226

Revista Igualdade - Livro 41: Drogadição

Embed Size (px)

Citation preview

  • MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DO PARANCentro de Apoio Operacional das Promotorias

    da Criana e do Adolescente

    IGUALDADE T EMTICA:DROGADIO

    CuritibaMaro / 2008

    Revista Igualdade - Livro 41Igualdade - Ano XIV - n XLI - edio especial

  • PROCURADOR-GERAL DE JUSTIAMilton Riquelme de Macedo

    CORREGEDOR-GERAL DO MINISTRIO PBLICOEdison do Rgo Monteiro Rocha

    IGUALDADE TEMTICA: DROGADIO - Livro 41 Publicao do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criana e do Adolescente

    COORDENAO EDITORIALLuiz Francisco FontouraCibele Cristina Freitas de ResendeMarcela Marinho RodriguesFernando Luiz Menezes Guiraud

    COLABORAOAlberto Vellozo Machado - Promotor de Justia - MPPRMaiara Carla Ruon - Estagiria CAOPCA

    EDITORAO, CONVERSO E CRIAO DE E-BOOK (PDF)Rgis SantAna Jnior - Informtica MPPR

    Os artigos so de responsabilidade exclusiva dos autores. permitida a reproduo total ou parcial dos artigos desta publicao, desde que seja citada a fonte.

    Ministrio Pblico do Estado do ParanCentro de Apoio Operacional das Promotorias da Criana e do Adolescente(Sub-sede Marechal)Av. Marechal Floriano Peixoto, n 1.251Rebouas - Curitiba - ParanCEP 80230-110 Fones (41) 3250-4701 / 4702 / [email protected]

  • EDITORIAL

    Nesta edio temtica da Revista Igualdade1, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criana e do Adolescente - CAOPCA, destaca a DROGADIO como relevante problema de sade coletiva em nossos dias, convicto de que o enfrentamento da questo do uso de drogas na infanto-adolescncia , sem dvida, um desafio extremamente presente na atuao dos integrantes do Sistema de Justia, sendo a sua compreenso imprescindvel ao desempenho da funo do Promotor de Justia da Infncia e da Juventude, na defesa dos direitos das pessoas em desenvolvimento bio-psico-social.

    A coletnea destaca artigos de profissionais de grande respeitabilidade em seu meio, seja acadmico ou profissional, os quais foram elaborados especialmente para esta edio, com o objetivo de engrandecer o conhecimento sobre esta delicada problemtica sob as luzes da concepo mais atualizada, quer sob o ponto de vista cientfico ou emprico, de forma a propiciar o substrato necessrio para uma interveno consciente e construtiva.

    Esse trabalho tambm resulta das reflexes possibilitadas pela realizao de um projeto que contou com muitos colaboradores, que trabalham diretamente com o atendimento de crianas e adolescentes usurios de drogas e, em especial, da equipe formada pela Promotora de Justia Cibele Cristina Freitas de Resende, pelo Psiclogo Fernando Luiz Menezes Guiraud (ambos integrantes do CAOPCA) e pelo Promotor de Justia Alberto Vellozo Machado, que

    1 Esse nmero tambm acompanhado de material eletrnico mais amplo, produzido em CD-ROM, a ser distribudo aos membros do Ministrio Pblico do Paran, contendo legislao, modelos, fotos, ilustraes e publicaes de instituies de referncia tcnica, relatrios das visitas tcnicas, enfim, toda ordem de referncias que podero auxiliar o desempenho funcional, o qual ser tambm disponibilizado aos interessados na home-page do CAOPCA, no site do Ministrio Pblico do Paran:

    www.mp.pr.gov.br/cpca/crianca.html.

    i

    http://www.mp.pr.gov.br/cpca/crianca.html

  • contou, ainda, com a colaborao da estagiria voluntria Yasmine de Resende Abagge. A equipe mencionada realizou, ao longo de 2007, 11 (onze) visitas tcnicas a entidades de ateno a usurios e dependentes qumicos, presenciando o tratamento prtico das questes ora tratadas, a partir dos relatos das vivncias profissionais de cuidadores e usurios, da troca de conhecimentos e das impresses e lies colhidas por intermdio desse riqussimo contato pessoal.

    De forma inaugural, procurando seguir uma ordem de apresentao facilitadora da melhor compreenso da temtica, vem o artigo As Drogas na sociedade, da lavra da Professora Roseli Boerngen de Lacerda (Professora Associada do Departamento de Farmacologia da UFPR, Professora do Programa de Ps-Graduao do Departamento de Farmacologia da UFPR, Doutora em Psicobiologia pela Universidade Federal de So Paulo e Vice-presidente do Conselho Estadual Antidrogas do Paran), que traz atualssimas informaes cientficas sobre as drogas, seus mecanismos de ao e efeitos no organismo, a neurobiologia da adio e as bases do tratamento e preveno.

    O segundo artigo, Drogadio na Adolescncia, traz uma abordagem extremamente especializada das autoras Cristiane Honrio Venetikides (Psicloga, Coordenadora Municipal do Programa de Sade Mental de Curitiba, especialista em sade mental comunitria) e Jlia Valria Ferreira Cordellini (Mdica Hebeatra, Coordenadora Municipal do Programa Adolescente Saudvel, especialista em adolescncia, violncia domstica e educao em sade), que discorrem sobre o uso de drogas, os riscos, a rede de cuidados, ressaltando os fundamentos para a intersetorialidade, que deve nortear toda e qualquer ao de cuidado nesta rea.

    Na seqncia, vem o artigo Dispositivos de Interveno aos Jovens na Questo das Substncias Psicoativas, de Simone Marie Perotta (Enfermeira Sanitarista Especialista em Dependncia Qumica e Gesto de Assuntos Pblicos, Autoridade Sanitria do CAPSad da Regional do Cajuru, em Curitiba) apresenta um panorama atualssimo da realidade encontrada e pontua objetivamente algumas sugestes concretas para a transformao de comportamentos e atitudes que podem reverter contextos comprometidos, com destaque para a ateno preventiva.

    Finalizando com chave de ouro a srie de textos de autores externos, sintetizando o que de melhor se pretendeu transmitir, ressalta-se a descrio do trabalho de Fernando Ges, no artigo A

    ii

  • Experincia da Chcara Meninos de Quatro Pinheiros. Nele o autor, na condio de co-fundador da Fundao Educacional Meninos e Meninas de Rua Profeta Elias (premiada pelo Unicef como uma das 50 mais destacadas entidades de atendimento de crianas e adolescentes no Brasil), filsofo e especialista em psicopedagogia, relata a proposta pedaggica baseada na larga experincia com meninos moradores de rua, reafirmando, de forma absolutamente contundente, o que no podemos esquecer em nossas aes e opes: No precisa de drogas quem tem uma vida legal, com sonhos e objetivos.

    Fechando a coletnea, esto os artigos Atuao do Conselho Tutelar e a Questo das Drogas, de autoria do Psiclogo Fernando Luiz Menezes Guiraud e Aspectos legais para a Internao de Crianas e Adolescentes Portadores de Transtornos Mentais, de autoria da Promotora de Justia Cibele Cristina Freitas de Resende, os quais exemplificam o pensamento adotado pela equipe de trabalho, voltado produo de um conhecimento que construa pontes e dilogos entre as disciplinas, capazes de lanar sementes e gerar aes transformadoras.

    Como fruto direto do aprendizado auferido durante as visitas tcnicas, destaca-se o artigo Reflexes para a interveno legal quanto ao uso de substncias psicoativas por crianas e adolescentes, tambm da Promotora de Justia Cibele Cristina Freitas de Resende, o qual, alm de revelar os principais aspectos da experincia da equipe, apresenta o perfil de cada entidade pesquisada e suas principais concepes sobre a matria, reproduzidas em interessantes relatos a serem revisitados no material anexo.

    iii

  • NDICE

    EDITORIAL

    NDICE

    AS DROGAS NA SOCIEDADESUMRIO EXPLICATIVOINTRODUO

    HistriaDefiniesEpidemiologia

    AS PRINCIPAIS DROGAS DE ABUSONEUROBIOLOGIA DA ADIOTRATAMENTOPREVENO

    Nveis de prevenoA importncia da prevenoA importncia da preveno nos servios de sade

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    DROGADIO NA ADOLESCNCIAINTRODUOUM POUCO SOBRE ADOLESCNCIA...RISCOS DO USO DE DROGASESTGIOS DO USOFATORES DE RISCO PARA O USOENFRENTAMENTO DO PROBLEMAREDE DE CUIDADOSA EXPERINCIA DE CURITIBAREFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    v

  • DISPOSITIVOS DE INTERVENO AOS JOVENS NA QUESTO DAS SUBSTNCIAS PSICOATIVAS

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    A EXPERINCIA DA CHCARA MENINOS DE QUATRO PINHEIROS

    ATUAO DO CONSELHO TUTELAR E A QUESTO DAS DROGAS

    INTRODUO DEMOCRACIA E PROTAGONISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DA SITUAO IRREGULAR PROTEO INTEGRAL

    Tabela 1: Mudana de paradigma DEFINIO, NATUREZA E ATRIBUIES DO CONSELHO TUTELAR O CONSELHO TUTELAR COMO INOVAO ESTATUTRIA

    Tabela 2: Comparativo entre o Conselho de Direitos e o Conselho Tutelar

    CONSIDERAES FINAIS REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ASPECTOS LEGAIS DA INTERNAO PSIQUITRICA DE CRIANAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS

    INTRODUO NORMATIZAO INTERNAES PSIQUITRICAS INTERNAO VOLUNTRIA INTERNAO INVOLUNTRIA INTERNAO COMPULSRIA PACIENTES MENORES EM AMBIENTES COMUNS AOS ADULTOS DROGADIO NA ADOLESCNCIA DO DIREITO AO ACOMPANHAMENTO COMPETNCIAS E FLUXOS CONCLUSO REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    vi

  • REFLEXES PARA A INTERVENO LEGAL QUANTO AO USO DE SUBSTNCIAS PSICOATIVAS POR CRIANAS E ADOLESCENTES

    AS VISITAS TCNICASO NOSSO PAPELA AO DAS DROGASCRITRIOS PARA O ENCAMINHAMENTOO MINISTRIO PBLICO NA PERSPECTIVA DA PROTEOCONCLUSOREFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    vii

  • ANEXOS

    ABAI - ASSOCIAO BRASILEIRA DE AMPARO INFNCIACentro de PrevenoCasa de RecuperaoAgroecologia

    DEPOIMENTOS DE JOVENS EM TRATAMENTO J. (21 anos) M. (24 anos)

    CHCARA MENINOS DE 4 PINHEIROS DIFERENCIAIS CONVERSA COM FERNANDO GES SONHOS X DROGAS POR QUE A CHCARA? A MISSO DO PROFESSOR ABORDAGEM E ACOLHIMENTO O PAPEL DA FAMLIA APADRINHAMENTO DEPOIS DOS 18 ANOS ESPIRITUALIDADE ATIVIDADES EXTRAS E CURSOS

    CENTRO VIDA

    AMBULATRIO CARA LIMPA

    CT DIA COMUNIDADE TERAPUTICA DIA

    COMUNIDADE TERAPUTICA ROSA MSTICA DEPOIMENTO DAS JOVENS EM TRATAMENTO: 1 Adolescente (16 anos) 2 Adolescente (17 anos) 3 Adolescente (14 anos) 4 Adolescente (13 anos) 5 Adolescente (17 anos)

    CLNICA DR. HELIO ROTENBERG

    CERENE - CENTRO DE RECUPERAO NOVA ESPERANA

    CAPSad CAJURU

    HOSPITAL ESPRITA DE PSIQUIATRIA BOM RETIRO

    ix

  • AS DROGAS NA SOCIEDADEINFORMAES SOBRE AS DROGAS PSICOTRPICAS:aes e efeitos no organismo, neurobiologia da adio,

    bases do tratamento e preveno

    Roseli Boerngen de Lacerda*

    SUMRIO EXPLICATIVO

    Introduo: um pouco de histria, epidemiologia, e algumas definies (uso/ abuso/ dependncia e adio; tolerncia e sndrome de abstinncia; craving ou fissura).

    As principais drogas de abuso: lcitas e ilcitas; drogas prescritas com potencial de abuso; principais efeitos agudos e crnicos no crebro e em todo o organismo; principais padres de uso.

    Neurobiologia da adio: mecanismo neurobiolgico comum entre as drogas; as fases do desenvolvimento da adio; teorias que explicam a adio.

    Tratamento: Tratamento das diferentes fases do uso de drogas de abuso; as bases tericas do tratamento da adio; modalidades de tratamento da adio.

    Preveno: Nveis de preveno, instrumentos que auxiliam na deteco dos problemas decorrentes do uso de drogas; a importncia da preveno, a preveno na e pela sociedade.

    * A autora Professora Associada do Departamento de Farmacologia da UFPR, Professora do Programa de Ps-Graduao do Departamento de Farmacologia da UFPR, Doutora em Psicobiologia pela Universidade Federal de So Paulo, Vice-presidente do Conselho Estadual Antidrogas do Paran.

    1

  • INTRODUO

    Histria

    O consumo de substncias psicotrpicas1 bastante freqente em nossa sociedade (GALDURZ et al., 2000; 2003) e a partir de uma reviso histrica da civilizao humana, pode-se observar que a droga se fez presente no cotidiano do homem desde as primeiras notcias de sua existncia. Tanto nas civilizaes antigas quanto nas indgenas, as plantas psicotrpicas como o pio, a coca e a maconha, eram bastante utilizadas para curar doenas, afastar espritos maus, obter sucesso nas caadas e nas conquistas e atenuar a fome e o rigor do clima de determinadas regies. Essas plantas estavam ligadas a rituais religiosos, culturais, sociais, estratgico militares, entre outros (LESSA, 1998; SEIBEL; TOSCANO, 2001).

    Pesquisas arqueolgicas concluram que determinadas pinturas deixadas pelos homens da Idade da Pedra teriam sido criadas sob efeito de transes que provavelmente incluam o consumo de plantas psicotrpicas (LESSA, 1998).

    A maconha supostamente originria da sia central, pois cresce at hoje espontaneamente no Himalaia. Suas primeiras referncias datam de 12.000 a.C. e o seu efeito euforizante j tinha sido descoberto na ndia em torno de 2.000 a 1.400 a.C. Essa droga era usada para estimular o apetite, curar doenas venreas e induzir o sono (GONALVES, 2005). Na China, foram encontrados seus primeiros restos datados de aproximadamente 4.000 a.C. e seus usos teraputicos estavam presentes num tratado de medicina chinesa do sculo I (SEIBEL; TOSCANO, 2001).

    As bebidas alcolicas estiveram presentes em quase todas as civilizaes que se tem notcia. A Bblia, no livro do Gnesis, relata a embriaguez de No aps o dilvio, assim como o uso do vinho nas

    1 As substncias psicotrpicas so substncias que alteram o comportamento, o humor e a cognio, possuindo propriedade reforadora, sendo, portanto, passveis de auto-administrao (WHO, 1981), conseqentemente podem levar ao abuso e dependncia.

    2

  • festas sagradas (SEIBEL; TOSCANO, 2001). Ainda hoje o vinho parte integrante de cerimnias religiosas como da catlica, judaica e do candombl (LESSA, 1998).

    O uso do pio provavelmente iniciou-se na Mesopotmia, 3.000 anos antes da era crist. Ele era considerado como smbolo mitolgico dos antigos gregos e era revestido de um significado divino. Seus efeitos eram vistos como uma ddiva dos deuses destinada a acalmar os enfermos ou aqueles que de algum mal padeciam. Na Odissia, Homero relata que a bela Helena ofereceu a Telmaco uma bebida que fazia esquecer a dor e a infelicidade. Na Europa do sculo XIX, observou-se o abuso do pio sob a forma medicinal (SEIBEL; TOSCANO, 2001; LESSA, 1998).

    Na modernidade, no cenrio das grandes conquistas de terras atravs da navegao, a droga se apresenta como facilitadora para o domnio dos povos nativos e como fonte de enriquecimento para o conquistador (LESSA, 1998).

    Com o advento da cincia e sua crescente modernidade, as drogas que a princpio se apresentavam na forma de produto advindo da natureza, quando levadas para o laboratrio foram transformadas e passaram a produzir outras, artificialmente, as drogas sintticas (LESSA, 1998).

    As anfetaminas, ao serem lanadas em forma de comprimidos, em 1837, ficaram conhecidas como a nova maravilha capaz de revigorar as energias e elevar o estado de humor. Na segunda Grande Guerra foram largamente utilizadas pela populao e pelos soldados para aplacar a fome, a fadiga e o sono.

    A morfina, principal constituinte do pio que a resina retirada da papoula, uma potente droga analgsica, e que serviu de base para a sntese de compostos sintticos muito mais potentes, como a herona. Esses analgsicos com propriedades psicotrpicas (reforadoras) foram amplamente utilizados por via endovenosa a partir da descoberta da seringa, no incio por razes teraputicas e logo depois por dependncia ao produto (LESSA, 1998).

    Nas duas Grandes Guerras, as drogas fizeram-se presentes. Sua comercializao era fator estratgico, servindo ora para enfraquecer o inimigo, ora como amenizador da dor para os feridos, ora como revigorante de energia para os soldados (LESSA, 1998).

    Em 1924, avaliava-se no mundo, em torno de 100 mil os usurios de drogas, entretanto, os trabalhos cientficos eram

    3

  • proporcionalmente escassos, a opinio pblica mostrava-se alheia ao fato, por falta de informao, e as autoridades no se mostravam interessadas. O assunto era abordado por autores que faziam uso de drogas e descreviam de forma romntica, os efeitos e os rituais que cercavam seu uso. Esses autores criavam na realidade, um status em tomo de tal prtica (LESSA, 1998).

    Nos anos 50, a utilizao de drogas sintticas com efeito tranqilizante, como os benzodiazepnicos, acentuou-se. Situaes que eram consideradas mazelas existenciais comearam progressivamente a ser tratadas com esses calmantes, que ajudam a aliviar as tenses do dia e permitem um sono mais tranqilo. Nos dias de hoje, o uso de calmante prtica costumeira em todas as classes sociais, faz parte da cultura da medicao (LESSA, 1998).

    Nos anos 60, o movimento hippie floresce com uma proposta revolucionria, onde a juventude transforma-se em um grupo de contestao radical aos valores incorporados pela sociedade. Atravs de suas roupas, msicas e drogas, o movimento hippie pregava uma "ideologia libertatria, que buscava sair do sistema social e cultural convencional, buscando criar um mundo alternativo e novas formas de pensar, sentir e perceber a realidade. Os hippies utilizavam drogas psicodlicas e experincias msticas que proporcionavam efeitos prazerosos e alteravam o estado de conscincia (LESSA, 1998).

    O uso de solventes orgnicos torna-se prtica nos EUA e no Brasil a partir dos anos 70 (LESSA, 1998).

    A faixa etria dos usurios de droga comea a se alargar. O que at os anos 50 era prtica do adulto, nos anos 70 amplia-se tanto para os adolescentes quanto para os idosos. Enquanto os jovens recorrem com maior freqncia s drogas ilcitas como a cola de sapateiro (solvente), a maconha e a cocana, os idosos fazem uso das drogas lcitas como o tabaco, o lcool, a cafena e os medicamentos (LESSA, 1998).

    Observa-se que a utilizao de substncias psicotrpicas pelo homem apresenta, desde a pr-histria, valores e simbolismos especficos, que variam de acordo com o contexto histrico cultural, em setores como o religioso/mstico, social, econmico, medicinal, psicolgico, climatolgico, militar e na busca do prazer (LESSA, 1998). Atualmente, em muitas culturas, as drogas exercem um papel relevante no convvio social como, por exemplo, no seu uso em situaes de celebrao ou para promover a insero do indivduo no grupo, como se observa entre os adolescentes em relao ao lcool,

    4

  • para os quais o uso dessa droga funciona como um ritual de passagem para a adolescncia (SEIBEL; TOSCANO, 2001; GONALVES, 2005).

    Definies(Uso/ abuso/ dependncia e adio; tolerncia e sndrome de abstinncia; craving ou fissura)

    Muitas vezes o uso de substncias psicotrpicas no desencadeia problemas, por fazer parte da cultura de um povo (SEIBEL; TOSCANO, 2001), mas o homem pode utilizar as drogas como forma de alcanar algo que lhe parece inacessvel, ultrapassar seus prprios limites, para buscar o prazer, para diminuir as tenses e sofrimentos, inserir-se na sociedade e at mesmo obter sucesso (LESSA, 1998). Nesses casos, o uso de drogas pode evoluir para um quadro de intoxicao aguda ou para o uso contnuo com problemas (abuso) ou dependncia (HUMENIUK; POZNYAK, 2004).

    Problemas relacionados com uma intoxicao aguda podem ocorrer como resultado de um nico episdio e podem incluir ataxia, vmito, febre, confuso, superdosagem, perda da conscincia, acidentes e leses, problemas domsticos, agresso e violncia, prticas sexuais inseguras e/ou no intencionadas e desempenho reduzido no trabalho. O uso regular de drogas e a dependncia podem levar a problemas fsicos, mentais e sociais, que demoram um tempo para se desenvolverem e podem incluir diminuio da imunidade a infeces, ansiedade, depresso, problemas com o sono, sintomas de abstinncia quando o uso diminudo ou interrompido, dificuldades financeiras e problemas legais, de relacionamento e no trabalho (HUMENIUK; POZNYAK, 2004).

    Um agravante quando as drogas so prescritas pelo mdico, como os anorexigenos, benzodiazepnicos, barbitricos e opiides. Se bem orientado por esse, o paciente corre baixo risco de abuso ou dependncia, porm, mais uma fonte de acesso s drogas de abuso (SEIBEL; TOSCANO, 2001).

    Os transtornos psiquitricos causados pelo uso de drogas possuem critrios de diagnstico especfico, definido em dois sistemas de classificao: o Manual Diagnstico Estatstico de Transtornos Mentais 4a edio (DSM-IV) da Associao de Psiquiatria Americana (APA) e a Classificao Internacional de Doenas 10a edio (CID-10) da Organizao Mundial da Sade (OMS)

    5

  • (STEWART; CONNORS, 2004/2005). Dentro dos transtornos pelo uso de substncias esto classificadas a intoxicao, o abuso ou uso nocivo, a dependncia e a sndrome de abstinncia (GONALVES, 2005).

    A intoxicao por substncia o desenvolvimento de uma sndrome reversvel, que ocorre aps a administrao recente de grandes quantidades da substncia psicoativa, produzindo alteraes de comportamento ou psicolgicas, como resultado dos efeitos fisiolgicos diretos da substncia sobre o sistema nervoso central e uma srie de efeitos fisiolgicos caracterstico da droga em vrios outros rgos e sistemas. A caracterstica essencial do abuso ou uso nocivo da substncia um padro mal-adaptativo de uso manifestado por conseqncias adversas recorrentes e significativas relacionadas ao uso repetido da substncia. A dependncia da substncia caracteriza-se pela presena de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiolgicos, indicando que o indivduo continua utilizando a substncia, apesar de problemas significativos relacionados a ela. Existe um padro de auto-administrao repetida que geralmente resulta em tolerncia, abstinncia e comportamento compulsivo de consumo da droga. A caracterstica essencial da sndrome de abstinncia da substncia o desenvolvimento de uma alterao comportamental mal-adaptativa e especfica a essa, com prejuzos fisiolgicos e cognitivos, devido cessao ou reduo do uso pesado e prolongado da substncia (GONALVES, 2005).

    O DSM-IV inclui critrios diagnsticos para o abuso e a dependncia da substncia. O abuso da substncia definido como um padro mal-adaptativo de uso dessa substncia levando ao prejuzo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por um ou mais dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de um perodo de 12 meses (APA, 2000):

    Uso recorrente da substncia resultando em fracasso em cumprir obrigaes importantes relativas ao seu papel no trabalho, na escola ou em casa (por ex., repetidas ausncias ou desempenho ocupacional fraco relacionados ao uso da substncia; ausncias, suspenses ou expulses da escola relacionadas substncia; negligncia quanto aos filhos ou afazeres domsticos);

    uso recorrente da substncia em situaes nas quais isso representa perigo fsico (por ex., dirigir um veculo ou operar uma mquina quando prejudicado pelo uso da substncia);

    6

  • problemas legais recorrentes relacionados substncia (por ex., detenes, conduta desordeira relacionada substncia);

    uso continuado da substncia, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos da substncia (por ex., discusses com o cnjuge acerca das conseqncias da intoxicao, lutas corporais).

    A dependncia da substncia definida como um padro mal-adaptativo de uso dessa substncia levando ao prejuzo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado pela ocorrncia de trs (ou mais) dos seguintes aspectos, ocorrendo a qualquer momento, dentro de um perodo de 12 meses (APA, 2000):

    Tolerncia, definida por uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substncia para adquirir a intoxicao ou efeito desejado; ou reduo acentuada do efeito com o uso continuado da mesma quantidade da substncia;

    abstinncia, manifestada por sndrome de abstinncia caracterstica para a substncia; ou a mesma substncia (ou outra substncia estreitamente relacionada) consumida para aliviar sintomas de abstinncia;

    a substncia frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um perodo mais longo do que o pretendido;

    existe um desejo persistente ou esforos mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substncia;

    muito tempo gasto em atividades necessrias para a obteno da substncia (por ex., fumar em grupo) ou na recuperao dos seus efeitos;

    atividades sociais, ocupacionais ou recreativas so abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substncia;

    o uso da substncia continua, apesar da conscincia de ter um problema fsico ou psicolgico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substncia (por ex., uso de cocana, embora o indivduo reconhea que sua depresso induzida por ela; ou

    7

  • consumo continuado de bebidas alcolicas, embora o indivduo reconhea que uma lcera piorou pelo consumo do lcool).

    A dependncia da substncia fisiolgica se houver evidncia de tolerncia ou abstinncia. Se nenhuma dessas caractersticas estiver presente, a dependncia da substncia classificada como sem dependncia fisiolgica.

    A CID-10 faz a distino entre o uso nocivo e a dependncia da substncia.

    O uso nocivo definido como um padro de uso da substncia que causa prejuzo sade. O prejuzo pode ser fsico (por ex., hepatite) ou mental (por ex., crise de depresso). O uso nocivo pode ter conseqncias sociais adversas, mas apenas essas conseqncias no so suficientes para justificar um diagnstico de uso nocivo da substncia (WHO, 1993).

    Os critrios da CID-10 para a dependncia da substncia so muito similares aos do DSM-IV. Um diagnstico de dependncia da substncia feito quando trs ou mais das seguintes manifestaes tenham ocorrido juntas no ltimo ms ou persistindo por perodos menores que um ms, durante os ltimos 12 meses (WHO, 1993):

    Um forte desejo ou senso de compulso para consumir a substncia;

    dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substncia em termos de seu incio, trmino ou nveis de consumo;

    um estado de abstinncia fisiolgico quando o uso da substncia cessou ou foi reduzido, como evidenciado pela sndrome de abstinncia caracterstica para a substncia ou o uso da mesma substncia (ou de outra intimamente relacionada) com a inteno de aliviar ou evitar sintomas de abstinncia;

    evidncia de tolerncia, de tal forma que doses crescentes da substncia psicoativa so requeridas para alcanar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros disso so encontrados em indivduos dependentes de lcool e opiceos, que podem tomar doses dirias suficientes para incapacitar ou matar

    8

  • usurios no tolerantes);

    abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substncia psicoativa, assim como aumento da quantidade de tempo necessria para obter ou tomar a substncia ou para se recuperar de seus efeitos;

    persistncia no uso da substncia, apesar de evidncia clara de conseqncias nocivas, tais como dano ao fgado por consumo excessivo de bebidas alcolicas, estado de humor depressivo conseqente a perodos de consumo excessivo da substncia ou comprometimento do funcionamento cognitivo relacionado droga (deve-se fazer esforos para determinar se o usurio estava realmente, ou se poderia esperar que estivesse, consciente da natureza e extenso do dano).

    Pode-se observar claramente que tanto no DSM-IV quanto na CID-10 foram incorporados como critrios diagnsticos um grande espectro de problemas fsicos, psquicos e sociais que esto em conformidade com a caracterstica da manifestao desses transtornos. Essa forma de apresentar os critrios diagnsticos tambm permite a preveno e a deteco precoce desses transtornos (GONALVES, 2005).

    Pode-se notar tambm que pelos critrios diagnsticos no se diferencia dependncia fisiolgica de dependncia psicolgica, como se fazia no passado. A descrio da dependncia fisiolgica est presente uma vez que o quadro de sndrome de abstinncia, que caracteriza o seu diagnstico, relevante do ponto de vista clnico pois muitas manifestaes desta sndrome necessitam de interveno mdica, muitas vezes at com internamento do paciente, quando sua vida est em risco. Porm, dependncia psicolgica no recebe mais o status de diagnstico de um tipo de transtorno, pois as manifestaes psicolgicas caractersticas da dependncia (p.ex. compulso, perda de interesse por outras atividades) esto normalmente presentes em todos os quadros de dependncia. O termo adio normalmente muito usado na lngua inglesa, est muito relacionado aos componentes psicolgicos da dependncia, mas no consiste em um tipo de diagnstico diferenciado. Costuma-se considerar como central para a manifestao da adio, a presena da compulso ou fissura (craving). O National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos define adio como uma doena do crebro crnica e recorrente caracterizada pelo uso e procura compulsivos da

    9

  • droga apesar das conseqncias nocivas ao indivduo (NIH, 2007).

    Epidemiologia

    Estudos epidemiolgicos tm detectado ndices de uso de drogas cada vez maiores nos ltimos anos, tanto no Brasil (GALDURZ et al., 1997; 2003), como em outras regies do mundo (UNITED NATIONS INTERNATIONAL DRUG CONTROL PROGRAM, 1997; WHO ASSIST WORKING GROUP, 2002).

    O primeiro levantamento domiciliar sobre o uso de drogas no Brasil, realizado em 2001 pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informaes sobre Drogas da UNIFESP) em uma amostra aleatria e representativa com 8.589 entrevistados, entre 12 e 65 anos, das 107 cidades brasileiras com mais de 200.000 habitantes (o que abrange 41,3% da populao total do Brasil), detectou ndices de 11,2% para dependncia de lcool, 9% para dependncia de tabaco, 1% para dependncia de maconha e 0,4% para dependncia de estimulantes, sendo que as porcentagens de uso na vida destas substncias foram de 68,7%, 41,1%, 7% e 1,5%, respectivamente. A porcentagem de uso na vida de cocana foi de 2,3% e de qualquer droga (exceto lcool e tabaco) foi de 19,4%. Incluindo os benzodiazepnicos (3,3%) e solventes (5,8%), essas foram as substncias com maior prevalncia de uso na populao. Os opiceos obtiveram uma preciso de prevalncia de uso muito baixa (0,1%) de acordo com o estudo (CARLINI et al., 2002).

    Em 2005, o CEBRID realizou o segundo levantamento domiciliar seguindo a mesma metodologia, exceto que neste levantamento foram avaliadas 108 cidades, pois mais uma atingiu os 200 mil habitantes. A prevalncia de uso na vida para qualquer droga (exceto tabaco e lcool) foi de 22,8%, sendo a maior porcentagem observada na regio Nordeste, onde alcanou 27,6%, e a menor foi na regio Norte com 14,4%. A mdia brasileira de prevalncia de uso na vida de lcool foi de 74,6%, sendo a menor taxa observada na Regio Norte (53,9%) e o maior na Sudeste (80,4%). So observados mais dependentes de lcool para sexo masculino. As tabelas 1 e 2, a seguir, mostram alguns dos resultados deste estudo (CARLINI et al., 2007).

    10

  • Drogas Tipos de Uso %

    Na vida No ano No ms

    Maconha 8,8 2,6 1,9Solventes 6,1 1,2 0,4Benzodiazepnicos 5,6 2,1 1,3Orexgenos 4,1 3,8 0,1Estimulantes 3,2 0,7 0,3Cocana 2,9 0,7 0,4Xaropes (codena) 1,9 0,4 0,2Opiceos 1,3 0,5 0,3Alucingenos 1,1 0,32 0,2Esterides 0,9 0,2 0,1Crack 0,7 0,1 0,1Barbitricos 0,7 0,2 0,1Anticolinrgicos 0,5 0 0Merla 0,2 0 0Herona 0,1 0 0

    lcool 74,6 49,8 38,3Tabaco 44,0 19,2 18,4

    Tabela 1 - Distribuio dos 7.939 entrevistados, segundo uso na vida, uso no ano e uso no ms das drogas mais usadas nas 108 cidades com mais de 200 mil habitantes (CARLINI et al., 2007).

    Dependncia:(% de dependentes)

    Drogas 2005

    lcool 12,3Tabaco 10,1Maconha 1,2Benzodiazepnicos 0,5Solventes 0,2Estimulantes 0,2

    Tabela 2 - Distribuio dos 7.939 entrevistados, segundo dependncia de drogas, nas 108 cidades com mais de 200 mil habitantes do Brasil (CARLINI et al., 2007).

    11

  • Neste estudo domiciliar, entre os entrevistados que estavam na faixa de 12 a 17 anos de idade, 48,3% mencionaram ter consumido na vida bebidas alcolicas, 15,7% tabaco, 3,4% solventes e 3,5% maconha. Considerando a prevalncia de dependncia nesta mesma faixa etria (12 a 17 anos), observou-se que 5,2% dos jovens foram considerados dependentes de lcool, 2,2% de tabaco e 0,6% de maconha. O mesmo CEBRID realizou a partir de 1987 cinco estudos epidemiolgicos entre estudantes de 1 e 2 graus em capitais brasileiras. No ltimo Levantamento, o quinto, realizado em 2004, foram pesquisadas as 27 capitais brasileiras atingindo um total de 48.155 estudantes entrevistados. O uso na vida de drogas psicotrpicas inicia muito cedo, em crianas na faixa etria de 10-12 anos, 0,6% usam maconha, 0,5% cocana, 0,2% crack, 7,0% tabaco, 41,2% lcool. Para a faixa etria de 13-15 anos, 3,9% maconha, 1,4% cocana, 0,6% crack, 24,7% tabaco, 69,5% lcool. Os estudantes com 16-18 apresentaram os seguintes dados: 11,2% maconha, cocana 2,8%, crack 1,1%, tabaco 39,7% e lcool 80,8%. Nas trs faixas etrias, os estudantes j experimentaram as demais drogas pesquisadas (anfetamnicos, solventes, ansiolticos, anticolinrgicos, barbitricos, opiceos, xaropes, alucingenos, orexigenos, energticos, esterides/anabolizantes, tabaco e lcool) e o grau de freqncia no uso tende a aumentar com a idade. O lcool foi a droga que teve a menor mdia de idade do primeiro uso com mdia de 12,5 anos. Para ambos os sexos, o uso na vida de drogas reduziu em cinco capitais. O uso na vida de lcool diminuiu em ambos os sexos, em nove das dez capitais anteriormente estudadas, ao contrrio do tabaco que no teve reduo significativa, sendo que em Porto Alegre, houve at aumento no uso na vida desta droga entre as mulheres (7,2%). No entanto, o uso na vida do tabaco foi feito por 24,9% dos estudantes pesquisados, sendo este ndice menor do que todos os pases sul-americanos nos quais se realizou pesquisa anloga a este estudo. O uso na vida de algumas drogas como anabolizantes, maconha, energticos, cocana e esterides tm maior incidncia nos indivduos do sexo masculino, ao passo que, drogas como anfetamnicos e ansiolticos so mais usadas por indivduos do sexo feminino, confirmando dados dos estudos anteriores. Em relao ao uso frequente (quando a pessoa utilizou droga psicotrpica seis ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa) a regio sul est na frente dos demais estados e da mdia nacional, com 12,9%. Uso na vida de qualquer droga exceto lcool e tabaco foi de 22,6% considerando todo o Brasil. Outros dados relevantes foram que os alunos que j fizeram o uso na vida de drogas faltaram mais s aulas quando comparados aos que nunca experimentaram drogas;

    12

  • que o uso de drogas, tanto na quantidade e freqncia como no tipo da droga usada, no foi prerrogativa de uma classe socioeconmica em particular; que o bom relacionamento com os pais e entre os prprios estudantes parece ser um fator protetor ao no uso pesado de lcool; que os estudantes que seguem alguma religio tiveram menos uso pesado de lcool; que a prtica do esporte no influenciou no uso e que estudantes que trabalhavam tiveram mais uso pesado de lcool. (GALDURZ, 2004).

    Estes estudos demonstram que o lcool a substncia psicoativa de maior uso no Brasil. Vrios fatores influenciam esse uso, podendo-se destacar o fato dela ser uma droga lcita, socialmente aceita e muitas vezes ter seu uso incentivado pela sociedade (como por exemplo, os chamados ritos de passagem caracterizados pelo primeiro porre na adolescncia); ser uma droga de fcil acesso e de baixo preo e ainda apresentar deficincia na fiscalizao (venda para menores de idade, por exemplo). No entanto, famlia e instituies enfatizam, quase exclusivamente, o problema das drogas ilcitas, como a maconha e a cocana. Isto porque o lcool, o tabaco e, em menor grau os solventes, esto inseridos nos diversos contextos, com os quais o adolescente se relaciona, incluindo a prpria famlia e a instituio escolar. Mesmo conhecendo os efeitos dessas drogas, possvel o uso ocasional, isto , o uso relacionado a eventos sociais, como festas, shows, etc, sem risco de desenvolver dependncia para a grande maioria dos jovens. Antes, so as coisas da idade ou smbolos de passagem para o mundo adulto. Como conseqncia, o jovem recebe mais informaes sobre as drogas ilcitas, e desconhece os riscos envolvidos no consumo das substncias permitidas (TIBA, 1999; SEIBEL; TOSCANO, 2001).

    Existem evidncias de que o uso de drogas est associado a problemas de sade pblica. Tabaco, lcool e drogas ilcitas esto entre os 20 maiores fatores de risco de problemas de sade identificados pela OMS. Estima-se que o tabaco seja responsvel por 9% de todas as mortes e por 4,1% da carga global de doenas, esta medida pelos anos de vida ajustado por incapacidade (AVAI). O lcool responsvel por 3,2% de mortes e 4% de AVAIs e as drogas ilcitas por 0,4% de mortes e 0,8% de AVAIs. Alm disso, existe uma tendncia crescente das pessoas usarem mltiplas substncias juntas ou em pocas diferentes, o que aumenta ainda mais os riscos (WHO, 2002).

    13

  • AS PRINCIPAIS DROGAS DE ABUSO(Lcitas e ilcitas; drogas prescritas com potencial de abuso; principais efeitos agudos e crnicos no crebro e em todo o organismo; principais padres de uso)

    As drogas psicotrpicas so substncias psicoativas que alteram o comportamento, o humor e a cognio, possuindo propriedade reforadora, sendo, portanto, passveis de auto-administrao (WHO, 1981), conseqentemente podem levar ao abuso e dependncia.

    Reforo ou estmulo reforador a capacidade que a droga tem de criar e manter hbitos e comportamentos relacionados droga. Essa caracterstica considerada fundamental para que a droga seja capaz de induzir dependncia. O reforo pode ser positivo ou negativo. Reforo positivo a capacidade da droga de produzir efeitos agradveis e sensaes prazerosas. Reforo negativo a capacidade da droga de diminuir sensaes desagradveis. Em muitos casos difcil separar qual o tipo de reforo predominante em determinada situao (ALMEIDA, 2006). Por exemplo, o etanol apresenta reforo positivo pela sua capacidade de produzir euforia e reforo negativo pelo seu efeito ansioltico e por evitar a sndrome de abstinncia.

    A propriedade reforadora da droga psicotrpica a caracterstica comum de todas as drogas de abuso e ser discutida mais detalhadamente no tpico de Neurobiologia da adio.

    As drogas psicotrpicas podem ser classificadas de vrias maneiras, levando em conta sua estrutura qumica, seus efeitos farmacolgicos ou sua origem natural ou sinttica. A classificao mais utilizada a proposta por CHALOUT em 1971 para os psicoativos, que considera o tipo de alterao principal que a droga produz no sistema nervoso central: estimulante, depressor ou alucingeno. O quadro a seguir mostra esta classificao, citando apenas os psicotrpicos.

    14

  • Classificao de Chalout (1971)

    Depressores ou Psicolpticos: lcool, hipnticos, inalantes, opiides, ansiolticos benzodiazepnicos.

    Estimulantes ou Psicoanalpticos: Cocana, anfetaminas, nicotina, xantinas, outros.

    Perturbadores ou Psicodislpticos (Alucingenos):

    Naturais: maconha, mescalina, psilocibina, caapi + chacrona (Santo Daime), outros;

    Sintticos: LSD, anticolinrgicos, ecstasy, outros.

    Tambm podemos citar as principais drogas pelas classes mais conhecidas, inclusive referenciando seus nomes populares ou de rua. Esta a forma como as drogas so apresentadas aos pacientes quando so entrevistados usando-se o ASSIST2 (ver adiante a apresentao do ASSIST com a sua aplicabilidade como instrumento de deteco de problemas relacionados s drogas). Normalmente os profissionais de sade colocam os nomes dessas classes de drogas em um carto plastificado para que os pacientes possam ler e se familiarizar com seus nomes. Esse carto apresentado a seguir:

    2 ASSIST: Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test - Teste de deteco do envolvimento com substncias, cigarro e lcool

    15

  • Nomes populares ou comerciais das drogas

    a. produtos do tabaco (cigarro, charuto, cachimbo, fumo de corda);

    b. bebidas alcolicas (cerveja, vinho, champanhe, licor, pinga usque, vodca, vermutes, caninha, rum tequila, gim);

    c. maconha (baseado, erva, liamba, diamba, birra, fuminho, fumo, mato, bagulho, pango, manga-rosa, massa, haxixe, skank, etc);

    d. cocana, crack (coca, p, branquinha, nuvem, farinha, neve, pedra, caximbo, brilho);

    e. estimulantes como anfetaminas (bolinhas, rebites, bifetamina, moderine, MDMA);

    f. inalantes (solventes, cola de sapateiro, tinta, esmalte, corretivo, verniz, tiner, clorofrmio, tolueno, gasolina, ter, lana perfume, cheirinho da lol);

    g. hipnticos, sedativos (ansiolticos, tranquilizantes, barbitricos, fenobarbital, pentobarbital, benzodiazepnicos, diazepam);

    h. alucingenos (LSD, ch-de-lrio, cido, passaporte, mescalina, peiote, cacto);

    i. opiceos (morfina, codena, pio, herona, elixir, metadona);

    j. outras especificar.

    A descrio do mecanismo de ao farmacolgico de todas essas drogas, assim como de todos os seus efeitos, est fora do objetivo deste artigo e desta forma apenas sero apresentados quadros com os principais efeitos destas classes de drogas, exatamente como aparecem nos manuais que so entregues aos profissionais de sade que so treinados a aplicar o ASSIST e a Interveno Breve aos pacientes da Ateno Primria Sade. Esses quadros so simplificados para facilitar o uso pelo profissional no momento de orientar o paciente quanto ao seu nvel de risco com a droga. Outra caracterstica importante a coluna esquerda no quadro que possui uma colorao em gradiente de cinza para mostrar ao paciente o crescimento na intensidade dos problemas decorrentes do uso crnico da droga em questo.

    16

  • TabacoSeu risco de ter esses problemas :.........Baixo-Moderado-Alto(marque um)O uso contnuo do cigarro est associado com:

    Envelhecimento precoce, enrugamento da pele

    Infeces respiratrias e asma

    Presso arterial alta, diabetes

    Filhos de fumantes podem ter Infeces respiratrias, alergias e asmaMulheres grvidas fumantes podem ter aborto, parto prematuro e bebs de baixo peso

    Doenas dos rins

    Problemas crnicos de obstruo de vias areas

    Doenas do corao, derrame, doenas vasculares

    Cnceres

    lcoolSeu risco de ter esses problemas :.........Baixo-Moderado-Alto(marque um)O uso regular e excessivo de lcool est associado com:

    Ressaca, comportamento agressivo, acidentes e leses

    Reduo do desempenho sexual, envelhecimento precoce

    Problemas digestivos, lceras, inflamao do pncreas, presso arterial altaAnsiedade e depresso, dificuldades de relacionamento, problemas financeiros e no trabalho

    Dificuldade de se lembrar das coisas e de resolver problemas

    Bebs de mulheres grvidas que usam lcool podem nascer com leses e danos no crebro AVC's (derrame), leses permanentes no crebro, disfunes musculares e nervosas

    Doenas do fgado e pncreas

    Cnceres, suicdio

    17

  • MaconhaSeu risco de ter esses problemas :.........Baixo-Moderado-Alto(marque um)O uso regular de maconha est associado com:

    Problemas com a ateno e motivao

    Ansiedade, parania, pnico, depresso

    Prejuzo da memria e da habilidade de resolver problemas

    Presso arterial alta

    Asma, bronquite

    Psicose entre as pessoas com histrico familiar de esquizofreniaDoena do corao e doenas crnicas obstrutivas das vias areas

    Cnceres

    Cocana /crack

    Seu risco de ter esses problemas :......... Baixo Moderado Alto(marque um)O uso regular de cocana/crack est associado com:Dificuldade de dormir, batimento do corao acelerado, dor de cabea, perda de pesoEntorpecimento, formigamento, viscosidade e erupes cutneas

    Acidentes e leses, problemas financeiros

    Pensamentos estranhos

    Alterao do humor - ansiedade, depresso, mania

    Agresso e parania

    Fissura intensa, estresse decorrente do estilo de vida

    Psicose depois do uso repetido de altas doses

    Morte sbita por problemas do corao

    18

  • Estimulante tipo

    anfetamina

    Seu risco de ter esses problemas :......... Baixo Moderado Alto(marque um)O uso regular destes estimulantes est associado com:

    Dificuldade de dormir, perda do apetite e peso, desidratao

    Ranger os dentes, dor de cabea, dor muscular

    Alterao de humor ansiedade, depresso, agitao, mania, pnico, parania

    Tremores, batimento cardaco irregular, falta de ar

    Comportamento agressivo e violento

    Psicose depois do uso repetido de altas doses

    Leses permanentes das clulas cerebrais

    Leso do fgado, hemorragia cerebral, morte sbita (xtase) em situaes raras

    InalanteSeu risco de ter esses problemas :......... Baixo Moderado Alto(marque um)O uso regular de inalantes est associado com:Vertigem e alucinaes, sonolncia, desorientao, viso embaadaSintomas semelhantes a de um resfriado, sinusite, sangramento nasal

    Indigesto, lceras estomacais

    Acidentes e leses

    Perda de memria, confuso, depresso, agresso

    Dificuldade de coordenao, reflexo diminudo, hipxia (falta de oxignio no crebro)Delirium, convulses, coma, danos de rgos (corao, pulmo, fgado, rins)

    Morte por disfuno cardaca

    19

  • SedativoSeu risco de ter esses problemas :......... Baixo Moderado Alto(marque um)O uso regular de sedativos est associado com:

    Sonolncia, vertigem e confuso

    Dificuldade de concentrao e de se lembrar das coisas

    Nusea, dor de cabea, alterao da marcha

    Problemas de sono

    Ansiedade e depresso

    Tolerncia e dependncia aps um curto perodo de uso.

    Sintomas de abstinncia graves

    Overdose e morte se usado com lcool, opiceo ou outras drogas depressoras.

    AlucingenoSeu risco de ter esses problemas :......... Baixo Moderado Alto(marque um)O uso regular de alucingenos est associado com:Alucinaes (agradveis ou desagradveis) visuais, auditivas, tteis, olfativas

    Dificuldade de dormir

    Nusea e vmito

    Aumento do batimento cardaco e da presso arterial

    Alteraes do humor

    Ansiedade, pnico, parania

    Flash-backs (sensao estranha ou alucinaes na ausncia da droga) Agravamento de doenas mentais, como por exemplo esquizofrenia

    20

  • OpiceoSeu risco de ter esses problemas :......... Baixo Moderado Alto(marque um)O uso regular de opiceos est associado com:

    Coceira, nusea e vmito

    Sonolncia

    Constipao, enfraquecimento dos dentes

    Dificuldade de concentrao e de se lembrar das coisas

    Reduo do desejo e do desempenho sexual

    Dificuldades de relacionamento

    Problemas no trabalho e financeiros, violaes da lei

    Tolerncia e dependncia, sintomas de abstinncia

    Overdose e morte por insuficincia respiratria

    A anlise destes quadros com os efeitos das drogas deixa claro que todas as drogas causam muitos problemas orgnicos perifricos e centrais e problemas sociais e psicolgicos, alm das suas potencialidades de causar adio e dependncia. Essa potencialidade das drogas em desenvolver adio ou dependncia conhecida como potencial de abuso, sendo calculada com base no percentual de uso na vida e no percentual de dependncia/ adio. Esses valores esto mostrados na Tabela a seguir usando dados de estudos epidemiolgicos norte americano. Vrios fatores influenciam esse potencial de abuso, como a disponibilidade da droga, seu preo, sua aceitabilidade social e seu modo de uso, entre outros. Por exemplo, o potencial de abuso da cocana depende da via de introduo utilizada, tendo a via respiratria, uso do crack, potencial de abuso comparvel ao do uso endovenoso e estes menores do que pelo uso aspirado. Isto se deve ao tempo de acesso ao sistema nervoso central, que em mdia 8 segundos. Tambm quando se compara o potencial de abuso do tabaco com o do crack (no mostrado na Tabela) eles so muito similares, pelo mesmo motivo exposto.

    21

  • SUBSTNCIA USO NAVIDA

    %

    DEPENDNCIA /ADIO

    %

    POTENCIAL DE ABUSO

    %

    TABACO 75,6 24,1 31,9

    LCOOL 91,5 14,1 15,4

    DROGAS ILCITAS 51,0 7,5 14,7

    Maconha 46,3 4,2 9,1

    Cocana* 16,2 2,7 16,7

    Estimulantes 15,3 1,7 11,2

    Ansiolticos 12,7 1,2 9,2

    Alucingenos 10,6 0,5 4,9

    Herona 1,5 0,4 23,1

    Inalatrios 6,8 0,3 3,7

    Tabela 3 Potencial de abuso das drogas mais usadas nos Estados Unidos (Fonte: Goodman and Gilman, 2006).

    * Esto consideradas todas as formas de uso da cocana, injetvel, fumada e aspirada.

    O uso de drogas injetadas (apesar da sua prevalncia de uso ser baixa no Brasil), alm de todos os outros riscos, pode causar danos pele e veias e ainda propicia o contgio do HIV e outros vrus adquiridos por via sangunea, atravs do uso de seringas contaminadas ou pelo comportamento sexual de risco por parte dos usurios. Estes, infectados com o vrus do HIV podem aumentar a infeco da populao geral atravs do contato sexual com no usurios de drogas, alm disso, mes infectadas podem transmitir o vrus para o filho. A estreita relao entre o uso de drogas e a prostituio tambm pode contribuir para a transmisso do HIV (HUMENIUK; POZNYAK, 2004).

    22

  • NEUROBIOLOGIA DA ADIO(Mecanismo neurobiolgico comum entre as drogas; as fases do desenvolvimento da adio; teorias que explicam a adio)

    A progresso do uso inicial adio influenciada por muitos fatores. Entre eles a droga em si, influencias de outras pessoas e ambientais, e as caractersticas do usurio como sua personalidade, suas enzimas metabolizadoras ou sua predisposio geneticamente adquirida. A interao entre esses fatores complexa e determina porque alguns indivduos apresentam comportamentos aditivos e outros no. O uso inicial da droga pode ser voluntrio, buscando o prazer e as suas propriedades reforadoras, mas para a pessoa que apresenta adio, a escolha pelo uso da droga no mais voluntria. Na adio, ocorrem neuroadaptaes cerebrais semelhantes s que ocorrem no aprendizado de uma tarefa, e o indivduo procura a droga mesmo na evidencia de conseqncias pessoais negativas e graves (CHOU; NARASIMNHAN, 2005). No entanto, os mecanismos neurobiolgicos que determinam essa transio do uso controlado para o descontrolado ainda no esto totalmente esclarecidos. As recadas no uso das drogas o fator clinico mais difcil de ser controlado no tratamento da adio. Aps longo perodo de abstinncia o craving (compulso pela droga) pela droga ou a recada pode ser iniciado pela presena da droga em si, por pistas ambientais que estejam associadas droga ou pelo estresse (SHAHAN; HOPE, 2005).

    As drogas de abuso so substncias com diversas estruturas qumicas e mecanismos de ao. Na administrao aguda cada droga se liga a um stio de ao prprio e desencadeia uma srie de comportamentos, sensaes e efeitos fisiolgicos e dependendo da quantidade usada pode causar um quadro de intoxicao tpico da droga. Essas drogas so todas agudamente recompensadoras (o que leva a repetio do seu uso) e com o uso crnico, alguns efeitos so compartilhados entre elas, como produzir sintomas emocionais negativos na sua suspenso, produzir um longo perodo de sensibilizao e desenvolver um aprendizado associativo droga pistas ambientais relacionadas droga. Acredita-se que esses efeitos crnicos so adaptaes que contribuem para o craving (desejo, compulso) pela droga e para as recadas, mesmo aps longos perodos de abstinncia.

    Existem vrias evidencias que todas as drogas de abuso convergem a um circuito comum no sistema lmbico cerebral, o qual responsvel pelo controle das emoes. A principal via que vem

    23

  • sendo investigada a via dopaminrgica que se inicia na rea tegmental ventral e vai em direo ao ncleo accunbens. Essa via a mais importante para os efeitos recompensadores agudos de todas as drogas de abuso, e vrias pesquisas tm mostrado como, apesar de seus diferentes mecanismos de ao, todas as drogas convergem a essa via, tendo assim efeitos agudos reforadores comuns. Drogas estimulantes (cocana, anfetaminas) so capazes de ativar diretamente essa via, principalmente por inibirem a recaptao de dopamina e no caso das anfetaminas, tambm por aumentarem a liberao deste neurotransmissor. Os opiides agem como agonistas (so semelhantes a opiides endgenos, assim enganam a clula) em receptores de opiides endgenos (encefalinas, endorfinas e dinorfina) atuando diretamente em neurnios do ncleo accunbens que promovem liberao de dopamina. Esses agentes tambm atuam inibindo interneurnios gabargicos na rea tegmental ventral, levando a maior atividade dessa regio. A nicotina parece ativar os neurnios da rea tegmental ventral diretamente via receptores nicotnicos e indiretamente pela ativao de neurnios glutamatrgicos que inervam as clulas dopaminrgicas. O lcool pela potencializao de receptores gabargicos inibe a funo deste neurotrasmissor em terminais de outros neurotransmissores, aumentando a atividade dos neurnios dopaminrgicos e tambm inibe terminais glutamatrgicos que inervam o ncleo accunbens. O lcool tem vrios mecanismos propostos para sua ao, e a droga que tem o mecanismo de ao mais complexo e menos conhecido. O tetrahidrocanabinol, alcalide presente na maconha, age em receptores para canabinides endgenos (como a anandamida), atuando em terminais nervosos glutamatrgicos e gabargicos no ncleo accunbens e diretamente nos neurnios do ncleo accunbens. Fenciclidina, um potente alucingeno sinttico, inibe receptores glutamatrgicos ps sinpticos no ncleo accunbens. Alm disso, lcool e nicotina parecem ativar vias opiides e essas duas drogas e as outras parecem ativar o sistema canabinide endgeno (NESTLER, 2005).

    Todas essas drogas causam uma liberao de dopamina cerca de 2 a 10 vezes maior do que reforadores naturais e demoram mais para voltar ao normal. Em alguns casos, como quando as drogas so fumadas ou injetadas endovenosamente, essa inundao dopaminrgica ocorre quase imediatamente. Como a dopamina, alm das sensaes prazerosas, est relacionada com a motivao, cognio, movimento e emoo, a superestimulao destes sistemas ensina o indivduo a repetir o comportamento de busca pela droga. O

    24

  • sistema nervoso central possui conexes que garantem a repetio de atividades de manuteno da vida associando essas atividades com prazer ou reforo (como comer, fazer sexo, etc). Quando o circuito da motivao e recompensa ativado, o crebro nota que algo importante est acontecendo, que precisa ser lembrado e isso ensina a repeti-lo, muitas vezes sem pensar. Como as drogas de abuso ativam esse sistema, como se elas estivessem seqestrando esse sistema e enganando os circuitos cerebrais informando que algo importante para a manuteno da vida est acontecendo. Alguns cientistas dizem que o abuso de drogas algo que aprendemos a fazer muito bem (NIH, 2007).

    Essas aes agudas das drogas levam a alteraes de membrana e citoplasmticas que geralmente so locais e passageiras. Mas elas levam a ativao de fatores de transcrio da funo gnica celular que possivelmente resultam em mudanas funcionais e morfolgicas duradouras (KOOB; SANNA; BLOOM, 1998).

    Um dos fatores de transcrio afetados pelo uso crnico de drogas o CREB (cAMP-response-element-binding protein) o qual expresso em todas as clulas do crebro e essencial em processos que se iniciam na membrana e levam alterao na expresso gnica, ou seja, causa uma modificao no funcionamento das clulas cerebrais alvos da droga, podendo assim alterar a funo de neurnios individualmente ou de circuitos neuronais como um todo (CARLEZON; DUMAN; NESTLER, 2005).

    O uso crnico de cocana, anfetaminas ou opiides induzem a atividade do CREB, enquanto lcool e nicotina diminuem sua atividade no ncleo accunbens, apesar de aument-la em outras regies. O aumento de atividade do CREB no ncleo accunbens diminui as respostas comportamentais, enquanto a diminuio da sua atividade aumenta essas respostas. O CREB tambm induzido por reforos naturais (como gua com sacarose administrada a animais, e possivelmente na presena de outros reforadores naturais) (CARLEZON; DUMAN; NESTLER, 2005).

    Outro fator de transcrio que afetado pelo uso crnico de drogas o FosB. um fator de transcrio que tem um papel essencial em mudanas adaptativas de longa durao no crebro, associadas a diversas condies como adio, aprendizado, doena de Parkinson, depresso e tratamento antidepressivo. Esse fator de transcrio induz a expresso de vrias protenas da famlia Fos e que aparecem em regies especficas aps a administrao de vrias

    25

  • drogas de abuso, mas retornam aos nveis basais dentro de algumas horas. Com a administrao crnica dessas drogas, algumas destas protenas se acumulam nessas mesmas regies cerebrais (McCLUNG et al, 2004; NESTLER; BARROT; SELF, 2001).

    Alm da via mesolmbica, que envolve o ncleo accunbens, outras regies que interagem com ela tambm se mostram importantes, como amigdala, hipocampo, hipotlamo e vrias reas do crtex cerebral. Muitas dessas regies esto associadas aos sistemas de memria e aprendizado. A via mesolmbica, assim como as outras regies citadas, tambm esto envolvidas com as adies naturais como compulso por sexo e por jogo (NESTLER, 2005).

    Resumidamente, poderamos dizer que as drogas tm uma ao aguda no sistema nervoso central da qual se destacam as suas propriedades reforadoras e os efeitos observados na intoxicao aguda. Essas aes so passageiras e no determinam nem a adio nem a dependncia, mas promovem a procura inicial pela droga. Com o uso crnico da droga, ocorrem neuroadaptaes, que durante um perodo, que varia de droga para droga, de indivduo para indivduo e de situao para situao, ainda so reversveis e constituem o que se chama de fase de transio para a adio. nesta fase que o processo de aprendizado do uso da droga se desenvolve e todos os estmulos relacionados ao uso esto sendo associados presena da droga. tambm nesta fase que comeam a aparecer os problemas associados ao uso e que so importantes para motivar o usurio a diminuir ou parar com o uso, pois nesse perodo as neuroadaptaes ainda so relativamente fceis de serem revertidas, desde que o usurio esteja motivado a realizar a mudana do seu padro de uso. Uma das alteraes que ocorre nesta fase, a adaptao do sistema de recompensa. Como a liberao de dopamina est aumentada e outros neurotransmissores tambm esto alterados pela presena da droga, as clulas cerebrais se ajustam a esta nova situao, o que se chama de adaptao homeosttica. Essas alteraes fazem com que a droga seja menos prazerosa, o indivduo se sente mal, deprimido, sem vida e fica incapaz de apreciar coisas que anteriormente lhe davam prazer. Agora, ele necessita de maiores doses da droga para produzir a ativao dos sistemas de recompensa, fenmeno conhecido como tolerncia. Somado a isso, o sistema nervoso central dele promoveu o aprendizado do uso da droga e estmulos associados a esse uso adquirem a capacidade de estimular o circuito de aprendizado fazendo com que a presena de algum destes estmulos desencadeie a ativao do circuito levando o indivduo urgncia de usar a droga (fissura, craving). Esses estmulos

    26

  • associados podem ser internos e externos ao indivduo. Estmulos internos que podem ser associados ao aprendizado de usar a droga so, por exemplo, certas emoes que o indivduo experimentava durante ou previamente ao uso, como alegria, raiva, tristeza, depresso e outras. Estmulos externos associados ao uso podem ser de vrias naturezas, como a presena constante de um amigo, alguma msica ou som caracterstico, luzes do ambiente de uso, local de uso da droga, entre outros, que dependem da histria do indivduo. Esses estmulos podem ser perceptveis ao indivduo ou no. Por exemplo, cita-se na literatura o caso de um jovem que estava sob tratamento de dependncia de cocana aspirada e que relatava que em certas ocasies ele sentia uma forte fissura pela droga mas no conseguia identificar o estmulo desencadeante. Aps algum tempo de terapia e de observao do ambiente ao qual estava sendo exposto no momento da fissura, ele percebeu que quando atravessava uma rua na faixa de segurana ocorria a fissura. A faixa de segurana constituda de linhas brancas com fundo escuro, similarmente ao modo de uso da cocana aspirada, no qual as carreirinhas so linhas brancas num fundo escuro. Para o crebro esses estmulos eram generalizados e ativavam o circuito associado ao uso da droga, causando fissura, ou seja, necessidade urgente de consumir a droga.

    Com o uso continuado da droga, a perda de controle se instala, se caracterizando a fase da adio. Nesta fase consolidam-se as mudanas adaptativas da fase de transio, ocorre um redirecionamento de circuitos cerebrais e um aumento da expresso gnica de protenas que conferem a vulnerabilidade para a recada. Nesta fase o indivduo necessita de ajuda de profissionais especializados e habilitados para poder enfrentar as suas situaes do dia a dia. Nesta fase, normalmente o indivduo j obteve muitas perdas: fsicas, financeiras, sociais e psicolgicas. Muitas vezes transtornos psiquitricos se instalam, ou j existiam antes do uso da droga, complicando muito o quadro do paciente e sua recuperao. Reestruturar os seus circuitos cerebrais dentro deste panorama bio-psico-social, readquirir motivao para a mudana de comportamento e ainda atingir sucesso pessoal tornam-se tarefas inatingveis, e o indivduo recai. Alguns medicamentos auxiliam no tratamento, mas no existe remdio para essa fase, ainda. Somente a psicoterapia e o forte apoio da rede social e familiar garantem o sucesso.

    Muito se fala da baixa efetividade do tratamento de dependncia/adio. Acredita-se que cerca de 40 a 60% dos pacientes dependentes/adictos que procuram tratamento se

    27

  • recuperam, quando se considera o primeiro ano de seguimento, mas estas taxas caem ainda mais quando se acompanha o paciente por um perodo mais longo. Pode-se dizer que so taxas baixas, mas quando se compara com outras taxas de recada de outras doenas orgnicas crnicas, nota-se que o panorama parecido. O jornal JAMA (Journal of the American Medical Association) publicou em 2000 uma comparao das taxas de recada de alguns problemas crnicos mdicos mais freqentes. Enquanto para drogadio as taxas de recada esto entre 40 e 60%, para diabetes tipo 1 esto entre 30 e 50% e para hipertenso e asma entre 50 e 70%. Isto demonstra que o tratamento da drogadio, um problema crnico e altamente estigmatizado, no diferente de outros problemas crnicos que possuem baixa estigmatizao e que possuem vrios programas implantados nos sistemas de sade do mundo todo.

    28

  • TRATAMENTO(Tratamento das diferentes fases do uso de drogas de abuso; as bases tericas do tratamento da adio; modalidades de tratamento da adio)

    As pesquisas mostram que combinar medicaes que auxiliem na resposta teraputica com psicoterapia a melhor maneira de garantir sucesso para a maioria dos pacientes. As abordagens teraputicas devem ser planejadas para cada paciente, considerando-se seu padro de uso, seus problemas mdicos relacionados droga, tanto orgnicos como psiquitricos, e seus problemas sociais. Como abordado anteriormente, a recada deve ser sempre considerada, como em outros problemas mdicos crnicos. Tratar problemas crnicos envolve mudar profundamente comportamentos que esto cristalizados, ou seja, difceis de mudar. A recada no significa que o tratamento falhou. Para pacientes adictos, deslizes ou recadas ao uso da droga demonstram a necessidade de ajustes ou re-planejamento das estratgias teraputicas.

    As medicaes tm um papel importante como suporte teraputico e podem ser teis em diferentes estgios do tratamento, ajudando o paciente a parar de usar, permanecer em tratamento e evitar a recada.

    Tratamento da sndrome de abstinncia Quando os pacientes param de usar a droga, eles experimentam uma variedade de sintomas fsicos e emocionais, incluindo depresso, ansiedade, outros transtornos do humor, inquietao e insnia. Alguns medicamentos atuam nestes sintomas, tornando mais fcil ficar sem a droga. Outros atuam substituindo os efeitos das drogas e assim evitando a manifestao da sndrome de abstinncia, como por exemplo o uso de adesivos de nicotina para manter os nveis plasmticos desta substncia.

    Permanecer em tratamento Alguns medicamentos so usados para auxiliar o crebro a se adaptar gradualmente ausncia da droga. Essas medicaes agem diminuindo o craving ou diminuindo as propriedades reforadoras das drogas. Elas podem ajudar os pacientes a acompanhar a psicoterapia minimizando os efeitos da urgncia em usar a droga e a compreender as mudanas que ocorreram e as que devem ainda ocorrer no seu sistema nervoso central.

    Preveno da recada A cincia tem demonstrado que o

    29

  • estresse, as pistas relacionadas droga e a exposio s drogas acionam o gatilho da recada. Alguns medicamentos ajudam a enfrentar essas situaes e ajudam a remodelar o aprendizado sem a droga. Muitas substncias esto sendo investigadas para esse propsito.

    A psicoterapia da adio ajuda os pacientes a modificar seus comportamentos e atitudes em relao s drogas e promove o treinamento de habilidades para enfrentar situaes estressantes e as pistas ou estmulos relacionados droga que podem desencadear o craving ou compulso pela droga levando recada. A psicoterapia tambm aumenta a aderncia medicao e ajuda os pacientes a permanecer em tratamento por perodos mais longos.

    Os princpios das psicoterapias que funcionam incluem:

    Aumentar o valor da salincia de reforadores naturais (inclusive suporte social);

    Fortalecer o controle inibitrio e a funo executora;

    Diminuir respostas condicionadas atravs de monitoramento e enfrentamento.

    As principais modalidades de psicoterapia que funcionam baseadas em evidncias cientficas so:

    Terapia cognitiva comportamental - objetiva ajudar o paciente a reconhecer, evitar e enfrentar as situaes nas quais provavelmente ele usaria as drogas.

    Terapia com incentivos motivacionais utiliza reforos positivos, como fornecer recompensas (at em dinheiro) ou privilgios, para se manter sem droga, para freqentar e participar de sesses de aconselhamento ou para tomar os medicamentos como foram prescritos.

    Entrevista motivacional - emprega estratgias para evocar rpidas mudanas de comportamento motivadas internamente para parar de usar a droga e para facilitar a entrada num tratamento mais prolongado.

    Terapia de grupo - ajuda os pacientes a encarar seu abuso de droga de maneira realstica, identificando-se com outros usurios e percebendo os problemas enfrentados por ele e pelos outros participantes. Os pacientes aprendem com a experincia dos outros, formas de resolver seus problemas emocionais e interpessoais.

    30

  • Funciona como uma rede de apoio e para alguns pacientes promove a continuidade da abstinncia.

    Nenhuma destas modalidades psicoterapeuticas nem tampouco as medicaes auxiliares funcionam para todos os indivduos e de maneira totalmente eficiente. O importante garantir diferentes abordagens teraputicas para que os diferentes indivduos se adaptem e usufruam delas. Alm disso, o tema no est elucidado ainda, e assim novas abordagens devem ser investigadas e incentivadas para que o problema das drogas tenha resolutividade num futuro prximo.

    Por enquanto, a melhor estratgia a PREVENO.

    31

  • PREVENO

    Nveis de preveno

    Em geral, os usurios de substncias psicotrpicas procuram, ou so encaminhados aos servios especializados j em uma fase muito grave do distrbio (FORMIGONI, 1992), assim a deteco precoce do uso dessas substncias e suas conseqncias, tem sido de grande importncia para se fazer uma interveno nas fases iniciais do problema, melhorando muito o prognstico (JEKEL et al., 1996; RUBIN, 1996; WHO ASSIST WORKING GROUP, 2002).

    Alguns pacientes tambm distorcem as informaes referentes ao uso de drogas por terem vergonha e medo da estigmatizao levando os usurios a evitar o tratamento formal com medo que as informaes interfiram no emprego e no relacionamento familiar e com amigos, e, por esse motivo, nem todos os que precisam de tratamento realmente querem enfrentar isso (MCLELLAN; MEYERS, 2004). Isto pode levar a omisses de informaes sobre condies mdicas e/ou psiquitricas, potencializando complicaes cirrgicas, sintomas de sndrome de abstinncia, interaes com outros medicamentos e a perda de oportunidades para preveno, incluindo intervenes durante a gestao para prevenir efeitos danosos para o feto. muito freqente o paciente estar sendo tratado de um problema mdico geral sem que tenha sido reconhecido ou detectado o problema real de base, ou seja, o uso inadequado de drogas, principalmente entre os pacientes mais velhos (ENOCH; GOLDMAN, 2002), e assim, muitas pessoas que necessitam de cuidado para os problemas com lcool e outras drogas acabariam por no receber o cuidado especfico para o problema (HARWOOD et al., 2001; WOODWARD et al. 1997). Acrescenta-se a isso, o fato de muitos usurios de drogas apresentarem comorbidades psiquitricas importantes, como a ocorrncia de transtornos de ansiedade e do humor e de transtornos de personalidade, que complicam muito a abordagem teraputica e o seu sucesso (KESSELER et al., 1997).

    Historicamente, aes preventivas foram praticadas atravs de mtodos mgicos e empricos em vrias sociedades, tanto espontaneamente pela populao em geral como atravs da

    32

  • recomendao dos responsveis pela sade. Entretanto, o conceito cientfico de interveno preventiva foi desenvolvido como resultado de avanos no conhecimento mdico tendo-se por base a descoberta de agentes etiolgicos especficos e de imunizadores (BUCHER, 1995).

    A preveno na rea de drogas visa a adoo de uma atitude responsvel fundamentada no conhecimento cientfico com relao aos psicotrpicos. O objetivo ltimo da preveno, no campo dos problemas relacionados ao consumo de drogas psicotrpicas, procurar que pessoas de uma dada populao no abusem de drogas e, conseqentemente, no causem danos a si mesmas e sociedade nas mais diferentes esferas de interao (CARLINI et al., 1990). Adotar medidas preventivas tambm pode encorajar o paciente a procurar um tratamento especfico que normalmente mais efetivo quando mais precoce (BABOR et al., 2004).

    A modificao de comportamentos alcanada com medidas de preveno pode trazer benefcios no s para a sade das pessoas, mas tambm economizar gastos para a sociedade (BERLINGUER, 1996), como por exemplo, no setor de sade os custos decorrentes do uso indevido de substncias no Brasil ocupam 7,9% do PIB por ano (28 bilhes de dlares). Somente entre 1995 e 1997 foram gastos mais de 310 milhes de reais em internaes decorrentes do uso abusivo e da dependncia de drogas (www.universoespirita.org.br/campanhas/Custos%20sociais.htm, acessado em 06/02/2006).

    No Brasil, durante muitos anos, havia uma clara separao entre as aes preventivas e as aes curativas. A nova legislao muito clara na definio: no deve mais haver essa separao; as aes de carter individual e coletivo devem ser financiadas e estar articuladas no mesmo sistema, gerando atendimento da demanda espontnea da populao, sem que sejam esquecidos os programas pr-estruturados para atender s necessidades epidemiologicamente definidas pelo gestor do servio de sade. O atendimento segundo a diretriz da integralidade tambm pressupe acesso a servios de sade em todos os nveis de complexidade do sistema, e considera o indivduo na sua totalidade, respeitando as peculiaridades individuais e coletivas (RONZANI et al., 2005).

    Segundo BABOR et al. (2004), h vrias maneiras de promover comportamentos saudveis e um dos direcionamentos a implantao de servios preventivos em locais de cuidado sade.

    33

    http://www.universoespirita.org.br/campanhas/Custos sociais.htm

  • Aos pacientes que visitam os locais de ateno primria sade dever-se-iam oferecer oportunidades para identificao do uso de lcool e drogas e promover a cessao ou estabilizao dos problemas decorrentes deste uso e direcionar para o tratamento especializado somente aqueles que necessitassem de cuidados mais intensivos (DUSZYNSKI et al., 1995). Assim, a deteco precoce do uso de substncias e suas conseqncias, tem sido sugerida como de grande importncia para se intervir nas fases iniciais do problema, melhorando muito o prognstico (JEKEL et al., 1996; WHO ASSIST WORKING GROUP, 2002; STEWART; CONNORS, 2004/2005).

    Segundo RONZANI et al., 2005, as aes preventivas podem ocorrer em momentos diferentes na histria da doena, o que permite sua classificao em preveno primordial, primria, secundria e terciria.

    A preveno primordial objetiva evitar a instalao dos fatores de risco, que variam muito de acordo com a cultura de um povo ou de um grupo de indivduos.

    Preveno primria visa evitar a instalao da doena (RONZANI et al., 2005;), no domnio das substncias psicoativas, o objetivo impedir que se produza um consumo problemtico antes mesmo do primeiro uso. Pode-se incluir nesse nvel de preveno, a educao para a promoo da sade, a informao sobre as drogas e as conseqncias do seu uso e as medidas sociais e legais para efetivar essas aes (LIMA; AZEVEDO, 2006).

    A preveno secundria visa detectar e intervir precocemente na doena, faz parte deste nvel de interveno uma variedade de tcnicas: aquisio de conhecimento mais adequado a respeito das drogas que o indivduo est usando e dos seus problemas decorrentes; conscientizao da pessoa em relao ao seu comportamento de risco, s suas reaes para as diversas circunstncias e ao significado que a droga ocupa em sua vida (IMESC, 2006). Caracteriza-se por ser um prolongamento da preveno primria, quando essa no atingiu os objetivos propostos. No mbito da questo do uso indevido de drogas, trata-se, portanto, de intervenes que tem como objetivo principal reduzir danos e evitar que um quadro de dependncia se estabelea (SENAD, 2006).

    Preveno terciria, a reabilitao e o tratamento das complicaes no indivduo j doente (IMESC, 2006). Consiste em quaisquer atos destinados a diminuir a prevalncia das incapacidades crnicas numa populao, reduzindo ao mnimo as deficincias

    34

  • funcionais consecutivas doena. Aplicada ao universo do uso indevido de drogas, seu objetivo principal evitar a recada e promover a reinsero social dos indivduos que se encontram numa perspectiva de dependncia. Isto , atua no sentido de possibilitar ao indivduo uma reintegrao no contexto social, na famlia e no trabalho, contemplando todas as etapas do tratamento (antes, durante e depois) (SENAD, 2006).

    A importncia da preveno:a preveno na e pela sociedade

    A preveno dividida em diferentes nveis de ao. Chamamos de preveno primria o conjunto de aes que visam impedir a experimentao das drogas. A partir dessa etapa, deve-se tentar impedir que a mesma continue, ou se necessrio que haja encaminhamento a um profissional - essa etapa denominada preveno secundria. A preveno terciria se caracteriza quando so feitas intervenes que visam a melhora do paciente, j em caso avanado de uso (RAMOS; BERTOLOTTE 1997). Semelhantes a essa classificao tm os programas universais, ou seja, dirigidas populao em geral; os seletivos, ou seja, dirigidos a um grupo de alto risco ou a subgrupos da populao em geral e os indicados, ou seja, planejados para indivduos que j experimentaram drogas ou que exibem outros comportamentos de risco (NICASTRI, 2001). Exemplificando: se aplicarmos um programa na escola dirigido a todos os alunos, este se classificaria como universal. Se direcionarmos a um subgrupo seletivo (como filhos de pais usurios ou alunos com baixo rendimento), teremos um programa seletivo, mas se aplicarmos esse programa a alunos que se envolveram em acidentes relacionados ao uso de substncias, teramos ento um programa indicado.

    A preveno ao uso indevido de drogas, dentro do contexto mais amplo da valorizao da vida e da pessoa humana, se deixa conceber de vrias maneiras. Sanitarista pensa em termos epidemiolgicos ou de sade pblica, jurista em medidas legais ou punitivas, a economista em medidas visando reduo da oferta ou da demanda, a intelectual pensa na liberao dos costumes acompanhada pela responsabilizao de cada um, a religiosa na renncia em prol de valores superiores, a moralista na pregao da abstinncia em benefcio do bem coletivo, a educadora em informaes integrando o curriculum habitual de formao do aluno, a psicolgica em mensagens capazes de induzir mudanas de atitudes,

    35

  • etc. (SHINYASHIKI, 1992).

    Para que um programa de preveno seja bem sucedido necessrio que atenda aos valores humanos, levando em conta caractersticas psicolgicas e sociais do pblico alvo, e se tenha definido o que se quer prevenir ou remediar. Tambm necessrio que esse programa no seja muito tcnico apenas operacional mas que tenha maleabilidade. O referencial cientfico importante, para que se possa ter credibilidade em relao ao pblico alvo, mas esse conhecimento no pode servir como instrumento para manipulao do executor do programa sobre o pblico-alvo. Atitudes de represso e confinamento em manicmios demonstram falta de competncia intelectual e no produzem efeitos desejados.

    Efetuar projetos de preveno s drogas requer muita habilidade, pois so muito complexos, necessrio levar em conta a relao entre o sujeito personalidade, valores e crenas a droga efeitos no organismo e o contexto scio cultural e no apenas os dados epidemiolgicos o que seria uma grande ingenuidade (BUCHER, 1995; SHINYASHIKI, 1992).

    A preveno, segundo as novas tendncias, deve enfocar a informao como um meio de resgatar, principalmente, a auto-estima, a auto-realizao e a valorizao da vida, formando jovens para construrem atitudes e valores construtivos, encorajando o desenvolvimento de sua personalidade, da sua identidade sexual e social, de sua criatividade e valores filosficos (APA, 1995).

    A nova preveno, para ser eficaz, deve utilizar estratgias integradas que harmonizam as diversas medidas de preveno, que sejam atrativas e positivas.

    fundamental que ocorram mudanas no enfoque da preveno e que o Brasil recupere o tempo desenvolvendo programas voltados ao adolescente e no s drogas (APA, 1995).

    Na abordagem interacionista o enfoque central o indivduo, suas aes e seus aspectos genticos. O indivduo adquire sua personalidade constantemente, e ela no imutvel. Sua maneira de agir diante de situaes diferente de indivduo para indivduo, quanto maior a sua autonomia, maior a sua capacidade de agir diante de situaes do seu dia-a-dia. A droga sozinha no causa danos, mas sim a relao entre ela, o indivduo e o meio.

    36

  • Princpios bsicos de preveno do uso de substncias

    1. Devem ser planejados para facilitar os fatores de proteo e reverter ou reduzir fatores de risco conhecidos;

    2. Devem dirigir-se a todas as formas de drogas de abuso (incluindo lcool, tabaco, maconha e solventes);

    3. Devem promover habilidades sociais, alm de atitudes contrrias s drogas;

    4. Quando dirigidos ao pblico adolescente, devem incluir mtodos interativos (como discusses em grupo), ao invs de tcnicas didticas convencionais (como palestras) isoladamente;

    5. Devem incluir os pais ou responsveis;

    6. Devem ser de longo prazo;

    7. Quando dirigidos famlia, tem maior impacto do que estratgias voltadas aos pais ou jovens isoladamente;

    8. Devem fortalecer as normas sociais contra o uso de drogas em diversos contextos, tais como a famlia, a escola e a comunidade;

    9. Devem ser adaptados para atender natureza especfica do problema com drogas da comunidade local;

    10. Devem ser mais intensivos se os riscos para o uso de substncias for mais elevados;

    11. Devem ser especficos para as diferentes idades e culturas.

    Fonte: (SLOBODA; DAVID, 1997)

    Para a experimentao e dependncia necessrio que o indivduo esteja vulnervel, motivado ao uso e que fatores como baixa auto-estima, misria, falta de habitao, entre outros colaborem. No existe droga leve ou pesada, no existe faixa etria de segurana para o consumo, pois a droga em si, apenas colabora ou facilita a dependncia. So necessrios analisar quais as condies que favorecem o uso, quais as necessidades supridas pelo consumo e quais os fatores que motivam os seu uso (O MUNDO DA SADE, 1999; SEIBEL;TOSCANO, 2001).

    37

  • Segundo o modelo da Ecologia Humana, a valorizao da vida mais ampla possvel, deve ser o foco principal que norteia um programa de preveno, independente da faixa etria a que se destina. E nesse processo podemos comparar o programa de preveno s drogas com a ecologia, no caso humana. Assim como ocorre a poluio ambiental na natureza provocada pela ao destrutiva do homem, temos a poluio mental provocada pelo uso das drogas, portanto necessrio que as intervenes feitas ao usurio sejam conscientes e baseadas na reflexo tica sobre os valores humanos. Com a evoluo tecnolgica, depois da revoluo industrial, o homem passou a produzir mais e melhorar cada vez mais sua obra, substituindo, sempre que possvel, o trabalho braal pelo mecnico e nesse processo esqueceu de pensar em si mesmo deixou de querer e passou a executar suas tarefas e obrigaes, tornando-se um escravo de seu prprio trabalho, sendo controlado por ele. Hoje podemos perceber o homem em crise, privado de sua intimidade e de seus valores secretos e sagrados, lutando pela sobrevivncia, comprometendo sua sade e a comunicao entre os homens, agredindo seu ecossistema e sua prpria vida, um dos exemplos dessa agresso a utilizao das drogas. No entanto no adianta condenar a sociedade moderna ou mudar radicalmente sua posio em relao vida, necessrio que ocorra um equilbrio adquirido atravs de uma postura realista e construtiva. necessrio que se resgate a realizao pessoal, abandonado pela luta pelo progresso (SWADI, 1999, 1996). A abordagem preventiva deve, no entanto, enfocar principalmente a valorizao da vida, em parceria com a produtividade tecnolgica e a criatividade artesanal ou ainda da valorizao da verdade cientfica com a verdade existencial para que a liberdade de opo de cada um (em particular do jovem) no seja manipulada pelo homem. Segundo Weber se fazem necessrias novas formas de encantamento pelo mundo e conseqentemente pela vida, pela vida moderna, sustentada pelo trip, proposto por Weber: cincia, arte e princpios ticos. Porm nesse processo a instrumentalizao deve fazer parte da vida e no domin-la (BUCHER, 1995; SHINYASHIKI, 1992; RAMOS; BERTOLOTE, 1997).

    Utilizando o modelo de liberdade no processo educacional para a preveno ao uso indevido de drogas, poderemos encontrar profissionais envolvidos e conscientes de seu papel, retomando, quem sabe, educao afetiva, filosfica e valorativa, substituindo a mera transmisso de contedos (O MUNDO DA SADE, 1999).

    Os modelos de preveno calados nos modelos jurdicos,

    38

  • moral, e de sade pblica foram utilizados no Brasil, por um longo perodo, e baseavam-se no combate s drogas, como uma luta contra a droga, como objeto; para isso utilizava tcnicas de abordagem repressiva e calada na pedagogia do terror, ou seja, quanto mais se puder assustar ou mostrar imagens de pessoas morrendo, se injetando ou deploradas pelo consumo, melhor. O combate s era feito s drogas ilcitas e as leis decorrentes do uso do trfico eram bem exploradas. A marginalizao vinha, muitas vezes, associada ao consumo e trfico. A droga era mal falada, assim como os usurios e traficantes (BUCHER, 1995; SHINYASHIKI, 1992; O MUNDO DA SADE, 1999).

    A importncia da preveno nos servios de sade:instrumentos que auxiliam na deteco dos problemas decorrentes do uso de drogas

    Detectar no o mesmo que diagnosticar. O diagnstico serve para estabelecer definitivamente a presena de uma doena, sendo que a deteco usada para identificar os provveis indivduos com um problema. A deteco, tambm chamada de screening, refere-se aplicao de um teste em indivduos de uma populao, para estimar a probabilidade de ele ter um problema especfico. As pessoas identificadas so freqentemente encaminhadas para uma avaliao diagnstica mais detalhada para confirmar se possui ou no o problema (BABOR; HIGGINS-BIDDLE, 2001; STEWART; CONNORS, 2004/2005).

    Durante os ltimos 25 anos, a prtica de screening e de interveno precoce na sade pblica tm ganhado popularidade nos locais mdicos, em parte por causa do sucesso das aes preventivas realizadas aps a deteco precoce de doenas como hipertenso, diabete, cncer cervical e fenilcetonria. Por isso, tem aumentado o interesse na deteco de pacientes com comportamentos de risco que levam a desenvolver doenas (BABOR et al., 2004; FLEMING, 2004).

    A partir de tais constataes, tem-se observado um crescente nmero de pesquisas em relao ao desenvolvimento de instrumentos de deteco vlidos, confiveis e de baixo custo para a realizao de aes preventivas ao uso de substncias psicotrpicas (BABOR et al., 1989; BABOR et al., 2001; GORENSTEIN et al., 2000; RIBEIRO et al., 1998a; RIBEIRO et al., 1998b; RIBEIRO, 1999; RIBEIRO et al., 2000a; RIBEIRO et al., 2000b; RIBEIRO et al., 2002).

    39

  • Existem alguns instrumentos j validados no Brasil para triagem da dependncia de lcool, como o CAGE3 (MASUR; MONTEIRO, 1983) e para problemas relacionados ao lcool, como o AUDIT4 (MNDEZ, 1999; MENDOZA-SASSI; BRIA, 2003), entre outros.

    O AUDIT um instrumento que objetiva a deteco precoce de pessoas com padres de uso excessivo de lcool e possibilita fazer intervenes preventivas. Foi desenvolvido por um grupo internacional de pesquisadores incentivados pela Organizao Mundial da Sade (OMS) (BABOR et al., 2001).

    Existe uma vasta literatura que utiliza o AUDIT como instrumento de deteco em servios de Ateno Primria Sade (APS), demonstrando sua aplicabilidade (BABOR et al., 2001). Esse instrumento possui nveis de sensibilidade de 87,8% para o uso nocivo de lcool, apresentando desempenho satisfatrio em servios de APS, alm disso, na validao brasileira, o AUDIT apresentou uma confiabilidade satisfatria e capacidade de responder s mudanas de consumo do lcool por parte dos usurios (MNDEZ, 1999).

    Para deteco do uso de risco e abusivo e da dependncia, al