existente interesse públi-co que justifique a intervenção;

III — promover a ação civil pú-blica no âmbito da Justiça do Tra-balho, para defesa de interessescoletivos, quando desrespeitadosos direitos sociais constitucional-mente garantidos;

Dúvidas também não subsis-tem sobre o cabimento da Ação Ci-vil Pública na Justiça do Trabalho emface da legislação retromencionadae pelo vasto material doutrinário jáproduzido sobre o tema, valendorelembrar as lições de Aroldo PlínioGonçalves, para quem, verbis:

... a ACP, na JT não poderá sesubmeter simples e inteiramente

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ao modelo da L. 7.347/85. Estemodelo foi previsto para repara-ção de danos a sujeitos, bens,direitos e interesses que foramespecificamente nominados pelolegislador. A ACP na JT foi pre-vista para a proteção de interes-ses vinculados a direitos dos tra-balhadores, reconhecidos no pla-no constitucional. Para sua iden-tificação deverão concorrer o su-jeito a quem cabe seu ajuizamen-to, a natureza do objeto para oqual através dele se busca a tu-tela jurisdicional e a natureza doprovimento que, por ela, se alme-ja obter (in “A Ação Civil Públicana Justiça do Trabalho”, RevistaLTr, 58-10/1225).

Ainda deve ser consideradoque, consoante a orientação domi-nante nos Tribunais Trabalhistas, oconceito de direito indisponível, paraefeito de autorizar a atuação do Mi-nistério Público do Trabalho em suadefesa, decorre da circunstância deo interesse coletivo apresentar-seem primeiro plano, tornando-se, naperspectiva jurídica, menos relevan-te o interesse individual do titular emsua efetivação.

A questão posta nestes termosme parece desanuviada e de fácilsolução, pois o que busca o Ministé-rio Público, por intermédio da pre-sente ação, é que a ré cumpra comos comandos normativos inseridosna legislação, no tocante à seguran-ça, higiene e medicina do trabalho,bem como normas ligadas ao exer-cício profissional, estando plena-mente justificado seu interesse de

agir e a sua legitimação para inte-grar a lide, rejeitando-se, de conse-guinte, as preliminares suscitadas.

Mérito

Da multa por descumprimento daobrigação de fazer

Enfatiza a recorrente que, nacondenação da multa por descum-primento da obrigação de fazer,constata-se uma desproporcionali-dade entre o quantum indenizatórioe aquele fixado a título de multa pe-nal, o que é vedado pelo art. 920, doCódigo Civil.

Assevera a recorrente que emuma mesma decisão não pode ha-ver discrepâncias em relação aosvalores que venham a ser fixadospor duas cominações dist intas,quando a acessória superar a prin-cipal, em razão do que, no seu en-tender, não poderia ser imposta umacondenação de pagamento de inde-nização em valor que é superadopelo quantum fixado a título de mul-ta, pelo descumprimento das obriga-ções de fazer.

Pretende, assim, a recorrenteque seja limitada a multa em casode descumprimento pela obrigação defazer, no importe de R$ 500,00, porempregado.

Sem razão a recorrente.

A multa fixada para atender àsobrigações dessa natureza tem acaracterística de astreintes, denomi-nação recebida do direito francês,pois derivada do verbo astreindere,

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que significa obrigar. Atua, pois,como constrição, ou seja, como “co-ação de caráter econômico, no sen-tido de influir, psicologicamente, noânimo do devedor, para que cumpraa prestação de que se está esqui-vando” (Mendonça Lima, apud Car-reira Alvim, Código de Processo Ci-vil reformado, 3ª ed., Belo Horizon-te, Del Rey, 1996, p. 186).

Como multa processual, nãotem função compensatória, isto é,não se destina a compor eventualprejuízo sofrido pelo credor em ra-zão do descumprimento da obriga-ção, mas sim meio indireto de coa-gir o devedor a realizar a prestaçãoinadimplida.

Por isso, quando o devedor in-siste em manter-se inadimplente,mesmo após a instauração da exe-cução, a multa cominada torna-sedevida, independentemente da exis-tência de algum dano. Adquire auto-nomia jurídica.

Ora, tendo em vista que o seufim não visa a satisfação do direitodo credor, não existe a limitação im-posta pelo art. 920 do Código Civil,como alega a executada, pois “amulta, na execução das obrigaçõesde fazer, não sofre prévia limitação deseu quantum, que pode crescer sem-pre, enquanto perdurar a inadimplên-cia. Não é proporcional ao valor dodébito, ou ao prejuízo causado peloinadimplemento, é correlacionadaapenas à duração do inadimplemento”(Costa e Silva, Tratado de processode execução, 2ª ed., Rio de Janeiro,AIDE, 1986, v. II, n. 128.9, p. 1157).

Desse modo, tenho que o va-lor não é excessivo, até mesmo por-que diz respeito ao cumprimento deobrigação futura que a ré pode seprecaver para evitar a sanção.

Da indenização por dano moral

Salienta a recorrente, maisuma vez, que a ação civil pública foiindevidamente intentada, eis queainda não tinha sido esgotada a faseadministrativa, baseando-se tão-so-mente em um Relatório de Inspeção.Acrescenta, ainda, que, ao contrá-r io do que consta na decisão,inexistiu qualquer prova testemunhala respeito do dano moral sofrido pe-los seus trabalhadores, não haven-do sustentáculo para corroborar acondenação.

Por fim, a recorrente alega queo recorrido não se desincumbiu doônus da prova, em razão do que, noseu dizer, não cabe a condenaçãoda indenização, pois não demonstra-do o constrangimento sofrido pelosempregados.

Mais uma vez, as alegações daré não merecem prosperar, pois estáinovando na lide, o que é vedado emmatéria recursal, sob pena de violar-se o devido processo legal e cerce-ar-se a defesa da parte contrária.

A defesa da empresa recorren-te limitou-se a dizer que o dano mo-ral não era devido em razão de quetodos os trabalhadores encontradosno imóvel rural tiveram os seus di-reitos quantificados pelo Grupo Es-pecial de Fiscalização Móvel e foramdevidamente pagos no mesmo

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momento da fiscalização, silencian-do a respeito de provas ou da ine-xistência de nexo de causalidade.

De qualquer maneira, estejuízo mantém a condenação impos-ta à ré, no montante arbitrado pelojuízo de primeiro grau, pois se é cer-to que o dano moral exige a carac-terização de três elementos: impul-so do agente, resultado lesivo e nexode causalidade entre o dano e aação alheia. No caso dos autos, en-tendo que todos os quesitos ficaramevidenciados, pois os empregadostiveram que se desligar do empre-go, de forma abrupta, por força defiscalização que detectou toda sor-te de violência perpetrada contra asnormas constitucionais que resguar-dam a segurança, higiene e medici-na do trabalho.

Ora, por evidente que a dis-pensa sem justo motivo tem a suareparação com a percepção de in-denização plena, o que foi reconhe-cido aos diversos empregados quelá se encontravam trabalhando emsituação degradante, mas o danomoral tem uma conotação puramen-te subjetiva, ao contrário do danopatrimonial, que traz prejuízo mate-rial ao que sofre o dano.

Pelo que destes autos consta,a reclamada imputou a um conjuntode trabalhadores que não se podequantificar, pois aqueles que foramindenizados restringem-se aos queestavam no local por ocasião da fis-calização, o exercício de atividadeprofissional em condições subuma-nas, pois o ambiente de trabalho nãotinha a menor salubridade, sem ins-talações higiênicas, sem água potá-

vel, com trabalho a céu aberto e nãoeram fornecidos os equipamentos deproteção.

Essa atitude da ré abala o sen-timento de dignidade, falta de apre-ço e consideração, tendo reflexos nacoletividade, pois as normas que re-gem a matéria envolvendo a saúde,segurança, higiene e meio ambientedo trabalho e do trabalhador são deordem pública. Senão vejamos:

O art. 1º, III da CF/88, diz quea República Federativa do Brasil,formada pela união indissolúvel dosEstados e Municípios e do DistritoFederal, constitui-se em Estado De-mocrático de Direito e tem como fun-damentos, dentre outros, a dignida-de da pessoa humana.

O art. 7º, também da MagnaCarta prescreve que:

São direitos dos trabalhadoresurbanos e rurais, além de outrosque visem à melhoria de sua con-dição social:

XXII — redução dos riscos ine-rentes ao trabalho, por meio denormas de saúde, higiene e se-gurança;

XXVIII — seguro contra aci-dentes de trabalho, a cargo doempregador, sem excluir a inde-nização a que este está obriga-do, quando incorrer em dolo ouculpa;

A questão também remete auma lesão ao meio ambiente do tra-balho, cabendo invocar o conceito deAmauri Mascaro Nascimento, ao di-zer que “meio ambiente do trabalho

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é o complexo máquina-trabalho: asedificações do estabelecimento,equipamentos de proteção individual,iluminação, conforto térmico, instala-ções elétricas, condições de salubri-dade ou insalubridade, de periculo-sidade ou não, meios de prevençãoà fadiga, outras medidas de proteçãoao trabalhador, jornadas de trabalhoe horas extras, intervalos, descansos,férias, movimentação, armazenageme manuseio de materiais que formamo conjunto de condições de trabalhoetc.” (in A defesa processual do meioambiente do trabalho, vol. 63-05/584,São Paulo: LTr).

Como alerta José Afonso daSilva, em igual sentido, “merece re-ferência, em separado, o meio am-biente do trabalho como o local emque se desenrola boa parte da vidado trabalhador, cuja qualidade devida está, por isso, em íntima depen-dência da qualidade daquele am-biente” (in Direito ambiental consti-tucional, 2ª ed., São Paulo: Malheiros,1995, pp. 4-5).

Os danos perpetrados contrauma coletividade de trabalhadoresadquire relevância social. A 3ª Tur-ma do STJ no julgamento do REsp207.336, Ac. de 5.12.2000, RelatorMin. Antônio de Pádua Ribeiro, con-siderou o MP parte legítima paraajuizar ACP, com o objetivo de afas-tar danos físicos a empregados deempresas em que muitos são preju-dicados por lesões decorrentes deesforços repetitivos (LER), afirman-do-se que, em tal caso, o dano nãoseria individual, mas de todos os tra-balhadores da ré, configurando-se

interesse social relevante, relaciona-do com o meio ambiente do traba-lho (Inf. STJ, n. 81, dez./2000).

Como alerta, com bastantepertinência, o Prof. José ClaudioMonteiro de Brito Filho, ao versarsobre os conflitos que podem surgirdo desrespeito às normas de meioambiente do trabalho:

a observância das normasde proteção para a prevalência deum meio ambiente equilibradonão é do interesse nem só dosindivíduos, singularmente consi-derados, nem dos grupos, é dointeresse de toda a coletividade,que é, de uma forma ou de outraafetada por qualquer desequilí-brio existente. Assim, dependen-do da hipótese, pode-se vir a teruma lesão restrita ao interessede um único indivíduo — como nocaso de empregador que deixa defornecer o Equipamento de Pro-teção Individual — EPI a únicoempregado —, passando por lesãode caráter mais abrangente, en-volvendo todo um grupo de em-pregados, quando será possívelidentificar a ofensa a interessescoletivos em sentido estrito ou ainteresses individuais homogêne-os, chegando, até, a lesão de ul-trapasse a esfera do interesse deuma coletividade determinadapara alcançar o interesse de todaa sociedade (in A tutela coletivado meio ambiente do trabalho.Retirado da página do autor em3.12.2002).

Podemos concluir, pois, quecabe ação civil pública no âmbito da

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Justiça do Trabalho para a defesajudicial do meio ambiente do traba-lho; e que o meio ambiente do tra-balho não se limita apenas a condi-ções que respeitem o meio ambien-te geral, mas que estabeleçam ahigidez do habitat laboral, que deveestar livre de ameaças à saúde e àsegurança dos trabalhadores.

A lesividade à saúde do traba-lhador e ao meio ambiente do traba-lho tem forte carga degradante, me-recendo a sanção jurídica, tal comoaplicada pelo juízo de primeiro grau.

Todos os procedimentos ado-tados contra os trabalhadores con-duzem a que se reconheça o danomoral coletivo, porque atingido ocomplexo social em seus valores ín-timos, em especial a própria digni-dade humana.

Dentro do poder discricionáriopara fixação do quantum a ser res-sarcido à vítima, entendo que as cir-cunstâncias do caso concreto, a gra-vidade do dano, a situação do lesantee a condição do lesado (a socieda-de), e, ainda, pelo fato de que o danomoral, no presente feito, assumiu in-tensa gravidade, eis que foi objeto dedivulgação e tornou-se conhecidopara além daqueles que estiveramdireta ou indiretamente envolvidosnos fatos narrados nestes autos, le-vando em conta ainda o fato de setratar de uma empresa que vive daexploração da pecuária, sendo rein-cidente como atestam os vários au-tos de infração relacionados à fl. 13dos autos, onde os fatos descritos

podem voltar a ocorrer, entendo queo valor postulado na inicial apresen-ta-se razoável, mantendo-se o deli-berado pela sentença de origem.

Nega-se provimento ao apelo.

3. Conclusão

Ante o exposto, conheço dorecurso; rejeito a preliminar de ilegi-timidade ad causam e falta de inte-resse de agir do Ministério Públicodo Trabalho; no mérito, nego-lhe pro-vimento para manter a respeitávelsentença em todos os seus termos,inclusive no que tange às custas,conforme os fundamentos.

Isto posto, acordam os Juízesda Primeira Turma do Egrégio Tribu-nal Regional do Trabalho da OitavaRegião, unanimemente, em conhe-cer do recurso; no mérito, sem diver-gência, rejeitar a preliminar de ilegi-timidade ad causam e de interessede agir do Ministério Público do Tra-balho e, no mérito, negar-lhe provi-mento para manter a respeitável sen-tença em todos os seus termos, in-clusive no que tange às custas, con-forme os fundamentos. O MinistérioPúblico requereu e lhe foi deferidopedido de intimação pessoal.

Sala de Sessões da PrimeiraTurma do Egrégio Tribunal Regionaldo Trabalho da Oitava Região.Belém-PA, 17 de dezembro de 2002.

Lygia Simão Luiz Oliveira, JuízaPresidente. Luis José de Jesus Ribei-ro, Juiz Convocado — Relator.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRABALHO EMCONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO — DANO

MORAL COLETIVO (TRT 10ª REGIÃO)

RO 00073-2002-811-10-00-6Relator: Juiz José Ribamar O. Lima JuniorRevisora: Juíza Flávia Simões FalcãoRecorrente: Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do

Trabalho da 10ª RegiãoProcurador: Fábio Leal CardosoRecorrido: Jesus José Ribeiro (Fazenda Minas Gerais II)Advogados: Túlio Jorge R. de Magalhães Chegury e outraOrigem: 1ª Vara do Trabalho de Araguaína/TO

Ementa: Dano moral. Trabalho em condições análogas à de escravo.Além de justa a reparação do dano moral requerida, bem como da pro-cedência das verbas rescisórias trabalhistas reivindicadas em conse-qüência do aludido dano, também justificador da extinção das relaçõesempregatícias, torna-se impostergável um indispensável e inadiável “Bas-ta!” à intolerável e nefasta ofensa social e retorno urgente à decênciadas relações humanas de trabalho. Torna-se, portanto, urgente aextirpação desse cancro do trabalho forçado análogo à de escravo queinfeccionou as relações normais de trabalho, sob condições repulsivasda prestação de serviços tão ofensivas à reputação do cidadão brasilei-ro com negativa imagem do país, perante o mundo civilizado.

Relatório

O Exmo. Juiz Titular da Vara deGurupi, Dr. Francisco Rodrigues deBarros, pronunciou a ilegitimidade ati-va do Ministério Público do Trabalhopara propor ação postulando o paga-mento de verbas resilitórias em favorde pessoas supostamente sujeitas ao

regime de trabalho escravo. No mais,considerou não provado o trabalhonas condições anteriormente mencio-nadas, julgando improcedentes ospedidos formulados na petição inicial,à luz dos fundamentos gizados nasentença de fls. 229/236.

Inconformado, o autor interpôsrecurso ordinário por transmissão via

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fac-símile, ratificada pela peça de fls.265/285, almejando a reforma dadecisão não apenas no aspecto dalegitimidade ativa, como também emface do mérito. Argumenta, nessesentido, que os elementos probató-rios colhidos são suficientes paracomprovar os fatos articulados napeça propedêutica. Pugna, outros-sim, pela nulidade do julgado emrazão do cerceamento de defesacometido pelo juízo de origem, aodesconsiderar o conteúdo da provadocumental produzida.

O réu não produziu contra-razões.

O Ministério Público do Traba-lho absteve-se de apresentar mani-festação, por entender que o órgão,ao propor a ação, já atua como fis-cal da lei.

Em apertada síntese, este é orelatório.

Voto

Admissibilidade

Presentes os pressupostosobjetivos e subjetivos de admissibi-lidade, conheço do recurso.

Preliminar de nulidade.Cerceamento de defesa

A prefacial suscitada pelo au-tor vem impulsionada pela compre-ensão de que o juízo de origem ne-gou-se a analisar a prova produzidano âmbito administrativo, quando dainstrução do inquérito civil, optandopor prestigiar a prova oral.

Data venia, a hipótese guardasintonia com a adequada avaliaçãodo conjunto probatório, horizonte noqual desponta a plena liberdade con-ferida ao julgador para construir oseu convencimento acerca da con-trovérsia posta em julgamento (CPC,artigo 131).

Eventual equívoco no examedesses elementos não detém ido-neidade para gerar a nulidade doprocesso.

Nessa esteira, afasto a preli-minar suscitada.

Mérito

I — Da Legitimidade doMinistério Público

A legitimidade do Parquet parao ajuizamento de ação civil coletiva,na defesa de interesses individuaishomogêneos, não está em discus-são, pois deriva de expressa previ-são legal (arts. 6º, 127, 129, III, daCF/88; do art. 83, I, da LC n. 75/93;e dos arts. 81, 91, 95, 98, e 100, doCDC (Lei n. 8.078/90).

Dessa concepção não dissen-te o julgado, pois a r. sentença limi-tou a declaração de ilegitimidade ati-va ao pleito de pagamento de verbasresilitórias trabalhistas. Fê-lo por en-tender que a pretensão somente po-deria ser deduzida em sede de recla-mação trabalhista, ainda assim, poriniciativa dos próprios empregados.

Tenho compreensão diversa.

O fundamento básico que es-timula o manejo da ação coletiva é a

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defesa de interesses ou direitos in-dividuais homogêneos. A essa ação,como já mencionado, está legitima-do o Ministério Público para postu-lar “em nome próprio e no interessedas vítimas ou seus sucessores,ação coletiva de responsabilidadepelos danos individuais sofrido...”(Lei n. 8.078/90, art. 91).

Indubitável a conclusão de quehá ambiente para caracterização deinteresses ou direitos individuaishomogêneos, pois emanados deuma realidade comum: a nociva sub-missão dos trabalhadores à condi-ção análoga à de escravo.

Reconhecer a legitimidade doMinistério Público para ação coleti-va, obstando-lhe, porém, idênticalegitimidade para reclamar, em favordesses mesmos trabalhadores, direi-tos trabalhistas sonegados, datavenia, importaria na frustração des-se importante instrumento, que, emúltima análise, preserva a incolumi-dade das vítimas, oprimidas pelassituações degradantes a que, emdeterminadas situações, encontram-se submetidas.

Nesse estágio, comporta as-sinalar que, dentre os direitos fun-damentais da pessoa humana, des-tacam-se a conservação dos valo-res sociais do trabalho e a liberda-de na construção de uma socieda-de livre, justa e solidária. Donde odireito de promoção do bem de to-dos, sem preconceitos de qualquerordem, bem como o do exercício li-vre de qualquer trabalho, ofício ouprofissão, aliado ao de erradicação

da pobreza e a marginalização, comredução das desigualdades sociaise regionais, correspondem a direi-tos protegidos pela ConstituiçãoFederal com a qualificação de direi-tos e garantias fundamentais dosbrasileiros e residentes no País,sendo exemplos os direitos à vida,à liberdade, à segurança e à pro-priedade (art. 5º, caput e, especifi-camente, os itens ns. III e XIII).

Esses foram, portanto, os di-reitos lesados na hipothesi subiudice pela ocorrência dos crimescapitulados no Código Penal: redu-ção da pessoa humana à “condiçãoanáloga à de escravo” art. 149), “alicia-mento de trabalhadores” (art. 207),“constrangimento ilegal” (art. 197);“frustração do direito do trabalho”(art. 203).

O ato de lesão ou violação aosdireitos constitucionais apenas dáorigem ao direito processual de açãodo ofendido para defender seus in-contestáveis direitos fundamentais,entre os quais, é de ser ressaltadode imediato, o de trabalhar legal,humana e decentemente, como ga-rante a Constituição da República ea Legislação Laboral. E, como se viu,direitos estes então lesados pelaprática do ato ilícito penal do traba-lho forçado, como precisamentetipifica o Decreto-lei n. 2.848, de 7de dezembro de 1940, que aprovouo “Código Penal” (alterado pelas Leisns. 9.777, de 29.12.1998, e 9.777,de 30.12.1998), em seus arts. 293, Ie II, 207, § 1º, e 132, 203, § 1º, I e II, e§ 2º, e 207, §§ 1º e 2º.

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Depois de afirmar que:

“É importante destacar que aexpressão origem comum nãosignifica necessariamente, que osinteresses individuais homogêne-os estejam sempre submetidos auma unidade factual e temporal.”

— o jurista Rodolfo de CamargoMancuso, esclarece de modo maisclaro e positivo:

“Dito de outro modo, a lesão ainteresses individuais homogêne-os pode ocorrer repetidas vezesnum largo espaço de tempo e emvár ios lugares sem que istodesnature a homogeneidadeínsita a essa espécie de interes-se metaindividual” (cf. c/ Mancu-so, Rodolfo de Camargo, “Sobrea Legitimação do Ministério Pú-blico em Matéria de Interesses In-dividuais Homogêneos”, in ob.col. “Ação Civil Pública — Lei n.7.347/85 — Reminiscências eReflexões após Dez Anos de Apli-cação”, Coordenada por ÉdisMilaré, S. Paulo, Ed. Revista dosTribunais, 1996; “Interesses Difu-sos — Conceito e Legitimaçãopara Agir”, 3ª ed. ver. e at., S. Pau-lo, Ed. Revista dos Tribunais,1994; “Ação Civil Pública”, 4ª ed.,S. Paulo, Ed. Revista dos Tribu-nais, 1996; e “Manual do Consu-midor em Juízo”,S. Paulo, Saraiva,1994 — o maiúsculo e o sublinhadosão nossos).

E acrescente-se, ademais, quetais direitos além de homogêneos

são divisíveis e de titulares determi-náveis. E, mais ainda: são direitosindisponíveis e de nítido caráter re-paratório. Como já dito, são direitosdo homem e do cidadão, cuja defe-sa é, principalmente, do interesse dedeterminado grupo, de uma comu-nidade. Por isso sua proteção inte-ressa, principalmente, à sociedadecomo um todo.

A referida “ação civil coletiva”,necessariamente, objetiva protegersimultaneamente todos direitos fun-damentais constitucionais, aindaque uns deles se destaquem mais queoutros, como se enfatiza, na presen-te situação, o direito ao livre exercí-cio do trabalho digno, protegido peloDireito, ofendidos pelos crimes ale-gados. Isto porque sempre estaráposta em questão a validade, vigên-cia e eficácia dos interesses e direi-tos humanos, sociais, econômicos,políticos, sob a rota do Estado deDireito e sob a égide da Justiça So-cial, com vista à efetivação do novoEstado de Justiça Social.

Matéria de suprema relevânciasocial requer prioridade jurídica in-superável.

Razões suficientes para queos direitos laborais não sejam excluí-dos da defesa por meio da “ação civilcoletiva” protagonizada e prestigiadapelo autorizado Ministério Público.

Certo, portanto, que esta es-pecial ação judicial não comportaexceções de quaisquer direitos fun-damentais constitucionais por seco-implicarem, numa induvidosaunidade dialética. Demais, assim,melhor atende o princípio da celeri-dade processual.

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Ressalta-se aqui, ainda umavez mais e com solar evidência, o in-contestável interesse público a trans-bordar de uma ocorrência tão repug-nante como a do “trabalho forçado”,aviltante do trabalhador. Seja ou nãoo mais simples e humilde deles.Como se fossem os trabalhadorespessoas destituídas de toda dignida-de humana. E de tal modo o execrávelquadro fere a vista e o sentido davida, que — por si só — está a recla-mar a intervenção juridicamente maisque legítima do D. Ministério Públicopara obter imperiosa volta ao statusquo laboral comprometido com a dig-nidade humana. E mais, intervençãoministerial legítima para buscar osconseqüentes e indescartáveis efei-tos remuneratórios de natureza tra-balhista legalmente devidos. Istoalém da indenização punitiva peloDano Moral causado a todos os mem-bros da sociedade brasileira.

Toda a humanidade é feridaquando violados seus direitos e inte-resses individuais homogêneos (“in-teresses meta-individuais” — entre osindivíduos), consubstanciados pelanormatividade jurídica em direitosfundamentais constitucionais —como já enfocados. Ainda que — adargumentandum tantum — houvesseum pretenso obstáculo como, v. g.,um tênue fio de um mínimo formalis-mo, caberia ao Ministério Público, emdefesa da sociedade insultada, a ini-ciativa de exigir, perante a Justiça,que seja dado um imediato paradei-ro à situação denunciada.

Com bem colocado pelo D. Mi-nistério Público, despropósito seriaa declaração de sua ilegitimidade

ativa somente pelo simples fato deter sido especificada a pretensãocondenatória na peça de acesso emjuízo. Sem dúvida, o momento pro-cessual próprio para a apresentaçãode tais esclarecimentos é na fase doprocedimento declaratório de liqui-dação de sentença, para a execuçãode sentença proferida na “ação civilcoletiva”, como soa o figurino legaltraçado nos artigos 97 e 98 da Leide Proteção do Consumidor (Lei n.8.078, de 11 de setembro de 1990.Segundo o texto legal:

“Art. 97. A liquidação e a exe-cução de sentença poderão serpromovidas pela vítima e seus su-cessores, assim como pelos legi-timados de que trata o art. 82”; e

“Art. 98. A execução poderá sercoletiva, sendo promovida peloslegitimados de que trata o art. 82,abrangendo as vítimas cujas in-denizações já tiverem sido fixa-das em sentença de liquidação,sem prejuízo do ajuizamento deoutras execuções.”

Certamente, a razão está como Ministério Público, quando asse-vera ser a reparação de direito indi-vidual homogêneo de caráter meta-individual na forma judicial de seuexercício, à diferença do direitodifuso e coletivo. Estes meta-indivi-duais na sua essência e na formajudicial de exercício (para adotar adistinção de Mancuso).

Por todos os títulos — como sevê — a legitimidade do MinistérioPúblico é até ampliada além do que

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supõe a v. sentença apelada, abran-gendo toda a tramitação da açãocoletiva.

Dito de outro modo, não so-mente legitimidade para o processode cognição, mas, também, para oprocedimento autônomo de liquida-ção de sentença e para o final pro-cesso de execução (ação de execu-ção), cuja existência é condiciona-da a do antecedente e, pois, indis-pensável processo de conhecimen-to anterior.

Como resultado lógico, consi-dero o Ministério Público parte legí-tima para reivindicar subsidiariamen-te — mesmo no bojo da presente“ação civil coletiva” — as verbas in-denizatórias de natureza trabalhistaresultantes da mesma causa de pe-dir a reparação do dano moral, umavez comprovado este.

Reformo, pois, a decisão queconsiderou o Ministério Público doTrabalho parte ilegítima para propora presente ação no tocante às ver-bas resilitórias.

II — Redução do trabalhador àcondição análoga à deescravo. Caracterização.Dano moral

Para a exata compreensão damatéria submetida a julgamento, tor-na-se necessário um retrospecto dosfatos relevantes até então colhidos.

Trata-se de ação civil coletiva,proposta pelo Ministério Público,para a defesa coletiva de interessesindividualizados homogêneos (combase na Constituição Federal (art.

127, caput), da Lei Complementar n.75/93 (arts. 5º, inciso I; 6º, inciso XII;e 83, inciso I); e Lei n. 8.078 (arts.81 e segs. — ex vi do art. 21, da Lein. 7.347/85), ou seja, em defesa dosinteresses e direitos de uma comu-nidade determinada, com caráterreparatório, especificados na petiçãoinaugural, a fim de erradicar o cha-mado “trabalho escravo”, ocorrido eque vem ocorrendo na “Fazenda Mi-nas Gerais”, na zona rural da cida-de de Presidente Kennedy-TO, depropriedade do Réu Jesus José Ri-beiro, devidamente identificado naexordial.

Em defesa da Moral e da Justi-ça vilipendiadas e em obediência àsformalidades traçadas pelas normastutelares do Direito Laboral, vindicouo D. Parquet — no pleno exercício desua competência constitucional:

1º) o reconhecimento das re-lações de emprego dos trabalha-dores, e conseqüente condena-ção do Réu nas indenizações le-gais de natureza trabalhista dosempregados sem carteira profis-sional — conforme verbas espe-cificadas às fls. 25 usque 31 —decorrentes da rescisão contra-tual, em virtude das condições ile-gais e injustas da execução dotrabalho em condições análogasà de escravo;

2) ainda, a título de dano mo-ral dos trabalhadores submetidospelo empregador, por fraude e co-ação, a condições análogas ao“regime de escravidão”.

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Como advoga o D. MinistérioPúblico, há mais de um século a “es-cravidão” foi extinta pela Lei Áurea(13.5.1888) e, desde o Código Penal,a hipótese passou a ser configuradacomo infração penal (arts. 149; 132,parágrafo único; 203 e 207).

Contra o fazendeiro emprega-dor, acusado, pois, de prática de ilí-cito penal, requereu o D. MinistérioPúblico a necessária reparação pe-las lesões a interesses difusos e ho-mogêneos que afetam a toda a so-ciedade, consistente em “indenizaçãogenérica” por seu efeito punitivo, nãoconfundida esta com a de naturezatrabalhista e independentemente dequaisquer outras indenizações indi-viduais, ou despesas processuais. Àessa condenação, deve ser acresci-da à do pagamento das indenizaçõesaos trabalhadores rurais, identifica-dos na inicial. Estas últimas reverti-das ao Fundo gerido por um Conse-lho Federal ou Estadual, com partici-pação do Ministério Público e repre-sentantes da comunidade, “sendoseus recursos destinados à reconsti-tuição dos bens lesados”, conformeo caput do art. 13, da Lei n. 7.347/85(que disciplina a ação civil pública),cujo parágrafo único autoriza que:

“enquanto o fundo não for re-gulamentado, o dinheiro ficará de-positado em estabelecimento ofi-cial de crédito, em conta com cor-reção monetária.”

Tudo na forma ditada pela re-dação do parágrafo único do art. 100da LPC (8.078/90), ipsis verbis:

“Art. 100. (...)

Parágrafo único. O produto daindenização devida reverterá para

o Fundo criado pela Lei n. 7.347,de 24 de julho de 1985.” (reversí-vel ao Fundo de Amparo ao Tra-balhador — FAT, como têm deci-dido os Tribunais Regionais — v.cit. à fl. 24 dos autos.

Em defesa (fls. 83 a 92 — comdocs. de fls. 93 a 96), além das pre-liminares de incompetência do pri-meiro grau de jurisdição trabalhista;de inépcia da inicial; de ilegitimidadeativa do Ministério Público, acenouo réu com a existência de um con-trato de empreitada celebrado comoo Sr. José Barbosa Trajano, pessoaresponsável pela contratação demão-de-obra destinada à realizaçãodos trabalhos.

Asseverou, ainda, que “todos ostrabalhadores que prestaram seusserviços junto à propriedade do Re-querido foram devidamente pagospelo seu verdadeiro empregador, ouseja, o Sr. Trajano.” [e que] “O Reque-rido pagou a quantia de R$ 15.000,00(quinze mil reais) à pessoa do Sr.Trajano, para que este efetuasse arealização do trabalho, sendo que to-dos os encargos referentes à contra-tação de mão-de-obra era por única eexclusiva responsabilidade deste”.

Negou a existência de violaçãoa normas trabalhistas durante aprestação laboral, rechaçando a ale-gação de trabalho forçado.

Realizada a audiência de ins-trução (Ata de fls. 75 a 80), pelo Mi-nistério Público foi requerida a apli-cação da revelia e pena de confis-são ficta ao proprietário da fazendaRequerido ausente, tendo compare-cido seu “gerente” (c/ procuração por

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instrumento público — do Cartóriodo 2º Ofício de Notas de Unaí (fl. 81),como “preposto”. Este, em depoi-mento, reconheceu não ser empre-gado do Requerido (a teor do art.843, § 1º, da CLT c/c. a OrientaçãoJurisprudencial n. 99, da SDI do C.TST), sobretudo “por se tratar depessoa física que não admite ge-rência”.

Foram colhidos depoimentostestemunhais e encerrada a instru-ção processual, após o que sobre-veio a v. sentença de fls. 229/236,que, no mérito, julgou improcedenteo pedido por danos morais coletivos.

Ao fundamentar a sua decisão,o nobre julgador louvou-se nos de-poimentos testemunhais colhidos, osquais não retratariam o quadro fáticoventilado na exordial.

Insatisfeito com o aludido pro-nunciamento, o autor, em suas ra-zões de recurso, assevera que a pro-va documental retratada nos autosdo inquérito civil público não mere-ceu a atenção do julgador de primei-ro grau, o qual optou por formar oseu convencimento no depoimentode uma testemunha apresentadapelo réu, cujas declarações não re-presentariam a verdade dos fatos.

Vejo próspero o inconformismodeduzido pelo autor.

A própria decisão combatidadeixa entrever o quadro desenhadona petição inicial, ao pontificar:

“... Portanto, ao afirmar que nãohouve o trabalho escravo, no sen-tido estrito da expressão, não pre-tende este magistrado dizer que

se trata de algo normal ou legal”[para taxativamente reconhecerque] ‘a exploração indevida de tra-balhadores existe’. Os contratosinadimplidos também existiram, jáque o Sr. Trajano fazia aos traba-lhadores uma promessa de retira-da mínima e não cumpria. O des-cumprimento de toda a legislaçãotrabalhista também é manifesto, devez que, verdadeiramente, aque-les trabalhadores eram emprega-dos e jamais foram reconhecidoscomo tal. A responsabilidade tan-to do prestador de serviços(“gato”), quanto do tomador, a nos-so ver, é manifesta. Entendo, po-rém, que a reparação de todasessas lesões deve ser buscadapelo meio adequado.” (fl. 136)

São convincentes as razõesjurídicas apresentadas pelo Ministé-rio Público, na inicial, nas razões fi-nais e no recurso ordinário. Apresen-tam-se elas com base no exame dasprovas constantes dos autos e doinquérito ministerial quanto à com-provação do alegado “aliciamentodos trabalhadores de uma localida-de a outra distante”.

Por igual, comprovada restoua condição análoga à de escravo nocurso da prestação do serviço.

E, mais, as precárias, repulsivase revoltantes condições de trabalho àsquais foram submetidos os trabalha-dores sem carteiras, na fazenda doRéu, comprovam a mais completafrustração dos direitos asseguradospela legislação do trabalho, totalmen-te burlada e descumprida.

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Em primeiro lugar, refuto o en-tendimento consagrado na origem,segundo o qual, a situação objeto deexame não configuraria trabalho es-cravo, pois não demonstrado “o en-clausuramento e nem endividamentodos trabalhadores”, nem mesmo quetais trabalhadores permaneciamacorrentados e sob “vigilância osten-siva e armada”.

Como bem reconheceu o pró-prio juízo, não se trata de pressupos-tos para configuração da redução dotrabalhador à condição análoga à deescravo. O tipo legal inscrito no arti-go 149, do CP, não traz como requi-sito para a sua configuração a pre-sença de tais elementos.

Os crimes cuja prática é atri-buída ao réu são capitulados pelo Có-digo Penal como crimes “Contra a Or-ganização do Trabalho” (Título IV,arts. 197 a 207 do Código Penal). Jáa escravidão mais corresponderia aocrime diverso de privação da liberda-de mediante cárcere privado, qualifi-cado (art. 148, § 2º do CP), tratadoem outro Título do Código Penal,como “Crime contra a Pessoa”, Títu-lo I, Capítulo VI, “Dos Crimes contraa Liberdade Individual”, Seção I, “DosCrimes conta a Liberdade Pessoal”(arts.146 a 149). E estes crimes (doTítulo I) nada têm a ver com aqueles(do Título IV).

As situações aventadas nadecisão para excluir os crimes ale-gados na petição inicial não consti-tuem causas, condições ou pressu-postos para a sua configuração. Nemmesmo a necessidade do “isolamen-to geográfico”, ou a “impossibilidadede deslocamento” (impossibilidade fí-

sica ou por meio de cercas, grades,muros etc.). Bastante para a carac-terização de qualquer um deles é,por exemplo, a ocorrência de certashipóteses, tais como, v. g., a faltade condução, a falta de dinheiro, ca-rência de alimentação, da longa dis-tância ou difícil acesso ao local detrabalho, além de seu afastamentodas autoridades fiscalizadoras —como no caso dos autos.

Pois bem, ante a inexigibilida-de legal de tais pressupostos —mencionados na v. sentença impug-nada — releva notar que, nesta,merecem ser destacados o reconhe-cimento do julgador de que, ipsisverbis:

“Merece destaque apenas aconstatação de que, realmente,não restam dúvidas de que hou-ve trabalho em condições precá-rias e desumanas.” (fl. 235)

E assim bem justifica:

“Parece ser prática rotineira doSr. José Barbosa Trajano, um pe-queno comerciante da cidade deBalsas, no Estado do Maranhão,explorar a mão-de-obra de pes-soas de poucos recursos naque-las proximidades, para alocá-las,na condição de locador de mão-de-obra, a fazendas da região, nointuito de ter lucros exorbitantescom tal Intermediação. Por outrolado, os tomadores do serviço,como é o caso do Sr. Jesus JoséRibeiro, se aproveitam do estadode sujeição de tais trabalhadores,ante o desemprego que assola o

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País, para obter a realização dosserviços por um custo baixo esem se sujeitar ao recolhimentode qualquer encargo trabalhista.”

O trabalho escravo no sentidoestrito da expressão correspondeàquele que, lamentavelmente, ha-bitou o nosso país ao tempo do Brasilcolônia, tendo continuado no Brasil Im-pério, até que foi declarada extintapela Lei n. 3.353, de 13 de maio de1888, decretada pela AssembléiaGeral e foi sancionada pela Prince-sa Regente Imperial Isabel, emnome de Sua Majestade o Impera-dor, Senhor D. Pedro II. Triste pági-na de nossa história, com lamentá-veis repercussões para as geraçõesposteriores.

Nos tempos modernos, o con-ceito já é bem outro, aquele que per-manece no Direito Penal, já anterior-mente referido aqui, por diversasvezes, expresso no artigo 149 doCódigo Penal, ou seja, a reduçãode alguém “à condição análoga à deescravo”. Não prevalece mais o “sen-tido estrito da expressão” (trabalhoescravo), que exigia o preenchimen-to daqueles pressupostos referidosna decisão vergastada.

A verdade é que o MinistérioPúblico postulou como causa de pe-dir o fato da “Redução à CondiçãoAnáloga à de Escravo” — de acordocom texto legal do precitado dispo-sitivo penal. Vide a Petição Inicial (fls.18 a 16).

E é o que resultou comprova-do nos autos.

Em primeiro lugar, o aliciamen-to de trabalhadores de uma locali-dade para outra (art. 207, CP), que— por si só — já seria suficiente paraa procedência integral do pedido.

E o aliciamento foi reconheci-do pela v. sentença (fls. 235/6) — demodo expresso e claro, quando bemretrata ser o Réu, Jesus José Ribei-ro, na ocasião, um dos tomadores doserviço do pequeno comerciante deBalsas-MA, Sr. José Barbosa Traja-no, no desempenho de seu papel de“gato”, e que:

“... se aproveitam do estado desujeição de tais trabalhadores”,

acrescendo:

“ante o desemprego que asso-la o País, para obter a realizaçãodos serviços por um custo baixoe sem sujeitar ao recolhimento dequalquer encargo trabalhista.”

— o que configura a frustração frau-dulenta dos direitos assegurados nalegislação de trabalho, a justificar aincidência, in casu, da sanção pre-vista para este delito capitulado noart. 203.

Além dos depoimentos dos tra-balhadores (no inquérito do MP-fls.378 e segs.), tal fato está cabalmentecomprovado pela confissão do Réu,através do depoimento pessoal pres-tado pelo seu preposto, quando re-conheceu que verbis:

“Que o depoente trabalha como Requerido à base de parceria;que foi o depoente quem contra-

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tou os serviços do Sr. José Traja-no, sob a forma de empreitada;que a empreitada se deu por pre-ço certo e trabalho determinado;que o depoente já tinha ciênciade que o empreiteiro se utilizaria dosserviços de outros trabalhadorespara o desenvolvimento do mis-ter;” (...) “que o empreiteiro residena cidade de Balsas/MA, de ondetrouxe todos os trabalhadores; queexistiam em média 40 trabalhado-res que foram trazidos pelo Sr.José Barbosa Trajano, em duasetapas; que o pessoal era trazidode Van, Veraneio e camionete;”

E a “Fazenda Minas Gerais II”do réu, para onde foram levados ostrabalhadores aliciados em de Bal-sas, no Maranhão, dista desta cida-de cerca de 400 km, caracterizandocabalmente o crime de “aliciamentocom o fim de levá-los de uma paraoutra localidade do território nacional”previsto no art. 207 do CP.

A redução dos trabalhadores àcondição análoga à de escravo podeser mensurada pelo depoimento datestemunha Paulo Sérgio Pereira daSilva, do qual se destacam as se-guintes passagens:

“... que chegou-se a um pontoem que os trabalhadores apenasconseguiam ganhar R$ 2,00 ouR$ 3,00 por dia; que havia umacantina do Sr. Trajano; que o Sr.Trajano não cobrava comida dostrabalhadores; que os trabalhado-res pediam ao Sr. Trajano paralevá-los até a cidade para com-prar mantimentos, o que era ne-

gado por ele, sob a alegação deque lá existiam produtos; que re-almente haviam produtos a seremadquiridos, mas por preço impra-ticável, ou seja, um pacote de bis-coito consumiria um dia de traba-lho; que se o depoente quisessese dirigir à cidade poderia fazê-lo, mas por conta própria, sendoque esta ficava cerca de 15 Kmda fazenda; que o Sr. Trajano for-necia duas refeições por dia, com-postas de arroz, carne e feijão,mas às vezes a comida estavaestragada por ser feita com até 3dias de antecedência, sendo quealguns trabalhadores chegaram apassar mal; que era servido café,almoço e jantar; que o café damanhã era feito com restos mis-turados do jantar; que o depoen-te trabalhou 60 dias e recebeu aofinal um total de R$ 12,00; que acomida servida chegava a vir com“bichos” dentro; que por isso seos trabalhadores quisessem co-mer alguma coisa melhor teriamque adquirir do próprio Sr. JoséTrajano, inclusive a carne, porpreços abusivos e que era des-contado do seu salário, razãopela qual a irrisória importânciarecebida; que após voltar para asua casa em Balsas/MA, o depo-ente sofreu várias ameaças ...”

A afirmação da testemunha deque o proprietário da fazenda comiaa mesma comida servida aos traba-lhadores não pode ser entendidacomo sendo aquela alimentação àsvezes estragada e composta por “bi-chos”, mas sim aquela fornecida peloSr. Trajano, de melhor qualidade,mas com pagamento.

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O sistema de endividamentoe o fornecimento de comidas estra-gadas também foram retratadospela testemunha Edmi lson deSousa Rocha.

No confronto dos depoimentosperdem crédito as declarações pres-tadas pelas duas testemunhas apre-sentadas pelo réu, quando cotejadascom a firmeza e o poder de conven-cimento das testemunhas apresen-tadas pelo autor.

Enfim, pelo exame e reexameda prova carreada aos autos, inclu-sive das peças do inquérito civil pro-cedido pelo diligente Ministério Pú-blico, resulta por demais comprova-dos todos os crimes alegados napetição inicial, na seguinte ordem deimportância — cronológica e lógica— “aliciamento de trabalhadores”(art. 207 do CP); redução dos mes-mos “à condição análoga à de es-cravo” (art. 149 do CP); “constrangi-mento dos trabalhadores medianteviolência ou grave ameaça” (art. 197do CP); e “frustração de direitos as-segurados pela legislação do traba-lho”, mediante a fraude e violênciacontra os trabalhadores em regimede trabalho análogo ao de escravo;donde — ressaltando que bastariaapenas a configuração de qualquerum desses crimes para justificar ainteira procedência da ação.

Dentro de todo este contexto,voto pela procedência do pedido dereparação do dano moral coletivo oudifuso, causados por violação em di-mensão meta-individual dos interes-ses e direitos de personalidade, aco-lhendo-se a multa sugerida pelo Au-tor, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),

por trabalhador, mas a ser reversí-vel ao Fundo de Amparo ao Traba-lhador — FAT, conforme apuraçãoem processo declaratório de liquida-ção de sentença.

III — Da relação de emprego

A relação de emprego resultaabsolutamente comprovada pelaprova produzida, inclusive nos depoi-mentos contidos no inquérito civilefetivado pelo Ministério Público,consoante documentação trazida àcolação (já mencionadas no Relató-rio supra).

O alegado contrato de emprei-tada entre o procurador do Réu, Sr.Antonio de Sousa Souto Filho e oSr. José Barbosa Trajano (fls. 93 e 94)não é de ser jurídica e legalmentetido, eis que — ainda que o pretensoempreiteiro fosse o que não é emvirtude de sua comprovada quali-dade de “aliciador de trabalhadores”(“gato”), — não poderia ele assumiro papel de empregador, por jamaister sido a pessoa que se apropriavado resultado do trabalho dos traba-lhadores que levou para a fazendado Réu, quesito este essencial e in-dispensável ao conceito de “empre-gador” — consoante a CLT.

Empregador é quem se apro-pria do resultado do trabalho contí-nuo do obreiro, indescartável da con-traprestação do pagamento do sa-lário, que é pago juridicamente pelopatrão, não importando a que outrotítulo este dê a esta retribuição. Equem sempre se apropriava e sebeneficiava do resultado da presta-

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ção de serviços era o Réu, Sr. Je-sus José Ribeiro, proprietário da “Fa-zenda Minas Gerais II”, local ondelaboravam os trabalhadores, alicia-dos na distante cidade maranhensede Balsas, situada a 400 km dali.

Trata-se de evidente interme-diação indevida de mão-de-obra, fi-gurino a atrair a previsão contida noEnunciado n. 331, inciso I, do ColendoTST.

O juízo de primeiro grau iden-tificou com precisão a situação vi-venciada pela massa de trabalhado-res, ao pontificar:

“A exploração indevida de tra-balhadores existe.”

“Os contratos inadimplidostambém existiram, já que o Sr. Tra-jano fazia aos trabalhadores umapromessa de retirada mínima enão cumpria.”

“O descumprimento de toda alegislação trabalhista também émanifesto, de vez que, verdadei-ramente, aqueles trabalhadoreseram empregados e jamais foramreconhecidos como tal.”

“A responsabilidade tanto doprestador de serviços (“gato”),quanto do tomador, ao nosso ver,é manifesta.” (sic)

Declaro, pois, existente o vín-culo de emprego entre o réu e os tra-balhadores que se encontravam nasituação descrita na petição inicial.

Verbas rescisórias trabalhistas

Quanto ao direito pleiteado dosempregados, relativo às verbas res-cisórias decorrentes da justa extin-ção de contrato, por afronta aos di-reitos humanos, sociais e de cida-dania dos trabalhadores, protegidose garantidos pela Constituição Fede-ral, como direitos fundamentais dohomem e do cidadão, já nos posicio-namos pela legitimidade do Ministé-rio Público para postulá-lo, conformemencionamos na nossa exposiçãosupra.

É que a presente “ação civilcoletiva” engloba necessariamente opedido de verbas trabalhistas — comjá anteriormente sustentamos —dada a natureza da causa de pedir,ou seja, a prática de “ilícitos penais”que implicam em dano moral à so-ciedade como um todo, justificandoa presença do Ministério Públicocomo parte legítima, na forma dalegislação pertinente — já citada emnossas análises das preliminaressupra, especificamente quando re-chaçamos a alegada ilegitimidade doParquet.

Na hipótese em tela, além doaliciamento de trabalhadores (art.207, do CP) — comprovado nos au-tos pelo depoimento (de fls. 93 e 94)do próprio aliciador, o “gato” JoséBarbosa Trajano, além das testemu-nhas do Requerente, ouvidas emjuízo e no inquérito do MinistérioPúblico — deve ser considerada aprestação de serviços de forma aná-loga à de escravo (art. 149, do CP),trabalho sob constrangimento ilegal(art. 197 do CP), e, como conse-

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qüência, a frustração de direito tra-balhista (art. 203 do CP), além daagressão ao preceito do item III, doart. 5º da Constituição Federal. Esteúltimo consubstanciado na situaçãodesumana, degradante, de quasecompleta impotência física e mental.A prática de qualquer um desses cri-mes já seria suficiente para configu-rar o dano moral causado a toda so-ciedade, de modo justificar a açãocoletiva na busca da reparação desua justa reparação.

Com certeza, a ocorrência detais crimes fere o mais profundo sen-timento dos valores de moralidade,decência e respeito humano a demiséria ultrajante a que foram sub-metidos trabalhadores, como osempregados rurais na fazenda doRéu, constrangidos a laborarem emcondições desumanas de trabalho“análogo ao de escravo”.

Não bastasse o aliciamentodos trabalhadores, o trabalho força-do que se seguiu é bastante de-monstrativo do impedimento do livreexercício do trabalho por parte dostrabalhadores aliciados e, ainda, deseu direito de liberdade de ir e vir.

Releva repetir aqui que os fa-tos que deram origem ao dano mo-ral são os mesmos que geram o di-reito às verbas rescisórias trabalhis-tas, bem representados pelo traba-lho análogo ao do escravo.

Após o aliciamento inicial, bas-taria constatar — como bem frisa oMinistério Público — que estes po-bres e explorados cidadãos, em per-manente situação de penúria, prati-camente nada recebendo em troca de

seu trabalho a não ser apenas umaparca refeição diária, não tinham dis-posição física nem condições finan-ceiras para se dirigirem à cidade maispróxima, de Presidente Kennedy,distante mais de 15 km da fazendaonde — devido a estas condições —se achavam praticamente retidos. Co-meça afirmando que:

“considerando-se que em doismeses de labor receberam al-guns apenas R$ 3,00 (três reais).”(fl. 274)

Esse fato torna dispensável aexistência de porteiras, cercas “deconcentração” e vigilância armadapara evitar possível fuga do distantelocal inóspito onde se dava o humi-lhante trabalho forçado.

De efeito, nas condições detrabalho escravo, tornam-se inúteise mesmo onerosas as cercas e a vi-gilância armada para impedirem oobreiro de afastar-se do local daprestação de serviços. Para tanto,basta o puro e simples fato de a fa-zenda do Réu (onde laboravam) dis-tar cerca de 400 km da cidade deBalsas, no Maranhão (cidade onderesidiam antes de serem aliciados).

Além do que não dispunhamos empregados de condução — re-gião sem transporte coletivo públicoregular. Viviam na fazenda do pro-prietário, sem teto adequado, dor-mindo em redes ou em camas im-provisadas de madeira no interior debarracos de lona e, às vezes, ao re-lento. Sem alimentação suficiente,bebendo água do riacho. Num tra-balho diário, sem descanso, no horá-

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rio de 06:00 horas da manhã às18:30 da noite, com um só intervalode 0:30 minutos para parco e frugalalmoço. Gente sem dinheiro, de pésdescalços ou mal calçados. Enfra-quecidos pela carência da alimenta-ção e ao calor dos dias ensolaradosda imensa região quente equatorial.Como caminhar cerca de 15 km, oumais, e outros 15, na volta, para fazero quê na cidade, famintos, sedentos,e sem dinheiro? Eis aí, pois, a “na-tureza das coisas” a constituir fatoimpeditivo, intransponível à efetiva-ção de vontade consciente, livre eespontânea, de locomoção dos em-pregados. Trabalhavam eles subme-tidos a um perverso e condenávelsistema de recrutamento e endivida-mento de mão-de-obra barata e ser-vil, sem carteira assinada e constan-temente ameaçados — conformeatestou a auditora fiscal do trabalho,1ª testemunha do Autor, em seu de-poimento à fl. 77, in fine.

Situação essa fartamente do-cumentada nas peças do inquéritocivil (art.129, III, da CF), trazidas àcolação com a inicial, e que não fo-ram apreciadas pelo meritíssimojulgador, em manifesto cerceamen-to de defesa.

Daí mais uma imbatível justifi-cativa para o desempenho da nobremissão do D. Ministério Público, deliquidar rápido e pronto, de uma vezpor todas com esse tão revoltanteespetáculo de degradação do ho-mem, que atinge e agride todos osseres humanos.

Os salários e as verbas resci-sórias são devidas em sua integrali-

dade, sob o fundamento de ter re-sultado comprovado nos autos oscrimes de “aliciamento dos trabalha-dores”, sujeição dos mesmos à con-dição de trabalho análogo à de es-cravo, constrangimento medianteviolência e ameaças, e frustração,mediante fraude e violência, de di-reito assegurado pela legislação dotrabalho (respectivamente, arts. 207,149, 197 e 203, da Lei n. 8.078/90),pelo que não podem subsistir comoválidos os recibos de fls. 95 e 96 dosautos, em virtude das comprovadascondições análogas à de escravidãoimpedirem a livre e consciente mani-festação da vontade dos trabalhado-res aliciados.

Como natural conseqüência daprova dos autos, através do reconhe-cimento do aliciamento pelo Réu nacontestação escrita, pelo depoimen-to de seu preposto (fls. 76 e 77) epelo depoimento das testemunhasdo Requerente (fls. 77 e 78) e, mes-mo do depoimento do comercianteSr. José Barbosa Trajano, que con-fessou o aliciamento dos trabalhado-res para conduzi-los à fazenda doRéu, no Tocantins, onde a prestaçãode serviços se deu em “condiçõesanálogas à de escravo”, com a frus-tração fraudulenta dos direitos tra-balhistas. Sem dúvida, em assimsendo, resultam devidos os saláriose as verbas rescisórias trabalhistas.Inclusive de modo senão a impossi-bilitar, pelo menos a dificultar osempregados subjugados o exercíciode seu direito constitucional ao acessoà Justiça, dadas as suas condiçõesde miserabilidade e dependência deprecária alimentação gratuita de umempregador que não lhes paga seussalários devidos.

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Por último, deve ser consigna-do aqui que, além de justa a repara-ção do dano moral requerida, bemcomo da procedência das verbasrescisórias trabalhistas reivindicadasem conseqüência do aludido dano,também justificador da extinção dasrelações empregatícias, torna-seimpostergável um indispensável einadiável “Basta!” à intolerável e ne-fasta ofensa social e retorno urgen-te à decência das relações humanasde trabalho. Torna-se, portanto, ur-gente a extirpação desse cancro dotrabalho forçado análogo à de escra-vo que infeccionou as relações nor-mais de trabalho, sob condições re-pulsivas da prestação de serviçostão ofensivas à reputação do cida-dão brasileiro com negativa imagemdo país, perante o mundo civilizado.

Entendo, ainda, improceden-tes quaisquer descontos, nenhumvalor podendo ser atribuído aos re-cibos de (fls. 95 e 96), anexados aosautos pelo Réu com a contestação,ou quaisquer outros que mencionemverbas salariais ou indenizatóriascontidos nos autos, por deduçãoobviamente implícita e invencível,emanada do fato de que da compro-vada prestação de seus serviços emcondições análogas à de escravonão pode ser admitida emanação devontade livre e consciente por partedos trabalhadores quanto aos seusdireitos trabalhistas.

Fica, aqui, integrada toda afundamentação que tecemos aoapreciar e caracterizar o dano mo-ral, com base na prova produzida, e,também, configurador da justa cau-

sa trabalhista para a procedênciadas verbas rescisórias trabalhistas,na forma pertinente reclamada, con-soante razões também já anterior-mente expostas, bem como nas aná-lises anteriores que envolvem apre-ciação da matéria trabalhista.

Conclusão

Isto posto, conheço do recur-so, rejeito as preliminares argüidase no mérito, dou-lhe integral provi-mento, para julgar totalmente proce-dente o pedido de reparação dodano moral — reversível ao FAT — eo pedido de verbas rescisórias, con-forme especificadas pelo Digno Mi-nistério Público, na inicial, às fls. 25a 32, cujos totais parciais relativo acada trabalhador identificado deve-rão ser atualizados monetariamen-te, acrescendo-se juros e custas pro-cessuais, tudo conforme apuraçãoem procedimento declaratório de li-quidação de sentença.

É o meu voto.

Por tais fundamentos, acordamos Juízes da Segunda Turma doEgrégio Tribunal Regional do Traba-lho da Décima Região, em SessãoOrdinária, à vista do contido na cer-tidão de julgamento (fl. retro), conhe-cer do recurso, rejeitar as prelimina-res argüidas e no mérito, dar-lhe in-tegral provimento, nos termos da fun-damentação.

Brasília(DF), 7 de maio de2003 (data do julgamento).

José Ribamar O. Lima Junior,Juiz Relator e Procurador(a).

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NORMAS INTERNACIONAIS(TRABALHO FORÇADO)

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DECRETO N. 58.563, DE 1º DE JUNHO DE 1966

Promulga a Convenção sobre Escravatura de 1926, emendada peloProtocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição daEscravatura de 1956

O Presidente da República,

Havendo o Congresso Nacio-nal aprovado pelo Decreto Legislati-vo n. 66, de 1965 a Convenção sôbre aescravatura assinada em Genebraa 25 de setembro de 1926 e emen-dada pelo Protocolo aberto à assi-natura na sede das Nações Unidas,em Nova York a 7 de dezembro de1953 e a Convenção Suplementarsôbre a Abolição da Escravatura doTráfico de Escravos e das Institui-ções e Práticas Análogas à Escra-vatura, adotada em Genebra a 7 desetembro de 1956.

E havendo as referidas Con-venções entrado em vigor para oBrasil a 6 de janeiro de 1966, dataem que foi efetuado o depósito doinstrumento brasileiro de adesão jun-to ao Secretário Geral das NaçõesUnidas.

Decreta que as mesmas apen-sas por cópia ao presente decreto,sejam executadas e cumpridas tãointeiramente como nelas se contém.

Brasília 1º de junho de 1966;145º da Independência e 78º daRepública.

H. Castello Branco, JuracyMagalhães.

CONVENÇÃO SÔBRE AESCRAVATURA ASSINADA EM

GENEBRA, EM 25 DESETEMBRO 1926, E EMENDADAPELO PROTOCOLO ABERTO À

ASSINATURA OU ÀACEITAÇÃO NA SEDE DA

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕESUNIDAS, NOVA YORK, EM 7 DE

DEZEMBRO DE 1953

Artigo 1º

Para os fins da Presente Con-venção, fica entendido que:

1º A escravidão é o estado oucondição de um indivíduo sôbre oqual se exercem, total ou parcial-mente, os atributos do direito de pro-priedade;

2º O tráfico de escravos com-preende todo ato de captura, aquisi-ção ou sessão de um indivíduo como propósito de escravizá-lo; todo atode aquisição de um escravo com opropósito de vendê-lo ou trocá-lo;todo ato de cessão, por meio de ven-da ou troca, de um escravo adquiridopara ser vendido ou trocado; assimcomo em geral todo ato de comércioou de transportes de escravos.

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Artigo 2º

As Altas Partes contratantesse comprometem, na medida em queainda não hajam tomado as neces-sárias providências, e cada uma noque diz respeito aos territórios colo-cados sob a sua soberania, jurisdi-ção, proteção, suserania ou tutela:

a) a impedir e reprimir o tráfi-co de escravos;

b) a promover a abolição com-pleta da escravidão sob tôdas assuas formas progressivamente elogo que possível.

Artigo 3º

As Altas Partes contratantesse comprometem a tomar tôdas asmedidas necessárias para impedir ereprimir o embarque, o desembarquee o transporte de escravos nas suaságuas territoriais, assim como, emgeral, em todos os navios que arvo-re os seus respectivos pavilhões.

As Altas Partes contratantesse comprometem a negociar, logoque possível uma Convenção Geralsôbre o tráfico de escravos que lhesoutorgue direitos e lhes imponhaobrigações da mesma natureza dosque foram previstos na Convençãode 17 de junho de 1925 relativa aoComércio Internacional de armas(Artigos 12, 20, 21, 22, 23, 24 e pa-rágrafos 3, 4, 5 da seção II do anexoII) sob reserva das adaptações ne-cessárias ficando entendido queessa Convenção Geral não coloca-rá os navios (mesmo de pequenatonelagem) de nenhuma das Altas

Partes contratantes numa posiçãodiferente da das outras Altas Partescontratantes.

Fica igualmente entendidoque, antes e depois da entrada emvigor da mencionada Convençãogeral, as Altas Partes contratantesconservam tôda liberdade de reali-zar entre si, sem contudo derrogaros princípios estipulados no parágra-fo precedente, entendimentos espe-ciais que, em razão da sua situaçãopeculiar lhes pareçam convenientespara conseguir, com a maior brevi-dade possível, a abolição completado tráfico de escravos.

Artigo 4º

As Atlas Partes contratantesprestação assistência umas às ou-tras para lograr a supressão da es-cravidão e do tráfico de escravos.

Artigo 5º

As Altas Partes contratantes re-conhecem que o recurso ao trabalhoforçado ou obrigatório pode ter gravesconseqüências e se comprometem,cada uma no que diz respeito aos ter-ritórios submetidos à sua soberania,jurisdição, proteção suserania ou tu-tela, a tomar as medidas necessáriaspara evitar que o trabalho forçado ouobrigatório produza condições análo-gas à escravidão.

Fica entendido que:

1º Sob reserva das disposi-ções transitór ias enunciadas no

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parágrafo 2 abaixo, o trabalho força-do ou obrigatório somente pode serexigido para fins públicos;

2º Nos territórios onde aindaexiste o trabalho forçado ou obriga-tório para fins que não sejam públi-cos, as Altas Partes contratantes seesforçarão por acabar com essa prá-tica, progressivamente e com a mai-or rapidez possível, e enquanto sub-sistir, o trabalho forçado ou obriga-tório só será empregado a título ex-cepcional, contra remuneração ade-quada e com a condição de não po-der ser imposta a mudança do lugarhabitual de residência.

3º Em todos os casos, as au-toridades centrais competentes doterritório interessado assumirão aresponsabilidade do recurso ao tra-balho forçado ou obrigatório.

Artigo 6º

As Altas Partes contratantes,cuja legislação não seja desde jásuficiente para reprimir as infraçõesàs leis e regulamentos promulgadospara aplicar a presente Convenção,se comprometem a tomar as medi-das necessárias para que essas in-frações sejam severamente punidas.

Artigo 7º

As Altas Partes contratantesse comprometem a comunicar umasàs outras e ao Secretário Geral daOrganização das Nações Unidas asleis e regulamentos que promulga-rem para a aplicação das disposi-ções da presente Convenção.

Artigo 8º

As Altas Partes contratantesconvêm em que todos os litígios, quepossam surgir entre as mesmasquanto à interpretação ou à aplica-ção da presente Convenção, serãoencaminhados à Côrte Internacionalde Justiça, se não puderem ser resol-vidos por negociação direta. Se osEstados entre os quais surgir algumlitígio, ou um deles, não forem Partesno Estatuto da Côrte Internacional deJustiça, êsse litígio será submetido,à vontade dos Estados interessados,quer à Côrte Internacional de Justiça,quer a um tribunal de arbitragem cons-tituído em conformidade com a conven-ção de 18 de outubro de 1907 para asolução pacifica dos conflitos inter-nacionais, quer a qualquer outro tri-bunal de arbitragem.

Artigo 9º

Cada uma das Altas Partescontratantes pode declarar, quer nomomento da sua assinatura, querno momento da sua ratificação ouadesão, que, no que diz respeito àaplicação das disposições da pre-sente Convenção ou de algumasdelas, sua aceitação não vincula to-dos ou qualquer dos territórios quese acham sob a sua soberania, juris-dição, proteção, suserania ou tutela;e cada uma das Altas Partes contra-tantes poderá posteriormente aderirem separado, total ou parcialmente, emnome de qualquer deles.

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Artigo 10

Se suceder que uma das AltasPartes contratantes queira denunci-ar a presente Convenção a denún-cia será notificada por escrito aoSecretário Geral da Organização dasNações Unidas, que enviará imedia-tamente uma cópia autêntica da no-tificação a tôdas as outras Partescontratantes informando-as da datade recebimento.

A denúncia somente produzi-rá efeito em relação ao estado quea tenha notificado, e um ano depoisde haver chegado a notificação aoSecretário Geral da Organização dasNações Unidas.

A denúncia poderá, outrossim,ser feita separadamente no que dizrespeito a que qualquer território quese ache sob a sua soberania, jurisdi-ção, proteção, suserania ou tutela.

Artigo 11

A presente Convenção, queserá datada de hoje e cujos textosfrancês e inglês são igualmente au-tênticos, ficará aberta até 1º de abrilde 1927 à assinatura dos Estadosmembros da Sociedade das Nações.

A presente Convenção seráaberta à adesão de todos os Esta-dos, inclusive os Estados não-mem-bros da Organização das NaçõesUnidas, aos quais o Secretário Ge-ral haja enviado uma cópia autenti-cada da Convenção.

A adesão se efetuará pelo de-pósito de um instrumento na devidaforma em poder do Secretário Geralda Organização das Nações Unidas,

que dará disso conhecimento a to-dos os Estados partes à Convençãoe a todos os outros Estados contem-plados no presente artigo, indican-do-lhe a data em que cada umdêsses instrumentos de adesão foidepositado.

Artigo 12

A presente Convenção seráratificada e os instrumentos de rati-ficação serão depositados no Escri-tório do Secretário Geral da Organi-zação das Nações Unidas que o no-tificará às Altas Partes contratantes.

A Convenção produzirá seusefeitos para cada Estado a partir dadata do depósito do instrumento deratificação ou adesão.

CONVENÇÃO SUPLEMENTARSÔBRE A ABOLIÇÃO DA

ESCRAVATURA, DO TRÁFICODE ESCRAVOS E DAS

INSTITUIÇÕES E PRÁTICASANÁLOGAS À ESCRAVATURA

Preâmbulo

Os Estados partes à presenteConvenção considerando que a li-berdade é um direito que todo serhumano adquire ao nascer;

Consciente de que os povosdas Nações Unidas reafirmaram, naCarta, sua fé na dignidade e no va-lor da pessoa humana;

Considerando que a Declara-ção Universal dos Direitos do Homemproclamada pela Assembléia Geralcomo o ideal comum ou a atingir por

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todos os povos e nações, dispõe queninguém será submetido à escravi-dão ou servidão e que a escravidãoe o tráfego de escravos estão proibi-dos sob tôdas as suas formas;

Reconhecendo que, desde aconclusão, em Genebra, em 25 desetembro de 1926, da Convençãosôbre a escravatura que visava su-primir a escravidão e o tráfego deescravos novos progressos foramrealizados nêsse sentido;

Levando em conta a Conven-ção de 1930 sôbre o Trabalho For-çado e o que foi ulteriormente pelaOrganização Internacional do Traba-lho em relação ao trabalho forçadoou obrigatório;

Verificando, contudo que a es-cravidão, o tráfego de escravos e asinstituições e práticas análogas àescravidão ainda não foram elimina-dos em tôdas as regiões do mundo;

Havendo decidido em conse-qüência, que a Convenção de 1926,a qual continua em vigor, deve ago-ra ser ampliada por uma convençãosuplementar destinada a intensificaros esforços, tanto nacionais comointernacionais, que visam abolir aescravidão, e tráfego de escravos eas instruções e práticas análogas àescravidão.

Convieram no seguinte:

Seção I

Instituições e práticas análogasà escravidão

Artigo 1º

Cada um dos Estados Partesa presente Convenção tomará tôdas

as medidas, legislativas e de outranatureza que sejam viáveis e ne-cessárias, para obter progressiva-mente logo que possível a aboliçãocompleta ou o abandono das insti-tuições e práticas seguintes ondequer ainda subsistam, enquadram-se ou não na definição de escravi-dão que figura no artigo primeiro daConvenção sôbre a escravidão as-sinada em Genebra, em 25 de se-tembro de 1926:

a) A servidão por dívidas, istoé, o estado ou a condição resultantedo fato de que um devedor se hajacomprometido a fornecer, em garan-tia de uma dívida, seus serviços pes-soais ou os de alguém sôbre o qualtenha autoridade, se o valor dêssesserviços não for eqüitativamenteavaliado no ato da liquidação de dí-vida ou se a duração dêsses servi-ços não for limitada nem sua natu-reza definida;

b) a servidão isto é, a condi-ção de qualquer um que seja obri-gado pela lei, pelo costume ou porum acordo, a viver e trabalhar numaterra pertencente a outra pessoa ea fornecer a essa outra pessoa, con-tra remuneração ou gratuitamente,determinados serviços, sem podermudar sua condição;

c) toda instituição ou práticaem virtude da qual:

I — uma mulher é, sem quetenha o direito de recusa prometidaou dada em casamento, medianteremuneração em dinheiro ou espé-cie entregue a seus país, tutor, fa-mília ou a qualquer outra pessoa ougrupo de pessoas;

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II — o marido de uma mulher,a família ou o clã dêste tem o direitode cedê-la a um terceiro, a título one-roso ou não;

III — a mulher pode, por mortedo marido ser transmitida por suces-são a outra pessoa;

d) toda instituição ou práticaem virtude da qual uma criança ouum adolescente de menos de dezoi-to anos é entregue, quer por seu paisou um dêles, quer por seu tutor, aum terceiro, mediante remuneraçãoou sem ela, com o fim da explora-ção da pessoa ou do trabalho da re-ferida criança ou adolescente.

Artigo 2º

Com o propósito de acabarcom as instituições e práticas visa-das na alíneas c do artigo primeiroda presente Convenção, os EstadosPartes se comprometem a fixar, ondecouber idades mínimas adequadaspara o casamento, a estimular a ado-ção de um processo que permitama ambos os futuros cônjugues expri-mir livremente o seu consentimentoao matrimônio em presença de umaautoridade civil ou religiosa compe-tente, e a fomentar o registro doscasamentos.

Seção II

Tráfico de Escravos

Artigo 3º

1. O ato de transportar ou ten-tar transportar escravos de um paísa outro, por qualquer meio de trans-

portes, ou a cumplicidade nesse atoconstituirá infração penal segundo alei dos Estados Partes à Convenção,e as pessoas reconhecidas culpadasde tal informação serão passíveis depenas muito rigorosas.

2. a) Os Estados Partes toma-rão tôdas as medidas necessáriaspara impedir que os navios e aero-naves autorizados a arvorar suasbandeiras transportem escravos epara punir as pessoas culpadasdêsse ato ou culpadas de utilizar opavilhão nacional para tal fim.

b) Os Estados Partes tomarãotôdas as medidas necessárias paraque seus portos, seus aeródromose suas costas não possam servirpara o transportes de escravos.

3. Os Estados Partes à Conven-ção trocarão informações a fim deassegurar a coordenação prática dasmedidas tomadas pelos mesmos naluta contra o tráfico de escravos e secomunicarão mutuamente qualquercaso de tráfico de escravos e qual-quer tentativa de infração dêsse gê-nero de que tenham conhecimento.

Artigo 4º

Todo escravo que se refugiara bordo de um navio de Estado Par-te a presente Convenção será livreipso facto.

Seção III

Escravidão e Instituições e PráticasAnálogas à Escravidão

Artigo 5º

Em qualquer país em que aescravidão ou as instituições e prá-

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ticas mencionadas no artigo primei-ro da presente Convenção não es-tejam ainda completamente abolidasou abandonadas, o ato de mutilar demarcar ferro em brasa ou por qual-quer outro processo um escravo ouuma pessoa de condição servil —para indicar sua condição, para in-fligir um castigo ou por qualquer ou-tra razão — ou a cumplicidade emtais atos constituirá infração penalem face da lei dos Estados Partes àConvenção, e as pessoas reconhe-cidas culpadas serão passíveis depena.

Artigo 6º

1. O ato de escravizar umapessoa ou de incitá-la a alienar sualiberdade ou a de alguém na sua de-pendência, para escravizá-la, cons-tituirá infração penal em face da leidos Estados Partes à presente Con-venção, e as pessoas reconhecidasculpadas serão passíveis de pena;dar-se-á o mesmo quando houverparticipação num entendimento for-mado com tal propósito, tentativa decometer êsses delitos ou cumplici-dade neles.

2. Sob reserva das disposiçõesda alínea introdutória do artigo pri-meiro desta Convenção as disposi-ções do parágrafo primeiro do pre-sente artigo se aplicarão igualmen-te ao fato de incitar alguém a sub-meter ou a submeter uma pessoa nasua dependência a uma condiçãoservil resultante de alguma das ins-tituições ou práticas mencionadas no

artigo primeiro; assim também quan-do houver participação num enten-dimento formado com tal propósito,tentativa de cometer tais delitos oucumplicidade neles.

Seção IV

Definições

Artigo 7º

Para os fins da presente Con-venção

a) “Escravidão”, tal como foidefinida na Convenção sôbre a Es-cravidão de 1926, é o estado ou acondição de um indivíduo sôbre oqual se exercem todos ou parte dospodêres atribuídos ao direito de pro-priedade e “escravo” é o indivíduoem tal estado ou condição;

b) “Pessoa de condição servil”é a que se encontra no estado oucondição que resulta de alguma dasinstituições ou práticas menciona-das no artigo primeiro da presenteConvenção;

c) “Tráfico de escravos” signi-fica e compreende todo ato de cap-tura, aquisição ou cessão de umapessoa com a intenção de escravizá-lo; todo ato de um escravo para ven-dê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessãopor venda ou troca, de uma pessoaadquir ida para ser vendida outrocada, assim como, em geral todoato de comércio ou transporte de es-cravos, seja qual fôr o meio de trans-porte empregado.

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Seção V

Cooperação entre os Estados Partes eComunicação de Informações

Artigo 8º

1) Os Estados Partes à Con-venção se comprometem a prestar-se mútuo concurso e a cooperar coma Organização das Nações Unidaspara a aplicação das disposiçõesque precedem.

2) Os Estados Partes se com-prometem a enviar ao SecretárioGeral das Nações Unidas exempla-res de toda lei, todo regulamento etoda decisão administrativa adotadosou postos em vigor para aplicar asdisposições da presente Convenção.

3) O Secretário Geral comuni-cará as informações recebidas emvirtude do parágrafo 2 do presenteartigo às outras Partes e ao Conse-lho Econômico e Social, como ele-mento de documentação para qual-quer debate que o Conselho venha aempreender com o propósito de for-mular novas recomendações para aabolição da escravidão, do tráfico deescravos ou das instituições e práti-cas que são objeto da Convenção.

Seção VI

Cláusulas Finais

Artigo 9º

Não será admitida nenhumareserva à Convenção.

Artigo 10

Qualquer litígio que surja en-tre os Estados Partes à Convençãoquanto à sua interpretação ou apli-cação, que não seja resolvido pormeio de negociação, será submeti-do à Côrte Internacional de Justiçaa pedido de uma das Partes em lití-gio, a menos que estas convenhamem resolvê-lo de outra forma.

Artigo 11

1. Apresente Convenção fica-rá aberta, até 1º de julho de 1957, àassinatura de qualquer Estado mem-bro das Nações Unidas ou dos or-ganismos especializados. Será sub-metida à ratificação dos Estados sig-natários e os instrumentos de ratifi-cação serão depositados em poderdo Secretário Geral das Nações Uni-das, que o comunicará a todos osEstados signatários ou aderentes.

2. Depois de 1º de julho de 1957,a Convenção ficará aberta à adesãode qualquer Estado membro das Na-ções Unidas haja sido convidado aaderir. A adesão se efetuará pelo de-pósito de um instrumento na devidaforma em poder do Secretário Geraldas Nações Unidas, que o comunica-rá a todos os Estados signatários eaderentes.

Artigo 12

1 A presente Convenção seaplicará a todos os territórios nãoautônomos. Sob tutela, coloniais eoutros territórios não metropolitanos

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representados por um Estado Parteno plano Internacional; sob reservadas disposições do parágrafo 2 dopresente artigo, a parte interessadadeverá no momento na assinaturaou da ratificação da Convenção, ouainda da adesão á Convenção, decla-rar o ou os territórios não metropolita-nos aos quais a presente Convençãose aplicará ipso facto por fôrça dessaassinatura, ratificação ou adesão.

2 Quando fôr necessário oconsentimento prévio de um territó-rio não metropolitano em virtude dasleis ou práticas constitucionais doEstado Parte ou do território nãometropolitano, a Parte deverá esfor-çar-se por não obter o consentimen-to do território não metropolitanodentro do prazo de doze meses apartir da data da sua assinatura, euma vez obtido êsse consentimentoa Parte deverá notificá-lo ao Secre-tário Geral. A partir da data do rece-bimento dessa notificação por partedo Secretário Geral, a Convenção seaplicará ao território ou territóriosmencionados na referida notificação.

3 Terminado o prazo de onzemeses mencionados no parágrafoprecedente, as Partes interessadasinformarão o Secretário Geral dosresultados das consultas com os ter-ritórios não metropolitanos cujas rea-ções internacionais lhes incumbama que não hajam dado o seu con-sentimento para a aplicação da pre-sente Convenção.

Artigo 13

1. A Convenção entrará em vi-gor na data em que dois Estadossejam Partes à mesma.

2. Entrará depois em vigor, notocante a cada Estado e território, nadata do depósito do instrumento deratificação ou de adesão do Estadointeressado ou da notificação da suaaplicação a êsse território.

Artigo 14

1. A aplicação da presenteConvenção será dividida em perío-dos sucessivos de três anos, o pri-meiro dos quais começará a contar-se a partir da data da entrada emvigor da Convenção, segundo o dis-posto no parágrafo 1 do artigo 13.

2. Qualquer Estado Parte pode-rá denunciar a presente Convenção,dirigindo, no mínimo seis meses an-tes da expiração do período trienalem curso, uma notificação ao Secre-tário Geral. Êste comunicará essanotificação e a data do seu recebi-mento a tôdas as outras Partes.

3. As denúncias surtirão efei-tos ao expirar o período trienal emcurso.

4. Nos casos em que, de con-formidade com o disposto no artigo12, a presente Convenção se hajatornado aplicável a um território nãometropolitano de uma das Partes,esta poderá, como consentimento doterritório de que se trate, notificar,desde então a qualquer momento aoSecretário Geral das Nações Unidas,que a Convenção é denunciada emrelação a êsse território. A denúnciasurtirá efeito um ano depois da datado recebimento da notificação peloSecretário Geral, que comunicará atodos os outros Estados Partes essanotificação e a data em que tenharecebido.

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Artigo 15

A presente Convenção, cujostextos inglês, chinês, espanhol,francês e russo são igualmente au-tênticos, será depositada no arqui-vo da Secretaria das Nações Uni-das. O Secretário Geral fornecerácópias certificadas autenticadas daConvenção para que sejam envia-das aos Estados Par tes, assim

como a todos os outros EstadosMembros das Nações Unidas e or-ganismos especializados.

Em fé do que os abaixo-as-sinados, devidamente autorizadospor seus respectivos Governos, as-sinaram a presente Convenção nasdatas que figuram ao lado das suasrespectivas assinaturas.

Feito o escritório Europeu dasNações Unidas, em Genebra, emsete de setembro de mil, novecen-tos e cinqüenta e seis.

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CONVENÇÃO N. 29 DA ORGANIZAÇÃOINTERNACIONAL DO TRABALHO

Sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (*)

A Conferência Geral da Organi-zação Internacional do Trabalho, con-vocada em Genebra pelo Conselho deAdministração do Secretariado da Or-ganização Internacional do Trabalhoe reunida, em 10 de junho de 1930,em sua Décima Quarta Reunião;

Tendo decidido adotar diversasproposições relativas ao trabalhoforçado ou obrigatório, o que consti-tui a primeira questão da ordem dodia da reunião;

Tendo decidido que essas pro-posições se revistam da forma deuma convenção internacional, ado-ta, no dia vinte e oito de junho demil, novecentos e trinta, esta Con-venção que pode ser citada como aConvenção sobre o Trabalho Forçado,de 1930, a ser ratificada pelos Países-membros da Organização Interna-cional do Trabalho, conforme as dis-posições da Constituição da Orga-nização Internacional do Trabalho.

Artigo 1º

1. Todo País-membro da Orga-nização Internacional do Trabalho

que ratificar esta Convenção com-promete-se a abolir a utilização dotrabalho forçado ou obrigatório, emtodas as suas formas, no mais bre-ve espaço de tempo possível.

2. Com vista a essa aboliçãototal, só se admite o recurso a tra-balho forçado ou obrigatório, no pe-ríodo de transição, unicamente parafins públicos e como medida ex-cepcional, nas condições e garanti-as providas nesta Convenção.

3. Decorridos cinco anos, con-tados da data de entrada em vigordesta Convenção e por ocasião dorelatório ao Conselho de Administra-ção do Secretariado da OrganizaçãoInternacional do Trabalho, nos ter-mos do Artigo 31, o mencionadoConselho de Administração exami-nará a possibilidade de ser extinto,sem novo período de transição o tra-balho forçado ou obrigatório em to-das as suas formas e deliberará so-bre a conveniência de incluir a ques-tão na ordem do dia da Conferência.

Artigo 2º

1. Para fins desta Convenção,a expressão “trabalho forçado ou

(*) Data de entrada em vigor: 1º de maiode 1932.

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obrigatório” compreenderá todo tra-balho ou serviço exigido de uma pes-soa sob a ameaça de sanção e parao qual não se tenha oferecido espon-taneamente.

2. A expressão “trabalho força-do ou obrigatório” não compreende-rá, entretanto, para os fins destaConvenção:

a) qualquer trabalho ou servi-ço exigido em virtude de leis do ser-viço militar obrigatório com referên-cia a trabalhos de natureza pura-mente militar;

b) qualquer trabalho ou servi-ço que faça parte das obrigaçõescívicas comuns de cidadãos de umpaís soberano;

c) qualquer trabalho ou servi-ço exigido de uma pessoa em decor-rência de condenação judiciária,contanto que o mesmo trabalho ouserviço seja executado sob fiscaliza-ção e o controle de uma autoridadepública e que a pessoa não seja con-tratada por particulares, por empre-sas ou associações, ou posta à suadisposição;

d) qualquer trabalho ou servi-ço exigido em situações de emer-gência, ou seja, em caso de guerraou de calamidade ou de ameaça decalamidade, como incêndio, inunda-ção, fome, tremor de terra, doençasepidêmicas ou epizoóticas, invasõesde animais, insetos ou de pragasvegetais, e em qualquer circunstân-cia, em geral, que ponha em risco avida ou o bem-estar de toda ou par-te da população;

e) pequenos serviços comuni-tários que, por serem executados pormembros da comunidade, no seuinteresse direto, podem ser, por isso,considerados como obrigações cívi-cas comuns de seus membros, des-de que esses membros ou seus re-presentantes diretos tenham o direi-to de ser consultados com referên-cia à necessidade desses serviços.

Artigo 3º

Para os fins desta Convenção,o termo “autoridade competente” de-signará uma autoridade do país me-tropolitano ou a mais alta autoridadecentral do território concernente.

Artigo 4º

1. A autoridade competentenão imporá nem permitirá que seimponha trabalho forçado ou obriga-tório em proveito de particulares,empresas ou associações.

2. Onde existir trabalho força-do ou obrigatório, em proveito departiculares, empresas ou associa-ções, na data em que for registradapelo Diretor Geral do Secretariadoda Organização Internacional do Tra-balho a ratificação desta Convençãopor um País-membro, esse País-membro abolirá totalmente o traba-lho forçado ou obrigatório a partir dadata de entrada em vigor desta Con-venção em seu território.

Artigo 5º

1. Nenhuma concessão feita aparticulares, empresas ou associa-

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ções implicará qualquer forma de tra-balho forçado ou obrigatório para aprodução ou coleta de produto queesses particulares, empresas ou as-sociações utilizam ou negociam.

2. Onde existirem concessõesque contenham disposições que en-volvam essa espécie de trabalho for-çado ou obrigatório, essas disposi-ções serão rescindidas, tão logoquanto possível, para dar cumpri-mento ao Artigo 1º desta Convenção.

Artigo 6º

Funcionários da administra-ção, mesmo quando tenham o de-ver de estimular as populações sobsua responsabilidade a se engaja-rem em alguma forma de trabalho,não as pressionarão ou a qualquerum de seus membros a trabalharpara particulares, companhias ouassociações.

Artigo 7º

1. Dirigentes que não exercemfunções administrativas não poderãorecorrer a trabalhos forçados ou obri-gatórios.

2. Dirigentes que exercem fun-ções administrativas podem, com aexpressa autorização da autoridadecompetente, recorrer a trabalho for-çado ou obrigatório nos termos doArtigo 10 desta Convenção.

3. Dirigentes legalmente reco-nhecidos e que não recebem ade-quada remuneração sob outras for-mas podem beneficiar-se de servi-

ços pessoais devidamente regula-mentados, desde que sejam toma-das todas as medidas necessáriaspara prevenir abusos.

Artigo 8º

1. Caberá à mais alta autori-dade civil do território interessado aresponsabilidade por qualquer deci-são de recorrer a trabalho forçadoou obrigatório.

2. Essa autoridade poderá,entretanto, delegar competência àsmais altas autoridades locais paraexigir trabalho forçado ou obrigató-rio que não implique o afastamentodos trabalhadores do local de suaresidência habitual. Essa autoridadepoderá também delegar competên-cia às mais altas autoridades locais,por períodos e nas condições esta-belecidas no Artigo 23 desta Con-venção, para exigir trabalho forçadoou obrigatório que implique o afas-tamento do trabalhador do local desua residência habitual, a fim de fa-cilitar a movimentação de funcioná-rios da administração, em serviço, etransportar provisões do Governo.

Artigo 9º

Ressalvado o disposto no Ar-tigo 10 desta Convenção, toda auto-ridade competente para exigir traba-lho forçado ou obrigatório, antes dese decidir pelo recurso a essa medida,assegurar-se-á de que:

a) o trabalho a ser feito ou oserviço a ser prestado é de interes-se real e direto da comunidade con-vocada para executá-lo ou prestá-lo;

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b) o trabalho ou serviço é denecessidade real ou premente;

c) foi impossível conseguirmão-de-obra voluntária para a exe-cução do trabalho ou para a presta-ção do serviço com o oferecimentode níveis salariais e condições detrabalho não inferiores aos predomi-nantes na área interessada para tra-balho ou serviço semelhante;

d) o trabalho ou serviço nãorepresentará um fardo excessivopara a população atual, levando-seem consideração a mão-de-obra dis-ponível e sua capacidade para sedesincumbir da tarefa.

Artigo 10

1. Será progressivamente abo-lido o trabalho forçado ou obrigató-rio exigido a título de imposto, a querecorre a autoridade administrativapara execução de obras públicas.

2. Entrementes, onde o traba-lho forçado ou obrigatório for recla-mado a título de imposto ou exigidopor autoridades administrativas paraa execução de obras públicas, a au-toridade interessada assegurar-se-áprimeiramente que:

a) o trabalho a ser feito ou oserviço a ser prestado é de interes-se real e direto da comunidade con-vocada para executá-lo ou prestá-lo;

b) o trabalho ou serviço é denecessidade real ou premente;

c) o trabalho ou serviço nãorepresentará um fardo excessivopara a população atual, levando-se

em consideração a mão-de-obra dis-ponível e sua capacidade para sedesincumbir da tarefa;

d) o trabalho ou serviço não im-plicará o afastamento do trabalhadordo local de sua residência habitual;

e) a execução do trabalho oua prestação do serviço será condu-zida de acordo com as exigências dareligião, vida social e da agricultura.

Artigo 11

1. Só adultos do sexo masculi-no fisicamente aptos, cuja idade pre-sumível não seja inferior a dezoitoanos nem superior a quarenta e cin-co, podem ser convocados para tra-balho forçado ou obrigatório. Ressal-vadas as categorias de trabalho enu-meradas no Artigo 10 desta Conven-ção, serão observadas as seguinteslimitações e condições:

a) prévio atestado, sempre quepossível por médico da administra-ção pública, de que as pessoas en-volvidas não sofrem de qualquerdoença infecto-contagiosa e de queestão fisicamente aptas para o tra-balho exigido e para as condiçõesem que será executado;

b) dispensa de professores ealunos de escola primária e de fun-cionários da administração pública,em todos os seus níveis;

c) manutenção, em cada co-munidade, do número de homensadultos fisicamente aptos indispen-sáveis à vida familiar e social;

d) respeito aos vínculos con-jugais e familiares.

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2. Para os efeitos a alínea “c”do parágrafo anterior, as normasprescritas no Artigo 23 desta Con-venção fixarão a proporção de indi-víduos fisicamente aptos da popula-ção masculina adulta que pode serconvocada, em qualquer tempo, paratrabalho forçado ou obrigatório, des-de que essa proporção, em nenhu-ma hipótese, ultrapasse vinte e cin-co por cento. Ao fixar essa propor-ção, a autoridade competente leva-rá em conta a densidade da popula-ção, seu desenvolvimento social efísico, a época do ano e o trabalho aser executado na localidade pelaspessoas concernentes, no seu pró-prio interesse, e, de um modo geral,levará em consideração as necessi-dades econômicas e sociais da vidada coletividade envolvida.

Artigo 12

1. O período máximo, duranteo qual uma pessoa pode ser subme-tida a trabalho forçado ou obrigató-rio de qualquer espécie, não ultra-passará 60 dias por período de dozemeses, incluídos nesses dias o tem-po gasto, de ida e volta, em seusdeslocamentos para a execução dotrabalho.

2. Toda pessoa submetida atrabalho forçado ou obrigatório rece-berá certidão que indique os perío-dos do trabalho que tiver executado.

Artigo 13

1. O horário normal de traba-lho de toda pessoa submetida a

trabalho forçado ou obrigatório seráo mesmo adotado para trabalho vo-luntário, e as horas trabalhadas alémdo período normal serão remunera-das na mesma base das horas detrabalho voluntário.

2. Será concedido um dia derepouso semanal a toda pessoa sub-metida a qualquer forma de trabalhoforçado ou obrigatório, e esse diacoincidirá, tanto quanto possível,com os dias consagrados pela tradi-ção ou costume nos territórios ouregiões concernentes.

Artigo 14

1. Com a exceção do trabalhoforçado ou obrigatório a que se re-fere o Artigo 10 desta Convenção, otrabalho forçado ou obrigatório, emtodas as suas formas, será remune-rado em espécie, em base não-infe-rior à que prevalece para espéciessimilares de trabalho na região ondea mão-de-obra é empregada ou naregião onde é recrutada, prevalecen-do a que for maior.

2. No caso de trabalho impos-to por dirigentes no exercício de suasfunções administrativas, o pagamen-to de salários, nas condições esta-belecidas no parágrafo anterior, seráefetuado o mais breve possível.

3. Os salários serão pagos acada trabalhador, individualmente, enão ao chefe de seu grupo ou a qual-quer outra autoridade.

4. Os dias de viagem, de ida evolta, para a execução do trabalho,serão computados como dias traba-lhados para efeito do pagamento desalários.

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5. Nada neste Artigo impediráo fornecimento de refeições regula-res como parte do salário; essas re-feições serão no mínimo equivalen-tes em valor ao que corresponderiaao seu pagamento em espécie, masnenhuma dedução do salário seráfeita para pagamento de impostosou de refeições extras, vestuários oualojamento especiais proporciona-dos ao trabalhador para mantê-lo emcondições adequadas à execução dotrabalho nas condições especiais dealgum emprego, ou pelo fornecimen-to de ferramentas.

Artigo 15

1. Toda legislação ou regula-mento referente à indenização poracidente ou doença resultante doemprego do trabalhador e toda legis-lação ou regulamento que prevejamindemnizações para os dependentesde trabalhadores falecidos ou inváli-dos, que estejam ou estarão em vigorno território interessado serão igual-mente aplicáveis às pessoas subme-tidas a trabalho forçado ou obrigató-rio e a trabalhadores voluntários.

2. Incumbirá, em qualquer cir-cunstância, a toda autoridade em-pregadora de trabalhador em traba-lho forçado ou obrigatório, lhe asse-gurar a subsistência se, por aciden-te ou doenças resultantes de seuemprego, tornar-se total ou parcial-mente incapaz de prover suas ne-cessidades, e tomar providênciaspara assegurar a manutenção detodas as pessoas efetivamente de-pendentes desse trabalhador nocaso de morte ou invalidez resultan-te do trabalho.

Artigo 16

l. As pessoas submetidas a tra-balho forçado ou obrigatório nãoserão transferidas, salvo em caso dereal necessidade, para regiões ondea alimentação e o clima forem tãodiferentes daqueles a que estãoacostumadas a que possam pôr emrisco sua saúde.

2. Em nenhum caso será per-mitida a transferência desses traba-lhadores antes de se poder aplicarrigorosamente todas as medidas dehigiene e de habitação necessáriaspara adaptá-los às novas condiçõese proteger sua saúde.

3. Quando for inevitável a trans-ferência, serão adotadas medidasque assegurem a adaptação progres-siva dos trabalhadores às novas con-dições de alimentação e de clima, sobcompetente orientação médica.

4. No caso de serem os traba-lhadores obrigados a executar traba-lho regular com o qual não estãoacostumados, medidas serão toma-das para assegurar sua adaptaçãoa essa espécie de trabalho, em par-ticular no tocante a treinamento pro-gressivo, às horas de trabalho, aosintervalos de repouso e à melhoriaou ao aumento da dieta que possaser necessário.

Artigo 17

Antes de autorizar o recurso atrabalho forçado ou obrigatório emobras de construção ou de manuten-ção que impliquem a permanênciado trabalhador nos locais de traba-

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lho por longos períodos, a autori-dade competente assegurar-se-áde que:

a) sejam tomadas todas asmedidas necessárias para protegera saúde dos trabalhadores e lhesgarantir assistência médica indis-pensável e, especialmente:

I — sejam os trabalhadoressubmetidos a exame médico antesde começar o trabalho e a interva-los determinados durante o períodode serviço;

II — haja serviço médico ade-quado, ambulatórios, enfermeiras,hospitais e material necessário parafazer face a todas as necessidades; e

III — sejam satisfatórias ascondições de higiene dos locais detrabalho, o suprimento de água po-tável, de alimentos, combustível, edos utensílios de cozinha e, se ne-cessário, de alojamento e roupas;

b) sejam tomadas medidasadequadas para assegurar a subsis-tência das famílias dos trabalhado-res, em especial facilitando a remes-sa, com segurança, de parte do sa-lário para a família, a pedido ou como consentimento dos trabalhadores;

c) corram por conta e respon-sabilidade da administração os tra-jetos de ida e volta dos trabalhado-res, para execução do trabalho, fa-cilitando a realização desses traje-tos com a plena utilização de todosos meios de transportes disponíveis;

d) corra por conta da adminis-tração o repatriamento do trabalha-dor no caso de enfermidade ou aci-dente que acarrete sua incapacida-de temporária para o trabalho;

e) seja permitido a todo o tra-balhador, que assim o desejar, per-manecer como trabalhador voluntá-rio no final do período de trabalhoforçado ou obrigatório, sem perda dodireito ao repatriamento gratuito numperíodo de dois anos.

Artigo 18

1. O trabalho forçado ou obri-gatório no transporte de pessoas oumercadorias, tal como o de carrega-dores e barqueiros, deverá ser su-primido o quanto antes possível e,até que seja suprimido, as autorida-des competentes deverão expedirregulamentos que determinem, en-tre outras medidas, as seguintes:

a) que somente seja utilizadopara facilitar a movimentação de fun-cionários da administração em servi-ço ou para o transporte de provisõesdo Governo ou, em caso de urgentenecessidade, o transporte de outraspessoas além de funcionários;

b) que os trabalhadores assimempregados tenham atestado médi-co de aptidão física, onde houverserviço médico disponível, e ondenão houver, o empregador seja con-siderado responsável pelo atestadode aptidão física do trabalhador e deque não sofre de qualquer doençainfecto-contagiosa;

c) a carga máxima que podeser transportada por esses trabalha-dores;

d) o percurso máximo a ser fei-to por esses trabalhadores a partirdo local de sua residência;

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e) o número máximo de diaspor mês ou por qualquer outro perío-do durante os quais esses trabalha-dores podem ser utilizados, incluídosos dias de viagem de regresso;

f) as pessoas autorizadas arecorrer a essa forma de trabalhoforçado ou obrigatório, e os limitesda faculdade de exigi-lo.

2. Ao fixar os limites máximosmencionados nas alíneas “c”, “d” e“e” do parágrafo anterior, a autorida-de competente terá em conta todosos fatores pertinentes, notadamen-te o desenvolvimento físico da po-pulação na qual são recrutados ostrabalhadores, a natureza da regiãoatravés da qual viajarão e as condi-ções climáticas.

3. A autoridade competenteprovidenciará ainda para que o tra-jeto diário normal desses trabalha-dores não exceda distância corres-pondente à duração média de um diade trabalho de oito horas, ficandoentendido que serão levadas emconsideração não só a carga a sertransportada e a distância a ser per-corrida, mas também as condiçõesda estrada, a época do ano, os ou-tros fatores pertinentes, e, se exigi-das horas extras além de um trajetodiário normal, essas horas serão re-muneradas em base superior à dashoras normais.

Artigo 19

1. A autoridade competente sóautorizará o cultivo obrigatório comoprecaução contra a fome ou a escas-sez de alimentos e sempre sob a

condição de que o alimento ou a pro-dução permanecerá propriedade dosindivíduos ou da comunidade que osproduziu.

2. Nada neste artigo será in-terpretado como derrogatório daobrigação de membros de uma co-munidade, onde a produção é orga-nizada em base comunitária, por for-ça da lei ou costume, e onde a pro-dução ou qualquer resultado de suavenda permanece da comunidade,de executar o trabalho exigido pelacomunidade por força de lei oucostume.

Artigo 20

Leis de sanções coletivas, se-gundo as quais uma comunidadepode ser punida por crimes cometi-dos por qualquer de seus membros,não conterão disposições de traba-lho forçado ou obrigatório pela co-munidade como um dos meios depunição.

Artigo 21

O trabalho forçado ou obriga-tório não será utilizado para traba-lho subterrâneo em minas.

Artigo 22

Os relatórios anuais que osPaíses-membros que ratificam estaConvenção se comprometem a apre-sentar ao Secretariado da Organiza-ção Internacional do Trabalho, sobreas medidas por eles tomadas para

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aplicar as disposições desta Con-venção, conterão as informaçõesmais detalhadas possíveis com re-ferência a cada território envolvido,sobre a incidência de recurso a tra-balho forçado ou obrigatório nesseterritório; os fins para os quais foiempregado; os índices de doençase de mortalidade; horas de trabalho;sistemas de pagamento dos salári-os e suas bases, e quaisquer outrasinformações pertinentes.

Artigo 23

1. Para fazer vigorar as dispo-sições desta Convenção, a autorida-de competente baixará regulamen-tação abrangente e precisa para dis-ciplinar o emprego do trabalho for-çado ou obrigatório.

2. Esta regulamentação conte-rá, inter alia, normas que permitama toda pessoa submetida a trabalhoforçado ou obrigatório apresentar àsautoridades reclamações relativasás suas condições de trabalho e lhedêem a garantia de que serão exa-minadas e levadas em consideração.

Artigo 24

Medidas apropriadas serão to-madas, em todos os casos, para as-segurar a rigorosa aplicação dos re-gulamentos concernentes ao empre-go de trabalho forçado ou obrigató-rio, seja pela extensão ao trabalhoforçado ou obrigatório das atribui-ções de algum organismo de inspe-ção já existente para a fiscalizaçãodo trabalho voluntário, seja por qual-

quer outro sistema adequado. Outrasmedidas serão igualmente tomadasno sentido de que esses regulamen-tos sejam do conhecimento das pes-soas submetidas a trabalho forçadoou obrigatório.

Artigo 25

A imposição ilegal de trabalhoforçado ou obrigatório será passívelde sanções penais e todo País-mem-bro que ratificar esta Convenção teráa obrigação de assegurar que assanções impostas por lei sejam re-almente adequadas e rigorosamen-te cumpridas.

Artigo 26

Todo País-membro da Organi-zação Internacional do Trabalho queratificar esta Convenção comprome-te-se a aplicá-la nos territórios sub-metidos à sua soberania, jurisdição,proteção, suserania, tutela ou auto-ridade, na medida em que tem o di-reito de aceitar obrigações referen-tes a questões de jurisdição interna.Se, todavia, o País-membro quiservaler-se das disposições do Artigo35 da Constituição da OrganizaçãoInternacional do Trabalho, acresce-rá à sua ratificação declaração queindique:

a) os territórios nos quais pre-tende aplicar, sem modificações, asdisposições desta Convenção;

b) os territórios nos quais pre-tende aplicar, com modificações, as

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disposições desta Convenção, jun-tamente com o detalhamento dasditas modificações;

c) os territórios a respeito dosquais pospõe sua decisão.

2. A dita declaração será con-siderada parte integrante da ratifica-ção e terá os mesmos efeitos.

É facultado a todo País-mem-bro cancelar, no todo ou em parte,por declaração subseqüente, quais-quer ressalvas feitas em sua decla-ração anterior, nos termos das dis-posições das alíneas “a” e “c” desteArtigo.

Artigo 27

As ratificações formais destaConvenção serão comunicadas,para registro, ao Diretor Geral doSecretariado da Organização Inter-nacional do Trabalho.

Artigo 28

1. Esta Convenção obrigaráunicamente os Países-membros daOrganização Internacional do Traba-lho cujas ratificações tiverem sidoregistradas no Secretariado da Or-ganização Internacional do Trabalho.

2. Esta Convenção entrará emvigor doze meses após a data doregistro pelo Diretor Geral das ratifi-cações dos Países-membros.

3. A partir de então, esta Con-venção entrará em vigor, para todoPaís-membro, doze meses após adata do registro de sua ratificação.

Artigo 29

1. O Diretor Geral do Secreta-riado da Organização Internacionaldo Trabalho notificará todos os Paí-ses-membros da Organização, tãologo tenham sido registradas as ra-tificações de dois Países-membrosjunto ao Secretariado da Organiza-ção Internacional do Trabalho. Domesmo modo lhes dará ciência doregistro de ratificações que possamser comunicadas subseqüentemen-te por outros Países-membros daOrganização.

2. Ao notificar os Países-mem-bros da Organização do registro dasegunda ratificação que lhe tiver sidocomunicada, o Diretor Geral lhes cha-mará a atenção para a data na qualesta Convenção entrará em vigor.

Artigo 30

1. O País-membro que ratificaresta Convenção poderá denunciá-laao final de um período de dez anos,a contar da data de sua entrada emvigor, mediante comunicação ao Di-retor Geral do Secretariado da Or-ganização Internacional do Trabalho,para registro. A denúncia não teráefeito antes de se completar um anoa contar da data de seu registro.

2. Todo País-membro que rati-ficar esta Convenção e que, no prazode um ano após expirado o período dedez anos referido no parágrafo an-terior, não tiver exercido o direito dedenúncia provido neste Artigo, fica-rá obrigado a um novo período dedez anos e, daí em diante, poderá

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denunciar esta Convenção ao finalde cada período de dez anos, nostermos deste Artigo.

Artigo 31

O Conselho de Administraçãodo Secretariado da Organização In-ternacional do Trabalho apresentaráà Conferência Geral, quando consi-derar necessário, relatório sobre odesempenho desta Convenção e exa-minará a conveniência de incluir naordem do dia da Conferência a ques-tão de sua revisão total ou parcial.

Artigo 32

No caso de adotar a Conferên-cia uma nova convenção que revejatotal ou parcialmente esta Conven-ção, a ratificação por um País-mem-

bro da nova convenção revista im-plicará, ipso jure, a denúncia destaConvenção sem qualquer exigênciade prazo, a partir do momento emque entrar em vigor a nova Conven-ção revista, não obstante o dispostono Artigo 30.

2. A partir da data da entradaem vigor da convenção revista, estaConvenção deixará de estar sujeitaa ratificação pelos Países-membros.

3. Esta Convenção continuará,entretanto, em vigor, na sua forma econteúdo atuais, para os Países-membros que a ratificaram, mas nãoratificarem a Convenção revista.

Artigo 33

As versões em inglês e fran-cês do texto desta Convenção sãoigualmente oficiais.

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370

CONVENÇÃO N. 105 DA ORGANIZAÇÃOINTERNACIONAL DO TRABALHO

Relativa à Abolição do Trabalho Forçado (*)

A Conferência Geral da Organi-zação Internacional do Trabalho, Con-vocada pelo Conselho de Administra-ção do Secretariado da OrganizaçãoInternacional do Trabalho e reunidaem Genebra, em 5 de junho de 1957,em sua Quadragésima reunião;

Tendo examinado o problemado Trabalho forçado que constitui aquarta questão da ordem do dia dareunião;

Tendo em vista as disposiçõesda Convenção sobre o Trabalho For-çado, de 1930;

Tendo verificado que a Con-venção sobre a Escravidão, de 1926,dispõe que sejam tomadas todas asmedidas necessárias para evitar queo trabalho forçado ou obrigatório pro-duza condições análogas à escravi-dão, e que a Convenção Suplemen-tar Relativa à Abolição da Escravi-dão, do Tráfico de Escravos e de Ins-tituições e Práticas Análogas à Es-cravidão, de 1956, visa a total aboli-ção do trabalho forçado e da servi-dão por dívida;

Tendo verificado que a Con-venção sobre a Proteção do Salário,de 1949, determina que o salárioserá pago regularmente e proíbe sis-temas de pagamento que privem otrabalhador da real possibilidade dedeixar o emprego;

Tendo resolvido adotar outrasproposições relativas à abolição decertas formas de trabalho forçado ouobrigatório que constituem uma vio-lação dos direitos humanos constan-tes da Carta das Nações Unidas eenunciadas na Declaração Universaldos Direitos Humanos;

Tendo decidido que essas pro-posições se revistam da forma deuma convenção internacional, ado-ta, no dia vinte e cinco de junho demil, novecentos e cinqüenta e sete,esta Convenção que pode ser cita-da como a Convenção sobre a Abo-lição do Trabalho Forçado, de 1957.

Artigo 1º

Todo País-membro da Organi-zação Internacional do Trabalho queratificar esta Convenção comprome-

(*) Data de entrada em vigor: 17 de ja-neiro de 1959.

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371

te-se a abolir toda forma de trabalhoforçado ou obrigatório e dele nãofazer uso:

a) como medida de coerção oude educação política ou como puni-ção por ter ou expressar opiniõespolíticas ou pontos de vista ideolo-gicamente opostos ao sistema polí-tico, social e econômico vigente;

b) como método de mobiliza-ção e de utilização da mão-de-obrapara fins de desenvolvimento econô-mico;

c) como meio de disciplinar amão-de-obra;

d) como punição por participa-ção em greves;

e) como medida de discrimi-nação racial, social, nacional ou reli-giosa.

Artigo 2º

Todo País-membro da Organi-zação Internacional do Trabalho queratificar esta Convenção comprome-te-se a adotar medidas para asse-gurar a imediata e completa aboli-ção do trabalho forçado ou obriga-tório, conforme estabelecido no Ar-tigo 1º desta Convenção.

Artigo 3º

As ratificações formais destaConvenção serão comunicadas,para registro, ao Diretor Geral doSecretariado da Organização Inter-nacional do Trabalho.

Artigo 4º

1. Esta Convenção obrigaráunicamente os Países-membros daOrganização Internacional do Traba-lho cujas ratificações tiverem sidoregistradas pelo Diretor Geral.

2. Esta Convenção entrará emvigor doze meses após a data deregistro, pelo Diretor Geral, das rati-ficações de dois Países-membros.

3. A partir de então, esta Con-venção entrará em vigor para todoPaís-membro doze meses após adata do registro de sua ratificação.

Artigo 5º

1. Todo País-membro que rati-f icar esta Convenção poderádenunciá-la ao final de um períodode dez anos, a contar da data de suaentrada em vigor, mediante comuni-cação ao Diretor Geral do Secreta-riado da Organização Internacionaldo Trabalho, para registro. A denún-cia não terá efeito antes de se com-pletar um ano a contar da data de seuregistro.

2. Todo País-membro que rati-ficar esta Convenção e que, no pra-zo de um ano após expirado o períodode dez anos referido no parágrafoanterior, não tiver exercido o direitode denúncia provido neste Artigo, fi-cará obrigado a um novo período dedez anos e, daí em diante, poderádenunciar esta Convenção ao final decada período de dez anos, nos ter-mos deste Artigo.

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372

Artigo 6º

1. O Diretor Geral do Secre-tariado da Organização Internacionaldo Trabalho dará ciência a todos osPaíses-membros da Organização In-ternacional do Trabalho do registro detodas as ratificações e denúncias quelhe forem comunicadas pelos Países-membros da Organização.

2. Ao notificar os Países-mem-bros da Organização sobre o regis-tro de segunda ratificação que lhetenha sido comunicada, o DiretorGeral lhes chamará a atenção paraa data na qual entrará em vigor estaConvenção.

Artigo 7º

O Diretor Geral do Secretaria-do da Organização Internacional doTrabalho comunicará ao SecretárioGeral das Nações Unidas, para re-gistro, de conformidade como Arti-go 102 da Carta das Nações Unidas,informações circunstanciadas sobreas ratificações e atos de denúnciapor ele registrados, nos termos dodisposto nos artigos anteriores.

Artigo 8º

O Conselho de Administraçãodo Secretariado da Organização In-ternacional do Trabalho apresenta-rá á Conferência Geral, quando con-

siderar necessário, relatório sobre odesempenho desta Convenção eexaminará a conveniência de incluirna pauta da Conferência a questãode sua revisão total ou parcial.

Artigo 9º

1. No caso de adotar a Confe-rência uma nova convenção que re-veja total ou parcialmente esta Con-venção, a menos que a nova Conven-ção disponha de outro modo:

a) a ratificação por um País-membro da nova Convenção revistaimplicará, ipso jure, a denúncia ime-diata desta Convenção, a partir domomento em que a nova Convençãorevista entrar em vigor, não obstan-te as disposições do Artigo 5º;

b) a partir da data de entradaem vigor da convenção revista, estaConvenção deixará de estar sujeitaà ratificação pelos Países-membros.

2. Esta Convenção permane-cerá, entretanto, em vigor, na suaforma e conteúdo atuais, para osPaíses-membros que a ratificaram,mas não ratificarem a convençãorevista.

Artigo 10

As versões em inglês e fran-cês do texto desta Convenção sãoigualmente oficiais.

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MEMBROSDO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

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375

Subprocuradores-Gerais doTrabalho

Luiz da Silva Flores

José Alves Pereira Filho

Jeferson Luiz Pereira Coelho

Cesar Zacharias Martyres

Heloísa Maria Moraes Rego Pires

Otávio Brito Lopes

Guiomar Rechia Gomes

Samira Prates de Macedo

Ronaldo Tolentino da Silva

Guilherme Mastrichi Basso

Maria Guiomar Sanches de Mendonça

Maria Aparecida Gugel

Maria de Fátima Rosa Lourenço

José Carlos Ferreira do Monte

Diana Isis Penna da Costa

Lucinea Alves Ocampos

Dan Caraí da Costa e Paes

Antônio Carlos Roboredo

Terezinha Matilde Licks

Lélio Bentes Corrêa

Ivana Auxiliadora Mendonça Santos

Edson Braz da Silva

Vera Regina della Pozza Reis

MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Procurador-Geral do Trabalho: Guilherme Mastrichi BassoPresidente da ANPT: Regina Fátima Bello Butrus

PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

Procuradores Regionais de outrasPRTs em exercício na PGT

Adriane Reis de Araújo (Lot. PRT-9ª)Alvacir Corrêa dos Santos (Lot. PRT-

9ª)Antonio Luiz Teixeira Mendes (Lot.

PRT-10ª)Cristina Soares de Oliveira E. A.

Nobre (Lot. PRT-10ª)Eliane Araque dos Santos (Lot. PRT-

10ª)Evany de Oliveira Selva (Lot. PRT-

10ª)Fernanda Maria Uchôa de Albuquer-

que (PRT-7ª)Gustavo Ernani Cavalcanti Dantas

(Lot. PRT-10ª)Jaime Antonio Cimenti (PRT-4ª)José Neto da Silva (PRT-13ª)Lélia Guimarães Carvalho Ribeiro

(Lot. PRT-5ª)Luiz Eduardo Guimarães Bojart (Lot.

PRT-18ª)Márcia Raphanelli de Brito (Lot. PRT-

10ª)Maria Christina Dutra Fernandez

(PRT-3ª)Maria Magdá Maurício Santos (PRT-

3ª)Ronaldo Curado Fleury (Lot. PRT-

10ª)Sidnei Alves Teixeira (Lot. PRT-2ª)Suzana Leonel Farah (PRT-2ª)

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376

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

SEDE: Rio de Janeiro/RJ

Procuradora-Chefe: Aída Glanz

Procuradores Regionais doTrabalho

Carlos Alberto Dantas da FonsecaCosta Couto

Lício José de Oliveira

Robinson Crusoé Loures de M.Moura Júnior

Theócrito Borges dos Santos Filho

Regina Fátima Bello Butrus

Márcio Vieira Alves Faria

Márcio Octávio Vianna Marques

Reginaldo Campos da Motta

Maria Vitória Süssekind Rocha

Inês Pedrosa de Andrade Figueira

Heleny Ferreira de Araújo Schittine

Aída Glanz

Procuradores do Trabalho

João Hilário ValentimMônica Silva Vieira de CastroAna Lúcia Riani de LunaCarlos Omar Goulart VillelaLuiz Eduardo Aguiar do ValeJúnia Bonfante RaymundoCynthia Maria Simões LopesDeborah da Silva FelixMaria Lúcia Abrantes FerreiraLisyane Chaves MottaTeresa Cristina D’almeida BasteiroDanielle CramerSafira Cristina F. A. Carone GomesJoão Carlos TeixeiraLucia de Fátima dos Santos GomesDaniela Ribeiro MendesAdriano de Alencar SaboyaSérgio Favilla de MendonçaJosé Claudio Codeço MarquesJosé Antonio Vieira de F. FilhoMaria Helena Galvão Ferreira GarciaEduardo Galvão de Andrea FerreiraHeloise Ingersoll SáMarcelo de Oliveira RamosValéria Sa Carvalho da Silva CorrêaEliane LucinaMarcelo José Fernandes da SilvaMaria Julieta Tepedino de BragançaCristiane Maria Sbalqueiro LopesRodrigo de Lacerda CarelliAlessandro Santos de MirandaJuliane Mombelli Rodrigues de Oli-

veiraJoão Batista Berthier Leite SoaresValdenice Amália FurtadoValesca de Morais do MonteGuadalupe Louro Turos CoutoFernando Pinaud de Oliveira JuniorWilson Roberto PrudenteFábio Luiz Vianna Mendes

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377

Procuradores do Trabalho

José Valdir MachadoMaria Isabel Cueva MoraesAlmara Nogueira MendesPaulo Cesar de Moraes GomesAndrea Ehlke MucerinoLuiz Felipe SpeziLuiza Yukiko Kinoshita AmaralLídia Mendes GonçalvesNelson Esteves SampaioAna Francisca Moreira de Souza

SandenDébora Monteiro LopesSilvana Marcia Montechi V. de Oli-

veiraVera Lúcia CarlosCélia Regina Camachi StanderElisa Maria Brant de Carvalho MaltaDébora ScattoliniDenise Lapolla de Paula Aguiar

AndradeRoberto Rangel MarcondesAntônio de Souza NetoMariza Mazotti de MoraesFábio de Assis Ferreira FernandesDirce Trevisi Prado NovaesThereza Cristina GosdalRosemary Fernandes MoreiraMaria Beatriz Almeida BrandtAna Elisa Alves Brito SegattiAdélia Augusto DominguesViviann Rodriguez MattosRonaldo Lima dos SantosValdirene Silva de AssisAndréa Tertuliano de OliveiraÉricka Rodrigues Duarte

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

SEDE: São Paulo/SP

Procuradora-Chefe: Maria Regina Murad Legaspe

Procuradores Regionais do Trabalho

Erick Wellington Lagana LamarcaVera Lígia Lagana Lamarca

Danton de Almeida SeguradoElizabeth Escobar PirroNeyde Meira

Manoel Luiz RomeroLaura Martins Maia de AndradeMaria José Sawaya de Castro P. do

ValeMarisa Marcondes MonteiroMaria Cecília Leite Oriente Segurado

Oksana Maria Dziúra BoldoCristina Aparecida R. BrasilianoRuth Maria Fortes Andalafet

Rovirso Aparecido BoldoSandra Lia SimonMônica Furegatti

Marilia RomanoCândida Alves LeãoMaria Helena Leão Grisi

Graciene Ferreira PintoEgle ResekAndréa Isa Rípoli

Marisa Regina Murad LegaspeZélia Maria Cardoso MontalMárcia de Castro Guimarães

Ivani Contini BramanteWilian Sebastião BedoneSidnei Alves Teixeira

Sandra Borges de MedeirosSuzana Leonel FarahMarta Casadei Momezzo

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378

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

SEDE: Belo Horizonte/MG

Procurador-Chefe: Elcio Vilela Nogueira

Procuradores Regionais do Trabalho

Eduardo Maia Botelho

Maria Magdá Maurício Santos

Maria Christina Dutra Fernandez

Júnia Soares Náder

Júnia Castelar Savaget

Elson Vilela Nogueira

Marcia Campos Duarte

Procuradores do Trabalho

Yamara Viana de Figueiredo Azze

Maria Amélia Bracks Duarte

José Diamir da Costa

Arlelio de Carvalho Lage

Maria Helena da Silva Guthier

Anemar Pereira Amaral

Lutiana Nacur Lorentz

Silvana Ranieri de AlbuquerqueQueiroz

Dennis Borges Santana

Genderson Silveira Lisboa

Antônio Carlos Oliveira Pereira

Marilza Geralda do Nascimento

Maria Beatriz Chaves Xavier

Elaine Noronha Nassif

Maria do Carmo de Araujo

Antônio Augusto Rocha

Januário Justino Ferreira

Joaquim Rodrigues Nascimento

Geraldo Emediato de Souza

Adriana Augusta de Moura Souza

Luciana Marques Coutinho

Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues

Fábio Lopes Fernandes

Andréa Ferreira Bastos

Luís Paulo Villafañe Gomes Santos

Sônia Toledo Gonçalves

Juliana Vignoli Bessa

Andrea Nice da Silveira

Eduardo Trajano Cesar dos Santos

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379

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

SEDE: Porto Alegre/RS

Procurador-Chefe: Paulo Borges da Fonseca Seger

Procuradores Regionais doTrabalho

Marília Hofmeister Caldas

Jaime Antônio Cimenti

Paulo Borges da Fonseca Seger

Eduardo Antunes Parmeggiani

Luiz Fernando Mathias Vilar

Elizabeth Leite Vaccaro

Victor Hugo Laitano

André Luis Spies

Procuradores do Trabalho

Beatriz de Holleben Junqueira Fialho

Paulo Eduardo Pinto de Queiroz

Ana Luiza Alves Gomes

Lourenço Agostini de Andrade

Leandro Araújo

Silvana Ribeiro Martins

Zulma Hertzog Fernandes Veloz

Maria Cristina Sanchez Gomes Fer-reira

Márcia Medeiros de Farias

Alexandre Correa da Cruz

Aline Mar ia Homrich SchneiderConzatti

Adriane Arnt Herbst

Denise Maria Schellenberger

Ivo Eugênio Marques

Viktor Byruchko Júnior

Jane Evanir Sousa Borges

Paulo Joares Vieira

Veloir Dirceu Furst

Marlise Souza Fontoura

Cristiano Bocorny Corrêa

Marcelo José Ferlin D’Ambroso

Dulce Martini Torzecki

Ivan Sérgio Camargo dos Santos

Advane de Souza Moreira

Jean Carlo Voltolini

Marcelo Martins Dalpom

Philippe Gomes Jardim

Evandro Paulo Brizzi

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380

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO

SEDE: Salvador/BA

Procurador-Chefe: Carlos Alfredo Cruz Guimarães

Procuradores Regionais do Trabalho

Jorgina Ribeiro Tachard

Lélia Guimarães Carvalho Ribeiro

Carlos Alfredo Cruz Guimarães

Virgínia Maria Veiga de Sena

Antônio Messias Matta de AragãoBulcão

Manoel Jorge e Silva Neto

Claudia Maria Rego P. Rodrigues daCosta

Adélia Maria Bittencourt Marelim

Maria da Glória Martins dos Santos

Cícero Virgulino da Silva Filho

Carla Geovanna Cunha Rossi

Edelamare Barbosa Melo

Procuradores do Trabalho

Adalberto de Castro Estrela

Jairo Lins de Albuquerque Sento-sé

Maria Lúcia de Sá Vieira

Jeferson Alves Silva Muricy

Joselita Nepomuceno Borba

Luiz Alberto Teles Lima

Ana Emília Andrade Albuquerque daSilva

Luiz Antônio Nascimento Fernandes

Sandra Marlicy de Souza Faustino

Helder Santos Amorim

Marcelo Brandão de Morais Cunha

José Heraldo de Sousa

Séfora Graciana Cerqueira Char

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃOSEDE: Recife/PE

Procurador-Chefe: José Janguiê Bezerra Diniz

Procuradores Regionais do Trabalho

Manoel Orlando de Melo Goulart

Waldir de Andrade Bitu Filho

Aluízio Aldo da Silva Júnior

José Janguie Bezerra Diniz

Rafael Gazzaneo Junior

Pedro Luiz Gonçalves Serafim daSilva

Procuradores do Trabalho

Maria Angela Lobo Gomes

Morse Sarmento Pereira de LyraNeto

Elizabeth Veiga Chaves

Maria Auxiliadora de Souza e Sá

Fábio André de Farias

Artur de Azambuja Rodrigues

Jorge Renato Montandon Saraiva

João Eduardo de Amorim

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381

Procuradores Regionais do Trabalho

Raimundo Valdizar de Oliveira Leite

Fernanda Maria Uchôa de Albuquer-que

Hilda Leopoldina Pinheiro Barreto

Francisco Gerson Marques de Lima

Procuradores do Trabalho

José Antonio Parente da Silva

Nicodemos Fabrício Maia

Claudio Alcântara Meireles

Francisca Helena Duarte Camelo

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO

SEDE: Belém/PAProcuradora-Chefe: Célia Rosário L. Medina Cavalcante

Procuradores Regionais do Trabalho

Célia Rosário Lage Medina Caval-cante

José Cláudio Monteiro de Brito Filho

Loris Rocha Pereira Junior

Procuradores do Trabalho

Loana Lia Gentil Uliana

Ana Maria Gomes Rodrigues

Mário Leite Soares

Rita Moitta Pinto da Costa

Gisele Santos Fernandes Goes

Hideraldo Luiz de Sousa Machado

Marici Coelho de Barros Pereira

Luciana Tostes de Guadalupe eSilva

Carlos Leonardo Holanda Silva

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO

SEDE: Fortaleza/CEProcurador-Chefe: Francisco Gerson Marques de Lima

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382

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO

SEDE: Curitiba/PR

Procuradora-Chefe: Lair Carmen Silveira da Rocha Guimarães

Procuradores Regionais do Trabalho

André Lacerda

Lair Carmen Silveira da Rocha Gui-marães

José Cardoso Teixeira Júnior

Ricardo Tadeu Marques da Fonseca

Itacir Luchtemberg

Maria Guilhermina dos Santos V.Camargo

Marisa Tiemann

Leonardo Abagge Filho

Alvacir Corrêa dos Santos

Neli Andonini

Adriane Reis de Araújo

Aluízio Divonzir Miranda

Procuradores do Trabalho

Jaime Jose Bilek Iantas

Amadeu Barreto Amorim

Luiz Renato Camargo Bigarelli

Benedito Xavier da Silva

Rosana Santos Moreira

Mariane Josviak

Luis Carlos Cordova Burigo

Luercy Lino Lopes

Margaret Matos de Carvalho

Renee Araújo Machado

Cássio Luis Casagrande

Nelson Colauto

Luís Antônio Vieira

Inajá Vanderlei S. dos Santos

Gláucio Araújo de Oliveira

Viviane Dockhorn Weffort

Ricardo Bruel da Silveira

Marília Massignam Coppla

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383

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃOSEDE: Brasília/DF

Procurador-Chefe: Brasilino Santos Ramos

Procuradores Regionais do Trabalho

Gustavo Ernani Cavalcanti Dantas

Evany de Oliveira Selva

Márcia Raphanelli de Brito

Enéas Bazzo Tôrres

Eliane Araque dos Santos

Antonio Luiz Teixeira Mendes

Brasilino Santos Ramos

Cristina Soares de Oliveira e A.Nobre

Ronaldo Curado Fleury

Marcia Flávia Santini Picarelli

Mauricio Correia de Mello

Procuradores do Trabalho

Ricardo José Macedo de Britto Pe-reira

Cristiano Otavio Paixão Araújo Pinto

Soraya Tabet Souto Maior

Aroldo Lenza

Adélio Justino Lucas

Valdir Pereira da Silva

Mônica de Macedo Guedes LemosFerreira

Daniela de Morais do Monte Varan-das

Fábio Leal Cardoso

Marcello Ribeiro Silva

Ana Cristina Desirée B. F. T. Ribeiro

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃOSEDE: Manaus/AM

Procurador-Chefe: Audaliphal Hildebrando da Silva

Procuradores do Trabalho

Faustino Bartolomeu Alves Pimenta

Audaliphal Hildebrando da Silva

Rodrigo Raphael Rodrigues deAlencar

Daniela Landin Paes Leme

Patrick Maia Merisio

Cláudia Regina Lovato Franco

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384

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃOSEDE: Florianópolis/SC

Procuradora-Chefe: Marilda Rizzatti

Procuradores Regionais do Trabalho

Paulo Roberto Pereira

Marilda Rizzatti

Viviane Colucci

Procuradores do Trabalho

Egon Koerner Junior

Angela Cr ist ina Santos Pincell iCintra

Alexandre Medeiros da FontouraFreitas

Cristiane Kraemer Gehlen Caravieri

Darlene Borges Dorneles

Silvia Maria Zimmermann

Adriana Silveira Machado

Teresa Cristina Dunka R. dos Santos

Marcelo Goulart

Dulce Maris Galle

Jaime Roque Perottoni

Luiz Carlos Rodrigues Ferreira

André Luiz Riedlinger Teixeira

Anestor Mezzomo

Iros Reichmann Losso

Alice Nair Feiber Sônego Borner

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385

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO

SEDE: João Pessoa/PBProcurador-Chefe: José Caetano dos Santos Filho

Procurador Regional do Trabalho

José Neto da Silva

Procuradores do Trabalho

Márcio Roberto de Freitas Evange-lista

José Caetano dos Santos Filho

Rildo Albuquerque M. de Brito

Maria Edlene Costa Lins

Ramon Bezerra dos Santos

Eduardo Varandas Araruna

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO

SEDE: Porto Velho/RO

Procurador-Chefe: Marcelo José Ferlin Dambroso

Procuradores do Trabalho

Rúbia Vanessa Canabarro

Fabio Goulart Villela

Luis Antonio Barbosa da Silva

Claudia Marques de Oliveira

Ana Luiza Fabero

Suse Lane do Prado e Silva Azevedo

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

SEDE: Campinas/SP

Procurador-Chefe: Raimundo Simão de Melo

Procuradores Regionais do Trabalho

Rogério Rodriguez Fernandez Filho

Raimundo Simão de Melo

Adriana Bizarro

Eduardo Garcia de Queiroz

Renata Cristina Piaia Petrocino

Procuradores do Trabalho

João Norberto Vargas ValérioClaude Henri AppyMaria Stela Guimarães de MartinAbiael Franco SantosRicardo Wagner GarciaFábio Messias VieiraLiliana Maria del NeryAna Lúcia Ribas SaccaniAderson Ferreira SobrinhoLuís Henrique RafaelDimas Moreira da SilvaJosé Fernando Ruiz MaturanaAlex Duboc GarbelliniEleonora Bordini CocaVanessa Kasecker BozzaRonaldo José de LiraAcir Alfredo HackJoão Batista Martins CésarBernardo Leôncio Moura CoelhoAndréa AlbertinaseEliana Nascimento MinicucciIara Teixeira RiosRogério Rodrigues de FreitasQuézia Araújo Duarte de AguiarMárcia Cristina Kamei L. AliagaAna Lúcia Barranco LicheskiRenata CoelhoAparicio Quirino SalomãoMario Antonio GomesHumberto Luiz M. de AlbuquerqueAlvamari Cassillo TebetCássio Dalla-DéaMarcus Vinícius Gonçalves

Ivana Paula Cardoso

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387

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO

Sede: São Luís/MA

Procurador-Chefe: Roberto Magno Peixoto Moreira

Procuradores do Trabalho

Maurício Pessoa Lima

Virgínia de Azevedo Neves Saldanha

Márcia Andrea Farias da Silva

Patrícia Blanc Gaidex

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 17ª REGIÃO

Sede: Vitória/ES

Procuradora-Chefe: Maria de Lourdes Hora Rocha

Procuradores Regionais do Trabalho

Levi Scatolin

Carlos Henrique Bezerra Leite

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO

Sede: Goiânia/GO

Procuradora-Chefe: Jane Araújo dos Santos Vilani

Procuradores Regionais do Trabalho

Jane Araújo dos Santos Vilani

Luiz Eduardo Guimarães Bojart

Procuradores do Trabalho

Anita Cardoso da Silva

Maria de Lourdes Hora Rocha

Estanislau Tallon Bózi

Keley Kristiane Vago Cristo

Valério Soares Heringer

Daniele Correa Santa Catarina Fa-gundes

Jose Reis Santos Carvalho

Antonio Carlos Lopes Soares

Procuradores do Trabalho

Elvecio Moura dos SantosCláudia Telho Corrêa Abreu

José Marcos da Cunha AbreuJanilda Guimarães de Lima ColloAlpiniano do Prado Lopes

Maria das Graças Prado FleuryCirêni Batista Ribeiro

Procurador Regional do Trabalho

Roberto Magno Peixoto Moreira

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 19ª REGIÃO

Sede: Maceió/AL

Procurador-Chefe: Alpiniano do Prado Lopes

Procuradores do Trabalho

Vanda Maria Ferreira Lustosa

Cássio de Araújo Silva

Virginia de Araújo Gonçalves

Cláudio Cordeiro Queiroga Gadelha

Antonio de Oliveira Lima

Adir de Abreu

Ana Cláudia Rodrigues BandeiraMonteiro

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 20ª REGIÃO

Sede: Aracaju/SE

Procuradora-Chefe: Ricardo José das Mercês Carneiro

Procuradores do Trabalho

Vilma Leite Machado Amorim

Ricardo José das Mercês Carneiro

Sebastião Vieira Caixeta

Mário Luiz Vieira Cruz

Paula Rousseff Araújo

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO

Sede: Natal/RN

Procurador-Chefe: José de Lima Ramos Pereira

Procuradores Regionais do Trabalho

Xisto Tiago de Medeiros Neto

José de Lima Ramos Pereira

Procuradores do Trabalho

Cinara Graeff TerebintoJosé Diniz de MoraesEder SiversIzabel Christina Baptista Queiroz

RamosRosivaldo da Cunha OliveiraFrancisco Marcelo Almeida Andrade

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO

Sede: Teresina/PI

Procuradora-Chefe: Evanna Soares

Procurador Regional do Trabalho

Evanna Soares

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO

Sede: Cuiabá/MT

Procuradora-Chefe: Inês Oliveira de Sousa

Procuradores do TrabalhoEliney Bezerra Veloso

Ludmila Reis Brito Lopes

Renata Aparecida Crema BotassoTobias

Sueli Teixeira Bessa

Isabella Gameiro da Silva Terzi

Daniel Augusto Gaiotto

Procurador Regional do Trabalho

Luis Antônio Camargo de Melo

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO

Sede: Campo Grande/MS

Procurador-Chefe: Luis Antônio Camargo de Melo

Procuradores do Trabalho

Marco Aurelio Lustosa Caminha

João Batista Luzardo Soares Filho

João Batista Machado Junior

Ileana Neiva Mousinho

José Wellington de Carvalho Soares

Procuradores do Trabalho

Emerson Marim Chaves

Jonas Ratier Moreno

Cícero Rufino Pereira

Simone Beatriz Assis de Rezende

Erlan José Peixoto do Prado

Keilor Heverton Mignoni

Rosimara Delmoura Caldeira

Procurador Regional do Trabalho

Ines Oliveira de Sousa

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390

APOSENTADOS(posição em 2.7.2003)

Subprocuradores-Gerais do Trabalho

Afonso Henrique Luderitz de MedeirosAntônio Henrique de Carvalho ElleryDarcy da Silva CamaraEdson Correa KhairEduardo Antonio de A. CoelhoEliana Traverso CalegariFernando Ernesto de Andrade CouraHegler José Horta BarbosaHélio Araújo de AssumpçãoJacques do Prado BrandãoJoão Pedro Ferraz dos PassosJoão Pinheiro da Silva NetoJonhson Meira SantosJorge Eduardo de Sousa MaiaJúlio Roberto Zuany

Lindalva Maria F. de CarvalhoLúcia Barroso de Britto FreireMara Cristina Lanzoni

Marcelo Angelo Botelho BastosMaria de Lourdes S. de AndradeModesto Justino de O. Júnior

Muryllo de Brito Santos FilhoNorma Augusto PintoRaymundo Emanoel Bastos do E.

SilvaRoque Vicente FerrerSue Nogueira de Lima Verde

Terezinha Vianna GonçalvesValter Otaviano da Costa Ferreira

Procuradores Regionais do Trabalho

Adelmo Monteiro de BarrosAldemar Ginefra MoreiraAlice Cavalcante de SouzaAmérico Deodato da Silva JúniorAna Maria Trindade BarbosaAngela Maria Gama e Mello de M.

PintoAntonio Carlos Penzin FilhoAntonio Xavier da CostaAparecida Maria O. de Arruda BarrosAurea Satica KariyaCarlos Eduardo BarrosoCarlos Eduardo de Araújo GóesCarlos José Principe de OliveiraCarlos Renato Genro GoldschmidtCesar Macedo de EscobarCliceu Luis BassettiDaisy Lemos DuarteDanilo Octavio Monteiro da Costa

Danilo Pio Borges de Castro

Djalma Nunes FernandesEclair Dias Mendes MartinsEdmilson Rodrigues SchiebelbeinEdson Cardoso de OliveiraEliane Souto CarvalhoElizabeth Starling de MoraesEmiliana Martins de AndradeEvaristo de Moraes FilhoEveraldo Gaspar Lopes de AndradeFabrício Correia de SouzaFernando de Araújo ViannaFrancisco Adelmir PereiraHelion VerriIlna Carvalho VasconcelosIvan José Prates Bento PereiraJoão Antero de CarvalhoJoão Carlos de Castro NunesJoão Carlos Guimarães FalcãoJorge Luiz Soares de AndradeJosé André Domingues

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José Carlos Pizarro Barata SilvaJosé Eduardo Duarte SaadJosé Francisco T. da Silva RamosJosé Sebastião de Arcoverde RabeloJuarez Nascimento F. de TavoraJúlia Antonieta de Magalhães CoelhoLeonardo BaierleLeonardo Palarea CopiaMara Cristina LanzoniMaria Aparecida PasqualãoMaria Beatriz Coelho C. da FonsecaMaria Manzano MaldonadoMaria Thereza de M. TinocoMariza da Carvalheira BaurMoema FaroMoyses Simão SniferMunir HageMurillo Estevam Allevato

Nelson Lopes da SilvaNilza Aparecida MiglioratoOlavo Augusto Souza C. S. FerreiraPaulo Rogério Amoretty SousaPerola StermanRegina Pacis Falcão do NascimentoReinaldo José Peruzzo JuniorRicardo KatharRuy Mendes Pimentel SobrinhoSandra Maria Bazan de FreitasSebastião Lemes GorgesSérgio Teófilo CamposSilvia Saboya LopesSonia Pitta de CastroSueli Aparecida ErbanoThomaz Francisco D. F. da CunhaVirgílio Antônio de Senna PaimVitório MorimotoWanda Souza Rago

Procuradores do Trabalho

Adilson Flores dos SantosAndré Olimpio GrassiAntonia Seiunas ChecanovskiAntônio Maurino RamosAtahualpa José Lobato F. NetoCantidio Salvador FilardiCarlina Eleonora Nazareth de CastroCarmo Domingos JateneDelmiro dos SantosEdson Affonso GuimarãesEvandro Ramos LoureiroIdalina Duarte GuerraJackson Chaves de AzevedoJanete MatiasJoão Alfredo Reverbel Bento PereiraJosé Henrique Gomes Salgado Mar-

tinsJosé HoskenKatya Teresinha Monteiro SaldanhaLúcia Leão Jacobina Mesquita

Marco Antonio Prates de MacedoMaria Auxiliadora Alves BrokerhoffMaria Celeida Lima RibeiroMaria de Nazareth ZuanyMaria Regina do Amaral VirmondMaria Zelia Abreu FonsecaMarilena MarzagãoMatilde de Fátima Gomes RamosMyrian Magdá Leal GodinhoNilza Varella de OliveiraNorma Profeta MarquesOrlando de MeloRoberto das Graças AlvesRoberto Herbster GusmãoRoland Cavalcanti de A. CorbisierSônia Costa Mota de Toledo PintoValeria Abras Ribeiro do ValleVera Regina Loureiro WinterWalmir Santana Bandeira de Souza

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Editoração Eletrônica: LINOTECCapa: ROGÉRIO MANSINIImpressão: ROTAPRINT