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Revista Ordem dos Médicos Nº108 Fevereiro 2010

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Revista Ordem dos Médicos Ano 26 - Nº108 Fevereiro 2010

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Estágio no estrangeiro– uma experiência ruralem Espanha por TiagoVillanueva

08 O Professor Juvenal

Esteves – Homenagem degratidão ao seu ser e estarpor Aureliano da Fonseca

13 A minha Homenagem ao

Dr. Horácio Flores por LuísMachado Luciano

14 Episódios Fugazes de

Lucidez por João MiguelNunes «Rocha»

16 Valorização e desvaloriza-

ção dos valores ou comoos valores são relativos,embora não o devessemser, pois deveriam seruniversais e perenes porManuel Mendes Silva

18 Eutanásia por Leonor

Duarte de Almeida

20 Ouvindo por Carlos Costa

Almeida

Admissão na Competênciade Hidrologia Médica

Um erro histórico: maisum Curso de Medicina emPortugal por António GentilMartins

24 «Audere est facere» por

Susana Coutinho

28 «Doravante» por José M.D.

Poças

Livro: O Segredo Médicocomo garantia de Não-Discriminação

33 O ninho por Ofélia Bomba

34 Algumas pistas de leitura

para «As palavras em

jogo»

Breve história do Colégiode Pneumologia da Ordemdos Médicos

46 O Microclima de uma

Consulta – A Consulta deCardiologia Pediátrica doHospital de Santa Marta(H.C.L.) – 1969-1993

Comunicado: MGF exer-cida por não especialistas

HISTÓRIAS DA HISTÓRIA36

CULTURA31

INFORMAÇÃO50

EDITORIAL04

S U M Á R I O

Ano 26 – N.º 108 – Fevereiro 2010

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordem

dos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 151

1749-084 Lisboa • Tel.: 218 427 100

Redacção, Produção

e Serviços de Publicidade:

Av. Almirante Gago Coutinho, 151

1749-084 Lisboa

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Tel.: 218 437 750 – Fax: 218 437 751

Director:

Pedro Nunes

Directores-Adjuntos:

José Moreira da Silva

José Manuel Silva

Isabel Caixeiro

Directora Executiva:

Paula Fortunato

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Redactores Principais:

José Ávila Costa,

João de Deus e Paula Fortunato

Secretariado:

Miguel Reis

Dep. Comercial:

Helena Pereira

Dep. Financeiro:

Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:

CELOM

Impressão:

SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S. A.

Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Depósito Legal: 7421/85

Preço Avulso: 1,60 Euros

Periodicidade: Mensal

Tiragem: 40.500 exemplares

(11 números anuais)

Isento de registo no ICS nos termos do nº 1, alínea

a do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99

Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dosautores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos.

Ficha TécnicaFicha Técnica

OPINIÃO06MédicosOrdem dos

REVISTA

INFORMAÇÃO21

OPINIÃO23

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4 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

Não há matéria que tanto excite aacusação de corporativismo quequando se fala de informação e pos-se do processo clínico.

Defraudados no voyeurismo hoje deregra logo se levantam as harpias dosdireitos dos doentes contra o passa-dismo paternalista dos médicos quepretendem guardar para si os segre-dos aparentemente extorquidos aosincautos e menorizados pacientes.

O debate passa-se, normalmente, noplano dos direitos advogando as boasconsciências que toda a informaçãoé pertença dos doentes logo deven-do ser disponibilizada de imediato,na sua totalidade e sem intermedia-ção ou tratamento.

Por detrás de tão piedosas exigên-cias esconde-se não quantas vezesmais que a vontade de conceder di-reitos uma militante luta contra oque é identificado como privilégiodos conhecidos abusadores – osmédicos.

Não negando o direito dos doentesa terem acesso a todos os dadosrelevantes colhidos durante o seuprocesso clínico do diagnóstico àterapêutica, temos defendido a pre-visão sistemática de intermediaçãode médico da confiança do doentepara que tal se concretize. De facto,só um médico pode proceder a umaleitura crítica de um processo queoutro elaborou, expurgando-o dedados irrelevantes, observações queposteriormente se revelaram infun-dadas enfim, de tudo aquilo que o

CORPORATIVISMO

PERNICIOSOconstituindo não é pertença do do-ente mas traduz a propriedade inte-lectual do médico.

Abandonar tal prática ou radicalizaras formas de acesso conduziria auma situação igualmente extrema demedicina defensiva, aquela em que omédico temendo a utilização con-tra si daquilo que escreve no pro-cesso o deforma de modo a dar umretrato adequado da sua acção emcaso de conflito.

No exercício da Medicina, mais queem muitas outras actividades huma-nas, a desconfiança e os mecanismosque tal gera são caminho garantidopara a ineficiência, para o erro oumesmo para a tragédia. O excessode garantismo, que pode aplacarconsciências irritadiças, não compor-ta habitualmente nada de bom paraquem se julgando protegido é, narealidade, vítima das formas mais hi-pócritas de abandono.

Se alguma dúvida ainda restasse queo segredo médico e a sua preserva-ção são do exclusivo interesse dodoente e garante da sua defesa pe-rante a Sociedade e a atracção des-ta para a discriminação, a leitura daexcelente tese da Professora Maria doCéu Rueff recentemente publicadaé de molde a resolver em definitivotal dilema a mentes mais aflitas.

Quando a esta realidade se soma amodernidade de processos desmate-rializados circulando ou apenas se-deados no vácuo informático as coi-sas complicam-se de forma atroz.

Como se o ímpeto modernizadorobrigasse a fazer tábua rasa de to-dos os mecanismos de defesa con-solidados pelo tempo, inventam-senovas formas de acesso e manipula-ção argumentando-se que toda a se-gurança se consegue com a «pass-word» e traçabilidade do utilizador.

Já vi de tudo nesta matéria. Até aproposta feita com ar sério por umalto responsável da União Europeiade que qualquer cidadão tivesse odireito de mandar apagar, ou mes-mo alterar, elementos contidos nochip do seu cartão de saúde. Pergun-tei-me e perguntei como se proces-sariam as questões de responsabili-dade criminal ou cível de um médi-co cujas anotações tivessem sidomandadas apagar ou alterar pelodoente que mais tarde o processas-se. A resposta não foi de molde adeixar-me tranquilo.

Depois de participar, normalmentede forma silenciosa e expectante emmúltiplas iniciativas no âmbito do quehoje se denomina de e-health, conti-nuo a considerar que as potenciaisvantagens, inegáveis, do seu desen-volvimento se perderão numa vivi-da ou subterrânea oposição dos mé-dicos se não acautelados aspectosmedulares do exercício da medicina.

Fiquei mais tranquilo esta semanaquando num fórum a partir de Bru-xelas de meia dúzia de peritos e res-ponsáveis políticos e organizacionaisdos dois lados do Atlântico me foigarantido, único representante demédicos presente, que se tinha inte-

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riorizado a ideia da necessidade decaminhar com os médicos atentos àsua forma de ver as coisas.

Não fiquei ainda convicto que to-dos os «brinquedos» que afanosa-mente se pretendem criar sejampensados para uso dos médicos. Emmuitos casos fica-nos a legítima dú-vida que mais não são que instrumen-tos pensados e desenhados com oúnico objectivo de controlar pelosadministradores um dos últimos re-dutos de liberdade profissional – amedicina.

Na nossa aldeia igualmente, com oscostumeiros tropeços, se vai fazen-do o caminho. Diz-se que ainda an-tes do processo clínico electrónicose avançará para a desmaterializaçãodo certificado de óbito.

O curiosos na questão é que numaprimeira versão se pensara que onome e número de cédula a funcio-nar como password seriam suficien-tes para garantir a segurança. Quan-do a Ordem chamou a atenção parao facto incontornável das banalís-simas vinhetas exporem publica enotoriamente tais elementos de se-

gurança a estupefacção foi geral e,mais gravemente, aparentementegenuína.

Acontece que há vários anos que aOrdem vem chamando a atençãodos sucessivos Governos para a fra-gilidade de segurança das receitas,infelizmente confirmada por algumasfraudes milionárias que a polícia porvezes vai detectando. Querer con-tinuar a desmaterializar receitas eagora documentos da maior relevân-cia na profilaxia do crime como oscertificados de óbito sem instituir abanalíssima assinatura electrónicaassociada ao cartão profissional éem nossa opinião negligência crimi-nosa.

Não estamos a falar de nada detranscendente. Estamos a falar dealgo que a Espanha, começando maistarde, já implementou e que na nos-sa Justiça é de uso diário.

Esta resistência em reservar para osmédicos o controlo da informaçãoe a responsabilidade pela sua utiliza-ção, traduzida em actos próprios daprofissão como seja emitir receitu-ário ou atestar a doença ou o óbito,

nada tema a ver com direitos dosdoentes ou fantasmas de outros gru-pos profissionais mas com pura esimples insensatez, desleixo, ou piorainda, inconfessados interesses.

É bom que em momentos em quese procura explicar o inexplicávelnos lembremos que o que o Estadopaga por uma receita é bem maiorque cinquenta euros e que o papelem que é emitido tal ordem de pa-gamento não tem marca de água oufilete de segurança...

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O P I N I Ã O

Tiago VillanuevaMédico Interno de Medicina Geral eFamiliar, USF AlphaMouro, Rio de

Mouro

Estágios no estrangeiroA realização de um estágio no estran-geiro durante o internato de MedicinaGeral e Familiar é actualmente uma ex-periência opcional, e que parte habi-tualmente da iniciativa e da motivaçãodo interno.As oportunidades para realizar estági-os no estrangeiro, sobretudo obser-vcionais, incluem o programa Hipókra-tes, que prevê o intercâmbio de médi-cos internos e orientadores de Medi-cina Geral e Familiar no espaço Euro-peu, programas curtos de intercâmbioorganizados pelas associações de in-ternos de Medicina Geral e Familiarde vários países Europeus, para alémdos muitos estágios que se acabam porser realizados através sobretudo decontactos pessoais.Eu tive a oportunidade de realizar umcurto estágio no centro de Saúde deBuitrago del Lozoya, em Madrid, Espa-nha, de 16 a 22 de Novembro de 2009,tendo o meu tutor sido o Dr Juan Gér-vas.

Porquê Buitrago del Lozoya?Eu escolhi realizar um estágio nesteCentro de Saúde em Espanha sobre-tudo por duas razões.Em primeiro lugar, pelo contacto pes-soal com o orientador de estágio, queapresenta altas credenciais técnicas, ci-entíficas e humanas, sendo sobretudovisíveis o seu elevado número de pu-blicações e a sua experiência com aorganização dos Seminários de Inova-ção em Cuidados de Saúde Primári-os.2

Segundo, devido ao prestígio do Cen-tro de Saúde de Buitrago de Lozoya,que tem recebido ao longo dos últi-

Estágio no estrangeiro – umaexperiência rural em Espanha

mos anos internos e médicos de famí-lia oriundos de Andorra, Argentina,Brasil e Espanha. O centro de saúdede Buitrago de Lozoya, é normalmentemuito requisitado por internos de Me-dicina Geral e Familiar Espanhóis, quetêm regra geral, de realizar um estágioobrigatório de medicina rural duranteo seu internato.3

Noções geográficas sobreBuitrago del LozoyaBuitrago del Lozoya é uma pequenalocalidade com cerca de 2000 habitan-tes e que pertence à Comunidade Au-tónoma de Madrid (Comunidad deMadrid), a cerca de 74 km a norte deMadrid-cidade. O Centro de Saúde deBuitrago del Lozoya atende uma co-munidade composta por cerca de qua-renta pequenas localidades localizadasna região da Comunidade Autónomade Madrid chamada Sierra Norte, queconta com cerca de 5000 habitantes.O Dr Juan Gérvas é responsável portrês extensões do centro de saúde, no-meadamente em Garganta de los Mon-tes (500 habitantes no Inverno e apro-ximadamente 1000 no Verão), ElCuadrón (20 habitantes no Inverno ecerca de 200 habitantes no Verão) eCanencia de la Sierra (700 habitantesno Inverno e aproximadamente 1500no Verão).

Trabalho clínicoExiste consulta de Medicina Geral eFamiliar de segunda a sexta-feira, das9h até por volta das 13h-14h, confor-me o número de doentes. À segundafeira realiza consulta na extensão deGarganta de los Montes, à terça e quar-ta-feira em Canencia de la Sierra, àquinta em Garganta de los Montes eEl Cuadrón e à sexta-feira novamenteem Canencia de la Sierra.O Dr Juan Gérvas realiza consulta semo apoio de enfermeiros e administrati-

vos, e por opção própria (por não es-tar satisfeito com uma aplicação infor-mática que considera muito defeituo-sa e que prejudica mais do que ajudana toma de decisões), não utiliza com-putadores na consulta. Não dispõe demarcação por agenda, e portanto a or-dem pela qual são atendidos na con-sulta é da responsabilidade dos pró-prios utentes, que se auto-organizamconsoante a sua hora de chegada.Durante a consulta, o orientador deestágio ia-me chamando a atençãopara assuntos que iam surgindo no âm-bito da consulta, e pedia-me para euanotar para se discutir e comentar pos-teriormente. Destaco alguns dos temasque foram levantados ao longo da se-mana: prescrição induzida por especi-alistas hospitalares, importância dosdesenhos na consulta, consulta sagra-da, exames de pré-operatório, relaçãoentre os cuidados de saúde primáriose secundários, ética da ignorância, in-tromissão na autonomia do doente, einterpretação da doença por parte dodoente.De forma a aumentar a sua capacida-de resolutiva, o Dr Juan Gérvas realizadiariamente e no momento pequenacirurgia na consulta, bem como crio-terapia.Em quase todos os dias de consultahouve ainda lugar para um a dois do-micílios, que eram realizados depois doperíodo de consulta. A sua mala de do-micílios encontra-se altamente equipa-da, e inclui morfina (que emprega noacompanhamento aos doentes termi-nais), utilização de ímanes para remo-ção de corpos estranhos metálicos noolho, espelho duplo para observaçãode úlceras de pressão em doentes aca-mados, espelho para laringoscopias, eequipamento de pequena cirurgia.

Trabalho AcadémicoO estágio não se esgotou com os perí-

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odos de consulta., mas incluiu tambémdois dias de aulas na Escuela Nacionalde Sanidad em Madrid-cidade, perten-cente ao Instituto Carlos III, onde o DrJuan Gérvas dá aulas de Saúde Inter-nacional integradas no Mestrado emSaúde Internacional.Assim sendo, tive a oportunidade deassistir às duas aulas que ele deu dias16 e 17 de Novembro, das 16-20h, emque participam alunos com anteceden-tes profissionais muito diversos (médi-cos, enfermeiros, parteiras, farmacêu-ticos, advogados, etc...) provenientes detodo o mundo.Com um estilo inconfundível de daraulas, que mistura perguntas, provoca-ções e piadas, abordou temas como aimportância da prevenção, a lei dos cui-dados inversos, recursos sanitários, sis-temas de pagamento e incentivos dosmédicos, prevenção quaternária, e di-ferenças entre os cuidados primáriose os cuidados especializados. Falou demúltiplos autores, livros, artigos e or-ganizações que sugere que os alunosinvestiguem e tomem conhecimento, evai falando um pouco de si, clarifican-do que está ali para contagiar os alu-nos com uma doença chamada «cepti-cémia», e transmitir inquietudes. Querque os alunos tomem contacto comideias novas que desafiem tudo aquiloque aprenderam e que tomam por ver-dadeiro, mas que acima de tudo sejamcríticos e formem a sua própria opi-nião baseando-se no melhor funda-mento científico. Uma das mensagensmais importantes que transmitiu foi aimportância do conhecimento enquan-to recurso de saúde no alívio do sofri-mento e na ajuda a uma morte comdignidade.No dia 18 de Novembro, acompanheio orientador de estágio em nova via-gem a Madrid-cidade, desta vez paraparticipar num fórum sobre ética dasmedidas para a protecção da popula-ção contra a gripe A, e que teve lugarna sede da Ordem dos Médicos Espa-nhola, a Organización Médica Colegi-al (OMC).4 O Dr Juan Gérvas foi umdos oradores, e divulgou posteriormen-te um texto que resume a sua apresen-tação nessse dia.5

Nos outros dias, as tardes eram pre-enchidas com trabalho de leitura (for-necida pelo orientador) de revistas, arti-gos e livros. Enfatizou muito que eulesse boletins farmacoterapêuticos in-dependentes como o boletim Infac(www.osanet.euskadi.net/cevime/es) ouo boletim CADIME (www.easp.es).

Trabalho comunitárioO orientador de estágio mantém re-lações estreitas com os principaisagentes comunitários da zona, nome-adamente os farmacêuticos, os pro-fessores e os presidentes das Câma-ras dos municípios em que trabalha.A relação com os presidentes das Câ-maras é particularmente interessantee informal, tendo em vista a discus-são de assuntos relativos aos seusutentes.

ConclusãoA oportunidade de estagiar com umafigura de proa da Medicina Geral eFamiliar mundial como o Dr JuanGérvas foi uma oportunidade única,fascinante, irrepetível e inspiradora,e que possibilitouo contacto comuma forma subs-tancialmente dife-rente de pensar eexercer a medici-na, alicerçada naimportância de sercéptico, ter espíri-to crít ico e terinquietudes. Alémdisso, este estágioteve um bónus,que foi contactarcom áreas quesaem fora do âm-bito da cl ínica,mas que têm mui-to interesse para omédico de família epodem enriquecermuito a sua práti-ca, como o mundoda saúde internaci-onal e da organiza-ção dos serviços desaúde.

Referências:1 – Villanueva, T. Experiencias inter-nacionales de un residente portugués:capricho o un «plus» en la formación?Comunicação oral no âmbito da MesaVasco da Gama, Medicina Familiar enEuropa, una realidad? CongressosemFYC, 27 de Novembro de 20092 – Villanueva, T, Gérvas, J, Minué, S.Perspectivas internacionais: Os ventosfavoráveis que sopram de Espanha e aexperiência dos Seminários de Inova-ção em Cuidados de Saúde Primários(SICSP), Revista Portuguesa de ClínicaGeral; 25-560-4.3 – Serrano, E. Rotación rural. AMF2009;5(3):181-1864 – Las medidas adoptadas en tornode la gripe A plantean serias dudaséticas y de eficácia: http://www.actasanitaria .com/actasanitaria/frontend/desarrollo_noticia. jsp?idCanal=1&idContenido=15951 (con-sultado a 29 de Novembro de 2009)5 – Gripe A : ocho razones para novacunarse. Gérvas, J. [Notas clínicas].Noviembre 2009.www.equipocesca.org

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Aureliano da Fonseca*

Decorre este ano o centenário do nas-cimento do Professor Doutor JuvenalAlvarez Esteves (12 de Junho de 1909),pessoa com nome na Medicina portu-guesa, por ter sido despertador deconsciências e de realizações que per-duram. E sendo certo ninguém poderdar o que não tem, o que Juvenal Este-ves foi teve fundamento nos seus an-cestrais e em desenvolvidos interessesnos campos da cultura, com destaquepara diversificadas artes plásticas, pin-tura e escultura, também as fonéticasmúsica e canto, e as literárias prosa epoesia. Concomitantemente, pelo es-tudo e reflexão das ciências da vida,consciencializou conceitos essenciais.Assim vemos os alicerces da persona-lidade de Juvenal Esteves, a deveremser dissecados por indispensável exi-gência sobretudo para quem se dedi-que à Dermatologia em Portugal.Para esta intenção, a recuar no tempo,reconheçamos que o desenvolvimen-to das capacidades de qualquer pes-soa, sendo resultante da convergênciada trilogia: disposição, ambiente e opor-tunidade, iremos descortinar estas con-dições.Sob esta pensar, em Juvenal Estevesdestaca-se, em primeiro lugar, o amalga-mento no seu ser das potencialidadesdos pais, oriundos da Galiza de ondeemigraram pela ânsia de valoração hu-mana. E essa ansiedade sentiu-a Juve-nal Esteves expressivamente no círcu-lo paternal apontada nas palavras quese resumem: Meu pai, entendendo su-bordinar-se o triunfo a amarras dacultura, por ela se interessou no aces-sível à classe social a que pertencia, etransmitiu-ma desde as primeiras le-tras, em educação formativa, lendo-meou aconselhando-me a ler os escritospoéticos de Ana de Castro Osóriol, asficções de Júlio Verne2, peripécias de

O Professor Juvenal EstevesHomenagem de gratidão ao seu ser e estar

Sherlock Holmes3, aventuras de DomQuixote4, romances imaginativos deEmílio Salgari5 e outros que devoravacom entusiasmo.Em consequência das ideias paternasincutidas, considere-se, de seguida, areferência de Juvenal Esteves ao calcor-rear pelo distante trajecto da casa deseus pais, na Ribeira Grande, sopé daCatedral de Lisboa, para o Liceu dePassos Manuel, sendo que nesse tra-jecto havendo pequenas livrarias mui-tas vezes nelas entrou pela curiosida-de de ver o que se escrevia; e nesserecordar mencionou com expressivasaudade os singelos cartazes nas pare-des das esquinas a chamarem a aten-ção para a vida artística da cidade, adestacar espectáculos de teatro, demúsica ou exposições que o atraíampara o seu tempo disponível. E realçade igual modo o mérito da maioria dosprofessores no Liceu, incitadores aoestudo e à cultura geral reflectida. Co-mo exemplos menciona o escritor epoeta João de Barros (1881-1960), odramaturgo e cineasta Leitão de Bar-ros (1896-1967) e António PereiraForjaz (1893-1972), que veio a ser ca-tedrático de Química e a exercer ele-vadas funções oficiais.A deambular em tais climas das ideiase do conhecimento e sendo na épocarelativamente fácil o convívio entrequem tivesse interesses equivalentes,tornaram-se possíveis as oportunida-des para atenuar a insatisfação pelosaber que na sua alma de adolescentese manifestava.Desde cedo, o que se lhe deparasse, so-bretudo Obras de Arte, não o atraía ape-nas pelo existir mas na medida de lhepossibilitar entender o que estava noabstracto ou na realidade e no propósi-to do artista. E deleitava-se a saborearas sensações que a obra despertava.Juvenal revela-se, em consequência,atento espectador a querer integrar-

se no diversificado leque das pessoasque lhe podiam valorar os seus empe-nhos, atitude genericamente aceitedado que, por obediência às intençõesse mostrava disponível para acompa-nhar os interesses de quem com eleestivesse e por inata intuição sabia be-neficiar das circunstâncias.A despeito do seu procedimento aten-to, Juvenal Esteves, por modo de ser,não transparecia facilmente a sua per-sonalidade, características e capacida-des, a evidenciar-se reservado, o quelhe permitia dar melhor atenção ao quevia e ouvia.Havendo nesse tempo frequente tertú-lias dedicadas às letras e às artes, sem-pre que possível Juvenal lá estava, pri-meiro como observador e mais tardecom prudência interrogando a propó-sito para seu melhor esclarecimento mastambém para se tornar mais aceite nomeio. Entre as personalidades habitu-almente presentes destacava-seOrlando Ribeiro, geógrafo e historia-dor6 e Mário Chicó, historiador de arte7,com os quais firmou amizade, facilitadaaté pela proximidade de idades, a tor-narem-se companheiros atentos.Embora cedo manifestasse empatiapara qualquer manifestação artística,a pintura mais o fascinou, sobretudo oimpressionismo onde, como aponta-mos, tentava descortinar os fundamen-tos da obra realizada, complementadacom o que do artista se sabia, a aqui-latar-se do valor real, figurativo ou ocul-to, daquilo que na tela estava desenha-do ou pintado.Na concepção surrealista, JuvenalEsteves foi seduzido por Amadeo deSouza Cardoso8 quando nele descor-tinou originalidade na energia geocli-mática da sua terra amarantina. Tam-bém Dórdio Gomes9 o prendeu, supõe-se pelo poder expressivo do seu neo-realismo, com cores carregadas e som-brias em geometrismo inteligível. Ou-

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tro foco de atracção foi Aspad Szenes10,cuja arte, no dizer de Juvenal Estevestranspõe-se com eliminação do realimediato e desperta para panoramassempre mais diáfanos no horizonte.Na arte abstracta Juvenal Esteves en-controu similitude no que via com oseu sentir emocional e em tal condi-ção foi cativado à arte de Columbano11.Com efeito, no claro-escuro ou lumino-sidade que o pintor destaca da som-bra, a favorecer a sua imaginação, in-terroga-se como seria o homem e oque seria o pintor, e da relação entreos dois, a resposta encontrada na suaevolução artística está na afirmação deque Columbano é a cultura de Lisboana transposição da realidade.A marcada ansiedade em conhecer oque se ocultava na personalidade dosartistas levou Juvenal Esteves a procu-rar ver o que em cada um existir e, emconsequência, a visitar museus dis-persos por Portugal, também uma ca-pela, sacristia ou qualquer outro lugaronde descobria haver certa obra dig-na de admiração e estudo.Pela mesma intenção foi a Madrid, dis-tintos lugares da Espanha, Paris, Lon-dres ou Nova York, e outras terras, atrazer na memoria o que vira, motiva-dora de reflexões na serenidade da suacasa ou na companhia de amigos.Apreciava também a prataria, sacra oude ostentação e, como sempre, procu-rava informações acerca da eventual

história daquilo que apreciava.No seu enlevo, em dado tempo desta-cou-se a Música, ouvida sobretudo emresidências privadas onde se realizavamsessões musicais a principiarem peloprincípio da noite e a terminarem porvezes bem tarde, a ouvirem-se os me-lhores discos de românticos e pós-ro-mânticos, em quase religiosidade, e aregressar a casa «sob o clima inebriantedo belo apreciado e sentido».Algumas vezes deslocou-se furtivamen-te, sobretudo em fim de semana, a Pa-ris, Milão ou Roma para ouvir, no de-vido lugar, uma ópera que lhe tonifi-casse o viver.Terá sido a precoce observação edeleitamento sobretudo da pintura,quando representativa de certa pes-soa, a despertar em Juvenal o desven-dar das características da personali-dade retratada, nos valores anímicos,acaso evidenciados na expressão mor-fofisiológica da pele, a chama-Io ao es-tudo da Dermatologia, dentro do co-nhecida máxima popular «ser a peleespelho do organismo ou até da alma».Foi nesse tempo distante de 1940 queconheci Juvenal Esteves quando, a que-rer encontrar caminho na Medicina, nocampo para o qual me queria envol-ver, a visitar em Lisboa as unidadeshospitalares de Dermatologia, primei-ramente no Hospital do Desterro, fuisimpaticamente recebido pelo seu di-rector, Dr. Luís Sá Penella, estando a

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e exteriores, num ambiente interessante e bonito, gostava de estudar com médicose profissionais do ramo a possibilidade de converter uma parte ou o total das instalações

para fins medicinais(Centro de reabilitação, ou semelhante)

Agradecemos respostas para [email protected]

seu lado Juvenal Esteves, seu interno12,a observar-me atentamente.A dever conhecer outros Serviços deDermatologia, fui tempo depois ao Hos-pital dos Capuchos onde logo encon-trei dois condiscípulo da Faculdade afrequentarem outros Serviços clínicosnesse Hospital, e dois outros conheci-dos no meio militar quando estive naEscola Prática de Infantaria, em Mafra,e pelos quais nutri simpatia.A falar com o Director desse Serviço, oDr. Manuel Caeiro Carrasco, e a saberdedicado ao estudo das doenças entãodenominadas Venéreas, matéria que meinteressava, passei a dividir-me pelosdois Serviços com autorização dos res-pectivos directores, desdobramento anão poder perdurar, em breve mais mefixei no Hospital dos Capuchos.A razão de ir a Lisboa resultou do dese-jo de conhecer a Dermatologia em Por-tugal porque, a viver-se a Guerra Mun-dial, não havia para onde ir fora do país.Decorrido pouco tempo de estar noHospital dos Capuchos, tornando-sevago o lugar de interno, veio ocupá-loo Dr. Francisco Norton Brandão13; ede imediato ficando também vago olugar de assistente, nele se integrou oDr. Juvenal Esteves, vindo do Hospitaldo Desterro.Desde logo se estabeleceu entre os trêsapertada unidade de estudo e de con-vívio a motivar laços de amizade queperduraram até o fim!

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Mesmo quando, em dado momento,nos separamos, por exigência dos ca-minhos de cada um, sempre os trêspróximo estivemos em convivênciapela identidade e necessidade de algu-mas funções oficiais. Estão nesta men-ção a implantação dos Postos Clínicosda denominada Federação das Caixasde Previdência para a qual Juvenal Es-teves e eu fomos chamados a colabo-rar; e posteriormente a fazermos par-te do Conselho de Medicina da mes-ma Federação; também na Luta Anti-venérea, no Porto e em Lisboa, ondecom Norton Brandão tivemos o en-cargo de criar e desenvolver diversifi-cadas acções nos Dispensários de Hi-giene Social das duas cidades, a teremeco pelas acções realizadas e amplosresultados conseguidos; também nasLeis Abolicionista e Proibicionista daProstituição; igualmente na Luta con-tra a Tinha em que ambos (eu e JuvenalEsteves), cada um a seu modo organi-zamos Brigadas Móveis de Tratamentopelas terras endémica; e também emSessões de Fins de Semana Clínicospara médicos da Clínica Geral realiza-dos por terras do Norte; e na estrutu-ração de reuniões da Sociedade Por-tuguesa de Dermatologia.Antes de continuar, é momento parareferir que, durante os anos por mimvividos em Lisboa ou quando, posteri-ormente, em funções mensalmente nosencontrávamos, sempre Juvenal Estevesprogramava nos tempos livres visitasdeterminada sala de certo Museu ouexposição artística de pintura, escul-tura e até de tapeçaria, muitas vezestambém com a companhia de NortonBrandão. E vindo ao Porto Juvenal Este-ves sugeria idas a locais dispersos pelacidade do seu conhecimento, ou eu lhesindicava, tais como obras do notávelpintor Henrique Medina, fundaçõesAntónio de Almeida e Cupertino deMiranda, certas igrejas; ou a terras pró-ximas como Braga, e Amarante em vi-sita ao Museu do já aludido Amadeode Souza Cardoso.Identicamente visitámos obras de artequando estivemos no 1º CongressoHispano-Português (Valência – 1946);VII Congresso de Dermatologistas e

Sifiligrafos de Língua Françesa (Bruxe-las – 1949); 10º Congresso Internaci-onal de Dermatologia (Londres –1952), 7º Congresso Ibero-Latino-Americano de Dermatologista (Cara-cas, Venezuela – 1971); e mais diver-sos lugares ou circunstâncias.Outra particularidade incomum deJuvenal estava na sua residência emLisboa, limitado e aconchegado andarna Rua da Emenda, a ser pequeninomuseu selecto onde com a sua mulherMaria Isabel o dia a dia era nutrido nomelhor bem-estar. E o singular estavano facto de, até na trivial refeição naintimidade, cada objecto ou peça demomentânea utilidade era escolhidoadequadamente à ocasião, porque, di-zia, a beleza devia ser apreciada, senti-da e vivida em todos os momentos. Sobesta ideia, da mais modesta faca damanteiga à chávena de café e às loiçasda faiança mais delicada, tudo se dis-punha na pequena mesa redonda so-bre adorno de apropriada toalha es-colhida a preceito, não faltando umrecipiente de cristal do qual se desta-cava uma ou mais flores a aromatizaro ambiente. E no espaço envolventeapenas de destacavam dois quadrosacertados ao local, de vez em quandosubstituídos por outros acaso figurati-vos. E algumas pequenas peças de prataou de cristal destacavam-se no estrei-to aparador com tampo de mármore.No escritório, entre diversos interes-ses, chamava a atenção um cavaletede madeira onde se expunha um qua-dro, de vez em quando substituído poroutro ou tela para manter a curiosida-de, que se perderia se o tempo de ex-posição perdurasse para além da atrac-ção.O viver de Juvenal Esteves era, peloapontado, em tudo requintado. Acres-centa-se, como mais um exemplo, o há-bito de, sempre que possível, almoçarcom colegas ou amigos no mais exce-lente e antigo restaurante de Lisboa, oTavares Rico, na Rua da Misericórdia,pois considerava ser a elegância tam-bém cultura.Terá interesse recordar o clima der-matológico em Lisboa naquela época.Antes, porém, impõe-se referir que, até

à definição pela Ordem dos Médicos dasespecialidades em Medicina em 1943,qualquer médico considerava-se espe-cialista quando, a seu critério, a certamatéria se dedicava. Só nos HospitaisCivis de Lisboa havia normas definidaspara quem nos Hospitais pretendessetrabalhar, a distinguirem-se, como foiantes citado, três categorias: interno, as-sistente e director de Serviço, sob exi-gência de provas adequadas, funçõesmodestamente remuneradas mas a atra-írem por motivarem reputação.A perspectivar a dermatologia em Lis-boa naquela época, merece destaqueD. Tomaz de Mello Breyner (CondeMafra), nascido em Lisboa em 1866.Após cursar Medicina na Escola Médi-co-Cirúrgica foi para Paris com a ideiade se dedicar à Neurologia. Conhecen-do ocasionalmente Alfred Fournier14,logo se interessou pelo estudo da Sífi-lis, doença infecciosa dominante quemuito inferiorizava e matava. Regres-sado a Lisboa, logo pensou na organi-zação de uma consulta onde pudesseser útil, intenção difícil a despeito dasua categoria e prestígio social, só con-seguida decorridos anos no Hospitaldo Desterro, sendo as camas, roupase até as vestes para os doentes por elefornecidas ou por amigos.Após seu falecimento (1933), seguiu-se-lhe Luís Sá Penella vindo de clíni-cas alemãs onde adquiriu preparaçãobásica15. De imediato lançou-se ao pro-jecto de conseguir instalações a per-mitirem-lhe aplicar os conhecimentosadquiridos. Evidenciados em poucotempo bons resultado, e sentindo anecessidade de divulgar a patologiacutânea, empunhou-se na instituiçãoda Sociedade Portuguesa de Dermato-logia e Venereologia a ter a primeirasessão em 28 de Novembro de 1942.Tinha Sá Penella apenas 66 anos quan-do faleceu em plena expansão de pro-jectos com repercussão no meio mé-dico, podendo dizer-se ter sido elequem, pela preparação anátomo-clíni-ca, possibilitou melhor e amplo conhe-cimento da Patologia Cutânea e conse-quente projecção em todas as áreasda Medicina.Outro pólo dermatológico com expres-

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siva reputação surgiu no Hospital deSanta Marta16 pelo Dr. João Alberto deMorais Cardoso17, nas dependências daClínica Médica por concessão do seudirector, a tornar-se rapidamente im-portante atracção para estudantes deMedicina e médicos entusiasmadoscom o método de pormenorização se-miológica e consequente apreciaçãocrítica da história da doença e da pes-soa, condições fundamentais naqueletempo para a apreciação global dodoente dermopático.Manuel Caeiro Carrasco (1899-1968)foi outra personalidade com mérito.Após o curso de Medicina longo tem-po esteve em Paris no Serviço de Jean-selme. Regressado, logo tomou a di-recção do Serviço de Dermatologia doHospital de Santo António dos Capu-chos a reorganizar em novos moldes.Todos os Serviços mencionados foramsemente germinadora de se pensar nainstitucionalização do ensino universitá-rio da Dermatologia e logo ocasional-mente estavam criadas circunstânciasfavoráveis. Com efeito, avançada a cons-trução em Lisboa do Hospital de SantaMaria18, a ser ao mesmo tempo Faculda-de de Medicina, evidenciou-se a necessi-dade desse ensino ser estabelecido e,para o efeito, foi aberto concurso paraum professor de Dermatologia que aFaculdade queria fosse o Dr. MoraisCardoso, dada a sua prestigiosa catego-ria profissional e humana e a simpatiaadquirida no meio universitário.Imprevistamente o plano alterou-se coma apresentação a provas, além do Dr.Morais Cardoso, também os Drs. CaeiroCarrasco e Ferreira Marques19. Desa-parecendo, nestas circunstâncias, o con-senso entre os professores da Faculda-de, nenhum concorrente foi aprovado.Tal facto foi, para Juvenal Esteves, oculminar da segunda condição da re-ferida trilogia, o ambiente, a abrir-se aporta da oportunidade.Com efeito, perante o acontecimento eestando em destaque Juvenal Esteves,três professores, na época dos mais

prestigiados na Faculdade (Fernando daFonseca de Propedêutica médica, PulidoValente de Clínica Médica e Reynaldodos Santos de Clínica Cirúrgica), per-suadiram Juvenal a preparar-se paraconcorrer à Universidade (1946).Logo Juvenal foi para Zurique (1947)para a Clínica do Professor Guido Mie-scher20 onde esteve dois anos a prepa-rar a tese que lhe permitiu dar satisfa-ção ao que lhe foi sugerdo, provas dedoutoramento e concomitantementede agregação, realizadas em 1950, atornar-se o primeiro professor de Der-matologia da Universidade de Lisboapor direito.De imediato estruturou o ensino se-gundo padrão próprio, em pormeno-res dissonante do modelo usual, peloque foi por vezes dificil de entenderna metodologia e propósitos. Com efei-to, em certos temas ou campos pode-rá dizer-se, figurativamente, JuvenalEsteves mostrava impor-se a todas asdificuldades, humanas e administrati-vas, umas vezes da fantasia para a pos-sível realidade e, outras vezes, parecen-do contrariar a realidade estar viven-do imaginária utopia, de qualquermodo nas duas situações porventuraem reflectida dúvida na busca do maisacertado e cautelosamente a ultrapas-sar naturais obstáculos. Esta ficção terásido, todavia, útil para o despertar doacomodado e trilharem-se progressi-vas ideias e correlativas acções ajusta-das ao tempo que se visionava para anova Europa pós Guerra Mundial eaos progressos técnicos resultantes.A realidade foi a abertura no Hospitalde Santa Maria, em 1953, do primeiroServiço Universitário de Dermatologiaem Portugal modelarmente apetrecha-do para os objectivos do ensino e deinvestigação a partir de rigorosa ac-ção clínica humanística.O realizado terá tido reflexo na poste-rior institucionalização da pedagogiadermatológica na Faculdade de Medi-cina do Porto e Hospital de S. João, soba minha responsabilidade em 1955; e é

de crer também na clínica universitáriade Coimbra, em 1965 pelo ProfessorPoiares Baptista. E foi sem dúvida pelosdermatologistas saídos destas três uni-dades universitárias que surgiram Ser-viços de Dermatologia sucessivamentepor diversos hospitais do pais e até emClínicas particulares, todos a ter na suaessência, sem o saberem, um pouco doprojecto de Juvenal Esteves.Foi Juvenal Esteves um pensador deideias e estruturador de acções quecorriam à frente dele, a exigir, como jáapontamos, atitudes distintas do con-formado modo de viver dos portugue-ses, a despeito de despertarem movi-mentos controversos.Vale a pena a lerem-se os pensamen-tos, concepções, opiniões, propósitose intenções apontados por Juvenal Es-teves nos Trabalhos da Sociedade Por-tuguesa de Dermatologia e em disper-sas revistas e até na imprensa diária,leitura a fazer-se sob serena e profun-da reflexão para se descobrirem for-mulações práticas relevantes de valorcultural.Identicamente merecem apreço os seuslivros: «Memória do Tempo», a ser umpasseio pela Baixa Lisboeta com co-mentários a factos do local; a volumo-sa obra «Dermatologia», com a cola-boração de Guerra Rodrigo, PoiaresBaptista e Marques Gomes; também de«Micologia Médica» com a GustavoNobre e Júlia Cabrita, e por fim «Anam-nese, Memória e História»*; de carác-ter autobiográfico, a merecer aprecia-ção pelo muito e belo que nele se lê.A despeito do seu desejo de entendera vida de modo amplo no seu meio, eaté global pelo mundo envolvente, erapossível vê-lo descuidadamente fecha-do em si próprio, atitude natural etemperamental, de longe vindo, de cer-teza da infância ê pela família por in-consciente defesa e de protecção nomeio que, embora não agressivo, eradiferente das raízes. Por outro lado, omodo reservado possibilitava-o melhorpenetrar no conhecimento de quem

* No livro que me foi oferecido por Juvenal Esteves, lê-se «Ao Aureliano da Fonseca uma “História” na maior parte vivida e sentida em comum e recordadanum abraço»

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1. Ana de Castro Osório (1872-1935), escritora portuguesa deliteratura infantil.2. Júlio Verne (1828-1905), escritor francês.3 Sherlock Holmes, personagem de ficção criada pelo médico eescritor britânico Arthur Conan Doyle (1859-1930).4. Dom Quichote, obra do romancista castelhano Miguel deCervantes (1547-1616).5. Emílio Salgari (1862-1911), escritor italiano.6. Orlando Ribeiro (1911-1997), professor da Universidade de Lis-boa e, em certo tempo, leitor de portuguêsna Sorbonne (Universidade de Paris).7. Mário Tavares Chicó (1905-1966), também professor da Faculda-de de Letras de Lisboa com grande currículo literário e artístico.8. Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918), de Amarante, primei-ramente dedicado à Arquitectura, em Paris interessou-se pela pintura.9. Simão César Dórdio Gomes (1890-1976), de Arraiolos comformação na Academia das Belas-Artes de Lisboa.10. Aspad Szenes (1897-1985), nascido na Hungria, pintor e artistagráfico a viver em Paris, marido de Maria Helena Vieira da Silva,nascida em Lisboa a viver em Paris (1908-1992), pintora de renome,também autora de uma série de ilustrações para crianças.11. Columbano Bordalo Pinheiro, nascido em Almada (1857-1929),pintor por intuição mas não libertado da «penumbra» que na sua vida

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existia em consequência de ideais de juventude frustrada.12. Interno, nome dada ao médico recém-formado que, desejandovalorizar-se na prática clínica e por ela adquirir prestígio e nome, solici-tava a sua aceitação em meio hospitalar, a disponibilizar todo o tempode dia e muitas vezes pela noite fora sem qualquer remuneração. Sóapós 1918 foi possível estabelecer-se regime de concursos subordina-do a vagas e com provas públicas, por três anos, e com remuneraçãoquase simbólica. Idêntica exigência era devida para a categoria de assis-tente e director. Paralelamente, naquele tempo, havia médicos estagiá-rios, voluntariamente aceites pelo director do Serviço e sem qualquerbeneficio remuneratório, os quais, porque o número de internos erainsuficiente em todos os Serviços, as suas actividades eram manifesta-mente salientes.13. Francisco Norton Brandão (1914-1998), com doutoramentoseguiu-se a Juvenal Esteves após a sua jubilação na Faculdade de Medi-cina de Lisboa e no Hospital de Santa Maria, a manter e desenvolver orumo do ensino e da Clínica.14. Jean Alfred Fournier (1832-1914), primeiro professor titular deDermatologia da Universidade de Paris.15. Luis Sá Penella (1889-1955), nas clínicas dermatológicas deFerdinand Zinsser (1865-1952) em Colónia, de Erich Hoffman (1868-1959) em Bonna, e de Karl Herxheimer (1861-1942) em Francfurte.16. Santa Marta (Hospital Escolar de), na rua de Santa Marta, nele

com ele ou a seu lado estava, atitudesobretudo presente no segundo tem-po da vida. Em quem, porém, encon-trasse identidade de interesses cultu-rais e humanos, descontraia-se, tornan-do-se acessível e afável sem restrições.Jubilou-se Juvenal Esteves em 1979 masnão parou a sua actividade, na opor-tunidade a apontar ideias e princípiosde vida em sentido amplo.Juvenal Esteves era, paradoxalmente,um idealista e romântico, ligado aopassado e dele dependente masrespeitador, a olhar o futuro com nos-tálgica pena de o ver gastar-se e já nãopoder viver o tempo avizinhado, queprevia ser maravilhoso em possibilida-des científicas e consequente valoriza-ção humana e social.A porventura contradição da perso-nalidade de Juvenal Esteves deverá serentendida na boa e franca intenciona-lidade. As suas realizações, a parece-rem egocêntricas, eram em verdadeopostas ao que delas se pensava. Ju-venal Esteves queria sobretudo ser útilà sua missão e ao país, e sob este pen-sar, fiel às suas ideias, defendi-as firme-mente de quem as contrariasse.Dispersou-se Juvenal Esteves por cer-to demais pelas áreas da cultura artís-tica, mas certo é desse modo encon-trou satisfação no viver, e valorizou oque fazia e até o convívio de quem osabia acompanhar.

Surpreenderá dizer-se que JuvenalEsteves, não obstante as característi-cas humanas, talentos e expressivosêxitos profissionais e sociais, era uminsatisfeito que dissimulava. E terá sidoo querer encobrir e superar a sua in-satisfação inquieta o motivo da quasesôfrega dispersão pelos diversas ex-pressões do saber e até diversificadoslocais onde esteve.E será também de admitir o seu com-portamento, sobretudo para consigopróprio, ter estado relacionado com aleitura, e até certo ponto adopção, doNaturalismo Científico, conceito dou-trinário filosófico surgido em Françana segunda metade do século XIX arecusar qualquer princípio transcen-dental e, consequentemente, a admitircomo única realidade a Natureza, emconceitos que para uns são díspares epara outros se entrelaçam, daí resul-tando a integração da arte, sobretudoda pintura nos princípios da doutrina,e por arrastamento todos os seus mo-delos até a literatura.No sim e não que se veja ou se queiraver no perfil humano e social de Juve-nal Esteves e nos conceitos é indiscu-tível, a despeito de algum exagero decomportamento afirmativo, em cadamomento ter estado onde era precisoe necessário a provocar a Dermatolo-gia do nosso meio para o futuro e emexpansão. E sofreu não ter tido possi-

bilidades de realizar todos os projec-tos idealizados, pelo tempo fugidio elimitadas recursos, e algumas dificul-dades que a inveja produz. Por taiscondições e pelo esforço em ultrapas-sar os obstáculos de circunstância maismérito tem o conseguido.A ter de terminar a visão da persona-lidade e vida de Juvenal Esteves é do-lorosa verdade sabermos que, a cami-nhar para o seu fim, teve muito sofri-mento e tristeza, a partir do falecimen-to da sua mulher Maria Isabel, pessoaque, como já um dia escrevemos, «eraa outra pessoa dele próprio», até tal-vez a sua segunda alma. Mas tambémpelo profundo desgosto de não ter fi-lhos e perdida a imaginária esperançade um deles ser médico e dermatolo-gista, porventura a dar continuidadeao que ele pudera ter feito e ser. Porfim, o estabelecimento de surdez galo-pante e total, com reduzida família aseu lado.Assim passou Juvenal para o outro ladoda vida e do tempo em 17 de Junhode 1996.A apreciação da sua vivência na nossarealidade contemporânea leva-nos anão o esquecer e sermos agradecidos.E seja-me permitido, a querer repre-sentar todos quantos com ele estive-ram em cada local, daqui para o seuintemporal lhe envie um abraço desaudade e gratidão.

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desde 1910 a parte clínica da Faculdade de Medicina de Lisboa, asuspender-se para a Faculdade com a inauguração do Hospital deSanta Maria.17. João Alberto de Morais Cardoso (1894-1958), adquiriu a suapreparação dermatológica em Breslau (Alemanha) na Clínica Universi-tária de Joseph Jadassohn (1863-1936).18. Hospital de Santa Maria, a ser inaugurado em 27 de Abril de1953.19. João Ferreira Marques (1906-1979), após o curso médico emLisboa, logo foi frequentar clínicas dermatológicas em Paris, Estrasburgo,Zuri-que e Viena, a fixar-se em Berlim. Surgindo a Guerra Mundial (1939)retomando a Lisboa na oportunidade concorre à Faculdade de Medi-cina. Sendo que Ferreira Marques era pessoa insatisfeita e de dificilconvívio, não aceitando o desaire de não ser admitido, por se conside-rar o mais competente, emigrou para a Etiópia e tempo depois para aArgentina, a conseguir instalar-se na Universidade de Mendonza. Pou-co depois, pelo contínuo desa-justamento, foi para Lewisville, nos Esta-dos Unidos, onde faleceu.20. Guido Miescher (1887-1961), adquirindo profunda formaçãodermatológica germânica em Munique, e também francesa obtida emParis, foi atraído a Zurique, onde encontrou possibilidades para criarum centro clínico e de investígação modelar durante muitos anos na

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vanguarda. Miescher, embora tivesse nascido em Nápoles, a sua origemfamiliar estava na Basileia. Dotado de fina capacidade critica, impressio-nava apreciá-lo a observar qualquer doente. Minuciosamente analisavaa expressão dermopática, a procurar conhecê-Ia desde os primeirossinais, e paralelamente com a apreciação das queixas fisicas e psicológi-cas. Tudo era comentado nos seus ínfimos pormenores com as dúvidasque lhe surgiam, em atitude rigorosamente cumprida sob a afirmaçãoconsciente de que nenhuma medicação deve ser indicada sem que setenha podido ter o diagnóstico honestamente possível. Tal procedi-mento terá tido sem duvida importância em Juvenal Esteves e na prá-tica dos seus procedimentos. A tese de Juvenal com o título «Surl’histopathologie des épithéliomes de Ia peau» foi publicada na Suéciana Acta Dermato-Venereolog., XXXIV, Suplem.31 (1954); e em Portu-gal, intitulada «Acerca da Histopatologia dos Epiteliomas cutâneos»,nos Arquivos de Patologia. XXII (1950).

*Professor aposentado de Dermatolôgia da Faculdade de Medicina doPorto.

Palestra na Reunião da Sociedade Portuguesa de Dermatologia, noHotel Santa Eulália em Albufeira (Algarve), no dia 8 de Novembro de2009.

No decorrer dos tempos vim a saberque este jovem médico tinha amadure-cido os seus conhecimentos e práticase, quando se esperava dele uma Car-reira Universitária, de certeza ao seualcance, optou por exercer a sua prá-tica e o seu saber num Hospital ditoDistrital ou Periférico ou seja Beja.Assim se iniciou a colonização da peri-feria dos grandes centros por gente decultura e saber atraindo outros paraesta grande aventura e ousadia de es-tender a formação pós graduada a to-dos os Hospitais gerais e assim foi oinício das Carreiras Médicas em todosos Hospitais. Hoje trata-se ou deve-setratar tão bem um doente num Hospi-tal periférico como nos grandes cen-tros.Quando em 1968 o Ministério da Saú-de abre vagas noutros Hospitais o Dr.Flores já lá estava e estava bem e a

A minha Homenagem ao Dr. Horácio Flores

ensinar. Tornou-se aliciante fazer a prá-tica médica nestes Hospitais e o proces-so era irreversível. As Carreiras Médi-cas eram já uma bela realidade e a geo-grafia do saber já estava enraizada nasperiferias.O Dr. Flores formou médicos de altaqualidade pela sua grande exigêncianos bons métodos e boas práticas nãodescurando os novos conhecimentose o crescimento vertiginoso de novastecnologias criando novas exigênciase responsabilidade na qualidade e ges-tão do risco.Foi uma referência na cirurgia portu-guesa da época já que praticava em Bejatoda a cirurgia que se praticava nosgrandes centros deste Portugal. Era umHomem de cultura acompanhando asnovidades e as exigências técnicas comcrítica fina que deixava transparecernos seus discursos que espero se pos-

Há muitos anos, quando iniciei o estágio de cirurgia no final do meu curso,

tive o prazer de conhecer o Dr. Horácio Flores, assistente no serviço do Prof.

Celestino da Costa. Era um médico cativante na sua simpatia, sabedoria e ...

ironia no atendimento dos mais novos. Assistentes assim convidam a ser mé-

dicos com respeito e sem temor a quem nos ensina. Passou a ser para mim

uma referência como Homem, como Cirurgião e como Amigo.

sam editar para novas leituras.Quando convidado, por se lhe reco-nhecer mérito, alinhou sempre na for-mação de Sociedades Científicas comoa Sociedade Médica dos Hospitais daZona Sul e Sociedade Portuguesa deCirurgia tendo feito parte das primei-ras Direcções eleitas. Manteve sempreuma postura discreta e quando lhe per-mitiam que aparecesse impressionavacom a sua postura perante a vida eperante a profissão.Deixa saudades e sendo «a saudade oque resta dum grande amor», penso queo Dr. Flores leva com Ele saudades doHospital que tão bem serviu e tantoamou.Como seu amigo só tardiamente sou-be da sua morte, morreu discreto as-sim como sempre viveu.

Luís Machado Luciano

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Escolha-se um acto horrendo, deixe-se que uma criança o descreva, e, nacrueza singela com que o faz, o actonada perderá de horrível. Coloque-seo mesmo acto nas mãos de um advo-gado talentoso e com o «dom da pala-vra», e, ele burilará a linguagem supri-mindo-lhe as arestas que ferem e quechocam, arrendondará as frases agu-das e cortantes, e, como por magia, onosso horror transformar-se-á em acei-tação, talvez até em aquiescência...Este poder modelador espantoso daspalavras, atinge o sublime na literatu-ra mas tem aplicação em todas as pro-fissões e artes.Através dele: – o pintor mediocre masimaginativo e fluente, consegue con-vencer-nos não só de que os borratõese gatafunhos com que pintou a telasão arte, mas que o facto disso se nãonos tornar imediatamente evidente, sedeve à nossa tacanhez e falta de espi-ritualidade... o colega persuassivo con-segue que a eficácia placebo do medi-camento quase supere a eficácia farma-cológica, e às vezes até acertar na curaquando errou o diagnóstico e a tera-pêutica o sacerdote eloquente (seja deque credo fôr) consegue trocar benspresentes por bens futuros e do outromundo e os nossos políticos desones-tos, hábeis e sagazes (tríade em viasde extinção) conseguem não só ven-der-nos gato por lebre como provar-nos as vantagens de cozinharmos e pa-parmos o «bichano»...É o que vai acontecer com a saúdeque apesar de em queda acentuada édas poucas coisas que ainda funcionarazoavelmente no nosso Estado, ditode Direito. Sendo a saúde tendencial-mente gratuita só pode obviamenterepresentar uma despesa para o paga-dor final que é o contribuinte. Não se

Episódios Fugazes de LucidezJá fomos à lua, já lançámos bombas atómicas matando de uma penada deze-

nas de milhares de seres humanos, já clonámos animais e até talvez homens...

mas tanto como as descobertas científicas que me deixam estarrecido e

maravilhado, sempre me fascinou, o poder espantoso das palavras.percebe, mesmo que se possua umaimaginação fecunda, como é que pri-vatizando-a, isto é, interpondo entre outilizador e o pagador uma entidadeque a explore arrecadando lucros, oscustos podem diminuir. É evidente paraqualquer indivíduo cerebrado, mesmopara aqueles em que a inteligência con-tribui escassa ou irrelevantemente parao peso da sua extremidade cefálica, queaos custos que houver somar-se-ão osganhos que a entidade exploradora fi-zer seus, e o custo final, é o que resul-tar da adição das parcelas...Contradirão os defensores que have-rá melhor gestão, racionalização doscustos... mas isso tanto é possível ago-ra como depois, tanto no que é públi-co, como no que é privado.Mas há muito que os grupos parasitári-os, despóticos e rapaces, que detêm overdadeiro poder e que da sombra dosbastidores, dirigem a aparente autono-mia política e mediática, elegeram a do-ença como mais um alvo a sugar e por-tanto isso acontecerá inexoravelmente,como fica sobejamente provado peloestado lamentável a que chegámos, con-duzidos qual rebanho, pelos nossos po-líticos, os mesmos com poucas excep-ções desde há vinte ou trinta anos.Esbanjou-se o dinheiro do país em es-tádios e expos, mordomias e enormesfalcatruas. Destruíu-se o tecido produ-tivo a troco dos milhões de Bruxelasque desapareceram sem rasto e sembenefícios em bolsos sem fundo. Cria-ram-se entidades supervisoras pagasprincipescamente para impedir os car-téis e limitar a usura e elas falharamredondamente. Fizeram-se negócios rui-nosos para o erário público e a candu-ra virginal com que todos estes respon-sáveis afirmam a sua inocência contun-de com a nossa boa fé... que raio, nós

bem vemos pela maneira elegante co-mo seguram e exibem a Montblanc,opondo o polegar aos outros dedos...que eles até são primatas.Alteraram-se as regras de aposentaçãoaos portugueses em fim de carreira, ouaté depois da reforma, o que em lingua-gem jurídica se chama incumprimentodo contrato e em portugês vernáculoroubo... Alteraram-se as leis laborais afavor dos nossos grandes empresáriosprecarizando-se o emprego e mutilan-do-se a esperança.O cidadão ingénuo que acreditou queo Estado ainda é o guardião do direitoe da honradez e lá depositou o seu afor-ro, viu-se esbulhado pela alteração dasregras, e para cúmulo recebeu umacarta do IGCP a informar que o nãoforam... tanta desfaçatez constituiu naminha opinião, um ardil táctico (estesindivíduos versados nas coisas do di-nheiro e da usura não são ingénuos nemsusceptíveis de cometerem erros cras-sos), para gerar desconfiança e induzira mudança das poupanças para BPN,BPP... cujo epílogo foi a farsa, ou anteso drama que foi pegarem em enormesverbas do contribuinte e dá-Ias não àsvitímas (estas perderam definitivamen-te o seu dinheiro) mas aos ladrões...Ultimamente tornei-me atreito a epi-sódios de clarividência, estado em quededuzi o supracitado, e também quehá uma relação directa entre certas pa-lavras que perpassam cada vez commais frequência nos meios de comuni-cação, se fixam nas mentes, criam vul-to: – Eutanásia, morte digna, encarni-çamento teraupêutico, testamento vi-tal, coitadinho para este infeliz, era me-lhor morrer... E, no reverso da mesmamoeda privatização da saúde, conten-ção de custos, salas de cuidados con-tinuados... a passo e passo procurar-

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se-á atingir o ideal, que é o cidadãomorrer de um ataque de alegria, nodia em que passar à aposentação.A miséria atinge um quinto da popu-lação, o desemprego alastra como apeste nas cidades medievais, de formaavassaladora, mas apesar disso qualArauto da Boa Nova o Senhor Primei-ro-Ministro vem todos os dias dar-nosas boas notícias cheias de superlati-vos: – inaugurou o maior do mundo,fez melhor que todos os seus anteces-sores isolados ou juntos...O Senhor Engenheiro não percebe nemtem nenhum amigo verdadeiro que lhediga que já não é convincente masapenas... repetitivo...Por contingências da vida e inerência danatureza humana o rol de actos que po-dem denominar-se de altruistas são naminha opinião, notoriamente escassos:– O cruzado ia pelo céu;– O navegante ia pela fama, pela fortunae pela baforada adrenérgica da aventura;– O próprio homem bomba talvez se façaexplodir por Alá e pelas setenta virgens.Só os nossos políticos e alguns dosnossos colegas o fazem exclusivamen-te pelos outros: eis a essência do al-truismo, diria mesmo, a essência de um«altruísmo excessivo».Foi norteada pelo altruísmo que umasenhora da nossa política procedeu àelaboração do IMI pelas regras CIMI,onde por razões ecológicas, ambientaise outras igualmente meritórias se pe-naliza menos o palacete com piscina,campo de ténis e dois hectáres de relva-do do que a casita dos subúrbios comquintalinho envasável e garagem indi-vidual. O Decreto-Lei que regula a apli-cação deste imposto, também chama-do sinistramente de Imposto Munici-pal sobre Incautos, constitui uma pe-quena obra prima do terror, sem re-curso ao sobrenatural.

Foi também norteados pelo altruísmo epelo dever pátrio que os colegas do Mi-nistério da Saúde procederam à elabo-ração da lista de prioridades de vacina-ção em relação à gripe pelo vírus H1N1.Se a gripe fosse a pandemia trágica quenos anunciaram e não o embuste queparece que foi, teriam conseguido eli-minar de uma vez por todas muitosvelhos e grande parte dos doentes cró-nicos mais graves, que se agarram àvida como as lapas às rochas da reben-tação, arrastando o país para o abis-mo do défice e da insolvência.E, foi devido ao maior e melhor dosaltruísmos que o Senhor Primeiro-Mi-nistro se fez vacinar sob os holofotesmediáticos em primeiríssimo lugar. OSenhor Primeiro-Ministro para quema gripe teria representado dois espir-ros e uma tossezinha, bem sabe com asagacidade que o caracteriza, como osportugueses lamentariam a sua indispo-nibilidade para vir às horas do jantardar as boas notícias.Reparei que o Senhor Primeiro-Minis-tro suava. Seria do calor das luzes, da«síndrome da sudorese altruística jádescrita por Hipócrates» ou do medoda picadinha?Os Senhores Deputados ou Senadores(termo que preferem) que há já algunsanos nos deram uma prova soberba domuito altruísmo que Ihes rege e enformaos actos, ao aprovarem para si mesmos,direito à reforma por inteiro ao fim dequatro anos de carreira contributiva,deram-nos mais um exemplo da suamuita abnegação ao encimarem a listade prioridades de vacinação.As prisões regurgitam de pobres diabos,drogados, pequenos deliquentes e até depessoas de bem, enquanto os facínoras,os padrinhos (sem os códigos de honrade Dom Corleone) se passeiam entrenós, nos exibem a sua riqueza numa os-

tentação impúdica de novos ricos e fa-zem sentir aos nossos filhos, que nós seuspais, não passamos de falhados...O meu ego pretende que as afirmaçõesque fiz resultam do uso de uma inteligên-cia ainda razoável e de um acúmulo desabedoria, mas admito estar redonda-mente enganado. Dos aspectos macros-cópicos da velhice estamos todos abun-dantemente informados e muitos de nósfartos... mas no seio dos tecidos, onde amorte e as adaptações celulares à isque-mia coexistem ainda não sabemos tudo,e, portanto admito que estes episódiosfugazes de lucidez se devam à produçãode alguma substância química que in-duza um delírio coerente ou incoerente.E neste país à beira mar, cheio de solgraças ao bom clima e cheio de suces-so e de progresso graças à boa gover-nação, grassa o desânimo, um desâni-mo viscoso e palpável, que deixa nosrostos traços indeléveis de tristeza,como nós médicos, nos habituámos aver nos doentes terminais que perde-ram a esperança e sabem que a morteé o fim definitivo e inexorável.E têm razão nesta perda de esperança,porque a desfaçatez ignóbil com que Ihesmentem, esta alteração constante e uni-lateral dos contratos depois do cidadãoter cumprido a sua quota parte, sob opretexto de maior justiça, de maiorsustentabilidade, disto ou daquilo... blá,blá, blá... significa o que no fundo todossabem, que chegou ao fim o Estado dedireito e que o refrão da velha canção,recuperou toda a sua actualidade: – Elescomem tudo, eles comem tudo...Agora até nos podem acenar com van-tagens, mas em breve, nós médicos,faremos também parte da ementa.

João Miguel Nunes «Rocha»Assistente Hospitalar Graduado

de Oftalmologia

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Estando nos «souks», naquela imensabalbúrdia de movimento, gente, comér-cio, vozes, cores, cheiros, um vende-dor de carteiras e cintos insistia emvender-me alguma da sua mercadoria.Estando necessitado de um cinto, aca-bei por comprar um, negociando daforma habitual daquelas paragens, ouseja, um pedido de cem merecia umaoferta de dez, acabando por ficar porcinquenta ou menos, depois de muitaconversa, e ficando nós, compradores,com a sensação que poderíamos ain-da comprar mais barato, muitas vezesuma diferença de valor ridículo em re-lação ao nosso estatuto económico.

VALORIZAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DOS VALORES

Há mais de um quarto de século (uma eternidade para os tempos que cor-

rem), visitando Marraquexe, sucedeu um episódio que me fez meditar sobre a

importância de alguns valores, entre nós a «passar de moda», subvalorizados,

mas que ainda muito significavam (e, apesar dos anos passados, ainda significam)

numa sociedade que, embora próxima em termos geográficos da nossa socie-

dade ocidental consumista, foi, e é, muito diferente em termos de costumes.

ou

COMO OS VALORES SÃO RELATIVOS, EMBORA NÃO O DEVESSEMSER, POIS DEVERIAM SER UNIVERSAIS E PERENES

Mas, como entramos naquele jogo, co-mo qualquer jogo, não queremos per-der. No dia seguinte, querendo avaliaro meu negócio da véspera, e sendoabordado por outro vendedor de cin-tos, perguntei quanto custava o cintoque me pareceu igual ao que compra-ra na véspera (e que, na verdade, naaltura, considerava igualzinho). Duzen-tos, responde-me o vendedor, não bai-xando dos cem apesar de muita insis-tência. – Comprei ontem um igual porcinquenta, disse-lhe eu, finalmente. –Não pode ser. Era mesmo igual? Eolhou-me nos olhos, fixando-mos. –Igualzinho, respondi-lhe, convencido. Efalava verdade, os meus olhos não men-tiam, como ele constatou (e que expe-riência eles têm...). Passado cerca deduas horas minha Mulher e eu, naque-la confusão, fomos rodeados por maisde meia dúzia de vendedores de cin-tos, perguntando, o que tinha estadocomigo duas horas antes, aos outros:– Quem ontem vendeu a este senhorum cinto destes por cinquenta? E apre-sentava-lhes o cinto. – Fui eu, respon-deu imediatamente outro, que reconhe-ci como sendo o que na véspera metinha vendido o cinto. Mas não é igual.A fivela é diferente! Algo assustado (ea minha Mulher ainda mais), reconhe-ci o erro involuntário (que mais tarde

confirmei), e o equivoco esclareceu-se.Fiquei a pensar que a venda de umcinto daqueles àquele preço motivavauma quebra no acordo entre eles es-tabelecido, falta gravíssima na sua éti-ca comercial, valor supremo naquelasociedade daquele tempo. E essa falta,não respeitando um valor espiritual fun-damental, a honra da palavra, justifi-cava, apesar de em termos absolutosnão ser um grande valor material, otrabalho de procurar e juntar os ou-tros vendedores e fazer uma acarea-ção (pois tinha sido reconhecido queeu efectivamente tinha falado verda-de), para se esclarecer a situação e,eventualmente, tirar as respectivas con-sequências.A honra da palavra, a palavra de hon-ra, foi um valor fundamental que mefoi transmitido na minha educação, eque tenho procurado sempre seguir,por vezes com prejuízo material. Nãoé necessário escrever, basta a pala-vra, quando se está esclarecido e sefaz um acordo. Mas todos os dias ve-mos, na nossa sociedade materialista,consumista e hedonista, a honra ser«arrastada na lama», muitas vezes porquem deveria dar o exemplo. A hon-ra, em tempos passados, era um valorque por vezes ultrapassava até o va-lor vida, pois muitos morreram (em

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duelos, por exemplo) para o defen-der, e outros mataram para o salva-guardar (lembremo-nos das mortesque provocaram os pais ou os irmãosdas mulheres que foram desonradas,e dos que se suicidaram por não hon-rar compromissos).Hoje, felizmente, prezamos mais o va-lor vida. A vida é hoje, na nossa socie-dade, talvez o nosso valor mais impor-tante. Como são também importantesa verdade, a justiça, a paz e o amor,em sentido lato. Mas, o morrer por umideal, morrer pela pátria, morrer poramor, como morrer pela honra, dificil-mente se enquadra nos nossos actuaispadrões éticos. Apesar de, em outrassociedades, ainda haver «kamikasi» ebombistas suicidas. A própria amiza-de, como a lealdade, a honestidade, orespeito e a humildade, em tempos tam-bém, como a honra, valores supremos(Egas Moniz foi apenas um dos muitosexemplos conhecidos), estão hoje di-ferentemente balizados conforme os

contextos, excepto talvez na juventu-de, em que, para muitos, é justificávelmentir para salvar um amigo, não falan-do já do amor romântico, que tudoultrapassa (quantos Romeus e Julietas,e damas das camélias, existiram?). Osvalores inerentes ao «Deus, Pátria, Fa-mília» que, durante muitos anos preva-leceram, estão actualmente com novasdimensões e novos equilibrios entre si.E os valores da verdade, liberdade,igualdade e fraternidade (este últimocom bastantes reticências ainda), da de-mocracia, do ecumenismo, tomam umadimensão e uma perspectiva que equa-cionam o nosso modo de viver. Mas asaúde, o bem estar material, a qualida-de de vida, o desenvolvimento econó-mico e sócio-cultural, são também va-lores hoje fundamentais na nossa for-ma de vida. Cada vez mais os valoresespirituais e materiais têm que estarequilibrados.Mas, infelizmente, quando falamos devalores, ainda há muitos abusos e dis-

torções. E, muitas vezes com sinal con-trário ao que até agora tem sido, hámuitos desequilibrios, quer em termosabsolutos, quer em termos relativos. Osvalores devem ser universais e pere-nes, embora, às vezes, com conflitos en-tre si dificeis de resolver, que uma edu-cação cívica e ética, para além das cir-cunstâncias, ajudarão a ultrapassar. Asreligiões, os costumes, às vezes ajudam,outras desajudam. E se, no evoluir daHistória da Humanidade, muito se avan-çou, com muita coragem, muito há ain-da para progredir, para equilibrar, parasedimentar. E, há que relembrá-lo sem-pre, os valores universais que justifi-cam direitos condicionam também de-veres. E o espírito de sacrifício, hojetão secundarizado, tem, nas proporçõesdevidas, que ser reabilitado, para de-fendermos e lutarmos por os nossosideais e objectivos. Segundo os princí-pios éticos fundamentais. Com cora-gem, perseverança, confiança, esperan-ça e fé.

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De entre aquilo a que se convencionouchamar temas fracturantes, a eutaná-sia é talvez aquele que mais interroga-ções e polémicas levanta.A questão da morte executada a pedi-do do doente pelo médico ou eutaná-sia activa remete-nos para uma ques-tão que nos transcende enquanto pro-fissionais, formatados para uma cultu-ra da vida.Com a morte, sem dúvida que terminaum universo cultural especifico, eirrepetivel para aquele ser humano emparticular, que se depositou nas nos-sas mãos estando doente, convocan-do-nos a com ele fazer um percursoenquanto profissionais, de qualidade devida, ou de preparação para a morte,de forma fisiológica, natural, suave, semagitação ou sofrimento, sem abrevia-mento ou intervenção exterior.Esta é a perspectiva ideal que qual-quer profissional de saúde deseja in-dependentemente de considerar ounão como indiscutível a absoluta sacra-lidade da vida.Viver, envelhecer e morrer com dignidadeé numa sociedade de direito democrá-tico o objectivo de todos os cidadãos;a dignidade de todos os cidadão está,aliás, consagrada na C.R.P, mas natu-

EutanásiaReconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os con-

trários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim,

senão o entendimento de tudo [...]. – Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

ralmente que o significado de dignida-de é diferente para os vários actoressociais.Por isso não se poderão eliminar comopor magia todas as dúvidas que pos-sam suscitar esta questão, face a umalegislação mais ou menos permissiva,em domínio tão sensível.Apresentar dúvidas e controvérsias étambém contribuir para um debatecada vez mais urgente. O filme do rea-lizador espanhol Alejandro Amenábar«Mar Adentro», conta a história de umtetraplégico Ramon Sampedro, que du-rante anos desejou a morte, solicitan-do-a às instancias judiciais do seu pais(Espanha), dado não o poder fazer au-tonomamente.Colocando várias questões éticas liga-das ao direito à vida, interroga-nos so-bre o reconhecimento de um mesmodireito à morte.Afinal, o que é morrer dignamente? Oque leva alguém a desejar a própria mor-te? Qual deverá ser a atitude de quemo rodeia e ama perante tal pedido?Tentar demonstrar-lhe por actos e pa-lavras que o corpo ainda que limitado,é parte de uma unidade biológica in-dissociável de um espírito pensante,imaginativo quiçá brilhante e podero-so? Que tal corpo faz parte de umtodo indissociável e único, também eleamado, apreciado, pela inteligência eimaginação?Ou ceder e apoiar o seu pedido e con-tribuir à margem ou não da lei para osucesso dos seus ímpetos, estando arespeitar um dos princípios da bioe-tica. que nos diz que a doutrina da dig-nidade humana está subjacente ao prin-cipio da autonomia da pessoa, que écapaz de deliberar sobre os seus ob-jectivos e agir de tal modo que serátanto mais autónomo quanto mais emelhor for capaz de modo voluntário,de se autodeterminar em termos inte-

lectuais e afectivos.Mas onde se insere então o respeitopela autonomia como uma realidade daprática medica actual? Autonomia essaque decorre da doutrina de respeitopela dignidade humana, que recusa autilização do homem como um simplesmeio, significando ainda independênciaem relação a controlos externos e ac-tuação segundo escolha própria.Como é que a sociedade pode actuar?Sem ser pela criminalização directa,sabendo que alguns paises europeusgozam de legislação no sentido de per-mitir a interrupção da vida a pedidodo doente, desde que lúcido e autó-noma na sua vontade?Como poderá a sociedade ser capazde se valorizar num sistema onde oindividuo é progressivamente invadi-do pela concepção de que a autono-mia individual é a matriz civilizacionalque nos comanda, e o indivíduo o cen-tro do mundo? Como recriar uma civi-lização mais humanitária perspectivadacomo diz Gabriel Marcel na realizaçãoplena do ser humano no plano da co-munhão com os outros1.Na nossa matriz civilizacional, europeia,existe uma exigência de cuidado quese retrata na interpelação do rosto dooutro, como expressa Lévinas, afiman-do que o outro é anterior ao eu. O serhumano toma consciência de si no seurelacionamento com os outros, demodo que a intersubjetividade consti-tui uma dimensão da própria subjeti-vidade2.A resposta poderá ser cultivar na prá-tica esta perspectiva de autonomiacomo sinónimo de liberdade, mas den-tro do respeito integral à ideia autono-mista apreendida como respeito pelooutro, isto é atribuir ao ser humanoautónomo a capacidade em dar-se assuas próprias leis sim, mas compartilhá-las com os seus semelhantes como afir-

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ma Schramm3. É nessa partilha de de-cisões que envolvem os outros, queestá a edificação da personalidade.Por isso quando alguém deseja mor-rer como solução para o seu proble-ma, por falta de autoestima, por se sen-tir estigmatizado, sofrendo como afir-ma Scambler de estigma interno, queo próprio sente mesmo sem a estig-matizaçao se verificar na prática (ex-terno)4, aquele que socialmente se au-toexclue terá de ser confrontado nosentido positivo com esse fenómeno,discutindo intelectualmente em parcei-ra com outros figurantes sociais, comoa família, a comunidade, o psiquiatra,os amigos.Será uma forma de recolocar a ques-tão do desejo de morrer num nível deentendimento superior, dialógico. Mes-mo sofrendo de estigma externo reco-nhecendo nós que a sociedade civil écruel, criada para o sucesso, onde o eupredomina face ao nós, é importante,discutir esses fenómenos em parceriacom o paciente, atribuindo dignidade aquem é realmente excluído.Se um doente sofrendo de AIDS, fordiscriminado no seu local de trabalho,quer a sociedade civil, como o medi-co, o jurista, a família e o próprio do-ente enquanto sujeito de direitos, ca-paz de decidir por si próprio, devemmobilizar-se energicamente contra aexclusão.O doente, tetraplégico ou sofrendo deoutra «tetraplegia mental», tal como odoente com Aids, poderá motivar amesma estigmatização tanto interna,como externa, numa sociedade ondeo belo é a meta.Mas o doente de AIDS mobiliza-se,movimenta-se, actua, até à morte pelavida, com dignidade, com metas maiselevados, como no excelente filme Fi-ladélfia, em prol do respeito pela dig-nidade humana.O manietado pelo infortúnio comoSampedro, poderá ter a mesma força,o mesmo protagonismo, se devidamen-te enquadrado e apoiado.Nos domínios onde se afloram as mar-gens de um bem básico como a vidahumana, deparamo-nos com «conflitosde identidade desintegrantes».

Sobre a questão da eutanásia e do sui-cídio pode a morte ser encarada comouma forma de cuidado? Na verdade,uma «ajuda no morrer» tem vindo aganhar força através dos defensores de(Hilfe zum Sterben), uma «ajuda paramorrer, com consagração legislativanos Países Baixos, Bélgica, ou Luxem-burgo, ou Estado norte-americano deOregon».Mobilizam-se relatos que se podemexpressar nas palavras de Sampedro– «Viver é um direito, não uma obri-gação».Em Portugal o livro Ajudas-me a mor-rer, de Laura Santos Ferreira diz-nos: amorte é uma infelicidade, mas é-o aci-ma de tudo por pôr termo a uma vidabiográfica e não meramente biológica.

Estado de almaAlgumas considerações serão neces-sárias nessa discussão. Primeiramenteimpõe-se a clarificação conceitual, numtempo em que práticas legítimas de ces-sação de cuidados são, indevidamenteentendidas como casos de eutanásia.Entendemos eutanásia como um«conjunto de acções (eutanásia acti-va) ou omissões (eutanásia passiva),praticadas por outrem que não o afec-tado, em regra profissional(is) de saú-de visando praticar a morte, a seu pe-dido ou não, sendo esta conduta de-terminada pelos simples respeito pelaautonomia ou por, no caso, se verifica-rem determinadas indicações como ador ou o sofrimento, de moribundo oudoente incurável»; (embora alguns au-tores considerem como verdadeiraapenas a eutanásia activa).O suicídio em termos jurídico-penaisdeixou de ser criminalizado. No sécu-lo XVIII, críticas contra a punição en-contram-se em autores como Montes-quieu, Voltaire e Rousseau, embora asua defesa persista em Kant na Meta-física dos Costumes:que nos diz o «[o]homem não pode alienar a sua personali-dade enquanto estejam em causa deve-res..., enquanto viva»;Já o incitamento ou ajuda ao suicídiocontinua a integrar o Código Penal.Quanto à eutanásia no nosso CódigoPenal, os artigos 134.º/1 (homicídio a

pedido da vítima) diz expressamente«Quem matar outra pessoa, determi-nada por pedido sério, instante e ex-presso que ela lhe tenha feito é puni-do com pena de prisão até 3 anos»; eo art, 133.º (homicídio privilegiado), re-mete-nos ao contrário do preceito ante-rior, para a eutanásia involuntária:«Quem matar outra pessoa dominadopor uma compreensível emoção violen-ta, compaixão, desespero ou motivo derelevante valor social ou moral, quediminuam sensivelmente a sua culpa,é punido com pena de prisão de 1 a 5anos». Este preceito não cobre, os ca-sos em que a acção é determinada pormotivo de eugenismo ou de racismo.Mesmo questões como a eutanásia e osuicídio, não fogem ao controlo, daConvenção Europeia dos Direitos doHomem e actividade decisória do Tri-bunal Europeu dos Direitos do Ho-mem. Através de um conjunto de re-soluções e recomendações, vai-se ain-da influenciando a conformação daslegislações nacionais.No confronto argumentativo, desenha-se a procura de soluções, colocandona balança princípios, ensaiando cami-nhos, onde se cruzam leituras consti-tucionais e possibilidades decisórias,sujeitas a uma panóplia de limites.A mobilização da sociedade civil comacções envolvendo médicos, enfermei-ros, assistentes sociais, psicólogos, bioe-ticistas, associações, será um outrocomponente a integrar nesta decisão.

Não é o caminho que é difícil, é o difícilque é o caminho ( Nietzsche)

BIBLIOGRAFIA

1. Gabriel Marcel, Positions et approchesconcrètes du mystère ontologique, 19492. Emmanuel Lévinas, L’humanisme de l’autrehomme, 1973.3. Mark-Oliver BAUMGARTEN, The right to die?Rechtliche Probleme um Sterbenund Tod, Bern/Berlin/Bruxelles/Frankfurt am Main/New York/Oxford, p. 89-93 Paradigmaticamente, o casoPretty v. The United Kingdom, 29 de Abril de 2002.4. «Assisted suicide under the European Con-vention on Human Rights: a Critique», EHRLR(2003), p. 65-91; Henricus Jacobus JosephusLEENEN, «European Court of Human Rights.Assistance to suicide and the European Courof Human Rights: the Pretty case», EuropeanJournal of Health Law 9 (2002), p. 257-262

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Mas ficámos baralhados com o super-lativo usado. É claro que não poderáfalar com todos os colegas – sendomédica – e tenha por isso de recorreràs organizações representativas daclasse para recolher uma opinião quetraduza a da maioria, mas quais são«as mais representativas»? A Ordemdeverá ser uma delas, com certeza, masuma dúvida nos atormenta: seria? Peloque tem vindo a lume, não temos acerteza. Mas admitamos que sim, pelomenos em parte das decisões.Uma coisa são as organizações que porlei têm de ser ouvidas, outra as orga-nizações que existem e que represen-tam o sentir da classe e traduzem assuas opiniões. E que por isso devemser ouvidas também. Interessante, estasubtil diferença semântica na nossa lín-gua entre «ter de» e «dever».«Mais representativas» porquê? Por lei?Por maior número de associados? Pelamelhor qualidade intelectual ou técnicados seus associados, ou porque estes têmmais conhecimentos e maior vivênciaprofissional? Porque lidam com mais

OUVINDOOuvimos a Senhora Ministra da Saúde dizer que tem ouvido as «organizações

mais representativas da classe médica» nalgumas das decisões tomadas. Ficámos

contentes, é importante que quem tem de decidir queira e saiba ouvir aqueles

que conhecem o assunto em causa, sobretudo os que nele trabalham diariamen-

te há muitos anos, que o vivem por dentro no seu dia a dia, que dele fazem parte

integrante e incontornável. No caso da Saúde, os Médicos, sem dúvida.

doentes e conhecem melhor os proble-mas intrínsecos dos hospitais? Porquê?Sem discutir que os que tenham deser ouvidos o sejam, a verdade é quesurpreende, por exemplo, que em as-suntos envolvendo as carreiras médi-cas hospitalares a Associação, precisa-mente, dos Médicos de Carreira Hos-pitalar não seja tida nem achada. Querdizer, não tenha sido ouvida, apesar decompreender vários milhares de asso-ciados e se focar sobretudo na áreaem discussão. E seja, sem dúvida, a «or-ganização representativa da classe»que mais se tem batido pelas carreirasmédicas hospitalares, postas em peri-go de extinção. Preocupação vivida etraduzida intensamente por nós e que,finalmente, foi corporizada agora porum ministro da saúde, médico (poracaso… ou talvez não).A verdade é que a Ministra da Saúdeouve quem quiser. Temos de aceitarisso. Tem essa prerrogativa, como tam-bém tem a responsabilidade de deci-dir e pelo que for decidido. Neste as-pecto, quando muito, poderá invocarsolidariamente a daqueles que ouviu.Ouvimos a Senhora Ministra reconhe-cer que os hospitais-empresas têm vin-do a ser abandonados pelos médicosmais velhos e experientes, com as con-sequências negativas que daí advêmpara a formação dos mais jovens. E queé preciso fazer alguma coisa para sus-ter e, se possível, reverter essa situa-ção. Nós já há muito que vimos siste-maticamente dizendo o mesmo, com oacordo de quase todos os colegas esem, aparentemente, sermos ouvidospelos decisores políticos.Mas esta realidade teve uma origem, não

surgiu do nada, e isso também nós te-mos vindo a dizer. Ela derivou das alte-rações administrativas que geraram oshospitais EPE, e sobretudo da maneiracomo foram aplicadas no terreno: leva-ram a uma desierarquização hospitalargeneralizada e sistemática, com a de-sestruturação dos Serviços, e foram es-tas que «empurraram» os mais gradua-dos para fora desses hospitais públicos.Não foram só «mais velhos e experi-entes» que saíram: foram formadores.Já era de prever, e dissemo-lo repeti-damente. Ter os mais graduados e com-petentes a trabalhar chefiados pelosoutros, não tem futuro; e foi ao quelevou o ignorar as carreiras médicasdentro dos hospitais.Na verdade os hospitais EPE, na exac-ta medida em que foram planeados eestão a ser geridos, são incompatíveiscom as carreiras médicas hospitalares.Como o Ministério da Saúde pareceter percebido agora que essas carrei-ras são uma mais-valia, criou umas no-vas, mas fora dos hospitais, é claro. Sópodia ser. Foi uma maneira de ter asduas coisas: umas carreiras médicas,exteriores aos hospitais e que dão unsdiplomas, e os hospitais-empresas, ondeesses diplomas terão a repercussão queas respectivas administrações quise-rem. E nas quotas que entenderem.Preenchidas pelos mesmos critérioscom que agora preenchem tudo: polí-tico-administrativos. Que é o que narealidade torna carreiras e hospitaisEPE verdadeiramente incompatíveis.Mas há uma tentativa de coarctar, pelomenos quantitativamente, a discricio-nariedade das administrações EPE: ocontrato colectivo de trabalho, nego-

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ciado pelos sindicatos, como é natu-ral, e só válido para quem neles esti-ver inscrito. A interface legal entre asnovas carreiras hospitalares e os hos-pitais parece, assim, vir a ser esse acor-do, o que levanta desde logo algumasdúvidas. Para entrar nas carreiras mé-dicas tem de se estar inscrito num sin-dicato? Quer dizer, para ocupar umacategoria num hospital tem de se es-tar incluído no contrato colectivo detrabalho? E quem tiver um contratoindividual? E quem tiver um contratocolectivo e depois sair do sindicato queo subscreveu? A carreira médica hos-pitalar implica pagar para a Ordem epagar para um sindicato?Todos estes problemas – de que se falaaqui muito superficialmente porquenão se sabe na realidade o que está aser discutido, e entre quem – só surgi-ram porque houve uma mudança ad-ministrativa que não os previu. Se ti-vessem sido atempadamente previstos,teriam levado por certo a uma refor-

ma administrativa que não esta que foifeita, nem da forma como o foi. Antesdela não havia problemas significati-vos ou insolúveis na estruturação clí-nica dos hospitais, na progressão porconhecimentos, experiência e provasdadas, nas chefias qualificadas, na for-mação pós-graduada, na qualidade damedicina praticada, e eles surgiram. Háque combater a causa, não tentar ata-mancar as consequências, no que éapenas uma fuga para a frente. Paratentar manter, afinal, uma mudança queeste ano deu mil e quinhentos milhõesde euros de prejuízo, mais 30% aindaque no ano passado… E insiste-se!Os próprios administradores estão, ago-ra, preocupados. Pelo desastre financei-ro, e porque eventualmente começarama perceber que os médicos têm umpapel capital também nos resultadoseconómico-financeiros das instituições.É que é a boa medicina que fica maisbarata, os bons resultados clínicos pa-gam. Pagam directamente, para além de

deixarem os «clientes» satisfeitos e osprofissionais mais realizados e com maisentusiasmo para trabalharem mais emelhor no seu hospital.Por isso apostar-se – como temos ou-vido dizer – na quantidade dos médi-cos existentes, sem se assegurar a qua-lidade da sua formação, pode ser maisum erro trágico, com maus resultadose de muito difícil correcção, mesmo alongo prazo. Aumentar o número para,pelas leis do mercado, diminuir o pa-gamento a cada um, é um cálculo pri-mário, só possível para quem não qui-ser ouvir que um número excessivode médicos, muitos deles formados àpressa (pode-se dizer doutra maneira,com os novos cursos de medicina quese anunciam?...), conduzirá forçosa-mente a muitos mal preparados, comas consequência negativas previsíveispara a saúde nacional e para o seucusto, este a aumentar com a qualida-de daquela a baixar. Agravando maisainda o que já acontece agora, aliás.

De 1 de Fevereiro de 2010 a 30 de Abril de 2010 poder-se-ão propor à admissãopara obtenção da Competência em Hidrologia Medica, pela Ordem dos Médicos

Os Licenciados em Medicina inscritos na Ordem dos Médicos que sejam portadores do titulo de especialista ou equivalentee tenham frequentado e adquirido:1 – Curso de Hidrologia das Universidades Portuguesas ou equivalentes.2 – Mestrado em Hidrologia ou Curso de Estudos Superiores pós-graduação que venha a ser implementado pela Ordem dosMédicos ou Instituto Universitário.

• Para tal, os interessados deverão entregar na Ordem dos Médicos: pedido de admissão para obtenção da competência deHidrologia Medica; documento de aceitação do médico orientador (obrigatoriamente portador do titulo da competência);o plano de estágios a realizar.• Este estágio de pratica clínica de 24 meses de serviço efectivo de consultas e seguimento de Termalistas deve ser exercidonum ou em vários estabelecimentos termais, como Médico adjunto, auxiliar ou estagiário, com uma carga horária de, pelomenos, 20 horas/ semana.• Declaração do Director Clínico da aceitação do estágio de prática clínica. Este estágio poderá ser realizado em mais doque um Estabelecimento Termal desde que sejam dirigidos por Médicos Hidrologistas.• Durante o período de estágio deverão desenvolver um projecto de investigação clínica ou experimental, no âmbito daHidrologia Médica, a defender, num período de 6 meses, após a conclusão do estágio.• Após a conclusão do estágio o candidato à obtenção do título deverá requerer a titularidade entregando:

1. Requerimento2. Curriculum Vitae3. Relatório do estágio confirmado pelo orientador4. Relatório do Projecto de Investigação

Admissão na Competência de Hidrologia MédicaO Conselho Nacional Executivo decidiu homologar os critérios de ad-

missão na Competência em Hidrologia Médica. Passamos a publicar os

respectivos termos:

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23Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

Contrariamente à posição do Gover-no, e sobretudo num País em gravecrise financeira (e não só…), será efec-tivamente um erro histórico a criaçãode mais uma Faculdade de Medicina. Eelas são já em demasia…Se se entende que os Cursos de Medi-cina ditos «tradicionais» são maus, quese modifiquem. Mas isso não pode jus-tificar, por si só, a criação de novosCursos.Parecendo obcecado pela ideia da ino-vação, o Governo tende a esquecer arealidade e que, há já alguns anos atrás,uma Comissão Internacional (cuja opi-nião subscrevemos), veio afirmar quea Portugal bastavam as 5 Faculdadesde Medicina existentes.Novos Cursos não deixarão de exigirpessoal Docente devidamente qualifi-

Um erro histórico: mais um Curso

de Medicina em Portugalcado (próprio às Instituições e não ob-tido por parcerias ou por emprésti-mos…), que, mesmo admitindo a suaexistência e qualidade, não poderão serfinanceiramente rentáveis face a umnúmero reduzido de alunos.Um excessivo aumento de vagas paracompensar o «esquecimento» de su-cessivos Governos em seguir a reco-mendação feita em 1976, de que serianecessário actualizar o «NumerusClausus» (face à evolução demográfica,à idade da Reforma, ao Sistema de Saú-de, etc.), será contra-producente, pois,futuramente, teremos Médicos em ex-cesso, face á capacidade e necessida-des do País.Se ter Médicos a menos é mau para aspopulações, pior será ter Médicos amais. Não é útil ao País o surgir dodesemprego Medico (como aconteceuem Itália e também em Espanha) oupassarmos a ter também «Médicos depé descalço», (como na antiga UniãoSoviética). Isso não melhoraria a qua-lidade, mais aumentaria sim, os custoscom a Saúde. Isto não é seguramenteuma «tese de defesa Corporativa», masacima de tudo um desejo concreto dedefesa dos Direito á Saúde das Pessoas.Não é possível desconhecer que o Cur-so de Medicina é o mais caro de todosos Cursos Superiores e nem sequer selimita aos 6 anos de Curso, pois, na pra-tica, prolonga-se sempre por mais 4 a 6

anos, pela necessidade de Especialização.Se a idade da Reforma passar de novopara os 70 anos, se o Sistema de Saú-de mudar, permitindo liberdade aDoentes e a Médicos (estas pagos deacordo com o seu esforço e trabalho),então até já teremos Médicos a mais!Falar em Medicina gratuita é pura de-magogia, pois todos sabem que a Saú-de custa dinheiro… e muito, e cada vezmais... O importante é pagar quandose está saudável para não ter de pagarquando se está doente e fragilizado.Só um Sistema Nacional de Seguro deSaúde, universal (preferencialmente in-dependente do OGE), para o qual to-dos contribuam proporcionalmenteaos seus recursos e do qual todos usu-fruam de acordo com o esforço quefizeram, será uma solução socialmentejusta e eficaz.Mas, o mais importante, para já, é mu-dar a forma de acesso aos Cursos deMedicina, tomando sobretudo em con-sideração as «Vocações» e não apenasas «Médias». Por isso, há muito, suge-rimos, como condição prévia de aces-so, «trabalho voluntário efectivo no En-sino Secundário, acompanhado poruma média razoável, e terminando emprovas de admissão para as vagas exis-tentes (correspondentes não só á ca-pacidade formativa das Instituições,mas também às necessidades das Pes-soas, sãs ou doentes…).

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24 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

O lema em latim «Audere est facere»,que significa «Ousar é fazer», parece umbom mote para a equipe que tem nasmãos a urgente e há muito esperada revi-são do Código de Nomenclatura de Ac-tos Médicos (CNAM) da Ordem dos Mé-dicos (OM), na especialidade que exer-ço, a Ginecologia/Obstetrícia. Este códi-go é usado pelas seguradoras e outrossubsistemas de saúde ou individualmen-te pelos médicos, e serve de base aoshonorários auferidos pelos profissionaisem actividade liberal, ou seja, fora doâmbito hospitalar público ou sob ges-tão de parcerias público-privadas. Estesúltimos têm adoptado outros referenciaispara financiamento dos actos médicosnão dependentes desta tabela. Na áreada Ginecologia/Obstetrícia, o código nãoteve alterações desde os anos noventa(?), e todos sabemos que nestes últimosquinze anos, ocorreram grandes mudan-ças, não só as dependentes do avançotecnológico possibilitando novas formasde diagnóstico e tratamento, como asque resultam de novos paradigmas dereferência de boa praxis em Saúde, comoé o caso da Medicina baseada na Evidên-cia e suas recomendações. Pessoalmen-te a exercer actividade privada nos últi-mos três anos, quando antes estava emexclusividade num hospital público, nãoposso deixar de testemunhar a desade-quação da tabela em vigor na minha áreade actuação, a Ginecologia geral. Um as-pecto evidente é o hiato temporal: devi-do à inexistência de actualizações su-cessivas, a tabela em vigor surge fora decontexto e fixada no passado. Uma via-gem no tempo. Entretanto, o improviso

«Audere est facere»e a adaptação às indefinições e lacunasexistentes tem sido um osso duro deroer, não só por não se justificar (exis-tem sistemas detalhados de codificaçãode procedimentos que se poderiamadaptar), como por obrigar a uma defla-ção ou inflação inevitável dos actos rea-lizados sem haver uniformização de cri-térios inter pares. É óbvio que isto não ébom para nenhum dos actores envolvi-dos (médicos, doentes e sistemas financia-dores), nem para o colégio da OM quenos representa.Mas passo a exemplificar, referindo al-guns problemas mais flagrantes.1. A inexistência de códigos para ac-tos correntes, como é o caso da excisãode Pólipos do endométrio por via en-doscópica. Na prática isto origina umasubstituição por código alternativoque, no exemplo dado podem ser vá-rios, da «curetagem» ou «aspiração»uterinas até à «miomectomia», comvalores de financiamento bem diferen-tes. Depois tem que se explicar aospacientes e justificar aos subsistemas,a razão porque consta no documentopara financiamento um acto diferentedo que se vai realizar. Aliás, na via deabordagem transcervical e transvaginalas lacunas são muitas, basta relembrara laqueação tubária, os tratamentos so-bre o endométrio ou a hidrolaparos-copia transvaginal. Outra ausência im-portante é a histerectomía vaginal comassistência laparoscópica.2. Patologias importantes e com trata-mento cirúrgico especifico que justificamuma referência própria, como é o casoda Endometriose nas suas diferentes for-mas ou da Doença Inflamatória Pélvica,são ignoradas. Na área do Pavimentopélvico, as técnicas de correcção referi-das são sumárias, não constando umacirurgia fundamental como a sacropexia,e havendo um grande saco indefinidosob a designação de «ligamentopexia».Não são contempladas técnicas que re-correm ao uso de próteses.3. Os valores relativos de K, que tradu-zem a complexidade dos actos médicos,terão que ser revistos tendo em conta,não somente a dificuldade técnica e ris-cos do acto em si, mas no meu enten-der, tentando defender ou, pelo menos,não penalizar o que a boa prática reco-

menda. Por exemplo, no caso dashisterectomías, as recomendações actu-ais recolocam a via vaginal como a viade eleição nas doenças benignas a pon-derar primeiro que as alternativas. Naprática, e por causa do baixo valor de Katribuído à histerectomía vaginal (me-nos 40 K do que a histerectomía abdo-minal), ao segundo ajudante necessárioe presença fundamental neste tipo decirurgia, é recusado pagamento por al-guns seguros ou o montante a receberé irrisório nos restantes. Também no quese refere à cirurgia endoscópica, para-digma actual de qualidade para grandenúmero de intervenções quer por vialaparoscópica, quer histeroscópica, a au-sência de códigos diferenciados originaem muitos casos um sub financiamentodos actos mais complexos. Isto porqueexistem subsistemas que não aceitam oacréscimo de 20 % para a cirurgia endos-cópica e que somente adicionam, porexemplo, o código de «Laparoscopia» ou«Histeroscopia» qualquer que seja a ci-rurgia executada por essas vias. Lição aretirar da actual tabela: penaliza-se a ci-rurgia vaginal e a cirurgia endoscópica.Outra lacuna importante é atribuir àintervenção de miomectomia um códi-go único, ou seja, sempre o mesmo qual-quer que seja a via ou técnica usadas, eo tipo de mioma. Assim o valor de Katribuído à miomectomia de tumorintersticial com reconstrução uterina etécnicas de controlo da hemostase, ésemelhante ao da extracção de peque-no mioma pediculado intracavitário porhisteroscopia. Ou comparativamentecom outras cirurgias é igual ao valordas intervenções sobre os anexos comoa quistectomia, por exemplo.Termino reforçando a mensagem do tí-tulo, e para a equipe responsável pelaactualização do CNAM na área da Gi-necologia/Obstetrícia, deixo um pedidosob a forma de um novo lema: «UsqueConabor» ou «Esforçar-me-ei mais»!

Nota: Da leitura duma crónica deliciosa

publicada no jornal Diário Económico de

13.2.2010, de Lucy Kellaway intitulada «O meu

novo lema: Nomina Rutrum Rutrum» (um

exclusivo Financial Times), retirei o título e o

desafio final deste texto.

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28 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

A situação da saúde em Portugal é cadavez mais preocupante. Dos profissio-nais, aos doentes, dos políticos aos ges-tores, aquilo que seria de início ape-nas uma vaga impressão dos mais lú-cidos observadores e especialistas namatéria, transformou-se presentementenuma certeza que recolhe uma raraunanimidade.De um modelo marcadamente hospi-talocentrico promovido compreensi-velmente a seguir à Revolução de Abrilde 1974, optou-se mais recentementepor tentar compensar este histórico«erro» estratégico, promovendo umaprofunda reforma do sector que se ini-ciou por uma reorganização dos Cui-dados de Saúde Primários. Não con-testo tal decisão, até porque fui sem-pre um defensor convicto da ideia se-gundo a qual uma das principais con-dições para garantir o adequado fun-cionamento dos Cuidados Secundári-os é precisamente o prévio bom funci-onamento dos Cuidados Primários.Contudo, a presente realidade da redehospitalar pública exige, também ela,uma profunda e urgente Reforma. Como notório envelhecimento da classe

«Doravante»«… a mudança é uma questão de vontade ... a cooperação gera mais valor do

que a competição, ao contrário do que se tem suposto nos últimos 20 anos

…» (sic.) Guilherme de Oliveira Martins (in «JL», Fevereiro/2010)

médica e com a saída impressionantede especialistas (quer por aposentaçãoou reforma, quer para encetarem ou-tros projectos profissionais noutrasunidades sob gestão privada ou mes-mo pública), alguns Serviços não têmjá «massa crítica» para poderem fun-cionar adequadamente, e muitos ou-tros, criados à revelia da lei vigenteaquando das gestões SA, nunca deve-riam sequer ter existido.Na sua verdadeira essência, a existên-cia de um Serviço deveria supor a con-junção de várias condições prévias, de-signadamente, estar inserido num Pla-no de índole nacional e regional conse-quente com as reais necessidades, teruma «massa crítica adequada» (n.º dedoentes e profissionais, condições lo-gísticas e técnicas suficientes), e ser umcentro de formação pós-graduada e deinvestigação clínica.Não apenas, como me parece que este-ve presente na sua génese, a corpori-zação da tentativa de assim isolar maisfacilmente um suposto responsável (naóptica míope de então) pelo crescimen-to vertiginoso dos gastos, sobretudo narubrica dos medicamentos im-prescindíveis ao controlo das doençasditas emergentes, mas também na áreada inovação tecnológica e terapêutica.Existem presentemente muitos exem-plos que ilustram de forma assaz elo-quente esta triste realidade, havendoa necessidade imperiosa de adoptarmedidas corajosas de racionalização ede moralização, se não nos queremosdeparar um destes dias com roturasassistências de enorme impacto emimportantes sectores da população, eaté na própria Saúde Pública.Digo isto por experiência própria e porprofunda convicção nas reflexões quetenho feito ao longo de mais de umquarto de século de vida clínica, e que

tenho tido a oportunidade de parti-lhar com inúmeros colegas das maisvariadas especialidades e nos mais di-versos «foruns».Esta candente Reforma deve supor, paraalém de um estudo aturado e isentoda realidade presente e futura, umaplanificação escalonada no tempo, dadoque, se é mau haver carência de meioshumanos qualificados, tenho tambéma convicção sincera de que não sei seainda não será pior a sua produçãodeliberadamente excedentária comintuitos mais ou menos ocultos!A recente criação de um número ma-nifestamente desproporcionado de cur-sos de Medicina, não deveria nuncasupor o surgimento a prazo de umasituação idêntica à que se passa actu-almente com a classe de Enfermagemonde, pela via do nefasto desequilíbrioentre a oferta e a procura, muitos des-tes profissionais encontram-se em si-tuações verdadeiramente indignas deprecariedade social e económica, logodesmotivados e revoltados com as in-justiças do sistema. Na realidade, vol-tou-se antes a fomentar o duplo em-prego, o que é um inegável retrocesso,até por este ser um factor decisivo quecondiciona a produtividade de uns e afalta de oportunidade de emprego deoutros.As Faculdades não devem pois existirem função de nefastos interesses mera-mente corporativos ou como automáti-co reflexo de uma qualquer conjunturapolitiqueira mais ou menos efémera epouco fundamentada, e muito menosainda, como pretensos centros de exce-lência didáctica e científica, mas na re-alidade travestidos no papel de simples«fábrica» de desempregados ou de as-salariados mal remunerados e acríticos,logo, simples frustrados no imediato eprofundamente revoltados a prazo!

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Devem antes, isso sim, corresponder àsíntese difícil, mas eminentemente ne-cessária, entre a legítima vontade indi-vidual de realização pessoal e profissi-onal, e as previsíveis necessidades efec-tivas da sociedade.Convém não esquecer que a experi-ência adquirida e partilhada é funda-mental para a designada «massa críti-ca» já referida, e que só esta pode con-duzir à competência e realização pro-fissional. Por outro lado, tal como éconsensual, profissionais desmotivadose frustrados jamais prestarão os cui-dados clínicos necessários com o al-mejado atributo de humanidade, reali-dade que infelizmente já vai rareandonos nossos dias, igualmente com reper-cussões muito negativas nos doentese na sua relação com os profissionaisdo sector e com as instituições, logo,com o próprio sistema em si. Em vezdisso, serão eles próprios os grandespromotores da denominada «medici-na defensiva» que, como é bem sabi-do, é muito mais onerosa e ineficiente.Hoje em dia, assiste-se quotidianamen-te ao degradante espectáculo de em-presas privadas supostamente especia-lizadas em recursos humanos aliciarema contratação de médicos como se tra-tasse de um mero leilão de cariz futebo-lístico, e de elementos bastante menosexperientes e qualificados auferiremvencimentos muito superiores a outrosque sempre deram um exemplo de de-dicação ao SNS e que souberam per-correr com coerência o demorado eexigente caminho das Carreiras Médi-cas, criando-se pois situações de ma-nifesta desigualdade e injustiça queestão actualmente a minar de uma for-ma fatal e irreversível todo o sistema.Não serão pois os arautos de tal pérfi-do e vil sistema, os tais que hoje ofere-cem «generosamente» honorários de«80», que ambicionam num futuro nãomuito longínquo dar apenas «8» pelomesmíssimo trabalho, quando na rea-lidade o seu valor correcto e justo sesituaria algures no meio destas duasimportâncias? Quem estará então alucrar com aquilo que é presentementeuma das principais causas do déficedas instituições hospitalares, logo da

eventual próxima ruína do próprio sis-tema?E o que dizer da qualidade dos interna-tos de especialidade dos médicos quesão cada vez mais vezes aliciados parao trabalho extenuante das urgências,completamente desinseridos do âma-go daquilo que deveriam efectivamen-te estar a estudar e investigar, distan-tes dos seus hospitais e serviços de ori-gem, desgarrados de uma salutar e qua-se inexistente prática clínica decorren-te da integração em equipas homogé-neas e devidamente hierarquizadas nabase da competência e experiência pro-fissional? É este o modelo com que sepretende a alegada profissionalizaçãodos Serviços de Urgência? Não seráantes um sinal da anacrónica eterniza-ção da mediocridade em detrimentoda almejada qualidade?É pois esta a situação que está a hipo-tecar de forma irreversível a sustentabi-lidade do muito que foi conseguidoatravés da criação, primeiro das Car-reiras Médicas e depois do SNS, reali-dades que tanto beneficiaram as po-pulações e constituíram para muitasgerações de médicos um motivo deredobrado orgulho, reflexo do seuempenhamento e competência.Sem estes valores, tudo será diferentepara pior, com reflexos muito negati-vos, não só para os doentes, mas tam-bém ao nível financeiro, sendo pois fun-damental para todos que tal tendên-cia se inverta, dado que apenas com amobilização sem reservas dos profissi-onais se pode ter uma medicina de qua-lidade e humanizada, sendo certo quesó esta permite simultaneamente a ge-nuína realização dos primeiros e a sa-tisfação dos segundos.É assim, neste quadro que, por vezes,como tantas vezes aconteceu na nos-sa história colectiva, ou na nossa vidaprivada, alguns simples episódios, oumesmo, aquilo que noutros contextospoderia não passar de um mero equí-voco, pela sua elevada carga simbólicanum determinado período de maiorvulnerabilidade psicológica como oque atravessamos, acaba por assumiruma decisiva relevância, qual reflexo«freudiano» de inconfessáveis fantasmas

ou recalcamentos mais ou menos in-conscientes.Refiro-me concretamente à mais queinfeliz expressão «Doravante designa-dos Trabalhadores Médicos» que re-petidamente se pode ler na legislaçãorecentemente publicada a propósitoda reformulação do articulado legal re-ferente às novas Carreiras Médicas.Se há coisas que podem mudar, e ou-tras que é imperioso alterar, há tam-bém as que, precisamente pela sua car-ga simbólica decorrente de um patri-mónio histórico milenar de que todossomos herdeiros e do qual nos deve-mos legitimamente orgulhar, não deve-riam nunca ser modificados sob pre-texto algum. Uma dessas coisas é certa-mente a designação do nosso inolvi-dável mister, na tradição de respeitoque é inteiramente devido aos nossosvenerandos Mestres, o primeiro dosquais o célebre autor do documentoque todos juramos cumprir no inícioda nossa vida profissional.MÉDICO é aquilo que sou, é aquiloque todos somos, e a condição de tra-balhador é uma denominação tão ge-nérica e transversal, que se torna per-feitamente desadequada e supérfluaneste contexto. A não ser que alguémpretenda passar a designar todas asrestantes profissões, ofícios e funçõesda mesma forma. E assim, passaríamosa ter o Trabalhador Presidente da Re-pública, o Trabalhador Primeiro-Minis-tro, o Trabalhador Cardeal Patriarca, oTrabalhador Gestor Hospitalar, o Tra-balhador Coveiro do Cemitério Muni-cipal, e todo o restante rol quase infin-dável que a sociedade ou a nossa maisou menos fértil imaginação conseguirarranjar… Ridículo. Mais, INADMIS-SIVEL!!!Antes preferia constatar que, DORA-VANTE, os mais genuínos preceitos daÉtica e a da Deontologia Civilizacionaispassassem a ser o referencial da con-duta profissional e relacional, não sódos Médicos, mas também dos Gover-nantes, dos Empresários, dos Sindica-listas, dos Membros das diversas Or-dens Profissionais, no fundo, de Todose Cada Um dos Cidadãos desta «Al-deia Global». Seria seguramente uma

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igualitarização muito mais nobre e ele-vada do que a que tristemente ficousentenciada no Diário da Repúblicadeste «País à beira mar plantado», onde,segundo reza a sábia lenda milenar, ha-bitaria um «povo que não se governanem se deixa governar».Quão mais motivante não teria sido,para aqueles «Velhos do Restelo» queainda teimam «quixotescamente» emnão abandonar o moribundo SNS eem acreditar genuinamente nas enor-mes virtudes das Carreiras Médicas,verificar que DORAVANTE deixari-am de existir os abutres dos interme-diários que tão nefastamente para-sitam o sistema. Que os Serviços pas-sariam a ter as condições devidas paraa formação dos médicos e para a as-sistência mais adequada e humanizadados doentes. Que as progressões pas-

sar-se-iam a fazer com base numa ava-liação isenta, inter-pares, das compe-tências profissionais de cada um. Queos salários deixariam de ser fomen-tadores de gritantes injustiças, masantes exemplarmente recompensa-dores de uma voluntária entrega a tãoexigente e desgastante missão e comuma variável decorrente da produti-vidade, da assiduidade e da qualida-de do desempenho individual avalia-das periodicamente.Que DORAVANTE os médicos deixa-riam de ser equiparados a meros fun-cionários «mangas-de-alpaca» e descon-fiadamente olhados como eternos des-respeitadores de horários rígida e ab-surdamente estabelecidos, alegada-mente em proveito próprio e à reveliado interesse primordial dos doentes,mas antes considerados nas suas reco-

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Envie-nos os seus artigosPara que a revista da Ordem dos Médicos possa ser sempre o espelho da opinião dos profissionais detodo o país, agradecemos a colaboração de todos os médicos que desejem partilhar as suas opiniões,experiências ou ideias com os colegas, através do envio de artigos para publicação na Revista daOrdem dos Médicos. Os artigos devem ser acompanhados de uma fotografia do autor (tipo passe) epoderão ser enviados para os contactos que se encontram na ficha técnica (morada da redação e/ourespectivo e-mail).

nhecidas idiossincrasias, a começar pe-los próprios elementos da Classe e aca-bar nos políticos, passando pela com-plexa teia de burocratas que gravitamem torno das instituições, muitas ve-zes sem que se saiba verdadeiramentequal a importância efectiva das funçõesque desempenham para o melhor tra-tamento dos doentes.Que DORAVANTE não iria existir ja-mais carência ou excesso de médicosou serviços, e que todos os cidadãospoderiam ter os cuidados de saúde ne-cessários com a proximidade possível.Finalmente, que DORAVANTE jamaisalguém se lembraria sequer de imagi-nar apelidar a nossa profissão com ou-tro epíteto que não o que Hipócratesutilizou nos seus sábios e intemporaisescritos.DORAVANTE …

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Prefaciado por João Lobo Antunes, estelivro «propõe uma definição que meparece esclarecer bem a natureza e osobjectivos deste novo saber jurídico»que é o Direito Médico. Trata-se, naspalavras da autora, do «conjunto denormas do ordenamento jurídico quedisciplinam as relações que se estabe-lecem entre o profissional de saúde,particularmente o médico, mas inclu-indo ainda as instituições de saúde ouHospitais, e o doente, bem como asnormas que regulam o exercício e aprofissão da medicina». Referindo aprofissão médica como sendo muitoabrangente, João Lobo Antunes diz ain-da a propósito desta obra: «é do do-mínio da profissão médica a preven-ção dos estados mórbidos, a definiçãode medidas de higiene e de aconselha-mento prudente dos hábitos mais sa-dios, e até, com a explosão da medici-na molecular, a predição de doençasque o genoma contém escondidas, e odesenho, que não será já mera utopia,de uma medicina personalizada. Tudoisto, e o desenvolvimento da tecnologia,tornaram a prática médica contempo-rânea cada vez mais complexa, arris-cada e perigosa, num contexto sociale económico sempre irrequieto. Assima medicina vai tomando rumos quedesafiam conceitos fundadores da éti-

C U L T U R A

Livros

O Segredo Médico como garantiade Não-Discriminação

Foi recentemente lançada a obra de Maria do Céu

Rueff intitulada ‘O Segredo Médico como garantia

de Não-Discriminação’. Trata-se de um estudo de

caso em direito da medicina que corresponde à dis-

sertação de doutoramento em Direito, Ciências Ju-

rídico-Criminais, apresentada na Faculdade de Di-

reito da Universidade Lusíada de Lisboa, em Dezembro de 2006 pela autora.

ca e do profissionalismo médico e,igualmente, jurisprudência sedimentadaao longo de décadas». Referindo o flo-rescimento do Direito Médico que de-corre também em virtude «dos confli-tos crescentes que vão emergindo noexercício profissional, a necessidade daclarificação dos contornos legais da suaactuação, e a complexidade da jurispru-dência atinente» é preconizado no pre-fácio que «os médicos devem olhar pa-ra estes novos especialistas como alia-dos e não como adversários», e pros-segue a propósito da autora: «Mariado Céu Rueff tem certamente uma pre-paração invulgar neste campo a quese dedicou com tenacidade e entusias-mo, e com rigor e escrúpulo académicoexemplares. Desde o início terá perce-bido que não poderia escrever sobresegredo médico sem conhecer os mé-dicos, sem ouvir o testemunho da suaperplexidade em relação a matériascomo as que constituíram o objectoda sua tese, eliminando, assim me pa-rece, qualquer liminar juízo valorativo,mas indo ao seu encontro no cenárioreal da sua prática. E, ao mesmo tem-po, nunca perdendo de vista a históriade um ofício ancestral e o processoevolutivo que se estende a uma mo-dernidade que cada dia se apresentaem novos figurinos».

«Na sua obra, a autora viajou no tem-po até Hipócrates e à sua escola, e ana-lisa em pormenor os preceitos coligi-dos num juramento provávelmenteapócrifo, hoje objecto de imaginativasdesconstruções que permitem acolherpráticas que provavelmente Hipócratesrepudiaria, embora muitos questionema interpretação literal de um códigoque aparentemente contradizia práti-cas do tempo. Na tradução que pro-põe do código hipocrático, a autoratraduz a regra que é objecto do seuestudo do seguinte modo: ‘Tudo o queeu possa ver ou ouvir; durante o tra-tamento ou fora dele, respeitante aodoente, que não deva ser divulgado,eu conservarei em segredo e não direia ninguém’. É claro que o sentido da-quilo que ‘não deve ser divulgado’ éprecisamente o cerne do problema queé matéria da sua investigação.O guardar segredo é, certamente, par-te de um contrato moral implícito, masé também uma necessidade operativa,pois a anamnese é, ainda hoje – e nãoé previsível que venha a ser diferenteno futuro –, o mais, importante passopara o diagnóstico. «Listen to the pa-tient», ensinava, Sir William Osler, paida Medicina Clínica. Requer, assim, in-formação completa e verdadeira (…)e, não raramente, a confissão de se-

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32 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

C U L T U R A

gredos que o próprio considera pode-rem afectar o juízo que o médico delefaz, correndo o risco de o abaixar paraposição inferior, no que deve ser umencontro em plano igual, olhos nosolhos, de duas dignidades. Ninguém ca-racterizou melhor tal encontro que oclínico francês, para mim anónimo, queo definiu como ‘une confidence qui re-joint libremment une:conscience’.»João Lobo Antunes termina o prefáciodesta forma: «Maria do Céu Rueff édigna do nosso profundo reconheci-mento, e esta obra constitui certamenteum marco na literatura sobre o segre-do médico».

Resumo da obra, formulado pelaautora«O segredo médico faz parte do mé-todo médico. Método médico e éticamédica confundem-se por vezes nomesmo comportamento – é o caso jus-

tamente dosegredo. Otratamentoigualitário e anão discrimi-nação em fun-ção da doen-ça constitu-em manda-mentos do Ju-ramento deHipócrates, apar do segre-do médico.Com o passardos séculos,as institui-ções sociaisforam deixan-do de basear-se na práticade juramen-tos mas a dis-ciplina ínsitano Juramentode Hipócra-tes e escritosda sua escolae n c o n t r o usuporte nor-mativo de ca-riz deontoló-

gico e jurídico e assim se mantém nanossa contemporaneidade.Quando há epidemias graves inter-põem-se, por vezes, políticas de saúdepública que podem fazer perigar a re-lação médico-doente. Não é o caso dapandemia do HIV/Sida. O que é novo,na situação desta, é o facto de deflagrarna era dos Direitos Humanos, quandojá não é «politicamente» possível ditara exclusão dos doentes, como ocor-reu no passado.A decretação da morte civil dos doen-tes, que aconteceu com a lepra e a pes-te, não é admissível e a forma de pro-teger as pessoas não infectadas é res-peitar os direitos humanos das pesso-as já infectadas («paradoxo da sida»).Tudo aconselha o acolhimento total dosportadores do vírus na sociedade e nosistema de saúde, bem como o respei-to absoluto pela sua dignidade, atra-vés da garantia do segredo médico, res-

peito pelo princípio da igualdade e ine-rente tratamento não discriminatórioem função da doença.Há que criar mecanismos jurídicos queprotejam as pessoas da discriminaçãoe do medo da discriminação, de formaa não se verificar o seu afastamentodo sistema de saúde. Há, ainda, quenão retirar às pessoas portadoras dovírus os meios que lhe permitam con-tinuar a viver com a dignidade devidaa todos os seres humanos.Entre esses mecanismos encontra-se atutela penal da violação de segredo(art.º 195º do Cód. Penal), cujo tipoprevê o comportamento que venha atraduzir-se em quebra não justificadade segredo médico e respectiva incri-minação.Propõe-se, por outro lado, a clarifi-cação das causas de justificação pe-nal e respectivos pressupostos, nocaso de quebra de segredo, para quese tornem mais determináveis, tantopara o médico, como para o juiz,eventuais possibilidades de revelaçãonão consentida de informação pro-tegida.A definição dos contornos da figurado médico com dupla responsabilida-de (art.º 97° do Cód. De Deontologiada Ordem dos Médicos – actual arti-go 118° do Regulamento n.° 14/2009,de 13 de Janeiro), e submissão do pro-fissional de saúde que se encontrar emtal situação aos preceitos do Cód.Deontológico médico, nomeadamenteem matéria de segredo, não podendoaceitar que esses preceitos sejam pos-tos em causa, constituem uma formaeficaz de não discriminação no âmbitolaboral, bem como de não exclusão noacesso ao emprego. A existência de fi-chas diferenciadas – ficha clínica e fi-cha de aptidão – e limitação da suaacessibilidade relativamente a tercei-ros á relação médica serve ainda o desi-derato de garantia do sigilo e protec-ção da dignidade e integridade daspessoas.Propomos o enquadramento sistemá-tico de todas estas questões num Di-reito da Medicina com ligação aos Di-reitos Humanos, com método própriojurídico-médico.»

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C U L T U R A

É do azul que partoPara o percurso único da poesiaDo azul do mar imensoDo azul intensoQue banha o meu paísE a minha fantasiaE segue solitário até ao Infinito.

Passo pelo roxo da saudadeNos lírios imortais de van GoghMistura de óleo e eternidadeDe espanto e grito.

Passo, depois, no amarelo vivoDos girassóis de Julho em PortugalE brindo à vida, ao amor cativoÚnico. Intemporal.Navego no vermelho. Lume e fogoAurora boreal do meu percursoEm que me perco e quase afogoE desço à terra, ao castanho baçoForça telúrica a lembrar o cursoDo passado e do presente, num abraço.

Continuo no preto. Tinta-da-china.Ou numa nuvem carregada de águaNa viuvez duma tarde chuvosa.Liberto-me no branco em que assistoÀ neve, à cal, aos vestidos de noivaÀ bata da escola de meninaE paro p’ra pensar. Duvidosa.

O ninho

Que importa se o teu olharÉ verde ou douradoBordado de Sol ou de luarQue importa se o teu sorrisoÉ um poenteTinto de promessas quase a naufragar

Se este poema é um caminhoTecido de arco-íris e de asasOnde me aventuro e ousoE todas as cores do mundoSão o ninhoEm que eu repouso

Ofélia BombaMédica psiquiatra, Portugal 2009

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34 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

C U LT U R A

Carlos Pinhão, inesquecível jornalista,está presente nas memórias de JoaquimPessoa e de Mário Jorge. A Covilhã vivena memória de Alçada Baptista e E.M.Melo e Castro. A paixão da Rádio estáem Matos Maia e a da TV em JoséQuitério.As bicicletas de Álvaro Cunhal são asclandestinas bicicletas que deram a vol-ta ao País e terminaram na capa dolivro «Até amanhã camaradas» en-quanto as bicicletas de Lídia Jorge sãoas da desordem que um tio semeava apedalar a sua «Deka» quando o avôesperava dele atenção e comércio. JáDinis Machado recorda Alfredo Trin-dade e o tempo em que se era de umclube por causa do ciclismo.O Grupo Desportivo de Chaves ligaEduardo Guerra Carneiro (cujo pai Ed-gar Carneiro ajudou a fundar o Clu-be) a Francisco José Viegas que entre1968 e 1980 viveu na rua do Estádioem Chaves percebendo de imediato

Algumas pistas de leitura

para «As palavras em jogo»

que o Chaves era muito mais do queuma equipa de futebol.O Atlético Clube de Portugal liga Di-nis Machado que foi descoberto naareia da Caparica e chegou a treinarna reserva do Atlético porque era ha-bilidoso e rápido a Luís Filipe Maçari-co com a memória do Carnaval da su-bida à primeira divisão mas tambémdas 900 famílias que o Atlético perdeupor causa da Ponte em 1966. DavidMourão Ferreira faz a ponte entre oAtlético e o Casa Pia, gosta dos doisclubes.A Académica está em José FernandesFafe quando, embaixador português emBuenos Aires, recebeu um telefonemade Mandes Silva a convidar Maradonaa vir para Coimbra como está em JoséManuel Mendes que andou a estudarna Lusa Atenas com Toni – o mesmoToni que acamaradava com José NunoMartins, Vieira Nunes, Rui Rodrigues eGervásio.

A violência que AméricoGuerreiro de Sousa co-nheceu de perto emSheffield quando lá foiprofessor é vista porDaniel Sampaio comoexpressão livre de revol-tas caladas. Já EduardoNery não pensou emvandalismo quando crioua decoração em azulejosda Estação do Metro doCampo Grande.

África está presente em Carlos Men-des, Clara Pinto Correia, Fausto, JoséDuarte ou Mia Couto.Os Açores estão presentes nas memó-rias de Mário Jorge que nasceu em Pon-ta Delgada.A voz das mulheres, plural e intensa,surge em Rita Ferro, Lídia Jorge, Hele-na Marques e Clara Pinto Correia.O Alentejo surge em Nicolau Saião quetem 4 filhos futebolistas e em UrbanoTavares Rodrigues que junta à entre-vistas uma crónica sobre Miguel Ser-rano – o ás do Atlético de Moura.Os desportistas são apenas três:António Roquete viaja até aos JogosOlímpicos de 1928, Mário Jorge, cam-peão pelo Sporting em 1979/80 e1981/82, olha duas décadas de fute-bol nos seus 577 jogos com a camiso-la do Sporting e Francisco dos Santos(1878-1930) não pode ser entrevista-do mas é recordado como o primeiroportuguês a jogar no futebol italiano.

A editora Padrões Culturais lançou recentemen-

te mais uma obra do escritor, jornalista e poeta

José do Carmo Francisco. Neste livro visitam-se

trinta entrevistas, assinalando as três décadas de

jornalismo do autor.

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36 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

2ª. Parte – Fernando J.S.S. BarataDirector de Serviço – Serviço de Pneumologia

do Centro Hospitalar de Coimbra

Fiz parte da Direcção do Colégio du-rante 15 anos consecutivos (1978 a1993) tendo colaborado com muitosColegas que muito contribuíram para ocrescimento, credibilidade, desenvolvi-mento e estabilidade da Especialidade.

PRIMEIRA PARTE

Direcção do 1º. Colégio de Pneumologia(Triénio 1978/1980)

Prof. Thomé Villar (Presidente)Dr. António Júlio Dias MartinsCoelhoDr. António Manuel Bessa PaesCardosoDr. Armando Guimarães PinheiroDr. José Manuel Galvão LucasDr. José Rebelo Valente CabralProf. Dr. Ramiro Goulart de Ávila

A direcção do primeiro Colégio dePneumologia nomeada pela ConselhoExecutivo da Ordem dos Médicos foipresidida pelo Prof. Thomé Villar que,com a sua vitalidade e eficácia, logo na1ª.reunião, realizada em 11/11/1978,traçou as directrizes orientadoras dasactividades a levar a cabo durante esteprimeiro mandato, nomeadamente adefinição do Curriculum da Especiali-dade e da idoneidade dos Serviços eainda a regulamentação das provas deavaliação dos candidatos ao exame de

Breve história do Colégio de Pneu-mologia da Ordem dos Médicos1ª. Parte – António J.D. Martins CoelhoEx-Director do Serviço de Pneumologia– H. São João

No XXIV CONGRESSO DE PNEUMOLOGIA, a Mesa-Redonda sobre: «Avalia-

ção do Internato de Especialidade» na qual o Dr. F. Barata se referiu ao Passado,

relativamente ao papel desempenhado pelo Colégio de Pneumologia da Or-

dem dos Médicos, sugeriu-me a ideia de dar a conhecer a história do Colégio

de Pneumologia desde o seu início em 1978.

Especialidade da Ordem dos Médicos.Criou as condições necessárias para aactividade dos futuros Colégios dePneumologia, nomeadamente a avalia-ção prévia dos candidatos e a nomea-ção dos Júris de Exame final. Levantouainda questões pertinentes sobre oâmbito de acção do Colégio e sobreos limites da sua capacidade de deci-são, como a ausência de carreira hospi-talar para os Especialistas e, conse-quentemente, a discussão do planea-mento da distribuição dos médicospneumologistas pelo País, tendo con-cluído que: «... não há conhecimento que,quer na maioria dos Hospitais Centraisquer Distritais, existam vagas para se-rem absorvidos os Especialistas que se vãoformando. Se não for resolvido o proble-ma, corre-se mesmo o risco de não ha-ver razão para a existência do Co-légio e para a sua missão.»

Logo na 3ª. Reunião do Colégio dePneumologia (13/01/1979) foi propostaa criação de Centros de Pneumologia,que formariam os especialistas pelaOrdem dos Médicos e que consistiri-am em dois Pólos: - Hospitalar e Am-bulatório, tendo a respectiva Acta sidoelaborada nos seguintes termos:«1º. – Pólo Hospitalar – num HospitalEscolar ligado a uma Universidade, seriaconstituído por Secções Básicas, onde o

candidato participaria em tempo integrale teria possibilidades de se preparar deforma actualizada, e outras Secções aque teria acesso por períodos mais cur-tos a fim de se instruir em determinadastécnicas necessárias à Especialidade.

a) As Secções Básicas seriam: –Internamento (com patologia variadada Especialidade); Técnicas Endos-cópicas da Especialidade; FisiopatologiaRespiratória; Cinesiterapia Respirató-ria e Ventiloterapia e Consulta Externa.b) O candidato deveria ter acessoaos seguintes Serviços: – Técnicasradiológicas da Especialidade e Roent-genterapia, Imunologia, Anatomia Pa-tológica, Radioisótopos, CirurgiaTorácica, Cuidados Intensivos e Reani-mação, Bacteriologia, Micologia eVirologia.

NOTA: – As Secções Básicas estariam,sempre que possível, reunidas em Servi-ços de Pneumologia, as outras poderiamescolher-se entre outros Serviços do mes-mo ou de outro Hospital, procurando sem-pre que fossem as mais qualificadas parao fim em vista.

2º. – Pólo Ambulatório – Destinar-se-ia a dar uma visão da Especialidade peloprisma da Saúde Pública. Poderia locali-zar-se num Dispensário ou Centro de Saú-de e deveria ter uma Consulta de Ambu-latório válida, Assistência domiciliária, Es-

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37Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

tudo da Ventilação (Vitalógrafo),Cinesiterapia e Ventiloterapia de manuten-ção, Radiologia (radioscopia, micro radio-grafia, radiografia standard e tomografia),Técnicas simples de imunologia (provascutâneos), Aplicação e avaliação de pro-gramas de Saúde Pública da Especialida-de (Rastreio, tratamento e prevenção comtécnicas comunitárias), etc.Deveria haver uma estreita inter-relaçãoentre os dois pólos que se deveriam com-pletar entre si para o funcionamento ple-no da Especialidade. O pessoal de ambosdeveria também intercomunicar com amaior naturalidade, organizando-se paraisso reuniões conjuntas para discussão decasos e projectos de modo a que todosos Especialistas, qualquer que fosse a«Competência», seguissem uma linha depensamento comum devidamente traba-lhada e construída por todos.Estes Centros teriam por função prestaros cuidados médicos da Especialidade domais alto nível possível (para evitar a saí-da de divisas com idas ao estrangeiro),ensinar a Especialidade desde a pré-gra-duação até à formação de Especialistas esua reciclagem, e procurar fazer Investi-gação Clínica e, possivelmente, até Inves-tigação Básica.A figura jurídica do Centro de Pneumologiadeveria ser a de «non-profit organization»sendo os seus lucros, a qualidade da me-dicina praticada e do ensino ministrado.A gestão do Centro caberia eventualmen-te a um Órgão Colegial Coordenador.Poderiam ainda ser criados dois tipos deCentro: – Um junto das Universidades eoutro de âmbito Distrital, desde que obede-cessem às condições previamente referidas.»

Entretanto a incapacidade do Prof.Thomé Villar continuar a sua activida-de, pelos problemas de saúde que le-varam prematuramente ao seu faleci-mento em 1980, condicionaram uminterregno nas actividades do Colégio,que só retomou a actividade num pró-ximo mandato do C.N.E. da Ordemdos Médicos para o triénio 1981/83,tendo a Direcção do Colégio a seguin-te constituição:

Direcção do 2º. Colégio de Pneumologia(Triénio 1981/83)

Dr. Armando Guimarães Pinheiro(Presidente)Dr. António Júlio Dias MartinsCoelhoDr. Celso Moreira Santos ChieiraDr. Manuel Fontes BaganhaProf. Dr. Manuel Freitas e CostaDr. Miguel Pedro Colares Iglésiasde OliveiraProf. Dr. Ramiro Goulart de Ávila

Durante este triénio, sob a presidên-cia do Dr. Armando Guimarães Pinheirosalientamos a elaboração, pela primei-ra vez, da listagem de Serviços idóneospara a formação de Pneumologistas, aprimeira Revisão do Código de No-menclatura proposta pelo Colégio dePneumologia, o qual, por não ter sidolevado em conta pelo C.N.E., levou aque fosse exarado em Acta o seguinteparecer: «...o Colégio de Pneumologiatomou conhecimento, com desagrado eestranheza, do novo Projecto do C.N.V.R.de Actos Médicos (Tabelas) relacionadoscom esta Especialidade. Embora consci-ente da sua função consultiva e não dedecisão, a Direcção deste Colégio enten-de que as divergências em relação à suaproposta...são de notória relevância.».Houve também, neste período, acalo-radas discussões sobre a «insuficien-te cobertura de Especialistas a níveldos Hospitais Distritais», que levou àapresentação de uma proposta aoC.N.E no sentido de «...serem criadas95 vagas necessárias à cobertura da Es-pecialidade de Pneumologia ao nível dosHospitais Distritais», assim como sobrea «obstrução aos estágios em Pneu-mologia para a Ordem dos Médicos,o que motivou uma intervenção doDr. A. Sant’Anna Gandra, do HospitalEduardo Santos Silva, que enviou umofício dirigido ao Presidente do C.N.E.,solicitando a «abertura de vagas parao Internato voluntário da Especiali-dade».Foi também neste triénio que se con-sumou a extinção do SLAT, o que tam-bém motivou troca de opiniões, tendoem vista a capacidade do Serviços re-sultantes da sua extinção, poderem vira ter idoneidade para formarem Espe-cialistas de Pneumologia.

Direcção do 3º. Colégio de Pneumologia(Triénio 1984/86)

Prof. Dr. Ramiro Goulart de Ávila(Presidente)Dr. António Júlio Dias MartinsCoelhoDr. António Manuel Bessa PaesCardosoDr. Celso Moreira Santos ChieiraDr. Manuel Fontes BaganhaProf. Dr. Manuel Freitas e CostaDr. Miguel Pedro Colares Iglésias deOliveira

Foi em 1985 que, pela primeira vez,houve um Delegado português na Reu-nião da UEMS (Secção Monoespecia-lizada de Pneumologia) realizada emStresa (Itália) durante o Congresso daSEP (Societas Europea Pneumologica, an-tecessora da European Respiratory Socie-ty – E.R.S.), tendo-me sido atribuidatal missão. Nesta Reunião participaramainda Delegados dos seguintes Países:Grã-Bretanha (Presidente), AlemanhaFederal, Bélgica (Secretário), França, Di-namarca, Grécia, Holanda e Itália.Durante este período foram recorren-tes as declarações exaradas em Actasobre problemas relacionados com aRevisão das Tabelas das Convenções,com a criação da Especialidade de Imu-no-Alergologia, além dos Relatórioscircunstanciados das Reuniões da UEMSde 1986 (Paris) e 1987 (Amesterdão)

Direcção do 4º. Colégio de Pneumologia(Triénio 1987/89)

Prof. Dr. Manuel Freitas e Costa(Presidente)Dr. António Júlio Dias MartinsCoelhoDr. António Manuel Bessa PaesCardosoDr. Artur Diogo Teles de AraújoDr. Jaime Alvarez PiñaDr. João Manuel Abreu BarretoDr. Manuel Fontes Baganha

Neste triénio houve várias situações quemereceram relevância especial, comouma nova Revisão do Código de Nomen-clatura de Actos Médicos, pelo que, aten-dendo às críticas pertinentes de muitosColegas, nomeadamente dos membros

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38 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

da Direcção do Colégio, foi decidido no-mear Comissões de Trabalho sectoriza-das, constituídas por Pneumologistas es-pecialmente dedicados às diversas áre-as a avaliar o que, após a emissão de seuparecer, permitiu à Direcção do Colé-gio elaborar um Relatório definitivo en-viado ao C.N.E.. Foi também nessaaltura que alguns Pneumologistas foramconvocados pela Secretaria de Estadoda Administração de Saúde para faze-rem parte duma Comissão com a finali-dade da «construção de Tabelas de Ponde-ração para as Técnicas de Diagnóstico e Te-rapêutica dos Hospitais».Outro assunto que motivou o interesseda Direcção do Colégio foi a discus-são de uma proposta de organização deuma Caderneta de Estágios para os can-didatos ao Exame de Especialidade.Foi também esta Direcção do Colégioque, na sua primeira Reunião, propôsa admissão no Colégio de Pneumologiado Dr. Manuel Tavares Sousa Coelho,Director do Serviço de Pneumologiado Hospital Santa Marta, com o seguin-te parecer: «...tendo uma actividade hos-pitalar integrada na Especialidade dePneumologia, sendo Chefe de Serviço dePneumologia dos Hospitais Civis desde1976, exercendo funções de Direcção deServiço desde 1977 e pelo conhecimentoque a Direcção do Colégio tem da suaactividade profissional e científica no âm-bito da Especialidade, a Direcção do Colé-gio concorda com a sua admissão, desdeque esta se integre nos preceitos legais.».Neste triénio o Colégio de Pneumologiavoltou a estar representado na Reu-nião Mono-especializada da UEMS,desta vez realizada em Freiburg – RFA,tendo sido novamente o representan-te português. A reunião foi muito di-nâmica tendo sido abordados váriosassuntos da maior interesse no senti-do de se harmonizar os métodos deformação de Pneumologistas a nível daUnião Europeia.

Direcção do 5º. Colégio de Pneumologia(Triénio 1990/92)

Dr. João Manuel Abreu Barreto(Presidente)Dr. António Herculano RamalhoNunes de Almeida

Dr. António José Garcia Segorbe LuísDr. António Júlio Dias MartinsCoelhoDr. Artur Diogo Teles de AraújoDr. Raul Amaral MarquesDr. Rui Manuel Pato

O Colégio de Pneumologia sob a di-recção do Dr. Abreu Barreto teve uminusitado acréscimo de actividade, es-pecialmente no ano de 1991 em quehouve, pelo menos 6 reuniões de Di-recção para preparação de um novo«Curriculum da Especialidade dePneumologia», que obrigou a um tra-balho intensivo de toda a Direcção doColégio, que se prolongou durante al-guns meses e que constitui, ainda quecom pequenas alterações, o Curriculumactualmente vigente.Além da actividade normal do Colé-gio houve ainda reuniões com outrasespecialidades, nomeadamente comImuno-Alergologia e outras convoca-das pelo C.N.E. que contaram semprecom a presença dinâmica do Dr. AbreuBarreto.As relações com a U.E.M.S. tambémtiveram acentuado incremento tendosido proposto pela Direcção do Colé-gio para me manter como DelegadoNacional durante todo este triénio eque ainda se prolongou após a minhasaída da Direcção do Colégio. Foi umperíodo em que, das reuniões anuais(Florença – 1991; Viena – 1992; Nice– 1993; Bruxelas – 1994) saíram pro-postas para a criação dos Boards Euro-peus, a instituição da Caderneta de Es-tágio e sobre a Educação Médica Contí-nua, que seria o «embrião» da futuraEscola Europeia de Pneumologia.Vale a pena recordar que a ideia inici-al de criação dos «Boards Europeus»gerou uma larga controvérsia no C.E.da Ordem dos Médicos, tendo mesmoo Conselho Nacional Executivo emReunião de 1991/Junho/20 decididoque «punha sérias reservas no que res-peita à criação dos Boards Europeus, con-siderando que o trabalho de harmonizaçãodos Curricula das diversas Especialidadesdeve ser levado a cabo pelas Secções deEspecialidades e pelo Comité deHarmonização da UEMS». Posterior-

mente, o Comité Permanente da UEMSaprovou, por unanimidade, uma mo-ção (4/Abril/1992) na qual: «declaravaas maiores reservas à criação dos «BoardsEuropeus» ou entidades com funções aná-logas, com o objectivo de avaliação indivi-dual dos médicos a um nível pós-gradua-do; considerava do maior interesse a har-monização do Curriculum médico entreentidades responsáveis nos diversos esta-dos-membros da Comunidade; e afirma-va a sua disponibilidade para colaborar coma UEMS na criação de padrões homogé-neos e níveis de formação a definir pelasSecções de Especialidade da UEMS e con-siderar a sua ratificação, incremento e eavaliação pelos Organismos Profissionaisrepresentados no Comité Permanente».A Secção Monoespecializada de Pneu-mologia foi, entretanto, encarregadapela U.E.M.S. de criar, a partir de si,um «Board Europeu» de Pneumologia,constituído de acordo com os Estatu-tos e Normas de procedimento actu-ais da UEMS.Os membros do Board deveriam serelementos de destaque representativosdas suas organizações pneumológicasnacionais, profissionais e académicas.Na profissão médica a Educação Médi-ca Contínua é uma necessidade e umaobrigação, devendo ser reconhecidoque, para o médico clínico, a aprendi-zagem é uma acção continuada ao lon-go de toda a sua carreira profissional,iniciando-se com o treino médico bási-co, continuando com o ensino pós-gra-duado e finalmente com a EducaçãoMédica Contínua. Esta representa assimuma obrigação profissional genuína paracada médico.Em Portugal a Educação Médica Con-tínua duma forma estruturada e oficia-lizada, viveu da tradição das activi-dades de alguns Serviços, como osCursos Pós-Graduados da Faculda-de de Medicina de Lisboa ou as Jor-nadas de Actualização Pneumológicada Faculdade de Medicina de Coim-bra, mas sem que, até então as Enti-dades Profissionais competentes –Ordem dos Médicos, Ministério daEducação e Sociedade Portuguesa dePneumologia tivessem assumido esseobrigação.

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

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39Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

A um nível europeu, o Comité Perma-nente de Médicos da União Europeiaadoptou a «Declaração de Dublin»(1982). Esta Declaração formula osprincípios básicos da Educação MédicaContínua.Foi assim, que na década de 90, a E.R.S.instituiu a Escola Europeia de Pneumo-logia a que anos mais tarde, a Socieda-de Portuguesa de Pneumologia se asso-ciou através do trabalho profícuo e per-sistente dos Delegados Portugueses, queme sucederam.Com a eleição do C.N.E. da Ordem dosMédicos em 1993 (Dr. Carlos SantanaMaia) foi criada uma Comissão Instala-

dora sob a direcção do Prof. Luís Cardo-so de Oliveira que se manteve em fun-ções até à tomada de posse da 1ª. Di-recção eleita do Colégio de Pneumologia,com a seguinte constituição:

Direcção do 6º. Colégio de Pneumologia(Triénio 1993/96)

Prof. António José Segorbe-LuísDr. Fernando José S. Santos BarataDr. Jaime Alvarez PinaProf. José Agostinho Marques LopesDr. José Ilídio Castro RibeiroDr.ª. Maria da Graça Carmo FreitasDr. Orlando YeepDr. Raul Amaral-Marques

Dr. Renato Sotto-Mayor e CastroDr. Rui Melo Pato

Por solicitação expressa do presiden-te da Comissão Instaladora (Prof. LuísCardoso de Oliveira) ainda me mantivecomo Delegado Nacional às ReuniõesAnuais da E.R.S. em 1993 (Florença) eem 1994 (Bruxelas).Terminou assim o primeiro ciclo dequinze anos de vida do Colégio dePneumologia (Direcções nomeadas peloC.N.E.) e dá-se início ao segundo ciclode quinze anos (Direcções eleitas peloColégio), tendo sido assim que passei otestemunho ao Dr. Fernando Barata.

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SEGUNDA PARTE

Inicio esta passagem de testemunhocom duas referências obrigatórias. Porum lado do excelente trabalho, expres-so em actas e nesta breve história su-periormente descrita pelo Dr. MartinsCoelho, desenvolvido pelos colegasque até 1993 estiveram nas várias Di-recções do Colégio de Pneumologia.Por outro lado do enorme prazer quetive em secretariar até ao presente asvárias Direcções, do muito que apren-di com os vários Presidentes e comtodos os colegas que com as suas opi-niões, pareceres, trabalho por vezesintensivo, disponibilidade, contribuí-ram para um permanente enriqueci-mento do Colégio de Pneumologia.Para globalmente se entender o papeldos Colégios dentro da Ordem dosMédicos, é obrigatório conhecer o re-gimento dos colégios e as sucessivasrecomendações do Conselho Nacio-nal Executivo (CNE). Muitos colegas,expressam ao colégio, preocupaçõesconcretas que excedem a capacidadede intervenção do próprio Colégiocomo órgão consultivo do CNE. Ape-sar de algumas dificuldades, as suces-sivas direcções orgulham-se de teremrealizado em domínios tão diversoscomo programa de formação, idonei-dades, código de nomenclatura e ac-tos médicos, avaliação final do inter-nato, caderneta do interno, competên-cias específicas do colégio em áreas

comuns a várias especialidades, regu-lamento de sub-especialidades e ou-tros um trabalho pioneiro e decisivo.Continuemos então com a breve his-tória do Colégio de Pneumologia

6º Colégio de PneumologiaTriénio 1994/1997 (constituição atrás

descrita)

Neste triénio, presidido pelo Dr. RuiMelo Pato (Julho de 1994 a Julho de1995); Dr. Raul Amaral Marques (Ju-lho de 1995 a Julho de 1996) e Prof.José Agostinho Lopes (Julho de 1996 aJulho de 1997), uma referência retira-da duma acta sobre o papel da Co-missão Instaladora (Junho de 1993 aJulho de 1994) …excelente trabalhodesenvolvido pela Comissão Instaladorapresidida pelo Prof. Luis Cardoso Oliveira,sublinhando a disponibilidade, correcção,elevada participação, contributo para odiálogo e empenhamento de todos, na re-solução para além das questões corren-tes, de graves problemas e que se saldoupor um profícuo trabalho de que se real-ça: a) Elaboração, discussão, aprovação eenvio ao CNE do Código de Nomenclatu-ra e Actos Médicos. b) Calendarização epreparação em colaboração com o CNEdo processo eleitoral que terminou com aeleição da presente Direcção do Colégio.c) Concurso de Admissão por Consenso.d) Abordagem firme da problemática daCinesiterapia Respiratória e da Imuno-Alergologia.

Deste triénio sublinhe-se o germinar… da necessidade da criação de cursos eestágios, de curta duração, pós-graduados,temáticos, inter-hospitalares e inter-servi-ços, em colaboração estreita entre o Co-légio de Pneumologia da Ordem dos Mé-dicos e a Sociedade Portuguesa de Pato-logia Respiratória. Estes cursos e/ou está-gios seriam passíveis de valorização espe-cífica (créditos), correspondendo assim aoproposto no Regulamento Geral dos Colé-gios de Especialidade e, no nosso casoespecífico, abrangendo áreas importantesdo conhecimento pneumológico actual.Também a constatação da existênciade actos complementares a várias espe-cialidades e o reconhecimento dascompetências das várias especialida-des, gera sucessivas reuniões que ter-minam pela deliberação em consonân-cia com o CNE: a) É da competênciaexclusiva do Colégio em que o Médico estáinscrito o certificar que ele tem ou nãohabilitações para efeitos de Convenção. b)Deverá ser vedado a outro Colégio, quenão aquele em que o Médico se encontrainscrito, a possibilidade de se passarempareceres ou certidões relativas à idonei-dade dos Médicos…Deste triénio registo ainda à nomea-ção de consultores científicos da áreapneumológica para a revista ‘Acta Mé-dica’; a nomeação de vários júris detitulação; a aprovação, já em 1995,após várias reuniões do Regimento doColégio de Pneumologia. Esta versãovai ser posteriormente alterada e adap-

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40 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Fevereiro 2010

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

tada para responder a novas formasde avaliação e programação bem comoaos novos documentos oriundos doCNE. Por ultimo referência à elabora-ção e aprovação do programa de for-mação, publicado em DR 1996 e quese vai manter como documento padrãoda formação durante mais de uma dé-cada.A partir de 1995, como delegado na-cional à Reuniões Anuais da ERS, énomeada a Drª Maria da Graça Freitas.

Direcção do 7º Colégio de PneumologiaTriénio 1997/2000

Prof. António Segorbe LuísDr. António Simões TorresDr. Fernando José Barata(Secretário)Dr. João Moura e SáDr. João Roque DiasProf. José Agostinho MarquesDr. Luís Goes PinheiroDrª Maria da Graça Carmo FreitasDr. Raul Amaral MarquesDr. Renato Sotto-Mayor

Este triénio, foi presidido de Julho de1997 a Julho de 1998 pelo Prof. JoséAgostinho Marques, de Julho de 1998a Julho de 1999 pelo Prof. António Se-gorbe Luís e de Julho de 1999 a Julhode 2000 pelo Dr. Raul Amaral Mar-ques.Para além do extenso expediente, no-meação de júris de avaliação, avalia-ção de idoneidades e concessão decapacidades formativas, foi um triéniomarcado por um lado por um apoio eincentivo ao desenvolvimento da pneu-mologia a nível dos hospitais distritaise por outro lado por reuniões com oCNE e com outras especialidades pro-curando definir as competências espe-cíficas da Alergologia, Oncologia e Ci-nesiterapia.Sobre a alergologia refere-se em acta… os pneumologistas não prescindem deabordar todas as afecções respiratórias,incluindo a asma brônquica, em todas assuas vertentes diagnósticas e terapêuti-cas.Sobre a Oncologia Pulmonar, retirei deum documento aprovado por unani-midade e enviado para o CNE e para

o conselho do medico interno … Semprejudicar a interdisciplinaridade, que ca-racteriza a abordagem diagnostica, tera-pêutica e o seguimento do doente onco-lógico, os doentes com cancro do pulmãodevem ser abordados prioritariamente porpneumologistas com experiência nestaárea já que é o pneumologista que domi-na as múltiplas técnicas que conduzemna maior parte dos casos ao diagnósticoe estadiamento destes tumores, que rea-liza as técnicas diferenciadas da especiali-dade, nomeadamente endoscopia de in-tervenção. Em muitos locais é o pneumolo-gista o melhor treinado e vocacionado pa-ra coordenar o tratamento deste doen-tes.À semelhança de outros países euro-peus foi criada por proposta desteColégio de Pneumologia da Ordemdos Médicos um estágio obrigatório emOncologia Pneumológica no âmbitodo Programa de Formação do Inter-nato de Pneumologia que é hoje reali-zado em Serviços Idóneos da Especia-lidade.Desde há anos que nos principais hospi-tais centrais, funcionam sectores deOncologia Pneumológica, sob a orientaçãode vários pneumologistas com experiên-cia reconhecida nesta área.Mais adiante o documento refere que… qualquer abordagem do cancro dopulmão deverá contar sempre com ospneumologistas. A multidisciplinaridadepressupõe discussão conjunta e respeitomútuo e não exclusões e interdições abu-sivas de um grupo sobre outro. Seja emsede de decisão, quer integrados numaUnidade de Oncologia dever-se-á contarcom o Pneumologista.

Direcção do 8º Colégio de PneumologiaTriénio 2000/2003

Dr. Abel AfonsoDr. António RomãoDr. António Simões TorresDr. Fernando José Barata(Secretário)Prof. Francisco José AlvesProf. Henrique Queiroga (Presidente)Dr. Joaquim Pontes da MataDr. Luís Goes PinheiroDrª Margarida Cancela de AbreuDr. Renato Sotto-Mayor

Por indicação do CNE, a presidênciadeixou de ser rotativa, passando a sereleito entre os pares, o presidente parao triénio. Eleito Prof. Henrique Quei-roga.Neste triénio para além do expedien-te regulamentou-se sobre a sub-espe-cialidade de Medicina Intensiva e dePediatria Pneumológica.Estabeleceu-se os critérios de avalia-ção e de concessão de idoneidade dosCentros de Diagnóstico Pneumológico.Durante várias reuniões foi discutidoa Tabela Nacional de Incapacidades.Também neste período foram estabe-lecidos os critérios de atribuição deidoneidade. Do documento destaco …considerado com Idoneidade total, todo oServiço que reuna as condições necessári-as à formação do Especialista de Pneumo-logia. Para além de um sector individuali-zado de Internamento, o Serviço Idóneodeverá dispor, pelo menos, de equipamentoe recursos humanos capazes de assegura-rem um ensino moderno da Fisiopatologia,Endoscopia, Reabilitação, Alergologia,Infecciologia e Oncologia que interessamà Pneumologia. O Serviço deve estar en-quadrado numa estrutura hospitalar que,pelo número e nível de Serviços Especiali-zados, permita o estudo multidisciplinardo doente pneumológico, contribuindo as-sim para a Formação Integral do Especi-alista de Pneumologia. Mais se esclareceuque a concessão em cada ano dos Servi-ços considerados Idóneos, resulta da avali-ação das Comissões Regionais de Idonei-dade com base em questionários dirigidosaos Serviços e visita e estudo local das con-dições de funcionamento dos mesmos.

Direcção do 9º Colégio de PneumologiaTriénio 2003/2006

Dr. Abel AfonsoDr. António Simões TorresProf. Carlos Robalo CordeiroDr. Fernando José Barata(Secretário)Prof. Francisco José AlvesDr. Henrique QueirogaDr. José Miguel CarvalhoDrª Margarida Cancela de AbreuDr. Nelson DiogoDr. Renato Sotto-Mayor (Presi-dente)

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Deste triénio exaustivo, dedicado e di-nâmico seleccionei a contribuição doColégio, presidido pelo Dr. RenatoSotto-Mayor, para o regulamento dosinternatos médicos, regulamento geralpara o ano comum e tabela de actosmédicos. Neste triénio são elaboradose enviados para o CNE, para aprova-ção, documentos tão importantes co-mo a caderneta do interno ou o regu-lamento para a concessão de patrocí-nios científicos. Face a um númerocrescente de pedidos para represen-tação e nomeação de peritos médicos,procurámos sempre uma respostaatempada às múltiplas solicitações. Ain-da neste triénio, em sucessivas reuni-ões, o colégio trabalha na revisão doprograma de formação que será com-pletado no triénio seguinte segundoum modelo do CNE e com a inclusãodo ano comum.Pela primeira vez, a direcção convocaa Assembleia Geral de todos os cole-gas inscritos no Colégio (08 de Maiode 2006, pelas 17.30 horas, na Sededa Secção Regional do Sul da Ordemdos Médicos). Nesta assembleia é di-vulgado, não só o trabalho do triénioque merece a aprovação de todos ospresentes como todo um trabalho deanos, desconhecido da maioria doscolegas pneumologistas e que, em con-junto com o Dr. Martins Coelho, ten-támos descrever nesta breve história.Pela importância e relevância retireidas actas deste triénio apenas partesde dois documentos parcelares orien-tadores emitidos pelo Colégio:Prestação do interno no serviço deurgência. …em todo o Hospital que pos-sua um número de especialistas emPneumologia suficiente para um apoio empresença física ao Serviço de Urgência estedeverá ser o regime a adoptar. …os in-ternos deverão cumprir o seu tempo deurgência, em regime de presença física,sob orientação do especialista. Recomen-da-se que tal serviço seja prestado sem-pre que o Interno esteja a realizar estági-os em Pneumologia. A prestação de ur-gência em regime de prevenção só pode-rá acontecer no último ano. O cumprimen-to de tal recomendação permitirá que ointerno cumpra os objectivos do Internato

Complementar e confirmará o Serviço comIdoneidade e Capacidade Formativa.Patologia respiratória do sono na for-mação do interno. …Patologia Respira-tória do Sono, quer pela elevada prevalên-cia, como pelas repercussões cardiovascu-lares ligadas à sonolência diurna excessi-va, assume hoje crescente importância re-conhecida por este Colégio de Especiali-dade de Pneumologia ao recomendar parao Novo Programa de Formação em Pneu-mologia, um período de aquisição de sa-ber e desempenho, nesta área específicamultidisciplinar. É parecer desta Direcçãodo Colégio que os estudos do sono sãoum momento num processo de aborda-gem complexo do doente com distúrbiosdo sono e que todo o estudo destes doen-tes deve ser enquadrado numa aborda-gem técnico-científica global sob a coor-denação e responsabilidade de um médi-co responsável com formação nesta área.

Direcção do 10º Colégio de PneumologiaTriénio 2006/2009

Drª. Ana Maria Pereira FernandesDr. António Conceição AntunesProf. Carlos Robalo Cordeiro(Presidente)Dr. Fernando José Barata(Secretário)Dr. João Abel Dantas Almeida Car-dosoDr. João Manuel de Sousa AlmeidaDr. Marco Jorge Lieberman Costae SilvaProf. Maria Cristina BárbaraCaetanoDrª Maria Natália Ribeiro TaveiraCarvalhoDr. Salvato Maciel de Castro Feijó

Sob a presidência do Prof. Carlos Ro-balo Cordeiro, este triénio caracteri-za-se pela associação de uma intensaactividade para responder às múltiplassolicitações no domínio do pedido deequivalência e nomeação de peritos, àaprovação de documentos fundamen-tais relacionados com o internato depneumologia e sua avaliação, idonei-dade e capacidade formativas, códigode nomenclatura e actos médicos.No âmbito do internato de pneumo-logia e sua avaliação, destaque para a

aprovação pelo Colégio e posterior-mente pelo Conselho Nacional Exe-cutivo do novo programa de forma-ção em pneumologia. Trata-se de umdocumento abrangendo o ano comum,tempo do internato e sua avaliação.Destaca-se os tempos de formação es-pecífica pneumológica:

Formação Específica Pneumológica – du-ração: 60 meses

Formação Geral: 30 mesesEstágio em Medicina Interna: 12meses

(Inclui Medicina Intensiva: 4meses)

Estágio em Pneumologia Geral: 12mesesEstágio em Imagiologia Torácica :2 mesesEstágio opcional: 4 meses

Ex: Infecciologia, Cardiologia,Pediatria, Outra

Formação Pneumológica: 30 mesesEndoscopia Respiratória: 6 mesesFisiopatologia Respiratória e Venti-lação Não Invasiva: 4 mesesPatologia Sono: 3 mesesReabilitação Respiratória: 2 mesesAlergologia Respiratória: 2 mesesOncologia Pneumológica: 3 mesesCirurgia Torácica: 2 mesesCuidados de Saúde Primários: 2mesesEstágio opcional: 6 meses

Preferencialmente com 4 me-ses em área de Investigação

No âmbito da avaliação de idoneidadee capacidades formativas, foram rea-lizadas neste triénio visitas a vários cen-tros que solicitaram idoneidade e emconjunto com o inquérito foram estabe-lecidos os serviços com idoneidade to-tal e respectivas capacidades formativas. Após várias reuniões com a presençade representantes do colégio foi apro-vado e enviado para publicação a ver-são actualizada do código de nomen-clatura e actos médicos. Também jápublicado em DR se encontra o regu-lamento do orientador de formação.Três últimos temas merecem referên-cia. A) A criação de um site do colégiode pneumologia no âmbito da Ordem

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dos Médicos, onde foram colocados eestarão em breve disponíveis para con-sulta os principais documentos elabo-rados e aprovados pelas várias direc-ções e que tiveram posterior aprova-ção do CNE. B) A grelha de avaliaçãodo internato de pneumologia para asprovas de avaliação final definidas nosartigos 80º, 81º e 82º (curricular, prá-tica e teórica) da Secção III da Porta-ria nº 183/2006 de 22 de Fevereiro

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de 2006. C) Divulgação do trabalhodo colégio de especialidade de pneu-mologia no congresso anual da socie-dade portuguesa de pneumologia emDezembro de 2008.

Estamos em 2009. Comemoramos 30anos do Colégio de Pneumologia. Tivemos10 Direcções. Dois secretários – AntónioMartins Coelho nos 15 anos iniciais eFernando José Barata nos últimos 15 anos.

Elaborámos cerca de 160 actas. Conce-demos cerca de três dezenas de equiva-lências. Nomeámos mais de quatro deze-nas de peritos. Participámos activamentena escola europeia de pneumologia. Ela-borámos mais de duas dezenas de docu-mentos fundamentais.

Obrigado a todos.

Julho de 2009.

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PreâmbuloAs honrosas e emocionantes homena-gens que recebi durante as comemo-rações dos 30 anos (1999) e dos 40anos (2009) da Consulta de Cardiolo-gia Pediátrica do Hospital de SantaMarta levaram-me a procurar as ra-zões do entusiasmo.A Consulta de Cardiologia Pediátricafoi por mim criada no Serviço de Car-diologia do Hospital de Santa Martano dia 24 de Outubro de 1969, numasexta-feira em que se cumpriam exac-tamente 40 anos da segunda-feira ne-gra do histórico «crash» da Bolsa deNova Iorque. Só mais tarde, peranteobstáculos constantes e constrangi-mentos financeiros, compreendi o sen-tido premonitório daquela coincidên-cia de datas.Durante o período formativo aperce-bera-me de que a consulta era votadaao desprezo: os doentes esperavamhoras e os médicos novatos (estágiode licenciatura e internato geral) iampara lá despachá-los, sem qualquer su-pervisão, substituindo os especialistasque estavam a preparar concursos oua ganhar na privada. Houve uma excep-ção: o Dr. Carlos George, Director doServiço de Medicina do Hospital deSanta Marta, onde estagiei quatro me-ses como voluntária para preparar oconcurso para o Internato Geral dosH.C.L., em 1957. Num local exíguo,sentados lado a lado, com dois doen-tes em frente, conseguiu ensinar-me edeixar-me uma máxima que guardeipara toda a vida: «A Consulta é oespelho do Serviço».Durante os quatro anos de especiali-zação nos EUA a atitude era idênticaem relação às consultas, apesar da ex-clusividade e do tempo completo pro-longadíssimo reinantes. Muito mais tar-de tive a oportunidade de ver amigosmeus a fazer consultas de especialida-

O Microclima de uma ConsultaA Consulta de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Marta

(H.C.L.) – 1969-1993

de, em hospitais de Londres, sem qual-quer entusiasmo. Quero salientar que,em Cardiologia Pediátrica, nunca tiveconhecimento da existência de arqui-vos nosológicos com base na casuísticada consulta externa, hoje denominadaambulatório.Enquanto fui Chefe de Serviço de Pe-diatria Médica dos H.C.L., no Serviço 2(Director: Dr. Silva Nunes) do Hospi-tal de D. Estefânia (1964-65) nuncaconsegui autorização para uma Con-sulta de Cardiologia Pediátrica; via ascrianças cardíacas na Consulta de Pe-diatria e elaborava umas fichas de 12,5x 8 cm que transportava comigo. Em1966 fui exonerada a meu pedido eencaminhei aquelas crianças para oconsultório privado ficando com …30% de borlas.Crianças e fichas voltaram a seguir-me,agora para o Hospital de Santa Maria,quando o Prof. Eduardo Coelho meconvidou, em 1968-69, para trabalharno Centro de Cardiologia do Institutode Alta Cultura.Tudo se resolveu com a passagem doServiço de Medicina a Serviço de Car-diologia, no Hospital de Santa Marta(Director: Prof. J. Moniz de Bettencourt)e a minha reintegração como Chefede Serviço de Pediatria Médica dosH.C.L., colocada nesse Serviço.Esses anos de aparente agitação e aanálise das preciosas fichas levaram-me a perceber que grande percenta-gem das crianças não precisaria de serinternada e, para que a casuística noso-lógica fosse abrangente os diagnósti-cos, a classificação e o arquivo teriamque partir do ambulatório. Foi isso quenasceu no tal dia 24 de Outubro de1969: uma consulta semanal específi-ca, referenciada pelos médicos assis-tentes e supervisionada, com normasde história e observação, exames com-plementares e relatórios no próprio

dia, esclarecimento dos pais, informa-ção escrita para o médico assistente eestabelecimento de uma base de da-dos artesanal, permanentemente actu-alizada (informatizada só a partir de1989).A Consulta de Cardiologia Pediátricarealizou-se sempre à sexta-feira, suces-sivamente em três locais que passo adescrever.

Primeira localizaçãoA primeira área foi onde tinha sido aClínica Médica Pediátrica do antigoHospital Escolar de Santa Marta, ondeeu me licenciara e onde acabou porficar, desde 1985, o sector de interna-mento da Cardiologia Pediátrica.Os doentes entravam pelo portão daRua da Sociedade Farmacêutica, des-ciam a cerca e passavam a porta dasala de espera, a última ao fundo. Opessoal entrava pela porta central docorredor do Serviço de Cardiologia.Havia quatro gabinetes de observaçãoà direita e um gabinete de enferma-gem ao fundo, à esquerda (para osprocedimentos burocráticos) além dogabinete de electrocardiografia. Eramumas boas instalações, utilizadas nou-tros dias para as Consultas de Cardio-logia e Cirurgia Cardiotorácica.O primeiro médico do Serviço de Car-diologia colocado durante uns mesesna Secção de Cardiologia Pediátrica foio Dr. Carlos Spencer Salomão. Depoisveio a Dr.ª Manuela Lima que perma-neceu por ter optado pela nova carrei-ra e, seguiram-se muitos outros. Euconsultava umas crianças e ia aos ou-tros gabinetes ouvir as histórias, cor-rigir os dados da observação e orien-tar. Valeu-me ter aprendido no CookCounty Hospital, de Chicago, com Ben-jamin Gasul, um mestre apaixonadopela clínica: valorizava e fazia a corre-lação entre os dados clínicos, electro-

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cardiográficos e radiográficos com osresultados hemodinâmicos e angiocar-diográficos, garantindo a segurança dosprimeiros.No final de cada consulta e, desde aficha n.º 1, eu ficava a fazer a estatísti-ca. Comprara três cadernos de argo-las, com folhas de 18,5x11 cm e delinhas próximas e aí registava na folhade cada diagnóstico os dados da cri-ança numa linha: n.º da ficha, nome dacriança, grau da doença e idade da pri-meira consulta. Um caderno para to-das as cardiopatias congénitas, um paraas adquiridas e outro para as criançassem doença cardíaca, com um sectorespecial para os sopros inocentes. Essaprática foi seguida religiosamente en-quanto estive ao activo e era efectua-da por quem me substituía nas férias:Dr.ª Manuela Lima, Dr. Alberto Agua-lusa e Dr. Sashicanta Kaku. Em qual-quer época se podia saber quantos ca-sos/ano de cada cardiopatia, doençaadquirida ou sopro inocente e as ida-des do rastreio. Assim foi possível pal-par o pulso à qualidade dos cuidadosprimários, implementar novas metodo-logias de rastreio e dar hipótese a to-dos os médicos que por lá passaramde aprender a fazer pesquisa clínica eelaborar algumas centenas de traba-lhos científicos.Foi nesse contexto que tivemos a visitade um observador muito especial, o Prof.Martins Correia que tinha regressado deum estágio em Londres com a Dr.ª JaneSomerville, na preparação da sua ida paraAngola onde seria Professor de Cardio-logia da Universidade de Luanda. Ela re-comendara-lhe a passagem por SantaMarta. A sua vivência no meu gabinetede consulta deixou-o estupefacto e foida frase que me disse que tirei o títulopara este trabalho: «Esta Consultaé um Microclima!».Talvez no segundo ano consultei umacriança a quem diagnostiquei comuni-cação interauricular de tipo «ostiumsecundum», com indicação operatóriade baixo risco. Expliquei à mãe que acriança tinha um buraco no coraçãoque precisava ser tapado. A mãe foipara a sala de espera falar com o ma-rido. Ora havia prognósticos operató-

rios muito diferentes para as várias lo-calizações dos orifícios e tal corria nasbocas da sala de espera – «os buracossão mais perigosos que os canais ou osapertos». A mãe voltou e declarou; «omeu marido não autoriza.» – «Vá chamá-lo!» Sentamo-nos os quatro e eu decla-rei solenemente: «nesta consulta andammais de 400 crianças e sessenta têm umburaco no coração mas… cada criançatem o buraco em seu sítio!» «– Ah é?Então eu assino já!» Foi o primeiro con-sentimento informado.As crianças operadas no Serviço de Ci-rurgia Cardiotorácica, pelo Dr. Macha-do Macedo, aumentaram tanto que de-cidimos abrir uma consulta só para se-guimento de operados, às terças-feiras.Talvez no início de 1972 vieram or-dens superiores para evacuar aqueleespaço, para obras e, lá foram as con-sultas para uma enorme cave devoluta,no Serviço de Radiologia.

Segunda LocalizaçãoAs instalações eram péssimas. Haviauma entrada única, no claustro, parauma grande sala de espera com mui-tos bancos; por um guarda-vento pas-sava-se para o corredor que dava paravárias salas, todas interiores com pe-quenas frestas junto ao teto. No inícioum espaço para enfermagem e arqui-

vo, depois uma primeira sala com duasou três secretárias e um divã; uma salaenorme com cinco secretárias à voltae vários divans e uma última sala paradois médicos. A luz era artificial e nãohavia climatização.Passou a haver um médico supervisorem cada sala, ficando eu na maior afazer consulta e a ouvir as outras qua-tro consultas, em simultâneo. Só numaocasião encontrei vantagem nesta pro-miscuidade. Na secretária frente à mi-nha estava um excelente Interno deCardiologia em início de estágio. Cha-maram-lhe a Glòrinha com a mãe. Erauma criança de sete anos com síndromede Williams e as características «Cock-tail party manners». Ele começou a fa-zer perguntas à mãe e a Glòrinha dis-parou e deslumbrou-o a ponto de nãodeixar que a mãe o esclarecesse: «–Oh minha senhora deixe a menina falarque está a explicar tudo tão bem!» Quan-do fui ouvir a história já eu estava «es-clarecida».A sala de espera estava sempre api-nhada e foi então que o claustro setornou uma imensa ludoteca, até aodia em que o António e o irmão maisnovo, ambos um pouco agitados, en-contraram um grande pau aguçado,saltaram para dentro do lago da belafonte e trespassaram os peixinhos.

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Claustro do Hosp. de St. Marta

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Fernanda SampayoPediatra, Cardiologista Pediátrica

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Em 21 de Abril de 1972 estabeleceu-se um protocolo de história que, empequeno formato e plastificado, pas-sou a estar em cada secretária, desdeo início da consulta.Progressivamente os estágios de trêsmeses passaram a constar dos curriculados Internatos Complementares de Pe-diatria, Cardiologia e Cirurgia Cardio-torácica e a ter um programa de ensi-no prático e doze sessões de ensinoteórico o que levou à melhoria pro-gressiva do rastreio e do modo dereferenciar as crianças.Desde Março de 1975 passou a ser dis-tribuído à família de cada criança comcardiopatia congénita um cartão comnormas de prevenção da endocardite.A consulta n.º 5.000 ocorreu em 9de Abril de 1976 e resolvi convidartodos os colaboradores actuais e pas-sados para um jantar comemorativo,no Hotel Altis. O jantar ocorreu nodia 6 de Maio e houve grande entusi-asmo na grande sala do último piso.De repente, no final da sobremesa, asala foi invadida e atravessada porpolícias de choque, com elmos, cole-tes, escudos redondos e varetas eléc-tricas que saíram para os terraços eocuparam todo o edifício para expul-sar os «retornados». Os convidadosforam evacuados pelas cozinhas e eufiquei numa saleta, com o amigo Cas-tro Dias, até poder pagar a conta esair pelas traseiras.Em 1978 um subsídio da FundaçãoCalouste Gulbenkian permitiu a aqui-sição de um ecocardiógrafo e o estágioda Dr.ª Manuela Lima em Lund (Sué-cia) para dominar a técnica e passar aensiná-la. Desde então, sempre que in-dicado, as crianças da consulta iam aosector de internamento e voltavam comas cópias dos relatórios, melhorando acapacidade diagnostica e acabando comas teleradiografias de tórax.Numa sexta-feira de Maio de 1981,estava apenas eu e o Dr. SashicantaKaku (que tinha provas de concursono dia seguinte) a fazer a consulta.– Apareceram mais de 100 criançase… foram consultadas! Soubemos de-pois que na véspera, durante um pro-grama de rádio, tipo antena aberta, o

nosso amigo e excelente CardiologistaPediátrico de Coimbra, Dr. Sá e Melorespondera a uma mãe: «se a criançatem um sopro a melhor consulta é a doHospital de Santa Marta». Ultrapassadaa burocracia, tudo se resolveu com alimitação das marcações de primeirasconsultas para 20 (5 em cada turno das8h, 10h, 12h e 14h) fora os recém-nas-cidos e as crianças internadas enviadasde outros hospitais, com início a 26 deJunho. No entanto, a barafunda na salade espera só viria a acabar com a mu-dança da chefia de enfermagem, quan-do veio a Chefe Maria do Carmo, emJaneiro de 1983, acompanhada da ad-ministrativa Amélia Santos.

Localização definitivaQuando eu estava em Chicago a famíliaenviou-me um recorte do Diário de No-tícias, de 6 de Novembro de 1960, ondese anunciava a construção de um edifí-cio para consultas e laboratório com otopo para a Rua de Santa Marta. Em 1984aí estava ele, pronto para inaugurar.

A expectativa do Administrador e daArquitecta era enorme e, combinaramestar um de cada lado da parede septalonde terminava a passagem elevadaque unia o edifício novo ao antigo. Talcomo no túnel da Mancha, os operáriosabriram a parede e… o chão de umlado ficava a meia altura da sala dooutro lado! A parede foi consertada e

as pessoas continuaram a atravessar arampa, a céu aberto.Este episódio hilariante, anúncio deuma pequena tragédia, levou à aben-çoada obrigatoriedade de circulaçãopelo claustro. Ora os claustros são omais extraordinário meio de comuni-cação. Já o eram nos tempos do ensi-no monástico. As pessoas cruzam-secomo formigas num carreiro e comu-nicam de formas mais humanizadas doque por telemóvel ou «e-mail». Conser-vem-no e … admirem-no!»As instalações eram magníficas, bemdimensionadas e mobiladas. À saída doselevadores grande sala de espera, limi-tada pela parede envidraçada de umcorredor a todo o comprimento do edi-fício. A meio uma salinha de enferma-gem e arquivo, com dois guichés poronde falavam a Amélia e a colega. Hou-ve uma enfermeira de Saúde Pública edepois a Chefe Isabel que irradiava se-renidade. Para o corredor davam setegabinetes de observação excelentes,com janelas para a Travessa de SantaMarta e, ao fundo era o gabinete deelectrocardiografia.Às terças-feiras, para a consulta dascrianças operadas, sobretudo pelos Drs.Rui Bento, Gomes da Cruz, Pedro Ma-galhães e José Fragata, tínhamos trêsou quatro gabinetes e a colaboraçãoda Dr.ª Teresa Cepeda a chefiar a equi-pa de Pedopsiquiatria enviada peloProf. Coimbra de Matos.Às sextas-feiras todo o espaço era paraa Cardiologia Pediátrica e, na sala deespera, improvisava-se uma pequenaludoteca: uma mesa baixa, redonda, comlivros infantis e um parque armado so-bre um cobertor, com bonecos laváveise a colaboração de educadoras de in-fância: a Margarida, a Adélia ou a Graça.Na sala de espera havia cartazes sobreSaúde Pública e Higiene Oral e, porvezes, a colaboração de alunos de Me-dicina Dentária a ensinar Higiene Oral.A consulta n.º 20.000 ocorreu em 26de Fevereiro de 1988, com quase odobro de segundas consultas e umacasuística publicada em detalhe no Bol.Clin. HCL 1988; 45:81. Houve outrojantar no Altis mas sem acidentes. Atéà minha aposentação, em Maio de

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1993, ainda houve mais 5.000 primei-ras consultas.Agora a última das histórias. Às 8h30eu costumava chegar à consulta levan-do a preciosa «tupperware» rectangularverde contendo os cadernos da esta-tística e os protocolos de história paracolocar nas secretárias. Urgência queme reteve no Serviço levou-me a entre-gar a caixa a alguém que chegasse atempo. Ora esse alguém parou no bardo pessoal e, enquanto tomava a bica…desapareceu a caixa. A aflição foi gran-de até a encontrarem no frigorífico ondeuma empregada a guardara, pensandoconter rissóis. E assim ficou para a his-tória … «a caixinha dos rissóis».

Considerações FinaisNinguém se interessou tanto pela ca-suística desta consulta como Bill Rash-kind (1922-1986) que ficava amigo detodos os que, em cada país, tinham ini-ciado a sua átrio-septostomia. Passei,portanto, a ser sua amiga em 7 de Abrilde 1971. Todos os anos, nas reuniõesda AEPC me perguntava: «então Fernan-da quantas transposições/ano e qual a suapercentagem entre as cardiopatias congé-nitas?» O seu entusiasmo perante a pro-gressiva melhoria dos resultados era,para mim, a melhor das recompensas.A entrega sucessiva da direcção doServiço a Manuela Lima, SashicantaKaku, e Fátima Pinto deixou-me tran-quila e permitiu agora a sua ajuda na

Dedicatória de Bill Rashkind a Fernanda Sampayo. Dublin, 7 de Maio de 1971

elaboração destas histórias.Na minha vigência formou-se umaplêiade de Cardiologistas Pediátricosentre os quais se destacam: ManuelaLima, Alberto Agualusa, Sashicanta Kaku,Agostinho Borges, Maria do CarmoNascimento, António Macedo, CarlosMarques, Manuel Primo, Anabela Pai-xão, Manuel Ferreira, Fernando Pereira(†), Fátima Pinto, Maria Ana Nunes,Conceição Trigo e Rui Orlando Ferreira.Os médicos estagiários ultrapassaramos 400 o que impossibilita a citaçãodos nomes mas, a todos recordo.Houve muitos excelentes colaborado-res de outras profissões.

Um muito obrigada a todos por tantoterem colaborado na feitura de omo-letas sem … os ditos. A negação dasimpossibilidades sempre foi parte in-tegrante da História dos Estados Uni-dos da América e, lá se me acentuou.Depois em 1969 tive a suprema felici-dade de assistir, no Coliseu dos Re-creios, aos ensaios da «Transfiguração»encomendada pela Fundação CalousteGulbenkian a Olivier Messiaen, com apresença do próprio compositor. Des-de então passei a sentir plenamente abelíssima e complexa música dessemestre que a caracterizava por: «lecharme des impossibilités».

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Reabilitação cardíacaA Coordenação Nacional paras as Doenças Cardiovasculares editou uma brochura intitulada «Reabilitação Cardí-aca: Realidade Nacional e Recomendações Clínicas». Esta brochura pretende ser um instrumento auxiliar útil napromoção do respeito pelas boas práticas clínicas e terapêuticas, um dos objectivos programáticos estabelecidospela Coordenação Nacional paras as Doenças Cardiovasculares. O Alto Comissariado da Saúde integra áreas decoordenação nacional, responsáveis por iniciativas e programas considerados prioritários, em termos de ganhos emsaúde, e que estão previstos no Plano Nacional de Saúde 2004-2010, sendo uma das áreas consideradas prioritáriasa das Doenças Cardiovasculares.

O Colégio de Especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) tem seguido com preocupação a situação de faltade recursos humanos nos Centros de Saúde. Considera particularmente grave a estratégia actual de alguns respon-sáveis do Ministério da Saúde apresentarem como Médicos de Família médicos que não estão para isso devidamentequalificados.A especialidade de MGF tem regras e normas para a obtenção do título de Especialista. Tem um programa deformação de 4 anos aprovado em 2008, com objectivos gerais e específicos, de acordo com a definição Europeia deMGF. Tem um processo de formação pós-graduada prestigiado e reconhecido internacionalmente.

Assim sendo, a Direcção do Colégio chama a atenção para os seguintes aspectos:

-Médicos indiferenciados não podem desempenhar as funções de Médicos de Família (MF) e serem denominadoscomo tal, uma vez que não obtiveram o respectivo título apenas atribuível, após requisição dos candidatos, pelaOrdem dos Médicos.

- Questões sociais e contratuais, a que enquanto médicos a exercer medicina em Portugal estão sujeitos, devem serda preocupação da sociedade civil e da própria Ordem dos Médicos.

-O facto de o contrato de trabalho efectuado com Médicos cubanos ou de outras nacionalidades ser a prazopoderá ser uma solução transitória para a resolução momentânea de uma crise de recursos humanos, desde que afunção por eles exercida não colida com as funções de MF. Esta situação não deverá comprometer o emprego dosjovens Médicos de Família formados em Portugal e de todos os outros que, por normativas europeias, tenhamigualdade de acesso às funções de Médico de Família.

Face ao não cumprimento dos pontos acima citados, a Ordem dos Médicos através do Colégio de MGF, arroga-seo direito de verificar em que moldes é feito este exercício de funções e tomar todas as medidas necessárias paraassegurar a dignidade do exercício profissional da Especialidade de MGF em prol da qualidade dos cuidadosprestados à nossa população.

ORDEM DOS MÉDICOSSECÇÃO REGIONAL DO NORTE

COLÉGIO DA ESPECIALIDADE DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR

COMUNICADO

MGF exercida por não especialistas

I N F O R M A Ç Ã O