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Revista Jurídica UNIGRAN / Centro Universitário da Grande Dourados. v. 3, n. 5 (1999 - ). Dourados: UNIGRAN, 2001. Publicação Semestral ISSN 1516-7674 1.Direito-Periódicos. I. Título. CDU-34 Editora UNIGRAN Rua Balbina de Matos, 2121 - Campus UNIGRAN 79.824-900 - Dourados - Mato Grosso do Sul - MS. Fone: 67 422-5522 - Fax: 67 422-2267 E-Mail: [email protected] 2001

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Revista Jurídica UNIGRAN / Centro Universitário da Grande Dourados. v. 3, n. 5 (1999 - ). Dourados: UNIGRAN, 2001.

Publicação Semestral ISSN 1516-7674

1. Direito - Periódicos. I. Título.

CDU-34

Editora UNIGRANRua Balbina de Matos, 2121 - Campus UNIGRAN79.824-900 - Dourados - Mato Grosso do Sul - MS.

Fone: 67 422-5522 - Fax: 67 422-2267E-Mail: [email protected]

2001

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v. 3, n. 5, jan./jun., 2001

Apresentação.......................................................................................................05

Descaminho até R$ 2.500,00 não é Crime..........................................................07Luiz Flávio Gomes

Procuração para o Foro sem Reconhecimento de Firma.....................................11José Gomes da Silva

Natureza Civil das Sanções da Lei de Improbidade..........................................17Maria Goretti Dal Bosco

Controle de Constitucionalidade. Origem e Evolução Histórica.O Legislativo Municipal e a Suspensão da Eficácia da Lei................................29Gassen Zaki Gebara

Indivíduos com Necessidades Especiais e o Trabalho:O Papel da Escola Inclusiva na Formação e Consolidação do Direito.............49Maurinice Evaristo Wenceslau / Fabiany de Cássia Tavares Silva

A Discriminação do Trabalhador no Contrato deTrabalho e o Princípio Constitucional da Igualdade.........................................71Francisco das C. Lima Filho

Dez Anos da Lei dos Crimes Hediondos...........................................................95Wanderlei José dos Reis

A Liberdade de Imprensa e os Direitos de Personalidade .................................107Noemi Mendes Siqueira Ferrigolo

Reflexões sobre o Jus Postulandi Face a Nova Ordem Constitucional...........123Barbara Aparecida da Anunciação Ribas

Os Efeitos da Sucessão de Empresas sobre as ObrigaçõesTrabalhistas Fundadas na Relação de Emprego Preexistente...........................131Clério Magno de Lima

Privatização de Presídios Através de Parceria com o Governo doEstado: Uma Alternativa Viável de Ressocialização.........................................153Vera Lucia Camargo

Penas Alternativas - Um Novo Modelo de Justiça............................................163Marcos Pereira Araújo

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teórico-jurídico de seus autores. É o caso dos trabalhos sobre o “JusPostulandi” e a nova ordem constitucional, a privatização dos presídios,as penas alternativas, a sucessão de empresas, temas que convocam osleitores à reflexão e à tomada de posição.

Destacamos, também, que, neste ano de 2001, a UNIGRANcompleta seu 25º ano de existência e de trabalho em prol da comunidade,muito já tendo realizado, mas consciente do muito ainda a fazer, o que sóé possível quando se objetiva a realização da Justiça.

O caminho até aqui percorrido e a aceitação da Revista JurídicaUNIGRAN como veículo difusor de conhecimentos e motivador do debatee da investigação é sinal claro de que o Direito e a Justiça continuam aprovocar naqueles que objetivam o bem comum, novos questionamentose novas proposições. É o que visualizamos neste número da Revista JurídicaUNIGRAN.

Prof. Dr. Helder BaruffiDo Conselho Editorial

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voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 13 de fevereiro de 2001.”2) “TRF 4ª REGIÃO – RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº

2000.04.01.139958-2/RS (DJU 28.02.2001, SEÇÃO 2, p. 140) ”.

RELATOR : JUIZ AMIR SARTI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

ADVOGADO : CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

RECORRIDO : F.R.P., O.A.C.S., J.T.S.F., J.A., M.T.B.S.

EMENTA: CONTRABANDO E DESCAMINHO. CIGARROS. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. MP Nº 1.973.

Considerando que a falta de pagamento dos tributos devidos, no caso dosautos, excede a dois mil e quinhentos reais (MP nº 1.973- 63, de 29-06-2000 e reedições posteriores), bem como a quantidade da mercadoriaapreendida (5.350 maços), não há falar em aplicação do princípio dainsignificância.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votoe notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 13 de fevereiro de 2001”.A origem dessa evolução jurisprudencial está no art. 20 da MedidaProvisória n. 1.973, já reeditada inúmeras vezes, que cuida dos créditosnão quitados da União. De acordo com o citado art. 20 “serão arquivados,sem baixa na distribuição, os autos das execuções fiscais de débitos inscritosno valor igual ou inferior a R$ 2.500,00”.

Ora, o raciocínio seguido pelos juízes é simples: o Governo entendeque não vale a pena executar débitos de até R$ 2.500,00 porque nãocompensa para o erário público; com maior razão então esses débitos nãopodem ter relevância penal. O que é insignificante para fins fiscais, nãopode ser relevante para fins penais.

E podem as Medidas Provisórias ter efeitos penais? As MedidasProvisórias jamais podem criar crimes, definir penas ou restringir direitose garantias fundamentais (tudo isso só pode ser feito por lei ordinária).Mas indiscutivelmente podem beneficiar o réu. Aliás, em favor do réu épossível a analogia, a aplicação dos princípios gerais do direito e os

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E o mandato com a cláusula ad judicia pode ser conferido a quemnão seja advogado, devendo este substabelecer os poderes recebidos a quemtenha capacidade postulatória2, o que reforça a idéia de ser o mandatotípico contrato consensual regido pelo Código Civil.

É, portanto, o mandato o contrato pelo qual alguém se obriga apraticar atos jurídicos ou administrar interesses por conta de outra pessoa3.Sua natureza é de um contrato porque implica a conjugação de duasvontades: a do mandante e a do mandatário.

Entretanto, parte da doutrina e da jurisprudência tem entendidoque o mandato judicial não é de caráter geral, mas especial, destinadoexclusivamente a um determinado ramo de serviços, que é constitutivo damatéria forense, de que o mandato e as disposições pertinentes aosmandatos constantes do Código Civil não têm o condão de elidir odisposto no art. 38 do Código de Processo Civil. É o mandato judicial aum só tempo, relação jurídica contratual e pressuposto processualindispensável à tramitação do processo4.

Por isso, vem sendo feita a seguinte distinção: a) quando aprocuração para o foro for outorgada com a cláusula ad judicia confereao advogado poderes para praticar todo e qualquer ato processual,dispensando o reconhecimento de firma; b) se, no entanto, do instrumentoconstar a outorga de algum dos poderes especiais mencionados no art. 38do Código de Processo Civil, é necessário o reconhecimento da firma doconstituinte, aplicando-se o § 2º do art. 1.289 do Código Civil 5.

Escrevendo a respeito, a Prof. Fátima Nancy Andrighi 6 ressalta aexistência do mandato ad judicia e do mandato ad negotia. O primeirotem como função precípua a de investir alguém com poderes para, emnome e no interesse de outrem, procurar em juízo, dando, por essa forma,ao mandatário, poderes para ingressar com o remédio jurídico que se

2 Humberto Theodoro Júnior. Código de Processo Covil anotado, 1995, p.25. De Plácido eSilva. Tratado do mandato e prática das procurações. 4. ed., 1º vol., 1989, p.399.3 Orlando Gomes. Contratos. 8.ed. 1981, p. 414.4 Fátima Nancy Andrighi. Procuração ad judicia sem reconhecimento de firma – redação dadaao art. 38 do CPC pela Lei 8.952/94, in RePro n. 82, p.9-11.5 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. CPC Comentado. 5. ed. 2.001, p.435.Igualmente Agr.Instr. n. 96.04.29848-8-RS, do TRF 4ª Região. .Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu.Revista Jurídica n.239, p.85.6 Ob. e locs. cits.

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E em sendo contrato, a matéria é regulada pelo Código Civil,reservando-se à lei adjetiva o estabelecimento das normas de procedimento,restritas à regulamentação do exercício da função jurisdicional. Enquantoo direito material cria direitos e obrigações, definindo situações oututelando determinadas categorias de interesses, a lei processual destina-sea realizar aquele direito em face de um concreto conflito de interesses.

Nessa linha, observa Moacyr Amaral Santos que “distinguem-se,pois, nitidamente, direito substancial, também chamado material, que sequer fazer valer por meio do processo, e direito processual civil ou conjuntode princípios e normas que disciplinam o processo civil” 9.

Por essa ótica, a questão da eliminação do reconhecimento defirma na procuração seja ad judicia ou ad negotia só pode ser encaradapelo legislador, a quem cabe promover, por lei, a eliminação do § 3º doart. 1.289 do Código Civil. Lei adjetiva não pode dispor a respeito docontrato de mandato, ainda que se entenda que são leis da mesmahierarquia.

Não se está aqui afirmando que o reconhecimento de firma trazsegurança e legitimidade ao mandato, e até se considera que o formalismoque não passa de um revestimento exterior e formal é, sem dúvida,burocrático. Longe de se negar presunção de veracidade, a assinatura apostano mandato. Também não se tem horror ao novo, principalmente quandose inquieta em busca de uma séria e expedita prestação jurisdicional. Demaneira alguma se defende a mantença de tal formalismo desnecessário eestiolante. Defende-se, isto sim, é que a modificação seja veiculada pormeio do instrumento próprio, ou seja, modificando-se o respectivodispositivo do Código Civil, sem atropelos desnecessários, dando-se ensejopara o completo aperfeiçoamento das leis e do Poder Judiciário.

Nos últimos anos o estudo do Direito Processual Civil tomouimpulso dantes nunca vistos, polarizando a atenção de nossos juristas.Essa convergência de idéias e estudos, embora de salutar importânciapara o aprimoramento de uma prestação jurisdicional efetiva, não podequerer tornar o processo como um fim em si mesmo. O processo é meioadequado para obtenção do direito material pleiteado, com a funçãojurisdicional de pacificar os conflitos. Em outras palavras, o processo é

9 Primeiras linhas de direito processual civil. 1º vol. 21.ed. 1999, p.19.

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contidas na Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que as atitudesque ferem o mandamento do controle das finanças, pelo administrador eseus assistentes, poderão ser punidas agora com penas restritivas deliberdade, conforme prevê o art. 359-A, do CP. Tais novidades significammaior rigor nas punições aos agentes públicos que agirem com negligênciana administração dos recursos públicos.

No plano externo, o Brasil é signatário da ConvençãoInteramericana de Combate à Corrupção desde 1996, embora o textofinal ainda não esteja ratificado pelo Congresso Nacional. A Convenção,já ratificada em vários países, prevê, pela primeira vez no DireitoInternacional, a punição do suborno transnacional.

2. INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃOÉ o caminho trilhado pela doutrina nacional majoritária. Celso

Antônio Bandeira de Mello afirma que o servidor poderá perder a funçãopública e os direitos políticos, “sem prejuízo da sanção penal cabível”,quando comenta a punição por atos de improbidade administrativa:

... em casos de improbidade administrativa, sem prejuízo da açãopenal cabível, o servidor ficará sujeito à suspensão dos direitospolíticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens eressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei...2

O mesmo raciocínio adota Celso Ribeiro Bastos, ao tratar doprincípio da moralidade administrativa:

“O § 4º do art. 37 postula que os atos de improbidade administrativaimportarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da funçãopública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penalcabível” 2.Wolgran Junqueira Ferreira,4 ao comentar a Lei, cita igualmente

que as penas previstas no art. 12 não impedem que os agentes públicossejam alcançados por sanções de natureza civil, penal e administrativaprevistas em outros diplomas, lembrando que as previsões dos três incisosdo artigo dispensam as sanções de natureza administrativa, uma vez quea suspensão dos direitos políticos automaticamente acarreta a perda da

2 BASTOS, C. R. Curso de direito administrativo, p. 137.

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Na mesma direção é a opinião de Marino Pazzaglini Filho,7 paraquem o caráter das sanções previstas na Lei 8.429/92 é de natureza civil,pois atende regulamentação de texto constitucional nos mesmos termos.Ao referir-se ao texto do art. 37, § 4º, da Constituição, sustenta que “acláusula final ‘sem prejuízo da ação penal cabível’ indica que as sançõesprevistas no Texto Maior não são de índole criminal, devendo pois resultarde sentença proferida em persecução judicial civil”.

É assim, ainda, a opinião de Maria Sylvia Zanella Di Pietro,8 quetambém não faz restrições ao comentar o tema, citando o art. 37, § 4º daCF: “... a Constituição de 1988, além de repetir aquela norma no art. 85,V, faz um avanço ao mencionar, no artigo 37, caput, como princípiosautônomos, o da legalidade e o da moralidade, e, no § 4º do mesmodispositivo, punir os atos de improbidade administrativa com a suspensãodos direitos políticos e a perda da função pública, a indisponibilidadedos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei,sem prejuízo da ação penal cabível ”.

3. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DA LEIA aplicação da sanção de perda de função pública deve ser avaliada

pelo julgador, entre as penas cominadas ao caso concreto de prática deimprobidade, conforme ensina Marcelo Figueiredo, lembrando que “háuma margem de manobra para o juiz, no momento de aplicar as sanções,entre as cominadas, isolada ou de forma cumulativa”. Esse autor citaobservação feita por Saulo Ramos, ao tempo em que ele atuava comoadvogado do Senado Federal, no “caso Collor”, e afirmava que “...’asuspensão dos direitos políticos é sanção autônoma para os delitos deimprobidade, sem prejuízo da ação penal, aplicável, portanto, pelo órgãojulgador competente nos casos de impeachment’... “.9

Para Fábio Medina Osório,10 as sanções têm mesmo natureza civil,porque o constituinte não deixou expresso no art. 5º, inciso XLVI, que aspenas deveriam ser aplicadas somente através da jurisdição penal. Também

7 Improbidade administrativa, p. 126, sem destaques no original.8 Direito administrativo, p. 70, sem grifos no original.9 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa, p. 67-72, sem grifos no original.10 Improbidade administrativa, pp. 218-219.

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Pública”.11

Em outro caso, o Tribunal decidiu que os atos de improbidadeadministrativa, definidos nos arts. 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, acarretama imposição de sanções previstas no art. 12, do mesmo diploma legal, àsquais “são aplicadas independentemente das sanções penais, civis eadministrativas”. A decisão também assevera que tais sanções, “emboranão tenham natureza penal, revelam-se de suma gravidade”, uma vez queimportam em “perda de bens e de função pública, ou em pagamento demulta e suspensão de direitos políticos, todos aplicados no âmbito deuma ação civil”.12

5. IMPROBIDADE, RESPONSABILIDADE FISCAL E CRIMES CONTRA AADMINISTRAÇÃO PÚBLICACom o advento da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal -

Lei Complementar nº 101/2000, além da Lei nº 10.028, de outubro de2000, algumas das condutas previstas na Lei da Improbidade Administrativaganharam também a condição de crimes contra a Administração,especialmente aquelas previstas a partir do inciso V do artigo 10 da Lei nº8.429/92, regulamentadas agora como condutas criminosas pelo art. 2º daLei nº 10.028/00, que alterou o art. 359 do Código Penal (Decreto-Lei2.840, de 1940).

Assim, a conduta prevista no inciso VI do art. 10, da Lei deImprobidade, que considera ilícito civil “realizar operação financeira semobservância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantiainsuficiente ou inidônea”, poderá ser punida com reclusão de um a doisanos, guardadas as proporções e as condições necessárias à caracterizaçãodo tipo, pelo disposto no art. 359-A, do CP, segundo o qual, pratica crimeaquele que ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ouexterno, sem prévia autorização legislativa, assegurando-se a mesma penaao que ordena operação de crédito sem observância do limite ou montanteestabelecido em lei, ou se a dívida consolidada ultrapassa os limites

11 STJ, Rec. Ordinário em HC nº 0054030-1, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, J. 05.08.1999,Publicado no DJ 13.09.1999, p. 00076.12 STJ, RESP nº 0070510-2, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, J. 02.02.1999, Publicado no DJ05.04.1999, p. 00156.

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6. A CONVENÇÃO CONTRA A CORRUPÇÃO

O combate à corrupção parece ser preocupação de governos detodo o mundo nas últimas décadas. Vários acordos internacionais decooperação para combater práticas de corrupção têm sido firmados entreos países. É o caso da Convenção Interamericana contra a Corrupção,assinada em 1996 pela Organização dos Estados Americanos (OEA), e daqual o Brasil é signatário. O texto final da Convenção foi aprovado naCâmara dos Deputados, no final de janeiro de 1999, através do projeto deDecreto Legislativo 189-A/99, e aguarda aprovação pelo Congresso, apósmodificações de cunho vernacular, através do Projeto de Decreto Legislativonº 42, de 2000.13 O acordo caracteriza os atos de corrupção e as formas depunição, além de estabelecer medidas preventivas que os Estados devemadotar na legislação interna, para cumprir as normas aprovadas no âmbitoda OEA. Pela primeira vez, uma norma de direito internacional estabelecepunição para casos de suborno transnacional.

A Convenção é tema de comentário de Agustín Gordillo,14 emseu Tratado de Direito Administrativo, onde o autor lembra que aConvenção impõe no direito interno de cada país os princípios dapublicidade, da eqüidade e eficiência das contratações públicas, fazendocom que os preços finais e adjudicações que não sejam publicados emórgão oficial, ou não sejam eqüitativos para os usuários, ou impliquemem dispêndio injustificado para os fundos públicos transformem-se emantijurídicos de pleno direito, assim como aqueles que tidos por subornosou corrupção nacional ou internacional, implicando a responsabilidadedos fiscais. O autor destaca que as ligações entre corrupção, crimeorganizado e narcotráfico estão fazendo nascer uma nova ordem públicainternacional:

Su expresa vinculación de corrupción, crimen organizado ynarcotráfico debe sí ser un llamado de atención para quienesincurran en tales delitos, ya que los tribunales norteamericanos,por ejemplo, han comenzado a juzgar hechos de sobornotransnacional ocurridos fuera de su país, al igual que admiten, en

13 Diário do Congresso Nacional. www.congressonacional.com.br, 28.02.2000 e 28.03.2001.14 Tratado de derecho administrativo, v. I, p.VI-21-22.

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proveito de suas ações, abre-se para o Estado o direito de exigir oressarcimento dos danos causados.

A obrigação de indenizar os cofres públicos integra as sançõescontidas na Lei de Improbidade Administrativa, prevista no artigo 5º, ena regra geral da responsabilidade civil do Código Civil Brasileiro, em seuartigo 159. As sanções da Lei nº 8.429 têm natureza civil porque a própriaConstituição, em seu artigo 37, § 4º, afastou a possibilidade de que tivessemcaráter penal, ao prever a locução sem prejuízo da ação penal cabível.Além disso, texto mesmo da Lei da Improbidade, em seu artigo 12, caput,contempla a independência entre a aplicação daquelas previsões e as penasdecorrentes de ação criminal.

No sentido dessa interpretação têm sido a posição da doutrinamajoritária e também a direção dos tribunais, com julgados do SuperiorTribunal de Justiça, posição que se reforça, ainda mais, dada a edição dasLeis de Responsabilidade Fiscal 10.028/00, que alterou os crimes contra aAdministração Pública, previstos no Código Penal. Significa que se ascondutas previstas na Lei de Improbidade também podem ser punidas nalegislação penal, claro está que as sanções daquele diploma legal têm,efetivamente, natureza civil. Podem, assim, aquelas sanções, ser aplicadasem concomitância com as previstas para os mesmos casos no CP,exatamente no caminho da previsão constitucional e da própria Lei deImprobidade Administrativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dosTribunais, 1993._______. Direito administrativo moderno. 3. ed., rev. atual. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1992.96, 1995.MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18. ed. SãoPaulo: Malheiros, 1993._______. Direito municipal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 1993.MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: emenda constitucionalnº 19/98. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa. 2. ed., ampl. atual.Porto Alegre: Síntese, 1998.PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIOJUNIOR, Waldo. Improbidade administrativa – aspectos jurídicos da defesado patrimônio público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997.PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. Reforma administrativa: oEstado, o serviço público e o servidor. 2. ed., atual. rev. ampl. Brasília:Brasília Jurídica, 1998.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. www.planalto.gov.br.ROTHEMBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed.;rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1999.STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial.3. ed., rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

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Neste contexto está inserido também o controle deconstitucionalidade, instituto cuja origem situa-se historicamente em umperíodo de transformações profundas nas estruturas políticas, econômicase sociais nos países ocidentais, a partir da Revolução Americana. O controleconstitucional liga-se, pois, desde seu surgimento, ao modo de exercíciodo Poder Público, suas possibilidades, suas obrigações e seus limites peranteos indivíduos e a sociedade, fatores estes eminentemente políticos.

Esse modelo de controle de constitucionalidade, inspirou diversasConstituições brasileiras a partir de 1822 e a forma pela qual foi organizadoe exercido durante todos estes anos.

ORIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis nasce quaseque simultaneamente ao constitucionalismo moderno. A independênciadas treze colônias inglesas na América do Norte em 1776, motivadaeconomicamente pelo desejo de liberdade comercial da burguesia colonial,mas filosoficamente construída sobre base iluminista, com a propagaçãomundial dos ideais jusnaturalistas e racionalistas, desencadeará o processoque conduzirá à primeira das Constituições modernas e, conseqüentemente,à inovação do controle constitucional.

Mesmo dotada de caráter profundamente abstrato se comparada àsCartas analíticas do século XX, a Constituição Americana de 1787 jáagregava o que se tornaria a matéria fundamental destes documentos,qual seja, a organização dos poderes do Estado e a declaração dos direitosindividuais dos cidadãos, limites últimos ao exercício do Poder Público.

Se não institui explicitamente o controle jurisdicional, presentesestão na Carta norte-americana os três pressupostos elementares ao exercíciodeste: a) a existência de uma Constituição escrita e reconhecida comojuridicamente superior (superlegalidade formal) às demais leis; b) aconcepção da Constituição como norma dirigente e concreta, fundamentode todo ordenamento, o que autoriza a eliminação normas inferiorescontrárias a si; c) a existência de um órgão determinado para o exercíciodo controle, executando a justiça constitucional.

A confirmação do Judiciário como este órgão responsável pelafiscalização de constitucionalidade é expressa inicialmente na doutrinaamericana por Alexander Hamilton, ao expor que:

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ingleza; mas não póde significar que esse acto seja infracção dalegalidade e, como tal, nullo.‘(II) Applicada a uma lei das Camarasfrancezas, exprimiria que essa lei, ampliando, supponhamos, aextensão do periodo presidencial, é contraria ao disposto naConstituição. Mas não se segue necessariamente dahi que a lei setenha por vã; pois não é certo que os Tribunaes francezes se reputemdesobrigados a desobedecer ás leis inconstitucionaes. Empregadapor francezes, a expressão de ordinario se deve tomar como simplestermo de censura. ‘(III) - Dirigido a um acto do Congresso, o vocabulo“inconstitucional” quer dizer que esse acto excede os poderes doCongresso e é, por consequencia, nullo. Neste caso a palavra nãoimporta necessariamente reprovação. O americano poderia, semincongruencia alguma, dizer que um acto do Congresso é uma boalei, beneficia o paiz, mas, infelizmente, pecca por inconstitucional,isto é, ultra vires, isto é, nullo” 4.Talvez motivado pelo singular senso jurídico de Ruy, o constituinte

da Carta de 1934, consagrou várias inovações no controle difuso e criou arepresentação interventiva, para proteção dos princípios constitucionaissensíveis, germe da fiscalização abstrata no Brasil.

A de 1937, erigida na ditadura do Estado Novo, traduz-se numretrocesso do controle constitucional, moldando-o de acordo com anecessidade de um Executivo hipertrofiado.

Somente com a redemocratização idealizada pela Constituição de1946 é que foram recuperadas as inovações da Carta de 1934, especialmenteas relativas à fiscalização constitucional.

Três décadas depois, Emenda Constitucional n° 16/65, na plenitudeda atmosfera da ditadura militar, introduz o controle abstrato concentradono Brasil, limitando a legitimação para provocar a jurisdição constitucionaldo Supremo Tribunal Federal ao Procurador-Geral da República. Esteregramento constitucional foi conservado pela Constituição de 1967 e aEC 1/69.

4 Commentarios á Constituição Federal Brasileira, Colligidos e ordenados por Homero Pires. Ivolume - das disposições preliminares. São Paulo, Saraiva, 1932, pp. 7 e 8. A obra de Dicey deonde Ruy extrai a citação é: Lectures Introductory to the Study of the Law of the Constitution(Lond., 1885), pag. 165-6.

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Pode-se observar que a maior parte da organização política dosmunicípios, e mesmo dos Estados, está prescrita pela Carta Federal. Todosentes locais brasileiros estão sujeitos a uma organização uniforme semque se considere o seu estado de desenvolvimento, o tamanho, a densidadedemográfica ou as atividades econômicas prevalecentes.

No plano normativo, os municípios brasileiros costumam imitarvoluntariamente normas legais e modelos de organização administrativado Estado ou da União e a transferi-los, sem maiores adaptações, para oseu âmbito. As cerca de 5.500 Leis Orgânicas promulgadas em 1990, naesteira do que sugeriu a própria Carta Federal5 contêm expressões,dispositivos e instrumentos legais que evidentemente foram reproduzidosdos textos constitucionais superiores.

Esse fenômeno da simetria legal, criticado por muitos autores, deve-se, principalmente, à tendência exacerbada dos políticos locais a chegarema numa unidade legal. Essa atitude pode ser entendida especialmente pelainsegurança destes legisladores quanto às novas inspirações jurídicas e,também, pelo acentuado temor de errarem ou contrariarem aquilo que jáestá expresso num plexo constitucional e infra-constitucional superior.

A uniformidade das instituições de governo local no Brasil, em facedisso, tem resultado mais da tradição, da imitação e da exagerada inclinaçãoà dogmática constitucional, revelando o desprezo do legislador local àhermenêutica, único instrumento jurídico viabilizador da compatibilidadede normas constitucionais às peculiaridades de estados e municípios.

Inocêncio Mártires Coelho, com cirúrgica precisão, endossa a teseao ressaltar que

“...esse apego à literalidade de norma superior, reconhecida por PeterHäberle como uma visão republicana e democrática da interpretaçãodas leis fundamentais, deve dar lugar, à ótica do citado hermeneuta,a uma fórmula jurídico-política centrada na tese de que umasociedade aberta exige uma interpretação igualmente aberta da suacarta política, até porque no processo de interpretação constitucionalestão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todasas potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo

5 Artigo 11, parágrafo único, ADCT.

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o Supremo Tribunal Federal haverá de ser apenas a Constituição Federal.Já o de controle abstrato de normas perante o Tribunal de Justiça estadualserá apenas e tão-somente a Constituição Estadual.

O Ministro Moreira Alves enriquece o entendimento ao notar que“... em nosso sistema jurídico de controle constitucional, a açãodireta de inconstitucionalidade tem como causa petendi, não ainconstitucionalidade em face dos dispositivos invocados na inicialcomo violados, mas a inconstitucionalidade em face de qualquerdispositivo do parâmetro adotado (a Constituição Federal ou aConstituição Estadual). Por isso é que não há necessidade, para adeclaração de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado,que se forme maioria absoluta quanto ao dispositivo constitucionalque leve cada juiz da Corte a declarar a inconstitucionalidade doato7.Não se despreze que o chamado poder constituinte decorrente do

Estado-membro é, por sua natureza, um poder constituinte limitado, ou,como ensina, Anna Cândida da Cunha Ferraz, é um poder que “nasce,vive e atua com fundamento na Constituição Federal que lhe dá supedâneo;é um poder, portanto sujeito a limites jurídicos, impostos pela ConstituiçãoMaior” 8.

Da verve da autora infere-se que a limitação do poder constituinteestadual revela duas vertentes: a primeira, de cunho negativo, queobstaculiza às Cartas Estaduais contrariarem a Constituição Federal; asegunda, de caráter positivo, indicando que devem concretizar no âmbitoterritorial de sua vigência os preceitos, o espírito e os fins da ConstituiçãoFederal9.

O caráter vinculativo e a índole genérica, peculiares ao modeloconcentrado de controle de constitucionalidade, admitem a possibilidadede coexistência entre jurisdições constitucionais federal e estadual em umaordem federativa, além de exigirem, com a mesma ênfase, a definição de

7 Reclamação 383, STF.8 Poder Constituinte do Estado-Membro, São Paulo, 1979, p. 130.9 Esta limitação material teve inspiração no artigo 63, da Constituição de 1891, que, apesar denebulosa redação, admitiu que cada Estado seria regido pela Constituição e pelas leis que adotasse,respeitados os princípios constitucionais da União.

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Constituição como específicas condições de validade de outros atosnormativos, inclusive atos do legislativos.

No Brasil, amoldam-se a esse contexto as leis complementares. Háimplicação de várias conseqüências provindas do fato de as relações entrea lei complementar e a lei ordinária consubstanciarem questãoconstitucional e não questão legal, haja vista a possibilidade do atolegislativo contrastante com a lei complementar sofrer impugnação porvia de ação direta de inconstitucionalidade; a exigência do art. 97 daConstituição Federal para pronúncia de sua nulidade e a possibilidade deinterposição de recurso extraordinário constituem exemplos delas.

No Supremo Tribunal Federal, referindo-se às decisões judiciais, foidefinido que a violação de lei complementar para efeito de recursoextraordinário se equipara à lei ordinária, não sendo portanto, omesmo que ofensa à Constituição. Já quanto aos atos normativos,definiu-se que será considerada inconstitucional a lei ordinária que invadirterritório normativo reservado à lei complementar.

O fenômeno da interposição das normas, também está inserido emoutras searas da ordem constitucional brasileira. Colha-se como exemploas leis de autorização (resoluções de delegações), previstas no artigo 68,parágrafos 2ª e 3ª° da Constituição Federal. As resoluções constituemmodelo normativo material das leis delegadas, assim, se houver ofensa dalei delegada à lei de delegação, é suscitada questão constitucional passívelde ação direta de inconstitucionalidade.

Nesta acepção, também, as leis federais, que devem ser consideradascom paradigma material às normas estaduais, distritais e, eventualmente,municipais, pois, embora ordinárias aquelas primeiras, dispõem sobrenormas gerais a respeito de determinadas matérias. O art. 22, XXXVII, daCF, ilustra o modelo ao definir que compete à União legislar sobrenormas gerais de licitação e contratação.

Outro caso pode ser apreciado no que concerne às leis reguladorasda produção de outras leis, tomando-se por exemplo leis em matériaorçamentária, o plano plurianual (art.165, parágrafo 1°, da CF) em relaçãoà lei de diretrizes orçamentárias. Neste sentido, todas estas leis encontram-se num mesmo patamar hierárquico. Entretanto as primeiras constituemparâmetro de validade das últimas. Parece, então, ponderada a afirmaçãosegundo a qual a lei orçamentária violadora da lei de diretrizes

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novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terçosde votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão doTribunal”. Este novo conteúdo normativo, sem dúvida, representou umforte abalo na estrutura da separação entre os poderes constituídos, diantedo fortalecimento do Executivo e do Legislativo com o proporcionaldesprestígio do Judiciário.

Felizmente a normalidade democrática foi recobrada com o adventoda Constituição de 1946 que, além de implantar a possibilidade do controlede constitucionalidade da lei em tese, restabeleceu os mesmos pressupostosde competência para que o Senado pudesse suspender a execução dos atostidos por inconstitucionais pelo Supremo (ex vi artigo 64).

Observe-se, contudo, que a possibilidade de suspensão aventada sofriarestrições em se tratando de inconstitucionalidade da lei em tese.

A já mencionada Emenda Constitucional 16/65, ampliou o campode incidência da via de ação direta de inconstitucionalidade, ao conferircompetência ao Supremo Tribunal Federal para julgar, originariamente,“a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de naturezanormativa,federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador Geral daRepública”.

A partir de então, o Supremo Tribunal Federal entendeu que aparticipação do Senado somente seria cabível em se tratando de declaraçãode inconstitucionalidade proferida no julgamento de um caso concreto,hipótese em que esta decisão não pode ter seus efeitos estendidos paraalém da demanda em que foi analisada. Daí, a previsão de participaçãodo Senado para dar a esta mesma decisão eficácia erga omnes.

Concluído este delineamento, denota-se que a participação do SenadoFederal para a suspensão de execução de lei tida como inconstitucionalsempre foi muito controvertida.

Estas mesmas (aparentes) controvérsias, fustigaram os operadoreslocais do direito, que têm enfrentado toda sorte de dúvidas quanto àadmissibilidade de suspensão de lei municipal pelo legislativo.

A primeira (aparente) polêmica que merece ser destacada é a inerenteàs redações das normas constitucionais e regimentais locais.

Nos Estados, os conjuntos normativos que são considerados para adefinição dos efeitos da declaração judicial de inconstitucionalidade delei municipal são: a Constituição Estadual, a Lei Orgânica Municipal, o

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possibilidade de se estender a todos os demais cidadãos ou destinatáriosda mesma norma tida como inconstitucional, os efeitos de uma sentençaque teve efeito somente para o autor da ação incidental.

Esta constatação deflui do artigo 178 do Regimento Interno doSupremo Tribunal Federal que, a partir da alteração de sua redação, ocorridaem 1977, passou a dispor que, “declarada, incidentalmente, ainconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á acomunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como,depois do trânsito em julgado, ao senado federal, para os efeitos do art. 42, VII(CF/67) – (ou,52, X -CF/88), da constituição” ).

Obviamente que os legisladores locais – da Constituição Estadual;da Lei Orgânica do Município; dos Regimentos Internos da Assembléia eda Câmara Municipal; e, em especial, do Regimento Interno do Tribunalde Justiça; ao disporem sobre a possibilidade de informarem o resultadode decisão ao legislativo – estadual ou municipal - para que, querendo,promovam a suspensão dos efeitos de lei julgada inconstitucional, deveriamfazê-lo fizeram por simetria, com base nesta orientação, já amplamenteacolhida pelo Supremo.

Nesse particular, pertine a lição de MAURO CAPPELLETTI, aoensinar que

“...uma das regras mais óbvias da interpretação das leis é aquelasegundo a qual, quando duas disposições legislativas estejam emcontraste entre si, o juiz deve aplicar a prevalente; tratando-se dedisposições de igual força normativa, a prevalente será indicadapelos usuais, tradicionais critérios “lex posteriori derogat legi priori”,“lex specialis derogat legi generali”, etc; mas, evidentemente, estescritérios não valem mais – e vale, ao contrário, em seu lugar, oóbvio critério “lex superior derogat legi inferiori” – quando ocontraste seja entre disposições de diversa força normativa...” 10.

Poder-se-ia pensar, em presença da lucidez da lição de CAPPELLETTI,que diante do conflito de duas normas – Regimento Interno do Supremoe Regimento Interno do Tribunal de Justiça – se seria aplicável uma normaespecial em face da ausência de hierarquia entre ambas. Todavia, talpossibilidade desaparece de plano se atentar-se para o fato de que o

10 O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, Ed. Sérgio Fabris, pg.75

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Adverte, na mesma sintonia, JOSÉ AFONSO DA SILVA que “adeclaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a leinem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, atéque o Senado Federal suspensa sua executoriedade nos termos do artigo52, X; a declaração na via direta tem efeito diverso, (...) qualquer decisãoque decrete a inconstitucionalidade deverá ter eficácia “erga omnes”(genérica) e obrigatória”14 – grifa-se.

Na mesma oportunidade, o publicista defende posição no sentidode que uma vez que a Constituição Federal não diz, no caso da açãodireta de inconstitucionalidade por ação, qual o efeito da declaração deinconstitucionalidade, deve-se aceitar que o problema se resolva,logicamente, pelas regras processuais sobre a eficácia e autoridade dasentença. E, como o objeto do julgamento consiste em desfazer os efeitosnormativos (efeitos gerais) da lei ou ato, a eficácia da sentença temexatamente esse efeito de eliminar a eficácia e aplicabilidade da lei, e istoevidentemente tem valor geral.

Neste ponto, pertinente a ressalva do constitucionalista luso JoséJoaquim Gomes Canotilho de que

“...um acto normativo inconstitucional pode não ser (comohabitualmente se pressupõe) um acto inconstitucional ab initio,vindo apenas tornar-se inconstitucional; por outro lado, porque osefeitos de inconstitucionalidade podem não ser sempre os denulidade, mas os de simples declaração de inconstitucionalidade. Àteoria jurídica competirá auxiliar a doutrina do direito constitucionalna classificação, por exemplo, do “momento” em que uma situaçãoainda constitucional se transforma em inconstitucional” 15. ( semgrifo no original).Vistas e consideradas estas conclusões respeitáveis, é jurídico afirmar,

em suma, que a sentença proferida em ADIN faz coisa julgada material,vinculando as autoridades, sob pena de resistirem à eficácia de coisa julgada.

Portanto, simetricamente pode-se afirmar que, no caso da ação diretade inconstitucionalidade, de norma legal ou ato normativo municipal,não é necessário que a Câmara Municipal suspenda a execução da lei,

13 Processo Administrativo 4.477/72, Diário de Justiça de 16.05.1977.14 Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, São Paulo, 1997, pg. 56.15 Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Ed. Coimbra, 1992, pg. 206.

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a exemplo das Casas de Leis Estaduais e Federal, somente é dado semanifestar para suspender a execução de lei local declarada inconstitucionalem se tratando de decisão proferida em sede ação declaratória incidental,jamais na hipótese de ação direta.

Entender de modo diverso seria admitir a submissão da decisão doTribunal de Justiça em ADIN a uma terceira instância, no caso, ao legislativomunicipal, hipótese repelida em nosso sistema constitucional.

Demais disso, a decisão do Tribunal de Justiça em ADIN já produziuos efeitos, abstratos, em relação a todos os destinatários da respectivanorma ou lei, sendo desnecessária a atuação do legislativo local.

Para finalizar e fixar definitivamente este conceito, não seria demaisquestionar: Poderia o legislativo municipal, através do voto de seusmembros, contrariar uma decisão do órgão judicial máximo do Estado,não suspendendo os efeitos de uma lei tida como inconstitucional emsede de ADIN?

A resposta afirmativa implicaria na restauração do artigo 96, daConstituição de 1937, em que, como seu viu, era dado ao legislativo, pelovoto da maioria qualificada de seus membros, modificar uma decisão doTribunal e isso, nos dias atuais, implicaria na volta a um passado que sequer esquecer e no comprometimento da segurança jurídica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Ruy. Commentarios á Constituição Federal Brasileira. SãoPaulo: Saraiva, 1932.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculaçãodo Legislador. Ed. Coimbra, 1992.CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade dasLeis no Direito Comparado. Porto Alegre: Ed. Sérgio Fabris, 1992.COELHO, Inocêncio Mártires. “As idéias de Peter Häberle e a aberturada interpretação constitucional no Direito Brasileiro”. Revista deInformação Legislativa, Brasília, ano 35, n.º 137, jan/mar 1998.FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-Membro. São Paulo, 1979.HAMILTON, Alexander. “Federalist Papers”, nº 78.

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imposição de interesses estratégicos. O que se objetiva, em termos distintos,é ou a manutenção do sistema tradicional de ensino que seria classificatóriona gênese, defendido pelas elites e grupos dominantes, ou, contrariamente,a sua remodelação por ideais mais democratizadores que fortaleceriam ainclusão dos excluídos.

A orientação para uma escola inclusiva, inclusive para os sujeitosdeficientes, vertente fundamental da Declaração de Salamanca (1994),coloca que as escolas regulares são:

os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias,criando comunidades abertas e solidárias, construindo umasociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; para, alémdisso, proporcionam uma educação adequada à maioria das criançase promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, detodo o sistema educativo (p. IX).Implícita a esta orientação está o estudo das formas e atitudes pelas

quais a escola encara as dificuldades educativas de seus atores. A culturado local de trabalho, passa a ser objeto de análise, uma vez que por estarimpregnada por conceitos, práticas e crenças que são partilhados pelosatores (consciente ou inconscientemente), influencia o ambiente deaprendizagem, determinando as formas pelas quais são vistos/construídoso trabalho pedagógico e, sem dúvida, os alunos.

Um problema que, condiciona toda essa orientação e, não é local e,sim, mundial é o das diversas transformações em curso na economia.Dentre estas transformações a do mercado de trabalho seria a que apresentasinais visíveis de desestruturação, mas que está no centro da possibilidadede um mundo globalizado. No Brasil esta situação não é diferenciada,uma vez que, seu mercado de trabalho, ainda, acumula problemasdeterminados pelo não distanciamento da discussão em torno dos empregosformais.

Fato este que denota a lenta incorporação de alternativas políticasde emprego determinadas pelos avanços tecnológicos. São, portanto, essastransformações que estão solicitando alterações nas relações sociaisfundamentais, através de reformas estruturais, com destaque para aeducacional.

Estão implícitos nesta reforma o reconhecimento das diversasculturas, provenientes da pluralidade étnica, formas de construção/

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usual, ao esperado. A população deficiente forma o grupo que atraiusobre si, a necessidade de destruição gerada por uma ordem socialextremamente hegemônica.

A história atesta que a ação do Estado, em relação aos indivíduoscom necessidades especiais esteve sempre calcada na política de extermínio,por considerá-los inúteis. Pensar uma sociedade ideal era defender aaplicação de medidas eugênicas, como uma maneira de fortalecer a unidadedo Estado.

Os mecanismos de exclusão desses sujeitos avançaram pela históriae foram tomando formas mais “requintadas”, na perspectiva de purificaçãodo espaço urbano. A política do Estado ao mesmo tempo em quearquitetava meios para eliminá-los, seja pela exposição das crianças malconstituídas, pela eliminação dos “inúteis” em tempos de guerra, acabavacontribuindo para o aumento deste contingente que desejava excluir.

Mas, certamente, as maiores causas para o aumento numérico(absoluto e proporcional) das frações com necessidades especiais — bemcomo para o aprofundamento das condições miseráveis de sobrevivência— ainda são de natureza econômica, especialmente ligadas à necessidadede produção através da disciplina do corpo, do tempo e do trabalho.

Entendendo o processo de socialização como resultado da históriae cultura, há que se pensar em diversidades dentro da mesma cultura e emculturas diferentes. Assim, para tornar-se sujeito a que se seguir à lógica daadaptação pela sobrevivência, na qual a imposição da igualdade tem sedado em função dessa adaptação, o que concorre para a o acirramentodas diferenças, constituídoras da humanidade, como resposta aos conflitospresentes neste processo.

A destruição das diferenças, no entanto, é um processo puramentenegativo que pode explicar a solvência de um sistema, mas não é suficientepara explicar a idealização e permanência de uma ordem hierárquica maisabrangente. Podemos, certamente, entender a incrível adesão da sociedadeà idéia de tornar-se inclusiva, simplesmente supondo uma fé quase ilimitadanas suas possibilidades de ser diferente do que é.

Entender os impulsos para individuação existentes na sociedade éuma tarefa complicada, porque o ideal da adaptação social leva a perda daindividualidade, ao prometer integração, proteção e compromisso.Insuflando, portanto, o narcisismo coletivo, a sociedade torna-se

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incorporam, através das práticas institucionais.A Lei Maior declara ser a Educação “direito de todos e dever do

Estado e da família”. Quando se trata de educação específica aos indivíduoscom necessidades especiais e para que estes fins sejam realmente alcançadose o direito ao ensino, via escola, seja realizado, não basta intenção palpáveldos governantes ou do cidadão, terá que ser esforço em conjunto de ambos,aliados a investimentos de capacitação de profissionais com técnicaespecífica.

A profissionalização dos indivíduos com necessidades especiais temsido amplamente discutida, pois o trabalho constitui a via para integraçãosocial e, conseqüentemente, forma de minorar os problemas dessesindivíduos. Os serviços profissionalizantes são considerados parte doprocesso de formação para o treino de habilidades e comportamentos quepreencham os requisitos no mundo do trabalho, onde terão direitos edeveres.

A produção e a integração crescente de processos e tecnologias têmgerado grandes mudanças no perfil da demanda de competências. Cadavez mais existe demanda por capacidade de adaptação às inovaçõesincrementais de tecnologia e de organização do trabalho para tanto, poratitudes flexíveis de polivalência, de adaptação a desafios, de trabalho deequipe, de predisposição à aprendizagem contínua.

Esse quadro tem certamente aumentado os desafios do complexomulti-institucional de educação e de formação profissionalizante. Asinstituições educacionais e profissionalizantes têm uma responsabilidadefundamental em aumentar a empregabilidade dos seus alunos através deadaptação curricular, promoção de oportunidades de emprego emanutenção no mesmo.

À promoção de emprego, cabe também a essas instituições esforçomais ativo na busca de acordos e outras iniciativas inovadoras de escola-empresa. Em qualquer Estado, o sistema educacional para ser eficaz temde cumprir o triplo papel de:

a) proporcionar pelo menos patamar mínimo de apoio social epedagógico orientador necessário manter os deficientes na escola;

b) educar de forma a responder às mudanças de prioridades deconhecimento científico e tecnológico;

c) ajudar a inserir os deficientes no mercado de trabalho.

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ainda mais idéia de que os indivíduos com necessidades especiais sãoigualmente improdutivos, levando a conclusão, claras ou disfarçadas, deque mesmo habilitados não conseguirão integrar o mercado de trabalho,ocasionando isolamento dos indivíduos com necessidades especiais, jáque lhe foi retirado o direito de participar com dignidade.

Outra constância é o desenvolvimento das práticas caridosas queenxergam o deficiente como objeto e não como sujeito de direitos, e ossujeitam a situações paternalistas. Observa-se, entretanto, que alguns tiposde deficiência jamais conseguirão atingir a independência desejada, sendonecessário atendimento especial permanente para produção, o queencareceria o produto final e por conseqüência não atrairia investimentospor parte dos empresários, nestes casos deverão permanecer nestas oficinasou em Cooperativas Especiais.

Direito ao TrabalhoEm Estado que adota política capitalista, essencial a qualificação de

mão-de-obra de forma tal que a sua força de produção venha a produzirriquezas, e sem paternalismo, o próprio indivíduo possa manter sua vidade forma digna, independente da proteção estatal.

Neste sentido o Direito do Trabalho tem como função preservar adignidade da pessoa humana. Função que esta em consonância comprincípios fundamentais desta República, segundo o legislador constituinteoriginário de 1988 — Art.1º, incisos III e IV.

Os indivíduos com necessidades especiais deverão ser qualificadose inseridos no mercado de trabalho indistintamente, o que dará origem aoutros direitos como condições de transporte, garantias de que as barreirasarquitetônicas sejam eliminadas, ao lazer, aposentadorias e principalmenteà educação.

Entretanto, não sendo possível a inserção do deficiente no mercadode trabalho e nem tenha a sua família condições de promover a suamantença, o legislador prevê a garantia de salário mínimo de benefíciomensal (art.203 da CF), mesmo que não tenha efetuado nenhumacontribuição, entendendo-se ter esta eficácia plena, muito embora o PoderJudiciário não tenha chegado a um consenso.

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trabalho ou ao serviço público e a salários;IV — possibilidade de acesso a edifício e logradouros públicos.Na Constituição Federal de 1988 pode-se observar rol específico

desses direitos distribuídos em diversos capítulos:- princípio da igualdade, que é mencionado desde a primeira Carta

Constitucional, vem também assegurado no caput do artigo 5º;- inciso XXXI, do artigo 7º, especifica o tratamento isonômico em

relação às pessoas portadoras de deficiência, quando veda a discriminaçãocom relação ao salário e aos critérios de admissão destes trabalhadores;

- inciso VIII, do artigo 37, assegura reserva de mercado às pessoasportadoras de deficiência na administração pública, cujas regras para opreenchimento deverão ser estabelecidas por lei;

- no capítulo referente à Seguridade Social, no Título da OrdemSocial, seção destinada a Assistência Social, no artigo 203, o Texto Maiorgarante o direito, independentemente de contribuição à seguridade social,objetivando a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras dedeficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, bem comoa garantia de salário mínimo de benefício mensal para estas pessoas quecomprovem não possuírem, nem sua família, meios de promover a própriamantença, conforme disposição legal;

- quando o legislador constituinte originário específica osfundamentos que irão estruturar a educação no Brasil, artigo 208, constaque o Estado manterá obrigatoriamente ensino especializado, compreferência na rede regular, aos portadores de deficiência;

- no capítulo “Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso”,o legislador especificou algumas metas a serem cumpridas em relação aotratamento das pessoas portadoras de deficientes, como destaca o artigo227, parágrafo primeiro, inciso II

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança eao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,exploração, crueldade e opressão.

§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúdeda criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não

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de produzir, concretamente seus efeitos jurídicos, não só em suasrelações internormativas, como também relativamente à realidadesocial, aos valores positivos e ao seu elaborador e destinatários...”Entretanto, quando a Constituição vigente estabelece com relação

aos portadores de deficiências programas, ao invés de regular, direta eimediatamente o assunto, limitando-se lhes traçar os princípios, visandoà realização dos fins sociais do Estado, há que se esperar pelas normasinfraconstitucionais para dar efetividade à política estatal a serdesenvolvida, impossibilitando a sua cobrança de forma específica.

Assim, bastante oportuna às críticas doutrinárias à Lei Maior de1988 quando se compara com a anterior, que em matéria de eficácia entradentro do conceito de plena, ou seja, reúnem todos os predicadosnecessários à produção imediata dos efeitos.

Objetivando dar eficácia ao texto constitucional de 1988, a InstruçãoNormativa nº 05, de 30/08/91 do Ministério do Trabalho e da Previdênciainstitui programa de treinamento profissional junto às empresas, oferecendoatividades de fins terapêuticos e de reabilitação, que ocorrerão sob tutelade entidades que tem o fito de assistir indivíduos com necessidadesespeciais.

O Decreto nº 914, de 06/09/93 conceitua pessoa portadora dedeficiência.

Em 29/07/98, foi editados a Portaria MPAS/se nº4.677, publicadono Diário Oficial da União em 30/07/98, o Ministro de Estado daPrevidência e Assistência Social, com intuito de proteger o emprego dodeficiente, estipulando no art. 1º reserva de mercado aos portadores dedeficiência habilitados e beneficiários reabilitados.

Em 27/10/98, o mesmo Ministro da Assistência Social e o InstitutoNacional do Seguro Social, objetivando a uniformização de procedimentos,resolve através da MPAS/INSS/DAF/DSS 90/98 — ordem de serviço(conjunta) estabelecer procedimentos que possibilitam a fiscalização documprimento da reserva de vagas nas empresas e punições na hipótese dedescumprimento.

O Presidente da República, em 20/12/99, através do Decreto de nº3.298 regulamenta a Lei nº 7.853 e dispõe sobre a Política Nacional paraintegrar, proteger, capacitar, fiscalizar a inserção das pessoas portadorasde deficiência no mercado de trabalho.

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religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social,que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidadeou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”.Com relação aos indivíduos com necessidades especiais, a OIT

determina que o tratamento diferenciado destes com relação aos outrostrabalhadores não sejam considerados como prática discriminatória,aplicando o princípio da isonomia material.

Natureza Jurídica do Contrato de Trabalho dos Indivíduos comNecessidades Especiais

Registra-se que ao conceituar a relação de trabalho, os doutrinadorestêm discutido a adoção da expressão “contrato de trabalho”, para definira prestação de serviço pessoal a terceiros e não “relação de trabalho”, oque caminhou para o surgimento das teorias contratualistas e anti-contratualistas.

A primeira surge da necessidade de acertos de vontades como alicercepara a prestação de trabalho, e o contrato seria a base sob o qual se fundao pacto laboral. Porém, verifica-se um intervencionismo estatal marcante,ou seja, a liberdade das partes pactuante foi sendo substituída por normasimpostas com o fito de benefícios sociais, como bem retrata o artigo 444das normas consolidadas:

“As relações contratuais de trabalho podem ser objetos de livreestipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenhaàs disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos quelhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.Apesar da imposição de limites sobre o qual as partes podem pactuar,

ainda assim, prevalece a utilização da expressão “contrato de trabalho”para traduzir a vontade das partes em torno da relação de trabalho.

Com relação à segunda teoria, a anti-contratualista, seus defensoresse posicionam no sentido da não necessidade do contrato para que hajaprestação de trabalho. Esta teoria tem como ponto principal à prestaçãode serviços em favor de terceiros, sem ajuste prévio, que resulta basicamenteda inclusão do trabalhador na empresa, integrando-se dentro de umainstituição, onde todos se submetem às regras previamente impostas, queirão perdurar no tempo, gerando direitos e obrigações.

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empregador e, que para efetuá-los receba pagamentos.Importante frisar que o art.7º, inc. XXXI assegurou igual condição

aos trabalhadores rurais e urbanos e vedou discriminação com relação àadmissão e remuneração dos indivíduos com necessidades especiais.

Destaca-se, também, que o art. 3º da CLT diz que há contrato detrabalho sempre que este seja prestado de forma não eventual a empregador,sob dependência (jurídica e econômica) e mediante salário, o que no casose enquadra perfeitamente.

Admissão do trabalhador com necessidades especiaisO Decreto nº3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamentando a

Lei nº7.853, de 24/10/89, estabelece em seu artigo 36, percentual de cargosdestinados às pessoas, em empresas de diversos portes.

Art.36. A empresa com cem ou mais empregados está obrigada apreencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários daPrevidência Social reabilitados ou pessoas portadoras de deficiênciahabilitada, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados, 2%;II – de 201 a 500 empregados, 3%;III – de 501 a 1.000 empregados, 4%;IV – mais de 1.000 empregados, 5%.§ 1º A dispensa de empregado na condição estabelecida neste artigo,

quando se tratar de contrato por prazo determinado, superior a noventadias, e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado, somentepoderá ocorrer após a contratação de substituto em condiçõessemelhantes”(grifou-se).

A reserva de mercado mencionada não traz nenhuma novidade, vezque já havia sido adotado pela Lei nº 8.112/90, que instituiu o regimejurídico único dos servidores públicos federais, onde está consignada aprevisão de reserva de vagas quando da realização de concursos públicos,para portadores de deficiência física que sejam habilitados a desenvolveras atividades concernentes ao cargo.

Entretanto, não será possível a demissão de empregados tidos como“eficientes” para que ocorra o preenchimento de vagas pelos indivíduoscom necessidades especiais.

Porém, frisa-se que uma vez preenchida a vaga por um deficiente,este somente poderá ter o seu contrato rescindido se for substituído poroutro em condições semelhantes.

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desde que estes possam ser removidos para o alcance da igualdade.Com o surgimento do pensamento do homem que deve produzir

como máquina, capaz de funcionar harmonicamente, a sociedade, então,reitera o preconceito de que o elemento que possui qualquer deficiêncianão se ajusta ao sistema, portanto é plenamente descartável. A concepçãodo homem-máquina e a estratégia de adequar o corpo humano ao que aorganização social necessitava e a burguesia exigia, ocasionou excesso detrabalho e má alimentação, debilitando os trabalhadores fisicamente,possibilitando a difusão de moléstias e acidentes de trabalho, fazendonascer número maior de indivíduos com necessidades especiais porcircunstâncias do próprio sistema.

Com a evolução das sociedades políticas, hoje denominadas Estado,não foi possível eliminar o “problema”, ao contrário, a educaçãosistematizada, responsável pela qualificação da mão-de-obra, acabourevelando mecanismos de seletividade que, pelo reconhecimento dascaracterísticas reais de que cada clientela é portadora, tornou-seobstaculizador do preceito de igualdade.

O argumento que vem se utilizando como justificativa desta situaçãoé a de que a educação especial não se encontra em condições, pela ausênciade profissionais capacitados e condições materiais, de atender uma clientelatão específica ou com muitas particularidades. Nesse novo contexto, apreocupação com a formação permanente do educador (princípio davalorização) pode ser assumida no estabelecimento de ações estratégicas eprocessuais, capazes de criar uma mentalidade crítica.

O preconceito existente sobre a deficiência está pautado na idéia deque estes sujeitos são igualmente improdutivos, levando a conclusões,claras ou disfarçadas de que mesmo habilitados, não conseguirão integrar-se ao mercado de trabalho, ocasionando seus isolamento, já que lhe foiretirado o direito de participar com dignidade. Outra constância é odesenvolvimento de práticas caridosas que, ao enxergarem o deficientecomo objeto e não como sujeito de direitos, o expõe a situações paternalistas.

Observa-se que, para os participantes que não têm experiência nomercado de trabalho competitivo, a profissionalização significa: uma viade inserção nas relações de produção e consumo; continuidade doatendimento educacional; preparação para o trabalho em esquema desubcontrato; alternativa ao ócio; aquisição de boa conduta; e forma de

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de uma democratização dos bens culturais que acabou nivelando porbaixo tal qualificação educacional. Expressando, portanto, um tratamentosuperficial na apresentação e incorporação dos dados culturais e sociais, aeducação leva a cabo uma pseudoformação.

As práticas humanas que o conceito de inclusão está tentando captar,com os recentes desenvolvimentos tecnológicos — a globalização —, corremo risco de petrificar-se caso a relação dos sujeitos com essa não seja alterado.Ao tornar-se “fato material”, a inclusão delega para os sujeitos a capacidadede incluir-se. Isto por um lado, aponta para a autonomia, por outro,encobre as condições sociais que não são permissíveis.

Finalizando, seria possível pensar as contradições inerentes a propostade uma educação inclusiva, a partir de sua gênese histórica. Ela nascedeterminada por um forte movimento de internacionalização do capitale pela busca de atitudes padronizadas e simplificadas no mundo dotrabalho. Assim, de um lado, a inclusão, em contraposição à integração,seria emancipatória, em seu objetivo de democratizar a formação. Poroutro lado, o que se tem como diferença básica entre os “normais” e os“com necessidades especiais” — a reflexão — é cada vez mais dispensávelpelas exigências das forças produtivas. Portanto, mesmo na educaçãoinclusiva parece haver um “nivelamento por baixo”, não devido à inclusãode sujeitos deficientes, mas as necessidades objetivas.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. São Paulo: EditoraPaz e Terra, 1995.____. Palavras e Sinais: modelos críticos 2. Petrópolis: Vozes, 1995.____. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio deJaneiro: Zahar, 1994.AINSCOW, Mel (org.). Caminhos para as escolas inclusivas. Lisboa:Instituto de Inovação Educacional, 1997.ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoasportadoras de deficiência. 2ª ed. Brasília: Coordenadoria Nacional paraIntegração da Pessoa Portadora de Deficiência. 1996.ASSIS, Olney Queiroz & PUSSOLI, Lafaiete. Pessoa Deficiente: Direitos egarantias. São Paulo: EDIPRO, 1992.

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preferência que tenha por objetivo prejudicar ou anular o reconhecimento,o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanose das liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social,cultural ou civil em qualquer outro campo. Portanto, desigualdade.2

A causa da discriminação reside, muitas vezes, no puro e crupreconceito, ou seja, em um juízo sedimentado desqualificador de umapessoa em virtude de uma característica sua, determinada externamente, eidentificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos, comoa cor, o sexo, a nacionalidade, a riqueza, etc. Mas pode, também, derivarde outros fatores relevantes a um determinado caso concreto ou específico.

Daí a importância e a urgência em se erradicar todas as formas dediscriminação, baseadas em gênero, raça, cor, etnia, idade, nacionalidade,religião e demais critérios. A eliminação e o combate a todas as formas dediscriminação são medidas fundamentais para que possa ser garantido opleno exercício dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais,ou seja, para se assegurar o pleno exercício da cidadania, próprio dosregimes democráticos de direito.

Os Estados ao ratificarem as Convenções internacionais sobre dessaquestão assumem a obrigação internacional de, progressivamente, eliminartodas as formas de discriminação, assegurando assim, o pleno e efetivoexercício da igualdade.

No Direito brasileiro encontramos todo um aparato normativo decombate à discriminação.

A Constituição Brasileira no art. 3o estabelece como um dos objetivosda República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sempreconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formasde discriminação”, e no art. 5o, incisos XLI e XLII assegura que “puniráqualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”acrescentando que a “prática do racismo constitui crime inafiançável eimprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Visando dá cumprimento prático a esses preceitos surgiu a Lei 7.716,de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes do preceito deraça ou cor.

Em 13 de maio de 1997 foi aprovada a Lei 9.459/97 estabelecendo a

2 Flávia Piovesam, “Temas de Direitos Humanos”, Brasília Jurídica, 2000, p. 132-133

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reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra - 1958), queentrou em vigor em 15.06.60.

No Brasil teve aprovação pelo Congresso Nacional através do DecretoLegislativo n. 104, de 24.11.64, ratificada em 26.11.65, com promulgaçãoatravés do Decreto n. 62.150, de 19.01.68. Portanto, em pleno vigor.

Para fins dessa Convenção, no conceito de emprego ou profissão seinclui o acesso aos meios de formação profissional, ao emprego, àsdiferentes profissões e às condições de trabalho (art. 3o), ressalvadas asexclusões ou preferências baseadas nas qualificações exigidas para umemprego determinado, bem como aquelas que possam ser justificadas emfunção da segurança do Estado, ou que tenham caráter de medidas deproteção e assistência especial reconhecida como necessárias por motivosde sexo, a invalidez, os encargos de família ou nível social ou cultural (art.1o, 2, art. 4o e art. 5o, 2, da Convenção 111).

Refletindo a orientação da aludida Convenção a Constituição de88 alargou, sobremaneira, as medidas proibitivas de práticasdiscriminatórias no âmbito do direito laboral.

Essas medidas encontram-se previstas, na grande maioria, nos arts.5o e 7o da Suprema Carta e foram idealizadas objetivando diretamente arelação de emprego, como aquelas constantes do art. 7o, e outras, queembora não tenham diretamente essa finalidade - em face da suageneralidade - terminam por abarcar situações próprias da relação deemprego, como aquelas constantes do art. 5o.

Passemos, assim, a análise das principais medidas de proteção contraas práticas discriminatórias no campo da relação de emprego:

ALGUMAS HIPÓTESES DE DISCRIMINAÇÃO

1 - Discriminação contra a mulher

A ordem constitucional vigente desde 04 de outubro de 88 de formacorajosa eliminou do direito brasileiro qualquer prática discriminatóriacontra a mulher trabalhadora, na medida em que revogou todo o arcabouçolegislativo que, embora se apresentasse com as vestes de generosidade oude tutela, na realidade produzia um evidente efeito discriminatório emrelação à mulher trabalhadora.

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tipo de discriminação contra a mulher trabalhadora não inviabilizatratamento diferenciado enquanto mãe. Isso porque a maternidade recebeudo constituinte tratamento especial e até mesmo privilegiado, o que permitecondutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem e à mulherque não esteja vivenciando a situação de gestante ou recém parto. É essa ainterpretação a ser extraída da norma do art. 7o, inciso XVIII que contemplaa mulher trabalhadora gestante com a licença de 120 dias.

Também no campo de proteção da mulher trabalhadora contra atosdiscriminatórios, encontramos as Leis 9.029/95 e 9.799/99.

A primeira proibiu a “adoção de qualquer prática discriminatória elimitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção,por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ouidade” (art. 1o), considerando ainda como prática discriminatória aexigência de declarações, exames e medidas congêneres relativas àesterilização ou estado de gravidez (art. 2o).

Veda, ainda, a citada Lei a indução ou instigamento, ao controle denatalidade, mas deixa de considerar como tal “o oferecimento de serviçosde aconselhamento ou planejamento familiar” desde que realizados atravésde instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do SUS - SistemaÚnico de Saúde (art. 2o).

Como forma de punição às práticas discriminatórias elencadas noseu art. 1o a Lei 9.029/95, o art. 4o estabelece penalidades de ordemadministrativa (art. 9o) que, no caso de rompimento do contrato - por atodiscriminatório - dá à empregada a faculdade de optar entre duasalternativas: a primeira, a reintegração, embora o texto legal use a palavrareadmissão, com “ressarcimento integral de todo o período de afastamento,mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidasmonetariamente, acrescidas de juros legais”, ou “percepção em dobro, daremuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente eacrescida dos juros legais”. (art. 4o).

Acresce salientar que a prática discriminatória nos moldes previstosno art. 2o da Lei 9.029/95 se constitui em crime, cuja pena é de detençãode um a dois anos e multa, sendo sujeito passivo da punição “a pessoafísica empregadora, o representante legal do empregador, como definidoem legislação trabalhista e o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos

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admissão e função por motivo de idade.Vale registrar, porque oportuno, que no art. 227, § 3o, a Carta Suprema

foi ainda mais explícita quando estipulou a “garantia de acesso dotrabalhador adolescente à escola”.

Assim, me parece não mais se deva aplicar as normas previstas noDecreto-lei 2.318/86 que regulamentam o trabalho do chamado “menorassistido”.

Recentemente aqui em Mato Grosso do Sul o problema dadiscriminação do trabalhador menor quanto à questão do salário foi trazidoà apreciação da Justiça do Trabalho.

Através de cláusula inserta em convenção coletiva de trabalho firmadapelos Sindicatos dos Comerciários e do Comércio Varejista de Douradose Sindicato do Comércio Varejista de Dourados, foi pactuado que o pisogarantido à categoria, em se tratando de trabalhador menor, ficava reduzidoem 50% quando o empregador fosse micro-empresa.

É evidente que este tipo de tratamento dado menor trabalhador, emque pese o contido na Lei 9.841/99 - que estabelece tratamento diferenciadoe simplificado, no campo administrativo, fiscal, previdenciário, trabalhista,creditício e de desenvolvimento empresarial - é manifestamentediscriminatório, pois atenta não só contra o inciso XXX, do art. 7o daConstituição, mas também contra as diretrizes da própria Convenção111 da OIT.

Entretanto, deve ser lembrado que todo o arcabouço contrário àdiscriminação do menor trabalhador não impede que a própriaConstituição lhe assegure tratamento diferenciado em certas situações como objetivo de protegê-lo, por exemplo, quando proíbe o trabalho em horárionoturno, em local perigoso ou insalubre (art. 7o, inciso XXXIII), ou aindaao deferir uma especial proteção à criança e ao adolescente (art. 227).

Penso, pois, que as normas da CLT que garantem algum tipo derestrição e especificidade no sentido de dar proteção ao menor trabalhadorforam recepcionadas pela Constituição, pois compatíveis com os princípiosnela contidos a respeito da proteção à criança e ao adolescente.

Entretanto, isso não impede reconhecer que levando em conta arealidade brasileira, onde na grande maioria das famílias pobres,especialmente no Norte e Nordeste e nas periferias dos grandes centrosurbanos, a criança trabalha para ajudar no sustento da família, talvez

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ideal da norma e a realidade da sua aplicação prática.Em uma palavra: é preciso enfrentar a nossa realidade que é bem

diferente daquela imaginada pelo legislador do Estatuto da Criança e doAdolescente; do constituinte de 88 e do autor da Emenda Constitucional20 que certamente se inspiraram em uma realidade que não é nossa.

3 - Discriminação contra o estrangeiro

Aqui também ocorreu uma significativa modificação do padrãoanterior com o advento da ordem constitucional de 88.

Como sabemos o padrão antidisciminatório contemplado pelaConstituição de 46 foi suprimido pelos legisladores militares e somenteretornou com a Carta de 88 que no caput do art. 5o expressamente asseguratratamento igualitário ao trabalhador estrangeiro em relação ao brasileiro,na medida em que estabelece que “todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...”

Entendo que frente ao novo padrão não foram recepcionadas asnormas do Dec-Lei 691/69 e aquelas do Título III, do Capítulo II, da CLTque tratam da chamada “lei dos 2/3”.

Há pouco tempo tive a oportunidade de enfrentar esta questão emreclamatória que me foi submetida à apreciação por cidadão espanholcontratado por empresa brasileira aqui em Dourados em que erampostulados alguns direitos garantidos pelas normas de proteção previstasna CLT e art. 7o da Constituição.

A defesa pugnou pela rejeição da pretensão fundada nas regrasrestritivas do Dec.-Lei 691/69, sob o argumento de que em se tratando deempregado estrangeiro não aplicam as normas de proteção da CLT e doart. 7o da CF, mas aquelas do aludido Decreto-Lei.

A tese empresarial foi afastada, evidentemente.Doutrina Valetim Carrion, com evidente acerto, ao manifestar-se

sobre o princípio da igualdade entre o trabalhador nacional e o estrangeiro:“Do texto se deduz ser inconstitucional qualquer discriminação,

mesmo indireta, contra os estrangeiros residentes, como é o caso daproporcionalidade em favor dos nacionais, cuja conseqüência seria a de

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Os signatários daquela Convenção se comprometeram adotar açõesde cunho afirmativo para promoção da igualdade de oportunidades aosdeficientes. E essas ações devem ter como “base o princípio da igualdadede oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadoresem geral”, devendo-se “respeitar a igualdade de oportunidades e detratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiaiscom a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e detratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores,não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos”.

A Carta de 88 encampando os princípios contidos daqueledocumento internacional dispensou ao trabalhador deficiente umtratamento especial, de forma a promover a igualdade de direitos eoportunidades ao estabelecer, no inciso XXXI, do art. 7o a proibição de“qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão dotrabalhador portador de deficiência”.

Refletindo essa proteção a regra do art. 93, § 1o, da Lei 8.213/91estabelece que a “dispensa do trabalhador reabilitado ou deficientehabilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90(noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, sópoderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante”.

De seu turno, a Lei 7.853/89, que dispõe sobre as medidas de apoioàs pessoas portadoras de deficiência, ordenou ao Poder Público garantiratravés de legislação específica a reserva de mercado de trabalho em facedas pessoas portadoras de deficiência nas entidades da AdministraçãoPública.

Dando cumprimento a essa recomendação a Lei 8.112/90 no § 2o,do art. 5o reserva até 20% das vagas oferecidas no concurso para as pessoasportadoras de deficiência, desde que haja compatibilidade com a

8 Salienta J. Francisco Rezek, que “Desde o momento próprio - idealmente, aquele em quecoincidam a entrada em vigor no plano internacional e idêntico fenômeno nas ordens jurídicasinteriores às partes - , o tratado passa a integrar cada uma dessas ordens. Terá ele a estruturahierárquica de uma lei nacional, ou mais que isto, conforme o Estado de que se cuide, qual serávisto mais tarde. Importa que se retenha desde logo a noção de que o tratado, embora produzidoem foro diverso das fontes legislativas domésticas, não se distingue, enquanto norma jurídica,dos diplomas legais que destas promanam”. In “Direito Internacional Público”, SP, Saraiva,1989, p. 85.

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convenção coletiva de trabalho ou através de sentença normativa.10

Para o jurista mineiro é “interessante perceber que os dois dispositivoscombinados (art. 7o, VI e XXXII, CF/88) têm dado suporte a umainterpretação isonômica contemporânea de grande impacto social, já queabrangente de uma crescente situação laboral criada no mercado detrabalho: a situação de terceirização. Há interpretações no sentido de quea contratação terceirizada de trabalhadores não pode, juridicamente,propiciar tratamento discriminatório entre o trabalhador terceirizado e otrabalhador exercente de função equivalente na empresa tomadora deserviços. Pelo parâmetro constitucional seria devido, em tais situações, ochamado salário eqüitativo, hábil a assegurar a equivalência isonômicaentre os respectivos profissionais” 11.

8 - Igualdade de tratamento entre o trabalhador avulso e o trabalhadorcom vínculo de emprego

Dando amplitude ainda maior ao princípio da isonomia, cuja matrizencontra-se no caput do art. 5o do Texto Maior, o constituinte de 88 fezinserir o preceito constante do inciso XXXIV, do art, 7o através do qualestabeleceu a “igualdade de direitos entre trabalhador com vínculoempregatício permanente e o trabalhador avulso”.

Todavia, na prática, aquela garantia já tinha sido conquistada pelagrande maioria dos trabalhadores avulso, que já havia alcançado aequiparação jurídica com os trabalhadores com vínculo de emprego.

Curiosamente, foi editada a Lei 8.630/93 que revogou de formaexpressa vários dispositivos legais que asseguravam tais direitos, remetendopara o plano dos instrumentos normativos as regras laborais relativas aesta categoria (arts. 22 e 29 da chamada Lei dos Portos).

É evidente que na ausência de instrumentos normativos a garantiaresta assegurada por força do preceito inserto no inciso XXXIV, do art. 7o,do Texto Maior.

10 “Salário - Teoria e Prática, Del Rei, 1997, p. 243-260.11 “Discriminação”, p 90.

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Esse tratamento diferenciado - não discriminatório - levou em contaa diversidade das condições do trabalho no meio rural e a dificuldade deacesso à justiça por parte do trabalhador campesino, que sejamos corajososem reconhecer, em grande maioria sequer tem conhecimento de seusdireitos.13

Ora, na medida em a EC 28 igualou o trabalhador rural ao urbanopara fins de prescrição do direito de ação no âmbito do processo dotrabalho terminou por violar o princípio da igualdade material, poisestamos diante de situações completamente diferentes.

Na medida em que se deu tratamento igualitário para situaçõesdesiguais, violou-se de forma absoluta e injustificável o princípio daisonomia que pressupõe para “sua realização prática no tratar iguais comigualdade e desiguais com desigualdade”.14

Ensinava Padre Antonio Vieira que “o Sol da Justiça é o Sol daJustiça porque trata a cada um conforme o que merece. Só para os bonsamanhece, e para os maus esconde-se; só alumia aos que o temem, e aos

13 Cármem Lúcia Antunes Rocha, ao discorrer sobre o efetivo direito do acesso à jurisdiçãoaverba: “O direito à jurisdição é a primeira das garantias constitucionais dos direitos fundamentais,como anteriormente frisado.Jurisdição é direito-garantia sem o qual nenhum dos direitos, reconhecidos e declarados ouconstituídos pela Lei Magna ou outro documento legal, tem exercício assegurado e lesão ouameaça desfeita eficazmente.Primeiramente, o direito à jurisdição é a garantia fundamental das liberdadesconstitucionais. Sem controle jurisdicional, todos os agravos às liberdades permanecemno limbo político das impunidades. Todas as manifestações da liberdade, todas as formasde seu exercício asseguradas de nada valem sem o respectivo controle jurisdicional. Aliberdade sem a garantia do pleno direito à jurisdição é falaciosa, não beneficia oindivíduo, pois não passa de ilusão de direito, o que sempre gera o acomodamentoestéril e a desesperança na resistência justa e necessária. Não é por acaso que os regimespolíticos antidemocráticos iniciam suas artes e manhas políticas pela subtração ou pelotolhimento do direito à jurisdição. É que sem este direito plenamente assegurado eexercitável o espaço de estripulias dos ditadores é mais vasto e o descontrole de seuscomportamentos confere-lhes a segurança de que eles se vêem necessitados de continuarno poder. O direito à jurisdição, ao garantir todos os direitos, especialmente aquelesconsiderados fundamentais, confere segurança jurídica mais eficaz ao indivíduo e aocidadão, gerando, paralelamente, a permanente preocupação dos eventuais titulares doscargos públicos com a sociedade e com os limites legais a que se encontram sujeitos”. In“AS GARANTIAS DO CIDADÃO NA JUSTIÇA”, Cood. Sálvio Figueiredo Teixeira, SP,Saraiva, 1993, p. 42-43.14 STF, 2a T., RE 154027/SP, DJU de 20.02.98, p. 22.

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Paulo Bonavides após analisar as várias teorias a respeito daverdadeira hermenêutica dos direitos fundamentais, assevera:

“A Nova Hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculoscom os fundamentos e princípios do Estado de democrático deDireito se os relegasse ao território das chamadas normasprogramáticas, recusando-lhes concretude integrativa sem a qual,ilusória, a dignidade da pessoa humana não passaria também demera abstração.A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolávelcontextura formal, premissa indeclinável de uma construção materialsólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importantecom que fazer eficaz a dignidade da pessoa humana nos quadros deuma organização democrática da Sociedade e do Poder.Em função disso, essa dignidade se fez artigo constitucional emnosso sistema jurídico, tendo sido erigida por fundamento de umnovo Estado de Direito, que é aquele do art. 1o da Carta Política daRepública.Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançarjamais “a Sociedade livre, justa e solidária”, contempladaconstitucionalmente como um dos objetivos fundamentais daRepública Federativa do Brasil (art. 3o). O mesmo tem pertinênciacom o respeito à redução das desigualdades sociais, que é, ao mesmopasso, um princípio da ordem econômica e um dos objetivosfundamentais de nosso ordenamento republicano, qual consta

porque eliminariam a garantia do direito mediante supressão do direito garantido. Se isso fossepossível, de nada adiantaria a proteção normativa de um direito, pois, precisamente quando essedireito se efetiva e se concretiza num titular, pode ser eliminado. É o mesmo que suprimir, acada passo, a norma de garantia, por esvaziá-la de seu conteúdo: seu efeito prático. Demais,quando a cláusula dita pétrea diz que é vedada proposta “tendente a abolir” isso significa que avedação atinge a pretensão de modificar qualquer dos elementos conceituais da situação objetivaou subjetiva protegida, isto é, que se encaminhe, “tenda” (emenda “tendente” diz o texto) paraa sua abolição, ou emenda que “tenda” a enfraquecer qualquer dos direitos e garantias individuaisconstantes do art. 5º, como ocorreria se se admitisse a abolição dos efeitos concretos, em favorde alguém, desses direitos e garantias”.Se assim é, será plenamente possível a argüição de inconstitucionalidade da EC/28 pois,se é verdade que não aboliu, é certo que esvaziou a garantia de prescrição do trabalhadorrural, pauperizando seu conteúdo”. In “Revista do Tribunal Superior do Trabalho” Ano67- nº 1 - jan a mar-2001, p. 63.

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CONCLUSÃO

Neste artigo procurei analisar, ainda que de forma sucinta, oprincípio da igualdade - que tem matriz no caput do art. 5o da SupremaCarta - em relação às normas proibitivas de práticas discriminatórias noâmbito da relação de trabalho e emprego.

Ao longo da pesquisa pude constatar o quanto ainda necessita serfeito para que a isonomia material possa se concretizar no plano darealidade do contrato de trabalho.

Otávio Brito Lopes em artigo sobre a questão da discriminação narelação de emprego afirma que “a discriminação no trabalho em razão dogênero, a discriminação racial é outro vírus que infecta o tecido social, e acada dia que passa, vai merecendo das autoridades mundiais maiorcuidado”.

“O trabalho em regime de cooperação entre a OIT e diversos órgãosgovernamentais brasileiros (Ministério Público do Trabalho,Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça), no combate àdiscriminação no emprego levou à constatação de várias formas dediscriminação no trabalho, sendo mais comuns as seguinteshipóteses: a) negros e mulheres têm o acesso dificultado a certostrabalhos que impliquem contato com o público, tais como caixade banco, garçom, garçonete, relações públicas, etc; b) os saláriospagos aos negros e às mulheres são inferiores aos pagos aos seuscolegas, com a mesma qualificação; c) negros e mulheres costumamser preteridos nas promoções no emprego; d) em muitos casos ajustificativa para a preterição das mulheres nas promoções é queseus colegas poderiam ter dificuldades em aceitar o comandofeminino; e) as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual comoinstrumento de pressão no trabalho; f) as mulheres são discriminadascom a demissão por motivo de gravidez, a exigência de atestado deesterilização e não gravidez no ato admissional”.20

Esse triste quadro mostra, e muito bem, que o problema dadiscriminação infelizmente ainda é grave e que a solução não é tarefa dasmais simples. É preciso um engajamento de toda a sociedade.

É indispensável que na busca da igualdade material, tão almejada

20 Rev. Virtual da Casa Civil da Presidência da República

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igualmente capaz de se colocar no lugar de cada um dos envolvidos, debuscar ver a questão de todos os ângulos possíveis e, assim, proceder,racional e fundamentadamente, à escolha da única norma plenamenteadequada à complexidade e à unicidade da situação de aplicação que seapresenta.” 21

Como afirma Ronald Dworkim, ao tratar da questão da igualdade,o pressuposto da legitimidade do Estado de Direito depende de que asinstituições demonstrem igual respeito e preocupação com todos oscidadãos. Como o maior ou menor bem-estar das pessoas depende emgrande parte do conteúdo das leis, o Estado perderá legitimidade se ofuncionamento destas leis não tiver a capacidade de demonstrar obediênciaao requisito de tratamento igual a todos. E se as desigualdades não forematenuadas, não se pode alegar que o Estado esteja cumprindo sua obrigaçãode assegurar o requisito da igualdade.22

Penso deva ser essa a verdadeira noção do princípio da igualdade,entre nós positivado no art. 5o da Suprema Carta, e no campo do Direitodo Trabalho explicitado em vários dos incisos do seu art. 7o.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA IORIO, Márcio. Interpretação Constitucional e as GarantiasInstitucionais dos Direitos Fundamentais, SP: Editora Atlas, 1999.BARACHO OLIVEIRA, José Alfredo de. Teoria Geral da Cidadania,Saraiva, 1995.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Malheiros, Editores,9a ed. São Paulo, 2000.BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campos, 11a ed. Rio deJaneiro, 1992.______Igualdade e Liberdade, Tradução de Carlos Nelson Coutinho,Ediouro, 3a ed., 1997.CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, 5a. ed. Coimbra, 1991.______Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982.

21 Rev. Notícia do Direito Brasileiro, Editora da UNB, n. 6, 246-249.22 Sovereign Virtue - The Theory and Practice of Equility, 2000, Cambridge, Massachusetes:Harvad University Press.

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aos crimes hediondos, ficando a sua definição a cargo do legisladorordinário.

Apesar dessa previsão da Carta Política, promulgada em 05 deoutubro de 1988, quase dois anos passaram-se sem que fosse aprovada alei ordinária específica definindo os crimes hediondos e regulando amatéria. De repente, como num estalar de dedos, apesar de haver váriosprojetos que tratavam do tema tramitando na Câmara dos Deputados,editou-se, abruptamente, a Lei Nº 8072, de 25 de Julho de 1990. É que opaís vivia um momento histórico muito agitado, de bastante pânico emvários setores sociais, havia uma impressão de insegurança e de impunidadeno ar, haja vista vários episódios que se verificaram e que foram largamentenoticiados pela mídia nacional, como a onda de seqüestros (extorsãomediante seqüestro) no Rio de Janeiro, entre eles o seqüestro do empresárioRoberto Medina, irmão do Deputado Federal do Rio de Janeiro RubensMedina, e o caso Abílio Diniz,... Sendo que o assassinato da atriz DanielaPerez foi determinante para a inclusão, a posteriori, do homicídioqualificado, também, no rol dos crimes hediondos (pela Lei Nº 8930/94).

Sabemos que o Direito vem na esteira das mudanças/clamor social(fatos sociais) e a violência cotidiana que se verificava, naquela ocasião,era alarmante, a exigir mudanças ou respostas (atuação) legislativas maisseveras no plano criminal, a fim de reduzir tais índices. Daí essa respostado Poder Público dar-se com a edição da Lei em epígrafe, sem que houvessesido feita uma análise mais acurada e uma discussão pela comunidadejurídica nacional (estudiosos, doutrinadores, operadores do Direito,...).

ANÁLISE DA LEIEm meados de agosto de 1989, o Prof. Damásio E. de Jesus, sem

dúvida um dos maiores expoentes do Direito Penal pátrio, foi convidadopelo Sr. Ministro da Justiça Saulo Ramos para integrar o Conselho Nacionalde Política Criminal e Penitenciária, com o fito de elaborar uma minutade um Projeto de Lei que definisse os crimes hediondos. O tempo de quedispunham para tal era pequeno, tendo em vista o recesso do Congresso(em 15/09/1989) e o término do mandato do Presidente da RepúblicaJosé Sarney (que se daria naquele mesmo ano).

Elaborou-se o Projeto de Lei que pretendia, com as inovações queintroduzia na legislação ordinária, proteger os bens jurídicos mais

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definido pelo chamado sistema judicial. Contudo, não foi este oadotado, como vimos pela Lei Nº 8072/90. Ela preferiu utilizar aforma mais fácil não deixar nada em aberto. Definiu os crimeshediondos pelo chamado sistema legal, ou seja, enumerou-os de formaexaustiva.(...) Os crimes hediondos são em numerus clausus.” 2

Essa opção legislativa mereceu aplausos do Ministro Assis Toledopara o qual “o conceito de hediondez (fato repugnante, repulsivo), oferecemargem de debates intermináveis, sem previsão de uma solução satisfatóriaa curto ou médio prazo.” 3

Da mesma forma, comungando do mesmo pensar, o ilustreProfessor Alberto Zacharias Toron entende que o legislador agiuacertadamente.4

No entanto, o renomado penalista Alberto Silva Franco criticouessa opção legislativa:

“O texto legal pecou, desde logo, por sua indefinição de ‘crimehediondo’, contida na regra constitucional. Em vez de fornecer umanoção, tanto quanto explícita, do que entendia ser a hediondez docrime (o projeto que foi enviado ao Congresso Nacional sugeriauma definição a esse respeito), o legislador preferiu adotar um sistemabem mais simples, ou seja, o de etiquetar, com a expressão ‘hediondo’,tipos já descritos no Código Penal ou em leis penais especiais.” 5

Assim, são considerados hediondos os seguintes crimes, tantoconsumados quanto tentados:1. Homicídio (CP, Art. 121), quando praticado em atividade típica degrupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídioqualificado (CP, Art.121, § 2º, I, II, III, IV e V);2. Latrocínio (CP, Art. 157, § 3º, in fine);3. Extorsão qualificada pela morte (CP, Art.158, § 2º);

2 MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos: Textos, Comentários e AspectosPolêmicos. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 16.3 TOLEDO, Francisco de Assis. Crimes Hediondos – Alguns Aspectos Importantes. v. 3.,Rio de Janeiro: Editora Instituto de Estudos Jurídicos, 1991, p. 205.4 TORON, Alberto Zacharias. Crimes Hediondos: O Mito da Repressão Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1996, p. 96/98.5 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. Notas Sobre a Lei Nº 8072/90. 3. ed., SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 44/45.

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O Art. 2º, § 1º, que impõe o cumprimento da pena integralmenteem regime fechado, é outro dispositivo que muita polêmica suscitou,inclusive no prisma da constitucionalidade. Os defensores da suainconstitucionalidade aduziram que tal previsão do legislador ordinárioferia o princípio constitucional da individualização da pena (Art. 5º, XLVI,CF), haja vista que se estariam colocando todos os condenados por crimeshediondos e equiparados num mesmo patamar, independentemente dasconhecidas circunstâncias judiciais do Art. 59 do Código Penal (quenorteiam a aplicação da pena pelo magistrado). Vejamos, quanto aodispositivo, a lição do ilustre Prof. Luiz Flávio Gomes:

“A introdução no sistema penal brasileiro do regime ‘integral’fechado (Lei dos Crimes Hediondos) foi um dos maiores equívocoslegislativos já ocorrido: primeiro porque não havia autorizaçãoconstitucional para isso (resultando violado o princípio daindividualização da pena); em segundo lugar porque não resolveuem nada o problema da criminalidade violenta; em terceiro lugarporque retirou do preso a esperança de uma progressão, que favorecea ressocialização e o bom comportamento; por último porque acaboudesencadeando a maior avalanche de fugas e rebeliões, jamais vistasno sistema penitenciário brasileiro. Está correta, nesse ponto, a Leide Tortura, ao prever a progressividade. (...)” 6

Contudo, tal questão de inconstitucionalidade foi apreciada peloSupremo Tribunal Federal que, em decisão plenária, por maioria de votos,manifestou-se pela constitucionalidade do referido §1º, do Art. 2º (Habeas-Corpus Nº 69.603-1, 69.657-1, 69.900-6 e 70.121-3).

Com essa previsão legal do § 1º, do Art. 2º, tornou-se impossível aconcessão de sursis e benefícios prisionais aos condenados por crimeshediondos e assemelhados. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federalmanifestou-se afirmando que “o instituto do sursis é incompatível com otratamento penal dispensado pelo legislador aos condenados pela práticados chamados crimes hediondos.”7

A apelação em liberdade é outro ponto alto no referido estatutopenal, pois no mesmo Art.2º, § 2º, o legislador ordinário previu, agora,

6 GOMES, Luiz Flávio. Estudos de Direito Penal e Processo Penal. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 1998, p. 129.7 STF, 1ª T. – HC Nº 72697/RJ. Rel. p/ Acórdão: Min. Celso de Mello, j. 19/03/96.

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assim, o Art. 2º, § 1º da Lei em análise (corrigindo, assim a “aberraçãolegislativa” praticada outrora). Contudo, o entendimento dos Tribunais,inclusive do Pretório Excelso, é pela não aplicação analógica (in bonanpartem) da referida lei aos crimes hediondos (STF, Habeas-Corpus 76.371– SP, j. 25/03/98).

Ainda, quanto a esse polêmico dispositivo do Art. 2º, § 1º, acusadode ser a parte mais teratológica da Lei dos Crimes Hediondos, registre-seque muitos magistrados estão, quando da prolação de sentençascondenatórias, em se tratando de crimes hediondos, à exceção do crimede tortura, inserindo em seu bojo a expressão: “a pena será cumprida emregime INICIALMENTE fechado”, e que em algumas recentes decisões deTribunais de Justiça do país verificaram-se a retificação do regime decumprimento da pena de crimes hediondos, exceto a tortura, retificandoa expressão “INTEGRALMENTE” por “INICIALMENTE”.

Assinale-se, também, dada a pertinência temática, que a recente LeiNº 9677/98, ao tratar da falsificação de remédios, erigiu tais condutas àcategoria de crimes hediondos, trazendo a lume, segundo vários operadoresjurídicos, mais um “monstro jurídico” (uma lei draconiana), por ferirfrontalmente o princípio da proporcionalidade das penas e trazer váriasfalhas técnicas legislativas (denotando a pressa como fora elaborada, afim de dar uma “resposta” à população). Sendo que muitos exemplospoderiam ser formulados, mas citemos um, à guisa de ilustração, datamanha desproporcionalidade das penas criada:

Imagine que um farmacêutico querendo aumentar a seborréia deum desafeto seu, venda-lhe xampu terapêutico que sabe ser falsificado,poder-lhe-á ser imposta uma pena de, pelo menos, 10 (dez) anos de reclusão,ao passo que se ele matar esse mesmo seu desafeto, estará sujeito à umapena mínima de 6 (seis) anos, ou seja, há aí um enorme contra-senso.Com isso, segundo alguns operadores do Direito, está-se a vulgarizar oconceito de crime hediondo:

“A vulgarização do conceito de crime hediondo gera graveinsegurança pública e implica em perigosa ofensa às garantiasindividuais dos cidadãos. O mais grave é que o Congresso e o governoagem rápido nesse tipo de mostrengo jurídico, mas as conseqüênciassão bem mais difíceis de serem revertidas. O irracionalismo da Lei

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natural (Art. 5º, XXXVII e LIII ).Não obstante essa tendência mundial salutar e os contornos

minimalistas da Carta Política, em muitos diplomas legais editados noBrasil, recentemete, como a Lei Nº 8072/90, o legislador tem rompidocom o tradicional Direito Penal liberal, deixando-se levar, face aoincremento da criminalidade, pelos adeptos do denominado movimentoda lei e da ordem (law and order), que está calcado em premissasextremamente intervencionistas e anti-garantistas, numa visão de rigor nareprimenda penal (apostando-se na penalização como solução dacriminalidade), desvirtuando, assim, o moderno sistema penal adepto doDireito Penal Mínimo e das penas alternativas, pois, como já alertavaBeccaria, no século XVIII, o que coíbe o crime não é a quantidade dereprimenda penal, mas a certeza de sua punição: “a certeza do castigo,ainda que moderado, causará sempre maior impressão que o temor deoutro castigo mais terrível mas que aparece unido com a esperança daimpunidade.” 10

Doutro canto, felizmente, na mesma seara penal, e em totalconsonância com a orientação do Direito Penal Mínimo (MinimalismoPenal), o legislador, atendendo à orientação e ao clamor dos doutrinadorese operadores do Direito, elaborou modernos e inovadores diplomas legaiscomo a Lei Nº 9099/95 (Lei dos JEC) e a Lei Nº 9714/98 (Lei das PenasAlternativas), que foram verdadeiros divisores de água no ordenamentojurídico-penal pátrio a merecer aplausos, pois, consubstanciaram-se emmedidas salutares e instrumentos legais hábeis a implementar a justiçapenal de forma célere, simplificada e com economia processual.

Daí verificarmos a impressão do Ministro Luis Vicente Cernicchiaro,ao falar, recentemente, sobre o Plano Nacional de Segurança Pública:

“No interior dos presídios aquela lei não está funcionandonormalmente. Agora, esse também não é um problema brasileiro, équase mundial. A solução será reduzir a reclusão, o recolhimentoda pessoa. Somente para aquela hipótese em que o convívio emsociedade se mostre inadequado, impossível de existir.” 11

Para arrematarmos o nosso pensar e concluirmos o propósito inicial

10 BECCARIA, Marchesi di. (Cesare Bonesana). Dos Delitos e das Penas. Bauru: Edipro,1993,p.71-72.11 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Revista CONSULEX, Ano IV, Nº 43, Julho/2000, p. 53.

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ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Penas Alternativas, in RevistaCONSULEX, Ano IV, Nº 39, Março/2000.SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7. ed.,São Paulo: Editora RT, 1990.SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed.,São Paulo: Editora Malheiros, 1994.TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 15. ed., São Paulo:Editora Malheiros, 1999.TOLEDO, Francisco de Assis. Crimes Hediondos – Alguns AspectosImportantes. v. 3., Rio de Janeiro: Editora Instituto de Estudos Jurídicos,1991.TORON, Alberto Zacharias. Crimes Hediondos: O Mito da RepressãoPenal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

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02 - Liberdade de Pensamento, de Expressão e de Imprensasão direitos fundamentais.Os direitos fundamentais são considerados em sua dimensão como

direitos subjetivos e ao mesmo tempo como elementos fundamentais daordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos outorgamaos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãosobrigados. Entendido na ordem constitucional objetiva constituem oordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito.Iório, citando Carl Schimitt, pondera que os direitos fundamentais numaconcepção liberal seriam os anteriores e superiores ao Estado, cuja forçaadviria da natureza do indivíduo isolado. Entretanto, a complexidade dofenômeno social levou os direitos fundamentais à objetividade própriado Estado Social.

Dessa forma o surgimento do Estado Social eliminou o caráterabsolutista dos direitosde liberdade, fazendo com que pensadores, comoSchimitt, situassem a natureza específica dos direitos fundamentais dentreos temas do direito constitucional. Essas nascem como conformaçõesjurídicas objetivas, assimiladas no ordenamento. Seriam, portanto, capazesde remeter todo seu conteúdo a sua própria objetivação.2

A Constituição brasileira de 1988 - tal como a Lei Fundamentalde Bonn (1949) e as Constituições Portuguesa (1976) e Espanhola (1978) -outorgou significado especial aos direitos fundamentais, conferindo-lheseficácia vinculante imediata, gravando a cláusula da imutabilidade, de talsorte que eventual emenda constitucional tendente a abolir determinadodireito tenha declarado pelo Poder Judiciário sua inconstitucionalidade.3

A Constituição Brasileira nesse sentido, portanto, é auto-aplicável.Sabe-se que a liberdade de pensar é problema de consciência de cada um,é de foro íntimo, enquanto não se manifesta é sempre livre, já que ninguémpode ser obrigado a simplesmente pensar deste ou de outro modo e comotal foge ao alcance do poder e do controle social. Mas, analisando a questão,encontramos na liberdade dois aspectos a serem considerados. O primeiroé o de resolução própria, pessoal. O segundo é a liberdade de execução

2 ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação Constitucional e as Garantias Institucionais dos DireitosFundamentais. São Paulo: Atlas, 1999. p.187.3 CF de 1988, Art. 5º,§ 1º, combinado com art. 60, § 4º, IV.

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e de imprensa. O exercício desta não é uma concessão dasautoridades; é um direito inalienável do povo. Toda pessoa temdireito de buscar e receber informação, expressão opiniões edivulga-las livremente. A credibilidade da imprensa está ligadaao compromisso com a verdade, à busca de precisão,imparcialidade e equidade e à clara diferenciação entre asmensagens jornalísticas e as comerciais. Nenhum meio decomunicação ou jornalista deve ser sancionado por difundir averdade, criticar ou fazer denúncias contra poder público”.A liberdade de pensamento e a liberdade de expressão são

igualmente liberdades individuais, porém expressar configura maiorcomplexidade dada sua imediata repercussão no mundo, elevando aliberdade de expressão ao valor supremo da convivência humana. Vinculadaà democracia, a liberdade configura a grande couraça protetora da sociedadepara o exercício dos direitos que garantem a dignidade da pessoa humana.

03 - A Proteção aos direitos de PersonalidadeVivemos a era da informação. A função comunicacional é um dos

instrumentos mais fortes da contemporaneidade.Essa afirmação, de per si, é um indicativo de que a comunicação, nestavirada de milênio, passou a ser fator dominante da vida humana,influenciando diretamente a estrutura da sociedade e do Estado,pressupondo relações intersubjetivas, uma vez que a comunicação adquiriuobjetividade de caráter transpessoal, representada por um quadro globalde dados e meios de ação, resultante do aparelhamento tecnológico dainformática. Desde o computador individual à rede da internet, pondo eou impondo imprevisíveis e mutáveis soluções às expectativas e finalidadesdos indivíduos e dos povos.

Nesse contexto ressalta-se a importância da imprensa como veículode comunicação de massa, formador e informador da opinião pública esua influência nas decisões políticas e na complexidade do grau derelacionamento social, pois num regime democrático representativo, alivre imprensa deve considerar-se instituição de interesse público e de

6 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. São Paulo: Malheiros, 1996, p.52.

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da indenização por dano moral, material ou à imagem, constitui remédiojurídico reparador da ofensa e aos danos sofridos por alguém. Instrumentosjurídicos visando a solucionar, ou a reparar, à luz da Carta Magna, eventualcolisão entre liberdade de imprensa e os direitos de personalidade.

4 - Direito de Resposta como remédio jurídico reparador do agravoO fenômeno da globalização, com a configuração hodierna veio

substanciar ao poder estatal novas e crescentes esferas de agir, tolhendo-lhe a capacidade de resistência a causas que, em última análise, sãoresultados da tecnologia da informação, agravados pela instantaneidadeda comunicação e pela capacidade de fugir a qualquer espécie de controle.Historicamente também no Brasil a liberdade de expressão e o livre acessoà informação são assuntos constantemente debatidos, controversos,polêmicos.

A Carta Constitucional de 1934 previa censura apenas para osespetáculos e diversões públicas, mas foi decretada inativa durante todo oEstado Novo. Nesse regime perdurou a censura plena até 1945, quandoentão o regime democrático foi restabelecido.

Com o golpe militar de 1964 e o general Castelo Branco napresidência, os Atos Institucionais cortaram definitivamente a liberdadede manifestação do pensamento e de prestação de informações.

A Constituição de 1988 marcou o encerramento do regime militare instituiu como direito fundamental a liberdade de manifestação dopensamento e de expressão da atividade intelectual e de comunicação.Dessarte, questão das mais relevantes no estágio atual da evoluçãotecnológica, especialmente os veículos de comunicação de massa, consisteem avaliar com precisão e segurança a eficiência do remédio jurídico“direito de resposta” consagrados pela primeira vez na constituição federalde 1988, no sentido de garantir sua proporcionalidade, conforme preceituao art. 5º, V, in verbis “é assegurado o direito de resposta, proporcionalao agravo, além da indenização por dano material, moral ou àimagem”.

Na verdade o direito de resposta, ainda não proporcional ao agravo,entrou na legislação pátria na primeira metade deste século, precisamenteem 1923, através da Lei 4.743, por iniciativa do senador paulista AdolfoGordo, seguindo modelos das leis e da jurisprudência vigentes na Itália e

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ou atraso da publicação.Estendendo essa análise para o texto constitucional, a Carta Magna

de 1988, infere-se que o direito de resposta, na forma em que a Constituiçãoassegura, não está vinculado a lesões provenientes apenas de determinadosmeios de comunicação. É inerente ao processo de informação e, portanto,deverá ser assegurado em quaisquer modalidades sob as quais esta se dá.Com essa amplitude, ele é não apenas exercitável na imprensa falada,escrita ou televisionada, mas em todos os processos de comunicação.

É mister citar que no processo de redemocratização, a partir de1985, o país pôs-se a revogar e remodelar todos os entulhos autoritárioslegados pela ditadura militar. Foi feita uma nova Constituição, abrandadaa Lei de Segurança Nacional, mas a imprensa continuou sendo regidapelos 77 artigos que compõem a lei 5.250 cujas penas para calúnia,difamação e injúria são mais duras que no Código Penal e aumentadasem um terço se a “vítima” for, por exemplo o Presidente da República,contra quem, aliás, a lei não admite a prova da verdade.

A Lei de Imprensa, também conhecida como Lei do Silêncio ouLei Mor da Ditadura, permanece incólume por mais de trinta anos,retoricamente repudiada, mas freqüentemente solicitada em detrimentoao próprio Código Penal. É uma situação antagônica, complexa que resisteaos embates do tempo e da sociedade à espera das decisões do CongressoNacional que, durante quase uma década, tenta um substitutivo legal. Talsubstitutivo tramita em forma de Projeto no Congresso Nacional desde1992, tendo sido aprovada pela Comissão de Ciência, Tecnologia,Comunicação e Informática, desde 06 de dezembro de 1995.

É importante observar alguns pontos do projeto da nova lei deimprensa em tramitação. Dentre estes, destaca-se o fim da limitação daprova da verdade nas ofensas às mais altas autoridades do país (limitaçãoque na verdade podia ser superada pelo recurso a certos expedientes einstitutos prevista na legislação em vigor) e uma melhor disciplina daprescrição. Entretanto, o dispositivo que mais tem gerado polêmica équanto ao capítulo da responsabilidade civil que não estipula um valor-limite para a indenização, permitindo que o juiz a fixe. O dispositivoapenas estabelece que na petição inicial da ação de indenização devem serespecificadas culpa, dolo e a capacidade financeira do ofensor, respeitadasua solvabilidade; a área de cobertura primária do veículo e sua audiência,quando meio de comunicação eletrônica e a circulação, quando meio

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a título de ilustração, citam-se casos como da Escola de Base11;da Bomba do Itamaraty12, do Bar Bodega13 e da explosão do Fokker daTAM14, todos tendo em comum uma fonte oficial (um delegado de polícia)e jornalistas afoitos, que sob a emoção dos holofotes, câmeras e microfones,incriminaram apressada e irresponsavelmente, inocentes. Todos, fonte,veículos de comunicação e profissionais de imprensa tiveram, nesses casos,em comum a irresponsabilidade e o despreparo profissional. Nesse contextonão há direito de resposta proporcional ao agravo, nem indenização morale/ou material capaz de corrigir ou reparar, na mesma medida, o malcausado.

O que houve foi condenação sem julgamento, verdadeiroassassinato social, via imprensa. Gente que perdeu o emprego, a paz, isolou-se da comunidade, vivendo apenas de restos de sonhos e espectros devida. Fatos como esses fazem questionar, afinal com que balança jurídicaé possível determinar a proporcionalidade da dor de uma injúria, a extensãoreal de uma calúnia e a conseqüência da difamação via imprensa, já queesta se apresenta, em muitas vezes, como árbitro da consciência coletiva,tribunal destituído de poder jurídico, mas sempre um tribunal temido eimpiedoso. O quarto poder, muitas vezes, com aspecto soberano e absoluto,com forças ocultas, usando inclusive as estratégias de marketing epropagandas subliminares, determina a forma de ser e de viver de umacomunidade.Responder ou retificar pela imprensa, por essa ótica, ainda que seja umdireito constitucional, da forma como está sendo exercitado, é uma açãoinepta podendo constituir-se, em mais uma forma de propagação da ofensa.

Corrigir, retratar, indenizar proporcionalmente considerando a

12 Em outubro de 1999 houve o caso da carta-bomba do Itamaraty. Minutos depois da explosãoestava na praça o nome do terrorista Jorge Mirandola. Foi preso, solto e as investigações aindanão revelaram quem realmente postou a bomba.13 Em 19 de agosto de 1966, dois jovens de classe média foram estupidamente mortos porassaltantes num bar de São Paulo, e a polícia logo prendeu um punhado de suspeitos – pobrese negros – e os fez confessar o crime. Mais tarde, os assassinos foram presos e condenados apenas que variam entre 23 e 48 anos de prisão.14 Ainda é viva em nossa memória a tragédia do professor Leonardo que teria colocado umabomba no vôo 457 da empresa aérea TAM. O seu rosto figurou em capas de revistas, cartazes depublicidades das mesmas, nas primeiras páginas de jornal sem que, afinal ficasse provada aautoria do atentado. Por má sorte, o professor foi vítima de atropelamento e não teve maiscondições de saúde para qualquer atividade.

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do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensae a posição social e política do ofendido, abrangendo ainda intensidadedo dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e ofato de ser reincidente, civil ou criminalmente, por abuso no exercício daliberdade de manifestação do pensamento e informação. Como atenuantepermanece a retratação espontânea ou a concessão do direito de resposta.Idêntica posição tem o Código Brasileiro de Telecomunicações.

Para ilustrar o posicionamento do judiciário e o relacionamentoda imprensa com o poder, cita-se recente julgado do STJ16, condenando ojornal Zero Hora (RS) a pagar ao ex-senador José Paulo Bisol umaindenização no valor de R$ 1.191.088,00, o equivalente a 7.960 saláriosmínimos, por danos morais.

A empresa terá que arcar ainda com as despesas de honoráriosadvocatícios estipulados em R$ 178.663,20. Consta do relato que o JornalZH iniciou em 30 de junho de 1994, uma série de reportagens, consideradasofensivas ao ex-senador Bisol que à época era candidato à vice-presidenteda República pelo Partido dos Trabalhadores. Em 58 matérias, Bisol teriasido acusado de manipular verbas orçamentárias e superfaturar emendaspara obras que beneficiavam sua fazenda. O jornal publicou ainda que ocandidato ter-se-ia aposentado com apenas sete meses, exercendo a funçãode desembargador; praticado nepotismo e conseguido privilégios da CaixaEconômica Estadual, usando seu prestígio político.

Em sua defesa, Bisol alegou que todas as denúncias forampublicadas sem provas e que sofreu prejuízos morais de tal ordem que olevaram ao extremo de renunciar a sua candidatura.

No texto do despacho constam da Decisão posições como (...)tendo sido publicada matéria ofensiva à reputação do autor, tanto em suavida pública, como privada sem que fossem tomadas as cautelas devidas,cabível é a indenização. (...) A liberdade de informação não pode se sobreporaos direitos individuais e nem exclui responsabilidade posterior.

Esse caso, cujo desfecho é recente, demonstra posição doordenamento jurídico brasileiro nos conflitos entre o direito à honra e o

16 Notícias do STJ, publicada em 13/01/2001, sob o título “Ex-Senador Bisol ganha indenizaçãopor danos morais do jornal Zero Hora”. O processo de n.0087739-8, iniciou em 04/12/1998 efoi concluído em 06/02/2001.

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interrompido, a honra de uma pessoa injustamente manchada, as doresda alma, o embate entre o fato e a versão inescrupulosa do fato? Aqui nãose trata de um fato comum, mas de um fato que transformado em notícia,propagam-se como plumas jogadas no ventilador, sopradas livrementepelos campos ignóbeis da sociedade impiedosa que, por vezes, apresenta-se como o cadafalso da humanidade.

Nesse contexto a mídia, elemento-chave da cultura pós-moderna,afeta os interesses mais preciosos do homem e provoca a colisão de valorescomo os direitos de personalidade e a livre manifestação das própriasconvicções e, portanto, a liberdade política e a própria democracia.

O vetor dessa questão é descobrir a medida justa que permitedefender e proteger adequadamente o direito da privacidade, da proteçãoà honra, à imagem e à intimidade das pessoas sem colidir frontalmentecom a liberdade constitucional da imprensa.

Em suma, o tempo histórico, os movimentos sociais e a certeza deque o direito não é, faz-se, definirão uma nova manifestação cultural,uma correta disciplina de convivência, isto é, um verdadeiro ponto deequilíbrio entre os que exercem responsabilidades públicas junto ao Estado,à sociedade e os que têm o dever de bem informar essa sociedade.

É mister um ordenamento jurídico moderno e eficaz à altura dacomplexidade do exercício da livre manifestação do pensamento, da difusãode informações e da proteção aos direitos de personalidade. Solucionaresse problema é contribuir para o fortalecimento da democracia e garantira plena vigência do Estado de Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação Constitucional e as GarantiasInstitucionais dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1999.BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e oControle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de DireitosFundamentais. Brasília, DF: Livraria Editora Brasília Jurídica, 1996.BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 2.º ed., São Paulo:Malheiros,1996.BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. 6.ed., Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1977

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que regia a carreira àquela época (lei nº 4.215/63) a elevação daimunidade ao nível da própria Constituição acaba por lhe conferiruma dignidade e um peso que não podem ser desprezados.”Com o advento do Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei nº 8.906,

de 04 de julho de 1994, observa-se que em seu artigo 1º, com clara redação,que é atividade privativa da advocacia “a postulação a qualquer órgão doPoder Judiciário e aos Juizados Especiais”, fazendo aumentar ainda maiso debate em torno da manutenção, ou não, do jus postulandi, que acaboupor ser levado ao Supremo Tribunal Federal, que deu, incidentalmente,interpretação ao artigo 133 da Constituição Federal, ao rejeitar, porunanimidade, a preliminar de ilegitimidade de parte argüida contra oreclamante, por postular em juízo sem advogado (Processo de HabeasCorpus nª 67.390-2), afetando, consequentemente, o estatuído no artigo1º do Estatuto da Advocacia e da OAB, citado. Ressalvando-se que, estadecisão, apesar de ter sido proferida pela mais alta Corte do país, nãovincula as decisões dos Tribunais e juizes.

Os Pretórios Trabalhistas entendem, de forma uníssona, com oSupremo Tribunal Federal 4, a começar pela mais alta Corte Trabalhista,asseverando o seguinte: “A Constituição Federal não excluiu o juspostulandi na Justiça do Trabalho”.

Seguindo, basicamente, o mesmo entendimento dos PretóriosTrabalhistas estão vários juristas, dentre os quais destacamos:

Luciano Viveiros5 entende válida a capacidade das partes postularem,pessoalmente, até que outra lei especial venha manifestar-se contrariamente.

Essa é a mesma conclusão a que chegou o então Ministro do TribunalSuperior do Trabalho, Orlando Teixeira da Costa6, ao interpretar o artigo133, da Constituição Federal de 1988, nestes termos:

“Este artigo reserva a esses profissionais uma condição de servidorda justiça e não do monopólio, para que se tenha acesso a ela. Do quedecorre que o jus postulandi, previsto no artigo 839, da Consolidaçãodas Leis Trabalhistas continua em plena vigência, porque absolutamente

3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 1998. P. 418.4 TST – 4ª T. – RR 32943/91.2 – rel. Min. Marcelo Pimentel – DJU 30.10.92.5 VIVEIROS, Luciano. Direito do Trabalho. Conflitos, soluções e perspectivas. 1997. p.90.6 COSTA, Orlando Teixeira da. Jus Postulando na Justiça do Trabalho. 1989. p. 268.

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que os defendem, entendemos como incabível e, na melhor das hipóteses,indesejável, o exercício do jus postulandi na Justiça Trabalhista.

Entendemos também que, por mais lícitos e bem intencionadosque tenham sido os argumentos inspiradores do artigo 791 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho, as melhores homenagens devem ser rendidas àorientação ora defendida pelo artigo 133 da Constituição Federal de 1988,lembrando-se, ainda, que a norma constitucional em questão encontra-seinserida no capítulo relativo às Funções Essenciais à Justiça, ou seja,aquelas que lhe integram a natureza e a substância.

Nos dizeres de Atinoel Luiz Cardoso, citado por Mario AntonioLobato de Paiva 9, temos que:

“O jus postulandi na justiça laboral, constitui vilipêndio. É odioso,até porque representa uma agressão aos direitos e prerrogativas,assegurados pela Constituição, ao advogado, único profissional comhabilitação legal a postular em Juízo, vênia. Ademais, transferindo-se tal encargo à parte interessada, extirpa do advogado a arma quelhe consagra. É a mesma coisa de retirar do médico o sagrado direitoda incisão. O que é pior, confere ao leigo a possibilidade de se autooperar, correndo por sua conta e risco auto-lesionar.”Consideramos que, às vésperas do terceiro milênio, não é mais

possível admitir que o cidadão venha postular na Justiça, seja comum ouespecializada, federal ou estadual, sem a presença de um patrono capaz deassisti-lo e orientá-lo devidamente na busca de seus direitos.

Se a cidadania é um dos fundamentos do Estado Democrático deDireito em que vivemos, constatamos que a indispensabilidade doadvogado à administração da justiça decorre justamente da preocupaçãocom a cidadania, precedendo inclusive, sobre a eficácia da prestaçãojurisdicional, da qual é apenas uma decorrência natural.

O termo INDISPENSÁVEL é conclusivo e terminativo, nãopermitindo interpretação contrária. Assim, não havendo qualquer exceçãoprevista na própria Constituição Federal, não será uma Lei Federal ouqualquer outra norma hierarquicamente inferior que poderá derrogar aLei Maior.

9 PAIVA, Mario Antonio Lobato de. A Supremacia do Advogado Face ao Jus Postulandi. Trabalhoem Revista, Curitiba: nº 201, p. 04, abril/1999.

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prerrogativas, concessões atribuídas a uma pessoa humana se comunicamàs demais, sem qualquer restrição quanto a sua intensidade, extensão,profundidade, aspectos e proporções.

Nas sábias palavras de Manoel Antonio Teixeira Filho11,encontramos porto seguro para ancorar nossa posição. Vejamos:

“Os tempos agora são outros. A Constituição Federal vigente declaraser o advogado pessoa indispensável à administração da justiça (art.133), e a Lei nª 8.906/94, não só repete esta regra (art. 2ª, caput),como proclama constituir ato privativo de advocacia a postulaçãoa qualquer órgão do Poder Judiciário (art. 1ª, inc.I). Isso significa,a nosso ver, que foi revogado o artigo 791, caput, da CLT, queconcedia às partes o jus postulandi – essa faculdade equivocada eardilosa, que as fazia, muitas vezes, ver o seu direito perder-se peloslabirintos de um processo, que, por mais simples que se insinuasse,era incompreensível para quem não possuísse um mínimo de noçãoacerca das regras de postulação em juízo. Quantos direitos, quantasfaculdades foram fulminados pela preclusão temporal, em nomedessa insidiosa capacidade postulatória.”Sabemos que a postulação do empregado ou empregador, em

primeira instância, sem advogado, mediante reclamação verbal e defesaoral, cumpre o objetivo do jus postulandi, porém, aliado ainda ao fatode não se ter, num futuro próximo, a presença do Classista, o juiz, emfunção do princípio da irrenunciabilidade, de forma dolorosa deveaniquilar outros princípios constitucionais de importância fundamentalpara a verificação do fim primordial do processo, em virtude do desprezoà boa técnica processual e as exigências formais do mesmo, criando uma“aparência” de parcialidade.

Se no primeiro grau o problema já é difícil, em grau de recurso,com muito mais propriedade, torna-se insustentável, uma vez que anecessidade do tecnicismo se faz presente com superior intensidade, pois,mesmo no caso do jus postulandi, já não mais se admite, expressamente,o procedimento verbal, sendo indispensáveis algumas formalidades, aexemplo da petição escrita (artigo 899, da CLT), e é função privativa dosadvogados a representação da parte na instância recursal, cabendo somente

11 FILHO, Manoel Antonio Teixeira. Sistema dos Recursos Trabalhistas. 1997. p. 186.

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preconizam uma nova ordem: modernidade e eficácia.Tanto a Lei Federal nº 8.906/94 como a Constituição Federal de

1988 precisam, urgentemente, serem compreendidas em sua inteireza.Para isso necessitamos, principalmente, de vontade política dos governantese Sindicatos, dos administradores, da atenção dos juristas e dos aplicadoresdo direito, a fim de que nossa lei maior não seja transformada em letramorta, cartilha inútil.

Clamamos então por uma Defensoria Pública Federal e um Sindicatocom plena assistência judiciária e convenientemente estruturado. Comsuficiente número de defensores e advogados, atuando em tempo integral,de forma descomplicada e acessível a todos os cidadãos, para vivermosassim o tão almejado Estado Democrático de Direito, pleno de cidadania,dignidade, justiça e paz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso Prático de Processo do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1998.COSTA, Orlando Teixeira da. Jus Postulandi na Justiça do Trabalho. SãoPaulo: LTr, 1989.FILHO, Manoel Antonio Teixeira. Sistema dos Recursos Trabalhistas. 9.ed. São Paulo: LTr, 1997.PAIVA, Mario Antonio Lobato de. A Supremacia do Advogado Faceao Jus Postulandi. Trabalho em Revista, Curitiba: nº 201, p. 04, abril/1999.SILVA, Antonio Alvares da. O jus postulandi e o novo estatuto da advocacia.São Paulo: LTr 58-08/922, ago. 94.SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. SãoPaulo: Malheiros, 1994.VIVEIROS, Luciano. Direito do Trabalho. Conflitos, soluções eperspectivas. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1997.

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mudança de propriedade de um ente empregador, justificativas paraimputar ao sucessor, a responsabilidade por todas as obrigações trabalhistas,ignorando as peculiaridades de cada caso.

Existem diferentes hipóteses de sucessão de empresas onde, emcada uma delas, as obrigações trabalhistas fundadas em fatos ocorridosem época anterior a data do traspasse devem ter um tratamento próprio,em conformidade com as peculiaridades de cada negócio. Numas aresponsabilidade pode continuar sendo da empresa sucedida ou de seusproprietários; noutras, do sucessor ou de seus proprietários; ou, ainda, deambas as partes, solidária ou subsidiariamente.

Há algumas medidas preventivas a serem tomadas por quempretenda constituir-se empresário adquirindo empresa preexistente e, destaforma, se ver livre da imputação de sucessor de empregador, bem como daconseqüente e indesejada responsabilização pelas obrigações trabalhistas,ou, ainda, ter garantia de efetiva indenização por danos em ação regressivacontra empresa sucedida.

TERMINOLOGIA E CONCEITUAÇÃOQuando se fala em sucessão de empresas logo nos vem a mente a

sua conceituação no sentido dado pelo Direito Comercial. Entretanto,para o Direito do Trabalho, sua conceituação é diferenciada em algunsaspectos. As expressões mais usadas pelos profissionais do Direito, aofazer referência à sucessão de empresas, no âmbito obrigacional trabalhista,são, principalmente, sucessão trabalhista ou sucessão de empregadores.Conforme razões a seguir, conclui-se que a primeira delas é mais adequadaao tema.

Para o Direito Comercial, a empresa é, em síntese, todoempreendimento que explora determinada atividade econômica3,necessariamente com a finalidade de obter lucro. Compõe-se esseempreendimento de determinados elementos, tais como: mercadorias,máquinas, instalações, recursos humanos, o prédio, marcas, patentes, oponto comercial, as filiais etc. Estes elementos devem estar organizadosde tal forma que torne o empreendimento, um ente apto a desenvolver,

3 “A empresa (...) é entendida como a exploração econômica da produção ou da circulação debens ou serviços”(in: COELHO, Fábio Ulhoa, 1959. Manual de direito comercial. São Paulo:Saraiva, 1999. p. 8.

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expressões sucessão de empregadores e sucessão trabalhista, é esta última

que melhor se amolda ao tema.

Por tudo isso, tem-se que sucessão trabalhista é toda transação que

implique na troca dos proprietários do ente empregador, onde os novos

proprietários (pessoas físicas ou jurídicas) sucedem aos anteriores nos

direitos e obrigações que tinham sobre o ente empregador.

Não se pode olvidar que empresa se distingue de estabelecimento

e que tal distinção se faz necessária, vez que é contra a empresa que se deve

opor os direitos oriundos da relação de emprego. Sinteticamente, pode-se

dizer que estabelecimento é o elemento material (v.g. filiais) e empresa, o

elemento intelectual, ao qual o estabelecimento é subordinado

administrativamente. Há hipóteses de sucessão de empresas onde o

empreendimento sucedido é apenas um dos estabelecimentos de

determinada empresa ou grupo econômico que, não obstante, continua

existindo e pode continuar sendo responsável pelas obrigações trabalhistas

preexistentes ao traspasse.

A expressão obrigações trabalhistas de que se trata neste trabalho

compreende aquelas obrigações fundadas em fatos ocorridos em época

anterior à data do traspasse, ou seja, em fatos ocorridos enquanto o

trabalhador prestava seus serviços ao empregador sucedido.

O vocábulo proprietários é utilizado para referir-se aos sócios,

titulares ou responsáveis pelos empreendimentos empregadores em questão,

pois tem sentido amplo, abrangendo, por exemplo, os proprietários das

sociedades (os sócios), o proprietário da firma individual, sejam tais

empreendimentos de existência regular, irregular ou apenas fática, e, ainda,

referindo-se ao responsável pelo arrendamento (o arrendatário).

4 Nesse trabalho não se discutirá qual a natureza jurídica da empresa. Se é sujeito ou objeto dedireito, não importa. Para os objetivos deste trabalho basta ver a empresa como uma pessoaincapaz, que tem como curador seus proprietários que, embora sobre ela tenham plenos poderese dela recebam recompensa, devem zelar pela manutenção de sua existência e patrimônio, segundoseus estatutos e a lei, sob pena de responderem pessoalmente pelos prejuízos que causarem,quando extrapolarem tais limites.

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De acordo com PINTO6, os princípios peculiares do Direito doTrabalho têm como princípio primário o da proteção do hipossuficienteeconômico, do qual emergiram, primeiramente, o que estabelece a regrado in dubio pro operareo, o da aplicação da norma mais favorável e o daobservância da condição mais benéfica. Destes, por sua vez, derivaramtodos os outros.

Talvez por ser o princípio da proteção do hipossuficienteeconômico o precursor dos demais e, além disso, por estar reforçado peloseu descendente - princípio do in dúbio pro operareo - , ainda há emnosso Judiciário Trabalhista alguns julgadores protecionistas em excesso,a ponto de, na ânsia de tornar efetiva a prestação jurisdicional em prol dotrabalhador, ignorarem outros princípios tão importantes quanto este,proferindo decisões manifestamente tendenciosas e mal fundamentadas,onerando somente o sucessor nas obrigações trabalhistas. Com esse intuitorealmente acabam beneficiando um ou alguns trabalhadores, porém, poroutro lado, acabam gerando um mal maior, já que, de forma indireta, masimplacável, prejudica a coletividade. Isso ocorre porque decisõesexcessivamente protecionistas podem levar a quebra o ente empregador,além de inibirem o espírito empreendedor de possíveis empregadores, queimputam tudo isso no rol de riscos do negócio que pretendam e tenhampotencial para por em funcionamento.

É preciso que o Judiciário Trabalhista auto-analise sua ideologia,no sentido de decidir casos de sucessão trabalhista de forma mais imparcial,já que decisões tendenciosas sobre o este tema podem abalar ou até mesmolevar à falência a empresa condenada. O princípio da proteção dohipossuficiente econômico foi instituído num contexto social diverso docontemporâneo, onde a dureza do sistema realmente o exigia. Ditoprincípio se fez necessário quando,

Dos embates gerados pela Revolução Industrial nasceu a certezade que, nas relações de trabalho subordinado, a igualdade jurídicapreconizada pelo Direito Comum para os sujeitos das relações jurídicasse tornaria utópica em virtude da deformação que o poder econômico deum provocaria na manifestação da vontade do outro. Firmou-se, então opreceito fundamental que dá o traço mais vivo do Direito do Trabalho: é

6 Ibidem. p. 85.

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e riquezas à nação, bens estes que, em caso de conflito, não devem serdesconsiderados frente aos direitos individuais, já que beneficiam acoletividade.

OS EMPREGADORES BRASILEIROS E SUA HIPOSSUFICIÊNCIAECONÔMICA

Não seria exagero dizer que quase totalidade dos empregadoresbrasileiros é tão hipossuficiente economicamente quanto é a classeempregatícia. A economia brasileira não se sustenta em superpotênciasempresariais. Muito pelo contrário. É sustentada por empreendimentos8

de pequeno porte, cuja estabilidade financeira geralmente é muito precária,passível de ser abalada seriamente até mesmo por acertos de contas dedireitos trabalhistas.

Estes empreendimentos de pequeno porte de que ora se comenta,frise-se, sobrevivem se arrastando e têm viabilidade muito sensível, a pontode qualquer diminuição no seu patrimônio poder levá-losirremediavelmente à extinção. Muitos permanecem na informalidade, natentativa de fugir aos encargos tributários e outras obrigações (ISS, taxas,ICMS, IR, INSS, FGTS etc), como único modo de se manterem ativos.Entretanto, mesmo assim, deve ser reconhecida a importante contribuiçãoque dão à atual conjuntura econômica do nosso Brasil, onde o desempregoe o subemprego predominam. Só o fato de seus proprietários não seremum peso a mais na carga de desempregados, já é de grande valia. O atualestado de nossa economia requer seja incentivada toda e qualquer pessoaque tenha coragem de arriscar suas economias - geralmente escassas - numempreendimento produtivo. Requer, até mesmo, que se faça vista grossa atais casos de inadimplência, pelo menos nos casos onde uma condenaçãotenha, manifestamente, potencial para tornar economicamente inviáveisempreendimentos produtivos. Assim estar-se-ia tratando igualmente osdesiguais e, o conseqüente benefício que se traria a coletividade, justificariatal procedimento.

A obrigação de tentar resolver as desigualdades sociais é encargodo Estado, como um todo, e não dos empregadores somente.

8 Empreendimentos que, em grande parte, existem apenas de fato, ou seja, nem têm seus atosconstitutivos devidamente regularizados por falta de condições financeiras.

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Ora! Se credores de obrigações de natureza mercantil têm, nahipótese, poder para tornar sem efeito alienação de bens da empresa oupara buscar bens dos seus proprietários, também pode fazê-lo, e com maisrazão, os credores de obrigações trabalhistas. Deflui-se daí que, tanto aempresa sucessora como a sucedida, bem como seus respectivosproprietários, podem ser responsabilizados pelas obrigações trabalhistas,dependendo das circunstâncias de cada negócio, conforme será expostoadiante.

A RESPONSABILIZAÇÃO DA SUCESSORA COMO PARADIGMA. CRÍTICA.Essa parte minoritária de decisões parciais e tendenciosas de que

se fala, dá margem ao entendimento de que seus prolatores agem comoque automaticamente, seguindo um procedimento padronizado nasdecisões envolvendo sucessão trabalhista, sempre condenando o sucessor,sobre o fundamento de que há respaldo em regra contida na lei,especificamente nos artigos 2ª, 10 e 448, da CLT.

Reconhece-se, nos artigos 2º., 10 e 448, da CLT, a presença daprincipal fundamentação legal para resolver controvérsias sobre quem deveser responsabilizado pelas obrigações trabalhistas, em caso de sucessãotrabalhista. Entretanto, sua aplicação deve ser sempre precedida de umainterpretação feita com o uso de técnicas das mais abrangentes possíveis.O julgador deve confrontar tais dispositivos com outros dispositivos legaispertinentes e com os princípios gerais do direito, ou seja, deve dar-lhesuma interpretação que pondere sobre todas as circunstâncias afetas aocaso concreto e sobre as conseqüências dessa decisão. Na balança da justiçadeve ser colocado também o bem estar social, que deve estar acima dobem estar do particular.

Entretanto, os interesses da coletividade têm sucumbido diante deinteresses do particular. É o que acaba acontecendo quando há condenaçõestrabalhistas muito severas. Quando se tem em vista o bem estar socialacima de interesses de classes ou de particular, é bem melhor ter umempregador ruim do que um ex-empregador desempregado.

O posicionamento dos doutrinadores não tem sido muito diferentedaquele que se constata nos tribunais da Justiça do Trabalho, eis quetambém têm como regra a responsabilização do sucessor pelas obrigaçõestrabalhistas, excetuando apenas os casos de fraude ou simulação.

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situações possíveis, para fins de instruir a análise colocada adiante sobre aquestão de se saber como fica a responsabilização pelas obrigaçõestrabalhistas, a saber:

a) A empresa é completamente alienada, sem interromper suasatividades, apenas trocando de proprietários. Os empregados continuamtrabalhando sem nenhuma interrupção ou alteração no seu contrato detrabalho.

- O empregado tem contrato rescindido após o traspasse. Querajuizar ação pretendendo direitos constituídos tanto antes como depoisda alienação. Quem deve ser colocado no pólo passivo dessa ação?

- Há ex-empregados com contratos já rescindidos na data dotranspasse e com ações trabalhistas em andamento contra o sucedido, nasdiversas fases processuais (fases de: citação, conciliação, instrução, recursal,liquidação, execução-garantida ou não - etc). Estes ex-empregados podemrequerer seja incluído ou substituído o pólo passivo das ações o sucessor?

- Empregado rescinde indiretamente seu contrato de trabalho noato do traspasse por não concordar com a alienação. Ainda assim poderáexigir da sucessora eventuais direitos? É motivo para rescisão indireta?

b) A empresa paralisa suas atividades, demite todos os empregados,quita as verbas rescisórias e, em seguida, é alienada. O adquirente admitenovos funcionários (inclusive alguns dentre aqueles demitidos peloalienante) e reativa a empresa.

- Insatisfeitos com as verbas rescisórias pagas pelo sucedido, ex-funcionários do sucedido pretendem ajuizar ações para receber diferenças.Contra quem será cada ação? E se a alienação foi de apenas uma filial,poderá acionar a matriz ou outra filial? E se a alienação foi apenas umasimulação, a exemplo de uma mera mudança de nome da empresa? Fazdiferença se o ex-empregado foi admitido pelo sucessor?

c) A empresa é regularmente extinta, ou seja, pagou todos os seuscredores, rescindiu todos os contratos de trabalho, não deixou açõesjudiciais pendentes, efetuou a baixa da empresa perante a junta comercialetc. Aliena seus bens materiais (máquinas, prédio, veículos etc) a quemativa novo empreendimento, na mesma atividade econômica.

- Após essa alienação, alguns ex-empregados, insatisfeitos com asverbas rescisórias recebidas, ajuízam ação na justiça do trabalhopretendendo créditos trabalhistas fundados em fatos anteriores a extinção.

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dos seus proprietários, já que não tem capacidade de discernimento própria,deve ser imputada a estes a responsabilidade por atos contrários a lei e/ouao contrato de constituição da empresa, devendo responder com seusbens particulares às obrigações trabalhistas.

Há que se distinguir aqui duas hipóteses de alienação, já que asconseqüências no âmbito da responsabilidade por obrigações trabalhistaspara cada caso são distintas.

Uma delas é a que se dá quando o que se adquire são apenas bensde empresa já extinta, bens estes considerados como coisas individuais,desprovidas daquele vínculo que os unia lhes dando caráter deempreendimento produtivo. Neste caso não há falar em responsabilidadedo adquirente e sim, dos proprietários da empresa extinta.

A outra hipótese é a que se dá quando a alienação envolve todo oacervo da empresa, ou seja, aliena-se por completo o empreendimento.Nesse caso a empresa sucessora será sempre a principal responsável pelasobrigações trabalhistas.

Deve ser assim porque é o patrimônio da empresa empregadora,com seu potencial produtivo, que dá segurança ao trabalhador. Se esteuniverso de bens é transferido para outrem, não importa, será sempre oprincipal responsável.

Há que se considerar também que, embora o trabalhador sejainteressado na manutenção da empresa como ente produtivo, não tem opoder de interferir na decisão dos seus proprietários sobre aliená-la ouarrendá-la. Em tais situações o contrato de trabalho é tratado como maisum simples elemento que compõe o empreendimento produtivo. Em facedessa impotência do trabalhador diante de uma alienação doempreendimento empregador, a lei (artigos 2ª, 10 e 448, da CLT) interferedando-lhe tal proteção, consistente no direito de buscar satisfação de seuscréditos perante a empresa, independentemente de quem sejam seusproprietários.

DA RESPONSABILIDADE DOS PROPRIETÁRIOS DA SUCESSORAUma vez definida a responsabilidade da empresa sucessora, seus

proprietários sempre serão responsáveis, subsidiariamente, pelas obrigaçõestrabalhistas. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica bemfundamenta essa afirmação. A empresa é um ente precioso para a

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sucessora, na forma já explicitada nos itens anteriores (5.1 e 5.2). Nooutro caso - quando é rompida a relação de emprego antes do traspasse -a empresa sucedida permanece como principal responsável pelas obrigaçõestrabalhistas e, a empresa sucessora, responsável apenas em carátersubsidiário, tudo na forma explicitada no item 5.6, adiante.

Assim, nessa última hipótese, o trabalhador deve exigir ocumprimento das obrigações trabalhistas da empresa que alienou um deseus estabelecimentos (filial), em caráter principal e, em caráter subsidiário,da empresa sucessora. Portanto, ambas devem figurar no pólo passivo deeventual ação trabalhista.

O §2ª do artigo 2ª, da CLT, conjugado com os demais princípiosnorteadores do Direito do Trabalho, mostra, de forma irrefragável, aresponsabilidade solidária entre empreendimentos de um mesmo grupoeconômico, afinal, se após a alienação continua existindo alguma outrasimilar, é bastante razoável a presunção de que se tratava de grupoeconômico. Veja o teor do citado dispositivo:

§2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada umadelas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ouadministração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou dequalquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação deemprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma dassubordinadas.

DA RESPONSABILIDADE DOS PROPRIETÁRIOS DA SUCEDIDAAlém de ficar a sucessora como principal responsável pelas

obrigações trabalhistas, devem ficar também, sempre responsáveis, emcaráter subsidiário, os antigos proprietários da empresa alienada. Deve serassim porque, afinal, são eles que embolsam o produto dessa alienação.Produto este que se sub-roga na empresa sucedida - primitiva empregadora- para o efeito de responder pelas obrigações trabalhistas. É por isso mesmoque, quando a empresa sucessora e seus proprietários se tornam incapazesde solver as obrigações trabalhistas, ou a empresa sucedida não mais existe,deve a responsabilidade ser imputada aos antigos proprietários. Isso sejustifica porque, se por um lado o empregado não pode interferir nadecisão do proprietário da empresa empregadora sobre a alienação, poroutro lado, o proprietário que alienar o empreendimento não pode opô-la

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arrendatária e seus titulares equiparam-se a empresa sucessora e seusproprietários.

Impõe-se assim a responsabilidade solidária entre arrendatária earrendante, bem como aos seus proprietários em caráter subsidiário, comoresultado da aplicação do artigo 2ª, caput, e §2ª, da CLT, ante o fato deque a arrendante continua existindo, embora sua administração tenhasido assumida pela arrendatária.

ALGUMAS MEDIDAS PREVENTIVAS FACE OBRIGAÇÕES TRABALHISTASPREEXISTENTES.Como se conclui de todo o que já foi exposto, uma vez caracterizada

a sucessão trabalhista, não há mais nenhuma possibilidade de o sucessorse livrar da imputação da responsabilidade pelas obrigações trabalhistas.Então, o melhor remédio é a prevenção. É certo que, na prática, pode serdifícil tomar todas as providências necessárias a assegurar que, num negócioenvolvendo sucessão de empresas, não haja, no futuro, o dissabor de se terque responder por obrigações trabalhistas. Entretanto, com poucasprovidências, pode se evitar boa parte desses problemas.

O interessado em adquirir um empreendimento pode fazer oseguinte:

a) procurar saber da existência de ex-empregados e se estes foramregularmente satisfeitos quanto às obrigações trabalhistas;

b) verificar a existência de ações trabalhistas contra a futura empresasucedida, em todas as Varas do Trabalho onde haja possibilidade deajuizamento;

c) verificar se a empresa está quites com os depósitos de FGTS,com os repasses do IRPF sobre a folha de pagamento e com as contribuiçõesprevidenciárias (INSS);

d) verificar se os empregados estão com os contratos anotados naCTPS;

e) constatando a existência ou a possibilidade de existência deobrigações trabalhistas remanescentes da empresa sucedida, pode oadquirente exigir que o alienante lhe dê garantias idôneas, para o fim deassegurar ressarcimento de eventuais prejuízos, através de ação regressiva,caso necessário. Tal garantia deve ser mantida por, no mínimo, cincoanos – prazo decadencial dos principais direitos trabalhistas.

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(pessoa física ou jurídica) adquire o patrimônio de um empreendimentoextinto de forma regular, ou seja, que se extinguiu obedecendo todos ospreceitos legais pertinentes;

d) há uma típica sucessão trabalhista quando o que se adquire é oempreendimento, isto é, a empresa com todos os bens integrantes docomplexo produtivo. Neste caso, são imputáveis ao sucessor todas asobrigações trabalhistas, porém, sempre serão responsáveis subsidiariamente,a empresa sucedida - no caso de remanescer sua existência, a exemplo doque ocorre na alienação de filial - , ou seus proprietários - no caso deextinção total da empresa.

e) não há sucessão trabalhista se o que se aliena são alguns dosbens pertencentes ao complexo produtivo da empresa, desde queconsiderados bens em particular, isto é, que não seja aquele conjunto debens sistematicamente organizados de forma apta a tornar efetiva aatividade econômica objeto da empresa. Entretanto, comprovado que talalienação foi feita com fins de minar o patrimônio da empresa, causandosua insolvabilidade, credores podem tornar sem efeito tal tipo de alienação.Contudo, é de se notar que tal conseqüência não caracteriza no adquirentea qualificação de sucessor, já que sua responsabilidade se limita aos bensque adquiriu;

f) a ação trabalhista deve ser sempre proposta em face da empresasucessora e da sucedida ou em face da arrendatária e da arrendante, bemcomo contra seus proprietários ou responsáveis em caso de insolvabilidade,em caráter principal, solidário ou subsidiário, conforme cada caso.

g) é irrelevante se na data do transpasse a relação de emprego jáhavia sido rescindida, ou se já havia ou não ação trabalhista em andamento,o princípio orientador é o mesmo aplicado quando há continuidade darelação de emprego.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

CARRION, Valentin, 1931. Nova jurisprudência em Direito do Trabalho1999. 1ª.semestre. São Paulo: Saraiva, 1999.COELHO, Fábio Ulhoa, 1959. Manual de direito comercial. 11. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1999.

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na ordem de 45%. Em relação ao número de vagas, o censo demonstrouque o Estado apresentava um déficit de 834 vagas, significando asuperpopulação carcerária em 39,5% nas dezoito unidades penais doEstado. Apresentou o custeio por preso em janeiro/99 de R$ 860,00 comuma queda significativa de 62,17%, ou seja, R$ 325,52 para o mês demaio/2000. 3

Com relação a Dourados-MS, conduzi o trabalho de pesquisa decampo em Julho do ano passado especificamente na Penitenciária HarryAmorim Costa, onde estive por dois dias entrevistando o diretor, aadministradora, a assistente social, o agente responsável pelo setor de saúde,o agente de segurança e os oficiais de disciplina, bem como 19 internos.

Esse trabalho demonstrou que, apesar de erros no projeto em suaconstrução, como a falta de estrutura do prédio, onde havia vitrôs aoinvés de grades e onde a camada de concreto é como uma construçãocomum, a administração tem sabido superar todos os percalços encontradosnas instalações, readaptando-as às condições de segurança, como ao fazera retirada dos vitrôs e a construção dos alambrados entre os raios paramaior proteção.

Essa convivência foi importante para perceber que existe um trabalhosério, dedicado e humano por parte das pessoas investidas em sua funçãode resguardar a nossa sociedade.

A pesquisa realizada junto aos internos revelou que eles acreditamque esta unidade oferece boas condições, como pode ser verificado nosresultados obtidos, que o credenciam como um bom estabelecimentoprisional.

Na pesquisa individual percebeu-se a unanimidade em sugerir anecessidade de um psicólogo na unidade, papel esse hoje desenvolvidocom relativo sucesso pelos agentes, pela assistente social, pelo diretor epela administradora; bem como a necessidade de estagiários junto àassistência judiciária em função do grande número de processos,aparecendo a sugestão de parcerias com a penitenciária e as universidades,o que seria muito interessante.

Apesar de terem avaliado o sistema carcerário de forma positiva, agrande maioria, ou seja, 73,69% dos entrevistados acreditam que não há

3 Atividades do DSP. Disponível em: www. dsp.ms.gov.br. Acessado em 07 de julho de 2000.

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sua função fundamental: regenerar e ressocializar condenados.Sempre ouvi falar que o sistema penitenciário estava falindo, isso

fez despertar a minha curiosidade: Por quê? Eu me perguntava, já que elenão é uma empresa que simplesmente fecha as portas, deixando de atenderseus clientes.

Hoje, mais do que nunca, sabemos através da mídia que esse sistemajá havia falido há muito tempo, sobretudo pelo estado caótico em que seencontra: superpopulação, rebeliões, doenças, falta de higiene, atendimentomédico precário, entre tantas outras deficiências.

Não é questão unicamente brasileira, é preocupação mundial einteressa a todos nós. Vejamos a França, por exemplo, o país que sediouna cidade de Paris há 52 anos a Declaração dos Direitos Humanos. UmaCPI realizada classificou suas prisões de indignas pois nada se fazia há128 anos.4

Na prisão, as circunstâncias ensinam os homens como matar unsaos outros. O apenado, inferiorizado, adquire subcultura da prisão: umoutro mundo, uma outra realidade.

Drauzio Varela5, em seu livro “Estação Carandiru”, relata a suaexperiência num trabalho voluntário que realiza todas as segundas-feiras.Como médico, afirma que a chegada provoca melancolia e a triste realidadeé da aproximação com o inferno. São 7.200 presos em 7 pavilhões decinco andares. Lá, perdem sua identidade e muitas vezes a sua própriavida. Assim é aquela Casa de Detenção de São Paulo, um presídio velho esem nenhuma conservação.

O Coronel Roberto Allegretti (Chefe do Gabinete Geral do Comandoda Polícia Militar) informou que a média mensal de novos presos noEstado de São Paulo é de 1.000 pessoas. Isso significaria, em outras palavras,a construção de um, ou dois presídios por mês só no Estado de São Paulo.

A questão é séria e nos parece insolúvel. E a sociedade é a causa docrime, na medida em que cria suas condições propícias. O Estado, porsua vez, não cuida das causas, surgindo os justiceiros em decorrência defalhas no aparelho de segurança. Não se pode deixar de combater as causassociais que geram a criminalidade, motivo pelo qual destaca-se a

4 LAPOUGE, Gilles. Prisões Francesas são Indignas, Segundo CPI s Realizadas em Paris.Portal Estado. Jornal da Tarde. p. 1-13. <www.jt.com.br/editorial>. Acessado em 08 de julho de 2000.5 VARELLA, Drauzio. Estação Carandirú. SP: Companhia das Letras, 1999.

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privada e chegou à conclusão de que para mudar os hábitos damarginalidade é necessário mudar seus hábitos de vida. A reeducação étotal, segundo eles.

Os internos têm uma carga laborativa obrigatória a ser cumprida;tanto pode ser educação regular, como computação ou uma oficina:estudam e trabalham. A cada etapa galgada recebem diplomas primários,secundários e profissionais. Os horários são rígidos, para higiene pessoal,refeições, estudos, trabalhos, lazer, para se recolher e para os dias de folga.O trabalho é eminentemente para funcionamento e manutenção dainstituição.

São divididos pelo grau de periculosidade em galerias. É feitorevezamento, uns estudam pela manhã e trabalham à tarde e outros, ocontrário. Recebem assistência religiosa, médica, odontológica, apoiopsicológico e visitas. Com o bom comportamento eles conquistam regalias,como prolongar o horário para se recolher e redução de pena. Os que nãose adaptarem podem ser recolhidos à cela solitária por 30, 60 ou até 90dias.

Não se admite superlotação, cabendo ao preso também a fiscalizaçãodos serviços prisionais. O contrato nada mais é que uma concessão públicatrienal e, não havendo renovação, o Estado assume automaticamente aadministração.

Hoje o trabalho é livre, mas com a concepção de que deve ser umaobrigação dos presos, proporcionando o seu sustento. Ao Estado cabedar-lhes condições dignas para que possam então trabalhar e estudar.Indignidade e injustiça seriam submetê-los a nossos cárceres, onde hásevícias físicas e sexuais, onde em certos presídios, até 35% da populaçãocarcerária está infectada com o vírus da AIDS, uma forma indireta decondená-los à morte.

O preso precisa de um ambiente sadio para cumprimento de suapena, onde ele possa estar ocupado e preocupado apenas com o seucrescimento como pessoa, como ser humano, refletindo sobre o delitocometido e recuperando a sua auto-estima. Isso só se consegue através daeducação e do trabalho digno.

O que eu defendo não é o radicalismo da privatização, e sim aprivatização de presídios com a parceria do Estado, porque o poderjamais deverá sair das mãos do Estado. Já a administração sim, esta ficará

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hoje, não oferece condições plenas de educação e trabalho digno, comodeveria ocorrer.

Se ficarmos pensando nisso e naquilo e ficarmos nessa condição de“se”, ficaremos na eterna discussão e nenhuma solução viável seráencontrada. Também não podemos acreditar que a efetiva ressocializaçãoé mera utopia. Sabemos que se trata de algo de uma grande complexidade.Sabemos que o objetivo da pena é a ressocialização. O que temos de fazerentão é explorar o potencial de cada preso e lhe dar condições de fato paraque conquiste este objetivo.

Um dos pontos é: se o sistema não alcança esse objetivo — o daefetiva ressocialização — as conseqüências são alarmantes com aumentoda violência e da criminalidade. Mas será que não há solução? Precisamosreestruturar todo o sistema, não bastam projetos que ficam engavetados,fazem o maior sucesso na mídia, aos quais, porém, não se dá aplicabilidadenem continuidade.

Por isso a questão da ressocialização envolve a busca de soluçõespara torná-la verdadeiramente efetiva. É questão de preocupação e deresponsabilidade. Precisamos encontrar uma saída, uma solução rápida,de retorno a curto prazo e, por que não, imediato. Necessária se faz aconstrução de novos presídios para abrigar essa demanda carcerária. Issosó não resolve, mas ameniza, principalmente numa época em que a novaordem são os direitos humanos.

Penso que o Poder Público junto com a iniciativa privada podecriar uma estrutura que efetivamente alcance o fim almejado: o daressocialização. O preso precisa ser tratado como ser humano que é,respeitado e amado e, por isso, necessita da assistência da família, que é asua ligação com o meio exterior, abrindo as portas com o mundo livre eda sociedade, pois o condenado não pode perder o contato com ela, umavez que o seu retorno é inevitável. É preciso tratá-lo com respeito edignidade. O apenado inferiorizado adquire subcultura da prisão, umaoutra linguagem, um outro mundo, uma outra escola, uma outra realidade.

Educação e trabalho são os caminhos para ressocialização.Combatem o ócio, reduzem a pena, diminuem a violência, permitem quese adquira conhecimento e cultura, fato que humaniza o sistema, suavizao ser humano. Já dizia Goethe, pensador alemão, que a vida em ociosidadeé uma morte antecipada.

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Toda vez que alguém praticar uma conduta delituosa, tendo a pessoacapacidade para responder pelos seus atos, não estando amparada poruma das excludentes de ilicitude (art. 23, I a III, CP), responderá pelasconseqüências dos atos através de uma ação penal e uma sanção aplicadapelo Estado, se considerado culpado. Ao tempo que o condenado ficarprivado de algum direito, estará cumprindo uma pena, ou seja, o Estadoestará inflingindo-lhe uma resposta à sua conduta criminosa.

REFORMA DO CÓDIGO PENAL DE 1984A partir da vigência do Decreto-Lei nª 2.848, de 07 de dezembro de

1940 (Código Penal) até o advento da Lei nª 7.209/84 manteve-se em todoeste lapso temporal, a prevalência da pena de prisão como resposta àsinfrações cometidas e, ao mesmo tempo, assegurando a proteção àsociedade. Desse modo configurou-se que, todos e quaisquer tipos decrime, inclusive os mais simples, eram sempre apenados com a prisão3.

Com a edição da Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, manteve-se apena privativa de liberdade, ao tempo em que inovou trazendo as penasrestritivas de direito e a pena de multa substitutiva.

A partir dessa reforma, houve outras leis que se seguiram e, as quetrouxeram mudanças significativas foram as Leis nª 9.099/95 e nª 9.714/98, que se referem aos Juizados e Penas Alternativas respectivamente.

DEFINIÇÕES DE PENAS ALTERNATIVASAlguns conceitos sobre penas alternativas podem ser trazidos à

colação, como os que seguem:“Penas Alternativas são sanções de natureza criminal diversas daprisão, como a multa, a prestação de serviços à comunidade e asinterdições temporárias de direito, pertencendo ao gênero dasalternativas penais” 4.“São substitutivos penais (cuja pena mínima não exceda a um ano)processo e rito especialíssimo, para tipos penais a que a leidenominou de infrações penais de menor potencial ofensivo quepermitem às pessoas que cometem pequenos delitos” 5.

3 DOTTI, René Ariel., Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. 1998, p. 89 e 90.4 JESUS, Damásio E. de. Penas Alternativas. 1999. p. 30.5 LEMGRUBER, Julita. O que são Penas Alternativas?, Disponível em http://www.julita.lemgruber.nom.br/artigos.htm. Acessado em 15 jan. 2000.

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PRESSUPOSTOSO Tempo de aplicação da pena não pode ser superior a quatro anosQuando se diz que o tempo máximo de aplicação da pena não

pode ser superior a quatro anos, temos que considerar que é inclusive estelapso temporal para que se possa operar a substituição e que, a penacominada seja a pena final (pena concreta) e não aquela estabelecida nostipos penais (pena abstrata). Também, não importa se trata-se de crime dereclusão, detenção ou prisão simples, a única exigência legal é a de queseja pena privativa de liberdade 7.

O crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaçaSomente se enquadram nesse requisito aquelas condutas consideradas

como crimes, excluindo-se, dessa maneira, as contravenções penais, aindaque cometidas com violência física, v.g., vias de fato (art. 21 da LCP) 8.

A palavra violência empregada no Código Penal é em sentido estrito,ou seja, quando o legislador empregou o termo violência e em seguida otermo grave ameaça, quis se referir exclusivamente à violência física (viscorporalis)9. Enquadra-se também neste requisito a violência moral (viscompulsiva) e, por conseguinte, ficam excluídas as violências fictas(presumida)10 e a violência imprópria11.

Que não haja reincidência em crime dolosoA regra geral é a de que não se opera a reincidência12 em crime

doloso, portanto, não é toda e qualquer reincidência que criará obstáculoà substituição penal, ademais, podem ocorrer casos de reincidência criminale, mesmo assim, isso não impedirá a concessão da substituição.

Quanto aos efeitos da reincidência, há de se observar o texto legaldo art. 64, I, Código Penal, pois, aqueles só se verificam quando não seenquadrarem no citado artigo e inciso13.

7 GOMES, Luiz Flávio., op. cit., p. 109.8 Idem., op. cit., p. 91.9 JESUS, Damásio E. de., op. cit., p. 91.10 GOMES, Luiz Flávio., op. cit., p. 110.11 Violência Imprópria é aquela em que o agente emprega outro meio análogo de violência àpessoa ou grave ameaça, v.g., o uso de substâncias entorpecentes, álcool, embriaguez etc.12 Reincidência em sentido jurídico: Perpetrar, depois de condenado, novo crime ou contravenção,da mesma natureza ou não do anterior.13 O art. 64, I do Código Penal assim dispõe: “Para efeito de Reincidência: I – não prevalece acondenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posteriortiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova dasuspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.

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somando-se a esta, outra pena de multa (substitutiva). Desse modocoexistirão duas penas de multa impostas ao condenado, porém, denaturezas distintas.

A pena de multa poderá ser aplicada também em outras leis decaráter especial, v.g., lei de imprensa, economia popular etc., desde quenão haja disposição em contrário, conforme se extrai da interpretação doart. 12, Código Penal18.

Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas- -O primeiro requisito que se exige para a conversão da pena é que estatenha sido imposta com prazo superior a 6 (seis) meses, pois, entendeu olegislador que esse é o prazo mínimo para que se possa produzir o efeitoressocializador no condenado19.

A realização de serviços gratuitos à comunidade ou a entidadespúblicas, deve ser feita pelo próprio condenado, não sendo admissívelque terceiros os realizem, atendendo assim ao princípio constitucional daindividualização da pena.

O local da prestação de serviços poderá dar-se em conselhosmunicipais, asilos, hospitais, fundações e escolas entre outros e,fundamentalmente que disponham de programas comunitários ou estatais,porque se houver qualquer tipo de prestação de serviços em entidadesprivadas, ficará configurada a apropriação indevida de mão-de-obra20.

Limitação de fim de semana - Esse tipo de pena consiste narealidade uma privação temporária de liberdade, visto que o condenadoterá que se recolher em casa de albergado ou outro estabelecimento com amesma finalidade, devendo cumprir um total de 10 (dez) horas a cadafim de semana até que se complete o tempo total da condenação.

Durante o tempo em que estiver recolhido a estes locais, deverãoser-lhe ministrados cursos, palestras ou outras atividades educativas,conseqüentemente afastando-os do convívio com os presos encarceradosem presídios, que se traduzem sempre em relações funestas.

Proibição de exercício de cargo ou função - Pelo art. 327 doCP considera-se funcionário público, toda pessoa que exerce cargo, emprego

18 Art. 12, Código Penal “Legislação Especial – As regrais gerais deste Código aplicam-se aosfatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo contrário”.19 JESUS, Damásio E. de. op. cit., p. 154.20 GOMES, Luiz Flávio. op. cit., p. 141

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meio da prática delituosa.Para que possa ser aplicada uma pena alternativa é necessário que o

agente tenha sido condenado primeiramente pela pena de prisão passandoo Juiz a substituí-la pela restritiva de direito, diferente do que ocorre comos crimes relacionados no Código de Trânsito Brasileiro, especificamenteem relação ao art. 292, onde a pena imposta poderá ser aplicada comopenalidade principal, isolada ou cumulada com outras penalidades, querdizer que, não há a transitoriedade pela pena de prisão 25.

A partir da vigência do CTB, os crimes culposos de homicídio elesão corporal constantes nos artigos 302 e 303, respectivamente, do mesmodiploma já vêm com a suspensão aplicada cumulativamente no tipo,restando prejudicado parcialmente o inciso III do art. 47, do CódigoPenal. Isso resultou na incompatibilidade de sua aplicação; todavia, poder-se-á aplicá-la em casos de ocorrência de delitos com a utilização deciclomotores, haja vista a necessidade de autorização para conduzi-los(art. 141, do CTB).

Prestação pecuniária em favor da vítima - Nesse tipo de penasubstitutiva, o condenado estará obrigado a entregar determinada quantiaem dinheiro à vítima ou a seus dependentes denotando uma naturezareparatória e quando a entrega realizar-se a entidades públicas ou privadastraduzir-se-á em natureza beneficente.

Ao fixar o quantum, o Juiz deverá levar em consideração a situaçãopatrimonial do condenado, a extensão do dano sofrido pela vítima e suascondições. Saliente-se que, para essa fixação, independe a prova de qualquerdano material ou moral.

Pela limitação de valores entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta)salários mínimos, podem ocorrer casos em que a vítima não se sentindosatisfatoriamente reparada pelo dano sofrido, ingresse com ação dereparação civil, devendo, nesse caso, o valor pago na ação penal ser deduzidoem eventual condenação no âmbito cível.

Perda de bens e valores - Bem é tudo aquilo suscetível de apreciaçãopelo homem podendo exprimir-se em valor econômico, dividindo-se emduas classes, a de bens móveis (dotados de movimentos próprios ouinanimados) e a de bens imóveis (os que não podem ser removidos sem

25 GOMES, Luiz Flávio., op. cit., p. 148.

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onde se menciona no parágrafo: “prestação de outra natureza”, podendodar azo a interpretações extensivas e sem limites, não sendo compatívelcom o referido princípio28.

Importância do EstudoQual o motivo pelo qual uma pessoa comete uma violência contra

outra, atingindo sua integridade física ou seu patrimônio, será que adesigualdade social e econômica é importante fator a ser discutido? Porcerto que é um dos fatores relevantes que induzem à prática do crime,porém, não se deve deixar de mencionar outros fatores, v.g., como osbiológicos e psicológicos que podem dar ensejo a muitas práticascriminosas.

O aumento da criminalidade tem atingido praticamente todas asclasses da sociedade, independentemente de região geográfica onde sesituam as cidades, fazendo com que se retome com grande preocupação adiscussão sobre a questão da violência, onde se procura viabilizar asegurança das pessoas e resguardar seu patrimônio.

Diante do problema da criminalidade, qual a resposta que o Estadodeve dar a uma pessoa que cometeu um crime. Restringir sua liberdadecom a aplicação de uma pena severa ou uma pena branda? Em se tratandode caso de crime onde o bem jurídico ofendido for de menor grau deimportância, aplicar-se-á uma pena privativa de liberdade ou uma penarestritiva de direito? São algumas indagações que se podem fazer comoponto de partida para discutir a questão da criminalidade.

As penas alternativas traduzem-se também em uma resposta àconduta delituosa, porém, há que se problematizar a questão da violênciae procurar atacar as causas que a geram, ou seja, a desigualdade social,sistema capitalista concentrador de renda, globalização, impunidade etc.

Qual a importância de se discutir sobre a aplicação das penasalternativas, será que elas estão atingindo sua efetividade? Quais os efeitosbenéficos que elas podem trazer em relação ao condenado e à sociedade?Por certo, pode-se destacar alguns benefícios, quais sejam:

Diminuição do custo repressivo - O condenado, via de regra,não realiza nenhum tipo de trabalho, permanecendo a grande parte doseu tempo na ociosidade. Esta ausência de atividades pode ensejar,

28 JESUS, Damásio E. de. op. cit. , p. 147.

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os elementos perigosos, evidentemente não trará benefício algum, piorainda, a história, as experiências e os meios de comunicação têm-nosrevelado a face negra das prisões, como a ocorrência de crimes em seuinterior, uso de drogas, armas, rebeliões etc.

Interessante é evitar o contato dessas diferentes categorias, tendoem vista que o condenado que cumprirá pena em menor espaço de tempo,sofrerá todos os tipos de pressões e violências.

Considerações FinaisA prática de um delito pode-se originar de muitos fatores, endógenos

ou exógenos e, especificamente neste último tipo é que se apresentam emgrande parte as manifestações pessoais, contribuindo para que o agentepratique ou não uma conduta considerada como delituosa, dessarte, pelospadrões atuais de controle do Estado, toda pessoa que praticar uma condutaque não seja considerada como “padrão”, aceita pela sociedade e reguladapelas normas, será considerada como tendo um comportamento anormal,podendo ser-lhe aplicada uma sanção.

É necessário discutir sobre a violência que estamos vivendo, osmodelos alternativos criados pelo Estado, a forma com que a sociedaderecebe estas novidades e o grau de aceitação do ex-condenado pela sociedade.

Os meios de comunicação têm exercido grande influência natomada de posições frente ao problema da criminalidade, os tipos deprogramas televisivos, pelo modo em que são apresentados os fatos, sugeremao espectador que este se revolte contra a atitude do agente delituoso,levando o espectador a agir emocionalmente e não pela própria razão,vendo o criminoso, independente do crime que tenha praticado, comosujeito passivo de punição rigorosa, conseqüentemente, alguns tipos deprogramas induzem as pessoas a optarem por uma pena mais severa emrelação aquele delito, afastando desse modo, a possibilidade de aceitaçãoda aplicação de uma pena alternativa, quando esta for cabível.

No que diz respeito à aceitação do ex-condenado no seio da famíliaou mesmo na relação voltada ao trabalho, é elevado o grau de rejeição doagente, sendo que o principal fator é o descrédito em aceitar a possibilidadede sua reabilitação. Todavia, abre-se uma perspectiva de aceitação daquelapessoa dentro da família ou da sociedade, quando o crime é daqueles quecomportam aplicação de penas alternativas, denotando que há necessidadede se discutir com a sociedade sobre os benefícios que podem trazer aaplicação desse tipo de pena.

Não basta apenas aceitar e reconhecer a necessidade de aplicação

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- Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s) completo(s)do(s) autor(es) por extenso, sem abreviaturas. Com numeração, colocadologo após o nome completo do autor ou autores, remeter a uma nota derodapé, relativa às informações referentes às instituições a que pertence(m)e às qualificações, títulos, cargos ou outros atributos do(s) autor(es). OOrientador, co-orientador de Trabalhos de Graduação, Dissertações e Tesespassam a ser co-autores em textos originados destes trabalhos.

- Resumo. Com o máximo 250 palavras, o resumo deve apresentaro objeto estudado, seu objetivo, como foi feito (metodologia), apresentandoos resultados, conclusões ou reflexões sobre o tema, de modo que o leitorpossa avaliar o conteúdo do texto.

- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso o trabalhoseja escrito em Inglês, o Abstract deverá ser traduzido para o Português(Resumo).

- Palavras-chave (Key-words). Apresentar duas a cinco palavras-chave sobre o tema.

- Texto. Deve ser distribuído de acordo com as característicaspróprias de cada trabalho. De um modo geral, contém: Introdução;Desenvolvimento; Considerações finais; Referências Bibliográficas.

- Citações dentro do texto. As citações textuais longas (mais detrês linhas) devem constituir um parágrafo independente, apresentadasem bloco, com espaçamento simples entre linhas e em itálico. As mençõesa autores no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema numérico(nota de rodapé), com a primeira referência completa e as demais podemvir abreviadas (op. cit. p. ou Ibidem, p. ).

- Referências Bibliográficas. Elas devem ser apresentadas aofinal do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), comonos seguintes exemplos:

- para livros: SOBRENOME do autor seguido do Primeiro nome,título do livro. Lugar da edição: Editora, ano e número de páginas;

- para artigos publicados em coletâneas: SOBRENOME do autorseguido do Primeiro nome, título do artigo. In: SOBRENOME do autorseguido do Primeiro nome, título do livro. Lugar da edição: Editora, anoe número de páginas;

- para artigos publicados em revistas científicas/acadêmicas:SOBRENOME do autor seguido do Primeiro nome, título do artigo.

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apreciados na ocasião das edições seguintes.7. Os conteúdos e os pontos de vista expressos nos textos são deresponsabilidade de seus autores e não representam necessariamente asposições do Conselho Editorial da Revista Jurídica UNIGRAN.8. Originais. A Revista não devolverá os originais dos trabalhos e remeterá,gratuitamente, a seus autores, dez exemplares do número em que forempublicados.9. O Conselho Editorial se reserva o direito de introduzir alterações nosoriginais com o objetivo de manter a homogeneidade e a qualidade dapublicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião dos autores.10. Os autores receberão três exemplares da revista.11. Endereços. Deverá ser enviado o endereço completo de um dos autorespara correspondência. Os trabalhos deverão ser enviados para:

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