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Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 3 | N.1 | julho-dezembro de 2015 | p. 106-127 Revista Patrimônio eclesiástico: Tempo memórias do acervo da Cúria Amazônico Diocesana de Macapá Cecília Maria Chaves Brito Bastos Telma Maria da Fonseca Brito Marino ** Resumo: A pesquisa discute a importância dos registros produzidos pelo Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras (PIME), entre 1948- 1988, por meio de um inventário inicial do patrimônio eclesiástico guardado pela Cúria Diocesana de Macapá. O diálogo com os documentos conservados/produzidos pelo PIME busca evidenciar discussões no âmbito da igreja e entre os historiadores acerca das fontes pontificais e configurar a importância desse debate para a construção da História do Amapá e para a própria História da Igreja Católica. Desta forma, examinamos conceitos como patrimônio, memória e fontes eclesiásticas, além da legislação que trata da documentação eclesial das diversas Igrejas Católicas no Brasil. Utilizamos para inventariar os documentos algumas referências da legislação eclesiástica baseada no Código de Direito Canônico (1917 e 1983): natureza histórica dos documentos; tipologias e gestão dos documentos; responsáveis pelo fundo arquivístico e proibições no âmbito do acervo eclesiástico. Palavras-chaves: patrimônio, memória, fontes documentais, PIME, Diocese de Macapá. Abstract: The research discusses the records’ importance produced by the Pontifical Institute of Foreign Missions (PIFM), using an ecclesiastical heritage’s initial inventory kept by the Diocesan Curia of Macapá (1948-1988). The dialogue with the documents preserved or produced by PIFM aim to show discussions, within the church and among historians, about pontifical sources and setting the importance of this debate for both the Amapá construction history as for the Catholic Church history. We have examined concepts as ecclesiastical heritage, memory, ecclesiastical sources, also the ecclesial documentation from several Catholic churches in Brazil. As inventory, we use the ecclesiastical sources considering mainly the materialized legislation Code of Canon Law (1917 and 1983): origin, type and management of documents; responsibility by achievement; ecclesial documentation’s prohibitions. Keywords: patrimony, memory, documentary sources, PIFM, Macapá Diocese. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Graduada em História pela UFPA. Professora Adjunto/Curso de História da Universidade Federal do Amapá (Unifap). E-mail: [email protected]. ** Especialista em História e Historiografia da Amazônia (Unifap). Graduada em Pedagogia pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá (Iesap). Arquivista da Cúria Diocesana de Macapá. E-mail: [email protected].

Revista Patrimônio eclesiástico: Tempo memórias do acervo

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Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 3 | N.1 | julho-dezembro de 2015 | p. 106-127

Revista Patrimônio eclesiástico: Tempo memórias do acervo da Cúria Amazônico Diocesana de Macapá

Cecília Maria Chaves Brito Bastos∗

Telma Maria da Fonseca Brito Marino**

Resumo: A pesquisa discute a importância dos registros produzidos pelo Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras (PIME), entre 1948-1988, por meio de um inventário inicial do patrimônio eclesiástico guardado pela Cúria Diocesana de Macapá. O diálogo com os documentos conservados/produzidos pelo PIME busca evidenciar discussões no âmbito da igreja e entre os historiadores acerca das fontes pontificais e configurar a importância desse debate para a construção da História do Amapá e para a própria História da Igreja Católica. Desta forma, examinamos conceitos como patrimônio, memória e fontes eclesiásticas, além da legislação que trata da documentação eclesial das diversas Igrejas Católicas no Brasil. Utilizamos para inventariar os documentos algumas referências da legislação eclesiástica baseada no Código de Direito Canônico (1917 e 1983): natureza histórica dos documentos; tipologias e gestão dos documentos; responsáveis pelo fundo arquivístico e proibições no âmbito do acervo eclesiástico. Palavras-chaves: patrimônio, memória, fontes documentais, PIME, Diocese de Macapá. Abstract: The research discusses the records’ importance produced by the Pontifical Institute of Foreign Missions (PIFM), using an ecclesiastical heritage’s initial inventory kept by the Diocesan Curia of Macapá (1948-1988). The dialogue with the documents preserved or produced by PIFM aim to show discussions, within the church and among historians, about pontifical sources and setting the importance of this debate for both the Amapá construction history as for the Catholic Church history. We have examined concepts as ecclesiastical heritage, memory, ecclesiastical sources, also the ecclesial documentation from several Catholic churches in Brazil. As inventory, we use the ecclesiastical sources considering mainly the materialized legislation Code of Canon Law (1917 and 1983): origin, type and management of documents; responsibility by achievement; ecclesial documentation’s prohibitions. Keywords: patrimony, memory, documentary sources, PIFM, Macapá Diocese.

∗ Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Graduada em História pela UFPA. Professora Adjunto/Curso de História da Universidade Federal do Amapá (Unifap). E-mail: [email protected]. ** Especialista em História e Historiografia da Amazônia (Unifap). Graduada em Pedagogia pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá (Iesap). Arquivista da Cúria Diocesana de Macapá. E-mail: [email protected].

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Introdução

O acervo guardado na Cúria da Diocese de Macapá reúne uma preciosa e

diversificada coleção de fontes primárias. Em grande parte, a memória preservada pelos

clérigos em Macapá, contém documentos ainda inéditos ou pouco explorados por

pesquisadores, abrangendo vários períodos da história do Amapá. Podemos afirmar, também,

que o acervo da Cúria de Macapá possui um corpus documental disponível para a escrita de

uma história social1, com fontes que podem trazer outros elementos acerca da história local e

da Igreja Católica, em particular.

Assim, o objetivo é discutir a importância das fontes existentes na Cúria Diocesana

de Macapá, concentrando-nos, principalmente, naquelas produzidas pelo Pontifício Instituto

das Missões Estrangeiras (PIME), entre 1948-1988, de modo a inventariar inicialmente como

o acervo eclesiástico foi sendo constituído ao longo do Território Federal do Amapá (TFA).

O sentido de trabalhar com os registros eclesiásticos explica-se pela possibilidade de

dar atenção a um patrimônio valoroso para a história local e para a própria história da Igreja

Católica no Amapá. Contribuiu, também, para a decisão de discutir e inventariar a

documentação do PIME, a constatação de que os pesquisadores e estudantes (graduação e

pós-graduação) procuram constantemente a secretaria da Cúria solicitando permissão para

localizar documentos relacionados às suas temáticas de pesquisa, vinculadas, sobretudo, à

história local2. A maioria dos estudiosos buscam fontes produzidas a partir da chegada e da

atuação dos padres do PIME, principalmente informações no Jornal A Voz Católica surgido

em 1959. Isso despertou-nos para o fato de que nos documentos existentes na Cúria - alguns

organizados em formato de livro, manuscritos ou datilografados, outros impressos, avulsos e

iconográficos - haveria possibilidade de investigar a história da Igreja e da própria sociedade

amapaense.

1 A história social possibilita identificar avanços e mudanças na prática historiográfica, permitindo que historiadores possam responder aos novos anseios da análise social, por meio da reformulação de seus procedimentos ao utilizar novas fontes e novos métodos de pesquisa. CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaio de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 2A exemplo registramos algumas solicitações de pesquisas: “O Cine Paroquial e o Largo dos Inocentes” (2008); “Preservação Documental da Cúria Diocesana” (2010); “Levantamento Histórico da Paróquia São Pedro” (2011); “O primeiro Livro de Tombo da Diocese nos anos 1905-1910” (2011); “Documentos dos primeiros Bispos e evangelizadores da cidade de Macapá” (2012); “Jornal da Diocese A Voz Católica no período 1959-1966” (2012); “Os festejos religiosos entre 1900-1940” (2012); “A vida e missão do padre Júlio Maria Lombaerd” (2010); “Escolas Indígenas na Região do Uaçá no Município de Oiapoque-AP (1964-1985)” (2013).

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Desta forma, nos propusemos inventariar o acervo da Cúria por meio de um registro

inicial, delimitando, assim, um momento específico da história da Igreja Católica: a chegada e

a atuação do PIME em Macapá ao longo da administração do TFA. Também, definimos

nossos caminhos de pesquisa a partir de perguntas associadas a produção, a administração e a

conservação dessas fontes: que discussões existem no âmbito da Igreja Católica e entre os

historiadores acerca das fontes eclesiásticas? Qual a importância dessas fontes para a História

do Amapá e da própria Igreja Católica? Que documentos teriam sido conservados/produzidos

pelo PIME referentes a Igreja Católica de Macapá?

Para responder as indagações, passamos a apreciar brevemente a trajetória do PIME

no Brasil e em terras amapaenses e a mapear as ações do Instituto inventariando documentos

pertencentes ao acervo da Cúria Diocesana, produzidos ao longo de quatro décadas, quando o

PIME teve uma atuação marcante, tanto em Macapá como nas demais regiões do Território.

Identificamos alguns documentos expressivos e que nos conduziram para a pesquisa: Livros

de Tombo, Jornal A Voz Católica, Cartas Pastorais, livros diversos (Batismo, Casamento,

Crisma, Óbitos), fotografias das ações dos padres do PIME nas várias paróquias dos

municípios do TFA.

A partir do levantamento documental fizemos leituras, por meio de bibliografias,

para dar suporte às indagações sobre as memórias existentes no acervo da Cúria Diocesana de

Macapá. Entre as bibliografias importantes que nos ajudaram nessa tarefa incluíram-se

aquelas que versam sobre patrimônio, registros paroquiais, memória e fontes eclesiásticas.

Além disso, sustentamos nossa análise na legislação que trata acerca dos acervos eclesiásticos

(Códigos de Direito Canônico de 1917 e de 1983) e demais leis que tratam do patrimônio e de

arquivos eclesiásticos e assuntos correlatos.

Os registros paroquiais e as fontes eclesiásticas: memória e patrimônio para a história amapaense

A literatura que versa sobre os registros paroquiais afirma que esses registros

começaram a ser uma preocupação da Igreja Católica ainda no século XVI, quando as

primeiras normas voltadas especificamente para os arquivos eclesiásticos surgiram com o

Concílio de Trento, ocorrido entre os anos de 1545 e 1563.

Nesse contexto, havia um movimento reformista na Europa que estava provocando o

aumento dos protestantes no mundo, fazendo com que a Igreja Católica começasse a perder a

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unidade da cristandade Ocidental. Assim, a Igreja Católica precisou ter um conhecimento da

quantidade de seus fiéis por meio de um instrumento que distinguisse e controlasse cada um

dos membros de sua Igreja. E a melhor forma de conseguir essas informações seria através

dos registros individuais de cada católico e de cada paróquia em atividade no mundo3.

É a partir desses acontecimentos que nasceram oficialmente os registros paroquiais. O

Concílio de Trento tornou obrigatório que cada Cúria registrasse os sacramentos de batismo e

de matrimônio, celebrados nas igrejas. Mais tarde, através do Rituale Romanum de 1614, essa

obrigatoriedade estendeu-se aos registros de óbitos, que impôs “o Liber Status Animarum,

uma espécie de censo periódico das paróquias, com o levantamento nominal e por família, de

seus membros e agregados maiores de 7 anos (idade da comunhão ou da razão)”4. Dessa

forma, os registros de casamento, batismo e óbitos passaram a demarcar os diversos

momentos do ciclo da vida dos cristãos católicos registrados sistematicamente pela Igreja

Católica. Agindo desse modo a Igreja, no período colonial, conseguiu ampliar os registros

vitais (batismo, casamento e morte) em diversas partes do mundo. A Igreja de Portugal

estendeu essas normas para os domínios lusitanos do Ultramar, ainda no século XVI.

No Brasil, a religião católica oficial seguiu as normas do Concílio de Trento

instituindo “formas para conhecer e controlar a população católica; fixou, regulamentou e

generalizou a prática do registro nas paróquias de toda a Catolicidade”5. Nas paróquias

brasileiras os vigários eram responsáveis pela guarda e conservação dos documentos

eclesiásticos, bem como pelo zelo em anotar, ampliar ou suprimir dados. As autoras Marcílio

e Bassanezi afirmam que apesar de ter ocorrido negligências quanto as prescrições episcopais,

por parte dos párocos, a prática dos registros se generalizou nas igrejas brasileiras. Desse

modo, de paróquia em paróquia, a Igreja ampliou o controle sobre seus fiéis. Principalmente,

porque havia dificuldade de a população adquirir registro civil naquele momento. Inclusive,

em âmbito nacional, uma das razões que justifica o estudo dos arquivos eclesiásticos é o fato

das instituições religiosas católicas custodiarem os primeiros registros civis no país.

As normas e a obrigatoriedade dos registros paroquiais, no Brasil, seguiram-se até a

separação entre a Igreja e o Estado, no final do século XIX, momento em que a Igreja, em

diversas regiões, deixa de ser a única a controlar os registros oficiais. Os registros do período

3 MARCÍLIO, Maria L. Os registros Paroquiais e a História do Brasil. Varia História, n. 31, jan. 2004. Disponível em: www.rebep.org.br/index.php/revista/article/download/425/pdf_400. Acesso: 25/07/2012. 4 Ibidem, p. 14. 5 BASSANEZI, Maria Silvia. Registros paroquiais e civis. Os eventos vitais na reconstituição da história. In. ______; LUCA, Tania Regina de (org.). O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2012, p. 146.

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colonial e imperial têm um caráter de cobertura universal da população brasileira, uma

espécie de censo demográfico que ao registrar características individuais e coletivas das

pessoas, identifica cada indivíduo em sua família no momento do evento. Assim, conforme

Marcílio: “todos os que aqui nascessem, morressem ou se casassem, deveriam passar pelo

registro da Paróquia que, revestia-se, pois, e ao mesmo tempo, de um caráter religioso, com

força de um ato civil de cada indivíduo6. Bassanezi considera que esses documentos “são

imprescindíveis principalmente para o conhecimento de uma época em que não existia o

Registro Civil [...] servindo, inclusive, de base legal para operações seculares, como, por

exemplo, os processos de herança”. 7

Com o passar dos tempos, os registros de batismo, casamento e óbitos passaram a ser

padronizados, com inclusão de novas informações. Marcílio aponta um problema em relação

a documentação eclesial no Brasil: a conservação dos registros paroquiais. Como até o século

XX a prática da arquivística não era cultivada no país, muitos registros foram extraviados ao

longo dos tempos e poucos passaram por processo de restauro, higienização e organização.

Concordando com Marcílio, talvez, esses tenham sido, entre outros, os motivos que levaram a

Igreja Católica no Amapá a conservar tão poucos registros de épocas passadas.

A Igreja Católica brasileira, particularmente ao longo do século XX, passou por

contínuos desmembramentos de suas Dioceses e na criação de uma nova Diocese o costume

era deslocar a documentação das paróquias da nova Diocese desmembrada “Com isso, e

contrariando as modernas orientações da Arquivística, os documentos são cada vez mais

dispersados e em certos casos, estão malconservados, mal guardados, em locais impróprios e

sujeitos a rápido desaparecimento”8. Com relação a Diocese de Macapá pode ter ocorrido um

deslocamento dos documentos para a sede da Diocese de Santarém, no Pará9. Desta forma,

possivelmente, muitos documentos da catolicidade local podem estar sob a circunscrição

eclesiástica da Diocese paraense.

De acordo com Bassanezi, a produção dos registros e sua conservação nas diversas

paróquias brasileiras foram se aperfeiçoando, à medida que se aprimorava também a

legislação eclesiástica em torno da preocupação em conservar seu patrimônio material,

imaterial, documental, musical e de fé. Assim, em 1959 passou a existir uma Constituição

6 MARCÍLIO, ibidem, p, 6. 7 BASSANEZI, ibidem, p. 143. 8 MARCÍLIO, ibidem, p. 17. 9 A igreja amapaense estava vinculada a Santarém até a primeira metade do século XX, ou seja, até a chegada do PIME. Ver: CÚRIA DIOCESANA DE MACAPÁ. Apontamentos Históricos da Diocese de Macapá, 2010.

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Apostólica, reformulada pelo papa João XXIII, que reforçava as questões a respeito dos

acervos que as Igrejas possuem10. Nessa Constituição ficou sancionado que qualquer

documento eclesiástico fosse guardado como patrimônio da Igreja.

Em 1988, conforme organização da cúria romana feita pelo papa João Paulo II com a

constituição apostólica Pastor Bonus foi criada a Pontifícia Comissão para a Conservação do

Patrimônio Cultural da Igreja Católica. A finalidade desta Comissão tem sido a salvaguarda, o

aproveitamento e a constante promoção do Patrimônio Cultural, bem como a sensibilização a

respeito deste patrimônio11. O patrimônio cultural da Igreja Católica, segundo essa Comissão,

faz referência a toda expressão do culto e da difusão da cultura que a igreja recorre e obedece

para a evangelização, pois torna-se testemunho da fé de um povo no desenvolvimento

histórico, civilizador e cultural, compreendendo um conjunto de bens materiais, imateriais,

bibliográficos, documentais, musicais e outros, depositados em conventos, igrejas, santuários,

a serviço de um interesse comum.

Correlatas com as Constituições Apostólicas, atualmente, todas as normas e

disposições sobre o patrimônio dos bens eclesiásticos estão contidas no Código de Direito

Canônico (CDC). Inclusive, Santos12 afirma que foi, principalmente, por meio do CDC, que

os arquivos da Igreja Católica passaram a ser considerados legalmente como “bens

eclesiásticos”. Assim, todos os procedimentos da Igreja em relação a sua documentação ou

aos seus bens devem ser determinados pelo CDC nas versões de 1917 e 1983. Este Código,

compreende, define e classifica quais são os bens que a Igreja possui e esclarece que as

normas do direito patrimonial da Igreja consideram como bens, tudo o que a Igreja tem

preservado ao longo dos tempos. Assim, o CDC tem caráter compulsório como Lei da Igreja

Católica ao determinar quais serão seus bens: “os ressacrae (Cân. 1171), referem-se às coisas

e lugares sagrados separados e consagrados ou benzidos para o culto divino; o bonapretiosa

10 SOCIEDADE BRASILEIRA DE CANONISTAS. Código de Direito Canônico. Edição Comentada. (Org.) GOMES, Xavier Everaldo. RAMOS, Rhawy Chagas. LIMA, Vicente Ferreira. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Brasília, Edições CNBB. 2013, p. 23. 11 RODRÍGUEZ, José F. El patrimônio eclesiástico. Los museos eclesiales: modos de organización. Museo: IX Jornadas de Museología, N. 11, 2006. 12 SANTOS, Cristian J. O. Os arquivos das primeiras prelazias e dioceses brasileiras no contexto da legislação

e práticas arquivísticas da Igreja Católica. 2005. 239 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação). Brasília: UnB, 2005, p. 49. Disponível em: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Biblioteca. http://bd.camara.gov.br. Acesso em: 23/12/2014. 12 MARCÍLIO, ibidem.

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(Cân. 1295), tem um sentido mais lato por se tratar de tudo aquilo que está submetido às

normas do direito patrimonial da Igreja”13.

Assim, pode-se dizer que a Igreja Católica possui uma lei vigente que rege a Igreja,

assegurando que os documentos eclesiásticos sejam preservados num arquivo apropriado da

Cúria ou Paróquia. O CDC esclarece que o arquivo deve estar sob a responsabilidade do bispo

ou chanceler, pois o teor dos documentos produzidos referentes as atividades que a Igreja

processa, sejam eles coletivos ou individuais ao longo dos anos, tem caráter sigiloso.

Portanto, compete a instituição católica guardar o fundo referente a ministração dos

sacramentos, todos os documentos ligados ao poder sagrado, às relações entre o clero e o

povo e os registros referentes aos direitos patrimoniais da Igreja.

No Brasil, de uma forma geral, o acesso a essas fontes depende exclusivamente do

bispado e a disposição dos arquivistas, pois alguns interpõem dificuldades, dependendo do

teor dos documentos. O CDC14 possui leis regulamentadas e, de maneira intrínseca na vida da

sociedade eclesial, essas normas determinam um conjunto ordenado das leis canônicas, na

vida da Igreja Católica. Deste modo, o CDC de 1983:

define seis tipos de arquivos eclesiásticos, quais sejam: o diocesano, divididos em três: o diocesano corrente (cân. 486), o diocesano secreto (cân. 489) e o histórico diocesano (cân. 491 § 2º); os das igrejas catedrais, colegiadas, paroquiais e outras igrejas do território (cân. 491 § 1) e o administrativo (cân. 1283 § 3). Podemos afirmar que as duas tipologias de arquivos mais importantes são o diocesano (que se subdivide em dois, secreto e não secreto) e o paroquial (Grifos nossos).15

No CDC está expressa a determinação de que se crie no seio de cada diocese um

arquivo que abrigue documentos eclesiásticos de natureza histórica de cunho não secreto. Em

Macapá, os missionários do PIME corroboram com a questão da necessidade de registrar e

preservar documentos decorrentes de sua função evangelizadora. Por isso, tiveram a

preocupação, associada ao que determina o CDC, de registrar o exercício de sua própria

atividade (jurídica, administrativa e pastoral), de forma a perpetuar o seu testemunho de fé

através da história. Formando, com isso, fundos de documentos arquivísticos de registros

diversos: vitais, de cunho administrativo e da própria função pastoral.

13 SANTOS, ibidem, p. 68. 14 Conjunto das leis e das normas positivas dadas pela autoridade legítima que regulam o entrecruzar-se das relações intersubjetivas na vida da comunidade eclesial e, assim, constituem instituições, cuja totalidade produz a ordenação canônica, normas gerais e positivas, que regulam a vida social no grêmio da Igreja Católica. GHIRLANDA, Gianfranco. Introdução ao direito eclesial. São Paulo: Loyola, 1998. 15 Ibidem, p. 69.

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Correspondente aos objetivos da legislação eclesiástica, consideramos que os

historiadores, também, começaram a perceber as múltiplas possibilidades das fontes

eclesiásticas em suas análises acerca da história brasileira, de forma a avaliar, ao mesmo

tempo, o valor das fontes eclesiais para a história da Igreja Católica e para a sociedade

brasileira. A partir dessa percepção os historiadores que lidam com “vestígios do passado”16

vem ampliando sua atuação profissional em vários “lugares de memórias”17, incluindo os

acervos das igrejas católicas.

Essa ampliação vem colocando a estes profissionais uma série de novos desafios e

responsabilidades, quanto aos espaços de guarda, organização e publicização do patrimônio

histórico-documental, inseridos em vários acervos públicos e privados. A abertura de novos

espaços de atuação profissional do historiador marca, também, a difusão de uma cultura da

memória e os desafios ligados a este exercício no que diz respeito à prática da pesquisa

histórica que busca, sobretudo, as raízes e as identidades de uma determinada sociedade, por

isso “Um número significativo de órgãos públicos e de instituições privadas, como hospitais,

igrejas, clubes de futebol, empresas e sindicatos, passou a investir na constituição de espaços

para a exposição de certas narrativas a respeito do que fomos e do que somos”.18

Amparados na definição de autores como Nora e Bloch, entendemos que a Cúria

Diocesana de Macapá – e especialmente o seu acervo eclesiástico – constitui um “lugar de

memória”, repleto de vestígios do passado amapaense com significação e sentido histórico,

capaz de construir e preservar histórias diversas de homens e mulheres (muitos ainda

invisíveis como sujeitos históricos), de lugares desconhecidos e de relações inexploradas.

Nessa direção, concordamos com que nos diz Bosi19 sobre o conceito de memória, ao

assegurar que a memória é sim um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido,

conotado pela cultura e pelo indivíduo. Além de Bosi, Padrós20 afirma que a memória é

sempre uma construção ativa e dinâmica, por isso ela “nunca é a repetição exata de algo

passado. Trata-se em realidade, de uma reconstrução que cada um realiza dependendo da sua

história, do momento e do lugar em que se encontra”. Digamos ainda, depende da forma

como foi constituída, de quem a constituiu e quando foi organizada/produzida/elaborada. A 16 BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 17 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 7-28, dez. 1993. 18 PADRÓS, Enrique Serra. Usos da memória e do esquecimento na História. Literatura e autoritarismo. O esquecimento da violência. Santa Maria-RS, n. 4, set.-dez. 2004, p. 189. 19 BOSI, Ecléa. Memória & sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: T.A. Editor, 1994. 20 PADRÓS, E. S. Op. Cit., p. 80.

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memória como reconstrução do passado surge a partir dos quadros sociais do presente.21

Desse modo, podemos afirmar que, dentre várias memórias, a construção de uma memória

histórica no Amapá veio, também, se constituindo, desde o final dos anos de 1940, pelas

ações e memórias dos missionários que atuaram e atuam, ainda, no interior do PIME.

As inferências acerca da memória nos levam a observar, também, a atuação

contemporânea dos agentes históricos envolvidos na difusão da fé católica – padres e bispos

do PIME – agindo num processo de construção de uma memória histórica onde a atuação

missionária na região passou a ser vista como uma “missão divina” de pregação cristã em

áreas “inóspitas” para fortalecer a fé católica na região amapaense. No processo de

catolização, os padres do PIME foram construindo uma memória ligada às lembranças de suas

experiências por onde passavam. Nesse percurso geraram/construíram uma memória social

por meio de documentos guardados até hoje na Cúria de Macapá. Por isso, lembramos as

palavras de Jacques Le Goff “o documento não é qualquer coisa que fica por conta do

passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí

detinham o poder”.22

Assim, os documentos depositados/conservados na Cúria constituem memórias

contadas pelos próprios missionários à medida que acessavam as comunidades amapaenses.

Memórias registradas de diversas formas: em livros de tombo, batismos, casamentos, óbitos,

cartas pastorais, fotografias, documentos avulsos e outros. Esses registros, produzidos ao

longo dos tempos, a respeito de cada comunidade por onde passavam os missionários podem

ajudar os historiadores a evidenciar uma história amapaense preocupada em retratar figuras

sem rosto da sociedade23. Pois, “A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita

[pois] Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que constrói, tudo o que toca, pode e deve

fornecer informações para eles”24 e, diríamos, ainda, para os historiadores.

A prática obrigatória e padronizada deu aos registros paroquiais universalidade e

representatividade, possibilitando aos historiadores refazer percursos e reconstruir trajetórias

de indivíduos e da sociedade no Brasil na prática e na escrita historiográfica25 Nas últimas

décadas, o interesse pelos acervos eclesiásticos tem crescido ainda mais com a diversificação

21 BOSI, E. Op. Cit. 22 LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996, p. 545. 23 SANTOS, Cristian J. O. Os primeiros arquivos eclesiásticos brasileiros (1551-1854): diagnóstico. Revista

Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, Nova Série, São Paulo, v.3, n.1, p.25-44, jan-jun de 2007. 24 BLOCH, Marc. Op. Cit., p.79. 25 BASSANEZI, Op. Cit., p. 143.

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de problemas, temáticas, fontes históricas e metodologia, dilatando o olhar dos historiadores

em relação com outras disciplinas e as formas de conceber a análise histórica.26 Portanto, para

os historiadores amapaenses que se ressentem da falta de um arquivo público, essa novidade

tem se tornado um alento. Pesquisas, acerca da população local, têm sido inspiradas e

baseadas nos registros da catolicidade.27 Acreditamos que as fontes eclesiásticas já utilizadas

por estudiosos da história amapaense puderam revelar alguns “vestígios” silenciados em

outras fontes e alcançar outras análises acerca da história local.

Inventariando o acervo da Cúria Diocesana de Macapá

Para inventariarmos a documentação existente no acervo da Cúria28 foi necessário

evidenciar algumas características históricas da Diocese de Macapá (Dioecesis Macapensis).

Esta Diocese pertence a circunscrição eclesiástica da Igreja Católica no Brasil, vinculada à

Província Eclesiástica de Belém (Pará) e ao Conselho Episcopal Regional Norte II da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A Cúria é sufragânea29 da Arquidiocese

de Belém e sua sé episcopal encontra-se na Catedral de São José, na cidade de Macapá, única

diocese católica do estado do Amapá.

A Paróquia de São José, edificada em 1752, pelo bispo do Pará, Dom Frei Miguel de

Bulhões, foi a primeira circunscrição religiosa católica em terras amapaenses. A paróquia foi

o primeiro edifício da vila de São José, núcleo fundacional da cidade de Macapá. Dessa época

até início do século XIX se tem registro de párocos que vieram, acompanhando o projeto de

26 SANTOS, Op. Cit. 27Ver algumas pesquisas já consolidadas por professores e acadêmicos do curso de História da Unifap: SANTOS, Dorival da C. O Regime Ditatorial Militar no Amapá: terror, resistência e subordinação 1964-1974. Dissertação (Mestrado em História Social do Trabalho). Campinas: IFCH/Unicamp, 2001; PANTOJA, Tatiana. A voz de Deus no lar amapaense: potencialidades de pesquisa no Jornal A Voz Católica. In: AMARAL, A. et al. Do Lado de Cá: fragmentos de história do Amapá. Belém: Editora Açaí, 2011; LOBATO, Sidney da S. A cidade

dos trabalhadores: insegurança estrutural e táticas de sobrevivência em Macapá (1944-1964). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: USP, 2013. BASTOS, Cecília M. C. B. Educação Escolar Indígena na Região

do Uaçá no Município de Oiapoque-AP (1964-1985). Tese (Doutorado em Educação). Uberlândia: UFU, 2014. 28Conforme o documento da Igreja Católica, a Cúria Diocesana possui organismos e pessoas que ajudam o Bispo no governo de toda a diocese, principalmente na direção da ação pastoral, no cuidado da administração da diocese e no exercício do poder judiciário. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CANONISTAS. CDC, 2013, CÂN. 469. 29Uma diocese é sufragânea quando dependente de uma sé metropolitana, dirigida por um arcebispo metropolitano, também chamado metropolita, constituindo, com a sé metropolitana e com outras dioceses sufragâneas, uma província eclesiástica. O termo sufragâneo vem provavelmente de antigamente quando os bispos de uma província eclesiástica tinham a faculdade de eleger os bispos de sua província (do latim suffragari, eleger, votar em alguém). Consultar: http://www.prestservi.com.br/diaconoalfredo/dicionario/d/diocese_sufraganea.htm.

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colonização portuguesa. Ao longo do século XIX até a primeira metade do século XX a

Paróquia de São José ficou a cargo da Diocese e dos padres de Santarém-Pará.30 Depois dos

padres que vieram pelo projeto de colonização portuguesa, somente se tem notícia de

evangelizadores na Igreja de São José em 1912, com a chegada dos Missionários da Sagrada

Família e, em 1913, com a fundação da Pia União das Filhas de Maria.

Para substituir os missionários da Sagrada Família vieram de Milão para Macapá os

padres do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras (PIME), em 1948. Na administração

do PIME, a Paróquia de São José de Macapá foi erigida canonicamente como Prelazia

(Territorialis Praelatura Macapensis), pelo papa Pio XII, em fevereiro de 1949, por meio da

bula Unius Apostolica e Sedis. A partir de então, a Prelazia de Macapá passou a ser um

território desmembrado da Prelazia de Santarém e confiada pela Santa Sé aos cuidados do

PIME. Nesse tempo, Macapá e os demais municípios do Amapá eram vistos pelos padres

deste Instituto como terra de missão, lugar onde a civilização cristã ainda não havia chegado

efetivamente.31

A chegada oficial dos padres do Instituto no Amapá, em 1948, coincidiu com o

contexto em que os missionários católicos buscavam, mundialmente, consolidar a fé cristã

junto a diversos países32 e, localmente, com a implantação do Território Federal do Amapá e

com a saída dos missionários da Congregação Sagrada Família, representada, sobretudo, pelas

ações do padre Júlio Maria Lombaerd. Esse contexto possibilitou que o PIME se empenhasse

na edificação, ampliação e delimitação do território recém fundado da Prelazia de Macapá, de

forma a atingir não somente a capital do Território (Macapá), mas, também, os municípios e

os lugares mais longínquos da zona rural; bem como estabelecer relação com os governantes

locais.

Pelo manuseio da documentação, principalmente os Livros de Tombos, o jornal A

Voz Católica e as fotografias, notamos que nos anos de 1940 e 1950 ocorreu a intensificação

do processo de catolicização da população amapaense em meio aos acontecimentos

relacionados com a nova condição política da região: o Amapá deixa de fazer parte do Estado

30 CÚRIA DIOCESANA DE MACAPÁ. Apontamentos..., 2010. 31 Ibidem. 32 GHEDDO, Piero. O PIME: Uma proposta para a missão. Edições Loyola, 1989.

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do Pará para ser Território Federal.33 Esse cenário em que a população amapaense estava

imersa colaborou para que a presença do PIME fosse edificada.

A partir desse panorama, a missão da instituição estava definida localmente: fixar-se

como religião predominantemente no TFA, por meio de relações com os seus

administradores, da evangelização da população e de obras sociais que demarcassem

efetivamente a presença da igreja católica na região. Desse modo, com a chegada dos padres

do PIME, a Igreja Católica amapaense renovava-se ao efetivar diversas ações, dentre elas:

possibilitar entrada de novas ordens e congregações religiosas estrangeiras (formadas,

sobretudo, por irmãs missionárias); prestar assistência religiosa e social; construir igrejas em

vários bairros de Macapá e nos demais municípios; constituir escolas paroquiais e hospital;

estabelecer seminários para formação de um clero local; bem como fundar órgãos de

comunicação (rádio e jornal escrito). Os padres do Instituto, desde sua chegada, em 1948, até

o término da gestão do TFA, em 1988, tiveram a preocupação de anotar suas ações, por

município, quase que cotidianamente, por onde passavam, registrando – por escrito ou por

imagens - peculiaridades de suas ações, das relações que mantiveram com os governantes e

outros aspectos importantes da sociedade amapaense.

Em 1980, a Prelazia passa a ser Diocese, momento em que estava sendo formalizada a

organização do acervo da Cúria Diocesana de Macapá. Dos últimos momentos do Território

Federal do Amapá até o presente os padres do PIME veem reunindo em seu acervo um

significativo corpus documental referente aos 255 anos de existência da Igreja de São José de

Macapá, a mais antiga edificação católica na região amapaense.

Assim, com base no referencial teórico utilizado, entendemos que a Cúria Diocesana

de Macapá se constitui como um “lugar de memória” dentro da Igreja Católica brasileira.

Lugar repleto de significação e de documentação possuindo, a função de construção e

preservação de uma memória e, ao mesmo tempo, de uma identidade social. Principalmente

porque consideramos que nela existe um dos mais importantes fundos de arquivo privado34 da

sociedade amapaense.

33 Ao ser desmembrada do Estado do Pará, tornando-se Território Federal do Amapá. SANTOS, Fernando R. dos. História do Amapá: da autonomia territorial ao fim do janarismo (1943-1970). Macapá: Ed. O Dia S. A., 1998. 34 Para um fundo de arquivo ser produzido são necessárias seis características: a) (...) um organismo, seja público ou privado, deve assumir denominação e existência jurídica próprias, resultantes de um ato (lei, decreto, resolução, etc.) preciso e datado”; b) “deve possuir atribuições específicas e estáveis, legitimadas por um texto dotado de valor legal ou regulamentar”; c) “sua posição na hierarquia administrativa deve estar definida com exatidão pelo ato que lhe deu origem; em especial, sua subordinação a outro organismo de posição hierárquica

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A Cúria funciona como sede da Igreja Católica no Amapá e, por isso, centraliza e

recolhe nos demais municípios e lugares onde atua todos os materiais de seu interesse no seu

acervo. Os documentos são peças de inestimável valor para o estudo de diferentes aspectos da

presença e atuação da Igreja Católica no Amapá, desde as práticas cotidianas até o formalismo

da ritualística católica, assim como os instrumentos formativos e informativos fornecidos pela

hierarquia eclesiástica para seus membros, como é o caso das Cartas Pastorais.

Desta forma, para dar um sentido e uma organicidade aos documentos existentes no

acervo da Cúria de Macapá, arrolamos os documentos anteriores à chegada do PIME em

Macapá e os documentos produzidos/elaborados pelos padres do PIME e guardados no

acervo, entre 1948-1988. Nosso interesse foi mostrar a abrangência e a natureza dos registros

eclesiásticos, bem como a necessidade de eles virem a ser catalogados e organizados

adequadamente.

Num primeiro momento, destacamos que os padres do Instituto guardaram os registros

dos fiéis encontrados nas igrejas mais antigas do Amapá: Igreja de São José (município de

Macapá); Paróquia Nossa Senhora da Assunção (município de Mazagão) e Divino Espírito

Santo (município de Amapá). Desta forma, o PIME conservou/guardou apenas os seguintes

documentos na Cúria Diocesana: livros de batismo35, livros de casamento e livros de óbitos,

conforme detalhados no quadro 1, a seguir.

QUADRO 1: DOCUMENTOS EXISTENTES ANTERIORES À CHEGADA DO PIME EM MACAPÁ

REGISTROS/ DOCUMENTOS

PERÍODO LIVROS CONSUL TADOS

BREVE DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO

OBSERVAÇÃO

Livros de Batismos

1787–1906 Volumes de

1 a 16

Local e data do batismo, data do nascimento, prenome do batizando, filiação, nome dos padrinhos e do pároco e nacionalidade.

Alguns registros estão parcialmente danificados sem

condições de consulta.

Total de Assentos 5.401

Livros de Óbitos 1872–1940 Volumes de

1 a 3

Data da morte, nome, condição social, nome do falecido (a), idade, causa morte, local do sepultamento, nome dos pais (caso seja criança), se é escravo, se recebeu ou não os sacramentos e a extrema unção.

Livros com condições de pesquisa

Total de Assentos

994

mais elevada deve estar claramente estabelecida”; d) “deve ter um chefe responsável, em pleno gozo do poder decisório correspondente a seu nível hierárquico”; e) “sua organização interna deve ser, na medida do possível, conhecida e fixada num organograma”. DUCHEIN, Michel. O Respeito aos fundos em Arquivística: Princípios teóricos e problemas práticos. Revista Arquivo & Administração. Rio de Janeiro: Associação dos Arquivistas Brasileiros, abr. 1982/ago. 1986, p. 20. 35 Apenas os livros de batismo são da segunda metade do século XVIII.

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Livro de Casamentos

1905-1906 Volume 1

Local e data do matrimônio, horário, nome dos nubentes, nacionalidade, filiação profissão, nome de duas testemunhas e nome do pároco.

Alguns registros estão parcialmente danificados, sem

condições de consulta.

Os outros volumes encontram-se na sede da Paróquia de São José de Macapá referentes ao

período de.

1814 – 1909

Total de Assentos

4.470

Fonte: Cúria Diocesana de Macapá, 2015.

Depois de 1948, os padres do PIME iniciaram seus próprios registros advindos das

igrejas já existentes e das que foram sendo erguidas, ao longo da existência do Território

Federal do Amapá, nos municípios de Mazagão, Amapá, Oiapoque e Calçoene. No quadro 2

estão listados os documentos produzidos/elaborados/organizados pelos missionários do

PIME.

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QUADRO 2: DOCUMENTOS PRODUZIDOS PELOS PADRES DO PIME E GUARDADOS NO ARQUIVO DA CÚRIA DIOCESANA DE MACAPÁ (1948-1988)

REGISTROS PERÍODO DOCUMENTOS CONSULTADOS

BREVE DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO OBSERVAÇÃO

Livro de Batismo 1940 -1988 1, 2, 3, 4…..71

Local e data do batismo, data do nascimento, prenome do batizando, filiação, nome dos padrinhos e do pároco e nacionalidade.

Esses Livros estão arquivados na secretaria da Igreja São José, tendo uma cópia na Cúria Diocesana. Total de Assentos/dados: 110299 +-

Livro de Casamento

1940- 1988 1, 2, 3, 4, 5…..22 Local e data do matrimônio, horário, nome dos nubentes, nacionalidade, filiação profissão, nome de duas testemunhas e nome do pároco.

Total de Assentos/dados: 3900 +-

Fichas de Crismas 1940- 1988 Livro de Registros- Local e data da crisma, nome dos crismados, filiação, nome do Bispo ou Padre.

Cópia das informações dos Livros de Crismas de todas as Paróquias da Prelazia e Diocese de Macapá, organizadas em estantes de aço, arquivamento vertical, por ordem Alfabética, com data de nascimento e por ordem cronológica.

Jornal A Voz

Católica 1959- 1974

Vol.1 (1959-1960) Vol. 2 (1960-1961)

Vol. 3 (1961) Vol. 4 (1961-1962) Vol. 5 (1962-1963) Vol. 6(1963-1964) Vol. 7 (1964-1965) Vol. 8 (1965-1966) Vol. 9 (1966-1967) Vol. 10 (1967-1968) Vol. 11 (1968-1969)

Vol. 12 (1970) Vol. 13 (1971-1972)

Vol. 14 (1973) Vol. 15 (1974)

Notícias paroquiais e da sociedade em geral (Brasil e Amapá), contendo informações sobre: educação, saúde, política, economia, conflitos políticos e religiosos, descrição das comunidades sob sua gestão e diversos eventos e solenidades.

Jornal da Prelazia de Macapá, editados pelos padres Jorge Basile e Caetano Maielo do PIME, com um total de 15 volumes, contendo 662 números de impressos e 2.659 folhas. Encadernados pelo Padre Ângelo Bubani. Este veículo informativo da Igreja circulou semanalmente entre os anos de 1959 a 1974, sempre aos domingos. Todos os volumes do jornal A Voz Católica foram digitalizados e encontram-se na Secretária da Diocese.

Livro de Tombo 1949- 1988

Vol. 1 (1949-1958) Vol.2 (1959-1965) Vol. 3 (1966-1973) Vol. 4(1974-1979)

Histórico da colonização no Território; História dos padres missionários História da prelazia; História, limites e peculiaridades das diversas cidades e localidades rurais Estatística da população em geral;

Total de Assentos/dados: 1.416

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Vol. 5(1980-1989) Estatísticas de católicos, protestantes, espíritas no Território Federal do Amapá Eventos políticos, sociais e das Paróquias, etc.

Livro de Batismo: Igrejas Divino Espírito Santo no município de Amapá.

1906- 1950 Volume: 1 a 3

Prenome local e data do batismo, data do nascimento, do batizando, filiação, nome dos padrinhos e do pároco.

São duplicatas das informações dos Livros de Batismo de cada Paróquia da Prelazia e Diocese de Macapá organizada por ano do batismo e por ordem cronológica.

Livro de Batismo: Nossa Senhora da Assunção (Mazagão)

1910- 1931 Vol. 1

Prenome local e data do batismo, data do nascimento, do batizando, filiação, nome dos padrinhos e do pároco

São duplicatas das informações dos Livros de Batismo de cada Paróquia da Prelazia e Diocese de Macapá organizada por ano do batismo e por ordem cronológica.

Livro de Crismas 1912–1943 5 volumes Nome dos crismando, local e data da crisma, filiação, data de nascimentos e nome do celebrante.

São cópias das informações do Livro de crisma das Paróquias da Prelazia e Diocese de Macapá, organizados por data da crisma em ordem cronológica, alguns se encontra parcialmente danificados sem condições de consultas.

Fichas de Batismo 1920-1977

Prenome do batizando, local do nascimento, data de nascimento, data do batismo filiação, nome dos padrinhos e do pároco e nacionalidade

Cópia das informações dos Livros de Batismo de todas as Paróquias da Prelazia e Diocese de Macapá, organizadas em estantes de aço, arquivamento vertical, por ordem alfabética, com data de nascimento e por ordem cronológica

Livros de Batismos de todas as paróquias

1978-1988

1978, 3 Vol. 1979, 3 Vol. 1980, 3 Vol. 1981, 3 Vol. 1982, 1 Vol. 1983, 1 Vol. 1984, 1 Vol. 1985, 2 Vol. 1986, 1 Vol. 1987, 1 Vol. 1988, 1 Vol.

Prenome, local e data do batismo, data do nascimento, filiação, data do batizando, nome dos padrinhos e do pároco.

São duplicatas dos Livros de Batismo de cada Paróquia da Prelazia e Diocese de Macapá, organizadas por ano do batismo e por ordem cronológica

Fotografias36 1948–2013 ----- Fotos dos 1ºs padre que chegaram em Macapá, eventos do Território, Círio, igrejas, bispos, leigos, comunidades e construções de igrejas.

São fotográficas avulsas ainda em processo de arquivamentos, alguns foram classificadas por acontecimentos e guardadas em caixas de arquivo

36As fotografias versam sobre vários temas e locais (da cidade de Macapá e dos demais municípios do Amapá).

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móvel. Não se tem um total definido das fotografias existentes.

Documento de Habilitações Matrimoniais

1938-1988

Nome dos nubentes, local e data do matrimônio, horário, nacionalidade, filiação, profissão, data de nascimentos dos nubentes, data e local do batismo, nome de duas testemunhas, estado civil e nome do pároco.

São cópias do Livro de Matrimônios das Paróquias da Prelazia e Diocese de Macapá, organizados em estantes de aço, arquivamento vertical por ano do matrimônio e número de Cúria, nome dos nubentes, envelopados por ordem cronológica.

Documentos de Dom Aristides Piróvano.

1949-1984

Correspondências: Governador, Presidente, Deputados, CNBB, ICOMI, Nunciatura Apostólica, Cartas de caráter pessoal e impessoal, Artigo de jornais, Cartas Circulares, Decretos, Visitas, Relatório, Carteio

Encontra-se no inventário do arquivo da Diocese de Macapá, ano 1959-1985.

Cartas Pastorais: Dom José Maritano

1966-968 1976-1979

Cartas escritas pelo Bispo para os fiéis de caráter exortativo, pastoral e familiar.

Encontra-se na Seção B – caixa arquivo IV- pasta nº 5

Cartas Circulares: Dom José Maritano

1966-983 Cartas escritas pelo Bispo para o clero de caráter

oficial. Encontra-se na Seção B – caixa arquivo IV- pasta nº 06-13; Seção B- caixa V pasta nº 01-03

Discursos, homilia, mensagens: Dom José Maritano.

1967-983

Cartas escrita pelo Bispo para a comunidade em geral.

Encontra-se na Seção B – caixa arquivo V- pasta nº 04-06; Seção B- caixa V pasta nº 01-03

Documentos em geral

1948-188

Documentações dos Padres, Diáconos, Congregações Masculinas e femininas, missionários falecidos e transferidos, Paróquias, Pastorais, Instituições religiosas, História do Padre Júlio Maria, Livros em geral católicos, documentos da CNBB, recorte de jornais do Amapá, correspondências confidenciais: processos e outros, documentos de terrenos das Paróquias, Plantas da construção das Paróquias, documentos da CNBB, movimentos cristãos, pastorais, Familiar, Obras, subsistência e Evangelização

São documentos da Prelazia e Diocese de Macapá, organizado sem estantes de aço, arquivamento vertical em pastas-arquivo móveis por ordem de seção.

Fonte: Cúria Diocesana de Macapá, 2015.

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Como parâmetro para análise dos documentos arrolados nos quadros 1 e 2, utilizamos

algumas referências da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja e do Conselho

Nacional de Arquivos, recomendados no Código de Direito Canônico, utilizadas por Santos37.

Portanto, para o inventário consideramos os documentos da Cúria de natureza histórica; as

tipologias dos arquivos e dos documentos; a gestão dos documentos e a proteção ao fundo; os

responsáveis pelo fundo arquivístico e as proibições no âmbito do arquivo eclesiástico.

Assim, podemos dizer que, a partir dessas referências, os documentos tiveram certa

organização realizada pelos padres do PIME, dando sentido e evidência aos documentos

históricos dessa instituição.

Desta forma, quanto ao quadro 1 destacamos que, provavelmente, muitos documentos

do século XVIII e XIX, produzidos pelos missionários da época, despareceram ou foram

extraviados com o passar do tempo ou levados por pessoas que os acessavam no âmbito das

igrejas do Amapá. Além disso, possivelmente, documentos referentes as igrejas do Amapá,

secretos e não secretos, podem estar no arquivo da Diocese de Santarém, diocese à qual a

Igreja do Amapá pertencia até se constituir Prelazia em 1949. Observamos também que os

livros de batismo, matrimônios e óbitos foram razoavelmente guardados pelos padres do

PIME e estão satisfatoriamente preservados e em condições razoáveis para a pesquisa.

Os documentos listados no quadro 2 foram produzidos e organizados na gestão do

PIME. A organização foi feita, em sua maior parte, pelos padres Ângelo Bubani e Ângelo

Negri. Esses padres além de ajudarem a preservar os livros de batismo, de matrimônios e de

óbitos, organizaram a documentação produzida desde a chegada do PIME no Território

Federal do Amapá. A atuação desses dois padres na Diocese foi indispensável para a

organização e conservação dos documentos que hoje estão na Cúria Diocesana.

Assim, o acervo da Cúria, referente a documentação expressa nos quadros 1 e 2,

começou a ser reunido e organizado em 1978, quando padre Ângelo Bubani38 foi nomeado

Chanceler e Padre Negri vice-chanceler, por Dom José Maritano. Padre Negri substituiu

Bubani em 1985, na gestão do bispo Dom Luís Soares. Negri é considerado pioneiro no

âmbito da arquivologia eclesial, pois conhecia detalhes do acervo da Diocese, sobretudo, dos

documentos arrolados no Quadro 2.

37 SANTOS, 2005. 38 CÚRIA DIOCESANA DE MACAPÁ. Livro de Provisões, nº 01, 1979, p. 48.

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Ângelo Negri, além de registrar todos os sacramentos das paróquias enviados a Cúria,

organizou em álbuns algumas fotografias das autoridades do Território Federal do Amapá, do

clero e das festividades da Diocese, por período dos eventos, das comunidades e dos

interiores; fez registros periodicamente nos Livros de Tombo e organizou todos os demais

documentos burocráticos. Porém, não conseguiu concluir a organização do acervo, pois

faleceu em 2004 deixando muitos documentos sem catalogação.

Constam nos Livros de Tombos que os padres do PIME, também, registraram

informações das igrejas pertencentes às regiões do golfão amazônico no Pará (Afuá, Gurupá e

outros)39. Os responsáveis pelas igrejas dos municípios do TFA e do golfão amazônico

registraram suas ações em livros, que foram consultados ou recolhidos in loco nas paróquias

pelos padres Bubani e Negri. Contudo, percebemos que nem sempre existiam informações

atualizadas nos documentos, por falta de anotações regulares pelos párocos das paróquias

interioranas.

A produção/elaboração de documentos como Livros de Tombos e jornal A Voz

Católica dependeram do período da estadia dos missionários do PIME nas Paróquias e

localidades onde prestavam assistência. Os padres registraram acontecimentos importantes da

comunidade católica, com dados históricos da Prelazia, de seus padres e da sociedade em

geral. Assim, dentre os documentos inventariados pode-se encontrar fatos referentes à

caminhada dos padres do PIME em sua missão, como eles organizaram a missão catequética

dos fieis para seguir o caminho da vida religiosa e, principalmente, acontecimentos da

sociedade amapaense. Como podemos notar, as informações do acervo da Diocese de Macapá

trazem uma variedade de fatos a respeito dos acontecimentos da Igreja católica e, por

extensão, da sociedade amapaense, fontes que poderão ser trabalhadas e analisadas pelos

historiadores.

Assim, apesar dos documentos produzidos no período 1948-1988 não ter sido

devidamente inventariado, a partir das normas da arquivística e da pesquisa histórica, há uma

catalogação e condicionamento desses documentos em caixas divididas por argumento/tema

que seguem a organização dos padres do PIME entre 1978 a 2004. Padres Bubani e Negri

elaboraram listas, com identificadores de documentos e protocolos, procurando atender aquilo

39Essas localidades, apesar de pertencerem administrativamente ao Estado do Pará, possuem uma identidade umbilical com o governo amapaense. Da mesma forma, historicamente, pertencem a atual Diocese de Macapá e receberam e recebem orientação pastoral dos padres do PIME do Amapá.

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que previa e prevê o CDC (de 1917 e de 1983) ou seja: registrar os bens documentais da

Igreja Católica como patrimônio eclesiástico.

Como foi demonstrado, a pesquisa levantou questões preliminares, mas que apontam

para o fato de que os documentos da Cúria Diocesana carecem urgentemente de tratamento

adequado de forma a evitar sua perda e, também, para serem disponibilizados para a prática

historiográfica.

Algumas considerações

O objetivo principal dessa pesquisa foi evidenciar a importância do patrimônio

eclesiástico existente na Cúria Diocesana de Macapá – muitos ainda inéditos – e, a partir de

um inventário inicial dos documentos, reconhecer as fontes eclesiásticas como memória não

somente da Igreja Católica, mas da sociedade em geral.

A legislação eclesiástica considera que toda a documentação gerada pela Igreja no

exercício das suas funções deve ser normalizada, descrita e tratada com técnicas adequadas e,

a parte dos documentos que não tem sigilo específico, deve ser colocada à disposição do

público. Contudo, a despeito das recomendações do Código de Direito Canônico (de 1917 e

de 1983) e do tratamento dado pelos padres Ângelo Bubani e Ângelo Negri aos documentos

da Cúria, não existe a formalização de um Arquivo Histórico definido, colocado à disposição

dos pesquisadores e do público em geral, e muitos documentos ainda não receberam a devida

preservação e organização.

Cremos que a Igreja católica forja uma memória que interessa a sua própria

instituição, além do que não é sua prioridade a difusão e conservação desse patrimônio, por

isso, oferece acesso aos documentos que lhe convém, caracterizando que os objetivos da

Igreja não são os mesmos do historiador. Mas, cabe ao historiador fazer uma crítica ao acervo

quando lhe é permitido o acesso, de forma a desconstruir a memória oficial da instituição,

ressignificando e difundindo essa memória, também, como patrimônio cultural da sociedade

amapaense. Desta forma, é possível afirmar que o acervo da Cúria, além de valor pastoral,

tem valor como patrimônio cultural40.

De igual modo, consideramos que o acervo diocesano pode vislumbrar possíveis

linhas de pesquisa para os historiadores que lidam com a documentação eclesiástica, podendo

40 ARAHUETES, Anabella B. O Papel dos Arquivos Diocesanos na Construção do Sistema de Arquivos da Igreja Católica: o caso da Diocese de Bilbau. Lusitânia Sacra, 2ª série, nº 16, 2004, p. 297.

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levá-los, também, a tratar e analisar documentos que ainda não foram devidamente explorados

no seu campo, qual seja: a história da Igreja Católica no Amapá. Assim, esperamos que esse

breve debate e o inventário inicial das fontes existentes na Cúria Diocesana de Macapá possa

estabelecer um diálogo mais incisivo entre representantes da Cúria e historiadores. Talvez

instituições como a Secretaria de Cultura de Estado do Amapá (SECULT) ou a Universidade

Federal do Amapá (UNIFAP), através de projetos em parceria com a Diocese de Macapá

possam estabelecer programas de estágio de alunos para a restauração do material e estudo

documental, no sentido de dar atenção ao patrimônio eclesiástico por meio da prática

historiográfica.

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