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Código ISSN: 2358-0690 ano 03 Março 15 O Tripé Macroeconômico e o Desenvolvimento às Avessas 15 Antonio Corrêa de Lacerda | Bruno De Conti | Guilherme Santos Mello Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D REVISTA

Revista Política Social e Desenvolvimento #15

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O núcleo Plataforma Política Social – Agenda para o Brasil do Século XXI é multidisciplinar e suprapartidário. Reúne pesquisadores e profissionais de mais de duas dezenas de universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social. Pretende participar do debate nacional, identificar desafios e contribuir para a formulação de uma agenda de desenvolvimento para o país. Visa fortalecer alianças com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil em sua luta por uma sociedade mais justa.

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  • Cdigo ISSN: 2358-0690ano 03 Maro 15

    O Trip Macroeconmico e o Desenvolvimento s Avessas 15

    Antonio Corra de Lacerda | Bruno De Conti | Guilherme Santos Mello

    Srie Especial AUSTERIDADE ECONMICA E QUESTO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

    REVISTA

  • 2Revista eletrnica idealizada e produzida pela rede Plataforma Poltica Social que rene cerca de 300 pesquisadores e profissionais de mais de uma centena de univercidades, centros de pesquisa, rgos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social.

    plataformapoliticasocial.com

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    EDITOR Eduardo Fagnani

    EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

    JORNALISTA RESPONSVEL Davi Carvalho

    REVISO Caia Fittipaldi

    PROJETO GRFICO Renata Alcantara Design

    DIREO DE ARTE E EDITORAO Coletivo Vaidap

    CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

    Andr Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

    Erminia Maricato USP

    Lena Lavinas UFRJ

    APOIO PARCERIA

    www.fes.org.br

    Cdigo ISSN: 2358-0690

  • 306Um trip esttico e um pas que tenta movimentar-se Bruno De Conti

    10Por uma nova gesto macroeconmica: crescimento, contas pblicas, cmbio e jurosAntonio Corra de Lacerda

    16Regimes macroeconmicos e o Brasil ps-crise Guilherme Santos Mello

    ndice

  • 4Nesta edio #15 da Revista Poltica Social e Desenvolvimento, damos espao para a importante discusso da gesto macroeconmica, tema central para a

    garantia da viabilidade fiscal de diversos direitos sociais e para o desenvolvimento econmico pas. Os autores que parti-cipam desta revista trazem contribuies para enriquecer o debate atual.

    Em Um trip esttico e um pas que tenta movimentar-se, Bruno De Conti discute o problema de como as anlises macroeconmicas convencionais sobre o tema tendem a reproduzir um discurso dogmtico que caminha na direo oposta do enfrentamento das questes estruturais tpicas do capitalismo tardio brasileiro. Mesmo assim, dezesseis anos

    Andre Biancarelli R E D E D

    Eduardo FagnaniP L ATA F O R M A P O L T I C A S O C I A L

    Pedro Rossi B R A S I L D E B AT E

    Thomas Conti P L ATA F O R M A P O L T I C A S O C I A L

    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    Apresentao

  • 5S R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N M I C A E Q U E S T O S O C I A L

    depois da implantao do trip macroe-conmico aps um breve perodo de afastamento do seu vis mais ortodoxo , em 2015, a presso da oposio e da mdia para que o trip retorne avassa-ladora, aponta Conti.

    Continuando com este debate, no artigo Por uma nova gesto macroeconmica: crescimento, contas pblicas, cmbio e juros, Antonio Corra de Lacerda destaca como central a questo dos juros e seus impactos na dvida pblica. De um lado, o Brasil aparece como o pas onde os gastos com o pagamento da dvida pblica so os mais altos no mundo. De outro, a utilizao da taxa de juros como principal meca-nismo de combate inflao distorce as opes de medidas que deveriam ser tomadas para reduzir esse nus: enquanto a inflao brasileira segue na mdia dos demais pases em desenvolvimento, apenas aqui os juros so to elevados. Por fim, Lacerda elenca algumas propostas de reforma para avanar na resoluo desse impasse, dentre elas a necessidade

    de mudar a estrutura da dvida pblica brasileira.

    Na verdade, os impasses em torno do regime macroeconmico no so carac-tersticos apenas do momento atual, mas vm de longa data. Em Regimes Macroeco-nmicos e o Brasil ps-crise, Guilherme Santos Mello retoma um pouco da histria dos regimes macroeconmicos do perodo aps a Segunda Guerra Mundial. Em tempos recentes, enquanto no mundo cresce a insatisfao com o padro que, desde a dcada de 1990, vinha angariando apoio de instituies tradicionalmente conser-vadoras, como o FMI, no Brasil h um movimento inverso de reforo da neces-sidade de voltar ao mundo dos anos 90, ainda que esse modelo pregresso tenha fracassado em diversas frentes.

    Assim, esperamos contribuir para que se veja com mais clareza o que est em jogo no debate macroeconmico atual. tima leitura a todos!

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    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    A gesto da poltica macroeconmica envolve por vezes a criao de rtulos que tm a funo de facilitar a compreenso e difundir no imaginrio coletivo alguma ideia-fora. Em 1999, como sada para uma profunda crise cambial, que punha em xeque o regime vigente, implementou-se o chamado trip de poltica macroecon-mica, composto de um regime de metas

    de inflao, taxas de cmbio flutuantes e a busca por supervits primrios predeter-minados. Pela imagem criada, a economia brasileira reencontraria seu equilbrio ao assentar-se firmemente sobre esse trip.

    Os anos passaram-se, a economia brasi-leira mudou, os desafios foram-se trans-formando e eis que em 2012 surge um novo rtulo: a nova matriz macroeconmica. O governo procurou apresent-la como novidade promissora, e a oposio no tardou a apropriar-se dessa nomenclatura para estigmatiz-la como a culpada pelo conjunto dos problemas econmicos do

    Bruno De ContiProfessor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesqui-sador do Centro de Estudos de Conjuntura e Poltica Econmica (Cecon/Unicamp) .

    Um trip esttico e um pas que tenta

    movimentar-se

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    pas. Alguns analistas parecem atribuir todas as mazelas da economia brasileira a essa pretensa nova matriz, que, fragili-zando o trip, teria provocado os tombos recentes.

    Dezesseis anos depois da implantao do trip macroeconmico, portanto, a presso da oposio e da mdia para que o trip retorne avassaladora. Afinal, a economia brasileira est novamente desequilibrada, e a ideia-fora supracitada indica que a soluo coloc-la novamente sobre o trip mgico.

    Essa ideia-fora acaba desincentivando anlises mais complexas e aprofundadas. Nada surpreendente, j que essa exata-mente a funo das ideias-fora. Mas as tentativas para compreender a realidade econmica brasileira atual no se podem prender a esse nvel de superficialidade. Ser que realmente a fraqueza do trip que est gerando as dificuldades hoje vividas pela economia brasileira?

    Para responder a isso, outra indagao previamente necessria: quais so as

    principais dificuldades da economia brasi-leira hoje?

    Fazendo inicialmente uma concesso anal-tica e partindo do arcabouo dos defensores do trip, diramos que o descontrole do gasto pblico. As explicaes a respeito podem ser rebuscadas, mas o propsito ltimo do governo evitar a perda do grau de investimento atribudo pelas agncias de rating. J que no somos mais devedores do FMI, cabe hoje a essas agn cias o papel de impor a disciplina dos mercados a toda a nao. Mas, para alm do descon-forto inerente ao simbolismo de uma nota rebaixada, o que significaria para o pas, na prtica, perder o grau de investimento?

    Sou obrigado a concordar que atualmente isso configuraria um cenrio complicado, j que afugentaria uma parte do capital estrangeiro que flui anualmente para o Brasil ou que j compe o nosso passivo externo. O que em si no problema, mas torna-se grave em um contexto em que dependemos desse influxo pela conta financeira para cobrir nosso dficit em transaes correntes, j da ordem de 4% do PIB.

    Onde est, ento, o problema? No elevado gasto pblico ou no grande dficit em tran-saes correntes? Ser que a nica soluo est nesse reforo do trip, que pode evitar problemas maiores no curto prazo, mas no atacar a razo maior dessa vulnera-bilidade? Por que no resolver o problema com poltica industrial, reduo do dficit nos servios ou mesmo com uma poltica mais seletiva do capital estrangeiro, que no nos deixe merc de sua liquidez e

    Um trip esttico e um pas que tenta

    movimentar-se

    U M T R I P E S TT I C O E U M PA S Q U E T E N TA M O V I M E N TA R -S E

    Dezesseis anos depois da implantao

    do trip macroeconmico, portanto, a presso

    da oposio e da mdia para que o trip retorne

    avassaladora.

  • 8R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 5

    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    potencial volatilidade?

    Ainda no arcabouo daqueles que defendem o trip, o segundo grave problema pelo qual estaria passando a economia brasi-leira seria o recrudescimento da inflao. Clamam que o Banco Central estaria sendo complacente com a inflao, quando deveria cumprir fielmente com seu papel de debel-la a qualquer custo. Clamam, ainda, que o supramencionado excesso de gasto pblico tambm estaria na origem desse novo descontrole, o inflacionrio. A soluo simples: mais uma vez, voltar ao trip, com austeridade fiscal e elevao das taxas de juros, para levar a inflao para o centro da meta. Ora, a inflao recente foi alimentada, sobretudo, pelas quebras de safra, pela elevao salarial principal-mente nos servios e pela elevao da taxa de cmbio.

    Diante desse diagnstico, diversos analistas

    tm apontado que seu combate pela via da conteno da demanda exigir recesso e aumento do desemprego. H a uma clara inverso entre meios e fins. Para qu insistir no trip, se a tendncia que ele gere prejuzos importantes a parte da populao?

    Pesquisas mostram que a maioria das categorias profissionais tm conseguido reajustes salariais reais, autorizando-nos a propor que a obsesso pelo trip pode ser relativizada num momento como esse, sobretudo porque parte da inflao decorre justamente da elevao salarial de classes mais vulnerveis. Ademais, preciso ir mais fundo nas propostas de combate inflao, por exemplo, por meio de mudanas nas regras de indexao de contratos que permitem elevaes por vezes ultrajantes em aluguis, mensali-dades escolares, planos de sade, etc. O trip, portanto, no deve ser visto como um

    Latuff

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    fim em si, nem sequer como o nico meio.

    So apenas alguns exemplos que mostram que mesmo para os problemas apre-sentados como graves por aqueles que defendem o trip cannico, as anlises no podem se restringir quilo que est previsto pelo seu arcabouo. E deixando a concesso analtica de lado, podemos ainda tocar em problemas da economia brasileira que no costumam ser elencados por esses defensores do trip, mas que so absolutamente fundamentais: mesmo tendo melhorado, a desigualdade de renda no Brasil ainda inaceitvel, seja do ponto de vista pessoal, seja principalmente funcional; no que concerne aos estoques de riqueza, essas disparidades so at mais graves, a includa a aberrante concentrao fundiria; o mercado de trabalho brasileiro continua extremamente precrio; e assim por diante. Problemas, portanto, que no podem ser explicados pela fragilidade do trip.

    Nesse ponto, diro alguns: mas isso no guarda relao direta com a poltica econmica. Exatamente. Nem tudo se resume gesto da poltica macro. O que

    significa que nem tudo o que vai mal com a economia brasileira fruto de equvocos de poltica macro. Houve indubitavelmente equvocos e eles tm sim responsabilidade sobre alguns dos problemas atuais. Mas apregoar que a economia brasileira est desbalanceada por no estar assentada no trip, como querem fazer crer, bastante enganoso.

    No quero dizer com isso que a poltica macroeconmica no seja central. Ao contrrio, ela importantssima para qual-quer projeto nacional; e os preos macro so extremamente relevantes para a din-mica econmica de um pas. No entanto, ela no deve ser sacralizada ou colocada acima de todas as outras polticas. Menos ainda, enquanto objetivo em si. Ela deve ser funcional a um projeto nacional, mas no deve jamais ser encarada como o projeto nacional. um importante instru-mento para perseguir objetivos que faam parte desse projeto, mas no deve nunca ser encarada como o nico instrumento. E por fim, em funo de sua importncia, no deve ser cristalizada, mas deve ter a maleabilidade necessria para servir aos propsitos de um pas especfico, em todas as conjunturas econmicas especficas.

    Definitivamente, no a poltica econ-mica, sozinha, que manter de p a economia de um pas. Menos ainda uma poltica econmica rgida, em um pas com necessidade de transformaes, como o Brasil. Afinal, se um trip macroeconmico no capaz de sustentar uma economia nacional, um trip esttico parece ser ser ainda menos adequado a um pas que tenta movimentar-se.

    Apregoar que a economia brasileira est desbalanceada

    por no estar assentada no trip, como querem fazer

    crer, bastante enganoso.

    U M T R I P E S TT I C O E U M PA S Q U E T E N TA M O V I M E N TA R -S E

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 5

    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    A perda de dinamismo do crescimento econmico brasileiro denota a neces-sidade premente do aumento dos investimentos e ampliao do valor agregado local. O cres-cimento do PIB (Produto Interno Bruto), pr-requisito para o desenvolvimento, tem sido de apenas 1,5% ao ano, na mdia de 2011 a 2014. Isso menos da metade do observado

    no perodo 2003-2010, cuja mdia anual foi de 4%, sob condies internacionais mais favorveis.

    Mas a questo que nos tornamos um enorme mercado consumidor, o stimo maior do mundo, mas, devido s condi-es desfavorveis de competitividade, a grande parte da demanda domstica vem vazando para as importaes. Estamos desperdiando divisas, empregos, renda e impostos, que poderiam agregar mais valor localmente. A participao da indstria de transformao foi reduzida a menos de 13% do PIB, em claro processo precoce

    Por uma nova gesto macroeconmica:

    crescimento, contas pblicas, cmbio e juros

    Antonio Corra de LacerdaDoutor pelo IE/Unicamp, professor-doutor e coordenador do Programa de Estudos Ps-graduados em Economia Poltica da PUC-SP, doutor pelo IE/Unicamp. [email protected]

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    P O R U M A N O VA G E S T O M A C R O E C O N M I C A : C R E S C I M E N T O , C O N TA S P B L I C A S , C M B I O E J U R O S

    Ilustrao Alexandra Clotfelter

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 5

    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    de desindustrializao. Para reverter este processo, fundamental contar com condi-es mais favorveis produo, como taxas de juros e de cmbio competitivas relativa-mente mdia internacional, alm de um claro projeto de desenvolvimento.

    O espao para o crescimento no curto prazo estar limitado pelos ajustes inevitveis: cortes de gastos, elevao de juros, desva-lorizao do real, correo de preos admi-nistrados, etc. No entanto, no mdio prazo, abrem-se grandes oportunidades, tendo em vista a necessidade de valorizar a produo e os investimentos, especialmente em moder-nizao industrial e infraestrutura.

    Poltica fiscal

    Os dados sobre o desempenho fiscal da economia brasileira tm gerado um inte-ressante debate a respeito do papel e da importncia do supervit primrio das contas pblicas como fator de confiana dos agentes privados. O Brasil desde que logrou xito na reduo da inflao e, particular-mente, depois que adotou o chamado trip macroeconmico, metas de inflao e cmbio flutuante tm sido respaldados pela gerao de supervit primrio nas contas pblicas. Mais recentemente, com as medidas anti-cclicas adotadas em contraponto ao desa-quecimento da economia global, o resultado primrio reduziu-se de 3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2011, para algo abaixo de 1%, prognstico para 2014.

    necessrio garantir a sustentabilidade

    intertemporal das contas pblicas, o que passa pela previsibilidade da gerao de supervits fiscais; tambm inegvel que a transparncia, solidez e consistncia do setor fiscal sejam determinantes, e nesse campo temos muito ainda a evoluir. Por outro lado, h que se considerar as particularidades da economia brasileira.

    O primeiro ponto a ser destacado, nesse sentido, o elevado custo de financiamento da dvida pblica, o que nos tem exigido elevados supervits primrios para evitar a deteriorao do resultado nominal e que portanto diretamente impactado pelos juros, e tambm a evoluo da dvida pblica.

    Nesse aspecto, chama a ateno que a economia brasileira tem um custo de finan-ciamento da dvida pblica da ordem de 5% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso implica a transferncia de cerca de R$ 240 bilhes ao ano dos recursos da sociedade, via paga-mento de impostos e taxas para os credores da dvida pblica, leia-se o sistema financeiro e os aplicadores em ttulos do Tesouro.

    Uma anlise comparativa com base em dados sobre contas pbicas denota que o Brasil o pas que tem o maior custo de financiamento da sua dvida, levando em conta o seu nvel de endividamento em relao ao PIB. Enquanto o Brasil, com dvida pblica lquida de 35% do PIB tem o custo de financiamento j citado de 5% do PIB, pases cujas dividas lquidas so proporcionalmente equivalentes, tm um custo de financiamento de cerca de a metade, ou ainda menos, que o brasileiro, como Polnia, com 2,5%; Holanda, 1,5%; Canad, 0,5% do PIB; ou ainda da Coreia do Sul, que inferior a zero! Mesmo pases

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    cuja dvida lquida imensamente superior brasileira, como Espanha, que deve 75% do PIB, Portugal, 120% e Grcia, 160%, o custo de financiamento , respectivamente 2,5%, 4,0% e 4,5% do PIB.

    Portanto, h uma clara distoro. No Brasil pagamos muito mais juros do que seria razovel. Isso denota um paradoxo da nossa dvida pblica excessivamente concentrada no curto prazo e cujos ttulos, ao contrrio da normalidade, oferecem simultaneamente liquidez imediata, razovel nvel de segu-rana e elevada rentabilidade.

    Da que, to importante quanto reforar a rea fiscal, preciso reformar a estrutura da dvida pblica brasileira introduzindo uma estrutura a termo da taxa de juros, premiando o longo prazo, em detrimento do curto prazo. No questo fcil de resolver, mas resol-v-la indubitavelmente nos trar grandes benefcios: o primeiro e mais evidente reduzir o custo de financiamento da dvida; a flexibilizao dos juros tambm diminuir o elevado custo do financiamento e do crdito, com vantagens evidentes sobre a oferta de linhas de longo prazo no mercado, hoje basi-camente restritas aos bancos pblicos.

    Ao contrrio, portanto, de pases com graves crises fiscais como alguns europeus, com destaque para o caso grego, o Brasil carece de ajustes finos, mais qualitativos, do que quantitativos. Tambm ser muito impor-tante aumentar a eficincia na utilizao dos gastos. O recurso de ampliar a receita com a elevao da carga tributria no tem mais espao. De 1996 a 2014, a carga tributria brasileira cresceu de 26% para 36% do PIB. Os nveis atuais so comparveis com Alemanha e Reino Unido, sendo que a contrapartida no proporcional aos exemplos citados, e, alm disso, muito acima do nvel mdio mais prximo de 20% do PIB para pases com os quais concorremos mais diretamente.

    Inflao e juros

    Tornou-se senso comum como pretensa justi-ficativa para os juros elevadas a presuno de que a inflao brasileira demasiadamente alta para padres internacionais. A variao

    Enquanto o Brasil, com dvida pblica lquida de 35% do PIB tem o custo

    de financiamento, j citado, de 5% do PIB,

    pases cujas dividas lquidas so proporcionalmente

    equivalentes, tm um custo de financiamento de cerca

    de a metade ou ainda menos que o brasileiro: como

    Polnia, com 2,5%; Holanda, 1,5%; Canad, 0,5% do PIB; ou ainda da Coreia do Sul,

    que inferior a zero!

    P O R U M A N O VA G E S T O M A C R O E C O N M I C A : C R E S C I M E N T O , C O N TA S P B L I C A S , C M B I O E J U R O S

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    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    anual dos preos no Brasil, medida pelo indicador oficial de inflao (IPCA) tem sido resistente ao redor dos 6% ao ano desde 2009. No entanto, uma anlise do mesmo indicador em outros pases em desenvolvi-mento no mesmo perodo citado tem sido igualmente prxima dos aos mesmos 6% do Brasil.

    Os dados denotam a seguinte evoluo acumulada nos ltimos doze meses at agosto 2014, em pases de porte e estgio de desenvolvimento minimamente compa-rveis ao nosso: frica do Sul, 6,4%; ndia, 6,8%; Indonsia, 6,7%; Rssia, 7,6%; Turquia, 8,4%. H evidentemente o caso de outros pases em desenvolvimento que apresentam nveis mais baixos, mas que tm pouca simi-laridade com a nossa estrutura, como o caso do Chile, cuja inflao de cerca de 4% ao ano, ou Coria do Sul, abaixo de 2% (OCDE).

    O mundo em desenvolvimento tem uma inflao mdia que o triplo da observada na mdia dos pases desenvolvidos. H componentes estruturais na inflao veri-ficada naqueles pases muito relacionada a fatores como transformaes demogrficas, urbanizao, mobilidade social e mudana de padres de consumo, dentre outros aspectos. So alteraes que, embora favo-ream a melhoria da distribuio da renda e a expanso do mercado, implicam, por outro lado, o encarecimento dos alimentos, derivado do crescimento da demanda, assim como o aumento do custo da mo de obra e, consequentemente, dos servios.

    Assim como o fato de o Brasil apresentar um comportamento da inflao semelhante

    aos pases em desenvolvimento no deve ser elemento interno de conforto, por outro lado, deve indicar que estamos diante de um fenmeno que afeta pases com carac-tersticas semelhantes. Faz-se necessrio, portanto, um maior esmero, tanto no que se refere ao diagnstico do problema, quanto ao seu enfrentamento.

    No Brasil criou-se a cultura da elevao das taxas de juros como espcie de panaceia para a estabilizao dos preos, sejam suas causas associadas ou no demanda. H muitos fatores mais diretamente ligados oferta e que, por isso, tendem a no responder s medidas de conteno da demanda. No por acaso que nenhum dos pases citados, embora convivam com taxas de inflao anual prximas das verificadas no Brasil praticam taxas de juros reais to elevadas quanto as nossas.

    Para alm das questes j citadas temos caractersticas especficas do nosso sistema de formao de preos que so fomenta-doras e mantenedoras da inflao. o caso, principalmente, do elevado nvel de inde-xao verificado, o que tende a disseminar os choques localizados para outros setores

    No Brasil criou-se a cultura da elevao das taxas de juros

    como espcie de panaceia para a estabilizao dos

    preos, sejam suas causas associadas ou no demanda.

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    da economia. Como as decises de polticas econmicas no so neutras, as suas esco-lhas devem ser objeto de contnuo debate, especialmente nas democracias.

    Mais do que antecipar uma reduo da meta de inflao, o que dadas as condies atuais, s faria elevar as taxas de juros e trans-ferir ainda mais renda para os credores da dvida pblica, conviria discutir e implementar uma poltica de estabili-zao de largo prazo que contemplasse:

    promover uma reduo pac- tuada e gradual da indexao da economia. Em um primeiro momento desvincu-lando o reajuste de con- tratos, aluguis, tarifas e demais preos a ndices gerais, como o IGP-M (ndice Geral de Preos Mercado), por exemplo, substituindo-os por indicadores especficos de evoluo de custos de cada setor ou modalidade em questo;

    incentivar o aumento da oferta visando a minimizar os choques de preos. Para isso, preciso oferecer um ambiente favorvel expanso dos investimentos, assim como uso seletivo da facilitao de importaes para gerar concorrncia local (pelo mecanismo tarifrio, e no pela valo-rizao da moeda);

    garantir um slido quadro fiscal, ampliando a transparncia do uso dos recursos pblicos. Isso garantiria maior previsibilidade e confiana dos agentes, evitando que a expectativa negativa fomentasse os repasses de preos e salrios;

    conduzir a taxa bsica de juros aos

    nveis mdios praticados nos pases em desenvolvimento, assim como adotar medidas para reduzir os spreads nas operaes de crdito e financiamento ao tomador final;

    praticar uma poltica cambial que vise a tornar nossa economia competitiva internacionalmente, resistindo ao recurso fcil de valorizao da moeda como instru-mento de controle inflacionrio de curto prazo.

    P O R U M A N O VA G E S T O M A C R O E C O N M I C A : C R E S C I M E N T O , C O N TA S P B L I C A S , C M B I O E J U R O S

    Creator: Dignidad Rebelde | Origin: Bay Area, Califas, Occupied Ohlone Territory | Site: Dignidadrebelde.com

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 5

    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    A discusso acerca dos defeitos e qualidades dos diferentes regimes macroeconmicos no propriamente nova. Diante da multi-plicidade de escolas econmicas surgidas ou desenvolvidas ao longo do sculo XX, a concertao de diferentes propostas de regimes macroeconmicos suscitou inter-minveis debates acerca da melhor combi-nao de polticas para alcanar objetivos to dispares quanto crescimento econmico,

    estabilidade de preos, higidez financeira e distribuio de renda e riqueza. As dife-rentes escolas do pensamento econmico, ao longo deste perodo, buscaram demonstrar terica e empiricamente a superioridade de suas postulaes, mesmo que as mais abstratas, como forma de gerir a moderna economia capitalista.

    No possvel tirar-se concluso nica e definitiva acerca do melhor conjunto de polticas at hoje desenvolvido para gerir a economia capitalista, pelo simples motivo de que o capitalismo, como forma de produo, gesto e distribuio da riqueza, ele mesmo

    Guilherme Santos Mello Professor da Facamp e pesquisador do Cecon/IE - Unicamp

    Regimes macroeconmicos e o Brasil ps-crise

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    uma realidade mltipla e multifacetada (BRITTON, 2001). Ao longo de sua histria, o capitalismo transformou-se mais de uma vez, dando origem a termos como capi-talismo monopolista, capitalismo finan-ceiro e capitalismo regulado, que buscam captar as alteraes na forma do capital e sua regulao.

    Do ponto de vista concreto, as diferenas entre os pases capitalistas e suas institui-es impedem a adoo de uma poltica nica para todos os casos. A prpria noo de centro-periferia presente na literatura econmica a partir da dcada de 1950 (parti-cularmente a partir dos estudos da Cepal) criou uma clivagem fundamental entre pases que adotam o sistema capitalista de produo, da mesma forma que a ascenso e queda do welfare state criaram realidades histrico-institucionais absolutamente distintas entre os diferentes pases que o adotaram.

    Historicamente, podemos falar de ao menos trs grandes regimes macroeco nmicos no ps-guerra:1

    O primeiro, adotado ao longo dos anos dourados do capitalismo, ficou conhe-cido como economic management e preva-leceu at a crise da dcada de 1970 (TAYLOR, 2011). Neste regime, o objetivo central das polticas era a obteno do mximo de emprego, se valendo para isso de um regime de cmbio fixo, porm ajustvel (caracters-tico do acordo de Bretton-Woods), poltica fiscal expansionista e poltica monetria acomodatcia.2.

    Imediatamente aps o colapso de Bretton-Woods em 1973, a crise do welfare state e de seu modo de regulao (que inclua o regime macroeconmico anteriormente descrito), ganham fora as polticas de cunho neoliberal inicialmente coman-dadas pela ofensiva monetarista contra as prticas heterodoxas do economic mana-gement. Tais polticas tinham como objetivo central o controle da emisso monetria (atravs de seus agregados quantitativos), a reduo da inflao e do papel do Estado no processo econmico, atravs de uma poltica fiscal restritiva.

    Foto: Alberto Di Lolli http://estaticos.elmundo.es/elmundo/imagenes/2012/05/09/espana/1336577838_3.jpg

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    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    Aps o fracasso da experincia monetarista, em particular no que tange ao prometido e no realizado crescimento econmico e ao retorno dos problemas de concentrao de renda e riqueza, a ascenso do consenso macroeconmico da dcada de 1990 prometia por um fim ao debate acerca do modelo ideal e das ferramentas mais eficazes na gesto dos ciclos econmicos capi-talistas. Fundada sobre o que havia de mais moderno na teoria econmica neoclssica (a ideia de expectativas racionais), o novo consenso macroeconmico apostava em uma poltica de gerenciamento das expectativas inflacionrias, cmbio flutuante (em vista das crises cambiais recentes, inclusive do Sistema Monetrio Europeu, decorrentes da liberdade dos fluxos de capitais) e poltica fiscal restritiva, com o objetivo de limitar a expanso do emprego e do produto a sua taxa de crescimento natural.

    Como qualquer regime macroeconmico que se pretende definitivo, o consenso da dcada de 1990 estava fadado ao fracasso desde o surgimento. A ideia de um regime macroeconmico capaz de superar a

    instabilidade intrnseca do capitalismo esbarra nas transmutaes econmicas, culturais, institucionais e sociais que o regime capitalista apresenta ao longo de sua histria.

    Do ponto de vista nacional, as diferentes instituies afetam de maneira decisiva a exequibilidade e efetividade das recomen-daes econmicas do consenso, espalhadas urbi et orbi pelos pases centrais, em suas universidades e organismos multilaterais.

    Do ponto de vista internacional, as mudanas nos padres de comrcio, circulao de bens, servios, informaes, pessoas e capital, altera o pano de fundo sob a qual atuam as polticas macro, tornando-as inadequadas conforme o cenrio se altera.

    Desta forma, no foi nenhuma surpresa a debacle do novo consenso macroecon-mico verificada pela crise financeira de 2008, mas j prenunciada em crises ante-riores (como a dos pases perifricos, 3 a longa prostrao japonesa e a bolha das empresas de tecnologia nos EUA).

    FOTO: Andrew Lichtenstein, 2011 http://www.diarioresponsable.com/images/stories/15-M.jpg

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    A ascenso de novos atores institucionais, como os grandes fundos de penso e os fundos de hedge, novos instrumentos finan-ceiros tais como os derivativos e os produtos estruturados e novos pases centrais, como o evidente caso da China, alteraram profun-damente o cenrio do capitalismo inter-nacional, tornando qualquer aspirao de perpetuidade do regime macroeconmico neoliberal uma mera iluso pronta para ser desmascarada.

    Desta feita, a crise de 2008 trouxe para o paradigma macroeconmico dominante uma srie de questionamentos que o para-digma no pode responder a contento utili-zando-se to somente de sua base conceitual e institucional.

    As prprias questes com que os policy makers se deparam hoje so bastante distintas das que existiam nos anos 90: em vez de conter vis inflacionrio, a questo como conter o vis deflacionrio; em vez de como incentivar o crescimento, a questo como sair da recesso; em vez de saber a taxa mxima de crescimento do emprego para no gerar inflao, a questo agora como sair da profunda crise de desemprego estrutural em que algumas as principais economias do mundo ainda se encontram.

    necessrio, portanto, se valer das experin-cias bem sucedidas de superao da crise econmica, sejam elas de cunho ortodoxo ou heterodoxo e, a partir da, concatenar uma interpretao acerca da nova reali-dade do capitalismo internacional surgida aps a crise, para desta forma especular sobre quais so as melhores ferramentas para gerir os ciclos econmicos neste novo

    cenrio mundial.

    Em primeiro lugar, necessrio reconhecer a eficcia limitada da poltica monetria como instrumento de superao da crise e soergui-mento das debilitadas economias nacionais. Tal concluso j era prenunciada pelo caso japons, que aps uma crise na dcada de 1990 nunca mais conseguiu recuperar seu vigor econmico, apesar de diversas tenta-tivas de utilizar poltica monetria expan-sionista para tal fim.

    Apesar de o caso americano (com a adoo do quantitative easing) poder opor-se parcial-mente a esta concluso, parece evidente que mesmo neste caso a poltica monetria, usada de forma completamente heterodoxa e fora dos padres de interveno monetria tradicionais ao consenso anterior, foi capaz apenas de minimizar os efeitos devastadores da crise, sem criar um ambiente de investi-mento que permita o crescimento sustentado do produto, do emprego, da produo e da renda. A recuperao em voga parece muito mais avanada no balano das empresas e bancos do que no balano das famlias, cada vez mais dependentes de empregos parciais, com menores salrios e menos direitos.

    Outra concluso fundamental que possvel depreender das crises pela qual passou o capitalismo na dcada de 1990 e agora que a poltica de cmbio fixo, inviabilizada pela grande circulao de capital especulativo pelos mercados financeiros internacionais, no pode nem deve ser substituda por uma poltica de cmbio plenamente flutuante, particularmente no caso de pases com moeda fraca como o Brasil.

    R E G I M E S M A C R O E C O N M I C O S E O B R A S I L P S - C R I S E .

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    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    A ideia de gesto cambial (na forma de dirty floating ou peg cambial), utilizada com enorme sucesso pela China, talvez no seja possvel em todos os pases da mesma forma, mas certamente retoma a impor-tncia central da taxa de cmbio no processo de desenvolvimento econmico.

    Tal centralidade est mais do que nunca evidenciada por casos como o brasileiro, onde a valorizao cambial continuada dentro de um cenrio de flutuao livre do cmbio precipitou um processo de desarticulao das cadeias industriais.

    A gesto cambial em um mundo de ampla mobilidade de capitais exige, dentre outros fatores, a acumulao de divisa forte, a manuteno de uma balana de pagamentos superavitria e a manuteno de uma taxa de cmbio competitiva para a maior parte dos setores produtivos, tendo em vista o completo desarranjo da economia inter-nacional no que diz respeito competio e aos preos relativos. Para alcanar estes objetivos, o debate sobre controle de fluxos de capitais deve ser desinterditado de uma vez por todas.

    Por fim, a poltica fiscal tambm volta ao centro do debate diante da incapacidade da poltica monetria de dar conta da recupe-rao econmica. Em recente publicao, at o conservador FMI (FMI, 2014) admitiu a necessidade e os efeitos positivos de gastos pblicos em infraestrutura, fato que era ao menos negligenciado ao longo dos ltimos anos dado o foco na gesto fiscal recessiva. O exemplo europeu talvez seja decisivo na avaliao da poltica fiscal em economias maduras e de baixo crescimento: a tentativa

    de adotarem-se supervits fiscais via corte no oramento pblico aprofunda a crise em voga, elevando o desemprego, baixando a renda e os salrios e, desta forma, afetando negativamente a arrecadao, que por sua vez gera novos problemas fiscais. O ciclo de ajuste fiscal no tem fim, levando cada vez mais as economias europeias a uma crise econmica e social, em vez de criar as condi-es para superao desta.

    Dentro deste cenrio, o caso brasileiro bastante particular. Aps o processo de estabilizao monetria do plano Real,4 o pas passou anos seguindo o famoso trip macroeconmico, ou seja, baseando sua poltica econmica no consenso macro da dcada de 90. Os resultados da adoo do trip macro so de difcil interpre-tao, tendo em vista que o crescimento e o controle inflacionrio do perodo tanto podem ser atribudos adoo de pol-ticas macroeconmicas internas quanto a mudanas no cenrio internacional.5

    Mais que isso, nem todas dentre as polticas internas dizem respeito ao trip macroeco-nmico, como a elevao do salrio mnimo acima da inflao, a distribuio de renda a partir da elevao dos gastos sociais ou mesmo a ampliao do crdito atravs da atuao de bancos pblicos e privados.

    Ao que parece, o desempenho do Brasil com a adoo do trip macroeconmico no foi superior a outros pases que se utilizaram de outro conjunto de polticas macro (DE PAULA, 2014), mas tambm no pode ser considerado um fracasso, tendo em vista a manuteno da inflao em patamares historicamente baixos e o crescimento da

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    renda e da riqueza no pas.

    Com o advento da crise, o Brasil se utilizou de instrumentos pouco ortodoxos de poltica econmica para super-la, como a ampliao do crdito subsidiado pelos bancos pblicos, o aumento dos gastos pblicos (em parti-cular em infraestrutura e polticas sociais) e a concesso de incentivos ao consumo. Aps o absoluto sucesso de sua estratgia de

    superao da crise em 2010, o pas voltou a apostar no trip macroeconmico e no recru-descimento do aperto fiscal como forma de reduzir as expectativas inflacionrias e a taxa de juros.

    Esta aposta levou a uma profunda desacele-rao econmica no ano de 2011, que no foi

    revertida nos anos posteriores, mesmo com a adoo de polticas de incentivo oferta, como as desoneraes fiscais e substituies tributrias de impostos sobre a folha de paga-mento para impostos sobre o faturamento.

    Ao mesmo tempo, a partir do ano de 2012 viu-se uma tentativa de flexibilizao do trip macroeconmico, seja atravs do abatimento crescente das metas de supervit primrio para permitir o aumento do investimento pblico, seja atravs de intervenes no mercado cambial para no permitir novas rodas de valorizao da moeda que tanto prejudicam o parque produtivo nacional.

    Esta tentativa, que ficou conhecida como nova matriz macroeconmica, na realidade no possua um conjunto claro de polticas e uma estratgia conjunta, sendo mais uma tentativa de utilizar instrumentos de gesto macroeconmicos, como alguns controles no mercado de cmbio, com o objetivo de impedir sua tendncia cclica valorizao (BRESSER PEREIRA, 2010), e medidas macroprudenciais de controle de crdito para limitar a inflao.

    O perodo em que vigorou esta tentativa de flexibilizao do arranjo macro coincidiu com um recrudescimento da crise interna-cional (particularmente na Europa), com uma piora acentuada no quadro econmico de alguns dos principais parceiros comerciais brasileiros (como o caso argentino e, em menor escala, chins) e com um movimento poderoso de resistncia dos mercados finan-ceiros e de grupos empresariais a mudanas no regime macroeconmico.

    Este quadro adverso e a curta durao da

    R E G I M E S M A C R O E C O N M I C O S E O B R A S I L P S - C R I S E .

    Enquanto diversos pases do mundo mandam s

    favas quaisquer pudores monetaristas ou ortodoxos,

    os empresrios e investidores brasileiros clamam

    pelo retorno ao regime macroeconmico da dcada

    de 1990, que colapsou com a crise internacional

    e no apresenta sinais de que seja capaz de fazer

    reativar qualquer economia no mundo.

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    O T R I P M A C R O E C O N M I C O E O D E S E N V O LV I M E N T O S AV E S S A S

    experincia de flexibilizao impedem qualquer anlise imparcial acerca de seu sucesso, mas apontam para a evidente dificuldade poltica de vislumbrar uma alternativa econmica para enfrentar o desafiador novo cenrio econmico internacional.

    Enquanto diversos pases do mundo mandam s favas quaisquer pudores monetaristas ou ortodoxos, os empresrios e investidores

    brasileiros clamam pelo retorno ao regime macroeconmico da dcada de 1990, que colapsou com a crise internacional e no apresenta sinais de que seja capaz de fazer reativar qualquer economia no mundo. O soerguimento de uma nova ordem mundial, onde a incerteza financeira permanece sendo

    o principal desafio a ser superado conjunta-mente com a escassez estrutural de demanda (WOLF, 2014), parece prenunciar a inefi-ccia das velhas estratgias de desenvolvi-mento liberal e das antigas ferramentas de gesto macroeconmicas.

    A ascenso definitiva da China como prin-cipal fornecedor mundial e a luta aberta pelos mercados consumidores externos (uma vez que os EUA abandonaram sua funo de consumidor de ltima instncia) apresentam um cenrio complexo de insero da economia brasileira na eco- nomia global, onde o risco de perda da capacidade produtiva evidente no caso de tentativas de competio aberta com os produtos estrangeiros.

    A necessidade de reconstituio do tecido industrial consensual entre a maior parte dos economistas, mas a crena de que pol-ticas livre-mercadistas e/ou de incentivos a reduo nos custos de oferta sejam capazes de concretizar tal objetivo soam naive frente ao tamanho do desafio que impe a conjun-tura internacional desregulada.

    Apesar da evidente necessidade de encontrar novos caminhos (inclusive macroecon-micos) para o prosseguimento e aprofun-damento do projeto de desenvolvimento com distribuio de renda inaugurado nos anos 2000, parece que a realidade poltica brasileira gostaria de nos levar de volta aos anos 1990.

    Diante das crescentes resistncias polticas, dos resultados econmicos pouco efetivos (seja por razes ligadas ou no poltica econmica interna) e do

    A opo poltica pelo retorno ao trip macroeconmico

    puro, mesmo que ocorra de forma gradual, parece indicar

    a vitria dos derrotados nas urnas, daqueles que apostam

    que a simples manuteno da inflao em patamares

    baixos (independente de seus evidentes custos sociais)

    suficiente para incentivar os empresrios a promover investimentos e alavancar o crescimento econmico.

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    recrudescimento das dificuldades causas pelo baixo crescimento do perodo (princi-palmente em relao s finanas pblicas e ao saldo em transaes correntes), o ensaio de flexibilizao do regime macroeconmico tradicional parece ter sido abortado pelo novo governo Dilma.

    A opo poltica pelo retorno ao trip macroeconmico puro, mesmo que ocorra de forma gradual, parece indicar a vitria dos derrotados nas urnas, daqueles que apostam que a simples manuteno da inflao em patamares baixos (independente de seus evidentes custos sociais) suficiente para incentivar os empresrios a promover investimentos e alavancar o crescimento econmico.

    O fato de boa parte dos empresrios brasi-leiros defenderem estas polticas recessivas e cada vez mais abandonadas nos pases desenvolvidos diz muito sobre as carac-tersticas do atual empresrio brasileiro, que para se adequar crescente perda de competitividade de seus produtos (dados os juros elevados e o cambio valorizado que vigoraram durante quase todo o perodo do trip macro) tornou-se basicamente impor-tador/especulador, que tem seus interesses absolutamente dissociados daqueles que, em tese, poderiam comandar o verdadeiro desenvolvimento econmico e social do pas.

    necessrio, portanto, compreender quem so as atuais foras produtivas nacionais antes de prescrever novas polticas macroeconmicas que supem que nossos investidores (financeiros ou no) se comportem de maneira similar ao que se encontra nos manuais de macroeconomia.

    BIBLIOGRAFIA

    AGLIETTA, M. (2004) Macroeconomia financeira, Vol. 1 e 2. So Paulo, Edies Loyola, 2004.

    BRESSER PEREIRA, L.C. (2010) Taxa de cmbio, doena holandesa, e industrializao. Cadernos FGV Projetos, 5 (14) 2010: 6873.

    BRITTON, A. (2001) Monetary Regimes of the Twentieth Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. xii; 244 pp

    IMF (2014). World Economic Outlook: Legacies, Clouds, Uncertanties. IMF Press, October 2014.

    DE PAULA, L.F. (2014) Uma avaliao do regime de metas de inflao. Brasil Debate, disponvel em http://jornalggn.com.br/blog/brasil-debate/uma-avaliacao-do-regime-de-metas-de-inflacao-por-luiz-fernando-de-paula

    TAYLOR, C. (2011) A Macroeconomic Regime for the 21st Century. Routledge. 2011. Nova York, Routlegde 2011.

    WOLF, Martin. (2014) Curas radicais para males econmicos incomuns.

    Folha de S. Paulo, 26 de novembro de 2014 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/martinwolf/2014/11/1553631-curas- radicais-para-males-economicos-incomuns.shtml

    NOTAS

    1. Isso para no citar, evidentemente, o padro ouro que prevaleceu at a primeira grande guerra e a posterior tentati-va tardia de sua reabilitao nos anos 1930, que fracassou diante das alteraes nas relaes capitalistas daquele perodo.

    2. Na realidade, este perodo foi marcado pela gesto monetria a partir de uma abordagem terica wicksseliana, como esclarece Michel Aglietta em seu Macroeconomia financeira (AGLIETA, 2004). Tal regime se fundava em uma economia basica-mente de crdito bancrio, onde o controle da oferta monetria se dava atravs do estabelecimento das taxas de juros curtas, entendidas como o custo do acesso aos fundos emprestveis.

    3. Desde a crise mexicana de 1994, passando pela crise asitica em 1997, russa em 1998, brasileira em 1999 e argentina em 2000.

    4. Do ponto de vista do referencial terico de diagns- tico inflacionrio, o plano real no deve ser considerado um pla-no meramente ortodoxo, sendo resultado de anos de de-bate acerca das peculiaridades da inflao brasileira e de seus possveis remdios. Seu sucesso, alm do mais, no deve ser creditado nica e exclusivamente ao adequado manejo da poltica macroeconmica e do plano da moe-da indexada, tendo de ser levado em considerao o am-biente internacional francamente favorvel (do ponto de vista do fluxo de capitais) que o plano encontrou para sua efetivao. Provavelmente, o mesmo plano seria invivel na dcada de 1980, devido a absoluta escassez de financiamento externo para manter o projeto da ncora cambial.

    5. Do ponto de vista internacional, chama ateno a ascenso da China e a produo em massa de manufaturados a preos mdicos, o que contribuiu decisivamente para a manuteno de patamares baixos de inflao ao redor do globo.

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