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TRIO REALITY: SÓ SE VÊ NA BAHIA + DENISE MAGNAVITA: FALA QUE ELA TE ESCUTA + PADRE SADOC: ANOS DE SACERDÓCIO + PICOLINO: ENTRE O PICADEIRO E A LONA, O SONHO É O LIMITE # REVISTA DA FACOM - UFBA. N.13. SALVADOR, 2012 ISSN 1852-1455

Revista Lupa #13

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13ª edição da revista laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA, produzida na disciplina Comunicação Jornalística - 2012.1 Docente: Malu Fontes

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Page 1: Revista Lupa #13

TRio RealiTY: SÓ Se VÊ na BaHia+ DENiSE mAgNAVitA: fAlA QUE

ElA tE EScUtA

+ PADRE SADOc: ANOS DE SAcERDÓciO

+ PicOliNO: ENtRE O PicADEiRO E A lONA, O SONHO É O limitE

#

ReViSTa Da FaCoM - uFBa. n.13. SalVaDoR, 2012iSSn 1852-1455

Page 2: Revista Lupa #13

sumário

EDITORIAL

CIRCO URBANO

PROVA DOS NOVE

eDitorialexPeDiente

mobiliDaDe em questãoas vantaGens e Desafios De ser um Dançarino Profissionalquem são os Donos Da terra?

família Picolinoum eDucaDor fora Das salas De aulasom que não DÁ Para abafar

#

Page 3: Revista Lupa #13

MEIO E MENSAGEM

PASSEPARTOUT

ILUSTRADO

realitY baiano? oxe!o criaDor Das criaturasa voZ que aconselha

conteÚDo De Graça“ se fosse o Povo que me Desse fé, ela estaria acabaDa”ele tem é arte

Paulo Duarte

Page 4: Revista Lupa #13

o exercício da escrita jornalística produzido entre professor e alu-nos, quando estes trilham literalmente seus primeiros passos na prática desse tipo de narrativa, é uma prática situada entre o desa-

fi o, o desbravamento na produção de sentido e os embates com as paixões ainda em estado bruto. Esta revista, a Lupa, em sua 13ª edição - a 1ª delas sob a responsabilidade editorial da professora que assina este texto – foi produzida por alunos dos 2º semestre do curso de Jornalismo da Faculda-de de Comunicação da UFBA, durante a disciplina Comunicação Jornalís-tica no semestre 2012.1. Tratando-se de textos produzidos para o gênero que se costuma chamar de jornalismo de revista, o exercício de produzi-los torna-se ainda mais desafi ador, pois se o jornalismo cotidiano ancora-se na meta da objetividade, o jornalismo de revista permite e tolera construções e nuances mais literárias e subjetivas. E isso, para alunos ainda não versa-dos em uma série de disciplinas que estão por vir na grade curricular, é um pulo no escuro dos textos... Assim, buscamos neste pulo o amparo de nos-sos leitores, a quem já agradecemos.

Malu Fonteseditora-chefe

A lupa é uma publicação da faculdade de comunicação (facom) da Universidade federal da Bahia (UfBA). iSSN 1982 2995. turma da disciplina comunicação Jornalística 2012.1. Número 13. Distribuição gratuita.

Reitora da UfBA:Profa. Dora Leal Rosa

Diretor da facom:Prof. Giovandro Ferreira

coordenação Editorial:Malu Fontes (DRT – BA 1.480)

Redação/Editores:Ítalo Richard Moura Benedito, Gustavo Mões Galvão Maciel, Mário Rafael Batista Pinho, Renata Ribeiro Farias Barbosa e Simone Albuquerque Melo.

Revisores: Ítalo Richard Moura Benedito, Renata Ribeiro Farias Barbosa e Simone Albuquerque Melo.

Edição de fotografi a: Gustavo Mões Galvão Maciel, Renata Ribeiro Farias Barbosa.

Projeto gráfi co: Amanda Lauton Carrilho, Gabriel Cayres.

ilustração da capa: Paulo Duarte.

Repórteres:Alice Mazur, Bruno Vasconcelos Rodrigues Pedra, Cátia Aragão de Lima, Célia da Cruz Santos, Cláudo Jansen Santos Soares, Cristian Reis Santos de Jesus, Émile Janaína Barros da Conceição, Émile Souza Cerqueira, Gabriel Silva Rodrigues, Gustavo Costa Baraúna, Gustavo Mões Galvão Maciel, Ítalo Richard Moura Benedito Pereira, Jéssima Lima Guedes Chagas, Jéssica Oliveira Lemos, Júlia Santana Moreira, Luciano Alves Reis, Lukas Basbosa Matt os, Marília de Matt os Cairo, Mário Rafael Batista Pinho, Nicole Elizabeth Walker, Rafael Lauria Raña Viana, Rafael Sacramento Grilo, Renata Ribeiro Farias Barbosa, Simone Albuquerque Melo, Susana Souza Rebouças, Tácio Souza dos Santos, Thalita da Silva Lima, Thiago Seixas Andrill Gonçalves Ribeiro.

impresso em: mais gráfi catiragem: 1000 exemplaresfaculdade de comunicação da UfBARua Barão de geremoabo, s/n, Ondinacampus Universitário de OndinaSalvador – Bahia – Brasil cEP 40170-115tel: (71) 3283-6174 3283-6177 fax: (71) 3283-6197

faculdade de comunicação da UfBA. Rua Barão de gemeroabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. cEP: 40170-115tel: (71) 3283-6174, 3283-6177fax: (71) [email protected] a.brlatitude: 13° 0´5.57´́ Slongitude: 38°30´36.42´́ O

editorial

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CIRCO URBANO • LUPA 5

a mobilidade urbana é hoje um dos maiores problemas na maioria das capitais brasileiras, incluindo Salvador. A ter-ceira maior cidade do país, com cerca de 707 km² de ex-

tensão, povoados por aproximadas 2,7 milhões de pessoas que pre-cisam se locomover entre os mais de 100 bairros cadastrados pela Prefeitura. Quem resolve esse problema enfrentado pela maioria delas são os mais de 2,5 mil ônibus e 7,2 mil táxis que circulam pela metrópole, as duas linhas de trens urbanos que cortam o subúrbio ferroviário, os quatro ascensores que ligam a Cidade Baixa à Cidade Alta, além dos estimados 5 mil mototaxistas que facilitam a integra-ção local na cidade. Somado aos carros particulares, essa frota se aproxima da marca de 800 mil veículos. Com as proximidades dos grandes eventos programados para Salvador, o quesito mobilidade nunca foi tão discutido na cidade.

ENTREVISTADenise Ribeiro

porGabriel Rodrigues, Luciano Alves

e Mário Pinhofoto

Yuri Rosat

mobilidadE Em quEstãoprofessora especialista em trÂnsito e transporte discute

soluçÕes para salvador

A professora Denise Ribeiro, Mestra em Engenharia Ambiental Urbana pela Uni-versidade Federal da Bahia, avalia quais seriam as soluções ideais para o trânsito e as dificuldades enfrentadas pelos usu-ários do transporte público. Denise foi Analista de Trânsito e Transporte da Su-perintendência de Transporte Público de Salvador (STP) e Coordenadora da Com-panhia de Transportes de Salvador. Hoje é professora do Departamento de Trans-portes da Escola Politécnica da UFBA.

ciRcO URBANO

Page 6: Revista Lupa #13

6 LUPA • CIRCO URBANO

Para Denise, a imPlantação De ciclovias é uma alternativa que facilitaria o fluxo De veículos em salvaDor

Em uma cidadE dE grandEs avEnidas

quE dEsEmbocam Em gargantas,

qual a solução para Evitar

congEstionamEntos gErados pElo

fluxo dE vEículos?

Salvador é uma cidade acidentada, que cresceu de forma desordenada, então sofre pela falta de planejamento estra-tégico, harmonizando o uso e ocupação do solo com o sistema de transporte. Ela não foi desenhada para o fluxo de veícu-los atual. Algumas soluções considera-das sustentáveis podem reduzir ou até eliminar os problemas de deslocamen-tos, além de melhorar a rede de trans-porte e a necessidade do uso de auto-móvel. Cito por exemplo: melhoria das calçadas, implantação de infraestrutura ou facilidades para bicicleta (ciclovia, ci-clofaixa ou rotas cicláveis), implantação de novos planos inclinados e elevadores e descentralização dos principais servi-ços públicos.

a construção dE ciclovias

solucionaria os problEmas dE

mobilidadE? sEriam nEcEssárias

políticas dE consciEntização da

população?

Salvador precisa de uma política integra-da de transporte e uso do solo, a bicicleta tem um papel fundamental por possibi-litar a diminuição do uso do automóvel. Deslocamentos de curta distância são al-tamente recomendáveis a pé (até 800 m) e de bicicleta (distâncias até 6 km). Vale ressaltar que estes dois modos devem ser integrados à rede principal de trans-porte através de estações com estacio-namentos apropriados. Paralelo a estas medidas, o governo deve realizar campa-nhas para desestimular o uso excessivo de transporte individual motorizado.

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CIRCO URBANO • LUPA 7

salvador sofrE com o Estado dE consErvação das ruas E

calçadas. dE quE forma a falta dE manutEnção das vias

influEncia no quEsito mobilidadE?

De forma muito impactante. Isso fica claro nos períodos de chuva, onde o revestimento asfáltico dos pavimentos é destruído, provo-cando transtornos aos motoristas e até acidentes. A fiscalização dos órgãos de engenharia de trânsito e ordenamento do solo da prefeitura também ajudaria a evitar que as calçadas fossem ocu-padas, impedindo o fluxo de pessoas. É preciso mais empenho da prefeitura em facilitar o caminho por onde a população transita.

salvador Está sEndo pEnsada prioritariamEntE para a copa

do mundo dE 2014. como EssEs invEstimEntos dE mobilidadE

podEm intEgrar as árEas quE não Estão no circuito da

copa, como cajazEiras E subúrbio fErroviário?

O projeto do metrô, que hoje só vai até o Acesso Norte, tem a se-gunda fase da linha 1 chegando até Pirajá e a linha 2 chegando a Ca-jazeiras. A Copa sem dúvida é uma grande oportunidade. Nunca se falou tanto em mobilidade como agora. Pelas previsões deste re-curso, o metrô chegará até Pirajá. Isto acontecendo, tanto Cajazei-ras como o Subúrbio Ferroviário podem se integrar a este sistema, utilizando o BRT ou o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Estudos já existem e apontam como ótima solução.

divErsos projEtos dE modais foram discutidos E avaliados,

EntrE ElEs o mEtrô, o brt E o vlt. quais dElEs sE Encaixariam

pErfEitamEntE nas nEcEssidadEs dE salvador?

Salvador é a terceira cidade mais populosa do Brasil. Não se pode desprezar nenhum modo de transporte. Todos são importantes e têm sua função no atendimento das necessidades de desloca-mento. Nas vias de grande fluxo de tráfego, a pesquisa de 1995 da Secretaria de Transporte do município já apontava a necessidade de um transporte de alta capacidade, seja o metrô de superfície ou elevado, como é o caso da Av. Bonocô. Isto é urgente e o metrô Lapa – Acesso Norte já deveria estar funcionando. O ônibus ou o sistema BRT atende com eficiência importantes áreas da cidade como, por exemplo, a orla marítima.

como a rEEstruturação dos

EquipamEntos dE transportEs públicos

complEmEntarEs já ExistEntEs na capital

baiana ajudaria nEstE momEnto?

Todos são importantes, inclusive os ascenso-res e o trem do subúrbio. Constata-se uma in-tegração física real do trem com o Plano Incli-nado Liberdade - Calçada. O Elevador Lacerda, quando para, causa grandes transtornos aos seus usuários. Mais uma vez compete ao Se-tor de Transporte do Município (Transalvador - STP) zelar e valorizar estes equipamentos essenciais para a cidade além de ser um car-tão postal para os turistas.

dE acordo com a sua opinião como

profEssora E pEsquisadora, como

podEmos imaginar a mobilidadE urbana

Em salvador Em um futuro próximo?

Salvador vem experimentando nessas últi-mas décadas um processo de mudanças sig-nificativas no padrão de mobilidade, com o surgimento de múltiplos centros, ocasionan-do maior dispersão das atividades cotidia-nas. A baixa qualidade do sistema de trans-porte, tendo o ônibus como única alternativa de transporte coletivo, aliada aos incentivos do governo em favor do transporte individu-al, tem provocado impactos negativos na vida das pessoas, através de perdas de tempo em congestionamentos, poluição e acidentes de trânsito. Os corredores estruturantes de Sal-vador, em especial a Av. Paralela e Av. Bonocô, já ultrapassaram sua capacidade de tráfego não só nos horários de pico como também em vários períodos do dia. Se os setores públicos de transporte não correrem para planejar e implantar uma rede integrada de transporte onde se considere todos os modos de deslo-camento, iremos experimentar uma imobili-dade urbana, como já acontece em São Paulo nos horários de maior movimento.

MUITO CARRO PARA

POUCA RUA:

2,5 mil ônibus e 7,2 mil táxis so-mados aos veículos particulares resultam numa frota de quase 800 mil carros nas ruas de Salvador

nunca sE falou tanto Em mobilidadE como agora

Page 8: Revista Lupa #13

8 LUPA • CIRCO URBANO

as vantaGens e Desafios De

ser um

porCláudio Jansen e Jéssica ChagasfotosLucas Seixas

ciRcO URBANO

leda muhana fala sobre a nova escola de dança da ufBa e a realidade do cenário baiano

e Desafios De

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CIRCO URBANO • LUPA 9

D esde que terminou o colegial, Leda Muhana sempre este-ve certa de que queria fazer dança. Era da arte que queria sobreviver. Para sua sorte, a Bahia tinha o curso de dan-

ça, o único do Brasil, na época. Formada em Licenciatura em Dan-ça pela Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atualmente diretora, professora, coreógrafa e produtora artísti-ca da Escola, Leda trabalha na instituição há 32 anos, desde 1980. Nesta entrevista ela fala abertamente sobre as mudanças que a Escola sofreu e sobre os fatos que têm marcado a rotina da mes-ma nos últimos tempos, enquanto aponta suas esperanças, os projetos acadêmicos e aspirações para o futuro da dança na Bahia.

o quE mudou no curso dE dança

da ufba?

Nós temos um currículo que mudou ofi-cialmente em 2006, só que, antes disso, fizemos um projeto piloto. Então, desde 2001, estamos investindo nesse novo jei-to de formar o aluno de Dança. Tínhamos disciplinas de Licenciatura como Técnica da Dança, Improvisação, Coreografia, aí nós mudamos para uma perspectiva mais interdisciplinar, para o Sistema Modular. Por exemplo, as matérias mais práticas de corpo se reuniram em um módulo cha-mado Estudos do Corpo. As de Criação, Improvisação, Coreografia, Composi-ções Solísticas, Estudo da Forma, Estu-do do Espaço, se reuniram em um módulo chamado Estudos de Processos Criati-vos. E as mais teóricas, que seriam Histó-ria da Dança, Filosofia da Dança, se reu-niram em um módulo chamado Estudos Críticos-Analíticos. É uma proposta que é centralizada em competências cidadãs, profissionais, criativas, propositivas.

Essa mudança no curso intErfEriu

no pErfil dos alunos da Escola dE

dança da ufba?

Na verdade, houve uma grande mudança que agora conseguimos ver no perfil des-

se formando, inclusive, já consegui ver no primeiro ano do projeto piloto a diferen-ça entre os alunos que tinham acabado de entrar e os que estavam se formando, que eles eram muito mais ativos. Eu sin-to que são pessoas muito mais propositi-vas, até mesmo para achar novas formas de atuação no mercado. A gente tem mui-to mais possibilidades de interfaces ago-ra do que tinha antes.

salvador é uma cidadE ondE a dança

é uma partE muito fortE da cultura,

E a cultura é um fortE mErcado dE

trabalho. EstE mErcado cultural

Está abErto para os profissionais dE

dança ou é algo rEstrito?

Muito restrito. Em termos de turismo, completamente restrito. Como a gen-te não trabalha em uma perspectiva de desenvolver um gênero, então cada alu-no tem a sua liberdade para trabalhar no ramo que ele quiser. A gente percebe, por exemplo, que muitos alunos são de gru-pos de Forró, grupos de Axé, eles já atu-am no mercado, no Carnaval e São João. Eu vejo que, às vezes, alunos saem para trabalhar em hotéis, em shows no Brasil. Mas não é um mercado que absorve os alunos daqui.

muitas pEssoas mantêm a dança

como um hobby por acrEditar sEr

difícil pErmanEcEr na profissão,

por razõEs Econômicas. a sEnhora

acrEdita quE EssE pEnsamEnto

vEm mudando ou os alunos da

graduação ainda ExprEssam EssE

tEmor? chEgam a abandonar ou

trancar o curso por EssE motivo?

Reduziu bastante, porque, quando eu era estudante da Escola de Dança, for-mavam-se cinco, sete... Agora se for-mam 30, 40. Qualquer um que diz “vou fazer vestibular para Dança” sofre pres-são. Não precisa ser do pai e da mãe, é do colega da escola. No entanto, é o que eu falo sempre para os alunos: quando você gosta, se dedica, estuda, não há como dar errado. Agora, ser medíocre, em arte, não vale a pena. Não ligar, fazer por hobby, não adianta porque não vai a lugar nenhum. O mercado é limitado. A gente está construindo pessoas que têm possibilidade de abrir novos caminhos. Estamos investindo nesses profissio-nais, mas tem que trabalhar e trabalhar

sEr mEdíocrE, Em artE, não valE a pEna. não ligar, fazEr por hobby, não adianta porquE não vai a lugar nEnhum. o mErcado é limitado

Page 10: Revista Lupa #13

10 LUPA • CIRCO URBANO

duro. Quem pensa que fazer dança é fá-cil, está equivocado. Trabalhando, inves-tindo, dedicando-se, você ganha sucesso e poderá, certamente, sobreviver disso.

qual o incEntivo dado pElos órgãos

públicos baianos para quE a dança

sE dEsEnvolva E sE sustEntE Em

salvador?

A gente tem a Fundação Cultural do Es-tado que, com seus editais, apoiam mui-to o trabalho de Dança, tanto montagem, como circulação, como manutenção de grupos. Eu acho que o problema é que ainda é uma política pontual. Faltam mais ações continuadas. Os artistas da dança ficam a mercê de um edital que sai uma vez ao ano e que vai dar apoio para um projeto específico ou, se for o caso, de manutenção de grupo. Mas são ações pontuais, ações cujos financiamentos demoram muito de sair. Então, com re-lação às políticas culturais, acho que são políticas editais ‘fast-food’, que é para você conseguir ali, naquele momento.

Acho que faltam ações mais continuadas que, de fato, entendam que a situação do artista é complicada e, ao mesmo tempo, importantíssima para a Bahia.

qual o impacto do rEuni na Escola

dE dança?

O Reuni possibilitou a construção do nos-so novo prédio, que agora está com as obras completamente paradas. O pro-grama possibilitou a abertura do curso noturno, que era algo que incomodava, porque era subutilizado, instalações su-butilizadas, e, ao mesmo tempo, tinha uma demanda. Contudo, esse processo está moroso de uma urgência. Nossa obra está 70% pronta, parada, em um proces-so de sindicância. Assim, ao mesmo tem-po em que você tem um Reuni com toda nobreza de sua proposta, você encontra obstáculos nos próprios mecanismos de execução, de operacionalidades que difi-cultam a conclusão acontecer.

a Estrutura da Escola dE dança Está

À esquerDa, a Professora leDa muhana. acima, estuDantes reuniDos na escola De Dança

sofrEndo modificaçõEs. quais sErão

Essas modificaçõEs, o quE havErá dE

novo? como Essas mudanças vão sE

rEflEtir na formação dos alunos?

Se tivermos mais cinco estúdios gran-des, um teatro, vamos poder contemplar muito mais a demanda, que agora já se mostra grande. O que vamos voltar a ter é um programa preparatório para crian-ças e adolescentes. Isso faz um diferen-cial enorme. A gente não tem nada na ci-dade que possa oferecer o que pode ser oferecido aqui. Como também pode ser um módulo de estudo para muitos alu-nos que se graduam tendo como alvo a formação de crianças e adolescentes em dança. Vamos ter gabinetes para os pro-fessores, que, hoje, não têm onde orien-tar. Os grupos de pesquisa terão sedes, locais onde possam funcionar. Vai ser um diferencial grande na rotina do aluno, professor, servidor, além de se tornar um portão muito maior para a comunida-de, em termos de oferta de dança.

Page 11: Revista Lupa #13

CIRCO URBANO • LUPA 11

ciRcO URBANO

quEm são os donos da tErra?

porSusana Rebouças e Jéssica Lemos

fotosJéssica Lemos

h á quatro anos, a Marinha do Brasil disputa com a comuni-dade quilombola Rio dos Macacos uma área em Aratu, nas proximidades do bairro de Periperi, em Salvador, onde hoje

se encontram a comunidade e a Vila Naval. Segundo os moradores, o quilombo está no local há mais de 200 anos, como lembra dona Albertina Araújo, 56: “Essa terra é do tempo dos meus avós. Meu pai, Severiano dos Santos, já falecido, nasceu aqui em 1910 e teve 22 fi lhos. O pai dele era José Custodio Rebeca, também nasceu aqui.”.

A área ocupada pertencia ofi cialmente a Coriolano Bahia, fazen-deiro que se apresentava como proprietário da “Fazenda Macacos”. Os moradores da comunidade afi rmam que seus pais trabalharam nessa fazenda e exerciam a prática da agricultura e da pecuária, ex-traindo dali a sua subsistência. Esse povo também herdou elemen-tos artísticos e culturais, como técnicas de artesanato, culinária,

marinHa do Brasil e quilomBolas disputam área em aratu

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12 LUPA • CIRCO URBANO

e ofícios como o de parteira e rezadeira, sem contar com as mani-festações como o samba de roda e o bumba meu boi. No entanto, o Senhor Coriolano contraiu dívidas tributárias, o que levou a Prefei-tura de Salvador a expropriar parte do terreno, doando a Fazenda Macacos para a Marinha do Brasil, em 1954. Em dezembro de 2008, surgiu a necessidade de ampliação do Comando do 2°Distrito Na-val, visando instaurar uma área de adestramento do Grupamento de Fuzileiros Navais de Salvador (GptFNSa).

Há algum tempo, segundo os moradores, a comunidade passou a conviver com uma série de restrições impostas pela Marinha, atra-vés de práticas abusivas cometidas pelos militares que proibiram os moradores de construir novas ou de reformar as antigas casas e manter os roçados próprios para subsistência. Além disso, ameaças de morte, tentativas de homicídio e sequestro de animais de esti-mação já ocorreram no local, como contou o senhor Orlando Olivei-ra, 60, ex-pedreiro, morador do quilombo. Tudo isso, a fim de invia-bilizar a continuidade do modo tradicional de vida da comunidade. No entanto, a Marinha confirma que não foi constatada a preexis-tência dos ocupantes irregulares no terreno em questão, contando na documentação atinente ao tombo que a área encontrava-se livre e desimpedida, na época da aquisição do terreno, mas, que embora nunca tenha reconhecido o direito de ocupação daquelas famílias, o tratamento dispensado sempre foi respeitoso e humano.

No conflito estabelecido entre a Marinha e o quilombo, a comu-nidade tem dificuldade de defesa, sendo representada judicial-mente pelo Serviço de Ação Jurídica da Universidade Federal da Bahia (SAJU/UFBA) e pela Defensoria Pública, que apesar das di-ficuldades conseguiram adiantamento no processo de certificação da Fundação Cultural Palmares.

o dEsmanchE dE um patrimônio

Após as várias ameaças de desocupação, a população quilombola vive sob um clima de tensão, pois a qualquer momento eles podem ser desapropriados. Poucas famílias estão se mantendo na região, insistindo em ficar na terra que nasceram.

Os antigos agricultores e pescadores, hoje impedidos das prá-ticas, vivem de doações. Nos lugares onde existiam plantações, agora só se encontram um terreno vazio e uma casa de farinha abandonada. Apenas um artesão ainda reside na comunidade, e o artesanato é a única renda de Iracildo Barbosa, de 62 anos.

Uma das poucas coisas que restaram na região é a produção de dendê feita por senhor Josuel Cardoso, 56, e sua esposa, que não residem mais no quilombo, mas ainda produzem no local. Tanto o dendê quanto os artesanatos são vendidos na Feira de Periperi.

No dia 08 de julho, o elenco do grupo Bando de Teatro Olodum, que faria uma leitura dramática de um dos seus espetáculos às 10h na comunidade foi impedido de entrar no local pela MB, mesmo com a tentativa de negociação do diretor do grupo, o ex-secretá-rio cultural da Bahia, Márcio Meirelles. Eles ficaram barrados na porta da Base Naval cerca de três horas na tentativa da liberação.

Por volta das 11:30, o diretor foi informado de que a entrada não seria liberada, mas que, no dia 10 de julho, ele e a MB voltariam a conver-sar, agora com um pedido formal, para a possí-vel realização das apresentações no local.

o procEsso

A partir do momento em que a comunidade se intitulou quilombo e conseguiu o certifica-do como autodefinido pela Fundação Cultural Palmares, segundo membros do SAJU, tem o direito de que o Instituto Nacional de Coloni-zação e Reforma Agrária (INCRA) demarque as terras que ocupam, como consta no Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias da Constituição Federal 1988 (CF/88) e o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que tratam da regulamentação do pro-cedimento para identificação, reconhecimen-to, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilom-bos. No entanto, o INCRA ainda não demarcou as terras, segundo os moradores, porque a Segurança da Vila Naval não permite a entra-da do instituto. A Fundação Cultural Palmares afirma que só poderá entrar no processo judi-cial depois que a comunidade tiver o Relató-rio de Demarcação de Terra (RDT). No entan-to, o juiz do caso, Evandro Reimão Reis, da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, não aceita o certificado como legítimo.

Essa tErra é do tEmpo dos mEus avós. mEu pai, sEvEriano dos santos, já falEcido, nascEu aqui Em 1910 E tEvE 22 filhossAlbeRTInA ARAújO

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PROVA DOS NOVE • LUPA 13

familia picolino

Há 26 anos, projeto social com arte circense transforma a vida

de criançaspor

Simone Melo e Ítalo Richard

fotosJulien Karl

a s crianças sonham em fazer coisas incríveis, ter super-poderes, voar e impressionar seus próprios sentidos; e é na magia do circo que elas podem experimentar essa sen-sação. O mágico, o equilibrista, o contorcionista, o malabarista, o acrobata, cada um

parece, aos olhos infantis, um herói dotado de uma habilidade especial. Para Binho, menino em situação de rua aos 10 anos de idade, não era diferente. Quando lhe perguntaram qual era o seu sonho, ele respondeu de prontidão: “meu sonho é conhecer um circo de verdade”. Através da parceria com o Projeto Axé, Binho chegou à Escola de Artes do Circo Picolino. Hoje, aos 32 anos, integrante do projeto de arte-educação há mais de 20, Edi Carlos Santos de Souza, vulgo Binho, revela emocionado: “é do circo que eu tiro tudo”.

PROVA DOS NOVE

Page 14: Revista Lupa #13

14 LUPA • PROVA DOS NOVE

A Escola de Artes do Circo Picolino foi fun-dada em 1985 já com o intuito de fazer arte--circo-educação, mas naquela epóca esses conceitos ainda não eram muito claros, como explica Anselmo Serrat, criador da iniciativa ao lado de Verônica Tamaoki. A partir de 1990, os projetos sociais passaram a ser mais siste-matizados na instituição. Por meio de parce-rias, que variaram bastante nesses quase 30 anos, mais de 2000 meninos e meninas em es-tado de vulnerabilidade social tiveram a chan-ce de aquecer os corpos e corações com arte, técnica, força e determinação. Hoje partici-pam do projeto 80 crianças entre 7 e 17 anos; 70 mantidas pela ONG Conexão Vida e mais 10 bolsistas apadrinhadas pela Picolino. A escola também tem o apoio financeiro da ABC Trust, ONG mantida pelo guitarrista Jimmy Page da banda Led Zeppelin.

Além das dificuldades financeiras, Ansel-mo conta que um dos maiores desafios, no início, foi convencer a sociedade a aceitar a mistura de meninos e meninas em situação de rua com as crianças que já faziam parte da escola particular de circo. Prática que é hoje, na sua opinião, comprovadamente acertada e adotada por outras instituições.

prática dE trocas

Nos treinos semanais, Binho e mais cinco instrutores se dividem para dar conta da turma. Alongamento e brincadeiras fazem parte da primeira sessão de todas as aulas. No segundo período, todos praticam acrobacias e podem escolher mais duas técnicas dentre malabarismo, monociclo, arame, trapézio, contorção e corda in-diana. Quem está começando passeia por todas as modalidades até descobrir as que mais se identifica. No início do segundo se-mestre, os alunos começam a montar seus números para o Viva o Circo!, espetáculo de fim de ano em que estão envolvidos em todo processo de criação. Além dos números, decidem e pesquisam figurino e cenário.

Pâmela Peixoto, 12, treina contorção e arame. Ela participa do projeto há dois anos. “O circo representa várias coisas boas para mim e para todo mundo. Aqui eu fico alegre, esquento o meu corpo e fico mais forte”, afirma. Simone Requião, coordenadora pedagógica da Picolino, conta que Pâmela tinha algumas dificuldades de relacio-namento e discutia sempre com os professores. Ela destaca que a

crianças Da Picolino treinam malabarismo e

acrobacia

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PROVA DOS NOVE • LUPA 15

prática no circo rendeu bons resultados. “Pâmela faz contorção, por isso depende necessariamente de outras pessoas para reali-zar alguns movimentos. Nessa troca você percebe que não dá para ser só sua vontade, existe algo maior. Ninguém faz um espetáculo sozinho”.

frEquência compromEtida

O transporte é o principal obstáculo para a assiduidade das crianças. A maioria mora longe, nos bairros de Sussuarana, Es-cada, Vasco da Gama, Águas Claras e Vale dos Rios, e, às vezes, falta dinheiro para o ônibus ou algum responsável disponível para levá-los. Muitas estão matriculadas, mas não têm meios de frequentar as aulas. Os pais fazem o esforço que podem, revezam-se, adaptam seus horários, pois acreditam no valor dessa iniciativa e sabem o quanto isso é importante para os seus filhos. Quem mora próximo vai a pé com os colegas, caso de Pâmela, que mora em Bananal, perto de Pituaçu.

sucEsso no picadEiro E na vida

As histórias de quem já suou muito embaixo da lona são um estí-mulo para as crianças de hoje superarem as dificuldades. Binho, Bimbinho, Antônio Marcos, Jailton, entre tantos que cresceram dentro da Picolino são exemplos para as novas gerações que che-gam ao projeto.

Fábio Francisco Bonfim, Bimbinho, artista e professor de cir-co, trabalhou nas ruas até os 16 anos, vendendo picolé, amendoim, jornal, “de tudo um pouco”. Bimbinho também conheceu a Picolino através do Projeto Axé. No final de 1995, ele foi convidado pelo diretor do projeto, Cesare La Rocca, a fazer sua primeira viagem internacional para Itália, para representar o circo junto com Binho. A partir dai, o gosto pela arte circense passa a imperar na sua vida; “Se eu pudesse naquele momento, eu fazia um quartinho e ficava morando na Picolino”, recorda. Hoje, formado em Educação Física, ele leva os conhecimentos da área para o picadeiro. “A Picolino é uma instituição que promove muita mudança na vida de qualquer ser humano, não foi diferente na minha. O circo foi algo grandioso. De fato me transformou”.

Antônio Marcos dos Santos, morador de Saramandaia, entrou para a Picolino em 1991. Depois de muitos anos de trapézio, perce-beu que aquilo que mudou sua vida poderia transformar a sua co-munidade. Marcão, como é chamado, fundou com mais dois ami-gos O Grupo Cultural Arte Consciente que desenvolve projetos sociais com jovens de Saramandaia, através das artes circenses, percussão e boxe. Sobre a Picolino, ele declara: “É uma experiên-cia muito boa, a gente entra como aluno e depois vira professor, transformador de cidadãos através da arte”.

Entre os jovens, a principal “celebridade” é, sem dúvidas, Jailton Carneiro, 36. Quando aos 12 anos, entrou para a Picolino, o menino pobre da Boca do Rio nem sonhava em fazer parte da maior compa-nhia de circo do mundo, o Cirque du Soleil (CDS). “Lembro quando eu entrei pela primeira vez na sede do CDS. Foi muito emocionante,

inexplicável. Passou um filme na minha cabeça, desde meu começo na Escola Picolino”. Jailton participou da turnê do espetáculo “Quidam” e, quando se apresentou em Salvador em 2009, organizou oficinas do Cirque na Picolino. Atual-mente, mora na Suécia e sonha em fundar sua própria escola de circo para passar adiante sua experiência e seu amor pela arte. “Embaixo da lona da Picolino, não existia desigualdade social ou racial. Eu sempre me sentia como um filho. Lá eu aprendi que, tendo paixão pelo que se faz, o céu será sempre o limite”, diz.

Todas essas histórias de realização profis-sional e pessoal são muito gratificantes para Anselmo, que diz ficar muito contente ao ver que os instrutores formados na sua escola acharam um caminho na vida a partir do encon-tro com o projeto social. Porém, ele lamenta o triste fato dessa oportunidade só atingir uma parcela pequena da população. “Não consigo ficar feliz ao ver a quantidade de crianças com o futuro comprometido que não tiveram essa chance e nunca vão ter”.

esCOlA PICOlInO de

ARTes dO CIRCO

Av. Octávio Mangabeira, s/nº, Pituaçu

Salvador-Bahia-BrasilTelefone: (71) 3363-4069

Embaixo da lona da picolino, não Existia dEsigualdadE social ou racial. Eu sEmprE mE sEntia como um filhojAIlTOn

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16 LUPA • PROVA DOS NOVE

n ascido em 1974, no Subúrbio Ferroviá-rio de Salvador, José Eduardo Ferreira Santos, 38 anos, pedagogo (Universi-

dade Católica de Salvador), mestre em psico-logia (Universidade Federal da Bahia), doutor em saúde pública (Instituto de Saúde Coletiva – UFBA) e pós-doutorando em cultura contem-porânea (Programa Avançado de Cultura Con-temporânea – UFRJ), é uma inspiração para a população da periferia. Apesar de não lecionar em universidades, sua trajetória como educa-dor é longa. Começou aos 13 anos dando reforço escolar, cursou magistério e depois pedagogia. Trabalhou em projetos sociais ensinando ado-lescentes, jovens e adultos, foi também coorde-nador de um centro educativo.

A sua carreira como pesquisador teve início em 2002, quando co-meçou a cursar mestrado em psicologia. Buscou essa área de es-tudos porque queria entender as travessias dos jovens no mundo do tráfico de drogas. O professor e mentor, Gey Espinheira suge-riu que José Eduardo mostrasse o lado da beleza do subúrbio, o lado que ninguém vê. Então, junto ao fotógrafo italiano Marco Ilu-minatti, ele iniciou a pesquisa A Arte Invisível dos Trabalhadores da Beleza da Periferia de Salvador. Essa pesquisa deu origem ao Acervo da Laje, uma grande coleção de obras de artistas desco-nhecidos, livros raros, filmes, jornais antigos e objetos que aju-dam a contar a história do subúrbio de Salvador. Em meio a toda essa cultura e história, o professor José Eduardo recebeu a Lupa para esta entrevista.

PROVA DOS NOVE

porEmile Conceição

e Émille Cerqueira

fotosLara Maiato

Um EDUcADOR

fORA DAS SAlAS DE

AUlAO pesquisador José Eduardo fala sobre

a importância da preservação do

Acervo da Laje

Page 17: Revista Lupa #13

PROVA DOS NOVE • LUPA 17

o sEnhor EscrEvEu no tExto

artistas invisívEis da pErifEria dE

salvador quE além dE pEsquisador

sE tornou um Educador quE Educa

fora das salas dE aula. o quE quis

dizEr com isso?

Eu sou pesquisador, mas não sou profes-sor universitário, no sentido strictu. Edu-cação não é somente a relação na sala de aula, é como você comunica aquilo que aprendeu, aquilo que está vivendo e isso faz as outras pessoas aprenderem.

Em sua opinião, o quE os artistas

do subúrbio têm dE difErEntE dos

dEmais?

A primeira coisa é a capacidade de re-constituir a nossa memória ancestral. Otávio Bahia morava em Fazenda Cou-tos e fazia imagens de negros e negras, refez uma identidade que ainda está presente em nós, mas que podemos per-der. O mesmo é feito hoje por Ray Bahia, que mora em Periperi. A segunda coisa é o pertencimento. Perinho Santana fez um livro “A Céu Aberto” em Plataforma. Ele contou toda a história de Plataforma escrevendo poemas nos muros. Isso é peculiar. E terceiro, os artistas do subúr-bio dão a oportunidade de conviver com eles, de aprender com eles.

quantas obras o acErvo rEúnE?

Atualmente, o Acervo conta com 200 obras artísticas (quadros, esculturas, azulejos, máscaras de madeira e alumí-nio), 1.500 CDs, 300 DVDs, 300 livros au-tografados, 81 livros raros, 5.000 livros, além de milhares de fotografias, nega-tivos, DVDS, fitas cassete, recortes de jornais e revistas sobre o Subúrbio Fer-roviário, que estão na hemeroteca. Além disso, dispomos também da bibliografia de referência sobre o Subúrbio Ferroviá-rio de Salvador, constituída de livros, ar-tigos, dissertações e teses sobre a área.

quais as maiorEs dificuldadEs

EnfrEntadas na manutEnção dE um

projEto autônomo como o acErvo

da lajE?

Para mim está sendo um exercício. Eu não tenho nenhuma agência financiadora, nem estou ensinando em universidade pública. O Acervo é uma pesquisa extensa, longa, e as pessoas aqui não trabalham com essa ideia, vivem muito em função do agora. As maiores dificuldades são o apoio finan-ceiro e o apoio técnico, como, por exem-plo, profissionais que possam catalogar as sementes e a fauna marinha do Subúr-bio coletadas pelo Acervo, técnicos que possam restaurar algumas obras danifi-cadas pelo tempo, ou mesmo pesquisado-res que aceitem analisar os aspectos ar-tísticos e históricos que estão presentes no Acervo. No entanto, tudo isso deman-da apoio financeiro e parcerias institu-cionais que ainda não temos, mas vamos

procurar, pois trabalhar com pesquisa é difícil. Com cultura, nem se fala!

quais os planos quE o sEnhor tEm

para o futuro do acErvo?

Eu quero ter um espaço: uma casa gran-de de dois ou três andares, com cdteca, biblioteca, tudo. Eu penso que vou che-gar nisso, mas eu não sei onde vou parar. Porque pesquisa é uma coisa estimulan-te, você começa num ponto e ela te leva a outro, vai ramificando até você dizer para. Eu quero que isso seja uma contri-buição para a cidade, para o país. Se vai chegar a ser mesmo, é um mistério, mas a ideia é essa.

qual o pErfil dos visitantEs do

acErvo da lajE E qual a rEação

dElEs?

Vem desde as crianças que estão inician-do na escola até pesquisadores renoma-dos internacionalmente. As pessoas di-zem o que chamou a atenção, escrevem um comentário. As reações são as mais impressionantes. De gente voltar para a infância, de explicar coisas que eu não sei. Muita gente que vem aqui fica chocada porque pensa que o subúrbio é um lugar ruim. Algumas pessoas fazem doações porque sentem vontade de fazer parte.

seRvIçO

O Acervo da Laje: Rua Nova Esperança, 4E – São João do

Cabrito, Plataforma

muita gEntE quE vEm aqui fica chocada porquE pEnsava quE o subúrbio Era um lugar ruim

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18 LUPA • PROVA DOS NOVE

om que não DÁ Para abafar

meio século de improviso marca a escola de música da ufBa

porÍtalo Richard e Simone Melo

fotosPatrick Silva

PROVA DOS NOVE

não DÁ Para

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PROVA DOS NOVE • LUPA 19

t odo ano, 125 estudantes de faixa etária variada ingressam na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (EMUS). Eles não são tão novinhos como os calouros dos demais cursos. Muitos, já adultos, pa-

gam suas próprias contas e viviam de música – como costumam dizer – antes mesmo da graduação. Isso quando não são formados em outras faculdades ou abandonaram algum curso pelo meio do caminho para investir no que con-sideram sua verdadeira vocação. Entre descolados e caretas, convivem estu-dantes muito religiosos com outros totalmente desapegados; grandes virtu-oses e alguns poucos não tão talentosos. Mas ninguém chega lá totalmente verde, no sentido musical, claro. Para ingressar na EMUS, todos passaram por testes de aptidão e tiveram que mostrar domínio de teoria, leitura e per-cepção musical; cantar, compor ou tocar bem um instrumento – a depender da habilitação escolhida.

No total, são oferecidas cincos graduações: Canto, Composição e Regên-cia, Licenciatura em Música, Instrumento e Música Popular. A última é muito recente, está no seu quarto ano e ainda não tem nenhuma turma formada.

por quE hEinz schWEbEl E não joão

da silva?

Quase sessenta anos atrás, em meados de 1954, começou a se formar o que vi-ria a ser a atual Escola de Música. Foi o alemão Hans Joachim Koellreutt er quem criou os Seminários Livres de Música, durante a gestão do reitor Edgar Santos, e inaugurou a tradição de diretores es-trangeiros na Escola. Dos nove diretores que a EMUS teve até hoje, quatro foram estrangeiros, quatro brasileiros e um, o atual, Heinz Karl Novaes Schwebel tem dupla nacionalidade, brasileira e alemã, o que dá para notar pelo seu nome.

Na época dos Seminários, a escola fun-cionava como um núcleo de extensão cul-tural localizado na Av. Araújo Pinho (atual sede da Secretaria Geral dos Cursos) e tinha um perfi l fortemente erudito e eu-ropeu. O estrangerismo era patente. Con-vocados por Koellreutt er, dois europeus foram responsáveis pelo que Antonio Ri-sério chama de avant-garde na Bahia: um foi o suíço Ernest Widmer, que logo depois se tornou diretor da EMUS; o outro foi o excêntrico Anton Smetak.

o aprEndizado formal da música popular

O perfi l da EMUS mudou com a chegada do seu mais novo inte-grante, o curso de Música Popular. A demanda era antiga na Bahia, e a resistência acadêmica, mais antiga ainda. Para muitos, música popular só se aprende nas ruas.

O fato é: muita gente que nunca passaria pela Escola, por não se sentir à vontade nos tradicionais moldes eruditos,agora está super interessada na graduação. Em apenas quatro anos de existência, o curso se tornou o segundo mais concorrido da instituição (fi cando atrás apenas de Licenciatura). Mesmo com algumas esquizofre-nias curriculares e grades que passam por frequentes processos de reformulação,o curso tem alcançado alta popularidade e atra-ído a atenção até dos estrangeiros. A cada ano, em média, oito in-tercambistas estão inscritos para Música Popular. Um percentual bastante alto, se considerarmos que são oferecidas apenas vinte vagas no vestibular.

arquitEtura improvisada

Diariamente, transeuntes atravessam a Escola de Música com destino a algum lugar no Canela. O prédio é um atalho para quem quer ir da Av. Araújo Pinho a Basílio Gama e vice-versa. Sem sa-ber, essas pessoas economizam todos os dias 400 metros de ca-minhada e vencem sutilmente um desnível de 4 metros. O cami-nho obrigatório da passagem é pelo pátio da Escola, onde muitos alunos aproveitam para bater um papo, treinar suas peças e fa-zer um lanche na Pereira Confeitaria.A principal especialidade do lugar, aprovada pelos alunos, são os sonhos com doce de leite ou

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20 LUPA • PROVA DOS NOVE

goiabada vendidos por R$1,70. Na hora do almoço, o pátio se veste de branco. São os estudantes de Saúde – Odonto-logia, Medicina, Nutrição – que vêm rei-vindicar seu espaço.

O atual prédio da Escola de Música foi construído para abrigar um instituto de saúde, mas com o crescimento dos Seminários Livres de Música houve uma necessidade urgente de ampliação e a arquitetura foi adaptada. É com muito improviso que permanece até hoje. As paredes de elcatex, feitas às pressas, na época, deveriam ter sido preenchidas com lã de aço, que promove isolamento acústico. O que nunca ocorreu. Resulta-do, a sonora escola de música é dividida por paredes ocas e, muitas vezes, esbu-racadas. O elcatex não resiste nem a um leve murrinho, quanto mais a meio século desgaste. Este ano, pela primeira vez, a estrutura passou por uma ampla re-forma desde que foi erguida. Antes, não

havia verba para isso. O orçamento em 2012 foi duplicado em relação aos anos anteriores para o o valor atual de 52.500 reais, um dos menores da Universidade.

Há tempos, uma nova estrutura que contemple todos os alu-nos da graduação, mais os dos cursos livres (programa de ex-tensão da EMUS aberto para a comunidade), é desejada. No ano passado, foram iniciadas obras para a construção de um novo prédio no PAF, campus de Ondina. Mas, por questões burocrá-ticas, ainda não há prazo defi nido para entrega. Enquanto isso, os estudantes de música vão estudando ao ritmo do jazz – no improviso. Sem salas com dimensões adequadas, isolamento acústico e instrumental completo.

no PÁtio Da escola, muitos alunos aProveitam Para

treinar suas Peças e bater um PaPo

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MEIO E MENSAGEM • LUPA 21

rEality baiano? oxE! formato de programa

que é sucesso nacional cHega à BaHia de trio elétrico

n ada mais comum do que ver um trio elétrico no início do ano em Salvador. Mas, entre 15 de janeiro e 11 de fevereiro de 2012, um desses enormes carros de som teve uma finalidade diferente: durante 28 dias, Salvador foi palco do

primeiro reality show regional produzido no Brasil. Realizado pela TV Aratu, emissora afiliada ao SBT, O Trio Reality trouxe uma novidade para esse gênero televisivo: tudo que os participantes viveram aconteceu dentro de um trio elétrico, fazendo referência ao Carnaval da capital baiana, temática principal do programa.

Inicialmente, o reality poderia ser acompanhado pelo público todos os dias duran-te meia hora, às 13:45, e também às quartas e sábados à noite. Devido à grande aceita-ção por parte do público que foi percebida, o horário foi ampliado, passando a ser exi-bido também, durante 20 minutos, às 11:45. Além disso, o programa era transmitido ao vivo integralmente através da internet.

Dentro do trio elétrico, fixado nos estúdios da emissora, sete pessoas brigaram entre si pelo prêmio de 30 mil reais e um carro zero quilômetro. Vigiados 24 horas por dia, os integrantes, denominados foliões, participavam de festas e provas dentro e fora do trio, mas sem contato algum com a realidade além daquele espaço.

porGustavo Mões e Renata Farias

ilustraçãoLuana Vellame

Segundo Chagas Vieira, superintenden-te de conteúdo da TV Aratu e idealizador do reality, o critério de escolha dos participantes foi uma tentativa de aliar um pouco de polê-mica, para gerar curiosidade, mas sem figuras caricatas, à possibilidade de viver a propos-ta do programa sem torná-lo um produto de “baixo nível”. Por sua vez, Leonardo Oliveira, estudante de design e telespectador do rea-lity, reclamou da falta de diversidade na sele-ção dos participantes, já que eram todos liga-dos ao pagode baiano.

mEiO E mENSAgEm

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22 LUPA • MEIO E MENSAGEM

mEiO E mENSAgEm

Em mEio a anônimos E subcElEbridadEs

Entre os sete participantes estavam dois anônimos que foram escolhidos através de um vídeo enviado pela inter-net: Ana Célia, dançarina e modelo, e Werles Pajjero, ator. Compondo o restante do “bloco” de O Trio Reality estavam cinco das chamadas subcelebridades baianas: Rosiane Pinheiro, dançarina e cantora; Léo Kret, vereadora e ex-dan-çarina transgênera; Rianne Ferreira, modelo e ex-namora-da de Neymar; Guga de Paula, ex-vocalista da banda de axé Babado Novo; e, entrando com uma semana de programa, Cissa Chaggas, dançarina que ficou conhecida por repre-sentar a Mulher Maravilha na música Liga da Justiça da banda Levanóiz.

A rotina semanal era bem característica dos reality shows já consagrados nacionalmente, com exceção dos termos utili-zados. Os foliões passavam por provas de divisão de tarefas e de liderança. Quem vencesse esta, consagrava-se rei (men-ção clara ao Rei Momo) ou rainha da semana. Caso contrário, deveria se preocupar com a possibilidade de ir parar na corda e acabar saindo para a pipoca.

vigiados 24 horas por dia, os intEgrantEs, dEnominados foliõEs, participavam dE fEstas E provas dEntro E fora do trio, mas sEm contato algum com a rEalidadE além daquElE Espaço

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MEIO E MENSAGEM • LUPA 23

rEcEita dE sucEsso

Aliada à antiga fórmula dos reality shows, formato que explodiu no início dos anos 2000 com o Big Brother, criado pela produtora holandesa Endemol, a regiona-lização fez com que o programa ganhasse um tom de novidade, chamando atenção não só do público baiano, mas também da mídia de todo o país. Tudo tinha um to-que de baianidade: as festas eram animadas por bandas baianas e as provas a que os foliões eram submetidos remetiam à cultura carnavalesca.

A ideia inicial era criar um novo programa que cha-masse a atenção do público e gerasse mídia espontânea, disse Vieira. Parece que deu certo. O projeto foi comen-tado por artistas, inclusive de emissoras concorrentes, nas mídias sociais e ganhou posição de destaque em al-guns sites e revistas.

O ineditismo do caráter regional dado ao programa pode ter sido positivo para a divulgação, mas acarretou algumas dificuldades para a produção. Mariana Gomach, produtora de rotina de O Trio Reality, contou que foi um desafio, considerando que a ocorrência de imprevis-tos era muito grande e não havia o benefício da edição o tempo inteiro, já que havia a transmissão ao vivo, 24 horas, pela internet.

a folia chEga ao fim

Após os 28 dias de competição, Rosiane Pinheiro se consagrou a grande vence-dora desse carnaval produzido pela TV Aratu. Com 48% dos votos, a dançarina foi escolhida pelo público, desbancando a vereadora Léo Kret, que ficou com a se-gunda posição.

Para que um programa como o Trio Reality, ainda que com problemas, seja produzido, é necessário o envolvimento de uma grande equipe de comunicação. Com o advento da segunda edição, uma equipe ainda maior irá participar da pro-dução, gerando um know-how inédito na televisão baiana até então. A segunda edição está programada para ser lança-da ainda no segundo semestre de 2012 e terá como uma das novidades a saída do trio para pontos estratégicos da cidade.

O gênero reality television surgiu com a intenção de retratar situações reais com pessoas normais e sem roteiro prévio. Presente na programação da televisão americana desde An American Family, exibido em 1973, o formato explodiu nos anos noventa com o programa da MTV The Real World, transmitido em 1992 e exibido no Brasil com o nome Na Real.Em 1999, John de Mol, sócio da empresa holandesa Endemol, bolou a ideia de um programa onde os participantes, pessoas comuns, seriam confinados em uma casa vigiada por câmeras 24 horas por dia. O programa recebeu o nome Big Brother, que faz referência ao livro do escritor inglês George Orwell, 1984. No livro, as pessoas têm a rotina observada pelo Grande Irmão em tempo real.No Brasil, o fenômeno dos reality shows começou com o No Limite, versão adap-tada do programa Survivor, no ano 2000. Em 2001, o SBT saiu na frente da Rede Globo, que já esboçava a sua versão do reality show da Endemol, e transmite o programa Casa dos Artistas, que se-guia o formato do Big Brother, mas com famosos. O programa foi um sucesso, ren-dendo a maior audiência da história da emissora, mas foi perdendo relevância e durou até o ano de 2004. Em 2002, algu-mas semanas depois do fim da Casa dos Artistas, a Rede Globo deu início à exibi-ção do Big Brother Brasil, o reality show de maior sucesso do país e que já tem a sua décima terceira edição programada para o ano de 2013.

UMA dOse de ReAlIdAde

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24 LUPA • MEIO E MENSAGEM

mEiO E mENSAgEm

Só que, nessa monografi a, a minha visão era acadêmica. Comecei a entender o que o povo quer completamente por acaso.

sEmprE quis fazEr programas quE sEguEm Essa linha

popular?

Quando cheguei à Aratu, fui descobrindo o que era televisão e, com as nossas próprias defi ciências, começamos a fazer coi-sas que ninguém estava fazendo por aí. A gente começou a ver que o povo não falava na televisão. Encontrei um cara como Zé Eduardo, que é muito esperto e muito sensível para enten-der isso. Acrescentando um cara, um maluco também que é Zé Bim, o programa foi o maior sucesso já visto na TV Aratu, o Se liga Bocão. Era o programa que posso chamar de popular de en-tretenimento. Não tinha nenhuma notícia, tinha umas aberra-ções, assistência social, umas coisas engraçadas, um pagode... Zé Eduardo saiu daqui [TV Aratu], e a gente veio com Casemi-ro [Casemiro Neto, atual apresentador do Que Venha o Povo]. Casemiro tem outro estilo, não é tão popular. A gente mudou um pouco o programa. Depois, Uziel apresentou a ideia de ter um programa policial. Para mim, era uma incógnita. Eu não sa-bia o que vinha pela frente, só achava que o programa não de-veria ser exibido ao meio dia, e sim às 18h. A gente começou a fazer o programa com 45 minutos. Já se chamava Na Mira. Uziel apresentava e era o repórter. Esses caras trabalha-vam praticamente 24 horas por dia. Começamos a ver que tinha muita morte, muito corpo aparecendo, os policiais liga-vam... Começamos a mostrar corpo, cara sem braço, com tiro. Em seis meses, a gente, nesse horário em que a TV Aratu não tinha nenhuma audiência, já era vice-líder, perdendo só para a Globo. Decidimos fazer uma versão ao meio-dia e a gente começou a pegar pesado. Era pioneirismo, experimentando tudo. Eu não tenho orgulho de algumas coisas que já mostra-mos, não. Eu falo porque tem que ser dito. Foi feito e acabou. Se foi errado ou certo, a galera julga, mas é o que foi feito.

t ranquilo e sereno, Pablo Reis, 34 anos, em nada faz associar ao cargo de diretor de um programa polêmico como o Na Mira. Exibido na TV Aratu,

emissora baiana afiliada ao SBT, o programa é caracteri-zado por mostrar o caos da segurança pública. Formado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFBA, passou pela TV Educativa como diretor esportivo e pelo jornal Correio*, onde escreveu mais de 100 perfis. Chegou à TV Aratu em 2005 e foi um dos idealizadores do programa Se Liga Bocão, exibido, hoje, na TV Itapoan, afiliada baiana da Record, dando início a uma série de programas denomi-nados populares na Bahia. Ao afirmar que a programação da TV aberta passa o que as pessoas querem ver, esquece que a mídia tem função não só de mediar os acontecimentos, mas de despertar o interesse do público para o diferente. Amante das histórias de pessoas comuns, Pablo Reis conta como aca-bou nesse sistema bruto.

qual foi sua trajEtória no jornalismo?

Meu interesse era ser repórter de jornal. Foi isso que mais me deu gratifi cação pessoal e profi ssional. Minha preferência ini-cial foi escrever sobre gente, principalmente pessoas anôni-mas que fazem alguma coisa relevante. Escrevi por volta de 120 perfi s no Correio*. Depois tive que optar pela televisão que, fi nanceiramente, é mais rentável que jornal. Fui para a TVE ser editor de esporte do programa Cartão Verde, meu primeiro con-tato com televisão. Cheguei à TV Aratu dois anos depois, exata-mente na mesma semana em que Zé Eduardo veio para fazer a experiência de um programa de esporte. Minha monografi a de conclusão de curso na Facom foi sobre o Programa do Ratinho. Por coincidência, falando sobre sensacionalismo na televisão.

O CRIADOR DAS CRIATURAS

laDo b De Pablo reis, o iDealiZaDor Do

“sistema bruto”

O SISTEMA É BRUTO!

porGustavo Mões e Renata Farias

fotoJulien Karl

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MEIO E MENSAGEM • LUPA 25

até ondE vai o limitE lEgal do

jornalista?

Ser jornalista é ser repórter. O jornalis-ta tem o direito e o dever de ir fundo nas perguntas para saber o que ele quer. Nes-sa situação específica, eu considero que há um desequilíbrio. A capacidade do tra-balho vai ser medida de acordo com a pro-fundidade das perguntas. O problema que eu vejo é uma pessoa ficar à disposição de uma emissora de televisão por duas horas, sendo que a pessoa está, naquele momen-to, sob tutela do Estado. Quando uma pes-soa é suspeita de ter cometido um crime, é retirada do convívio da sociedade e passa a ser responsabilidade do Estado. O que está acontecendo é a pessoa ficar em uma espé-cie de vitrine, por duas horas, a mercê dos dissabores de uma programação de televi-são. Se entrar um intervalo ou uma matéria melhor, a pessoa vai continuar ali. Não estou entrando no fato da falta de instrução da pes-soa para se defender ou a não presença de um advogado. Isso é outra questão que tem rela-ção com defensoria pública e direito de defesa para todos. Estou discutindo o formato que se constata nesse programa: uma espécie de zoo-lógico de suspeitos. As pessoas não entendem a dimensão diabólica do que está acontecendo. Não é ninguém que está invadindo delegacia pra fazer, é o Estado que está sendo conivente com a situação. O Na Mira não faz isso. O programa não vai além de noticiar o fato. Não vai lá dentro man-dando chamar fulano, não interfere. Não é a fun-ção do jornalista.

o quE Explica a atração E o intErEssE por EssE

tipo dE programa E dEssE contEúdo?

No público em geral, todo mundo quer ouvir a des-graça alheia. As pessoas têm um prazer mórbido em ver a miséria. Não sei se isso está ligado ao público de classe baixa. Tem um programa ótimo apresenta-do por Serginho Groisman chamado Ação, só mostra coisa positiva. Comparando os ibopes desse progra-ma com o do Linha Direta, Ação tinha 15 por cento de público e o Linha Direta 50. A promessa e a expectati-va lançadas sobre o Na Mira são outras. Isso é um pou-co tóxico. Se você sai da faixa crítica e vai para a faixa de quem consome, você vê justamente isso: vou ligar a tevê para ver o que está acontecendo. Aí você vê um he-licóptero na tevê. Ele não tá ali sobrevoando, procuran-

do coisas legais, fonte nova lotada, praias bonitas... ele é um urubuzinho, procurando um cadáver e quando acha, fica lá. O concorrente, como tem o ibope em tempo real, fica monitorando. Se o cara tá insistindo muito em alguma coisa é porque a audiência dele está subindo e ele vai explorar até o limite.

como é produzir para um público com o qual o sEnhor nEm sE idEntifica?

No começo, era uma tortura. Não era ideológico, nem sentimental. Eu não sabia quem eram essas pessoas, como elas pensam, o que elas gostam, como atingir... É ter a humildade de admitir que você não sabe nada. Você não sabe nada que a pes-soa quer, o que a pessoa pensa, o que a pessoa planeja e então aprender com esse pessoal. Eu sou absolutamente contra, por exemplo,o projeto de lei anti-baixaria. Isso está dizendo: vocês, povo, não têm condição nenhuma de decidir o que é bom para vocês. Para mim, o povo é o maior censor, o maior regulador. Se isso é uma merda, se isso é ruim, eu, Pablo, não tenho o direito de dizer à maioria da população que ela está errada. Pelo contrário, eu tenho que aprender com eles e, se eu tiver muita convicção do que eu estou falando, tenho que dizer quais são os meios de conscientizar aquele pessoal, o que eu posso fazer, mas eu não posso forçar. Eu não gostaria de ver minha mãe naquela situação. Se eu tivesse filha, não gostaria de ver minha filha. E irmã muito menos. Mulher, namorada, pelo amor de Deus, não queria. Mas eu vou chegar lá com um carro de som e dizer: ‘Atenção! Vocês todos estão cometendo um delito, um atentado ao pudor e vocês vão todos quei-mar no inferno porque estão fazendo uma coisa erradinha.’ Não! Eles são adul-tos, já sabem o que fazem. Não posso controlar, porque isso não tem fim. É o que o pessoal chama de censura. Isso não tem limite. Quem é que vai dizer, quem pode determinar um limite? Não tem como dizer isso.

como o sEnhor consEguE lidar com tudo isso quE é Exibido no

programa E ainda tEr uma opinião crítica?

Tem duas dimensões aí. Antes, eu saía daqui todos os dias arrasado, na merda, f#$&$# mesmo. Vi uma cena de uma mãe chorando e meu olho começou a en-cher de lágrima, mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia tirar minha atenção da mulher. Depois de algum tempo, eu fui trabalhando para ver que isso exis-te, que é uma realidade e cabe a mim definir o que outras pessoas querem ver. Definir não, porque não defino nada. Traduzir. Eu traduzo se outras pessoas querem ver aquilo ou não. Na minha opinião, a maioria das pessoas quer, sirvo só de canal. Eu não quero me envolver. Tenho um distanciamento. Provavel-mente, um distanciamento que um advogado teria defendendo coisas que ele não quer trazer para a vida dele. Lembro que, nessa época, eu fazia terapia, aí conversei com minha terapeuta sobre isso e nunca vou esquecer o que ela falou: ‘No dia em que você conseguir decifrar a morte, vai ter total sucesso. Como você não vai conseguir decifrar a morte, se conseguir explicá-la ou fa-zer com que as pessoas entendam que aquilo ali vai ser o destino de qual-quer um, que qualquer um pode passar por aquilo, todo mundo vai querer ver isso, porque as pessoas são fascinadas pela morte. É o maior temor e o maior fascínio das pessoas.’ É uma questão de gosto, diferente da ques-tão de execução. É esse o trabalho da crítica. Não é dizer ‘isso é bom, isso é ruim’. Se o porteiro, lavador de carro, flanelinha disserem que o programa está bom, eu posso dormir tranquilo, porque ele é feito para esse público. É dizer o que está bem feito dentro daquele compartimentozinho que ele quer ocupar. Quando a gente começou a mostrar a morte, e ninguém fazia isso, era uma audiência estúpida.

Page 26: Revista Lupa #13

26 LUPA • MEIO E MENSAGEM

A voz que aconselhaHá cinco anos no ar apresentando o

Cá entre nós, denise Magnavita mantém viva a participação do ouvinte de rádio

porJúlia Moreira e Thiago Andrill

fotoarquivo pessoal

mEiO E mENSAgEm

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MEIO E MENSAGEM • LUPA 27•• MEIO E MENSAGEMMEIO E MENSAGEMMEIO E MENSAGEMMEIO E MENSAGEMMEIO E MENSAGEMMEIO E MENSAGEM

q uando a entrevista feita com Denise Magnavita para a realização deste per-fil acabou, ela, que estava sem comer e fumar há quase cinco horas, tirou da bolsa um cigarro e isqueiro. Segundo Denise, não seria apropriado comer e

fumar durante uma entrevista ou compromisso profissional. Seriedade e comprome-timento, aliados ao bom humor, são características marcantes dela. A apresentadora do programa diário Cá Entre Nós, da Itaparica FM, divide o tempo entre as atividades de radialista, conselheira, estudante de psicologia, sendo também mãe, esposa e mu-lher vaidosa. Atenta ao visual, ela sempre usa acessórios dourados que combinam com seus cabelos loiros, volumosos e cacheados, e que expressam a sua personalidade. Há cinco anos no ar, Denise recebe ligações de ouvintes que buscam encontrar ajuda para conflitos amorosos nas suas palavras que transmitem confiança e amizade.

Apesar da competência e familiaridade com rádio, comunicação não foi a primei-ra opção de Denise no que diz respeito à escolha de uma carreira. Infl uenciada pela família, ela iniciou os estudos dedi-cando-se à medicina. Apesar de grande admiradora da profi ssão, Denise não se encaixava no ofício. Necessitou de tera-pia para contar aos pais que queria lar-gar a faculdade e ajudá-la a descobrir a sua verdadeira paixão: a publicidade. Durante anos, trabalhou em agências, conquistando espaço no mercado da comunicação, até que um convite feito por um dos donos da TV Aratu lhe fez iniciar a carreira nas rádios. Um dos motivos que a fi zeram mudar de traba-lho foi o desencantamento com o ofício que exercia nas agências de publicida-de, mais especifi camente com algumas práticas do meio. Sem experiência, De-nise começou como gerente comercial da rádio Aratu. Em pouco tempo trans-formou a emissora em uma das mais ouvidas da cidade. O talento para a co-municação era indiscutível e, apesar de migrar para a televisão por um período, ela retornou para o que havia descober-to ser a sua vocação: a rádio.

Após trabalhar em algumas emisso-ras, quando já estava na Itaparica, em

2007, criou o programa Cá Entre Nós, cujo nome foi ideia da fi lha, Raquel Magnavita. A energia e a inquietude de Denise são colocadas ao lado de uma aguda atenção e gentileza ao ouvir variados problemas dos ouvintes, que ligam para o programa motivados pela necessidade de terem alguém a quem confi ar assuntos íntimos. Em tempos que a individualidade e a di-nâmica social impedem que as pessoas prestem mais atenção umas às outras, Denise, no programa, mostra que esse cenário egocêntrico não é invariável, existem indivíduos dispostos a ajudar e ouvir outros, conhecidos ou não.

As pessoas em sociedade estabele-cem laços. Elas têm família, amigos, co-legas de trabalho, companheiros e fi lhos, mas, um desconhecido, alguém que não está relacionado ao problema, e aos per-sonagens deste, pode ser o mais indica-do para, quando informado sobre a situ-ação, aconselhar uma atitude. É isso que os ouvintes do Cá Entre Nós procuram. Denise é mãe, amiga e confi dente. Com a sua forte percepção e comprometimen-to com o outro, é capaz de identifi car, apenas pela voz, um ouvinte que já tenha ligado para o programa.

A confi ança depositada não é arbitrá-ria. Ela consegue mostrar comprometi-

mento e cuidado com as dores de seus amigos desconhecidos, fazendo com que cada vez mais pessoas liguem para ela. O reconhecimento de ouvintes que já te-nham entrado em contato e ligam mais uma vez para agradecer, contar como está, seus problemas, destacam a ca-pacidade de Denise em escutar, prestar atenção e perceber o outro. Por meio de um único sentido, é feito um depósito de confi ança que é, de alguma maneira, de ambas as partes.

Apaixonada pelo trabalho, pelo funcio-namento e papel da rádio, Denise sonha em um dia ter a sua emissora. A vontade de arrecadar fundos para a realização do projeto é explicada pelos custos elevados envolvidos no processo de elaboração, concretização e manutenção desse so-nho. Ter uma rádio, segundo Denise, não é simples, nem barato. Entretanto, fazendo o esforço para desviar de possíveis adi-vinhações, caso ela consiga realizar o so-nho, não será nada surpreendente se a sua rádio for dirigida com o mesmo compro-metimento e energia apresentados todos os dias no Cá Entre Nós e que também demonstrou durante a realização dessa entrevista.

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PASSEPARtOUt

conteúdo de graçaBaixar conteúdo autoral na web ainda

está longe de ser consenso

porAlice Mazur e Rafael Raña

fotosGabriel Cayres

b aixar músicas, filmes, jogos e outros conteú-dos na internet virou rotina hoje em dia, mas poucos sabem das repercussões que isso

gera, não só no mercado da cultura e entretenimento, mas também para os artistas e desenvolvedores de softwares. Mesmo com parte desse conteúdo prote-gida por direitos autorais, a massificação da prática de download gerou grande insatisfação dos empre-sários e artistas, levando-os a fazer campanhas e se pronunciarem publicamente contra a livre circulação desses produtos na internet.

No Brasil, o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), instituição privada sem fins lucrativos composta por nove associações de autores do ramo da música, cuida de identificar e cobrar por toda exe-cução musical pública. Segundo Márcio Fernandes, ge-rente executivo de arrecadação do ECAD, a intenção da instituição é defender os interesses dos milhares de titulares representados por estas associações. Embo-ra reconheça que a internet é uma grande oportunida-de para a indústria criativa, ela não deve ser isenta de regulamentação e cobrança financeira: “Os criadores querem que suas criações circulem na rede. Porém, con-ceitos fundamentais que norteiam nossa vida em socie-dade devem ser seguidos, tais como respeitar o que é de terceiro, somente utilizar aquilo que é autorizado pelo seu titular e valorizar o trabalho dos artistas da música por meio do pagamento da retribuição autoral, contribuindo, dessa forma, para a continuidade da in-dústria musical”.

Questionado sobre o download para uso pessoal, Fernandes diz que o ECAD não tem a intenção de con-trolar a liberdade na internet, mas classifica o uso não autorizado para reprodução como pirataria: “O ECAD trabalha exclusivamente na arrecadação e distribuição de direitos autorais de execução pública musical. Com isso, não há relação entre o seu trabalho e a pirataria propriamente dita, caracterizada pela reprodução não autorizada de obras artísticas, literárias e científicas,

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apesar do ECAD se posicionar veemen-temente contra esta, uma vez que é pre-judicial aos artistas”.

Para Emmanuel Góes Boavista, que se consagrou como baixista e compo-sitor da banda Jammil e uma Noites, e criou músicas famosas como “Milla” (com Tuca Fernandes), “Acabou”, “Praieiro” e “Ê, Saudade”, a internet pode ser uma maneira de divulgar o trabalho do artista e do compositor. Manno Góes acredita que, atualmente, o download de conte-údos protegidos por direitos autorais é algo inevitável: “Entendo que o consumo de música através de downloads é me-nos nocivo que a compra de CDs piratas. A troca de conteúdo pela internet é ine-vitável, assim como eram inevitáveis, an-tigamente, as gravações em fita cassete que trocávamos entre amigos”. Porém, embora acredite no potencial de divul-gação de conteúdo autoral que a internet proporcione, Manno Góes ressalta que os interesses do autor deveriam ser res-peitados: “A internet divulga e possibilita aos artistas promoverem seu trabalho. Disponibilizar sua obra para downloa-ds é uma opção válida, desde que o seu

trabalho seja autoral. Mas, caso a obra seja composição de outra pessoa que não o artista, o direito do compositor deve ser prioritário, e cabe a ele aceitar ou não que sua obra seja disponibilizada na internet”. Góes não se posiciona a fa-vor do livre compartilhamento de conte-údos autorais pela internet, mas ressalta que a receita obtida no ambiente online ainda é mínima em relação a outros meios de arrecadação, como shows, rádio, TV e ringtones, os toques de telefone celular.

Enquanto o hábito coletivo de baixar conteúdos legalmente protegidos é um problema e prejuízo para alguns, outros não se incomodam e até se beneficiam do livre compartilhamento. É o caso de O Teatro Mágico, uma banda paulista que iniciou seu trabalho e adquiriu reconheci-mento de maneira independente, sem o apoio de uma grande gravadora ou cam-panha midiática. O grupo de Osasco, que atua desde 2003, mescla apresentações musicais com teatro, circo, literatura e poesia. O Teatro Mágico faz parte do movimento Música Para Baixar (MPB), que promove a liberdade de comparti-lhamento de músicas pela internet e a

flexibilidade do direito autoral. Em de-terminada ocasião, explicando por que o site da banda, www.teatromagico.mus.br, usa “.mus” em vez de “.com”, o voca-lista, Fernando Anitelli, disse: “Não tem ‘.com’ porque ‘.com’ é comércio, e o que a gente faz é música”.

Porém, ao contrário do que sugere o comentário do vocalista, a banda possui algumas estratégias de mercado, como usar a internet para a divulgação de seu trabalho, reforçada pela distribuição gra-tuita de suas músicas. Durante os shows, além de incentivar seu público a “pirate-ar” seu trabalho, a banda vende seus CDs a preços muito baixos, um atrativo para o consumidor e um desestímulo para a có-pia não autorizada. O sucesso da banda na internet e o seu público crescente lhe renderam, em 2008 e 2009, convites para participar do programa Altas Horas e, em abril de 2010, uma participação na no-vela Viver a Vida, ambos da Rede Globo. Segundo o site do Teatro Mágico, “depois de oito anos de trabalho, mais de 400 mil CDs vendidos e o DVD ultrapassando 120 mil cópias, a trupe festeja”.

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“sE fossE o povo quE mE dEssE a fé, Ela Estaria acabada”o monsenHor gaspar sadoc avalia a sociedade Baiana e a igreja católica do alto de sete décadas de sacerdócio

por Cristian Reis e Rafael Grilo

fotosRodrigo Wanderleyo rdenado em 1941 e hoje aposentado das atividades religiosas, o Mon-

senhor Gaspar Sadoc tem 96 anos e 70 de ordenação. É considerado atualmente o grande orador sacro baiano. Tornou-se o primeiro vigá-

rio da Paróquia dos Santos Cosme e Damião, na Liberdade, onde permaneceu por sete anos, até ser transferido para a Paróquia Cristo Rei e São Judas Ta-deu, localizada no bairro do Pau Miúdo, na qual exerceu o ministério por 17 anos. De lá, foi para a Paróquia N. Sª da Vitória, onde se estabeleceu por mais de 30 anos e fundou a Creche Escola N. Sª da Vitória e o Centro Médico e Odontoló-gico. Não se limitando às funções eclesiásticas, atuou como professor de latim e história no Ginásio Dom Macedo Costa, nos colégios da Polícia Militar, Sophia Costa Pinto e na Escola Técnica, atual IFBA.

Por encontrar-se impossibilitado de movimentar os membros superiores e inferiores, Sadoc concedeu esta entrevista acamado em seu apartamento, na Vitória. Acomodado em uma cama hospitalar, ele conta com a assistência de sete profissionais de enfermagem que, 24 horas por dia, revezam-se ao longo de dois turnos. Estrutura cedida por um hospital de Salvador. Mesmo debilita-do fisicamente, o padre demonstra bom humor.

como sE dá a aposEntaria na igrEja

católica? ExistE alguma cErimônia

ou rEgras EstabElEcidas?

Não tem cerimônia. Simplesmente a pes-soa, aos 70 anos, entrega o cargo, e o bis-po determina outro. O povo pode fazer a festa, mas não há festa oficial da igreja para isso, mesmo porque aposentadoria não é para fazer festa (risos).

dEsdE o início dE sua trajEtória

na igrEja até a sua aposEntadoria,

houvE alguma mudança na rElação

EntrE os fiéis E o padrE?

Nesse ponto, foi muito modificado. Sinto que havia outrora mais facilidade para a

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condução do povo, embora houvesse um pouco de afastamento do padre do povo. Hoje, existe um envolvimento do padre, principalmente com a juventude. Ele está no meio de tudo, de viagens etc., o padre está bem comprometido, outrora não, fi-cava separado, longe, não gostava. Hoje está muito melhor.

quais mudanças na sociEdadE o

sEnhor pErcEbE ao longo dEssEs

anos?

O que mais faz impressionar é a liber-dade demasiada com que as coisas são tomadas, o desrespeito para coisas es-senciais. O respeito à vida, o sagrado respeito à vida, tão importante. No meu tempo, quando havia um crime, abalava a cidade toda, quase que ninguém traba-lhava por causa daquilo. Hoje é comum três, quatro por dia e ninguém dá im-portância. Há uma mudança, por exem-plo, nos modos e nos moldes femininos. Naquele tempo, as mulheres eram bem contidas, aquelas roupas tradicionais, brincadeiras inocentes. Hoje não, há uma espécie de liberdade. A mulher passeia,

dança. Naquele tempo, nem se pensava em uma coisa dessas, que uma pessoa fosse para o palco dançar, sambar. Eu não estou criticando, estou comentan-do, porque não é possível que a gente vá viver hoje com a cabeça e o coração de 50 anos atrás. O mundo vai evoluin-do, e a gente tem que evoluir com o mun-do, não tenha dúvida. Quem quiser ficar para trás que fique. Tenho que seguir a correnteza, agora tenha a sua persona-lidade, viva dentro da correnteza, mas mantendo a sua personalidade.

como um padrE consEguE o sEu

sustEnto?

O padre é um empregado, ele é um ser-vidor do povo. Não deveria caber ao pa-dre ter que providenciar o que quer e o que precisa, caberia ao povo saber o que ele precisa e providenciar, infelizmente o nosso povo não está acostumado com isso, talvez em algum lugar da Europa estejam mais habituados. Aqui não, o pa-dre tem que providenciar um pouco a sua manutenção. Tem o que é chamado de dízimo, que a cada mês cada fiel dá uma quantidade para sustento do culto e do padre, outrora era um pouco diferente. Para cada coisa que o padre fazia rece-bia uma colaboração, por batizado, casa-mento, era uma coisa entre espontânea e sugerida. Não era obrigatório, era uma sugestão. Não gosto de a gente preci-sar disso. Quando me ordenei, procurei

logo outro meio de ficar sobrevivendo e fui ser professor. Fui professor toda a minha vida e me aposentei como profes-sor, porque eu achava que ficava mais li-vre para trabalhar. Graças a Deus, gostei muito, muito mesmo. Tanto ensinei como aprendi durante esse tempo, então não tenho uma certa autoridade para falar das dificuldades encontradas. Na reali-dade, eu não encontrei dificuldades, mas sei que existe.

o sEnhor já sofrEu algum tipo dE

prEconcEito dEntro da igrEja por

sEr nEgro?

Durante todos esses anos, não guardei ressentimentos. Ninguém nunca me lem-brou qual era a minha cor. Lembro que sou negro apenas quando me olho no espelho.

Em algum momEnto as dificuldadEs

da vida abalaram a sua fé?

Minha fé não é abalada por nada disso. Se fosse o povo que me desse à fé, ela estaria acabada, mas não foi o povo que me deu e não pode tirar aquilo que só Deus me dá.

rEcEntEmEntE, o papa bEnto xvi

afirmou quE o casamEnto EntrE

pEssoas do mEsmo sExo é uma amEaça

ao futuro da humanidadE. qual a

sua opinião sobrE o assunto?

O casamento sempre e em toda a parte foi tido como a união de um homem e uma mulher para a procriação. Esse foi o casa-mento instituído por Deus. Então não sei a evolução que estão tendo agora. É um pouco indisciplinada pelo menos. Deviam ficar com a vida que cada um tem, nin-guém tem nada a ver com isso, cada um escolhe a sua vida, mas sem afronta aos outros. Essa igualdade que querem não pode ser, não é lógico. Eles têm a liber-dade de serem assim, respeito a liberda-de dos outros de serem diferentes, mas querer casamento, não, eu não entendo. É preciso que me expliquem, mas, eu não entendo.

ninguém nunca mE lEmbrou qual Era a minha cor. lEmbro quE sou nEgro apEnas quando mE olho no EspElho

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ElE tEm é artEno teatro, no desenho e na restauração, jorge Mendes vive de criatividade

porRafael Grilo e Cristian Reis

fotoarquivo pessoal

n o ônibus, a caminho de casa, após as atividades escolares, um garoto percebe que a senhora sentada ao seu lado olha para ele de maneira insistente, mais especificamente para

uma cicatriz de queimadura em sua mão direita. Diante daquele olhar, um misto de repulsa e pena, o menino pensou em revelar que tal mar-ca não passava de uma maquiagem realizada pelo seu professor du-rante a aula de teatro. No entanto, achando que tal atitude seria um desrespeito para com o talento e a irreverência do seu mestre, man-teve a farsa.A senhora, ao notar que sua curiosidade não havia passado desper-cebidamente, de forma encabulada, falou para o estudante: “Tam-bém tive uma queimadura semelhante, foi bastante incômoda”. O co-mentário não apenas soou para o garoto como uma legitimação da competência de seu educador como também gerou naquele jovem a ideia de que ele vivia um personagem teatral.Jorge Lyrio Mendes, o responsável pela cicatriz do menino, hoje com 71 anos, sempre foi bem humorado, característica herdada do seu pai, que lhe ensinou a arte de fazer rir ao, por exemplo, responder da seguinte forma a um pedido de R$ 50,00 emprestados: “O quê? 40? Para que 30? 20 não chega, 10 é muito, toma 5, divide com seu irmão e traz o troco”.

Cartunista, restaurador e professor de educação artística do Colégio Anchieta, em Salvador, há 22 anos, por onde passa com seus cabelos brancos, quase sempre cobertos por uma boina, óculos e uma barbixa também gri-salha, é impossível não ouvir repetidas vezes seu clássico bordão: “Artista!”. A palavra tanto é proferida pelo mestre, quanto pelos alunos e conhecidos quando notam sua presença. “Na minha concepção, todo mundo é artista, basta respirar”, explica Jorge.

“No início, eu me preocupava mais com a informação, hoje foco na formação”, avalia Jorge, que em uma de suas interações com os alunos, ao mesmo tempo em que exibe um sli-de com a caricatura de Bob Marley, na qual o cabelo do cantor consiste em folhas de maco-nha, também dança um Reggae, aproveitando para alertar sobre os riscos do uso de entor-pecentes. “Durante todos esses anos nunca coloquei um aluno para fora da sala”, afirma de maneira orgulhosa o educador, embora admita

PASSEPARtOUt

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a necessidade de ser habilidoso para lidar com a dificuldade que julga existir na juventude contemporânea com relação ao cumpri-mento de regras.

No colégio onde ensina, também coordena, há mais de uma década, graças à ideia de um dos seus alunos, o grupo de teatro Stardalhaço, formado por estudantes da instituição que se iden-tificam com as artes cênicas. O grupo, além de se apresentar no colégio, também realiza performances em espaços como asilos e orfanatos.

a trajEtória do artista

Embora resida em Salvador há 40 anos, Jorge Mendes nasceu na capital do Rio de Janeiro, onde, na década de 60, ingressou na TV Rio, desempenhando o papel de comediante em programas como “Noites Cariocas” e “O Riso é o Limite”. Trabalhou com ar-tistas como Chico Anysio e Roberto Guilherme, o Sargento Pin-cel do programa Os Trapalhões, que chegou a protagonizar um monólogo de humor escrito integralmente por ele.

Ainda no Rio, Jorge começou a desenvolver técnicas de restau-ração de peças artísticas e de decoração feitas a base de cerâmi-ca, porcelana e outros materiais. Sua prática nesse ramo começou de maneira experimental, já que ele não encontrou naquela época no Brasil qualquer curso na área. Depois de montar uma empresa de restauração com mais duas pessoas, passou a atender uma quantidade crescente de pedidos, inclusive de pessoas ilustres como a cantora Nara Leão e o então presidente Castelo Branco.

Após desfazer-se da empresa, devido a divergências com seus

sócios, foi para Salvador em 1972 por intermédio de um co-merciante que enxergou, na aptidão de Jorge, a chance de fazer bons negócios. Em 1981, foi contratado como restau-rador de arte pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) e, no ano seguinte, nomeado chefe do setor de restauração do Departamento de Museus pela Secretaria de Educação e Cultura.

Há cerca de três anos aposentado da atividade de res-taurador, Jorge explica que, na Bahia, os restauradores atuam de forma “ilhada”, isto é, não compartilham seus conhecimentos a ponto de não haver no Estado uma asso-ciação nessa área. Além disso, Jorge explica que, no âmbito estatal, existe um interesse pela aceleração dos métodos e critérios de restauração, o que pode gerar danos nas peças. “Levou-se um mês para se discutir os critérios de restaura-ção da Pietà de Michelangelo. Aqui, muitas vezes, querem que se faça uma peça em um mês sem se discutir em mo-mento algum”, desabafa Jorge.

A partir de personagens como O Azarado, os índios Cão e Fúcio e o portador de Síndrome de Down, Xandinho, atuou na década de 70 como cartunista dos jornais Tribuna da Bahia e A Tarde, unindo o humor à crítica social. Também passou a desenvolver caricaturas, inspirado em expressões faciais que utilizava em performances teatrais. Após sete décadas, Jorge Mendes ainda esbanja alegria e criatividade, disparan-do com euforia a quem surge em sua direção: Artista!

trabalhos De restauração e

ilustração feitos Pelo artista

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34 LUPA • CIRCO URBANO

ilUStRADO

Por: Paulo Duarte

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CIRCO URBANO • LUPA 35

Por: Paulo Duarte

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