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REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO - trf4.jus.br · Limite. Questão prejudicial. Não-configuração. Suspensão condicional do processo. Preclusão ... Penhora no rosto dos autos. ... INQUÉRITO

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REVISTA 42 > COMPOSIÇÃOTRIBUNAL REGIONAL FEDERAL

4ª Região 

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

 COMPOSIÇÃO

Em novembro de 2001 

PLENÁRIODes. Federal Teori Albino Zavascki - Presidente

Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Vice-PresidenteDes. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Corregedora-Geral

Des. Federal Fábio Bittencourt da RosaDes. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho

Des. Federal Vladimir Passos de FreitasDes. Federal Luiza Dias Cassales

Des. Federal Vilson Darós - Vice-Corregedor-GeralDes. Federal Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da Magistratura

Des. Federal Amir José Finocchiaro SartiDes. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Virgínia Amaral da Cunha ScheibeDes. Federal José Luiz Borges Germano da Silva

Des. Federal João Surreaux ChagasDes. Federal Amaury Chaves de Athayde

Des. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior

Des. Federal Valdemar CapelettiDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

Des. Federal Wellington Mendes de AlmeidaDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Juiz Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira (convocado) 

PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal  Nylson Paim de Abreu - Presidente

Des. Federal  Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO

1

Des. Federal Wellington Mendes de AlmeidaDes. Federal Vilson Darós

Des. Federal João Surreaux ChagasDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

 SEGUNDA SEÇÃO

Des. Federal  Nylson Paim de Abreu - PresidenteDes. Federal Luiza Dias Cassales

Des. Federal Marga Inge Barth TesslerDesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Des. Federal Amaury Chaves de AthaydeDes. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior

Des. Federal Valdemar Capeletti 

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal  Nylson Paim de Abreu - PresidenteDes. Federal Virgínia Amaral da Cunha Scheibe

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Tadaaqui Hirose

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Juiz Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira (convocado) 

QUARTA SEÇÃODes. Federal  Nylson Paim de Abreu - Presidente

Des. Federal Fábio Bittencourt da RosaDes. Federal Vladimir Passos de Freitas

Des. Federal José Luiz Borges Germano da SilvaDes. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho

Des. Federal Amir José Finocchiaro SartiDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

 PRIMEIRA TURMA

Des. Federal  Maria Lúcia Luz Leiria - PresidenteDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Des. Federal Wellington Mendes de Almeida

SEGUNDA TURMADes. Federal Vilson Darós - Presidente

Des. Federal João Surreaux ChagasDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

TERCEIRA TURMA

REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO

2

Des. Federal Luiza Dias Cassales - PresidenteDes. Federal Marga Inge Barth Tessler

Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère 

QUARTA TURMADes. Federal Amaury Chaves de Athayde - Presidente

Des. Federal Edgard Antônio Lippmann JúniorDes. Federal Valdemar Capeletti

QUINTA TURMADes. Federal Virgínia Amaral da Cunha Scheibe - Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazJuiz Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Tadaaqui Hirose - Presidente

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

SÉTIMA TURMADes. Federal Fábio Bittencourt da Rosa - Presidente

Des. Federal Vladimir Passos de FreitasDes. Federal José Luiz Borges Germano da Silva

OITAVA TURMADes. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente

Des. Federal Amir José Finocchiaro SartiDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

  

REVISTA 42 > ÍNDICE ANALÍTICO

ÍNDICE ANALÍTICO

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA  Correção monetária. Caderneta de poupança.Direitos individuais homogêneos. Legitimidade passiva.Possibilidade jurídica do pedido. Efeitos da sentença. Código de Defesa doConsumidor. Prescrição. Vide ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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AÇÃO DE DEPÓSITO Vide PRISÃO CIVIL

AÇÃO PENAL Vide CRIME CONTRA A HONRA

AÇÃO POPULAR SEBRAE - Vide COMPETÊNCIA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Ação civil pública. Segurança pública. Aplicação de recursos.Discricionariedade. Princípio da separação dos poderes.

ADVOGADO Honorários - Vide EMBARGOS À EXECUÇÃO Imunidade - Vide CRIME CONTRA A HONRA Sigilo - Vide INQUÉRITO POLICIAL

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Liberação de mercadoria - Vide IMPORTAÇÃO

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ARREMATAÇÃO Bem de terceiro - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA Requisitos. Renda. Despesa.Constituição Federal. Assistência judiciária integral. Distinção.

ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE TRANSPORTE AÉREO 

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Vide ROUBO

ATO ADMINISTRATIVO Vide SERVIDOR PÚBLICO

AUXÍLIO–DOENÇA Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA Vide PRISÃO PREVENTIVA

AVALISTA Legitimidade passiva.Código de Defesa do Consumidor.Excesso de execução. Taxa de juros. Correção monetária. Comissão depermanência.

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Aposentadoria por tempo de serviço. Acordo de previdência Brasil-Uruguai.Falta de previsão. Aposentadoria por tempo de serviço. Trabalho rural. Prova.Mandado de segurança. Litisconsórcio. Aposentadoria proporcional por tempo de serviço. Trabalho Rural. TrabalhoUrbano. Auxílio-doença. Concessão judicial. Cancelamento administrativo.Possibilidade. Pensão por morte do companheiro. Bóia-fria. Convivência more uxorio. Prova. Servidor público. Tempo de serviço. Contagem recíproca. Trabalho rural.Contribuições previdenciárias. Necessidade.

BÓIA-FRIA Pensão por morte - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

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CADERNETA DE POUPANÇA Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICA

CALÚNIA Vide CRIME CONTRA A HONRA

CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA Vide COMPETÊNCIA

CERCEAMENTO DE DEFESA Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO Obrigação tributária acessória. Descumprimento. Lançamento tributário.Necessidade.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICA Vide AVALISTA

COMISSÃO DE PERMANÊNCIA Vide AVALISTA

COMPETÊNCIA Ação popular. SEBRAE. Verbas públicas. Justiça Federal. Cédula rural pignoratícia. Banco do Brasil. Interesse da União. Justiça Federal.

COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA Interceptação - Vide PRISÃO PREVENTIVA

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Servidor público - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

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CONTRIBUIÇÃO SOCIAL Salário-educação. Decreto-lei 1.422/75. Constitucionalidade.

CONVIVÊNCIA MORE UXORIO Bóia-fria – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

CORREÇÃO MONETÁRIA Caderneta de poupança - Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICAVide AVALISTA

CRIME CONTRA A HONRA Ofensa a conselho profissional. Lei de Imprensa.Ação penal pública condicionada à representação. Calúnia. Ofensa a magistrado. Condenação. Substituição da pena. Advogado. Injúria. Ofensa a magistrado. Imunidade. Limite. Questãoprejudicial. Não-configuração.Suspensão condicional do processo. Preclusão.Retratação. Pena.

DANO MORAL Arrematação - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

DECISÃO JUDICIAL Citação de obra jurídica estrangeira. Tradução. Desnecessidade.

DENÚNCIA ESPONTÂNEA Parcelamento de débito. Multa moratória. Inexigibilidade.

DEPOSITÁRIO INFIEL Vide PRISÃO CIVIL

DESPESAS PROCESSUAIS 

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Vide PRISÃO PREVENTIVA

DIREITO DE PREFERÊNCIA Vide LEILÃO

EMBARGOS À EXECUÇÃO REFIS. Extinção do processo com julgamento do mérito.Honorários de advogado.

EMBARGOS DE TERCERIO Registro de imóveis - Vide EXECUÇÃO FISCAL

EXCESSO DE EXECUÇÃO Parcela incontroversa. Prosseguimento da ação. Vide AVALISTA

EXECUÇÃO FISCAL Embargos de terceiro. Possuidor. Título.Registro de imóveis. Desnecessidade. Liquidação extrajudicial. Prestação de contas. Banco Central.Garantia da execução. Penhora no rosto dos autos. Massa falida. Multa fiscal.Vide AVALISTA

EXTINÇÃO DO PROCESSO COM JULGAMENTO DO MÉRITO Vide EMBARGOS À EXECUÇÃO

FORMAÇÃO DE QUADRILHA Vide ROUBO

HONORÁRIOS Advogado - Vide EMBARGOS À EXECUÇÃO

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IMPORTAÇÃO Licenciamento prévio. Necessidade.Revisão aduaneira. Multa.Pena de perdimento. Inaplicabilidade.Antecipação de tutela. Liberação da mercadoria.

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO Vide PRISÃO CIVIL

IMUNIDADE Advogado – Vide CRIME CONTRA A HONRA

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Livros. Dicionário eletrônico.

INJÚRIA Vide CRIME CONTRA A HONRA

INQUÉRITO POLICIAL Sigilo. Advogado.

INTIMAÇÃO Locatário -Vide LEILÃO

LEGITIMIDADE DE PARTE Legitimidade passiva - Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICAVide AVALISTA Ilegitimidade ativa - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL

LEI DE IMPRENSA Vide CRIME CONTRA A HONRA

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LEILÃO Locatário. Intimação. Direito de preferência. Inexistência.

LIBERDADE PROVISÓRIA Vide PRISÃO PREVENTIVA

LICENCIAMENTO PRÉVIO Vide IMPORTAÇÃO

LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL Vide EXECUÇÃO FISCAL

MANDADO DE SEGURANÇA Valor da Causa - Vide PETIÇÃO INICIAL Aposentadoria por tempo de serviço - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Agravo de instrumento - Vide SEQÜESTRO

MASSA FALIDA Multa fiscal - Vide EXECUÇÃO FISCAL

MULTA FISCAL Massa falida – Vide EXECUÇÃO FISCAL

MULTA MORATÓRIA Parcelamento de Débito - Vide DENÚNCIA ESPONTÂNEA

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA Vide CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO

PENA DE PERDIMENTO Inaplicabilidade – Vide IMPORTAÇÃO

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PENSÃO ESPECIAL Doença grave – Vide SERVIDOR PÚBLICO

PENSÃO POR MORTE Companheiro - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

PETIÇÃO INICIAL Mandado de segurança. Emenda. Valor da causa. Critério.

PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES Vide ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO Vide ROUBO

PRISÃO CIVIL Ação de depósito. Depositário infiel. Depósito por equiparação.Impossibilidade jurídica do pedido.

PRISÃO PREVENTIVA Empresário. Corrupção. Quadrilha. Excesso de prazo. Revogação. Sonegação fiscal. Requisitos. Antecedentes.Apelação. Liberdade provisória. Concessão.Revogação. Interceptação de comunicação telefônica. Perícia em CD.Despesas processuais.Avaliação psicológica.

PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR Anulação. Cerceamento de defesa. Portaria instauradora. Requisitos. Descriçãode fatos. Enquadramento legal.

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PROVA Facilitação ao descaminho. Delegado da polícia federal. Condenação.Retratação de testemunha. Trabalho rural - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Convivência more uxorio – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Vide ROUBO

REFIS (Programa de recuperação fiscal) - Vide EMBARGOS À EXECUÇÃO

REGIME JURÍDICO ÚNICO Servidor celetista - Vide SERVIDOR PÚBLICO

REGISTRO DE IMÓVEIS Embargos de terceiro - Vide EXECUÇÃO FISCAL

REPRESENTAÇÃO CRIMINAL Vide CRIME CONTRA A HONRA

RESPONSABILIDADE CIVIL Hasta pública. Arrematação. Bem de terceiro. Indenização. Danos materiais.Danos morais. Indenização. Pescador. Prejuízo. Barragem. Ilegitimidade ativa.

ROUBO Aeronave. Formação de quadrilha. Atentado contra a segurança de transporteaéreo. Prova. Princípio do livre convencimento. Pena.

SALÁRIO-EDUCAÇÃO Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

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SEBRAE (Serviço de apoio às micro e pequenas empresas) - Vide COMPETÊNCIA

SEQÜESTRO Mandado de segurança. Denegação. Agravo de instrumento. Analogia. Códigode Processo Civil.

SERVIDOR PÚBLICO Pensão especial. Doença grave não catalogada. Anemia aplástica. ServidorCeletista. Aplicação do Regime Jurídico Único. Interpretação. Quintos. Incorporação. Direito adquirido.Ato Administrativo. Autotutela. Limitação. Decadência. Tempo de serviço – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

SIGILO Advogado – Vide INQUÉRITO POLICIAL

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO Vide CRIME CONTRA A HONRA

TAXA DE JUROS Vide AVALISTA

VALOR DA CAUSA Mandado de segurança - Vide PETIÇÃO INICIAL

REVISTA 42 > DOUTRINA > A IMPORTÂNCIA DE MODERNIZAR AADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

A importância de modernizar a administração da justiça 

Marga Barth Tessler*

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“É inadiável a melhoria da prestação jurisdicional, a começar pela modernização do judiciário.”**

“O Judiciário, como instituição tem-se mostrado impermeável às transformações necessárias.”***

O desenvolvimento do tema inicia por considerar que a importância demodernizar a administração da Justiça agudiza-se pela urgência com que atarefa deve ser realizada. É importante, pois é extremamente urgente, foi-se otempo dos “relógios de areia”1, gesta-se o futuro “no tempo-agora”2, mudaramos tempos. A sociedade tem, por outro lado, demonstrado impaciência einsatisfação com a lentidão do Poder Judiciário3.

Acrescente-se que a reforma do Judiciário, de curso vacilante, não resolverá osproblemas. Pouco traz que se possa festejar como modernizador no aspecto daadministração judiciária. A tarefa de modernizar a administração da Justiçainscreve-se, então, como tarefa própria,4,5 trabalho permanente de criação. Écriatividade judicial. É o Juiz, somente o Juiz, o “cristal” propulsor damodernização6.

Somando-se aos justos reclamos da sociedade e à pressão de uma proposta dereforma que pouco auxilia na modernização, há a constatação de que aInstituição tem sido o alvo preferido daqueles que, sequiosos de mais espaçosna mídia, não cansam de expor as falhas e mazelas de alguns setores doJudiciário com o viés da crítica destrutiva. O Judiciário não teve oportunidadede responder às críticas. A tarefa de modernizar a administração judiciáriaentão, além de urgente, tarefa criativa própria, alinha-se como inadiávelreação às críticas. “A instituição precisa desenvolver técnicas de respostarápida a agressões manifestadas sob o disfarce da crítica”7.

Repassando a história da administração pública no Brasil, já registrava, em seussermões, o Padre Vieira, que a honestidade no trato da coisa pública não eraatributo facilmente encontrado. Aparece, então, mais um aspecto a remarcar aimportância da modernização da Administração Judiciária, pois,inegavelmente, é ao Poder Judiciário que cabe a condução deste verdadeiro“processo civilizador”8 na administração pública brasileira. A AdministraçãoJudiciária com elevado padrão de eficiência, probidade, e modernizada serviráde modelo à nova administração pública brasileira. O Judiciário modernodesempenhará o seu papel no processo civilizador9.

Fossem só estes aspectos a sublinhar a importância de modernizar aadministração judiciária já seriam bastantes, contudo, não se pode deixar deconsiderar o cenário internacional. Não somos e não queremos ser um

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Judiciário de costas para o mundo. Vivemos em um momento em que umaestrutura de poder radicalmente diferente está adquirindo forma”10,11,12,13. OEstado do próximo milênio será o estado pluriclasse14, já não mais baseado naoligarquia de algumas classes dominantes, valorizando a participação, oconsenso, e nos dizeres do mestre italiano Mássimo Giannini, “exigindo ummodo diverso de administrar”.

Na visão de Habermas, estamos nos “limites do Estado”15. Recolhe-se, poroutro lado, com preocupação o alerta sobre a maximização do econômico, dolucro, “da exploração à exclusão, da exclusão à eliminação (...) será que essaseqüência é impensável?16 Seriam realmente novos tempos sombrios?” Podeser, mas “não são novos, como não constituem uma raridade na história”17 eparafraseando Hannah Arendt: “a luz do mercado obscurece tudo?” Um novomarco conceitual de subordinação, cimentado com a já mítica “globalização”, alex mercatoria, e o desemprego estrutural.18,19 Se assim for, será o Judiciário aluz no cenário obscurecido.

Chegaremos ao fim da democracia?20 O certo é que estamos na presença deum mundo a desafiar o Judiciário, “com suas dificuldades de fome,desemprego, violência, infância abandonada, analfabetismo, desigualdadessociais gritantes, e inversão de valores, anomalias sociais que inquietam e jáfreqüentam o nosso cotidiano, a reclamar soluções para as quais não basta asimples prosperidade econômica.21 Realmente, “é inadiável a melhoria daprestação jurisdicional, a começar pela modernização do Judiciário,22 pois oestado democrático de direito não se mantém com a inação e passividade, odesafio para o Judiciário é tornar-se efetivo participante e co-responsável peloresultado. É fundamental esta transformação estrutural e mental, com órgãospermanentes de planejamento estratégico, lançando-se a “visão de futuro” edivulgando o propósito de torná-la realidade. É importante, pois é a garantiada democracia.

É o “saber cuidar”,23 a administração judiciária moderna deve saber cuidar deseu mais precioso elemento, o Juiz, o seu capital humano. Inscreve-se, então,mais uma razão importante para a modernização. É a “nova políticajudiciária”,24 a modernização da administração da Justiça comprometida com oprocesso de democratização do direito e da sociedade.

Se ainda razões faltassem para nos convencer da importância de modernizar aadministração da Justiça, mudando a nossa cultura interna, e conferindo amerecida prioridade às questões administrativa e gerenciais, é útil, paracompreender melhor as questões da atualidade, “olhar para além delas”,25

observando que instituições estáticas tendem à dispersão e à perda de poder,26

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assim, ou nos modernizamos, conferindo mais eficiência e efetividade aoexercício do poder de dizer o direito, ou provavelmente deixaremos, no séculoXXI, de ser um Poder. Nesta vertente caberia lembrar a idéia do filósofo MichelSerres,27 do “lugar particular” para dizer que também as instituições, como aspessoas, têm um lugar particular para ocupar, o Judiciário tem seu lugarparticular a ocupar, se não o fizer com zelo e eficiência, alguém o fará, não háespaços de poder vazios. A modernização da administração judiciária, então, sefaz importante para manter o lugar particular conferido constitucionalmenteao Judiciário e também na medida em que deseja sobreviver como Poder.

Por derradeiro, a razão última, por si só suficiente a justificar os nossosesforços e a remarcar a importância do tema, é a consideração de que aConstituição de 1988, com a redação dada pela Emenda nº 19/98 ao artigo 37,caput, explicitamente incorporou mais um vetor ao agir da administração, aolado dos já clássicos da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade: aeficiência.

O vetor constitucional da eficiência impõe a modernização da administraçãojudiciária, que é uma forma de administração pública.

Estas as razões a conferir importância à tarefa de modernizar a administraçãoda Justiça. Mudar a cultura interna da organização é uma tarefa coletiva e já seperdeu precioso tempo “não é entretanto impossível resgatar o tempo,perdido. Agora é fazer”.28 Este ensaio é uma convocação, feita com a idéia deque a ação individual de cada um e de todos nós, fará a diferença. Faremos!

 

* Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Diretora da Escola daMagistratura. Trabalho classificado em 4º lugar no concurso promovido pela AMB, dezembrode 1999.

** (Sálvio de Figueiredo Teixeira, O juiz. Del Rey, 1999, p. 222).

*** (José Renato Nalini, “Crepúsculo Inconseqüente”, in O Estado de São Paulo, 18.08.98)

1 Ordenações Filipinas. 1o Livro das Ordenações, v. 1o , Saraiva. 1957. p. 32. “2. O Regedor,todos os dias que não forem feriados pela manhã virá a Relação, e fará vir os Desembargadorescêdo, porquanto o desembargo dos feitos há de durar quatro horas inteiras ao menos,passadas pelo relógio de areia, que será posto na mesa onde o Regedor está, o qual tempo nãose gastará em práticas ou ocupações outras, não necessárias ao ato em que estão”.

2 CAPELLA, Juan Ramón. Los cidadanos siervos. Madrid. 1993.

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3 Verifique-se o noticiário: O Estado de São Paulo, Justiça, em 07.12.91, Jornal do Brasil, em17.07.89; Jornal do Brasil, Justiça é seletiva, morosa e cara, em 31.12.98; Folha de São Paulo,Lentidão preocupa ministro, em 03.11.97. Folha de São Paulo: Como eliminar a lentidão daJustiça, em 04.10.98; Folha de São Paulo, Crepúsculo da Justiça, em 17.08.98; GazetaMercantil, Ações envolvendo o Estado entulham tribunais superiores, em 01.09.98; Folha deSão Paulo, Enxurrada de processos podem parar o STF. “Dentro de dois anos o STF será umtribunal inviável (...) certamente o Brasil não viverá mais um Estado de Direito reclama opresidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello. Ele considera urgentereformar o Poder Judiciário”, em 03.11.97. A partir da CPI do Judiciário, há notícias diáriasenvolvendo o Poder Judiciário.

4 BENETI, Sidnei Agostinho. Da Conduta do Juiz. Saraiva, 1997. p. 243.

5 MASI, Domenico de (Org.). A Emoção e a Regra. José Olympio. “A criatividade é o maiorcapital dos países ricos (...) Eles vivem literalmente de ter idéias”.

6 CANETTI, Elias. Massa e Poder. Cia. da Letras. Onde se extrai a idéia do cristal de massa.

7 BENETI, Sidnei. Da Conduta do Juiz. Saraiva, 1997. p. 242.

8 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Jorge Zahar. Teoria dos Processos Civilizadores. v. 2.

9 BENETI, Sidnei. op. cit. p. 241.

10 TOFLER, Alvim, Powershift. As mudanças do Poder. 3. ed. Record. p. 27.

11 OSBORNE, David ; GAEBLER, Ted. Reinventando o Governo. Comunicação, 1992. p. 346.“Talvez o único sistema público, em piores condições do que a educação e a saúde, seja oJudiciário” (o autor refere-se ao Judiciário Norte-Americano).

12 DRUCKER, Peter. Preparando para o século XXI.

13 ______. Post-Capitalist Society. Pioneira, 1993.

14 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Sociedade, Estado, e Administração Pública. Top Books,1996, citando Mássimo Giannini.

15 HABERMAS, Jurgen. Nos limites do Estado. Folha de São Paulo. 18.07.99.

16 FORESTER, Viviane. O Horror Econômico. 1997. p. 15-18.

17 AREND, Hannah. Homens em tempos sombrios. “A luz do público obscurece tudo”.

______. As origens do totalitarismo. Documentário, 1976.

18 PASTORE, J. LTR n. 59, 1995. “Relações de trabalho em economia que se abre”.

19 NASCIMENTO, H. Mascaro. in Rev. LTR, 1995. Tendências de Flexibilização.

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20 GUÉHENNO, Jean-Marie. O fim da Democracia. Bertrand Brasil, 1994.

21 TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. Oração de paraninfo. 02.04.97. Correio Braziliense, em28.04.97. “Tempo de tornar a Justiça uma realidade”

22 ________. in O Juiz. Del Rey. 1999. p. 222.

23 BOFF, Leonardo. Saber Cuidar. Vozes, 1999.

24 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade.5. ed. Cortez. p. 177.

25 ELIAS, Norbert. A Condição Humana. Lisboa : Difel, 1985. “(...) quem se embrenha apenasnas questões do momento, quem nunca olha para além, é praticamente cego”.

26 CANETTI, Elias. Massa e Poder. Companhia das Letras, 1992.

27 SERRES, Michel. Notícias do Mundo. Reflexões. Bertrand Brasil, 1997.

28 NALINI, José Renato. O Estado de São Paulo. Crepúsculo inconseqüente.

REVISTA 42 > DOUTRINA > JUIZADOS CRIMINAIS NA JUSTIÇAFEDERAL

Juizados Criminais na Justiça Federal

Fábio Bittencourt da Rosa*

I. Introdução

A Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, em seu artigo 1ºdispôs:

“Art. lº É acrescentado ao artigo 98 da Constituição Federal o seguinte parágrafo único:

Art. 98...

Parágrafo único. Lei Federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da JustiçaFederal.”

Anos antes do advento de tal emenda, cogitou-se de criar juizados especiais noâmbito da Justiça Federal, nos moldes do que acontecia na Justiça Estadual. OConselho da Justiça Federal ouviu os Tribunais Regionais Federais sobre aproposta e, na 4ª Região, foi nomeada comissão para analisar a questão, tendoo autor deste trabalho composto a mesma e elaborado um voto em que se

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concluiu pela inviabilidade da proposição. O plenário do tribunal decidiu nessesentido, remetendo-se para Brasília as conclusões. Em seguida, o voto emreferência foi transformado em artigo que acabou por ser publicado na Revistada AJURIS, nº 67, ano XXIII – 1996.

A impossibilidade, porém, estava limitada ao funcionamento dos juizadoscíveis, tendo em vista a inexistência de poderes dos representantes do poderpúblico para transigir. Ademais, o pagamento pelo precatório esvaziaria amedida.

Disso decorreu que os Juízes Federais passaram, em seguida, a aplicar a Lei nº9.099, de 26 de setembro de 1995, que disciplinou os juizados cíveis e criminaisno juízo estadual, mas somente em matéria criminal. De fato, a transação foiadmitida nos crimes cuja pena máxima não superava um ano. Tambémamplamente aplicada a regra do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, que trata dasuspensão do processo nos casos de delitos cuja pena mínima fosse de um anoou menos. Nesse caso, o preceito era claro ao prever a incidência sobre oscrimes abrangidos, ou não, pela Lei nº 9.099/95.

Todavia, as limitações da Lei nº 9.099/95, que disciplinava tão-somentealgumas espécies de crimes com pena máxima inferior a um ano, porqueficavam excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial (artigo61), repercutia negativamente na Justiça Federal. Ora, os crimes contra ahonra, praticados por servidores públicos, de tráfico de tóxicos etc. tinhamdisciplina de procedimento peculiar. Logo, não se podia aplicar a Lei nº9.099/95.

O Juiz Federal Jairo Gilberto Schäfer inaugurou medida pioneira na VaraCriminal de Blumenau, em Santa Catarina, com uma espécie de juizadoespecial criminal direcionado à punição dos crimes ambientais tratados pela Leinº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. O pioneirismo bem-sucedido estárelatado em artigo publicado pelo magistrado na Revista de InformaçãoLegislativa nº 147, ano 37, julho/setembro 2000.

Em realidade, só os delitos contra o meio ambiente justificavam umaexperiência de juizado criminal na Justiça Federal.

Agora, entretanto, estamos diante da disciplina de lei própria para os juizadoscriminais na Justiça Federal, cabendo aos tribunais regionais a regulamentaçãode seu funcionamento. Em matéria criminal, surgiram novidades em relação àLei nº 9.099/95 que, a seguir, serão destacadas.

Cumpre ressaltar que, no Brasil, está-se regulando a reação penal do estado,

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de forma marcadamente diversa, em relação às criminalidades mínima, médiae máxima. Na primeira hipótese, prevê-se a conciliação das partes ou atransação e pena restritiva de direitos como resposta. Na segunda, acriminalidade média, a suspensão do processo, condicionada a determinadascondições, inclusive eventual imposição como prestação de serviçoscomunitários, para confirmar se há necessidade, ou não, do processo eimposição de pena. Na terceira, criminalidade máxima, a submissão aoprocesso comum, inclusive a normas de alto conteúdo restritivo, como é o casodos crimes hediondos.

II. A Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001

A Lei nº 10.259/2001 foi de iniciativa do Poder Judiciário Federal. O Conselhode Justiça Federal, órgão supervisor da Justiça Federal brasileira, é que propôsa regulamentação legal da matéria, nos termos do artigo 96, inciso II, letra d,da Constituição Federal, sob pena de haver vício de iniciativa do projeto.

O autor integrava dito Conselho da Justiça Federal, à época, na condição depresidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Basicamente, apenas os dois primeiros artigos têm relação com os juizadoscriminais:

“Art. lº São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais seaplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de1995.

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Criminal processar e julgar os feitos de competência daJustiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos destaLei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.”

De imediato observa-se que houve uma ampliação da competência do juizadocriminal. Na Lei nº 9.099/95 a pena máxima era a não superior a um ano eexcluídos os crimes em que a lei disciplinasse procedimento especial. Esseslimites foram superados pela Lei nº 10.259/2001. E isso ocorreu porque seriamesvaziados os juizados criminais se as limitações se mantivessem. Na JustiçaFederal, há muitos crimes praticados por servidores públicos federais, em quefiguram no pólo ativo, e também nos crimes contra a honra em que estão nopólo passivo, ou seja, na condição de ofendidos.

A primeira indagação é se a inovação se aplica nos juizados estaduais, isto é, seteria sido revogada, nessa parte, a disposição do artigo 61 da Lei nº 9.099/95.

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Obviamente, se mantida a disparidade de tratamento, haveria afronta aoprincípio da igualdade. Atente-se para que tal princípio é, em regra, muitovulgarizado pela doutrina em busca de soluções mais favoráveis aoscriminosos. Em verdade, não há desigualdade na regra penal que normatizasituações fáticas das quais decorrem valores diversos ou em intensidadediversa. Quer dizer, fatos aparentemente idênticos quebram valores diferentesou em intensidade diferenciada, o que justifica disparidade de tratamentopenal. Ora, disso não se pode cogitar na hipótese que estamos tratando emque a diferença diz respeito exclusivamente à competência.

O procedimento dos juizados é, sem qualquer dúvida, espécie mais favorávelao acusado. Como, então, viabilizá-lo para os crimes sujeitos à competência daJustiça Federal em âmbito maior do que para a Justiça Estadual? Os crimes dacompetência da Justiça Federal mereceriam maior rigor na resposta penal?Seguramente que não. Um servidor público federal, ao cometer prevaricação,será levado ao juizado federal, podendo dispor de sua liberdade, submetendo-se à transação. O servidor público estadual não terá tal oportunidade? Aquebra é do mesmo valor e em igual intensidade, não havendo de se mantersoluções legais díspares.

Parece claro que a Lei nº 9.099/95 foi modificada aplicando-se, também, aoscrimes cuja pena máxima não supere dois anos, extintas as exceções previstasno artigo 61. De outro modo, estaria lesada a igualdade, que constitui oprincípio fundamental do estado de direito.

III. O procedimento do juizado criminal

O procedimento do juizado especial criminal caracteriza uma justiçaeminentemente consensual, novidade no processo penal brasileiro, conformeinúmeros comentários de doutrina, quando da edição da Lei nº 9.099/95.

As fases bem distintas do procedimento são três na Lei nº 9.099/95, que temaplicação subsidiária: conciliação (art. 72), proposta de transação (art. 76) einstauração do processo (art. 77).

a) Conciliação

Na primeira fase, o que se busca é uma recomposição das conseqüênciasgeradas pelo crime, estabelecendo-se um acordo para indenizar ou reparar odano e, ainda, a imposição de pena não privativa de liberdade.

Nesse momento, o juiz e o membro do Ministério Público serão quase merosassistentes, deixando fluir a negociação entre as partes envolvidas, ou seja,

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autor do crime e vítima.

Acaso sucedida a conciliação será homologada por sentença irrecorrível,constituindo título executivo. Além disso, será aplicada sanção alternativa, quepoderá ser prestação de serviços à comunidade ou prestação pecuniária quedeve se correlacionar com o bem objeto de tutela relativamente ao crimepraticado. Assim, se o crime é ambiental a prestação haverá de ser para plantioem praças, cuidados de áreas verdes etc.

b) Proposta de transação

Se acusado e vítima não chegarem a um acordo, segue-se adiante.

O Ministério Público, então, poderá propor, antes de oferecer denúncia, aaplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa, não sendo admissívela proposta nos casos previstos no § 2º do artigo 76. O acusado, então, poderáaceitar a proposição. Em seguida, o juiz aprecia o convencionado, acolhendo,ou não, as condições. Desta decisão cabe apelação.

c) O processo

As duas primeiras fases, como se viu, são consensuais. Primeiro, acusado evítima tentam a conciliação. Caso infrutífera, Ministério Público e acusadotentam transigir, deixando o parquet de postular a condenação a uma penaprivativa de liberdade, e admitindo o acusado a imposição de uma penaindependentemente de haver processo com defesa e contraditório.

Fracassado o período consensual do procedimento do juizado, inaugura-se oprocesso sumariíssimo, que é célere, de concentração máxima, dando-seênfase à oralidade e à economia processual.

O Ministério Público oferece denúncia oral. Os atos de cientificação são osmais expeditos possíveis, a audiência é rápida com o mínimo de registro porescrito e a sentença, cujo relatório é dispensado, também haverá de primarpela concisão e pela síntese sem prejuízo da clareza.

O eventual recurso será julgado por turma de três Juízes Federais.

A execução da pena será feita pelo juízo das execuções do mesmo modo queocorre com as decisões do processo comum.

IV. Organização dos Juizados Criminais na Justiça Federal

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Seguramente, o número de processos da competência dos juizados especiaiscriminais na Justiça Federal não será muito grande.

Já referimos que a maior parte dos delitos diz respeito ao meio ambiente (Leinº 9.605/98). Mas também ocorrerão casos de sonegação fiscal (art. 2º da Leinº 8.137/90), entre os quais a omissão de recolhimento de imposto de rendaretido na fonte, hipóteses de abuso de autoridade (art. 6º, § 3º, letra b, da Leinº 4.898/65), alguns crimes da Lei de Tóxicos (artigos 15 e 16 da Lei nº6.368/76) etc. Ressalte-se que a maior competência dos órgãos judiciáriosbrasileiros é da Justiça Federal, porque sua competência é ratione personae,abrangendo todos os delitos se houver dano a bem da União, suas autarquiasou empresas públicas, além de algumas competências expressamente previstasem lei como a lavagem de dinheiro, por exemplo. A maioria dos crimes, noentanto, se refere à macrocriminalidade com penas que não sujeitam osacusados ao benefício do procedimento do juizado especial.

Infelizmente, os crimes de descaminho, de maior incidência nos foros federais,ficaram fora da abrangência da lei. Em especial na cidade de Foz do Iguaçu, umjuizado criminal para tais crimes seria muito útil, pois possibilitaria que todosos flagrantes fossem de logo solucionados. Acresça-se que tal espécie de crimeé, sem dúvida, prática de uma camada humilde da população que procurasobreviver pelo comércio desses produtos estrangeiros que existe em todas ascapitais do Brasil, à vista das autoridades e, pois, com seu veladoconsentimento.

Dessa maneira, entendo que a solução mais adequada seria instituir um juizadoem cada capital dos estados mais populosos, podendo ficar sob a jurisdição deum Juiz Federal Substituto. A redação da Lei nº 10.259/2001 assim autoriza. Elasempre se refere a juiz e numa única oportunidade a juiz federal (art. 22).Observe-se que o artigo 18 menciona que o Juiz presidente do Juizado...

A segunda instância, porém, representada pelas Turmas Recursais, serácomposta pelos magistrados mais antigos e competentes. Parece claro, assim,que haverão de ser escolhidos entre os Juízes Federais apenas.

Nas demais cidades, o juizado poderá funcionar em dia determinado em varaespecializada ou, não havendo vara criminal, naquela que for indicada dentreas existentes e que cumulam a competência.

O ideal é que o juizado criminal funcione no mínimo durante todo o dia, até ofechamento do expediente. Assim, se a prisão se der à noite, aguardar-se-á oinício da manhã para levar o preso à presença do juizado, efetivando-se oprocedimento, com a presença de um conciliador pelo menos. Inexitosa a

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conciliação, à tarde prosseguiriam os trabalhos. Caso contrário, se outra datativer de ser designada para a audiência, todas as formalidades haverão de serefetivadas, postergando-se a reação penal e diminuindo a possibilidade desolução exitosa.

Não sendo possível a solução antes referida, deverá ocorrer uma comunicaçãofacilitada entre a secretaria da vara e a autoridade policial a fim de que asaudiências sejam designadas, e o acusado saia da repartição policial jáintimado do dia e hora para comparecer ao juizado.

Outra providência que haverá de ser tomada é a compensação da carga detrabalho para os juízes de primeira instância que vierem a jurisdicionar nasTurmas Recursais.

Por fim, considere-se que o ideal é o funcionamento dos juizados, tanto cíveiscomo criminais, em local de fácil acesso, em ambiente discreto, onde não sesubmeta o interessado ao temor reverencial.

V. Peculiariedades dos Juizados

a) Fundamento político da criação dos juizados especiais

O congestionamento do judiciário impôs soluções processuais mais céleres,com sacrifício de alguns princípios, em especial aqueles que dizem respeito àsolenidade das formas. À sacramentalidade do processo comum opôs-se aoralidade dos juizados, baseada na informalidade, na economia processual, naceleridade e, especialmente, na autonomia da vontade pela possibilidade datransação. Em verdade, a transação é o espírito que constitui a energia vitaldos juizados.

Todavia, os juizados cíveis foram criados para atender um nível imenso dedemanda contida, garantia de acesso ao judiciário pela classe pobre, garantiade equilíbrio e paz social no que diz respeito a lides de menor significadoeconômico, causas de menor complexidade. Ao contrário, o juizado criminalnão foi instituído para favorecer criminalidade mínima, e sim para auxiliar nodescongestionamento dos juízos criminais que haverão de ter mais eficácia nocombate à criminalidade que caracteriza a maior periculosidade social. Asolução pode ser benéfica para os acusados, mas não foi por isso que foipensada, e sim para garantir um espaço mais amplo ao judiciário a fim dejulgar com presteza e correção as ações penais referentemente aos crimesmais graves.

Esse aspecto haverá sempre de ser lembrado ao interpretar-se o alcance das

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regras que regulam o funcionamento dos juizados.

Por certo, a simplificação almejada, em se tratando de juizados criminais, nãopoderá chegar ao extremo de suprimir os princípios fundamentais como odireito ao contraditório, ampla defesa e presunção de inocência. O juizado nãoconstitui um tribunal de exceção.

b) Titular do poder para presidir a conciliação

Pretendem alguns que somente ao juiz togado é permitido presidir o ato emque acusado e vítima tentam a conciliação. Não é o que diz o artigo 73 da Leinº 9.099/95, que prevê a presença no ato de conciliadores, que serão indicadospelo magistrado e que exercem suas funções sob a supervisão do mesmo.

A primeira fase do procedimento, portanto, deve ficar a cargo de conciliadores,garantindo-se, assim, maior disponibilidade de funcionamento dos juizadoscriminais, como já se viu.

Se houver a conciliação em termos sob supervisão do conciliador, a mesmaserá levada ao magistrado para homologação.

Frustrada a tentativa, o procedimento prosseguirá sendo, aí, sim, indispensávela presença do juiz togado.

Procedimentos judiciais desburocratizantes haverão de ter a consciência deque, no Brasil, o número de juízes é mínimo em relação à população queprocura a tutela judicial. Logo, é necessário que se dê força a conciliadoresleigos, que trabalham sob a orientação do magistrado, como ocorre em váriospaíses.

c) Termo circunstanciado da ocorrência

O artigo 69 da Lei nº 9.099/95 fala em termo circunstanciado, com o que seiniciará o procedimento.

Recebido o mesmo, em juízo, não poderá o Ministério Público pretender suabaixa para complementações como oitiva de testemunhas, juntada dedocumentos, realização de perícias etc. Isso afetaria a celeridade doprocedimento. Entretanto, poderá o termo ser devolvido à autoridade sehouver evidente necessidade de correção ou esclarecimento. Como se sabe, àsvezes tais ocorrências são imprecisas, prolixas, deixando de se relatar os fatosde modo a compreender qual a exata acusação.

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Na Justiça Federal, havendo a participação corrente de órgãos públicos, taltermo circunstanciado poderá ser remetido pela autoridade administrativa,que não será necessariamente a autoridade policial, com o que se agilizaráainda mais o procedimento. O crime de sonegação fiscal será um exemplo.Acaso haja uma omissão de recolhimento de imposto de renda retido, feita aconstatação pelo fisco, haverá de remeter termo circunstanciado da ocorrênciaao juizado, que dará andamento ao procedimento.

d) Princípio da obrigatoriedade

Recebido o termo circunstanciado em juízo, poderá o Ministério Públicorequerer seu imediato arquivamento, por motivo de política criminal?

Parece evidente que não, porque o princípio da obrigatoriedade da ação penalpersiste nos juizados criminais.

Por óbvio, se o termo circunstanciado remetido descreve conduta atípicadeverá ser arquivado. Porém, se houver discordância do procurador darepública e do juiz quanto à tipicidade, descabe recurso por parte daquele. Aespécie ensejaria tão-somente a impetração de habeas corpus pelo acusado.No entanto, se preferir se submeter à conciliação, estará simplesmentemanifestando sua vontade e, nessa fase consensual, não cabe ao MinistérioPúblico interferir.

e) Proposta de transação

Logo após a publicação da Lei nº 9.099/95, vários autores apontaram para ainconstitucionalidade dos artigos que disciplinam as duas primeiras fases doprocedimento dos juizados criminais. Sustentavam que a medida feria oprincípio da presunção de inocência que vem disposto no inciso LVII do artigo5º da Constituição Federal. Se antes de qualquer acusação ou processo o réu jáaceita a imposição de uma sanção, consoante previsto nos artigos 72 e 76 daLei nº 9.099/95, poderá acontecer que o temor de um processo judicialestimule um inocente a assumir culpa pelo delito.

A tese não vingou. É que o próprio texto constitucional admite oprocedimento, como se vê do inciso I do artigo 98 da Carta de 1988, onde sefala na permissão da transação tanto nos juizados cíveis como nos criminais.

Segundo alguns autores somente o Ministério Púbico poderia fazer a propostade que trata o artigo 76 da Lei nº 9.099/95.

A transação em referência constitui um direito subjetivo do acusado? Penso

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que sim, do mesmo modo que o é a suspensão de que fala o artigo 89 da leireferida. Então, não pode o parquet deixar de apresentar a proposta, porquenão tem disponibilidade de um direito subjetivo do réu.

Sendo assim, havendo contrariedade do Procurador da República ou suaausência à audiência, poderá o juiz fazer a proposta.

Acaso apresentada pelo Ministério Público, ao juiz caberá acatá-la, sem discutiros seus termos, a não ser que nela esteja incluída exigência que venha acaracterizar ilegalidade evidente.

Em tal fase do procedimento, não pode ser o juiz um personagem inerte. Aocontrário, incumbe-lhe na presidência dos trabalhos intervir, mostrar osbenefícios da proposta ao acusado, ou convencer o procurador proponente deque há um exagero nas exigências.

f) Capitulação errônea na denúncia

Ao juiz de primeiro grau de jurisdição é vedado determinar a emenda dadenúncia, havendo capitulação errada com relação aos fatos nela descritos.

A decisão haverá de ser pelo acolhimento ou pela rejeição da peça inicial doprocesso penal.

Todavia, poderá a capitulação feita pelo parquet, divorciada da realidade, vir aimpedir que se apliquem medidas processuais favoráveis ao acusado, como asubmissão do procedimento ao juizado ou a possibilidade de suspensão doprocesso.

Se for possível aplicar a medida processual e prosseguir a ação no mesmo juízo,não vejo problema na decisão do juiz que corrige o equívoco. Isso ocorre, porexemplo, quando se imputa concurso material que, em verdade, claramentenão existe, podendo o juiz aplicar o artigo 89 da Lei nº 9.099/95,eventualmente.

Acaso o delito pelo qual se denuncia está, em verdade, sujeito a julgamentopelo juizado criminal, ao juiz incumbirá declinar da competência.

Atente-se para que a acusação se consubstancia na situação fática descrita nadenúncia de que deflui a aplicação da regra legal vigente. A capitulação éirrelevante. Logo, é à tal situação fática que o juiz está submetido em suaanálise da imputação e as decorrências processuais cabíveis.

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Ao dominus litis, que é o Procurador da República, não é concedido poderarbitrário para estabelecer a extensão da acusação. Está vinculado à lei, aoslimites impostos por ela, dentro do princípio da tipicidade.

g) Pessoa jurídica e crime ambiental

O artigo 3º da Lei nº 9.605/98 prevê que as pessoas jurídicas podem serresponsabilizadas criminalmente pelos danos ao meio ambiente.

Superou-se uma discussão antiga, vencendo-se as resistências dos clássicos dodireito, que não admitem, com base em princípios superados, que a pessoajurídica possa ser autora de crimes. A realidade impõe uma renovação dosistema normativo penal, quebrando-se algumas resistências, em especial doformalismo que marca o sistema jurídico europeu continental, cuja influênciase faz sentir no Brasil.

Os artigos 27 e 28 da citada Lei nº 9.605/98 tratam, expressamente, dos crimesde menor potencial ofensivo, reportando-se às disposições da Lei nº 9.099/95.Desse modo, parece evidente que as pessoas jurídicas haverão de se submeteraos juizados criminais, através de seus representantes legais, conformedispuser o ato constitutivo.

h) Princípios incidentes no procedimento do juizado

O desenvolvimento da ação penal perante os juizados poderá acarretar umasérie de dúvidas na prática. Nessas hipóteses sempre a interpretação parasolução haverá de se basear nos princípios que sustentam a resposta penalinovadora.

O princípio da concentração supõe que tudo seja esgotado num ato só, ou seja,as três fases antes mencionadas deverão ocorrer na audiência. Conciliação eproposta de transação fracassadas, é apresentada a denúncia oral, ouvidas astestemunhas, interrogado o réu e proferida a sentença. Do contrário, perderáeficácia a agilidade pretendida pelos juizados.

O princípio da oralidade impõe que se elimine ao máximo os papéis doprocesso. Ouve-se a denúncia, a prova testemunhal, o interrogatório e asentença, sendo tudo reduzido a termo. A sentença, desprovida de relatório,caracteriza peça simplificada.

Atente-se para que o termo não deve conter cada ato integralmente,limitando-se a fazer referência a cada um deles.

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O ideal é que as audiências sejam gravadas, porque, havendo necessidade, asfitas serão degravadas. E isso acontecerá, seguramente, quando do julgamentoda apelação pelas turmas recursais.

O princípio da economia processual determina que as fórmulas de soluçãodeverão buscar a simplicidade, de preferência a informalidade, tudo baseadona pretendida celeridade do procedimento, que redunda numa economia parao estado e para o indivíduo que responde ao processo penal.

Algumas tentativas que se fizeram no Brasil para simplificar o processo civil,criando procedimentos sumários ou sumariíssimos, esbarraram numa culturaque neutralizou a tentativa de rapidez na solução das lides. O mesmo não sepode admitir que aconteça com os juizados especiais.

O procedimento simplificado visa a dar resposta a uma manifestação dedesajuste social – baixa criminalidade – que não caracteriza maiorpericulosidade do ponto de vista da sociedade, impondo-se aos acusadosmedidas restritivas de menor conteúdo, como reparação do dano e serviçoscomunitários. Tudo isso haverá de ser feito por uma forma simples, rápida eefetiva. Entretanto, o mínimo de garantia há de ser assegurado aos réus, quenão poderão responder por atos de que não são autores, ou em relação aosquais agiram sem culpabilidade penalmente relevante.

A celeridade do procedimento não quer dizer que se suprima o direito dedefesa.

i) Execução

A execução das decisões emanadas dos juizados será feita pelo juízo dasexecuções, como qualquer outra condenação.

A multa constituirá dívida de valor, havendo de ser inscrita em dívida ativa ecobrada pela Procuradoria da Fazenda Nacional (artigo 51 do Código Penal).

A questão é saber se é possível à Fazenda deixar de inscrever o montante damulta penal diante do desinteresse da medida em razão de limite de valor,conforme determinação contida em norma aplicável. É que, tratando-se devalores pequenos, a inscrição se torna antieconômica.

Entendo que, sendo aplicável às multas a legislação que rege a dívida ativa, ocritério limitativo e pragmático incide. Sendo assim, a maioria das multas, cujosvalores são ínfimos, não será cobrada. Por isso mesmo, o juízo deverá tentarsua cobrança antes de remeter o processo para a Fazenda Nacional.

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Outra questão que já está pacificada, com decisão do Supremo TribunalFederal, é a conseqüência do descumprimento da sanção alternativa aplicadana conciliação ou na transação. Tudo volta à estaca zero, sendo o processoentregue ao Ministério Público que oferecerá denúncia oral, iniciando-se osumariíssimo.

Essa solução já constava do Enunciado 21 proposto no IV Encontro deCoordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, realizado noRio de Janeiro, em 1998:

“Enunciado 21 – O inadimplemento do avençado na transação penal, pelo autor do fato,importa em desconstituição do acordo e, após cientificação do interessado e seu defensor,determina a remessa dos autos ao Ministério Público.” (RJE/RS – Doutrina e Jurisprudência nºs

28/29, p. 90)

No processo do habeas corpus de nº 79.572-GO, sendo relator o MinistroMarco Aurélio, julgado em 29.02.2000, onde foi reformada decisão do SuperiorTribunal de Justiça, evidenciou-se que a sentença homologatória da transaçãonão tem eficácia de condenação. Por isso é que a conversão imediata da penarestritiva de direito em privativa de liberdade ofende a garantia constitucionaldo devido processo legal. Deixou-se claro que a sentença de homologação nãoé condenatória ou absolutória, embora com eficácia de título executivo penal.

j) Impossibilidade da revelia

O parágrafo único do artigo 66 da Lei nº 9.099/95 veda a aplicação da reveliano procedimento dos juizados criminais:

“Não encontrado o acusado para ser citado, o juiz encaminhará as peças existentes ao juízocomum para adoção do procedimento previsto em lei.”

Já se viu que o procedimento do juizado é eminentemente consensual. Das trêsfases, as duas primeiras dependem da presença do réu a fim de exercer suavontade fazendo interromper a ação judicial. A ausência do acusado,obviamente, retira a utilidade do procedimento especial.

Exatamente por isso é que seria muito útil que se mantivesse um juízodisponível durante todo o dia, ao menos com um conciliador em um dos turnosse o magistrado não pode estar presente. É que, nesses casos, havendoflagrante o acusado será levado de imediato à presença do juizado, podendohaver a conciliação.

No entanto, se depender em regra da marcação de audiência poderá haver aausência do réu e o esvaziamento do juizado especial.

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Também se deve acentuar que, em geral, o representante legal da vítima(União, autarquias, empresas públicas, fundações), no juizado criminal federal,não comparecerá à audiência. Isso não poderá impedir a conciliação, devendoos conciliadores representar o interesse estatal que foi afetado pelo danodecorrente do crime praticado. O poder público é que terá sofrido o dano,geralmente, e tanto o membro do Ministério Público como o juiz têm o deverde zelar pelo interesse público.

k) Efeitos civis da homologação do acordo

A Lei nº 9.099/95 é expressa no que diz respeito à eficácia da decisão dehomologação do acordo no âmbito civil. Na primeira fase, ou seja, daconciliação, incide o artigo 74, e a sentença que é irrecorrível constitui títuloque pode ser executado no cível. Na segunda fase, em que o acusado transigediante da proposta do parquet, aplica-se a pena, mas a sentença não serácondenatória, como se notou pela decisão do STF, antes citada. E, por issomesmo, não terá efeitos civis na dicção do § 6º do artigo 76 da Lei nº 9.099/95.

Homologada a transação e cumprida a pena restritiva de direitos imposta,extingue-se a punibilidade após seu cumprimento integral, cabendo à vítimaajuizar ação no cível se pretender a reparação do dano.

Um aspecto interessante diz respeito aos crimes de sonegação fiscal, poiscomo se observou é aplicável o procedimento do juizado nos casos do artigo 2ºda Lei nº 8.137/90. Poderá a conciliação consistir no parcelamento ou nopagamento do tributo devido? Creio que não, porque em tal hipótese estariaextinta a punibilidade, eis que o pagamento, ou o parcelamento, conforme ajurisprudência dominante, opera tal extinção na forma do disposto no artigo 34da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. O que fazer, então? Entendo queseria possível conciliar, assumindo o acusado o dever de manter regular opagamento dos tributos, do dia da audiência em diante. O atraso denunciadoimportaria o prosseguimento do procedimento.

l) Retroatividade da lei

O artigo 25 da Lei nº 10.259/2001 dispõe:

“Não serão remetidas aos Juizados Especiais as demandas ajuizadas até a data de suainstalação.”

Surgiram dúvidas sobre a aplicação retroativa do artigo 89 da Lei nº 9.099/95,que possibilita a suspensão dos processos penais. A Corte Suprema , então, sobo fundamento de que a regra visava a descongestionar o judiciário,

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estabeleceu sua retroatividade, desde que não tivesse, ainda, sido prolatadasentença no processo.

Parece que o mesmo critério deve se estabelecer nas hipóteses da retroaçãodo procedimento dos juizados criminais.

A retroatividade constitui uma imposição dos princípios de direitointertemporal em matéria penal insertos no artigo 5º, inciso XL, daConstituição Federal. E não há a menor dúvida de que o procedimento dosjuizados especiais beneficia os acusados.

Por tal modo, a eficácia do citado artigo 25 da Lei nº 10.259/2001 se dirige àmatéria cível e aos processos criminais em que já tenha sido prolatadasentença. Quanto aos restantes, que estão pendentes, deverão ser remetidosao juizado criminal a fim de que se promova a tentativa de conciliação outransação.

Ressalte-se que, na Justiça Federal, já vinha se aplicando regras da Lei nº9.099/95, o que já foi mencionado neste trabalho. Porém, a Lei nº10.259/2001, consoante também foi analisado, ampliou os crimes sujeitos àcompetência dos juizados.

m) Recursos

O único recurso previsto na Lei nº 9.099/95 é o de apelação, segundo odisposto no artigo 82, além, evidentemente, dos embargos de declaração.

É incabível o recurso em sentido estrito nos juizados especiais, sob pena de seneutralizar a celeridade que constitui o alicerce do novo procedimento.

Há, diga-se de passagem, uma cultura na jurisprudência brasileira, no sentidode minimizar os poderes dos juízes de instâncias inferiores. E, por essamaneira, acaba-se por admitir impetrações de mandados de segurança ou dehabeas corpus contra decisões judiciais irrecorríveis, de forma indiscriminada.Não acho que seja inviável a via extrema, mas há de ser condicionada ao errogrosseiro, à decisão teratológica, à agressão evidente ao texto de lei, porque ojuiz não está acima da lei. Admitir, todavia, a impetração para rever o atojudicial, modificando-o ou examinando-lhe o mérito, é invadir o poderreservado ao juízo de primeiro grau, criando-se tumulto, congestionando-se ostribunais, estimulando-se recursos procrastinatórios, por cuja interposição nãose devem culpar os advogados e procuradores, mas, sim, um judiciário poucoconsciente sobre os limites do poder de cada instância.

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Ultimamente, tenho visto com espanto a tentativa de alguns membros doMinistério Público de utilizar a correição parcial contra decisões de evidenteconteúdo jurisdicional, que jamais poderiam ser caracterizadas como error inprocedendo.

Em outra hipótese, tendo o juiz rejeitado o pedido de arquivamento deinquérito policial e procedido na forma do artigo 28 do Código de ProcessoPenal, havendo a manifestação do Procurador-Geral no sentido de seroferecida a denúncia, foi impetrado um mandado de segurança pelo membrodo Ministério Público da origem, pretendendo neutralizar a decisão judicial querejeitou o pedido de arquivamento. Tentativa de criação tumultuária deprocedimento com vistas a contrariar o procedimento disciplinado pelo códigoprocessual.

O judiciário precisa estar atento para desburocratizar o processo o queocorrerá na medida em que o poder de cada grau de jurisdição puder tereficácia.

Diante disso, o que se espera é que as Turmas Julgadoras se inspirem nosprincípios que regem os juizados, como antes se examinou, garantindo autilidade do exercício da jurisdição. Para isso é indispensável que não sedeixem contaminar pelo formalismo que despreza a instrumentalidade.

Os juízes são submetidos a rigorosos concursos para acesso aos cargos. Delesse deve presumir a correção das decisões. Logo, o recurso há de constituirexceção e seu provimento maior exceção ainda.

* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

REVISTA 42 > DOUTRINA > DIREITO DE IR E VIR

Direito de ir e vir

Luiza Dias Cassales*

Introdução. Direito de ir e vir como parcela integrante do direito à liberdade. Evoluçãoconstitucional. A liberdade de ir e vir e a Constituição Federal de 1988 e suas limitações. Direitode ir e vir e a cobrança de pedágio. Conclusão.

Introdução

O Direito de Ir e Vir é parte integrante do direito à liberdade pessoal. É direitofundamental inerente às características essenciais da natureza humana.

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Pertence ao grupo denominado por Norberto Bobbio de “direitos de primeirageração”, colocado que está dentre os direitos à vida, à dignidade humana, àsegurança, à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade deconsciência, de crença, de associação e de reunião. É também conhecido comodireito de locomoção ou de liberdade de circulação. Consiste na faculdade de oindivíduo entrar e sair do território nacional e, dentro do país, de deslocar-sepelas vias públicas ou afetadas ao uso público, tendo apenas a lei comolimitação.

A ação de ir e vir não se restringe à espécie humana. Nos animais, expressa-seno impulso instintivo das migrações, na busca da garantia de sobrevivência. Naescala humana, temos a evolução da ação de locomoção desde os primitivosnômades até a sofisticada movimentação dos dias atuais. De direito natural, napré-história, passou à categoria de direito positivo, nas primeiras civilizações, ea de garantia constitucional, em tempos mais modernos.

Não se trata de um direito novo, visto que era garantido aos cidadãos livres daGrécia e de Roma. Na Idade Média, após terem serenado os tumultosprovocados pelas invasões bárbaras, ressurgiu a aspiração pela proteção àliberdade de locomoção. Tanto é assim, que essa liberdade foi assegurada pelaMagna Carta outorgada, há 800 anos, pelo rei João da Inglaterra, conhecidocomo “João sem Terra”, assinada em 15 de junho de 1215.1 De fato, ainda quea Magna Charta Libertatum assegurasse, principalmente, os direitos dosBarões, seus artigos 41 e 42 concediam aos comerciantes ou a qualquer pessoa(livre) a liberdade de sair e entrar na Inglaterra, para nela residir, e a percorrer,tanto por terra como por mar, ressalvadas as situações de guerra.

Após transcorridos mais de 500 anos da assinatura da Magna Carta, outradeclaração de direitos dos homens, a “Declaração de Direitos da Virgínia”, de16 de junho de 1776, apesar de não ter garantido, de forma expressa, o direitode locomoção, deixou-o estabelecido, de forma implícita, na seção I (garantiaao direito à vida e à liberdade) e na seção VIII (garantia ao direito ao devidoprocesso legal). Na França, como conseqüência da vitória da revoluçãoburguesa de 1789, foi promulgada a “Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão”, pela Assembléia Nacional , em 26 de agosto de 1789. Essadeclaração, assim como a “Declaração de Direitos da Virgínia”, não menciona,de forma expressa, como o fez a Magna Carta, a liberdade de locomoção comoum dos direitos individuais. Essa garantia, contudo, está implícita no art. 4º,que se refere ao exercício dos direitos naturais de cada homem, que tem comolimite apenas o direito dos outros. Certamente, dentre os direitos naturais dohomem está o da liberdade de ir e vir e fixar sua residência onde lhe for maisconveniente.

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O documento mais importante, no que se refere aos direitos humanos,certamente, é a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” proclamada pelaAssembléia Geral das Nações Unidas, “como ideal comum a ser atingido portodos os povos e todas as nações”.2 O direito de ir e vir é assegurado pelo art.13, que dispõe:

“I)- Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras decada Estado. II)- Todo o homem tem direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e aeste regressar.”

Nesse documento proclamado pela ONU estão sintetizadas as aspiraçõeshumanas manifestadas em tantas lutas e movimentos libertários que sedesenrolaram, com maior ou menor sucesso, durante estes dois milênios daera Cristã.

Direito de ir e vir como parcela integrante do direito à liberdade

O direito à liberdade, para José Joaquim Gomes Canotilho3, desdobra-se emtrês conceitos interligados e dependentes entre si, a saber: a)- conceito dedireito, que engloba os interesses juridicamente previstos e protegidos que sãoinerentes ao homem como indivíduo ou como participante da vida política; b)-liberdade, como campo de atuação do indivíduo imune à intervenção doEstado; c)- garantia, que reside nos meios processuais adequados para adefesa dos direitos juridicamente protegidos. Assim, para Canotilho, aliberdade está delimitada pelo ordenamento jurídico e seu exercício égarantido pelos meios processuais previstos e adequados à sua defesa,enquanto direito. Nas sociedades organizadas, só em situações especiais,expressamente previstas em lei, os direitos inerentes à liberdade podem serdefendidos por meio de desforço pessoal, visto que o Estado, por meio doJudiciário, se transforma em mediador dos conflitos, que serão deduzidos naforma estabelecida pela lei.

O direito à liberdade, como se viu, faz parte dos direitos inerentes à condiçãohumana. Mas, como todo o direito, não é ele ilimitado. Ao contrário, sempreesteve sujeito às mais variadas formas de restrições que, entre os animais, sãoexercidas por outras espécies predadoras e, entre os homens primitivos, pelabelicosidade dos grupos tribais. Enfim, os limites ao direito à liberdade vãodepender do conceito, que é metajurídico, que cada grupo humano atribuir aovocábulo liberdade.

Não é fácil definir o que seja liberdade.

Abraham Lincoln, o presidente dos Estados Unidos da América do Norte que

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mais lutou para por fim à escravidão, ou seja, quem mais lutou pela liberdadepessoal de todos os indivíduos, costumava afirmar que o homem nuncaencontrou uma definição para a palavra liberdade.4

Os gregos chamavam-se “os livres”, em contraste com o resto da humanidadeenquadrado como “os estrangeiros”, que não podiam compartilhar daliberdade que era considerada atributo próprio do povo grego. Esse atributonão era assegurado a todos os habitantes das cidades-estados, mas apenas aoscidadãos, únicos que podiam tomar as decisões políticas da polis.5 Nesseperíodo da História da Humanidade, a liberdade não estava centrada nohomem, e sim no cidadão. Era um atributo mais político do que individual.

Na cultura européia ocidental, transportada para a América, o conceito deliberdade passou a focar o indivíduo. Afastando-se do enfoque dado àliberdade na Grécia antiga, deixou de ser considerada como apenas o direito aoexercício da cidadania. Segundo Friedrich,6 o ideal de liberdade no Ocidente,em certo sentido, tem suas raízes na tradição cristã, que deu ênfase ao livrearbítrio. É a fase em que se desenvolveram as teorias baseadas nos direitosnaturais do homem. Também a fixação do indivíduo como foco do direito àliberdade decorre da proteção à propriedade, fundamental como elemento depoder, durante o regime feudal. Tanto é assim, que a Magna Carta, outorgadaem 1215 desta era cristã, apesar de, como se viu, garantir alguns direitos aoshomens livres, na verdade, teve como escopo principal assegurar os privilégiosdos barões e do alto clero, especialmente aqueles ligados à propriedade daterra. Foi ainda na Inglaterra, por meio do Bill of Rigths, de 1628, que foramassegurados, no auge das monarquias absolutas, além da liberdade, o direito àpropriedade, à liberdade de crença e as garantias processuais para o exercíciodesses direitos.

No século XIX, o eixo do conceito de liberdade deslocou-se para as liberdadescivis (liberdade do cidadão). No século XX, de certa forma, houve um retornodo foco do conceito de liberdade para o indivíduo: são as denominadasliberdades humanas. Esse conceito de liberdade enfatiza o princípio pelo qual oser humano possui uma esfera pessoal intangível, que nem o Governo podeinvadir.

Sem conceituar liberdade, mas colocando-a como um atributo humano, AngelOssório y Gallardo7 afirmou que o direito à liberdade é superior ao direito àvida. É na liberdade, pontificou, que está a própria essência da vida humana. Eisso porque é a capacidade de pensar livremente, de comunicar-se, de ir e vir,de escolher domicílio, de manter a privacidade, e, tudo isso, por determinaçãoprópria, que distingue o homem dos demais seres da criação. Certamente, essa

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afirmação de Ossório y Gallardo coloca a liberdade como direito natural dohomem, que, segundo São Tomás de Aquino8 é imutável e o mesmo paratodos.

Evolução constitucional

A Constituição da Nação Portuguesa de 1822, como, aliás, a maioria das CartasPolíticas escritas e promulgadas no século XIX sobre a influência da RevoluçãoFrancesa, dedicou sua 1ª Seção aos direitos individuais dos cidadãos. Paradelimitá-los, em seu art. 2º, definiu a palavra liberdade “como a faculdade quecompete a cada um de fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto que aconservação dessa liberdade depende da exata observância das leis”.9 Esseconceito, apesar de ter sido redigido há cerca de 180 anos, continua atual,porque, ainda hoje, a única limitação que se permite seja imposta à liberdadeindividual é aquela decorrente da lei .

Nossa primeira Constituição, outorgada em 25 de março de 1824, seguiu amesma linha da Constituição Portuguesa de 1822 e dedicou o Título VIII àgarantia dos direitos civis e políticos do cidadão brasileiro, e, ainda que nãotenha previsto, de forma expressa, a garantia de locomoção, ela está implícitano art. 178 e seus 35 itens.

O direito de locomoção foi expressamente garantido pela primeiraConstituição Republicana, por dispositivo com a seguinte redação: “Em tempode paz, qualquer pessoa pode entrar em território nacional ou dele sair, comsua fortuna e bens, quando e como lhe convier, independentemente depassaporte” (§ 10 do art. 72). A Constituição de 1934 repetiu a garantia,ressalvando a exigência de passaporte. A Carta de 1937, no art. 122, II, garantiuapenas aos brasileiros o direito de circulação em território nacional,silenciando em relação aos estrangeiros. Já a Constituição de 1946, no art. 142,assegurou o direito de circulação a qualquer pessoa (nacional ou estrangeira),respeitados os limites da lei. Para Carlos Maximiliano,10 esse preceitoconstitucional tornava ampla, extensiva aos não-residentes no país, a liberdadede locomoção, embora não fosse absoluta, porque limitada pela lei. A EmendaConstitucional nº 1/69 conservou a garantia de locomoção em seu art. 153, §26.

A liberdade de ir e vir e a Constituição Federal de 1988 e suas limitações

Na Constituição em vigor, a liberdade de locomoção está garantida pelo incisoXV do art. 5º, que assim dispõe: “É livre a locomoção no território Nacional emtempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,permanecer ou dele sair com seus bens.”

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Ao comentar esse dispositivo Constitucional, J. Cretella Júnior11 destaca que alocomoção apresenta quatro aspectos: um neutro, o direito de permanecer;três positivos, direito de deslocamento, a pé, ou por veículos dentro doterritório nacional, o de sair e o de entrar no território nacional. É o chamadodireito de ir e vir. Essa regra constitucional aplica-se tanto aos brasileiros (natosou naturalizados) como aos estrangeiros, para esses sendo exigido, paracircular em território nacional, passaporte que “é um documento deidentificação para efeito internacional”,12 a que o brasileiro tem direito deobter, a fim de poder circular por países estrangeiros que o exigirem. Osestrangeiros radicados no país podem circular sem passaporte desde quemunidos de documento especial fornecido pelas autoridades brasileiras.

Para José Afonso da Silva,13 “direito à circulação é manifestação característicada liberdade de locomoção: direito de ir, vir, ficar, parar, estacionar. O direitode circulação (ou liberdade de circulação) consiste na faculdade de deslocar-sede um ponto para outro pela a via pública ou afetada ao uso público. Em talcaso, a utilização da via ‘não constituirá uma mera possibilidade mas um poderlegal exercitável erga omnes’”.

Como deflui do próprio texto Constitucional, o direito à liberdade de ir e virnão é absoluto, tendo em vista que está sujeito às limitações contidas nopróprio dispositivo assecuratório, que se reporta à lei regulamentadora. Comoensina Fernando Ribeiro Montefusco:14 “o exercício da liberdade pode serpleno e incondicional, mas não é absoluto, pois comporta restrições”. Essasrestrições, mesmo quando não forem explicitadas em determinado dispositivogarantidor da liberdade, são decorrentes do sistema adotado pela ConstituiçãoFederal, que, em seu Título II (que trata dos Direitos e GarantiasFundamentais), dá ênfase à lei (inciso II), à licitude dos fins (inciso XVIII), àgarantia da apreciação pelo Judiciário de toda a lesão ou ameaça a direito(inciso XXXV), ao devido processo legal (inciso LIV), à garantia do contraditórioe da ampla defesa (inciso LV), que deverão ser considerados no exercício dosdireitos assegurados pela Carta Política. Não será demais destacar que opróprio direito à vida, que é, sem dúvida, o supremo bem, não é garantido deforma absoluta, porque a proibição à pena de morte está excepcionada naletra a do inciso XLVII do art. 5º da Carta Política, no caso de guerra declarada.

O direito de ir e vir, como todos os direitos, tem, inicialmente, como limitenatural o direito do outro. Não pode alguém, com base no direito de ir e vir epermanecer, por exemplo, obstar a passagem de quem também estejaexercendo sua liberdade de circulação. Além desse limite natural,indispensável à convivência social pacífica, está esse direito limitado pela lei,consoante o que dispõe o dispositivo constitucional que o assegura. Como bem

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ponderam Sebastião Tavares de Lima e Diógenes Gasparini:15 “Em verdade, nãohá ‘direito absoluto’, ou exercício ilimitado de direito, no contexto social. Comefeito, o grupo, a grei, a sociedade, já ao nascer, gera, ipso facto, o seu própriointeresse, que transcende o ‘querer’ de cada indivíduo: é o ‘interesse coletivo’,o ‘interesse social’, o ‘interesse público’, que, em última análise, é o interessecomum aos membros da societas; e é por ser comum que se superpõe aointeresse individual.”

Nos tempos atuais, parece certo afirmar que a interferência no ir e vir pode serde natureza política e econômica. A instabilidade inerente à dinâmica política,especialmente quando se instalam regimes de exceção e ou totalitários, afetatodos os direitos humanos e, especialmente, o de livre circulação. As limitaçõeseconômicas decorrem do ordenamento dos movimentos das massas, urbanos,interurbanos e rurais, sendo a mais recente a criação de mecanismos denatureza financeira específica, para sustentação do processo de ir e vir, como,por exemplo, a cobrança de pedágio.

Direito de ir e vir e a cobrança de pedágio

Um dos exemplos mais atuais sobre a limitação do direito de ir e vir consiste nacriação dos pedágios que se expandiram no território nacional em decorrênciada chamada privatização das estradas.

Assim como o direito de locomoção consiste em garantia constitucional (incisoXV do art. 5º), a cobrança de pedágio também decorre de autorização contidana Carta Política. De fato, o inciso V do art. 150 da Constituição Federal veda aUnião, Estados, Distrito Federal e Municípios o estabelecimento de limitaçõesao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos, mas ressalva a cobrançade pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.

As vias públicas e as rodovias são bens públicos de uso comum (inciso I do art.66 do CC). O fato de se tratarem de bens públicos de uso comum não querdizer que seu uso será sempre gratuito. A limitação, quanto à gratuidade, estácontida no art. 68 do Código Civil Brasileiro, que dispõe que o uso comum dosbens públicos pode ser gratuito ou remunerado, conforme o que forestabelecido pelas leis. Esses dispositivos do Código Civil estão em plenavigência, tendo em vista que foram recepcionados pela nova ordemconstitucional. Portanto, como ensina Celso Bandeira de Mello, “... a circulaçãode veículos é livre, mas seus condutores, para fazê-lo, terão que pagar‘pedágio’, caso estabelecido”.16

O pedágio, seja como forma de arrecadação de recursos para a construção emanutenção de estradas, seja como fonte de riquezas sem destinação

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específica, ou, ainda, como meio de reduzir ou impedir a circulação de pessoas,veículos e bens, provavelmente instituído pelos romanos, foi amplamenteutilizado na Idade Média, tanto pelos reis como pelos senhores feudais.Segundo Aliomar Baleeiro,17 na Inglaterra e no País de Gales, no começo doséculo XIX, havia 1.116 barreiras, controlando 22.000 milhas de estradas. Asbarreiras também proliferavam em território francês. Após a RevoluçãoFrancesa, o direito ao pedágio foi restringido, a fim de evitar os excessos doperíodo regaliano. Hoje, todos os países do ocidente europeu utilizam-se dopedágio, especialmente nas auto-estradas.

No Brasil, podemos citar como experiência bem-sucedida da utilização dopedágio o caso da Ponte Rio-Niterói que, segundo Seixas Filho,18 foiintegralmente amortizada com a cobrança de um verdadeiro pedágio. Emvárias rodovias do país, era cobrado pedágio, quando foi instituído, pela Lei nº7.712, de 22 de dezembro de 1988, a exação conhecida por “Selo Pedágio”,que incidia sobre os usuários de rodovias federais. O Supremo TribunalFederal, no Recurso Extraordinário 181475/RS, em julgamento proferido em04.05.99, publicado no DJ de 25.06.99, após estabelecer que o pedágio, talcomo instituído pela Lei nº 7.712/88, tinha a natureza jurídica de taxa (CF, art.145, II, e art. 150, V), considerou constitucional sua cobrança, consoantedecisão assim ementada: “EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.PEDÁGIO. LEI 7.712, DE 22.12.88. I - Pedágio: natureza jurídica: taxa: C.F., art.145, II, art. 150, V. II - Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei7. 712, de 1988. III - RE não-conhecido”. Apesar de ter sido consideradaconstitucional pela Suprema Corte, a Lei nº 7.712/88 foi revogada pela Lei nº8.075, de 17 de agosto de 1990.

O pedágio apresenta, como uma de suas características, a interferência noprocesso de distribuição de rendas. E isso porque transfere o ônus daconservação e melhoramento das estradas de toda a sociedade para osusuários das rodovias. O risco de interferir na circulação de mercadorias foisignificativamente diminuído pela Lei nº 10.209, de 23 de março do correnteano, que instituiu o Vale-Pedágio e transferiu a responsabilidade pelopagamento do pedágio, por veículo de carga, do transportador para oproprietário original da carga, contratante do serviço de transporte rodoviário(art. 1º e §§ 1º e 2º da Lei 10.209/2001). O proprietário da carga só poderá seressarcir da importância paga pelo Vale-Pedágio até o montante de 1% dovalor do frete contratado (art. 4º da lei em referência).

Mesmo que a Constituição Federal de 1988 não tivesse estabelecido alimitação do direito de ir e vir aos termos da lei, não seria ele absoluto. Sempreexistiram limitações à livre circulação, limitações essas decorrentes da própria

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convivência social. Por exemplo, qualquer pessoa pode, utilizando sualiberdade de ir e vir, circular pelas ruas, praças e demais logradouros públicos.Essa regra geral não é absoluta, visto que comporta exceções. As pessoas sópodem circular vestidas. Caso pretendam exercer sua liberdade de ir e vir semroupas, serão presas por atentado violento ao pudor. Poderão essesindivíduos, amparados pela garantia de livre circulação, exigir que o Estadolhes forneça roupas? A resposta a essa indagação, pondo-se de lado aproblemática dos excluídos sociais, só poderá ser negativa. Da mesma forma,quem quiser circular pelas estradas do país é livre para fazê-lo, mas, se utilizarcondução coletiva, terá que pagar o preço da passagem, ou, se quiser circularem veículo próprio ou arrendado, terá que pagar o preço do veículo, o de suaconservação, o do combustível e, se se tratar de veículo arrendado, o preço doaluguel, além do pedágio. Todos esses ônus que incidem sobre quem pretendecircular pelas rodovias nacionais ofendem a liberdade de ir e vir? Certamenteque não, visto que são conseqüências do próprio progresso e do conforto quedele emana. Não podemos esquecer que o conforto tem seu custo, que, emgeral, é alto. Ou por outra, mesmo quando não havia estradas e a locomoção apontos mais distantes se fazia utilizando-se cavalos ou carroças, esse trânsitonão era gratuito, uma vez que a manutenção dos cavalos e das carroças tinha oseu preço. Com o pedágio, como ensinam Luiz Guilherme Marinoni e CarlosGustavo Andrioli,19 não se está a impedir ninguém de se dirigir ao lugar quebem entenda. Com ele não está o Estado a limitar esse deslocamento aquaisquer autorizações específicas. Apenas estabelece um condicionamento àutilização de um bem público. De mais a mais, essa limitação decorre da lei e alocução “nos termos da lei”20 “não implica a vedação ou restrição à garantiaconstitucional, mas apenas o direito do Poder Público a regular”.

O art. 175 da Constituição Federal incumbe ao Poder Público a prestação deserviços públicos, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão. ALei nº 8.987, de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão daprestação de serviços públicos, autorizados pelo art. 175 da Carta Política,admite a cobrança de pedágio quando, no inciso III de seu artigo 2º, arrola “aconstrução, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação oumelhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poderconcedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoajurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a suarealização, por sua conta e risco, de forma que o investimento daconcessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração doserviço ou da obra por prazo determinado.”. Essa autorização tornou-seexplícita pela Lei nº 9.277/96, que permitiu à União Federal delegar aexploração de rodovias aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal.Consoante o que dispõe o art. 4º da referida Lei nº 9.277/96, os Municípios, os

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Estados e o Distrito Federal poderão explorar a via ou o porto diretamente oupor intermédio de concessões, nos termos das leis federais que regem asconcessões e da Lei nº 8.630/93. A autorização para a cobrança de tarifas estácontida no caput do art. 9º e seu § 1º da Lei das Concessões (Lei nº 8.987/95).O aludido § 1º, com a redação dada pela Lei nº 9.648/99, dispõe que a tarifanão estará subordinada à legislação anterior e, somente nos casosexpressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada àexistência de igual serviço público gratuito para ser utilizado alternativamentepelo usuário. Portanto, por expressa determinação legal, a cobrança dopedágio independe da existência de estradas alternativas, pelo menos até queseja editada lei determinando de forma diversa. Por outro lado, a liberdade deescolha a que se refere o inciso III do artigo 7o da Lei nº 8.987/95, com aredação dada pela Lei nº 9.791/99, como deriva do próprio texto da Lei, nãodiz respeito à escolha entre serviços alternativos, e sim entre prestadores deserviço sob o regime de liberdade de competição.21

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, na ADIMC - 800/RS, por decisãounânime, publicada no DJ de 18.12.92, p. 24375, vol. 01689-02, p. 241,indeferiu o pedido de liminar cautelar. A ementa desse julgamento é aseguinte:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO Nº 34.417, DE 24.07.92, DOGOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUI E AUTORIZA A COBRANÇADE PEDÁGIO EM RODOVIA ESTADUAL.

Tudo está a indicar, entretanto, que se configura, no caso, mero preço público, não sujeito aosprincípios invocados, carecendo de plausibilidade, por isso a tese da inconstitucionalidade.

(...)”

Do voto condutor, proferido pelo eminente Ministro Ilmar Galvão, destaca-se oseguinte trecho: “Assim sendo, parece fora de dúvida que se está diante depreço público, ou tarifa, seja de retribuições facultativas da aquisição de bensou da utilização de serviços, transferidos ou prestados pela AdministraçãoPública ou por seus delegados ou mesmo por particulares, a quem os adquiraou os utilize voluntariamente”. A circunstância, pois, de ser exigido pelaAdministração Pública ou por seus delegados ou mesmo por particulares, aquem os adquira ou utilize voluntariamente, não o descaracteriza. Presta-se atarifa, na lição de Hely Meirelles (“Pedágio, condições para sua cobrança”, Rev.da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, 1971, nº 1/13), “ ... a remuneraros serviços pró-cidadão, isto é, aqueles que visam a dar comodidade aosusuários ou a satisfazê-los em suas necessidades pessoais, telefone, energiaelétrica domiciliar, transporte, etc.) , ao passo que a taxa é adequada para o

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custeio dos serviços pró-comunidade, ou seja, aqueles que se destinam aatender exigências da coletividade (embora divisíveis) e, por isso mesmodevem ser prestados em caráter compulsório e independentemente desolicitação dos contribuintes. Todo o serviço público ou de utilidade públicanão essencial à comunidade, mas de interesse de determinadas pessoas ou decertos grupos, deve ser remunerado por tarifa, para que os encargos de suamanutenção onerem, unicamente, aqueles que efetivamente os utilizem (porato espontâneo de sua vontade).”

Nesse acórdão, proferido em 1992, portanto, antes da edição das Leis nºs

8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9.791, de 24 de março de 1999, oSupremo Tribunal Federal condicionou a cobrança da tarifa à existência deestrada paralela e alternativa, de uso gratuito. Pelo menos , até a presentedata, não declarou a Suprema Corte a inconstitucionalidade das referidas leis,na parte que não atrelam a cobrança de tarifas à existência de serviço públicoalternativo gratuito.

Conclusão

O Direito à liberdade de ir e vir, garantido pelo inciso XV do art. 5o daConstituição Federal de 1988 não é absoluto, visto que está limitado pelasnormas de convivência social e, nos termos do dispositivo constitucional emreferência, poderá ser limitado por lei. Como o ir e vir é inerente aos seres maisdesenvolvidos da escala biológica, faz parte essencial da natureza humana esuas restrições devem limitar-se às necessidades do convívio em sociedade e àexpansão das vantagens, quer de ordem econômica, quer de conforto, trazidaspelo progresso tecnológico. O pedágio, que tem suas raízes, provavelmente, noImpério Romano, por ser exigido apenas dos usuários das rodovias, não podeser qualificado como taxa, sendo sua natureza a de tarifa ou preço público.Consoante legislação vigente, para que seja exigido pedágio, não hánecessidade de rodovia alternativa gratuita. As divergências surgidas contra acobrança de pedágio, tal como a de outros serviços a serem prestados peloEstado, fazem parte de um posicionamento ideológico sobre a próprianatureza do Estado que, para uns, deve ser sempre provedor, enquanto que,para outros, deve ser liberal, o que não cabe ser agora objeto de discussão.

 

* Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4a Região

1 Jorge Miranda , in “Textos Históricos do Direito Constitucional, Editora Imprensa Nacional –Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p. 13-16

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2 - Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 1949.

3 J.J. Canotilho, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2.ed., p.484.

4 Fernando Barcellos de Almeida, in Teoria Geral dos Direitos Humanos, Fabris, 1996, p.26.

5 Carl J. Friedrich. Uma introdução à Teoria Política. Tradução de Leônidas Xausa e Luiz Corsão,Zahar Editores, p. 9 e segs.

6 Carl J. Fireddrich. Ob. cit., p. 10.

7 Angel Ossório y Gallardo, in Los Derechos del Hombre, del ciudadano y del Estado., BuenosAires: Editorial Claridad, 1946.

8 S. Tomás de Aquino. Suma Teológica, vol. XIV. Tradução de Alexandre Correia. Livraria EditoraOdeon, São Paulo, 1937, p. 9.

9 Jorge Miranda, in As Constituições Portuguesas de 1922 até o texto atual, Editora LivrariaPetrony Ltda. 1997, p. 21.

10 Carlos Maximiliano, in Comentários a Constituição Brasileira de 1946, Editora Livraria FreitasBastos, 1954, vol. III , 172.

11 J. Cretella Júnior, in Comentários à Constituição de 1988, Editora Forense Universitária, p. 97.

12 - Decreto nº 23.704-A, de 08.01.64.

13 José Afonso da Silva, in “Direito Constitucional Positivo” Editora Revista dos Tribunais, p. 460.

14 Fernando Ribeiro Montefusco, in “Juizado Especial Criminal - Possibilidade de conversão dapena restritiva de direitos em privativa de liberdade no regime da Lei nº 9.099/95”- AJURISSÍNTESE- maio/junho-1999.

15 Sebastião Tavares de Lima, Diógenes Gasparini, in “Passagens e atravessadouros particulares– liberdade de locomoção. Direito de propriedade e tombamento”, Cadernos de DireitoMunicipal, RDP nº 79, julho/set. de 1986, p. 208-213.

16 Celso Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 1997, p. 567.

17 Aliomar Baleeiro, in Uma Introdução à Ciência das Finanças, Forense, 1974, p. 253.

18 Seixas Filho, in “Análise da taxa de conservação rodoviária e o conflito de pedágio AurélioPitanga”, in Suplemento Jurídico nº 144, p. 19-21.

19 Luiz Guilherme Marinoni e Carlos Gustavo Andrioli, in “Ação que ataca cobrança de pedágiosob o argumento de que estaria sendo ferido o direito de ir e vir. Tutela Antecipada.

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Descabimento”, RT – 177- junho de 2000 – 89º ano, p. 119-141.

20 Ives Gandra da Silva Martins, in “Princípio Constitucional da liberdade de ir e vir com seusbens - Não recepção do parágrafo único do art. 22, da Lei nº 7.492/86 pela Constituição de 88 -Outros aspectos jurídicos da saída com origem de moeda do país - Parecer”, in RTJE, vol. 148-mai-1996.

21 Lei nº 8.987/95, art. 7º, inciso III - “obter serviço, com liberdade de escolha entre váriosprestadores de serviço, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente”.

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Agrotóxicos e meio ambiente

Paulo Afonso Brum Vaz*

Sumário: 1. Introdução. 2. Principais problemas relacionados com o uso de agrotóxicos, seuscomponentes e afins. 3. Disciplina legal. 4. Conceito. 5. Sobre a competência legislativa. 6.Aspectos sobre o registro de produtos agrotóxicos, seus componentes e afins. 7.Responsabilidade por dano ambiental causado por agrotóxicos, seus componentes e afins. 8.Responsabilidade Administrativa. 9. Responsabilidade Civil. 9.1. Aspectos processuais. 9.2.Responsabilidade objetiva. 9.3 Responsabilidade solidária. 9.4. Prescrição. 9.5.Responsabilidade da Administração. 10. Responsabilidade penal. 11. Considerações finais.

1. Introdução

Uma das grandes preocupações da humanidade é o crescimento populacional.Se refletirmos sobre a Teoria de Thomas Malthus,1 vamos concluir que, em vezconstituir um sinal de alerta para a necessidade de preservação dos recursosnaturais, acabou desencadeando na humanidade uma corrida desenfreada esem limites pela produção de alimentos. Hoje, no Brasil, por exemplo, seproduz infinitamente mais grãos do que se pode consumir, mas com um custo-benefício ambiental extremamente negativo, em razão do uso indiscriminado enão fiscalizado de agrotóxicos. Queremos dizer que o modelo de produçãoagrícola brasileiro, sobretudo as grandes plantações, é causa de degradaçãoambiental importante, com prejuízos sérios à biodiversidade.2 De rigor, aagricultura e a preservação ambiental deveriam – e o princípio dodesenvolvimento sustentável assim impõe – caminhar lado a lado, e aprodução agrícola preocupar-se muito mais com o acesso e a distribuição dealimentos do que com a estocagem.

2. Principais problemas relacionados com o uso de agrotóxicos,

seus componentes e afins

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Qualquer abordagem sobre o tema agrotóxicos, à luz do direito ambiental,deve levar em consideração os aspectos técnicos acerca das potencialidadesnocivas do uso de produtos químicos na lavoura, seja para a saúde humana,seja para o meio ambiente, seja para a sociedade como um todo. Podemosaqui destacar algumas constatações.

a) Em sua maioria, os agrotóxicos são extremamente voláteis, portanto, têm apropriedade de serem carreados pelas correntes aéreas para locais e distânciasindesejadas, contaminando extensões incalculáveis do solo, das águas e do ar.As aplicações aéreas, geralmente feitas sem maiores cuidados, representamfoco de intensa degradação ambiental, afetando todas as espécies de vida. Éhábito lavar os tanques dos aviões, embalagens usadas e equipamentos deaplicação em cursos d’água (rios, lagos etc). De 1825 amostras colhidas nos riosparanaenses, por exemplo, 84% apresentavam resíduos de pelo menos 17diferentes agrotóxicos.

b) Quase todos os Agrotóxicos permanecem no solo por muitos anos,transferindo-se para a cultura seguinte e contaminando também as pastagensque os agropecuaristas costumam plantar entre uma cultura e outra. Estaspastagens são ingeridas pelo gado, contaminando sua carne, que ainda é oalimento preferido da população brasileira.

c) Com o emprego de agrotóxicos, ao longo do tempo, um número razoável depragas, que atacam a lavoura, quase igual ao que é destruído, adquireresistência, tornando-se imune e obrigando, como que num círculo vicioso, àcriação de novas e mais potentes fórmulas. Do universo de insetos destruídos,muitos são benignos, como a abelha e os demais insetos polinizadores, tãonecessários ao equilíbrio ecológico.

d) Um dos problemas diretos mais graves é exatamente a excessivaconcentração de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal eanimal, principalmente em razão da inobservância do número correto deaplicações, das dosagens recomendadas ou dos intervalos de temponecessários entre a aplicação e a colheita. Pesquisas têm revelado altasconcentrações de resíduos tóxicos em frutas, em verduras e em carne bovina.3

e) Por fim, vale destacar alguns efeitos decorrentes da contaminação poragrotóxicos em seres humanos. Têm-se registros de lesões hepáticas e renais,esterilidade masculina, hiperglicemia, hipersensibilidade, carcinogênese,fibrose pulmonar, redução da imunidade e até suicídios, como têm ocorrido naregião fumageira de Venâncio Aires e Santa Cruz, no Rio Grande do Sul, onde oMPF investiga o alto número de suicídios. Acredita-se que se deva ao contato

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prolongado com algum tipo de agrotóxico empregado na lavoura de fumo.4

Podemos citar aqui dados concretos, estatísticas alarmantes sobrecontaminação, como no caso dos plantadores de alho de Curitibanos/SC (de481 agricultores submetidos a exame, 71% estavam contaminados) e dospomicultores da serra gaúcha (55,6% estão contaminados comorganofosforados, 11% com comprometimento hepático). Segundo pesquisado IBGE, no Estado do Paraná (safra de 1998/1999), ocorreram cerca de 30 milcasos de intoxicação, dos quais 29.250 casos tiveram atendimentomédico/hospitalar. No meio rural, é absurda a mortalidade infantil (pesquisafeita com 929 trabalhadoras rurais comprova que 52,3% já tiveram filhonascido morto e 10% delas já tiveram mais de quatro filhos nascidos mortos).Calcula-se que, em todo o mundo, ocorrem, por ano, cerca de 2 milhões decasos de envenenamento por agrotóxicos, com algo em torno de 40 milmortes. Mais do que em muitas guerras. Não é demais, por falar em guerra,lembrar que o famoso agente laranja, usado pelos americanos na guerra doVietnã para destruir a produção agrícola e as selvas fechadas daquele país, eraum produto agrotóxico, um herbicida, usado como arma de guerra. A síndromeda vaca-louca, na Inglaterra, acredita-se, tem origem em agrotóxicos. NaAmérica Central, existem registros de 16 mil casos de castração, devido ao usode um agrotóxico chamado DBCP (DibromoCloroPropano). Nos EUA, tivemosum caso interessante de um empregado de uma empresa de conservação dejardins que assassinou uma dona de casa, depois de uma rápida discussão.Anos depois, a condenação pelo crime está sendo revista, graças a um laudomédico que atesta ter o crime sido cometido em razão de uma alteraçãopsíquica momentânea, induzida pelo contato diuturno com agrotóxicos.5

3. Disciplina legal

A disciplina legal sobre agrotóxicos, no âmbito federal, encontra-se na Lei nº7.802, de 11.06.89, alterada pela Lei nº 9.974, de 06.06.2000. Esta lei dispõesobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, otransporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, autilização, a importação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro,a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seuscomponentes e afins. O Decreto nº 98.816/90 cuidou de regulamentar a Lei nº7.802/89, dando-lhe condições de aplicabilidade, nos pontos em que carecia deregulamentação.

4. Conceito

Vamos encontrar a definição no inciso I do art. 2o da Lei nº 7.802/89, dispondo

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que agrotóxicos e afins são os produtos e os agentes de processos físicos,químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção,armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, naproteção das florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas etambém de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade sejaalterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da açãodanosa de seres vivos considerados nocivos (a); ainda, as substâncias eprodutos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores einibidores de crescimento (b). Consideram-se seus componentes (II), osprincípios ativos, os produtos técnicos, suas matérias-primas, os ingredientesinertes e aditivos usados nos agrotóxicos e afins.6

Em outras palavras, pode-se dizer que agrotóxicos são toxinas utilizadas paracontrolar pragas na lavoura, assim os herbicidas (que matam plantas invasoras)e pesticidas, divididos em inseticidas e fungicidas (que matam diversasespécies de insetos, ácaros e fungos, por exemplo).7

5. Sobre a competência legislativa

A teor do art. 24 da Constituição, compete à União, aos Estados e ao DistritoFederal legislar concorrentemente sobre conservação da natureza, defesa dosolo e recursos naturais, proteção do meio ambiente, controle da poluição (VI),responsabilidade por dano ao meio ambiente (VIII) e proteção e defesa dasaúde (XII). No âmbito da competência concorrente, a União limitar-se-á aestabelecer normas gerais (§ 1º), sem excluir a competência suplementar dosEstados (§ 2º), que exercerão a competência legislativa plena, para atendersuas peculiaridades, inexistindo lei federal sobre normas gerais (parágrafo 3º).Em outro dizer, a existência de legislação federal, sobre normas gerais,predomina sobre a estadual, cujo caráter supletivo a restringe aopreenchimento de eventual lacuna deixada pela legislação emanada do podercentral, sobretudo quanto às condições regionais.

Quanto à competência legislativa, dispõe a Lei nº 7.802/89 nos seguintestermos:

“Art. 9º. No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências;

I - legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação,transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;

II - controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;

III - analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;

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IV - controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.

Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos artigos 23 e 24 daConstituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e oarmazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, oconsumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.

Art. 11. Cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dosagrotóxicos, seus componentes e afins. “

À luz da Constituição de 1967, o STF, chamado a decidir em inúmerasRepresentações de inconstitucionalidade de leis estaduais sobre agrotóxicos,que extrapolavam os termos da lei geral federal vigente à época, reafirmou acompetência exclusiva da União para ditar as normas gerais sobre produção,comércio e consumo de produtos que contenham substâncias nocivas, e acompetência supletiva dos Estados-Membros (RP 1243/PE, RP 1348/SP, RP1246/PR e RP 1242/BA).8

O Município pode legislar, em matéria ambiental, em caráter supletivo, a fimde dispor sobre assuntos de interesse local, tal como prevêem os incisos I e IIdo art. 30 da Constituição e o disposto no art. 11 da Lei nº 7.802/89.

6. Aspectos sobre o registro de produtos agrotóxicos,

seus componentes e afins

Dispõe a Constituição que incumbe ao Poder Público controlar a produção, acirculação, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substânciasque comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art.225, § 1º, V).

É condição sine qua non para a produção, exportação, importação,comercialização e utilização de agrotóxicos o prévio registro do produto nosórgãos federais do Ministério da Saúde (Agência Nacional de VigilânciaSanitária); do Meio Ambiente (IBAMA), e do Ministério da Agricultura(Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária), nos termos da Lei nº 7.802/89(art. 3o).

O Decreto nº 98.816/90, que regulamenta a Lei nº 7.802/89, disciplina, emseus artigos 3º, 4º e 5º, as exigências a serem observadas pelo pretendente aregistro, renovação e extensão de uso de agrotóxicos. E o faz tomando emconta três aspectos: fitossanitário, saúde e periculosidade ambiental, cada quala ser analisado por órgãos específicos da Administração, vinculados,respectivamente, aos Ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio

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Ambiente.

O registro de agrotóxicos é ato complexo. Somente depois de autorizado portodos os órgãos encarregados do registro é que o agrotóxico poderá serproduzido, comercializado e consumido. É de ser afastada, pois, a possibilidadede exercício de qualquer destas condutas quando ausente a chancela das trêsesferas administrativas, seja porque pendente de apreciação o requerimentoem uma delas ou mesmo porque recusado o registro. Essa a intençãoinequívoca do legislador, conforme se pode observar da leitura do art. 3º da Leinº 7.802/89, que subordina a produção, exportação, importação,comercialização e utilização dos agrotóxicos ao prévio registro em órgãofederal, obedecidas as “diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveispelos setores da saúde, meio ambiente e da agricultura”. O regulamento,portanto, ao prever a intervenção necessária dos órgãos vinculados aosMinistérios da Saúde, da Agricultura e do Interior (hoje do Meio Ambiente),não fez mais do que dar cumprimento fiel ao comando legal.

Os Estados podem, a latere do registro nos órgãos federais, imporcadastramento de produtos agrotóxicos como pressuposto de distribuição,comercialização e consumo no âmbito de seu território.9

Discute-se acerca da possibilidade de os Municípios proibirem, no âmbito deseus territórios, a produção, a comercialização e o uso de produto agrotóxicoregistrado e, por conseqüência, autorizado pelos órgãos e entidades federaiscompetentes. O Município pode legislar, em matéria ambiental, em carátersupletivo, a fim de dispor sobre assuntos de interesse local, tal como prevêemos incisos I e II do art. 30 da Constituição. Todavia, como sua competência seopera em caráter suplementar à legislação federal e à estadual, não poderádispor contrariamente ao texto destas, sob pena de tornar suas disposiçõesinócuas e reflexamente trespassar ao controle municipal, mister o que a leifederal – art. 3° da Lei 7.802/89 – conferiu à esfera federal.10

Outra questão importante e polêmica diz respeito ao excedimento dos prazosprevistos para o exame do pedido de registro ou de renovação de registro, talcomo previstos no art. 11 do Decreto nº 98.816/90. Indaga-se: a omissãoadministrativa, não analisando o requerimento dentro do prazo legal,autorizaria a produção, a comercialização e o consumo do produto nãoregistrado? Por certo que não. Não se ousaria colocar em risco a saúdehumana e todo o meio ambiente. A hipótese desafia a impetração do mandadode segurança a fim de que se reconheça a ilegalidade por omissão daAdministração, que poderia ser compelida, pela expedita via mandamental, aexaminar o pedido.11

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No § 6º do art. 3º da Lei nº 7.802/89 estão listadas as situações de proibição doregistro de agrotóxicos, seus componentes e afins. Busca-se evitar o ingressono mercado de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente. Oelenco de situações é meramente exemplificativo. Portanto, outras razões,desde que relevantes, poderão contra-indicar o registro. O fato de um produtoter seu uso cancelado em países desenvolvidos deveria pesar mais no examedo pedido, ainda que não houvesse a recomendação de organizaçõesinternacionais responsáveis pela saúde (parágrafo 4° do art. 3º). A conclusão aque se chega, diante dos precedentes e registros de doenças, mortes edegradação ambiental, é no sentido de impor às autoridades competentesmaior rigor no procedimento de registro, especialmente em relação a produtosque causem dano ao meio ambiente (alínea f).12

Nota-se um atraso injustificável, uma verdadeira letargia das nossasautoridades ambientais – fruto talvez de pressão econômica, política oumesmo de inconsciência ambiental – no sentido de se implantar uma políticaséria de controle e fiscalização de agrotóxicos.13 Uma frase que jamais poderiaser dita é a seguinte: “este produto já teve seu registro cancelado nos EUA ouna Europa, porque se revelou nocivo à saúde humana e ao meio ambiente, masno Brasil ainda é permitido”. Será que o brasileiro, o nosso meio ambiente,nossa biodiversidade são imunes aos efeitos do agrotóxico que se revelounocivo em outros países?14

De rigor, pensamos que seria indispensável o prévio relatório de impactoambiental, tal como exige o art. 225, § 1°, inciso IV, da CF, em razão dasignificativa degradação ambiental que causam, sendo inequívoca ainsuficiência do processo de registro disciplinado pela Lei dos Agrotóxicos.Helita Barreira Custódio, em profundo artigo sobre agrotóxicos, sustenta a“Necessidade de aplicar-se o instrumento de estudo e da respectiva avaliaçãode impacto ambiental não somente a novos projetos de atividades em vias delicenciamento inicial, mas também a todas as atividades que, legal eregulamentarmente autorizadas, ocasionam comprovados perigos e danos aomeio ambiente e à saúde pública (Agenda 21, Caps. 15, 35)”.15

Além do registro do produto agrotóxico, mister se faz o registro no Estado ouno Município das pessoas, físicas ou jurídicas, que produzam, importem,exportem, comercializem ou que atuem como prestadoras de serviços naaplicação de agrotóxicos, seus componentes ou afins, atendidas as diretrizes eexigências dos órgãos federais. Daí poder-se afirmar que o Estado e oMunicípio não poderão, ao dispor sobre o registro, no âmbito de seusterritórios, abolir exigências federais.

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O art. 5º da Lei nº 7.802/89 elenca as pessoas legitimadas a requerer ocancelamento ou impugnação, em nome próprio, do registro de agrotóxicos,seus componentes e afins, argüindo prejuízos ao meio ambiente, à saúdehumana e à dos animais. São elas: I. as entidades de classe, representativas deprofissões ligadas ao setor (Associações dos agrônomos, dos biólogos, dosengenheiros florestais, dos sanitaristas, dos ecólogos, dos botânicos, p.ex.); II.partidos políticos com representação no Congresso Nacional; III. entidadeslegalmente constituídas para a defesa dos interesses difusos relacionados àproteção do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais, como, porexemplo, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), as Organizações não-governamentais (ONGs). Não se exige o prazo mínimo de um ano de existência,tal como ocorre para a propositura da ACP. Também o Ministério Público temlegitimidade para impugnar o registro. Quanto a este, pensamos que lhedevesse ser encaminhada cópia do processo de registro de agrotóxicos, a fimde que pudesse melhor avaliar o cumprimento das exigências legais, sobretudoquando o produto já tenha sido cancelado em outros países.

7. Responsabilidade por dano ambiental causado por agrotóxicos,

seus componentes e afins

Art. 225, § 3º, da CF:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente daobrigação de reparar os danos causados”.

Segundo dispõe o art. 14 da Lei dos Agrotóxicos:

“As responsabilidades administrativa, civil e penal, pelos danos causados à saúde das pessoas eao meio ambiente, quando a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação deembalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto nalegislação pertinente, cabem:

a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida;

b) ao usuário ou a prestador de serviços, quando em desacordo com o receituário ou asrecomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais;

c) ao comerciante, quando efetuar a venda sem o respectivo receituário ou em desacordo coma receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais;

d) ao registrante que, por dolo ou culpa, omitir informações ou fornecer informaçõesincorretas;

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e) ao produtor que produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes doregistro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação àsembalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente;

f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequadosà proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição eaplicação dos produtos.”

O processo, que vai desde o registro, passando pela fabricação, receita, até asua utilização final e destinação das embalagens, envolve vários sujeitos: oregistrante, o fabricante, o transportador, o profissional que receita, ocomerciante, o prestador de serviços e o usuário. Esse fato tem que ser levadoem consideração quando se fala de responsabilidade civil, pois cada um dessessujeitos pode, no desempenho de sua atividade, vir a causar dano ao meioambiente ou à saúde das pessoas.

8. Responsabilidade Administrativa

As penalidades a cargo da Administração vêm reguladas pelo Decreto nº98.816, de 11 de janeiro de 1990. São elas, segundo disposto no seu artigo 76:advertência, multa de até 1.000 (mil) vezes o Maior Valor da Referência – MVR(aplicável em dobro em caso de reincidência), condenação de produto,inutilização de produto, suspensão de autorização, registro ou licença,cancelamento de autorização, registro ou licença, interdição temporária oudefinitiva do estabelecimento, destruição de vegetais, partes de vegetais ealimentos (com resíduos acima do permitido) e destruição de vegetais nosquais tenha havido aplicação de agrotóxico de uso não-autorizado.

Obviamente que, sendo permitida atividade legislativa dos Estados e dosMunicípios na matéria, outras exigências poderão ser feitas, para atendimentodo interesse regional ou local. E o descumprimento das normas estaduais emunicipais pode acarretar também a aplicação de penalidades pelaAdministração. Os Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul exigem, porexemplo, o prévio cadastro dos produtos agrotóxicos nas suas respectivasSecretarias de Saúde e do Meio Ambiente. Um produto que esteja licenciadopelas autoridades federais, mas não tenha obtido o aval ainda das autoridadescompetentes daqueles Estados, neles não poderá ser utilizado, sob pena deresponsabilidade de quem figure na cadeia de produção, comercialização,consumo e destinação de embalagens de agrotóxicos, seus componentes eafins.

A pena administrativa será graduada conforme a gravidade do ato praticado. Éo que se observa da análise dos artigos 77 e seguintes do decreto queregulamentou a Lei nº 7.802/89. O critério de gradação da penalidade, de sua

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vez, toma por base elementos objetivos (conseqüências para a saúde humanae para o meio ambiente) e elementos subjetivos (ser o agente reincidente outer cometido a infração para obtenção de qualquer tipo de vantagem, porexemplo).

Convém alertar para o fato de que, a teor do art. 1° da Lei nº 9.873/99, a açãopunitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício dopoder de polícia, prescreve em cinco anos. A inércia dos poderes públicos, se jáera inadmissível, agora é causa de prescrição da ação.16

9. Responsabilidade Civil

9.1. Aspectos processuais

Desde logo, convém sublinhar o fato de que a lei distingue entre o danocausado à saúde das pessoas e aquele que atinge diretamente o meioambiente (dano privado e dano público). É certo que as ações lesivas ao meioambiente afetam não apenas a biota, mas acabam por causar danos também àsaúde das pessoas. A distinção feita pelo legislador não pode ser ignorada erevela-se de muita utilidade no campo de atuação das regras de processo(especialmente quanto à ação a ser manejada e à legitimidade ativa). A tutelado dano ao meio ambiente, enquanto direito difuso, é feita por ação civilpública ou ação popular, destacando-se, quanto à ACP, a especial legitimidadedo MP. Quando se trate de dano à saúde, cuidando-se de direito individualhomogêneo, tem o MP legitimidade para propor ação civil pública (com basenas disposições do CDC ou quando houver relevante interesse social), assimcomo cada particular lesado. Sendo apenas individual o direito violado, umavez que ausente a pluralidade de vítimas de um mesmo fato, somente é cabívela ação individual, para a qual não tem legitimidade o MP.17

9.2. Responsabilidade objetiva

A responsabilidade pela reparação do dano ambiental é objetiva e baseada nateoria do risco integral. Quem exerce atividades suscetíveis de causar danos aomeio ambiente sujeita-se à reparação do prejuízo, independentemente de teragido ou não com culpa. O nexo de imputação, pois, que preside aresponsabilização do agente degradador, é tão-somente a idéia de risco criado,oriundo do exercício de atividade potencialmente lesiva ao ambiente hígido,direito consagrado constitucionalmente.

A teoria da responsabilidade objetiva já estava prevista na Lei nº 6.938, de31.08.81, que, no parágrafo primeiro de seu art. 14, dispunha que o poluidorestava obrigado ao ressarcimento do dano, independentemente da existência

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de culpa. Tal orientação foi mantida integralmente pelo legislador constituinte,conforme se verifica da leitura do parágrafo 3º do art. 225 da ConstituiçãoFederal, que dispõe sobre a responsabilidade do agente pelas condutas lesivasao meio ambiente, sujeitando-o à reparação do dano causado, sem prejuízodas demais responsabilidades nas esferas criminal e administrativa.

A esse propósito já discorremos no trabalho Meio Ambiente e Mineração (ApudDireito Ambiental em Evolução, Curitiba: Juruá, 1998, p. 251/2):

“A teoria da responsabilidade objetiva já estava prevista na Lei nº 6.938, de 31.08.81, que, no §1º de seu art. 14, dispunha que o poluidor estava obrigado ao ressarcimento do dano,independentemente da existência de culpa. Tal orientação foi mantida integralmente pelolegislador constitucional, conforme se verifica da leitura do § 3º do art. 225 da ConstituiçãoFederal, que dispõe sobre a responsabilidade do agente pelas condutas lesivas ao meioambiente, sujeitando-o à reparação do dano causado, sem prejuízo das demaisresponsabilidades nas esferas criminal e administrativa. A falta de menção expressa do textoconstitucional à expressão ‘independentemente de culpa’ tem levado alguns doutrinadores aconjecturar sobre a real intenção do constituinte. Não nos parece, porém, possa haver dúvidaa respeito da adoção, pela Constituição Federal, da teoria da responsabilidade objetiva emmatéria de dano ambiental. O legislador constituinte, em verdade, ampliou as garantias dedefesa ambiental, promovendo a consolidação das normas especiais e gerais vigentesanteriormente à promulgação da Carta Magna. Prova disso é que a defesa do meio ambientefigura como um dos princípios norteadores da ordem econômica, a dizer que o exercício dasatividades produtivas deve estar condicionado à observância dos cuidados indispensáveis quedeve ter o empreendedor para evitar a degradação ambiental. Conforme averbou José Afonsoda Silva, ‘tendo-a elevado (a defesa do meio ambiente) ao nível de princípio da ordemeconômica, isso tem o efeito de condicionar a atividade produtiva ao respeito do meioambiente e possibilita ao Poder Público interferir drasticamente, se necessário, para que aexploração econômica preserve a ecologia’. Portanto, a Constituição Federal, a par derecepcionar a legislação sobre meio ambiente vigente antes de sua promulgação, dispensou aoproblema tratamento especial em termos de garantias oferecidas à sociedade, tanto no querespeita ao ressarcimento dos prejuízos causados como nos casos de intervenção preventivado Poder Estatal.”

São cinco as conseqüências da adoção da responsabilidade objetiva fundada norisco integral:

a) Irrelevância da intenção danosa: a responsabilidade objetiva visa a garantir,antes, o ressarcimento do prejuízo, em vez de perquirir sobre eventualintenção por parte do agente.

b) desimportância da licitude da atividade: a responsabilização do agentecausador do dano funda-se no risco da atividade por ele desempenhada, demodo que, mesmo que lícita sua atuação, não poderá ser eximido de ressarcirà sociedade os prejuízos causados. Assim, ainda que devidamente registrado oproduto agrotóxico, se vier a causar dano ao meio ambiente ou à saúde

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pública, deverá responder o agente.18

c) Irrelevância do caso fortuito, da força maior e do fato de terceiro: nãoafastam a responsabilidade a contribuição de fatores imprevisíveis (fenômenosclimáticos, por exemplo). Assim, se o evento nocivo ao meio ambiente ou àsaúde pública ocorre em razão da propagação do produto agrotóxico causadapor ventos fortes ou chuvas, isto é irrelevante na atribuição daresponsabilidade de quem o manipule.

d) Inversão do ônus da prova: à exclusão de responsabilidade, só resta aoagente a hipótese de provar a inexistência de nexo causal, sendo o único casoem que se pode falar em ônus da prova.19

e) redimensionamento do nexo causal e de sua importância: o nexo causal nãoé considerado em relação à ação ou à omissão, mas, sim, à atividadedesenvolvida pelo agente, que tem o ônus da prova de que sua atividade não épotencialmente poluidora, resolvendo-se a dúvida científica em favor dasociedade, consoante recomenda o princípio da precaução, vigente no direitoambiental.

Estabelecida a premissa da adoção, pelo ordenamento jurídico, daresponsabilidade objetiva, é de se perguntar se o fabricante do produto tóxicoé sempre objetivamente responsável pelos danos que este venha a causar aoambiente ou à saúde das pessoas. Cremos que o assunto merece algumareflexão.

Tanto para produzir quanto para introduzir em circulação o produtoagrotóxico, o fabricante há de estar autorizado pelo Poder Público. Precisa doaval de três órgãos da Administração Federal. Deve atender às exigênciasprévias feitas pelos órgãos estatais, mesmo no caso de pesquisa eexperimentação (art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.802/89). Ultrapassada a fase decontrole prévio exercido pelo Estado, supõe-se que o produto esteja apto a serutilizado.

É na fase de utilização, contudo, que se verifica a maior incidência de condutaslesivas. Com efeito, ainda que estabelecido prévio controle governamentalsobre a produção e a introdução em circulação de substância agrotóxica, nadaimpede a ocorrência de dano quando o uso seja feito em desconformidadecom as exigências técnicas e com a legislação ambiental. Como apotencialidade lesiva inerente a essa espécie de produto recomenda que suautilização se dê na medida do estritamente necessário, a Lei nº 7.802/89estabelece, em seu art. 13, que “a venda de agrotóxicos e produtos afins seráfeita através de receituário próprio”. Os receituários cumprem, entre outras, a

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função de fixar as dosagens máximas permitidas e de dispor sobre a épocaprópria para a aplicação e sobre o intervalo de segurança (art. 53 do Decretonº 98.816/90).

Não obstante, acontece comumente de o usuário não se submeter àsexigências, daí advindo danos lesivos ao meio ambiente e à saúde humana.Suponha-se então que o usuário desrespeite as prescrições legais e asrecomendações de uso feitas pelo profissional habilitado. Poder-se-á, nessecaso, responsabilizar o fabricante? Terá ele de responder por ato de terceiro,quando a agressão adveio não da potencialidade lesiva em si do produto, masdo mau uso que dele fez o consumidor final ou mesmo o prestador deserviços?

Pensamos que não. Embora pareça paradoxal a exclusão da responsabilidadedo fabricante na hipótese de mau uso do produto – em vista daresponsabilidade objetiva –, a tese encontra, entendemos, amparo doutrinário.É preciso dizer, porém, que, em princípio, todos os integrantes da cadeia deprodução e utilização das substâncias agrotóxicas são responsáveis peloseventos danosos. Ocorre que a responsabilidade de cada qual pode serexcluída pela ausência, no caso concreto, de nexo causal entre a condutaagressiva e o dano.

Pode-se dizer então que, se a conduta lesiva adveio pura e simplesmente domau uso do produto, por inobservância das prescrições técnicas sobre a suacorreta utilização, responsável será aquele que, com sua conduta culposa oudolosa, deu causa à ocorrência do dano. Isso não quer dizer que a parte lesada(seja a comunidade, seja o cidadão) não possa acionar em juízo o fabricante doproduto. Quanto a isso não há dúvida, até mesmo em vista daresponsabilidade objetiva e solidária que orienta a matéria. Acontece que ofabricante demandado pode, na hipótese, excluir sua responsabilidadeprovando que sua atividade não deu causa à ocorrência do dano.

Diferente é a situação, no entanto, se a lesão ao meio ambiente ou à saúdehumana advém da potencialidade lesiva inerente à substância agrotóxica.Nesse caso, o fabricante será sempre responsável, ainda que autorizadolegalmente a fabricar o produto pelos órgãos governamentais.

Mostram-se oportunas, no ponto, as palavras de Paulo de Bessa Antunes sobrea descoincidência entre a norma jurídica e a norma científica:

“(...).

Os fundamentos da verdade jurídica são puramente de direito. O direito deve, evidentemente,

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estar próximo da vida real para que possa ser mais justo e eficaz. Isto, porém, é uma aspiração.A vida, diariamente, nos ensina que, não com pouca freqüência, o Direito – demonstrando umainsuportável arrogância – limita-se a auto alimentar-se, muitas vezes, semeando a injustiça.Como se sabe, a verdade jurídica se assenta sobre a normatividade dogmática. A normajurídica é, em princípio, um comando, e como tal deve ser obedecida, sob pena de imposiçãode uma sanção. Conforme afirma Reale, o jurista não pode fazer abstração das normas postas.A norma científica se articula diferentemente da norma jurídica, pois não determina condutas,apenas descreve relações existentes no mundo natural, relações cuja compreensão varia aolongo do tempo, resultando daí o avanço do conhecimento. A lei científica não estabeleceverdades, ela busca conhecer a verdade. Ela não define padrões de comportamentos sociais,como faz a norma jurídica. Nos estreitos limites dos objetivos desta tese, posso apontar umadiferença básica entre a norma jurídica e a norma científica. A primeira se apóia e exprime umacerteza jurídica, portanto, produzida socialmente, pois um dos objetivos do direito é o degarantir segurança às relações que, por ele, são regulamentadas, dotando-as de estabilidade ede previsibilidade. A norma científica, ao contrário, está sob constante questionamento e,indiscutivelmente, reflete, apenas, uma etapa do conhecimento. A verdade científica é semprehistórica e parcial. Embora aceita como válida, em dado momento, ela não se petrifica comoum dogma, pois a realidade que examina está em constante transformação,independentemente da vontade humana.”20

E prossegue o autor, agora discorrendo especificamente sobre as substânciastóxicas:

“É a circulação social dos produtos tóxicos que impõe a necessidade de que os mesmospassem, de uma forma ou de outra, ao campo da ordem jurídica, impondo-se-lhes um quadronormativo e dogmático. Ou seja, dogmatiza-se aquilo que, em essência, é antagônico aodogma. Dá-se certeza à incerteza.

(...).

Com efeito, impende verificar como as externalidades (positivas e negativas) serão socialmenterepartidas. É a partir disto que a ordem jurídica deve se pronunciar no sentido de estabelecer oequilíbrio que foi alterado pela circulação social do produto tóxico.”21

Esse o dilema que enfrentamos no tratamento jurídico das substâncias tóxicas.Elas são lesivas por natureza. Não obstante, há necessidade de sua utilização, oque impõe, em conseqüência, o estabelecimento de regras rígidas de controlesobre o uso. Sabemos de antemão, no entanto, que o disciplinamento jurídicoda matéria nem sempre consegue evitar a ocorrência do dano. Há situaçõesem que as regras postas conseguem, quando muito, se obedecidas, atenuar osefeitos da agressão.

É sob essa perspectiva que deve ser analisada a responsabilidade do fabricantequando a lesão advenha da nocividade em si do produto agrotóxico. Aqui jánão se pode falar mais em exclusão de responsabilidade. Quem assume o riscode produzir e introduzir no comércio substância agressiva ao meio ambiente ouà saúde humana deve arcar com a responsabilidade de reparar o dano. E nem

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importa saber se o responsável pela introdução do produto estava ou nãoautorizado a fazê-lo pelos órgãos estatais encarregados do controle e dafiscalização. No campo da responsabilidade civil objetiva, reafirma-se, mostra-se indiferente a licitude da conduta. Mesmo que licenciada, a atividade quecause lesão ao meio ambiente, afetando o seu equilíbrio, geraresponsabilidade civil ao seu agente.

Dessarte, em linha de princípio, todos os integrantes da cadeia de produção eutilização das substâncias agrotóxicas são responsáveis pelos eventos danosos.Ocorre que a responsabilidade de cada qual pode ser excluída pela ausência,no caso concreto, de nexo causal entre a conduta agressiva e o dano.

Assim, por exemplo:

1. poderá o fabricante eximir-se da responsabilidade comprovando que oproduto foi mal usado, caso em que responderá o usuário ou o prestador deserviço;

2. se o dano decorre não do mau uso, mas da própria potencialidade lesiva doagrotóxico, responderá o fabricante;

3. o profissional que receita responde quando erra na receita, ou nãoinspeciona a área antes de diagnosticar, mas isenta-se de responsabilidade secomprovar que agiu com acerto técnico, e que o usuário, ou prestador deserviço, foi quem descumpriu o receituário agronômico.

Em sede de responsabilidade civil, parece-nos relevante consignar que as açõesdanosas ao meio ambiente iniciadas antes do advento da Lei nº 6.938/81 e queprosseguiram, sem solução de continuidade, depois de sua edição sujeitam osseus agentes aos rigores da responsabilidade objetiva, à semelhança do queocorre no Direito Penal com os crimes continuados, em que tanto a doutrinaquanto a jurisprudência acolhem a aplicação da lei mais severa. Suponha-seentão que só agora se descubra que um agrotóxico introduzido em circulaçãono final da década de 70 esteja causando prejuízos graves ao ambiente e àsaúde das pessoas. Os integrantes da cadeia de produção, comércio eutilização responderão objetivamente pelo dano, a despeito de ter a lei queinseriu esse tipo de responsabilidade em nosso ordenamento vindo a lume nocomeço da década de 80.

9.3. Responsabilidade solidária

Vale ainda registrar que, além de objetiva, a responsabilidade em matéria dedano ambiental é solidária. Dispõe o art. 1.518 do Código Civil que os bens do

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responsável pela ofensa ou violação de direito de outrem ficam sujeitos àreparação do dano causado, e, se tiver mais de um autor a ofensa, todosresponderão solidariamente pela reparação. Assim, tratando-se desolidariedade passiva, segundo dispõem os arts. 896 e 904 do Código Civil, adívida comum pode ser exigida, por inteiro, de apenas um dos co-devedores,de alguns ou de todos. Dessarte, qualquer um dos intervenientes na cadeia deprodução, comercialização e consumo de agrotóxicos, seus componentes eafins poderá ser acionado individualmente, cabendo-lhe discutir, depois, na viaregressiva, em relação aos demais, o seu grau de culpa, a fim de reaver o queeventualmente seja compelido a pagar. Conseqüência da adoção daresponsabilidade solidária é a irrelevância da mensuração da participação, oucontribuição, para o evento danoso, seja em decorrência do concurso decausas ou do concurso de agentes. Não importa que A, B, e C (três agricultoresa lançar resíduos de agrotóxicos em um rio) tenham contribuído para aocorrência do dano ambiental, ou, ainda, que as atividades D, E ou F(agrotóxicos na lavoura, mineração e cortumes, respectivamente) tenhaminfluído para a degradação ambiental de determinada região. Conforme o caso,a solidariedade autoriza que qualquer um dos agentes ou atividades, algunsapenas ou todos sejam responsabilizados.

Rodolfo Camargo Mancuso adverte que:

"se justifica a aplicação do princípio da solidariedade por danos aos interesses difusos, quandose considere: a) que igual regime é aplicado na ação popular, também utilizada na defesadestes interesses; b) a atual Carta Magna prevê que 'as condutas e atividades consideradaslesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais eadministrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (art. 225, §3º); c) o regime da solidariedade está na base da estrutura dos interesses difusos".22

Importante também o escólio de Nelson Nery Junior:

"É curial que deve responder pelo prejuízo experimentado pelo meio ambiente o causador dodano. Não raras vezes, torna-se difícil a identificação perfeita daquele que deu causa ao danoambiental. Resolve-se este problema com o instituto da solidariedade, instituto que informa aresponsabilidade pelo dano ecológico. Não importa para a sociedade, em que proporção aindústria x poluiu o ambiente de determinada região, se mais ou menos que a indústria y.Basta alguma delas haver dado causa, por intermédio de sua atividade, à poluição ambiental,circunstância ensejadora de prejuízo ao meio ambiente, para que exista a obrigação deindenizar, havendo legitimidade passiva ad causam para a ação a que estamos tratando".23

9.4. Prescrição

A ação para reparação do dano ao meio ambiente não está sujeita a prazoprescricional. Se a prescrição fulmina o direito de ação por inércia no tempo doseu titular, não seria concebível sua aplicação em tema de direito ambiental,

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que se caracteriza, entre outras coisas, por apresentar titularidade difusa.Ademais, como as condutas lesivas ao meio ambiente se protraem no tempo,seria impossível determinar-se o marco inicial da contagem do prazoprescricional. No máximo, poder-se-ia admitir a prescrição de direitosindividuais homogêneos (patrimônio privado ou a saúde das pessoas), a seoperar no prazo de 20 anos, nos termos da lei civil.24

Nem a cessação da atividade danosa é motivo suficiente para afastar a tese daimprescritibilidade. Isso porque a redução ou eliminação da ação degradadoranão evita que seus efeitos perdurem, protraindo-se no tempo,indefinidamente, o que torna difícil – senão impossível – a fixação de ummarco inicial para fins de prescrição.

Notem-se, a propósito, as observações de Ricardo Kochinski e Darlan RodriguesBittencourt:

“Por outro lado, o tempo que dura a inércia não pode, tampouco, ser revelado, pois o danoambiental pode ter amplitude tal, que venha a repercurtir não só nas gerações atuais como nasfuturas. Restaria severamente prejudicada a proteção constitucional das gerações futuras a ummeio ambiente equilibrado, se fosse admitida a idéia de prescrição. O dano ambiental, ésabido, não se manifesta necessariamente logo após o acontecimento do sinistro. As relaçõesjurídicas do direito ambiental flutuam em espaço e tempo diversos das relações individuais.”25

9.5. Responsabilidade da Administração

Segundo dispõe o art. 225, § 1o, V, da CF-88, incumbe ao Poder Públicocontrolar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos esubstâncias que causem risco para a vida, a qualidade de vida e o meioambiente.

Ainda na Constituição, o art. 23 dispõe que é da competência comum da União,dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde (II), protegero meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas (VI) epreservar as florestas, a fauna e a flora (VII).

À luz destes preceptivos constitucionais, de par com o disposto no par. 6o doart. 37, responde a Administração Pública por seus atos omissivos oucomissivos que causem danos à saúde das pessoas ou ao meio ambiente. Aresponsabilidade por falta do serviço, ainda que seja subjetiva (STF, RE179.147-SP, 2a Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 27.02.98), impõe ainversão do ônus da prova quanto ao perfeito funcionamento do serviço, ônuseste que incumbe à Administração.

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A Administração responde quando se omite na fiscalização e controle que lheatribui a Constituição e a Lei dos Agrotóxicos, especialmente quandonegligencia no processo de registro e na implementação dos mecanismos desegurança previstos na lei, ensejando o ingresso no mercado de produto quevenha a causar dano à saúde das pessoas e ao meio ambiente e possibilitandoque os agrotóxicos sejam manipulados por quem não tem a devida formaçãotécnica, bem assim quando atua em desconformidade com a legislação oucausa diretamente os danos antes referidos, como no caso da “capina química”e dos controles epidemiológicos feitos com inseticidas (mosquito da dengue,febre amarela etc), que são comumente feitos pelos Municípios, sem qualquerregistro, receituário agronômico, precaução ou esclarecimento público, quantoaos seus efeitos deletérios.

Ocorrentes o dano ambiental e a falta do serviço de controle e fiscalização,responde a Administração solidariamente com o agente causador do dano.Particularmente, nos casos de responsabilidade solidária da Administração,havendo a condenação desta natureza, penso que se devesse, antes de partirpara a execução contra o Poder Público, esgotar todas as forças doempreendedor particular, isto porque a atribuição da responsabilidade àAdministração, por via reflexa, acaba penalizando toda a sociedade. Se asolidariedade autoriza o titular da ACP a exigir o cumprimento da obrigaçãofixada na sentença de qualquer um dos coobrigados, não temos dúvida de quea opção deva recair sobre o patrimônio do causador direto do dano.

10. Responsabilidade penal

A importância que a preservação ambiental tem assumido ao longo dosúltimos anos fez com que as condutas que lhe são lesivas fossem tambémreguladas pelo Direito Penal. Reconhece a doutrina que a tutela penal, pela suaindiscutível eficácia dissuasória, presta-se mais e melhor a prevenir asagressões ao meio ambiente. Sabe-se que as sanções civis e administrativasnão têm a mesma força intimidatória da sanção penal.

Dispondo a Lei nº 9.605/98 “sobre as sanções penais e administrativasderivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”, surgiu apreocupação de saber se aquele diploma revogou completamente a legislaçãoanterior. No que interessa ao presente trabalho, urge ressaltar que a polêmicaexistente acerca da sobrevivência do delito previsto no art. 15 da Lei nº7.802/89, a despeito de a nova lei ambiental trazer em seu bojo tipo penal (art.56)26 que reproduz condutas semelhantes às descritas na Lei dos Agrotóxicos,restou resolvida a partir do advento da Lei nº 9.974, de 06.06.2000, que,inclusive, deu nova redação ao artigo 15 referido.27

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O crime do art. 15 da Lei nº 7.802/89, na redação original, assim estavatipificado:

“Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar ou prestar serviço naaplicação de agrotóxicos, seus componentes e afins, descumprindo as exigências estabelecidasnas leis e nos seus regulamentos, ficará sujeito à pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro)anos, além da multa de 100 (cem) a 1.000 (mil) MVR. Em caso de culpa, será punido com penade reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, além de multa de 50 (cinqüenta) a 500 (quinhentos)MVR.”

A nova redação, que lhe foi conferida pelo art. 5º da Lei nº 9.974/2000, assimpreceitua:

“Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, derdestinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, emdescumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena dereclusão de dois a quatro anos, além de multa.”

Notam-se, prima facie, duas modificações substanciais: 1a. ampliação donúcleo essencial do delito, para incluir o verbo “der destinação a resíduos eembalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins....”;28 2a. exclusãoda forma culposa do delito, porquanto não cogita mais a nova redação do art.15 da punição em caso de culpa.

Ao tempo em que representa um avanço a tipificação da conduta de quem dádestinação contrária à lei a resíduos e embalagens de agrotóxicos – a nova leidisciplina, restringindo, o fracionamento e a reembalagem de agrotóxicos eimpõe a devolução das embalagens vazias aos estabelecimentos comerciaisonde foram os produtos adquiridos (art. 6º, parágrafos 1º e 2º) – a segundaalteração, eliminando a forma culposa, é um retrocesso grave na tutela penaldo meio ambiente.29

É cediço que a impunidade de quem atenta contra o meio ambiente ou à saúdepública decorre em parte da ausência de punição da ação ou omissão culposa.Na realidade, em um grande número de casos, somente é possível punir-se aconduta se recriminada a forma culposa. Poucos são os que degradam o meioambiente propositalmente, ainda que, com suas condutas, assumam o risco deobter este resultado, previsível.

Por outro lado, o delito do art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais prevê a formaculposa (§ 3º), tornando de extrema iniqüidade a situação. Se alguém cometeuma das condutas previstas no art. 56 antes citado, manipulando, porexemplo, uma substância menos nociva do que agrotóxico, pode ser punidoquando age com culpa. Se o produto for agrotóxico – mais lesivo ao meio

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ambiente – no entanto, somente a forma dolosa poderá ser punida.

É de se ressaltar que a eliminação da forma culposa representa abolitio criminispara os delitos culposos anteriormente cometidos, em razão do princípio daretroatividade da lei mais benigna.

Penso, todavia, que apresenta a nova redação do art. 15 da Lei nº 7.802/89ranço de inconstitucionalidade, porquanto, a partir do advento da Constituiçãode 1988 (art. 225, § 3º), a forma culposa passou a constituir a base daresponsabilização penal por crime ambiental. Haveria, dessarte, violação aoprincípio constitucional implícito da razoabilidade. Nicolau Dino de Castro, Neyde Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro, comentando sobre os crimesambientais culposos, asseveram que a previsão de tipos penais culposos:

“atende de forma mais efetiva, a finalidade da norma penal ambiental consistente em tutelarde forma plena os valores relacionados com a preservação do meio ambiente. Além disso, aexistência de modalidades culposas mantém sintonia com o disposto no art. 225, caput, daConstituição Federal, na medida em que ali se impõe a todos o dever de preservar o meioambiente. A inobservância desse dever de cuidado, em razão de negiligência, imprudência ouimperícia, há de repercutir, assim, na órbita penal” (Crimes e Infrações AdministrativasAmbientais, Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 154).

Sendo inequívoco que o delito previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89 persisteintacto no ordenamento jurídico, cumpre-nos levantar agora alguns problemasque essa constatação suscita.

Primeiro, sobre a aplicação dos benefícios previstos na Lei nº 9.099/95 aoscrimes da Lei dos Agrotóxicos. Tome-se a redação do art. 89 da Lei dos JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais, que permite a suspensão da ação penal nos casosde delitos com pena mínima igual ou inferior a 1 ano, ou o art. 76, que permitea transação penal, aplicável aos crimes de menor potencial lesivo (penamáxima não superior a um ano).30 Essas medidas de despenalização, emboraperfeitamente aplicáveis aos delitos da Lei nº 9.605/98 (arts. 27 e 28), nãopodem ser adotadas na hipótese do cometimento do crime previsto no art. 15da Lei nº 7.802/89, pois a pena mínima é de 2 anos e a máxima de 4 anos.Assim, quem agride o meio ambiente se utilizando de substância tóxica diversaterá o benefício do sursis processual ou da transação penal, ainda que oproduto possa ser mais agressivo do que o agrotóxico. Somente por essaconstatação já se percebe que estamos necessitando de atuação legislativa queatualize o tipo penal da Lei dos Agrotóxicos ao novo contexto jurídico damatéria ambiental.

Outro problema que surge da análise comparativa dos delitos previstos nosartigos 15 da Lei nº 7.802/89 e 56 da Lei nº 9.605/98 refere-se aos núcleos

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constantes em cada um. Ambos os crimes veiculam os chamados tiposmúltiplos. Ocorre que o delito do art. 56 da Lei nº 9.605/98 contém 12 núcleos(produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer,transportar, armazenar, guardar, ter em depósito, usar), ao passo que o crimedo art. 15 da Lei nº 7.802/89 contém hoje apenas seis (produzir, comercializar,transportar, aplicar, prestar serviço e dar destinação a resíduos e embalagensvazias de agrotóxicos). Dos seis núcleos contidos no crime da Lei dosAgrotóxicos quatro estão reproduzidos no art. 56 da Lei nº 9.605/98. Quanto aesse ponto, portanto, não há problema algum, pois, no que coincidirem, aplica-se o critério da especialidade. No entanto, se alguém importar agrotóxicos, porexemplo, sem estar autorizado a fazê-lo pela legislação de regência, estarácometendo o crime do art. 56 da Lei nº 9.605/98. O mesmo acontece com aconduta de “ter em depósito”, “fornecer”, “exportar” etc.

Há uma outra observação a ser feita. O princípio da especialidade não impedeque alguém que manipule agrotóxicos possa cometer os demais delitosprevistos na Lei nº 9.605/98. Quem, por exemplo, se ponha a lavar, à beira derios e lagos, os tanques de aviões utilizados para a aplicação de agrotóxicos naslavouras – e isso é problema corrente, que muitos danos têm trazido ao meioambiente – poderá estar cometendo os delitos previstos nos artigos 33 ou 54da nova lei ambiental. Não se pode perder de vista que, em matéria ambiental,a Lei dos Agrotóxicos sobrevive apenas como norma especial, punindo aconduta de quem produza, comercialize, transporte, aplique, preste serviço oudê destinação a resíduos ou embalagens vazias de agrotóxicos, seuscomponentes e afins, descumprindo as exigências das leis e de seus respectivosregulamentos. Qualquer conduta que exceda os limites expressamente fixadospelo legislador pode se converter imediatamente em crime regulado pela Leinº 9.605/98. Poderá parecer demasiadamente óbvia essa constatação.Acontece que as normas jurídicas se prestam às mais variadas interpretações.Não seria impossível que uma pessoa acusada por estar lavando tanques deaviões à beira de um rio viesse alegar em juízo, por exemplo, que sua atividade(de manipulação de agrotóxicos) não encontrava óbice na lei específica dosagrotóxicos.

Indaga-se também se a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, previstana CF e no art. 3º da Lei dos Crimes Ambientais, teria aplicação aos delitosprevistos na Lei dos Agrotóxicos. Parece-nos que sim. A responsabilização dapessoa jurídica tem aplicação genérica a todas as condutas lesivas ao meioambiente, estejam elas elencadas ou não na Lei nº 9.605/98. Embora estediploma legal disponha que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadasadministrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei”, estareferência diz respeito apenas ao modo de aplicação, ao aspecto processual

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previsto na lei, e não aos tipos nela contemplados.31

Pugna-se, dessarte, pela imediata reengenharia do art. 15 da Lei dosAgrotóxicos, para que seja adaptado às disposições legais aplicáveis aos demaiscrimes ambientais, sem prejuízo da manutenção de sua aplicabilidade.

Passemos à analise do delito previsto no art. 15 da Lei dos Agrotóxicos.

Tipo penal

“Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, derdestinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, emdescumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena dereclusão de dois a quatro anos, além de multa.”

Objeto Jurídico

Gilberto Passos de Freitas observa que, “para encontrar qual o bem jurídicoprotegido em qualquer tipo penal, deve o intérprete ou o aplicador do Direitocolocar-se em posição que lhe permita analisar o delito numa perspectivasociológica e constitucional, procurando compreender as razões que levaram olegislador a tipificar determinadas condutas” (Direito Ambiental em Evolução.Curitiba: Juruá, 1998, p. 108).

No caso do delito em questão, é desnecessário indagar-se acerca do propósitodo legislador. O próprio diploma legal, quando, no seu art. 14, trata daresponsabilidade civil, refere-se expressamente à saúde das pessoas e ao meioambiente. São esses, portanto, os objetos protegidos pelo tipo penal transcrito.O delito é pluriofensivo, pois ofende ao mesmo tempo dois bens jurídicos,ambos tutelados penalmente.

Sujeito ativo

Em princípio, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. Basta quepratique uma das condutas descritas no tipo penal, descumprindo asexigências estabelecidas nas leis e nos seus respectivos regulamentos. A lei emnenhum momento qualifica a pessoa do agente. A atenção do legisladordirigiu-se ao ato praticado, independentemente de quem o pratica. Trata-se,assim, de crime comum.

Sujeito passivo

Nos crimes ambientais, o titular do bem jurídico protegido é a coletividade. A

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proteção ambiental é medida de interesse coletivo. O direito ao meioambiente sadio, com sede constitucional (art. 225 da CF), encontra-se entre osinteresses difusos da sociedade. Não podem ser fruídos por nenhum cidadãode modo particular, senão por todos de forma indistinta. Sendo de interesseeminentemente público, prevalecem sobre os interesses de natureza privada,quando mais não fosse porque a preservação ambiental é fator essencial para,em última instância, assegurar a existência da vida em sociedade. Lembre-se, apropósito, que o art. 225 da Constituição Federal erige o meio ambiente àcategoria de bem de uso comum do povo. Quem comete delito ambiental,portanto, ofende primeiramente os interesses da coletividade.

O delito analisado, no entanto, pode atingir também interesses das pessoasjurídicas de direito público interno. Lembre-se que são bens da União Federal,por exemplo, “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seudomínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outrospaíses, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem comoos terrenos marginais e as praias fluviais” (art. 20, III, da CF). Essa constataçãotem importância para a análise de eventual problema de competência.

Por fim, quanto a este tópico, convém lembrar que, sendo pluriofensivo, odelito previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89 tutela também a saúde pública. Ouso indiscriminado de agrotóxicos, seus componentes e afins, a par dosprejuízos ambientais, tem causado sérios danos à saúde das pessoas, conformejá assinalado no curso do presente trabalho.

Elemento subjetivo

O delito admitia tanto a forma dolosa quanto a culposa. Como antes se disse,ainda que não concordando com a solução legal, parece que, a partir doadvento da Lei nº 9.974/00, desaparece a forma culposa.

Vale dizer, comete o crime apenas o agente cuja vontade esteja dirigida àprática da conduta tipificada. O assunto é elementar, dispensando, dessemodo, maiores comentários, senão para dizer que o dolo no caso é genérico(de dano ou de perigo), não exigindo um objetivo específico, particularizado.

Poder-se-ia indagar sobre a possibilidade de reconhecer a figura do doloeventual ou indireto na conduta do agente que, praticando qualquer das açõesrecriminadas, assume o risco de obter o resultado, como ocorre nas condutasdo delito em comento. Ocorre que o delito é formal, portanto não exigequalquer resultado naturalístico, aperfeiçoando-se com a mera ação ouomissão do agente. Ademais, não se pode confundir a culpa consciente e odolo eventual. Neste, o elemento subjetivo – volitivo – é indispensável, e deve

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ser buscado na motivação da conduta, que é a de praticar o delito, ainda quecom resultado diverso. Naquela, não existe a intenção de praticar crime algum,nenhum motivo revela esta vontade, mas apenas o agir culposo.

Consumação

O crime se consuma quando o agente produz, comercializa, transporta, aplicaou presta serviço na aplicação ou dá destinação a resíduos e embalagens vaziasde agrotóxicos, seus componentes e afins, descumprindo as exigênciasestabelecidas na legislação pertinente.

O primeiro ponto a salientar é que o vocábulo descumprir compreende tanto aconduta de quem não esteja autorizado a manipular agrotóxicos, quanto a dequem, embora com autorização regular emitida pelos órgãos públicos, venha autilizar o produto em desconformidade com as instruções estabelecidas nasleis e nos seus respectivos regulamentos. Comete o delito, portanto, oprodutor que introduz no mercado produto não avalizado previamente pelaAdministração Pública, quem, nas mesmas circunstâncias, o comercializa e ousuário que aplica a substância agrotóxica ou afim sem observar as prescriçõesdo profissional habilitado – engenheiro agrônomo ou técnico agrícola. Domesmo modo se dá com o prestador de serviço, que deve não apenas respeitaras prescrições legais e regulamentares, mas também observar as exigênciastécnicas feitas para a utilização de agrotóxicos seus componentes e afins.

O cumprimento das exigências técnicas, aliás, é obrigatório para qualquer dascondutas definidas no tipo, especialmente, diríamos, por parte de quemtransporta e presta serviço. Não obedecer às instruções dos profissionaishabilitados será o mesmo que descumprir as exigências estabelecidas nas leis enos regulamentos.

Sabe-se que o transporte e o uso de agrotóxicos devem ser feitos com omáximo de cuidado. Manipular os produtos e preparar as misturas ao ar livre eem ambiente ventilado, evitar a presença de pessoas desprevenidas nos locaisde manipulação, evitar a contaminação do ambiente e dos locais por ondetransitam os veículos que transportam agrotóxicos são, por exemplo, medidasque devem ser observadas, de modo especial pelo prestador do serviço (queaplica diretamente o agrotóxico) e pelo transportador.

A consumação, é preciso afirmar, dá-se com o simples descumprimento dasexigências legais e regulamentares. Trata-se de delito formal, que não exigequalquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão doagente. Não sendo relevante o resultado material, há ofensa (de dano ou deperigo) presumida pela lei diante da prática da conduta. É, dessarte, crime de

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perigo abstrato ou presumido. A própria lei presume (juris et jure) que aconduta do agente é perigosa.

O delito guarda, pois, consonância com a política de prevenção do danoambiental. Em matéria de meio ambiente, o mais importante é prevenir odano.

O tipo contém norma penal em branco, que se expressa pela necessidade decumprimento das exigências estabelecidas nas leis e nos seus regulamentos.

A primeira exigência a ser observada vem prevista na própria Lei nº 7.802/89 etrata da necessidade de aprovação prévia do produto agrotóxico em trêsórgãos distintos da Administração, vinculados aos Ministérios da Saúde, daAgricultura e do Meio Ambiente. Quem produz agrotóxico sem estarpreviamente autorizado a fazê-lo, portanto, comete o crime.

Crime de ação múltipla

Crimes de ação múltipla são aqueles cujo tipo contém várias modalidades decondutas, em vários verbos, quaisquer deles caracterizando a prática de crime.

Produzir é originar, criar, fazer surgir a substância agrotóxica, seuscomponentes ou afins.

Comercializar é pôr em circuito comercial. Quanto a este aspecto, mostra-seirrelevante, a nosso ver, que o comércio da substância agrotóxica seja feito porcomerciante regularmente constituído ou não. Também o chamadocomerciante irregular – e mesmo o de fato - pode ser sujeito ativo do delito.Aqui, pode-se destacar a conduta de quem vende ou expõe à vendaagrotóxicos, seus componentes e afins, sem que na embalagem constem osrótulos próprios e bulas, redigidos em português e contendo os dadosprevistos no art. 7º da Lei nº 7.802/89.

Transportar é conduzir ou levar de um lugar para o outro. A essa condutaaplica-se o mesmo entendimento. Pouco importa que o transportador sejapessoa regularmente constituída. O que interessa, para a verificação daadequação da conduta típica, é o fato de a substância estar sendo transportadasem observância da legislação de regência.

Aplicar é utilizar, de qualquer forma (manualmente, com auxílio de máquinasou por via aérea), o produto agrotóxico, seus componentes e afins.

Prestar serviços diz respeito às atividades das pessoas físicas e jurídicas que

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executam o trabalho de prevenção, destruição e controle de seres vivos,considerados nocivos, aplicando agrotóxicos, seus componentes e afins.

Dar destinação ilegal a resíduos e embalagens vazias é descumprir, dentreoutras, especialmente as novas disposições acrescentadas pela Lei nº9.974/2000, que disciplinam o fracionamento e a reembalagem de agrotóxicos,seus componentes e afins, e que impõem aos usuários o dever de efetuar adevolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentoscomerciais em que foram adquiridos, no prazo de até um ano, contado da datada compra.

Analisamos doravante o Crime do art. 16 da Lei nº 7.802/89

Tipo penal

“Art. 16. O empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço, que deixar depromover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente, estará sujeito àpena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, além de multa de 100 (cem) a 1.000 (mil) MVR.Em caso de culpa, será punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, além de multade 50 (cinqüenta) a 500 (quinhentos) MVR”.

Este delito, porque não disciplinada a matéria na Lei dos Crimes Ambientais eporque aplicável o princípio da especialidade, também, sem margem dedúvida, permanece em vigor.

Sujeito ativo

Cuida-se de crime próprio, ou seja, aquele que exige ser o agente portador deuma capacidade ou qualificação especial. No caso, o agente deve ser oempregador, o profissional responsável ou o prestador de serviço.

Empregador, de acordo com o art. 2º da CLT, é “a empresa, individual oucoletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria edirige a prestação de serviço”. Será irrelevante a regularidade ou não darelação empregatícia.

O profissional responsável, a que se refere o artigo, deve ser, necessariamente,o engenheiro agrônomo ou o técnico agrícola, nas hipóteses em queautorizada a sua atuação.32

Prestador de serviço é toda a pessoa física ou jurídica que executa o trabalhode prevenção, destruição e controle de seres vivos, considerados nocivos,aplicando agrotóxicos, seus componentes e afins.

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Consumação

As pessoas enumeradas no tipo em exame cometem o delito quando deixaremde promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente.Cuida-se de crime omissivo próprio, isto é, vem objetivamente descrito comuma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo aomissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquerresultado naturalístico. Em outras palavras, caracteriza-se pela inércia dosujeito ativo ao omitir um fato, que consubstancia um dever jurídico,descumprindo o que a lei penal ordena.

Basta, portanto, para a consumação do delito, que o agente deixe de promoveras medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente. Cuida-se denorma penal em branco, devendo o intérprete integrá-la com os preceitos deoutros atos normativos que estabeleçam as medidas necessárias á proteção dasaúde e ao meio ambiente. Vale frisar que não se exige a definição na lei emsentido estrito, podendo ocorrer, como efetivamente ocorre, em decretos,portarias, resoluções etc.

Sujeito passivo

O tipo penal tutela não só os interesses da coletividade (no caso do delitoambiental) e a saúde das pessoas de um modo geral, mas também a saúde doempregado, que realiza, em regime de subordinação, diretamente as tarefasde venda, transporte e aplicação dos agrotóxicos. Comete o crime, pois, oempregador que não fornecer os instrumentos de proteção adequados para osseus empregados. A recusa dos empregados em usar os equipamentosindispensáveis à proteção não exime de responsabilidade o empregador.Lembre-se que o aplicador deve evitar o contato direto e prolongado doproduto com a pele e usar vestuário próprio (botas, macacão, aventais deborracha ou de plástico, luvas, máscara com filtro etc). 33

Elemento subjetivo

O delito admite tanto a forma dolosa quanto a culposa. Vale dizer, comete ocrime não apenas o agente cuja vontade esteja dirigida à prática da condutatipificada, mas também aquele que, por negligência, imperícia ou imprudência,venha a realizar alguns dos núcleos elencados no tipo. O assunto é elementar,dispensando, desse modo, maiores comentários.

11. Considerações finais

1. A agricultura e a preservação ambiental devem – e o princípio do

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desenvolvimento sustentável assim impõe – caminhar lado a lado, sendo que aprodução agrícola precisa preocupar-se muito mais com o acesso e adistribuição de alimentos do que com a estocagem.

2. Não obstante tenham os produtos químicos utilizados na lavouradesempenhado um papel de transcendental importância no desenvolvimentoeconômico do Brasil e do mundo, o custo ambiental deste desenvolvimento éextremamente negativo. Mesmo quando bem usados, de acordo com ospadrões legais recomendados, os agrotóxicos produzem efeitos secundários.Seu uso continuado em grande escala ocasiona danos às vezes irreversíveis àsaúde humana e ao meio ambiente. 34

3. O uso excessivo e indiscriminado de agrotóxicos, principalmente em paísesem desenvolvimento, deve-se: a) à ausência de uma política pública séria deregistro, controle e fiscalização da comercialização e do uso; b) aodescumprimento da legislação; c) à venda livre de produtos com elevadatoxidade e/ou contaminantes ambientais; d) à grande pressão comercial porparte das empresas produtoras e distribuidoras; e) à ausência de uma políticade gestão ambiental e de qualidade de vida; f) à falta de consciência quanto ànecessidade de preservar os finitos recursos naturais.

4. Partindo-se do pressuposto de que o uso de venenos químicos na lavouraainda é um mal necessário, sem embargo do incentivo a formas alternativas decontrole de pragas, como o controle biológico, dever-se-ia pensar na criação deum fundo destinado à reparação das áreas degradadas (a exemplo dosuperfund dos EUA), onerando-se sobremaneira a indústria química(multinacional).

5. O prévio relatório de impacto ambiental, tal como exige o art. 225, parágrafo1°, inciso IV, da CF, em razão da significativa degradação ambiental quecausam os agrotóxicos, seus componentes e afins, é indispensável, não serevelando suficiente o processo de registro.

6. A responsabilidade civil em matéria ambiental é objetiva e baseada no riscointegral, solidária e imprescrítivel.

7. Os arts. 15 e 16 da Lei dos Agrotóxicos não foram revogados pelo art. 56 daLei dos Crimes Ambientais.

8. A descriminalização da conduta culposa operada pela nova redação que a Leinº 9.974/2000 emprestou ao artigo 15 da Lei nº 7.802/89, de duvidosaconstitucionalidade, por violação ao princípio da razoabilidade, representa umretrocesso à efetividade da tutela penal do meio ambiente.

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9. Necessita-se de iniciativa do legislador para atualizar os delitos previstos naLei nº 7.802/89 à nova realidade do contexto ambiental, especialmente no quediz respeito à Lei nº 9.605/98, que veio sistematizar a matéria, facilitando aatuação do intérprete. Lembre-se que não se pode aplicar aos tipos penais daLei dos Agrotóxicos as medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95,incompatíveis com as penas a eles cominadas.

 

* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4a Região

1 Malthus advertiu para o provável esgotamento dos recursos naturais ao dimensionar ocrescimento demográfico da humanidade, vaticinando que os meios de subsistênciacresceriam em progressão aritmética, enquanto o aumento populacional se daria emprogressão geométrica. Isto geraria desgraças, guerra, fome etc.

2 O nosso modelo agrícola é perverso, pois não resolve o problema da fome, que é grave emvárias regiões do país. Exportam-se toneladas de grãos que são usados para o fabrico de raçãoanimal em outros países. Enquanto isso, nosso povo passa fome!

3 A propósito, não é verdadeira a afirmação de que as plantas transgênicas reduzem o uso deagrotóxicos. O que ocorre é a redução do número de agrotóxicos empregados em cada cultura,não da sua quantidade. Usa-se apenas um agrotóxico, mais forte, ao qual a planta transgênicatem resistência. Assim, pode-se dizer que a planta transgênica recebe uma superdosagem deum determinado agrotóxico, que mata todas as ervas daninhas, mas não a cultura desejada.Talvez por isso a abordagem sobre o tema culturas e alimentos transgênicos não contemple oponto fulcral. A meu ver, a nocividade é muito maior pelo risco de contaminação por resíduosde agrotóxicos do que propriamente pelos efeitos – ainda desconhecidos – da transgenia.

4 Deve-se lembrar que os agrotóxicos não são facilmente percebidos pela cor ou pelo cheiro, eassim acabam sendo ingeridos ou penetrando na pele e no sistema respiratório em grandesdoses. Há desinformação sobre seus efeitos no organismo, tal como lesões no sistema nervoso,fígado e rins, doenças do sangue e intoxicações. Torna-se difícil que as pessoas contaminadaspercebam a relação entre seus sintomas e as substâncias com as quais tiveram contato.

5 Programa Globo Repórter, Rede Globo de televisão.

6 No meio urbano, ao contrário do que ocorre no meio rural, onde a intensidade do uso deagrotóxicos tende a diminuir nos últimos anos, nota-se o incremento do uso de produtostóxicos extremamente nocivos e perigosos, rotulados de “herbicida urbano”, “capina química”,“desfolhante agroindustrial” etc.

7 É criticável o uso da expressão “defensivo” agrícola para nominar um produto químicovenenoso usado na agroindústria, tanto que já foi usado como arma de guerra. De outra parte,não há confundir agrotóxico e fertilizante, ainda que este último possa ser também nocivo aomeio ambiente.

- Antenor Ferrari, um pioneiro na luta em defesa do meio ambiente e grande responsável pela

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elaboração da primeira lei estadual de agrotóxicos, em 1982, no Rio Grande do Sul, lei esta queserviu de base para as demais, escreveu um livro chamado Agrotóxicos – A Praga daDominação. Porto Alegre: Ed. Mercado Aberto, de leitura obrigatória para quem se interessepelo assunto.

- Outro grande defensor da abolição do uso de agrotóxicos é o gaúcho Sebastião Pinheiro. Vale,a propósito, ler, além de seus inúmeros outros trabalhos, a Cartilha dos Agrotóxicos (FundaçãoJuquira Candiru, 1998), onde, de forma clara e acessível, estão estampados os principaisproblemas decorrentes do uso do que chama de “veneno”.

8 O STJ já decidiu nesta linha: “AGROTÓXICOS. FISCALIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO CONCORRENTE.Cabe também aos Estados legislar sobre o uso, produção, consumo e comércio de agrotóxico,cuja competência legislativa não é excluída pela da União. O termo de permissão é atounilateral, discricionário e precário, podendo ser revogado. Recurso improvido”. (1a Turma,ROMS 5043/94-ES, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 06.03.95, p. 4.316)

9 Neste talvegue a decisão do STJ, assim ementada: “MEIO AMBIENTE. CADASTRAMENTO.COMPETÊNCIA SUPLETIVA. PODER DE POLÍCIA. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE E DA VIDA. Aobrigatoriedade de registro no Ministério da Agricultura dos agrotóxicos para a sua distribuiçãoe comercialização não veda o registro nos departamentos das secretarias estaduais e meioambiente. A competência da União não exclui a dos Estados, que utilizam seu poder de políciae o princípio federativo em proteção à população. Os Estados têm o dever de preservar asaúde e a vida das pessoas. Recurso provido” (1a Turma, REsp. 19274/92-RS, Rel. Min. GarciaVieira, DJU 05.04.93, p. 5810). No Estado do Paraná, por exemplo, a distribuição e acomercialização de produtos agrotóxicos e outros biocidas estão disciplinadas pela Lei nº7.827/83, que exige também o cadastro prévio nas Secretarias Estaduais de Agricultura eInterior. No Rio Grande do Sul, a Lei nº 7.742/82 condiciona a prévio cadastramento o produtoagrotóxico e outros biocidas no departamento de Meio Ambiente da Secretaria de Estado daSaúde e do Meio Ambiente.

10 O Município pode legislar, em matéria ambiental, em caráter supletivo, a fim de disporsobre assuntos de interesse local. A propósito, vale citar precedente do STJ, neste sentido:“CONSTITUCIONAL. MEIO AMBIENTE. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL SUPLETIVA. POSSIBILIDADE.Atribuindo, a Constituição Federal, a competência comum à União, aos Estados e aosMunicípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas,cabe aos Municípios legislar supletivamente sobre a proteção ambiental, na esfera do interesseestritamente local. A legislação municipal, contudo, deve se constringir a atender ascaracterísticas próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades,não contém com o disciplinamento consignado na lei federal ou estadual. A legislaçãosupletiva, como é cediço, não pode ineficacizar os efeitos da lei que pretende suplementar.Uma vez autorizada pela União a produção e deferido o registro do produto, perante oministério competente, é defeso aos Municípios vedar, nos respectivos territórios, o uso e oarmazenamento de substâncias agrotóxicas, extrapolando o poder de suplementar, emdesobediência à lei federal. A proibição de uso e armazenamento, por decreto e em todo omunicípio, constitui desafeição à lei federal e ao princípio da livre iniciativa, campo em que aslimitações administrativas hão de corresponder às justas exigências do interesse público que asmotiva, sem o aniquilamento das atividades reguladas. Recurso conhecido e improvido.Decisão indiscrepante” (1a Turma, REsp. 29299/92-RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU17.10.94, p. 27.861).

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11 Sobre o tema, vale citar precedente do TRF da 1a Região: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DESEGURANÇA. PEDIDO DE RENOVAÇÃO DE REGISTRO DE PRODUTO AGROTÓXICO. PRAZO. LEINº 7.802/89 E DECRETO Nº 98.816/90. 1. Estabelecendo o art. 11 do Decreto nº 98.816/90 –Regulamento da Lei nº 7.802/89 - que o prazo para tramitação do pedido de renovação deregistro de produto agrotóxico é de 180 (cento e oitenta) dias, evidencia-se a omissãoadministrativa, em prejuízo do direito subjetivo da impetrante, se não analisado dentro doperíodo legal o referido pleito. 2. Hipótese em que se caracteriza a incuria administrativa, queconstitui inequívoca ilegalidade por omissão. 3. (...). 4. Apelação provida. 5. Segurançaconcedida” (1a Turma, AMS nº 01.36360/93-DF, Rel. Juiz Amilcar Machado, DJU 02.09.96).

12 Segundo dispõe a alínea f do § 6° do art. 3° da Lei 7.802/89, é proibido o registro deagrotóxicos, seus componentes e afins cujas características possam causar dano ao meioambiente.

13 Segundo pesquisa do IBGE, os agrotóxicos movimentaram, no país, um volume de 2,3bilhões de dólares em 1999.

14 Na prática, quando um produto é cancelado nos EUA e na Europa, as multinacionais daindústria química se obrigam a intensificar as campanhas de seu uso nos paísessubdesenvolvidos ou em desenvolvimento, a fim de não reduzirem seus faturamentos ejustificarem o investimento para a produção do “veneno”.

- Se apenas se admite a poluição que é socialmente tolerada – aquela que não é abominadapela norma científica e que não se encontra tipificada na norma jurídica (portanto, que nãoconfigura dano ambiental, nem crime ambiental); se o dano ambiental é exatamente o estágiode poluição que extrapola o limite da tolerância social, qualquer produto tóxico que emcontato com o meio ambiente lhe impusesse o chamado “dano ambiental” deveria ter seuregistro indeferido, ou cancelado se já deferido.

15 Agrotóxicos no Sistema Legal Brasileiro, Revista de Direito Ambiental n° 08, RT, p. 161.

16 A Lei nº 9.873/99 estabelece também uma espécie de prescrição intercorrente, conforme sepode depreender da leitura do § 1º do seu art. 1º: “§ 1º. Incide a prescrição no procedimentoadministrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujosautos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízoda apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.

17 O Código de Defesa do Consumidor confere legitimidade extraordinária ao MinistérioPúblico para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Estãolegitimados, segundo o artigo 82 da Lei nº 8.078/90, o Ministério Público Federal, a União, osEstados, os Municípios e o Distrito Federal, além das associações legalmente constituídas hápelo menos um ano e que incluam em seus fins institucionais a defesa dos interesses dosconsumidores e das entidades e órgãos da Administração direta e indireta. Na hipótese,portanto, de o dano afetar diretamente os interesses do consumidor, a reparação em juízopoderá ser buscada pelo Ministério Público, manejando a ação civil pública. Veja-se, apropósito, o seguinte precedente, que teve por relator o eminente Desemb. Fed. Teori AlbinoZavascki: “AÇÃO COLETIVA PARA TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DENATUREZA FISCAL. INCIDÊNCIA DE IOF SOBRE OS DEPÓSITOS JUDICIAIS. ILEGITIMIDADE ATIVADO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1) A ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneosprevista na lei 8.078/90 (art. 91) diz respeito à tutela de direitos dos consumidores. 2. A

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Constituição, todavia, legitima o Ministério Público a defender ‘interesses sociais’ (art. 127),que não se confundem com os interesses de entidades públicas e nem com os interesses depessoas ou grupos isolados. 3. Podem ser qualificados como interesse social a tutela de direitossubjetivos privados quando eles, visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal,têm a força de transcender a esfera de interesses puramente individuais e passam arepresentar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses dacomunidade como um todo” (TRF4, AC nº 437558, 19.06.97).

18 José Afonso da Silva assim aborda o tema: “Não exonera, pois, o poluidor ou degradador aprova de que sua atividade é normal e lícita, de acordo com as técnicas mais modernas.Lembra Helli Alves de Oliveira a doutrina da normalidade da causa e anormalidade doresultado, que fundamenta a reparação, no caso da responsabilidade objetiva. Não libera oresponsável nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o devidoprocesso legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva dedireitos de terceiros, nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, poisisso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, estáou não causando dano” (Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p.216).

19 Em princípio poder-se-ia pensar que a prova da existência do nexo é ônus daquele quepropõe a demanda (o Ministério Público e as demais pessoas legitimadas, ou mesmo aspróprias vítimas). É essa a conclusão a que nos leva o art. 333, I, do CPC. No entanto, a doutrinavem firmando entendimento de que, diante dos dispositivos da Lei nº 8.078/90, que instituiu oCódigo de Defesa do Consumidor, a matéria relacionada com o ônus da prova na Ação CivilPública recebeu outra orientação, cabendo àquele a quem se imputa a prática da ação danosaa tarefa de comprovar a inexistência do liame. A tal entendimento se chegou a partir da análisedo art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, que dispõe serem aplicáveis àquela ação os dispositivosdo Título III do CDC. É certo que entre os dispositivos de natureza processual inscritos noCódigo de Defesa do Consumidor e aplicáveis à Ação Civil Pública não se encontraexpressamente o ônus da prova. Uma análise sistemática e teleológica daqueles dispositivos, àluz do princípio da responsabilidade objetiva aplicável à matéria, porém, vem estendendo oseu alcance, de modo a possibilitar a adoção da inversão do ônus da prova também naquelashipóteses em que não estejam em defesa os direitos do consumidor.

20 Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2.000, p. 272/3.

21 Idem.

22 Ação Civil Pública: em Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e dos Consumidores.2.ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 191.

23 Responsabilidade Civil por Dano Ecológico e a Ação Civil Pública, Revista de Processo nº 38,São Paulo: RT, p. 138.

24 O STJ tem entendimento que reconhece a ocorrência de prescrição em matéria de danoambiental privado, com marco inicial de contagem do prazo respectivo a partir da última açãolesiva ao meio ambiente (REsp. 20.645).

25 “Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental”. (Revista de Direito Ambiental, julho-setembro de 1996, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 146).

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26 Crime do art. 56 da Lei nº 9.605/98:

“Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar,armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nocivaà saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leiou nos seus regulamentos.

Pena – reclusão, de 1 a 4 anos, e multa”.

27 Duas eram as correntes doutrinárias sobre a questão:

1a Corrente

Sustentava que todas as condutas contidas no tipo do art. 15 da Lei dos Agrotóxicos foramcontempladas pelo tipo previsto no art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais, portanto estaria oart. 15 revogado por este último. Aplicar-se-ia, destarte, a regra do art. 2o, par. 1o, da LICC,dispondo que a lei posterior revoga a anterior quando regule inteiramente a matéria por estatratada. Esta posição é defendida por Paulo Affonso Leme Machado, Paulo de Bessa Antunes eÉdis Milaré.

2ª Corrente

Defende que o delito previsto no art. 15 da Lei dos Agrotóxicos, lei especial, não estariarevogado pela Lei dos Crimes Ambientais (lei geral). Filiei-me a esta corrente.

Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (Crimes Contra a Natureza, São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, p. 188) sustentam que, “muito embora a redação desse tipopenal se assemelhe à do art. 15 da Lei nº 7.802/89, nele não há qualquer menção expressa aagrotóxicos, seus componentes e afins. Ora, a conclusão a que se chega é de que o art. 15 daLei nº 7.802/89 foi preservado. E tanto é verdade que a Lei nº 9.605/98 não faz qualquermenção, explícita ou implícita, ao outro crime da Lei nº 7.802/89, ou seja, à conduta previstano art. 16 para aquele que deixar de promover medidas necessárias à proteção da saúde ou domeio ambiente. Não será demais lembrar que a Lei 7.802/89 é especial, pois cuida apenas deagrotóxicos, e, por isso, não pode ser considerada revogada pelo art. 56 da Lei nº 9.605/98,regra geral. A propósito, Assis Toledo lembra que ‘considera-se especial (lex speciallis) a normaque contém todos os elementos da geral (lex generallis) e mais o elemento especializador. Há,pois, na norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da normageral.’”

Enquanto na Lei nº 9.605/98 a sanção penal é dirigida contra quem pratica conduta lesiva aomeio ambiente manipulando substância tóxica, no tipo descrito no art. 15 da Lei nº 7.802/89 apunição se volta contra o manuseio de agrotóxicos. Seria desnecessário dizer que o primeirovocábulo tem um significado mais amplo do que o segundo.

Se observado o núcleo primário do delito previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89, vamos concluirtambém que a conduta aplicar ou prestar serviço não foi reprisada no art. 56 da Lei 9.605/98,sendo certo que não tem o mesmo significado semântico de usar.

28 Fazia-se necessária a disciplina penal específica relacionada com a destinação dada a

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resíduos e embalagens. O abuso e o descaso de usuários são verdadeiramente absurdos.Recentemente, a Prefeitura de Içara, município do sul do Estado de Santa Catarina que seorgulha de ser grande produtor de mel, promoveu um mutirão para “recuperar” embalagensde produtos tóxicos usados nas lavouras (fumo e arroz). Foram recolhidos 14 mil recipientes(Jornal da Manhã de 18 de maio de 2001, p. 3). A iniciativa é interessante, mas, com atipificação da conduta, incumbe a cada usuário a devolução das embalagens vazias aoestabelecimento vendedor, sob pena de cometimento do delito previsto no art. 15 da Lei n°7.802/89.

29 A técnica do CP (art. 18), que admite a forma dolosa como regra e a culposa como exceção,permite afirmar o fim do delito culposo antes previsto no art. 15, carecendo, portanto, deprevisão expressa em lei.

30 Houve redefinição de crime de menor potencial lesivo pela Lei 10.259, 12.07.2001, que criouos juizados especiais criminais no âmbito da Justiça Federal, considerando de menor potenciallesivo os delitos a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos. Sendo a definiçãoconstante da lei mais recente, de direito penal material e mais benéfica ao réu, certamente háde se sobrepor à definição do art. 61 da Lei nº 9.099/95, por aquela derrogado, sob pena decaracterizarem-se situações verdadeiramente absurdas, violando os princípios da isonomia, darazoabilidade e da proporcionalidade. O prof. Damásio de Jesus já se manifestou neste sentidoem artigo nominado Ampliado o rol dos crimes de menor potencial lesivo, sitewww.damasio.com.br.

31 Não se pode esquecer ainda que a Constituição Federal autoriza a responsabilização penalda pessoa jurídica no caso de abuso de poder econômico, eliminação da concorrência eaumento arbitrário dos lucros (§§ 4º e 5º do art. 173 da CF) e na hipótese de condutas eatividades lesivas ao meio ambiente (§ 3º do art. 225 da CF). O legislador infraconstitucionalcuidou apenas da regulamentação da matéria constante do art. 225 da Carta Política, de modoque não se revela possível ainda, em nosso ordenamento, responsabilizar a pessoa jurídica porcrimes contra a ordem econômica. Há quem discuta sobre a possibilidade de a pessoa jurídicaresponder criminalmente por seus atos, mesmo diante da clareza do texto constitucional.Corrente liderada por Vicente Cernicchiaro advoga a tese de que o texto da ConstituiçãoFederal de 1988 não a agasalhou. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Ney de Barros BelloFilho e Flávio Dino de Castro e Costa apresentam estudo aprofundado sobre o tema daresponsabilidade penal da pessoa jurídica, concluindo, com argumentos sólidos, que o institutoencontra-se acolhido pelo nosso ordenamento jurídico. Eis o argumento de VicenteCernicchiaro: “O princípio da individualização da pena não é de incidência restrita às pessoasjurídicas. Estas não têm pessoalidade, no sentido de modo de agir, como característica própria.Projetam, isto sim, a personalidade de seus administradores. O princípio da responsabilidadepessoal e da culpabilidade são restritos à pessoa física. Somente ela pratica conduta, ou seja,comportamento orientado pela vontade, portanto, inseparável do elemento subjetivo. Oprincípio da culpabilidade, e no particular a divergência da postura italiana e alemã éirrelevante, tem o Homem como pressuposto. Apenas ele age com dolo ou culpa”. Os autorescontrapõem os seguintes argumentos à tese que advoga o não acolhimento daresponsabilidade penal da pessoa jurídica: “A culpabilidade não é um fenômeno individual,mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poderimputá-la a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. É, pois, a sociedade, oumelhor, seu Estado representante, produto da correlação de forças sociais existentes em umdeterminado momento histórico, quem define os limites do culpável e do inculpável, daliberdade e da não liberdade.” Afirmam ainda que “a doutrina clássica incorre em erro quando

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considera a pessoa jurídica passível de culpa nas searas cível e administrativa e não na searacriminal. O pressuposto naturalístico da culpa – se ela não é, como querem, conceitonormativo – é a consciência da vontade. Não há diferença ontológica entre a vontade quecausa a responsabilidade administrativa e a vontade que traz, como conseqüência, aresponsabilidade cível e criminal. Se o ato é o mesmo, a culpa necessariamente é a mesma. Oque vai diferenciar é a natureza da conseqüência. Seria uma burla ao próprio raciocínio clássicoo entendimento de que as responsabilidades civil e administrativa são permitidas, e a criminalnão” (Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. Brasília: Brasília Jurídica. 2.000. p. 50/4).

32 Sobre a matéria, aliás, convém dizer que é hoje pacífica a posição jurisprudencial sobre aimpossibilidade de emissão de receituário agronômico por técnicos agrícolas. Considera-se queo regulamento, ao conferir tão importante tarefa aos profissionais de nível médio, extrapolousuas funções meramente regulamentares, dispondo mais do que a lei previa. A propósito,transcrevemos os seguintes precedentes jurisprudenciais:

- “ADMINISTRATIVO. TÉCNICOS AGRÍCOLAS. RECEITUÁRIO AGRONÔMICO. 1. A legislaçãoexistente sobre as atividades a serem exercidas pelos técnicos agrícolas não autoriza que elespossam emitir receituário agronômico. 2. A Lei n° 5.524/68 e o Decreto n° 90.922/85 (normaregulamentadora da referida lei) são exaustivos na fixação dos limites das atribuiçõesprofissionais dos técnicos agrícolas. 3. A expressão “dar assistência na compra e venda”, postano art. 2°, IV, da Lei n° 5.524, de 05.11.68, há de ser interpretada com sentido que lhe épróprio, isto é, de uma posição consubstanciada no ato de intervenção para o fim de assistir,ajudar, socorrer, orientar a alguém quando da prática de determinado ato. Não há como secompreender, em tal composição de vocábulos, autorização para se emitir receituário, por serfunção caracterizada por ação própria, individual e responsabilidade exclusiva e definida emlei. 4. O regulamento não agasalha interpretação que se ponha acima da mensagem da lei. 5.Recurso improvido” (STJ, 1a Turma, REsp. 279168/SC, Rel. Min. Humberto de Barros Monteiro,DJU 09.04.2001, p. 335).

- “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ANOTAÇÃO NOS REGISTROS PROFISSIONAIS.PRESCRIÇÃO DE RECEITUÁRIO AGRONÔMICO. RECEITAS DE AGROTÓXICOS. IMPOSSIBILIDADE.1. Modificada a sentença que concedeu a ordem determinando as anotações profissionais,permitindo que os impetrantes fossem habilitados a prescrição de agrotóxicos, pois a Lei7.802/89 e o Dec. 98.816/90 estabelecem condições para o exercício dessa atividade,permitindo inclusive a análise dos currículos dos interessados. Ademais, seria um atentado asaúde pública e a ecologia permitir que técnico receite, por exemplo, herbicidas, sem quetenha conhecimentos na área da toxicologia e da entomologia” (TRF4, AMS nº 0433370-2,Relatora Desemb. Fed. Marga Barth Tessler, 04.04.99).

33 Segundo pesquisa do IBGE, em 382.998 estabelecimentos rurais do Paraná (safra1998/1999), cerca de 23% deles não utilizam nenhum dos equipamentos de proteçãoindividual e apenas 5,65% utilizam todos os equipamentos.

34 Existem pesquisas e experiências com novos produtos e técnicas, baseadas embiotecnologia, que podem reduzir sensivelmente o uso de agrotóxicos. A LBE – Biotecnologiado Brasil, de São Paulo/SP, tem oferecido estudos e testes com uma técnica que emprega umproduto à base de aminoácidos. Este preparado tem, comprovadamente, a virtude de reduzir oimpacto de várias pragas da lavoura, como, por exemplo, a temível mosca-branca, comdiminuição importante dos resíduos químicos deixados nos alimentos, além de aumentarsensivelmente a produtividade. O produto encontra-se à disposição no mercado por um preço

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bastante acessível, podendo proporcionar redução do custo de produção. A indústria químicaestá preocupada (Revista A granja, n° 619, Ed. Centaurus, julho 2000, p. 22).

- A roçada manual, dependendo do tipo de cultura e da extensão da área plantada, é sempremais indicada, porque não agride o meio ambiente e a saúde das pessoas, devendo ter suaprática incrementada.

REVISTA 42 > DISCURSOS > DISCURSO DE CARLOS EDUARDOTHOMPSON FLORES LENZ

Discurso*

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz**

Exmo. Sr. Presidente, Exmos. Senhores Juízes do Tribunal, Dignas autoridadescivis e militares aqui presentes ou representadas, Senhoras e Senhores:

Coube-me a honra excelsa de ora falar em nome de meus Colegas nestamarcante solenidade. Faço-o comovido pela distinção que me conferiram eatemorizado pela responsabilidade do encargo. Inicialmente, pensei que talvezdevesse nesta conjuntura dizer somente uma palavra de despedida aoMinistério Público Federal, donde venho, ou, então, como na conhecida lendade Selma Lagerlöf, que tomando a palavra eu relembraria todos aqueles aosquais estive ligado por um dever de gratidão ou amizade, mencionando nestemomento culminante de minha vida principalmente meus familiares.

Todavia, o mandato recebido impõe que a minha voz deixe de traduzirsomente sentimentos meus para expressar, também, os de meus Colegas, quea minha palavra não mais continue a ser unicamente minha para se tornar apalavra deste Tribunal.

Falo em nome de Magistrados oriundos de três grandes classes que, em suaatividade, concorrem de formas diferentes para a distribuição dessa Justiçaque, senhores, digamo-lo bem alto, não deve ser um vocábulo perdido nosdicionários e sem significação alguma na vida dos povos; dessa justiça que é,sem dúvida, o supremo anseio do homem, fator essencial à plena harmoniasocial; dessa justiça a que se referia Philippe Dupin, em preciosa oração,dizendo que “est le premier besoin des peuples et le plus puissant lien dessociétés humaines”, anotando, ainda, que “l’homme lui doit la liberté de sapersone, la sauve-garde de sa fortune, et cette sécurité qui est le premier desbiens, puisque son absence empoisonnerait tous les autres”.

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São três grandes correntes que se reúnem hoje para a formação desteTribunal: a Magistratura, o Ministério Público e a nobre classe dos Advogados.

O valor dessa corporação judiciária por onde passaram, dignificando-a econtribuindo poderosamente para seu prestígio e renome, grandes vultos danossa magistratura, que honram presentemente a esta Corte, não se aferepelos poucos anos de sua existência, e sim pelo elevado conceito de quedesfruta não só no cenário judiciário local, mas projetando-se, também, nocenário judiciário nacional.

Os Tribunais, como os homens, também podem ter o seu fastídio, seucrescimento, seu progresso ou sua decadência. Valem as Cortes o que valem oshomens que as compõem, no seu espírito de sacrifício, no seu amor aotrabalho, na sua austeridade, na sua inquebrantável firmeza de caráter e,sobretudo, na sua dedicação à Justiça.

Justiça, como a qualificou o saudoso Ministro Thompson Flores, ao assumir aPresidência do Supremo Tribunal Federal,

“que brote de Juízes independentes, sem falsos ou mal compreendidos exageros. Justiçaaustera, impoluta, incorruptível, como se faz mister o seja, e para cujos imperativosprosseguiremos indormitos e intransigentes. Justiça humana, como merece distribuída àscriaturas, feitas à imagem de Deus. Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e das exigênciasdo bem comum, sem cujo conteúdo não teria nenhum sentido. Justiça que se aproxime, semexcessos ou enganosas formas, do próprio Povo, para o qual é ditada e do qual deve estarsempre ao alcance: simples, real, despida de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que acompreenda melhor, sinta-a com mais fervor, e possa, assim, nela crer, para amá-la, prestigiá-la e defendê-la, se preciso for, convencido que ela é o seu baluarte democrático e a sua maissólida garantia. E, sobretudo, Justiça pontual, como a queria Rui, porque tarda não mereceria onobre título. E como dizia, reclamando, ‘para que paire mais alto que a coroa dos reis e seja tãopura como a coroa dos santos’. Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da confiança daNação, ao lado dos demais Poderes da República”.

A instalação de duas novas Turmas deste provecto Tribunal é recebida comregozijo nesta fase conturbada da vida do País, quando as contendas semultiplicam e os apelos incessantes às soluções judiciais se tornaminumeráveis. Cresce, desmesuradamente, o serviço forense, como reflexo dodesentendimento reinante nas relações recíprocas dos indivíduos, produto deleis menos justas ou de ambições ilegítimas. Paradoxalmente, com ocrescimento do serviço forense assiste-se ao desfalque do aparelhamentojudiciário, de si insuficiente para o seu atendimento adequado, e, além disso,sem conseguir recrutar, em número suficiente e a tempo oportuno, oselementos aptos para o preenchimento de seus claros.

Os julgamentos, disse-o o saudoso Ministro Rodrigues Alckmin, em ocasião

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semelhante, hão de ser fruto de amadurecido e paciente exame dos processos.A imensa, a extraordinária mole de autos atribuída ao juiz, ou lhe sacrifica asaúde, impondo-lhe sobrecarga desumana, ou necessariamente reduz agarantia de segurança e acerto das decisões.

Realmente, por qualquer dos ângulos que se encarem os problemas da Justiça– o da Magistratura, o do Ministério Público, o da Advocacia – uma conclusão écomum a todos quantos integram o complexo processo de distribuição dajustiça, isto é, a necessidade do seu aparelhamento normativo e instrumental,a fim de que seja efetivamente pronta e expedita, sem rançosos empecilhosburocráticos, adaptando-a escorreitamente à celeridade febricitante da vidamoderna.

Embora atacada, criticada a Justiça, naturalmente pelas nossas fragilidades,que humanos somos, distantes da Justiça perfeita, que só a Deus cabe, impõe-se, todavia, reconhecer, como o fez Laboulaye, ao ressaltar a sua importância,“dès qu’il y a un pouvoir suffisant pour faire respecter la loi, il peut y avoir ungovernement absolu, il n’y a pas de despotisme”.

A boa distribuição da Justiça se funda, precipuamente, na sobrevivência doordenamento jurídico, na exata aplicação dos princípios de direito traduzidosno corpo das leis que, em cada Estado, regulam as relações dos indivíduosentre si e dos mesmos com a sociedade. A tarefa seria sobremodo simplificadafosse o Direito uma ciência estática. Mas, como escreveu magistralmenteBenjamin N. Cardozo, “a conciliação dos inconciliáveis, a solução de antíteses, asíntese de termos opostos, eis os grandes problemas do Direito...Algumasvezes nos dizem que a mudança deve ser obra da lei e que a função doprocesso judicial é simplesmente conservação. Historicamente isso não éverdade e se o fosse seria uma desgraça”.

O crescente dinamismo jurídico e a constante evolução do Direito operaramprofunda transformação na atividade judicial, de uma simples e rotineiraobediência às formas legais rígidas, em delicada e complexa ciência deadaptação da norma fixa à mobilidade dos fatos que demandam a suainvocação, revivendo a velha, mas sempre nova lição de Celso: “Scire leges nonest verba earum tenere, sed vim ac potestatem”.

A complexidade dos problemas que afloram nos pretórios está a exigir doMagistrado de hoje um preparo sempre crescente e renovado, nos maisvariados ramos do Direito, com incursões especializadas em setoresespecíficos.

A prestação da justiça, porém, não é uma mera oferta de um serviço público,

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não se exaurindo com a só eficiência no atendimento das partes. É algo demais complexo e profundo. À desejada presteza se alia a exigência da decisãojusta, daí o clamor que se levanta pelo mundo afora na busca de instrumentoslegais que a tornem presente e eficaz.

No final do século XIX, em palavras de significativa atualidade, exprimia-seSaint Girons:

“Tous ont voulus une Justice éclairée, impartiale, indépendante. Peu l’ont possédée, peut-êtreparce qu’il en est peu qui aient eu l’habilité et le courage de donner aux magistrats la grandepuissance dont ils ont besoin pour bien remplir leurs difficiles fonctions”.

Senhores. Não tive tempo de ser breve, como diria o Padre Vieira.

À alegria desse momento, que nenhum acontecimento obscurece, se alia anítida noção da pesada responsabilidade que a presente investidura acarreta.

Acreditamos que a verdadeira democracia ganha evolução principalmente pelaboa e eficiente administração da Justiça, daí a nossa constante luta peloaperfeiçoamento do Poder Judiciário, pois é através dele que as sociedadesdemocráticas podem assegurar as duas coisas insubstituíveis na vida, a que sereferia W. Somerset Maugham – a liberdade de pensamento e a liberdade deação.

Assumimos, assim, o compromisso de empenhar todos os nossos esforços paraque este Egrégio Tribunal continue a realizar aquela Justiça, que é a base detoda a paz social, e cuja conceituação foi magistralmente exposta por Bossuetem presença de Luiz XIV, ao afirmar, verbis:

“Deve ela ser presa a regras. Inegável em sua conduta, conhecendo o verdadeiro e o falso nosfatos que expõe. Deve ser ainda cega em sua aplicação. Sobretudo, deve ser branda algumasvezes, dando lugar à indulgência. Finalmente, a Justiça é insuportável nos seus rigores. Aconstância a fortalece nas regras; a prudência a esclarece nos fatos; a bondade lhe fazcompreender as misérias e as fraquezas. Assim, a primeira a sustenta; a segunda, a aplica; aterceira, a tempera. Todas as três virtudes a tornam perfeita e a completam por seu concurso”.

Para concluir, reitero os nossos agradecimentos profundos às altas autoridadesque vieram abrilhantar com suas presenças a esta solenidade.

E aos conspícuos juízes desta Egrégia Corte, o agradecimento mais sincero pelacativante acolhida, magnificamente traduzida nos generosos conceitos de seupreclaro Presidente.

REVISTA 42 > DISCURSOS > DISCURSO DE LUÍS ALBERTO

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D’AZEVEDO AURVALLE

Discurso de saudação do Ministério Público Federal

aos novos Juízes do

Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle*

Engalana-se, e não sem motivo, o Egrégio Tribunal Regional Federal da QuartaRegião para acolher em suas hostes não menos do que cinco novosmagistrados de escol: três, oriundos da própria magistratura federal: um, danobre classe dos advogados e um do Ministério Público Federal, órgão quetenho a subida honra de representar neste ato solene e que se solidariza a essesoldalício nos votos de boas vindas.

É bem verdade que nosso regozijo não é completo, pois esta solenidadetambém representa, para nós, Procuradores da República, a perda deinsubstituível Colega, o Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, não apenasno que tange à criação jurídica, fruto de sua ímpar erudição, como também naescorreita, firme e eficaz atuação administrativa, demonstrada no correr doscinco anos em que exerceu, com brilho invulgar, a gestão da ProcuradoriaRegional da República da Quarta Região, que abrange os Estados do RioGrande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Porém, se por um lado pranteamos tamanha lacuna em nossa grei, consola-nossaber que, concomitantemente, esta Egrégia Corte de Justiça será enriquecidapor Magistrado forjado na nobre vocação ministerial de defesa intransigentedo regime democrático, da ordem jurídica e dos direitos individuaisindisponíveis, nossa imodesta missão constitucional.

Aliás, sejamos honestos, o ingresso de Vossa Excelência na magistratura nãonos causa surpresa, pois que sinalizado, de longa data, pelas virtuosas origensfamiliares de nosso par, trineto, neto e filho de magistrados ilustres, cujosnomes já se incorporaram aos anais judiciários da Nação.

Relembro que, há sete dias, neste mesmo local, quando da posse dos novosdirigentes dessa augusta Corte, o orador, eminente Juiz Amir Sarti, profetizouque a ninguém é dado fugir ao seu destino, referindo-se, assim, à brilhantetrajetória de vida do Juiz Teori Albino Zavascki, cujos atributos pessoais decultura, serenidade e probidade acabaram fatalmente por conduzi-lo ao seio

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da magistratura. Ao ouvir aquelas palavras maquinalmente intuí que tambémserviam como luva bem conformada à pessoa do Dr. Carlos Eduardo, queigualmente não fugiu ao seu destino, como comprova a presente solenidade deposse.

É, assim, com um misto de alegria, pesar e compreensão que aclamamos apassagem de Vossa Excelência àquela que, o insuspeito Voltaire, nada dado aafagos e amabilidades, chamou de “mais bela função da humanidade, a dedistribuir justiça”.

O regozijo do Ministério Público não é menor ao saudar o acesso nesteTribunal de representante da nobre ordem dos advogados, Dr. Luiz FernandoWowk Penteado, temperado, como nós, Procuradores, na diuturna luta doDireito, como nos ensinou um dos maiores juristas alemães. Bem se tem ditoque a advocacia foi, é e sempre será a trincheira da liberdade. Que esplêndidomagistrado esse que, após conhecer e sofrer as agruras da trincheira, dela sealça, para vir a render a paz através da solução dos conflitos sociaisjudicializados.

Por fim, mas não por menos, louvamos as promoções a Juiz do TribunalRegional Federal da 4ª Região dos eminentes juízes federais, Doutores Dirceude Almeida Soares, Paulo Afonso Brum Vaz e Wellington Mendes de Almeida,fruto do reconhecimento de sua dedicação e excelência no árduo exercício dajudicatura.

Ao proferir ciclo de palestras em Buenos Aires, nos idos de 1948, FrancescoCarnelutti, do alto de sua erudição, chamou a atenção da audiência para o fatode que o Direito, sobre ser ciência, é também uma arte. Tais preleções deram alume sua conhecida obra entitulada precisamente “A Arte do Direito”. Ali, ajustificar sua tese, Carnelutti declarou:

“A interpretação jurídica é um forma de interpretação artística; e se nãotivesse esse caráter não seria interpretação. A grandeza de Vittorio Scialoja ede Arturo Toscanini pertencem a uma só categoria”.

Ora, ao afirmar tal verdade, não estava o mestre italiano a descortinar nadaque não fosse de domínio universal, tanto que já havia sido magistralmenteenunciado, no início do século, por Anatole France, ao cerrar fileiras, lado alado com Zola, na defesa do Coronel Alfred Dreyfus, quando declarou:

“Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons juízes. Alei é inflexível, diz-se; eu não creio. Não há texto legal que se não deixesolicitar. A lei é morta. O magistrado está vivo. É uma grande vantagem que ele

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sobre ela tem”.

A lição sempre foi reconhecida em nossa terra, por juristas da maior suposição.

CARVALHO DE MENDONÇA:

“Nós sabemos por excelência que não é a lei que é boa ou má e sim o civismo ea preocupação do interesse social de quem a aplica que a tornam útil ounociva”.

CARLOS MAXIMILIANO:

“Não há sistema capaz de prescindir do coeficiente pessoal. A justiça depende,sobretudo, daqueles que a distribuem”.

Peço vênia para observar que, no cume de cada manifestação artística, pairamdois tipos distintos de artistas. Primeiro, aqueles que atingiram a perfeição deum determinado estilo – se tal é possível -, constituindo, assim, a sínteseapoteótica do mesmo. Dentre eles, porém, raras vezes, é verdade, despontamos que, tendo já dominado sua arte com maestria invulgar, ousam ir além,abandonando a segurança do estilo já consagrado e por eles dominado, para seaventurar na criação de algo novo, aliquid novis, como que lançando umaponte rumo à ribanceira desconhecida. Ampliando o paradigma musicalsugerido pelo mestre italiano, seria sensato personificar o primeiro grupo napessoa de Wolfgang Amadeus Mozart, inexcedível em suas sublimes texturastonais, tecidas, no cravo bem temperado, dentro do rigor métrico barroco,imagem perfeita do estamento social de seu tempo. Já o segundo grupo, o dosartífices da evolução, descortinaria cabal consonância influenciado pelasguerras napoleônicas, vislumbrou o limiar de um novo mundo,antropocêntrico, individualista, subjetivo, apontando assim os rumos domovimento romântico, tal qual o faria, logo após, na literatura, o poetaabsoluto, Wolfgang Goethe, ao chocar a sociedade de seu tempo com osarrufos melífluos do jovem Werther. A propósito, lembrou João Ribeiro, emdiscurso proferido ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, nodistante ano de 1898, que Goethe, diante do espetáculo da sociedaderevolucionária, no fim do poema idílico de Hermano e Dorotéa, pronuncia, pelaboca de um exilado, estas palavras de capitulação diante do novo:

“Sê feliz, tu; eu, vou-me embora. Hoje a terra toda estremece e principia adesagregar-se. As velhas leis dos povos caem em ruínas; as antigas herdadespassa a novos senhores; o amigo se parte do amigo e o amor do outro amor...Já se disse uma vez e agora dir-se-á com razão maior que o homem é umestrangeiro no seu solo natal; a nosa terra nos evita; as riquezas deslocam-se e

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derivam errantes; das casas e das igrejas os ouros e as pratas, que guardavamas formas antigas e santas, fundem-se na inércia igualitária das barras; aestrutura já consumada do universo parece voltar ao caos para desse sonhonoturno e agitado sair e despertar numa grande nova ressurreição”.

Ora, Excelências, se as guerras napoleônicas, tão bem retratadas por Tolstói,foram capazes de gerar tamanha revolução no pensamento ocidental, o queentão dizer dos cruentos e constantes conflitos que assolaram o século queacabamos de viver? Como vencer a esse ciclópico desafio, a não ser através domanejo artístico do Direito?

Por esta razão, o Ministério Público Federal augura aos novos integrantes destaEgrégia Corte, os quais reconhecidamente Mozarts já o são, que,paralelamente à conservação das necessárias virtudes da estabilidade esegurança social, inerentes aos elevados fins do Direito, não esqueçam jamaisque a arte jurídica também reside em ser, sempre e acima de tudo,instrumento pacífico de transformação social, verdadeira ponte, assim como a“Nona”, a ligar o passado rumo a uma sociedade mais justa, solidária efraterna.

REVISTA 42 > ACÓRDÃOS > DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITOCIVIL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.04.001767-9/RS 

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Apelante: Mario Augusto Locatelli

Advogados: Drs. Humberto Jose Meister e outro

Dr. Wilson Antonio Moreira

Apelante: União Federal

Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams

Apelados: os mesmos

Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Passo Fundo/RS

EMENTA

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Civil. Responsabilidade civil do estado por ato judicial. Desapossamento de bemlevado a leilão pela Justiça do Trabalho. Danos materiais e morais.

O artigo 37, §6º, da Constituição Federal ao consagrar a responsabilidadeobjetiva do Estado não faz qualquer discriminação em relação àresponsabilização por atos judiciais, de modo que se impõe o reconhecimentode que o Estado tem o dever de indenizar os atos lesivos daí decorrentes.

Se o bem foi levado à hasta pública por autorização da MM. Junta deConciliação e Julgamento, sem a certificação da situação do contrato de leasingrelativamente ao automóvel penhorado, certo é que a responsabilidade pelaemissão da carta de arrematação em favor do arrematante é do PoderJudiciário. É que a arrematação realizada nos autos de processo judicialpressupõe a análise, pelo Poder Judiciário, da titularidade do bem remetido àleilão.

Indiscutível o abalo experimentado pelo autor que, de boa-fé nos atos dearrematação levados a efeito pelo Poder Judiciário, restou surpreeendido pelodesapossamento do bem.

A compensação de ordem material importa na efetiva demonstração deprejuízo por parte daquele que pretende o ressarcimento.

Apelação do autor parcialmente provida. Remessa oficial e apelação da Uniãoimprovidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aTerceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação daUnião e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de setembro de 2001.

Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Mario AugustoLocatelli ajuizou a presente ação de reparação de danos contra a UniãoFederal.

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Nos dizeres da inicial, o autor arrematou, em 06 de abril de 1998, em leilãopromovido pela Junta de Conciliação e Julgamento de Carazinho, o veículoCamionete Chevrolet D20, placas AK 3818, de cor branca, Chassi nº9BG244NNJJC023321, pelo valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais).

De posse da Carta de Arrematação expedida em seu favor, o autorpretendendo efetuar a transferência e registro do veículo arrematado,apresentou-a à Delegacia de Trânsito, tendo sido surpreendido com a exigênciade exibição da anuência do proprietário para ser efetuada a transferência.

O autor requereu que o MM. Juiz expedisse determinação à CIRETRAN,autorizando a baixa da alienação fiduciária e das demais restrições quepairavam sobre o veículo arrematado, bem como a sua transferência aoarrematante.

Em resposta, o d. Juiz da JCJ determinou que fosse expedido ofício à empresaSOGERAL, cujo nome constava como proprietária do veículo, para queinformasse qual a situação de pagamento do leasing do bem. O representantelegal da empresa SOGERAL informou que a reclamada BUSATTO não haviaadimplido com sua obrigação no arrendamento e que existia, em virtude disso,uma ação de busca e apreensão do referido veículo.

Narrou que, em 25.06.98, foi sumariamente desapossado do veículo emvirtude de Auto de Reintegração de posse, o que acarretou-lhe, além dosdanos materiais, enorme abalo emocional.

Noticiado o fato ao Juiz do Trabalho da JCJ de Carazinho/RS, este anulou oprocedimento de alienação do veículo, determinando ao arrematante adevolução da carta de arrematação, nomeando-o credor da reclamada, muitoembora não houvesse qualquer vínculo trabalhista, contratual ou processualentre ambos.

Aduziu que permanece sem o seu dinheiro e também sem o veículo quelicitamente arrematou no leilão.

Requereu a condenação da ré ao pagamento de danos emergentes no valor deR$ 8.768,34 (oito mil, setecentos e sessenta e oito reais e trinta e quatrocentavos), lucros cessantes no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e danosmorais (em valor não inferior a trezentos salários mínimos). E, ainda, acondenação da ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Regularmente intimada, a União Federal contestou o feito (fls.88/116), tendo aparte-autora apresentado réplica à contestação (fls.209/227).

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Seguiu-se a expedição de precatória e oitiva das testemunhas arroladas peloautor (fls.284/285,v).

As partes apresentaram razões finais (fls.307/327 e 330/333).

A final, a sentença julgou parcialmente procedente o pedido para:

a) condenar a União a pagar ao autor indenização relativa aos danos por elesofridos, assim especificados:

- danos materiais: valor de R$ 7.768,54 (sete mil, setecentos e sessenta e oitoreais e cinqüenta e quatro centavos), corrigido monetariamente, nos termos daLei 6.899/81, a contar da data em que o autor efetivamente desembolsou taisimportâncias, até o efetivo pagamento pela demandada.

- danos morais: fixados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), corrigidosmonetariamente nos termos da Lei nº 6.899/81, a partir desta data até seuefetivo pagamento.

Condenou a parte-ré a pagar todos os valores acrescidos de juros moratóriosde 6% (seis por cento) ao ano, a fluir a partir da citação da demandada. E,ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixadosem 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

Irresignado, apelou o autor. Requereu a reforma da sentença para que sejaacolhido o pedido de lucros cessantes e majorada a verba arbitrada nasentença a título de dano moral, bem como aquela fixada a título dehonorários advocatícios.

Apelou, também, a União Federal. Sustentou, em suas razões dedesconformidade, que o autor é carecedor de ação pela total impossibilidadejurídica do pedido, qual seja, a caracterização da responsabilidade domagistrado por sua atuação jurisdicional.

No mérito, argumentou que não merecem prosperar os pedidos veiculados nainicial e deferidos pela sentença monocrática. Afirmou , em síntese:

- que se alguma responsabilidade existe, esta deve ser atribuída à empresareclamada, mas jamais ao Juiz da Junta de Conciliação e Julgamento e, porconseqüência, à União;

- que a responsabilidade do juiz e do próprio Estado está fora da sistemática doartigo 37, §6º, da CF;

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- que, com relação ao valor pago pelo veículo, comissão do leiloeiro e demaisdespesas e valores gastos com arrematação, o requerente já foi declaradocredor da reclamada no processo trabalhista;

- que os gastos realizados com tratamento psicoterápico não podem serconsiderados danos materiais, de modo que o seu ressarcimento, se fosse ocaso, entraria na rubrica dos danos morais e restaria abrangido na indenizaçãoeventualmente deferida a esse título;

- que inocorreu, na espécie, qualquer dano moral passível de indenização.

Requer a reforma da sentença com a inversão dos ônus sucumbenciais.

Apresentadas contra-razões pelas partes, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Apelação da União

Não merece acolhida a preliminar de impossibilidade jurídica ventilada pelaUnião Federal.

Como é cediço, o pedido é juridicamente possível quando não proibidoexpressamente pelo ordenamento jurídico vigente. Possibilidade jurídica dopedido, na lição de Liebman, é “a admissibilidade em abstrato do provimentopedido, isto é, pelo fato de incluir-se este entre aqueles que a autoridadejudiciária pode emitir, não sendo expressamente proibido.”

No presente caso, verifica-se que o pedido do autor é plenamente compatívelcom o direito vigente, de modo que deve ser rejeitada a preliminar de extinçãodo processo sem julgamento de mérito. Além disso, a questão referente àpossibilidade de responsabilização do ente estatal em virtude de ato judiciallesivo se confunde com o mérito da demanda e, como tal, será analisado.

Passo, portanto, à análise das questões de mérito objeto do recurso darecorrente.

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Sem razão a União quando alega a impossibilidade de responsabilização doente estatal nos casos em que o evento danoso decorrer de ato judicial.

Tal assertiva decorre do fato de que o artigo 37, § 6º, da Constituição Federalao consagrar a responsabilidade objetiva do Estado não faz qualquerdiscriminação em relação à responsabilização por atos judiciais, de modo quese impõe o reconhecimento de que o Estado tem o dever de indenizar os atoslesivos daí decorrentes.

Sobre a questão, preleciona o doutrinador Rui Stoco (in Responsabilidade civil esua interpretação jurisprudencial, 4ª edição, 1999):

“O artigo 37, §6º, dessa Magna Carta, ao prever a responsabilidade objetivadas pessoas jurídicas de direito público, não especificou quais os entesresponsáveis, nem exonerou qualquer deles.

(...)

Negar, hoje, a responsabilidade do Estado em face do ato jurisdicional danosoé fugir da realidade e olvidar evidentes avanços na dogmática jurídica que asociedade moderna impõe, posto que o Direito é dinâmico, cumprindo-lheacompanhar a evolução constante das relações sociais e seus reclamos, demodo que se a lei não as acompanha e se anacroniza, cabe ao intérpreteadequá-la às novas situações.

(...)

A questão mais árdua, sobre a qual tanto a doutrina (local e alienígena) e ajurisprudência se controvertem, é a relativa aos danos causados à parte poratos ou decisões judiciais decorrentes de meras falhas ou erros nãointencionais praticados pelos juízes, despidos e desafetados de qualquercontingente culposo. Nesses casos, segundo nos parece, a responsabilidade doEstado existe mas em caráter excepcional, impondo-se cautela para o seureconhecimento e algumas condições, conforme ficou evidenciado nos itensprecedentes.

(...)

Finalmente cabe obtemperar que nesses casos de erros involuntários ou nãointencionais causadores de danos (e não de falha ou falta de serviço), a ação deindenização só pode ser intentada com base na responsabilidade objetiva e,obviamente, apenas contra o Estado, pois a responsabilidade pessoal do juiz sópode ter por supedâneo o dolo ou culpa, nos estritos termos do artigo 133 do

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CPC e da teoria da culpa aquiliana.”

De qualquer sorte, o ato lesivo que ensejou a dedução em juízo do presentepedido de reparação não se enquadra no conceito de ato jurisdicionalpropriamente dito – assim entendido aquele que o magistrado pratica ao dizero direito.

Isto porque o Judiciário, com estrutura administrativa própria, como poderautônomo e independente, tem a seu cargo a prática de atos jurisdicionais e aprática de atos não-jurisdicionais, judiciais ou de caráter meramenteadministrativo.

No caso dos autos, o autor não figurava como parte integrante da relaçãoprocessual trabalhista. O ato de levar à hasta pública bem objeto de penhoraefetivada nos autos de reclamatória trabalhista decorre da atuaçãoadministrativa do Poder Judiciário. E, como tal, deve ser interpretada à luz dodisposto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal.

Vale dizer, se o bem foi levado à hasta pública por autorização da MM. Juntade Conciliação e Julgamento, sem a certificação da situação do contrato deleasing relativamente ao automóvel penhorado, certo é que a responsabilidadepela emissão da carta de arrematação em favor do arrematante é do PoderJudiciário. É que a arrematação realizada nos autos de processo judicialpressupõe a análise, pelo Poder Judiciário, da titularidade do bem remetido àleilão.

A farta prova documental acostada aos autos (Auto de Penhora e Avaliação(fl.19), autorização judicial para realização do leilão (fl.20), Ata do leilão(fl.136), Carta de Arrematação passada em favor do autor (fl.32), Certidãorelativa à existência de ação de busca e apreensão do bem leiloado (fl.44), Autode reintegração de posse (fl.47), despacho que declarou a nulidade daarrematação (fl.48), devolução da Carta de Arrematação (fl.51) e Anulação daarrematação (fl.153) – corrobora os dizeres da inicial no sentido de que houvenegligência e imprudência do órgão judicial ao permitir o leilão de bem quenão pertencia à empresa executada, mas à arrendatária do veículo.

Igualmente confortam os termos da inicial os depoimentos constantes dostermos acostados às fls. 284/285 e verso e 297.

E nem se diga que a anulação da penhora efetivada pelo MM. Juiz do trabalho,com a conseqüente declaração de crédito do autor em relação à reclamadadetém conteúdo ressarcitório.

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A sentença ora recorrida é irretocável ao consignar que:

“poderia o autor, utilizando-se do referido título constituído judicialmente,exigir da empresa reclamada o ressarcimento pelos prejuízos sofridos,contudo, conforme consta dos autos, referida empresa encontra-se em difícilsituação financeira, estando praticamente ‘falida’, por conseguinte, talprovidência seria inócua do ponto de vista material, pois o autor jamaisreceberia o que lhe é devido. Não se pode conceber que este, alheio a relaçãojurídica litigiosa, suporte as conseqüências dela advindas, principalmente noque se refere ao pagamento das verbas trabalhistas devidas ao reclamante,pois tal configura enriquecimento indevido por parte da empresa reclamada.”

Nestes termos, há que se reconhecer a responsabilidade do ente estatalconsagrada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, na medida em queperfectibilizado o nexo de causalidade a autorizar a reparação pretendida, poisincontestável o liame entre a atuação do ente público, por seu agente, com osdanos daí resultantes.

Ademais, a apelante não logrou êxito em demonstrar a ocorrência de uma dascausas de exclusão de responsabilidade do ente público, quais sejam, a culpaexclusiva da vítima e o caso fortuito ou força maior.

Desta forma, tem-se que a sentença recorrida não merece reparos no quetange ao reconhecimento da responsabilidade do ente estatal na ocorrência doevento danoso e a conseqüente condenação ao pagamento de indenização pordanos materiais quantificada nos seguintes termos:

Valor pago pelo veículo – R$ 7.000,00

Comissão do leiloeiro – R$ 700,00

Despesas com o veículo – R$ 1.028,76

Honorários advocatícios – R$ 140,00

Autenticações – R$ 15,60

TOTAL:R$ 8.884,36 (subtraindo-se os valores anteriormente ressarcidos aoautor – R$ 1.115,82) – resulta em: R$ 7.768,54

Por derradeiro, cumpre referir que não merece trânsito a apelação da União noque concerne à alegação de que as despesas efetuadas com tratamentopsicoterápico não podem ser computadas como danos materiais.

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É que o decisum expressamente consignou que os gastos efetuados a estetítulo não podem ser considerados como dano material propriamente dito,pois abrangidas pelo dano moral pretendido, uma vez que conseqüentes doabalo sofrido.

Resta, pois, a análise da adequação do pedido de indenização por dano moralao caso em tela.

Após o advento da Constituição Federal de 1988, despicienda qualquerdiscussão sobre a possibilidade de reparação a título de dano moral. A CartaMagna, em seu artigo 5º, inciso V, assegura o direito à indenização por danomaterial, moral ou à imagem.

De outra banda, o inciso X do mesmo dispositivo legal determina serem“invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente desua violação”.

Como é cediço, o dano moral reveste-se de natureza eminentementecompensatória, tendo por fundamento a minimização de determinada ofensa.

Segundo preleciona Antônio Jeová dos Santos (in Dano Moral Indenizável, 2ªedição, 1999, p.96), “o que configura o dano moral é aquela alteração no bem-estar psicofísico do indivíduo. Se do ato de outra pessoa resultar alteraçãodesfavorável, aquela dor profunda que causa modificações no estado anímico,aí está o início da busca do dano moral.”

Indiscutível o abalo experimentado pelo autor que, de boa-fé nos atos dearrematação levados a efeito pelo Poder Judiciário, restou surpreendido pelodesapossamento do bem.

Além disso, os depoimentos coligidos na fase de instrução do feito não deixamdúvidas acerca do incômodo sofrido pelo autor.

Esclarecedor, no tópico, o depoimento prestado pela testemunha JocéliaVargas Nolasco (fl.285), que, sobre o abalo vivenciado pelo autor, assimafirmou:

“Afirma que estava na residência do autor no dia em que ocorreu a apreensãoda camionete. Foi o oficial de justiça e um outro senhor moreno que forambuscar a camionete. Pelo que a depoente ficou sabendo, a camionete foiapreendida porque estava alienada a outra empresa. Isso quem disse foi ooficial de justiça, para a irmã da depoente e mulher do autor. Este não estava

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no momento em casa. Sua mulher o chamou pelo celular. Quando Máriochegou, ele foi conversar com os dois, mas eles levaram a camionete igual. Oclima ficou muito ruim na casa, pois como o oficial de justiça foi muito incisivo,a mulher do depoente ficou muito nervosa. A depoente viu Márioimensamente agitado. Na hora ele mudou de comportamento em relação aoque ele costumava ser. Isso trouxe problemas até no relacionamento do casal.A irmã da depoente queria que Mário usasse o dinheiro empregado nacamionete para comprar um terreno ao lado. Como foi levada a camionete,eles ficaram sem veículo e terreno. A depoente não recorda bem o termo quepoderia usar para definir o estado que Mário ficou após o fato, mas lhe pareceque ficou bastante abatido e depressivo. Soube que ele andou consultandouma psicóloga. A depoente afirma que a personalidade de Mário modificoubastante depois disso. Mário se tornou uma pessoa muito deprimente, muitoríspida, machucada. Chegou a um ponto que não se tocou mais nesse assunto,uma vez que Mário se sentia ofendido e tinha atitudes ríspidas. Pelo que adepoente sabe do autor, ele sempre foi honesto e nunca teve mácula em suaimagem. Muitas pessoas presenciaram quando o oficial de justiça retirou ocarro. As pessoas paravam, até porque Mário tentava impedir a retirada docarro.”

Indiscutível, portanto, o direito do autor à percepção de indenização por danosmorais.

Apelação do autor

Reconhecimento do direito à percepção de lucros cessantes e majoração dacondenação imposta a título de danos morais

O autor pleiteou a condenação da União ao pagamento de indenização porlucros cessantes correspondentes ao que deixou de ganhar com a locação doveículo, em período a ser apurado, cumulado com o que deixaria de ganharcaso fosse vendida a camionete – R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Sustenta ter sofrido prejuízo em virtude do desapossamento do veículo, poisnão pôde concretizar um contrato de locação da camionete para entrega degás liqüefeito, conforme contrato acostado aos autos (fls. 77/78).

Em suas razões de desconformidade, alega que não pode subsistir oentendimento no sentido de que não ficou comprovada a locação dacamionete da qual foi desapossado.

Segundo nos ensina Rui Stoco (op. cit., p. 752), “lucros cessantes constitui aexpressão usada para distinguir os lucros de que fomos privados, e que

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deveriam vir a nosso patrimônio, em virtude de impedimento decorrente defato ou ato não acontecido ou praticado por nossa vontade. São, assim , osganhos que eram certos ou próprios de nosso direito, que foram frustrados porato alheio ou fato de outrem”.

A compensação de ordem material importa na efetiva demonstração deprejuízo por parte daquele que pretende o ressarcimento. Aliás, ajurisprudência reiteradamente tem externado o entendimento no sentido deque não basta alegar, de forma genérica, a existência de perdas e danos. Hánecessidade de especificá-los da inicial e prová-los até o momento dasentença.

Considerando-se que a prova existente nos autos neste aspecto cinge-se àjuntada de contrato de locação da camionete com o prazo de vigência de12.05.98 a 12.05.99, e, considerando-se que o veículo foi apreendido na casado autor em 25.06.98, conforme comprova o Auto de Reintegração de posse(fl.47), bem andou a sentença recorrida ao afastar a pretensão indenizatória doautor neste sentido, forte em que não há justificativa para que, passados maisde trinta dias da efetivação do contrato de locação, o bem ainda estivesse naposse do locador.

Melhor sorte não socorre ao recorrente no que concerne à expectativa delucro que teria, na hipótese de venda do veículo arrematado. Como já referido,a indenização por lucros cessantes pressupõe o pedido fundado em basesseguras, não compreendendo lucros hipotéticos ou imaginários.

Desta forma, não merece reparos a sentença no tópico.

Majoração da indenização por dano moral

Sobre a compensação de ordem material para a reparação de dano moral, éaxioma jurisprudencial e doutrinário correntio o entendimento no sentido deque a indenização deve ser justa e digna para os fins a que se destina, nãopodendo ser irrisória ou simbólica. De outra banda, não pode ensejar oenriquecimento sem causa.

Inexistentes parâmetros legais para o arbitramento do valor da reparação dodano moral, a sua fixação se faz mediante arbitramento, nos termos do art.1533 do Código Civil.

A quantia fixada na sentença como indenização pelos danos morais sofridospelo autor, no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), se encontra adequada aoressarcimento pretendido.

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Merece reparos, tão-somente, a verba honorária arbitrada na sentença, quedeve incidir no percentual de 10% sobre o valor da condenação, na linha dosprecedentes jurisprudenciais desta Corte.

Voto, por isso, no sentido de dar parcial provimento à apelação do autor paraque a verba honorária incida sobre o valor da condenação, e negar provimentoà apelação da União e à remessa oficial.

É como voto.

AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2000.04.01.040530-6/RS

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales

Autora: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Advogado: Dr. Renato de Castro Moreira

Réus: Elena Hennig e outros

Advogados: Drs. Nestor Jose Forster e outro

EMENTA

Administrativo. Pensão especial. Leis nºs 1.711/52, 6.481/77 e 6.782/80.Servidor falecido depois da Constituição Federal de 1988. Anemia aplástica.Doença que se assemelha ou supera em gravidade a leucemia. Interpretaçãointegrativa.

1.- Ocorrendo falecimento de servidor celetista após a entrada em vigor daatual Constituição Federal e antes da Lei nº 8.112/90, a pensão daí decorrentedeve ser regida pela lei estatutária, uma vez que a unificação dos regimesjurídicos entrou em vigor com a nova Carta.

2.- A anemia aplástica é um mal semelhante e tão grave quanto as neoplasias,motivo pelo qual, mediante uma interpretação integrativa da lei, é suscetívelde gerar o direito à percepção de pensão especial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do relatório, voto e notas

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taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de junho de 2001.

Des. Federal Luiza Dias Cassales, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: A Universidade Federal do RioGrande do Sul- UFRGS ajuizou a presente Ação Rescisória com fundamento noart. 485, incisos V e X, do Código de Processo Civil, objetivando a rescisão do v.acórdão da colenda 4ª Turma desta Corte, com a seguinte ementa:

“ADMINISTRATIVO. FUNCIONAL. PENSÃO ESPECIAL. LEIS NºS 1.711/52,6.485/77 E 6.782/80. ANEMIA APLÁSTICA. DOENÇA NÃO CATALOGADA.

A anemia aplástica é um mal semelhante e tão grave quanto as neoplasias –tanto que identificada como sendo ‘doença neoplástica irreversível’. Em razãode se tratar de uma doença rara, certamente, não foi catalogada na lei comosusceptível da concessão de pensão especial. Daí porque adequadamenteaplicados ao caso os princípios de interpretação das normas constantes dosarts. 4º e 5º do Código Civil, que determinam, na omissão da lei, a adoção pelojuiz da analogia, bem assim, em sua aplicação, o atendimento aos fins sociais aque a norma se dirige.”

Diz que houve violação literal dos artigos 2º e 204 da Lei nº 1.711/52, tendo emvista que o de cujus não era estatutário, e sim celetista, motivo pelo qual suarelação com a Administração era regida pela CLT, e não pelo Estatuto dosFuncionários Civis da União. Também foi violado o art. 1º da Lei nº 6.782/80porque a doença que o vitimou não está prevista como doença profissionalgeradora de pensão especial.

Afirma que a decisão está fundada em erro de fato porque considerou, parafins de pensão, o de cujus como se fosse funcionário público, quando, naverdade, era ele servidor celetista.

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido pelo despacho das fls. 104-105. Do despacho que indeferiu a antecipação da tutela foi interposto agravoregimental, que teve seu provimento negado por decisão unânime, proferidapela colenda Segunda Seção deste Tribunal, com a seguinte ementa:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO. REGIME JURÍDICO ÚNICO. LEINº 8.112/90.

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Ocorrendo falecimento de servidor celetista após a entrada em vigor da atualConstituição Federal e antes da Lei nº 8.112/90, a pensão daí decorrente deveser regida pela lei estatutária, uma vez que a unificação dos regimes jurídicosentrou em vigor com a nova Carta.”

Citadas, as rés apresentaram suas contestações. Postulam pela improcedênciada ação rescisória porque os fundamentos invocados para sua propositura seafastam das previsões legais. Dizem que erro de fato não ocorreu, porque ficoudevidamente esclarecido, por ocasião da propositura da ação na qual foiproferida a decisão rescindenda, que o instituidor da pensão faleceu em 20 dejunho de 1990, portanto, a sua condição de celetista era meramente formal,tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 já unificara os regimesjurídicos de seus servidores. Também não ocorreu violação literal de disposiçãolegal, porque, no caso, o que ocorreu foi o preenchimento de lacuna da lei pormeio da interpretação.

A contestação foi contraditada.

Foram apresentadas contra-razões.

Manifestou-se o douto órgão do Ministério Público pela improcedência daação.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: Esta ação rescisória funda-se noart. 485, incisos V e X , do Código de Processo Civil.

O acórdão rescindendo teria violado literal disposição legal porque concedeupensão especial apesar da doença que vitimou o instituidor da pensão nãoconstar do rol de que trata o art. 242 da Lei nº 1.711/52, repetido pela Lei nº6.782/80. Também violou literal disposição legal porque determinou aaplicação da Lei nº 1.711/52 para servidor celetista. O erro de fato assentar-se-ia, também, na aplicação da legislação estatutária para servidor celetista.

Contudo, dada a máxima vênia, nenhuma das duas hipóteses que autorizariama procedência desta ação rescisória verificaram-se.

De fato, quando o julgador equiparou a “anemia aplástica” às moléstias que,por sua gravidade, ensejavam pensão especial, não estava violando “ literaldisposição de lei”. E isso porque, as legislações instituidoras da pensão especialnão estabeleceram, de forma expressa, que o rol de moléstias era taxativo.Considerando-se que a última dessas leis, a de nº 6.782/80, foi editada há mais

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de 20 anos, a melhor exegese é aquela que indica que o rol nela contido éexemplificativo, dando direito à pensão especial moléstias gravíssimas, quecausam a morte de forma inexorável, tais como a AIDS e a ANEMIA APLÁSTICA,doenças não-conhecidas ou de raríssima incidência. Assim sendo, trata-se, naespécie, de interpretação concedida para suprir omissão das leis e não deviolação de suas literais disposições.

O egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu (RSTJ 93/416) que:

“Para que a ação rescisória fundada no art. 485,V, do CPC prospere, énecessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de talmodo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, aocontrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis,ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar sob pena detornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos.”

Também o alegado erro quanto à matéria de fato não ocorreu. A situaçãofuncional do de cujus ficou bem esclarecida durante a instrução processual. Ofalecimento do servidor Armando Carlos Hennig, Professor da TabelaPermanente da Universidade autora, ocorreu em 20 de junho de 1990, ou seja,após ter a Constituição Federal de 1988 instituído o Regime Jurídico Único paraos servidores públicos. A jurisprudência firmou-se no sentido de que:

“se a morte do servidor celetista se deu antes da vigência da Lei nº 8.112/90,porém posteriormente à Constituição Federal de 1988, a pensão daídecorrente deve ser regida pela Lei Estatutária, devendo ser mantida peloórgão de origem do servidor, porquanto a unificação dos regimes aconteceu apartir da promulgação da nova Carta Magna, desde quando desapareceu adiferenciação entre servidores estatutários e celetistas.” (TRF-4ª R, AC nº94.04.41236-8/SC).

Isto posto, julgo improcedente a ação rescisória. Condeno a autora a depositara multa que será levantada pela parte-ré de que trata o inciso II do art. 488 doCPC, ao reembolso das custas e a honorários advocatícios, que fixo em 10%sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.050000-5/PR

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler

Apelante: Colônia dos Pescadores Nossa Senhora dos Navegantes de Santa

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Helena

Advogado: Dr. Aparecido da Silva Martins

Apelada: Itaipu Binacional

Advogados: Dr. João Bonifácio Cabral Junior

Drs. Oscar Luis de Moraes e outros

Dr. Renato Lobo Guimaraes

EMENTA

Administrativo. Ação coletiva de reparação de danos. Pescadores profissionais.Prejuízo decorrente da construção da barragem de Itaipu. Ilegitimidade ativa.

1. A Colônia de Pescadores Nossa Senhora dos Navegantes de Santa Helenanão tem legitimidade para pleitear, em nome próprio ou representando seusassociados, a indenização por danos causados pela construção da Barragem deItaipu ao potencial piscoso do Rio Paraná.

2. O fato de os representados da apelante serem pescadores licenciados peloórgão competente não lhes confere direitos ou garantias de rentabilidade àatividade, pois a licença é autorização precária e instrumento de fiscalização doPoder Público no exercício de seu regular poder de polícia.

3. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas,decide a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e notastaquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de agosto de 2001.

Des. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma .Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler: Colônia dos Pescadores Nossa

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Senhora dos Navegantes de Santa Helena propôs a presente ação em julho de1999, a qual nominou de ação ordinária de obrigação de fazer cumulado compedido de indenização, contra Itaipu Binacional alegando que a ré, ao construira barragem que deu origem ao Lago de Itaipu promoveu a interrupção dapiracema, tal qual existia naturalmente antes da referida construção, causandodiminuição dos peixes nobres que habitam o antigo leito do Rio Paraná, osquais foram substituídos por peixes que não são tão receptivos pela classeconsumidora, provocando, além de uma diminuição do estoque geral depeixes, também uma desvalorização do produto, causando miséria aospescadores profissionais representados pela autora, sendo que a ré jáindenizou quase todos os prejudicados com a construção da usina hidrelétrica,reconhecendo, portanto, seu dever de indenizar, porém, os pescadores foramesquecidos. Justifica a demora na propositura da ação porque inicialmenteacreditava-se que, com a construção da barragem, aumentaria a possibilidadede ganho econômico dos pescadores profissionais, já que de fato isso ocorreunos primeiros anos após o represamento das águas do Rio Paraná, porém, osproblemas foram se agravando com o passar dos anos e só agora, passadosmais de dez anos, foi percebido que a construção da Barragem de Itaipu foi agrande causadora dos prejuízos por se constituir em obstáculo ao cicloreprodutivo dos peixes, e, embora esteja sendo construída pela ré umacorredeira especial para propiciar a escalada de peixes na época de piracema, oproblema não será totalmente solucionado. Com base nesse quadro fático eapós discriminar a extensão dos danos e o direito que entende aplicável àespécie, requereu a concessão de liminar consistente em obrigação de fazer,determinando à ré que promova o repovoamento do Lago de Itaipu e propiciecondições para que se restabeleça o ciclo natural da piracema tal qual existiaanteriormente à formação do Lago, com base em Estudo de Impacto Ambientale Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) que deverá apresentar ouconfeccionar, se ainda não existir, providenciando, assim, o repovoamento dospeixes que existiam na região antes da formação do Lago de Itaipu, bem comodefinir outras medidas que previnam quaisquer outras conseqüências danosasao meio ambiente. No mérito pediu fosse a ré condenada a indenizar osprejuízos causados a partir da conclusão da barragem, em quantum a serapurado em liquidação de sentença.

Julgando antecipadamente a lide, a sentença de fls. 1.407/1.408 indeferiu apetição inicial face à ilegitimidade ativa da autora, fundamentando que o RioParaná é bem público de uso comum do povo e de propriedade da União, demodo que eventuais prejuízos causados pela alteração da piracema afetaramsomente bem público federal, inexistindo repercussão no patrimônio individualdos associados da autora porque os bens públicos não são suscetíveis deapropriação individual.

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Irresignada, apela a autora requerendo, preliminarmente, o reexame dopedido de concessão de liminar sob a alegação de ser irrelevante o fato de játer passado 16 anos da instalação e funcionamento da usina, vez que o meioambiente continua ameaçado, permanecendo presentes o fumus boni juris e opericulum in mora. Também preliminarmente, argúi nulidade da sentençaporque decidiu com base em fundamento que não foi debatido nos autos, vezque supôs que os associados da apelada não têm autorização do Poder Público,sem ter dado oportunidade para a apresentação das licenças de pesca, dessemodo impedindo que a lesão ao direito fosse apreciada pelo Poder Judiciário eferindo os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Nomais, sustenta que a decisão de primeiro grau está equivocada porque ospescadores profissionais, assim como sua associação, na condição derepresentante dos mesmos, estão legitimados para pleitear reparação de danopelos prejuízos sofridos no exercício da licença de pesca que foi legitimamenteoutorgada pelo IBAMA. Aduz que seus associados possuem licenças de pescafornecidas pela União Federal através de seu órgão competente, que lhesassegura o direito de exercer a profissão de pescadores profissionais e,portanto, autorizados a capturar e comercializar os peixes existentes no leitodo antigo Rio Paraná e, atualmente, no Lago de Itaipu, de modo que nãopodem ser privados, por ação da apelada, de exercer com plenitude o direitosubjetivo materializado nas licenças concedidas, sem receber, emcontrapartida, a devida reparação pelo esvaziamento do conteúdo econômicode tais licenças, vez que ninguém pode ser privado de seus bens por quemquer que seja, sem que haja a correspondente indenização. Aduz que é partelegítima para perseguir os prejuízos causados pela apelada a seus associados,vez que houve alteração na ictiofauna, causando danos à piracema, causandoreflexamente prejuízos ao exercício da atividade de pescador profissional, nãotendo a ação o objetivo de ressarcimento pelos prejuízos no exercício dodireito de propriedade em bens públicos da União, mas, sim, a correspondentecontrapartida pelos prejuízos sofridos por aqueles que detém o direito deexplorar economicamente tais bens, através das licenças de pesca, enquantosuscetíveis de avaliação econômica. Após mencionar jurisprudência queentendem aplicável ao caso e traçar paralelo com outras situações de danos,conclui postulando provimento da apelação para reconhecer sua legitimidadeativa (fls. 1.414/1.443). O recurso veio instruído com cópias de carteiras deregistro de pescador profissional de alguns associados da apelante (fls.1.445/1.447).

Com contra-razões (fls. 1.450/1.465), subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

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VOTO

A Exma.Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler: Registro, desde logo, que restaprejudicada a apelação na parte em que a recorrente se insurge contra oindeferimento da liminar, vez que será confirmada a decisão que extinguiu ofeito sem análise do mérito.

Esclareço, também, que não socorre à apelante alegar a nulidade da sentençasob o argumento de que o MM. Juiz a quo não oportunizou a demonstração deque os associados da recorrente são pescadores profissionais devidamenteautorizados pelo órgão competente, no caso o IBAMA, porquanto o arrazoadonão guarda relação com o fundamento da sentença, que se fulcrou nailegitimidade da autora para o pleito reparatório.

Insurgindo-se contra a declaração de ilegitimidade ativa da Colônia dePescadores Nossa Senhora dos Navegantes de Santa Helena, sustenta arecorrente que sua pretensão é de reparação pelos danos sofridos em seudireito subjetivo de capturar e comercializar os peixes existentes no leito doRio Paraná e do Lago de Itaipu, isto é, o direito de explorar economicamente apesca através das licenças concedidas a seus associados pelo IBAMA.Argumenta que houve esvaziamento do conteúdo econômico das referidaslicenças em razão da construção da barragem, que criou embaraços à piracemae, conseqüentemente, ao manancial ictiológico quanto às espécies de maiorvalor econômico.

No caso, a pretensão dos pescadores representados pela autora é melhorarqualitativamente a piscosidade do Lago de Itaipu, bem como obter indenizaçãoem relação ao tempo em que foi reduzida a quantidade de peixes de maiorvalor comercial, tudo com base no fato de serem pescadores profissionaisdevidamente autorizados pelo órgão competente.

Colhe-se na doutrina que parte ativa legítima é aquela que detém atitularidade do interesse que se contém na sua pretensão em relação ao réu1 eo fato de os representados da apelante serem pescadores licenciados peloórgão competente não lhes confere direito subjetivo à rentabilidade àatividade, pois a licença é mera autorização precária e instrumento defiscalização do Poder Público no exercício de seu regular poder de polícia.

Sobre o tema, transcrevo a seguir lição do eminente doutrinador Hely LopesMeirelles:2

“Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para

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condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais,em benefício da coletividade. Em linguagem técnica, podemos dizer que opoder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a AdministraçãoPública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, quefaz parte de toda a Administração, o Estado detém a atividade dos particularesque se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, aodesenvolvimento e à segurança nacional... Atuando a polícia administrativa demaneira preferentemente preventiva, ela age através de ordens e proibições,mas sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras da condutadaqueles que utilizam bens ou exercem atividade que possam afetar acoletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas (...).Para tanto, o Poder Público edita leis e os órgãos executivos expedemregulamentos e instruções fixando as condições e requisitos para o uso dapropriedade e o exercício das atividades que devam ser policiadas, e após asverificações necessárias é outorgado o respectivo alvará de licença ouautorização, ao qual se segue a fiscalização competente. Alvará é oinstrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização deatividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. Éo consentimento formal da Administração à pretensão do administrado,quando manifestada em forma legal. O alvará pode ser definitivo ou precário:será definitivo e vinculante para a Administração quando expedido diante deum direito subjetivo do requerente como é a edificação desde que oproprietário satisfaça todas as exigências das normas edilícias; será precário ediscricionário se a Administração o concede por liberalidade, desde que nãohaja impedimento legal para sua expedição, como é o alvará de porte de armaou de uso especial de um bem público. ... Outro meio de atuação do poder depolícia é a fiscalização das atividades e bens sujeitos ao controle daAdministração. Essa fiscalização, como é óbvio, restringe-se à verificação danormalidade do uso do bem ou da atividade policiada, ou seja, da suautilização ou realização em conformidade com o alvará respectivo, com oprojeto de execução e com as normas legais e regulamentarespertinentes” (grifos do original).

De outra parte, a licença de pesca é concedida por prazo determinadoconsoante se infere dos documentos de fls. 1.445 a 1.447, deste modo, aindaque se entendesse haver o direito subjetivo ao resultado da atividade, este severificaria de acordo com as condições existentes no período de vigência daautorização, ou seja, quando da renovação da licença somente poder-se-iacogitar da existência do direito à rentabilidade estimada de acordo com ascaracterísticas presentes nesse momento.

No caso, a mais antiga das carteiras de pescador apresentadas data do ano de

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1992 e a alteração das condições que teria originado o dano relatado na inicialdecorre da construção da barragem do Lago de Itaipu que ocorreu háaproximadamente 20 anos, do que se conclui que as licenças anuais da épocajá foram canceladas.

Assim, os pescadores representados pela autora não trazem a juízo um direitopróprio. Ao pretenderem fazer voltar a piracema aos moldes existentes antesda construção da barragem ou manter a rentabilidade da atividadedesenvolvida, estão, na verdade, buscando a recuperação econômica do RioParaná, de propriedade da União, nos termos do art. 20, III, da ConstituiçãoFederal, de modo que não pode a associação autora pleitear um interesse doqual não detém titularidade, nem em seu próprio nome, nem comorepresentante do titular, vez que não há qualquer autorização legal para tanto.

Em face do exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.115585-1/PR

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler

Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogados: Drs. Ademir Fernandes Cleto e outros

Apelada: Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO

Advogados: Drs. Gisele Passos Tedeschi e outro

EMENTA

Civil e Processo Civil. Ação Civil Pública. Poupança. IPC. Junho de 1987. Janeirode 1989. Lei-7.730/89. Propriedade da via processual eleita. Legitimidade ativae passiva. Alcance dos efeitos da sentença. Prescrição.

1. A Associação Paranaense de Defesa do Consumidor – APADECO temlegitimidade para a presente ação coletiva, pois constituída há mais de um anoe tem entre suas finalidades institucionais a proteção a direitos difusos oucoletivos (art. 5º da Lei 7.347/85).

2. A ação civil pública é meio processual idôneo para a defesa de direitosindividuais homogêneos, estes também insertos no conceito de interesses da

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coletividade.

3. A caderneta de poupança é contrato de depósito envolvendo a instituiçãofinanceira e o cliente no que pertine aos planos "Bresser” e "Verão", sendo oBACEN parte passiva ilegítima.

4. A regra que prevalece, em relação a atos legislativos, é a dairresponsabilidade do Estado, não sendo, por isso, a União Federal partepassiva legítima.5. Os limites da competência territorial do órgão prolator, de que tratam osarts. 16 da Lei nº 7.347/85 e 2º-A da Lei 9.494/97, não são aqueles fixados naregra de organização judiciária quanto à competência do juízo, mas sim os quedecorrem do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor.

6. Nas ações de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta depoupança, tanto o pedido de incidência de determinado índice de correçãomonetária quanto de juros remuneratórios constitui-se no próprio crédito, enão em acessório, sendo inaplicável o prazo qüinqüenal do artigo 178, §10, III,do Código Civil. Na espécie, trata-se de ação pessoal, e não pode empresapública pretender o mesmo tratamento dispensado à Fazenda Pública.

7. No que tange ao Plano Bresser, a lei que altera critério de remuneração dosdepósitos em caderneta de poupança não incide sobre os contratos cujotrintídio se tenha iniciado ou renovado anteriormente a sua vigência.

8. Quanto ao Plano Verão , o contrato de depósito se aperfeiçoa no momentoem que a importância é depositada para a remuneração em 30 ( trinta ) dias,tendo o depositante direito adquirido à remuneração contratada, quando severificar o prazo contratual. Os contratos efetuados ou renovados antes daedição da Medida Provisória MPR-32/89 regem-se pelas normas anteriormentevigentes.

9. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas,decide a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e notastaquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de agosto de 2001.

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Des. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler: A Associação Paranaense deDefesa do Consumidor – APADECO ajuizou a presente Ação Civil Pública contraa Caixa Econômica Federal – CEF em julho de 1998, visando ao pagamento, atodos os poupadores do Estado do Paraná que mantinham cadernetas depoupança junto àquela instituição, das seguintes diferenças:

- junho/87 – diferença entre a aplicação da correção com base nas LBCs (Letrasdo Banco Central), quando deveria ter sido aplicada a correção com base noIPC, para todas as cadernetas de poupança iniciadas ou renovadas antes de15.06.87, inclusive;

- janeiro/89 – diferença entre a aplicação da correção com base nas LFTs(Letras Financeiras do Tesouro Nacional), quando deveria ter sido aplicada avariação do IPC para as cadernetas de poupança iniciadas ou renovadas antesde 15.01.89, inclusive.

Pleiteou o pagamento de diferenças acrescidas dos expurgos inflacionárioscontemplados na Súmula nº 37 desta Corte.

A sentença de fls. 109/118 e respectiva correção de ofício efetuada à fl. 121rejeitou preliminares, considerou vintenário o prazo prescricional da prestaçãoprincipal (tanto correção monetária quanto juros) e julgou procedente opedido, fulcrando-se na existência de direito adquirido, e condenando a ré aopagamento das diferenças relativas à variação do IPC conforme pleiteado,acrescidas de juros de 0,5% ao mês, tudo corrigido monetariamente até oefetivo pagamento e acrescido de juros de 0,5% ao mês a contar da citação. Adecisão ainda condenou a CEF ao pagamento das custas processuais ehonorários advocatícios fixados em R$ 400,00.

Apela a CEF, renovando as preliminares suscitadas: ilegitimidade ativa daAPADECO para ação coletiva que tenha por objeto direitos individuaishomogêneos, eis que o estatuto da autora fala apenas em defesa doconsumidor relativamente a danos causados ao meio ambiente e qualqueroutro interesse difuso ou coletivo, e também a Lei 7.347/85 conferelegitimidade à associação que inclua entre suas finalidades institucionais aproteção ao meio ambiente, consumidor, patrimônio artístico, estético,histórico e paisagístico, ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo;ilegitimidade passiva, pois a CEF apenas aplicou às cadernetas de poupança osíndices legais, consoante orientações do Conselho Monetário Nacional e do

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Banco Central do Brasil, não tendo competência para corrigir eventualilegalidade; que a sentença é nula porquanto as entidades citadas deveriamintegrar o pólo passivo da demanda, em litisconsórcio necessário;impossibilidade jurídica do pedido, eis que o pleito inicial é contra legem, poisamparado em legislação revogada; inaplicabilidade do Código de Defesa doConsumidor, uma vez que os autos cuidam de relação mercantil e não deconsumo; inadequação da via processual eleita, pois a defesa de direitosindividuais homogêneos não está inserta nas hipóteses de cabimento da açãocivil pública, ex vi do art. 1º da Lei 7.347/85; o juiz, ao ordenar o pagamentoaos poupadores do Estado do Paraná, infringe o art. 1º do CPC, indo além deseu limite jurisdicional que é o da circunscrição judiciária em que proposta alide, consoante art. 2º da Lei 9.494/97, com redação dada pela MedidaProvisória nº 1.984-18, de 01.06.00. Aduz que ocorreu a prescriçãorelativamente aos juros, nos termos do art. 178, § 10, III, do CCB, insurgindo-secontra a parte da sentença que os considera prestação principal ao lado dacorreção monetária, aspecto em que salienta contradição no decisum econsidera aplicável ao caso o art. 2º do Decreto nº 20.910/32, pela necessáriapresença do BACEN no pólo passivo. No mérito propriamente dito, asseveraque, em 12.06.87, foi sancionado o Decreto-Lei 2.335, que deu amparo àpublicação da Resolução nº 1.338/87, que determinou a atualização da OTN,em julho/87, pelo rendimento produzido pelas LBCs, no período de 01 a20.06.87, bem como a atualização dos saldos de poupança pela OTN emjulho/87; que a Medida Provisória nº 32, convertida na Lei 7.730/89, em seuart. 17, I, determinou que o índice a ser aplicado às cadernetas de poupançaem fev/89 seria igual à variação da LFT, aspectos em que a CEF apenas seguiu aorientação legal. Ressalta que o IPC de jan/89 é 42,72% e nega a existência dedireito adquirido, por constituir gênese do contrato de depósito em cadernetade poupança a flutuação de índices, de conformidade com o estabelecido peloórgão regulador do sistema; antes de oficializado o índice de atualização eremuneração o depositante possui apenas expectativa de crédito, além do queos dispositivos legais que informam a matéria são normas de ordem pública,aplicáveis imediatamente ao caso concreto; os contratos de poupança são deadesão, cuja regulamentação é fixada pelo governo federal. Diz não serdevedora de juros também porque não descumpriu nenhuma lei, contrato oudeterminação judicial.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

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VOTO

A Exma.Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler: Consoante relatado, insurge-sea CEF contra a sentença que a condenou ao pagamento de diferenças relativasà correção monetária pela variação do IPC em junho/87 e janeiro/89 aospoupadores do Estado do Paraná que mantinham cadernetas de poupançajunto àquela instituição, iniciadas ou renovadas até o dia 15.06.87 e 15.01.89,respectivamente.

Cumpre inicialmente afastar as preliminares argüidas pela recorrente.

Sustenta a apelante que a ação civil pública não é o meio apropriado para adefesa dos direitos em debate, que classifica como individuais homogêneos, osquais não teriam sido contemplados na redação do art. 1º da Lei nº 7.347/85,que dispõe:

“Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:(artigo, caput, com redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.06.94 (DOU de13.06.94, em vigor desde a publicação).

I - ao meio ambiente;

II - ao consumidor;

III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico epaisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

(Item acrescentado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

V - por infração da ordem econômica e da economia popular. (Inciso V comredação dada pela Medida Provisória nº 1.965-12, de 02.03.2000 (DOU de03.03.2000, em vigor desde a publicação).”

As três ordens de interesses ou direitos – difusos, coletivos (stricto sensu) eindividuais homogêneos – constituem-se em espécies do gênero“metaindividual”. Os dois primeiros são essencialmente coletivos lato sensupor ter objeto indivisível e sujeitos, absoluta ou relativamente,indetermináveis, enquanto que os individuais homogêneos são coletivos naforma e modo de exercício, em função de sua origem comum.

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Assim, estando também os direitos individuais homogêneos insertos noconceito de interesses da coletividade, por certo que podem receber proteçãojurisdicional através da ação civil pública.

É o que leciona Rodolfo de Camargo Mancuso (in Ação Civil Pública, Ed. Revistados Tribunais, São Paulo, 4ª ed., 1996, p. 35):

“Em resumo, o que hoje se pode dizer sobre o objeto da ação civil pública éque ele é o mais amplo possível, graças à (re)inserção da cláusula ‘qualqueroutro interesse difuso ou coletivo’ (inc. IV do art. 1º da Lei 7.347/85,acrescentado pelo art. 110 do CDC). Essa abertura veio, na seqüênciapotencializada por duas inovações advindas no bojo da Lei 8.884, de 11.6.94: a)no caput do art. 1º da Lei 7.347/85 a responsabilidade ali referida agora seestende aos danos morais (e não somente aos patrimoniais); b) a ação podetambém referir-se à ‘infração da ordem econômica’ (N. V do art. 1º da Lei7.347/85). Como afirma Hugo Nigro Mazzilli, atualmente ‘inexiste, portanto,sistema de taxatividade para defesa de interesses difusos e coletivos’... Deoutro lado, mercê de um engenhoso sistema de complementaridade entre aparte processual do CDC e o processo da lei da ação civil pública (CDC, arts. 83,90, 110; Lei 7.347/85, art. 21, acrescentado pelo art. 117 do CDC), pode-seafirmar, com Nelson Nery Júnior que ‘não há mais limitação ao tipo de ação,para que as entidades enumeradas na LACP, art. 5º e CDC, art. 82, estejamlegitimadas à propositura da ACP para a defesa, em juízo, dos direitos difusos,coletivos e individuais homogêneos”’.

A legitimidade ativa ad causam da APADECO para a presente ação coletiva quetem por objeto direitos individuais homogêneos, dá-se por meio dasubstituição processual, nos termos do art. 6º do CPC, estando a entidadeautorizada a estar em juízo por atender aos requisitos previstos no art. 5º daLei 7.347/85, ou seja, está legalmente constituída há pelo menos um ano einclui entre suas finalidades institucionais a proteção ao consumidor,contribuintes e quaisquer outras pessoas, relativamente aos danos causadosao meio ambiente e qualquer outro interesse difuso ou coletivo, na forma daLei da Ação Civil Pública e legislação vigente (fls. 19 e 20).

A CEF também alega sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento deque apenas aplicou às cadernetas de poupança os índices legais, consoanteorientações do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil,entidades que, segundo a recorrente, deveriam integrar o pólo passivo dademanda, em litisconsórcio necessário.

Sem razão entretanto, vez que a mera competência normativa e fiscalizadora

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do BACEN e do Conselho Monetário Nacional não contempla responsabilidadespela forma com que a CEF procede à remuneração dos depósitos em cadernetade poupança.

Neste sentido, registro ser pacífica a jurisprudência de nossos tribunais e aseguir transcrevo precedente:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA.MESES DE JUNHO DE 1987 E JANEIRO DE 1989. PRESCRIÇÃO. AÇÃO PESSOAL.PRAZO VINTENÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA INSTITUIÇÃOFINANCEIRA. APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE 42,72%. CRUZADOS NOVOSBLOQUEADOS. MARÇO A JULHO DE 1990. FEVEREIRO DE 1991. CORREÇÃOMONETÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA.

- Nas ações de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta de poupança,o pedido de incidência de determinado índice de correção monetária constitui-se no próprio crédito, e não em acessório, sendo, descabida, assim, aincidência do prazo qüinqüenal do artigo 178, §10, III, do Código Civil. Naespécie, tratando-se de ação pessoal, o prazo prescricional é o vintenário.

- Esta egrégia Corte pacificou o entendimento de que a instituição financeiracom quem se firmou o contrato de depósito é quem tem legitimidade passivapara responder por eventual prejuízo na remuneração de conta de poupançaem junho de 1987 e janeiro de 1989.

- As alterações do critério de atualização da caderneta de poupança previstaspelos Planos Cruzado e Verão não podem refletir sobre os depósitos que játiveram seus períodos aquisitivos iniciados, devendo-se observar as regras emvigor no início do respectivo trintídio.

- No mês de janeiro de 1989, deve-se observar como fator de correçãomonetária o percentual do IPC, à base de 42,72% (REsp 43.055-SP, CorteEspecial).- No período em que perdurou o bloqueio dos ativos financeiros determinadopela Lei nº 8.024/90, inclusive nos meses de fevereiro e março de 1991, ainstituição financeira depositária não responde por eventuais diferenças decorreção monetária incidentes sobre depósitos de poupança, visto que elaperdeu, por força de ato de império, a total disponibilidade dos saldosdepositados, que foram compulsoriamente transferidos para o Banco Central.- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.” (STJ,REsp nº 149255-SP, DJ 21.02.2000, Relator Min. César Asfor Rocha)

Melhor sorte não assiste à apelante ao alegar a impossibilidade jurídica do

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pedido.

Caso o pleito apenas não encontre amparo no ordenamento jurídico, trata-sede hipótese de improcedência e não carência de ação. A possibilidade jurídicado pedido, como condição da ação, verifica-se desde que a lei não vede sejatrazida a juízo a lide existente entre as partes.

Diz ainda a CEF que o juiz a quo, ao ordenar o pagamento aos poupadores detodo o Estado do Paraná, foi além de seu limite jurisdicional que é o dacircunscrição judiciária em que proposta a lide, consoante o art. 2º da Lei9.494/97, com redação dada pela Medida Provisória nº 1.984-18, de 01.06.00.

Sobre a matéria, dispõe o art. 16 da Lei nº 7.347/85:

“ART. 16 - A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites dacompetência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgadoimprocedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquerlegitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-sede nova prova. (artigo, caput, com redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.09.97(DOU de 11.09.97, em vigor desde a publicação).”

Desde a época em que prolatada a sentença, por meio de norma provisória(MP 1.984-15, de 09.03.00, sucessivamente reeditada até a atual MP 2.102-32,de 21.06.01) foi alterada a Lei 9.494/97, nos seguintes termos:

"Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta porentidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados,abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação,domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.

Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra entidades daAdministração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios, a petição inicial deverá obrigatoriamenteestar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que aautorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicaçãodos respectivos endereços." (NR)

Sobre o tema em análise, assim já se manifestou esta Corte:

“COMPETÊNCIA – EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –EXECUÇÃO DE SENTENÇA – LIMITES – JUÍZO DA EXECUÇÃO – LEGITIMIDADE.

A execução da sentença condenatória, na ação civil pública, não segue a regra

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geral do Código de Processo CIVIL (art. 575, II), mas sim obedece a disciplinaespecial inscrita no Código de Defesa do Consumidor, que reconhece sercompetente para a execução individual de sentença ‘o juízo da liquidação dasentença ou da ação condenatória’ (art. 98, § 2º, inc. I, Lei nº 8.078/90). Nessecaso, o juízo da execução pode ser o do foro do domicílio do credor, ainda maisem se tratando de ação movida contra a União, nos termos do art. 109, § 2º,da Constituição Federal. Os ‘limites da competência territorial do órgãoprolator’ de que trata o art. 16 da Lei nº 7.347/85, não são aqueles fixados naregra de organização judiciária quanto à competência do juízo, mas sim os quedecorrem do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, em função doalcance do dano que deu causa à demanda. Legitimidade do consumidordomiciliado no Estado do Paraná que recolheu o empréstimo compulsóriosobre combustíveis para promover a execução individual da sentença.” (CC1332, Processo: 1999.04.01.071894-8/PR, 1ª Seção, DJU 01.11.2000, RelatorJuiz Amir José Finocchiaro Sarti)

“AÇÃO RESCISÓRIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA POR ASSOCIAÇÃO DEDEFESA DO CONSUMIDOR PARA A RESTITUIÇÃO DO EMPRÉSTIMOCOMPULSÓRIO INCIDENTE SOBRE O CONSUMO DE COMBUSTÍVEIS. EFEITOS DASENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE COISA JULGADA. LEGITIMIDADE ATIVA.

1. O argumento de que a extensão de eficácia erga omnes somente é cabívelnas hipóteses previstas originalmente na Lei nº 7.347/85 cai por terra diante daautorização expressa para a interação entre a Lei da ação civil pública e oCódigo de Defesa do Consumidor (art. 21 da Lei nº 7.347/85, com a redaçãoque lhe foi dada pelo art. 117 da Lei nº 8.078/90). Assim, afasta-se a alegaçãode incompetência do juízo da 4ª Vara Federal de Curitiba para a concessão deamplitude territorial à sentença, porquanto tal amplitude está prevista noordenamento jurídico nos artigos 16 da Lei nº 7.347/85 e 103 da Lei nº8.078/90 e é efeito da sentença em ação deste gênero.

2. Não procede a alegação de afronta à coisa julgada porque a ação, alegadaidêntica, porém de âmbito nacional, teve como autor o Instituto Brasileiro deDefesa do Consumidor - IDEC, foi julgada extinta por ilegitimidade ativadaquela associação. Ora, além de não haver sequer identidade de partes, omérito, no caso, não foi apreciado, não havendo, portanto, coisa julgadamaterial, pois não chegou a ser apreciada a substância da controvérsiaestabelecida entre aquelas partes.

3. Não há falar em ilegitimidade ativa da APADECO, pois a lei autoriza apropositura de Ação civil pública por associações que incluam entre suasfinalidades institucionais, entre outras, a proteção ao consumidor ou a

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qualquer interesse difuso ou coletivo e a APADECO, expressamente, tem porfinalidade essencial promover a defesa do consumidor, de acordo com asnormas do Código de Defesa do Consumidor (CODECOM) e legislaçãocorrelata, como também dos contribuintes e quaisquer outra s pessoas,relativamente aos danos causados ao meio ambiente e a qualquer outrointeresse difuso ou coletivo, na forma da Lei de Ação civil pública e legislaçãovigente.” (AR 1044, Processo: 1998.04.01.065097-3/RS, 1ª Seção, DJU22.03.2000, Relator Juiz Vilson Darós)

“ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE REMUNERAÇÃO.ACRÉSCIMO DE 9,56%. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. AGRAVO DEINSTRUMENTO. Presentes os pressupostos legais, deve ser deferida aantecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. A modificação da redação doart. 16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da alteraçãodo art. 103 da Lei nº 8.078/90, por parcial restou ineficaz, inexistindo por issolimitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão prolatada em açãocivil pública, baseada quer na própria Lei nº 7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90.Se a recorrente, descumprindo a paridade legal, converteu os valores dareferida tabela impondo uma maior quantidade de cruzeiros reais, provocandoo desequilíbrio econômico-financeiro da relação custo-benefício antesexistente entre as partes, em prejuízo da agravada, essa distorção não sejustifica pelo pacto celebrado entre os Ministérios da Saúde, da Fazenda e asdemais entidades mencionadas nas contra-razões recursais, porque, emmatéria de evidente interesse público, não se pode sobrepor a convenção aocomando legal.” (AG 49762, Processo: 1999.04.01.091925-5/RS 4ª Turma, DJU13.12.2000, Relator Juiz Valdemar Capeletti)

Neste tópico, faz-se oportuno salientar que o argumento da CEF no sentido dainaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor é afastado por expressadisposição do art. 21 da Lei 7.347/85, que reza: “Aplicam-se à defesa dosdireitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, osdispositivos do Título III da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, queinstituiu o Código de Defesa do Consumidor” (artigo acrescentado pela Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990).

Como bem ressaltam as decisões acima transcritas, os limites da competênciaterritorial do órgão prolator, de que tratam os arts. 16 da Lei nº 7.347/85 e 2º-A da Lei 9.494/97, não são aqueles fixados na regra de organização judiciáriaquanto à competência do juízo, mas, sim, os que decorrem do art. 93 doCódigo de Defesa do Consumidor, em função do alcance do dano que deucausa à demanda. Dispõe referido art. 93, que:

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“Art. 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para acausa a justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbitolocal;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos deâmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civilnos casos de competência concorrente.”

Feitas estas considerações, verifica-se que deve ser mantida a amplitude doalcance dos efeitos do decisum ao Estado do Paraná, conforme constou dadecisão recorrida, com fundamento no art. 16 da Lei nº 7.347/85, já transcrito,e no art. 103 da Lei nº 8.078/90, do seguinte teor:

“Art. 103 - Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisajulgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiênciade provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação,com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I doparágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvoimprocedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior,quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art.81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiartodas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo únicodo art.81.

§ 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarãointeresses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo,categoria ou classe.

§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, osinteressados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortespoderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art.16, combinado com o art. 13da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações deindenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ouna forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as

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vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução,nos termos dos artigos 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penalcondenatória.”

A apelante ainda ergueu exceção de prescrição relativamente aos juros, nostermos do art. 178, § 10, III, do CCB.

Quanto a estes, entendeu a MM. Juíza singular que, no caso das cadernetas depoupança não são advindos do não cumprimento de obrigações, mas sãoestipulados contratualmente para remuneração do capital, constituindo-se, aolado da correção monetária, em obrigação principal, e não acessória.

Com efeito. Nas ações de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta depoupança, tanto o pedido de incidência de determinado índice de correçãomonetária quanto o de juros remuneratórios constitui-se no próprio crédito, enão em acessório, sendo, inaplicável o prazo qüinqüenal do artigo 178, §10, III,do Código Civil.

Na espécie, tratando-se de ação pessoal, o prazo prescricional é o vintenário enão pode a empresa pública pretender o mesmo tratamento dispensado àFazenda Pública.

Neste sentido, assim já decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“ECONÔMICO. PROCESSUAL CIVIL. BANCO DEPOSITÁRIO. CADERNETA DEPOUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. CRITÉRIO. IPC DE JANEIRO DE 1989(42,72%). PRESCRIÇÃO DOS JUROS. INEXISTENTE.

I - O Superior Tribunal de Justiça já firmou, em definitivo, o entendimento deque no cálculo da correção monetária para efeito de atualização de cadernetade poupança iniciadas e renovadas até 15 de janeiro de 1989, aplica-se o IPCrelativo àquele mês em 42,72% (Precedente: REsp n. 43.055-0/SP, RelatorMinistro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 20.02.95).

II - Descabida a prescrição qüinqüenal dos juros com base no art. 178,parágrafo 10, inciso III, do Código Civil.

III - Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido.” (STJ,REsp 266150, Processo: 2000.00.67713-2/SP, 4ª Turma, DJ 19.02.01, Rel Min.Aldir Passarinho Junior)

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É de ser rejeitada, portanto, a exceptio stricti iuris de prescrição.

No que tange ao mérito do Plano “Bresser”, as alterações ocorridas emdecorrência da implementação deste plano não podem refletir sobre aspoupanças que já tiveram o seu período aquisitivo iniciado ou renovado, ouseja, tais alterações só poderão ser levadas em consideração para aspoupanças abertas ou renovadas a partir da entrada em vigor da novalegislação, devendo-se observar o índice vigorante no início do trintídio quecorresponde, efetivamente, a direito adquirido do poupador. Tendo iniciado operíodo aquisitivo, não poderá a instituição financeira depositária modificar oíndice pactuado. Basta apenas que o poupador espere o transcurso temporallegal para que possa exercer o direito de receber o índice acordado. A lei quealtera o critério de remuneração dos depósitos em caderneta de poupança nãoincide sobre os contratos cujo trintídio se tenha iniciado ou renovadoanteriormente a sua vigência, sendo a instituição financeira depositária partepassiva legítima para compor o feito, pois a relação jurídica decorrente docontrato de depósito em caderneta de poupança estabelece-se entre opoupador e o agente financeiro depositário.

A Resolução nº 1.338/87 do Banco Central do Brasil - BACEN, só poderia surtirefeito a partir de 16.06.87, data em que entrou em vigor. Assim, o poupadortem assegurado o direito às diferenças de correção monetária com base noIPC, em junho de 1987, para as contas que iniciaram ou renovaram o períodoaquisitivo antes de 16.06.87.

Sobre o assunto, trago à colação as ementas a seguir transcritas:

“DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA. ALTERAÇÃO DO CRITÉRIODE ATUALIZAÇÃO. JUNHO/87. DIREITO ADQUIRIDO DO DEPOSITANTE.PRECEDENTES. RECURSO NÃO-CONHECIDO.

I - A jurisprudência desta Corte orientou-se no sentido de que as regrasrelativas aos rendimentos da poupança, resultantes das Resoluções 1.336/87,1.338/87 e 1.343/87, do Conselho Monetária Nacional, aplicam-se aosperíodos aquisitivos iniciados a partir do dia 17 de junho de 1987, de sorte apreservar o direito do depositante de ter creditado o valor relativo ao IPC paracorrigir os saldos em contas cujo trintídio se iniciou antes dessa data.

II - A retirada do dinheiro antes de completados os trinta dias - e essaconsciência o poupador a tem também no momento da celebração ourenovação da aplicação - importa apenas na perda voluntária do direito aorendimento, perda que, contudo, decorre de atitude unilateral facultadacontratualmente ao investidor de não mais se dispor a cumprir a condição

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suspensiva a que se deveria submeter para fazer jus a contraprestaçãoremuneratória ajustada.

III - O que não se admite, porém, é que, uma vez transcorrido o lapso temporalexigível sem retiradas, cumprido portanto pelo poupador tudo o que lheincumbia, a instituição financeira venha a creditar o rendimento com base emíndice diverso do vigente à época da contratação.

IV - Eventuais alterações na política econômica, decorrentes de planosgovernamentais, não afastam, por si, a legitimidade ad causam das partesenvolvidas em contratos de direito privado, inclusive as instituições financeirasque atuam como agentes captadores. Existindo vínculo jurídico de índolecontratual entre as partes, a legitimidade não se arreda pela simplescircunstância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possamafetar a relação entre os contratantes” (REsp 950077709-MG, STJ, 4ª Turma,Rel. Min. Salvio de Figueiredo, julg. 13.05.96, DJU de 10.06.96, p. 20.339).

“CIVIL. PROCESSO CIVIL. POUPANÇA. RESOLUÇÃO 1338/87. LEGITIMIDADEPASSIVA.

Devem figurar como partes no feito tão-somente aqueles que participaram docontrato de poupança, no caso, o autor, na qualidade de titular da conta-poupança, e a CEF como instituição financeira captadora dos recursos.

Os depósitos que, em 15.06.87, já haviam começado o ciclo mensal dapoupança fazem jus a correção, no mês de junho/87, pela variação integral doIPC. Nesse sentido, aliás, a decisão do Plenário do TRF da 4ª Região na Argüiçãode Inconstitucionalidade na AC 89.04.09727-4/RS (julgada em 13.05.92), queacolheu a argüição relativamente ao item III da Resolução 1338/87

Recurso improvido” (AC nº 91.04.05286-2-RS, TRF-4ª Região, 3ª Turma, Rel.Juiz Volkmer de Castilho, julg. em 21.06.94, DJU de 20.07.94, p. 38.595).

Passando à questão de fundo no "Plano Verão", devo dizer que inicialmente,como juíza monocrática, acolhi a tese sustentada pela CEF, qual seja, não têmos poupadores direito adquirido a um determinado índice ou indexadores. A leipode alterar a sistemática de remuneração dos ativos financeiros, e é deaplicação imediata, infiltrando-se nos contratos em vigor, sem ofensa ao pactasunt servanda. No entanto, refletindo novamente sobre a questão, esopesando a inutilidade de ser mantida posição isolada sobre a matéria,acompanho a douta maioria desta Corte, posição também acolhida peloColendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o rendimento dascadernetas de poupança está subordinado às normas vigentes na data do

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depósito inicial, se for o caso, na renovação mensal do contrato. Entregue,depositado o dinheiro mediante remuneração a ser creditada no prazo de 30(trinta) dias, aperfeiçoa-se o contrato, entrando no mundo jurídico sob o pálioda lei vigente na ocasião. Tem, então, o depositante ou poupador o direitoadquirido de obter, pelo depósito que efetuou, a remuneração contratada, eque se tornará exigível tão logo se verificar o prazo contratual. Assim, aspoupanças cuja data de contratação ou renovação seja anterior à da entradaem vigor da Medida Provisória nº 32/89, após Lei nº 7.730/89, regem-se pelasnormas anteriormente vigentes. Na modalidade de contrato em referência, —caderneta de poupança — há a plena autonomia de cada período mensal dedepósito e ocorre automática renovação, daí, as poupanças firmadas após avigência da Medida Provisória nº 32/89, de 15.01.89, ou renovadas após estadata, se aplica a lei nova, isto aos contratos ou renovações a partir de 16.01.89.

É esta a orientação da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e daimensa maioria dos julgados a propósito do tema.

Isso posto, nego provimento ao apelo.

É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.70.00.000016-6/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti

Apelante: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná - CEFET/PR

Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams

Apelados: Luiz Carlos Ferreira Lima e outros

Advogados: Drs. José Ronaldo Carvalho Saddi e outro

Remetente: Juízo Substituto da 5ª Vara Federal de Curitiba/PR

ementa

Mandado de segurança. Servidor público. Quintos incorporados. Limitação aopoder de autotutela da administração pública. Lei nº 9.784/99. Decadênciaquinqüenal. Direito adquirido.

1. Não obstante haja a fixação, por intermédio da Portaria nº 474/87, devalores remuneratórios das Funções Comissionadas (FC) e das Funções

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Gratificadas (FG) e, posteriormente, com o advento da Lei nº 8.168/91, haja adeterminação da transformação das funções de confiança em cargos dedireção – CDs e em funções gratificadas – FGs, provocando redução nasrespectivas remunerações, é incabível que a Administração Pública proceda àanulação dos atos administrativos atinentes à incorporação dos quintos nasremunerações ou nos proventos, durante a vigência da Lei nº 7.596/87, umavez que se operou a decadência pelo transcurso do prazo de cinco anos,previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, norma consistente na limitação ao poderde autotutela.

2. O art. 54 da Lei nº 9.784/99 traduz-se em regra assecuratória do princípio dasegurança jurídica, consistente no sentido de impedir que a AdministraçãoPública, a qualquer tempo, proceda à anulação, sem maiores óbices, de atoscom aparência de ilegalidade concernente a direitos dos administrados.

3. Somente os servidores que incorporaram em seus vencimentos ouproventos os valores da Função Comissionada (FC) antes do advento da Lei nº8.168/91 estarão assegurados de sofrer qualquer redução, em razão deestarem sob o pálio do princípio constitucional do direito adquirido.

acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide aEgrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos dorelatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.

Porto Alegre, 03 de abril de 2001.

Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator.

relatório

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de remessa oficial e derecurso de apelação interpostos contra sentença que, em ação mandamental,concedeu a segurança pleiteada para o fim de determinar às autoridadesimpetradas que se abstenham de efetuar qualquer redução do valor da FunçãoComissionada ou Função de Confiança que vem sendo paga aos impetrantes naforma da Portaria nº 474/87, expedida pelo MEC, em 26.08.87, mantendo-seos seus respectivos vencimentos nas bases atuais, não lhes aplicando o ParecerGQ nº 203/93 da AGU.

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Aduzem os impetrantes, servidores públicos federais ativos e inativos,integrantes do quadro do Centro Federal de Educação Tecnológica do Estadodo Paraná (CEFET/PR), que, em razão de haverem exercido cargo por tempoexigido por lei, incorporaram em seus vencimentos/proventos FunçõesComissionadas ou Funções de Confiança (FC), oriundas do Plano Único deClassificação e Retribuição de Cargos e Empregos – PUCRCE, criado pela Lei nº7.596, de 10.04.87, havendo percebido, até a data da impetração, seusvencimentos, nos termos do Decreto nº 94.664, de 23.07.87 e da Portaria474/MEC, de 26.08.87. Com o advento posterior da Lei nº 8.168/91, as funçõesde confiança – FC foram transformadas em Cargos de Direção (CD), mantendo-se, todavia, as funções comissionadas aos seus ocupantes, com supedâneo naaludida Portaria. Entrementes, com a edição do Parecer 203/99, da AGU, foideterminado que os valores percebidos pelos servidores a título de funções deconfiança deveriam ser os mencionados na Lei nº 8.168/91, em virtude de queo valor das FCs não pode ser fixado em Portaria do Ministério da Educação, jáque constitui competência privativa do Presidente da República. A Lei nº8.168/91, transformou as funções de confiança em cargo de direção (CD) e asfunções gratificadas em FGs, reduzindo as remunerações dos servidores.

Alegam que tal modificação viola os princípios constitucionais do direitoadquirido e da irredutibilidade dos vencimentos. Asseveram, ainda, que seoperou a decadência do direito da Administração Pública para anular essesatos, forte no art. 54 da Lei nº 9.784/99.

Notificada, a autoridade impetrada prestou informações (fls. 41/51).

A liminar foi deferida (fl. 52).

Sobreveio sentença, na qual o MM. Juízo a quo concedeu a segurança, nostemos acima referidos, ressaltando que a situação não se sujeita à redação doparágrafo único do art. 5º da Lei nº 4.348/64, porquanto não se trata dereclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagensaos servidores públicos, e sim da preservação de situação jurídica contraarbitrariedades da Administração Pública.

Irresignada, interpõe recurso de apelação a União, sustentando que éimpossível se cogitar acerca de eventual decadência, com base no art. 54 da Leinº 9.784, de 29 de janeiro de 1999; a inconstitucionalidade da Portaria nº474/87; a não-recepção da aludida Portaria por lei posterior; a inexistência dedireito adquirido; e a ausência de violação ao princípio da irredutibilidade dosvencimentos.

Sem contra-razões, os autos subiram a este Tribunal.

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Nesta instância, opinou o representante do Ministério Público Federal peloprovimento da apelação e da remessa oficial.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Ajuizaram os impetrantes opresente writ com o escopo de determinar às autoridades impetradas que seabstenham de aplicar o Parecer nº 203/99 da AGU, mantendo o pagamentoàqueles da vantagem pessoal decorrente do exercício de funções de confiançaestabelecidas na Portaria nº 474/87 do Ministério da Educação.

Não merece guarida a irresignação da União.

Os impetrantes, servidores públicos federais ativos e inativos do quadro doCentro Federal de Educação Tecnológica do Paraná – CEFET/PR, ocuparamcargo por determinado período de tempo, havendo incorporado, em razãodisso, em seus vencimentos/proventos Funções Comissionadas ou Funções deConfiança (FC).

No passado, os servidores públicos ocupantes de função de confiança emInstituições Federais de Ensino percebiam valores fixados para os grupos deDireção e Assessoramento Superior – DAS e de Direção e AssistênciaIntermediária – DAI. Com o advento da Lei nº 7.596/87, instituiu-se o PlanoÚnico de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos – PUCRCE, o qualtransformou os DAS e os DAI em Funções Comissionadas – FCs, estabelecendoem seu art. 3º que, in verbis:

“Art. 3º. As universidades e demais instituições federais de ensino superior,estruturadas sob a forma de autarquia ou de fundação pública, terão um PlanoÚnico de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos para o pessoaldocente e para os servidores técnicos e administrativos, aprovado, emregulamento, pelo Poder Executivo, assegurada a observância do princípio daisonomia salarial e a uniformidade de critérios tanto para ingresso medianteconcurso público de provas, ou de provas e títulos, quanto para a promoção eascensão funcional, com valorização do desempenho e da titulação doservidor.

§1º. Integrarão o Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos eEmpregos previsto neste artigo: a) (...); b) as funções de confiança,compreendendo atividades de direção, chefia e assessoramento; (...)”.

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Essa Lei passou a ser regulamentada pelo Decreto nº 94.664/87, quedisciplinou o PUCRCE e pela Portaria nº 474/87, expedida pelo Ministro daEducação e da Cultura, o qual fixou o quadro remuneratório das FCs,apresentando eficácia financeira retroativa a abril de 1987. Assim previa o art.64 do referido Decreto:

“Art. 64. O Ministro de Estado da Educação, cumpridas as disposições em vigore as diretrizes da política de pessoal civil da União, expedirá normascomplementares à execução do disposto neste Plano no prazo de 30 (trinta)dias, contados da data de sua publicação”.

Assim, no exercício da delegação atribuída pelo artigo acima transcrito, oMinistro da Educação expediu a Portaria nº 474, em 26.08.87, que em seu art.2º, previu:

“Art. 2º. As Funções Comissionadas são as previstas no Anexo I, devendo serexercidas em regime de tempo integral.

Parágrafo único. A regulamentação das Funções Comissionadas previstas noAnexo I terá valor igual ao da remuneração do Professor Titular da Carreira doMagistério Superior, em regime de Dedicação Exclusiva, com Doutorado,acrescidas dos percentuais a seguir especificados:

FC – 01 – 80%

FC – 02 – 65%

FC – 03 – 55%

FC – 04 – 40%

FC – 05 – 30%

FC – 06 – 20%

FC – 07 ---.”

Posteriormente, a Lei nº 8.168/91 determinou a transformação das funções deconfiança em cargos de direção – CDs e em funções gratificadas – FGs,provocando redução nas respectivas remunerações. Por derradeiro, entrou emvigor a Lei nº 8.911, de 11.07.94, a qual, em seu art. 8º, manteve os quintosconcedidos.

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O quadro de remuneração previsto na Portaria nº 474/87 vigorou até oadvento da Lei 8.168/91, que determinou a redução dos valores das funções deconfiança, não obstante os servidores haverem continuado a perceberremuneração com supedâneo na referida Portaria até o surgimento do Parecernº 203/99 da AGU, que regulamentou os patamares remuneratóriosestabelecidos pela Lei nº 8.168/91. Infere-se, portanto, que, desde o ano de1991, a Administração manteve os vencimentos dos servidores com fulcro naPortaria nº 474/87 do MEC, apesar de sua revogação.

A Advocacia-Geral da União, mediante o Parecer nº GQ Nº 203/99, objetiva oreconhecimento da nulidade da aludida Portaria de 1987, uma vez que oMinistro da Educação, consoante o ordenamento constitucional na época(Constituição da República de 1967, com a redação dada pela EmendaConstitucional nº 1, de 1969), não era competente para fixar remuneração deservidores públicos, bem como proceder à equiparação da remuneração dasFunções Comissionadas (FC) aos vencimentos dos Professores Titulares deNível Superior.

Entrementes, a Constituição anterior, em seu art. 43, inciso V, previa que:

“Art. 43. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente daRepública, dispor sobre todas as matérias de competência da União,especialmente: (...); V – criação de cargos públicos e fixação dos respectivosvencimentos, ressalvado o disposto no item III do artigo 55; (...).”

Em decorrência dessa competência, editou-se a Lei nº 7.596/87, a qual criou oPlano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos (PUCRCE).

Analisando-se a evolução da legislação pertinente, vislumbra-se que o entãoMinistro de Estado da Educação, por intermédio da Portaria nº 474/87,procedeu à fixação dos valores remuneratórios das Funções Comissionadas(FC) e das Funções Gratificadas (FG), mediante delegação conferida ao Chefedo Poder Executivo. A Lei nº 7.596/87 atribuiu ao Chefe do Poder Executivo aregulamentação do PUCRCE, e este, ao proceder à regulamentação, conferiuao Ministro de Estado da Educação a expedição de normas complementares àexecução do disposto no referido Plano, as quais foram expedidas pela Portarianº 474/87 do MEC. Esta limitou-se a dispor sobre questões atinentes aoPUCRCE, tais como, a retribuição das FCs, a qual necessitava deregulamentação no decreto presidencial para sua viabilidade.

Dessa forma, não há que falar em invalidade da delegação, uma vez que esta,na vigência da Constituição de 1967, somente era vedada nas seguinteshipóteses, consoante o parágrafo único do art. 52:

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“Art. 52. (...)

Parágrafo único. Não serão objeto de delegação os atos de competênciaexclusiva do Congresso Nacional, nem os da competência privativa da Câmarados Deputados ou do Senado Federal, nem a legislação sobre:

I – a organização dos juízos e tribunais e as garantias da magistratura;

II – a nacionalidade, a cidadania, os direitos políticos e o direito eleitoral; e

III – o sistema monetário.”

Destarte, depreende-se que a fixação de vencimentos de servidores públicosnão constituía matéria proibitiva passível de delegação, bem como decompetência exclusiva do Congresso Nacional, nem de competência exclusivada Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Logo, a delegação prevista noart. 3º da Lei nº 7.596/87 encontrava-se em consonância com o ordenamentoconstitucional vigente, sendo que o mesmo se pode inferir atinente ao Decretonº 94.664/87 e à Portaria nº 474/87 do MEC.

De outra banda, cediço é que, em revendo os seus atos, a AdministraçãoPública, quando incorrer em erro, pode anulá-los quando eivados deilegalidade, com arrimo no art. 114 da Lei nº 8.112/90 e no enunciado daSúmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, que assim reza:

“Súmula 473 – A Administração pode anular os próprios atos quando eivadosde vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ourevogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados osdireitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Entretanto, in casu, a anulação pretendida do ato administrativo expedido peloMinistério da Educação e da Cultura esbarra em limites temporais, conforme odisposto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, que segue in verbis:

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de quedecorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos,contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§1º. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§2º. Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida deautoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”.

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Constata-se, logo, que já se passaram mais de treze anos, contados da data daedição da aludida Portaria, em 28 de agosto de 1987, havendo extrapoladototalmente o prazo decadencial de cinco anos. O legislador ordinário, aoestabelecer tal prazo qüinqüenal, objetiva, em verdade, assegurar os efeitospatrimoniais oriundos de atos dos quais ensejam efeitos favoráveis para osdestinatários, com o fito de elidir que os mesmos se submetam eternamente aeventuais anulações por parte da Administração. Trata-se de regra comsupedâneo no princípio da segurança jurídica, consistente no sentido deimpedir que a Administração Pública, a qualquer tempo, proceda à anulação,sem maiores óbices, de atos com aparência de ilegalidade concernente adireitos dos administrados.

Destarte, somente os servidores que incorporaram em seus vencimentos ouproventos os valores da Função Comissionada (FC) antes do advento da Lei nº8.168/91 estarão assegurados de não sofrer qualquer redução, em razão deestarem sob o pálio do princípio constitucional do direito adquirido.

Insta salientar que a Lei nº 9.624/98, no parágrafo único de seu art. 8º,manteve os quintos concedidos, conforme se verifica abaixo:

“Art. 8º Os proventos de aposentadoria com as vantagens dos arts. 180 da Leinº 1.711, de 28 de outubro de 1952, ou 193 da Lei nº 8.112, de 1990, serãoreajustados em decorrência da remuneração fixada pela Lei nº 9.030, de 1995,vigorando os efeitos financeiros.

(...)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos proventos dosservidores que se aposentaram até a data da vigência dos efeitos financeirosdecorrentes da Lei nº 8.168, de 16 de janeiro de 1991, com as vantagens defunção comissionada do sistema e classificação de cargos instituídos naconformidade da Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987, bem assim aos proventosdos que foram aposentados após aquela data, com as vantagens de cargos dedireção ou funções gratificadas, previstas na Lei nº 8.168, de 1991” (grifei).

Nesse sentido, trago à colação orientações jurisprudenciais iterativas destaCorte, que seguem in verbis:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA DAAUTORIDADE COATORA. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. SERVIDORES INATIVOS.SÚMULA STF 339.

1. (...).

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2. Os quintos já incorporados na vigência das Leis nos 6.732/79 e 7.596/87 nãopodem ser reduzidos pela Lei nº 8.161/91, quando da transformação da funçãocomissionada (FC) em cargo de direção (CD), em virtude da garantiaconstitucional da irredutibilidade de vencimentos e do direito adquirido.

3. A recomendação do Ofício-Circular 30 SRH/MARE de 11.07.96, baseado nadecisão 322/95-TCU, de 12.07.95, para o decesso remuneratório dos quintosincorporados antes do advento da Lei nº 8.168/91, que transformou a funçãocomissionada (FC) em cargo de direção (CD) ou função gratificada (FG),reduzindo os seus valores, afronta os princípios da irredutibilidade devencimentos (art. 7º, VI, c/c art. 37, XV) e do direito adquirido (art. 5º, XXXVI).

4. Induvidosa a legalidade da incorporação dos quintos por desempenho daantiga função comissionada (FC) calculados com base nas Leis 6.732/79 e7.596/87, esta última regulada pelo Decreto nº 94.664/87 e operacionalizadapela Portaria nº 474/MEC.

5. Implementados os requisitos para a aposentadoria, passa o servidor a ter odireito de proventos e todas as vantagens incorporadas calculados pela leivigente à época em que se aposentou. Precedentes desta colenda Corte: AMS97.04.02136-4/RS, in RTRF4ªR n° 36, p. 56/60. Súmula STF nº 339.

6. Apelação e remessa oficial improvidos” (4ª Turma, AC nº 96.04.63447-0/SC,Rel. Juiz Alcides Vettorazzi, decisão unânime, DJU de 09.08.2000, p. 243).

“SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DA APOSENTADORIA. OFÍCIO-CIRCULAR Nº 30,DE 11.07.96, DA SECRETARIA DE RECURSOS HUMANOS DO MARE. QUINTOS.ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE NA ORIGEM. DIREITO ADQUIRIDO E ATO JURÍDICOPERFEITO. Se a Portaria 474/87, do Ministro da Educação e da Cultura, queestabeleceu os valores das Funções de Confiança, nunca foi invalidada porautoridade competente, e se não é flagrantemente inconstitucional, é precisoadmitir a validade dos efeitos por ela produzidos e incorporados ao patrimôniojurídico dos aposentados, quando obtiverem as respectivas aposentadorias.Isso significa que, enquanto não forem formal e expressamente invalidadas asnormas que garantiram os valores da aposentadoria concedida, não é possívellevar adiante a revisão pretendida pelo Ofício-Circular nº 30, SRH do MARE,pois não a permite o direito adquirido e o ato jurídico perfeito” (4ª Turma, AMSnº 97.04.02131-3/RS, Rel. Juiz Zuudi Sakakihara, decisão unânime, DJU de09.08.2000, p. 243).

Por derradeiro, no tocante à asserção de que inexiste violação ao princípioconstitucional da irredutibilidade de vencimentos, reputo-a insubsistente,

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porquanto a aplicação da determinação do Parecer GQ nº 203 da AGU implicaredução nos vencimentos e nos proventos, o que é inaceitável, tendo em vistaque se deve relevar uma situação que se encontra consolidada há mais detreze anos, qual seja, a incorporação das Funções Comissionadas ou Funçõesde Confiança (FC), desde de abril de 1987. Ademais, como muito bemponderado pela Magistrada sentenciante, não obstante o referido Parecer, quepassou a ser adotado pelo Presidente da República, tenha inferido pela eiva dainconstitucionalidade que estaria maculando a Portaria 474/87 do MEC, oTribunal de Contas da União, por outro lado, entendeu pelainconstitucionalidade da Lei nº 8.168/91.

Assim, chega-se à ilação de que se torna oportuna, para o momento, atranscrição da lição, consignada na sentença (fl. 76), de Almiro do Couto eSilva, na Revista de Direito Administrativo nº 204, Renovar, 1996, p. 25:

“...No direito público, não constitui uma excrescência ou uma aberraçãoadmitir-se a sanatória ou o convalescimento do ato nulo. Ao contrário, emmuitas hipóteses o interesse público prevalecente estará precisamente naconservação do ato que nasceu viciado mas que, após, pela omissão do PoderPúblico em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nosdestinatários a crença firme na legitimidade do ato. Alterar esse estado decoisas, sob o pretexto de restabelecer a legalidade, causará mal maior do quepreservar o status quo.

Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença in totum.

Em face do exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.00.003620-7/SC

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales

Apelante: União Federal

Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva

Apelados: Nedir Machado da Rosa e outro

Advogado: Dr. Jeferson Alexandre Ubatuba

Remetente: Juízo Substituto da 4ª Vara Federal de Florianópolis/SC

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EMENTA

Administrativo. Constitucional. Anulação de processo administrativo disciplinar.Portaria inaugural. Vício de nulidade insanável por ausência de delimitação dalide.

1. Ficou devidamente comprovado nos autos, mediante prova documental, quea Portaria nº 138, de 23 de novembro de 1998, e a Portaria nº 759, de 20 deagosto de 1999, não fazem nenhuma referência aos fatos a serem apuradosnos Processos Administrativos Disciplinar, promovidos contra os autores e queredundaram na pena de demissão.

2. As aludidas Portarias também deixaram de apontar o enquadramento legalque justificaria a instauração do Processo Administrativos Disciplinar.

3. Tanto a Doutrina como a Jurisprudência são unânimes quanto à nulidade dePortaria instauradora de Processo Administrativo Disciplinar que não contenhaa descrição e qualificação dos fatos, a acusação imputada e seuenquadramento legal, para delimitar a lide e propiciar o exercício da maisampla defesa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aTerceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao recurso e à remessa oficial, nos termos do relatório, votoe notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de junho de 2001.

Des. Federal Luiza Dias Cassales, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: Trata-se de ação ordináriaproposta por Nedir Machado da Rosa e Maria Lúcia Seara de Abreu, auditoresfiscais do trabalho, contra a União Federal, objetivando a anulação do ProcessoAdministrativo Disciplinar nº 46010.001146/99-68, e seu conseqüentearquivamento, tendo em vista a inobservância de formalidades legais ao longode sua tramitação, tais como a coisa julgada administrativa, a adstrição dasapurações da Comissão aos fatos elencados na portaria de instauração, atipicidade dos fatos apurados capazes de ensejar a aplicação da pena dedemissão e a garantia de imparcialidade dos membros da Comissão,

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irregularidades essas que teriam comprometido seu direito à ampla defesa.

Dizem na inicial que, em maio de 1998, foram oferecidas duas denúnciascontra funcionários públicos federais lotados na Delegacia Regional doTrabalho de Santa Catarina, dentre os quais figuravam os autores, sob aalegação de que teriam compelido empresários à contratação dos serviços deprofissionais por eles indicados para a elaboração do PCMSO – Programa deControle Médico e de Saúde Ocupacional. Em decorrência das denúncias,foram instaurados, pela Portaria nº 138, os Processos Administrativo-Disciplinares nos 46220.005437/98-51 e 46220.005473/98-14 que, por teremobjetos idênticos, foram apensados e passaram a correr sob o nº46220.005473/98-14. Posteriormente, em razão da substituição de um dosmembros da Comissão, foi editada a Portaria nº 146.

Encerrados os trabalhos, a Comissão concluiu pela falta de razões para oindiciamento dos servidores acusados e sugeriu o arquivamento do processo.Sugeriu, também, que fosse averiguado o fato de que os autores, além deserem sócios da empresa de consultoria denominada Pro Faber Eventos eConsultoria em Saúde Ocupacional Ltda., realizavam atividades de consultoriaparticular. Em razão disso, o Delegado Regional do Trabalho formulou Consultaà Coordenação Geral de Recursos Humanos do Ministério do Trabalho eEmprego e à Secretaria de Segurança e Saúde do Trabalhador que, emresposta, consideraram que os fatos narrados poderiam constituir possíveisinfrações ao artigo 17, XII e XVIII, da Lei nº 8112/90, e ao artigo 9º, VIII, da Leinº 8429/92, devendo ser apurados em novo processo administrativodisciplinar. Além disso, o Parecer da Consultoria Jurídica do MTE acrescentouque tal procedimento poderia, inclusive, objetivar o aprofundamento dasdenúncias que já haviam sido consideradas insubsistentes.

Acolhido o parecer, foi instaurado o Processo Administrativo Disciplinar nº46.01.001146/99-68 e editada a Portaria nº 759, prorrogada pela Portaria nº1736, para apurar as irregularidades apontadas pelo CONJUR/MTE, jáexaminadas nos PADs nos 46220.005437/98-51 e 46220.005473/98-14, bemcomo outras decorrentes. Em razão disso, apesar da primeira Comissão terconcluído pela inocência dos servidores e recomendado o arquivamento doprocesso, a segunda Comissão concluiu pela culpabilidade dos acusados,recomendando a pena de demissão.

Consta, também, da inicial, que, antes de procederem à abertura da empresade consultoria Pro Faber, os autores formularam consulta dirigida ao Secretáriode Segurança e Saúde do Trabalho, acerca da possibilidade e regularidadedaquela sociedade, tendo obtido parecer favorável assinado pela

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Coordenadora-Geral de Recursos Humanos do MTE, que, posteriormente, veioa ser ratificado pelo Delegado Regional do Trabalho de Santa Catarina.

Em síntese, pugnam os demandantes pela nulidade do último PAD, e seuconseqüente arquivamento, porque a) a nova apreciação de fatos já apuradose decididos ofende a coisa julgada administrativa, b) a consulta prévia acercada sociedade e o respectivo parecer favorável não foram considerados pelaConsultoria Jurídica, c) é flagrante a parcialidade e suspeição dos membros daComissão, que emitiram juízos de valor sobre os servidores, ofensivos einfundados, durante o interrogatório, e d) inexistente a tipicidade dos fatosapurados e exacerbada a pena sugerida.

Acostaram à inicial os seguintes documentos: Denúncias (33/36), ParecerAssessoria Jurídica DRT/SC (37/38), Portaria 138, designando a Comissão paraprocesso 5473/98-14 (39), Inquirição de testemunhas (45/52), Relatório CPAD138 (59/65), Consulta da DRT à Secretaria de Segurança e Saúde – SSS (61/62),Parecer CONJUR (68/69), Consulta dos sindicados à SSS (73), Informação daCoordenadora de Recursos Humanos (77), Oitiva de testemunhas (81/114) eRelatório final CPAD 759 (122/331).

Citada, a União Federal contestou o feito, argüindo preliminar de carência daação, por impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista que a pretensãodos autores – de anular processo administrativo legalmente instaurado - não seinclui dentre as que são reguladas pelo direito objetivo. No mérito, alega que aabertura de novo processo administrativo disciplinar ocorreu em razão daconexidade existente entre os fatos novos e aqueles que foram objeto doprocedimento findo. Além disso, a conclusão de um processo administrativonão impede a abertura de novo procedimento, fundado de fatos novos e noaprofundamento da apuração já efetivada, tendo em vista que a Administraçãonão só pode, como tem o dever de apurar todas as irregularidades de quetenha notícia.

Sustenta a inexistência de coisa julgada administrativa, uma vez que aAdministração não está impedida de instaurar novo procedimentoadministrativo, quando insatisfatórios os resultados do primeiro, sendopossível, inclusive, a reformatio in pejus nos recursos administrativos,autorizada pelo princípio da verdade material.

No tocante à desconsideração, pela Comissão, das consultas préviasencaminhadas pelos autores, argumenta que os órgãos consultados não têm acompetência legal necessária para fixar a interpretação da lei e que taismanifestações não têm caráter de parecer jurídico, razão pela qual torna-se

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inaplicável à espécie a Decisão nº 81/92 do TCU, que afasta a responsabilidadequando o ato impugnado estiver respaldado em “parecer jurídico”.

Aduz a isso a tipicidade administrativa dos atos praticados pelos demandantes,consubstanciados na sua participação ativa em sociedade prestadora deserviço da qual são sócios majoritários, cuja atividade fundamental é aprestação de serviço pelos próprios servidores, o que é vedado pela Lei nº8.112/90, artigo 117, inciso X.

Juntou aos autos os seguintes documentos: Portaria 759 (348), ParecerCONJUR (350/352), despacho de encerramento da instrução CPAD 138(354/360), decisão do DRT determinando o arquivamento do PAD 138(362/364), Parecer TCU (366/385), Informação da Coordenadora de RecursosHumanos (387), Parecer DRT sobre Pro faber (389/390) e relatório final CPAD759 (394/604).

Pela petição das fls. 3961/3964 os demandantes informaram ao Juízo que, pormeio das Portarias nos 755 e 756, do Ministro de Estado do Trabalho eEmprego, publicadas no DOU de 11.10.2000, foram demitidos, razão pela qualpostularam antecipação de tutela, para tornar sem efeito tais atos normativos.Na mesma ocasião, ofereceram réplica à contestação (fls. 3969/3977) econtraditaram os documentos juntados pela ré.

Pela decisão das fls. 3980/3999 foi deferida a antecipação da tutela, paraanular o PAD nº 46010.001146/99-68, a partir da Portaria, inclusive, edeterminar a imediata reintegração dos autores ao quadro de pessoal daDRT/SC.

Contra essa decisão foi interposto Agravo de Instrumento pela União, autuadoneste Tribunal sob o nº 2000.04.01.142011-0/SC, no qual foi concedido efeitosuspensivo.

Pela petição das fls. 4018/4020, os autores requereram a intimação da ré paraque elaborasse folha suplementar relativa aos meses de outubro e novembro.O pedido restou indeferido porque a intimação da antecipação da tutelaocorreu em 28.11.2000, data em que as folhas de pagamento dos meses emquestão já haviam sido fechadas. Além disso, como a decisão alcançavasomente o mês de dezembro de 2000, foi ressaltado que o pagamento dosmeses de outubro e novembro de 2000 seria feito por precatório, sob pena deviolação do devido processo legal.

A sentença, tendo em vista que a não-explicitação dos atos ilícitos atribuídos

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aos acusados acarretou-lhes cerceamento de defesa, fulminando de nulidadetoda a instrução e atos decorrentes, indo até a cominação da pena dedemissão, violando, também, o devido processo legal, julgou a açãoprocedente para anular o Processo Administrativo- Disciplinar nº46010.001146/99-68, a partir da Portaria, inclusive, determinando a imediatareintegração dos autores ao quadro de pessoal da DRT/SC. Honoráriosadvocatícios fixados em 20% sobre o valor da causa corrigido pela ré.

Da sentença apelou a União Federal, propugnando por sua reforma integral.Argumenta que a pretensão dos autores consiste em uma pretensão não-tutelada pelo direito objetivo, decorrendo, daí, a impossibilidade jurídica dopedido. Diz em suas razões que restou comprovado nos autos do processoadministrativo que os autores fiscalizavam empresas, na qualidade de agentesdo governo, e, ao mesmo tempo, participavam da administração das referidasempresas, o que ensejou a aplicação da penalidade de demissão. Além disso,sustenta a legalidade do procedimento disciplinar impugnado, ratificando quefoi feito com respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampladefesa.

Pela petição das fls. 4070/4071, e alegando que a prolação de sentençaacarretava a perda de objeto do agravo de instrumento, os autores postularamnova ordem judicial no sentido de serem reintegrados ao quadro de pessoal,sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de atraso no cumprimento da decisão.Na mesma oportunidade, ofereceram contra-razões.

O pedido foi indeferido pela decisão da fl. 4102 com base no argumento deque, existindo decisão de Segunda Instância, determinando a suspensão daantecipação da tutela, somente o órgão prolator dessa decisão é que poderádisciplinar seu alcance em face da sentença de mérito proferida.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: A r. sentença anulou o ProcessoAdministrativo-Disciplinar nº 46010.001146/99-68, desde o início,determinando a reintegração dos autores, por cerceamento de defesa, tendoem vista que os atos ilícitos que seriam objeto de averiguação pelo PAD nãoforam explicitados pela Portaria que o instaurou.

O PAD foi instaurado pela Portaria nº 759, de 20 de agosto de 1999, juntada àfl. 364 dos autos, para o fim de constituir Comissão de ProcessoAdministrativo- Disciplinar, nos termos do art. 143 da Lei nº 8.112, de 11 de

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dezembro de 1990, para apurar os fatos registrados nos processos nos

46220.005473/98-14 e 46010.001146/99-68 e outros decorrentes. (grifei)

Os processos nºs 46220.005473/98-14 e 46220.005437/98-51 foramapensados e processados conjuntamente. O procedimento disciplinar relativo aesses processos apensados foi instaurado pela Portaria GD/DRT/SC/ nº 138, de23 de novembro de 1998; juntada à fl. 39, que designou a Comissão deProcesso Disciplinar “destinada a apurar os fatos relacionados nos processosnºs 46220.005473/98-14 e 46220.005437/98-51, oriundos de irregularidadesadministrativas imputadas aos servidores Nedir Machado da Rosa, Maria LúciaSeara de Abreu e Luiz Carlos Emanuely Osório, todos funcionários públicosfederais lotados na DRT/SC; devendo a comissão, ora constituída, apresentarseus trabalhos no prazo de 60 (sessenta) dias, em cumprimento aopreconizado pelo art. 152 da Lei supramencionada, admitida a sua prorrogaçãopor igual prazo, devidamente justificada. Revoga-se a Portaria GD/DRT/SC/nº69, de 9 de setembro de 1998.”

Portanto, nenhuma das Portarias instauradoras dos Processos Administrativo-Disciplinares esclarece quais os fatos que serão objeto de averiguação. Note-seque o PAD instaurado pela Portaria GD/ DRT/SC nº 138, referente aosprocessos nºs 46220.005473/98-14 e 46220.005437/98-51, foi encerrado semo indiciamento dos acusados, por falta de fundamentos fáticos e legais, tendosido recomendado o seu arquivamento, o que foi acatado pela autoridadesuperior. Certo é que esse processo poderia ser desarquivado, desde quesurgissem fatos novos e esses fatos novos deveriam ter constado da Portariade instauração de novo PAD, ainda que de forma sucinta, o que não ocorreu.

Apesar de o PAD nº 46010.001146/99-68 ter sido instaurado por Portaria nula,uma vez que dela não constou o resumo dos fatos a serem apurados, comevidente cerceamento de defesa, depois de uma instrução que nada deobjetivo apurou contra os indiciados, culminou com a aplicação da penamáxima, a da demissão dos processados, autores desta ação.

A Constituição Federal de 1988 estendeu, de forma expressa, aos processosadministrativos as garantias ao devido processo legal, ao contraditório e àampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, garantias essas que,nos regimes constitucionais anteriores, se destinavam, apenas, aos processosjudiciais. Antes da Constituição de 1988, o processo administrativo deviaadequar-se aos termos da lei. Na lei estavam as garantias do administradosubmetido a processo disciplinar. No atual regime constitucional “não é apenaso que está na lei (lida conforme a Constituição), mas, também, o que deveriaestar e não está, por força de imposição constitucional” (Romeu Felipe Bacellar

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Filho, in Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar, Ed.Max Limonad,1998, p. 62).

O art. 151 da Lei nº 8.112/90 estabelece o procedimento do processodisciplinar, que se desenvolve nas seguintes fases: I - instauração, com apublicação do ato que constituir a comissão; II - inquérito administrativo, quecompreende instrução, defesa e relatório; III - julgamento. Portanto, de acordocom a previsão legal, a portaria que instaurar o inquérito administrativoconstitui a peça acusatória, visto que, de acordo com a previsão legal, após ainstauração passa-se para a fase instrutória. Por se tratar de peça acusatória, aPortaria deve conter os fatos que deverão ser apurados no processodisciplinar, com todas as suas circunstâncias, sob pena de nulidade. MariaSylvia Zanella Di Pietro (in Direito Administrativo, 11ª edição, Ed. Atlas, p. 497),ao discorrer sobre o Processo Administrativo-Disciplinar, diz o seguinte:

“Determinada a instauração e já autuado o processo, é este encaminhado àcomissão processante, que o instaura por meio de portaria em que conste onome dos servidores envolvidos, a infração de que são acusados, comdescrição sucinta dos fatos e indicação dos dispositivos legais infringidos.

A portaria bem elaborada é essencial à legalidade do processo, pois equivale àdenúncia do processo penal e, se não contiver dados suficientes, poderáprejudicar a defesa; é indispensável que ela contenha todos os elementos quepermitam aos servidores conhecer os ilícitos de que são acusados.”

No mesmo sentido, é o ensinamento do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles(in Direito Administrativo Brasileiro, 16ª edição, atualizada pela Constituição de1988, 2ª tiragem, Editora Revista dos Tribunais, p. 589), como se vê do trecho aseguir transcrito:

“O processo disciplinar deve ser instaurado por portaria da autoridadecompetente, na qual se descrevem os atos ou fatos a apurar e se indicam asinfrações a serem punidas ...”

Diógenes Gasparin (in Direito Administrativo, Editora Saraiva, 4ª edição, p.562), na mesma linha dos demais doutrinadores, sobre a peça instauradora doprocesso administrativo-disciplinar, diz o seguinte:

“Em ambas as hipóteses, a peça instauradora deve descrever os fatos e o que édesejado com suficiente clareza e especificidade, de modo a circunscrever oobjeto do processo administrativo e a permitir a adequada e pertinenteinstrução e, se for o caso, a ampla defesa de eventuais acusados. Se mal –elaborada, pouca valia tem e, sobretudo, pode levar à nulidade do processo

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(Decisões administrativas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de SãoPaulo - 1988. Coordenador Des. Milton Evaristo dos Santos, Revista dosTribunais, 1992, p. 225).”

A jurisprudência de nosso Tribunal, bem como a do egrégio Superior Tribunalde Justiça, não diverge da doutrina, como se vê das ementas a seguirtranscritas:

“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA INAUGURAL. VÍCIOSFORMAIS. NULIDADE.

A portaria instauradora do processo disciplinar deve esclarecer os atos ilícitosatribuídos ao acusado, sob pena de nulidade, porquanto o amploconhecimento dos fatos que dão amparo à acusação são imprescindíveis para oexercício do contraditório e da ampla defesa.” (AMS nº 2000.04.01.075023-0/PR, Rel. Juíza Luiza Dias Cassales, decisão unânime da 3ª Turma do TRF 4ªRegião, publicada no DJU de 07.02.01, p. 172)

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

- Imprescindibilidade de descrição e qualificação, na portaria de instauração doprocedimento, dos fatos imputados ao servidor.

- Ausência de animus específico de abandono do cargo.

- Mandado de segurança concedido.” (MS nº 2000.0099438-3/DF, Rel. Min.Fontes de Alencar, decisão unânime da 3ª Seção do STJ, publicada no DJ de19.02.01, p. 134)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL.INQUÉRITO DISCIPLINAR. EFEITO SUSPENSIVO. INVERSÃO DE PROCEDIMENTOADMINISTRATIVO. PREJUÍZO. INOCORRÊNCIA. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO.NULIDADE. INEXISTÊNCIA.

- Em tema de nulidade no processo civil, o princípio fundamental que norteia osistema preconiza que para o reconhecimento da nulidade do ato processual énecessário que se demonstre, de modo objetivo, os prejuízos conseqüentes,com influência no direito material e reflexo na decisão da causa.

- Eventual irregularidade no curso do procedimento administrativo disciplinar,sem a prova de influência no indiciamento do servidor público, não temrelevância jurídica.

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- A instauração do processo disciplinar é efetuada mediante ato da autoridadeadministrativa em face de irregularidades funcionais praticadas pelo servidorpúblico, o qual deve conter a descrição e qualificação dos fatos, a acusaçãoimputada e seu enquadramento legal, além da indicação dos integrantes daComissão de Inquérito.

- O inquérito administrativo disciplinar instaurado para apuração da prática deilícito administrativo mediante Portaria que contém a descrição dos fatosimputados ao servidor público não contém vício de nulidade.

- Recurso especial não conhecido.” (grifei) (REsp nº 1998.0053557-8/PR, Rel.Min. Vicente Leal, decisão unânime da 6ª Turma do STJ, publicada no DJ de26.06.2000, p. 207)

“MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA INAUGURAL. PROCESSOADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INÉPCIA. NULIDADE.

1. A portaria inaugural, no processo administrativo, deve explicitar os atosilícitos atribuídos ao acusado, sob pena de nulidade, por inépcia, sem prejuízodo oferecimento de outra, revestida das formalidades legais, pois ninguémpode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhesão imputadas.

2. No processo administrativo disciplinar cumpre sejam assegurados ocontraditório, a ampla defesa e observado a garantia constitucional do devidoprocesso legal.

3. Segurança concedida.” (grifei) (MS nº 1997.0054855-4/DF, Rel. Min.Fernando Gonçalves, decisão unânime da 3ª Seção do STJ, publicada no DJ de03.11.98, p. 12, e JSTJ vol. 1, p. 361)

“ADMINISTRATIVO – SERVIDOR – ESCRIVÃO DE CARTÓRIO – ATO DEMISSÓRIO– PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PORTARIA INSTAURADORA –INÉPCIA – NULIDADE.

- Nula é a portaria instauradora de processo administrativo disciplinar que nãodescreve, satisfatoriamente, os fatos ilícitos a serem apurados, apresentando-se de forma genérica e imprecisa, não proporcionando ao acusadoconhecimento pleno das acusações que lhe são imputadas, impossibilitando-ode promover sua defesa.

- Nulidade da portaria, por inépcia, sem prejuízo de que outra venha seroferecida, com obediência às determinações legais concernentes.

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- Recurso provido.” (ROMS nº 1996.0033359-9, Rel. Min. José Arnaldo daFonseca, decisão da 5ª Turma do STJ, publicada no DJ de 19.05.97, p. 20650)

No caso em exame, como ficou devidamente comprovado nos autos, tanto aPortaria nº 759, de 20 de agosto de 1999, como a Portaria nº 138, de 23 denovembro de 1998, são ineptas porque não narraram nem mencionaram osfatos a serem averiguados no PAD, deixando, com isso, de delimitar a lide, oque ocasionou evidente cerceamento de defesa.

Isto posto, nego provimento ao recurso e à remessa oficial.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº2001.04.01.058384-5/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Agravante: Ministério Público

Advogado: Dr. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

Agravada: União Federal

Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams

Interessado: Estado de Santa Catarina

EMENTA

Ação civil pública. Objetivo. Adoção de prioridades administrativas na área desegurança pública. Exame de conveniência e de oportunidade que cabe aopoder executivo.

Impossibilidade da deliberação da prática de atos de administração peloJudiciário. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a TurmaEspecial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 25 de julho de 2001.

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se deagravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal insurgindo-secontra a decisão de fl.158, que deferiu efeito suspensivo ao agravo deinstrumento da União Federal.

Os fatos encontram-se relatados às fls.03/5, verbis:

“Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, proposta pelo MinistérioPúblico Federal, visando ‘provimento judicial que condene o Governo doEstado de Santa Catarina e a União a adotar medidas necessárias paraaumentar, em caráter definitivo, o efetivo das Polícias Civil e Militar noMunicípio de Joinville, e que condene a União a adotar medidas no sentido decumprir o seu dever constitucional de compelir todo e qualquer Estado-Membro a observar, com fulcro no art.34, VII, alíneas a e c, os direitos dapessoa humana e a autonomia municipal’.

O Autor fundamenta sua pretensão em face da União, em síntese, com apoionas seguintes premissas:

A) o interesse da União revela-se pela edição do Plano Nacional de SegurançaPública (PNSP), bem como em razão da Lei nº10.201, de 14 de fevereiro de2001, que institui o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP);

B) a União possui atribuições materiais e administrativas de índoleconstitucional em matéria de segurança pública, cabendo-lhe fiscalizar osórgãos estaduais responsáveis pela execução das políticas públicas em tal área;

C) compete à União intervir nos Estados e no Distrito Federal para assegurar aobservância dos direitos da pessoa humana e da autonomia municipal, nostermos do art.34, VII, a e c.

À vista das manifestações prestadas pelos réus no prazo de 72 horas, o MM.Juízo monocrático,decidiu, interlocutoriamente, do seguinte modo, in verbis:

‘As preliminares de ilegitimidade passiva da União e ativa do Ministério PúblicoFederal são questões que, se acolhidas, levariam ao reconhecimento daincompetência desta Justiça Federal. Por isso o exame nessa fase.

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Em que pesem as razões invocadas pelas partes rés, tenho que há manifestointeresse da União na causa, a justificar a competência desta Justiça e a suamanutenção no pólo passivo.

Rejeito a alegação de falta de interesse jurídico contra a UNIÃO pelas razõesseguintes.

Com efeito, ao instituir o Plano Nacional de Segurança Pública, prevendo orepasse de verbas para auxiliar os Governos Estaduais no aparelhamento dassuas polícias Civil e Militar, nada mais faz, senão declarar publicamente aineficácia da segurança pública prestada pelos Estados. Tal Plano é um claroreconhecimento de que, sem a intervenção auxiliadora da União, o problemada segurança nos Estados não se resolveria. Declarou, enfim, que serianecessária maior integração e auxílio material para evitar que a populaçãodesacredite inteiramente nas Instituições Oficiais e passe a buscar socorro nopoder paralelo das forças marginais.

Mais: o grau de ineficácia da segurança pública pode até ser medido peloinstrumento formal que trouxe a lume tal Plano – uma Medida Provisória (MP2.029, de 20.06.2000). É dizer, a UNIÃO reconhece ser GRAVE E URGENTE criarsoluções para melhorar a segurança pública nos âmbitos Estaduais, pois sequerpoderia esperar um processo legislativo de urgência ou o ordinário.

A situação de Santa Catarina não se mostra díspar em relação a outros Estados.Do contrário, não teria obtido recursos para aplicar em programas ligados àsua segurança pública.

Assim, tendo a União interesse em repassar recursos para o Estado de SantaCatarina e, estando este mesmo Estado, a receber recursos da União para amelhoria da segurança da sua população, não pode a União dizer que não teminteresse legítimo a ser defendido nesta ação, haja vista que, certamenteprejudicará o seu Plano se os repasses de verbas forem cessados, tal comopretende o Autor.

Além desta, uma outra razão aponto para rejeitar a alegação de falta deinteresse da União na causa.

O expediente do Chefe do Estado Maior da PMSC (fl.740) bem aponta que adefinição do número de policiais militares depende de aprovação do Estado-Maior do Exército, de acordo com o art.7º do Decreto Federal nº 88.777, de 30de setembro de 1983. Ou seja, também o Exército Brasileiro interessaparticipar da definição do contingente policial por região. Afinal, sendo aPolícia Militar uma força auxiliar e reserva do Exército (§ 6º do art.144 da

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CF/88), tem ele interesse em participar da definição dos quantitativos e locaisonde estarão atuando estas forças, para poder contar com elas em caso denecessidade.

Parágrafo único do artigo 3º, o art.37, 4 e 38, §1º do referido Decreto apontamque a definição do efetivo da Polícia Militar depende de manifestação doExército. Mais relevante é este último’ (fl.980).

Nesse entendimento, afastou as preliminares suscitadas e deferiu em parte ospedidos liminares, cabendo à União prestar informações conformedeterminado na r. decisão (fl.1000 dos autos).”

O douto Ministério Público Federal, por sua vez, neste agravo regimental,postula a reforma da decisão que deferiu o efeito suspensivo ao agravo deinstrumento, alegando, fundamentalmente, o seguinte (fls.163/5):

“Todavia, o argumento reportado não pode prosperar, porquanto,hodiernamente, tanto a doutrina como a jurisprudência têm procurado cadavez mais, forte no princípio da razoabilidade, estabelecer limites àdiscricionariedade administrativa. E assim é porque a valoração subjetivaacerca da conveniência e oportunidade não é ilimitada, vez que se assim fossedaria margem ao arbítrio. Assim, a valoração subjetiva tem que ser feita dentrodo razoável, ou seja, em consonância com aquilo que, para o senso comum,seria aceitável perante a lei.

Outrossim, cabe ressaltar que a Ação Civil Pública em comento versa sobreSegurança Pública, cujo conteúdo conceitual possui elevado grau deindeterminação. Assim, em razão dessa noção imprecisa, justifica-se umcontrole judicial mais ampliado da discricionariedade administrativa, a fim decoibir abusos. Não há que se confundir os conceitos de discricionariedade e dearbitrariedade.

Neste diapasão, são os ensinamentos de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO,note-se:

‘Começa a surgir no direito brasileiro forte tendência no sentido de limitar-seainda mais a discricionariedade administrativa, de modo a ampliar-se ocontrole judicial. Essa tendência verifica-se com relação às noções imprecisasque o legislador usa com freqüência para designar o motivo e a finalidade doato (interesse público, conveniência administrativa, moralidade, ordempública, etc.) Trata-se daquilo que os doutrinadores alemães chamam de‘conceitos legais indeterminados’.

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A discricionariedade não pode servir de subterfúgio para arbitrariedades.

Os próprios números do Município revelam emergencial demanda peloincremento da segurança pública.

Como já ressaltado pela liminar cassada, ‘se a criminalidade estivesse dentrodos padrões neste importante Município, não seriam necessárias taisOperações. Se o aparato de segurança estivesse adequado à necessidade deJoinville, não seriam necessários deslocamentos de pessoal e de equipamentosda Capital para desenvolver tais manobras. O documento de fl.478, faz provade que na última Operação Norte Seguro, do final do ano passado, o Estadoencaminhou para Joinville: 157 Policiais Militares, 3 viaturas, 1 helicóptero, 11motocicletas, 26 cavalos e 4 cães. Tal fato é prova evidente de que Joinvillepossui carências, humanas e materiais para combate à sua criminalidade’.

Conclui, ainda, o digno Magistrado de primeiro grau que: ‘Se a lei não excluiráda apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão ou ameaça adireito (art.5º, inciso XXXV, da CF/88) e a segurança pública é um direitoincontestável da população de Joinville (art.5º e art.144 da CF/88), a açãomostra-se juridicamente viável e legítima é a judicialização da matéria e oexercício do direito de petição’.

A admitir-se a discricionariedade plena no que diz respeito às políticas públicaspreestabelecidas na Constituição Federal, chegar-se-ia à situação limite depermitir que um Chefe de Executivo, por qualquer motivo que lhe afigurasseconveniente e oportuno, retirasse todo o policiamento de determinada cidade,sem que contra isso pudesse opor-se o Ministério Público ou o Judiciário,ficando relegada aquela população ao total abandono, até que novas eleiçõeschegassem.

Com a devida vênia, a visão das políticas públicas não pode ficar engessada,sob a ótica conservadora da tese da plena discricionariedade do PoderExecutivo”.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço doagravo regimental, negando-lhe, porém, provimento.

Com efeito, tenho por relevante, no caso, a alegação formulada na peçarecursal, no que concerne à violação, por parte da decisão que deferiu a

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liminar em primeira instância, do princípio insculpido no art. 2º, caput, daCF/88.

Realmente, por maior que seja o âmbito da ação civil pública, é pacífico oentendimento que descabe ao Judiciário substituir o Poder Público fixandoprovidências e diretrizes administrativas, por mais relevantes que elas sejam,sob pena de comprometer-se, irreparavelmente, o princípio da harmonia eseparação dos poderes.

O exercício da atividade administrativa, ao distribuir os recursosorçamentários, constitui, como não poderia deixar de ser, um juízodiscricionário do Poder Público, cuja apreciação pelo Judiciário encontra-seexcluída, nos termos do pacífico entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Trata-se, no caso, das denominadas questões políticas, ou interna corporis,examinadas magistralmente por Rui Barbosa, em obra clássica, verbis:

“A linha diretriz não me parece difícil de traçar. De um lado estão os grandespoderes do Estado, com as suas atribuições determinadas em textos formais.De outro, os direitos do indivíduo, com as suas garantias expressas emdisposições taxativas. Em meio a uma e outra parte, a Constituição,interpretada pela Justiça, para evitar entre os direitos e os poderes as colisõespossíveis. Quando, portanto, o poder exercido não cabe no texto invocado,quando o interesse ferido por esse se apoia num direito prescrito, aoportunidade da intervenção judiciária é incontestável. O assunto será entãojudicial. Quando não, será político. Versa a questão sobre a existênciaconstitucional de uma faculdade, administrativa ou legislativa? A solução,nessa hipótese, está indicada pela enumeração constitucional das faculdadesconsignadas a cada ramo do governo. A matéria é judicial. Versa ela sobre aextensão desse poder relativamente aos direitos individuais? O confrontoentre a cláusula, que confere o poder, e a cláusula que estabeleça a garantia,determina, por intuição, ou interpretação, o pensamento constitucional. Oassunto ainda é judiciário. Versa, enfim, sobre a maneira de exercitar essepoder, sua conveniência, sua oportunidade? Neste caso a questão é política;porque seus elementos de apreciação pertencem intrinsicamente à funçãoconferida, e a ingerência de outro poder a anularia intrinsicamente” (in Os AtosInconstitucionais do Congresso e do Executivo perante a Justiça Federal,Companhia Impressora, Rio, 1893, p.126/7).

Em outra obra, o renomado jurista esgota a matéria concernente às questõespolíticas, ou interna corporis, organizando um elenco de casos em que semanifesta o caráter estritamente político do Estado, afastando-se, portanto, a

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intervenção judicial: 1) a declaração da guerra e a celebração da paz; 2) amantença e a direção das relações diplomáticas; 3) a verificação dos poderesdos representantes dos governos estrangeiros; 4) a celebração e a rescisão dostratados; 5) o reconhecimento da independência, soberania e governo deoutros países; 6) fixação das estremas do país com seus vizinhos; 7) o regimede comércio internacional; 8) o comando e a disposição das forças armadas; 9)a convocação e a disposição da milícia; 10) o reconhecimento do governolegítimo nos Estados, quando contestado entre duas parcialidades; 11) aapreciação, nos governos estaduais, da forma republicana, exigida pelaConstituição; 12) a fixação das relações entre a União ou os Estados e as tribosindígenas; 13) o regime tributário; 14) a adoção de medidas protecionistas; 15)a distribuição orçamentária das receitas; 16) a admissão de um Estado à União;17) a declaração de um estado de Insurreição; 18) o restabelecimento da paznos Estados insurgentes e a reconstrução neles da ordem federal; 19) oprovimento dos cargos federais; 20) o exercício da sanção e do veto sobre asresoluções do Congresso; 21) a convocação extraordinária da representaçãonacional (in Rui Barbosa, in O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional –Obras Completas de Rui Barbosa, MEC, 1983, v. XXXVII, 1910, t. V, p.118/9).

Nesse sentido, igualmente, a lição de Carre de Malberg, ao conceituar osdenominados atos de Governo, verbis:

“Ce qui caractérise au contraire l’acte de gouvernement, c’est précisément cefait qu’il est, à la différence des actes d’administration, affranchi de la nécessitédes habilitations législatives et accompli par l’autorité administrative avec unpouvoir de libre initiative, en vertu d’une puissance qui lui est propre et qui luivient d’une source autre que les lois: de telle sorte que le gouvernement peutêtre qualifié, en ce sens du moins, d’activité indépendante des lois.” (inContribution a la Théorie Générale de L’État, Éditions du CNRS, réimpression,1962, Paris, t. I, p.526/7, nº176).

Pertinente, ainda, a lição de José dos Santos Carvalho Filho, em sua obra AçãoCivil Pública, 3ª edição, 2001, p.80/1.

Da mesma forma, a jurisprudência dos Tribunais (REsp nº 63.128-9-60, in RTSTJ85/385; AC nº 94.04.29265-6/SC, j.24.10.95).

Por esse motivos, entendendo relevantes os argumentos elencados no agravode instrumento, conheço do agravo regimental, negando-lhe provimento.

É o meu voto.

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1 Vide Moacyr Amaral Santos, Primeira Linhas..., 14.ed., 1990, SãoPaulo: Saraiva, p. 167, e Celso Agrícola Barbi, Comentários ..., 2.ed.,1981, Rio de Janeiro: Forense, p. 52.

2 In Direito Administrativo Brasileiro, 18.ed., São Paulo: Malheiros, 1993,p. 115 a 119.

REVISTA 42 > ACÓRDÃOS > DIREITO PENAL E DIREITOPROCESSUAL PENAL

EMBARGOS INFGTE. E DE NUL. EM ACR Nº 97.04.41481-1/PR 

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva

Embargante: W. A. P.

Advogado: Dr. Osmann de Oliveira

Embargado: Ministério Público

Advogado: Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

EMENTA

Penal. Processo penal. Facilitação ao descaminho. Embargos infringentes.Avaliação de prova: documentos, testemunhos e indícios. Retratação em juízo.Condenação confirmada.

1. Para a consumação do crime de facilitação ao descaminho ou contrabando(art. 318, C. Penal) não é necessária a prova da consumação destes doisúltimos delitos.

2. O testemunho prestado em juízo e sob as penas da lei, por autoridades,merece crédito, mesmo que não tenham presenciado os fatos, desde quetenham ouvido, informalmente, a confissão feita pelos seus autores.

3. Em caso de retratação de testemunha, o juiz avaliará qual das versões é amais coerente com os demais elementos de prova, mormente se o acusado,também autoridade, ameaçou as testemunhas, tendo sido prestada escoltapolicial a uma delas. Não é verossímil a retratação que destoa do conjuntoprobatório.

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4. Se a defesa alega fato desabonador das testemunhas da acusação, tambémautoridades, de molde a diminuir o valor de seus depoimentos, incumbe-lhe aprova cabal deste fato, pena dele não ser considerado.

5. Tendo o legislador (art. 239, CPP) admitido os indícios como meios de prova,não se pode negar possa o juiz, em face do seu livre convencimento, proferirsentença condenatória com base em prova indiciária. Precedentes do STJ e doSTF.

6.Embargos improvidos, por maioria.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negarprovimento aos Embargos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de abril de 2001.

Des. Federal José Germano da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: O Ministério Público Federalmoveu ação penal contra W. A. P., J. L. W. ou J. L. W. O. e L. C. M. R., comoincursos nas sanções do artigo 288, caput, do Código Penal, pela prática dosfatos assim narrados na denúncia, a qual foi recebida em 20.04.92 (fls. 463/463verso):

“Durante os anos de 1989, 1990 e até o início do ano de 1991, na região compreendida entreos municípios de Foz do Iguaçu e Guaíra, ambos situados no Estado do Paraná, os denunciadosassociaram-se, em quadrilha, juntamente com outros indivíduos não identificados durante asinvestigações, para o fim específico de cometerem os crimes de facilitação de contrabando edescaminho (artigo 318 do Código Penal, caso dos denunciados W. e L. C.) e contrabando edescaminho (artigo 334, caput, do Código Penal, caso de todos os denunciados) na referidaregião.

Segundo foi apurado, o denunciado J. L., conhecido contrabandista na região, dirigia a ditaquadrilha, bem como era o principal responsável pela prática do crime de descaminho,exportando clandestinamente grandes e incalculáveis quantidades de café colhido no Brasilpara o Paraguai, dividindo parte dos lucros auferidos com esses crimes com os demaisdenunciados.

Os denunciados W. e L. C., Delegados de Polícia Federal, ao tempo dos fatos lotados na Divisão

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de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, tinham a específica função de garantir que Agentes dePolícia Federal e outros Delegados lotados na dita Divisão não prendessem o denunciado J. L. eseus outros cúmplices, bem como não apreendessem cargas de café descaminhadas.

Para tanto, o denunciado W. mantinha o denunciado J. L. informado de todas as açõesrepressivas da Polícia Federal na região, pretendendo que este estivesse previamente avisadode qualquer delas. Dessa forma, durante todo o longo período em que o denunciado W.permaneceu na chefia da já referida Divisão, apenas um carregamento de café foi apreendidopor Agentes de Polícia Federal.

Comprovam a participação dos denunciados, associados em quadrilha, no descaminho de café,diversos episódios, comprovados por depoimentos e laudos de degravação de fitas-cassete (fls.23-41 destes autos, 302-305 do Apenso I).

Aproximadamente em abril de 1989 (fls. 133 destes autos) os Agentes de Polícia FederalRonaldo Schimidel Nunes (fls. 201-202 do Apenso I e 72 do Apenso II), Marco Antônio Ribeiroda Silva (fls. 128 destes autos) e Nilton Santos Gonçalves (fls. 279 destes autos) encontraramgrande quantidade de café abandonadas no interior de uma fazenda da família Calegari,situada no município de Santa Helena, Estado do Paraná, provavelmente por criminososintegrantes da já citada quadrilha, avisados por qualquer dos denunciados da ação policial. Aoencontrarem o carregamento, comunicaram-se com o denunciado W., indagando qual aatitude a tomar. Foi quando o denunciado W. lhes determinou que queimassem todo ocarregamento, com o objetivo de impedir que qualquer investigação a respeito fosse possível.O Agente de Polícia Federal Ronaldo Schimidel Nunes foi então até um posto de gasolina daregião, de propriedade de Arquile Orvino Alba – que inclusive efetuou um reconhecimentofotográfico do citado agente (fls. 138-139 destes autos) – comprar combustível para proceder àqueima. A ordem para a queima das sacas de café também foi presenciada pelo Delegado dePolícia Federal José Ferreira de Oliveira (fls. 64 do Apenso I) e, depois, os citados agentescomentaram o fato com José Wellington Veras Albuquerque (fls. 73 do Apenso II) e Luis AlvesFeitosa (fls. 73-74 do Apenso II) ambos também Agentes de Polícia Federal.

Outro episódio que comprova a vinculação dos denunciados com o descaminho de caféocorreu na mesma época, quando um carregamento de café foi apreendido pelo Delegado dePolícia civil Liusson’nar Lino Lopes, então lotado na cidade de Medianeira, Estado do Paraná.Após essa apreensão ser feita e antes de ser formalizada, o denunciado W. procurou o citadodelegado para que ele ignorasse o caso, deixando de apreender as sacas de café. Ameaçou-o,veladamente, que, se não o fizesse, causar-lhe-ia mal injusto e grave. Para pressionar o citadodelegado de polícia civil, foi com os Agentes de Polícia Federal Gilberto Carlos Pato Ribeiro (fls.93 destes autos e 43 e 238-239 do Apenso I) e José Márcio Barroso Castelo Branco (fls. 94destes autos e 42 e 198-199 do Apenso I) até a cidade de Medianeira, em viatura ostensiva daPolícia Federal, dando voltas em torno da Delegacia de Polícia Civil. Diversos diálogos,comentando o ocorrido, foram gravados e transcritos por peritos oficiais (fls. 23-41 e 339-393destes autos, 285-290 e 291-301 do Apenso I e 25-44 do Apenso II).

Também é comprovação da existência da quadrilha o episódio, ocorrido em dataindeterminada, envolvendo o denunciado W., a meliante paraguaia R. B. F., vulga ‘Muchi’ eoutro meliante, o argentino C. P. M., apelidado de ‘Cabeção’. Nessa ocasião, o denunciado W.,temendo a ação investigatória do Agente de Polícia Federal Régis Érico Costa Fachinelli,solicitou à citada meliante, envolvida com descaminho de veículos e tráfico de drogas, queatraísse o agente para uma diligência policial em local ermo e o matasse, diálogo esse ouvido

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pelo meliante argentino.

Ao ser ouvido por uma das diversas autoridades policiais federais que presidiram o inquérito, odenunciado negou serem verdadeiras as imputações acima descritas (fls. 141-150 e 153-160)” (fls. 03/06).

Sentenciando, o MM. Juízo a quo, após rejeitar as preliminares argüidas eoperar a desclassificação do tipo do art. 288 do Código Penal para o crime doartigo 318 do mesmo diploma legal, em relação aos acusados W. P. e L. C., epara o crime do art. 334 do Código Penal, em relação ao acusado J. L. W.,julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado (fls.1467/1493) para:

- Absolver o réu J. L. W. ou J. L. W. O. da imputação de prática do crime previstono artigo 334 do Código Penal, com fulcro artigo 386, IV, do C. P.P.;

- Absolver o réu L. C. M. R. da imputação de prática do crime previsto no artigo318 do Código Penal c/c artigo 69 do mesmo Código, com fulcro no artigo 386,VI, do C. P. P.;

- Condenar o Réu W. A. P., em regime semi-aberto, à pena de 06 (seis) anos dereclusão e ao pagamento de 140 (cento e quarenta) dias-multa, à razão de 20%(vinte por cento) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, pelaprática, em concurso material, dos delitos tipificados no artigo 318 do CódigoPenal.

Considerando que o acusado W. A. P. foi condenado à pena superior a 04(quatro) anos, o MM. Juízo a quo decretou a perda de seu cargo, nos termosdo artigo 92, I, do Código Penal. Foi concedido ao réu o direito de apelar emliberdade.

Inconformado, apenas W. A. P. interpôs recurso de apelação, o qual foi providopela c. 2ª Turma desta Corte, por maioria de votos, vencido o juiz Amir JoséFinocchiaro Sarti,

“para o fim de desconsiderar o concurso material, aplicando, em substituição, a continuidadedelitiva, pelo que fica o Apelante condenado, pelo primeiro fato, à pena de 03 (três) anos dereclusão e 70 (setenta) dias-multa, à razão de 20% do salário mínimo vigente à época do fato,conforme fixado na sentença, acrescida de ¼ (um quarto) pelo segundo fato, o que dádefinitivamente 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão e multa de 87 (oitenta e sete)dias-multa, à razão antes mencionada. À época dos fatos delituosos (meados de abril de 1989),pelo artigo 92 do Código Penal, em sua redação originária, só cabia a perda de cargo público,quando a pena aplicada fosse superior a 04 (quatro) anos. Em conseqüência, em face daredução da pena, ficando estabelecida em patamar inferior a 04 (quatro) anos, incabível aperda de cargo público. Assim, fica excluída da condenação a aplicação da perda do cargo

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público. Em face da redução da pena, o regime inicial será o aberto, nos termos do art. 33, §2º, c, do Código Penal” (fl. 1753).

Tendo o acórdão sido por maioria, o co-réu W. A. P. interpôs recurso deembargos infringentes de nulidade em ação penal, objetivando fazerprevalecer o voto do eminente juiz Amir José Finocchiaro Sarti, que davaprovimento ao recurso de apelação, para absolver o réu, “com fundamento noart. 386, II, do CPP, quanto ao primeiro fato descrito na denúncia, e no art. 386,VI, do CPP, quanto ao segundo fato narrado na denúncia” (fl. 1762).

O Ministério Público Federal, em sua manifestação de fls., opina peloimprovimento dos embargos infringentes.

Os autos foram à revisão do juiz Vilson Darós em face do impedimento da juízaTania Escobar.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Este não é um processocriminal comum, igual ao que estamos acostumados a julgar, porque aqui oacusado é um “cidadão acima de qualquer suspeita”, um delegado da PolíciaFederal, que na época dos fatos exercia o cargo de Diretor da Divisão de PolíciaFederal de Foz do Iguaçu, sendo o chefe, inclusive, de outros delegados que,por sua vez, dirigiam uma Seção de Operações, uma Delegacia Executiva e umaSeção de Informações.

A investigação dos fatos narrados na denúncia – favorecimento aocontrabando pelo referido Diretor da Divisão - teve por vertente comunicaçãofeita pelo Procurador da República Jaceguay F. de Laurindo Ribas, em meadosde 1990, ao então Procurador-Geral da República, sobre a existência dediversas “irregularidades” que estariam sendo cometidas na Divisão da PolíciaFederal de Foz do Iguaçu, tais como descaminho de café, uísque,videocassetes, veículos, expedição de documentos falsos, abuso de poder eligações com pessoas de idoneidade duvidosa (fl. 14 do apenso I). Acomunicação do Procurador foi repassada ao Diretor-Geral do Departamentode Polícia Federal, que já era conhecedor da matéria (fl. 12, idem), quedeterminou a apuração reservada dos fatos, por uma autoridade de lotaçãodiversa daquela Regional.

Em razão disso, foi instaurada, em 8 de novembro de 1990, sindicância paraapurar “irregularidade de natureza grave”, sendo sindicante a Delegada

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Federal Celsa Ferreira Jorge. Cópia dos autos desta investigação, que teve onúmero 018/90-SR/DPF/PR, constitui os apensos I, II e III destes autos.

Posteriormente, em 5 de março de 1991, com base nos dados colhidos nestasindicância, a Procuradoria da República no Paraná requisitou o competenteinquérito policial, que deveria ser acompanhado por um Procurador, para aapuração dos mesmos fatos.

Esta ação penal é uma das originadas pelas investigações.

A prova colhida neste processo-crime é, em sua maioria, a reprodução dacolhida na sindicância e no inquérito. Isto, formalmente.

Informalmente as denúncias das “irregularidades” têm duas vertentes: aprimeira, depoimentos de dois agentes de polícia federal (Severo e Marconi),prestados na Justiça Federal de Foz do Iguaçu, perante o Juiz Federal EdgardLippmann; e a segunda, depoimento da informante da polícia Dagmar Costa eSilva Dias, perante o mesmo magistrado.

Tais esclarecimentos são úteis ao julgamento destes embargos, onde oDelegado W. A. P. pretende a sua absolvição, porque a sentença, segundoalega, teria por base meras ilações, uma vez que a principal testemunha(Dagmar) “retratou-se cabalmente, confessando que as acusações foramhabilmente tramadas por inimigos do embargante”. Sustenta ainda que, navaloração das provas, a sentença prestigiou mais as provas “extra-autos” doque as produzidas dentro do princípio do contraditório, em juízo. Diz que a fitagravada, conforme reconhece a mesma Dagmar, é uma montagem e que oDelegado Lino nunca conversou com ela, não podendo tal fita ser o “pilarcentral” da condenação. Aduz que os agentes que acompanharam o DelegadoP. à cidade de Medianeira afirmaram que não abordaram qualquer carreta decafé ou qualquer pessoa. Refere que a sentença ignorou o depoimento doDelegado Chueire que fora quem requisitara a diligência àquela cidade.Relativamente ao episódio da queima do café, sustenta que os agentes quecompareceram ao local afirmam que o café já estava em chamas e que nãoreceberam ordem para queimá-lo, por parte do embargante. Diz que o agenteGomes testemunhou que o Delegado Ferreira o induziu a dizer que recebera aordem de queima do ora embargante, e que o frentista do posto decombustível, onde foi comprado o diesel, foi coagido na Polícia Federal areconhecer fotograficamente o agente Schimidel, não o reconhecendopessoalmente, mais tarde.

O recorrente alega ainda que os agentes Marconi, Severo e Mesquita, “presos eprocessados” pelo embargante, deixam claro que tentaram usá-los para

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prejudicá-lo e que existia uma facção na Divisão de Foz que era descontentecom o Delegado P., por considerá-lo muito rígido. Ele teria instaurado emmenos de 2 anos 70 sindicâncias, 11 processos disciplinares e 14 inquéritospoliciais contra servidores relapsos.

Finalmente, o recurso transcreve excerto do voto vencido do e. juiz Amir JoséFinocchiaro Sarti onde é dito que não há prova de que o café queimado eraproduto de contrabando e se isto não está provado, inviável falar-se emfacilitação ao contrabando. E quem destrói a mercadoria não facilita tal crime.Ademais, houve contra-ordem, e a determinação não surtiu nenhum efeito enem se subsume no tipo “facilitar o contrabando”.

Relativamente ao episódio das carretas em Medianeira, aduz que o DelegadoLino sempre negou em Juízo e fora dele o episódio; que o método usado parapressionar a liberação das carretas - voltas em torno da delegacia - é poucoortodoxo; e que ninguém jamais testemunhou pessoalmente qualquer pressão,proposta, pedido de oferta ou sugestão do réu ao Delegado Lino. Tudo nãopassa de “puro falatório irresponsável”. Que a senhora Dagmar ostentacurrículo com envolvimento com tóxicos, furto de veículo e contrabando, comoela mesma declara, sendo que Dagmar foi pressionada pelo agente Fachinelli,desafeto do réu, a depor perante o Juiz Edgard Lippmann, não sendoverossímil, mas espantoso, que o Delegado Lino tenha confessado pelotelefone o envolvimento dele, do réu, dos Delegados Romeu Tuma e MoacirFavetti, entre outros. Ademais, Dagmar, depois - seis meses mais tarde -,desmentiu tudo, dizendo que tudo foi preparado pelo agente Fachinelli.Conclui dizendo que não é possível a condenação porque os autos não contêmprova inequívoca contra o réu. Não há sequer prova da apreensão de umcarregamento de café pela Polícia de Medianeira. E sem a prova docontrabando não se pode condenar pela facilitação dele.

Do exame que fiz dos autos e seus apensos, cheguei, com a devida vênia, àconclusão diversa da que chegou o e. juiz prolator do voto vencido, motivopelo qual não posso acolher os fundamentos do recurso.

A sentença de primeiro grau, da lavra da culta juíza federal Vera Lúcia FeilPonciano, assim analisou a prova, para concluir pela responsabilidade criminaldo acusado, ora embargante, razão pela qual adoto seus bem-lançadosfundamentos:

“W. A. P. e L. C. M. R. são acusados por dois fatos:

1º - Em mês e dia indeterminados, mas no ano de 1989, um carregamento de Café foiapreendido pelo Delegado de Polícia Civil Liusson’nar Lino Lopes, lotado na cidade de

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Medianeira/PR. Após essa apreensão ser feita e antes de ser formalizada, o acusado W.procurou o citado delegado para que ele ignorasse o caso, deixando de apreender as sacas decafé, ameaçou-o, veladamente que, se não o fizesse, causar-lhe-ia mal injusto e grave. Parapressionar o citado delegado de polícia civil, foi com os Agentes de Polícia Federal GilbertoCarlos Pato Ribeiro e José Márcio Castelo Branco até a cidade de Medianeira, em viaturaostensiva da Polícia Federal, dando voltas em torno da Delegacia de Polícia Civil.

2º - Aproximadamente em abril de 1989, os Agentes de Polícia Federal Ronaldo SchimidelNunes e Marco Antônio Ribeiro da Silva encontraram outra quantidade de sacas de caféabandonadas no interior de uma fazenda da família Calegari, situada no município de SantaHelena, Estado do Paraná. Ao encontrarem o carregamento, comunicaram-se com o réu W.,indagando qual atitude a tomar, tendo sido determinado que queimassem todo ocarregamento. Na ocasião, o Agente da Polícia Federal Ronaldo Schimidel Nunes teria ido atéum posto de gasolina da região, de propriedade de Arquile Orvino Alba, comprar combustívelpara efetuar a queima. A ordem para a queima das sacas de café foi presenciada pelo Delegadode Polícia Federal José Ferreira de Oliveira, e, depois, os citados agentes comentaram o fatocom José Wellington Veras Albuquerque e Luiz Alves Feitosa, ambos também agentes dePolícia Federal. A determinação para queima do café teve o objetivo de impedir que qualquerinvestigação a respeito fosse possível.

Do Primeiro fato

As acusações tiveram início com o depoimento de DAGMAR COSTA E SILVA DIAS (fls. 15-18),que compareceu perante o Juiz Federal Edgard Lippmann Júnior, no dia 16.10.90, nesta cidade,declarando que, há cerca de quatro anos, tivera envolvido com receptação de veículosfurtados; começou a sofrer perseguições, especialmente após ter conversado com o Delegadode Polícia Civil de Medianeira, LUISSON’NAR LINO LOPES, ocasião em que este lhe confidenciouque o acusado W. teria envolvido com o contrabando de café; contou-lhe o Delegado LINOque, certa vez, havia apreendido duas carretas com café, as quais estavam sob a ‘proteção’ doréu W.; o Delegado Lino lhe afirmou que os acusados W. e L. C. estiveram em Medianeira,objetivando fazer um ‘acerto’, intimando-o para a liberação de carga; tais fatos foramposteriormente objeto de gravação em uma fita cassete, a qual foi entregue ao Agente dePolícia Federal Régis Fachinelli; o Delegado Lino lhe falou que não poderia denunciar oenvolvido dos acusados W. e L. C. porque também participa do ‘acerto’.

Inquirida no inquérito policial e em juízo (fls90-92, 874-876), DAGMAR ratificou as declaraçõesanteriores a acrescentou que: disse ao APF Fachinelli ter conhecimento de que o DPF W. estavaenvolvido com o Delegado LINO em um ‘acerto’ para a liberação de uma carga de caféapreendida pela Polícia Civil de Medianeira; FACHINELLI lhe pediu que reunisse elementos parademostrar tal alegação; então, gravou uma conversa com o Delegado LINO e com os demaispoliciais de Medianeira, sendo que o Delegado lhe aconselhou que não fizesse nada contra oacusado W.

Em Juízo (fls. 1089-1090), quando da acareação com a testemunha LIUSSON’NAR LINO LOPES,DAGMAR se retratou (fls. 1089-1090) dizendo que: as declarações anteriores não eramverdadeiras; a conversa gravada não foi mantida com a testemunha LIUSSON’NAR.

No depoimento constante das fls. 1091-1092 declarou que: em razão de erros cometidos nopassado sofria perseguições por parte do APF Fachinelli, inclusive com a ameaça de prisão; oagente Fachinelli afirmava que tudo era a mando do acusado W.; certa vez foi detida pelo APF

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Fachinelli e conduzida a Divisão de Polícia Federal, sendo que Fachinelli lhe disse que adetenção fora determinada pelo réu W.; na ocasião, Fachinelli lhe disse que, para que pudesseser livre das perseguições, deveria gravar a fita, na qual deveria constar sobre um problemacom carretas de café, que o Delegado Lino teria apreendido em Medianeira; Fachinellicompareceu no hotel onde residia e lhe entregou a fita; decorou o diálogo, e o travou com umrapaz que estava hospedado no hotel; o APF Fachinelli não presenciou o diálogo; entregou afita a Fachinelli; voltou a encontrá-lo, tendo ele lhe pedido que fizesse uma denúncia ao JuizFederal, o que efetivamente fez; todas as suas declarações anteriores foram motivadas porpressões que sofreu do APF Fachinelli; não conheceu o acusado LUÍS CARLOS e não feznenhuma acusação contra ele.

LIUSSON’NAR LINO LOPES, o Delegado de Polícia Civil de Medianeira, que teria apreendido acarga de café, inquirido sobre a afirmação de DAGMAR, nos autos de Sindicância, no inquéritopolicial e em juízo (fls. 42, 204-205 do Apenso I, fls. 126-127, 811-812) negou todos os fatos,asseverando que não teve qualquer contato com os acusados acerca de apreensão de café,além do que não efetuou nenhuma apreensão de café em Medianeira:

‘... durante o período em que chefiava a Delegacia de Polícia Civil de Medianeira, jamaisapreendeu qualquer caminhão de café; QUE jamais viu o Dr. P. na cidade de Medianeira, quertrabalhando, quer em qualquer outra atividade social; QUE se encontra surpreso com ocomentário inverídico que existe entre membros das polícias federal e civil, onde afirmam queo depoente apreendeu dois caminhões de café, na cidade de Medianeira, e que para lá sedirigiu o Dr. P. para ‘liberá-los’; QUE repudia veementemente esse tipo maldoso decomentário, haja vista que nada ocorreu, mesmo porque jamais apreendeu caminhões de caféem toda a sua carreira...’. (fl. 42 do Apenso I).

‘... o depoente ratifica, especialmente, o fato que nega ser sua voz constante da fitaidentificada como nº 2... o APF FACHINELLI tem um relacionamento íntimo com DAGMARCOSTA E SILVA DIAS, dando-lhe, inclusive, proteção... sobre a interpelação que o DPF MELLOteria efetuado ao depoente no sentido da liberação de duas carretas de café, por intervençãodo DPF P., informa que realmente, em certa ocasião, foi questionado pelo DPF MELLO arespeito de tal episódio, contudo disse ao Mello “que jamais efetuara apreensão de café e queestava chateado por Mello ter usado a amizade que tinham para lhe fazer tal pergunta...’.(fls.126-127).

No inquérito policial, a testemunha referida confirmou as declarações anteriores (fls. 126-127),acrescentando que DAGMAR nunca lhe prestou informações de caráter policial. A vozconstante da fita gravada por DAGMAR não era sua. Não queria ouvir o diálogo. Nunca tevecontato com os acusados W. e L. C. Foi questionado pelo DPF Mello a respeito de umaapreensão de carga de café, tendo respondido que não efetuara qualquer apreensão de café.

MÁRIO LUIZ DE SOUZA e WILSON URBANO (fls. 128-129), policiais civis da cidade deMedianeira, ouvidos na fase do inquérito policial, declararam que não eram suas vozesconstantes das fitas gravadas por DAGMAR e que não tinham conhecimento de qualquerapreensão de café pela Polícia Civil de Medianeira no período mencionado.

Malgrado DAGMAR tenha se retratado em juízo, quando não prestou o compromisso legal, e atestemunha LIUSSON’NAR LINO LOPES tenha negado todos os fatos, bem como o acusado W.,analisando-se todos os depoimentos constantes dos autos, inclusive dos Apensos I e II, e asdegravações (fls. 285-290 e 291-301 do Apenso II, 23-41, 339-393), verificando-se que

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efetivamente ocorreu o primeiro fato narrado na denúncia. Porém, quanto ao acusado L. C. M.R., não há elementos que possam sustentar sua condenação, conforme adiante sedemonstrará.

Segundo as declarações do acusado W., não nega ter ido até a cidade de Medianeira,juntamente com os APFs JOSÉ MÁRCIO GILBERTO CARLOS PATO RIBEIRO. Em relação aoacusado L. C., não existem provas de que tivesse ido junto até Medianeria.

JOSÉ MÁRCIO BARROSO CASTELO BRANCO (fl. 43 do Apenso I, fls. 101-102, 1097v-1098)declarou que cumpria escala regular de serviço na Ponte Internacional da amizade, quando foiapanhado pelo acusado W. Juntamente com ele e o APF Gilberto, foram até a cidade deMedianeira, a fim de efetuarem uma investigação. O réu W. não disse qual a finalidade dadiligência. Em Medianeira, rodaram por várias ruas, inclusive passaram em frente à Delegaciade Polícia Civil daquela cidade, sendo que só estacionaram o veículo em frente ao Posto deGasolina, para abastecimento. Em seguida, retornaram à Foz do Iguaçu, parando, antes noPosto da Receita Federal na BR-277.

GILBERTO CARLOS PATO RIBEIRO (fl. 44, 239-240 do apenso I fl. 100 e fls. 1194-1195),confirmou, dizendo, que estava trabalhando na Ponte Internacional da Amizade, quando oacusado W.A.P. compareceu àquele local, em uma viatura veraneio, e solicitou dois agentespara o acompanhamento até a cidade de Medianeira, onde circularam pela cidade. Não temcerteza se passaram em frente à Delegacia de Polícia Civil. Pararam somente em um Posto deGasolina para abastecer o veículo. Não conversaram com ninguém e não foram abordados porqualquer veículo. Retornaram, em seguida, a Foz do Iguaçu, passando pelo Posto da ReceitaFederal na BR-277.

Existem fortes elementos contra o acusado W., os quais passo a elencar. O DelegadoLIUSSON’NAR LINO LOPES e os policiais civis da cidade de Medianeira, WILSON URBANO eMÁRIO LUIZ DE SOUZA (fls. 56-57 do apenso II, 129), todos que participaram da conversa comDAGMAR, objeto da degravação, conheciam DAGMAR. Não nega o acusado W. P.,acompanhado das testemunhas GILBERTO e JOSÉ MÁRIO, que foi até Medianeira e nãoconversou com ninguém, nem mesmo entrando na Delegacia de Polícia Civil. Não relatou aosagentes o motivo da diligência. Se DAGMAR não havia sido presa e não praticara nenhumcrime na ocasião, como temia, não teria motivo algum para prejudicar o DPF W. P. WILSONURBANO (fl. 57 do Apenso II) não poderia afirmar ter certeza de que MÁRIO LUIZ DE SOUZAnão esteve no hotel com DAGMAR, porque isso demostra seu intuito de defender seu colega.LINO, WILSON URBANO e MÁRIO conheciam DAGMAR, mas eram de Medianeira.

Pretende fazer crer o acusado W. que foi até Medianeira simplesmente para dar voltas nacidade, principalmente na Delegacia de Polícia Civil, mas não falou com ninguém, nem mesmoingressou nas dependências da Delegacia. O acusado referido não esclareceu, em nenhummomento, seja na Sindicância, no inquérito policial ou em juízo, qual o motivo dodeslocamento até Medianeira. Caso tivesse alguma desconfiança quanto à Polícia Civil daquelacidade, deveria ter procurado falar com algum policial civil e não simplesmente retornar à Fozdo Iguaçu, já que era uma autoridade, inclusive competente para reprimir crimes decontrabando e descaminho, além do que estava acompanhado por dois Agentes e munido comduas metralhadoras no veículo (fl. 1097v). Por isso, não teria nada a temer.

Todas essas circunstâncias demonstram que o deslocamento até Medianeira teve o objetivodescrito na denúncia, ou seja, impedir a apreensão do café. Cumpre ser ressaltado a existência,

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na época, de uma ‘briga’ entre a Polícia Civil da região (Altônia) e a Polícia Federal, no quetange à repressão do contrabando de café, conforme se infere dos depoimentos de GILBERTOCARLOS PATO RIBEIRO (fls. 239-240 do Apenso I) e MARCOS BARROS (fl. 201 do Apenso I), pormeio dos quais se vê que havia uma disputa entre as Polícias, sendo que um dos policiais disseque estavam ‘fazendo de tudo para o W.A.P.’. Naquele episódio, como os APFs foram presos, ocafé acabou não sendo apreendido.

Na verdade, LIUSSON’NAR LINO LOPES conhecia DAGMAR e travou o diálogo com ela, no qualpode-se verificar a prática do crime de facilitação de descaminho por parte do acusado W. A.P., pois o Delegado de Medianeira apreendeu carga de café, e o réu W. determinou a sualiberação, não se efetuando a apreensão. A retratação de DAGMAR, em Juízo, veio acomprovar ainda mais o temor dessa pessoa, que acabou sendo informante da Polícia Federalem Foz, perseguida porque teve envolvimento com ilícitos penais. Quando chegou na hora daverdade, ante o temor de represálias e com medo de correr risco de vida, resolveu retratar-se.Contudo, sua retratação não conseguiu desconstituir as demais provas constantes dos autos.

O que efetivamente aconteceu é que os policiais civis e Delegado LINO não confirmaram osfatos porque estavam envolvidos no ‘acerto’. Todos procuraram se esquivar. Importante ésalientar o depoimento da testemunha CELSA FERREIRA JORGE (fls. 248-250), responsável pelainquirição dos acusados e das testemunhas na Sindicância (Apensos I a III), pois afirmou que oDelegado LIUSSON’NAR LINO, após ter assinado seu primeiro depoimento, lhe confidenciou‘extra-autos’ que os fatos eram verdadeiros, mas que ele não assinaria qualquer documento,porque também aquilo era seu ‘pé-de-meia’ e tinha muita gente envolvida, além do queprometeu providenciar a morte de DAGMAR (fls. 1017-1019).

Relevantes também são as declarações da testemunha DAGOBERTO ALBERNAZ GARCIA (fls.166-168 do Apenso I, fls. 61-62, 774-777). Afirmou que estava em uma sala, juntamente comos Delegados Ferreira, Mello e Vicente, quando este último comentou sobre o envolvimentodo acusado W. em contrabando de café, inclusive sobre o episódio de Medianeira, ou seja, deque W. havia feito um ‘acerto’ com o Delegado Lino para que este liberasse duas carretasapreendidas com café. Assim, o DPF JOÃO ONÉSIMO DE MELLO resolveu falar com o DelegadoLINO sobre o assunto. MELLO disse que conversou com ele, tendo confirmado que W.A.P. opressionou para que liberasse duas carretas de café apreendidas por policiais estaduais. Emvista das circunstâncias, LINO teria recebido certa quantia em dinheiro para proceder daquelaforma.

A testemunha AIRTON NASCIMENTO VICENTE (fls. 175-176 do Apenso I, fl. 78, 208-209, 1096-1097) confirmou ter falado para os DPFs DAGOBERTO, FERREIRA E MELLO de ter ouvido que oDPF W. P. teria acertado com o Delegado LINO de Medianeira a liberação de dois caminhõesque transportavam café. Diante disso, o DPF FERREIRA lhe disse que LINO confirmara tudo.Perguntou ao DPF MELLO sobre a questão, e este lhe disse que LINO não confirmara nada eque o DPF FERREIRA havia entendido mal a conversa, uma vez que todos os boatos tinham seoriginado dos APFs Marconi e Severo, presos na Divisão de Polícia Federal. Não participou dequalquer reunião, na qual o DPF MELLO teria afirmado que apurara junto ao Delegado LINOsobre o envolvimento do DPF P. com a prática de contrabando e descaminho.

Verifica-se que a testemunha DAGOBERTO declarou que o DPF MELLO disse que o DelegadoLINO havia confirmado tudo, sendo que informara isso à testemunha AIRTON NASCIMENTOVICENTE. Na acareação realizada (fls. 137-138), entre as testemunhas referidas (DAGOBERTO,MELLO e VICENTE) e JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, a testemunha JOÃO ONÉSIMO DE MELLO

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confirmou ter o Delegado de Medianeira dito que não havia apreendido nenhuma carreta comcafé e, assim não ocorreu qualquer intervenção do acusado W. A. P. para a não apreensão.Sobre a questão, o Delegado LINO afirmou que foi questionado pelo DPF MELLO a respeito detal episódio, dizendo-lhe ‘que jamais efetuara qualquer apreensão de café e que estavachateado por Mello ter usado a amizade que tinham para lhe fazer tal pergunta...’ (fls. 126-127).

Os DPFs DAGOBERTO e FERREIRA disseram que o DPF MELLO confirmou tudo com o DelegadoLINO, inclusive, DAGOBERTO mencionou ter o DPF MELLO dito que LINO não confirmaria nada.Porém, mais tarde, o DPF MELLO disse ao DPF VICENTE que LINO não confirmara nada sobre aapreensão do café (fls. 206-207). Assim, vê-se que o depoimento da testemunha JOÃOONÉSIMO DE MELLO deve ser visto com reservas, nesse aspecto, considerando-se que eraamigo íntimo do Delegado LIUSSON’NAR LINO LOPES.

A testemunha AIRTON NASCIMENTO VICENTE (fls. 1096-1097), afirmou, ainda, que soube doepisódio de Medianeira por meio dos APFs SEVERO e MARCONI, sendo que o primeiro o soubepor intermédio de policiais civis de Medianeira. Não se pode dizer que as testemunhas SEVEROe MARCONI (fls. 182-185, 186-188, 1097v-1100) inventaram tudo com o objetivo de prejudicaro Diretor da Divisão, porquanto prestaram depoimentos favoráveis ao acusado W. P. (fls.1098v-1100) sem contar que, na época em que estavam presos, sob a direção do DPF W.,gozavam de regalias nas dependências da Divisão de Polícia Federal, transitando livremente,conforme se infere dos depoimentos de algumas testemunhas (fls. 78-82, 204-206, 208-209)

A afirmação da testemunha AIRTON NASCIMENTO VICENTE é confirmada pelas declarações doJuiz EDGAR ANTONIO LIPMANN JÚNIOR e do procurador da República JACEGUAY F. DELOURENÇO RIBAS (fls. 1014-1016, 1023-1024), as quais dão conta de que SEVERO e MARCONI(fls. 166-168, 171-172 do Apenso I), quando foram ouvidos como testemunhas em umprocesso na então Vara única da Justiça Federal de Foz do Iguaçu, relataram sobre oenvolvimento do acusado W. no contrabando de café, inclusive no episódio de Medianeira,porém se recusaram a assinar qualquer declaração nesse sentido.

A testemunha JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA (fls. 1020-1022), também confirmou o fato, dizendoque, após a prisão de SEVERO e MARCONI, surgiram comentários sobre o envolvimento do DPFP., mas eles não queriam oficializar nada. Igualmente, a testemunha CELSA FERREIRA JORGE(fls. 1017-1019) afirmou que, quando na inquirição de SEVERO e MARCONI, estes disseram‘extra-autos’ que o relatório da Procuradoria da República, sobre as acusações contra o DPFW.A.P., era verdadeiro, mas não assinariam nada.

A testemunha EDGAR LIPMANN JÚNIOR ainda declarou que recebeu uma visita num fim desemana do Delegado LINO de Medianeira, o qual confirmou a existência do ‘acerto’, mas nãoquis declarar em termo, por medo de represálias por parte do DPF W. A. P. (fl. 1014v).

Importante também é a declaração da testemunha PAULO CORREA IUNG (fl. 88 do Apenso II),dando conta de que o Delegado LINO freqüentava assiduamente a DPF de Foz do Iguaçu, parafalar com o acusado W. A. P.

Infere-se que havia um pacto de silêncio entre os envolvidos, como fora bem ressaltado peloMinistério Público Federal, sem contar que poucos ousaram depor contra o acusado W., dada aautoridade que exercia. Essa última circunstância é confirmada pela declaração da testemunhaDAGOBERTO ALBERNAZ GARCIA (fls. 775-777):

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‘o delegado P. ameaçou todos os que viessem a depor contra ele. Ele ameaçava abertamente.Aquele que viesse a depor contra ele, o delegado prometia acabar com sua raça, e que ‘ia sever com ele’. Chegou a dizer ao depoente que ‘sua casa ia cair’, que ‘ia ter o que merecia’.

A Defesa do réu W. P., ancorada na retratação de DAGMAR, alega que tudo não passou de umatrama empreendida pelo Agente de Polícia Federal RÉGIS ÉRICO CASARA FACHINELLI (fls. 187do Apenso I, fls. 47-52 do Apenso II) e pelo DPF JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, já que eles faziamparte de uma outra facção existente na Divisão de Polícia Federal de Foz do Iguaçu, disputandoo comando.

Contudo, as provas existentes nos autos demonstram o contrário, ou seja, o acusado W.solicitou a uma paraguaia, RAMONA BEATRIZ FARINA (fls. 99-103 do Apenso II, 133-134),informante da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, conhecida por ‘Muchi’, que providenciasse a‘eliminação’ do APF FACHINELLI. Quando da solicitação, RAMONA (fls. 99-103 do Apenso II, fls.133-134) havia comparecido à DPF para conversar com o DPF FERREIRA, ocasião em que foiatendida pelo APF SEVERO e MARCONI, sendo que o primeiro disse que FERREIRA não estava eela deveria falar com o Diretor da Divisão. RAMONA dirigiu-se ao Gabinete do acusado W. e aproposta fora efetuada na presença de CARLOS PEREGRINO MACERATESI, apelidado de‘Cabeção’.

Tais fatos foram confirmados por FACHINELLI (fls. 47-52 do Apenso II, 85-87, 871-873);MARCOS ANTONIO VASCONCELOS (fls. 79 do Apenso II), que foi juntamente com SEVERO aoParaguai para conversar com ‘Muchi’; DAGOBERTO (fls. 70-72, 82-83 do Apenso II, 61-62, 774-777), que declarou ter ouvido a fita gravada por FACHINELLI, na qual ‘Muchi’ confirmava asolicitação do réu W. e, posteriormente, entregou a fita a este (fls. 82-83 do Apenso II, 210-212), que negou tê-la recebido, quando da acareação (fls. 229-239).

JOÃO PAULO DE ARAÚJO SEVERO igualmente confirmou que foi até o Paraguai, comVASCONCELOS, conversar com ‘Muchi’, tendo ela confirmado. A testemunha JOSÉ FERREIRA DEOLIVEIRA (fl. 67 do Apenso II) afirmou que houve o encontro de ‘Muchi’ com FACHINELLI,ocasião em que este gravou a conversa, tendo ‘Muchi’ afirmado sobre o pedido do acusado W.O próprio acusado não negou que conversou com ‘Muchi’ (fls. 148-157), mas negou tersolicitado a eliminação do agente FACHINELLI. RAMONA BEATRIZ FARINA acabou por confirmartodos os fatos (fls. 99-103 do Apenso II, 133-134), dizendo que esteve conversando com oacusado P., na presença do indivíduo conhecido por ‘Cabeção’, ocasião em que lhe foisolicitado a eliminação do APF FACHINELLI, sendo que, para isso, seria bem recompensada.

Portanto, diante de tais elementos, verifico que efetivamente ocorreu o fato, conformenarrado na inicial, sendo que o acusado W. A. P., ciente da ilicitude e reprovabilidade de suaconduta, facilitou o crime de descaminho, porque, em conluio com o Delegado de Medianeira,determinou a liberação de carga de café, que deveria ter sido apreendida a fim deresponsabilizar-se das pessoas envolvidas.

Embora tenha se concluído pela absolvição do acusado J. L. W., não se pode dizer que, por isso,inexistiu o descaminho, porque efetivamente não há prova que ele estivesse envolvido noepisódio de Medianeira, mas o fato é que, claramente, ocorreu o crime de facilitação dedescaminho. É desprovida de lógica a alegação de que é necessário a apreensão do objetomaterial descaminhado ou contrabandeado para responsabilizar-se aquele que facilitou ocontrabando ou descaminho, considerando-se que, no caso presente, está seresponsabilizando justamente porque não se determinou a apreensão.

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Em relação ao acusado L. C. M. R., não existem provas indicativas de que tenha participado docrime, prestando colaboração ao Co-réu W.

Do segundo fato

O Segundo fato constante da denúncia refere-se a uma diligência, realizada aproximadamenteem abril de 1989, quando os Agentes de Polícia Federal Ronaldo Schimidel Nunes e MarcoAntonio Ribeiro da Silva encontraram grande quantidade de sacas de café abandonadas nointerior de uma fazenda da família Calegari, situada no município de Santa Helena, Estado doParaná. Ao encontrarem o carregamento, comunicaram-se com o réu W., indagando qual aatitude a tomar, tendo sido determinado que queimassem todo o carregamento. Na ocasião, oAgente de Polícia Federal Ronaldo Schimidel Nunes teria ido até um posto de gasolina daregião, de propriedade de Arquile Orvino Alba, comprar combustível para efetuar a queima. Aordem para a queima das sacas de café foi presenciada pelo Delegado de Polícia Federal JoséFerreira de Oliveira, e, depois, os citados agentes cometeram (sic) o fato com José WellingtonVeras Albuquerque e Luiz Alves Feitosa, ambos também agentes de Polícia Federal. Adeterminação para a queima do café teve o objetivo de impedir que qualquer investigação arespeito fosse possível.

RONALDO SCHMIDEL NUNES (fls. 62-63, 201-202 do Apenso I, fl. 102, fls. 1228-1229), declarouque em companhia dos agentes MARCOS e NILTON, quando foram até o Lago de Itaipu, nalocalidade de Santa Helena, encontraram, nas terras de propriedade da família Callegaro, 48(quarenta e oito) sacas de café espalhada pelo chão e queimando, bem como um Fiat 147, como motor ainda quente, e tudo ao abandono. Quando se aproximaram do local, ouviram obarulho de um motor, como se fosse uma balsa. O café encontrava-se às margens do Lago deItaipu. Efetuaram diligências no local, mas não encontraram ninguém. Entrou em contatotelefônico com a DPF e depois com o acusado W., o qual disse que iria tomar providências. As48 sacas de café foram trazidas, na segunda-feira, pelo APF ASSIS, até a DPF. Não adquiriucombustível para queimar o café encontrado. O acusado W. não determinou a queima do café,apenas disse para a equipe retornar a Foz do Iguaçu, sendo que no dia seguinte seriamtomadas as providências necessárias. No mesmo sentido são as declarações de NILTONSANTOS GONÇALVES (fl. 63 do Apenso I, fl. 287) e de MARCO ANTONIO RIBEIRO DA SILVA (fls.135-136, 1297-1298).

Primeiramente, verifico contradições nas declarações de RONALDO SCHMIDEL. No termoconstante das fl. 62 do Apenso I, declarou que, depois de entrar em contato com a DPF, o APFASSIS foi até o local com um caminhão, e, assim, colocaram as 48 sacas de café e trouxeramtudo para a DPF. No depoimento da fl. 73 do Apenso II, declarou que a equipe voltou para Fozdo Iguaçu, ficando o café no local, sendo que as sacas foram trazidas, na segunda-feira, peloAPF ASSIS, até a DPF. Em Juízo (fl. 1228), afirmou que, dois dias depois, foi até o local,efetuando a remoção das sacas de café.

Tais contradições, aliadas às declarações das testemunhas, que ainda se analisa, demonstramque o acusado W., mais uma vez, facilitou a prática do crime de descaminho, determinandoque o café fosse queimado .

A testemunha JOÃO ONÉSIMO DE MELLO (fls. 182-186 do Apenso I), declarou ter o DPFFERREIRA comentado que os agentes realizadores da operação afirmaram que o acusado P.determinou a queima do café. FACHINELLI declarou que soube, por meio de SCHMIDEL, quehouve uma apreensão de 300 sacas de café e que o acusado W. determinou a queima do café

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(fls. 47-52, do Apenso II, fls. 85-87, 871-873), bem como soube, por intermédio do APFFEITOSA, que o APF NILTON comentara que W. P. determinou a queima do café.

A testemunha JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA (fls. 65-69 do Apenso II) esclareceu que recebeu umtelefonema do APF GOMES, dizendo que RONALDO SCHMIDEL lhe contara sobre adeterminação do réu W. Diante de tal fato, deu uma contra-ordem, ordenando ao APF GOMESque organizasse uma equipe e fosse até o local para guardar o café (48 sacas). Os agentesficaram no local, e, na segunda-feira, um caminhão do IBC trouxe o café até a DPF. O acusadoW., mesmo sabendo de sua contra-ordem, não comentou nada com ele. Declarou, ainda, essatestemunha que FEITOSA ouviu de NILTON sobre a queima do café, na presença de SÉRGIOROBERTO CONCEIÇÃO CASTRO e JOSÉ WELLINGTON VERAS ALBUQUERQUE.

As duas testemunhas referidas e LUIS ALVES FEITOSA, confirmaram que efetivamente NILTONcontara sobre a determinação do acusado W. A. P. (fls. 74-76, do Apenso II, 109-111). Alémdisso, o APF EDSON GOMES DOS SANTOS (fls. 77-78 do Apenso II, fl. 108) declarou querecebera a contra-ordem do DPF FERREIRA; SCHMIDEL lhe contara sobre a ordem dada para aqueima do café, e as 48 sacas de café restantes foram levadas outro dia por um caminhão doIBC. O APF FACHINELLI afirmou que SCHMIDEL lhe disse que o acusado W. mandou queimar ocafé (fls. 871-873). A testemunha EDGAR LIPMANN (fls. 1014-1016) e JACEGUAY (1023-1024)afirmaram que o próprio acusado, em uma reunião informal, disse ter mandado queimar ocafé.

Corroborando as declarações da testemunha JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, tem-se odepoimento de DAGOBERTO ALBERNAZ GARCIA (fls. 166-168 do Apenso I, fls. 61-62, 774-777),pois afirma que estava, em certa ocasião, reunido com o DPF FERREIRA, quando presenciou umtelefonema de agentes da Polícia Federal, dando conta de que o DPF W. A. P. havia dadoordem para que fossem queimadas sacas de café apreendidas às margens do Lago de Itaipu. ODPF FERREIRA deu uma contra-ordem, para que o café não fosse queimado e se ultimasse aapreensão.

Da mesma forma, a testemunha CELSA FERREIRA JORGE (fls.1017-1019), responsável pelainquirição dos acusados e das testemunhas na sindicância (Apensos I a III), confirma os fatos,afirmando que o APF SCHMIDEL lhe disse espontaneamente e com muita naturalidade, “extra-autos”, que o DPF W. A. P. tinha mandado queimar o café encontrado pela equipe às margensdo Lago de Itaipu em Santa Helena, em vista das dificuldades de transporte da mercadoria paraa Divisão. Quando SCHMIDEL foi prestar o depoimento, retificou, dizendo que a mercadoria jáhavia sido encontrada queimando e que não assinaria um depoimento no qual constasse aversão de que P. ordenara a queima do café arrecadado.

Impende ser ressaltado, ainda, o depoimento de ARQUILE ORVINO ALBA (fls. 143-144, 1134),proprietário de um Posto de Gasolina em Medianeira. Afirmou ele que, na época dos fatos,compareceu no seu posto de gasolina, situado no trevo de acesso à cidade de Santa Helena,um policial federal trajando colete e boné da Polícia Federal, o qual efetuou a compra de 20litros de óleo diesel. O policial, que não se identificou, lhe disse que iria queimar um caféapreendido no Porto dos “Calegaro”, próximo ao Lago de Itaipu, no município de Santa Helena.

Conforme se infere do Auto de Reconhecimento Fotográfico (fl. 158), ARQUILE não reconheceuo policial que teria comparecido ao Posto de Gasolina de ARQUILE, mas no reconhecimentofotográfico anterior (fls. 145-146) houve identificação de dois policiais federais (RonaldoSchmidel Nunes e Benedito Jacob de Oliveira). Vê-se que o primeiro participou da queima do

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café.

Malgrado não tenha sido identificado claramente o policial federal que efetuou a compra doóleo diesel, o certo é que os fatos ocorreram da forma relatada na denúncia, ou seja, oacusado W. determinou a queima do café objeto de descaminho, impedindo a sua apreensão eidentificação dos responsáveis, facilitando, assim, tal crime.

Somando-se a todos os elementos supracitados, não se pode ignorar o fato de que, durantetodo o período em que o Delegado W. P. encontrava-se no comando da Polícia Federal, apenasdois ou três carregamentos de café foram apreendidos, segundo relatou a testemunha JOSÉFERREIRA DE OLIVEIRA (fl. 1022), sendo que na Administração anterior foram apreendidos maisde trinta caminhões com café. O réu L. C. M. R. afirmou que, no lapso temporal de dois anos,não houve qualquer apreensão de café, porém isso não significava que se estivesse facilitandoo descaminho.

Evidentemente, esse fato isolado não serve como base para a condenação. Contudo, diantedas razões acima elencadas, tal fato vem a corroborar ainda mais a certeza dos crimes defacilitação de descaminho.

Também pesa contra o acusado a existência do Processo Disciplinar sob o nº 07/91, a respeitodo segundo fato aqui analisado, cuja decisão aplicou a pena de suspensão de 22 dois (sic),substituída pela pena de multa, em razão de ter o réu ‘em agosto de 1989, ao recebercomunicação telefônica de uma equipe em diligência profissional de que fora encontrada umapartida de café em chamas, determinado fossem suspensas as investigações, por entender queseria impossível chegar-se aos autores do delito’ (fl. 1394).

Dessarte, não pairam dúvidas de que os dois fatos narrados na denúncia e analisados napresente sentença efetivamente ocorreram” . (fls. 1475/1490).

A estas judiciosas considerações agregou o voto condutor do acórdão, da lavrado eminente juiz Jardim de Camargo:

“As alegações constantes do apelo no sentido de que o Apelante foi vítima de perseguição porparte de colegas que queriam assumir o comando da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, nãoconstitui novidade nos autos, e foram enfrentadas pela ilustre julgadora singular, que assopesou, concluindo que não afastaram os elementos de prova. De fato, deve ser ressaltadoque o Apelante, na escala hierárquica, era a principal autoridade na Polícia Federal de Foz doIguaçu, estando, assim, imune a eventual perseguição de seus subordinados. Ademais,sobressai dos autos o fato de que durante a sindicância administrativa que foi realizada naDelegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, o Apelante, de forma inusitada, continuou nachefia local, o que fez com que interferisse nos trabalhos de apuração. Assim, paralelamente àsindicância, conduzia os seus subordinados, que haviam prestado depoimentos à delegadasindicante, à sua sala de diretor e, na sua presença, os inquiria a respeito do que haviam ditona sindicância, e se houve coação ou se foram instruídos sobre o que deviam dizer. Essasinquirições, juntadas por ocasião das razões de apelo, não merecem qualquer credibilidade emface do poder de coerção do Apelante para com os seus subordinados.

O que resplandece de maneira cristalina é a robustez da prova, formada não só pela colhida nainstrução processual, como também, a colhida na sindicância administrativa que restou

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judicializada, eis que submetida ao crivo do contraditório por embasar a denúncia, o quepermitiu, à ilustre julgadora singular, firmar um seguro juízo de convencimento da prática docrime de facilitação de descaminho.

Em relação ao segundo fato apontado na denúncia no sentido de que o Apelante determinou aqueima do café objeto de descaminho, impedindo a sua apreensão e identificação dosresponsáveis, facilitando, assim, tal crime, de igual forma, a ilustre julgadora singular coligiuelementos de provas constantes dos autos que deram consistência à condenação” (fls.1749/1750).

Por estas razões não posso concordar com a assertiva posta nos embargos deque a condenação teve por base meras ilações. Tampouco a Sra. Dagmar é aprincipal testemunha neste processo. É que constam dos autos testemunhosde diversas autoridades policiais, de um juiz e até de membro do MinistérioPúblico, sendo que todas elas prestaram o compromisso de dizer a verdade, aocontrário de Dagmar. Assim, não pode ela ser considerada a principaltestemunha.

Da mesma forma, a retratação de Dagmar não tem, como salientado nasentença, a relevância pretendida, porque, afinal, ela sequer prestara ocompromisso de dizer a verdade, contraditada que foi pela defesa.

De qualquer sorte, tal retratação tem uma razão de ser. Como se vê dotestemunho do Delegado Federal Dagoberto Albernaz Garcia, o acusadoameaçou todos que testemunhassem contra ele (fl. 775). Ademais, Dagmar,mesmo durante o processo, esteve sob a pressão de ameaças de sofrer “malinjusto e grave”, o que levou o Ministério Público Federal a requerer proteçãopara a testemunha em 03.04.92, o que foi deferido pelo juiz da causa (fl. 699).Posteriormente, temendo a extinção da testemunha, o Parquet requereu aantecipação do seu depoimento (fls. 702/704). Assim, não é de se admirar queela tenha alterado o seu depoimento, como tantos outros o fizeram neste caso.

De outra parte, como visto, é injusta a assertiva recursal de que a sentençapreferiu a prova extrajudicial. Em realidade, quase todas as testemunhas dasindicância e do inquérito policial foram ouvidas também em juízo, onde foramcolhidos nada menos que 27 testemunhos, além de realizada uma acareação,exatamente entre o Delegado Lino e Dagmar, ocasião em que ela se retratou(fls. 1089/1090).

Merece ser esclarecido que Dagmar em sua retração não nega a veracidadedos dados constantes da fita, negando, apenas que a gravação tenha sido feitana presença do Delegado Lino. Aliás, no novo depoimento prestado, ela dá aentender que a gravação foi feita com outra pessoa. Ocorre que a fita, em seulado “A”, foi produzida com mais de duas pessoas (fls. 30/48). Além disso,

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Dagmar nunca disse que a conversa foi gravada pelo telefone, mas, sim, em umhotel (fl. 875, final).

Outro detalhe que torna inverossímil a retratação efetuada é que na referidaacareação o Delegado Lino diz, salvo em meados de 1986, “não ter tido contatonenhum com a sra. Dagmar” (fl. 1089, final). Entretanto, na degravação dasconversas telefônicas juntadas aos autos pela própria defesa (fls. 907/908), ficabem evidente que Dagmar e o Delegado Lino estiveram sim em contato.Esclareça-se que desta vez era Dagmar que estava sendo gravada. Adegravação, repita-se, foi juntada pela própria defesa e da sua leitura sepercebe a notória intimidade entre esta senhora e as polícias estadual e federalda região de Foz do Iguaçu.

Ademais, o que também torna inverossímil tal retratação – apesar de seremcompreensíveis as razões de Dagmar – é que o Delegado Lino sempre disse queia negar o seu envolvimento no contrabando e com o ora embargante,inclusive na fita gravada por Dagmar da conversa mantida com ele no hotel (enão por telefone).

Neste sentido, merece transcrição, pela sua importância, o depoimento daDelegada Celsa Ferreira Jorge, que prestou o compromisso de dizer a verdade,apesar da contradita do embargante, até porque ela não servia em Foz doIguaçu, tendo sido a policial que presidiu a sindicância e instaurou o inquéritopolicial que servem de suporte a este processo:

“Que na ocasião daquela sindicância ouviu diversos delegados, inclusive o delegado Lino daPolícia Civil de Medianeira o qual em seu depoimento, ou melhor, antes do início das suasdeclarações chamou a testemunha ao lado, enquanto o escrivão fazia as anotações, dizendo odelegado Lino à testemunha que realmente os fatos eram verdadeiros e que ele estavafazendo o seu ‘pé de meia’ o delegado P. também, bem como o Dr. Romeu Tuma; QUE odelegado Lino dizia à delegada, ora depoente, que o caso era muito mais grave do que sepensava, sendo que ele, delegado Lino, era apenas ‘uma folha dentro da floresta’; QUE nomomento de seu depoimento o delegado Lino não esclareceu nenhum fato do que antes falaraà testemunha; QUE depois de assinado o depoimento o delegado Lino continuou ainda a falarsobre os fatos que falara antes à ora testemunha; QUE o delegado Lino, sempre falou com atestemunha dizendo que aquela voz contida numa gravação de fita cassete, ou melhor, que odelegado Lino, por ocasião de uma acareação entre ele, Lino e a senhora Dagmar, disse Lino àtestemunha que aquela voz não era dele e negava todos os fatos contidos naquela fita, mas aoterminar a acareação, Lino disse à testemunha em voz um pouco baixa, quase inaudível, maispor gesto do que por voz, dizendo que Dagmar iria morrer, que com aquelas declaraçõesDagmar teria assinado a sua sentença de morte; QUE neste momento a testemunha chamou aatenção de Lino, dizendo que se Dagmar aparecesse morta eles seriam acusados deresponsabilidades e todos os outros referidos naquela fita cassete; QUE neste momento Linofalou à testemunha que: ‘isto só se o corpo aparecer’” (fl. 1018 e verso).

Assim, verossímeis são os depoimentos anteriores da Sra. Dagmar, e não a

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retratação.

A prova coligida neste processo revela a existência, na época, em Foz doIguaçu, de um mundo formal e outro real. E nem sempre eles coincidem. Istoexplica porque o Delegado Lino sempre negou seu envolvimento nos fatos,como salientado no brilhante voto vencido. É que ele sempre negouoficialmente, mas admitiu informalmente. Ocorre que o testemunho daDelegada Celsa, e outros nestes autos, oficializaram o mundo informal, valedizer, trouxeram a realidade à tona.

Mas não foi só para Dagmar e para a Delegada Celsa que o Delegado Linoadmitiu a veracidade do que consta da fita que se quer desacreditar. Eletambém o fez para o seu compadre, o Delegado Federal João Onésimo deMello, conforme consta do depoimento do Delegado José Ferreira de Oliveiraque, apesar de contraditado pela defesa do embargante, também prestou ocompromisso de dizer a verdade. Segundo esta testemunha, o Delegado Melloconfirmou a ele e aos Delegados Dagoberto e Vicente, a participação de Lino eP. no episódio das carretas. Mas, em acareação posteriormente efetuada,Mello e Vicente desdisseram o que haviam dito (fl. 1020 verso).

Este episódio é emblemático. Algumas testemunhas informalmente trouxeramos fatos da realidade em sua crueza. Algumas, já antecipando que não“assinariam” seus depoimentos. Outros assinaram e depois retificaram. Oimportante é que, como no caso da fita de Dagmar, a afirmação é verossímil eestá coerente com a prova material dos autos, enquanto as retrataçõesmenosprezam a inteligência de quem as lê, porque não se encaixam nopanorama dos fatos.

Outro exemplo é a questão da queima do café. Todos os envolvidos, numprimeiro momento, reconhecem, inclusive o próprio Delegado P., que elemandou queimar o café. Depois, vem a versão de que o café já queimava. Masse o café já queimava, porque um agente foi comprar diesel no posto e disseao seu proprietário que era para queimar o café?

Absolutamente inútil todo o esforço possivelmente dispendido para que talpessoa, Arquile Orvino Alda, retificasse o reconhecimento que fizera ao agenteSchimidel, porque sendo ele ou outro, um agente da polícia, com colete eboné, foi ao posto comprar diesel e informou que era para queimar o caféapreendido no lago (fl. 1134). Em juízo, é evidente que Schimidel prestou aversão retificada. Mas dá para acreditar que o acusado não mandou queimar ocafé depois de ler o depoimento do seu próprio advogado, Dr. Eliud GonçalvesPereira?:

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“que o delegado P. informou ao depoente que teria de fato ordenado a queima do café,conforme noticiado na denúncia; que a referida queima se deveu ao fato de não haver comotransportar aquelas sacas até a Divisão da Polícia,... distante cerca de 120 km do local daapreensão;” (fl. 1321).

Alega também o recurso que havia um complô em Foz do Iguaçu paraprejudicá-lo e afastá-lo da direção da Divisão. Entretanto, tal alegação não temqualquer respaldo na prova dos autos. Ao contrário, a prova coligida é nosentido de que as incompatibilidades surgidas decorriam exatamente dacirculação na Divisão de notícias do envolvimento do Delegado P. com ocontrabando de café, em fatos como os narrados na denúncia.

Os atritos e os problemas trazidos, a existência de facções, dedesentendimentos, e até o desejo de afastar o acusado da Direção, a meusentir, nada mais são do que conseqüências naturais das “irregularidadesgraves” que estavam ocorrendo na Divisão de Polícia Federal de Foz do Iguaçu.

É difícil conceber que servidores sérios (diversos delegados e agentes da PolíciaFederal, um Juiz Federal e um Procurador da República), como os queconfirmaram em juízo os seus depoimentos, prestados sob o compromisso dedizer a verdade, ratificando a existência dos fatos narrados na denúncia,aderissem a um complô contra o acusado e seus aliados. Assim, a tese dedefesa deveria estar cumpridamente demonstrada. Ademais, sendoverdadeiros os fatos, que comportamento poderia ter o acusado senãodesacreditar tais servidores?

Por outro lado, para a consumação do delito de facilitação ao contrabando doartigo 318 do Código Penal não é necessário que se consume também ocontrabando. Por esta razão, desnecessária é a prova de que as mercadorias deque tratam os dois episódios da denúncia fossem descaminhadas. De qualquerforma, é fato incontroverso no feito que o café era descaminhado. O própriorecurso ora em julgamento afirma que a sentença não levou em consideraçãoque o Delegado Chueire fora quem pedira ao acusado P. a diligência dascarretas de Medianeira. Todos os depoimentos são unânimes em afirmar quenos dois casos o café era “contrabandeado”.

O fato de ter havido contra-ordem na queima do café não impediu que partedele fosse queimado. Mas mesmo que todo o produto fosse salvo, isto nãoafastaria a conduta de facilitação ao contrabando. Não daquela mercadoriaespecificamente, mas de outros cuja mercadoria não está aqui referida, masque permite afirmar a consumação do tipo do artigo 318 do Código Penal. Emrealidade, há fortíssimos indícios de que a atuação dos agentes não se limitouaos dois episódios narrados, exemplificadamente, na peça acusatória. De rigor,

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no episódio do lago, a facilitação não era daquele descaminho, mas visava apreservar o esquema montado pelo acusado e seus cúmplices. Facilitar étornar fácil, auxiliar, afastar dificuldades (Celso Delmanto, Código PenalAnotado, 1983, artigo 318, notas). Parece evidente que a apreensão do café nolago poderia dificultar as operações ilícitas. Não é por acaso que os autosnoticiam pouquíssimas apreensões de descaminho durante a gestão doacusado na Divisão de Foz do Iguaçu (fl. 1071, só para exemplificar,Depoimento do Delegado Mello), bem como que ele e sua família eramdetentores de padrão de vida incompatível com a sua renda de servidorpúblico (fl. 775). Assim, é lógico que ele tenha afastado a dificuldade quesignificava a apreensão da carga, determinando a sua queima.

De outra parte, no que concerne à liberação das carretas e o “acerto” feitocom o Delegado Lino, está fora de qualquer dúvida que os dois nãocelebrariam contrato escrito com testemunhas e reconhecimento de firma.Trata-se de policiais inteligentes e experientes que não se entregariam a umaatividade criminosa, envolvendo lesa à Pátria, e fossem executá-la na frente detestemunhas. E mesmo qualquer tipo de pressão deve ser sutil como convémem situações como a dos autos. Entretanto, é fato certo que o Delegado Linoconfirmou ao juiz Edgard Lippmann a existência de acerto com o Delegado P.,“mas não quis declarar em termo, dizendo que, inclusive o implicaria no caso,que era o delito e com medo de represálias por parte do então delegado Chefeda Divisão de Polícia Federal em Foz do Iguaçu” (fls. 1014 verso, final, e 1015,início).

Como já referido, o Delegado Lino não confessou o envolvimento dele nosfatos à Dagmar pelo telefone, mas pessoalmente. E tal confissão é verosímil,com a devida vênia, porque ele manteve sim contato com ela na época, comose vê da degravação já referida (fls. 907/908), juntada pela própria defesa.Ademais, não foi só para Dagmar que ele confessou, como já referidoanteriormente.

Finalmente, sempre com a devida vênia, há prova sim da apreensão dascarretas pelo Delegado Estadual de Medianeira. Salvo se não for considerada aprova testemunhal e indiciária. De qualquer forma, como já referido, o acusadonão foi condenado por descaminho, mas por facilitação, sendo despicienda aprova da materialidade daquele outro delito.

Como leciona Fernando da Costa Tourinho Filho, ao comentar o artigo 239 doCPP, “Tendo o legislador admitido os indícios como meios de prova, não sepode negar possa o juiz, mormente em face do livre convencimento, proferirdecreto condenatório apoiando-se na prova indiciária” (in Código de Processo

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Penal Comentado, Saraiva, 2ª edição, 1997, p. 397).

Da mesma forma, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “uma sucessãode indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar acerteza fundada que é exigida para a condenação” (REsp 130570/SP, rel. Min.Felix Fischer, DJ 02.09.97, p. 50038); bem como o Supremo Tribunal Federalque “os indícios, dado ao livre convencimento do juiz, são equivalentes aqualquer outro meio de prova, pois a certeza pode provir deles” (HC nº70344/RJ, rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 22.10.93, p. 22253).

No caso dos autos, os documentos, os testemunhos das autoridades e osindícios antes referidos, pelo menos, levaram-me a formar convicção de quemerece ser mantida a decisão majoritária da Colenda Segunda Turma desteTribunal, com a vênia do e. prolator do brilhante voto vencido, motivo peloqual não merecem prosperar os presentes embargos infringentes.

Ante isso, nego provimento.

É o voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1999.04.01.036864-0/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva

Apelante: C.S.C.

Advogada: Dra. Sônia Kunz

Apelados: L. L. D.

A. E. A. R.

V. S.

Advogados: Drs. Maria Helena Cerino dos Santos e outro

Interessado: Ministério Público

Advogado: Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

EMENTA

Penal. Crimes contra a honra. Calúnia. Difamação. Injúria. Juiz eleitoral.

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Ofendido. Autoria. Dolo. Comprovação. Condenação. Penas. Substituição.

1. Indemonstrada a autoria da nota publicada no jornal “A Notícia” de SantaCatarina. Absolvição confirmada neste aspecto.

2. Confirmado o dolo dos agentes, ao praticarem o crime de calúnia (art. 138do CP), perpetrado contra Juiz Eleitoral, por meio de correspondênciasenviadas a autoridades de Santa Catarina, porquanto condenados no JuízoEleitoral pelo crime que imputavam ter sido cometido pelo ofendido.

3. Podendo-se definir o crime de calúnia como sendo uma “difamaçãoqualificada”, o crime de difamação imputado aos agentes, apelados, restouabsorvido.

4. Os atos dos agentes não se subsumem no tipo previsto no art. 140 do CP,porque não atribuem qualidade à vítima.

5. Condenação dos apelados em pena privativa de liberdade (detenção) emulta. Substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivasde direitos: prestação pecuniária a entidade social e prestação de serviços àcomunidade, ambas pelo mesmo prazo de duração da pena privativa deliberdade.

6. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide aEgrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto doRelator e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.

Porto Alegre, 13 de junho de 2000.

Des. Federal José Germano da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de apelação criminalinterposta pelo assistente da acusação, contra sentença que absolveu osacusados dos crimes que lhes eram imputados: calúnia, difamação e injúria.

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A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público Federal com base narepresentação e documentos protocolados junto à Procuradoria da Repúblicaem Florianópolis/SC por C.S.C., magistrado que exerceu as funções de JuizEleitoral da 71ª Zona Eleitoral durante o período da eleição municipal ocorridaem 03 de outubro de 1996, nos Municípios que integram a Comarca deAbelardo Luz/SC.

O feito foi assim relatado pelo Magistrado a quo, verbis:

“O Ministério Público Federal denunciou L. L. D., V. S. E V. E. A. R., acima qualificados, com baseem representação oferecida por C.S.C. (Procedimento Criminal Diverso nº 97.8003-0), comoincursos nas sanções dos arts. 138,139 e 140 c/c o art. 141, II e III e art. 69, todos do CódigoPenal Brasileiro, por terem cometido crimes contra a honra do então Juiz de Direito daComarca de Abelardo Luz/SC, Dr. C.S.C., durante o período da eleição municipal ocorrida em 03de outubro de 1996.

Diz a denúncia que os denunciados fizeram publicar fatos que constituem crime, sabendo quea vítima não os praticara, sendo a publicação através do Jornal ‘A Notícia’, em nota docolunista Raul Sartori’, na edição de 23.02.97.

Afirma ainda a peça acusatória que os denunciados encaminharam, em data de 06.02.97, àCorregedoria do Tribunal Regional Eleitoral reclamação contra o Dr. C.S.C., imputando-lhe, deforma falsa, fato definido como crime eleitoral.

Descreve ainda a denúncia que em 12.02.97, os denunciados encaminharam ao Presidente doTribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, cópia de reclamação apresentada ao TRE/SC,com fatos ofensivos à honra objetiva, além de postular o ‘afastamento do cargo de JuizEleitoral.’ (fl. 10).

Relata ainda a denúncia que os denunciados em data de 27.02.97, entregaram cópia dareferida Reclamação ‘a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina e aoPresidente da Associação dos Magistrados Catarinenses, além da comunicação formal àimprensa (fl. 14).

A denúncia foi recebida em 18.06.97 (fl. 03).

Os denunciados compareceram ao interrogatório (fls. 213/221).

As defesas prévias foram ofertadas por defensores constituídos às fls. 223/225, arrolando trêstestemunhas.

As testemunhas arroladas pela denúncia foram inquiridas (fls. 245/256 e 261/264), bem comoas arroladas pela defesa (fls. 371/374 e 378/379).

O Dr. C.S.C. requereu sua admissão como Assistente do Ministério Público (fl. 292). Semoposição deste último (fl. 294), o pedido foi deferido (fl. 357 verso).

O ofendido requereu a especialização e inscrição de hipoteca legal, para garantir a

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responsabilidade dos denunciados em futura indenização por danos morais (fls. 03/11 doProcedimento Criminal Diverso nº 97.7648-2).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pleito (fls. 41/43 doProcedimento Criminal Diverso).

Em decisão proferida às fls. 47/52 dos autos acima referidos, fixou-se o valor da indenizaçãopor dano moral para fins de especialização da hipoteca legal, em 250 vezes o valor do saláriomínimo vigente no mês dos fatos e determinou-se a avaliação dos bens imóveis, elencadospela requerente (fls. 08/10 do Referido Procedimento Criminal Diverso). O laudo da avaliaçãoconsta às fls. 69/71 do Procedimento Criminal Diverso.

Não foi aberto o prazo do art. 499 do Código de Processo Penal às partes, porquanto as penasprevistas não passam da de detenção (fl. 381, v).

Em alegações finais (fls. 382/434), o Ministério Público Federal requereu a absolvição dosdenunciados, asseverando que ‘as circunstâncias que envolvem os fatos apontados comoofensivos à honra do ofendido C.S.C. não me permitem tê-los absolutamente impossíveis. Aprova principal (testemunha Tadeu Comerlatto) omite alguns fatos, é inconsistente noutros. Aversão que prejudicaria os acusados parece-me pouco lógica, fora do razoável. Tenho porprovado, por circunstâncias encontráveis no conjunto probatório, o ânimo dos denunciados debuscar a elucidação da verdade. Não posso pedir a condenação de quem buscou elucidar averdade, num episódio que é sério, quando tenha agido com responsabilidade. Não vi nosautos da ação penal aleivosas irresponsabilidades, mas ao contrário, denúncias de fatos gravese complexos, cuja prova não está terminada (e talvez nem possa terminar) e cuja elucidação édo interesse público’.

Na mesma fase processual, o assistente da acusação (fls. 391/434), pediu a procedência dadenúncia, alegando que: 1) ‘os acusados não provaram, como lhes cabia, o fato definido comocrime, que imputaram o ofendido’; 2) os acusados foram os autores da conduta falsamenteatribuída ao ofendido; 3) restou comprovada a autoria e a materialidade do delito.

A defesa manifestou-se nos termos do art. 500 do Código de Processo Penal (fls.535/547)requerendo a absolvição dos denunciados, por serem os mesmos inocentes, como bemdemonstram as provas dos autos.

Alega ainda a defesa que as provas testemunhais e documentais apresentadas pela acusação,em grande parte, não têm qualquer relação com os fatos, não podendo embasar um decretocondenatório. Requereu, ainda, seja julgada improcedente a Ação de Especialização deHipoteca Legal.

Os antecedentes criminais dos acusados foram certificados às fls.161/163 (Justiça Federal);170/175 e 180/182 (Justiça Estadual).” (fls. 551-554)

Após a fundamentação, o MM. Juízo Federal de Primeira Instância julgouimprocedente a denúncia das fls. 05-15 e, com base no art. 386, VI, do CPP,absolveu os denunciados L. L. D., V. S. e A. E. A. R., das acusações que lhes sãofeitas.

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Inconformado com a decisão proferida, o assistente da acusação interpôsrecurso de apelação (fls. 580-600), pugnando pela reforma do julgado econseqüente condenação dos acusados. Em longas razões de apelo, inicia oapelante por aduzir que “todas as aleivosias formuladas pelos acusados contrao ora apelante já foram exaustivamente rebatidas em suas alegações finais econsubstanciadas em robusta prova documental a elas apensadas sobre asquais a sentença objurgada não se pronunciou em nenhum momento”,remetendo-nos, então, para a leitura de suas alegações finais às fls. 391-434.Após isso, o assistente da acusação enumera cada um dos argumentosutilizados pelo Julgador monocrático para fundamentar o decreto absolutório,resumindo-os e rebatendo-os. Em síntese, sustenta que a conduta dosacusados foi evidentemente típica, ferindo, e muito, sua honra subjetiva eobjetiva e visava, única e exclusivamente, a atingir sua honra e sua moralperante os seus colegas de classe, seus superiores hierárquicos ejurisdicionados em geral; que e a “Coligação Viva Abelardo Luz” já não maisexistia como personalidade jurídica, quando das ocorrências quedesencadearam esta ação penal, vez que o processo eleitoral encerrou-se coma diplomação dos eleitos pela Justiça Eleitoral em 20.12.96, enquanto a“Reclamação” por ela ajuizada (fls. 51-61) foi protocolada junto ao TRE-SC em07.02.97, faltando-lhe capacidade postulatória, pelo que os acusados L. D. e A.R. teriam cometido o delito de falsidade ideológica. Sustenta ainda que, “narealidade, o que os acusados buscavam ao ajuizarem a Representação junto aoTRE, por advogado constituído era, não só eximirem-se da responsabilidadepessoal pelo ato que praticavam alegando ... que agiam em nome de umacoligação que sabiam extinta mas, também, vingarem-se.”; que o Juizsentenciante não atentou para outros depoimentos (prova emprestada),prestados nos autos da Reclamação junto ao TRE, os quais confirmariam a tesede que a verdadeira intenção dos acusados foi sempre a de atingi-lo em suahonra; que a sentença não apontou nenhum dos indícios que teriam sidoproduzidos pelos acusados e que manteriam acesa a versão de que os fatosimputados a ele, apelante, seriam verdadeiros; que houve, por parte dosentenciante, inversão do ônus da prova, uma vez que, no caso dos autos,permitida a exceção da verdade tanto no caso da calúnia, quanto no dadifamação; que na verdade é ele quem está lutando por seus direitos comoofendido, não os acusados; que os acusados ainda estão a responder processocrime por divulgarem pesquisa eleitoral adulterada, sendo que o mesmoProcurador Regional Eleitoral que opinou pelo arquivamento da Representaçãocontra o ofendido ofereceu a denúncia que originou o processo crime acimareferido, que é a mesma conduta que tentam lhe imputar os acusados; que oProcurador Regional Eleitoral ofereceu a denúncia contra os acusados porquejá sabia o que o Inquérito Policial confirmou, que foram os acusados queadulteraram a pesquisa eleitoral e não ele, apelante, então Juiz Eleitoral, como

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falsamente acusado.

Com contra-razões, apela a advogada constituída nos autos pelos trêsacusados, às fls. 605-608.

Subiram os autos a este Tribunal e, aberta vista ao Ministério Público, esteofertou seu parecer pelo improvimento do recurso (fls. 616-628).

Às fls. 630-653, peticionou o apelante para juntada de novos documentos evista deles aos acusados e ao Ministério Público novamente. Afirmou oapelante que a partir dos documentos juntados conclui-se que ele, Juiz deDireito na função de Juiz Eleitoral, na decisão que julgou a “Reclamação”, foiinocentado de tudo; que, em razão do que foi apurado na “Reclamação”, foiinstaurado Inquérito Policial, por determinação do TRE-SC e, ao final, sobreveioacórdão onde dois dos acusados neste processo por calúnia foram condenadospelo mesmo fato definido como crime que haviam lhe imputado falsamente,sendo que a absolvição do co-réu L. L. D. se deu por fundamentos diversos dosilícitos penais cuja responsabilidade se apura nestes autos; que é aplicável aopresente caso “a copiosa citação jurisprudencial colacionada pelo apelante emsuas alegações finais”.

Em face dos documentos novos, abri vista aos acusados e ao MP.

Os acusados, por sua defensora, vieram aos autos às fls. 662-665, erequereram o desentranhamento dos documentos juntados, com oimprovimento do recurso de apelação.

O Ministério Público Federal, em novo parecer (fls. 668-671), modificandoposicionamento anterior, entendeu “configurada a prática de calúnia pelosacusados V. e A., já que imputaram falsamente fato definido como crime,motivo pelo qual opino pelo parcial provimento do recurso de apelaçãointerposto pelo assistente da acusação”.

É o relatório.

À douta revisão.

voto

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva:

Preliminar

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Preliminarmente, devo ressaltar que recebo os documentos novos trazidos aosautos após a interposição da apelação. Os documentos são relevantes e suajuntada atende ao princípio da busca da verdade real que vige no ProcessoPenal. Ademais, foi plenamente garantido o contraditório, porquanto deu-sevista aos acusados e ao Ministério Público. Por outro lado, à vista dos referidosdocumentos, especialmente do acórdão do e. Tribunal Regional Eleitoral deSanta Catarina, Acórdão nº 16.029, cujos denunciados foram os mesmos destaação, o i. Ministério Público nada opôs, pelo contrário, modificou seu parecer,opinando pelo parcial provimento do recurso do assistente da acusação.

Mérito

No mérito, tenho que assiste razão parcial ao apelante.

Foram denunciados L. L. D., A. E. A. R. e V. S., com base em representaçãooferecida pelo ora apelante, como incursos nas penas dos artigos 138, 139 e140 c/c artigos 141, II e III e 69, todos do Código Penal, porque nos dias 06, 12,25 e 27 de fevereiro de 1997, teriam caluniado, difamado e injuriado Juiz deDireito em exercício de funções eleitorais na Comarca de Abelardo Luz (Dr.C.S.C.).

A denúncia foi recebida em 18.06.97 (fls. 03 e 04).

Segundo consta dos autos, os fatos se deram por nota veiculada no jornal localde Abelardo Luz/SC e por ofícios que foram encaminhados à Corregedoria daJustiça Eleitoral de Santa Catarina, ao Presidente do Tribunal de Justiça daqueleEstado, ao Presidente da OAB/SC e ao Presidente da Associação dosMagistrados Catarinenses. Tais documentos foram os instrumentos que teriamveiculado as ofensas ao apelante.

O MM. Juiz sentenciante, a partir da análise dos inúmeros depoimentosjuntados aos autos, dos vários testemunhos colhidos no decorrer da instruçãocriminal e na linha das alegações finais do agente ministerial de 1º Grau,absolveu os acusados por entender, em última análise, que não havia restadocomprovado o elemento subjetivo do dolo, caracterizador dos crimes a elesimputados.

O apelo que ora se analisa, em síntese, rebate tal conclusão. O apelanteentende que as suas alegações restaram plenamente demonstradas. É este oponto central do presente julgamento.

Assim, tem-se que analisar cada um dos crimes imputados a fim de se chegar àsolução do litígio.

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Mister se diga que os acusados, em seus interrogatórios, embora reafirmandoos fatos noticiados, negaram ter havido dolo, negaram a intenção de macular ahonra do magistrado, sob a alegativa de que apenas queriam a aplicação dejustiça.

Para a configuração dos crimes em tela, necessário se faz a demonstração dodolo, pois o tipo subjetivo é o dolo de dano, direto ou eventual. A doutrina sedivide quanto à necessidade específica do animus caluniandi, animusdifamandi e animus injuriandi.

Com relação à nota veiculada na imprensa local, mais precisamente no jornal“A Notícia”, que circulou em 23 de fevereiro de 1997, é evidente que aintenção de levantar suspeitas quanto à conduta do Magistrado estavapresente. Não houve em referida nota a ocorrência de calúnia, porquanto nelanão constou a imputação falsa de fato definido como crime, nem de injúria,pois como definiu Delmanto, citado no parecer de fls. 616-628, “na injúria nãohá a imputação de um fato, mas a opinião que o agente dá a respeito doofendido”. Porém, a nota referida noticiava a existência de processos abertoscontra o apelante. Alguns eram verdadeiros (Reclamação no TRE/SC e pedidode interdição da atividade com o afastamento do juiz à Associação dosMagistrados Catarinenses), outros falsos (ação criminal em curso no Tribunalde Justiça), o que evidencia a intenção de difamação daquele agente públicoperante a sociedade local. Sem dúvida, os fatos noticiados foram ofensivos àhonra, à reputação do magistrado.

Ocorre, porém, que não restou demonstrada a autoria da referida nota dojornal. Como salientado pela douta Procuradora Regional da República em seuparecer das fls. 616-628, consta dos autos o depoimento do jornalista RaulSartori, colunista que publicou a nota no jornal, em que ele afirma ter recebidotelefonema originário da Assembléia Legislativa, informando-o das gravesdenúncias, sem que seu interlocutor indicasse o seu contato. Afirma o apelanteque a prova da autoria consta dos depoimentos constantes do documento 13(fls. 142-143 pela numeração da Procuradoria da República, em realidade fls.158-159 pela numeração da Justiça Federal) inquérito sobre incidente ocorridona cidade de Abelardo Luz, em que numa briga entre militantes da coligaçãoPDT-PMDB e da coligação PTB-PFL-PSDB, uma pessoa saiu ferida a tiros.

Tais depoimentos foram realizados na Delegacia da Comarca de Abelardo Luz,mas a nota a que se referem os acusados naqueles “Termos de Declaração” é“uma nota de repúdio ao atentado a bala ao companheiro ‘Motinha’;” que foi“levada ao ar no horário gratuito reservado pela Justiça Eleitoral a Coligação‘Viva Abelardo Luz’” sendo que quem leu referida nota foi “o senhor A.E.A.R..”

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e, “embora quem leu a nota fora o senhor A.E.A.R., responsável pelo marketingda campanha, a nota fora aprovada pelos membros da coordenação geral”,sendo que o coordenador geral era o próprio declarante. Não se trata damesma nota, da nota de jornal. Não bastasse o conteúdo do depoimentotranscrito, bastaria ver que tal Termo de Declaração data de 19 de novembrode 1996 e a nota no jornal “A Notícia” foi publicada em 23 de fevereiro do anoseguinte.

Em Juízo, nos interrogatórios dos acusados, o réu L. D. negou ter tido qualquerparticipação na decisão sobre a publicação na imprensa; o réu V. S. não fezreferências acerca deste ponto e o réu A. E. A. R., de profissão jornalista,afirmou (fl. 220) que:

“Que foram encaminhado (sic) os fatos ao Jornal ‘Diário Catarinense’ e Jornal ‘A Notícia’. Que amatéria foi encaminhada aos mencionados órgãos de imprensa, porque repórteres, destesjornais procuraram os dirigentes das agremiações partidárias em Abelardo Luz (PDT e PMDB),pois estes haviam obtido informações de que haviam sido encaminhados aos órgãos acimareferidos, documentos acerca dos fatos. Que a decisão de encaminhar elementos para aempresa (sic) foi decidida por consenso dos dirigentes dos dois partidos, pois na época já nãohavia mais comitê, eis que as eleições já haviam transcorrido.”.

Portanto, quanto à nota de que trata esta ação penal, não restou demonstradaa autoria, pelo que, nesse aspecto, não merece prosperar o apelo.

Quanto aos outros fatos, quais sejam, os documentos encaminhados àCorregedoria da Justiça Eleitoral de Santa Catarina, ao Presidente do Tribunalde Justiça daquele Estado, ao Presidente da OAB/SC e ao Presidente daAssociação dos Magistrados Catarinenses, como dito, os acusados negaramhouvesse a intenção de ofensa moral ao magistrado apelante, afirmando queapenas buscavam a aplicação da justiça. Não negaram, porém, teremencaminhado os documentos e informações para as entidades e órgãos (verdepoimentos às fls. 214-221). Mais uma vez importa perquirir-se acerca dodolo.

Quanto ao fato de a assinatura aposta na reclamação não ser legível (fl. 96), oque, segundo o parecer ministerial, levaria a dúvida quanto ao responsávelpelo documento, entendo que esta dúvida fica suprimida pelo restante daprova, até mesmo pelo depoimento dos réus em que negam a intenção dotipo, mas confirmam a busca de aplicação de justiça.

Se pairavam dúvidas quanto ao dolo por parte dos agentes da infração objetodesta ação penal, requisito necessário à configuração do tipo penal, osdocumentos trazidos aos autos, que dão conta do arquivamento da“Reclamação” contra o Juiz ofendido e, principalmente, do acórdão proferido

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pelo e. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, no qual restaramcondenados os réus V. S. e A. E. A. R. e absolvido o réu L. L. D., afastam-nasprontamente, restando afastada qualquer dúvida sobre a incidência da leipenal ao caso concreto, tendo os acusados imputado falsamente fato definidocomo crime ao ofendido, ora apelante.

Do voto do Relator do referido acórdão colhem-se as seguintes conclusões:

“...

Não há como negar, portanto, que V. S. distribuiu os panfletos contendo resultado inverídicoou pesquisa manipulada, às vésperas das eleições de 1996.

Também contra A. E. A. R., coordenador de marketing da campanha da Coligação ‘VivaAbelardo Luz’, são robustas as provas colhidas. Declarou o acusado, em sua inquirição na fasepolicial, que:

...; que os coordenadores da campanha fizeram isso porque tinham informação segura dodiretor do instituto da pesquisa PERFIL de que a pesquisa que havia sido divulgada estava comas intenções de voto invertidas.

Tais declarações deixam evidente que foram os próprios coordenadores que providenciaram aconfecção e a distribuição dos panfletos.

De outra parte, também não pode prosperar a alegação dos acusados de que corretos eram osresultados que divulgaram. A. E. A. R. sabia serem inverídicos tais resultados, tanto quemanteve contato com o Sr. Tadeu Comerlatto, pressionado-o a desdizer-se e a alterar os dadoscorretos da pesquisa enviados ao Sr. Juiz Eleitoral (fl. 235).

A materialidade do delito, como se vê, é inequívoca, assim como a autoria e a culpabilidade emrelação aos agentes acima referidos.” (fl. 651)

Então, restou demonstrado, a final, o dolo configurador do tipo, porquantoimputaram falsamente ao ofendido fatos descritos como crime, que elespróprios cometeram, o que demonstra sobejamente o dolo na sua atitude.

Com relação ao réu L. L. D., devo ressaltar que, embora absolvido do crimeeleitoral porque, ainda segundo aquele Relator, “não se pode concluir tenhasido ele quem utilizou a pesquisa verdadeira para nela inserir a palavra FALSA,mandando distribuí-la” (fl. 652), tal decisão não leva à sua absolvição nestaação penal.

Ainda que não tenha ele falsificado a pesquisa, foi ele um dos que propalou,divulgou a imputação falsa ao ofendido, remetendo os documentos einformações de que aqui se trata, incidindo aí o § 1º do art. 138 do CP. Eletambém participou dos fatos que redundaram no crime de calúnia praticado

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contra o ofendido, o que foi reconhecido em seu depoimento em juízo à fl.214, verbis: “... Que o interrogando reafirma que, efetivamente, participou doencaminhamento de documentos e informações para as entidades e órgãos(TRE/SC, OAB/SC, Tribunal de Justiça do Estado, associação dos MagistradosCatarinenses), acima referidos, na qualidade de representante legal daColigação “Viva Abelardo Luz”. Isto é confirmado pelas cópias dos documentosem que consta seu nome como um dos “informantes”.

Assim, mesmo em relação ao réu L. D., entendo configurado o crime decalúnia.

A calúnia, pode ser definida como uma difamação qualificada. Qualificada pelafalsidade da imputação e pela gravidade do fato imputado, um crime. Dos fatosnarrados na inicial, foi o que configurou a calúnia, como se viu, o único querestou suficientemente demonstrado. Assim, pelo princípio da consunção, ocrime de difamação, pelo qual também respondem os agentes nesta ação,ficou absorvido pela calúnia, irremediavelmente demonstrada.

Com relação à injúria, entendo que não se identificam os atos praticados pelosacusados com o tipo descrito no art. 140 do Código Penal. O envio dasalegações às entidades relacionadas com a atividade judiciária do apelante nãoconfiguram a ofensa que é descrita no tipo. Conforme afirma a doutrina, nainjúria não há imputação de fatos, ao contrário dos tipos antecedentes, calúniae difamação, há, sim, emissão de conceitos negativos sobre a vítima, que visama atingir a sua dignidade pessoal, o que não ocorreu nos documentos enviadosàs entidades envolvidas (OAB/SC, Associação de Magistrados etc.).

Portanto, tenho que a sentença deve ser parcialmente reformada, para que osréus sejam condenados pelo crime de calúnia, tipificado no art. 138 do CP.

Dosimetria da pena

O art. 138 do CP comina pena de detenção de seis meses a 2 anos e multa.

Circunstâncias judiciais (art. 59 do CP). A conduta dos agentes é totalmentereprovável, haja vista o dolo, imputar ao ofendido conduta criminosa quesabidamente era falsa, vez que o crime imputado foi por eles praticado, indicaum grau elevado de censurabilidade; os réus não têm bons antecedentes,porquanto condenados no Juízo Eleitoral (Processo nº 299 – Classe VI – CrimeEleitoral – 71ª Zona Eleitoral – Abelardo Luz; Acórdão nº 16.029 do TribunalRegional Eleitoral de Santa Catarina) por crime praticado pouco antes dos fatosque ensejaram a presente; quanto à conduta social e à personalidade, nada areferir; os motivos do crime são reprováveis, vez que dizem com interesses

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políticos frustrados; as circunstâncias em que praticado o crime tambémdesfavorecem os réus, vez que atacaram a honra do ofendido, por meio deinformação falsa junto a seus colegas, superiores hierárquicos e os própriosjurisdicionados; nada a relevar quanto à conduta da vítima. Ante taisconsiderações, fixo a pena-base em 01 (um) ano de detenção.

Circunstâncias agravantes ou atenuantes ausentes.

Causas de aumento/diminuição de pena. O crime praticado inclui-se nasdisposições comuns do art. 141 do CP, no seu inciso II, pois foi cometido contrafuncionário público, em razão de suas funções. Com isso, a pena até aqui fixadadeve ser aumentada de um terço, pelo que resulta em 01 ano e 04 meses.

O regime inicial de cumprimento da pena é o aberto (art. 33, § 2º, c).

Da multa. Com base no art. 49 e §§ e levando em conta os critérios utilizadospara a fixação da pena-base, bem como a condição econômica da cadaacusado, condeno os réus a pagarem ao fundo penitenciário a pena de multaque fixo em: a) 150 dias-multa, sendo o valor do dia-multa de 1/30 do maiorsalário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (aproximadamente R$ 560,00)para o réu L. L. D.; b) 150 dias-multa, sendo o valor do dia-multa de 1/15 domaior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (aproximadamente R$1.120,00) para o réu A. E. A. R.; e c) 150 dias-multa, sendo o valor do dia-multade 1/7 do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato(aproximadamente R$ 2.400,00) para o réu V. S.

Substituição da pena privativa de liberdade nos termos da Lei nº 9.714/98.Como a pena privativa fixada é inferior a quatro anos, os réus fazem jus aobenefício do art. 44 da Lei nº 9.714/98. Sendo assim, na forma do § 2º, 2ªparte, do mesmo art. 44, substituo a pena privativa de liberdade fixada porduas penas restritivas de direitos, a cada um dos condenados, a saber: a) porprestação pecuniária de 1 salário mínimo mensal, em seu valor atual, pelotempo de duração da pena, à entidade social (art. 45, § 1º, da Lei 9.714/98); b)prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmoprazo de duração da pena privativa de liberdade (art. 46 e seus §§); ambas aserem viabilizadas pelo Juízo da Execução.

Ante o exposto, meu voto é no sentido de dar parcial provimento ao apelo.

APELAÇÕES CRIMINAIS NºS 1999.70.02.002823-2/PR; 1999.70.02.002886-4/PR; 1999.70.02.002887-6/PR; 1999.70.02.003961-8/PR e

2001.04.01.014291-9/PR

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Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Apelante: C. A. C.

Advogados: Drs. Reinaldo Caetano dos Santos e outro

Apelado: Ministério Público

Advogado: Dr. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

EMENTA

Penal. Crime de injúria. Ofensas irrogadas contra juiz em razões de apelo. Art.93, CPP. Suspensão do processo criminal a espera do julgamento dos recursosna esfera cível. Questão prejudicial. Inexistência. Aplicação do art. 89 da Lei9.099/95. Impossibilidade. Ação penal em curso e preclusão. Retratação. Art.143, CP. Ação penal pública. Inaplicabilidade. Dolo. Imunidade do advogado.Art. 142, I, CP e 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94. Não-incidência nos casos em que avítima é magistrado. Inexistência de caráter absoluto. Limites legais. Pena.

1 – A suspensão do processo penal, na forma preconizada pelo artigo 93 doCPP, somente é cabível nos casos em que o reconhecimento da existência dodelito depender de questão prejudicial a ser solucionada no juízo cível, nãosendo essa a hipótese dos autos, porquanto qualquer decisão do Tribunal aoapreciar a apelação interposta não afasta as elementares do crime de injúria,consumado desde o momento em que o réu, ao apresentar as razões recursais,utilizou expressões consideradas injuriosas. 2 – A existência de outra açãopenal em andamento à época dos fatos é circunstância impeditiva do sursisprocessual, por falta de preenchimento do requisito objetivo (art. 89 – Lei9.099/95). Afora isso, opera-se a preclusão quando o Ministério Público, aooferecer a peça acusatória, expressamente não propõe o benefício e o acusadose mantém inerte, não podendo pleitear sua aplicação quando já exaradasentença condenatória, visto já ultrapassado o momento processual adequado.3 – A causa de isenção de pena inscrita no artigo 143, caput, CP (retratação) érestrita à ação penal privada, e somente no que diz respeito ao crimes decalúnia e difamação. 4 – Restou indubitável que o acusado, ao interpor razõesde apelo, se afastou da matéria objeto da lide, passando a dirigir palavraspejorativas, desrespeitosas e, principalmente, ofensivas à honra dos juízesprolatores das sentenças guerreadas, tendo agido com animus injuriandi. 5 – Ajurisprudência pátria tem manifestado entendimento de que a imunidadeprevista no artigo 142, inc. I, do Código Penal, bem como no art. 7º, § 2º, daLei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), não é aplicável quando o ofendido é ojuiz da causa, em razão de não ser parte no processo. Afora isso, a

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inviolabilidade profissional do advogado não se reveste de caráter absoluto,estando adstrita aos limites da discussão posta em juízo, não sendo admissívelo uso de tal instituto para possibilitar agressões pessoais a terceiros,totalmente desnecessárias ao deslinde do thema decidendum. Precedentes doSTF e do STJ. 6 – Considerando os motivos e as circunstâncias do crime, bemcomo o fato de que a pena de multa, após a edição da Lei nº 9.268/96, passoua ter caráter de dívida de valor, mostra-se correta a aplicação, entre as penascominadas ao tipo, a privativa de liberdade, bem como sua substituição poruma restritiva de direito (prestação pecuniária), porquanto tal medida semostra mais adequada e eficiente à reprovação e prevenção, geral e especial,do ilícito cometido. 7 – Sendo a maioria das circunstâncias judiciais elencadasno artigo 59 do Código Penal favoráveis ao réu, a pena-base deve aproximar-sedo patamar mínimo, mormente quando o acusado é primário. 8 – Em face daalteração da reprimenda imposta, e tendo em conta a retratação efetuada peloagente, reduziu-se a prestação pecuniária para valor compatível com a novasituação processual. 9 – Apelo parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas,decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de setembro de 2001.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Público, combase nas representações ofertadas pelos Juízes Federais Erivaldo Ribeiro dosSantos e Jail Benites de Azambuja, moveu 05 (cinco) ações penais em desfavorde C. A. C., dando-o como incurso nas sanções do artigo 140, c/c art. 141, inc.II, ambos do Código Penal, por ter, na qualidade de advogado - OAB nº18.201/PR - inserido considerações ofensivas à dignidade e ao decoro dosreferidos magistrados quando interpôs várias razões de apelo contra sentençasque, julgando procedente ação de desapropriação promovida pelo InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA - negou pedido deindenização complementar aos expropriados.

Os diversos apelos apresentados pelo réu são praticamente idênticos (peçapadronizada), apresentando poucas diferenças. Foram ajuizadas várias

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denúncias semelhantes, relativamente às ações cíveis em que, nas razõesrecursais, foram utilizadas as expressões tidas por injuriosas. Em razão disso, atítulo ilustrativo, e com intuito de melhor esclarecer a matéria sub judice,transcrevo os termos da peça incoativa contida nos autos nº1999.70.02.002823-2, in verbis:

“Consta dos autos que, na ação de desapropriação nº 96.101.0244-1, promovida pelo InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) contra José Marchesini, perante a 2ª VaraFederal em Foz do Iguaçu (PR), o Juiz Federal titular da respectiva vara proferiu sentençajulgando procedente a desapropriação, negando pedido de indenização, em face da retitulaçãodo imóvel, deduzido pelo procurador do expropriado, o denunciado C. A. C. Referidodenunciado, não satisfeito, fazendo uso do princípio do duplo grau de jurisdição, interpôsrecurso de apelação, momento em que inseriu (nas razões recursais) considerações ofensivas àdignidade e ao decoro do magistrado a quo Jail Benites de Azambuja, conforme se constata nasrazões de apelação, juntadas às fls. 08/17. Aos 08.10.99, foi apresentada representaçãocriminal pela vítima do delito Jail Benites de Azambuja, perante o Ministério Público Federal,juntada às fls. 01/06. Registre-se que dentre as considerações apresentadas no mencionadorecurso, o denunciado C. A. C., extrapolando os limites legais da imunidade do advogado,prevista no art. 141, I, do CP, passou a agredir, através de palavras escritas e assinadas pelomesmo, à pessoa do magistrado Jail Benites de Azambuja (ofendido), usando as seguintesexpressões (ipsis litteris): Primeiramente, dizer que a sentença guerreada é apenas medíocre, éser por demais generoso. (fl. 08). Ao relatar o processo para a decisão o magistrado cometeuerros graves, distorceu conceitos e, sobretudo, subverteu a lógica, pois: com a pretensão de sedar segurança jurídica aos ocupantes, deles tirou o patrimônio até então conseguido, e osobrigou a recomprar suas próprias propriedades; o pretexto deste relatório é tão ridículoquanto os demais itens, pois: se a região padecia de conflitos agrários ou não, aRESPONSABILIDADE pela pacificação e ordem é do PODER PÚBLICO... De tão ridículo que é,chega a comprovar a ineficiência de seus órgãos, passando a si próprio o recibo deincompetência. (fl. 09). Aprofunda ainda mais na insensatez ao relatar que o MINISTÉRIOPÚBLICO FEDERAL, fiscal da lei, formulou pedido alternativo... (fl. 10). Mais uma excentricidadedesvairada é a alegação de que relativamente à propriedade do APELANTE/EXPROPRIADO... (fl.10). Eis a saliência e evidência do ridículo: ‘Como o INCRA deixou o imóvel com o própriodetentor, ... (fl. 10). Nesta esdrúxula peça, buscam o escol de JOSÉ MANUEL DE OLIVEIRAFRANCO SOBRINHO e JOSÉ CRETELLA JÚNIOR (fl. 11). Agora, vem um magistrado aluado, semque, nem porque, dizer que não houve diminuição patrimonial... (fl. 11). Merece especialdestaque pela insensatez, os seguintes tópicos:... (fl. 12). Assim, bastava um pouco de cuidadopor parte do magistrado singular, para não se ver tanta aberração jurídica sobre tema pordemais curial. Evitar-se-ia o desgaste natural e a repulsa de estudiosos das Ciências Jurídicasaplicadas no dia a dia, além do que, pouparia os membros desta E. Corte, o desprazer de ouvira insatisfação lógica e natural do APELANTE, ante o despautério e desconhecimento jurídicodeste Juiz (fl. 14). De outra ordem, os percalços processuais e os graves equívocos cometidosnesta seara, são de arrepiar, senão causar asco a quem tem pelo menos uma formação jurídicaelementar (fl. 14) – grifos nossos. Com tais afirmações, induvidosamente de extremaagressividade, o denunciado C. A. C., em suas razões recursais, preocupou-se exclusivamenteem ferir a pessoa do Magistrado Jail Benites de Azambuja, ao passo que usou de expressõesdesrespeitosas, pejorativas e ofensivas que não irão contribuir absolutamente em nada parasolucionar o litígio, portanto, vislumbra-se que o denunciado dissociou-se amplamente dadiscussão da causa, não sendo, por conseguinte, causa de aplicação da imunidade advocatíciaprevista no art. 142, I, CP. (...). Dessa forma, verifica-se que o denunciado C. A. C. no exercíciode suas atribuições de advogado, nos autos nº 96.101.0244-1, com vontade livre e consciente e

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com a específica finalidade de ofender, dissociando-se da discussão da causa, injuriou o JuizFederal Jail Benites de Azambuja, titular da vara onde tramitava o referido processo, através depalavras pejorativas e desrespeitosas, ofendendo-lhe, assim, a dignidade e o decoro (ou seja,sua honra subjetiva).”

As denúncias referentes aos autos nºs 1999.70.02.002886-4 e1999.70.02.003961-8 mencionam que o acusado utilizou também a seguinteexpressão: “Encerrando o chavascal de besteira, o magistrado ainda condenouo apelante nas penas do litigante de má-fé...”

Em cada um dos procedimentos criminais - 1999.70.02.002823-2;1999.70.02.002887-6; 1999.70.02.002886-4; 1999.70.02.003961-8 e2001.04.01.014291-9 - houve recebimento da denúncia, respectivamente em 04.11.99;27.10.99; 27.10.99; 10.12.99 e 22.10.99. Nas duas primeiras ações penaisconsta como vítima o Juiz Jail Benites de Azambuja, enquanto que nas demaiso ofendido é o julgador Erivaldo Ribeiro dos Santos.

Por meio de idêntica defesa prévia oferecida em todos os processos, o réu, empreliminar, considerando a existência de crime continuado entre as condutaspraticadas, requereu a reunião dos feitos, o que foi deferido pelo MM. Juízo aquo, realizando-se, então, instrução conjunta nos autos de nº 99.1012793-8(ACr nº 2001.04.01.014291-9).

Após a oitiva das testemunhas de acusação e defesa (fls. 50-3, 66-7, 77-8, 87-8e 99-100), bem como dos ofendidos (fls. 54-6 e 68-9), e nada ter sido requeridona fase do art. 499 do CPP, foram apresentadas alegações finais (fls. 108-12 e115-18).

No dia 10.01.01 foi prolatada sentença julgando procedente a pretensãopunitiva do Estado para condenar o réu, em regime aberto, à pena de 06 (seis)meses e 20 (vinte) dias de detenção, pela prática do delito tipificado nosartigos 140, 141, II, e 71, todos do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação pecuniária arbitradaem 100 (cem) salários mínimos, no valor vigente à época do fato (agosto esetembro de 1999), sendo concedido ao acusado o direito de apelar emliberdade. Decisão publicada em 11.01.01 (fl. 134).

Inconformado, o réu interpôs o presente recurso. Nas razões das fls. 138-43,requer, preliminarmente: a) suspensão do processo penal até ojulgamento das apelações interpostas nos autos das desapropriações, aofundamento de que as decisões proferidas pelo Tribunal no exame dos

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referidos recursos poderão influenciar no deslinde da presente ação criminal(art. 93 – CPP); b) aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, aduzindo que,“embora inicialmente tenham sido ajuizadas cinco ações penais, em verdaderesume-se a uma apenas, em razão do reconhecimento da ocorrência, em tese,de crime continuado’’ e c) incidência da causa de isenção de pena prevista noartigo 143, caput, do Código Penal, porquanto o acusado se retratoucabalmente das expressões tidas por injuriosas. No mérito, aduz inexistênciade dolo, pois não agiu com a intenção de ofender a honra dos juízes federais,tendo utilizado as expressões pouco convencionais simplesmente parademonstrar seu inconformismo com as decisões prolatadas. Subsidiariamente,propugna pela aplicação tão-somente da pena de multa prevista no tipo ou,mantida a substituição pela prestação pecuniária, seja ela reduzida para R$1.000,00 (mil reais), compatível com sua atual situação econômica.

Com as contra-razões (fls. 147-50), subiram os autos.

Oficiando no feito, a ilustre Agente da douta Procuradoria da República ofertouparecer, opinando pelo provimento parcial do recurso no sentido de serconcedida a substituição da pena pecuniária (100 salários mínimos) pela penade multa nos termos da primeira parte do § 2º do art. 44 do CP (fls. 49-60 –autos nº 1999.70.02.002823-2).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Inicio o julgamento do feitoexaminando as preliminares suscitadas nas razões recursais.

Primeiramente, cumpre referir ser manifestamente incabível a tese aventadapela defesa no sentido de que o processo penal deveria ser suspenso até ojulgamento das apelações interpostas contra as sentenças proferidas nas açõesde desapropriação, oportunidade em que foram proferidas as expressõesconsideradas ofensivas à honra dos magistrados. Nos termos do artigo 93 doestatuto penal adjetivo, o curso do processo criminal será suspenso somentenas hipóteses em que o reconhecimento da existência da infração penaldepender de questão prejudicial a ser solucionada no juízo cível.

Sucede que, no caso em tela, mesmo que o Tribunal, ao apreciar o apelo doacusado, der provimento ao recurso, tal circunstância não elide, de formaalguma, o fato de ele ter, por ocasião das razões interpostas contra as decisõesproferidas, ofendido, em tese, a honra subjetiva dos referidos julgadores.Consoante bem ressaltado pelo MM. Juízo a quo:

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“o desate da questão não está em saber se as sentenças proferidas pelos Juízes Federais serão,ou não, confirmadas na instância superior. Em primeiro lugar, porque a ciência jurídicaconsabidamente não é exata, a ponto de que o prevalecimento de uma tese jurídica sobreoutra autorize os vencedores a chamarem os vencidos de burros, ou valendo-se de expressõesequivalentes, ofendam o seu decoro ou dignidade. Aliás, sequer na ciência exata, por certo,admite-se a utilização de expressões ofensivas contra a honra subjetiva dos defensores deteses derrotadas. Quanto mais, em uma ciência marcadamente valorativa como a ciênciajurídica. Depois, o recurso de apelação serve para, assegurando a garantia constitucional doduplo grau de jurisdição (artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988),permitir ao sucumbente que reforme a sentença proferida, o que poderá ser obtido, semqualquer necessidade de se ofender a honra subjetiva do juiz prolator. Vale dizer: não háobviamente qualquer previsão legal de que o advogado da parte sucumbente necessite se valerde expressões injuriosas para lograr êxito no recurso de apelação. Assim sendo, eventual êxitono recurso de apelação não tem o condão de legitimar as ofensas escritas nas respectivasrazões de recurso. Também, por essa razão, como se observa, não se justifica a suspensãopleiteada.”

No que tange ao sursis processual previsto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95, emque pese assista razão ao apelante ao sustentar que, “embora inicialmentetenham sido ajuizadas cinco ações penais, em verdade resume-se a umaapenas, em razão do reconhecimento da ocorrência, em tese, de crimecontinuado”, constato a existência de outros fatores impeditivos da aplicaçãodeste instituto. Primeiro, porque, nos termos da certidão das fls. 36-7 (autos nº1999.70.02.002887-6), e admitido pelo acusado no curso do processo (fl. 57 –autos nº 2001.04.01.014291-9), à época dos fatos, o apelante estava sendoprocessado pelo crime de estelionato na Comarca de Matelândia/PR, nãorestando preenchido, assim, o requisito objetivo previsto no aludido diplomalegal. Segundo, porque o Ministério Público, ao oferecer a peça acusatória, nãopropôs ao réu o referido benefício, considerando ausente os pressupostosnecessários (proc. nºs 1999.70.02.002823-2, 1999.70.02.003961-8 e2001.04.01.014291-9), não tendo o denunciado, na oportunidade, manifestadoqualquer insurgência, razão pela qual a matéria encontra-se superada pelapreclusão. Como ensina Julio Fabbrini Mirabete (in Juizados Especiais Criminais,Atlas, 3ª ed., p. 170):

“não pode o acusado pretender que se ofereça nova proposta de suspensão condicional doprocesso, ou que aceite a anteriormente recusada, durante ou após a produção da prova, poistal interpretação colocaria o processo a mercê do réu. Aliás no projeto nº 4.898/95, que emparte se transformou na Lei nº 9.099/95, previa-se a possibilidade de proposta de suspensãodo processo ao cabo da instrução processual. A não-aceitação dessa possibilidade demonstraque a vontade da lei é realmente não se permitir a proposta senão no momento previstoexpressamente pelo art. 89. Há preclusão quando o Ministério Público não oferece a propostapor ocasião do oferecimento da denúncia ou o réu a recusa.”

Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes do Egrégio STJ:

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“HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PENA MÍNIMA EM ABSTRATO SUPERIOR A UMANO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. INAPLICABILIDADE DA LEI9.099/95. I – Para a concessão da suspensão do processo, faz-se necessário o preenchimentodos requisitos previstos no art. 89 da Lei 9.099/95 (o acusado não pode estar sendoprocessado ou ter sido condenado por outro crime, deve preencher os requisitos previstos noart. 77 e a pena mínima abstrata não exceder a um ano, sejam nos crimes apenados comreclusão ou detenção). II – Na hipótese sub judice, observo a impossibilidade da aplicação dobenefício inserido na Lei 9.099/95. Com efeito, o exame de verificação da possibilidade deaplicação da suspensão do processo, feito no início da ação penal e, naquele momentoprocessual, era incabível em razão da pena mínima prevista para o crime de furto qualificado,em que foi incurso na denúncia, ser de 02 anos. III – Ademais, a jurisprudência desta Corte éfirme no sentido de que, havendo sentença condenatória, é inviável a aplicação da Lei9.099/95. IV – Ordem denegada.” (Quinta Turma, Habeas Corpus nº 14483/MG, Rel. Min. JorgeScartezzini, DJU de 04.06.01, p. 195).

“PROCESSUAL PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA EM SEDE DE APELAÇÃO. SUSPENSÃOCONDICIONAL DO PROCESSO. LEI Nº 9.099/95. IMPOSSIBILIDADE. 1 – Se existente sentençacondenatória, inviável se afigura aplicar a Lei nº 9.099/95, depois de desclassificada a conduta,em sede de apelação criminal, porquanto já ultrapassado o momento processual próprio(denúncia), notadamente se, como na espécie, está o paciente beneficiado com sursis. 2 –Ordem denegada.” (Sexta Turma, Habeas Corpus nº 10211/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves,DJU de 14.02.2000, p. 079).

Derradeira prefacial levantada pelo apelante refere-se à aplicação da causa deisenção de pena prevista no artigo 143, caput, do Código Penal, por ter seretratado das expressões utilizadas.

Ocorre que, analisando o referido dispositivo, resta claramente demonstradoque sua incidência está restrita à ação penal privada, e somente no que dizrespeito aos crimes de calúnia e difamação.

O mencionado artigo está assim redigido:

“Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou dadifamação, fica isento de pena.”

Assim, embora efetivamente tenha o réu reconsiderado os termos ofensivosutilizados contra os magistrados (fl. 37 – autos nº 1999.70.02.003961-8/PR),mostra-se incabível a aplicação de tal instituto, porquanto, na espécie, a açãopenal é pública condicionada e o crime em comento é o de injúria.

Nesse sentido:

“AÇÃO PENAL PÚBLICA. CRIMES CONTRA A HONRA. RETRATAÇÃO. A retratação, prevista noart. 143 do CP, tem sua aplicabilidade restrita a ação penal privada, relativa aos crimes decalúnia e de difamação. Tratando-se de ação penal pública, incabível é a retratação.Precedente do STF (RHC 61.303-SP/RTJ 108/586).” (STJ, Quinta Turma, Recurso Especial nº

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60048/DF, Rel. Min. Assis Toledo, DJU de 21.08.95, p. 25382).

“INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1 – É incabível aretratação nos crimes contra a honra praticados contra funcionário público, em razão de suasfunções, por ser ação penal condicionada. 2 – O exercício da atividade advocatícia deve estarrevestido de limites razoáveis da discussão da causa e da defesa dos direitos de seu cliente;inadmissível a interpretação do estatuto da OAB à conclusão de que teria instituído, em favordo advogado, imunidade penal absoluta. 3 – omissis. 4 – Recurso conhecido, mas nãoprovido.” (STJ, Quinta Turma, Recurso em Habeas Corpus nº 6718/RJ, Rel. Min. Edson Vidigal,DJU de 16.02.98, p. 114).

“AÇÃO PENAL. CRIMES DE CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA PRATICADOS CONTRA JUIZCLASSISTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RETRATAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERDÃO. VIABILIDADE.1 – Incabível a retratação nos crimes de injúria (art-143, CP-40). 2 – omissis. 3 – omissis. (TRF-4ªRegião, Primeira Seção, Ação penal nº 93.04.05790-6, Rel. Juiz Otávio Roberto Pamplona, DJUde 06.05.98, p. 809).

No mérito, sustenta o apelante ausência de dolo em sua conduta, porquantonão agiu com a intenção de ofender a honra dos juízes federais. Alega queutilizou as expressões pouco convencionais simplesmente para demonstrar seuinconformismo com as decisões prolatadas.

Segundo preleciona Julio Fabbrini Mirabete (in Código Penal Interpretado,Atlas, 1999, p.791):

“a conduta típica é ofender a honra subjetivado sujeito passivo, atingindo seus atributos morais (dignidade) ou físicos, intelectuais, sociais(decoro). Não há na injúria imputação de fatos precisos e determinados, como na calúnia oudifamação, mas apenas de fatos genéricos desonrosos ou de qualidades negativas da vítima,com menosprezo, depreciação etc.”

No caso sub judice, da simples leitura das razões recursais interpostas edevidamente assinadas pelo réu, resta cabalmente retratado que vários termosofensivos ali inseridos atacam diretamente a pessoa do magistrado, e nãosomente a decisão prolatada.

Embora já tenha transcrito no relatório, cabe reprisar excertos elencados nadenúncia ofertada pelo Parquet Federal nos autos da ação penal nº1999.70.02.003961-8:

“... a) Primeiramente, dizer que a sentença guerreada é apenas medíocre, é ser por demaisgeneroso (fl. 12, dos autos nº 08115.100186/99-70, e fl. 09, dos autos nº 08115.100212/99-88). b) Ao relatar o processo para a decisão o magistrado cometeu erros graves, distorceuconceitos e sobretudo, subverteu a lógica, pois: com a pretensão de se dar segurança jurídicaao ocupante, dele tirou o patrimônio até então conseguido, e o obrigou a recomprar suaprópria propriedade; o pretexto deste relatório é tão ridículo quando aos demais itens, pois: sea região padecia de conflitos agrários ou não, a RESPONSABILIDADE pela pacificação e ordem é

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do PODER PÚLICO, (...) De tão ridículo que é, chega a comprovar a ineficiência de seus órgãos,passando a si próprio o recibo de incompetência (fl. 13, do primeiro, e fl. 10, do segundo). c)Ser condenado como litigante de má fé, é para dizer o mínimo, incompetência jurídica, àimprevidência, ao descaso (fl. 14, do primeiro, e fl. 10, do segundo). d) Aprofunda ainda maisna insensatez ao relatar que a AUTORA, ora APELADA, se propunha que (...) fl. 14, do primeiro,e fl. 10, do segundo). e) Mais uma excentricidade desvairada é a alegação de que (...) (fl. 14, doprimeiro, e fl. 11, do segundo). f) Eis a saliência e evidência do ridículo: ‘Referidos Títulosregistram que as áreas ocupadas pelos expropriados foram a eles vendida pelo próprioINCRA’ (sic) (...) (fl. 15, do primeiro, e fl. 11, do segundo). g) Assim, bastava um pouco decuidado por parte do magistrado singular, para não se ver tanta aberração jurídica sobre umtema por demais curial. Evitar-se-ia, o desgaste natural e a repulsa de estudiosos das CiênciasJurídicas aplicadas no dia a dia, além do que, pouparia os membros desta E. Corte, dodesprazer de ouvir a insatisfação lógica e natural doAPELANTE, ante o despautério e desconhecimento jurídico deste Juiz (fl. 17, do primeiro, e fl.13, do segundo). h) De outro lado, os percalços processuais e os graves equívocos cometidosnesta seara, são de arrepiar, senão causar asco a quem tem pelo menos uma formação jurídicaelementar (fl. 18, do primeiro, e fl. 13, do segundo). i) Encerrando o chavascal de besteira, omagistrado ainda condenou o APELANTE nas penas do litigante de má-fé, (...) (fl. 18, doprimeiro, e fl. 14, do segundo) – grifos nossos.”

A peça incoativa referente à ação penal nº 1999.70.02.002823-2/PR menciona,ainda, a seguinte expressão: “Agora, vem um magistrado aluado, sem que,nem porque, dizer que não houve diminuição patrimonial.(fl. 11).”

Assim, é indubitável que o réu dissociou-se da matéria objeto do recurso,dirigindo palavras desrespeitosas, pejorativas e, principalmente, ofensivas àhonra subjetiva dos magistrados, razão pela qual improcede a adução de quenão houve animus injuriandi...

Esgotando o exame da questão, mister transcrever as bem-lançadas razões doilustre julgador singular, lavradas nas seguintes letras:

“O réu, em seus interrogatórios, e o seu defensor constituído sustentaram a ausência de dolo.As testemunhas de defesa ouvidas em juízo, como por exemplo, o advogado Aneri Cappelari(fls. 77-78), colega de escritório do acusado na época dos fatos, corroboraram essa versão.Segundo essa versão, a intenção do réu, ao escrever as apelações multireferidas, foi reformaras sentenças recorridas. Ora, em qualquer recurso de apelação, objetiva-se a reforma dasentença recorrida. Todavia, no caso vertente, além da inconformidade natural existente noânimo de quem recorre, verificou-se, na atitude do réu, o ânimo do desrespeito, achincalhe eofensa contra a dignidade e o decoro de dois juízes federais, no exercício de funçãojurisdicional. Outra não pode ser a conclusão diante das expressões antes transcritas nestasrazões de decidir, tais como ‘ridículo’, ‘despautério’, ‘desconhecimento’, ‘chavascal debesteira’, ‘incompetência jurídica’, ‘intolerância’ e ‘imprevidência’. Ademais, exige-se doprofissional que exerce a advocacia, pela sua formação acadêmica e relevância social einstitucional – não é a toa, por certo, a previsão do artigo 133 da Constituição Federal de 1988- , o conhecimento da lei e, também, dos limites em que pode exercer livremente o seuexercício. E, dentre esses limites, necessariamente, está o de que não poderá desferir ataquesinjuriosos contra a dignidade e o decoro das pessoas. Não há se falar, pois, em ausência de

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dolo.”

De outro lado, mostra-se inaplicável a imunidade prevista no artigo 142, inc. I,do Código Penal, bem como no art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto daAdvocacia), pois, conforme pacífico entendimento doutrinário ejurisprudencial, tal instituto não incide quando o ofendido é o juiz da causa, emrazão de não ser parte no processo. Afora isso, mesmo que fosse levada emconsideração nos casos em que a vítima é a autoridade judiciária, de igualforma não incidiria na hipótese em comento, porquanto a inviolabilidadeprofissional do advogado não se reveste de caráter absoluto, estando adstritaaos limites da lide, não sendo admissível seu extrapolamento para possibilitaragressões pessoais a terceiros, totalmente desnecessária à discussão judicial,como se verifica na espécie. Aliás, a redação do artigo 142, inc. I, do estatutorepressivo não autoriza outra conclusão, pois estipula que “não constitueminjúria ou difamação punível: I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão dacausa, pela parte ou por seu procurador”.

Nesse sentido, menciono os seguintes julgados do STJ e do STF, cujas ementasforam exaradas nas seguintes letras:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CALÚNIA.MAGISTRADO COMO VÍTIMA. IMUNIDADE JUDICIÁRIA. INOCORRÊNCIA. COTEJO DE PROVAS. I– A imunidade judiciária prevista no art. 142, inciso I, do Código Penal, e no artigo 7º, § 2º, daLei 8.906/94, não abrange o crime de calúnia (Precedentes). II – A ofensa a magistrado nãoestá acobertada pela imunidade (Precedentes). III – omissis. Recurso desprovido.” (STJ, QuintaTurma, Recurso em Habeas Corpus nº 9778/RJ, Rel. Min. Félix Fischer, DJU de 05.02.01, p. 114).

“ADVOGADO. INVIOLABILIDADE (ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 142, I, DO CÓDIGOPENAL. Ofensas ao juiz da causa, atribuindo-se-lhe, expressamente, ato omissivo enquadrávelno tipo do art. 319 do Código Penal (prevaricação), com expressa menção deste. Linguagemexcessiva e desnecessária, que extravasa os limites razoáveis da discussão da causa. Tanto ainviolabilidade como a imunidade judiciária estão contidas nos limites estabelecidos em lei. Emmatéria penal vige o art. 142, I, do Código Penal, que exige seja a ofensa ‘irrogada na discussãoda causa’. A jurisprudência não tem admitido ofensas ao juiz da causa, tanto mais em hipótesescomo a dos autos em que se atribui ao juiz, nas razões de recurso, sem fundamentaçãoconvincente, a prática de crime funcional.” (STJ, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 1604/SP, Rel.Min. Assis Toledo, DJU de 08.11.93, p. 23569).

“RHC. CONSTITUCIONAL. PENAL. ADVOGADO. IMUNIDADE. ILICITUDE. EXCLUSÃO. I – AConstituição da República consagra ainviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações, nos limites da lei (art. 133). Comisso, visa-se a garantir a plenitude do exercício da advocacia, indispensável à exata solução dascontrovérsias judiciárias. Urge, todavia, não identificá-la com o arbítrio, a prepotência, aincursão no âmbito dadescortesia, da brutalidade, não amparados pelo Direito. O art. 142, I, do Código Penal,coerente com o sistema, deixa expresso ‘não constituir injúria ou difamação: I – a ofensairrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador’. Causa, aqui,

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guarda limites da divergência levada a juízo, ou seja, da divergência entre a causa de pedir e acontestação. Não se confunde, por isso, com oportunidade consentida para agressõespessoais. Na discussão da causa, normativamente exterioriza o limite: desde que necessáriopara evidenciar as teses opostas. Não enseja, por isso, ocasião para ofensas pessoais,desnecessárias para a decisão judicial.” (STJ, Sexta Turma, Recurso Ordinário em HabeasCorpus nº 7637/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 08.09.98, p. 119).

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA. INQUÉRITO POLICIAL.ADVOGADO. I – omissis. II – omissis. III – A garantia da inviolabilidade do advogado por seusatos e manifestações no exercício da profissão prevista no art. 133 da Carta Magna, sofrelimitações da lei e, por isso, não se reveste de valor absoluto, nem lhe confere um bill ofindemnity para a prática de abusos atentatórios à dignidade da profissão. IV – A regra do art.142 do Código Penal, que descaracteriza como injúria ou difamação punível, a ofensa irrogadaem juízo, tem como pressuposto o regular exercício da advocacia, no debate da causa, emdefesa do direito postulado. V – Habeas Corpus denegado.” (STJ, Sexta Turma, Habeas Corpusnº 4914/SP, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 04.11.96, p. 42525).

“HABEAS CORPUS. INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. CF/88, ART. 133. OFENSAS MORAISIRROGADAS EM JUÍZO E DIRIGIDAS AO MAGISTRADO. VALOR RELATIVO DA GARANTIACONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE DO HABEAS CORPUS PARA EFEITO DE DISCUSSÃO DASEXCLUDENTES ANÍMICAS. ORDEM INDEFERIDA. 1 – A proclamação constitucional dainviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduzuma significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordemjurídica a esse indispensável operador do direito. 2 – A garantia de intangibilidade profissionaldo advogado não se reveste, contudo, de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessaespecial prerrogativa jurídico-constitucional expressamente a submete aos limites da lei. 3 – Ainvocação da imunidade constitucional, necessariamente sujeita as restrições fixadas pela lei,pressupõe o exercício regular e legítimo da advocacia. Revela-se incompatível, no entanto, compráticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão ou às normas ético-jurídicas que lheregem o exercício. 4 – O art. 142 do Código Penal, ao dispor que não constitui injúria oudifamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seuprocurador – excluídos, portanto, os comportamentos caracterizadores de calúnia (RTJ 92/118)– estendeu,notadamente ao Advogado, a tutela da imunidade judiciária, desde que, como ressalta ajurisprudência dos Tribunais, as imputações contumeliosas tenham relação de pertinência como thema decidendum (RT 610/426 – RT 624/378) e não se refiram ao próprio juiz do processo(RTJ 121/157 – 126/628). 5 -omissis.” (STF, Primeira Turma, Habeas Corpus nº 69085/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de26.03.93, p. 5003).

Quanto à pena aplicada, inicialmente cabe referir que mostra-se irrepreensívela decisão do juiz que, entre as reprimendas cominadas para o delito em tela(detenção ou multa) aplicou a pena privativa de liberdade. Dispõe o artigo 59do Código Penal, “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, àconduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias econseqüências do crime, bem como ao comportamento vítima, estabelecerá,conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I– as penas aplicáveis dentre as cominadas (...)”.

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Na espécie, conforme bem destacado na sentença, os motivos e ascircunstâncias são prejudiciais ao réu, porquanto “agiu por mero capricho, poispraticou as injúrias referidas, simplesmente por não concordar com a tesejurídica adotada pelos magistrados prolatores das sentenças recorridas. Se nãoserve para configurar o motivo fútil ou torpe previsto no artigo 61, II, a, serve,pelo menos, para um sopesamento negativo nesta etapa da dosimetria dapena. As circunstâncias igualmente são desfavoráveis. É que as injúrias não seconsumaram em audiência, no calor de um debate travado entre juiz eadvogado. Consumaram-se, ao revés, na intimidade de um escritório deadvocacia, durante a elaboração dos arrazoados de seis apelações cíveis,quando se sabe, há tempo suficiente para se refletir e amadurecer sobre o quevai se escrever. Daí a indispensabilidade do sopesamento negativo de taiscircunstâncias”.

Logo, denota-se, no caso em tela, ser a sanção corporal medida mais adequadacomo retribuição, bem como para efeito de prevenção, geral e especial, doilícito cometido.

Afora isso, o ilustre julgador singular suscita outro relevante fundamento parajustificar a pena de detenção, razão pela qual peço vênia para transcrever suasbem lançadas razões, verbis:

“Inicialmente, observando-se o que dispõe o artigo 59, I, do CP, cumpre decidir sobre a pena aser aplicada. Se a pena de detenção ou de multa, tendo em vista o disjuntivo ‘ou’ previsto noartigo 140 do CP. Tenho que é caso de aplicação da pena de detenção. É que a Lei nº 9268/96,determinando uma nova redação ao artigo 51 do CP, desnaturou a pena de multa,transformando-a em uma dívida fiscal. Antes da edição da Lei nº 9268/96, previa-se que, emcaso de descumprimento do pagamento da multa arbitrada na sentença condenatória, dar-se-ia a sua conversão em pena privativa de liberdade. Depois da edição do diploma legal citado,prevê-se somente a inscrição do débito em certidão de dívida ativa, com a conseqüentecobrança judicial, devendo-se observar as normas previstas para a execução fiscal. Portanto,aplicar-se isoladamente a pena de multa, tal como atualmente vem prevista no ordenamentojurídico brasileiro, é inutilizar totalmente o processo penal. É certo que a pena privativa deliberdade, a ser individualizada a seguir, sofrerá a substituição por uma pena restritiva dedireito. Todavia, conforme se prevê no artigo 44, parágrafo 3º, do CP, o descumprimento dapena restritiva ensejará a sua conversão na pena privativa de liberdade inicialmentesubstituída, o que alcança inclusive a prestação pecuniária, dentro de uma interpretaçãosistemática do artigo em foco, com o artigo 43, I, do CP. Assim, decido pela aplicação da penade detenção”. (fls. 130-1).

Nada obstante, tenho que a r. decisão monocrática merece pequeno reparo notocante ao quantum da pena privativa de liberdade. Considerando o lapsoentre o mínimo e o máximo cominado ao delito em tela (01 a 06 meses),verifica-se que o ilustre julgador singular fixou a pena-base próximo do termomédio, ou seja, em 03 (três) meses de detenção.

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Todavia, a jurisprudência pátria tem manifestado entendimento no sentido deque, na primeira etapa do método trifásico de dosimetria, somente se justificatal majoração nos casos em que a maioria das vetoriais inscritas no artigo 59do estatuto repressivo é desfavorável ao réu, o que inocorre nos autos.Consoante se denota na sentença condenatória, somente os motivos, ascircunstâncias do crime e o comportamento da vítima foram consideradosprejudiciais ao acusado. Em relação a este último tópico, tenho ainda que nãopesa negativamente ao apelante, visto que a ausência de qualquer estímulopor parte do ofendido não autoriza a exacerbação da reprimenda, pois talfator, regra geral, favorece o acusado, porquanto diz respeito às hipóteses emque a conduta da vítima de alguma forma serve como estímulo à praticadelituosa.

Com base nesses fundamentos, reduzo a pena-base para 02 (dois) meses dedetenção, mantendo os demais aspectos considerados na sentença, ouseja, o acréscimo de 1/3 (um terço) pela aplicação da majorante prevista noartigo 141, inc. II, CP (crime cometido contra funcionário público em razão desuas funções), e 2/3 (dois terços) em face do crime continuado (art. 71 – CP),resultando no apenamento definitivo de 04 (quatro) meses e 13 (treze) dias dedetenção.

Quanto à substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva dedireito ou multa, entendo irretocável a decisão monocrática que optou pelaprimeira, estipulando, como reprimenda substitutiva, a prestação pecuniária,uma vez que, ao contrário da multa que se destina sempre ao Estado, aquelareverte em prol da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privadacom destinação social, tendo o MM. Juiz a quo, na hipótese, destinado aoCentro de Nutrição Infantil, resultando, assim, numa medida mais útil e eficaz,pois beneficia diretamente a própria sociedade. Por outra parte, casodescumprida injustificadamente, poderá ser convertida em privativa deliberdade (art. 44, § 4º, CP), enquanto a multa, se não paga, não poderáreverter para sanção corporal, em face da atual redação do artigo 51 do CódigoPenal, que passou a considerá-la apenas dívida de valor.

Todavia, em virtude da alteração efetivada na dosimetria da pena, e,considerando a retratação efetuada pelo réu (que, embora não seja causa deisenção de pena, conforme anteriormente analisado, tal circunstância -demonstrativa de efetivo arrependimento pelo ilícito perpetrado - deve serobservada, ao menos, para amenizar a resposta penal a ser-lhe atribuída),reduzo o quantum relativo à prestação pecuniária para 40 (quarenta) saláriosmínimos, cujo valor, tendo em conta a alegação de não gozar o réu de boasituação financeira, poderá ser parcelado, a critério do Juízo da Execução

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Penal.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo tão-somente para reduzir apena, nos termos da fundamentação.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Já tive oportunidade deexaminar esta matéria neste Tribunal, sendo Relator em pelo menos doiscasos, um inclusive na nossa 8ª Turma e outro na 1ª Turma.

Nesses votos, disse, e fui acompanhado pelos eminentes Colegas, que, bem oumal, imunidade é imunidade. A lei não faz a ressalva de que a ofensa sejadirigida só às partes ou só aos advogados, afastando a imunidade quando aofensa é dirigida ao Juiz. A lei diz que o advogado tem imunidade no exercícioda sua profissão.

Aqui, no caso concreto, o advogado, ao escrever a apelação, disse uma série deimpropriedades, ofendeu os Juízes. Mas o fato é que fez isso no exercício daadvocacia. E a lei – que não foi considerada inconstitucional nessa parte – diztextualmente que o advogado tem imunidade profissional no exercício da suaatividade, sem prejuízo das sanções disciplinares. A lei autorizou o advogadoaté a se exceder no exercício da advocacia. Ele irá responder na ordem pelosexcessos, mas não comete crime.

Francamente, não vejo como deixar de aplicar a regra prevista na Lei daAdvocacia que dá imunidade ao advogado até para cometer injúria edifamação.

Não reconheço uma imunidade absoluta. Se o sujeito, ao redigir uma apelação,fosse dizer que o Juiz é corno ou que é homossexual, enfim, coisas que nãotêm nada a ver com o processo, então, realmente, acho que aí não haveriaimunidade. Mas, quando ele diz que o Juiz é burro, que o Juiz é incompetente,que o Juiz não sabe ler o que está escrito nos autos, todas essas ofensas têmnexo com o recurso e, portanto, estão cobertas pela imunidade.

A lei diz que não é crime a injúria e a difamação praticadas no exercício daprofissão. O legislador quis dar essa licença para o advogado e, bem ou mal,deu.

Quero deixar bem claro que não aplaudo a conduta do réu. Acho esseadvogado no mínimo mal-educado, mas tenho que encontrar uma base paraaplicar, gostemos ou não, a imunidade do advogado.

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Então se V. Exas. mantiverem o voto, vou pedir vênia para divergir.

É o meu voto.

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 1999.71.00.033090-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas

Recorrente: Conselho Federal de Enfermagem

Advogados: Drs. Fernando Coelho Torres e outro

Dr. Italo Bittencourt De Macedo

Recorridos: N.D.S.

A.L.F.

Advogado: Dr. Marcelo Bidone de Castro

EMENTA

Penal. Processo penal. Crime contra a honra. Conselho profissional. Sujeitopassivo. Lei de Imprensa. Ação pública condicionada à representação. Lei5.250/67, arts 21, 23, III, 40, inc. I, b.

Os Conselhos Profissionais podem ser vítimas de crime contra a honra, emespecial o de difamação, porém não podem propor ação penal privada porquea ação penal é publica, mediante representação, motivo pelo qual, quando sejulgarem ofendidos, cumpre-lhes representar ao Ministério Público Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SétimaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de agosto de 2001.

Des. Federal Vladimir Freitas, Relator

RELATÓRIO

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O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: O Conselho Federal de Enfermagemingressou com queixa-crime contra N.D.S. e A.L.F., representante legal esecretária de imprensa, respectivamente, da Federação Nacional deEnfermagem, atribuindo-lhes a prática dos crimes previstos nos artigos 20, 21 e22 da Lei nº 5.250/67, porque em outubro de 1999, no jornal da entidade, o“Jornal da FNE”, foram publicadas duas matérias ofensivas à honra doConselho Federal de Enfermagem e de sua Diretoria.

Recebendo os autos, o MM. Juiz Federal houve por bem rejeitar a queixa-crime(fls. 90/91), pois entendeu que os crimes imputados na inicial são de açãopenal pública condicionada à representação do ofendido, conforme dispõe oartigo 40, inciso I, alínea b, da Lei de Imprensa.

Inconformado, o Conselho Federal de Enfermagem interpôs o presente recurso,alegando que o fundamento da decisão que rejeitou a queixa-crime écontrovertido na jurisprudência, admitindo-se a legitimação concorrente.

Subiram os autos a este Tribunal, onde o Ministério Público opinou peloimprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Observo, desde logo, a irregularidadena representação. Em verdade, dois são os Querelantes, o Conselho Federal deEnfermagem – COFEN e Nelson da Silva Parreiras (fl. 02). No entanto, apenas oCOFEN passou procuração aos advogados (fl. 42). Nelson Parreiras nãoconstituiu procurador e nem teve sua situação processual examinada noprocesso, desde o primeiro ato (fls. 61/62). Além disso, a única procuraçãoexistente não observou o contido no art. 44 do C.P.P., que é uma garantia aoexercício da profissão do advogado, evitando eventual acusação pordenunciação caluniosa.

Por outro lado, o foro competente para processar a presente ação penal é o daJustiça Federal no Rio de Janeiro, local em que foi editado o jornal que contémas declarações tidas como difamantes (Lei 5.250/67, art. 42). Sendo osadvogados domiciliados naquela capital, o ingresso no Juízo local ser-lhes-iamais benéfico. A incompetência só não foi declarada de ofício por ser relativa(fls. 61/62).

Feitas estas observações, anoto que, na lição de Otávio Roberto Pamplona, naobra “Conselhos de Fiscalização Profissional” (Ricardo Teixeira do Valle Pereira

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et al., Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 332/333):

“Os conselhos profissionais, enquanto pessoas jurídicas, podem figurar como vítimas de todasas infrações penais que as pessoas jurídicas em geral podem sofrer, como, por exemplo, oscrimes contra o patrimônio (furto, dano, apropriação indébita, etc.).

Os conselhos profissionais, enquanto autarquias federais, podem figurar como vítimas tambémnos crimes contra a Administração Pública, tratados no último Título do Código Penal (TítuloXI).

À lição do magistrado federal, acrescento que também nos crimes contra a honra podem osConselhos Profissionais figurar como sujeito passivo, em especial no crime de difamação. Talfato é reconhecido pela jurisprudência. Cita-se a título de exemplo o julgado do SupremoTribunal Federal, no Inquérito nº 800-1, DJ.19.12.94, p.35181:

‘CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. PARLAMENTAR. CRIME ELEITORAL: DIFAMAÇÃO NAPROPAGANDA ELEITORAL. Cód. Eleitoral, art. 325, c.c. o art. 327, III. COMPETÊNCIA DOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PESSOA JURÍDICA: CRIME CONTRA A HONRA. INOCORRÊNCIADO CRIME DE DIFAMAÇÃO EM RELAÇÃO AO PARTIDO POLÍTICO.

I. Delito que teria sido praticado quando o denunciado estava no exercício do mandato deDeputado Federal: competência originária do Supremo Tribunal Federal. Súmula 394. Nãoestando o ex-parlamentar no exercício do mandato, não há falar em licença prévia da Câmara.

II. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação, não, porém, de injúria oucalúnia. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

III. Declarações, no caso, que configurariam o crime de calúnia contra um vereador eleito nalegenda do Partido dos Trabalhadores. Impossibilidade de ao declarante ser imputada a práticado crime de difamação contra o Partido Político, dado que as declarações tiveram por alvo overeador e não o partido. Ademais, configurando as declarações o crime de calúnia, nãopoderiam ser estendidas à pessoa jurídica, vale dizer, ao Partido Político, dado que a pessoajurídica não pode ser sujeito passivo do crime de calúnia. As declarações do denunciado,referentemente ao Partido Político, traduzem, simplesmente, crítica e não difamação.

IV. Denúncia rejeitada.”

De resto, incensurável a decisão atacada (fls. 90/91), ao julgar inadequada a viaprocessual da ação penal privada. Com efeito, o art. 40, inc. I, b da Lei 5.250/67menciona que a ação penal será publica mediante representação na hipótesedo art. 23, incisos II e III. Pois bem, o inc. II do aludido art. 23 é exatamente ocaso de crime cometido contra órgão ou autoridade que exerça função deautoridade pública. É dizer, Conselhos Profissionais, regionais ou nacionais.

A doutrina não controverte a respeito, conforme exemplos que transcrevoabaixo.

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Paulo Lúcio Nogueira, na obra Leis Especiais, Aspectos Penais (5ª ed., Livraria eEditora Universitária de Direito, 1996, p. 309/310), leciona que:

“Nos delitos de imprensa, a ação penal tanto pode ser pública como privada: 1 – nos crimescontra a honra será pública promovida pelo Ministério Público, mediante requisição doMinistério da Justiça, no caso do nº I do art. 23, bem como nos casos em que o ofendido forMinistro de Estado; pelo Ministério Público, mediante representação do ofendido nos casosdos nos II e III do art. 23, quando for funcionário público, em razão de suas funções ou contraórgão ou autoridade que exerça função de autoridade.”

Freitas Nobre, no seu Comentários à Lei de Imprensa (4ª ed., Saraiva, 1989, p.283), assim se manifesta:

“O art. 40 distingue a ação penal quando se trata de calúnia, difamação e injúria (inc. I) equando se trata de quaisquer outros abusos da liberdade de informar (inc. II).

Nestes últimos, a ação penal é promovida somente por denúncia do Ministério Público,enquanto para a calúnia, a difamação e a injúria, a promoção da ação penal somente pode serpromovida pelo ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo ou pelo MinistérioPúblico mediante requisição do Ministro da Justiça (Presidente da República, presidente doSenado, etc.), ou representação do ofendido se funcionário público em razão de suas funçõesou órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública.”

No mesmo sentido recente decisão do Superior Tribunal de Justiça nojulgamento do Habeas Corpus nº 13.818 (DJ 25.06.01, Rel. Min. JorgeScartezzini), de seguinte teor:

“PENAL E PROCESSO PENAL – CRIMES CONTRA A ORDEM – PRÁTICA POR MEIO DA IMPRENSA –LEI 5.250/67 – FUNCIONÁRIO PÚBLICO – QUEIXA-CRIME – IMPOSSIBILIDADE – AÇÃO PÚBLICACONDICIONADA – INCIDÊNCIA DA DECADÊNCIA.

- Os crimes contra a honra (injúria, difamação e calúnia), quando cometidos através daimprensa (no caso, o jornal ‘O Popular’), tipificam-se como crimes de imprensa, definidos nosarts. 20, 21 e 22 da Lei 5.250/67, obedecendo, portanto, o rito processual ali estabelecido.Ostentando a vítima a condição de funcionário público, para efeitos penais, a ação deverá serpromovida pelo Ministério Público mediante representação do ofendido. Trata-se, portanto,de ação penal pública condicionada, não se admitindo, ab initio, sua promoção através dequeixa-crime.

- Por outro lado, a Lei de Imprensa é clara ao fixar, em seu art. 41, § 1º, o prazo decadencial de(03) três meses da data da publicação das ofensas pretensamente criminosas para o efetivoexercício do direito de representação. Da análise dos autos, verifica-se que o tempotranscorrido entre a publicação das supostas ofensas (14.09.99) e o oferecimento da queixa-crime (03.08.00) foi de quase 11 (onze) meses, incidindo-se, desta forma, a decadência, que écausa autônoma de extinção da punibilidade.

- Ordem concedida para declarar extinta a punibilidade pela incidência da decadência dodireito de representação.”

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É verdade que o Supremo Tribunal Federal, a partir da Constituição Federal de1988, vem se inclinando no sentido da admissibilidade da ação penal privadapelo ofendido – funcionário público – alternativamente à legitimação doMinistério Público para a propositura da ação penal pública condicionada àrepresentação. Tal entendimento, fundado na norma constitucionalgarantidora da inviolabilidade da honra entre os direitos individuais (art. 5º,inc. X, CF), obteve a adesão da maioria dos membros do Tribunal Pleno doSupremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental em Inquéritonº 726/RJ (DJ 29.04.94, p. 9730, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Pois bem, após analisar detidamente os argumentos expendidos pelos Exmos.Srs. Ministros da Corte Suprema, convenci-me de que à hipótese destes autosnão se poderia dar a mesma conclusão daquele julgado.

Com efeito, a publicação que originou a presente queixa-crime, sob os títulos“Carta Aberta à enfermagem, às autoridades e à imprensa brasileira” e “Balasque silenciam – assassinato de enfermeiros podem ter ligação com o sistemaCOFEN/CORENS”, insinua a existência de vinculação entre as denúncias deirregularidades na administração financeira do sistema COFEN/CORENS, osassassinatos de enfermeiros que estariam participando das investigações eainda o processo eleitoral da entidade (grifei).

Ou seja, se é certo que a moderna construção jurisprudencial admite a açãopenal privada quando o funcionário é ofendido em razão da função que ocupa,o fundamento disto é a garantia da inviolabilidade da honra das pessoasinsculpida no art. 5º da Constituição Federal. Ora, no caso destes autos, nãovejo ofensa à honra pessoal de alguém, mas, sim, a um “sistema”, a umaentidade enquanto pessoa jurídica. Em outras palavras, não se trata dedefender em juízo a honra pessoal do Querelante. Trata-se de defender oprestígio da administração pelo Estado que deve assumir a iniciativa darepressão da ofensa.

Portanto, a via processual correta era o COFEN formular representação aoMinistério Público Federal, como bem ponderou o Dr. Procurador Regional daRepública no seu parecer (fls. 112/115).

Face ao exposto, nego provimento ao recurso.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.04.01.088266-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas

Impetrantes: José Luis Mendes de Oliveira Lima e outro

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Advogados: Drs. José Luis Mendes de Oliveira Lima e outro

Impetrado: Juiz Federal da 2ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu/PR

Interessado: Ministério Público

Advogado: Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

EMENTA

Constitucional. Processo Penal. Mandado de segurança. Sigilo no inquéritopolicial. Preservação. Possibilidade. Constituição Federal, art. 5°, incs. XV, XXXIIIe lV. Lei 8.906/94, art. 7°, inc. VII (estatuto da OAB). Violação, inocorrência.Código de Processo Penal, art. 20. Constitucional.

O direito de vista dos autos por advogado em inquérito policial deve seranalisado sob a ótica do caso concreto. Se o sigilo (CPP, art. 20) foi decretadoporque a ação criminosa é de tal vulto que coloca em risco a segurança dasociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII), o pedido de vista (Lei 8.906/94, art.7º) pode ser negado, porque no conflito de princípios constitucionais (direito àinformação x segurança da sociedade e do Estado) deve prevalecer o que maisatende ao interesse público, no caso, o sigilo das investigações. O direito aocontraditório e à ampla defesa são assegurados pela Constituição nosprocessos administrativos e judiciais e não nos procedimentos de investigação(CF, art. 5º, LV).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SétimaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar asegurança, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de outubro de 2001.

Des. Federal Vladimir Freitas, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: José Luis Mendes de Oliveira Lima eCamilla Soares Hungria, advogados, em causa própria, impetraram o presentemandado de segurança contra ato do MM. Juiz Federal da 2ª Vara FederalCriminal de Foz do Iguaçu/PR, que indeferiu requerimento de vista de autos e

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extração de cópias do inquérito policial nº 98.1011398-6, em que figura comoinvestigado – ou indiciado – V. B., ao fundamento de que o processo estásubmetido a segredo de justiça.

A petição inicial foi indeferida pelo Exmo. Des. Federal Amaury Chaves deAthayde (fls. 20/22). Os autos foram-me redistribuídos no plantão das férias,tendo os Impetrantes agravado regimentalmente (fls. 25/32). O Exmo. Des.Federal Amir José Finocchiaro Sarti, reconsiderando a decisão agravada,recebeu a petição inicial e indeferiu a medida liminar por ausência dopericulum in mora (fl. 34).

Prestadas as informações pelo Juízo Impetrado (fls. 38/40), vieram os autoscom parecer do Ministério Público, opinando pela denegação da segurança (fls.42/46).

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: José Luis Mendes de Oliveira Lima eCamila Soares Hungria impetraram o presente Mandado de Segurança contra oJuiz Federal da 2ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu, PR, alegando, emsíntese, que a autoridade impetrada negou-lhe o direito de ter vista dos autosde inquérito policial em que figura como investigado seu constituinte V. B.,assim infringindo direito líquido e certo que lhe é assegurado pelo art. 5° daConstituição Federal e art. 7°, inc. VII, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB).

Cumpre esclarecer, desde logo, que este é mais um dos inúmeros casosenvolvendo investigações do Departamento de Polícia Federal na cidade de Fozdo Iguaçu, PR, atinentes à evasão de divisas. Foram instaurados nada menos doque 212 inquéritos policiais, envolvendo milhares de pessoas de diversosestados da Federação, que através de expedientes ilícitos enviaramaproximadamente dez bilhões de reais para o exterior. É fato do conhecimentopúblico que as investigações são feitas por servidores da Polícia Federal e daReceita Federal alheios aos quadros locais e resguardadas por severas regrasde segurança.

Pois bem, diante desta situação inusitada, é evidente que o procedimentopolicial não é o mesmo dos casos de rotina. É comum que se requeira em Juízoa quebra de sigilo bancário ou telefônico, além de outras medidasexcepcionais. Entre estas providências está a de declaração de sigilo, tudoporque o vulto da operação assim o exige e nos inquéritos policiais existemvários envolvidos. É dizer, se fosse permitida a vista dos autos quem osexaminasse tomaria conhecimento do que vem sendo feito, com sério risco aosucesso das investigações, além do conhecimento da conduta de terceiros.

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Na prática criminosa estão envolvidos os mais variados tipos de pessoas, desdefiguras de destaque, que se valiam do expediente para enviar valores aospaíses conhecidos como paraísos fiscais, até personagens sem qualquernotoriedade social que simplesmente davam o nome para acobertar asremessas, os conhecidos laranjas. Evidentemente, a maior parte das remessaseram constituídas de dinheiro ilícito, ou seja, fruto de atividades criminosascomo o tráfico de entorpecentes, corrupção passiva ou sonegação fiscal.

Fácil é ver que a complexidade das investigações e a dificuldade na colheita daprova exigem dedicação, habilidade e competência. Elas nada têm a ver com aapuração de um furto ou homicídio. Os tempos são outros e ninguém analisatal situação melhor do que o juiz francês Jean de Maillard, em Crimes e Leis, Ed.Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 92, quando afirma:

“O acto delinquente já não é directamente sensível, nem detectável segundo elementosobjetivos, mas depende de considerações exteriores que não o tornam imediatamenteconhecível. O crime é, cada vez menos, um acto e, cada vez mais, um conjunto de actosimperceptíveis ou de comportamentos incertos, e só a reconstituição do todo revela os traçosde cada uma das partes. O branqueamento do dinheiro da droga, por exemplo, é umaactividade financeira como qualquer outra que percorre os mesmos circuitos e utiliza asmesmas técnicas que uma qualquer operação financeira, não se tornando culpável senão peloconhecimento que o banqueiro tenha da origem criminosa dos fundos que reintegra naeconomia.”

Pois bem, foi diante de tais circunstâncias, diante de um mundo novo que osoperadores do Direito têm dificuldades de compreender, que se decretou osigilo nas investigações policiais, objeto da irresignação do Impetrante.Vejamos como o Direito Positivo pátrio regula a matéria.

Constituição Federal, art. 5°, incs. XIV e LV:

“XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quandonecessário ao exercício profissional;

...

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral sãoassegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, art. 7°, incs. XIII a XVI:

“Art. 7 º. São direitos do advogado:

XIII – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ede inquérito, findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitosa sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

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XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ede inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiarpeças e tomar apontamentos;

XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ouna repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;

XVI – retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de 10 (dez) dias;

§ 1º. Não se aplica o disposto nos incisos XV e XVI:

1) aos processos sob regime de segredo de justiça;”

Contrapondo-se a estes dispositivos temos na própria Constituição Federal, art.5º, o inc. XXXIII, que dispõe:

“XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesseparticular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena deresponsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedadee do Estado;”

Estamos, pois, diante de princípios constitucionais conflitantes. De um lado oacesso à informação e o direito à ampla defesa. De outro, a segurança dasociedade e do Estado. Isso não é raro acontecer em Constituições minuciosase extensas como a brasileira. Adverte Paulo Bonavides em O Método Tópico deInterpretação Constitucional na Rev. de Dir. Constitucional e Ciência Política,Ed. Forense, Rio de Janeiro, v. 1, p. 8, que a invasão da Constituição formalpelos topoi e a conversão dos princípios constitucionais e das próprias bases daConstituição em pontos-de-vista à livre disposição do intérprete, de certo modoenfraquece o caráter normativo dos sobreditos princípios, ou seja, a suajuridicidade.

O festejado constitucionalista cearense, no seu Curso de Direito Constitucional,Malheiros Ed., S. Paulo, 7a. ed., p. 251, orienta na solução do problema aoafirmar que a colisão ocorre, p. ex., se algo é vedado por um princípio, maspermitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. LuisRoberto Barroso em O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas,Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 3a. ed., p. 288, invoca o princípio da unidade daConstituição e observa que não é possível analisar-se uma disposiçãoconstitucional isoladamente, fora do conjunto harmônico em que situada.

O exame detido dos incisos XIV e XL de um lado e do inc. XXXIII do outro, todospertencentes ao art. 5° da Lei Maior, que cuida dos Direitos e DeveresIndividuais e Coletivos, levam-me a buscar a conciliação dos princípios nelesconsagrados. A leitura que deles faço é a de que a Carta Magna deseja dar ao

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cidadão o direito de amplo acesso às informações e ao exercício da ampladefesa. Notório o escopo. Todos têm direito de saber o que se passa nasrepartições públicas, a fim de poder, querendo, exercitar a cidadania. Todos,da mesma forma, têm direito ao contraditório e à ampla defesa, em qualqueresfera, judicial ou administrativa. No entanto, tal direito sofre limitação dianteda imprescindível segurança da sociedade e do Estado.

A conclusão é simples. Se a investigação é de tal porte que põe em risco asociedade e o Estado, o direito de acesso às informações, na fase deinvestigações, pode ser limitado pelo sigilo. Dir-se-á que a avaliação deste riscoé subjetiva. Concordo. Não há como a lei prever todas as situações da vida edisciplinar o que é e o que não é fator de risco. Para esta estimativa ninguémestá mais habilitado do que o juiz do local das apurações, pessoa entranhadana comunidade e que pode emitir um juízo seguro. Claro que se houverexcesso sempre haverá para a parte o direito a recorrer ao segundo grau dejurisdição.

Nesse sentido é a doutrina de Julio Fabbrini Mirabete, em seu Código deProcesso Penal Interpretado, Ed. Atlas, S. Paulo, 4a. ed., p. 60, para quem apossibilidade de recebimento de informações dos órgãos públicos, asseguradapelo art. 5°, XXXIII, da CF, é limitada pelas exceções previstas em lei, quando“imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. O sigilo não atinge oadvogado, salvo nos processos sob regime de segredo de justiça..”

Outrossim, registre-se que o inc. LV da Constituição assegura o contraditório ea ampla defesa em processo judicial ou administrativo. Não em procedimentode investigação policial. Assim, óbvio que se houver denúncia e recebimento, opaciente terá amplo e irrestrito acesso às provas dos autos. Não, porém, nafase inquisitiva que, bem ou mal, é o sistema que vigora em nosso País.

Feitas estas considerações de natureza constitucional, bem como dosprincípios nelas contidos, delas não podem afastar-se, porque de menorhierarquia, os dispositivos legais. Em sendo assim, o art. 7°, inc. XV, da Lei8.906, de 04.07.94, interpretado com base em dispositivo constitucionalprevalente, não tem aplicação no caso em tela. De outra parte, adequada aocaso a norma do art. 20 do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidadede sigilo.

Por derradeiro, observo que neste sentido vem se orientando de forma pacíficaa jurisprudência desta Corte. Este caso não é isolado. Inúmeros mandados desegurança vêm sendo interpostos e sistematicamente negados. Citam-se, apropósito, os seguintes precedentes:

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“MANDADO DE SEGURANÇA – INDEFERIMENTO DE LIMINAR – AGRAVO REGIMENTAL –INQUÉRITO POLICIAL – SIGILO – ADVOGADO – EXAME DOS AUTOS – PREJUÍZO – 1. O segredo eo sigilo inerentes ao inquérito policial (art. 20 do CPP) e o direito do advogado a inviolabilidadede seus atos e ao exame do inquérito, devem ser conciliados de molde a obter-se a suapreservação, ou inviável esta, deverá sucumbir o de menor relevância, apurado segundo oexame do caso em julgamento. 2. A ausência de indicação de qualquer prejuízo concreto ajustificar o exame e cópias, em detrimento do sigilo, de inquérito onde é denunciada outrapessoa, afasta a necessidade de concessão de liminar.” (AgRegMS 2000.04.01.027904-0/PR,Rel. Des. José Luiz B. Germano da Silva, DJU 03.5.2000)

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. ARTIGO 7º, INCISO XIV DO ESTATUTO DAOAB (LEI Nº 8.906/94). ARTIGO 5º, INCISO XXXIII DA CONSTITUIÇÃO. SIGILO. NECESSIDADE.

1. A regra do artigo 7º, inciso XIV do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) deve ser interpretadade forma sistemática, observando-se os princípios reitores do inquérito policial.

2. Sendo impositiva a manutenção do sigilo do procedimento inquisitorial, como elementoapto a demonstrar possível infração penal, cede o interesse privado (de vista dos autos), emhomenagem ao interesse público, consubstanciado na necessidade de segurança da sociedadee do Estado (artigo 5º, inciso XXXIII da CF).

3. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRegMS nº 2001.04.01.005056-9/PR, Rel.Des. Fed. Tania Escobar, DJU 05.5.2001)

Face ao exposto, acolhendo o parecer do Ministério Público Federal, voto no sentido dedenegar a segurança impetrada. Custas na forma da lei. Sem honorários.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.70.01.008778-5/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho

Apelante: G.P.

Advogado: Dr. Divaldo Espiga

Apelante: Ministério Público

Advogado: Dr. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

Apelante: Tgv Transporte de Valores e Vigilância Ltda.

Advogados: Dra. Margareth Rossini

Dr. Raouf Kardous

Apelado: Ministério Público

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Advogado: Dr. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

Apelado: G.P.

Advogado: Dr. Divaldo Espiga

EMENTA

Roubo praticado em aeronave. Crime de formação quadrilha. Atentado contraa segurança de transporte aéreo. Sistema de provas. Convencimento racional.Reconhecimento pessoal. Indícios. Fixação da pena. Circunstâncias judiciais.Crime continuado.

Em nosso ordenamento processual penal, em matéria de prova, vige o sistemada livre convicção, também chamado de convencimento racional,materializado no art. 158 do Código de Processo Penal.

Os indícios, em nosso sistema processual penal, segundo jurisprudência daCorte Suprema, são considerados um meio de prova, assim como qualqueroutro.

Autoria e materialidade amplamente comprovadas nos autos peloreconhecimento efetuado por um dos passageiros do vôo, aliada a vasta provaindiciária, merecem ser mantidas as condenações pelos delitos de roubo,formação de quadrilha e atentado contra a segurança de transporte aéreo.

A análise das moduladoras previstas no art. 59 do Código Penal, que culminouna fixação da pena-base acima do mínimo legal foi procedida de forma corretapela magistrada sentenciante, a qual sopesou os elementos constantes dosautos, mostrando-se a pena, no patamar final estabelecido –10 anos para ocrime de roubo e 05 para o de quadrilha, acrescido dos 05 anos e seis mesespelo crime do art. 261 do CP, num total de 20 anos e seis meses, suficientepara a reprovação e prevenção ao crime, o que satisfaz os objetivos que sãoperseguidos através da sanção penal.

Não estão presentes os requisitos para o reconhecimento do instituto do crimecontinuado ou concurso material com relação ao crime de atentado contra asegurança de transporte aéreo.

Apelos improvidos.

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a OitavaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento aos apelos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2001.

Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público ofereceudenúncia contra G.P., dando-o como incurso nas sanções dos artigos 157, par.2º, I e III; 261, par. 2º; 148, caput; 307 e 288, par. único, todos do Código Penal,em concurso material, porque o denunciado, no dia 16 de agosto de 2000,juntamente com outros quatro elementos, se apoderam, mediante o empregode arma de fogo, do Boeing 737/200, PP SMG, pertencente à Viação Aérea deSão Paulo – VASP, vôo 280, das 15 horas e trinta minutos, que decolou doAeroporto Internacional de Foz do Iguaçu-PR, com 61 passageiros e mais 06tripulantes. Tomado o avião de assalto, a rota foi desviada para uma pista depouso próxima a Maringá, onde acabaram por obrigar a aterrissagem e subtrairdo compartimento de bagagens da aeronave 09 malotes de lona contendo aquantia de R$ 5.560.000,00, valores de propriedade do Banco do Brasil, queestavam sob os cuidados de TGV – Transporte de Valores e Vigilância. Após oroubo dos valores, os assaltantes fugiram em uma camioneta Ranger,posteriormente abandonada em uma propriedade rural.

A denúncia foi recebida em 29.09.2000. (fls. 17/19).

Às fls. 45 foi deferido o pedido de assistência à acusação.

O réu foi citado e interrogado por carta precatória, tendo apresentado defesaprévia através de defensor constituído.

Durante a instrução foram ouvidas testemunhas da acusação e da defesa.

Na fase do art. 499 do CPP, o Ministério Público postulou a juntada dedocumentos. A defesa nada requereu.

Em alegações finais, a acusação pediu a condenação do acusado, porqueprovadas materialidade e autoria dos delitos narrados na denúncia. A defesa,por sua vez, rogou pela absolvição, alegando insuficiência de provas.

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Sentenciando, a juíza de primeiro grau julgou procedente a denúncia econdenou G.P., como incurso nos artigos 157, par. 2º, Incisos I, II, III e IV, art.261, par. 2º, 288, par. único, todos do Código Penal, às penas de dez anos eseis meses de reclusão e 105 dias-multa, para o delito de roubo, cinco anos dereclusão e 50 dias-multa, para o delito de atentado contra a segurança detransporte aéreo, e cinco anos de reclusão para o crime de quadrilha, emconcurso material, num total de 20 anos e seis meses de reclusão, em regimefechado, e 155 dias-multa, à razão unitária de 01 salário mínimo vigente àépoca do fato.

Inconformados, apelam o órgão do parquet federal, a empresa assistente daacusação e o condenado.

Em suas razões de apelo, o acusado alega que não existem provas acerca desua participação no assalto à aeronave descrita na denúncia. Pede a absolvição.O Ministério Público, por sua vez, sustenta que as circunstâncias judiciais doart. 59 do CP recomendam a pena-base dos crimes de roubo e quadrilha nomáximo legal previsto em lei. A Assistência à acusação, em suas razõesrecursais, também pede o aumento da pena-base, nos termos requeridos peloMinistério Público, bem como o reconhecimento do concurso material ou dacontinuidade delitiva com relação ao delito de atentado contra a segurança detransporte aéreo, que teria ocorrido por cinco vezes.

Todos os recursos foram contra-arrrazoados.

Nesta instância, o Ministério Público Federal opina pelo provimento do apeloministerial e pelo improvimento dos recursos do réu e assistência à acusação.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Inicio o exame dos recursos peloapelo do condenado.

O réu é acusado de, juntamente com outros quatro comparsas até o momentonão identificados, de se apoderar, no dia 16 de agosto de 2000, mediante oemprego de arma de fogo, do Boeing 737/200, PP SMG, pertencente à ViaçãoAérea de São Paulo – VASP, vôo 280, das 15 horas e trinta minutos, quedecolou do Aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu-PR, com 61 passageiros emais 06 tripulantes. Tomado o avião de assalto, a rota foi desviada para osrumos de Maringá, onde acabaram por aterrissar a aeronave no Aeroporto dePorecatu/PR e subtrair do compartimento de bagagens 09 malotes de lona

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contendo a quantia de R$ 5.560.000,00, valores de propriedade do Banco doBrasil, que estavam sob os cuidados de TGV – Transporte de Valores eVigilância. Após o roubo dos valores, os assaltantes fugiram em uma camionetaRanger, posteriormente abandonada em uma propriedade rural.

A materialidade dos delitos está comprovada à fartura nos autos pela completainvestigação levada a cabo pela Polícia Federal de Londrina. O Auto de Examede Aeronave, levantamento fotográfico e Laudo de Exame de Munição (fls.133/136, 137/142 e 159/160 dos autos do IPL apenso), confirmam que houvedisparo de projétil de arma de fogo calibre 6,35 mm dentro do avião, bemcomo na existência de um outro projétil não disparado abandonado naaeronave. Existem também o Laudo de Exame de Local de Achado de VeículoAutomotor, levantamento fotográfico e Laudo de Exame de Veículo, os quaisatestam a existência da camioneta utilizada pelo bando para a fuga da pista depouso (fls. 148/154, 148/154, 156/157 do IP apenso). Também existem osLaudos de Exame Documentoscópico e Grafotécnico de fls. 172/187, 162/169dos autos do IP e 64/68 da Ação Penal.

Isto tudo comprova, à exaustão, que realmente ocorreu o assalto à aeronave,assim conforme relatado na denúncia.

A autoria, por seu turno, também está devidamente comprovada nos autos.

Alega o réu, em síntese, invocando inclusive argumentos bíblicos contidos noVelho Testamento, que a prova existente nos autos é extremamente frágil paraautorizar uma condenação. Sustenta que apenas um passageiro o reconheceu,mais ninguém, nem os demais passageiros, nem os tripulantes.

Todavia, em que pese a negativa da autoria pelo apelante, a prova é forte nosentido de que o acusado era, sim, um dos cinco integrantes da ousadaquadrilha que tomou de assalto o Boeing 737 da VASP, vôo 280, no fatídico dia20 de agosto de 2000.

Em nosso ordenamento processual penal, em matéria de prova, vige o sistemada livre convicção, também chamado de convencimento racional,materializado no art. 158 do Código de Processo Penal, o qual assegura que “ojuiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”.

E o que exatamente isto significa? Significa que o juiz tem liberdade, mediantefundamentação, para formar a sua convicção, com base em todos oselementos que constar no contexto probatório, inexistindo escala de valoresprefixados entre as provas. Em resumo, não existe hierarquia de provas,(ressalvadas as próprias exceções da lei – exame de corpo de delito em crimes

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que deixam vestígios, documento civil quanto ao estado das pessoas – quandoentão a prova é legal), podendo o julgador rejeitar algumas e acolher outras.Todas as provas estão num mesmo plano de importância, inexistindohierarquia entre elas.

Tendo em vista isto, o juiz decide livremente de acordo com a sua consciência,devendo apenas declinar e explicitar, de maneira motivada e fundamentada, asrazões de sua convicção, indicando objetivamente os elementos probatóriosconstantes nos autos que serviram de base para a sua opção.

Pois bem. No caso dos autos, a magistrada simplesmente aplicou estaprerrogativa que lhe é conferida por lei, e livremente formou o seuconvencimento, com base em provas constantes nos autos, declinando eapontando especificamente por causa de quais provas e elementos deconvicção estava condenando o acusado. E, quanto à forma que a magistradaformou a convicção, avaliando algumas provas (testemunhal e indiciária), emdetrimento de outras (álibi apresentado pelo acusado), não merece censuraalguma.

A testemunha Edilson Dario Fragoso, um dos 61 passageiros do avião, tanto nafase policial, quanto em juízo, reconheceu, sem titubear, o apelante como umdos cinco assaltantes da aeronave. Segundo a testemunha, o réu sentou-se àsua esquerda, na mesma linha, e trazia consigo uma mala marrom, dentro daqual havia máscaras e uma maquininha diferente. Passados alguns minutos doinício da navegação, começou a gesticular para outros dois passageiros queestavam sentados mais a frente, dando sinal de que havia chegado a hora. Emseguida, segundo a testemunha, o apelante retirou da mala as máscarasutilizadas para dificultar a identificação e as deu aos outros dois elementossentados mais à frente, momento em que foi dada voz de assalto (fl. 242/243).

Este testemunho, que por si só já seria suficiente para condenar o acusado,vem confirmado por todas as demais provas existentes nos autos, ainda queindiciárias.

Os indícios, em nosso sistema processual penal, são considerados um meio deprova, assim como qualquer outro. É neste sentido a jurisprudência daSuprema Corte:

“Os indícios, dado ao livre convencimento do juiz, são equivalentes a qualquer outro meio deprova, pois a certeza pode provir deles”. (STF, HC nº 70.244-5, DJU 22.10.93, p. 22253)

Vamos a eles. Apurou-se, na investigação policial, o que é incontroverso nosautos, que o apelante, alguns dias antes do evento criminoso, juntamente com

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outro comparsa, foi a Foz do Iguaçu e hospedou-se em um hotel. Até aí tudobem, até mesmo porque este fato não é negado por ele. Todavia, o que é gravee toma relevância para a comprovação da participação do apelante no caso, éque ele se hospedou adotando o nome da família da sua mãe e que o segundoelemento que o acompanhou até Foz do Iguaçu, inclusive no hotel, ao quetudo indica, era justamente um dos passageiros do avião – Carlos Oliveira - queparticipou do assalto.

Segundo a investigação policial, no vôo 280 da VASP, que levou o apelante atéFoz do Iguaçu no dia 09 de agosto de 2000, dias antes do evento criminoso,também viajou um tal Carlos Oliveira, coincidentemente o mesmo nome queconstava na lista de passageiros do vôo do dia 16 de agosto que não chegou aodestino com o restante dos passageiros.

Por outro lado, para o fato de o réu ter estado em Foz do Iguaçu naquela data,ter-se utilizado do nome de família de sua mãe, ter indicado endereço falsopara preencher a ficha do hotel, e ter hospedado-se acompanhado de outroelemento, o acusado não apresentou uma explicação razoável. Se realmenteestava lá com o único objetivo de efetuar compras no Paraguai, porque nãoarrolou como testemunha a pessoa que se hospedou com ele, pessoa esta quepoderia comprovar o alegado? Obviamente porque esta pessoa era um doscinco audaciosos criminosos do avião.

Outro indício forte contra o acusado, é o fato de um celular da região deCampinas/SP, localidade onde morava o acusado, ter utilizado-se da torrereceptora de Paranavaí/PR no dia 15.08.00, data e local onde foi adquirida acamioneta utilizada na fuga. Este mesmo celular foi usado no dia 09.08.00 pelatorre receptora do Hotel Foz do Iguaçu, data e local onde esteve hospedado oacusado.

Também, segundo o comandante do vôo, testemunha ouvida em juízo, um dosassaltantes possuía conhecimento de navegação aérea e estava munido de umaparelho GPS. O apelante, segundo informações constantes nos autos, possuiuconhecimentos de aviação, já que é piloto de avião de profissão (Sérgio Carmodos Santos, fls. 249/253).

Por fim, ainda um último indício forte aponta o acusado como um dos autoresdo crime: ele foi preso, dias após o evento criminoso, em plena AvenidaPaulista, na capital do estado de São Paulo, portando uma sacola tipo mochilaem cujo interior havia cerca de R$ 70.000,00, em cédulas devidamenteseparadas em maços, dispostas segundo o maior ou menor desgaste das notas,exatamente o procedimento, segundo servidores da instituição ouvidos em

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juízo, adotado pelo Banco do Brasil para separar e agrupar as notas dilaceradasque seriam enviadas ao BACEN para troca e que estavam dentro dos malotessurrupiados (Hélio Zanelli, fl. 234).

Diz o apelante achar muito estranho o fato de apenas um passageiro tê-loreconhecido, num universo de mais de setenta pessoas, dentre passageiros etripulação. Contudo, nada de estranho ou anormal ocorreu se atentar-mos queo vôo estava com metade de sua capacidade de lotação preenchida, commuitos assentos da parte de trás do aviação vagos, justamente o local onde oacusado e os outros agentes e a testemunha sentaram-se. Da decolagem até omomento da voz de assalto (mais ou menos 15 min), o acusado esteve semmáscara, acomodado ao lado da testemunha, gesticulando para os demais, quese encontravam sentados mais a frente, o que chamou a atenção do passageiroe permitiu a identificação. As demais pessoas presentes no vôo – passageiros etripulação - não identificaram ninguém porque estavam sentadas mais à frentee, quando tomado o avião de assalto, os criminosos já estavam encapuzados.

Os depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas da defesa foramcorretamente desprezados na sentença porque em total dissonância com asdemais provas existentes nos autos, fato indicativo de ocorrência de falsotestemunho praticado por elas.

O crime de quadrilha está, por outro lado, perfeitamente caracterizado, já queo acusado, no mínimo acompanhado por outros quatro integrantes, reuniram-se, com antecedência, para planejar e executar crimes, o que autoriza acondenação. O delito de atentado contra a segurança de transporte aéreotambém está configurado, já que a quadrilha do acusado ao modificar a rotaoriginal do avião, desferir tiros em seu interior, bem como obrigar o pouso emlugar desconhecido e pequeno, atentou contra a segurança do vôo.

Nestes termos, porque devidamente comprovadas a autoria e a materialidadedelituosa, ausente qualquer circunstância que exclua a tipicidade, a ilicitude oua culpabilidade, mantenho a sentença condenatória, em todos os seus termos.O reconhecimento das majorantes no crime de roubo também foicorretamente procedida pela magistrada de primeiro grau, já que realmenteocorreu o crime mediante uso de arma de fogo, em concurso de agentes, emavião que estava em serviço de transporte de valores, o que era doconhecimento dos criminosos, e mediante a restrição da liberdade de toda atripulação e dos passageiros. Ainda que o concurso de agentes não possa serutilizado para influenciar no quantum de majoração, já que houve condenaçãopelo delito autônomo de formação de quadrilha armada, a majoração da penano máximo previsto em lei justifica-se pelas outras três circunstâncias

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presentes acima arroladas. A aplicação da majorante para o delito de quadrilhatambém está certa, já que dúvida alguma existe de que o bando era armadomesmo.

Por fim, apelam o Ministério Público e a empresa TGV- Transporte de Valores eVigilância LTDA contra a aplicação da pena. O órgão do parquet federal, porquea pena-base no seu entender, para os crimes de roubo e quadrilha, deveria serno máximo previsto nos tipos penais respectivos; a assistência à acusação,porque o crime de atentado contra o transporte aéreo foi praticado por cincovezes, na forma do art. 69 ou 71 do Código Penal. Sem razão ambos osapelantes. Percebe-se, a pena-base para o delito de roubo e para o dequadrilha foi fixada afastada do mínimo legal de dois anos. Dispõe o art. 59 doCódigo Penal que “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, àconduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias econseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima,estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação eprevenção do crime:

“I - (...)

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – (...)

IV - (...).”

No caso, penso que a análise das moduladoras previstas no art. 59 do CódigoPenal, que culminou na fixação da pena-base dois anos acima do mínimo legalfoi procedida de forma correta pela magistrada sentenciante, a qual sopesouos elementos constantes dos autos, mostrando-se a pena, no patamar finalestabelecido –10 anos para o crime de roubo e 05 para o de quadrilha,acrescido dos 05 anos e seis meses pelo crime do art. 261 do CP, num total de20 anos e seis meses, suficiente para a reprovação e prevenção ao crime, o quesatisfaz os objetivos que são perseguidos através da sanção penal.

Por outro lado, o apelo da empresa de transporte de valores também nãomerece vingar, já que não estão presentes os requisitos para o reconhecimentodo instituto do crime continuado ou concurso material com relação ao crimede atentado contra a segurança de transporte aéreo.

Nestes termos, mantenho a sentença de primeiro grau nos exatos termos emque foi exarada, inclusive quanto à aplicação da pena.

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Diante do exposto, nego provimento aos apelos.

É o voto.

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 2000.71.03.000431-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Recorrente: Ministério Público

Advogado: Dr. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

Recorridos: G. A., H. A., H. F. A., N. A., S. R., G. A., E. A.

Advogado: Dr. Romanus Kuhn

EMENTA

Processo Penal. Estelionato. Defraudação de penhor. Competência.

O crime inscrito no art. 171, § 2º, III, do CP, compromete a estrutura doSistema Nacional de Crédito Rural. Estando a União e o Banco Central à frentedesse programa, cabe à Justiça Federal processar tal delito (Constituição, art.109, IV).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas,decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de setembro de 2001.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Público Federalaviou exordial acusatória em desfavor de E. A., G. A., H. A., H. F. A., N. A., S. R. eG. A. pela prática da infração penal insculpida no art. 171, § 2º, III, e § 3º, doCódigo Penal, de forma continuada. A peça em comento assim narra ossupostos delitos:

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“Do primeiro fato: Em 17 de julho de 1992 e 10 de setembro de 1992, respectivamente, osdenunciados E. A., G. A., H. A., H. F. A., N. A. e S. R. firmaram (...) Cédulas Rurais Pignoratícias(...) para custeio agrícola de lavouras de arroz (...) assim como emitiram, na data de 08 de maiode 1992, as Cédulas Rurais Pignoratícias EGF-SOV (...) para a estocagem e comercialização dearroz, todas sob o amparo da Política de Garantia de Preços Mínimos, de acordo com oDecreto-Lei nº 79/66, ficando a produção da respectiva safra empenhada ao Banco do BrasilS/A (...) mandatário, no caso, do Governo Federal. No ano de 1993, após a colheita da referidasafra, e na qualidade de depositários dos bens vinculados às Cédulas Rurais acima descritas, osdenunciados em epígrafe, em unidade de desígnios, defraudaram, mediante alienação nãoconsentida pelo credor, e ou por outro modo, as garantias pignoratícias relativas aos contratosde custeio agrícola, assim como a garantia de 1.745.869 quilogramas de arroz em cascaatinente aos contratos de EGF/SOV, tendo a posse do objeto empenhado, sem, contudo,efetuar a devida remissão dos bens vinculados à garantia dos financiamentos junto àInstituição Financeira supracitada. (...) Do segundo fato: Nos dias 17 de setembro de 1992 e 29de outubro de 1992, todos os denunciados, na qualidade de sócios-proprietários da CerealistaArnsberg Ltda. (...) firmaram (...) Cédulas de Crédito Industrial para estocagem ecomercialização de grãos, também sob o amparo da Política de Garantia de Preços Mínimos(...) ficando a colheita da safra 1991/1992 empenhada ao Banco do Brasil S/A (...) mandatário,no caso, do Governo Federal. Ocorre que, a partir dessas datas até o mês de janeiro de 1994,os denunciados em epígrafe defraudaram, mediante alienação não consentida pelo credor, eou por outro modo, a garantia pignoratícia de 4.977.993 quilogramas de sacos de arroz emcasca, do qual tinham a posse (...) sem contudo efetuar a devida remissão dos bens vinculadosà garantia do financiamento junto à Instituição Financeira supracitada”.

Logo após o oferecimento da inicial, em 27.07.01, o eminente Juiz Federal JoséMasayuki Sugino, asseverando que “os contratos de financiamento, celebradosentre o Banco do Brasil S/A e os denunciados, a que estão vinculadas ascédulas rurais pignoratícias, acostadas aos autos, foram realizados comrecursos próprios daquela instituição financeira”, declinou da competênciapara processar e julgar o feito ao ilustre Juiz de Direito da Vara Criminal deUruguaiana, com base no art. 109 do Código de Processo Penal. Frisou o cultojulgador monocrático que o Banco do Brasil não participou do negócio com osacusados na condição de mandatário da CONAB.

Contra esse ato, o Parquet interpôs recurso criminal em sentido estrito,aduzindo que a referida sociedade de economia mista figura como agentefinanceiro do Governo Federal em concessões de crédito rural. Assim,inequívoca a lesão a interesse da União.

Sem as contra-razões, subiram os autos. A douta Procuradoria da República,oficiando no feito, manifestou-se pelo provimento da irresignação.

É o relatório.

VOTO

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O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Para estabelecer acompetência jurisdicional neste caso, importa observar, de um lado, aprescrição contida no art. 109, IV, da Carta Magna:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I a III – omissis. IV – os crimespolíticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse daUnião ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções eressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.”

De outro, concluindo-se que a lesão foi causada somente ao Banco do Brasil,prevaleceria o entendimento da Súmula nº 42 do Egrégio Superior Tribunal deJustiça:

“Súmula nº 42. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que éparte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.”

Iniciando a análise do tema, deve-se levar em conta a regra contida no art. 1ºda Lei nº 4.829/65:

“Art. 1º - O crédito rural, sistematizado nos termos desta Lei, será distribuído e aplicado deacordo com a política de desenvolvimento da produção rural do País e tendo em vista o bem-estar do povo.”

Tanto o referido diploma legal como, mais recentemente, a Lei nº 8.171/91,lançam as bases da concessão de financiamentos agrícolas. Como se nota dodispositivo supratranscrito, o qual norteia a atuação dos entes públicos notocante, a União tem o maior interesse em que funcionem perfeitamente astransações entre os produtores rurais e as instituições que fornecem créditopara atividades agropecuárias. A higidez no cumprimento dos contratos definanciamento satisfaz importantes metas traçadas em nível nacional, dentrodo âmbito da Política Agrícola, conforme apontado na regra colacionada. Aquestão, pois, tem relevância não apenas para essa ou aquela instituiçãobancária, mas, sim, para toda a coletividade.

O Manual de Crédito Rural – compilação de disposições referentes àorganização e à concretização da política agrícola – expõe com clareza, nosseguintes tópicos constantes na segunda seção de seu primeiro capítulo, emque medida se verifica o específico prejuízo à União pela conduta dosrecorridos:

“1 - Cabe ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) conduzir os financiamentos, sob asdiretrizes de política creditícia formulada pelo Conselho Monetário Nacional, em consonânciacom a política de desenvolvimento agropecuário.

2 - O SNCR é constituído de órgãos básicos, vinculados e articulados.

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3 - São órgãos básicos o Banco Central do Brasil, Banco do Brasil S. A., Banco da Amazônia S. A.,Banco Nacional de Crédito Cooperativo S. A., Banco do Nordeste do Brasil S. A. (...).

7- O controle do SNCR, sob todas as formas, é atribuição do Banco Central (...).”

Nesse contexto, é inegável que o Sistema Nacional de Crédito Rural,constituindo relevante serviço da União e de, pelo menos, uma de suasautarquias (o Banco Central), resta lesado pela atitude do produtor rural quetoma empréstimo de entidade bancária a ele ligado e defrauda a garantiaofertada. Sendo objetivos específicos do crédito agrícola “incentivar aintrodução de métodos racionais no sistema de produção, visando ao aumentoda produtividade, à melhoria do padrão de vida das populações rurais e àadequada conservação do solo e preservação do meio ambiente” (Lei nº8.171/91, art. 48, III) percebe-se ter sido afetado, igualmente, interesse daUnião.

Conforme aludido pelo recorrente, ao Banco do Brasil cumpre auxiliar naexecução do indigitado programa de crédito rural, ao lado de outrasinstituições. O fato de terem os réus obtido seus financiamentos porintermédio da referida sociedade de economia mista não quer dizer quesomente ela restou prejudicada. Atingiram-se, isso sim, interesses quetranscendem a esfera do banco. Vê-se abalada toda a organização destinada aofomento da agricultura. Estando a União e seus órgãos à testa desse mister,deve o crime em debate ser apreciado pela Justiça Federal.

Nesse sentido, há precedentes do Egrégio STJ (RHC nº 7945/RS, Rel. Min. FélixFischer, Quinta Turma, DJ de 18.12.98, p. 369) e desta Corte (HC nº1998.04.01.011438-8, Rel. Juiz Gilson Dipp, Primeira Turma, DJ de 24.06.98, p.494).

Diante do exposto, dou provimento ao recurso. Anulo a decisão recorrida edeclaro competente a Justiça Federal para processar e julgar os fatos relatadosna denúncia.

HABEAS CORPUS Nº 2001.04.01.037411-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti

Impetrantes: Felipe Cardoso Moreira de Oliveira e outros

Impetrado: Juízo Substituto da 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS

Paciente: L. F. (Réu Preso)

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EMENTA

Prisão preventiva – Medida de exceção – Perícia em CDs – Indeferimento –Cerceamento de defesa – Diligências meramente protelatórias – Justiçagratuita – Impossibilidade – Honorários – Avaliação psicológica –Denecessidade – Cópias reprográficas – Via do habeas corpus.

A prisão preventiva só deve ser decretada quando absolutamente necessária.Ela é uma exceção à regra da liberdade. Não mais subsistentes os motivos quelevaram a sua decretação, como no caso concreto, impõe-se que sejarevogada.

Se todos os CDs oriundos das interceptações telefônicas e suas respectivastranscrições foram colocados à disposição dos defensores e se esses, apesardisso, mesmo fazendo diversas intervenções no processo, nunca se deram aotrabalho de apontar de forma concreta e objetiva qual o diálogo, a voz ou asafirmações que teriam sido editados/montados e/ou imputados indevida oufalsamente aos acusados, limitando-se a produzir alegações de forma genérica,não há falar em cerceamento de defesa.

Não constitui constrangimento ilegal o indeferimento de diligências requeridasquando as mesmas se apresentam meramente protelatórias, pordesnecessárias ao julgamento da ação penal (JSTJ, 1/293).

Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover asdespesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes opagamento desde o início até a sentença final, ainda mais quando as provasnão deixam qualquer margem de dúvida sobre as boas condições financeirasdos réus.

Desnecessária a avaliação psicológica do paciente para determinar o seu nívelde participação nos fatos delituosos, que pode ser aferido a partir de dadosobjetivos materializados nos autos, pouco importando qual seja sua estruturapsicológica.

O problema das cópias reprográficas não pode ser resolvido pela via do habeascorpus, que não deve ser usado como panacéia para todos os incidentes doprocesso penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a OitavaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder

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parcialmente a ordem, tendo o Juiz Élcio Pinheiro de Castro dado parcialprovimento em maior extensão, concedendo a assistência judiciária para arealização da perícia, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de agosto de 2001.

Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de habeas corpusimpetrado para que:

“a) seja determinada a perícia no winchester do ‘guardião’, instrumento de coleta de prova; b)sejam retirados do feito as degravações e gravações realizadas pela Polícia Federal em CDs,diante da flagrante violação do disposto no art. 9º da Lei nº 9.296/96; c) seja deferido o pedidode avaliação psicológica no paciente L. F., fundamental para a verificação de sua personalidadee eventual modulação dos critérios de fixação de pena; d) seja determinado ao juízo da 3ª VaraFederal de Porto Alegre que se possibilite aos defensores constituídos nos autos a retirada decópia reprográfica dos autos mediante a simples apresentação da carteira profissional deidentificação, tal qual ocorre em qualquer ação penal; e) seja suspensa e revogada adeterminação de recolhimento de valor para a realização da perícia, uma vez que a mesmaconstitui ônus do Estado; f) seja concedido o presente mandamus a fim de colocar o pacienteem liberdade.”

Em síntese, dizem os impetrantes que:

“o guardião, pelo que se conseguiu apurar, consiste num aparelho que realizou as gravações,que grampeou os telefones, que não serviu apenas de meio para gravar os CDs ..., mas ...serviu de fonte para os CDs ... Caso uma eventual montagem ou edição tenha sido feita nopróprio guardião, poderia a perícia detectá-la no CD? Certamente, sem perícia, jamais sesaberá ... Inadmissível, portanto, que o instrumento que originou as gravações não sejavistoriado por perito”.

Além disso, sustentam que a atuação policial – transferindo para os CDs asgravações recolhidas pelo “guardião” – se mostrou ilegal, “estando a provarelativa à escuta telefônica totalmente viciada”.

Acrescentam que o paciente não tem capacidade para “comandar, liderar,organizar qualquer grupo de pessoas” e, assim, só uma “avaliação psicológica”poderá indicar o seu “nível de participação nas condutas que lhe sãoimputadas”.

Reclamam, ainda, contra a inusitada condição estabelecida pela autoridadecoatora para o fornecimento de cópias do processo: requerimento “indicando

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o material a ser reprografado”.

Impugnam, outrossim, a imposição do pagamento dos honorários aos peritos,observando que o paciente “é profissional liberal cuja atividade de trabalho foiceifada a partir do decreto de prisão preventiva” e que, de todo modo, o réunão pode ser obrigado a “pagar para se defender”.

Terminam pedindo a liberdade do paciente, que “foi preso em 28 de agosto de2000”, não representa nenhuma ameaça para a ordem pública, é primário, tembons antecedentes, nunca tentou “perturbar a colheita de provas” – nadajustificando, afinal de contas, a manutenção da preventiva.

O eminente Juiz Élcio Pinheiro de Castro, relator original do feito, deferiuparcialmente a liminar requerida, apenas para suspender a determinação dedepósito da primeira parcela dos honorários periciais.

Inconformados, os impetrantes pediram fosse reconsiderada a decisão naparte em que indeferiu a imediata soltura do paciente, lembrando que, poucosdias antes, o Tribunal concedeu liberdade a outros acusados, que “teria(m) asmesmas funções de L. na dita organização criminosa”.

A reconsideração, no entanto, foi negada por não haver nos autos elementossuficientes comprovando a alegada semelhança das condutas imputadas aopaciente e aos supostos paradigmas.

Prestando as informações requisitadas, a autoridade coatora fez por reproduziras razões que o levaram a indeferir a perícia no aparelho denominado“guardião” e a avaliação psicológica do paciente, justificando também oencargo atribuído aos réus de custearem a perícia por eles requerida.

O parecer da douta Procuradoria Regional da República recomenda adenegação da ordem impetrada.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Como afirmei ao decidircaso análogo, “quanto ao indeferimento dos quesitos relativos ao aparelhodenominado ‘guardião’”, peço vênia para subscrever o bem lançado parecer dailustre Procuradora Regional da República, Dra. Vera Maria Nunes Michels, inverbis:

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“Sustenta o impetrante que ‘para que se prove a diferença entre a prova da gravaçãoverdadeira e aquela que foi encaminhada ao juízo, necessário se faz a comparação da gravaçãooriginal com aquela editada’ (fl. 09) e, também, que ‘a prática de cerceamento de defesa dospacientes é evidente, no momento em que a autoridade coatora não permite que eles possamprovar que uma conversação não é sua, que a linha interceptada também não é a sua, ou queum diálogo completo não traz a conotação que a polícia pretende dar, sob a pena da Justiçadar cobertura a uma injustiça’. (fl. 11)

Analisando detidamente os autos dessa impetração, não verifico a ocorrência de nenhum atocoator ou que venha a causar constrangimento ilegal e/ou cerceamento do direito à ampladefesa dos pacientes.

Isto porque, através da simples realização de perícia nos CDs que se encontram acauteladosjunto aos autos originários (ação penal nº 2000.71.00.039010-4), o que já foi deferido peloMagistrado a quo impetrado (fls. 94/100), poder-se-á verificar se as conversas telefônicasinterceptadas foram objeto de montagem/edição e, também, se foram os próprios pacientesautores dos diálogos telefônicos interceptados.

Despiciendo, a meu ver, realização de perícia no aparelho que armazena os diálogos (discorígido), denominado ‘guardião’, já que a perícia nos CDs que se encontram acautelados pode,sem nenhuma dificuldade, atender aos reclamos da defesa dos pacientes.

Desse modo, penso que o indeferimento de quesitos atinentes à perícia solicitada junto aoaparelho denominado ‘guardião’, no qual se encontram armazenados os diálogos oriundos dasinterceptações telefônicas, não acarreta nenhum cerceamento da defesa, nulidade ouqualquer ato ilegal, coator ou que implique constrangimento ilegal, em detrimento dospacientes.

Veja-se, ademais, que o STJ já se manifestou a respeito de tema similar (indeferimento deperícia),verbis:

‘Processo penal. Indeferimento de prova pericial. CPP, arts. 184 e 499.

1. Diante do princípio da livre apreciação da prova, é possível que o Juiz, mediante decisãodevidamente fundamentada, indefira pedido de perícia, por considerá-la desnecessária para aelucidação dos fatos, sem restar configurado por isso cerceamento de defesa.

2. Recurso a que se nega provimento’ (STJ, 5ª Turma, RHC nº 10.678/PR, Rel. Min. EdsonVidigal, j. 06.02.01, DJ 12.03.01, p. 155).

Ora, se é possível ao Magistrado que preside a instrução até mesmo indeferir a realização deperícia técnica, evidentemente que pode o menos, ou seja, indeferir quesitos que entendaprotelatórios/impertinentes ou desnecessários para formar seu convencimento.

Nesse sentido, leciona Julio Fabbrini Mirabete que:

‘o exame de corpo de delito é obrigatório, mas quanto às demais perícias há uma faculdade daautoridade policial ou judiciária na sua realização. Requerida pela parte, cabe à autoridadedeferi-la ou não, conforme a considera ou não necessária para a elucidação dos fatos ou de

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suas circunstâncias. Evitando-se a realização de perícias desnecessárias, impertinentes eprocrastinatórias, a lei deixa ao prudente arbítrio do juiz sua realização, devendo a parte que adeseje convencê-lo fundamentadamente da sua conveniência. O indeferimento de examepericial ou sua renovação não é constrangimento ilegal e não comporta recurso’.

Desse modo, nenhuma coação ou ilegalidade se verifica em virtude do indeferimento dequesitos que não são úteis e necessários ao esclarecimento dos fatos.

Outrossim, não poderia deixar de referir que o Magistrado a quo, consoante se verifica dadecisão de fl. 95, ressalva expressamente, verbis:

‘Antes de mais nada, cumpre destacar que, logo após o início da ação penal, todos os CDsoriundos das interceptações telefônicas e suas respectivas transcrições foram colocadas àdisposição dos defensores, e, em todas as petições em que estes postularam a realização dapresente perícia, não se apontou de forma concreta e objetiva qual foi o diálogo, a voz, asafirmações, etc., que foram editadas/montadas e/ou imputados indevida ou falsamente aosacusados. Todas as alegações são feitas de forma genérica. Todavia, por se tratar de diligênciaque vem sendo reiterada no decorrer de toda instrução, em face dos princípios norteadores doprocesso penal, em especial os do contraditório, da ampla defesa e da busca da verdade real,merece deferimento o pedido, a fim de que os CDs sejam periciados.

A diligência a meu ver, deve cingir-se a dois aspectos: a) se foi procedida alguma edição ou‘montagem’ no conteúdo dos CDs; e, b) se as vozes são realmente daqueles a quem atranscrição atribuiu (espectogragma de voz). (...).

Ora, esta é justamente a preocupação da defesa dos pacientes, motivo pelo qual, nos termosdas informações prestadas pela autoridade coatora (fls. 94/100), penso que não se verifica enão se verificará nenhum prejuízo à defesa, já que garantida a aferição da eventualedição/montagem dos CDs e de quem sejam os autores dos diálogos telefônicos interceptados.

Assim sendo, penso que neste particular não prospera a impetração’.”

Francamente, não vejo como deixar de acolher tão judiciosa manifestação,especialmente considerando que o juiz da causa teve o cuidado de oferecerprazo para a defesa dos réus apresentar seus quesitos, “indicando de formaobjetiva quais os diálogos que foram editados/montados e qual (ou quais) avoz (ou vozes) dos interlocutores não corresponde a quem se atribuiu natranscrição, bem como o número do CD-ROM em que o diálogo está contido”.Além disso, fez por ordenar que “as transcrições dos CDs fiquem à disposiçãodos defensores dos acusados em Secretaria ... onde poderão ouvir os CDs econferir as transcrições. Ainda, se for interesse dos acusados que se encontrampresos preventivamente, desde já autorizo a acompanharem seus defensoresno momento da escuta dos CDs” (fl. 25).

De fato, como lucidamente assinalou o julgador de primeira instância, se“todos os CDs oriundos das interceptações telefônicas e suas respectivastranscrições foram colocados à disposição dos defensores” e se esses, apesar

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disso, mesmo fazendo diversas intervenções no processo, nunca se deram aotrabalho de apontar “de forma concreta e objetiva” qual o diálogo, a voz ou asafirmações que teriam sido “editados/montados e/ou imputados indevida oufalsamente aos acusados”, limitando-se a produzir alegações “de formagenérica”, parece lícito questionar a efetiva necessidade da realização deperícia nos tais CDs.

Mesmo assim, a prova técnica foi deferida, “em face dos princípiosnorteadores do processo penal, em especial os do contraditório, da ampladefesa e da busca da verdade real”.

Essa deferência, contudo, certamente não pode justificar – como pretendemos impetrantes – diligências desnecessárias e, por isso, visivelmenteprocrastinatórias, porquanto, conforme observa a decisão hostilizada, “éevidente que, se houver alguma montagem ou edição no conteúdo dos CDs”,nada mais é preciso senão a perícia nos próprios CDs. Até porque – segundodestacou a autoridade coatora, em decisão nos autos de processo conexoàquele de que trata a presente impetração:

“os Srs. Peritos já confirmaram que é possível examinar e comprovar se os referidos CDs forameditados/montados, bem como identificar a voz de cada um dos interlocutores. Outrossim, nãohaveria razão lógica para se periciar o aparelho denominado ‘guardião’, pois se os CDs queservirão para formar a convicção deste juízo foram montados/editados, etc., conformesuspeita a defesa de alguns dos réus, basta que se realize a perícia nos moldes acima para secomprovar tais fatos. Ora, de que serviria periciar um aparelho que sequer faz parte doconjunto probatório e que serviu apenas como meio para se gravar os CDs, quando somenteestes serão ouvidos e constituem meio de prova? Portanto, somente os CDs devem serpericiados. Em outras palavras, somente o que faz parte dos autos e será utilizado como meiode prova pode ser periciado. Não podemos olvidar que, mesmo tendo existido determinaçãoneste sentido, até o momento não há nenhuma indicação concreta de qual o CD foimontado/editado e/ou a voz de seu interlocutor não corresponde a quem se atribui. Este Juízopossibilitou tanto aos defensores, quanto aos réus, que se deslocassem até a Secretaria destaVara para ouvir tais CDs, mas isso também não foi suficiente para que fosse indicado ondereside a montagem/edição’ (HC 38.285, fl. 19).

Ora, é bem sabido, ‘na instrução do processo, cabe ao magistrado evitar expedientesprocrastinatórios’ (RSTJ 59/17), sendo forçoso reconhecer que ‘não constitui constrangimentoilegal o indeferimento de diligências requeridas .. quando as mesmas se apresentammeramente protelatórias, por desnecessárias ao julgamento da ação penal’ (JSTJ, 1/293)”.

Nem há falar em ofensa ao disposto no artigo 9º da Lei nº 9.296/96, queregulamentou a interceptação de comunicações telefônicas, porquanto, naverdade, como sublinhou a autoridade coatora:

“a lei não diz que toda intercepção telefônica tenha, necessariamente, de ser gravada. A escutadas comunicações interceptadas poderá, ou não, ser gravada. Em sendo gravada, a lei não

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determina que isto ocorra em fita cassete, em CD-ROM, em disco rígido, podendo, então, aautoridade policial se utilizar de qualquer meio tecnológico que tenha à sua disposição, umavez que somente a ela compete conduzir a fase executiva da interceptação telefônica.

Por oportuno, vale transcrever lição de Luiz Flávio Gomes sobre o tema:

‘No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinadaa sua transcrição (art. 6º, § 1º). Fez bem o legislador em prever que a gravação será feitasomente quando ‘possível’. Muitas vezes não haverá essa possibilidade (por razões técnicas, adexemplum) (...) A gravação é o resultado de uma operação técnica (captação de comunicação).Mais precisamente, é a documentação da fonte de prova. Fonte de prova é a comunicação. Agravação atesta a existência dessa fonte, mas não é, por si só, meio de prova. O meio de prova(documental) é a transcrição, porque é ela que ‘fixa a prova em juízo’. Não é o único noentanto: pode-se fixar em juízo a interceptação por meio da prova testemunhal (oitiva dequem fez a interceptação)’.

No mesmo sentido, é a lição de Vicente Greco Filho. Vejamos:

‘A escuta das comunicações interceptadas poderá, ou não, ser gravada. Em qualquer hipótese,concluída a diligência, deve a autoridade encaminhar o resultado ao juiz, acompanhado deauto circunstanciado que deverá conter o resumo das operações realizadas. Se a comunicaçãointerceptada foi gravada, deverá ser transcrita, sem prejuízo de ser preservada e autenticada afita original; se não foi, o resumo das operações deverá conter, também, sob responsabilidadede quem ouviu, o conteúdo das conversas interceptadas. Essa pessoa poderá, eventualmente,se necessário, em diligência determinada de ofício ou requerimento das partes, ser ouvida emjuízo.’

Dessa forma, conforme nossa legislação, a autoridade policial, de acordo com sua conveniênciae disponibilidade material, pode utilizar-se de qualquer um dos meios tecnológicos paraefetuar a gravação da interceptação telefônica. No caso em tela, optou a autoridade condutorada diligência em efetivar esta gravação em CD-ROM. Para se gravar uma conversa em CD-ROM,é necessário ter à disposição equipamento adequado. Ao que parece, este equipamento é o‘Guardião’ (disco rígido/winchester), em que a comunicação é armazenada em um primeiromomento, para que, posteriormente, ocorra a gravação em CD-ROM. Uma vez efetivada agravação da conversa telefônica em CD-ROM, é totalmente despiciendo e não recomendávelque a autoridade policial mantenha uma ‘cópia’ destas gravações em suas dependências, paraservir de contraprova. Em suma, o que está armazenado no ‘Guardião’ deve ser deletado, jáque este aparelho é apenas o meio utilizado para gravar as comunicações em CD-ROM” (fls. 26e 27).

De fato, vale insistir, se a gravação que interessa ao processo não está no“guardião”, mas sim está nos CDs, mesmo que se admitisse ter sido cometidaalguma irregularidade em relação àquele, isso em nada afetaria a prova nessescontida, que é a única relevante para o julgamento da causa: utile per inutilenon vitiatur. O Código de Processo Penal “não deixa respiradouro para o frívolocurialismo, que se compraz em espiolhar nulidades” (Exposição de Motivos doCPP).

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No que tange ao pagamento das despesas relativas à prova pericial, estouconvencido de que, nas circunstâncias do caso presente, nenhuma ilegalidadehá na decisão censurada, pois, como informou a autoridade coatora, em casoidêntico:

“tal diligência foi requerida exclusivamente pela defesa ... (não há quesitos do Juízo etampouco do Ministério Público Federal). Outrossim, este Juízo determinou que a Secretariaentrasse em contato com universidades, órgãos públicos, institutos, etc., a fim de verificarquem poderia realizar a perícia nos termos postulados. Consoante se observa da certidão emanexo, ninguém possuía em seu quadro profissional alguém que pudesse realizar tal trabalho.Contudo, foi informado pelo Instituto Geral de Perícias que haveria dois peritos que talvezpudessem realizar a tarefa. Foram então contatados os Peritos Joel Ribeiro Fernandes e VeraBittencourt, que aceitaram o encargo e, tendo em vista a quantidade de quesitosapresentados, a necessidade de se degravar todos os CDs e se colher 'padrão de voz' de váriosinterlocutores, sendo que alguns sequer residem nesta Capital, estipularam o prazo de 6 (seis)meses para conclusão do trabalho e postularam o valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) por réu,a título de honorários periciais, a ser pago da seguinte forma: 25% (R$ 1.750,00) no início dostrabalhos; 25% (R$1.700,00) no final do primeiro mês; e 50% (R$ 3.500.00) na entrega dolaudo. Não podemos olvidar que se cuida de trabalho que exige extremo preparo técnico,tendo os Srs. Peritos informado a este Juízo que fizeram diversos cursos (por conta própria)para se capacitarem, bem como investiram em computadores e programas (software) para quefosse possível realizar este tipo de trabalho. Ainda, foi-me informado que poucas pessoas noBrasil estão capacitadas para realizar esta espécie de perícia. Pois bem, neste contexto, entendique a pretensão de honorários estava razoável em face da complexidade, mão de obra etempo necessário para a realização da perícia”.

Nada mais é preciso dizer, exceto que, aplicando por analogia o artigo 19 doCódigo de Processo Civil, “salvo as disposições concernentes à justiça gratuita,cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem noprocesso, antecipando-lhes o pagamento desde o início até a sentençafinal” (CPP, art. 3º). Tampouco procede a equivocada idéia de que o processocivil seria diferente do processo penal, lá predominando o interesse privado eaqui o interesse público (STJ, ROMS 8029, 6ª T., Min. Cernicchiaro, DJ de08.09.97, p. 42.608): na verdade, o processo civil, tanto quanto o penal,

“não se destina à simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua,como já observara Betti, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio dointeresse de ambos. O interesse das partes não é senão um meio que serve para conseguir afinalidade do processo na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer ointeresse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma daspartes é de ter razão: a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente a tem.Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado da parte, mas uminteresse público de toda sociedade” (Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, nº 5).

E não é motivo para nenhum escândalo que o réu tenha de “pagar para sedefender”, muito menos quando, como no caso, se cuida de custear provarequerida pela defesa, no exclusivo interesse dos réus: conforme prevê

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textualmente o Código de Processo Penal, “o acusado, que não for pobre, seráobrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz” (art.263, parágrafo único).

Desnecessária, por outro lado, a avaliação psicológica do paciente paradeterminar o seu “nível de participação” nos fatos delituosos que deram causaao processo: o grau de envolvimento dos acusados nos crimes que lhe foramimputados pode – e deve – ser aferido a partir de dados objetivosmaterializados nos autos, pouco importando qual seja a particular estruturapsicológica de cada um deles. Mesmo admitindo que o paciente não tenha“aptidão psicológica para comandar, liderar, organizar”, como alegam osimpetrantes, isso não implicaria, necessariamente, atribuir-lhe umaparticipação de menor importância nos ilícitos perpetrados, muito menos se asprovas apontarem em sentido diverso.

O problema das “cópias reprográficas” evidentemente não pode ser resolvidopela via do habeas corpus, que não pode ser usado como panacéia para todosos incidentes do processo penal.

Por fim, quanto ao pedido de liberdade, peço vênia para observar que opaciente viu decretada a sua prisão preventiva por fazer parte de umaorganização criminosa, na qual teria a função de interligar certos membros daquadrilha com os Delegados de Polícia que lhes davam cobertura e quepoderiam – no entendimento da autoridade coatora – alterar as provas eintimidar testemunhas. Além disso, seria “concreta a possibilidade de fuga dosinvestigados, que já estenderam as suas atividades ao exterior”.

Dessas razões, entretanto, a meu juízo, nenhuma parece subsistir.

Conforme se colhe da documentação trazida pelos impetrantes, “a instruçãoprocessual foi encerrada em 05.03.01”, faltando apenas realizar a provapericial nos CDs, que se encontram em poder da própria Polícia: nenhum risco,portanto, de eventual interferência indevida na produção da prova, muitomenos o temido constrangimento das testemunhas da acusação – todas elas,repito, já inquiridas.

A par disso, conforme expressamente apontado na denúncia, o paciente éadvogado, “residente e domiciliado na rua Dr. Valle, 651, ap. 902, PortoAlegre/RS”, nada havendo de objetivo que justifique o temor de uma supostafuga para o exterior, pois o simples fato de outros membros da quadrilhamanterem negócios no estrangeiro – tudo, aliás, em função dos próprios fatosdelituosos pelos quais estão respondendo – não autoriza, por si só, a imaginarque o paciente possa, mais do que qualquer um dos outros, vários deles já

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soltos, cabe advertir, fazer por frustrar a aplicação da lei penal.

Cumpre ter em linha de conta, ainda, que:

“a prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (carcer ad poenam) – não objetivainfligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face daestrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário,instrumento destinado a atuar ‘em benefício da atividade desenvolvida no processopenal’ (Basileu Garcia, Comentários ao Código de Processo Penal, vol. III/7, item nº 1, 1945,Forense).

Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a função processualque lhe é inerente – não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipaçãosatisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-iaa finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento do princípio daliberdade. Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federaltem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal,em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quandoinocorrente hipótese que possa justificá-la ...

O Supremo Tribunal Federal tem advertido, a esse propósito, que a natureza da infração penalnão se revela circunstância apta, só por si, para justificar a privação cautelar do status libertatisdaquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Esse entendimento vemsendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que odelito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (HC 80.064-SP, Rel.p/o acórdão Min. Sepúlveda Pertence – RHC 71.954-PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence – RHC79.200-BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, v.g.):

‘A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), nãobasta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dodesenvolvimento do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrarnecessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosseutilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual,entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penalcondenatória’ (CF, art. 5º, LVII.’ (RTJ 137/287, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

‘A acusação penal por crime hediondo não justifica a privação arbitrária da liberdade do réu. –A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV)– não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoaacusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentençacondenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade doréu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.’ (HC 80.379-SP, Rel. Min. Celso de Mello) .. O clamor público não pode erigir-se em fator subordinante dadecretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu. A própria jurisprudência doSupremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventualindignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar, só por si, adecretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso. Bem por isso, jáse decidiu, nesta Suprema Corte, que ‘a repercussão do crime ou do clamor social não sãojustificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312do Código de Processo Penal..’ (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. Rafael Meyer). A prisão cautelar,

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em nosso sistema jurídico, não deve condicionar-se, no que concerne aos pressupostos de suadecretabilidade, ao clamor emergente das ruas, sob pena de completa e grave aniquilação dopostulado fundamental da liberdade. Esse entendimento constitui diretriz prevalecente nomagistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiuque a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não se qualificam comocausas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infração penal, nãosendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contémno art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal (RT 598/417 –HC 71.289-RS, Rel. Min. Ilmar Galvão – HC 78.425-PI, Rel. Min. Néri – RHC 64.420-RJ, Rel. Min.Aldir Passarinho, v.g.): ‘O clamor público não constitui fator de legitimação da privação cautelarda liberdade. – O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pelarepercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisãocautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e graveaniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por nãoconstituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualificacomo fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendolícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém noart. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal.Precedentes.’ (HC 80.379-SP, Rel. Min. Celso de Mello).

Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcionalde privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiadacondição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade dasinstituições. Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do SupremoTribunal Federal, que, acertamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particularfundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu:

‘I. A boa ou má situação econômica do acusado não basta por si só para alicerçar prisãopreventiva, que não pode basear-se em meras presunções. II. Não serve a prisão preventiva –nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada – a punir sem processo, em atençãoà gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ninguém será considerado culpado até otrânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). III. Motivar a prisãopreventiva no bom relacionamento do acusado com pessoas gradas, que lhe atestam ahonorabilidade é paradoxo que sugere abuso de poder.’ (HC 72.368-DF, Rel. Min. SepúlvedaPertence).

De outro lado, ... o mero temor de fuga do paciente, quando não apontado fato concreto quejustifique a real possibilidade de sua ocorrência, não legitima o decreto de prisão preventiva,pois ‘a custódia cautelar não pode se basear em conjecturas, mas na real necessidade deconstrição que justifique a excepcionalidade da medida’ (RTJ 128/749, Rel. Min. FranciscoRezek. Por tal razão, esta Corte Suprema já deixou assentado que não constitui fundamentojuridicamente idôneo, por si só, para legitimar a privação cautelar da liberdade individual, ofato de o paciente dispor de facilidade de trânsito pelo território nacional e no exterior, eisque, sem a efetiva comprovação de que o acusado objetiva evadir-se do País, torna-seincabível a decretação de sua prisão preventiva: ‘Por outro lado, não é tão-somente o poder demobilidade ou de trânsito pelos territórios nacional ou internacional que justifica a medidaconstritiva, mas, sim, a demonstração de que o acusado intenta promover sua fuga do distritoda culpa.’ (HC 71.289-RS, Rel. Min. Ilmar Galvão).

Por sua vez, a suposição de que o réu seria capaz de interferir nas provas e de influir em

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depoimentos testemunhais, se mantido em liberdade, constitui, quando destituída de baseempírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdadeindividual.

No caso presente, além de todas as testemunhas arroladas pela acusação já terem sido ouvidasem juízo, não se apontou qualquer conduta, que, atribuída ao ora paciente, pudesse traduzirato caracterizador de ilícita interferência na produção da prova penal. A mera afirmação deque o ora paciente, em liberdade, poderia frustrar, ilicitamente, a regular instrução processualrevela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar, se essa alegação – comoocorre na espécie dos autos – deixa de ser corroborada por necessária base empírica, tal comotem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo TribunalFederal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. Sepúlveda Pertence – HC 79.781-SP, Rel. Min. SepúlvedaPertence, v.g.).

Em suma: ... ‘A prisão preventiva deve ser decretada, quando absolutamente necessária. Ela éuma exceção à regra da liberdade. Não mais subsistentes os motivos que levaram a suadecretação, como no caso concreto, impõe-se que seja revogada.’ (HC 80.282-SC, Rel. Min.Nelson Jobim)” (HC 80.719, Min. Celso de Melo).

“Prisão preventiva: fundamentação inadequada. Não constituem fundamentos idôneos, por sisós, à prisão preventiva: a) o chamado ‘clamor popular’ provocado pelo fato atribuído ao réu,mormente quando confundido, como é freqüente, com a sua repercussão nos veículos decomunicação de massa; b) a consideração de que, interrogado, o acusado não hajademonstrado ‘interesse em colaborar com a Justiça’ – ao indiciado não cabe o ônus decooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incriminar, que é tododos organismos estatais da repressão penal; c) a afirmação de ser o acusado capaz de interferirnas provas e influir em testemunhas, quando despida de qualquer base empírica; d) o subtrair-se o acusado, escondendo-se, ao cumprimento do decreto anterior de prisão processual” (STF,HC 79.781, 1ª Turma, Min. Pertence).

Naturalmente, não vai aqui absolutamente nenhuma crítica às decisões dacolenda antiga 2ª Turma deste Regional, que – amparadas em precedentes doegrégio Superior Tribunal de Justiça – denegaram outros três pedidos dehabeas corpus em favor do paciente, pois a situação que hoje se apresenta ébem diferente da que existia à época em que foram proferidas aquelasveneráveis decisões: a necessidade da prisão preventiva evidentemente nãopode ser considerada à luz dos mesmos parâmetros, conforme seja examinadaantes ou depois de encerrada a instrução. Bem por isso, “o juiz poderá revogara prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo paraque subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que ajustifiquem” (CPP, art. 316).

Nessas condições, concedo parcialmente a ordem impetrada, apenas paradeterminar que o paciente seja posto imediatamente em liberdade.

É o voto.

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AGRAVO REGIMENTAL EM MS Nº 2001.04.01.040704-6/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho

Agravantes: Miguel Krug Filho e outros

Advogados: Drs. Vicente Paula Santos e outros

Agravado: Ministério Público

Advogado: Dr. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

EMENTA

Mandado de segurança como substitutivo de agravo de instrumento contradecisão liminar de seqüestro em ação penal.

1. Não pode o mandado de segurança ser manejado como substitutivo derecurso cujo cabimento é possível.

2. Hipótese em que o agravo de instrumento pode ser utilizado em aplicaçãoanalógica (art. 3º, CPP).

3. Recurso contudo desacolhido por improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a OitavaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de agosto de 2001.

Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Cuida-se de agravo regimentalcontra decisão do e. Relator Juiz Amir José Finocchiaro Sarti (fl. 181), pela qualo mandado de segurança - contra concessão parcial da medida liminar deseqüestro requerida pelo MPF nos autos da ação cautelar nº2000.70.08.000065-6, ajuizada perante a 1ª Vara Federal de Paranaguá/PR –

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foi indeferido de plano, nos seguintes termos:

“Chamo o feito à ordem.

Melhor analisando os autos, verifico que os impetrantes se insurgem contradecisão interlocutória, sendo que contra todas as decisões (de primeiro grau)proferidas no processo, salvo aquelas que o extinguem, com ou semjulgamento do mérito, o recurso cabível é o agravo de instrumento, recursoeste também aplicável nos feitos criminais por força do art. 3º do Código deProcesso Penal.

E considerando que “não se dará mandado de segurança quando se tratar dedespacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuaisou possa ser modificado por via de correição’ (Lei nº 1.533/51, art. 5º, II eSúmula 267, STF), nem sendo possível aplicar, no caso, o princípio dafungibilidade recursal, tendo em vista a absoluta impropriedade da viaescolhida, julgo extinto o writ, sem julgamento do mérito.

Intimem-se. Publique-se.”

Sustenta-se ofensa ao direito e interesses de terceiros e o cabimento do writ,na jurisprudência, para proteção de interessados externos à relação processual(fls. 190/207).

O parecer é pelo improvimento (fl. 362/367).

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: A questão é relevante. Comefeito, trata-se de saber se, no processo penal, faltando previsão de recursonos arts. 581 e 593 do CPP, pode valer-se o réu ou interessado do mandado desegurança, e, sendo o caso, se nessa hipótese seria de considerar a possívelaplicação analógica do agravo de instrumento do processo civil (art. 3º do CPP),do que resultaria o descabimento do writ (Súmula 267, STF). Parece que otema aponta para uma reflexão sobre o direito de defesa ao qual adere porcerto o de recurso (art. 5º, LV, CF). Ora, havendo processo judicial e não sendopermitida a privação de bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), oqual contém o direito ao recurso, parece forçoso ter que, no processo deseqüestro – incidente ou prévio à ação penal, das decisões do julgador queincorram na hipótese constitucional há de haver recurso. Assim, se o Código deProcesso Penal não o prevê expressamente, cabe a colmatação da lacuna pelaaplicação analógica da legislação processual civil. De qualquer modo,consoante o disposto no art. 129 do CPP (“o seqüestro autuar-se-á em

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apartado e admitirá embargos de terceiro”), o legislador está a indicar que édos embargos de terceiro disciplinados no CPC (art. 1016 e seguintes) que elese refere, como, de resto, o faz certo o contido no art. 139 do CPP e, então, háde se fazer valer o recurso cível apropriado. Fosse então silente a lei processualainda aí correta estaria a solução do e. Relator que, afinal, também se afinacom a boa interpretação da lei, como ora proponho para o caso concreto.Nessa linha, com efeito, não pode o mandado de segurança ser manejadocomo substitutivo de recurso cujo cabimento é possível, aliás, como parece sera inclinação do legislador (v.g. L. 8038/90, art. 28; L. 7.210/84, art. 197 eProjeto de Lei 1655, futuro CPP, arts. 500 e 512).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

HABEAS CORPUS Nº 2001.04.01.063568-7/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa

Impetrantes: Donovan Nascimento Monteiro

Carlos Antonio Maciel Nunes

Impetrado: Juízo da 3ª Vara Federal de Caxias do Sul/RS

Paciente: R. G. (Réu Preso)

EMENTA

Habeas Corpus. Crime de sonegação fiscal. Sentença condenatória. Art. 594 doCPP. Direito de apelar em liberdade. Requisitos da prisão preventiva. Ordemconcedida.

1. A regra é de que o réu responderá solto à acusação posta na ação penal, anão ser que a lei seja expressa no sentido de inviabilizar a concessão daliberdade provisória (CF 88, art. 5º, inciso LXVI). A prisão preventiva temcaráter excepcional.

2. Apenas com a finalidade de “prevenção” é que será viável impor asegregação durante o processamento da ação penal, o que poderá ocorrer emum ou mais graus de jurisdição. Daí a validade da norma processual que prevêa prisão preventiva (art. 312 do CPP).

3. Tendo em vista o disposto no art. 5º, incisos LXVI, LVII e LXI e no art. 312 doCPP, a prisão provisória no transcorrer do processo somente se justifica como

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tutela do interesse social.

4. Assim, o art. 594 do CPP que dispõe que “o réu não poderá apelar semrecolher-se à prisão ...” deve ser interpretado de modo à adaptá-lo a essasistemática de que o princípio é o da liberdade provisória.

5. Somente a insegurança gerada pela presença do acusado no meio social ou apossível fuga do mesmo justificarão que a “prevenção” aconselhe o imediatorecolhimento do condenado à prisão, aguardando a decisão do recurso. Querdizer, são os requisitos que fundamentam a prisão preventiva que haverão deestar presentes.

6. O reincidente ou o réu de passado comprometedor constituirão ameaça àconvivência ou, pela precariedade da vida pessoal e profissional, ou algumamanifestação comprovada, se poderá esperar que haja a fuga do distrito daculpa. Somente nessas hipóteses é que será aplicável o art. 594 em referência.

7. Logo, a reincidência genérica não pode fundamentar, por si só, a decisão quenega o apelo em liberdade. Depende do tempo em que aconteceu e danatureza do crime antes praticado, que pode ter sido resultado de condiçõesde vida que nada mais influenciam na existência contemporânea docondenado. Da mesma forma quanto aos maus antecedentes. Fundamental é adúvida fundada de que o agente volte a praticar crimes ou venha a furtar-se àeficácia da decisão final.

8. Atente-se, no entanto, para a exceção representada pelos crimes hediondos(art. 2º, § 2º, da Lei 8.072, de 25.07.90), pelos delitos praticados emorganizações criminosas (art. 9º da Lei 9.034, de 03.05.95) e pelos crimes delavagem de dinheiro (art. 3º da Lei 9.613, de 03.03.98).

9. No caso dos autos, a condenação anterior e antiga por dirigir veículo semhabilitação é inábil para fazer correlação com posterior comportamentodelituoso contra o erário federal; a denúncia por estelionato na justiça estadualfoi julgada improcedente, com base no inciso II do art. 386 do CPP, porsentença datada de 30 de julho de 2001, tendo transitado em julgado emseguida, não constituindo antecedente para nenhum efeito; sobre os doisinquéritos noticiados em certidão do distribuidor da justiça federal de Caxiasdo Sul não se sabe de que tratam nem a data da situação fática que investigam;a ação penal antecedente em que houve condenação à pena de multa, cujadecisão ainda não transitou em julgado, se refere a fatos de 1990 a 1994; e osfatos que deram motivo à condenação no processo em que houve a decretaçãoda prisão datam de 1992 a 1995.

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10. Isso tudo indica que nos últimos anos não há registro de ação delituosa docondenado. Ora, se ele não voltou a delinqüir, pelo menos presumidamente,nesse período de cinco anos, o que poderá induzir ao convencimento de quevenha a fazê-lo agora? Na mínima dúvida é de ser impedida a sua segregação.

11. Logicamente, se o paciente for acusado de algum fato criminoso novo aí,então, será justificável seu encarceramento preventivo.

12. Por outro lado, de fuga não se haverá de cogitar em razão das penaspecuniárias impostas. Como bem salientado na inicial deste writ, transitada emjulgado a sentença condenatória, na forma do art. 51 do Código Penal, a penaem questão se transformará em dívida de valor, cabendo a inscrição em dívidaativa e cobrança pela Fazenda Nacional. Os bens do condenado, e não suapessoa, é que garantirão o cumprimento de tal sanção.

13. Os documentos de fls. 108 a 118 revelam que o paciente tem uma vidaorganizada em Caxias do Sul, com residência, propriedade imobiliária eprofissão definida.

14. Ordem concedida para que o paciente responda em liberdade o julgamentoda apelação interposta.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SétimaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder aordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendoparte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de agosto de 2001.

Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: Trata-se de processo dehabeas corpus contra decisão proferida pela MM. Juíza Federal da 3ª Vara deCaxias do Sul que, em sentença condenatória por crime de sonegação fiscal,acabou por determinar que o condenado deveria aguardar preso a apelação,determinando a expedição de mandado de prisão (o paciente respondera soltoo processo).

Esse mandado foi cumprido e impetrada a presente ordem, que foi despachada

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em plantão pelo MM. Juiz Vice-Presidente deste tribunal, negando a liminar, eapenas determinando que o preso fosse recolhido em local adequado, já que éadvogado.

Nos autos há prova da interposição da apelação (fls. 70/71).

Prestadas as informações.

A i. representante do MPF opina pela denegação da ordem (fl. 224).

Na sentença, constam os seguintes trechos que deram causa à impetração queora se julga (fl. 62):

“R. G. possui péssimos antecedentes criminais, já tendo sido condenado por dirigir semhabilitação e por estelionato e outras fraudes, constando ainda ao seu respeito inquéritopolicial e condenação por esta Vara Federal pelo mesmo delito (fls. 894-895 e 959-961). Aculpabilidade é intensa.”

Adiante (fl. 65/66):

“O Réu R. G. não poderá apelar em liberdade, dado o disposto no art. 594 do CPP, porquantonão é primário e tem péssimos antecedentes, assim reconhecido na sentença, exposto naanálise do artigo 59 do CP, devendo ser imediatamente recolhido à prisão para início documprimento da pena.

A jurisprudência pátria, na esteira da Súmula 09 do E. STJ, já decidiu que ‘a exigência de prisãoprovisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção do inocência’”.

Veja-se:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LIBERDADE PROVISÓRIA, INTELIGÊNCIA DO ARTIGO594 DO CPP. (...)

1. O art. 594 do CPP não vulnera o princípio constitucional da presunção de inocência. Além derelativa tal presunção, a Constituição Federal não presume a inocência do acusado de infraçãopenal; diz apenas que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado dasentença penal condenatória’ (art. 51, LXVII) e ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido,quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.’ (art. 5º, LXVI). Ou seja, admitea prisão provisória, salvo quando a lei possibilitar a liberdade provisória, com ou sem fiança. Eo art. 594 constitui a norma a que se refere o texto constitucional, na medida em que impõe asegregação do condenado que não seja primário e apresentar maus antecedentes, (...)’ (HC nº1997.04.43699-8/RS, Rel. Juíza Tania Escobar, 2ª T. do E. TRF da 4ª R.)

‘HABEAS CORPUS. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. ART. 594, CPP. MAUS ANTECEDENTESRECONHECIDOS NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. RÉU QUE OSTENTA CONDENAÇÃO ANTERIOR.

O benefício de que trata o art. 594 do CPP não alcança o paciente que possui maus

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antecedentes, proclamados no decreto condenatório, devendo recolher-se à prisão pararecolher. Súmula 9 do STJ.

Não é possuidor de bons antecedentes quem, embora tecnicamente primário, ostentacondenação anterior, revelando personalidade dirigida à atuação criminosa, impondo-se a suasubmissão à custódia cautelar.

Ordem denegada.' (HC nº 11061-SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T, unânime,17.12.99 - DJU, p. 390)

Ademais, verifico a presença dos requisitos para a decretação da prisão preventiva. Há provada existência dos crimes, bem assim sua autora foi reconhecida neste feito. Além disso,observe-se que o Réu já sofreu idêntica condenação por este mesmo Juízo, sendo igualmenteaplicada pena de multa de valor expressivo, ainda mais se considerarmos a pena de multa oraaplicada, avultando ainda mais tal valor, com o que entendo haver real possibilidade de o Réuintentar fuga, de modo a furtar-se à aplicação da lei penal.”

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: Estrutura-se o estado dedireito no Brasil basicamente pelo regramento instituído no art. 5º daConstituição Federal. Ali estão descritas as garantias e direitos individuais, queexpressam os valores básicos do povo brasileiro, o seu modo de vida, suascrenças, os limites impostos ao estado, a dimensão de tutela dos indivíduos.

Um dos principais direitos de viver é o de exercer a liberdade. E exatamentepor isso é que o direito penal é a ultima ratio no sentido de regular relaçõessociais.

O sistema constitucional brasileiro erige a liberdade provisória como princípioretor do processo penal. Com efeito, diz o inciso LXVI do art. 5º da CF 88:

“Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,com ou sem fiança.”

A regra, portanto, é de que o réu responderá solto à acusação posta na açãopenal, a não ser que a lei seja expressa no sentido de inviabilizar a concessãoda liberdade provisória (CF/88, art. 5º, inciso LXVI).

Observe-se que jamais poderia cogitar-se de um conteúdo de reprovação naprisão do acusado antes da decisão condenatória definitiva, ou seja, aquelasujeita a recurso sem efeito suspensivo e que, por isso mesmo, tem eficáciaimediata. A medida vulneraria frontalmente o princípio que faz presumir a

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inocência do denunciado e que vem disciplinado pelo inciso LVII do citado art.5º:

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penalcondenatória.”

Por tal modo, somente em casos excepcionais segrega-se o réu antes dacondenação definitiva. E a providência é cogitada também pela Carta Magnano inciso LXI do art. 5º:

“Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada deautoridade judiciária competente...”

Isso quer dizer que apenas com a finalidade de prevenção é que será viávelimpor a segregação durante o processamento da ação penal, o que poderáocorrer em um ou mais graus de jurisdição. Daí a validade da norma processualque prevê a prisão preventiva.

Dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal:

“A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordemeconômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal,quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

O conjunto normativo antes mencionado, no direito processual penal pátrio,leva a concluir que somente se justifica uma prisão provisória no transcorrer doprocesso, como tutela do interesse social. Ou seja, se o réu estiver solto poderávoltar a delinqüir, pondo em perigo a comunidade. Poderá, outrossim, reincidircausando gravame à economia . A simples presença do acusado, em ambos oscasos, causa uma ameaça à segurança pessoal da população ou da ordemeconômica. Logo, justificar-se-á a quebra do sistema da liberdade provisória.Ou, então, o denunciado pressiona testemunhas, peritos, ou influencia, dequalquer maneira, para que a prova não seja obtida para apurar-se a verdadereal nos autos do processo. E, ainda, deixa transparecer sua intenção de evadir-se, furtando-se do eventual efeito de uma sentença penal condenatória.Nesses dois últimos casos, tutela-se a integridade e a utilidade do processopenal. A segurança jurídica impõe que se apure a verdade sobre acriminalidade e que, efetivamente, se faça cumprir as penas impostas.

Sendo assim, é o pragmatismo que neutraliza o princípio da liberdadeprovisória. A necessidade, enfim, de manter-se a segurança social ou a dareação penal através da ação jurisdicional.

Tudo isso demonstra, repita-se, o caráter excepcional da prisão preventiva.

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Essa segregação poderá complementar a prisão em flagrante, mantendo-se asegregação. Poderá ser decidida na pendência da ação penal em primeiro graude jurisdição, normalmente relaxada no final da instrução quando decretadapor conveniência da instrução criminal. Poderá, ainda, ser determinada nasentença impedindo-se o apelo em liberdade e, por fim, será decretável nosegundo grau de jurisdição, ou mesmo em instância extraordinária ou especial.

O art. 594 do Código de Processo Penal dispõe:

“O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e debons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime deque se livre solto.”

Não há dúvida de que esse dispositivo convive com o sistema institucionalinaugurado em 1988. Entretanto, é forçoso que se faça uma interpretação paraadaptá-lo à nova sistemática, ou seja, de que o princípio é o da liberdadeprovisória.

Assim, somente a insegurança gerada pela presença do acusado no meio socialou a possível fuga do mesmo justificarão que a prevenção aconselhe oimediato recolhimento do condenado à prisão, aguardando a decisão dorecurso. Quer dizer, são os requisitos que fundamentam a prisão preventivaque haverão de estar presentes.

O reincidente ou o réu de passado comprometedor constituirão ameaça àconvivência ou, pela precariedade da vida pessoal e profissional, ou algumamanifestação comprovada, se poderá esperar que haja a fuga do distrito daculpa.

Somente nessas hipóteses é que será aplicável o art. 594 em referência.

Logo, a reincidência genérica não pode fundamentar, por si só, a decisão quenega o apelo em liberdade. Depende do tempo em que aconteceu e danatureza do crime antes praticado, que pode ter sido resultado de condiçõesde vida que nada mais influenciam na existência contemporânea docondenado. Da mesma forma quanto aos maus antecedentes. Fundamental é adúvida fundada de que o agente volte a praticar crimes ou venha a furtar-se àeficácia da decisão final.

Também aqui é inevitável concluir que a segregação tem que ser excepcional.Não basta que seja constatada pelas certidões de distribuição dosantecedentes, é preciso que se fundamente com convicção. Significa que não éo simples fato de ter perdido a primariedade ou ostentar antecedentes

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criminais que justificará a prisão para aguardar o julgamento do recurso.Indispensável que seja necessária a custódia a fim de resguardar a sociedadecontra a companhia perigosa do condenado, ou evitar a fuga provável domesmo.

Atente-se, no entanto, para a exceção representada pelos crimes hediondos(art. 2º, § 2º, da Lei 8.072, de 25.07.90), pelos delitos praticados emorganizações criminosas (art. 9º da Lei 9.034, de 03.05.95) e pelos crimes delavagem de dinheiro (art. 3º da Lei 9.613, de 03.03.98).

Diante dessas considerações, é preciso examinar a situação dos autos a fim deverificar-se se é caso de concessão do habeas corpus postulado.

Em primeiro lugar, condenação anterior e antiga por dirigir veículo semhabilitação é inábil para fazer correlação com posterior comportamentodelituoso contra o erário federal.

Em segundo lugar, a denúncia por estelionato na justiça estadual foi julgadaimprocedente, com base no inciso II do art. 386 do CPP, por sentença datadade 30 de julho de 2001 (fls. 178/198), tendo transitado em julgado em seguida(fl. 199). Os fatos imputados nesse processo datavam de maio de 1986.Processo em que haja absolvição não constitui antecedente para nenhumefeito.

Há dois inquéritos noticiados em certidão do distribuidor da justiça federal deCaxias do Sul (fl. 157). No entanto, não se sabe de que tratam nem a data dasituação fática que investigam.

A ação penal antecedente em que houve condenação à pena de multa, cujadecisão ainda não transitou em julgado, porque não há registro decondenações do paciente na justiça federal em Caxias do Sul (fl. 107), se referea fatos de 1990 a 1994.

Os fatos ocorridos e que deram motivo à condenação no processo em quehouve a decretação da prisão datam de 1992 a 1995.

Isso indica que nos últimos anos não há registro de ação delituosa docondenado.

Ora, se ele não voltou a delinqüir, pelo menos presumidamente, nesse períodode cinco anos, o que poderá induzir ao convencimento de que venha a fazê-loagora?

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Não estou suficientemente convencido de que o paciente constitua um perigopara a comunidade caxiense. E, na mínima dúvida, sinto-me obrigado a impedirsua segregação. Logicamente, se o paciente for acusado de algum fatocriminoso novo aí, então, será justificável seu encarceramento preventivo.

Por outro lado, de fuga não se haverá de cogitar em razão das penaspecuniárias impostas. Como bem salientado na inicial deste writ, transitada emjulgado a sentença condenatória, na forma do art. 51 do Código Penal, a penaem questão se transformará em dívida de valor, cabendo a inscrição em dívidaativa e cobrança pela Fazenda Nacional. Os bens do condenado, e não suapessoa, é que garantirão o cumprimento de tal sanção.

Ninguém desconhece que fugas eventuais possam esvaziar a ação da justiça,que não consegue executar as sentenças condenatórias. Todavia, também deciência comum que a existência dos fugitivos é uma terrível condição, tendohavido exemplos recentes de criminosos de colarinho branco que preferiramvoltar para o Brasil em vez de manter-se numa constante e inevitávelexistência sombria no exterior. Os documentos de fls.108 a 118 revelam que opaciente tem uma vida organizada em Caxias do Sul, com residência,propriedade imobiliária e profissão definida.

Compreensível a preocupação da jovem e competente magistrada queprolatou a decisão que ora revogo. Admiro-a muito e espero que nãodesestimule em sua ação que tem dignificado a justiça federal. Sem dúvida, énecessário despoluir a economia com uma rígida atuação no terreno dacriminalidade empresarial. Nas zonas cinzentas, todavia, são normais asdivergências de entendimento.

Em face do exposto, voto no sentido de conceder a ordem impetrada,determinando que o paciente responda em liberdade o julgamento da apelaçãointerposta.

HABEAS CORPUS Nº 2001.04.01.064806-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti

Impetrante: Carlos Eduardo Pinto Lamego

Impetrado: Juízo Federal da 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS

Paciente: A. L. (Réu Preso)

EMENTA

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Habeas Corpus – Prisão preventiva – Excesso de prazo.

A prisão preventiva só deve ser decretada quando absolutamente necessária.Ela é uma exceção à regra da liberdade. Não mais subsistentes os motivos quelevaram a sua decretação, como no presente caso, impõe-se que sejarevogada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a OitavaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, deferir aordem para que o paciente seja posto em liberdade, nos termos do relatório,voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.

Porto Alegre, 03 de setembro de 2001.

Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de habeas corpusvisando à liberdade do paciente que, nos termos da inicial, “não possuiantecedentes, não se trata de denunciado que represente perigo para o meiosocial,...é empresário, tem residência fixa, ...afamiliado, filho menor quenecessita do seu sustento, além de ser primário”.

Segundo o impetrante, “não se vislumbra motivos suficientes para que subsistaa custódia preventiva do paciente”, estando confinado há mais de 350 dias em“um Presídio superlotado, a maioria condenados pelos mais diversos crimes dealta periculosidade”, convívio este capaz de “gerar, com o tempo, traumasirrecuperáveis a qualquer cidadão - digno e afamiliado”. Além disso, afirma ainicial, “precisa trabalhar, administrar a sua empresa e ajudar no sustento desua família...não existindo qualquer perigo de fuga caso seja colocado emliberdade”; que dos dois processos a que responde juntamente com maisoutros sete (07) réus, somente o paciente permanece preso, tendo sidorevogadas as prisões também dos agentes da Polícia Federal e do advogadoTiago Loureiro; e que o paciente sempre colaborou com a Justiça, jamaisperturbando a colheita das provas. Por fim, que não pode ser debitado aoacusado o excesso de prazo da instrução do feito e que não foramdisponibilizados os CDs que contém as gravações telefônicas, além danecessidade de perícia nos HDs dos computadores.

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A liminar foi indeferida.

Nas informações, a autoridade coatora salienta que a alegada demora nojulgamento se deve, de um lado, à extrema complexidade do feito,originalmente com quinze réus, que, no decorrer da instrução foi sofrendocisões, exatamente para resguardar a celeridade processual, e de outro, àsinúmeras diligências requeridas pela defesa no transcurso da ação, além dogrande número de testemunhas arroladas, todas residentes fora da jurisdição.Informa, ainda, que o paciente responde a dois processos (nºs

2000.71.00.039010-4 e 2000.71.00.037905-4) sendo que, no primeiro, foidenunciado pela prática dos delitos de corrupção ativa (art. 333 do CP) equadrilha (art. 288 do CP), atuando em associação com Delegados e Agentes daPolícia Federal. No segundo, pesam-lhe as imputações de descaminho (art. 334do CP), sonegação fiscal (art. 1º, II e III, da Lei 8.137/90), evasão de divisas (art.22 da Lei 7.492/86) e lavagem de dinheiro (arts. 1º, V, VI, § 1º, I, § 2º, II e 4º daLei 9.613/98). O primeiro processo estava concluso para sentença, mas foibaixado para complementar diligência e o segundo, foi aberto o prazo para asalegações finais em 10.08.01.

A Procuradoria Regional da República opinou no sentido da denegação daordem impetrada, basicamente porque o paciente detinha intensa e efetivaparticipação na organização criminosa; o processo vem correndonormalmente; a demora na conclusão dos feitos deve ser debitadaexclusivamente à defesa do próprio paciente; não há falar em cerceamento dedefesa.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Não há falar emcerceamento de defesa quando o juiz oportunizou ao impetrante cópia detodos os documentos apreendidos pela Polícia Federal referentes ao réu e suaempresa (fl. 49). Da mesma forma, disponibilizado expressamente à defesa dopaciente o exame dos CDs que se encontravam no cartório da 3ª Vara Criminal,sendo que o réu desistiu da perícia nas gravações das interceptaçõestelefônicas em face do indeferimento na realização de perícia no chamado“Projeto Guardião”(fl. 345).

E quanto a alegação de que não teve nenhuma participação nos fatos descritosna denúncia, peço vênia para subscrever o bem lançado parecer da ilustreProcuradora Regional da República, Dra. Vera Maria Nunes Michels, in verbis:

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“...tal alegação não é possível de ser apreciada em sede de habeas corpus, em decorrência daevidente necessidade de exame de provas e circunstâncias fáticas, o que é vedado em sedemandamental... incabível em sede mandamental o exame de provas, a qual deverá seranalisada oportunamente durante a instrução da ação penal instaurada contra o paciente, atémesmo para não subtrair do Magistrado a quo a análise da prova carreada aos autos, comindevida supressão de instância”.

Por fim, embora não tenha havido alteração substancial das circunstâncias quedeterminaram a preventiva, nesta altura dos acontecimentos parece forçosoreconhecer a ocorrência de um fato novo, a meu ver extremamentesignificativo, que não pode deixar de ser levado em atenta consideração: é oencerramento da instrução processual, já concluída para todos os efeitospráticos, exceto em um dos processos, pois muito embora já estivesse conclusopara sentença, foi baixado para complementar diligência requerida cujoresultado levou mais de quatro meses para ser atendida – conforme notícia daprópria autoridade coatora nas informações prestadas.

Esse fato novo, insisto, obriga-me a dar tratamento também novo à questão dapreventiva porque, se é verdade, de um lado, que a formação da culpa noprocesso penal não está submetida a prazos rígidos, matemáticos, fatais,desajustados da realidade e das circunstâncias peculiares de cada casoconcreto – como tenho repetidamente assinalado – também não é menosverdade, de outro lado, que ninguém pode ser privado da sua liberdade ou deseus bens sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), cujo conceito implica,lógica e necessariamente, como é bem sabido, direito à “duração razoável doprocesso”, sem prejuízo do “contraditório e ampla defesa, com os meios erecursos a ela inerentes” (CF, art. 5º, LV).

Como escreveu José Rogério Cruz e Tucci, inclui-se na concepção do devidoprocesso legal o “direito do indiciado ou acusado de obter pronunciamentojudicial que ‘ponga término del modo más rápido posible a la situación deincertidumbre y de inegable restricción de la libertad que comporta elenjuiciamiento penal’” (Garantia do Processo sem Dilações Indevidas, emGarantias Constitucionais do Processo Civil, autoria coletiva, RT, p. 237).

É dizer: se todos têm direito a uma decisão em prazo razoável, sem dilaçõesindevidas, então ninguém pode ficar preso preventivamente por prazoindefinido, além de todos os limites aceitáveis – muito menos por haverexercido o seu direito de defesa, que, repito, há de ser amplo, com os meios erecursos a ele inerentes (CF, art. 5º, LV).

Com efeito, ainda que seja difícil precisar o alcance do direito a uma tutelajurisdicional tempestiva e pareça haver consenso no sentido de que devem ser

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consideradas as peculiaridades de cada caso concreto, valorizando-se acomplexidade do assunto, o comportamento das partes e a atuação do órgãojudicial, estou convencido de que, especialmente no processo penal, o ônus dademora não pode ser debitado ao réu quando esse, comportando-se demaneira diligente e adequada, nos limites da normalidade, faz por exercitarplenamente os poderes decorrentes do seu direito de defesa.

Daí por que, francamente, não posso concordar com a autoridade coatoraquando atribuiu ao paciente a “exclusiva responsabilidade” pela delongaprocessual resultante das diligências requeridas.

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“a prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (carcer ad poenam) – não objetivainfligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face daestrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário,instrumento destinado a atuar ‘em benefício da atividade desenvolvida no processopenal’ (Basileu Garcia, Comentários ao Código de Processo Penal, vol. III/7, item nº 1, 1945,Forense). Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a funçãoprocessual que lhe é inerente – não pode ser utilizado com o objetivo de promover aantecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender,subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento doprincípio da liberdade. Essa asserção permite compreender o rigor com que o SupremoTribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto datutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativada liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la ... O Supremo Tribunal Federaltem advertido, a esse propósito, que a natureza da infração penal não se revela circunstânciaapta, só por si, para justificar a privação cautelar do status libertatis daquele que sofre apersecução criminal instaurada pelo Estado. Esse entendimento vem sendo observado emsucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réuseja legalmente classificado como crime hediondo (HC 80.064-SP, Rel. p/o acórdão Min.Sepúlveda Pertence – RHC 71.954-PA, Min. Sepúlveda Pertence – RHC 79.200-BA, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, v.g.): ‘A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimeshediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem naturezacautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quandoa tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria quepara isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, doqual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentençapenal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).’ (RTJ 137/287, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). ‘Aacusação penal por crime hediondo não justifica a privação arbitrária da liberdade do réu. – Aprerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) –não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trata de pessoaacusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentençacondenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade doréu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.’ (HC 80.379-SP, Rel. Min. Celso de Mello) ... o clamor público não pode erigir-se em fator subordinante dadecretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu. A própria jurisprudência doSupremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventual

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indignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar, só por si, adecretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso. Bem por isso, jáse decidiu, nesta Suprema Corte, que ‘a repercussão do crime ou o clamor social não sãojustificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312do Código de Processo Penal...’ (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. Rafael Meyer). A prisãocautelar, em nosso sistema jurídico, não deve condicionar-se, no que concerne aospressupostos de sua decretabilidade, ao clamor emergente das ruas, sob pena de completa egrave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. Esse entendimento constitui diretrizprevalecente no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de umavez, já advertiu que a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não sequalificam como causas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infraçãopenal, não sendo licito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do quese contém no art. 323,V,. do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal(RT 598/417 - HC 71.289-RS, Rel. Min. Ilmar Galvão - HC 78.425-PI, Rel. Min. Néri da Silveira -RHC 64.420- RJ 9Rel. Min. Aldir Passarinho, v.g.): 'O clamor público não constitui fator delegitimação da privação cautelar da liberdade. – O estado de comoção social e de eventualindignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não podejustificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamentodelituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisãoprocessual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar daliberdade do indiciado ou do réu, não sendo licito pretender-se, nessa matéria, por incabível, aaplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, aotema da fiança criminal. Precedentes.'(HC 80.379-SP, Rel. Min. Celso de Mello).

Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcionalde privação cautelar da liberdade individual a alegação de que o réu, por dispor de privilegiadacondição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade dasinstituições. Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do SupremoTribunal Federal, que, acertadamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particularfundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu: 'I. A boa ou má situaçãoeconômica do acusado não basta por si só para alicerçar prisão preventiva, que não podebasear-se em meras presunções. II. Não serve a prisão preventiva – nem a Constituiçãopermitiria que para isso fosse utilizada – a punir sem processo, em atenção à gravidade docrime imputado, do qual, entretanto, ninguém será considerado culpado até o trânsito emjulgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). III. Motivar a prisão preventiva nobom relacionamento do acusado com pessoas gradas, que lhe atestam a honorabilidade éparadoxo que sugere abuso de poder.' (HC 72.368-DF, Rel. Min Sepúlveda Pertence).

De outro lado, o mero temor de fuga do paciente, quando não apontado fato concreto quejustifique a real possibilidade de sua ocorrência, não legitima o decreto de prisão preventiva,pois 'a custódia cautelar não pode se basear em conjecturas, mas na real necessidade deconstrição que justifique a excepcionalidade da medida' (RTJ 128/749, Rel. Min. FranciscoRezek). Por tal razão, esta Corte Suprema já deixou assentado que não constitui fundamentojuridicamente idôneo, por si só, para legitimar a privação cautelar da liberdade individual, ofato de o paciente dispor de facilidade de trânsito pelo território nacional e no exterior, eisque, sem a efetiva comprovação de que o acusado objetiva evadir-se do País, torna-seincabível a decretação de sua prisão preventiva: 'Por outro lado, não é tão-somente o poder demobilidade ou de trânsito pelos territórios nacional ou internacional que justifica a medidaconstritiva, mas, sim, a demonstração de que o acusado intenta promover sua fuga do distritoda culpa.' (HC 71.289-RS, Rel. Min. Ilmar Galvão).

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Por sua vez, a suposição de que o réu seria capaz de interferir nas provas e de influir emdepoimentos testemunhais, se mantido em liberdade, constitui, quando destituída de baseempírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdadeindividual. No caso presente, além de todas as testemunhas arroladas pela acusação já teremsido ouvidas em juízo não se apontou qualquer conduta, que, atribuída ao ora paciente,pudesse traduzir ato caracterizador de ilícita interferência na produção da prova penal. Supor-se que o ora paciente, em liberdade, poderia frustrar, ilicitamente, a regular instruçãoprocessual revela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar, se essaalegação – como ocorre na espécie dos autos – deixa de ser corroborada por necessária baseempírica, tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. Sepúlveda Pertence – HC 79.781-SP, Rel.Min. Sepúlveda Pertence, v.g.).

Em suma: ‘A prisão preventiva deve ser decretada, quando absolutamente necessária. Ela éuma exceção à regra da liberdade. Não mais subsistentes os motivos que levaram a suadecretação, como no caso concreto, impõe-se que seja revogada.’ (HC 80.282-SC, Rel. Min.Nelson Jobim)” (HC 80.719, Min. Celso de Melo).

“Prisão preventiva: fundamentação inadequada. Não constituem fundamentos idôneos, por sisós, à prisão preventiva: a) o chamado ‘clamor popular’ provocado pelo fato atribuído ao réu,mormente quando confundido, como é freqüente, com a sua repercussão nos veículos decomunicação de massa; b) a consideração de que, interrogado, o acusado não hajademonstrado ‘interesse em colaborar com a Justiça’ – ao indiciado não cabe o ônus decooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incriminar, que é tododos organismos estatais da repressão penal; c) a afirmação de ser o acusado capaz de interferirnas provas e influir em testemunhas, quando despida de qualquer base empírica; d) o subtrair-se o acusado, escondendo-se, ao cumprimento do decreto anterior de prisão processual” (STF,HC 79.781, 1ª Turma, Min. Pertence).

E, conforme expressamente apontado na denúncia, o paciente tem endereço“na rua Alan Kardec nº 138; ou rua Vinte de setembro, 1322; ou rua GeneralSampaio, 83, ap. 601, todos em Bagé/RS” – nada havendo de objetivo nosautos que justifique o temor de uma suposta fuga para o exterior, pois osimples fato de outros membros da quadrilha manterem negócios noestrangeiro – todos, aliás, em função dos próprios fatos delituosos pelos quaisestão respondendo –, ou mesmo pelo fato de o paciente residir na fronteira,não autoriza, por si só, a imaginar que o paciente possa, mais do que qualquerum dos demais, quase todos já soltos, aliás, comprometer a aplicação da leipenal.

Ressalvo, mais uma vez, que a situação que hoje se apresenta, conformeexaustivamente demonstrado, é bem diferente da que existia à época em queforam proferidas veneráveis decisões denegatórias dos pedidos de habeascorpus em favor dos réus: a necessidade da prisão preventiva evidentementenão pode ser considerada à luz dos mesmos parâmetros, antes e depois doencerramento da instrução – muito menos na perspectiva de prolongamentodo processo, após mais de um ano de segregação provisória.

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De qualquer forma, “o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr doprocesso, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novodecretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem” (CPP, art. 316).

Nessas condições, defiro a ordem impetrada para determinar a imediatalibertação do paciente.

É o voto.

REVISTA 42 > ACÓRDÃOS > DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.61322-7/RS 

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogada: Dra. Maria Helena Dias Michelon

Apelado: Ariel Roja Portes

Advogados: Drs. José Ricardo Caetano Costa e outro

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço. Acordo de previdênciaBrasil-Uruguai.

1. O Acordo de Previdência Social firmado entre os Governos de Brasil eUruguai em 27.01.78 e promulgado pelo Decreto nº 85.248/80 destina-se aintegrar a legislação previdenciária de cada Estado-Parte no que pertine àsprestações existentes em ambos, vale dizer, aposentadoria por idade, invalideze pensão por morte.

2. Ausente na avença previsão de concessão de aposentadoria por tempo deserviço, modalidade inexistente no vizinho país, não pode o tempo de serviçoexercido por cidadão uruguaio em sua terra natal ser somado ao períodolaborado no Brasil para fins de aposentação no Regime Geral de PrevidênciaSocial brasileira, dada a ausência de reciprocidade entre os dois sistemasprevidenciários quanto a esse benefício, o que acarretaria indevida oneraçãodaquele país, dado que a responsabilidade financeira, a teor do 8º, 1 e 2 doAcordo, fica a cargo de cada país proporcionalmente ao tempo cumprido em

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seu território e, sendo o tempo de atividade exercida no Uruguai inferior aoexigível pela respectiva legislação, faz com que lá ainda não gere direito algume, conseqüentemente, não acarrete desembolso algum aos cofres daPrevidência Social uruguaia.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas,decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto enotas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de dezembro de 2000.

Des. Federal Virgínia Scheibe, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Ariel Roja Portes, uruguaio,portador da CI de estrangeiro nº W 429061-9, ajuizou a presente ação contra oINSS objetivando a condenação do Instituto Previdenciário a conceder-lhe obenefício da Aposentadoria por tempo de serviço.

Argumenta que o INSS computou apenas o tempo de serviço trabalhado noBrasil (19 anos e 07 meses), deixando de computar 19 anos trabalhados noUruguai, em afronta ao Acordo de Previdência Social Brasil-Uruguai,promulgado pelo Decreto nº 85.248, de 13.10.80.

Contestada a ação, sobreveio a sentença de fls. 68/69, condenando o INSS aconceder ao autor o benefício da aposentadoria por tempo de serviço a partirda data do requerimento administrativo.

Daí o apelo do INSS, sustentando que o autor trabalhou no Uruguai de06.03.53 até 1972, como peão, e no Brasil de 04.07.72 a 15.04.75 e de 15.07.77até 1994, o que evidencia que deixou de contribuir para os cofresprevidenciários no período de 16.04.75 a 14.07.77, perdendo a qualidade desegurado, não possuindo, portanto, o período de carência exigido para suainativação, já que este se reiniciou com a nova filiação do autor ao RegimeGeral da Previdência em 15.07.77.

Assevera que o art. 1º do Acordo de Previdência Brasil-Uruguai explicita quesomente teria validade relativamente às prestações existentes em ambos ospaíses, e que o art. 22 do referido acordo dispôs que sua aplicação dar-se-ia

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por Ajuste Administrativo (publicado no Diário Oficial da União, Seção I, de15.10.80, págs. 20.610/13) determinando que os benefícios a que teriamdireito os trabalhadores uruguaios no Brasil, e vice-versa, são: aposentadoriapor idade, aposentadoria por invalidez e pensão, o que se pode comprovar,também, pelos espaços do formulário UB-3 destinados à consignação dosdados do interessado e preenchidos pelo Autor, inexistindo, pois, previsão paraaposentadoria por tempo de serviço. Diz, também, que esses benefícios serãopagos proporcionalmente ao tempo de contribuição em cada Estado Gestor(art. 7º do Ajuste Administrativo).

Insurge-se, ainda quanto ao termo inicial do benefício, pretendendo seja fixadona data do ajuizamento da ação; contra o critério utilizado para a correçãomonetária, pretendendo a aplicação da Súmula 148 do Egrégio STJ; pugna pelaincidência da Lei 6.899/81 apenas a contar do ajuizamento da ação e,finalmente, volta-se contra o tópico da sentença que dispôs sobre os juros demora, entendendo devam incidir apenas a contar da citação.

Sem contra-razões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

Dispensada a revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Trata-se de decidir-se se é possívelcomputar tempo de serviço exercido no Uruguai, por cidadão uruguaio, parafins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço no Brasil, recusando-se a Autarquia a tal cômputo.

A matéria vem disciplinada no Acordo de Previdência Social firmado entre oGoverno da República Federativa do Brasil e o Governo da República Orientaldo Uruguai, celebrado em Montevidéu, a 27.01.78, e promulgado pelo Decretonº 85.248, de 13.10.80.

Pela letra do art. 1º daquela avença, que teve origem no Tratado da Amizade,Cooperação e Comércio firmado entre os dois países em 12.06.75, será amesma aplicada à legislação de previdência social referente às prestaçõesexistentes em ambos, na forma, condições e extensão no Acordo estabelecidas,sendo que a execução do mesmo far-se-á conforme se dispuser nos AjustesAdministrativos destinados a complementá-lo.

Já, na dicção do art. 3º da mesma avença:

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“ART. 3º

1. O presente Acordo se aplicará, igualmente, aos trabalhadores uruguaios no Brasil e aostrabalhadores brasileiros no Uruguai, os quais terão os mesmos direitos e as mesmasobrigações dos nacionais do Estado Contratante em cujo território residam.

2. O presente Acordo se aplicará, também, aos trabalhadores de qualquer outra nacionalidadeque prestem ou tenham prestado serviços no Brasil ou no Uruguai, quando residam em um dosEstados Contratantes.”

Posto tal panorama legal internalizado pela via da ratificação acima referida,vale referir que foi o mesmo complementado por Ajuste Administrativofirmado pelos Estados-Parte em 11 de setembro de 1980. A Parte II do referidoajuste, ao regrar os procedimentos a serem adotados, é específico em relaçãoa versar sobre prestações por velhice, invalidez e morte, além de casos denatalidade e enfermidade.

De tal contexto, deflui que a avença internacional, a ser interpretada peloconjunto das normas que compõem o texto do próprio acordo e também dosajustes administrativos baixados visando sua regulamentação, destina-se aintegrar a legislação previdenciária de cada Estado-Parte, no que pertine àsprestações existentes em ambos, vale dizer, não tem aplicação no que pertinea benefícios que sejam estranhos a um deles.

No caso em tela, a pretensão do obreiro é alcançar aposentadoria por tempode serviço, modalidade de aposentação que, como bem sustenta o Instituto,inexiste na vizinha República Uruguaia. Efetivamente, na conformidade da Lei16.713 (Ley de Seguridad Social) daquele país, a aposentação poderá sercomum, por incapacidade total ou por idade avançada. Para a primeira, seexigem que o trabalhador conte com sessenta (60) anos de idade e com ummínimo de trinta e cinco (35) anos de atividade.

Portanto, diferentemente do sistema brasileiro, o trabalhador, no Uruguai, nãose aposenta apenas por ter completado um dado tempo de serviço, masporque, tendo-o completado, conta também com a idade legalmente previstapara auferir o benefício. Diga-se de passagem que o sistema já assim dispunhaantes da lei mencionada.

Nesta circunstância já de logo se vê que desamparada a pretensão vestibular.Todavia, é necessário que se entenda a razão da restrição e se a confirme pelavia da análise sistemática do Acordo. Prossigo, pois.

No caso concreto, pelo documento de fls. 8 verifica-se que o Autor, nascido a14.01.34, contava com 60 anos completos de idade quando requereu o

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benefício, em setembro de 1994. Já pelos documentos anexados à inicial e emnenhum momento contraditados, comprova 21 anos, 10 meses e 4 dias deatividade no Brasil e 19 anos e dois meses (06.03.53 a maio/72) de atividadesno Uruguai, totalizando mais de 41 anos de tempo de serviço.

Embora seja possível, em tese, fazer a totalização mencionada, e isto estágarantido pelo art. 7º, 1, do Acordo, esta será efetuada na conformidade doart. 8º, 1 e 2, de seguinte letra:

“ART. 8º

1. Cada Entidade Gestora determinará, de acordo com a sua própria legislação e com base nototal dos períodos cumpridos em ambos os Estados Contratantes, se o interessado reúne ascondições necessárias para a concessão de prestação.

2. Em caso afirmativo, determinará o valor da prestação como se todos os períodos tivessemsido cumpridos sob a sua própria legislação e calculará a parcela a seu cargo, na proporção dosperíodos cumpridos exclusivamente sob essa legislação.” (grifei)

Assim, resta clara a razão da reciprocidade exigida no já transcrito art. 1º daAvença, quando declara que seu objeto são prestações relativas a benefíciosexistentes em ambos os Estados-Parte, vale dizer, no caso de totalização, oEstado concedente pagará o benefício com sua moeda corrente, mas suaresponsabilidade financeira é proporcional ao tempo cumprido em seuterritório, cabendo-lhe reembolsar-se junto ao outro, quanto ao tempo lácumprido.

Ora, se o tempo de serviço prestado pelo Apelado no Uruguai não o habilita,isoladamente, a lá pleitear a aposentadoria comum, não pode ser somadoàquele que exerceu no Brasil para fins de concessão de aposentadoria portempo de serviço porque haveria indevida oneração daquele país, emdetrimento dos termos do Acordo, que, no ponto, é bastante restritivo, aoexigir a reciprocidade já apontada. É que está na base de ambos os sistemas,tanto o brasileiro como o uruguaio, o regime contributivo-retributivo e, sendoo tempo de atividade exercida no Uruguai inferior ao exigível pela legislaçãouruguaia faz com que lá ainda não gere direito algum e, conseqüentemente,não acarrete desembolso algum aos cofres da Previdência, que restariaonerada indevidamente pela totalização pretendida. Assim, força é convir quea Previdência Social uruguaia poderia sustentar, com validade, que a avençanão se aplica ao caso concreto, recusando-se a aplicá-la e assumir sua parte naresponsabilidade financeira pela aposentação, que, pelo regulamento geral daPrevidência Social brasileira, também não poderia ser concedida.

Assim, dou provimento ao apelo para julgar improcedente a ação.

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Sucumbente, arcará o Autor com honorários advocatícios que fixo em 10%sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade por litigar aoamparo do benefício da Assistência Judiciária Gratuita.

É o voto.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 97.04.01878-9/SC

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe

Revisor: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas

Embargante: Terezinha de Jesus de Liz

Advogado: Dr. Luiz Assunção Vieira Valente

Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogados: Drs. Marcia Ximenes de Melo Malinverni e outro

EMENTA

Previdenciário. Embargos infringentes. Pensão por morte de companheiro.Bóia-fria.

Dada a informalidade com que é exercida a profissão, a precariedade do modusvivendi e a dificuldade da respectiva prova, a exigência da apresentação deinício de prova material para o efeito de comprovação de convivência moreuxorio com aparência de casamento destinado à obtenção de pensão pormorte do companheiro deve ser interpretada com temperamento, sob pena deinviabilizar a tal categoria o direito ao benefício previdenciário.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aTerceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar provimento aos embargos, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de abril de 2001.

Des. Federal Virgínia Scheibe, Relatora.

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RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des.Federal Virgínia Scheibe: Trata-se de embargos infringentesopostos contra acórdão da Egrégia 6ª Turma desta Corte, o qual acolheuapelação interposta pela Autarquia Previdenciária e julgou improcedente açãoque visa à concessão de benefício de pensão por morte de companheiro (óbitoem 26.11.93), aposentado por idade como agricultor, ao argumento de queausente início de prova material, tornando insubsistente a prova testemunhalproduzida.

O voto condutor do acórdão, da lavra do Eminente Juiz Nylson Paim de Abreu,decidiu nos seguintes termos:

“Se a dependência econômica da companheira é presumida, não precisa ser provada.

Para a concessão do benefício resta, portanto, apenas a necessidade de comprovação daconvivência more uxorio com o falecido.

Entretanto, verifica-se que esta condição não foi comprovada. A Autora, embora a provatestemunhal colhida na audiência de instrução e julgamento ateste que a referida união semanteve por mais de vinte anos, não conseguiu apresentar uma única prova documental, nãose prestando, para esse fim, a fotografia da fl. 08.

Destarte, estando ausente início razoável de prova documental que comprovaria a condição decompanheira da Autora, elemento indispensável para a concessão do benefício pleiteado, nãohá como dar guarida à sua pretensão.

Nesse sentido, colaciona-se a seguinte decisão do Colendo STJ:

(...) omissis.

Dessa forma, não há como não reconhecer a vida em comum entre a autora e o seguradofalecido. (sic)

Nessas condições, voto no sentido de dar provimento à apelação para julgar improcedente opedido. Invertidos os ônus da sucumbência, fixados os honorários advocatícios em 10% sobre ovalor atualizado da causa, cuja execução fica suspensa, a teor do disposto no art. 12 da Lei nº1.060/50.”

A Embargante pretende a prevalência do douto voto vencido, proferido peloEminente Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon, in verbis:

“Com a devida vênia do ilustre Relator, ouso divergir da solução emprestada aos autos.Entendo que a prova exclusivamente testemunhal é suficiente para a comprovação daconvivência more uxorio entre companheiros. A 5ª Turma deste Tribunal já firmou posiçãoneste sentido, de que é exemplo o seguinte aresto:

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(...) omissis.

Do depoimento das testemunhas extraem-se os seguintes excertos:

(...) omissis.

Não se pode exigir que pessoas extremamente pobres, que já residiram até mesmo embaixode uma ponte, tenham documentos comprobatórios de sua união. O julgador deve semprevoltar os olhos para a realidade social, principalmente no ramo do Direito da Seguridade,apreciando as provas de acordo com o princípio do livre convencimento.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação."

Aduz a embargante ser pessoa simples do campo, sem maiores conhecimentose que não cuidou de juntar documentos que pudessem agora lhe ampararjudicialmente, até porque pouco ou nada possuía, o que se refletia na vida quelevava com seu companheiro.

Não houve impugnação aos embargos.

É o relatório.

À douta revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Pretende a Autora, ora embargante,prevaleça o douto voto vencido, da lavra do Eminente Juiz Luiz Carlos de CastroLugon, o qual confirmou sentença de procedência que condenou o INSS aconceder em favor da Autora pensão por morte de companheiro.

Alega a Autora que viveu em união estável com Elizário de Almeida por mais devinte anos, até a data do óbito, pleiteando em face disso a concessão depensão por morte na qualidade de dependente, a teor da Lei 8.213/91, art. 16,inciso I. Considerando que nos termos do § 4º desse dispositivo legal adependência econômica em relação ao de cujus é presumida e confirmada acondição de segurado deste, através do recibo de pagamento de benefício defl. 08 (espécie 07), resta perquirir sobre a existência da alegada convivênciamore uxorio com aparência de casamento.

A Autora traz aos autos apenas um documento, a foto de fl. 08, onde apareceao lado de Elizário, tendo ao fundo a casinha onde alegadamente viviam,esclarecendo que tanto ela como o de cujus tratavam-se de pessoasextremamente humildes e pobres que não dispunham de documentos por

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escrito. Também não tiveram prole em comum. Assim, pretende demonstrar oalegado através da produção de prova testemunhal.

O douto voto vencido, da lavra do Eminente Juiz Nylson Paim de Abreu,estribou-se precisamente na falta de documentos para justificar a tese de queausente início razoável de prova material, não se prestando para esse fim aindigitada foto, não sendo possível a concessão do benefício lastreadounicamente na prova testemunhal produzida.

Data maxima venia, ouso discordar de tal entendimento, pelo menos no casoem tela. Também eu entendo que, via de regra, a prova testemunhal, por si só,é insuficiente para comprovar união estável com aparência de casamento, parafins de obtenção de benefício previdenciário. Todavia, há casos em que o rigorna análise da prova deve ceder passo em favor das condições especialíssimasdos indivíduos envolvidos. Em casos tais como o da Autora, a condição deextrema miserabilidade, quase miséria absoluta, aliada ao fato de que otrabalho desenvolvido tanto por ela como o de cujus sempre o foi na condiçãode diarista, conforme atestam os depoimentos prestados, faz com que sejapraticamente impossível a apresentação de documentos escritos, visto que,quase à margem da sociedade, tais documentos nunca lhes chegam às mãos,pois não pagam conta de luz, não dispõem de telefone, não possuem título depropriedade e, se pagam aluguel, isso se dá, via de regra, de modoabsolutamente informal, bem como as compras que fazem no comércio emgeral, geralmente pagas em espécie.

Milita em favor da Embargante, ainda, a condição de analfabeta (verificávelpela aposição de impressão digital no instrumento procuratório de fl. 04) e detrabalhadora rural na qualidade de diarista (bóia-fria), não-rechaçada pelaAutarquia. Em casos análogos, onde o que se busca é o reconhecimento dotrabalho agrícola com vista à obtenção de aposentadoria rural por idade já sepronunciou o Egrégio STJ, dispensando a necessidade de início de provamaterial e aceitando como suficiente a prova testemunhal produzida, ante anotória dificuldade dos trabalhadores rurais, nessas condições, reuniremdocumentação probante, por vezes jamais produzida ao longo de suas vidas, aexigir o abrandamento da análise da prova para efeito de concessão debenefício previdenciário.

Penso que também em tema de comprovação de convivência more uxorioentre diaristas da área rural é possível a utilização do mesmo entendimento,dada a informalidade com que é exercida a profissão, a precariedade do modusvivendi e a dificuldade da respectiva produção de provas.

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Sensibilizou-me, particularmente, a leitura de voto proferido pelo EminenteMinistro Luiz Vicente Cernicchiaro por ocasião do julgamento do RecursoEspecial nº 72.216-SP, em 19.11.95, publicado no DJU de 27.11 do mesmo ano,às páginas 40.935/6, cuja ementa ora transcrevo:

“RESP. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROVA. LEI Nº 8.213/91 (ART. 55, § 3º). DECRETONº 611/92 (ARTS. 60 E 61). INCONSTITUCIONALIDADE. O Poder Judiciário só se justifica se visarà verdade real. Corolário do princípio moderno de acesso ao judiciário, qualquer meio de provaé útil, salvo se receber o repúdio do Direito. A prova testemunhal é admitida. Não pode, porisso, ainda que a lei o faça, ser excluída, notadamente quando for a única hábil a evidenciar ofato. Os negócios de vulto, de regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geralquando os contratantes são pessoas simples, não afeitas às formalidades do Direito. Talacontece com os chamados ‘bóias-frias’, muitas vezes impossibilitados, dada à situaçãoeconômica, de impor o registro em carteira. Impor outro meio de prova, quando a única for atestemunhal, restringir-se-á a busca da verdade real, o que não é inerente do Direito Justo.Evidente a inconstitucionalidade da Lei nº 8.213/91 (art. 55, § 3º) e do Decreto nº 611/92 (arts.60 e 61).”

No corpo do já mencionado voto, manifesta-se assim o insigne magistrado:

“O Poder Judiciário só se justifica se visar à verdade real. Cumpre sejam postergadas atividadesque se escudam em dados meramente formais.

Esta observação se presta ao julgamento da hipótese sub judice, no particular da extensão dosefeitos da prova testemunhal.

Corolário do princípio moderno do acesso ao Judiciário, qualquer meio de prova é útil.Evidente, por razões lógicas, se por sua estrutura, ou circunstâncias, receber o repúdio dopróprio Direito.

Sempre entendi, e já manifestei, em julgamentos anteriores, minhas dúvidas quanto àconstitucionalidade do então art. 141, caput, do Código Civil que limitava a eficácia da provaexclusivamente testemunhal a contratos cujo valor não excedesse o décuplo do maior saláriomínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Esse dispositivo reeditara roteiroda redação inicial do Código, alterando, como fizeram, antes, outras leis, apenas o valor daavença.

A prova testemunhal é admitida pelo Direito. Não pode, por isso, ainda que a lei o faça, serexcluída, notadamente quando for o único hábil a evidenciar o fato.

Observe-se, como regra geral, negócios de vulto são reduzidos a escrito. Outra, porém, é aregra geral quando os contratantes são pessoas simples, não afeitas às formalidades doDireito.

O caso dos autos envolve trabalhador rural, o chamado ‘bóia-fria’. Seria inócuo deixar deconferir-lhe os meios lícitos para fazer a prova do trabalho. Estar-se-ia restringindo a busca daverdade real, o que é inerente o Direito Justo.

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Em sendo assim, a Lei nº 8.213, de 24.07.91, art. 55, § 3º e o Decreto nº 611, de 21.07.92, arts.60 e 61 contrastam com o princípio constitucional - realização da justiça, como valor supremo.Evidenciam, pois, carência de eficácia.”

E mais adiante, ainda no mesmo voto, menciona anterior pronunciamento seu,por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 41.110, relator Ministro JoséDantas, do qual destaco os seguintes trechos:

“Urge considerar, fundamentalmente, três princípios constantes da Constituição: princípio deacesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV), princípio da verdade real (art. 5º, LVI) e o princípio daprodução das provas (art. 5º, LV).

(...)

“O princípio da verdade real, por seu turno, garante, do ponto de vista substancial, a exaustãoda atividade jurisdicional, ou seja, confere tanto ao autor como ao réu, o direito dedemonstrar, às inteiras, as respectivas pretensões deduzidas em juízo.

Demonstrar a verdade real é projetar o fato (alegado ou negado) da experiência jurídica.

O autor e o réu (sentido amplo do termo para alcançar qualquer espécie de postulante e aquem se postula) têm direito de demonstrar o que afirmam. Processualmente, ressaltam-sedois princípios: contraditório e ampla defesa.

A propósito, mais uma vez, invoque-se a Constituição. Ao conferir o acesso ao Judiciário,lógico, enseja comprovar as alegações. Valho-me de redação categórica: ‘são inadmissíveis, noprocesso as provas obtidas por meios ilícitos’ (art. 5º, LVI). Logo, a conclusão é evidente:podem ser utilizados todos os meios de prova, desde que não sejam ilícitas, isto é,contrastantes com os princípios de Direito. E mais. Ilicitude de prova não se confunde(identifica) com delimitação de prova.

Constitucionalmente, todos os meios de prova são admitidos. A dicção da Lei Maior não deixadúvida alguma. A constituição proíbe, isso sim, as provas obtidas por meios ilícitos.

O meio de prova se distingue da maneira de obtenção da prova.

Em sendo assim, a legislação ordinária não pode fazer nenhuma restrição a meios de prova.Deverá, em conseqüência, para ajustar-se à norma fundamental, coibir os procedimentosilícitos de sua obtenção e proclamar, para fim meramente declaratório, a inexistência dequalquer efeito probante.

Todos os meios de prova, insista-se, são lícitos. A vedação é restrita à obtenção da prova pormeios ilícitos.’

(...)

‘As considerações expostas, data venia, conduzem a um só resultado. O art. 55, § 3º, da Lei8.213/91 colide com os princípios constitucionais. Estabelece restrição a meio de prova.

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Dessa forma, tenho, incidenter tantum, como inconstitucional (sem fazer a distinção elaboradapelo Supremo Tribunal Federal se a lei ordinária é anterior ou posterior à Constituição). Emconseqüência, deixo de aplicá-la. E mais. Na interpretação jurídica, não se pode olvidar a suarepercussão social.

O “bóia-fria”, fato notório, é um pária jurídico. Não tem acesso à casa própria, a automóvel, àfarmácia, à escola, a emprego estável, ao supermercado. Fica, sem dúvida, à margem dasociedade. Em se conferindo interpretação literal ao referido art. 55, negar-se-lhe-á acesso atéà previdência social, substancialmente voltada para as classes menos favorecidas.

Assim, desconsidero a cláusula – ‘não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal’.

Concluo, pois, por negar provimento aos Embargos de Divergência”.

No caso concreto, embora o casal residisse na comunidade de Painel e não naárea rural, é de ver-se que a casa situava-se nos limites da localidade, comoaliás se pode constatar pela foto de fl. 08, e os depoimentos são uníssonos emqualificar o trabalho exercido por ambos como agrícola, além do fato de que ode cujus era detentor de aposentadoria por idade rural.

Nessa linha de entendimento, vou aos testemunhos colhidos e deles extraio aconvicção de que restou demonstrada a convivência more uxorio comaparência de casamento entre a Autora e o de cujus. Veja-se, primeiramente, odepoimento pessoal da Autora (fl. 19):

“... que viveu como se casada fosse com Elizário de Almeida, durante sete anos; que Elizárionão casou com a declarante porque ele tinha se casado anteriormente com outra mulher, denome Ani; que quando passou a conviver maritalmente com Elizário, o mesmo já eraaposentado... que não sabe onde reside Ani, porém seus familiares residem nesta cidade; queElizário tinha filhos com a outra mulher e todos são crescidos e nenhum pequeno; que os filhoscostumavam procurar o sr. Elizário; que Elizário era casado só pelo padre e não no cartório;que apresentada à declarante a foto acostada a fl. 08 dos autos, a mesma reconheceu comosendo o local onde trabalhava e onde morava, e a pessoa que estava ao seu lado era o Sr.Elizário; que requereu junto ao INSS local algum benefício, porém nada recebeu; que Elizárioera paralítico e para sair de casa precisava de ajuda da declarante.”

A irmã de Elizário, Maria de Lourdes Ribeiro, presta os seguintesesclarecimentos (fl. 20):

“... que Elizário teve uma primeira mulher chamada Dedeza, com quem teve um filho criadopela declarante, de nome José de Almeida Ribeiro, que vive hoje em Porto Alegre/RS; quedesconhece se Elizário tinha outros filhos, que a Autora conviveu maritalmente com Elizáriopor 23 anos; que não sabe informar se alguma vez Elizário casou; que Elizário não teve filhoscom a autora; que Elizário era aposentado por velhice; que não conhece a pessoa referenciadacomo Ani; que o filho de nome José Raul estaria hoje com quase 40 anos de idade e seencontra residindo em Porto Alegre; que o referenciado José Raul foi criado e registrado comofilho da declarante, e não tinha registro civil; que reconhece a fotografia de fls. 08 como sendo

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a morada de seu irmão e da autora; que mensalmente se dirigia a residência da autora e seuirmão em Painel há uns 15 anos; que anteriormente seu irmão e a autora residiram na árearural do município de Casa de Pedra, interior de Bocaina do Sul; que entregou para a autora euma irmã dessa todos os papéis relativos a seu irmão sabendo que foram elas que foram aoINPS; segundo a autora e sua irmã não conseguiram nada.”

Pelo depoimento da autora e da irmã do de cujus facilmente se depreende ograu de miserabilidade das pessoas envolvidas, bem como seu baixo nível deinstrução, vivendo de forma precária onde, até o filho, segundo afirma a irmã,sequer tinha registro civil e foi informalmente adotado e criado como se fosseseu, provavelmente por o pai não ter condições de fazê-lo. Sequer se sabe bemquem era a mãe e em que termos viveu, no passado, com Elizário, havendoapenas a afirmação de que com o mesmo era casada, mas apenas “pelopadre”.

Os testemunhos de Mario Bunn (fl. 21) e Francisco Sutil de Liz (fl. 22) lançammais luzes sobre a questão, trazendo maiores detalhes da convivência entre osdois, bem como de sua condição econômica e social. Afirma Mário “que residepróximo ao local onde a autora morava com a pessoa conhecida como ‘Zairo’,provavelmente Elizário; que o depoente é um cursilista e um grupo decursilistas foi quem construiu a casa onde moravam a autora e o sr. Elizário, hácerca de 16 a 17 anos; que a autora e sr. Elizário antes de irem morar nestacasa, viviam em casa de pessoas que lhes davam abrigo, de baixo da ponte ejunto à igreja; que antes da construção da casa a autora e sr. Elizário jáestavam no Painel juntos há seis anos, pois assim chegaram no local; que nãosabe informar se a autora e Elizário eram casados; que a autora e sr. Elizárionão tiveram filhos; que o sr. Elizário era uma pessoa muito doente comdificuldades de locomoção e aproximadamente 4 a 5 anos antes de morrer jáera cego” (grifei). Veja-se que o depoimento do depoente é valioso e preciso,de pessoa que morava próximo ao casal e, na condição de cursilista ligado àsatividades religiosas locais, participou do grupo que resolveu auxiliar a autora eElizário, construindo-lhe uma casinha, pois antes moravam de favor e até “debaixo da ponte e junto à igreja”, tal a condição de miserabilidade de ambos.Ademais, o depoente Mário vai além e, “mostrada a foto constante de fls. 08,ao depoente, o mesmo a reconheceu como sendo a casa construída pelodepoente e outros cursilistas, e à frente, estando a autora e sr. Elizário; quepode informar que a foto tem aprox. 15 anos, porque verifica que as telhasainda estavam boas” (grifei).

Também Francisco Sutil de Liz, já mencionado, traz precisos esclarecimentos(fl. 22), afirmando que:

“até hoje reside em Painel e é natural daquele local; que aprox. de 20 a 23 anos conheceu aautora e o sr. Elizário juntos; que aquela época a autora e sr. Elizário não tinham onde morar e

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viviam de ajuda das pessoas, até que a comunidade se reuniu e construiu uma casinha, que atéhoje existe e a deu ao sr. Elizário e a autora e que esta casinha também foi construída com aajuda do depoente; que a autora e o sr. Elizário trabalhavam somente na lavoura; que logoElizário foi ficando doente, velho e acabou cego, sendo puxado pela mão da autora; quesobreviviam do que plantavam e do que ganhavam dos vizinhos e posteriormente acabou seaposentando; que naquela época tomou conhecimento que o sr. Elizário teria outros filhos,porém nada foi comprovado; que apresentada a foto acostada a fls. 08, reconhece que nelaconsta a frente a autora e o sr. Elizário e atrás a casinha construída pela comunidade; que pelomenos a foto apresentada e acostada a fls. 08 tem 10 anos; que nunca viu a foto que lhe foiapresentada nos autos; que reconhece que no verso da foto continha a dedicatória das irmãssalvatorianas, das quais conheceu Elidia e Zélia e consta também a data de 17.12.86...; que aautora e o sr. Elizário faziam compras no armazém do sr. Orion Arruda, quando recebia aaposentadoria e ultimamente somente a autora ia lá em decorrência da dificuldade delocomoção do sr. Elizário” (grifei).

Novamente, o depoimento de alguém muito próximo, que conhecia bem aautora e o de cujus e que também participou do esforço comunitário queresultou na construção da mencionada casinha, pondo fim ao tempo em que“não tinham onde morar e viviam da ajuda das pessoas”.

O depoimento de Francisco faz alusão à mensagem deixada no verso da fotode fl. 08, escrita por duas irmãs salvatorianas, e pela leitura da mesma tambémse pode chegar à conclusão de que aquela foto não é documento desprezível,configurando verdadeiro início de prova material, face à extrema concordânciae sincronia dos elementos que apresenta com os depoimentos tomados emjuízo. Eis o teor, redigido em letra cursiva e bem alinhada, já algo apagada pelaação do tempo:

“Painel, 17.12.86.

Querido casal, Lizário e Tereza

Uma lembrança para vocês no meio das nossas ervilhas.

Boas Festas e um Ano Novo com muita Paz e Prosperidade.

Com carinho das Irmãs Salvatorianas, Irmãs ..., Elídia e Zélia.”

De ressaltar, mais uma vez, a perfeita harmonia entre os elementos que a fotonos traz, juntamente com sua dedicatória, e os testemunhos prestados, sendoimportante referir que Francisco (fl. 22) é expresso em afirmar ter conhecidoduas das três irmãs que assinam a mensagem e que duas das testemunhasparticiparam diretamente da construção da casinha doada, vivendo próximos àautora e ao de cujus e trazendo detalhes do modus vivendi de ambos, antes edepois de receberem o local para morar. De notar-se, ainda, que a testemunhaFrancisco afirma que ambos trabalhavam na lavoura e também no próprio local

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onde passaram a residir, esta última assertiva podendo ser confirmada pelaalusão carinhosa que as irmãs fazem, na dedicatória no verso da foto, às“nossas ervilhas”. E, confrontadas com a fotografia, as testemunhas nãotiveram dúvidas para afirmar que se tratava do local construído por elas e queas pessoas ali presentes são a autora e o de cujus.

Vê-se, pois, que a despeito de constituir-se em um único documento afotografia de fl. 08 nos traz elementos importantes para a formação daconvicção de que existia, de fato, a convivência more uxorio alegada, havendoperfeita consonância entre os fatos narrados na inicial, os depoimentostomados e a mensagem deixada no verso da foto. Salvo melhor juízo econsiderando o estado de miserabilidade do casal, sobejamente caracterizadonos depoimentos prestados, mais não se pode exigir, sob pena de obstar aprestação jurisdicional ao hipossuficiente.

Ante o acima exposto e pedindo vênia aos Eminentes Juízes Nylson Paim deAbreu e João Surreaux Chagas, dou provimento aos embargos para queprevaleça o douto voto vencido, da lavra do Eminente Juiz Luiz Carlos de CastroLugon, o qual nega provimento ao apelo da Autarquia.

É o voto.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1999.04.01.024704-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - Inss

Advogado: Dr. Clovis Juarez Kemmerich

Embargado: Orlando Locatelli

Advogado: Dr. Ney Santos Arruda

ementa

Previdenciário. Auxílio-doença concedido na via judicial. Cancelamento. Aindaque o auxílio-doença tenha sido concedido por sentença, a Previdência Socialpode cancelar administrativamente o benefício quando apurar que o seguradorecuperou a capacidade para o trabalho, consoante determina o art. 71 da Lei8.212/91. Admitir-se que o INSS somente poderia sustar o benefício depois doreconhecimento judicial da recuperação da capacidade do segurado seria dartratamento diferenciado ao segurado em detrimento dos demais, que

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receberam o benefício através da via administrativa. Ademais, teria o risco deproporcionar um enriquecimento sem causa ao segurado, caso venha a serreconhecida judicialmente a cessação da incapacidade depois de longatramitação do processo. Além disso, estimularia indevidamente o segurado aingressar diretamente com pedido de auxílio-doença perante a Justiça, paramanter indefinidamente o benefício até novo julgamento. Embargosinfringentes acolhidos.

acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide aEgrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,acolher os embargos infringentes, nos termos do relatório e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de março de 2001.

Des. Federal Surreaux Chagas, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: O INSS opõe Embargos Infringentescontra acórdão de Turma deste Tribunal que, por maioria de votos, dáprovimento à apelação do segurado para, reformando sentença deacolhimento dos embargos à execução, que seja mantido o benefício deauxílio-doença concedido judicialmente e cancelado com base em períciaadministrativa realizada.

O acórdão embargado está assim ementado:

“CANCELAMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL.

Apenas por meio de processo judicial, com a instrução devida, poderá ser alterada a situaçãojurídica gerada pela decisão que determinou a concessão do benefício, ainda que temporário.”

A autarquia busca a prevalência do voto do Juiz Néfi Cordeiro que confirma asentença, entendendo correto o cancelamento do auxílio-doença concedidojudicialmente com base em perícia realizada na via administrativa pelaautarquia.

Regularmente processado o recurso, sobem os autos.

É o relatório.

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Dispensada a revisão.

voto

O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: O segurado propõe Ação Executivacontra o INSS, buscando o pagamento dos valores relativos ao auxílio-doençaconcedido judicialmente nos meses de abril e maio de 1998.

Citada, a autarquia opõe Embargos à Execução, alegando que inexistem valoresa serem pagos ao segurado, uma vez que o benefício de auxílio-doença étemporário e foi cancelado administrativamente em outubro de 1997, emrazão de perícia administrativa que considerou o segurado apto para otrabalho.

A sentença indefere a inicial da ação de execução proposta contra a autarquiapor falta de uma das condições da ação.

O segurado apela. A Quinta Turma deste Tribunal, por maioria de votos, dáprovimento à apelação do segurado para que seja mantido o benefício deauxílio-doença concedido judicialmente e cancelado com base em períciaadministrativa realizada.

Nos embargos infringentes, a autarquia busca a prevalência do voto do JuizNefi Cordeiro que confirma a sentença, entendendo correto o cancelamentodo auxílio-doença concedido judicialmente com base em perícia realizada navia administrativa pela autarquia.

Consigna o Ilustre magistrado:

“O benefício de auxílio-doença é, por natureza, temporário, devendo ser cancelado com orestabelecimento do segurado.

Cabe à autarquia previdenciária a verificação periódica de seu estado de saúde. Sendoconstatada a aptidão para o trabalho, o benefício é cancelado, podendo o beneficiário recorreradministrativamente ou utilizar da via judiciária.

Com a realização de nova perícia, o INSS cancelou o beneficio por constatar que o segurado seencontra apto ao trabalho. Neste procedimento não há ferimento à coisa julgada, pois osmotivos que ensejaram na concessão do benefício foram motivados pela perícia anterior, quenão possui valor como garantia de irreversibilidade da doença.

Possível, pois, a cessação administrativa do benefício temporário - de auxílio-doença -judicialmente concedido, sem ofensa à coisa julgada, em razão de nova perícia administrativaque constate a melhoria do estado de saúde.

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Como foram pagas as prestações atrasadas, anteriores à realização da perícia, não restamparcelas a executar. Eventual contestação aos fundamentos da perícia e do cancelamento dobeneficio, somente caberão em específica ação de conhecimento.

Sendo assim, voto no sentido de negar provimento à apelação.”

Por sua vez registra a Juíza Maria Lúcia Luz Leiria:

“Divirjo do eminente relator quanto à admissibilidade do cancelamento de beneficio de auxílio-doença, fundado apenas em nova perícia administrativa.

Acolhida a pretensão do autor em ação ordinária, restou deferido o restabelecimento de seuauxílio-doença a partir de 16.11.88, até agosto de 1991, quando passaria a receber o beneficiode aposentadoria por invalidez.

Interposto recurso de apelação pelo INSS, decidiu a Segunda Turma deste Tribunal, porunanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação, para que não fosse concedido obeneficio de aposentadoria, mas, auxílio-doença.

Deste modo, entendo que só por meio de processo judicial, com a instrução devida, poderá seralterada a situação jurídica gerada pela decisão que determinou a concessão do beneficio,ainda que de caráter temporário, para que não haja ofensa à coisa julgada.

Assim sendo, voto no sentido de dar provimento ao recurso de apelação.”

Assim sendo, a divergência diz respeito à possibilidade, ou não, docancelamento administrativo do benefício por incapacidade concedidojudicialmente.

Em que pesem os argumentos das ilustres Juízas Maria Lúcia Luz Leiria eVirgínia Scheibe, acolho a tese exposta no voto vencido.

É dever do INSS rever os benefícios previdenciários concedidos em decorrênciada incapacidade para o trabalho, mesmo no caso em que a concessão resultede sentença judicial, conforme previsto no art. 71 da Lei 8.213/91:

“O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS deverá rever os benefícios, inclusive osconcedidos por acidentes de trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar apersistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada como causada concessão.”

No caso, o benefício concedido judicialmente, de auxílio-doença, é poressência temporário, transitório. Sua concessão pressupõe a possibilidade derecuperação da capacidade laborativa para a função exercida pelo segurado oupara outra, mediante processo de reabilitação.

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Portanto, está implícito na sua concessão - inclusive por sentença - que odireito ao benefício permanece enquanto estiver presente a incapacidade.

Assim, se a autarquia conclui que a incapacidade cessou, com base em examepericial realizado por seus médicos, o benefício deve ser cancelado,independentemente de autorização judicial. Se o segurado discordar doprocedimento da administração - o que não ocorre necessariamente - devesocorrer-se novamente do Judiciário, como sucede no caso dos autos.

Admitir-se que o INSS somente poderia sustar o benefício depois doreconhecimento judicial da recuperação da capacidade do segurado seria dartratamento diferenciado ao segurado em detrimento dos demais segurados,que receberam o benefício através da via administrativa, bem como teria orisco de proporcionar um enriquecimento sem causa ao segurado, caso venhaa ser reconhecida judicialmente a cessação da incapacidade, depois de umalonga tramitação do processo. Além disso, estimularia indevidamente osegurado a ingressar diretamente com pedido de auxílio-doença perante aJustiça, para manter indefinidamente o benefício, até novo julgamento.

A solução do litígio, no caso, depende necessariamente de realização de períciamédica judicial. Transcrevo, a propósito, precedente deste Tribunal nestesentido:

“Previdência Social. Auxílio-doença deferido por força de sentença judicial. Controvérsia sobrea recuperação do segurado para o trabalho.

Mesmo que o direito ao auxílio-doença tenha sido reconhecido em sentença, a PrevidênciaSocial pode sustar administrativamente o pagamento do benefício, quando apurar que osegurado recuperou a capacidade para o trabalho. Se, todavia, o segurado contestar essediagnóstico, a controvérsia deve ser decidida nos próprios autos da ação originária, depois denova perícia judicial. Apelação provida em parte.” (AC 92.04.01406-7/RS, 1ª Turma, DJU20.04.93, p.13678, Relator para o Acórdão: Juiz Ari Pargendler)

Assim, a autarquia pode e deve rever o benefício; caso demonstrada acessação da incapacidade, o INSS pode cancelar o auxílio-doença, ainda que aconcessão tenha sido decorrência de condenação judicial.

Do exposto, acolho os embargos infringentes, nos termos do voto vencido. Écomo voto.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Trata-se de embargos infringentesinterpostos pelo INSS visando à prevalência do voto vencido da lavra do

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Eminente Juiz Néfi Cordeiro, proferido em julgamento de apelação cível emembargos à execução na 5ª Turma desta Egrégia Corte, no qual foi dadoprovimento ao apelo do segurado e reformada sentença que considerou válidoo cancelamento administrativo de auxílio-doença concedido judicialmente e,por via de conseqüência, extinguiu a execução do julgado.

O Eminente Relator dá provimento aos embargos, por entender que aAutarquia Previdenciária tem o poder-dever de revisar periodicamente osbenefícios concedidos em decorrência de incapacidade, ainda que concedidosjudicialmente, para avaliar a persistência, ou não, dos fatores que levaram àconcessão, a teor do art. 71 da Lei 8.212/91 e, assim, está autorizada a cancelaro benefício nos casos em que a incapacidade não mais se mantém.

Peço vênia para divergir.

Reza o art. 71 da Lei 8.212/91:

“ART.71 - O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS deverá rever os benefícios, inclusive osconcedidos por acidente do trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar apersistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada como causapara a sua concessão.

Parágrafo único. Será cabível a concessão de liminar nas ações rescisórias e revisional, parasuspender a execução do julgado rescindendo ou revisando, em caso de fraude ou erromaterial comprovado.

* Parágrafo único acrescido pela Lei nº 9.032, de 28.04.95 (DOU de 29.04.95, em vigor desde apublicação).”

Da leitura atenta do indigitado artigo, apenas consigo extrair a convicção deque a Autarquia está, de fato, autorizada a periodicamente examinar osegurado e verificar se o estado de incapacidade persiste, ainda quebeneficiário de decisão judicial, mas não está autorizada a cancelar o benefício,a menos que tenha sido concedido na esfera administrativa, pois o dispositivoalude apenas à possibilidade de revisão, nada dispondo sobre cancelamento,que surge como conseqüência lógica apenas para os benefícios concedidos navia administrativa. Quanto àqueles deferidos na esfera judicial, deve aAutarquia examinar o segurado e, se concluir ter havido melhora do quadromórbido e tornado-se novamente apto ao desempenho de atividade laboral,necessariamente terá de propor ação revisional de benefício, com vista ao seucancelamento, de modo a que seja respeitada a coisa julgada material. Aalegada transitoriedade do benefício de auxílio-doença não enseja, por si só, apossibilidade de cancelamento na via administrativa, pois, uma vez concedidojudicialmente o benefício, somente percorrendo a mesma trilha, com

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adequada instrução processual, poderá a Autarquia demonstrar que ascondições que nortearam sua concessão não mais subsistem e assim obterprovimento judicial que lhe seja favorável.

Releva ponderar, ainda, o acréscimo do parágrafo único através da Lei9.032/95, que deixa claro o cabimento de medida liminar em ação revisional debenefício, justificando a necessidade de ingresso na esfera judicial para ocancelamento de benefícios por essa via concedidos, o que não faria sentido sea Administração pudesse simplesmente suspendê-los segundo suas própriasrazões, sem a devida autorização judicial.

Por fim, tenho que o art. 471, I, do Estatuto Processual Civil sepulta qualquerpossibilidade de cancelamento administrativo nos moldes acima referidos, aodisciplinar que:

“ART.471 - Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide,salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato oude direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; (ogrifo é meu)”

Por esses fundamentos e pedindo vênia ao Eminente Relator, nego provimentoaos embargos infringentes.

É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.70.05.001028-3/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator p/ Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Roberto Luis Luchi Demo

Apelado: Aristide Cardoso

Advogados: Drs. Dario Genari e outros

Remetente: Juízo Substituto da 2ª Vara Federal de Cascavel/PR

EMENTA

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Servidor público. Contagem recíproca. Tempo de serviço rural em regime deeconomia familiar. Necessidade de contribuições.

Para fins de aposentadoria, a contagem recíproca de tempo de serviço nainiciativa privada (rural e urbana) com a do serviço público, somente éadmitida se houver recolhimento das contribuições, mesmo referente aoperíodo anterior ao da vigência da Lei nº 8.213/91.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SextaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimentoao recurso e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de agosto de 2001.

Des. Federal Tadaqui Hirose, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: O parecer doMPF, à fl. 123, expõe com precisão a controvérsia, verbis:

“Cuida-se de apelação interposta contra sentença que, concedendo a ordem nos autos de açãomandamental, determinou ao INSS que processasse o requerimento administrativo de certidãode tempo de serviço da Impetrante independentemente de indenização das contribuiçõesrelativas ao tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/91.

A irresignação do Recorrente se resume no fato de que, à luz do que dispõe o art. 96, inc. IV, daLei 8.213/91, é necessário que se indenizem todos os períodos de trabalho cuja averbação serequer.

Em contra-razões, defendeu a Autora que o seu direito vem garantido no art. 55, § 2º, da Lei8.213/91, o qual permite que o tempo de serviço rural anterior ao advento desta Lei sejacomputado independentemente do recolhimento de contribuições a ele correspondentes.”

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço daapelação do INSS e da remessa oficial, negando-lhes provimento.

Em seu elaborado parecer, anotou, com inteiro acerto, o MPF, a fls. 124/6,

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verbis:

“Sem razão o Recorrente.

Observe-se, inicialmente, que a primitiva redação dos arts. 94 e 96, V, da Lei nº 8.213/91assegurava a contagem recíproca de tempo de contribuição ou de serviço em qualquer sistemaprevidenciário, e, especificamente em relação ao trabalhador rural, garantia o cômputo dotempo de serviço anterior à vigência da Lei, independentemente do pagamento dascontribuições a ele correspondentes. Tais dispositivos explicitavam o disposto no art. 55, § 2º,que originalmente dispunha, verbis:

Art. 55, § 2º.- 'O tempo de serviço do trabalhador rural, anterior à data de inicio de vigênciadesta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a elecorrespondentes,...'

Posteriormente a MP nº 1523-96 alterou a redação do disposto nos arts. 55, § 2º, e 96, IV,ambos da Lei nº 8.213/91, restringindo o cômputo de tempo de serviço rural independente decontribuição ao benefício de aposentadoria por idade, e exigindo, para o benefício por tempode serviço e para a contagem recíproca, o recolhimento de contribuições previdenciárias. OSupremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 1664-4/DF, afastou a aplicação dodispositivo no tempo de serviço prestado pelo trabalhador rural. Isto porque considerou queno período em que o trabalhador rural exerceu sua atividade, regime precedente à Lei nº8.213/91, não estava obrigado a contribuir para a Previdência Social para ver reconhecido otempo de trabalho rural pelo INSS e, em consonância com a Constituição Federal, o tempo detrabalho deve ser regido pela lei da época em que foi prestado, sob pena de violar-se agarantia constitucional do respeito ao direito adquirido.

A ementa da decisão da citada ADIn é de clareza cristalina. Veja-se:

'PREVIDÊNCÍA SOCIAL. Relevância jurídica da impugnação, perante os arts. 194, parágrafoúnico, I, 201, caput e § 1, e 201, I, todos da Constituição, da proibição de acumular aaposentadoria por idade, do regime geral da previdência, com a de qualquer outro regime(redação dada ao art. 48 da Lei 8.213/91, pela Medida Provisória nº 1523-13/1997).Trabalhador rural. Plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da exigência decontribuições anteriores ao período em que passou ela a ser exigível, justificando-se aoprimeiro exame essa restrição apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviçopúblico (arts. 194, par. único, I e II, e 201, § 2º, da Constituição e redação dada aos arts. 55, §2º, 96, IV, e 107 da Lei 8.213/91, pela Medida Provisória nº 1.523-13/97). Medida cautelarparcialmente deferida.’- grifos nossos.

Veja-se, assim, que suspensa restou a exigência de recolhimento de contribuição em relação aotrabalhador rural pelo trabalho prestado anteriormente à Lei nº 8.213/91.

Por outro lado, temos que medida provisória não revoga a legislação ordinária; apenassuspende, enquanto estiver sendo reeditada, os efeitos da lei que pretende revogar. Nãosendo convertida em lei no prazo constitucional ou não reeditada, volta a legislação ordinária aproduzir todos os seus efeitos. Neste diapasão, considerando que a Lei nº 9.528/97, na qual aindigitada medida provisória foi convertida, não manteve a alteração introduzida no art. 55, §2º, em relação ao tempo de serviço rural, permanece a redação anterior supra citada, não

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sendo, portanto, exigível do segurado trabalhador rural o recolhimento das contribuiçõesreferentes ao período anterior à obrigatoriedade de filiação.

Neste sentido, os arestos adiante transcritos.

‘Previdência Social. Processual Civil. Reconhecimento de tempo de serviço rural. Contagemrecíproca. (...)

(omissis).

3. A eventual circunstância de o autor não estar filiado à Previdência Social, à época doajuizamento da ação, não obsta o reconhecimento do tempo de serviço. A contagem recíprocado tempo de serviço rural e urbano é assegurada pela legislação previdenciária, não sendoexigível o recolhimento das contribuições quanto à atividade rural anterior à lei (art. 94 c/c art.96, V, da Lei 8.213/91). (...)’

(TRF 4ª Região, AC nº 96.04.64425-4/RS, 6ª Turma, rel. Juiz Surreaux Chagas, j. 15.09.98, inRTRF 33/233).

'Administrativo. Mandado de Segurança. Averbação de Tempo de Serviço. Lei 8213/91. MP nº1523/96. ADIN nº 1664-4/DF. Lei 8112/90. Lei 8162/91. Art. 5º, XXXVII, CF/88.

Certificado pelo INSS tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior à data da Lei8.213/91, independentemente das contribuições, a eles correspondentes, a Medida Provisória1523/96, que passou a exigir a prova de recolhimento das mesmas não pode retroagir paraalcançar as situações já consumadas. Suspensa a exigência referida pelo STF, na liminarconcedida na ADIN nº 1664-4/DF, com a edição da Lei nº 8112/90, em que a impetrante foisubmetida ao regime jurídico único, o direito à contagem do tempo de serviço anterior estáassegurado no art. 7º da Lei nº 8162/91. Ato administrativo que indeferiu a averbaçãopostulada em afronta ao art. 5º, XXXVII, CF, a demonstrar a existência de direito líquido ecerto.

Apelação e remessa oficial improvidas.’ (TRF 4ª Região, AC nº 98.0402842-5, rel. Juíza SilviaGoraieb, j. 09.06.98)

‘Previdenciário. Tempo de Serviço. Aposentadoria. Comprovação do exercício da atividade.Indenização.

A prova testemunhal acompanhada e prova documental, ainda que esta não sejacontemporânea aos fatos é hábil à comprovação da atividade exercida no período indicado nainicial.

O período de trabalho prestado pelo rurícola anterior a competência de novembro de 1991será reconhecido, independentemente de recolhimento das contribuições a elecorrespondentes, não sendo, assim, devida a indenização argumentada.

Apelo improvido.’ (TRF 3ª Região, AC nº 95.03083732-4, 1ª Turma, rel. Juiz Roberto Haddad, j.02.04.96) – grifos nossos

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‘Previdenciário. Segurado Rural. Aposentadoria por idade. Requisitos da Lei 8.213/91.

A Lei nº 8213/91 admite que o tempo de serviço do trabalhador rural, anterior à data de iníciode sua vigência, seja computado independentemente do recolhimento de contribuições, desdeque cumprido o período de carência (arts. 55, § 2º, e 96, V).

Dispensa de carência para o trabalhador rural que atendia, à época da consolidação de suaaposentadoria, os requisitos do inc. II do art. 143 da Lei nº 8213/91 - comprovação do exercícioda atividade rural nos últimos cinco anos anteriores à data do requerimento e o implementoda idade - afastadas, desse modo, as modificações introduzidas pela Lei nº 9.032/95.

Apelação e remessa oficial tida como interposta, improvidas.’ (TRF 5ª Região, AC nº 126300/CE,1ª Turma, rel. Juiz Castro Meira, j. 11.12.97, DJU 23.01.98, p. 210) - grifos nossos

Logo, a decisão deve ser mantida por seus próprios fundamentos.”

Por esses motivos, acolhendo o parecer do MPF, conheço da apelação do INSSe da remessa oficial, negando-lhes provimento.

É o meu voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de remessa oficial e deapelação interposta pelo INSS contra sentença proferida em mandado desegurança em que se pleiteia a concessão de ordem para que a Autoridadeimpetrada expeça certidão de tempo de serviço correspondente ao período emque o impetrante exerceu atividade rural (01.07.68 a 31.12.74), independentedo recolhimento de contribuições previdenciárias.

A sentença julgou procedente o pedido, concedendo a segurança para que oInstituto Previdenciário expeça certidão de tempo de contribuição,independente do pagamento de indenização das contribuiçõescorrespondentes ao tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº8.213/91.

Apelou para esta Corte o INSS, postulando a revisão da sentença,argumentando que a certificação de tempo de labor rural, para fins decontagem recíproca, está condicionada ao prévio recolhimento decontribuições previdenciárias.

O Eminente Relator negou provimento ao recurso e à remessa oficialmantendo a r. sentença.

Com a devida vênia, divirjo do bem-lançado voto do Relator, tendo em vista

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que pleiteia-se nesses autos a possibilidade de contar tempo de atividade ruralanterior a 05.04.91, sem verter aos cofres públicos contribuiçõesprevidenciárias, para fins de contagem recíproca de tempo de serviço.

A Constituição Federal de 1988 consigna no parágrafo 2º do art. 202, em suaredação original, verbis:

“Para efeito de aposentadoria é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição naadministração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em os diversos sistemasde previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos emlei.”

A norma infraconstitucional, in casu, a Lei nº 8.213/91, tem a seguinte redaçãooriginal, verbis:

“Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no RGPS, é assegurada a contagem recíproca dotempo de contribuição ou de serviço na administração pública e na atividade privada, rural eurbana, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarãofinanceiramente”.

“Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado deacordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

I a III - omissis

IV – O tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Socialsó será contada mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo,com os acréscimos legais”.

Inicialmente, houve controvérsia no que diz respeito à necessidade decontribuição para cômputo de tempo de serviço para o trabalhador ruralquanto ao período anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, pois a MedidaProvisória nº 1.523-13/97, modificou a redação original do art. 55, § 2º, destaLei, exigindo a contribuição para fins de contagem de tempo de serviço dotrabalhador rural mesmo para o período anterior à vigência da retrocitada Lei.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADIN n°1.664-0/UF, em 13.11.97, proposta contra esta modificação, deferiu o pedidode suspensão cautelar, no § 2º do art. 55 da citada Lei nº 8.213/91, com aredação da MP nº 1.523-13/97, da expressão 'exclusivamente para fins deconcessão do benefício previsto no art. 143 desta Lei e dos benefícios de valormínimo’, ficando ao final restabelecido o dispositivo original, assim redigido:

"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias desegurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de

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271

segurado.

(...) omissis

§ 2º. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigênciadesta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a elecorrespondentes, exceto para efeitos de carência, conforme dispuser o Regulamento”.

Quanto ao inciso IV do art. 96 da Lei nº 8.213/91, também argüida na mesmaADIN, com a redação da apontada medida provisória, o STF, emprestando-lheinterpretação conforme a Constituição, afastou a aplicação do citadodispositivo legal, no tempo de serviço do trabalhador rural, enquanto estavaeste desobrigado de contribuir quando se tratar do Regime Geral daPrevidência, justificando-se tal restrição apenas em relação à contagemrecíproca de tempo de serviço público.

Confira-se a ementa da ADIn nº 1.664, rel. Min. Octávio Gallotti, DJU de19.12.97, verbis:

“PREVIDÊNCIA SOCIAL. RELEVÂNCIA JURÍDICA DA IMPUGNAÇÃO PERANTE OS ARTIGOS194,PARÁGRAFO ÚNICO, I, 201, CAPUT E § 1º E 202, I, TODOS DA CONSTITUIÇÃO, DAPROIBIÇÃO DE ACUMULAR A APOSENTADORIA POR IDADE, DO REGIME GERAL DAPREVIDÊNCIA, COM A DE QUALQUER OUTRO REGIME (REDAÇÃO DADA AO ART. 48 DA LEI Nº8.213/91, PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523-13/1997)

Trabalhador rural. Plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da existência decontribuições anteriores ao período em que passou ela a ser exigível, justificando-se aoprimeiro exame essa restrição apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviçopúblico (artigos 194, parágrafo único, I e II e 202, § 2º, da Constituição e redação dada aosartigos 55, § 2º, 96, IV e 107 da Lei 8.213/91, pela Medida Provisória nº 1.523-13-97.

Medida cautelar parcialmente deferida”.

Em face de tal precedente, resta inequívoca a conclusão de que, para fins deaposentadoria no serviço público, a contagem recíproca admitida é a do tempode contribuição na atividade privada (urbana e rural) com a da pública,indispensável, portanto, o recolhimento de contribuições, mesmo anterior àvigência da Lei nº 8.213/91.

Nesse sentido também já se posicionou a 3ª Seção do Superior Tribunal deJustiça na Ação Rescisória nº 1.382-SC, rel. Min. Felix Fischer, DJ de 04.06.2001,assim ementado:

“AÇÃO RESCISÓRIA. 485, V, DO CPC. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343/STF. RECURSO EMMANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA. SERVIÇO PÚBLICO. ATIVIDADE RURAL.CONTRIBUIÇÃO.

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I – Não se aplica a Súmula nº 343 do STF, pois não havia controvérsia acerca do tema objetodessa ação.

II – Segundo precedente do colendo Supremo Tribunal Federal, ‘a aposentadoria na atividadeurbana mediante junção do tempo de serviço rural somente é devida a partir de 5 de abril de1991, isto por força do disposto no artigo 145 da Lei 8.213/91, e na Lei 8.212/91, no queimplicaram a modificação, estritamente legal, do quadro decorrente da Consolidação das Leisda Previdência Social – Decreto nº 89.312/84’.

III – Para fins de aposentadoria no serviço público, a contagem recíproca admitida é a dotempo de contribuição no âmbito da iniciativa privada com a do serviço público, não sepodendo confundir, destarte, com a simples comprovação de tempo de serviço.Indispensáveis, portanto, as contribuições pertinentes ao tempo em que exercida a atividadeprivada.

Ação rescisória procedente”.

Frente ao exposto, dou provimento ao recurso e à remessa oficial, nos termosda fundamentação.

É como voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.72.00.004951-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Rodrigo Galvão

Apelante: União Federal

Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams

Apelados: (Os mesmos)

Valdir Witthoeft

Advogados: Drs. Osni Muller Junior e outro

Remetente: Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Florianópolis/SC

EMENTA

Previdenciário. Lesão. Litisconsórcio. Tempo de serviço rural. Portaria nº

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4.273/97. Os nº 590/97. Óbice preliminar. Afastamento. Documentos. Início deprova material. Mérito administrativo.

1. Configurada em tese a lesão ao direito, resta correta a escolha da viamandamental.

2. Na hipótese resta incabível o litisconsórcio passivo necessário com aautoridade coatora.

3. Por força da Circular nº 142/99, do Ministério da Previdência Social, foideterminado que os Postos do Seguro Social deixem de aplicar o contido nosubitem 8.2 da Ordem de Serviço nº 590/97 e no parágrafo único do art. 24 daPortaria MPAS nº 4.273/97.

4. Os referidos dispositivos não podem servir de óbice preliminar à apreciaçãodo processo administrativo.

5. Afastada a determinação para que sejam considerados como início de provamaterial os documentos colhidos pelo impetrante, porquanto tal procedimentoconstitui análise de mérito administrativo.

6. Apelações do INSS e da União parcialmente providas. Remessa oficialparcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SextaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcialprovimento à apelação do INSS, da União e à remessa oficial, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.

Porto Alegre, 25 de setembro de 2001.

Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Valdir Witthoeftimpetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, em 03.02.2000,contra ato do Presidente da 17ª Junta de Recursos da Previdência Social emFlorianópolis/SC, que indeferiu a concessão de aposentadoria por tempo deserviço.

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Pretende o reconhecimento do labor rural exercido em regime de economiafamiliar, expedida a referida certidão, afastando-se o óbice ao pedidoadministrativo.

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 31-35).

A autoridade impetrada prestou informações, sustentando a legalidade do ato(fls. 39-46).

Sentenciando, o MM. Juízo a quo concedeu a segurança, para determinar que aautoridade coatora cientifique o Chefe do Posto do INSS de Jaraguá do Sul/SCpara que seja reaberto o processo administrativo e considerado como início deprova material os documentos em nome do pai do impetrante (fls. 86-94).

Irresignado, o INSS interpôs recurso de apelação, argüindo, em preliminar, anecessidade do litisconsórcio passivo necessário e a inexistência de direitolíquido e certo. No mérito, sustenta a legalidade do ato, alegando que aPortaria nº 4.273/97 e a OS nº 590/97 não contrariam qualquer dispositivolegal, de forma que a vedação deve ser mantida (fls. 101-109).

Inconformada, a União apelou, repisando a legalidade da OS nº 590/97 (fls.146-149).

Sem contra-razões, os autos vieram a esta Egrégia Corte, onde a ilustradaagente do Ministério Público Federal, Dra. Carla Veríssimo de Carli, ofertouparecer manifestando-se pelo improvimento dos apelos (fls. 153-162).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O INSS interpôsapelação, argüindo, em preliminar, a inexistência de direito líquido e certo e anecessidade do litisconsórcio passivo necessário. No mérito, sustenta alegalidade do ato, alegando que a Portaria nº 4.273/97 e a OS nº 590/97 nãocontrariam qualquer dispositivo legal, de forma que a vedação deve sermantida.

Inicialmente, verifica-se na carta de indeferimento, acostada aos autos à fl. 11,que o período alegado como exercido em regime de economia familiar não foiconsiderado, o que deu ensejo à falta de tempo de serviço.

Ora, sendo esse o motivo do indeferimento do benefício, o que, em princípio,

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275

contraria o disposto na lei de regência, resta configurada, em tese, a lesão aodireito do impetrante de ter o seu processo administrativo devidamenteanalisado.

Dessa forma, não prospera a inconformidade inicial do INSS nesse ponto.

Quanto ao alegado litisconsórcio passivo necessário do próprio Instituto com aautoridade coatora, sem razão o apelante, dado que correta a determinação daimpetrada, restando incabível a formação do litisconsórcio pretendido.

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:

“ABATE TETO - APOSENTADOS - LEGALIDADE - EXCLUSÃO DAS VANTAGENS PESSOAIS -GRATIFICAÇÃO NATALINA – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - INSS.

‘Autoridade coatora é aquela que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não osuperior que recomenda ou baixa normas para a sua execução’. (...).” (AMS nº 95.04.49561-3/RS, 3ª Turma, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, DOU 19.11.97, p. 99.292).

Superadas as preliminares, passa-se ao exame do mérito, apreciando tanto oapelo do INSS quanto o da União.

Conforme se verifica na carta de indeferimento, acostada aos autos à fl. 11, obenefício foi negado ao impetrante: “conf. artigo 52 da Lei 8.213/91 – o tempode serviço rural não foi incluído face seg não possuir documentos em seupróprio nome (artigo 55, parág. 03, da Lei 611/92, bem como parágrafo únicodo artigo 24 da Portaria 4.273/97 – normatizado pela OS 590/97).”

O Acórdão da 17ª Junta de Recursos foi proferido com base nos seguintesargumentos:

“CONSIDERANDO que o segurado deseja ver reconhecido a atividade agrícola em regime deeconomia familiar, conforme alegações em seu recurso às fls. 16 a 18; (...); CONSIDERANDOainda, o disciplinado no parágrafo único do art. 24 da Portaria Ministerial nº 4.273, publicadano DOU em 15.12.97, o qual determinou que a comprovação do período de atividade rural dar-se-á exclusivamente mediante documento em nome do próprio requerente, vedada autilização de documentos em nome de terceiros; (...).” (fls. 16-17).

Giza a Portaria nº 4.273/97:

“Art. 24 (...)

Parágrafo único: o início de prova documental de que trata o caput terá validade somente paraa comprovação do tempo de serviço da pessoa referida no documento, não sendo permitidasua utilização por outras pessoas.”

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Dispunha o subitem 8.2 da referida Ordem de Serviço nº 590/97:

“8.2. – O início de prova material de que trata este item terá validade somente paracomprovação do tempo de serviço da pessoa referida no documento, não sendo permitida suautilização por outras pessoas.”

Apreciando a prova acostada aos autos, constata-se que o referido processoadministrativo foi instruído com documentos (fls. 54-59).

A esse respeito, as Turmas Previdenciárias desta egrégia Corte já semanifestaram no sentido de ser possível a utilização de documentos em nomede terceiros (como marido e genitores) para efeito de comprovação daatividade rural, consoante as seguintes decisões:

“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE PERÍODO RURAL PARA FINS DE CONCESSÃO DEAPOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS COMO NOME DO PAI DO AUTOR. INADMISSIBILIDADE DA PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL.REQUISITOS DO ARTIGO 106 DA LEI 8.213/91.

(...)

3. Documentos em nome do pai do autor são admitidos como início de prova material daqualidade e do período da atividade rural exercida pelo autor, tendo em vista tratar-se deregime de economia familiar.(...)”

(AC nº 94.04.10075-7, 5ª Turma, Rel. Juíza Claúdia Cristofani, DOU 30.09.98, p. 553).

“PREVIDÊNCIA SOCIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL.REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. CABIMENTO DE AÇÃO DECLARATÓRIA. DESNECESSIDADE DEPRÉVIO REQUERIMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA.

(...)

3. Se o postulante comprova o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, fazjus ao reconhecimento do respectivo tempo de serviço. O fato dos documentos não estaremem nome do autor mas sim no de seu pai não invalida a prova. A produção em regime deeconomia familiar caracteriza-se, em regra, pelo trabalho com base em uma única unidadeprodutiva, cuja documentação é expedida em nome de uma pessoa, geralmente o marido oupai em sociedades com forte preponderância do elemento masculino. Contudo, o pressuposto,no plano fático, é o trabalho conjunto e cooperado de todos os membros da família.” (AC nº96.04.11987-7/RS, 6ª Turma, Rel. Juiz Surreaux Chagas, Dou 29.07.98, p. 551).

Nesse sentido, o entendimento da Colenda 3ª Seção deste Tribunal:

“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL. PROVAMATERIAL INDIRETA.

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1. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo razoável início de provamaterial corroborado por prova testemunhal idônea e consistente.

2. O fato de o Autor não possuir todos os documentos comprobatórios do exercício daatividade agrícola em seu nome não elide o seu direito ao benefício postulado, pois comonormalmente acontece no meio rural, os documentos de propriedade e talonários fiscais sãoexpedidos em nome de quem aparece frente aos negócios da família. Nesse caso, osdocumentos referentes a atividade agrícola, emitidos em nome do pai e do proprietário daterra, corroborados pela prova testemunhal, constituem prova material indireta hábil àcomprovação do tempo de serviço rural prestado pelo autor, em regime de economia familiar.

3. Embargos Infringentes improvidos.” (EIAC nº 96.04.15224-6/RS, 3ª Seção, Rel. Juiz NylsonPaim de Abreu, DOU 02.02.2000, p. 132).

Verifica-se, ainda, que a questão já foi solucionada na órbita administrativa pormeio da Circular nº 142/99, do Ministério da Previdência Social, que, emdecorrência do deferimento de antecipação de tutela na Ação Civil Pública nº1999.71.017799/4, determinou que os Postos do Seguro Social deixem deaplicar o contido no subitem 8.2 da Ordem de Serviço nº 590/97 e no parágrafoúnico do art. 24 da Portaria MPAS nº 4.273/97.

Entretanto, a determinação para que a autoridade coatora considere osdocumentos apresentados pelo apelado como início de prova material envolveanálise de mérito, que deverá ser feita na esfera administrativa, porquantoafastado o óbice preliminar à apreciação do requerimento para expedição decertidão.

Nesse sentido, o entendimento desta Egrégia Turma:

“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ITEM 8.2 DAORDEM DE SERVIÇO DE 590/97. ÓBICE PRELIMINAR. AFASTAMENTO. INÍCIO DE PROVAMATERIAL. ANÁLISE DE MÉRITO ADMINISTRATIVO.

(...)

3. A determinação para que o INSS considere como início de prova material o alegado laborrural do impetrante constitui análise de mérito.

4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.” (AMS nº 1999.04.01.073490-5/RS, Rel.Juiz Nylson Paim de Abreu, DOU 27.10.99, p. 726).

Destarte, prospera parcialmente a inconformidade do INSS e da União.

Em face do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação doINSS e da União, bem como à remessa oficial, para afastar a parte da r.sentença que determina ao INSS que considere como início de prova material os

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278

documentos apresentados pelo impetrante, mantidos os seus demais termos.

REMESSA EX OFFICIO EM AC Nº 2001.04.01.061358-8/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Parte-Autora: Demetrio Demczuk

Advogados: Drs. Albina Maria dos Anjos e outro

Parte-Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dra. Kely Kuhnen

Remetente: Juízo de Direito da Vara Cível da Comarca de Mandaguaçu/PR

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria proporcional por tempo de serviço. Requisitos.

Nos termos da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria por tempo de serviço serádevida ao segurado que, preenchido o requisito da carência, completar 30(trinta) anos de serviço, se do sexo masculino.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SextaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de setembro de 2001.

Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se deapreciação, com fulcro no reexame necessário, da sentença que julgouprocedente o pedido para, com base em prévio reconhecimento judicial detempo de serviço rural exercido pelo Demandante entre 26.11.67 e 30.06.71,acrescido a período de labor urbano incontroverso na via administrativa (27anos e 25 dias – fl. 11), condenar o INSS à outorga de aposentadoria

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279

proporcional por tempo de serviço, a partir do pedido administrativo,formulado em 26.10.98. À Autarquia foi imputado, ainda, o pagamento dascustas processuais e honorários advocatícios no importe de 10% sobre o totaldo montante condenatório, excluídas, a esse fim, as parcelas vincendas.

Decorrido in albis o prazo para interposição de recursos voluntários pelaspartes, subiram os autos a este colendo Tribunal, por força do duplo grau dejurisdição obrigatório.

É o relatório.

À douta revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: A controvérsia defundo a ser dirimida, na espécie, prende-se ao exame de haver a parte-autorapreenchido os requisitos necessários à outorga da aposentadoria proporcionalque lhe restou deferida na instância a quo, com tempo de serviço computadoaté 26.10.98, data do pedido administrativo.

Com efeito, ao ingressar com a presente demanda, postulou o Requerente oprévio reconhecimento do trabalho rural, alegadamente prestado de 26.11.65a 30.06.71, em regime de economia familiar, o qual já havia, em parte, sidoobjeto de anterior averbação administrativa, para, daí, somado ao tempoincontroverso de atividade urbana, computado pelo INSS em 27 anos e 25 dias(fl. 11), obter a inativação proporcional.

Através da primeira sentença prolatada nos autos (fls. 152/155), concluiu ajulgadora a quo pela parcial procedência do pedido, entendendo que o cunhomeramente declaratório da demanda não se prestava aos fins constitutivosintrínsecos ao pedido de aposentadoria formulado pela parte-autora,limitando-se, daí, a reconhecer o respectivo exercício de atividade rural noperíodo de 26.11.65 a 30.06.71.

Em sede de recurso, apreciado pela e. Sexta Turma desta Corte, em suaanterior composição, restou decidido, através de fundamentos extraídos dovoto condutor (confirmado à unanimidade - fls. 179/180), que:

“(...) o período anterior aos quatorze anos de idade, no presente caso não incluído naaverbação efetuada pelo INSS, não pode ser computado como tempo de serviço rural, uma vezque a Lei 8.213/91 possibilitou o enquadramento como segurado especial apenas aos filhosmaiores de 14 anos – art. 11, inciso VII, da LBPS. Como o autor nasceu em 26.11.53, só pode

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280

ser computado em seu favor o período iniciado em 26.11.1967, quando completou quatorzeanos. (...) Uma vez que o autor tentou, sem sucesso, na esfera administrativa, obter aaposentadoria por tempo de serviço, é inegável a necessidade da tutela jurisdicional para asatisfação da pretensão de direito material, resistida pela conduta da autarquia. Por outrolado, o provimento solicitado se mostra adequado para surtir o efeito jurídico buscado. Adeclaração da existência ou inexistência de relação jurídica de direito material, bem como acondenação da autarquia a conceder o benefício postulado são aptos a sanar a lesão dointeresse substancial, manifestado pela negativa do INSS a computar o tempo de serviço ruralpor ele já averbado e, conseqüentemente, deferir a aposentadoria pleiteada. Por essa razão éque afasto a carência de ação relativamente ao pedido de aposentadoria, determinando queos autos retornem ao juízo de origem para que dele se conheça, esgotando-se a prestaçãojurisdicional invocada. Ante o exposto, voto no sentido de, de ofício, afastar a extinção dopedido de aposentadoria por tempo de serviço, determinando o retorno dos autos à origem,com o julgamento do mesmo, prejudicado o apelo do autor; e dar parcial provimento àremessa oficial para excluir do reconhecimento do tempo de serviço rural o período anterior a26.11.67.(...)”

Tendo os autos retornado à origem para exame da questão pendente,envolvendo o alegado direito do autor à outorga da aposentadoria reclamada,foi proferido juízo de procedência da demanda (fls. 191/193), determinando-se, consoante antes já relatado, a implantação do dito benefício a contar de26.10.98, cingindo-se a esta última tutela os limites da presente análise, a serprocedida por obra do reexame necessário.

Delineados os contornos na espécie, cumpre então traçar um breve históricoacerca das disposições legais que regulam a aposentadoria por tempo deserviço, no regime precedente às alterações introduzidas pela EC nº 20, de15.12.98.

Sobre o tema, encontra-se assentado na Lei nº 8.213/91, que:

“Art. 52 A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nestaLei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30(trinta) anos, se do masculino.

Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III desteCapítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de:

I- para a mulher: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 25 (vinte e cinco) anos deserviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até nomáximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço;

II- para o homem: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos deserviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada ano completo de atividade, até o máximo de100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço.

Art. 54. A data do início da aposentadoria por tempo de serviço será fixada da mesma forma

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281

que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49”.

Acerca da carência, restou estabelecido em regra transitória:

“Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bemcomo para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, acarência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguintetabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condiçõesnecessárias à obtenção do benefício:

1991.....................................................60 meses

1992.....................................................60 meses

1993.....................................................66 meses

1994.....................................................72 meses

1995.....................................................78 meses

1996 .....................................................90 meses

1997.....................................................96 meses

1998....................................................102 meses

1999 a 2011 – omissis;” (Artigo e tabela com redação dada pela Lei nº 9.032, de 28 de abril de1995)

Ainda, segundo a legislação previdenciária é assegurada a contagem do tempode serviço exercido nos períodos rural e urbano para efeito dos benefíciosprevistos no Regime Geral da Previdência Social.

No caso concreto, vê-se pelo conteúdo inserto no demonstrativo de cálculoacostado à fl. 11 que, por ocasião do pedido de aposentadoria formulado peloautor, na via administrativa, o INSS reconheceu como incontroverso o tempode serviço urbano de 27 anos e 25 dias prestados, em períodos subseqüentes,à Prefeitura Municipal de Irati; junto à Companhia de Saneamento do Paraná –SANEPAR e ao Banco do Brasil S/A, todos eles corroborados pelas anotaçõescontidas na CTPS, cuja cópia encontra-se juntada às fls. 23/24.

De outra parte, como antes já anotado, por força de precedente decisãoproferida nestes autos e transitada em julgado (fls. 173/183 e 184), restoureconhecido em prol do demandante o tempo de serviço rural desenvolvidoentre 26.11.67 e 30.06.71.

REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO

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Logo, somando-se o prefalado tempo rural – 3 anos, 7 meses e 5 dias - aotempo de serviço urbano incontroverso (fl. 11) – 27 anos e 25 dias –computadoaté 26.10.98, totaliza o Postulante exatos 30 anos e 8 meses de tempo deserviço, os quais se mostram suficientes à outorga da aposentadoriaproporcional reclamada, tendo-se igualmente cumprido a carência de 102meses exigida na espécie.

Demais consectários, deferidos na instância a quo, em conformidade com alegislação de regência e o entendimento firmado nesta Corte.

Frente ao exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa oficial,mantendo-se a sentença monocrática por seus próprios fundamentos.

É o voto.

REVISTA 42 > ACÓRDÃOS > DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1999.04.01.098809-5/PR 

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti

Embargantes: Jorge Fernando Hermida Aviero e outros

Advogados: Drs. Felipe Neri Dresch da Silveira e outros

Drs. Milton José Munhoz Camargo e outros

Dr. Francis Campos Bordas

Embargada:Universidade Federal do Paraná

Advogada: Dra. Lizete Rosy Koerner Pinheiro

EMENTA

Processual Civil. Impugnação ao pedido de assistência judiciária gratuita.Gratuidade da justiça e assistência jurídica integral. Distinção.

1. A assistência jurídica integral, prevista no art. 5º inc. LXXIV, da CF/88, não seconfunde com a assistência judiciária, regulada pela Lei nº 1.060/50 erecepcionada pela referida Carta. Precedente do Egrégio STJ no AI nº

REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO

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92.04.16115-9/RS, DJU 07.10.92.

2. Comprovado às fls. 05/22 dos autos que os embargantes recebiamrendimentos líquidos inferiores a R$ 1.500,00, importância esta que fora fixadacomo critério na Corte para fins de concessão do benefício da gratuidade dajustiça, merece ser provido os embargos infringentes.

3. Ademais, a partir de recente decisão da Corte Superior (REsp 263.781,julgado em maio de 2001), para que o benefício da gratuidade da justiça sejaconcedido deve-se considerar não apenas os rendimentos mensais, mastambém os valores que estão comprometidos com as despesas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto enotas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de agosto de 2001.

Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de embargos infringentesopostos por Jorge Fernando Hermida Aviero e outros contra acórdão da 4ªTurma desta Corte, visando à reforma do julgado com a prevalência do votovencido do juiz Edgard Lippmann.

A ementa tem o seguinte teor:

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AFIRMAÇÃO DE POBREZA. PROVA EM CONTRÁRIO.REVOGAÇÃO.

O art. 5º, LXXIV, da Constituição garante a assistência jurídica gratuita aos que comprovarem ainsuficiência de recursos. Entende a jurisprudência que a comprovação da insuficiência podeser suprida pela simples afirmação nesse sentido, porque estaria em vigor, ainda, o art. 4º daLei nº 1.060/50. Essa afirmação não cria, todavia, uma presunção absoluta de pobreza, demodo que, havendo a comprovação de que os autores possuem recursos para arcarem com asdespesas processuais, a afirmação em sentido contrário perde a presunção de veracidade, e ajustiça gratuita, se concedida, deverá ser revogada.

Apelação não provida.” (Relator Juiz Zuudi Sakakihara, DJ 10.01.01, maioria).

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Pedem os embargantes que seja dado provimento aos embargos infringentespara que seja modificado o conteúdo da decisão para que, acolhendo-se o votodissidente, seja concedido o benefício da gratuidade da justiça.

Admitido o recurso na forma do art. 229, § 1º, do Regimento Interno destaCorte, sobreveio impugnação ao recurso pela embargada e os autos, após,vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: A parte-autora opôs embargosinfringentes objetivando a prevalência do voto vencido da lavra do eminenteJuiz Edgard Lippmann, o qual trouxe ao julgado a circunstância de, a partir deprecedentes da Turma, fixar presunção de pobreza à parte que comproverendimento não superior a R$ 1.500,00.

Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a assistência jurídica integral,prevista no art. 5º, inc. LXXIV, da CF/88, não se confunde com a assistênciajudiciária, regulada pela Lei nº 1.060/50 e recepcionada pela referida Carta.Como bem-esclarecido pelo ilustre relator e atual Ministro Gilson Dipp, quandodo julgamento do AI nº 92.04.16115-9/RS (DJU 07.10.92, p. 31.577):

“Aquela é organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisóriadas despesas, a indicação de advogado. Esta é direito à dispensa provisória de despesas,exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional.Daquela trata o dispositivo constitucional. Desta, ainda que confundido o regulamentoassistencial, cogita a Lei nº 1.060/50, que não se me afigura revogada pela Lei Maior notocante ao aludido benefício.”

Adianto que assiste razão ao apelante.

Ao impugnar o pedido de Assistência Judiciária, a Universidade Federal doParaná junta, às fls. 05/29 dos autos, fichas financeiras dos demandantes, quecomprovam que recebiam rendimentos líquidos inferiores a R$ 1.500,00,importância esta que, a partir de precedentes desta Corte, se chega àconclusão de que nessas circunstâncias é provável que a situação econômicade cada um dos autores não lhes permita arcar com os ônus do processo semprejuízo do próprio sustento ou de suas famílias.

Oportuno trazer à exame, ainda, que, conforme recente decisão da CorteSuperior (REsp 263.781, julgado em maio de 2001 e ainda não-publicado), paraque o benefício da gratuidade da justiça seja concedido deve-se considerar não

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apenas os rendimentos mensais, mas também os valores que estãocomprometidos com as despesas. O voto condutor do julgado, da lavra doMinistro Carlos Alberto Menezes Direito entendeu que o acesso à Justiça deveser o mais amplo, e a interpretação para o gozo do benefício da assistênciajudiciária deve considerar não apenas o valor dos rendimentos, mas, também,o comprometimento das despesas para a manutenção da família.

Em face do exposto, dou provimento aos embargos infringentes a fim de queprevaleça o voto vencido da lavra do eminente Juiz Edgard Lippmann.

É como voto.

EMBARGOS INFRINGENTES EM REO Nº 1999.04.01.106619-9/RS

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Embargante: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Embargado: Schier S/A Dispositivos de Segurança - Massa Falida

Advogado: Dr. Francisco Machado

EMENTA

Embargos à execução fiscal. Massa falida. Multa. Exclusão.

A multa fiscal, por se tratar de pena administrativa, não pode ser cobrada damassa falida, a teor do disposto no art. 23, parágrafo único, inc. III, do Decreto-lei nº 7.661/45. Aplicação das Súmulas nºs 192 e 565 do STF.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,rejeitar o pedido de argüição de inconstitucionalidade formulado pela UniãoFederal e negar provimento aos embargos infringentes, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.

Porto Alegre, 03 de outubro de 2001.

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Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de embargosinfringentes contra acórdão da 2ª Turma deste Tribunal que, por maioria, deuparcial provimento à remessa oficial, assim ementado:

"TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA.MULTA FISCAL MORATÓRIA.

Descabida a cobrança de multa moratória enquanto vigente o processo falimentar, conformedispõe a Súmula 565 do STF.”

Busca a embargante a prevalência do voto vencido do Eminente Juiz ÉlcioPinheiro de Castro, que dava parcial provimento à remessa oficial, para mantera cobrança da multa fiscal.

Sustenta que o benefício contido no art. 23, inciso III, do Decreto-Lei nº7.661/45 tem aplicação restrita aos processos falimentares, não alcançando osexecutivos fiscais, que têm rito próprio e estão regulados por lei especial,sendo a multa exigível em face do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.893/81, que éposterior à edição das Súmulas 192 e 565 do STF e ao Decreto-Lei de Falências,não podendo a Turma ter afastado a sua aplicação sem manifestação expressa,sobretudo no caso de considerá-la inconstitucional, sob pena de violação aoprincípio da reserva de plenário previsto no art. 97 da Constituição Federal de1988. Aduz ainda que caso permaneça o entendimento de que a multa deveser afastada, ela e os juros não podem ser excluídos da Certidão de Dívida Ativapara não prejudicar a execução contra os co-responsáveis, uma vez que aresponsabilidade dos administradores é subsidiária, e não solidária, não sepodendo promover a execução contra estes, mas somente redirecioná-la,quando inviabilizada a cobrança da sociedade, o que, por via transversa,implicaria retirar dos administradores a responsabilidade imposta pelo artigo135, II, do CTN. Requer ainda, alternativamente, seja suscitado incidente deinconstitucionalidade do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.893/81, com a suspensãodo feito até o julgamento do referido incidente, ou caso excluída a multamoratória, seja esta exclusão apenas em relação à massa falida, de modo quereste incólume a Certidão de Dívida Ativa para possibilitar o redirecionamentoda execução contra os responsáveis subsidiários, bem como sejamprequestionados o art. 9º do Decreto-Lei nº 1.893/81 e o art. 23, III, doDecreto-Lei nº 7.661/45 e o art. 97 da Constituição Federal de 1988.

A parte embargada deixou de apresentar impugnação no prazo legal (certidãona fl. 60).

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É o relatório. Dispensada a revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Afasto o requerimento desobrestamento do feito para argüição de incidente de inconstitucionalidadeefetuado pela União Federal quanto ao art. 9º do Decreto-Lei nº 1.893/81,primeiro, por se tratar de texto normativo anterior à Constituição Federal, oque levaria à recepção, ou não, da norma pela nova ordem constitucional, enão a sua possível inconstitucionalidade; segundo, tendo em vista as reiteradasdecisões do extinto Tribunal Federal de Recursos, que, aliás, declarouinconstitucional o art. 9º do referido Decreto-Lei, mantendo, inclusive, amesma posição quanto à sujeição da massa falida à multa, como se vê dasseguintes ementas:

“TRIBUTÁRIO. FALÊNCIA. MULTA. SÚMULAS 192 E 565-STF.

I- O TFR declarou a inconstitucionalidade formal do art. 9 do DL. 1893/81. Arg. de Inconst. naAC 98597/SP, em DJ de 17.12.87.

II- A massa falida não está sujeita a multas. Súmulas 192 e 565-STF.

III- Agravo improvido.”( TFR, Ag 0048582/PR - DJ:30.06.88, Rel. Ministro Carlos Mário Velloso)

“CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. COBRANÇA. MASSA FALIDA. MULTA. PRESCRIÇÃO DAAÇÃO: CONFIGURAÇÃO EM PARTE.

I - A multa fiscal, seja moratória ou punitiva, não se inclui no crédito habilitado na falência(Súmulas nºs 192 e 565 do STF). O plenário do TFR, ao julgar a argüição deinconstitucionalidade suscitada na 98.597 declarou inconstitucional o art. 9. Do Decreto-Lei nº1.983, de 16.12.81.

II - No caso, acha-se configurada a prescrição parcial da ação, observando-se, quanto àcontagem do prazo, a súmula nº 153 desta Corte.

III - Apelação provida. Sentença parcialmente reformada.” (TFR - AC 0123725-SP –DJ: 26.11.87Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro).

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DESPESAS CONTABILIZADAS FORA DO PERÍODO-BASE.

I- Provisão da despesa ao encerrar-se o exercício social, para efeito de sua dedução.Inexistência, na época, de disposição legal que autorizasse a exigência do fisco, inovação queveio com o D.L. 1598/77, art. 6, par. 4.

II- Inconstitucionalidade formal do art. 9 do D.L. 1893/81. Argüição de inconstitucionalidade naAC 98597/SP. TFR. Tribunal pleno, em 17.09.87.

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III- Recurso da União improvido. Provimento parcial do apelo da autora, cancelando-se ocrédito fiscal remanescente.”(D.L. 2303/86, Art. 29, II).( TFR –AC -0088295 /Mg -DJ:28.04.88,pg:09739, Rel. - Ministro Carlos Mário Velloso)

Passo à análise do mérito dos presentes embargos infringentes.

O voto vencedor de lavra do eminente Juiz Márcio Antônio Rocha foi nosentido de que é descabida a cobrança da multa moratória da massa falidaenquanto vigente o processo falimentar.

Já o voto vencido da lavra do eminente Juiz Élcio Pinheiro de Castro foi nosentido de que a multa aplicada à massa falida é devida na execução fiscal,como se depreende do trecho a seguir transcrito, in verbis (fls. 38/43):

“(...)O eminente Relator deu parcial provimento à remessa oficial para declarar ainexigibilidade da multa fiscal perante a massa falida, podendo, se for o caso, ser cobrada dosresponsáveis tributários.

Contudo, data venia da posição adotada pelo ilustre Relator, ouso divergir da tese defendidano que tange à não incidência da multa fiscal da massa falida à luz da Lei nº 6.830/80 ante a Leide Falências.

Do confronto dos Diplomas legais reguladores da matéria em sede de processo falimentar eexecução fiscal, inicio a análise pela transcrição das Súmulas n°s 192 e 565 do STF, in verbis:

‘Súmula 192 -Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de penaadministrativa.’

‘Súmula 565 -A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo nocrédito habilitado em falência.’

Nessa linha de entendimento, dispõem os arts. 23, § único, III e 208, § 2° do Decreto-Lei7.661/45:

‘Art. 23 -Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum,comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos. Parágrafo único -Não podem serreclamadas na falência. ...III - as penas pecuniárias por infração das leis penais eadministrativas.’

‘Art. 208. ...§ 2°- a massa não pagará custas a advogados dos credores do falido’.

Por outro lado, reza o art. 187 do CTN:

‘Art. 187 -A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ouhabilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento.’

Cumpre observar que este dispositivo é repetido pela Lei de Execução Fiscal (Lei n° 6.830/80)

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nas seguintes letras:

‘Art. 29 -A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso decredores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.’

Segundo se observa da norma, a Fazenda Pública não concorre ao juízo da falência, mas tão-sóos credores comerciais ou civis.

Ao contrário do que se defende, da análise minudente dos Diplomas legais supramencionados,depreende-se uma certa antinomia entre as normas que regem, de um lado, a execuçãocoletiva no âmbito do processo falimentar e, de outro, o executivo fiscal de dívida ativa,promovido por entes políticos e suas autarquias, cuja especialidade procedimental e relevânciaconsubstanciam a opção do legislador em possibilitar a realização da justiça fiscal em prol daAdministração Pública e, por conseguinte, do interesse público.

Ocorre que dada a preeminência do crédito da Fazenda pública o juízo da execução éprivilegiado, não ficando sujeito a concurso de credores ou habilitação em falência, não sendolegítimo, por conseguinte, aplicar aquele entendimento sumulado aos executivos fiscais, cujacompetência para processar e julgar exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o universal. E,em decorrência da primazia da dívida para com o Poder Público, pode efetivar-se acoexistência de processos simultâneos, eis que inobstante a instauração do juízo universal, aexecução fiscal prossegue normalmente, ainda que a quebra da empresa se proceda após oajuizamento do feito, uma vez que aqueles legitimados ativos não estão obrigados a declararno juízo falimentar os seus créditos.

Nesse contexto, não é plausível e atenta contra o princípio da razoabilidade e da própria justiçasocial desvirtuar o intento do legislador em perfectibilizar em diplomas legais distintos regimese objetos jurídicos diversos, até porque a Suprema Corte já afastou o comando inscrito no art.208 da Lei de Falências na cobrança dos créditos tributários (RE 95.146/RS).

Com efeito, adotar linha de entendimento contrária discrepa da opção do legislador além deentrar em choque com a hipótese comumente ocorrida em sede de execução fiscal, quando, àmíngua de bens da massa falida, e/ou estes restarem totalmente absorvidos pelos créditostrabalhistas (art. 186 do CTN), o executivo é redirecionado contra os sócios-gerentes naqualidade de responsáveis tributários por substituição, eis que obrigados pelas parcelas emreferência.

Como se vê, os preceitos atinentes à Lei de Falências não são aplicáveis em tema de execuçãofiscal, porém, exclusivamente, aos créditos habilitados em falência, por constituírem institutoscom peculiaridades e regimes jurídicos próprios, cumprindo lembrar ter a Súmula 565 do STFvindo ao mundo jurídico com apoio em julgados precedentes à edição da Lei 6.830/80 quandoaté então os créditos fiscais podiam e eram habilitados na falência, o que não mais aconteceatualmente.

Importante ressaltar, no que diz respeito aos juros de mora, que inobstante o entendimentode que a Lei de Falências é inaplicável à execução fiscal, são estes devidos, coincidentementecom o que dispõe aquele diploma legal, somente até a data da quebra. A justificativa está nofato de que, no momento da decretação da falência, perde a empresa devedora adisponibilidade de seu patrimônio. Assim, estando impossibilitada de cumprir suas obrigaçõesem razão de lei, não há falar em mora.

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Ademais, na exegese do art. 23, parágrafo único, inciso III, do Decreto-Lei nº 7.661/45, nãocabe ao intérprete valer-se do comando inscrito no art.112, II, do CTN, isso porque odispositivo da lei tributária só tem cabimento quando houver dúvida na aplicação da lei (STJ –EREsp nº 111.926-0 – DJ de 24.08.00).

Logo, é no simples cotejo dos Diplomas legais em questão que se chega à inarredávelconclusão acerca da autonomia da cobrança da dívida fiscal tributária com relação à apuraçãodos créditos processados nos autos do juízo universal, e, por decorrência, a inaplicabilidade doDecreto-Lei 7661/45 à execução fiscal, com a exigibilidade plena da multa e dos juros de moraaté a data da quebra.

A propósito, vejam-se Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça assim ementados:

‘EXECUTIVO FISCAL. MASSA FALIDA. JUROS. MULTA. HONORÁRIOS (CTN, ART. 187; DEC-LEI N°7.661/45, ARTS. 23, III E 208, PAR. 2°). Na cobrança de crédito tributário contra massa falidanão incidem os preceitos do Decreto-Lei 7.661, de 21.6.45 (CTN, art. 187). Assim, tal cobrançanão está sujeita às restrições contidas nos artigos 23, /I/, e 208, par. 2°, da Lei deFalências.’ (REsp nº 8353/SP, 18 Turma do STJ, unânime, Rel. Ministro Humberto Gomes deBarros, DJ de 17.05.93).

‘(...) 2. Dívida ativa da Fazenda Pública cobrada via execução fiscal não está sujeita às regrasinseridas na denominada 'Lei de Falências'. O art. 23 do Decreto-Lei n° 7.661/45 só pode seraplicado nos feitos falimentares, não alcançando os processos executivos fiscais, que sãoregidos por legislação própria (Lei n° 6.830/80) Precedentes do STF e do STJ : RE 95. 146/RS eREsp 8. 353/SP. Ponto de vista do relator. 3. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 151.329/PR, 2a Turma do STJ, unânime, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 19.10.98, p. 65).

‘PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA. INCIDÊNCIADE VERBA ADVOCATÍCIA. 1. Na cobrança de crédito tributário em face de massa falida não seaplicam os dispositivos da lei de falência, mormente o art. 208, parágrafo segundo. 2. Regra aespécie o disposto no art. 187 do CTN, bem como o art. 20 do Código de Processo Civil. 3.Honorários advocatícios devidos. 4. Recurso conhecido e provido.’ (REsp 87954/SP, 18 Turmado STJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 03.06.96, p. 19225).

Em suma, o que veda a Lei de Falências é a cobrança de penas pecuniárias na falência, não nasexecuções reguladas por lei especial, como na hipótese dos autos.

Ainda que assim não fosse, veja-se o atual entendimento sobre o cabimento ou não dapenalidade mesmo entre credores comerciais:

‘COMERCIAL. FALÊNCIA. CLÁUSULA PENAL. A cláusula penal exigível antes da falência éoponível à massa. Recurso especial conhecido e provido.’ (REsp n° 95.356/SP, 3a Turma, Rel.Ministro Ari Pargendler, publicado no DJ de 08.05.00, p.88).

Do voto do Relator colhe-se o seguinte trecho:

‘A falência’ (dispõe o art. 25, caput, da Lei 7.661/45) ‘produz o vencimento antecipado detodas as dívidas do falido e do sócio solidário da sociedade falida, com o abatimento dos juroslegais, se outra taxa não tiver sido estipulada.’ O respectivo § 3° explicita: ‘As cláusulas penais

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dos contratos unilaterais não serão atendidas, se as obrigações neles estipuladas se venceramem virtude da falência’. A contrario sensu, as cláusulas penais exigíveis antes da falência sãooponíveis à massa, e nesse sentido tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, de que sãoexemplos os acórdãos a seguir referidos, por ementas: ‘A multa contratual integra o créditohabilitado, quando a obrigação vencer antes de decretada a falência. No caso, já corria ação deexecução para cobrança de crédito’- trecho da ementa do REsp n° 94.629, MS, Relator oMinistro Nilson Naves (DJ, 12.04.99, p. 142). ‘Falência. Habilitação de crédito. Multa contratual.Inclusão no cálculo. Precedentes. Recurso provido. Nos termos da jurisprudência desta QuartaTurma, a multa contratual somente não integra o valor do crédito habilitado em falênciaquando se refere a obrigação cujo vencimento tenha ocorrido por força da decretação dafalência ou quando, vinculada sua cobrança a necessidade de ingresso em Juízo, esta não setenha verificado até o momento da decretação’ (REsp n° 86.586, MS, Relator o Ministro Sálviode Figueiredo Teixeira, DJ, 12.05.97, p. 18.809). Voto, por isso, no sentido de conhecer dorecurso especial e de dar-lhe provimento para restabelecer a autoridade da sentença de 1°grau.’

Ora, se a exigibilidade da cláusula penal para os credores comerciais ou civis é reconhecidaquanto às obrigações vencidas antes da quebra, não há razão lógica ou jurídica em nãoestender tal beneficio aos créditos tributários em idêntica situação até porque privilegiados(art. 183 e seguintes do CTN) em atenção ao interesse público que deve sempre prevalecerfrente ao do particular.

Em suma, com a vênia dos que defendem posição contrária, tenho que a execução fiscal, porser regulada por lei especial, não está sujeita a nenhum dispositivo da lei de quebras.

Frente a esse quadro, nego provimento ao recurso da embargante e dou parcial provimento aoapelo da União e à remessa oficial, para manter a cobrança da multa. Não há se cogitar deverba honorária tendo em conta a Súmula 168 do TFR.”

A controvérsia, portanto, restringe-se a saber se é devida a multa nasexecuções fiscais contra a massa falida enquanto vigente o processofalimentar.

A teor do disposto no art. 23, § único, inc. III, do Decreto-Lei nº 7.661/45, nãopodem ser reclamadas na falência as penas pecuniárias por infração das leisadministrativas.

Assim, a multa fiscal, por se tratar de pena administrativa, não pode sercobrada da massa falida. Essa disposição aplica-se sobre todos os débitos damassa falida, inclusive os de natureza fiscal.

A matéria não comporta maiores considerações a partir das Súmulas nºs 192 e565 do STF, que assim dispõem, respectivamente:

“Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de penaadministrativa.”

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“A multa fiscal moratória constitui pena administrativa não se incluindo no crédito habilitadoem falência.”

Nesse sentido, cito a seguinte decisão da 1ª Seção desta Corte:

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA.EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. SÚMULAS 192 E 565 DO STF. APLICABILIDADE DA LEI DEFALÊNCIAS (DECRETO-LEI Nº 7.661/45) AOS EXECUTIVOS FISCAIS.

1. O entendimento predominante na Primeira Turma desta Corte é no sentido de que a multafiscal moratória não é devida pela massa falida, já que se trata de pena administrativa, nãopodendo ser reclamada na falência por força do art. 23, parágrafo único, inc. III do DL7.661/45. Aplicação das Súmulas 192 e 565 do STF.

2. Embargos infringentes improvidos.” (EIA nº 1998.04.01.071394-6/RS, Rel. Juiz José Luiz B.Germano da Silva, DJU de 16.08.2000)

Não é outro o entendimento manifestado em recentes decisões do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. MULTA FISCAL. SÚMULA 565/STF.

1. A multa não se inclui no crédito habilitado em falência (Súmula nº 565 do STF).

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso não provido.” (REsp nº 261495/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Milton Luiz Pereira,DJ de 27.11.2000, p. 00138)

“FALÊNCIA. JUROS. INCIDÊNCIA. MULTA. SÚMULA Nº 565 DO STF. PENHORA. EXECUÇÃOFISCAL.

A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitadoem falência (Súmula nº 565 do STF).

(...)” (REsp nº 253146/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Garcia Vieira, DJ de 14.08.2000, p. 00153)

Assim sendo, e atendo-me à divergência existente no julgado, voto no sentidode rejeitar o requerimento de argüição de inconstitucionalidade e negarprovimento aos embargos infringentes, mantendo a decisão da Turma, com avênia do Eminente Juiz Élcio Pinheiro de Castro, prolator do voto vencido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.08.004657-5/RS

Relator: O Exmo. Sr Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

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Advogado: Dr. Alexandre Nunes Machado

Apelado: Sinos Transporte de Cargas Ltda.

Advogados: Drs. Paulo Cezar Rutzen e outros

EMENTA

Execução fiscal. Embargos. Adesão ao REFIS. Extinção. Lei 10.189/01.Honorários advocatícios. Erro material.

1. Havendo acordo para parcelamento do débito fiscal, é incabível acondenação do embargante desistente em honorários advocatícios. 2. Odisposto no art. 5º, § 3º, da MP nº 2.061, de 29.09.00, aplica-se somente aosdébitos não tributários. 3. Inexistindo recurso da parte interessada, mantêm-seos honorários advocatícios fixados pela sentença. 4. Correção de ofício do erromaterial da sentença para decretar a extinção do processo com julgamento domérito, visto que a adesão ao REFIS implica confissão irrevogável e irretratáveldos débitos (art. 269, V, do CPC).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao apelo e corrigir de ofício erro material da sentença, nostermos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de outubro de 2001.

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de apelação desentença que, homologando pedido de desistência dos embargos opostos àexecução fiscal, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, comfundamento no art. 267, VII, do CPC, face à adesão da Embargante ao REFIS.Condenou a Executada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em1% sobre o valor do débito consolidado, com base no art. 5º, §3º, da MedidaProvisória 2.061, de 31.10.2000.

Sustenta o Recorrente que o dispositivo apontado da Medida Provisória

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2.061/00 não se aplica aos débitos tributários. Pleiteia a majoração da verbahonorária.

Ausentes as contra-razões, subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Não assiste razão àRecorrente. O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, afastou acondenação em honorários nas hipóteses como a dos autos. Veja-se o seguinteAcórdão:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DESISTÊNCIA EM DECORRÊNCIA DO ACORDOPARA O PARCELAMENTO DO DÉBITO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃODESCABIDA. Não cabe condenar em honorários advocatícios o devedor que desistiu dosembargos à execução fiscal, em decorrência de acordo para o parcelamento do débito fiscal.Precedente jurisprudencial.” (REsp. nº 114750/DF, RSTJ/124/116, publicado no DJ de 26.04.99,p. 48)

Esta Segunda Turma tem perfilhado o mesmo entendimento

“A Turma tem entendido que, sendo a desistência da ação judicial que se contrapõe ao créditotributário condição para o ingresso no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, cujo objetivo épromover a regularização dos créditos da União e do INSS, não pode a parte que adere aobenefício ditado por lei ser penalizada com o ônus da sucumbência” (AC nº1999.71.08.004658-7/RS, Rel. Des. Federal Surreaux Chagas, julgado em 25.09.01, porunanimidade).

Em suma, parcelado o débito na esfera administrativa, não pode ser exigido opagamento de verba advocatícia na esfera judicial, quando da desistência dosembargos em razão do parcelamento ajustado.

A Lei 10.189/01, precedida da Medida Provisória nº 2.061-4, de 2001, não éaplicável ao presente caso, porquanto o seu art. 5º, § 3º, que fixa o limite de1%, remete ao § 3º do art. 13 da Lei 9.964/2000, assim redigido:

“Os débitos não tributários inscritos em dívida ativa, com vencimento até 29 de fevereiro de2000, poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, iguais e sucessivas, perante aProcuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observadas as demais regras aplicáveis aoparcelamento de que trata o art. 12. ... § 3º. O disposto neste artigo aplica-se à verba desucumbência devida por desistência de ação judicial para fins de inclusão dos respectivosdébitos, inclusive no âmbito do INSS, no REFIS ou no parcelamento alternativo a que se refereo § 2º.”

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Da simples leitura do dispositivo legal verifica-se que este somente se aplicaaos débitos não-tributários, o que não é o presente caso, razão pela qual nãoincide o disposto na mencionada norma.

Entretanto, não tendo a parte interessada recorrido, deve ser mantida asentença que arbitrou honorários advocatícios.

Por fim, observo a existência de erro material na sentença que julgou osembargos extintos sem julgamento do mérito. Com efeito, a adesão daExecutada ao REFIS implica “confissão irrevogável e irretratável dosdébitos” (art. 3º, Lei nº 9.964/2000), acarretando a renúncia do direito. Daí anecessidade de extinção do processo com julgamento do mérito nos termos doart. 269, V, do CPC, na linha dos precedentes da Segunda Turma, de que éexemplo a AC nº 2001.04.01.063756-8/SC, Rel. Des. Federal Vilson Darós,julgada em 09.09.01, por unanimidade.

Face ao exposto, nego provimento ao apelo e corrijo, de ofício, o erro materialda sentença, consoante fundamentação supra.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.143740-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Agravante: Ministério Público

Advogado: Dr. Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle

Agravado: Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de SantaCatarina/SC

Advogados: Drs. Júlio Cézar Sampaio Teixeira e outros

Agravada: Associação Comercial e Industrial de Lages – ACIL

Advogados: Drs. Rafael Amaral Borba e outros

Interessado: Nésio Jacques Pereira

Advogados: Drs. Renato Mastella e outro

EMENTA

Processual Civil. Ação popular contra o SEBRAE. Competência federal.

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Compete à Justiça Federal processar e julgar ação popular ajuizada em face aoSEBRAE ante a gestão que a nominada entidade realiza de verbas públicasfederais e a natureza autárquica que ostenta aos fins.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a QuartaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, darprovimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de agosto de 2001.

Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de agravo deinstrumento tempestivo interposto de r. decisão (fl. 19) proferida em açãopopular, versando sobre a nulidade de convênio/contrato firmado semlicitação, em trâmite perante o MM. Juízo da 2ª Vara Federal deFlorianópolis/SC. A insurgência é posta contra o decisum que, reconhecendo aincompetência absoluta da Justiça Federal ao processamento e julgamento dalide, determinou a remessa dos autos à douta Justiça Estadual.

Segundo argumenta o recorrente, a qualificação de autarquia dada ao Serviçode Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina — SEBRAE/SC temfundamento em dispositivo legal; no haurimento de contribuição parafiscal; nasujeição à fiscalização pelo Tribunal de Contas da União; e em interpretaçãoteleológica e sistemática, justificando-se, assim, a competência da JustiçaFederal.

O recurso foi processado com efeito suspensivo (fls. 39/40).

As informações pertinentes foram prestadas pelo MM. Juízo da causa (fl. 44).

Instada, a parte ex adversa apresentou resposta (fls. 50 a 57 e 74 a 78).

É o relatório. Sem revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: O questionamento de

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fundo da manifestação recursal diz com a definição da Justiça competente – seFederal ou Estadual – ao processamento e julgamento de ação popular movidacontra o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina —SEBRAE/SC, entre outros.

Inicialmente, gizo que a natureza autárquica do SEBRAE/SC, especificamentepara os fins de ação popular, é atribuída pela conjugação do disposto no artigo28, alínea a do seu Estatuto Social (fls. 59 a 68) com a disciplina da Lei nº4.717/65, que em seu artigo 20, alínea c literaliza:

“Art. 20. Para os fins desta Lei, consideram-se entidades autárquicas:

...

c) as entidades de direito público ou privado a que a lei tiver atribuído competência parareceber e aplicar contribuições parafiscais.”

Seguindo, verifico, in casu, a incidência do artigo 5º, §§ 1º e 2º, da Lei nº4.717/65 à fixação da competência federal ao processamento e julgamento daação de origem. In verbis:

“Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação,processá-la e julgá-la, o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o forpara as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município.

§ 1º Para fins de competência, equiparam-se a atos da União, do Distrito Federal, do Estado oudos Municípios, os atos das pessoas citadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direitopúblico, bem como os atos das sociedades de que elas sejam acionistas e os das pessoas ouentidades por elas subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial.

§ 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ouentidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessarsimultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, sehouver.”

Nessa esteira, colaciono precedentes desta Corte:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. COMPETÊNCIA.

Movida a demanda, dentre outras, contra entidade que, por ter competência para receber eaplicar contribuição parafiscal, a Lei nº 4.717/65 considera autárquica, é de ser tido porcompetente o juízo das causas da União, a teor do disposto no respectivo art. 5º, §§ 1º e 2º. ALei nº 4.717/65 não foi derrogada pela Lei nº 8.029/90.” (AG nº 2000.04.01.125925-5/SC, Rel.Juiz Valdemar Capeletti, Quarta Turma, DJU 18.04.01, p. 334)

“PROCESSO CIVIL. DEMANDA CONTRA SEBRAE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

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O SEBRAE, mesmo sendo uma sociedade civil sem fins lucrativos, mantém-se com verbasprovenientes da contribuição social prevista na Lei nº 8029/90, alterada pela Lei nº 8154/90,além de outros rendimentos. Neste sentido, enquadra-se na Lei nº 4717/65, art. 20, c, sendoconsiderado entidade autárquica, estando sujeito à jurisdição da Justiça Federal, nos termos doart. 5º, §§ 1º e 2º, do mesmo diploma legal.” (Ag nº 2000.04.01.066997-8/SC, Rel. Juiz EdgardLippmann, Quarta Turma, DJU 20.12.2000, p. 204)

Ademais, aponto que a competência da Justiça Federal permanece hígidamesmo que, a pressuposto de não recepção da referida norma peloordenamento constitucional vigente, abstraia-se sua incidência ao presentecaso. Assim é haja vista a natureza autárquica que o SEBRAE/SC ostenta parafins de ação popular conjugado com o fato da nominada entidade gerir verbaspúblicas federais. Sendo o questionamento de fundo da lide a malversação dosaludidos recursos, exsurge, de aí, o interesse da União no feito, subsumindo ahipótese à disciplina direta do artigo 109, inciso I da Constituição Federal.

Ante o exposto.

Dou provimento ao agravo de instrumento. Faço-o para fixar a competência daJustiça Federal ao processamento e julgamento da ação de origem.

É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.05.000905-4/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Miguel Ângelo Sedrez Júnior

Apelados: Comércio e Agricultura Marval Ltda., Valdir Zucatelli e MartinaZucatelli

EMENTA

Civil e Processual Civil. Ação de depósito (Lei nº 8.866/94). Indeferimento dainicial. Depositário infiel – equiparação. Prisão. Impossibilidade.

O depositário por equiparação responde patrimonialmente por sua obrigaçãomas não se sujeita à prisão civil, sendo inadmissível a ação de depósito comvistas a aplicar-lhe a constrição da liberdade pessoal.

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a QuartaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de junho de 2001.

Des. Federal Amaury Chaves de Athayde Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de apelaçãotempestiva (fls. 31 a 35) interposta de v. sentença (fls. 27 a 30) que indeferiu ainicial de ação de depósito, proposta pelo INSS, em face de empregador, comfulcro no disposto do artigo 1º da Lei nº 8.866/94, processada perante o MM.Juízo da 1ª Vara Federal de Blumenau/SC, por impossibilidade jurídica dopedido.

A apelante pede a reforma da r. sentença, ao argumento de que não podeprevalecer o entendimento de que se inibidas a prisão e a revelia por força dasuspensão da eficácia dos parágrafos 2º e 3º do artigo 4º da Lei nº 8.866/94,estaria prejudicada a possibilidade jurídica do pedido, porque o pedido emsentido técnico, na ação de depósito, é o de restituição da coisa depositada.Aduz, que o pedido de cominação da pena de prisão não é da essência da açãode depósito, tanto que o autor poderá formulá-lo, ou não, na petição inicial,entretanto, é um meio coercitivo legal para a punição daquele que, naqualidade de depositário, apropria-se indevidamente do que lhe foi confiado.

Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório, dispensada a revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Observa-se do relatório,que a presente ação teve indeferida sua inicial, por impossibilidade jurídica dopedido. A respeito, a v. sentença, da lavra do eminente Juiz Eduardo Appioconsigna (fls. 27 a 30):

“...

Entendo que a presente inicial deve ser REJEITADA, com fundamento no disposto do art. 295, I,do Código de Processo Civil Brasileiro (impossibilidade jurídica do pedido), com base nos

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seguintes argumentos:

1º A República Federativa do Brasil, enquanto signatária do Pacto de San José da Costa Rica epor força do disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, filiou-se a sistema quenão admite a prisão civil que visa pagamento de dívida, ressalvadas as exceções previstas nobojo do próprio dispositivo constitucional. Considerando que a assinatura do pacto efetivou oingresso da norma em nosso ordenamento, entendo não poderia o legislador ordináriobrasileiro editar norma que colide frontalmente com o Estado Democrático de Direito e com asgarantias fundamentais do cidadão, vedada a execução corporal;

2º Note-se, inclusive, que a autarquia sequer ingressou com a AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCALjunto ao douto juízo da Vara Federal da Execuções Fiscais de Blumenau-SC, preferindo, desdelogo, pleitear a constrição da liberdade ambulatória do cidadão ao invés de subtrair parte deseu patrimônio disponível. Entendo que no Estado Democrático de Direito, ao Estado é defesaa agressão à liberdade pessoal do cidadão, quando disponha de bens que rendam ensejo àexecução fiscal (a qual já dispõe de mecanismos diferenciados);

3º Entendo, ainda, que a Constituição Federal de 1988 somente previu casos de prisão civil nashipóteses de DEPOSITÁRIO INFIEL enquanto depositário nomeado pelo juízo, seguindo iterativacorrente jurisprudencial do e. STJ, sendo vedada a prisão civil nos casos de DEPÓSITO POREQUIPARAÇÃO:

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRISÃO CIVIL.

Descabe a prisão civil do devedor em contrato de alienação fiduciária.

Recurso conhecido e provido. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 8439/MG, 4ª Turma doSTJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. J. 27.04.99, DJU 01.07.99, p. 178).

Decisão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, porunanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para cassar a decisão que ordenara aexpedição de mandado de prisão contra o paciente. Votaram com o Rel. os Srs. MinistrosSálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.

...

Recorde-se, ainda, que caso aceita a tese de que cabível prisão civil nos DEPÓSITOS POREQUIPARAÇÃO 3/4 como no caso dos autos 3/4 teremos, forçosamente, de aceitar a iniciativa dolegislador ordinário em eleger novas e múltiplas hipóteses equivalentes à dos autos, como nocaso, por exemplo, de dívida bancária

Ademais, dentro do sistema de execução previsto em nosso Código de Processo Civil Brasileiro,a execução deve-se processar pelo meio MENOS GRAVOSO à figura do devedor, sendo que aconstrição da liberdade ambulatória consiste em meio extremo para cobrança de débito doFisco brasileiro, o qual dificilmente conseguirá espaço suficiente nas penitenciárias brasileiraspara todos os devedores (ou depositários equiparados) das contribuições sociais dos

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empregados, mormente os que dirigem pequenos estabelecimentos comerciais e que figuramseguidamente como réus em processos criminais.

A criminalização da execução fiscal consiste em providência extrema, sob pena dedesnaturarmos o juízo das Execuções Fiscais, abrindo precedente ao legislador ordinário, oqual legislou em afronta à Constituição Federal quando editou a prefalada lei que provê o Fiscode instrumento de agressão à liberdade do cidadão.

Ademais, é consabido que os maiores devedores do INSS no país não têm sofrido intensafiscalização por parte do Fisco o qual com a sucessiva edição de pacotes econômicos temintensificado as dificuldades dos pequenos e médios comerciantes no país.

O próprio TRF da 4ª Região, em acórdão do qual reproduzo a EMENTA pela excelência deargumentos, já se manifestou sobre o importante tema. Assim:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE DEPÓSITO. LEI Nº 8.866/94. NÃO RECOLHIMENTO DE TRIBUTO.DESNECESSIDADE DE AÇÃO FISCAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.TRD.

1.No caso de não recolhimento de tributo, não pode ser feita a prisão do depositário. Épossível, contudo, exigir-se o pagamento do equivalente em dinheiro (art. 904) e, nãoocorrendo este, o caminho é o prosseguimento da execução através da penhora nos própriosautos, ou seja, sem necessidade de propor a ação fiscal.

2. A TRD, apesar de constituir-se em juros de mora (Lei nº 8.218/91), deve ser aplicada defevereiro a dezembro de 1991, a bem de se assegurar a correção monetária dos débitos fiscais,já que ausentes outros índices legalmente estipulados.” (Apelação Cível nº 950432482-7/SC, 1ªTurma do TRF da 4ª Região, Rel. Juiz Vladimir Freitas. Apelante: Kohlbach S/A. Apelada: UniãoFederal. Advs. Drs.: Otávio Acácio Rosa e outro. J. 16.03.99, un., DJU 19.05.99, p. 520).

...”

Filio-me a tais fundamentos, pela sua perfeita aplicação na relação dos autos.

Ante o exposto.

Nego provimento ao recurso.

É como voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.010912-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida

Agravante: Espumatec Injetados em Poliuretano Ind. e Com. Ltda.

Advogados: Drs. Miguel Angelo Etes Martins e outros

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Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Processual civil. Mandado de segurança. Adequação do valor da causa. Emendaà inicial.

1. A carga declaratória da sentença mandamental possibilita que se apure ovalor da causa com base na relação jurídica cuja existência quer o impetranteafirmar ou negar, segundo os critérios estabelecidos na lei processual.

2. Se o Juiz verificar que o valor atribuído à causa não corresponde aoconteúdo econômico buscado na ação, deve determinar à parte que promovaa emenda à inicial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto enotas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2001.

Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de agravo deinstrumento interposto contra decisão que determinou a adequação do valorda causa ao conteúdo econômico da demanda, sob pena de cancelamento dadistribuição.

Em suas razões, postula a agravante que seja reformada a decisão,considerando a estimativa atribuída à causa pela recorrente. Sustenta que nãohá critério fixado em lei nas ações de mandado de segurança para atribuir ovalor à causa, não podendo o juiz alterá-lo ou impugná-lo de ofício.

Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.

Houve manifestação da agravada pela manutenção da decisão recorrida.

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É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Segundo o art. 6º daLei nº 1.533/51, a petição inicial deverá preencher os requisitos dos arts. 158 e159 do Código de Processo Civil, que correspondem aos arts. 282 e 283 doatual CPC. Consoante o art. 282, V, o valor da causa constitui requisitoindispensável da petição inicial. A matéria é regida pelos arts. 259 a 261 doCPC, que estabelecem as regras de avaliação do valor da causa.

São plenamente aplicáveis ao mandado de segurança os dispositivossupracitados, sendo possível fixar o valor da causa com base no conteúdoeconômico objetivado pela ação mandamental. No caso presente, pretende aautora o reconhecimento do direito ao creditamento do IPI, na sua escritafiscal, dos valores relativos aos insumos empregados no processo deindustrialização, adquiridos com a alíquota de IPI zero ou isentos. Uma vez queo próprio recorrente admite a carga declaratória do mandado de segurança, éinegável que se pode apurar o valor da causa com base na relação jurídica cujaexistência quer o impetrante afirmar ou negar. Assim, cai por terra oargumento de que não há critério em lei fixado para as ações de mandado desegurança.

Destarte, se o Juiz verificar que o valor atribuído à causa não obedece aoscritérios estabelecidos em lei, deve determinar à parte que promova a emendaà inicial, para que se amolde o valor da causa ao conteúdo econômico buscadona ação. Impende salientar que o MM. Juízo a quo não modificou o valor dacausa de ofício, cingindo-se a intimar a parte para que emendasse a inicial. Apropósito, colaciono o seguinte precedente desta Corte:

“PETIÇÃO INICIAL - EMENDA -. ADEQUAÇÃO DO VALOR DA CAUSA. As regras sobre o valor dacausa são de ordem pública, e o juiz poderá alterá-lo de ofício, ou, como ocorreu, determinar àparte a emenda da inicial, sob pena de extinção do feito (arts. 295, inc. I e 267, I, ambos doCPC). Além disso, o valor da causa deve corresponder à importância perseguida, devidamenteatualizada à data do ajuizamento da ação” (AI nº 2000.04.01.020924-4/RS, 1ª Turma, Rel. JuizAmir José Finocchiaro Sarti, DJU 12.07.2000, p. 74)

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo deinstrumento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.011676-3/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

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Agravantes: Jurandir Santos Sachet e outro

Advogados: Drs. Lidson Jose Tomass e outro

Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Agravo de Instrumento. Processual Civil. Embargos parciais. Prosseguimento daexecução quanto à parcela incontroversa.

Em se tratando de embargos parciais, a execução prosseguirá quanto à parcelanão embargada, possibilitando a imediata expedição do precatório.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto enotas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de agosto de 2001.

Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Cuida-se de agravo deinstrumento interposto contra decisão que recebeu os embargos à execuçãono efeito suspensivo.

Alega o agravante que os embargos foram opostos em razão de excesso deexecução, razão pela qual a parte incontroversa pode ser executadaimediatamente.

Apresentadas contra-razões.

É o relatório.

VOTO

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O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: A suspensividademitigada inscrita no § 2º do art. 739 do CPC, derivada da oposição de embargosparciais, autoriza o prosseguimento da execução quanto à parcela não-embargada, a qual adquire o qualificativo de incontroversa.

Cândido Rangel Dinamarco, ao abordar as inovações processuais introduzidaspela Lei nº 8.953, registra:

“Os embargos dotados de parcial suspensividade estão previstos no novo § 2º do art. 739 doCódigo de Processo Civil, que diz: ‘quando os embargos forem parciais, a execução prosseguiráquanto à parte não embargada.’. Em outras palavras, será parcial a suspensão nessa hipótese(art. 791, inc. I) (v. supra, nº 199).

Quando os embargos do executado questionam o próprio crédito ou a admissibilidade daexecução forçada, serão fatalmente dotados de suspensividade integral. Em mais de umasituação, contudo, os embargos opostos a uma execução podem deixá-la inatingida em algumaparte. Daí a oportunidade das inovações trazidas com a reforma, que visaram a libertar oprocesso executivo de suspensões além do necessário e, com isso, permitiram a continuidadeda eficácia do título executivo na medida da parte incontroversa do crédito ou da execução.

225-A. embargos parciais e indicação do valor

O caso mais intuitivo de embargos objetivamente parciais é representado por aqueles em quese alega excesso de execução (art. 741, inc. V). Se o embargante impugna o cálculo propostopelo credor (art. 604 e art. 614, inc. II), o processo executivo ficará suspenso somente pelaparte controvertida, prosseguindo desde logo pelo que for incontroverso. Para que tenhaefetividade a sadia regra de suspensão parcial (art. 739, § 2º.), todavia, é indispensável que oembargante traga, desde logo, também o seu ‘demonstrativo do débito atualizado até apropositura da ação.’ Se assim não for feito ficará, fatalmente, sem valor algum a sadiainovação porque não disporá o juiz de elementos para determinar o valor pelo qual a execuçãoprosseguirá. Além disso, a isonomia, que a Constituição e a lei impõem ao processo, legitimaque o embargante suporte o mesmo ônus de especificar contas que ao credor éexpressamente imposto pela nova redação dos arts. 604 e 614.

A regra aqui proposta criará dificuldades para os grandes devedores, como a Fazenda Pública,mas não há por que privilegiá-los e descumprir a lei a dano dos que se prejudicam com tantosretardamentos. A Fazenda já tem tantos privilégios no processo, por que mais um? Nos casosde litisconsortes muito numerosos é ônus seu, como de qualquer demandado, promover desdelogo o desmembramento do processo de conhecimento (art. 46, par.) – com o que evitarásobressaltos no momento de embargar a execução. Do contrário, a Fazenda Pública beneficiar-se-ia com suspensão integral do processo executivo nos casos em que a lei a quer parcial (art.739, § 2º).” (in A Reforma do Código de Processo Civil, pág. 314).

Para mim, neste quadro, não subsiste dúvida acerca da possibilidade doprosseguimento da execução até final adimplemento do crédito exeqüendo,sendo desnecessária prestação das cautelas assecuratórias apregoadas no art.588 do CPC, uma vez que a execução, porque fundada em parcelaincontroversa, é definitiva.

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Registra a jurisprudência desta Casa Julgadora:

“PROCESSO CIVIL. EMBARGOS PARCIAIS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO QUANTO À PARTENÃO EMBARGADA. VALOR INCONTROVERSO. LEVANTAMENTO.

Quando os embargos forem parciais, a execução prosseguirá quanto à parte não embargada(art-739, par. 2, do CPC-73), podendo o exeqüente proceder ao levantamento da quantiaincontroversa, mormente quando o valor embargado está segurando o juízo.” (AI n.97.04.60882-9 – 3ª Turma – Relator Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, p. 18.02.98).

“EXECUÇÃO CONTRA FAZENDA PÚBLICA. PRECATÓRIO.

Versando os embargos à execução sobre parte do valor executado, nada impede que hajaexpedição de precatório sobre a parte restante, mormente quando reconhecida como devidapela própria embargante (CPC, art. 739, § 2º).” (AI nº 2000.04.01.040525-2 – 3ª Turma –Relator Juiz Teori Albino Zavascki, DJ em 02.08.2000).

A hipótese concreta amolda-se a esta previsão. A própria embargante, aoimpugnar parcialmente a execução, concordou com parte do valor apurado emliquidação de sentença (fl. 18). A discussão limita-se à aplicação, ou não, dataxa SELIC, ou seja, a um excesso de execução de R$ 1.011,67. Assim, mesmocom a interposição dos embargos, o valor não-atacado é definitivo, nadajustificando o atraso na expedição do precatório.

A infundada indisponibilidade da verba incontroversa configura o periculum inmora na espécie.

Por todo o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo deinstrumento, para determinar a continuidade da execução em relação àparcela incontroversa.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.025510-6/RS

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogados: Drs. Sirlei Neves Mendes da Silva e outros

Apelados: Ricardo Pandolfo de Conto e outro

Advogados: Drs. José Fernando Cirne Lima Eichenberg e outros

REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO

307

Dr. Lucas Braga Eichenberg

Interessada: San Marino Veículos Ltda.

Advogado: Dr. João Pedro Leal

EMENTA

Leilão. Direito de preferência. Locatária. Intimação.

Tendo o diretor da empresa locatária participado ativamente do leilão descabea alegação de falta de intimação para participação do ato.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aTerceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de setembro de 2001.

Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Ricardo Pandolfode Conto e Cleomar Silveira Rohenkol propuseram contra a Caixa EconômicaFederal e San Marino Veículos, esta na qualidade de litisconsorte necessária,ação de anulação de ato administrativo. Isto porque a Caixa deu provimento arecurso administrativo interposto pela empresa San Marino Veículos Ltda., nosentido de anular o leilão de imóvel efetivado em 18.12.98 no qual os autoresforam arrematantes.

Nos dizeres da inicial, os autores participaram do leilão público juntamentecom o representante da empresa San Marino Veículos Ltda. e de seuadvogado, no qual foi ofertado pela CEF um terreno com 17.873,20m2,localizado na Vila Bom Jesus, em Porto Alegre. A referida empresa, locatária doimóvel, ofertou lance de R$1.025.000,00 e, quando este foi suplantado,abandonou o certame, tendo os autores arrematado o bem. Inobstante, aempresa San Marino Veículos interpôs, em 28 de dezembro de 1998, recursoadministrativo, indeferido pela Comissão de Leilão em 6 de janeiro de 1999.Em 14 de janeiro do mesmo ano, quando já transitada em julgado a decisão

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308

indeferitória do recurso, San Marino Veículos Ltda. postulou novamente aanulação do leilão e sucessivamente o exercício de seus direitos depreferência. (fls.6 e 7). Os autores alegam que não foram intimados dosrecursos interpostos. Em 18 de janeiro de 1999, a CEF decidiu anular o leilãoem razão da falta de prévia notificação da empresa locatária.

Inconformados com a decisão anulatória do leilão, os autores interpuseram,em 27 de janeiro de 1999, com fundamento no art. 109, I, c, da Lei nº 8.666,recurso administrativo à autoridade imediatamente superior, e, em 29 domesmo mês o setor jurídico da CEF manteve o ato anulatório.

Em 05 de fevereiro, antes de decidido o recurso interposto pelos arrematantes,a CEF decidiu realizar novo leilão, aprazado para 10 de março de 1999,mantendo a mesma avaliação utilizada no leilão anterior. Esgotada a instânciaadministrativa, os autores ajuizaram esta ação.

Alegaram os autores que a empresa San Marino Veículos Ltda. tivera ciênciainequívoca da realização do leilão, tanto que, já em 18 de dezembro de 1998, aCia Zaluski de Negócios, sócia controladora da empresa San Marino,representada por seu diretor presidente Sr. Pedro Antônio Xavier Zaluski,igualmente diretor da empresa San Marino Ltda. encaminhou ao leiloeiro, Sr.Norton L. Fernandes, proposta para compra do imóvel pelo valor de CR$931.172,00. Na referida proposta o Sr. Pedro Zaluski declarou que estava “deacordo com o edital completo que é de nosso conhecimento”. Alegam aindaque o ato anulatório se deu com desvio de finalidade ( favorecimento daempresa San Marino Ltda. pela CEF) e sem a existência de justa causa. Aduzemainda os autores que o direito de preferência previsto no art. 27 da Lei nº8.245/91 encontra limite no contido no artigo37, XXI, da Constituição Federal.

Por fim, os autores pediram o desfazimento da decisão administrativa queanulou o leilão para a venda do imóvel constante do edital de leilão público doqual foram arrematantes, a concessão de liminar no sentido de suspender arealização de novo leilão, e a intimação das rés e do leiloeiro (fls. 2/29).

Intimada a falar sobre o pedido de suspensão de novo leilão (fl. 214), a CaixaEconômica Federal alegou que, tendo recebido a devolução do sinal pago, osautores não tem legitimidade para pleitear direito incompatível com os atosadministrativos. Sustentou que a anulação se deu por ausência de notificação àlocatária da área (San Marino) e que a correspondência com proposta decompra enviada ao leiloeiro foi expedida pela Cia. Zaluski de Negócios, pessoajurídica distinta da locatária (fls. 219/225).

O MM. Juiz da Décima Vara da Justiça Federal, Dr. Roger Raupp Rios, deferiu o

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pedido de suspensão liminar do leilão forte em que inexiste direito depreferência da locatária pois em matéria de licitação prevalece a regraconstitucional que estabelece igualdade entre os licitantes e determinou acitação da ré e da litisconsorte passiva (fls. 235/241).

A Caixa Econômica Federal e a empresa San Marino Ltda. apresentam suascontestações. A empresa contestou alegando que possui direito de preferênciaprevisto na Lei nº 8.245/91, que determina que, no caso de venda ou cessão dedireitos, ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para aquisiçãodo imóvel. A Caixa alegou ilegitimidade ativa dos autores e falta de notificaçãodo locatário o que enseja anulação do processo licitatório. Salientou que PedroZaluski é representante legal da Cia. Zaluski de Participações que não élocatária da CEF (fls.248 a 256 e fls. 358 a 367).

Após a réplica, sobreveio sentença afastando a preliminar e julgandoprocedente o pedido para declarar a nulidade do ato administrativo da CEF quedesconstituiu o leilão realizado em 18 de dezembro de 1998, ao fundamentode que não há direito de preferência à locatária e que, mesmo que houvesseexigência de intimação , é certo que a empresa locatária participou ativamentedo leilão (fls.832/841).

Apenas a CEF recorreu da sentença, alegando, em síntese, que a devolução dosinal pago aos autores representou a resilição bilateral do contrato com aextinção das obrigações assumidas por ambos, referentemente ao leilão. Afalta de notificação da empresa San Marino Ltda. é motivo para a anulação dahasta pública, pois, se assim não procedesse, poderia responder pelosprejuízos causados à locatária.

Em contra-razões, os autores alegaram, preliminarmente, falta de interesserecursal . No mérito, pediram a confirmação da sentença.

É o relatório. À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Os recorridosalegam, em preliminar, que a falta de interesse recursal por parte da CEFacarreta o não- cabimento do recurso. Sem razão. A condenação aopagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, que é deR$1.026.000,00, e que representam para a CEF 50% do valor do sinal pago naarrematação, por si só justifica o recurso com a tentativa de inversão do ônusda sucumbência.

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Não procede o argumento, articulado na apelação, de que o recebimento dadevolução da parcela de R$ 205.200,00 implique em desistência dos autores,que sempre demonstraram interesse na manutenção da arrematação, tantoque na inicial se dispuseram a depositar à disposição do Juízo o valor do sinalofertado, o que efetivamente ocorreu. A própria dedução em juízo dessapretensão evidencia o interesse dos autores.

O leilão foi anulado por falta de intimação da locatária. Ficou comprovado nosautos que a empresa San Marino Ltda. teve ciência da designação de leilão doterreno do qual é locatária. Verifica-se o fato na proposta datada de 18 dedezembro de 1998 na qual o Sr. Pedro Antônio Xavier Zaluski afirma “...tudo deacordo com o edital completo que é de nosso conhecimento”.

O Sr. Miguel Sanson, presidente da Comissão de Leilão, em correspondênciadirigida à empresa San Marino Ltda. fez constar que “O leiloeiro mantevecontato com a empresa com bastante antecedência, e estes contatos eramcom o Sr. Pedro Zaluski, e por isto afirma-se que o mesmo tinha conhecimentodo fato com um prazo bem amplo...” (fl. 135). É o mesmo Pedro Zaluski quemoutorgou procuração para seus advogados representarem a empresa SanMarino neste processo (fl.86).

A assertiva de que o Sr. Pedro Zaluski poderia ter comparecido ao leilão e dadolance em nome de outra pessoa jurídica ou mesmo em nome próprio,enquanto a empresa San Marino Ltda., também por ele representada, nãotinha ciência do leilão, beira as raias do absurdo. O Sr. Pedro Zaluski é sóciodiretor e administrador da empresa San Marino Ltda. (fl. 89)

Ficou comprovado nos autos que a empresa San Marino Veículos Ltda. teveciência do leilão. De todo modo, e mesmo que assim não fosse, não tem alocatária preferência sobre bem a leiloado. A Lei nº 8.245, de 1991, não cuidade preferência para o locatário em casos de certame público. O inciso XXI doart.37 da Constituição Federal estipula que “ressalvados os casos específicos nalegislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratadasmediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições atodos os concorrentes...”. No mesmo sentido é o acórdão transcrito na inicial eque teve como relator o Min. Maurício Corrêa.

Tendo ficado provado, de maneira indiscutível, que a empresa San MarinoLtda. teve conhecimento prévio da data aprazada para o leilão, que seudiretor-presidente dele participou, que o lance que ofertou foi superado, nadahá a reparar na sentença que declarou a nulidade do ato que anulou o certameem razão da falta de notificação da referida empresa.

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Voto, por isso, no sentido de negar provimento à apelação.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.027703-5/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Agravante: Banco Bamerindus do Brasil S/A

Advogados: Drs. Roberto Catalano Botelho Ferraz e outros

Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Liquidação extrajudicial. Execução fiscal. Prestação de contas pelo liquidante nojuízo da execução. Penhora de bens para garantir o processo executório.

Não há suporte legal para prestação de contas do Liquidante na execução fiscalproposta pela União, devendo ela ser formalizada nos autos da Liquidação, nãoexistindo qualquer razão para que lhe seja aplicado o previsto no art. 599 doCPC, porquanto o Liquidante prestará contas ao Banco Central do Brasil,respondendo civil e criminalmente por seus atos.

Estando o processo de liquidação extrajudicial em andamento, e tal qual ocorreno falimentar, com o objetivo de realizar o ativo para o pagamento doscredores, entre os quais se encontra, e inclusive preferencialmente, a União,inocorre o risco de dilapidação do patrimônio do agravante na realização doativo, porquanto os bens só serão alienados pelo preço da avaliação ousuperior. A garantia da execução, para fins de oposição de embargos, tal qualocorre no processo falimentar, faz-se via penhora no rosto dos autos daliquidação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto enotas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de junho de 2001.

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Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de agravo de instrumentointerposto da decisão do MM. Juízo a quo que, em execução fiscal, determinoua intimação do Liquidante do Banco Bamerindus, para informar o Juízo sobretodas as vendas de bens da instituição realizadas até a presente data, o valorarrecadado com o produto dessas alienações, o número do processo deliquidação extrajudicial do Banco Bamerindus e a repartição onde esse seencontra para consulta, bem como para que deposite o valor em dinheironecessário à integral garantia do juízo ou para que indique onde se encontramdepositados os valores arrecadados com as alienações indicadas, sob pena deaplicação do previsto no art. 601 do CPC, além de estar sujeito à disposição doart. 4º, § 1º, da Lei nº 6.830 e àquela do art. 330 do Código Penal.

O agravante, na forma do art. 527, II, do CPC, pleiteou a suspensão da decisãoe, ao final, o provimento do agravo para o fim de desobrigar o Liquidante deprestar as informações determinadas pelo Juízo e também para afastar aadvertência, nos termos do art. 599, II, do CPC, bem como desobrigá-lo degarantir o Juízo para oposição dos respectivos embargos à execução.

Espontaneamente, a Fazenda Nacional veio aos autos apresentando as contra-razões ao presente recurso e, posteriormente, requereu juntada de decisãoproferida nos Autos de Ação Cautelar nº 2001.61.00.009174-6 proposta deforma incidental à Ação Civil Pública nº 98.0027339-5 promovida contra oBanco Central do Brasil, Banco HSBC S/A, Banco Bamerindus S/A em LiquidaçãoExtrajudicial e Flávio de Souza Siqueira.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Insurge-se o agravante contra decisãomonocrática sustentando, em síntese, que, mesmo desnecessária a garantia dojuízo por estar em liquidação extrajudicial conduzida pelo Banco Central doBrasil e por estar garantida a dívida pelo conjunto do patrimônio do BancoBamerindus, este compareceu aos autos da execução para requerer prazo de15 dias para apurar a situação dos veículos apontados pela Fazenda aoargumento de que alguns poderiam ter sido alienados, e, conseqüentemente, apenhora sobre os mesmos causaria prejuízos a terceiros estranhos aoprocesso, o que foi indeferido pelo Juízo com a expedição do mandado depenhora dos referidos veículos, bem como de tantos bens quantos necessários

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à integral garantia da execução. Assevera, ainda, que, dois dias apósprotocolizar a petição requerendo a intimação do Liquidante, para prestarcontas das alienações efetuadas e para depositar o valor da dívida em dinheiroem cinco dias, a Fazenda Nacional apresenta diversas matrículas de imóveis,requerendo que a penhora recaia sobre os mesmos.

Em sua decisão, ora combatida via deste agravo, o Juízo a quo manifestou-senos seguintes termos:

“ (...)

Defiro o pedido. Expeça-se mandado, COM URGÊNCIA, para intimação do sr. Liquidante doBanco Bamerindus, para que informe a este juízo sobre: a) todas as vendas de bens destainstituição realizadas até a presente data, b) o valor arrecadado como produto destasalienações, c) o número do processo de liquidação extrajudicial do Banco Bamerindus e arepartição onde este se encontra para consulta. Intime-se-o, ainda, para que deposite o valorem dinheiro necessário à integral do juízo ou para que indique onde se encontram depositadosos valores arrecadados com as alienações antes indicadas.

Fica o sr. Liquidante ciente de que o não atendimento a esta ordem judicial, sem a devidajustificativa, será tido como ato atentatório à dignidade da justiça, a teor do disposto no art.600 do CPC, ficando ele sujeito às penas do art. 601, além de estar sujeito à disposição do art.4º, § 1º, da Lei nº 6.830/80 (em razão da venda de bens sem autorização da Fazenda Nacional)e àquela do art. 330 do Código Penal.

3. A exeqüente requer, ainda, na fl. 233, a penhora de diversos imóveis.

Constato, porém, que os imóveis de matrículas n. 22.266 (fl. 235), 26.101 ( fl. 236) e 1.134 (fl.237) pertencem atualmente à 4ª Circunscrição do Registro de Imóveis. E que os imóveis dematrículas n. 44.322 (fl. 249), 43. 483 (fl. 250), 25.300 (fl.251), 25.299 (fl. 252), 25.298 (fl. 253),4.678 (fl. 254), 4.677 (fl. 255) e 4.676 (fl. 256) pertencem ao Cartório de Registro de Imóveis dePiraquara.

Em relação a tais imóveis, deve a exeqüente providenciar a juntada de matrícula atualizada.

Quanto aos demais, expeça-se mandado de penhora, observando-se que os imóveis dasmatrículas n. 49.451, 49.450 e 49.449 estão juntados em duplicidade (fls. 326-31 e 332-37) esobre o imóvel da matrícula n. 22.836 (fl. 247), o executado detém somente parte ideal.

(...)”

Sustenta o agravante o excesso cometido na decisão atacada ante a exigênciade verdadeira prestação de contas do Liquidante da instituição financeiraexecutada, sem que para isso haja previsão legal e competência do Juízo, alémdo que a exigência para depósito em dinheiro da dívida atinge interesse deterceiros e paralisa o procedimento instaurado pelo Banco Central do Brasil e,finalmente, evidencia excesso quando o Juízo faz ameaças à pessoa do

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Liquidante que nada mais fez senão cumprir suas funções institucionais:liquidar o ativo do Banco para satisfação dos credores.

Tenho que a insurgência do agravante merece prosperar. Vejamos.

Decretada a liquidação extrajudicial, de imediato, produzir-se-ão os seguintesefeitos nos termos do art. 18 da Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974:

“Art. 18. A decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, os seguintes efeitos:

a) suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo daentidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar aliquidação;

b) vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;

c) não atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em virtude dadecretação da liquidação extrajudicial;

d) não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto não integralmentepago o passivo;

e) interrupção da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade da instituição;

f) não reclamação de correção monetária de quaisquer divisas passivas, nem de penaspecuniárias por infração de leis penais ou administrativas.”

Assim, conforme o art. 16, § 1º, da Lei supracitada, a liquidação extrajudicialserá executada por liquidante nomeado pelo Banco Central do Brasil, comamplos poderes de administração e liquidação, inclusive propor ações erepresentar a massa em Juízo ou fora dele, que, com prévia e expressaautorização do Banco Central do Brasil, poderá, em benefício da massa, ultimaros negócios pendentes e, a qualquer tempo, onerar ou alienar seus bens, nesteúltimo caso através de licitações.

O Liquidante, na forma do art. 22, fará publicar, no Diário Oficial da União e emjornal de grande circulação do local da sede da entidade, aviso aos credorespara que declarem os respectivos créditos, sendo-lhes assegurados o direito deobterem do Liquidante as informações, extratos de contas, saldos e outroselementos necessários à defesa dos seus interesses e à prova dos respectivoscréditos. Ao serem notificados da decisão do Liquidante, a contar da data dorecebimento da notificação, os credores terão o prazo de dez dias pararecorrer, ao Banco Central do Brasil, do ato que lhes pareça desfavorável (art.24).

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Efetuada a declaração de créditos e julgados estes, o Liquidante organizará oquadro geral de credores e publicará, na forma prevista no artigo 22, aviso deque dito quadro, juntamente com o balanço geral, se acha afixado na sede edemais dependências da entidade, para conhecimento dos interessados,podendo qualquer interessado impugnar a legitimidade, valor, ou aclassificação dos créditos constantes do referido quadro.

Ainda, nos termos do art. 27, os credores que se julgarem prejudicados pelonão-provimento do recurso interposto, ou pela decisão proferida naimpugnação, poderão prosseguir nas ações que tenham sido suspensas porforça do art. 18, ou propor as que couberem, dando ciência do fato aoliquidante para que este reserve fundos suficientes à eventual satisfação dosrespectivos pedidos.

De seus atos, o Liquidante, nos termos do art. 33, prestará contas ao BancoCentral do Brasil, independentemente de qualquer exigência, no momento emque deixar suas funções, ou a qualquer tempo, quando solicitado,respondendo civil e criminalmente por seus atos.

Gize-se, ainda, à luz do art. 34, no que não colidir a Lei nº 6.024, de 1974,aplicam-se à liquidação extrajudicial as disposições da Lei de Falências(Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945), sendo que o liquidanteequipara-se ao síndico, e o Banco Central, ao juiz da falência.

Dessa forma, e por todo o exposto, entendo não haver suporte legal paraprestação de contas do Liquidante na execução fiscal proposta pela Uniãocontra o Banco Bamerindus S/A, devendo ela ser formalizada nos autos daLiquidação, não existindo qualquer razão para que lhe seja aplicado o previstono art. 599 do CPC, já que, como já foi dito, o Liquidante prestará contas aoBanco Central do Brasil, respondendo civil e criminalmente por seus atos.

Por outro lado, o processo de liquidação extrajudicial está em andamento, e talqual ocorre no falimentar, tem ele o objetivo de realizar o ativo para opagamento dos credores, entre os quais se encontra, e inclusivepreferencialmente, a União, não havendo risco de dilapidação do patrimôniodo agravante na realização do ativo, porquanto os bens só serão alienados pelopreço da avaliação ou superior.

Por fim, para a garantia da execução, tal qual ocorre na falência, deve haver apenhora no rosto dos autos de liquidação.

Isso posto, dou provimento ao agravo de instrumento, nos termos dafundamentação.

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É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº2001.04.01.056734-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Agravante: Kunilda Probst Eger

Advogados: Drs. Geonir Edvard Fonseca Vincensi e outro

Agravado: Despacho de fl.20

Interessado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogada: Dra. Maria Aparecida de Paula Lima Rech

EMENTA

Processual civil. Interpretação do art.156 do CPC.

A citação de obra jurídica estrangeira em peça processual não necessita detradução.

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a SextaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de agosto de 2001.

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se deagravo regimental onde o agravante insurge-se contra o r. despacho de fl. 20,que deferiu o efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pelo INSS,sustentando, unicamente, a nulidade da decisão, tendo em vista que a mesma

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teve por fundamento lição doutrinária de autor italiano, violando o art.156 doCPC.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço doagravo regimental, negando-lhe provimento.

A decisão hostilizada é do seguinte teor, verbis:

“Vistos, etc.

1. Defiro o efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 558 do CPC, pois, consoanteassinalado na inicial, a decisão do Juízo a quo que deferiu a antecipação de tutela apresentaconteúdo de irreversibilidade, o que contraria o sistema processual onde se insere a tutelaantecipatória.

A respeito, pertinente o magistério de Pasquale Frisina, verbis:

‘Ne consegue che ove la situazione cautelanda lo richieda, la misura cautelare potràcertamente assumere contenuto anticipatorio, ma per tale via dovrà limitarsi a realizzare unacomposizione provvisoria (giammai satisfattiva) dei contrapposti interessi, con effettioggettivamente reversibili, sì da impedire quel préjudice au principal che per l’abrogato Codede procédure civil del 1976 era il limite, espressamente enunciato, entro cui dovevano esserecontenute le misure urgenti di réferé. In altre parole, il giudice della cautela dovrà disporremisure a contenuto ed effetti giuridicamente reversibili, e comunque, <<contemperare gliinteressi anche del soggetto passivo della cautela, nel senso di tener conto di circostanze esituazioni che, non ponendosi in contrasto con le finalità di salvaguardia del diritto dedotto,siano in grado di influenzare la scelta delle misure assicurative più idonee, nonché le modalitàdi attuazione-esecuzione delle stesse>> (51),’ (La Tutela Anticipatoria: Profili Funzionali eStrutturalli, in Rivista di Diritto Processuale, anno XLI, n. 2-3, 1986, p. 381-2)

2. Proceda-se na conformidade do art. 527, III, do CPC.

3. Oficie-se ao Juízo a quo comunicando-o desta decisão.

Intimem-se. Publique-se.”

Com a mais respeitosa vênia, é de se rejeitar o único fundamento do presenteagravo regimental, pois desde sempre figuram nos Tribunais decisõestranscrevendo ensinamentos de autores estrangeiros e, evidentemente, nooriginal, notadamente os idiomas francês e italiano, que são de uso correntedos estudiosos do Direito.

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Confira-se, por exemplo, a obra de um dos mais ilustres Ministros do STF –Viveiros de Castro, Accordams e Votos Comentados, 1925 , onde constaminúmeros de seus votos na Suprema Corte, citando lições, no original e semtradução, de autores franceses, italianos e ingleses (in op. cit., p.251, 493, 494,495, por exemplo).

Em época mais recente, confira-se o voto do ilustre Ministro SepúlvedaPertence, in RTJ 164/343, onde fundamenta o seu voto nas lições transcritas deautores franceses e italianos.

Os exemplos são infinitos, dispensando a sua menção.

O que o art.156 do CPC exige é a redação do ato processual no idiomanacional, jamais impedindo a citação de autores estrangeiros, onde se buscailustrar a decisão judicial, no caso do Magistrado.

Nesse sentido, a melhor doutrina (Pontes de Miranda, Comentários ao CPC, 2ªedição, Forense, 1979, t.3, p.73; E.D, Moniz de Aragão, Comentários ao CC, 9ªedição, Forense, 1998, v.2, p.19).

A respeito, ensina Nelson Nery Jr., em seu CPC Comentado, 5ª edição, RT,p.619, verbis:

“Obra jurídica. Citação. Citação de obra jurídica estrangeira em peça processual não necessitade tradução (JTACivSP 117/163).”

Por esses motivos, conheço do agravo regimental, negando-lhe provimento.

É o meu voto.

REMESSA EX OFFICIO EM AC Nº 2001.04.01.066119-4/RS

Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Parte-Autora: Alvimar Luiz Lisot

Advogados: Drs. Luciano Sandri e outro

Parte-Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Edolar Osvaldo Bohnenberger

Remetente: Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Estrela/RS

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Interessado: Móveis e Esquadrias Paraíso Ltda.

EMENTA

Embargos de terceiro. Dação em pagamento não averbada no registro deimóveis. Execução fiscal. Honorários advocatícios.

“É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação deposse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda quedesprovido de registro” (Súmula 84 do STJ).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de outubro de 2001.

Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se embargos de terceiroopostos por Alvimar Luiz Lisot contra o INSS visando à desconstituição dapenhora incidente sobre imóvel penhorado em execução fiscal movida pelaautarquia contra Móveis e Esquadrias Paraíso Ltda.

A sentença julgou procedentes os embargos fundamentada no fato de que oembargante adquiriu o imóvel objeto de penhora antes da constrição,mediante dação em pagamento na ação executiva que moveu contra Móveis eEsquadrias Paraíso Ltda.

A embargada foi condenada a reembolsar as despesas processuais e a pagarhonorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa.

Subiram os autos da remessa oficial.

É o relatório.

VOTO

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A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de embargos deterceiro em que a embargante, adquirente de imóvel penhorado adquirido viadação em pagamento, pretende excluí-la da penhora efetivada na execuçãofiscal promovida pelo INSS. O pavilhão industrial descrito na inicial foiadquirido na ação executiva movida pelo embargante.

Cumpre ao terceiro ostentar posse do imóvel penhorado. Examinado os autos,verifica-se às fls. 9 a 14 o contrato de locação, segundo o qual o autor alugou opavilhão a uma indústria de móveis em setembro de 1999. À fl. 08, constacertidão judicial que comprova que o autor adquiriu de Móveis e EsquadriasParaíso Ltda. (devedora na execução fiscal do INSS) o pavilhão nos autos doprocesso de execução, inscrito sob o número 18.600. Portanto, tem oembargante posse da coisa penhorada.

A seguir se faz necessário verificar se a aquisição do pavilhão, feitaanteriormente à efetivação da penhora de execução fiscal, configura fraude àexecução, nos termos do art. 593 do Código de Processo Civil.

Compulsando os documentos juntados aos autos, verifica-se à fl. 20 que o autode penhora foi lavrado em 14.12.99 em execução movida pelo INSS contraMóveis e Esquadrias Paraíso Ltda. Logo, a constrição judicial se deuposteriormente à aquisição do referido pavilhão via dação em pagamento,conforme consta à fl. 08 certidão judicial confirmando a operação jurídica,datada de 06.05.98.

O contrato de fls. 09 e seguintes, no qual o embargante aluga o pavilhão a umaindústria de móveis, foi celebrado em setembro de 1999, e a penhora, emdezembro. Embora o contrato não tenha assinatura reconhecida em cartório,como frisou o procurador autárquico, trata-se de documento particular que foiratificado pelo depoimento de Dormário Severo Filho às fls. 55 e 56 que, emjuízo, confirmou a prova documental:

“Atualmente o depoente ocupa aquele pavilhão com uma indústria de móveis e estofados eestá lá desde setembro de 1999. Locou o pavilhão junto ao autor, com contrato escrito e peloque sabe é ele o proprietário do pavilhão. (...)”

O fato de a transferência do imóvel, via dação em pagamento, não ter sidoregistrada não interfere com a legitimidade da proteção da posse. O artigo1.046, § 1º, do CPC estabelece que os embargos podem ser de terceiro apenaspossuidor. Não há qualquer exigência de que o título de aquisição deva ter sidoregistrado para defesa da posse. Esse é o entendimento predominante no e.Superior Tribunal de Justiça, nos termos do enunciado nº 84: "é admissível aoposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do

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compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro".

Dispõe ainda, o artigo 490, parágrafo único, do Código Civil:

“Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si presunção de boa-fé, salvo prova emcontrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”.

O exame da documentação acostada aos autos demonstra que a embargante épossuidora com justo título, uma vez que possui certidão judicial quecomprova que o autor adquiriu o pavilhão no processo de execução movidocontra a executada.

Há, pois, que se concluir pela efetiva boa-fé do embargante. A esse respeito,vale citar a passagem de Pontes de Miranda, em seus Comentários ao Códigode Processo Civil:

“Quanto à boa-fé, o texto da lei, que pune a má-fé (arts. 16-18), aqui (art. 14, II) apenas exige aintenção pura, isenta de maldade ou de previsão ruim. As leis tiveram de proteger a posse deboa-fé e as aquisições de boa-fé e de desobrigarem de restituir o que com boa-fé sedespendeu (cf. Assento de 5 de dezembro de 1770). Se não há boa-fé, ou há indiferença àsconseqüências ou há má-fé. A indiferença às más conseqüências, se no caso era de exigir-secuidado, pode ser tida como falta de boa-fé.” (Tomo I – fls. 372/373 – art. 14, II – EditoraForense - 1974)

Ainda, a fraude à execução ocorre quando, já executado, o credor aliena bempassível de penhora, impossibilitando a solvência da dívida. Ora, admitindo-seque o executado tenha alienado o imóvel, objeto do processo, buscando burlarinclusive o adimplemento da dívida com o fisco, não pode o adquirente, nestecaso, sofrer qualquer prejuízo, em face da notória boa-fé, princípio que oisenta de qualquer ressarcimento.

Em face do exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa oficial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.05.001177-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann

Apelante: Cleomar Lutz dos Santos

Advogados: Drs. Emerson Alfredo Fogaca de Aguiar e outro

Apelada: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogado: Dr. Dionizio Lubave Dudek

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EMENTA

Embargos à execução. Avalista. Excesso de execução. Abusividade. Proteção aoconsumidor. Juros. Capitalização. Atualização monetária.

O aval visa a garantir o direito do credor. No momento em que apõe o aval, oavalista torna-se devedor solidário, respondendo nos mesmos moldes que odevedor principal.

As regras previstas no Código de Defesa do Consumidor são plenamenteaplicáveis na hipótese de revisão de contrato de financiamento, na modalidadede crédito educativo, pois dizem com operações bancárias, nos moldes do art.3º, § 2º, da Lei 8.078/90.

O limite da taxa de juros reais é de 12%, mais a taxa média de captação - TaxaSELIC - e juros legais de 6% ao ano a contar da citação, compreendidas aíquaisquer comissões ou remunerações pertinentes ao crédito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a QuartaTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcialprovimento ao apelo nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2001.

Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de embargos à execuçãode título extrajudicial, opostos por Cleomar Lutz dos Santos contra a CaixaEconômica Federal, nos quais alega, preliminarmente, ilegitimidade para atuarno pólo passivo, considerando a condição de avalista, bem como, no mérito,excesso de execução em face da abusiva taxa aplicada para os juros, agregadaà TR como fator de correção monetária relativamente às prestações docontrato de mútuo.

A sentença é pela improcedência dos embargos. Condenada a embargante emcustas e honorários, estes fixados em 10% do valor da causa.

Em sede de apelo, a embargante sustenta, preliminarmente, sua ilegitimidade

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passiva em face de sua condição de avalista, não tendo responsabilidade sobreo débito. No mérito, sustenta estar equivocado o fundamento utilizado pelojulgador a quo no sentido de não se aplicar o Código de Defesa do Consumidoràs discussões pertinentes aos contratos bancários. Sustenta ainda ainconstitucionalidade, em face do art. 192, § 3º, da taxa de juros superior a12% ao ano, além de ser indevida a TR como fator de correção monetária.Nesses termos, requer seja provido o apelo e reformada integralmente asentença de modo que seja reconhecida a inexigibilidade do título executivo.

Com contra-razões, chegam-me conclusos estes autos.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Preliminarmente, analiso acondição de avalista do embargante, além de sua responsabilidade sobre odébito sob execução.

O aval visa a garantir o direito do credor. No que se refere à responsabilidadedo avalista, deve ser dito que, no momento em que apõe o aval, o avalistatorna-se devedor solidário, respondendo nos mesmos moldes do devedorprincipal. O STJ, inclusive, já editou a Súmula nº 26: “O avalista do título decrédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigaçõespactuadas, quando no contrato figurar como devedor solidário.”

Portanto, rejeito essa preliminar.

Quanto ao mérito, tenho que as regras previstas no Código de Defesa doConsumidor são plenamente aplicáveis ao caso, pois dizem com operaçõesbancárias, expressamente tuteladas nos moldes do art. 3º, § 2º, da Lei8.078/90. E, nesse sentido, já me manifestei nesta Turma.

Não basta a mera alegação de que se trata de modalidade de contratobancário para fim de excluir sua inserção das relações de consumo, conformedefinido na Lei nº 8.078/90. É que, não obstante alguns precedentes destaCorte em sentido contrário, encontrando eco em alguns outros Tribunais, naverdade, a questão merece melhor ser debatida quanto a esse aspecto.

Não se pode olvidar que o Código de Defesa do Consumidor utiliza, comopremissa básica, a vulnerabilidade do consumidor, daí porque a intenção dolegislador no sentido de tutelar os direitos das pessoas que, por meio deoferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas e contratos de

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adesão com cláusulas abusivas, sofram qualquer tipo de violação ou abuso dedireito, enquadrando-se, nesse gênero, tanto a pessoa física como a jurídica,daí porque permitir o artigo 29 que os benefícios da aludida legislação sejamestendidos aos potencialmente atingidos por práticas comerciais e bancáriasdanosas, ou então, na feliz expressão do Prof. Antônio Benjamin H. deVasconcellos, in CDC Comentado, Ed. Forense, 1991, pág.87, “..basta a meraexposição às práticas comerciais ou contratuais para que se esteja diante deum consumidor a merecer cobertura do código.”

A tese, em face de sua relevância, chegou a ser objeto de apreciação conjuntano I Congresso Interamericano de Direito do Consumidor, 3º Congresso Ibero-Latino-Americano de Direito do Consumidor, 4º Congresso de Direito doConsumidor, realizados na cidade gaúcha de Gramado, entre 8 e 11 de marçode 1998, conforme “Edição especial”, publicada pela revista AJURIS, de marçode 1998. Nele, destaca-se a seguinte conclusão:

“3. Destarte, aos contratos bancários envolvendo uma instituição financeira e uma pessoajurídica firmados por meio de contratos de adesão, ainda que não haja destinação final ourelação de consumo, deve ser aplicado o CDC, com fundamento na extensão preconizada noart. 29, não sendo requisito a destinação final do produto ou serviço, mas a mera exposição àspráticas previstas nos Capítulos V e VI do Título I, do Código.”

Antes de passar ao deslinde da controvérsia quanto à possibilidade delimitação das taxas de juros aplicadas, trago uma pequena alegoria que,circulando recentemente em grupos de discussão da Internet, expõe comclaras tintas o viés dramático que o tema adquiriu nos últimos anos.Suponhamos que um correntista, no ano de 1995, tenha sacado cem reais nocheque especial e depositado tal numerário na caderneta de poupança.Verificando seu saldo e débito junto à instituição financeira, em meados doano de 2001, constataria que o valor da aplicação estaria emaproximadamente trezentos e cinqüenta reais, pesando sobre si, todavia, umadívida de quase quinhentas vezes tal referência. Ou seja, teria dinheiro paracomprar um jogo de pneus, mas estaria devendo o valor de dez carrospopulares. Tal discrepância entre o que cobra e oferece o mercado financeiro émais que indicativa de que algo tem que ser feito ou mudado, salvo seperfilhemo-nos ao “Batalhão dos que Fazem de Conta que Tudo Anda a Mil noReino de Abrantes”. Resta o questionamento: tem o Judiciário, na qualidade deárbitro das relações contratuais (e portanto com sua parcela deresponsabilidade), o instrumental adequado para tal tarefa? Vejamos.

É indispensável que se encete o raciocínio pelo que prega o art. 192, § 3o, daConstituição Federal de 1988:

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“As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ouindiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por centoao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, emtodas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar."

Já é matéria mais que pacificada em todos os Tribunais o fato de que o direitoantes referido, em função do que diz o caput do artigo, exige a edição de leicomplementar que regulamentará o Sistema Financeiro Nacional. Assim oPretório Excelso, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 193.111-6,Relator o Exmo. Min. Celso de Mello:

“TAXA DE JUROS REAIS - LIMITE FIXADO EM 12% A.A. (CF, ART. 192, § 3o) - NORMACONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA LIMITADA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO IMEDIATA -NECESSIDADE DA EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL -APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR A CF/88 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDOE PROVIDO.

A regra inscrita no art. 192, § 3o da Carta Política - norma constitucional de eficácia limitada -constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plenaincidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado. Ausente a leicomplementar reclamada pela Constituição, não se revela possível a aplicação imediata da taxade juros reais de 12% a.a. prevista no art. 192, § 3º, do texto constitucional."

Tal entendimento sedimentou jurisprudência no sentido de que não poderia oJudiciário interferir nas relações sem a indigitada regulamentação. Vivêssemosem um país com relação madura com seu modelo econômico eleito e nãoteríamos problema. Porém, o que se viu nos últimos anos, como não deixamentir o exemplo em testilha, foi o fato de ter o sistema financeiro, autorizadoa tal pela política econômica vigente, operado em verdadeiro “estado denatureza”, impondo as taxas que bem entendia, e, em muitos casos,literalmente destruindo empresas e núcleos familiares por conduzi-los àinadimplência, ablastando algo que, hodiernamente, se constitui emverdadeiro direito de cidadania: o crédito. Bons ventos têm soprado,felizmente, e, como soe, provêm do lado renovador da Jurisprudência, aPrimeira Instância. Nesse sentido, é digno de nota e admiração o raciocíniohermenêutico empreendido pelo E. Juiz Titular da Vara Federal de SantoÂngelo, Dr. Ézio Teixeira, ao conhecer da matéria. Trago em colação o seguintetrecho, até por imperativo de honestidade intelectual:

“É certo que o dispositivo em debate, na interpretação do Colendo Supremo Tribunal Federalna ADIN nº 4-7, Rel. Min. Sydney Sanches, não é auto-aplicável, e ‘só o tratamento global doSistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas asnormas do caput, dos incisos e parágrafos do artigo 192 é que permitirá a incidência dareferida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em taldiploma.’

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Não sendo auto-aplicável é, no mínimo, indicativo de princípios, na lição de Rui Barbosa, inComentários à Constituição Brasileira, princípios, aliás, que foram prestigiados de longa data, jáno Governo Provisório de Getúlio Vargas, 1933, pelo Decreto n. 22.626. Incorporado oprincípio à Constituição Federal de 1988, não tiveram as forças políticas responsáveis peloaludido enunciado cacife político suficiente para fazê-lo valer! Precisa aí, sobre este fenômeno,é a lição de Ferdinand Lassalle, O que é Constituição. Passados quase 10 anos, já se proclamoua omissão legislativa, reconhecendo-se o estado de mora do Congresso Nacional, pois ‘a inérciaestatal configura-se objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento naefetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazoprefixado para edição da necessária norma regulamentadora, vem a comprometer e a nulificara situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seusbeneficiários.’(Mandado de Injunção nº 20-4, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, Seção 1, 22.11.96, p.45.690). A maioria do Supremo Tribunal Federal concede em parte os mandados de injunçãoapenas para reconhecer a mora, a minoria, e aí destaco a posição do Eminente Ministro CarlosVelloso, tem entendimento que o mandado de injunção tem caráter substantivo e mais do queefeitos apenas declaratórios, faria as vezes da norma infraconstitucional. Vencedora que fossea tese, impecável no aspecto técnico, ficariam comprometidos os ativos das instituiçõesfinanceiras. Graves conseqüências poderão daí advir. É no mínimo prudente a correntemajoritária.

Por outro lado, é de se constatar, também, que o Poder Executivo, aparelhado com apossibilidade de utilizar as medidas provisórias - e as utiliza com preocupante freqüência -,permaneceu insensível ao problema, lembrando-se, todavia, de tratar de questões conexas,como foi com a criação do PROER, só para ficarmos com um exemplo.

Considero que o disposto no art. 192, par. 3º, da Carta Magna, nos conclama à resistência, pelomenos, à tentativa de obter-se uma solução razoável, porque somos, também responsáveispor construir e sustentar a Constituição, na visão que nos traz Konrad Hesse, in A ForçaNormativa da Constituição, editora Sergio Fabris, Porto Alegre, 1991, p. 19:

‘A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, seexistir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, adespeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, sepuder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que aConstituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes na consciência geral –particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional - não sóa vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade da Constituição (Willw zurVerfassung).’”

A Jurisprudência do STJ já vem aceitando tal tese, qual seja a de que umanorma constitucional nunca é totalmente despida de eficácia, servindo, aomenos, de paradigma legislativo ou hermenêutico:

“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. ART. 39, §4, DA LEI9.250/95. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

(...)

12. O art. 193, § 3o, da Constituição Federal dita que a taxa de juros reais não pode ser superior

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a 12% ao ano. Ainda que se trate de norma de eficácia contida ou limitada, sujeita a leicomplementar, a doutrina moderna de Direito Constitucional é no sentido de inexistir normaconstitucional despida totalmente de efeito ou eficácia. Assim inibe o legislador ordinário delegislar em sentido contrário (...).” (REsp 215881/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, publ. DJU de19.06.2000)

Reconhecendo que a situação de anomia estava a pedir um limite, sinalizou oJuízo citado (no que o acompanho, tendo em vista a sensatez da proposição)com o art.192, § 3o, da Constituição Federal de 1988, atribuindo a taldispositivo a função de orientador e princípio, mormente quando associado aoartigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil. Tal construção importanecessariamente em uma interpretação do contrato de forma que esse possaalcançar os seus fins sociais, com a suspensão da cláusula profligada até aregulamentação do citado artigo da Carta Magna. Em caráter substitutivo, foiassociado o conceito de taxa de juros reais com o custo do dinheiro enquantomercadoria, estabelecendo-se provisoriamente que os juros reais encontrariamtradução na diferença entre as taxas de captação das instituições financeiras eas taxas de aplicação praticadas (spread), esta taxa já aferida pelo BACEN eAndima, com a denominação de “Taxa Selic” (referência praticada no mercadofinanceiro internacional tendo por base o parâmetro “Taxa Libor” ou “PrimeRate”. Por corolário direto, até a regulamentação do preceito, o limite da taxade juros reais fica estabelecido em 12% mais a taxa média de captação - TaxaSelic - e juros legais de 6% ao ano a contar da citação, compreendidas aíquaisquer comissões ou remunerações pertinentes ao crédito.

Adotando-se tal construção, todavia, surge um problema: como lidar com oscritérios de correção monetária e comissão de permanência contidos nocontrato? Nos dá indício de solução o E. STJ, no antes citado aresto no RecursoEspecial 215.881/PR:

“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. ART. 39, §4, DA LEI9.250/95. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

(...)

13. Incidência de bis in idem na aplicação da Taxa Selic concomitantemente com o índice decorreção monetária.

14. Mesmo nas hipóteses em que não há adição explícita de correção monetária e Taxa Selic ailegalidade persiste, por conter a Taxa Selic embutida fator de neutralização da inflação. (...).”Grifo meu. (REsp. 215881/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, publ. DJU de 19.06.2000)

Portanto, no momento em que cumpre a construção acima efetuada a funçãodupla de remuneração e correção monetária do crédito, devem ser excluídas,

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nas mesmas condições, as cláusulas que tratam de correção monetária, sejapela TR ou outro referencial, bem como as que instituem a comissão depermanência, em atenção ao contido na Súmula 30 do E. STJ, que prega ainacumulabilidade de tais institutos.

Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo para reformar a sentença,determinando o recálculo do débito exeqüendo nos termos dafundamentação. Invertida a sucumbência.

É voto.

REVISTA 42 > ACÓRDÃOS > DIREITO TRIBUTÁRIO

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 1999.72.08.006409-9/SC 

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas

Apelante: Tecidos Cassia Nahas Ltda.

Advogados: Drs. Amauri Silva Torres e outro

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Tributário. Apreensão de mercadorias importadas. Falta de licença deimportação. Pena de perdimento.

Nos casos de importação sujeita a licenciamento prévio, a inexistência de guiade importação não acarreta a aplicação de pena de perdimento da mercadoria,mas sim a pena de multa, nos termos do art. 526 do Regulamento Aduaneiro.Apelação e agravo regimental providos em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,dar provimento parcial à apelação e ao agravo regimental, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.

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Porto Alegre, 11 de setembro de 2001.

Des. Federal Surreaux Chagas, Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Tecidos Cassia Nahas Ltda. impetraMandado de Segurança contra ato do Inspetor da Receita Federal em Itajaí/SC,objetivando compeli-lo a liberar mercadorias importadas apreendidas, com aconseqüente conclusão do desembaraço aduaneiro.

Refere que importou 1.865 rolos de tecidos de filamentos sintéticos,adquiridos da empresa coreana Tae Kyung Trading Co. Ltd., iniciando odespacho aduaneiro de importação por meio do SISCOMEX – SistemaIntegrado do Comércio Exterior, procedendo ao registro da Declaração deImportação nº 99/08007108; que as mercadorias foram selecionadas para ocanal verde de conferência aduaneira, tendo sido efetuado automaticamente odesembaraço aduaneiro; que, contudo, após o desembaraço, foi solicitadaverificação da mercadoria com base no IN SRF 69/96; que a Receita Federal,mediante perícia, indicou que a mercadoria consistia em tecido 100% poliéster,não texturizado e sem fios de borracha, o que a classificaria na posição407.10.19, diversa da classificação adotada na Declaração de Importação,6002.10.20. Diante disso, entendeu que a mercadoria não possuíalicenciamento de importação, pelo que a apreendeu e lavrou Auto de Infraçãoe Termo de Apreensão e Guarda Fiscal.

Aduz que, tendo pleiteado junto ao SISCOMEX a licença de importação, obtevea informação de que a mercadoria classificada na posição 54.07.1019 nãoestava sujeita a licenciamento não-automático. Assim, a exigência da Receitade que seja apresentada licenciamento de importação é impossível de seratendida, pois, mesmo que se adote a classificação por ela indicada, inexisteprevisão de necessidade de licenciamento, sendo ilegal a apreensão damercadoria. Requer a concessão de liminar.

A apreciação da liminar é relegada para após as informações.

Nas informações, a autoridade impetrada aduz que, no relativo às mercadoriasimportadas, foi protocolizada carta de correção do conhecimento detransporte, requerendo a alteração da descrição da mercadoria de “tecidos100 pct polyester tinto, liso, sem fios de borracha” para textiles goods.Registrada a Declaração de Importação com a retificação assinalada, esta foiparametrizada para o canal verde, que dispensa a conferência documental efísica da mercadoria e efetua automaticamente o desembaraço aduaneiro.

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Contudo, tendo em vista a existência de indícios de irregularidades, foirequerida a verificação da mercadoria com amparo no art. 36 da IN SRF 69/96.Identificada a mercadoria por laudo técnico, foi esta reclassificada para omesmo código constante do conhecimento de transporte antes da alteraçãoefetuada por carta de correção, tendo sido lavrado o Auto de Infração e Termode Apreensão e Guarda Fiscal. Aduz que é possível a revisão do despachoaduaneiro após o desembaraço, se houver indícios de irregularidades,conforme previsto no art. 455 do Regulamento Aduaneiro e na IN SRF 69/96.Diz que pode ser vislumbrada a possibilidade de ter havido, desde o início,intenção do impetrante de prestar informação incorreta à fiscalização,modificando a classificação da mercadoria de forma a escapar da necessidadede licenciamento não-automático. Afirma que o produto importado seenquadra dentre aqueles objeto de salvaguardas transitórias sobre asimportações de produtos têxteis da República da Coréia, dentre outros países,para os quais se estabeleceram cotas anuais de importação. Assim, a limitaçãotraduzida no estabelecimento das cotas implica a obrigatoriedade delicenciamento não-automático na importação, conforme o disposto na PortariaInterministerial MICT/MF 07/96 e na Portaria SECEX 08/98. Estandocaracterizada a importação sem licença de importação, a mercadoria foi objetode autuação em face do art. 23, I, e par. único do Decreto-Lei 1.455/76, quecaracteriza o fato como dano ao erário e estabelece a pena de perdimento damercadoria.

A liminar é deferida para o fim de obstar qualquer ato de destinação damercadoria apreendida.

Sentenciando, o MM. Juízo a quo denega a segurança e revoga a liminar.

Inconformada, a impetrante interpõe recurso de apelação. Alega que apossibilidade prevista na IN 69/96 de conferência física da mercadoria após odesembaraço não autoriza a sua apreensão; que não há comprovação deocorrência de dano ao erário, o que impede a aplicação da pena deperdimento; que o SISCOMEX informa que a importação da mercadoria emfoco não está sujeita a licenciamento não-automático; que há violação aoprincípio do devido processo legal, sendo injustificável a apreensão dasmercadorias.

Contra-arrazoada a apelação, sobem os autos.

O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso.

A impetrante peticiona nos autos, requerendo a antecipação dos efeitos doacórdão para o fim de que seja liberada a mercadoria, alegando graves

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prejuízos decorrentes de sua retenção e dos custos da armazenagem.

O Relator originário concede parcialmente a liminar para o fim de obstar aalienação ou desfazimento das mercadorias até a solução da lide.

A impetrante interpõe agravo regimental que, por economia processual, seráapreciado junto com a apelação.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: A impetrante importou tecidos daRepública da Coréia, aos quais atribuiu no conhecimento de transporte aclassificação 54.07.10.19 no tocante a “tecidos 100 pct polyester tinto, liso,sem fios de borracha”. Posteriormente, antes de iniciado o despachoaduaneiro, retificou a classificação da mercadoria para o código 6002.10.20,mais genérico, referente a textiles goods. Com base nesta classificação,elaborou a Declaração de Importação.

Selecionada a mercadoria para o canal verde, foi procedido o desembaraçoaduaneiro automático. Contudo, em procedimento de revisão aduaneira, aautoridade fiscal verificou que as mercadorias na verdade correspondiam àdescrição original, anterior à retificação.

Ocorre que a mercadoria assim descrita estaria sujeita a licenciamento préviode importação, em face das salvaguardas aplicadas às importações de produtostêxteis da República da Coréia, para os quais se estabeleceram cotas anuais deimportação. A impetrante não providenciara a licença de importação.

Diante da irregularidade, a autoridade fiscal entendeu aplicáveis ao caso asregras contidas no art. 23, I, do Decreto-Lei 1.455/76 e no art. 516, I, doRegulamento Aduaneiro, que caracterizam como dano ao Erário a importaçãode mercadoria ao desamparo de Guia de Importação ou documento de efeitoequivalente, quando a sua emissão estiver suspensa ou vedada na forma dalegislação específica em vigor, prevendo a pena de perdimento da mercadoria.

Aprecio separadamente as alegações da apelante.

Possibilidade de apreensão da mercadoria por infração detectada na revisão dodespacho aduaneiro

A alegação de que seria incabível a apreensão da mercadoria diante de revisão

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do despacho aduaneiro após o desembaraço não prospera. Com efeito, oprocedimento da revisão do despacho está expressamente previsto no art. 455do Regulamento Aduaneiro:

“Art. 455. Revisão aduaneira é o ato pelo qual a autoridade fiscal, após o desembaraço damercadoria, reexamina o despacho aduaneiro, com a finalidade de verificar a regularidade daimportação ou exportação quanto aos aspectos fiscais, e outros, inclusive o cabimento debenefício fiscal aplicado (Decreto-Lei 37/66, art. 54).”

Ressalto que, no caso, a retificação procedida na classificação da mercadoria eque resultou na configuração da infração não decorreu de erro cometido pelaautoridade fiscal, mas sim de elemento declarado pelo importador. Nessepasso, os atos que compõem o despacho aduaneiro, como atos administrativosque são, podem ser revistos para que se corrijam eventuais erros.

Portanto, o fato de o Regulamento Aduaneiro conceituar desembaraço como“o ato final do despacho aduaneiro em virtude do qual é autorizada a entregade mercadoria ao importador” (art. 450, §1º) não impede que o procedimentoseja revisto. E, se a revisão é possível, obviamente também o é a aplicação dassanções previstas legalmente para as infrações eventualmente verificadas noprocedimento revisional.

Necessidade, ou não, de licenciamento não-automático

A impetrante afirma que o SISCOMEX não prevê a necessidade delicenciamento não-automático para a mercadoria importada, mesmo que seclassifique no código NCM 54.07.10.19, como entende a autoridade fiscal. Parademonstrar sua alegação, junta a impressão de sucessivas telas de computadorque se oferecem ao importador quando o SISCOMEX é acessado, das quaisrestaria claro que não haveria previsão de licenciamento não-automático.

Contudo, a Portaria Interministerial MICT/MF 07/96 e a Portaria Secex 08/98prevêem as limitações à importação de tecidos da Coréia pelo estabelecimentode cotas, fazendo referência expressa nos respectivos anexos à NCM54.07.10.19, categoria 620, na qual foi enquadrada a mercadoria importada. Oart. 1º da Portaria Secex 08/98 diz expressamente: “As importações brasileirasde produtos têxteis e respectivas categorias constantes do anexo A sujeitam-sea apresentação de Licença de Importação.”

Outrossim, em que pese a restrição temporal contida na referida Portaria, noart. 2º, par. único, indicar que já não prevalecia o sistema de cotas quando foiembarcada a mercadoria, em 03.07.99 (o que é ratificado pelo agente quelavrou a auto de infração – fl. 20), a necessidade de licenciamento, a princípio,

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permanecia.

Com efeito, a regra está assim redigida:

“No período de 1º de janeiro de 1999 a 31 de maio de 1999, as importações brasileiras objetodesta sistemática serão deduzidas pela secretaria de Comércio Exterior – SECEX dos limitesquantitativos estabelecidos no Anexo B desta Portaria, tendo por base o seu desembaraçoaduaneiro. Assim, embora extintas as cotas, subsistiu a necessidade de licenciamento.”

De outra feita, o embarque somente poderia teria sido feito mediante olicenciamento prévio, não tendo validade a licença deferida posteriormente aoembarque (art. 6º e par. único da Portaria). Portanto, uma vez embarcada amercadoria sem licenciamento, a situação não poderia ser regularizada.

Assim, a princípio, havia a necessidade de licenciamento não-automático daimportação, conforme o disposto na Portaria Interministerial MICT/MF 07/96 ena Portaria SECEX 08/98.

Outrossim, a alegação de que o SISCOMEX não oferecia a possibilidade delicenciamento não está suficientemente demonstrada. A impressão das telasde computador do sistema não serve como prova pré-constituída do fatoalegado. Os atos normativos referidos apontam na direção de que olicenciamento era exigido. No caso, a demonstração de que o sistemainformatizado não possibilitava ao importador o licenciamento não-automáticorequer dilação probatória, incabível em sede de mandamus.

Portanto, a questão é insuscetível de ser apreciada no âmbito do mandado desegurança, ressalvando-se à impetrante a utilização das vias ordinárias, seassim entender conveniente.

Aplicação da pena de perdimento

O fato abstrato previsto na regra que a autoridade pretenda que seja aplicada(importação de mercadoria ao desamparo de Guia de Importação oudocumento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver suspensa ouvedada na forma da legislação específica em vigor) pressupõe a importação demercadoria cuja emissão de guia de importação esteja suspensa ou vedada, ouseja, corresponde aos casos de mercadoria cuja importação esteja proibida,temporária ou definitivamente. Nestes casos, estaria caracterizado por lei odano ao Erário e prevista a pena de perdimento da mercadoria.

Ora, o caso dos autos é diverso. A importação dos tecidos da Coréia não estavaproibida, mas, sim, contingenciada, quiçá sujeita ao regime de cotas anuais.

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Dependia de licença, de licenciamento não-automático, nos dizeres próprios doSISCOMEX (ou de guias de importação, na nomenclatura antiga) para que aimportação se pudesse efetivar regularmente.

Ocorre que a legislação aduaneira não prevê a pena de perdimento no caso deimportação de mercadoria permitida, mas sujeita à prévia licença deimportação (ou à emissão de guia de importação). Com efeito, o RegulamentoAduaneiro (Decreto 91.030/85) assim dispõe, no art. 526:

“Art. 526. Constituem infrações administrativas ao controle das importações, sujeitas àsseguintes penas (Decreto-Lei 37/66, art. 169, alterado pela Lei 6.562/78, art. 2º):

I – importar mercadoria do exterior, sem Guia de Importação ou documento equivalente, queimplique a falta de depósito ou a falta de pagamento de quaisquer ônus financeiros oucambiais: multa de 100% (cem por cento) do valor da mercadoria;

II - importar mercadoria do exterior, sem Guia de Importação ou documento equivalente, quenão implique a falta de depósito ou a falta de pagamento de quaisquer ônus financeiros oucambiais: multa de 30% (trinta por cento) do valor da mercadoria;

...(omissis).”

Como se pode depreender, a pena prevista para o caso é a de multa, e não ade perdimento da mercadoria.

A questão debatida nos autos foi apreciada de forma cristalina por RooseveltBaldomiro Sosa, em seus Comentários à Lei Aduaneira (São Paulo, Aduaneiras,1995, p. 464):

“As importações brasileiras, do ponto de vista de sua realização, são agrupadas em:importações autorizadas e importações não-permitidas. Tratando-se de importaçõesautorizadas, poderá ser emitido um documento de controle chamado Guia de Importação.”

Os incisos I e II do art. 526 capitulam a infração que consiste em desatender ocontrole administrativo das importações, e que é descrita, nesses dispositivos,como sendo a ação de “importar mercadorias do exterior, sem Guia deImportação ou documento equivalente”, circunscrevendo-se, naturalmente,àquelas importações sujeitas à emissão desse autorizativo. Obviamente quenas importações não-sujeitas à emissão da Guia, embora de realizaçãopermitida, não haveria sentido em sequer considerar as sanções desses incisos.

De outra parte, sendo a importação não-permitida, duas outras capitulaçõesdevem ser trazidas a lume, conforme a hipótese de sua ocorrência. Assim, se aimportação é proibida, a norma penalizadora será a do art. 518 (apreensãoliminar), e, em estando suspensa a emissão de Guia, seu enquadramento

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infracional se dará nos termos do artigo 516 (pena de perdimento).

Concluiu-se que a infração cujo cometimento é atribuído à impetrante éclassificada como “infração administrativa ao controle das importações”, e nãocomo “dano ao erário”, sendo penalizada com multa, e não com o perdimentoda mercadoria, conforme previsto no art. 526 do Regulamento Aduaneiro.Sendo assim, a apreensão da mercadoria para fins de aplicação da pena deperdimento não pode subsistir, devendo ser substituída pela cobrança demulta.

A multa devida pela impetrante é de 30%, nos termos do inciso II do art. 526do RA, visto que a importação não implica a falta de depósito ou a falta depagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais.

Ressalto que, no caso, os fatos que motivaram a controvérsia resumem-se àclassificação da mercadoria e à conseqüente necessidade, ou não, de licençade importação, não havendo qualquer referência por parte da autoridadeimpetrada à falta de pagamento de tributo, adulteração do registro daquantidade de mercadoria ou a outra fraude qualquer.

Agravo regimental

O apelante agravou regimentalmente da decisão que concedeu parcialmente aliminar, requerendo sua reforma para que seja antecipado o efeito do acórdãono sentido de que seja ultimado o desembaraço aduaneiro com a liberação damercadoria apreendida, tendo em vista as despesas de monta que recaemsobre a empresa impetrante relativas a seu armazenamento.

Diante da fundamentação exposta acima, resta claro que não é caso deaplicação de pena de perdimento da mercadoria. A pena cabível pelos fatosdescritos é a de multa. Assim, não há motivo fundado para que a mercadoriapermaneça retida. Diante dos prazos legais que têm de ser respeitados para adescida dos autos à origem e para o cumprimento do acórdão, julgoconveniente o provimento do agravo regimental no sentido de que, à guisa de“antecipação dos efeitos da tutela” seja possibilitado o imediato cumprimentodo acórdão, determinando que seja oficiado à autoridade coatora para queultime a revisão do desembaraço da mercadoria apreendida mediante oacréscimo da multa de 30% e a libere em favor da impetrante após o depósitoou o pagamento da respectiva importância.

Em face do exposto, dou provimento em parte à apelação para conceder emparte a segurança para afastar a pena de perdimento, substituindo-a pelamulta de 30%, e sejam liberadas as mercadorias apreendidas referidas no Auto

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de Infração 0925100/0048/99 após o depósito ou o pagamento da multa; nosmesmos termos, dou provimento parcial ao agravo regimental.

É como voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.70.00.002338-5/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Apelada: Positivo Informática Ltda.

Advogados: Drs. Marcos Leandro Pereira e outro

Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Curitiba

EMENTA

Imunidade. Livros. Quickitionary. CF/88, art. 150, inc. VI, alínea d.

Hoje, o livro ainda é conhecido por ser impresso e ter como suporte material opapel. Rapidamente, porém, o suporte material vem sendo substituído porcomponentes eletrônicos, cada vez mais sofisticados, de modo que, em breve,o papel será tão primitivo, quanto são hoje a pele de animal, a madeira e apedra. A imunidade, assim, não se limita ao livro como objeto, mas transcendea sua materialidade, atingindo o próprio valor imanente ao seu conceito.

A Constituição não tornou imune a impostos o livro-objeto, mas o livro-valor. Eo valor do livro está justamente em ser um instrumento do saber, do ensino,da cultura, da pesquisa, da divulgação de idéias e difusão de ideais, e meio demanifestação do pensamento e da própria personalidade do ser humano. É portudo isso que representa, que o livro está imune a impostos, e não porqueapresenta o formato de algumas centenas de folhas impressas e encadernadas.

Diante disso, qualquer suporte físico, não importa a aparência que tenha,desde que revele os valores que são imanentes ao livro, é livro, e como livro,estará imune a impostos, por força do art. 150, VI, d, da Constituição.

O denominado quickitionary, embora não se apresente no formato tradicionaldo livro, tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função de um

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livro. Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade que aConstituição reserva para o livro, pois tudo que desempenha a função de livro,afastados os preconceitos, só pode ser livro.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao apelo da Fazenda Nacional e à remessa oficial, nostermos do relatório e do voto do Relator, que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 28 de agosto de 2001.

Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de mandado de segurançapreventivo no qual a impetrante objetiva desobrigar-se de recolher o Impostosobre Produtos Industrializados e o Imposto de Importação que diretamenteincidam sobre o item imune quickitionary.

A liminar pleiteada restou deferida (fls. 57/58).

A autoridade impetrada prestou as informações de praxe.

Processado regularmente o feito, sobreveio sentença, concedendo asegurança, a fim de que a autoridade impetrada se abstenha de exigir oImposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, incidentesnas operações realizadas com o quickitionary, importado e comercializado pelaimpetrante, tanto na saída do seu estabelecimento quanto na sua importação,assim como o imposto de importação, incidente quando da liberaçãoaduaneira desse mesmo produto (fls. 82/85).

A Fazenda Nacional apelou, sustentando, em preliminar, ser o Delegado daReceita Federal parte ilegítima para figurar no pólo passivo do mandamus, eque referida ação constitucional não é idônea para atacar lei em tese. Nomérito, afirmou que a imunidade prevista no art. 150, inc. VI, alínea d, daCF/88 comporta interpretação restritiva, sendo vontade do Constituinteoriginário incentivar a disseminação e propagação da cultura por meio de livrose periódicos impressos. Requereu, por esses motivos, a improcedência total daação.

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Apresentadas contra-razões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Inicialmente, no que diz respeito àpreliminar de ilegitimidade passiva, tenho não merecer acolhida, porquanto,embora conste das informações prestadas referência à Portaria (atoadministrativo) desincumbindo a Delegacia da Receita Federal em Curitiba daadministração dos impostos decorrentes de operações de comércio exterior,tal circunstância não impediu que a autoridade impetrada realizasse porcompleto a defesa do ato impugnado e afirmasse, de forma categórica, que osprodutos comercializados pela impetrante não estão albergados pelaimunidade prevista no art. 150, inc. VI, alínea d, da CF/88.

Além disso, venho reiteradamente decidindo que a complexidade doorganograma dos entes públicos não pode onerar a parte, que nem sempretem condições de saber quem é a figura legitimada a comparecer no pólopassivo da ação mandamental.

No caso vertente - em que se discute também a exigibilidade do Imposto sobreProdutos Industrializados incidente nas operações internas envolvendo oproduto (quickitionary) em relação ao qual se pretende o reconhecimento daimunidade - foi amplamente combatida, por meio das informações, apretensão veiculada na inicial pela impetrante, daí não decorrer qualquerprejuízo à defesa da Fazenda Nacional que, devidamente intimada dasentença, apresentou o recurso ora analisado.

Tampouco prospera a alegação de que o mandado de segurança em tela estejaa combater lei em tese, uma vez que manejado com intuito preventivo, a fimde obstar a concretização da lesão ao direito líquido e certo invocado, semdúvida ameaçado, porquanto as operações atuais e futuras, tendo por objeto oproduto cuja imunidade é reclamada, impõem conseqüências, quais sejam, acriação de obrigações tributárias.

Passo a examinar o mérito.

A questão ora debatida diz respeito à incidência da imunidade prevista no art.150, inc. VI, alínea d, da CF/88 - que contempla livros, jornais, periódicos e opapel destinado a sua impressão - sobre operações envolvendo o produtodenominado quickitionary, que vem a ser um “dicionário eletrônico” quepermite tradução português-inglês e inglês-português, importado e

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comercializado pela impetrante.

Embora a jurisprudência da Corte Suprema tenha-se firmado no sentido de quea imunidade prevista no art. 150, inc. VI, alínea d, da CF/88 deve serinterpretada restritivamente, é oportuno referir que esse entendimentoresultou da discussão envolvendo outros insumos utilizados na produção doslivros, jornais e periódicos que não o papel.

“LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ART. 150, VI, D, DACONSTITUIÇÃO.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos (REs 190.761 e 174.476),versando a imunidade prevista no dispositivo constitucional em referência, entendeu ser elarestrita, no que tange a equipamentos e insumos destinados à impressão de livros, jornais eperiódicos, ao papel ou a qualquer outro material assimilável a papel, utilizado no processo deimpressão. Acórdão que não dissentiu desse entendimento. Não-conhecimento do recurso.”.(STF – 1ª Turma - RE nº 205.622-7, Rel. Min. Ilmar Galvão, setembro/97).

Portanto, a exegese constitucional supramencionada - e que adoto no tocanteaos equipamentos e insumos empregados na impressão de livros, jornais eperiódicos (excetuado, por óbvio, o papel) (v. g., AMS nº 97.04.54549-5/RS, DJde 03.03.99, p. 482) - não exclui interpretação de que a imunidade estende-setambém ao livro que não se reveste dos caracteres materiais que compõe oconceito tradicional de livro.

Esclareça-se que sobre o próprio veículo (“dicionário-eletrônico”) transmissorda informação - valor que a norma constitucional visa proteger/estimular -centra-se a presente controvérsia e não sobre insumos empregados no seufabrico.

Hugo de Brito Machado, em seu Curso de Direito Tributário, chama atençãopara um importante aspecto a ser considerado para o deslinde da questãoposta em juízo, qual seja, a evolução operada no conceito clássico de livro. Valetranscrever o seguinte trecho:

“Questão das mais relevantes consiste em saber se a imunidade dos livros, jornais e periódicos,e do papel destinado a sua impressão, abrange os produtos da moderna tecnologia, como osCD-roms e os disquetes para computadores.

A melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máximaefetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinteconsiderou importante para a nação. A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fimassegurar a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como éinegável que os meios magnéticos, produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamentalimportância para a realização desse mesmo objetivo, a resposta afirmativa se impõe. Oentendimento contrário, por mais respeitáveis que sejam, e são, os seus defensores, leva a

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norma imunizante a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com adoutrina do moderno constitucionalismo, especialmente no que concerne à interpretaçãoespecificamente constitucional.

É certo que o constituinte de 1988 teve oportunidade de adotar redação expressamente maisabrangente para a norma imunizante, e não o fez. Isto, porém, não quer dizer que o intérpreteda Constituição não possa adotar, para a mesma norma, a interpretação mais adequada, tendoem vista a realidade de hoje. Realidade que já não é aquela vivida pelo constituinte, pois nosúltimos dez anos a evolução da tecnologia, no setor de informática, tem sido simplesmenteimpressionante. Se em 1988 não se tinha motivos para acreditar na rápida substituição do livroconvencional pelos instrumentos e meios magnéticos, hoje tal substituição mostra-se jáevidente, embora o livro tradicional ainda não tenha perdido sua notável importância.

A evolução, no setor da informática, é tão rápida, que o CD ainda nem ocupou espaçossignificativos no mercado brasileiro e já está sendo substituído, com imensa vantagem, peloDVD, levando várias empresas a incluir drivers especiais em alguns de seus micros; previa-se,mesmo, que até o final de 1998 “esses drivers terão substituído totalmente os de CD-ROM,que serão, então, peças de museu” (INFO-Exame, nº 12, dezembro/97, p. 44).

Não pode, pois, o intérprete, deixar de considerar essa evolução. Nem esperar que o legisladormodifique o texto. O melhor caminho, sem dúvida, para que o Direito cumpra o seu papel nasociedade, é a interpretação evolutiva.”. (Malheiros Editores, 18ª ed., 2000, p. 228).

Nesse sentido, foi a definição conferida pelo Juiz Zuudi Sakakihara ao mérito daação mandamental, prestigiando, a meu sentir, o valor-informaçãocontemplado pela norma (art. 150, inc. VI, alínea d, da CF/88) em detrimentoda interpretação literal, que se afigura demasiado singela diante dacomplexidade que envolve a matéria.

“...Como verdadeira garantia individual, a imunidade do livro não merece o tratamentoamesquinhado de simples benefício econômico à atividade livreira, assim como seriademasiadamente tacanho imaginar que a proibição constitucional de instituir impostos sobre olivro tivesse como destinatário a reunião de folhas ou cadernos, soltos, cosidos ou porqualquer outra forma presos por um dos lados, e enfeixados ou montados em capa flexível ourígida, que é a definição de livro, que se encontra no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, deAurélio Buarque de Holanda.

As garantias constitucionais, como verdadeiros princípios, não se confinam à materialidade deum objeto, naturalmente cambiável no tempo, mas prendem-se ao seu conceito imanente, eassim se perpetuam, nada obstante as mudanças trazidas pelos avanços da tecnologia.

Assim, a garantia de que nenhum imposto incidirá sobre a operação que tenha o livro comoobjeto, não teve em vista o que o livro é, mas o que o livro representa. Lascas de pedra,pranchas de madeira e peles de animal já serviram como livro. Hoje, o livro ainda é conhecidopor ser impresso e ter como suporte material o papel. Rapidamente, porém, o suporte materialvem sendo substituído por componentes eletrônicos, cada vez mais sofisticados, de modo que,em breve, o papel será tão primitivo, quanto são hoje a pele de animal, a madeira e a pedra. Aimunidade, assim, não se limita ao livro como objeto, mas transcende a sua materialidade,atingindo o próprio valor imanente ao seu conceito.

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Pode-se dizer, então, que a Constituição não tornou imune a impostos o livro-objeto, mas olivro-valor. E o valor do livro está justamente em ser um instrumento do saber, do ensino, dacultura, da pesquisa, da divulgação de idéias e difusão de ideais, e meio de manifestação dopensamento e da própria personalidade do ser humano. É por tudo isso que representa, que olivro está imune a impostos, e não porque apresenta o formato de algumas centenas de folhasimpressas e encadernadas.

Diante disso, qualquer suporte físico, não importa a aparência que tenha, desde que revele osvalores que são imanentes ao livro, é livro, e, como livro, estará imune a impostos, por força doart. 150, VI, d, da Constituição.

O denominado quickitionary, segundo se deduz do laudo técnico, embora não se apresente noformato tradicional do livro, tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função deum livro. Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade que a Constituição reservapara o livro, pois tudo que desempenha a função de livro, afastados os preconceitos, só podeser livro. (...)”. (fl. 84).

Penso que a decisão concessiva da segurança, que examinou minuciosamenteo tema objeto do litígio, emprestou correta interpretação ao dispositivoconstitucional em testilha, razão por que deve ser mantida nos exatos termosem que proferida.

Isso posto, nego provimento ao apelo da Fazenda Nacional e à remessa oficial.

É como voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.70.05.003691-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelantes: Serraria Sanga Panambi Ltda. e outros

Advogado: Dr. Jaime Antonio Miotto

Apelados: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE

Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Roberto Luis Luchi Demo

EMENTA

Tributário. Salário-educação. Decreto-Lei 1.422/75. Recepção pela constituiçãode 1988. EC nº 14/96. Constitucionalidade da Lei 9.424/96 e da MP 1.565/97.

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1. A instituição da contribuição do salário-educação por decreto-lei sob a égideda Constituição de 1969, e a fixação da respectiva alíquota pelo PoderExecutivo, fundo em delegação de competência, estava em harmonia com aordem constitucional então vigente (ressalvada posição pessoal do Relator).

2. A contribuição do salário-educação foi recepcionada pela atual ordemconstitucional, na mesma alíquota estabelecida anteriormente, pois não seadmite inconstitucionalidade formal superveniente. Precedentes do SupremoTribunal Federal (RE 214.206-6/AL); (Questão de Ordem na ADIn 438).

3. A Lei 9.424/96 veio regulamentar o § 5º do art. 212 da Constituição Federal,com a redação trazida pela EC 14/96; a MP 1.565/97 limitou-se a regulamentaraquele diploma legal, que teve sua constitucionalidade declarada pela CorteSuprema na ADC nº 3/DF (02.12.99).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2001.

Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de apelação desentença que denegou o mandado de segurança, postulado para que asimpetrantes fossem eximidas do recolhimento da contribuição do salário-educação.

Sustentam as empresas apelantes, em síntese: a) o Decreto-Lei 1.422/75 erainconstitucional desde a sua edição; b) a Carta de 1988 não recepcionou aquelediploma legal; c) a base de cálculo fixada para a contribuição do salário-educação é a mesma da contribuição social prevista no inc. I do art. 195 daConstituição Federal; d) não haver fundamentação jurídica para a cobrançasobre o pro labore, que não é salário; e) a instituição só pode ocorrer por meiode lei complementar; f) era inexigível a cobrança no ano de 1996, pois a MP1.518 fere o princípio da anterioridade; g) a Carta Magna veda a adoção de MPna regulamentação de seu artigo; h) houve falha na tramitação do projeto daLei 9.424/96.(fls. 351/371)

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Com as contra-razões (fls. 377/380), vieram os autos a esta E. Corte, onde oMinistério Público opinou pelo improvimento da apelação. (fls. 384/387)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon:

Natureza Jurídica da Contribuição do Salário-Educação sob a

Constituição de 1967

Instituída pela Lei 4.440, de 27 de outubro de 1964, a contribuição para osalário-educação ganhou status constitucional sob a égide da ConstituiçãoFederal de 1967 (EC nº 1, de 17.10.69), que, no caput do seu art. 178,dispunha:

“As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que a leiestabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e filhos destes, entre sete equatorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do salário-educação,na forma que a lei estabelecer.”

Para dar cumprimento à norma constitucional, foi editado o Decreto-Lei nº1.422, de 23 de outubro de 1975, que foi regulamentado pelo Decreto nº76.923, de 26 de dezembro de 1975, este posteriormente revogado peloDecreto nº 87.043, de 22 de março de 1982.

Face a tal contexto legislativo, assentou-se na jurisprudência que as empresaspoderiam solver sua obrigação de manter o ensino primário gratuito de seusempregados e filhos destes cumprindo uma das prestações impostas. Aprimeira consistia numa prestação in labore; embora com custos financeirosdecorrentes do munus, ela não assumia caráter tributário, pois o direitobrasileiro não prevê prestações tributárias daquela espécie (in labore). Asegunda, o salário-educação, corresponde à contribuição pecuniária. Qual suanatureza jurídica? O tributo, segundo conceitua o art. 3º do Código TributárioNacional, “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valornele se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em leie cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” OProfessor Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário (Ed.Saraiva, 7ª edição, p. 21), esclarece com precisão o conteúdo daqueledispositivo legal, in verbis:

“Prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação

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em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias(que receberiam o influxo de outro modal – o ‘permitido’. Por decorrência, independem davontade do sujeito passivo, que deve efetivá-la, ainda contra seu interesse. Concretizado o fatoprevisto na norma jurídica, nasce, automática e infalivelmente, o elo mediante o qual alguémficará adstrito ao comportamento obrigatório de uma prestação pecuniária.”

Maxima venia concessa, os precedentes jurisprudenciais que imprimemnatureza não-tributária ao salário-educação desde o Decreto-Lei 1.422, de1975, até a Constituição de 1988 não logram alcançar meu convencimento. Oargumento segundo o qual refugiria dita exação à índole de tributo em face desua facultatividade peca, ao meu sentir, pela inexatidão da premissa. Opagamento de qualquer tributo traz como condição precípua o perfazimentodo fato imponível; a prática pelo contribuinte da ação no campo materialcorrespondente à hipótese de incidência. De tal dimana que todo tributoguarda opcionalidade em relação a praticar-se, ou não, a hipótese tributária;quer dizer, o imposto de renda, v.g., é obrigatório tão-somente para quemhouver auferimentos além da faixa de isenção. Assim, quem não quiser pagar otributo pode deixar de fazê-lo, bastando limitar sua atividade econômicadentro do parâmetro em que não ocorre incidência. Em relação à figura emcomento, era dado à empresa afastar a incidência mediante a prestação deeducação primária fundamental. Mas, se a diretriz voluntária for peloenquadramento na hipótese de incidência, ninguém irá dizer que o pagamentoda contribuição seja voluntária. Contribuição voluntária é contribuiçãograciosa, realizada sponte propria, sem forma qualquer de coação. Pessoaqualquer seria autuada pelo Fisco por não verter aos cofres públicos valores atítulo de salário-educação caso estivéssemos realmente diante de prestaçãovoluntária.

No entanto, tendo em vista que hoje se tem como pacificada neste Tribunal amatéria no sentido de que, anteriormente à Constituição, não se tratava aespécie em estudo de tributo, tenho que minha insurgência contra tal diretrizapenas viria a gerar discussões procrastinatórias da remessa da matéria àinstância superior, curvo-me ao entendimento dominante; não, contudo, semressalvar meu ponto de vista pessoal.

Também não me empolga a exagerada dimensão que se emprestou najurisprudência à expressão “normas de direito financeiro”. Dilatar assim asemântica implicaria entender que toda matéria contida na equação receita-despesa estaria abrangida no poder legiferante que detinha o Executivo àépoca da gênese da figura em foco. Ter-se-ia, pois, a valer a amplitudeinterpretativa, o decreto-lei como instrumento de normas de Direito Civil (emrelação aos contratos administrativos) ou de Direito do Trabalho (em relaçãoaos servidores em regime celetista existentes à época). Ainda pedindo a devida

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vênia, não vejo o Direito Tributário nem abrangido e nem dependente emrelação ao Direito Financeiro; e, à medida que, com o passar dos anos, maiscomplexas se tornaram no Brasil as relações concernentes às finanças públicas,mais se evidenciou que normas de Direito Tributário são seres do universolegislativo absolutamente distintos daquelas que regulam a elaboração doorçamento. E, nessa linha de pensar, maior dificuldade encontro em vislumbrarno remendo feito ao art. 58, II, da Constituição de 1967 pela EC nº 1/69, com oacréscimo da expressão “inclusive normas tributárias”, o exercício deinterpretação autêntica. A índole do Direito Tributário repudia artifícios quetais, porque não se pode admitir tributo por interpretação; a tipicidade érestrita, o contribuinte deve encontrar explícita a obrigação; e, se esta nãoestava meridianamente clara no texto anterior, nenhuma licitude existe em“interpretar” a norma para tornar exigível uma obrigação que, sem aexplicação, posteriormente, improvisada, não o seria.

Muito embora partindo da assertiva – acima por mim rejeitada – de que setrata de figura não-tributária, o preclaro professor tributarista, Dr. JoséMorschbacher, na preleção adiante citada, deixa claro que, em se havendo acontribuição para o salário-educação como tributo, como eu considero,inarredável o malferimento ao texto constitucional, in verbis:

“em não sendo tributo, de nenhuma injuridicidade se mostrava a circunstância de que opercentual daquela obrigação alternativa, de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o montanteda folha de salário-de-contribuição, estivesse fixado em decreto executivo, e não diretamentena lei (não obstante em virtude de lei, porquanto a lei determinava que o Poder Executivoestabelecesse o percentual). É que, se efetivamente de tributo se tratasse, o estabelecimentoda alíquota por decreto executivo ficaria ferido, não restam dúvidas, o princípio constitucionalda estrita legalidade tributária. Como se vê, ao tempo do sistema constitucional anterior, nãohavia, enfim, como e porque se perquirir e discutir a respeito da suposta ofensa ao princípioconstitucional da estreita legalidade tributária.” (Revista Dialética de Direito Tributário nº 24, p.69/70)

Portanto, a contribuição do salário-educação, sob a égide da Carta de 1969,por ter natureza tributária, estava jungida ao cânone da legalidade estrita,sendo perfeitamente legítimo que o Poder Público fixasse e alterasse suasalíquotas, consoante previsto no parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto-Lei nº1.422/75.

Todavia, uma vez mais, na ausência de insurgências outras em igual sentido,resta-me a harmonização com a diretriz firmada nesta Corte, não sem antesressalvar meu ponto de vista pessoal.

O Salário-Educação na Constituição Federal de 1988

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A atual Lei Maior, na sua redação original, preceituou acerca do salário-educação:

“O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuiçãosocial do salário-educação, recolhida, na forma da lei, pelas empresas, que dela poderãodeduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados edependentes.” (art. 212, § 5º)

Com o novo ordenamento constitucional, houve uma radical alteração noregime jurídico do Salário-Educação, que passou a constituir uma novacontribuição social. A propósito do tema, a Corte Suprema manifestou-se nosseguintes termos:

“...as diversas espécies tributárias determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fatogerador de respectiva obrigação (CTN, art. 4º) são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I,153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem serclassificadas: c.1 – de melhoria (CF, art. 145, III); c.2 – parafiscais (CF, art. 149), que são c. 2.1.1.– de seguridade social (CF, art. 195, I, II e III), c. 2.1.2 – outras de seguridade social (CF, art. 195,parágrafo 4º), c.2.1.3 – sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, parágrafo 5º,contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, CF, art. 240); c. 3 – especiais; c. 3. 2- corporativas (CF,art. 149)...” (RE nº 148.754, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04.03.94)

Em tal contexto, pois, passou a contribuição social do salário-educação asujeitar-se ao princípio da legalidade estrita. Mercê de tal assertiva, na medidaem que instituída mediante decreto-lei (DL 1.422/75), teria subsistido areferida exação após a Carta da República de 1988? Sempre entendi que não.Não se recepcionam inconstitucionalidades; o que viciado na origem não ganhavalidade no novo ordenamento constitucional.

Assim, não obstante nenhuma inconstitucionalidade material possa seracusada, o mesmo não se dá quanto à compatibilidade formal, pois confirmadona nova ordem constitucional o caráter tributário da contribuição social dosalário-educação, somente lei em sentido estrito pode regular sua alíquota.Como esta foi fixada pelo Decreto 87.043/82, forte na delegação prevista noDecreto-Lei 1.422/75, após 180 dias da promulgação da Constituição de 1988,a exação ficou sem alíquota, inviabilizando sua exigência.

A teoria de que a inconstitucionalidade meramente formal não eiva a recepçãonão pode, rogada vênia, ter acolhida. É que o próprio constituinte, antevendotal possibilidade, acautelou-se, editando o art. 25 do ADCT/88.

Outrossim, não prospera o argumento de que só seriam inconstitucionais osatos normativos emitidos após o decurso do prazo previsto no inc. I do art. 25do ADCT/88, permanecendo válidos os atos praticados com fulcro na legislaçãoantecedente à atual Lei Máxima. Como pontifica José Afonso da Silva, tal

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escólio contraria o princípio da compatibilidade vertical das normas do sistemajurídico, visto que se o diploma legislativo não foi recepcionado pela novaordem constitucional, a toda evidência também não o serão os atosnormativos dele derivados.

Em situação análoga, o Pretório Excelso, em sua composição Plenária, assimmanifestou-se:

“CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÃO. IBC. CAFÉ. EXPORTAÇÃO. COTA DE CONTRIBUIÇÃO.DECRETO-LEI 2.295, DE 21.11.86, ARTIGOS 3º E 4º. CF, 1967, ART. 21, § 2º; CF, 1988, ART. 149.

I- Não recepção, pela CF, 1988, da cota de contribuição nas exportações de café, dado que aCF/88 sujeitou as contribuições de intervenção à lei complementar do art. 146, III, aosprincípios da legalidade (CF, art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, a) e da anterioridade(art. 150, III, b). No caso, interessa afirmar que a delegação inscrita no art. 4º do D.L. 2295/86não é admitida pela CF/88, art. 150, I, ex vi do disposto no art. 146. Aplicabilidade, de outrolado, do disposto nos artigos 25, I, e 34, § 5º, do ADCT/88.

II- RE não conhecido.” (RE nº 191044/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 31.10.97)

A teor de tais fundamentos, seria indevida a exigência do gravame em foco apartir dos 180 dias da promulgação da Carta Política de 1988. Todavia, ajurisprudência da Primeira Seção desta Corte firmou-se em outro sentido,como espelha a seguinte ementa:

“TRIBUTAÇÃO. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. RECEPÇÃO PELA CF/88. LEI Nº 9.424/96. MPs 1565 E1518.

1. A legislação ordinária que dispunha sobre o salário-educação foi recepcionada pela CartaPolítica de 1988, sendo constitucional a cobrança da exação, tanto no sistema anterior comono atual.

2. A alíquota fixada no Decreto nº 87.043/82, com apoio no DL 1.422/75, continuou válida pelofenômeno da recepção.

3. São constitucionais a Lei nº 9.424/96 e a MP nº 1.565, posteriormente convertida na Lei nº9.766/98.

4. A MP nº 1.518 teve sua eficácia confirmada em medida cautelar pelo STF na ADIn nº1.518.” (EIAC nº 1998.04.01.068865-4/PR, rel. Élcio Pinheiro de Castro, julg. 06.10.99)

Diante do que, com vistas a uniformizar o entendimento acerca da matéria,curvo-me à posição da douta maioria, ressalvando, contudo, minha posiçãopessoal.

A Lei 9.424/96 e a MP nº 1.565/97

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A Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996 (que só entrariaem vigor a partir de janeiro de 1997), alterou a redação originária do § 5º doart. 212, retirando a parte relativa à dedução da “aplicação realizada com oensino fundamental”.

Logo a seguir, foi editada a Medida Provisória 1.518, de 19 de setembro de1996, que disciplinou inteiramente a imposição em comento, prevendohipótese de incidência idêntica à contida no Decreto-lei 1.422/75. Contraaludida medida provisória foi manejada a ADIn nº 1.518-4/DF, sob alegação deafronta ao art. 246 da Lei Maior, decidindo o Pretório Excelso, em 05.12.96,indeferir a liminar de suspensão cautelar da eficácia (DJU 25.04.97).

Em 26 de dezembro de 1996, sobreveio a Lei 9.424, com a finalidade deregulamentar a EC nº 14/96; dispõe seu art. 15:

“O Salário-Educação, previsto no art. 212, § 5º, da Constituição Federal e devido pelasempresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base emalíquota de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, aqualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212,de 24 de julho de 1991.”

Tal novel disciplina legal, mercê do princípio da anterioridade geral, passou avigorar a partir do dia 1º de janeiro de 1997, pari passu à vigência da EC nº14/96, sem qualquer solução de continuidade quanto à exigibilidade dacontribuição do salário-educação.

A Medida Provisória 1.565, de 9 de janeiro de 1997, convalidou os atospraticados com suporte na MP 1.518/96, revogando-a, assim como a Lei8.150/90, que dispunha sobre a distribuição do produto da exação em foco. Noseu art. 8º, previu que “o Poder Executivo regulamentará esta MedidaProvisória, no prazo de sessenta dias da data de sua publicação.”

Recentemente (02.12.99), o Supremo Tribunal Federal, julgando a ADC nº3/DF, declarou constitucional, com força vinculante, eficácia erga omnes eefeito ex tunc, o art. 15, § 1º, I e II, e § 3º, da multicitada Lei 9.494/96,afastando a necessidade de lei complementar à instituição da contribuiçãosocial do salário-educação, não se aplicando os artigos 146, III, a, e 154, I, e195, § 4º, da Carta Magna; firmou não estar caracterizado vício dainconstitucionalidade formal por ofensa ao parágrafo único do art. 65 da LeiMaior, dado que as alterações feitas pelo Senado Federal não implicaramalteração no sentido legislativo; acerca da constitucionalidade material, a CorteSuprema entendeu que o art. 15 da Lei 9.494/96 possui todos os elementosnecessários à incidência, sendo a expressão “na forma em que vier a ser

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disposto em regulamento” meramente expletiva, tendo em vista acompetência privativa do Presidente da República para expedir regulamentospara a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV, in fine); considerou, ainda, que aimposição em tela não incorre na vedação de identidade de base de cálculo(CF, arts. 154, I, e 195, § 4º), porque prevista, de forma expressa, naConstituição Federal.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.08.000802-7/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Apelante: Franlui Textil Ltda.

Advogados: Drs. Romeo Piazera Junior e outros

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogada: Dra. Tania Regina Morastoni

Apelados: Os mesmos

Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Itajaí/SC

EMENTA

Tributário. Denúncia espontânea. Multa. Parcelamento. Compensação. Selic.Honorários.

1. O contribuinte que espontaneamente procura a Fazenda Pública pararegularizar seus débitos, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal porparte da administração, está albergado pelo benefício previsto no art. 138 doCTN, independentemente da forma de pagamento. 2. Autorizada acompensação dos valores indevidamente recolhidos com prestações vincendasdos parcelamentos ou, caso encerrados, com tributos da mesma espécie. 3. Édevida a correção monetária, aplicando-se a taxa referencial SELIC, nos termosdo art. 39, parágrafo 4º, da Lei 9.250/95. 4. Honorários advocatícios fixados em10% sobre o valor dado à causa.

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aSegunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e dar provimento aorecurso da autora-recorrente, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de outubro de 2001.

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Cuida-se de ação ordináriavisando ao afastamento da multa de mora, incluída indevidamente noparcelamento de débito espontaneamente confessado, com a conseqüenterepetição, via compensação, do que foi ou vier a ser pago a esse título(multa).

O douto magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido por entenderque o parcelamento da dívida também pode caracterizar a denúnciaespontânea, declarando inexigível a multa de mora e autorizando acompensação com parcelas vincendas da mesma contribuição social, comatualização monetária pela taxa SELIC. O INSS foi condenado, ainda, a arcarcom os honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Irresignadas, ambas as partes apelaram: a Autarquia Previdenciária aduzindoque o caso dos autos não se ajusta à hipótese do art. 138 do CTN, requerendo,por isso, a reforma integral da decisão; a autora-apelante apenas pleiteando amajoração da verba honorária, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.

Com as contra-razões do Instituto Nacional do Seguro Social, subiram os autosa esta Corte.

É o relatório.

VOTO

A controvérsia que se pretende analisada cinge-se em saber se a multa é, ounão, devida em parcelamento de débito espontaneamente denunciado.

Sobre o tema, está escrito no Código Tributário Nacional:

“Art. 138 - A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada,se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da

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importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependade apuração. Parágrafo Único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após oinício de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com ainfração.”

Segundo a inicial, o parcelamento se formalizou sem que houvesse provocaçãodo Fisco. Antes, portanto, da abertura de qualquer procedimentoadministrativo-fiscal. E tal afirmativa não foi negada pelo INSS em defesaescrita.

Conforme a Autarquia, a simples confissão de dívida, acompanhada de pedidode parcelamento, não configura denúncia espontânea (Súmula 208 do TFR).

Contudo, entendo que não lhe assiste razão, porque contraria o espírito da lei,o qual objetiva atrair eventuais inadimplentes ao largo da fiscalizaçãosabidamente deficitária, e também pelo fato de o art. 138 do CTN nãodistinguir o pagamento integral do parcelamento, bastando apenas que, emambos os casos, o ato concreto de pagar, pelo contribuinte, se traduzaefetivamente.

Além disso, a não-exclusão da multa tão-só porque carece o devedor decondições financeiras para o pagamento do débito à vista (o que é normalatualmente), por certo viola o princípio da isonomia entre contribuintes,assegurado pelo inciso II do art. 150 da CF.

Em suma, o que não se mostra razoável é tratar igualmente o contribuinte -que se apresenta de forma voluntária para pagamento - como o sonegador,que, só quando alcançado pela fiscalização e após esgotados todos os recursosadministrativos e judiciais, solicita e obtém o mesmo direito, qual seja, o depagar o débito de forma parcelada, acrescido de juros, correção monetária emulta.

Outro não tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Apropósito, vejam-se os seguintes julgados:

“TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. MULTA MORATÓRIA.DESCABIMENTO. 1. Deferido o pedido de parcelamento de débito tributário e ausentequalquer procedimento administrativo contra o contribuinte, configura-se a denúnciaespontânea, ficando afastada a imposição de multa moratória. 2. Embargos de divergênciaconhecidos, mas rejeitados.” (EREsp nº 200479/PR, Rel. Min. Paulo Gallotti, publicado no DJUdo dia 13.08.2001, p. 41)

“TRIBUTÁRIO – AUTO-LANÇAMENTO – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OCORRÊNCIA –PARCELAMENTO – NÃO INCIDÊNCIA DE MULTA - ÍNDICE UFESP – CORREÇÃO MONETÁRIA DOCRÉDITO TRIBUTÁRIO – LEGALIDADE IPC/FIPE – APLICABILIDADE. É entendimento pacífico da

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eg. Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça que restará configurada a hipótese dedenúncia espontânea prevista no artigo 138 do Código Tributário Nacional quando houveparcelamento do débito. Incabível, portanto, a aplicação da multa moratória nos casos, como opresente, em que o contribuinte pleiteia junto ao Fisco o seu parcelamento. Já estáconsolidada a jurisprudência desta Corte no sentido da legalidade da utilização da UFESP comoíndice de correção monetária do crédito tributário, bem como a legitimidade da aplicação doIPC/ FIPE para sua atualização. Recurso especial conhecido e parcialmente provido pela letra ado artigo 105, inciso III, da Constituição Federal. Decisão unânime.” (REsp nº 114459/PR, Rel.Min. Franciulli Netto, publicado no DJU do dia 13.08.2001, p. 85)

A Segunda Turma desta Corte tem perfilhado o mesmo entendimento. Nessesentido, as Apelações Cíveis nº 2000.72.08.000801-5/SC e nº2001.71.07.000332-1/RS, julgadas por unanimidade em 18.09.2001 e11.09.2001, respectivamente, ambas de Relatoria do eminente Des. FederalVilson Darós.

Logo, a pretensão da autora merece prosperar, sendo cabível a devolução,mediante compensação, do que for pago indevidamente a título de multa, jáque esta é acessória do tributo, que é o principal. Neste sentido, pronunciou-sea 1ª Seção deste Tribunal, verbis:

“MULTA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. A Lei nº 8.381/91 permite a compensação deimportâncias pagas indevidamente com valores a serem recolhidos no futuro, desde que sefaça entre tributos e contribuições da mesma espécie (art. 66, § 1º). Os valores pagos a títulode multa também são passíveis de compensação, porque o acessório acompanha o principal”.(AC nº 2000.04.01.048775-0/SC, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, 1ª Seção, DJU de14.03.2001.)

Pela compensação, o contribuinte se ressarce do que pagou a mais. É,portanto, modalidade de repetição do indébito. Desse modo, na esfera judicial,à compensação deve ser dispensado o mesmo tratamento dado ao pedido derestituição.

Quanto à correção monetária, é jurisprudência consolidada no STJ, inclusivecom a edição da Súmula 162, que, na repetição do indébito tributário, incidedesde o pagamento indevido. Por outro lado, a atualização da moeda não setraduz em majoração de crédito ou do débito, mas apenas em expediente derecomposição de seu valor, corroído pela inflação.

Assim, deve ser utilizada a taxa SELIC, conforme dispõe o § 4º do artigo 39 daLei nº 9.250/95, tendo em vista que o contrato de parcelamento foi firmadoem 09.12.98, não sendo aplicável nenhum outro índice de correção monetária,nem juros de mora, pois referida taxa engloba as duas verbas.

Quanto aos honorários advocatícios, fixo-os em 10% sobre o valor dado à

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causa, conforme disposto no art. 20, § 3º, do CPC, e de acordo com osprecedentes desta Turma.

Nesse contexto, nego provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e douprovimento ao recurso da autora-recorrente, na forma da fundamentaçãoretro, mantidos os demais termos da decisão recorrida.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.042506-1/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida

Agravante: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Agravada: Viação Ouro e Prata S/A

Advogados: Drs. Leandro Pacheco Scherer e outros

EMENTA

Agravo contra decisão que negou seguimento a recurso. Tributário. Certidãonegativa de débito. Não-cumprimento de obrigação acessória. Inexistência decrédito tributário formalmente constituído.

A falta de apresentação da declaração de débitos e créditos federais – DCTFconstitui descumprimento de obrigação acessória, que faz nascer para o Fiscoo direito de constituir o crédito tributário relativo à penalidade pecuniáriacorrespondente. Inexistindo notícia de que o Fisco tenha realizado olançamento, efetivando a notificação do sujeito passivo, tanto em relação aostributos cujo recolhimento não foi comprovado, como ao descumprimento daobrigação acessória, nos termos do art. 142 do CTN, não há falar em débito docontribuinte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide aPrimeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de agosto de 2001.

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Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de agravolegal interposto com fulcro no art. 557, § 1º, do CPC, contra decisão que negouseguimento ao agravo de instrumento oposto ao deferimento da liminar emmandado de segurança, determinando o fornecimento de certidão negativa dedébitos, em razão de inexistir crédito tributário formalmente constituído.

Argumenta a agravante que o autolançamento ou lançamento porhomologação efetivado através de DCTF, com a devida confissão da dívida pelocontribuinte, é considerado válido e exigível, pois a homologação deu-se deforma ficta. Aduz que a decisão do Relator contraria o posicionamentojurisprudencial dominante do STJ, a evidenciar interpretação divergente damatéria, e que não cabe liminar satisfativa contra atos da Fazenda Nacional.Alega negativa de vigência ao art. 150 do CTN, porque há desnecessidade delançamento de ofício para que se considerem exigíveis os tributos sujeitos alançamento por homologação; assim, havendo débitos pendentes, os quais nãoestão suspensos, não pode ser expedida a CND. Por fim, sustenta que acompensação efetuada, sem o exame da autoridade fiscal, apresenta-seirregular.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Ao contrário do queafirma a agravante, a negativa de expedição da certidão negativa de débito nãoocorreu em virtude de haver declaração de débitos e créditos federais – DCTFou ter a parte agravada procedido à compensação de tributos sem o exame daautoridade fiscal. A certidão positiva que deu causa à impetração menciona afalta de entrega das declarações de débitos e créditos tributários federaisreferentes aos 3º e 4º trimestres de 1998, aos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres de1999 e aos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres de 2000, bem como a falta da entrega dadeclaração territorial e rural de imóvel (fl. 25).

Destarte, pode-se apenas inferir que, à falta de apresentação dos documentosque comprovem o pagamento de tributos sujeitos a lançamento porhomologação, descumpriu a parte agravada obrigação tributária acessória, oque faz nascer para o Fisco o direito de constituir o crédito tributário relativo àpenalidade pecuniária correspondente. Não há notícia, todavia, que o Fiscotenha realizado o lançamento do crédito tributário, efetivando a notificação do

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sujeito passivo, tanto em relação aos tributos cujo recolhimento não foicomprovado, como ao descumprimento da obrigação acessória. Sem aformalização do crédito tributário mediante o lançamento, nos termos do art.142 do CTN, não há falar em débito do contribuinte.

A liquidez e a certeza do crédito tributário consumam-se após o procedimentoadministrativo de lançamento, no qual é verificada a ocorrência do fatogerador, identificado o sujeito passivo e calculado o montante devido. Entendoque não basta a falha de contribuições registrada no sistema de controle daarrecadação para que se considere em débito o contribuinte. Se houverconfissão de dívida, todavia, mediante a apresentação da DCTF ou outroprocedimento que implique a confissão, prescinde-se a atividadeadministrativa de lançamento. Estando definitivamente constituído o créditotributário, não há negar a condição de devedor do contribuinte.

A negativa do Fisco em fornecer a certidão negativa de débito à parte violadireito líquido e certo, pois não há crédito tributário formalmente constituído.A jurisprudência ampara este entendimento, consoante os precedentes aseguir transcritos:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO – CONTRIBUIÇÃOPREVIDENCIÁRIA – TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – AUSÊNCIA DECRÉDITO CONSTITUÍDO – RECUSA À EXPEDIÇÃO – ILEGALIDADE. Em se tratando de tributosujeito a lançamento por homologação, inexistente este, não há que se falar em créditoconstituído e vencido, o que torna ilegítima a recusa da autoridade coatora em expedir aCND.” (REsp 207887/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma, DJU 25.06.2001, p.158)

“ TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO PORHOMOLOGAÇÃO. COMPENSAÇÃO. 1. O crédito tributário é constituído pelo lançamento, que,no caso do art. 150 do CTN, ocorre no momento da homologação do recolhimento pelaautoridade administrativa. 2. Enquanto não constituído o crédito tributário, o sujeito passivoda obrigação não é considerado devedor, motivo pelo qual não lhe pode ser negada aexpedição de Certidão Negativa de Débito. 3. A compensação de quantias pagasindevidamente ou a maior apenas pode ser feita com tributos da mesma espécie (Lei nº8.383/91, art. 66, § 1º). 4. Recurso especial conhecido, mas não provido.” (REsp 241500/SC, 1ªTurma, Rel. Min. José Delgado, DJU 29.05.2000, p. 00124)

Por fim, a vedação contida no § 3º do art. 1º da Lei nº 8.437/2, que proíbe aconcessão de liminar satisfativa contra a Fazenda Pública, não se aplica àhipótese vertente. Ademais, a concessão da liminar não se constitui em medidasatisfativa, pois a certidão que a autoridade foi obrigada a conceder pode serrevogada, caso entenda-se que, de fato, não havia direito líquido e certo.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo.

REVISTA DO TRF 4ª REGIÃO

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