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Código ISSN: 2358-0690 ANO 03 ABRIL 15 Ajuste fiscal e questão social 18 Clemente Ganz Lucio | Fabrício Augusto de Oliveira | Guilherme Santos Mello | Juliano Musse | Lena Lavinas | Tiago Oliveira | William Nozaki Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D REVISTA

Revista Política Social e Desenvolvimento #18

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O núcleo Plataforma Política Social – Agenda para o Brasil do Século XXI é multidisciplinar e suprapartidário. Reúne pesquisadores e profissionais de mais de duas dezenas de universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social. Pretende participar do debate nacional, identificar desafios e contribuir para a formulação de uma agenda de desenvolvimento para o país. Visa fortalecer alianças com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil em sua luta por uma sociedade mais justa.

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Código ISSN: 2358-0690

ANO 03 ABRIL 15

Ajuste fiscal e questão social18

Clemente Ganz Lucio | Fabrício Augusto de Oliveira | Guilherme Santos Mello | Juliano Musse | Lena Lavinas | Tiago Oliveira | William Nozaki

Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

REVISTA

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Revista eletrônica idealizada e produzida pela rede Plataforma Política Social que reúne cerca de 300 pesquisadores e profissionais de mais de uma centena de universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social.

plataformapoliticasocial.com

EDITOR Eduardo Fagnani

EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

JORNALISTA RESPONSÁVEL Davi Carvalho

REVISÃO

Caia Fittipaldi

PROJETO GRÁFICO Renata Alcantara Design

CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

André Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

Erminia Maricato USP

Lena Lavinas UFRJ

PARCERIA

Código ISSN: 2358-0690

APOIO

www.fes.org.br

revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

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08Caminhos para o crescimento e o emprego

Clemente Ganz Lucio

14A aniquilação da demanda e da oferta Fabrício Augusto de Oliveira

18Três cenários possíveis para o Brasil em 2015: o bom, o mau e o feio

Guilherme Santos Mello

27Ajuste fiscal e mercado de trabalho Tiago Oliveira

31“Modelo social” em crise Lena Lavinas

39Medidas provisórias 664 e 665: a quem servem? Juliano Musse

47O capitalismo patrimonialista no Brasil: da disputa contra o rentismo empresarial à luta contra

o patrimonialismo familiar dos empresários William Nozaki

Índice

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A J U S T E F I S C A L E Q U E S TÃ O S O C I A L

Nesta edição #18 da Revista Política Social e Desenvolvimento, seguimos no debate sobre a gestão macroeconômica e seus impactos sobre o desenvolvimento e a questão social.

Em termos gerais, encontram-se dois pontos

comuns a todos os artigos desta edição. Em primeiro lugar, os autores alertam para os impactos negativos do ajuste fiscal sobre o mercado de trabalho e os direitos sociais, que põem em risco os progressos recentes obtidos na inclusão e na redução das desigualdades de renda. Em segundo lugar, apontam para a indispensável neces-sidade de ampliar os debates e a mobili-zação popular em torno da formulação de uma estratégia alternativa que priorize o crescimento.

Esse segundo aspecto é objeto central do artigo de Clemente Ganz Lucio (Cami-nhos para o crescimento e o emprego). O

Andre Biancarelli R E D E D

Eduardo FagnaniP L ATA F O R M A P O L Í T I C A S O C I A L

Pedro Rossi B R A S I L D E B AT E

Apresentação

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5S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L

autor defende a “necessidade de organizar e viabilizar, desde já e urgentemente, uma estratégia de transição acelerada para o crescimento, orientada para a geração de emprego, incremento dos salários como resultado do aumento da produtividade e da expansão de atividade empresarial de produção de bens e serviços”. Na sua visão, esse processo deveria ser incentivado por meio do diálogo social e do debate público, em espaços de negociação que criem compromissos e acordos sobre os objetivos e estratégias. O artigo aponta diversas frentes de expansão dessa estratégia alternativa.

Os argumentos em favor da imprescin-dível necessidade de reformular a estra-tégia econômica são reforçados no artigo de Fabrício Augusto de Oliveira (A aniquilação da demanda e da oferta). Para o autor, as medidas de política econômica anunciadas pelo governo constituem o “suprassumo da ortodoxia”. Em sua visão, “trata-se de medidas que, inequivocamente, vão derrubar a demanda global, a qual, bem ou mal, constituía a única fonte ou força que vinha mantendo algum oxigênio para a atividade econômica”. Para ele, “carece de qualquer bom senso em matéria de teoria econômica” a crença de que apenas o ajuste das contas públicas será suficiente para mais à frente trazer os investimentos.

Na mesma perspectiva crítica, o artigo de Guilherme Santos Mello (Três cenários possíveis para o Brasil em 2015: o bom, o mau e o feio) – versão revista e ampliada do anterior publicado no Brasil Debate (http://brasildebate.com.br/o-bom-o-mau-e-o-feio--tres-cenarios-para-o-brasil-em-2015/) – busca traçar três cenários para a economia

brasileira: um positivo (o bom), um negativo (o mau) e um de fracasso total (o feio). Após analisar cada um deles, o autor conclui que “os três cenários exigem resultados ruins no curto prazo e no mínimo incertos no médio/longo prazo”. Em função disso, Mello também sublinha a necessidade de se consi-derar “imediatamente a possibilidade de reformular a estratégia econômica”. Para ele, mais do que nunca, “é preciso adaptar a estratégia às demandas da realidade social, não apenas às demandas dos mercados”. E alerta que a recusa do governo em alterar a estratégia atual “traz à tona a possibilidade de ampliação da crise política e social no futuro”.

Os três artigos seguintes analisam os reflexos negativos das políticas econômicas de auste-ridade sobre a questão social. Tiago Oliveira (Ajuste fiscal e mercado de trabalho) destaca que a estratégia econômica em curso parte da crença (equivocada) de que o baixo desemprego atual (situação próxima, em tese, de situação de pleno emprego) repre-senta um entrave para a competitividade das empresas (que se veriam obrigadas a adiar investimentos ou a repassarem o aumento de custos para os preços). Por essa lógica, ao desaquecer a economia e o mercado de trabalho, o ajuste fiscal traria efeitos “bené-ficos” para a competitividade. O artigo enfa-tiza os efeitos deletérios desta estratégia na ampliação da taxa de desemprego e maior precarização do trabalho, “interrompendo uma dinâmica virtuosa que se vinha susten-tando há cerca de uma década”. A exemplo dos demais autores, Oliveira também aponta para a “necessária correção de rumos a ser aplicada na economia brasileira”, que deveria privilegiar a elevação dos investimentos,

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combinada com a manutenção do câmbio em patamar competitivo e a utilização de outros instrumentos de combate à inflação. O autor também salienta a incompatibilidade entre a estratégia de crescimento e o atual formato do regime brasileiro de metas de inflação, que exige recorrentemente taxas de juros elevadas. “Afinal, como reanimar o ‘espírito animal’ dos empresários, quando se tem o mercado financeiro como uma alterna-tiva de valorização da riqueza muito mais atraente?”

Em seguida, Lena Lavinas (“Modelo social” em crise) ressalta que essas consequências negativas na desorganização do mercado de trabalho adicionadas ao vigoroso processo de elevação das taxas de juros básicos da economia (que torna ainda mais obscena a taxa de juros ao consumidor), terão graves implicações sobre o endividamento das famílias, esgotando o “modelo social” erigido desde 2003. Para ela, a “grande arquitetura” desse modelo começa com a criação do crédito consignado (funcionários públicos, assalariados formalizados, aposen-tados e pensionistas), num contexto em que os salários “tiveram ganhos reais impor-tantes, numa trajetória sustentada de recu-peração”. Com a criação do programa Bolsa Família, que expande a incorporação ao mercado de milhões de famílias, se ampliam mecanismos de acesso ao crédito de consumo também aos seus beneficiários. Esse “vigoroso processo de inclusão financeira” proporcionou acesso ao crédito a famílias de baixa renda. Não obstante, para Lavinas, o “calcanhar de Aquiles” desse modelo está relacionado ao custo do crédito ao consu-midor, cujas taxas são “assustadoramente

elevadas”; agora, com a sucessiva elevação da Selic, “elas continuam em alta, mirando a estratosfera”. A autora chama a atenção para os efeitos preocupantes das políticas de austeridade em curso que, simultaneamente, retiram renda e ampliam o endividamento das famílias.

O ajuste fiscal seletivo também foi o mote para que o governo abrisse uma frente controversa de supressão de direitos sociais, sem que houvesse diálogo prévio com setores organizados do movimento social e sindical, salienta Juliano Musse (Medidas provisórias 664 e 665: a quem servem?). O autor analisa as mudanças nas regras de acesso ao seguro desemprego (incluindo o seguro-defeso – pescador artesanal), abono salarial, pensão por morte e invalidez e auxí-lio-doença. Antes de entrar no “imbróglio” das Medidas, Musse destaca que a Seguri-dade Social tem sido superavitária desde 1989, o que retira a “urgência” dos ajustes ortodoxos com intuito de conter gastos e suprimir direitos. O artigo procura alertar para alguns problemas e questionar certos posicionamentos governamentais.

Por fim, William Nozaki (O Capitalismo Patrimonialista no Brasil: da disputa contra o rentismo empresarial à luta contra o patrimonialismo familiar dos empresários) critica o ajuste fiscal seletivo, que recai apenas sobre a classe trabalha-dora. Para ele o ajuste das contas públicas deveria ser feito “contra o patrimonialismo”. Nesse sentido, em sua opinião, “as forças de esquerda falham ao não se debruçar de forma mais cuidadosa” sobre essa questão e não “investir contra os ganhos pessoais e

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privados da nossa elite”. Para Nozaki o ajuste fiscal também deveria priorizar a ampliação das receitas, o que implica combate à sone-gação fiscal, à evasão de divisas e lavagem de dinheiro; implementação de impostos sobre heranças, doações e fortunas; e por maior progressividade no imposto de renda.

Boa leitura!

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“A vida é muito mais misteriosa e preciosa do que qualquer equação” Edward Frenkel

O dinamismo econômico da última dé- cada esteve sustentado, de um lado, pela demanda externa de commodities com preços crescentes, e de outro, por

uma bem-sucedida política distributiva, que aumentou a demanda interna de um mercado de consumo de massa, a partir do crescimento do crédito e da retomada dos investimentos em infraestrutura econômica e social. Esses fatores ativaram a produção de bens e serviços, criando empregos com significativa melhora da proteção laboral. A demanda se ampliou, a atividade produtiva respondeu, o emprego e os salários cresceram.

Caminhos para o crescimento

e o emprego

Clemente Ganz LucioDiretor Técnico do DIEESE

http://fernandonogueiracosta.wordpress.com E-mail: [email protected].

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A continuidade do crescimento econô-mico, com ampliação de empregos e salários – transformando essa dinâmica em desenvolvimento social – requererá o alçamento de toda a estrutura econômica para um novo patamar de desenvolvimento produtivo. Para isso será necessário: (a) sustentar a continuidade da etapa ante-rior de ampliação do mercado interno de consumo de massa, agora assentada no incremento da produtividade e da capaci-dade física de produção; (b) articular uma política de abertura de mercado externo para a produção industrializada; e (c) recu-perar o mercado interno fazendo frente à importação, que destrói a nossa base industrial. Em síntese, é preciso ter capa-cidade de agregar valor por meio de cadeias de produção que coloquem a base produ-tiva na fronteira tecnológica que permita produzir bens e serviços de qualidade, com capacidade competitiva para disputar os mercados. Portanto, seria necessário criar condições macroeconômicas para que empresas competitivas se lançassem com sucesso no mercado interno e externo em igualdade de condições.

Esse movimento visaria, simultanea-mente, à expansão da capacidade empre-sarial em unidades produtivas conectadas e articuladas com uma estratégia de cres-cimento pelo investimento e formação da demanda interna, ampliada a partir do emprego e crescimento dos salários. É fundamental a ampliação da capaci-dade de o Estado produzir bens e serviços públicos, incrementando a produção pelo investimento em infraestrutura econômica e social e redistribuindo parte do produto geral por meio de políticas públicas

distributivas, segundo o interesse coletivo.

Esse movimento, em parte iniciado em 2011, travou. É ainda necessário escla-recer os motivos pelos quais as iniciativas nesse sentido não prosperaram. Mas não vamos investir nessa linha de argumento, apesar de a considerarmos fundamental. Vamos partir da necessidade de organizar e viabilizar, desde já e urgentemente, uma estratégia de transição acelerada para o crescimento, orientada para a geração de emprego, incremento dos salários como resultado do aumento da produtividade e da expansão de atividade empresarial de produção de bens e serviços.

Entendemos que o papel do Estado na mobi-lização, articulação, coordenação e orga-nização do processo de desenvolvimento

Vamos partir da necessidade de organizar e viabilizar, desde já e urgentemente,

uma estratégia de transição acelerada para o crescimento,

orientada para a geração de emprego, incremento

dos salários como resultado do aumento da produtividade

e da expansão de atividade empresarial de produção

de bens e serviços.

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econômico e produtivo é determinante e indelegável. O sucesso de uma economia de mercado depende do equilíbrio entre a sociedade e a dinâmica de um mercado regulado pela capacidade do Estado para promover o crescimento do padrão civi-lizatório a ser perseguido. O bem-estar, a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental são objetivos permanentes, que dão substância ao sentido, definido em cada contexto histórico pela capacidade política de cada sociedade conformar acordos de produção e de distribuição. A liberdade, valor inalienável, concretiza-se

socialmente na democracia como forma coletiva de se fazerem escolhas que mate-rializem esse sentido político e histórico. É pela política que se pode criar um campo para tratar dos conflitos e contradições presentes na sociedade e se buscar a supe-ração ou solução parcial ou provisória, sempre a partir dos interesses reais, na perspectiva de se fazerem acordos capazes de criar uma nova ordem de demanda, aquela voltada para a vontade coletiva e o interesse geral. Momentos como este que vivemos no Brasil de hoje são, drama-ticamente, demandantes de capacidade

Foto: Pixalbay / 44833

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política capaz de costurar e cimentar compromissos, que se materializam em acordos que geram transformações e promovem, concretamente, o sentido do desenvolvimento.

Há, no contexto atual e diante das adversi-dades que se colocam no cenário presente, a urgente necessidade de se construir a transição para o crescimento, processada por meio do diálogo social e do debate público, em espaços de negociação que criem compromissos e acordos sobre os objetivos e estratégias; definam quais os caminhos e mobilizem as forças sociais capazes de fazer o aporte de recursos econômicos, políticos, culturais, materiais e financeiros.

A estratégia deve viabilizar um movimento de formação da demanda interna e externa que anime uma dinâmica de investimento em inovação produtiva e institucional, por meio, inclusive, da formação de circuitos curtos, médios e longos entre produção e consumo, distribuídos no grande espaço do território nacional e intencionalmente orientados para fazer frente a enormes desigualdades que marcam a sociedade brasileira. Algumas das frentes de expansão dessa política de desenvolvimento serão em seguida destacadas.

v Consideramos que é fundamental apro-veitar a atual desvalorização cambial, sustentando-a por meio de uma política capaz de fazer frente à tendência de nova sobreapreciação da moeda, criando e mantendo um posicionamento de longo prazo de um câmbio de equilíbrio indus-trial. Essa política, adotada nos países com

sucesso no desenvolvimento econômico, deve gerar condições de equidade econô-mica para que as empresas competitivas possam desenvolver-se, promovendo o incremento da produtividade e a agregação de valor.

Ao mesmo tempo, faz-se necessária uma política monetária contracíclica, diante da atual estagnação do crescimento. Isso requer, de partida, um nível de tolerância capaz de absorver os choques de preços e custos, suavizando a política de metas de inflação. Parte essencial será a arti-culação de um acordo de reorganização da dívida pública interna e seu padrão de remuneração e prazo. Isso comporta um novo arranjo institucional da taxa Selic, dos juros de curto e longo prazo estrutu-rados segundo parâmetros internacio-nais, desmontando a ciranda do rentismo e gerando incentivo direto à atividade produtiva, seja pelo crédito à produção, pela formação de um vigoroso mercado de capitais ou de outros instrumentos de incentivo e sustentação do investimento.

Complementarmente, mas de igual impor-tância, será fundamental realizar uma tarefa não encaminhada desde o Plano Real, qual seja, retirar a indexação auto-mática dos diferentes contratos e preços administrados, fatores que insistem em manter a inércia inflacionária, com fortes impactos sobre os índices de preços.

O movimento macroeconômico deve mobilizar-se no sentido estratégico do desenvolvimento produtivo e industrial, como elemento estruturante da capacidade geral de transformação e de incremento da

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produtividade de uma economia que agrega valor. Nessa perspectiva, é preciso que se coloque a inovação de processos, produtos e serviços em todos os setores com base em ciência e tecnologia que se desenvolve a partir de uma educação de qualidade. É preciso aprofundar o investimento público e privado nos setores estratégicos que permitam incremento da produtividade, agregação de valor e formação de escala. E também aprofundar e aprimorar as polí-ticas de conteúdo local, os programas que incentivam a exportação.

Parte da estratégia será dar consistência de longo prazo ao programa de concessões para diversos setores da infraestrutura e propor taxas de retorno condizentes com a realidade econômica brasileira. De outro lado, a entrada de empresas estrangeiras no mercado interno deve vir acompanhada da absorção de tecnologia na estrutura produtiva nacional.

Há que se aprofundar a política de desen-volvimento produtivo orientado para micro e pequenas empresas, para a agri-cultura familiar e a economia popular e solidária, criando mecanismos específicos e voltados para a institucionalidade desses empreendimentos, em termos de crédito, assistência técnica e formação e acesso aos mercados locais, regionais, nacionais e interacionais.

Deve-se observar a dinâmica de incre-mento da atividade produtiva que as polí-ticas sociais têm em termos de formação de capacidade cognitiva, de qualidade de vida, de geração de emprego e renda, de formação de demanda, inclusive pela

indução das compras públicas.

Do mesmo modo, é necessário observar a oportunidade de reorganização do espaço urbano para a qualidade de vida, inclusive pela aproximação do espaço de moradia ao espaço de trabalho, pela produção de novas condições para serviços urbanos e oferta de igualdade de condições. Há enorme passivo e déficit social e ambiental a ser corrigido, que exigirá longa empreitada de reconstrução desse espaço.

A riqueza presente no extenso território, a qualidade produtiva do solo, a compe-tência produtiva do setor rural brasileiro, a complexa biodiversidade, a reserva aquí-fera, rios e mar, formam um riquíssimo recurso que pode ser usado para a produção econômica centrada na sustentabilidade ambiental, agregando valor estratégico para o desenvolvimento humano em geral. Pode-se, portanto, trabalhar na reorgani-zação do espaço rural voltado para uma produção com preservação ambiental e integrada por meio de um modal moderno de transporte, de comunicação e oferta de serviços disponíveis no meio urbano.

Nessa perspectiva, a reorganização da capacidade fiscal do Estado deve estar orientada para sustentar o investimento em infraestrutura econômica e social. Há que se desenhar, na medida em que se retoma o crescimento, uma reforma tribu-tária orientada pela progressividade da renda e da riqueza, desoneração dos inves-timentos, dentre outras características.

Na relação entre o setor público e privado, frente aos graves problemas descobertos

RyanMcGuire / Pixabay

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e enfrentados – fruto da ampliação da capacidade do Estado para debelar fraudes e corrupção – deve ser gerado um movimento sólido, institucionalmente sustentado, para criar novos elementos para uma governança nas empresas e que tenha probidade na relação com o Estado.

Recuperar a capacidade de investimento da Petrobras e articular um plano que combine acordos de leniência que punam aqueles que fraudaram, de um lado; e, de outro, que estabeleça um programa públi-co-privado de preservação da capacidade de engenharia nacional. Isso requer que se reorganizem as empresas envolvidas na Operação Lava-Jato.

Esses elementos, que devem constituir um plano de transição e formação de uma estratégia de crescimento, requerem, essencialmente, capacidade política para articulá-los. Capacidade política de fazer boas escolhas, conformar um campo de entendimento, de visão de futuro e de compromissos com os custos da tran-sição. As perdas relativas de todos devem ser suportadas por quem tem maior capacidade para tal e enfrentadas com inteligência para encurtar a transição, antecipando o futuro, com a perspectiva do crescimento, da geração de melhores empregos e do incremento dos salários.

Foto: Pixalbay / TanteTati - Katrin Baustmann

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Contra os fatos e os números não há argu-mentos, não cansava de repetir ad nauseam aos seus alunos o professor Gradgrind, personagem do livro Tempos Difíceis, de Charles Dickens, para convencê-los de que o interesse próprio smithiano só poderia

ser satisfeito se eles estivessem imbuídos de uma visão racional da vida e dos fatos. Negar os fatos e suas consequências tem sido o comportamento da presidente Dilma Rousseff neste segundo mandato. Políticas de destruição do tecido econômico trans-formaram-se em “suaves ajustes” para recolocar a economia nos trilhos e, mesmo que letais para as políticas e programas sociais, necessárias para preservar e dar continuidade ao objetivo de inclusão social.

A aniquilação da demanda e da oferta

Fabrício Augusto de OliveiraDoutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e autor, dentre outros livros, de Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010. | Artigo concluído em 25/02/2015.

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Ainda há quem continue acreditando em sua fala e também no fato de que não estaria fazendo mais que um “jogo de cena” com o mercado, pronta para cometer a desele-gância de deixar seu principal convidado sozinho na pista e aceitar uma contra-dança com outro parceiro. Ledo engano. Para o bem da verdade devemos nos ater, portanto, aos fatos.

O crescimento econômico do Brasil nos últimos quatro anos foi medíocre, devendo ficar, na média anual, em torno de 1,6%, podendo ser de 0% em 2014 ou, não se pode descartar, registrar até mesmo uma contração.

As medidas de política econômica já anunciadas pelo governo constituem o suprassumo da ortodoxia: contenção de gastos, restrição e contenção de direitos trabalhistas, aumento de impostos, dos juros, dos preços e tarifas de bens e serviços essenciais para a população, como os dos combustíveis e energia, combate sem trégua à inflação, restrição do crédito dos bancos públicos, encaminhamento de proposta de abertura de capital da Caixa Econômica Federal e por aí afora. De maneira geral, trata-se de medidas que, inequivocamente, vão derrubar a demanda global, a qual, bem ou mal, constituía a única fonte ou força que vinha mantendo algum oxigênio para a atividade econômica.

De outro lado, nenhuma delas favorece a economia real. A elevação dos juros combinada com o aumento dos impostos e o corte dos gastos, além de enfraquecerem o consumo, que já vinha progressivamente perdendo força, torna os investimentos

no setor produtivo ainda menos atrativos, não somente pelo aumento que provoca no “custo-Brasil”, mas também porque, além de maiores incertezas sobre o futuro, atrai estes recursos para as aplicações finan-ceiras e especulativas. Se a isso adicio-narmos a continuidade da crise externa, e a possibilidade cada vez maior de racio-namento de água e de energia, bem como também as incertezas que tal fato repre-senta para os investimentos e a atividade econômica, chegamos a um quadro em que à aniquilação da demanda soma-se agora também a da oferta.

As medidas de política econômica já anunciadas pelo governo constituem

o suprassumo da ortodoxia: contenção de gastos, restrição

e contenção de direitos trabalhistas, aumento de impostos, dos juros,

dos preços e tarifas de bens e serviços essenciais

para a população, como os dos combustíveis e energia,

combate sem trégua à inflação, restrição do crédito dos bancos

públicos, encaminhamento de proposta de abertura de

capital da Caixa Econômica Federal e por aí afora.

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Diferentemente destes dois casos, nenhu- ma das medidas prejudica o capital finan-ceiro privado. Pelo contrário, de uma maneira geral, todas o beneficiam, como a elevação dos juros, a redução do crédito dos bancos públicos, a reafirmação do compromisso com o ajuste fiscal e com a restauração do tripé macroeconômico, de forma a resgatar a confiança dos agentes econômicos na política econômica e na capacidade do Estado de honrar seus compromissos financeiros, etc. Mesmo que tal política conduza o país para uma recessão, possibilidade já reconhecida mesmo que em ato falho pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, a ideia que se transmite para a população é a de ser necessário um ajuste dessa natureza para que os investimentos possam retornar, em

algum momento, para a economia, viabi-lizando a retomada de um crescimento sustentável. Enfim, a mesma ladainha que acompanha a justificativa de todos os ajustes ortodoxos e que, postos em prática, só provocam recessão, desem-prego, aumento das desigualdades e da miséria de parte da população.

As chances de essa política ortodoxa agravar as condições da economia brasi-leira não são pequenas. Elevação dos juros não afeta os níveis de preços monitorados (tarifas de energia, transportes, combus-tíveis, etc.), que são os que mais devem pressionar a inflação em 2015. Tanto que as projeções do mercado financeiro continuam apontando para uma inflação de 7% no ano, mesmo após convencido,

Foto: shuraki / Pixalbay

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pelo Banco Central, de que os juros devem continuar em trajetória de elevação até que se garanta sua convergência para o centro da meta.

Se não afetam estes preços, juros mais altos são madrastos para as contas externas, na medida que atraem o capital especula-tivo, valorizando o câmbio e derrubando as exportações, já prejudicadas por uma crise externa prolongada, ao mesmo tempo em que estimulam as importações, podendo manter em trajetória ascendente o déficit em transações correntes, o qual, tendo atingido 4,17% do PIB, em 2014 aparece como um dos fatores que podem levar à perda do grau de investimento da economia brasileira, diante do aumento da vulnera-bilidade externa.

Além disso, com o ajuste fiscal em curso, num cenário de recessão, com receitas em declínio e forte contenção dos gastos para garantir recursos para o pagamento de juros, dificilmente restarão recursos para os investimentos públicos, sem os quais o País não conseguirá avançar na redução do custo da produção nacional e na criação de melhores condições para garantir um crescimento mais equilibrado.

Com tudo isso, poder-se-á ter produzido, ao final, apenas uma recessão com todas as suas mazelas, além de se ter recuperado e recomposto o tripé macroeconômico para deleite do capital financeiro, mas com a economia exaurida e sem forças para permitir ao País se reencontrar, tão cedo, com um projeto de crescimento com inclusão.

Não restam dúvidas de que alguns ajustes eram necessários pelos desarranjos provo-cados nos pilares centrais da economia com a desastrada política econômica implementada entre 2011 e 2014. Estes deveriam, no entanto, cingir-se a recalibrar a oferta e a demanda, estimulando os inves-timentos e realizando reformas impor-tantes para este objetivo, entre as quais a do sistema tributário, por exemplo. Dessas, no entanto, não se teve, até o momento, nenhuma notícia. A política em curso, que aniquila a demanda e asfixia a produção e a oferta, acreditando que apenas o ajuste das contas públicas será suficiente para trazer mais à frente os investimentos, carece de qualquer bom senso em matéria de teoria econômica. Mesmo diante dos fatos econô-micos do professor Gradgrind.

A política em curso, que aniquila a demanda

e asfixia a produção e a oferta, acreditando que apenas

o ajuste das contas públicas será suficiente para trazer

mais à frente os investimentos, carece de qualquer bom senso

em matéria de teoria econômica

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Três cenários possíveis para o Brasil em 2015: o bom, o mau e o feio (1)

Guilherme Santos MelloEconomista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da Facamp

A pretensa “necessidade” de o país adotar algum tipo de ajuste fiscal passou a ser o tema dominante do debate econômico, colocada como condição necessária (e algumas vezes suficiente) para a retomada do crescimento no longo prazo. Com o

passar do tempo, a discussão se deslocou da real necessidade do ajuste para a forma e o tamanho do ajuste que será implementado.

Dentro deste debate, diversas contri-buições críticas têm sido elaboradas não apenas por políticos, como também por economistas e intelectuais que se debruçam sobre a questão. Do ponto de vista da receita, as principais críticas em relação ao atual pacote se dirigem ao fato de ele concentrar-se em impostos de fácil

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arrecadação, mas disfuncionais para o sistema tributário, tanto do ponto de vista da competitividade, quanto do ponto de vista da regressividade (2).

Mais que isso, argumenta-se que a elevação de tais impostos, dada a estrutura de mercado oligopolista de boa parte dos setores afetados, fará com que o ônus da tributação superior recaia sobre o consu-midor, não sobre as empresas. A estratégia de aumentar a receita pública utilizando-se destes impostos indiretos e regressivos, portanto, tem impacto negativo sobre a atividade, o consumo, a inflação e a distri-buição de renda, possuindo efeitos apenas duvidosos sobre o nível de arrecadação, a depender do desemprenho da economia no período.

Do ponto de vista das despesas, as principais críticas se focam tanto na discricionarie-dade e linearidade dos contingenciamentos atuais, que impactaram diretamente o orçamento do o Ministério da Educação, por exemplo, setor chave para defender o conceito de “Pátria Educadora” assu-mido pelo governo, quanto no fato de que a maior parte dos cortes ocorrerá sobre investimentos e gastos sociais, que possuem multiplicador maior que os gastos correntes do governo.

Apesar da discussão sobre a forma e o tamanho do ajuste fiscal permanecer como foco do debate público, é interes-sante compreender de antemão o que significaria, hipoteticamente, a aprovação e adoção do “pacote fiscal” proposto pelo ministro Joaquim Levy na forma em que se apresenta. A possibilidade de sua

aprovação da forma exata como foi enviado ao Congresso Nacional, apesar de ser baixa (dado o cenário de fragilidade política do governo e de insatisfações dentro dos grupos sociais que apoiam e sustentam politicamente o governo atualmente), pode nos servir de guia para compreensão dos possíveis cenários que o Brasil enfrentará nos próximos meses, imaginando o sucesso ou fracasso da estratégia proposta.

Sendo assim, este breve texto busca traçar três cenários básicos para o caso de aprovação do pacote fiscal atual: um positivo (o bom), um negativo (o mau) e um de fracasso total (o feio). Após discutir brevemente os três cenários, as conclusões buscam apontar para as possibilidades de cada um.

O cenário “bom”: O ajuste dá certo e o Brasil volta a crescer

O cenário positivo, que é defendido em sua maioria por integrantes do governo e alguns economistas do mercado financeiro, é aquele em que o ajuste fiscal será capaz não apenas de reduzir o déficit público e a inflação (no médio prazo), como também recuperar a confiança dos empresários e os investimentos, fazendo assim com que o país retome o caminho do crescimento ainda em 2015. Este cenário, baseado implicitamente no que ficou conhecido no debate econômico como “contração fiscal expansionista”, depende de uma série de fatores que se contrapõem à história recente do Brasil e ao momento atual da

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economia internacional.

Em primeiro lugar, para ter o sucesso esperado, o ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy deveria ser capaz de real-mente reduzir o déficit público, não apenas atingindo a meta pretendida de superávit primário, mas também de reduzir o déficit nominal do país ainda em 2015. Na reali-dade, ambas as metas apresentam grande dificuldade para que se as alcancem: a meta de 1,2% de superávit primário, devido à queda acentuada nas receitas, dado o já esperado aprofundamento da recessão (o cenário base atualmente em voga no mercado é de queda de 1,5% do PIB, que se contrapõe às expectativas iniciais do governo, de crescimento próximo a 0,8%), ao ponto de partida pior que o esperado (o governo esperava contar com um superávit próximo a 0,3% do PIB em 2014, porém o resultado final foi de déficit de 0,6%, que

deve ser revertido antes de se alcançarem os 1,2% planejados) e a extrema dificul-dade do governo para realizar cortes de gastos em despesas discricionárias que não paralisem por completo as obras e investimentos no país.

Já a dificuldade de cumprir o objetivo de redução do déficit nominal (próximo a 6,7% do PIB atualmente) se deve ao fato de que, além de dificilmente alcançar a meta do primário como já descrito, a conta de juros deve se elevar em 2015, devido à atual estratégia do BC de combater a inflação de preços administrados e a desvalorização cambial com elevações da Selic. Sendo assim, o que está sendo questionado é a viabilidade de se alcançarem as próprias metas fiscais estabelecidas pelo governo, sem precisar apelar para uma completa paralização dos investimentos públicos no país.

Foto: Fotos Públicas

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Em segundo lugar, a capacidade de o ajuste fiscal reduzir a inflação no médio prazo parte do pressuposto de que as razões por detrás da inflação brasileira seguem relacionadas ao excesso de demanda, particularmente ao aumento de salários. Para combater esta inflação, além de enca-recer e escassear o crédito, o governo deve promover uma ligeira recessão econômica, que afete o mercado de trabalho e assim abra espaço para a queda do salário e da renda real, tirando pressão da inflação de non-tradables, em particular de serviços.

Esta aposta, apesar de teoricamente eficaz, implica duas dificuldades: o impacto negativo que a política de preços realista e os aumentos dos impostos (repassados para o preço dos produtos dado o poder de mercado da maior parte dos setores afetados) está causando deve levar a inflação para próxima de 10% ainda em meados de 2015, o que impossibilitaria que ela feche 2015 dentro do limite da meta de 6,5%; em segundo lugar, os efeitos desaceleradores sobre os preços causados pela recessão podem ser menores que o esperado pelo governo devido ao reforço da inércia inflacionária causado em um cenário de inflação elevada. Neste caso, apenas uma profunda e prolongada recessão seriam capazes de alterar as expectativas dos agentes sobre os preços, eliminando o efeito de carregamento da inflação passada diante do cenário profun-damente deflacionário apresentado para o futuro. Além do mais, o atual debate sobre inflação apresenta profunda ligação com o patamar da taxa de câmbio, que é uma variável autônoma sobre os preços que não pode ter seus efeitos plenamente

controlados pela política fiscal.

Por fim, a hipótese final do cenário “bom” é que a confiança do empresariado retorne e, desta maneira, os investimento voltem a fluir ainda em 2015, que observaria em seu último trimestre uma retomada do crescimento econômico. Esta possibili-dade, por um acaso, seria central para o sucesso da meta fiscal, pois já ao final do ano os impactos recessivos das medidas ter-se-iam diluído e o aumento da arre-cadação poder-se-ia dar em linha com o aumento das taxas de atividade. A aposta na retomada da atividade decorre do fato de que as expectativas dos empresários se reverteriam, dado um cenário prospec-tivo benigno para a inflação (e, portanto, para seus custos e para o crescimento da demanda) e para as contas públicas (indu-zindo o empresariado à conclusão de que o governo não precisaria apelar para novas medidas contracionistas para ajustar seus resultados).

O problema desta hipótese decorre do fato de que, para que ela se concretize, é neces-sário desconsiderar ao menos três fatores presentes na realidade atual: o cenário internacional, que limita a retomada de investimentos pela via das exportações; o cenário cambial, que ao desvalorizar o real aumenta (no curto prazo) os custos de produção; e a recessão esperada para a economia, que ao reduzir a renda e o emprego reduzirá também a expectativa de demanda doméstica, reduzindo assim as expectativas de rentabilidade do produtor nacional. Por fim, deve-se ignorar a própria hipótese de que o ajuste não seja entregue no tamanho prometido.

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O cenário “mau”: o ajuste fracassa e o Brasil entra em recessão com inflação

O cenário negativo, vislumbrado por boa parte dos analistas de mercado e dos economistas heterodoxos (por razões dife-rentes), é aquele em que o ajuste fiscal não consegue ser cumprido em sua plenitude, além de abrir caminho para um cenário de inflação elevada e recessão no ano de 2015. Neste cenário, as dificuldades de natureza política aparecem como impe-dimento para a aprovação do pacote fiscal em sua completude, mas não podem ser ignorados os alertas sobre a inviabilidade econômica de se alcançarem os resultados almejados. Nisso, economistas de várias vertentes tendem a concordar, apesar de alguns concentrarem seus argumentos na redução das receitas derivada da recessão, enquanto outros apontam como problema central o excesso de rigidezes nos gastos públicos. Além do fracasso na obtenção da meta fiscal, a inflação deve acelerar ao longo do ano, mantendo-se acima do centro da meta em 2016, devido aos efeitos de carregamento e indexação dos preços que serão desenvolvidos ao longo de 2015. Por fim, em um cenário de fracasso da meta fiscal e inflação elevada, a confiança empre-sarial tenderia a não retornar, colocando o país dentro de um cenário de recessão que poderá derrubar o PIB entre 1,5% e 2%, dependendo da análise.

Neste cenário, o mercado de trabalho aparece como variável chave do ajuste: ao mesmo tempo em que sua desaceleração é

apontada como componente deflacionário no médio prazo, também acaba servindo como componente recessivo no curto prazo. O efeito de curto prazo deve sobrepor-se em 2015, pois a deflação dos salários deve ser mais do que compensada pelo aumento dos preços administrados e daqueles ligados ao câmbio, em franca deterioração neste início de ano. A confiança do empresário só voltaria a se elevar em 2016 ou 2017, quando os efeitos inflacionários e recessivos do ajuste já tiverem realizado seu processo de destruição dos postos de trabalho e dos mecanismos de inércia inflacionária (para não falar na destruição de diversas empresas e indústrias no caminho), possi-bilitando ao empresariado responder com mais vigor em um cenário de salários baixos, insumos mais baratos (dada a estabilização do câmbio) e déficit público sob controle.

Visto de uma forma mais geral, o cenário “mau” pode aparecer de duas formas: como um prolongamento dos efeitos negativos também presentes no cenário “bom”, mas restritos ao curto prazo nessa visão mais otimista; ou como o início de um processo de deterioração da economia brasileira, que apenas não adentraria um cenário de recessão aberta (chamado aqui de “feio”) devido ao elevado grau de resiliência que o mercado de trabalho e a demanda do consumidor têm demonstrado nos últimos anos.

O “cenário” feio: Perda do grau de investimento, recessão profunda e crise social/política

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O cenário final aqui delineado é aquele em que a econômica brasileira entra em profunda derrocada ainda no ano de 2015, fruto do absoluto fracasso do ajuste fiscal e da consequente perda do grau de investi-mento. Neste cenário, algumas tendências traçadas no cenário “mau” se exacerbam e ganham dinâmica ainda mais intensa: em primeiro lugar, o ajuste fiscal não apenas se mostra insuficiente ou incompleto, mas absolutamente incapaz de recuperar as finanças públicas, dado o volume de perda de arrecadação em decorrência do apro-fundamento da recessão. Esta, por sua vez, não seria moderada nem passageira, mas profunda e devastadora para o mercado de trabalho e para o setor produtivo nacional. A inflação, por fim, ao invés de alcançar seu pico no meio do ano e depois reverter sua trajetória altista, pode permanecer alta e se aproximar dos dois dígitos mesmo ao final de 2015, devido à dinâmica errática da taxa de câmbio e à busca pela proteção da renda nos mecanismos clássicos de inércia inflacionária.

A chave para se compreender este cenário encontra-se na hipótese de o Brasil perder, ainda este ano, o grau de investimento atri-buído a ele pelas empresas de classificação de risco. Os motivos para este fato podem ser variados, inclusive da esfera política, já que os critérios de avalição destas desacreditadas agências são pouco claros e, muitas vezes, influenciados política e ideologicamente.

Alguns fatos objetivos, no entanto, podem ser decisivos para desencadear o eventual rebaixamento brasileiro: uma recessão maior do que a esperada (projeção superior

a 2%), que leve as receitas públicas para patamares extremamente baixos e impossi-bilite o ajuste fiscal desejado (aumentando também a relação dívida/PIB de maneira acelerada); um aumento da inflação acima do inicialmente planejado (acima de 8,5%), seja pelos choques de preço administrado, seja pelo repasse da desvalorização cambial para os preços; eventos políticos disrup-tivos, com a proliferação de manifesta-ções populares e o eventual avanço das “pautas bomba” no Congresso Nacional, que oneram financeiramente o executivo.

No caso de um rebaixamento se confirmar, diversos fundos de pensão e investimento estrangeiros ficariam impossibilitados de aplicar em títulos da dívida pública brasileira, causando uma fuga do real que aprofundaria a desvalorização cambial. O impacto da desvalorização na inflação, de difícil contenção por parte das autoridades monetárias, pode vir a degradar ainda mais a confiança de consumidores e empresá-rios. O aumento da inflação e dos custos dos importados impactaria diretamente nossas empresas, que além de eventuais problemas de endividamento externo (no caso daquelas empresas que não estão devidamente protegidas por operações de hedge), ver-se-iam obrigadas a comprimir suas margens de rentabilidade, devido ao problema estrutural da economia brasi-leira, de enorme dependência de insumos estrangeiros.

Os trabalhadores, por sua vez, veriam um desmantelamento e reversão imediata do ciclo positivo do mercado de trabalho veri-ficado nos últimos dez anos, com demis-sões em massa e queda do salário e renda

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real. Fatores como a crise da Petrobras e das empreiteiras, que afetam setores importantes da economia brasileira (como a construção civil, petróleo e gás, estaleiros e toda sua cadeia de fornecedores), além da continuidade da crise hídrica podem contribuir para aprofundar ainda mais a crise social e política do país.

O aumento do desemprego, da recessão, da inflação e do déficit público criaria um cenário de “tempestade perfeita”, na qual dificilmente o governo sobreviveria sem profundas cicatrizes. Para este cenário se concretizar, uma série de eventos negativos teriam de ocorrer na sequência, mas certa-mente o fato central seria a perda do grau de investimento, que é a única força atual-mente capaz de transformar um cenário ruim, neste cenário terrível.

Conclusões

Conforme o leitor pode ter percebido ao longo do texto, os três cenários, apesar de possíveis, apresentam possibilidades dife-rentes de se tornarem realidade. O cenário “bom” e o cenário “feio” aparentemente dependem de uma série de pressupostos que reduzem significativamente a possi-bilidade de ocorrerem, sendo o cenário “mau” o mais provável dentre os três na atualidade.

Em uma primeira análise, resta a impressão de que, para o cenário “bom” se concre-tizar, questões como a deterioração do setor externo, além dos impactos inflacionário e recessivo da política econômica atual,

Foto: Pixalbay / rkit /Rupert Kittinger-Sereinig de Graz

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devem ser desconsiderados ou minimi-zados, o que vai de encontro não apenas à percepção da maior parte dos analistas de mercado, como também aos primeiros indicadores econômicos colhidos no início de 2015.

A aposta na resiliência da economia brasi-leira parece vincular-se mais ao segundo cenário que ao primeiro, que necessitaria não apenas de resistência para se viabilizar, mas também de uma grande capacidade de superação e rearticulação quase que imediata da economia nacional, fato não verificado nos últimos anos, mesmo na presença de poderosos estímulos para isso.

Por fim, a possibilidade de ocorrência do cenário “feio” corresponderia ao total fracasso do ministro Joaquim Levy e do governo, de administrar as expectativas da economia dentro e fora do Brasil, levando o país a perder seu grau de investimento ainda em 2015 e colocando por terra qual-quer possibilidade de recuperação econô-mica seja neste ano, seja no próximo. Os sinais atuais, no entanto, apontam que, apesar da situação estar-se encaminhando para o cenário negativo, não há indícios de que a deterioração econômica seja tão profunda nem de que a percepção externa sobre o Brasil tão negativa, a ponto de justificar o imediato rebaixamento do Brasil. Ainda parece ser mais prudente para as agências de classificação de risco, defensoras do receituário do ajuste fiscal, que aguardem seus resultados, antes de decretar o falência da estratégia de ajuste macroeconômico atual.

Do ponto de vista do governo, os três

cenários exigem resultados ruins no curto prazo e no mínimo incertos no médio/longo prazo. Dever-se-ia considerar imediatamente a possibilidade de refor-mular a estratégia econômica (ou ao menos adaptá-la às demandas sociais). O aprisio-namento do governo Dilma na estratégia atual só poderá ser rompido pela força dos trabalhadores, movimentos sociais e das esquerdas, que pressionam o governo a retomar e aperfeiçoar sua estratégia de desenvolvimento econômico e social. A ausência destas forças ou a recusa do governo em alterar sua estratégia atual traz à tona a possibilidade de ampliação da crise política e social no futuro. Mais do que nunca, é preciso adaptar a estratégia às demandas da realidade social, não apenas às demandas dos mercados.

NOTAS1 Versão ampliada do artigo publicado no Brasil Debate ( http://brasildebate.com.br/o-bom-o-mau-e-o-feio-tres-cenarios-para-o-brasil-em-2015/) 2 Nesta linha crítica, o debate acerca da adoção de impostos mais altos sobre renda e patrimônio (incluindo aí o ainda não regulamentado Impostos sobre Grande Fortunas (IGF) e alterações no imposto sobre heranças e nas alíquotas superiores do Imposto de Renda) tomou força, sendo oficialmente alvo de estudos do Ministério do Planejamento atualmente.

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Os primeiros meses de 2015 se notabi-lizaram por uma clara reorientação da política econômica do Governo Dilma. Em seu primeiro mandato, convém registrar, o foco esteve direcionado para as medidas de estímulo à demanda e à atividade

econômica, que nos anos anteriores tinham sido bastante exitosas na aceleração do crescimento econômico, no fortalecimento do mercado interno de consumo de massas, na melhoria dos principais indicadores sociais e de mercado de trabalho e no combate aos efeitos recessivos da crise internacional do final de 2008.

Entretanto, a partir de 2011, os resultados econômicos de tais medidas ficaram muito aquém do esperado: o crescimento

Ajuste fiscal e mercado de trabalho

Tiago OliveiraEconomista do Dieese. Doutor em Desenvolvimento Econômico, na Área de Concentração em Economia Social e do Trabalho, pelo Instituto de Economia da Unicamp.

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econômico reduziu-se substancialmente, atingindo, na média dos últimos quatro anos, um patamar de apenas 1,6%; a inflação acelerou-se e estabilizou-se em níveis muito próximos do teto do regime de metas; a dívida (líquida ou bruta) como percentual do PIB assinalou um ligeiro crescimento; enquanto a trajetória positiva dos indicadores sociais e de mercado de trabalho arrefeceu, com exceção da taxa de desemprego, que continuou a declinar, graças, sobretudo, a uma menor pressão da oferta sobre o mercado de trabalho.

Foi nesse contexto que as políticas de estímulo econômico deram lugar, a partir deste ano, às medidas de ajuste fiscal assen-tadas em aumentos de impostos, redução de subsídios e de desoneração fiscais e no corte dos gastos públicos, incluindo os da

área social.

O objetivo declarado é o de conter o avanço da dívida pública – sob a ameaça da perda do grau de investimento dado pelas agên-cias internacionais de classificação de risco –, controlar a inflação, reativar o “espírito animal” dos empresários e impulsionar os investimentos privados, pavimentando a retomada do crescimento econômico.

Porém, os meios e os fins alegados não comportam a manutenção, nem tampouco o aprofundamento, dos avanços sociais e no mercado de trabalho observados nos últimos dez anos. De fato, no que diz respeito ao emprego e à renda, o que orienta a estratégia em curso de retomada do crescimento econômico é a crença de que a taxa de desemprego atual, próxima,

Foto: Pixalbay / stevepb/ Steve Buissinne

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em tese, a uma situação de pleno emprego, representa um entrave para a competiti-vidade das empresas brasileiras, que se veriam obrigadas a adiar investimentos ou a repassarem o aumento de custos para os preços, nos espaços permitidos pela acirrada concorrência internacional, em um contexto de câmbio sobrevalorizado. O resultado final é, portanto, uma economia com baixo crescimento econômico e inflação crescente, afirmam os defensores das medidas implementadas neste início de 2015.

Os impactos restritivos do ajuste fiscal sobre a economia, potencializados pelas questões hídrica e energética e pela parali-sação da cadeia produtiva do petróleo e do gás, repercutirão no mercado de trabalho basicamente por meio de dois canais: primeiro, a desaceleração do crescimento econômico per se diminuirá a geração de postos de trabalho, de uma forma geral, e do emprego formal, em particular; em segundo lugar, ao criar dificuldades para a ampliação do rendimento médio real das famílias e, secundariamente, ao restringir o acesso às políticas sociais, o ajuste fiscal e o menor crescimento econômico esti-mularão o retorno ao mercado de trabalho de pessoas que até então se encontravam fora dele, sobretudo, as parcelas mais jovens e de idade mais avançada, aumen-tando a necessidade de que se criem novas ocupações.

A combinação destes dois movimentos resultará, cedo ou tarde, na ampliação da taxa de desemprego e em maior precari-zação do mercado de trabalho, interrom-pendo uma dinâmica virtuosa que se vinha

sustentando há cerca de uma década, em que pese a deterioração do quadro econô-mico doméstico e internacional.

A elevação da taxa de desemprego, em particular, seria vista como bem-vinda pelos defensores do ajuste fiscal, uma vez que a posicionaria próxima a um patamar considerado como não gerador de pres-sões inflacionárias (definida como NAIRU, na sigla em inglês), ao tempo que repre-sentaria um alívio em termos de pressão sobre os custos empresariais, edificando as bases para a retomada dos investimentos privados e do crescimento econômico.

De fato, no que diz respeito ao emprego e à renda, o que

orienta a estratégia em curso de retomada do crescimento econômico é a crença de que a taxa de desemprego atual,

próxima, em tese, a uma situação de pleno emprego,

representa um entrave para a competitividade

das empresas brasileiras, que se veriam obrigadas a adiar investimentos ou a repassarem

o aumento de custos para os preços, nos espaços permitidos

pela acirrada concorrência internacional, em um contexto

de câmbio sobrevalorizado

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Há pelo menos duas questões merecedoras de maiores reflexões acerca da estratégia em curso. Primeiro, de modo geral, o conceito de pleno emprego diz respeito a uma situação na qual os recursos produ-tivos e, portanto, a capacidade de produção de uma sociedade, são utilizados plena-mente e em seu máximo potencial. Com efeito, a partir desta definição, é difícil aceitar que uma economia tão desigual em termos regionais e com elevada hete-rogeneidade produtiva, que abriga em segmentos de baixíssima produtividade um percentual bastante significativo de sua força de trabalho, possa ser classificada como em uma situação de pleno emprego da mão de obra.

Em segundo lugar, convém questionar como os investimentos privados seriam alavancados em um contexto de desem-prego em elevação, precarização dos postos de trabalho e rendimento médio do trabalho em queda, ou seja, de retração da demanda efetiva, em um momento no qual os países desenvolvidos enfrentam enormes dificuldades para reativar as suas economias.

Concluindo, se há poucas dúvidas de que o ajuste fiscal trará impactos negativos sobre o mercado de trabalho, o que de certa forma é desejado pelos seus idealizadores, parece pouco crível que a estratégia em curso abrirá espaços para a retomada do crescimento. Nesse sentido, a neces-sária correção de rumos a ser aplicada na economia brasileira neste momento deveria privilegiar, pragmaticamente, a elevação dos investimentos autônomos, dada a saturação apresentada pelo consumo

de bens duráveis, combinada com a manu- tenção do câmbio em um patamar compe-titivo e a utilização de outros instrumentos de combate à inflação, que mirem a indexação dos preços ainda presente na economia brasileira e o comportamento altista dos preços dos alimentos.

Há uma evidente incompatibilidade entre a estratégia de crescimento proposta e o atual formato do regime brasileiro de metas de inflação, que exige recorrente-mente taxas de juros elevadas. Afinal, como reanimar o “espírito animal” dos empresá-rios, quando se tem o mercado financeiro como uma alternativa de valorização da riqueza muito mais atraente?

Dessa forma, acredita-se ser possível minimizar os impactos do ajuste sobre o mercado de trabalho, elemento funda-mental para um padrão de desenvolvi-mento capaz de aliar, a um só tempo, alto crescimento econômico e ampliação do bem-estar social das massas.

Concluindo, se há poucas dúvidas de que o ajuste fiscal

trará impactos negativos sobre o mercado de trabalho, o que

de certa forma é desejado pelos seus idealizadores, parece pouco crível que a estratégia em curso abrirá espaços para a retomada

do crescimento.

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Virada de ano, virada de governo. O chamado “reequilíbrio fiscal” atinge em cheio a política social, cujo viés liberali-zante entra em marcha acelerada. Se, nos últimos anos, a estratégia de fomento à competitividade de uma indústria comba-lida centrou-se na desoneração tributária

da folha de pagamento, ameaçando o orçamento da Seguridade Social, cres-centemente responsabilidade do trabalho e menos do capital, agora a linha de tiro alcança o cerne dos direitos trabalhistas e previdenciários.

Em um contexto de desaceleração econô-mica aguda, retração do investimento público e privado, rápida elevação dos juros para além de patamares já proibi-tivos e escassez de novos empregos, alterar

“Modelo social” em crise (1)

Lena LavinasProfessora do IE-UFRJ, pesquisadora sênior do CNPQ

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as tatregras do seguro-desemprego e de outros benefícios como as pensões é dar as costas ao “modelo social” introduzido pelo próprio Partido dos Trabalhadores, com custos não apenas em alta, mas fonte de grande vulnerabilidade social e financeira para as famílias brasileiras.

Que “modelo social” foi esse? A grande arquitetura começa com a criação do crédito consignado, em 2003, que vai vincular acesso prioritário a linhas de crédito com taxas de juros menos extorsivas, aos funcionários públicos ou assalariados formalizados. Em 2004, é estendido aos aposentados e pensionistas (2). A política social torna-se, em parti-cular no caso dos titulares de benefícios previdenciários, o colateral que faltava e que é garantido pelo Estado, para além da

renda do trabalho, esta sim um colateral relevante. Vale recordar que os salários e notadamente seu piso, o mínimo, tiveram ganhos reais importantes, numa trajetória sustentada de recuperação.

Em paralelo, no mesmo ano, é regula-mentado o Bolsa Família, que vem, já com atraso, expandir a incorporação ao mercado de milhões de famílias cujo grau de destituição restringia não apenas opor-tunidades, senão ameaçava sua existência e dignidade. Pouco a pouco, ampliam-se mecanismos de acesso ao crédito de consumo também aos beneficiários do grande programa nacional de combate à pobreza, para incentivar um modelo de consumo que vem, finalmente, aquecer o mercado doméstico, dobrando as vendas no varejo entre 2003-2014 (IBGE, Pesquisa

Pixalbay / PublicDomainPictures

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Mensal de Comércio) e, de tabela, finan-ciando também acesso a bens importados, que um câmbio sobrevalorizado favorece. Ou seja, exportando empregos e agravando nossa balança comercial.

Vale recordar que data também desses primeiros anos de gestão petista a regu-lamentação do microcrédito (3). Entre 2003, data de sua criação, e 2007, 90% dos empréstimos nessa modalidade volta-vam-se ao financiamento do consumo (BACEN, 2011). Esse percentual cai paulatinamente, a partir de 2013, quando é estabelecido na lei que 80% da exigibi-lidade deveriam ser direcionados para o microcrédito produtivo orientado. Ainda assim, o consumo ainda constitui 67% da sua aplicação em dezembro de 2010.

Observa-se, assim, uma estratégia bem orquestrada de ampliação dos instru-mentos de acesso ao mercado creditício, açambarcando notadamente as classes de renda que antes eram excluídas desse mercado.

Finalmente, visando a inclusão financeira dos beneficiários do Bolsa Família – 15 milhões de famílias - , surge, mais à frente, em 2008, o Projeto de Inclusão Bancária. Tentou, sem o sucesso alardeado, levar ao público-alvo desse programa de combate à pobreza novos instrumentos e serviços financeiros. De início, o projeto limita-va-se à abertura de contas simplificadas (convênio MDS+Caixa Econômica, através do Conta Caixa Fácil), cuja expansão foi imediata. Rapidamente, porém, habili-taram-se cartões para compra a crédito e outros serviços e produtos (4) âmbito do

Projeto de Inclusão Bancária. Todavia, a adesão de cerca de 2 milhões de famílias, das 13 milhões cadastradas como bene-ficiárias em 2010, indica que a exclusão de preços ou de condição, quiçá a própria autoexclusão, frearam o interesse dos grupos mais vulneráveis ao mercado financeiro. Ainda assim, o financiamento na aquisição de bens de consumo durável estendeu-se significativamente nos grupos mais pobres.

Assim, se, em 2001, o crédito correspondia a 22% do PIB, em dezembro de 2014 ultra-passa 58%. Saliente-se que o crédito à pessoa física responde por 47% de toda a oferta de crédito nessa mesma data, sendo que a rubrica crédito livre (5) (para consumo em geral, aquisição de veículos, consignado e não consignado) equivale a quase 2/3 de todo crédito à pessoa física. Seu volume triplicou entre 2007 e 2014. A título de ilustração vale indicar que entre 2003 e 2010, a quantidade de pessoas físicas clientes do SCR (6) (CPFs distintos), identificadas com responsa-bilidade de empréstimos de no mínimo R$5 mil cresceu 347%, ao passo que a das que tomaram empréstimo em valor infe-rior a R$5 mil aumentou 352%. Em outras palavras, tanto os pequenos tomadores de crédito quanto os de maior poder aquisitivo registraram forte expansão, muito acima do crescimento da população adulta.

Portanto, houve, de fato, um vigoroso processo de inclusão financeira, para além da bancarização, esta igualmente incen-tivada a partir de 2004 com a criação das contas simplificadas. O Gráfico 1 reflete tal progressão. Mostra que conta corrente

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e cartão de crédito conhecem expansão acentuada entre 2005 e 2010 em todas as classes, mas significativamente naquelas com renda familiar inferior a três salários mínimos (D/E).

Os anos Lula e Dilma inovaram por promover a inclusão creditícia, alimen-tando, em decorrência, o endividamento das famílias.

Aí reside justamente o calcanhar de Aquiles da estratégia integrada política social-acesso ao mercado financeiro. Sua face dantesca surge quando se detalha o custo do crédito. Uma mirada no Gráfico 2 capta a disparidade nas taxas de juros no âmbito das diversas linhas de crédito pessoal livre nos anos mais recentes. Todas elas têm em comum serem, em termos reais, assustadoramente elevadas, se cote-jadas à taxa de inflação (IPCA). A questão é que agora elas continuam em alta, mirando a estratosfera.

Neste início de 2015, no lastro dos suces-sivos e ininterruptos aumentos da Selic,

o Bacen aponta que os juros cobrados nas mais distintas modalidades de crédito ao

GRÁFICO 1: Acesso a itens financeiros por classe de renda, 2005, 2007 e 2010 (% da classe de renda)

Pesquisa do Instituto Data Popular, divulgada pelo jornal

O Globo em setembro de 2014, indica que a classe C (7),

hoje equivalente à metade da população brasileira, e detentora de 58% dos

empréstimos, destina 65% de sua renda ao pagamento de serviços e 35%, à compra

de produtos, quando esse percentual era inverso dez anos

antes. E dentre os serviços, predominam de longe

os essenciais, como saúde e educação, que deveriam ser desmercantilizados,

direitos de cidadania.

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consumo acompanham a alta. A Anefac estima que, em fevereiro de 2015, os juros cobrados no comércio bateram em 5,1% ao mês (uma projeção de 87,12% a.a.)!

Ora, segundo o Bacen, o endividamento das famílias brasileiras com o sistema finan-ceiro nacional compromete hoje 48% de sua renda, contra 22% no início de 2006. Isso não seria problema se, depois de se insuflar o consumo das famílias, motor do crescimento econômico a partir de 2006, usando a política social como colateral, o governo, em meio a uma recessão que bate à porta, não resolvesse modificar a regra de acesso ao seguro-desemprego, cortar e reduzir pensões por morte, e se o sistema tributário não garfasse, pela sua estrutura regressiva que incide fortemente sobre o consumo, pouco mais de metade da renda bruta das famílias que vivem com menos

de dois salários mínimos mensais. Ah, sem falar que praticamente metade do valor do benefício do Bolsa Família, segundo dados do IPEA, retorna ao governo em razão da incidência dos tributos indiretos.

Em outras palavras, a renda disponível da família trabalhadora ou aposentada é baixa, ainda muito baixa. Mas igualmente baixa, é a renda dos brasileiros em geral, dado o nosso quadro de altíssima desigual-dade. Segundo o IBGE, o rendimento médio do trabalho ao longo do ano de 2014 (PME) situa-se em R$ 2.054,00 mensais. Some-se à equação o fato de o grosso da política social ser transferências de renda mone-tárias, contributivas ou não contributivas, enquanto a parcela da provisão pública de serviços e bens que deveriam ser asse-gurados gratuitamente continua a escas-sear, empurrando quem busca segurança

GRÁFICO 2: Taxas de juros ao consumidor e inflação, 2011-2014 (% a.a.)

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Foto: Pixalbay / iWorksphotography / Gary Ross

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e qualidade para o mercado privado, com preços destorcidos elevadíssimos, incompatíveis com a renda da população, e comprometendo parcela significativa dela. Pesquisa do Instituto Data Popular, divulgada pelo jornal O Globo em setembro de 2014, indica que a classe C (7), hoje equi-valente à metade da população brasileira, e detentora de 58% dos empréstimos, destina 65% de sua renda ao pagamento de serviços e 35%, à compra de produtos, quando esse percentual era inverso dez anos antes. E dentre os serviços, predominam de longe os essenciais, como saúde e educação, que deveriam ser desmercantilizados, direitos de cidadania.

Ou seja, a renda da população brasileira é sugada por níveis crescentes de endivi-damento, por tributos indiretos massa-crantes (LAVINAS, 2014) e pela aquisição daquilo que lhe deveria ser provido com qualidade, na quantidade imposta pelas contingências e gratuitamente. Ou seja, serviços públicos como saúde, educação, segurança, transporte.

O atraso na realização da POF pelo IBGE (8) compromete uma análise apurada e consistente desse quadro que deve dete-riorar-se, em virtude do aumento da deso-cupação. Pesquisa do Bacen sobre inclusão financeira (2011) estima que, se a taxa de desemprego em nível nacional cresce 1%, a probabilidade de inadimplência no que tange a modalidade crédito de consumo à pessoa física aumenta em 3 a 4 pontos percentuais. Portanto, num quadro de estagnação da atividade econômica de forma prolongada, o default das famílias tende a ampliar-se (CORREA, MARINS et

alii, 2011). O crédito de consumo em geral é bem mais sensível à conjuntura econômica do que o crédito direcionado, por exemplo.

A presidente Dilma não se furtou a enfa-tizar, em seu mais recente discurso, a primazia dos programas residuais como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, nas metas de seu governo, em detrimento do sistema de proteção social como um todo. Este, em 2014, além de ter perdido o aporte de, aproximada-mente, R$ 56 bilhões em favor das desone-rações da Seguridade, ainda se ressente do desvio de – numa estimativa conservadora – R$ 60 bilhões para engordar a DRU.

A título de ilustração, assinala o TCU que, em 2013, os gastos com renúncia tributária e previdenciária foram estimados em R$ 218 bilhões, ao passo que saúde e educação públicas juntas receberam R$ 163 bilhões. A bom entendedor...

A política social tem por finalidade reduzir vulnerabilidades, prevenir a pobreza, equa-lizar oportunidades e, sobretudo, desmer-cantilizar acesso, garantindo direitos. No Brasil a perversidade é tamanha, que se usa a política social como colateral para dar acesso ao sistema financeiro, de forma a potencializar um consumo represado por salários relativamente baixos e uma estrutura de preços relativos caros, com produtos medíocres, produtividade em queda e juros em alta. Claro está que nessa virada de ano, só se pode mesmo celebrar a performance do Bradesco e do Itaú, cujo lucro líquido bateu novos recordes.

Não bastasse esse viés liberalizante já

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conhecido, agora se quer cortar o colateral de acesso, em nome da austeridade. E como se pagarão as dívidas? Que novo “modelo social” está sendo gestado para substituir o que se esgota e que foi falho?

Não menos importante é chamar atenção para uma dimensão forte de uma estratégia viciosa, marcadamente neoliberal: se o nível de endividamento das famílias tende a aumentar ainda mais rapidamente em decorrência da forte elevação das taxas de juro real, a saída da crise e a recuperação de um novo ciclo de expansão da demanda evidentemente estarão comprometidas. O resultado dramático de tal estratégia é, portanto, de exacerbar a contração da demanda.

Respeitar e consolidar a grande inovação institucional que nos veio com a criação da Seguridade Social em 1988, isso parece fora do radar. A função da política social é assegurar níveis crescentes de bem-estar e não servir primordialmente ao acesso ao setor financeiro ou à aquisição de serviços que o Estado furta-se a prover.

BibliografiaANEFAC, março de 2015

http://www.anefac.com.br/uploads arquivos/2015311153459181.pdf

BACEN (2011) Relatório de Inclusão Financeira, n. 2, Brasília, 186 páginas.

BACEN (2015) Séries Estatísticas

CORREA A.S.; MARINS J.T.M.; NEVES M.B.E.; SILVA A.C.M. (2011) Credit Default and Business Cycles: an empirical investigation of Brazilian retail loans. Banco Central do Brasil, Working Paper Series n. 260, November 2011.

IBGE - várias pesquisas, vários anos: PNAD. PME, Pesquisa Mensal de Comércio.

“Novos Gastos: Serviços ganham espaço”. Jornal O Globo, Caderno Economia, p. 17, 29.09.2014.

LAVINAS L. (2014). A Long Way from Tax Justice: the Brazilian Case. Working Paper 22, Global Labour University, ILO & GLU, Berlin, April 2014, 41 pages.

LAVINAS L. e FERRAZ C. (2010) “Inclusão financeira, crédito e desenvolvimento: que papel uma renda básica pode jogar nesse processo?” Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1 de julho 2010.

TCU (2014) Bases de Dados.

NOTAS

1 Esse artigo foi publicado inicialmente no Caderno Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo, no dia 22 de fevereiro de 2015, numa versão que difere desta aqui, que é maior e mais detalhada. Agradeço a Ana Carolina Cordilha a elaboração dos gráficos.

2 O empréstimo consignado para trabalhadores regidos pela CLT foi instituído pela Lei 10.820 de 17 de dezembro de 2003, já na gestão do governo Lula. Pouco depois, em setembro de 2004, por meio da Lei 10.953, que altera a anterior, tal direito foi estendido aos aposentados e pensionistas do INSS. Por conseguinte, o lançamento do crédito consignado favoreceu inicialmente os funcionários públicos e os trabalhadores regidos pela CLT. O chamado Empréstimo Pessoal com Desconto em Folha de Pagamento ganhou rapidamente o varejo bancário de todo o país nas mãos dos detentores de um emprego fixo, estável e praticamente sem risco, e do funcionalismo concursado. Um ano depois, chegou a pensionistas e aposentados, regulado pelo INSS (LAVINAS e FERRAZ, 2010).

3 Lei 10.735 de 2003.

4 Em tese, estava previsto que os beneficiários do Bolsa Família fossem contemplados com acesso a crédito imobiliário; empréstimos em geral; seguro de vida; capitalização e poupança. Excentuando-se esta última rubrica de serviço, que atingiu 2,3% das famílias beneficiárias, os demais serviços e mecanismos de inclusão não ultrapassaram 0,3% das mesmas até 2010. Logo, a aderência revelou-se muito baixa.

5 A outra rubrica do crédito à pessoa física é o crédito direcionado, que comporta o crédito rural, imobiliário, o microcrédito, o BNDES e outros recursos ditos direcionados.

6 Sistema de Informações de Crédito do Banco Central.

7 Renda Familiar Per Capita de até R$ 1,184/mês.

8 A POF deveria ter ido a campo em 2013-2014. Mas sua condução foi suspensa e adiada para 2015-16.

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No final de 2014 fomos surpreendidos com as impositivas Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665 que alteram as regras de acesso ao seguro desemprego (incluindo o segu-ro-defeso – pescador artesanal), abono salarial, pensão por morte e invalidez e

auxílio-doença. Mas antes de entrarmos propriamente no imbróglio das Medidas, cabe um breve relato, de enfoque orçamen-tário constitucional, onde estão contidas rubricas relativas aos benefícios descritos nas MPs.

Um dos maiores instrumentos de redistri-buição da renda desse país, a previdência social, não pode ser analisada isolada-mente, pois compõe, com saúde e assis-tência, o denominado tripé da Seguridade

Medidas provisórias 664 e 665:

a quem servem?

Juliano MusseEconomista, especialista em direito previdenciário. Atualmente é Técnico do DIEESE. As posições do autor não necessariamente refletem as posições da entidade à qual está vinculado.

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Social. Assim, o Orçamento da Seguridade Social, com base constitucional, inclusive com fontes de financiamento exclusivas, vem comprovando, em oposição ao que tem sido difundido por grande parte da mídia e setores do mercado, que as polí-ticas de aumento real do salário mínimo e de expansão dos gastos sociais ao longo dos anos não “quebram” as contas públicas, nem, muito menos, inviabilizam a previ-dência, parte da Seguridade.

Em 2013, segundo dados da Associação dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Anfip) (1), o total de receitas menos as despesas da Seguridade Social apresentou resultado positivo de R$ 76,2 bilhões. Dinheiro mais que suficiente para atender ao custeio de todos os benefícios previden-ciários e sem necessitar, menos ainda com urgência, de ajustes ortodoxos com intuito de conter gastos (2) e suprimir direitos (embora o governo insista em afirmar o contrário!).

Pois bem, dizer isso é importante, e nunca é demais, para sempre repassarmos a exis-tência de uma série histórica de superávit previdenciário, como parte do sistema de Seguridade Social (embora muitos insistam em afirmar o contrário!).

Neste artigo, serão descritos brevemente alguns pontos da MP 664 que trata de mudanças nas regras de pensão e auxílio--doença e da MP 665 que afeta as regras do seguro-desemprego, seguro-defeso (pescador artesanal) e abono. Porém, cabe afirmar que não é objetivo descrever Ipsis litteris as mudanças, mas apenas alertar pontualmente para alguns problemas

ou simplesmente questionar alguns posicionamentos:

1. Primeiro, tratar de temas tão impor-tantes referentes aos direitos dos traba-lhadores por meio de MP não é condizente com um governo popular e democrático. Um Projeto de Lei, com ampla discussão entre governo e sociedade, talvez fosse medida mais acertada.

Essa mesma ideia sob o olhar jurídico rati-fica a precipitação dessas MPs: é vedada a adoção de medida provisória na regula-mentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de

Em 2013, segundo dados da Associação dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Anfip) (1), o total de receitas

menos as despesas da Seguridade Social apresentou resultado positivo de R$ 76,2

bilhões. Dinheiro mais que suficiente para atender

ao custeio de todos os benefícios previdenciários

e sem necessitar, menos ainda com urgência, de ajustes

ortodoxos com intuito de conter gastos (2) e suprimir direitos (embora o governo insista em afirmar o contrário!).

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emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001 (Art. 246 da CF/88), caso do artigo 201 da Carta Magna, modificado pela EC 20 de 1998 (Reforma da Previdência). A Constituição não nega ao governo a prerrogativa de regulamentar ou mudar os critérios definidos em lei para a concessão de benefício previdenciário, mas terá que fazê-lo por projeto de lei e não por medida provisória;

2. O artigo 62 da CF/88 afirma que “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provi-sórias, com força de lei, devendo submetê--las de imediato ao Congresso Nacional”. Pergunto: onde está a famigerada urgência para tratar tal medida? Economizar R$ 18 bilhões, diria a ortodoxia, “pois isso faz parte de um ajuste fiscal, e sem ele os juros não caem, e corremos o risco de perder o grau de investimento pelas agências de classificação de risco, que avaliam se um país é ou não um bom pagador de dívidas (...) tudo isso permitirá a retomada do crescimento” (3). Ora, e mesmo que esse montante pudesse resolver alguma coisa, por que essa economia não foi urgente em outra época? O critério de urgência aqui não se aplica.

3. No caso específico do Abono Sala-rial, há o aumento da carência do tempo de carteira assinada do trabalhador. Além disso, modifica a sistemática anterior, pela qual o benefício era pago na íntegra, independentemente do tempo traba-lhado. Agora, o pagamento do benefício será proporcional ao tempo trabalhado, do mesmo modo que ocorre atualmente com o 13º salário. Talvez fosse interessante

revisitarem a Constituição Cidadã, pois em seu artigo 239, parágrafo 3º, há clara menção em “um salário mínimo anual aos empregados que receberem de seus empre-gadores, contribuintes do PIS/Pasep, um valor de até dois salários mínimos”, não deixando margem a proporcionalidade como alude a MP. Além disso, cabe dizer que embora nosso salário mínimo tenha-se valorizado bem acima da inflação desde 2003, ainda não alcançou um patamar digno e necessário para atender as necessi-dades vitais do trabalhador e de sua família como preconiza o art. 7o, IV, da CF/88, reforçando a necessidade da existência do abono. Segundo o Dieese, o salário mínimo necessário para atender a CF deveria estar hoje (fev/2015) no valor de R$ 3182,81 (4).

4. Aumentar de 15 para 30 dias o período de afastamento do trabalhador por motivo de saúde a ser custeado pelas empresas também não soa como boa medida. Essas terão 30 dias para controlar, pressionar e “procurar resolver” tudo de forma privada (resguardando os interesses empresariais). Ela própria decidirá se o trabalhador está ou não doente e se tem ou não direito à licença. Ao fazer isso, contraria uma função precípua da previ-dência social, que é assegurar ao traba-lhador que o seu direito não dependa de médico privado, mas sim designado pelo INSS.

Permitir a privatização das perícias médicas, principalmente as perícias acidentárias, que visa a investigar a relação do nexo de causalidade com o trabalho, é como “colocar a raposa no galinheiro!”. Além disso, segundo Previtale (2015) (5),

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os trabalhadores perdem, pois sabemos que a Medicina do Trabalho, da forma como está instrumentalizada pelo capital por interesses de grupos corporativos não atende às necessidades dos trabalhadores e não caminha no sentido da prevenção das doenças e acidentes do trabalho.

5. Quanto ao seguro-defeso (pesca-dores artesanais), uma das mais interes-santes experiências da Seguridade Social brasileira, chega a ser desumano o que apregoa a MP. O seguro-defeso é uma assis-tência financeira temporária concedida ao pescador profissional que exerça sua atividade de forma artesanal, individual ou em regime de economia familiar, ainda que com eventual auxílio de parceiros e que esteja com suas atividades paralisadas no período de defeso. Com esse bene-fício, ao menos parte de seu sustento é assegurado (em virtude de não poderem pescar), poupando-o de deixar seus locais de moradia e trabalho e converter-se em trabalhador itinerante informal ou mesmo subempregado.

A MP 665, além de restaurar uma carência de três anos para o início do recebimento do seguro, que havia sido abolida em 2003, coloca o benefício aos cuidados do INSS e não mais do MTE. Considere-se que o Ministério do Trabalho já tem funcioná-rios treinados para o atendimento, e tudo provavelmente terá que começar do zero sob a nova égide do INSS. Outro agravante é a exigência de comprovação de compra e venda. Muitos pescadores artesanais não têm nota fiscal e têm dificuldade para contribuir para o INSS por 12 meses, já que antes o pagamento era anual e sobre a

produção. E quase diariamente o governo afirma não haver supressão de direitos com essas MPs.

6. Nosso seguro-desemprego tem, de fato, problemas. Segundo Júdice (2015) (6), encontram-se pendentes na Organi-zação Internacional do Trabalho (OIT) questionamentos de sua Comissão de Especialistas em Aplicação de Conven-ções e Recomendações ao Estado brasileiro sobre 19 situações de descumprimento ou informação truncada sobre as convenções 102 (norma mínima de Seguridade Social) e 168 (proteção contra o desemprego). Também se pode questionar sua efetivi-dade como instrumento capaz de propiciar a reinserção do trabalhador no mercado de trabalho.

O curioso é que em momento algum é mencionado

um grave problema que afeta negativamente o mercado

de trabalho brasileiro e o gasto com o SD, que é a

grande rotatividade presente no nosso mercado de

trabalho. Isso sem contar a alta rotatividade entre

os trabalhadores formais terceirizados, que apresentam

uma situação ainda pior que os não terceirizados.

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A MP 665, porém, não corrige, e sim agrava a desproteção aos desempregados, justa-mente em um momento quando o mercado de trabalho eleva o número de demissões face ao baixo crescimento econômico. Para receber o seguro, era preciso, até então, ter trabalhado com carteira assinada nos seis meses imediatamente anteriores ao início do pagamento. Agora se exige, na primeira solicitação da vida do trabalhador, emprego com registro em carteira em pelo menos 18 dos 24 meses imediatamente anteriores ao pedido. Na segunda, o requisito é de pelo menos 12 meses com carteira assinada nos últimos 16. Da terceira em diante, mantém-se a regra antiga.

O curioso é que em momento algum é mencionado um grave problema que afeta negativamente o mercado de trabalho

brasileiro e o gasto com o SD, que é a grande rotatividade presente no nosso mercado de trabalho. Isso sem contar a alta rotativi-dade entre os trabalhadores formais tercei-rizados, que apresentam uma situação ainda pior que os não terceirizados.

Um nível mínimo de rotatividade é acei-tável em qualquer mercado de trabalho, mas no Brasil as taxas (labour flows) são muito elevadas, principalmente se compa-radas às de outros países, como os da União Europeia. A rotatividade no Brasil, por exemplo, chega a ser quatro vezes superior à média de rotatividade da UE.

Outro ponto de extrema importância e que sequer foi tocado na exposição de motivos dos Ministérios (MF, MPS e MTE) refere-se à Desvinculação de Recursos da União

TABELA 1

Ano1 - Total

Receita(1) 2 - Total Despesa

3 - Resultado econômico FAT

(2-1)

4 - Empréstimo ao BNDES

5 - Resultado Financeiro do

FAT (3-4)

6 - Devolução da DRU

7 - Resultado FAT c/ devolução(2) da

DRU (5-6)

2002 35.124,1 16.628,6 18.495,5 8.913,3 9.582,2 5.478,3 15.060,52003 36.050,5 15.199,1 20.851,5 9.143,1 11.708,4 5.562,7 17.271,12004 35.956,8 15.533,2 20.423,6 9.776,3 10.647,3 5.918,0 16.565,32005 39.528,0 17.513,3 22.014,7 10.066,7 11.948,0 6.302,0 18.249,92006 41.594,1 22.511,0 19.083,1 11.017,0 8.066,1 7.085,0 15.151,12007 40.022,9 25.594,3 14.428,6 10.526,5 3.902,1 6.658,1 10.560,22008 43.242,1 26.473,7 16.768,3 11.763,6 5.004,7 7.708,1 12.712,82009 42.388,4 33.592,8 8.795,6 11.657,6 -2.861,9 7.347,1 4.485,22010 45.776,2 34.186,0 11.590,2 13.314,7 -1.724,5 7.010,0 5.285,52011 51.554,3 36.737,6 14.816,7 14.303,9 512,8 9.559,9 10.072,72012 53.222,4 40.481,2 12.741,2 15.061,3 -2.320,1 4.171,4 1.851,3Total 464.459,7 284.450,8 180.009,0 125.543,9 54.465,1 72.800,6 127.265,7

Nota: (1) Os repasses do Tesouro Nacional foram excluídos da Receita. Estes tota l i zaram R$ 6,7 bi lhões , de 2008 a 2012

(2) Simulação

Resultado das Contas do FAT - simulação da devolução da DRU Brasil, 2002-2012 (em R$ milhões de dez/2012 corrigidos pelo IGPM)

Fonte: CGFAT/SPOA/SE/MTE. Relatórios de Gestão do FAT 2006-2010. NT 043-2012 in Rotatividade e pol íticas públ icas para o mercado de trabalho. DIEESE. São Paulo: DIEESE, 2014.

TABELA 1: Resultado das Contas do FAT - Simulação da devolução da DRU, 2002-2012 (em milhões de dez/2012 corrigidos pelo IGPM)

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– DRU. Retirando a DRU do resultado das contas do FAT (7) (suposta devolução da DRU) (8), é possível perceber que no período de 2002 a 2012 foram direcionados ao Caixa Único do Tesouro cerca de R$ 72,8 bilhões (Tabela 1). Se expandirmos o limite temporal, desde a criação da DRU em 1994, na época denominada Fundo Social de Emergência (FSE), até 2012, foram arre-cadados como contribuição do PIS/Pasep cerca de R$ 558,4 bilhões (corrigidos pelo IPCA a preços de dez/2012). Desse total, cerca de R$118,7 bilhões (quase 1/5 do arre-cadado) foram desvinculados via DRU para o Caixa Único. Como receitas do FAT o montante foi de R$ 439,7 bilhões. Pergunta: se o objetivo é fazer uma economia de R$ 18 bilhões por ano, por que não combater a rotatividade? Por que não retirar a DRU? Sem ela, o Fundo apresentaria em suas contas um resultado bastante positivo, como mostra a última coluna da Tabela 1.

7. A pensão por morte, por sua vez, em virtude da complexidade, requer ainda discussão mais ampla entre governo e trabalhadores. Se, por um lado, há que se reconhecer que existe uma parcela jovem da população brasileira com condições de se manter, em face de uma diminuição repentina do rendimento familiar (caso do falecimento de um cônjuge) não preci-sando, portanto, receber pensão vitalícia, por outro lado, esqueceram-se das reais condições de vida de muitos brasileiros. A título de exemplo, tomemos o caso de uma mulher pobre, presente no mais longínquo rincão do Brasil, com pouco ou nenhum estudo, grávida precocemente e que aos 20 anos de idade, já com três filhos, fique viúva. Como poderá ela manter sua prole

sem a pensão integral? Encontrar emprego decente e duradouro, com esse perfil, parece pouco provável. Receber o benefício por apenas três anos também não resolverá a vida desta família que, fatalmente, ficará à mercê de transferências de renda.

A redução no valor das pensões é outra amostra do descaso com o beneficiário. Como ficarão as pensionistas, se o que está na MP coloca 50% para a viúva e 10% para cada filho (até o máximo de cinco)? E em outros casos: 60% (esposa somente); 70% (esposa e filho inválido) e 80% (esposa e dois filhos menores)? Será que essa viúva, dona de casa, que pouco ou nunca traba-lhou fora do lar, não faz jus à pensão inte-gral para manter-se e cuidar dos filhos? Pela complexidade não é o caso de prévia e muita discussão entre governo e classe trabalhadora?

Para não dizer que há somente espinhos nas Medidas, vejamos alguns pontos posi-tivos para este tipo de benefício. A MP 664 alterou a Lei n. 8.213/91 para estabelecer que “não terá direito à pensão por morte o condenado pela prática de crime doloso de que tenha resultado a morte do segurado” (§ 1º do art. 74). Sob essas condições, a “doce” Suzane Von Richthofen, condenada por ter participado da morte de seus pais, não receberia a pensão por morte deixada por seu genitor durante dois anos, cessada ao completar 21 anos. O único problema aqui é que a condenação só ocorre depois que se esgotam todas as possibilidades de recurso e, enquanto isso, o assassino continua a receber o benefício favorecido pelo princípio do in dubio pro reo.

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Há outro ponto que merece um crédito parcial. Para ter direito à pensão por morte, o cônjuge ou companheiro(a) necessita comprovar o casamento ou o convívio em união estável com o(a) segurado(a) há mais de 2 anos. O objetivo da mudança foi o de evitar fraudes, considerando que, muitas vezes, pessoas idosas, com enfermidades graves ou próximas ao óbito, simulam casamentos ou uniões estáveis somente com o objetivo de “deixar” a pensão por morte para alguém (caso das “jovens viúvas”). Para essa intenção parece não haver outro remédio, alertando, porém, a necessidade de se estudar caso a caso. No entanto, essa regra não deveria ser vali-dada, por exemplo, se comprovada uma relação conjugal afetiva, ainda mais com a presença de filhos.

Esses são alguns dos motivos que mostram a urgência na análise e revisão dessas Medidas. A afirmação do governo, de que são necessárias para o equilíbrio fiscal do país nos próximos anos, para corrigir as distorções na concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários é totalmente descabida. Financeiramente não é preciso, e o superávit da Seguridade confirma isso. E corrigir distorções do sistema não pode implicar supressão de conquistas sociais.

O que se vê até aqui é o desrespeito às insti-tuições democráticas e ao diálogo prévio com trabalhadores e seus representantes, verdadeiro retrocesso em matéria de direitos. São muitos os temas imbricados e dignos de discussão: rotatividade de mão de obra, informalidade no mercado de trabalho, maior integração das políticas de intermediação de mão de obra, qualificação

e seguro desemprego, Desvinculações de Recursos, a estrutura dos benefícios previdenciários. A previdência social, a Seguridade Social e, principalmente, a classe trabalhadora são merecedores de algo melhor do que está posto.

NOTAS

1 Disponível em: http://www.anfip.org.br/publi-cacoes/20140903125923_Analise-da-Seguridade-So-cial-2013_03-09-2014_Anlise-da-SS-2013-ntegra.pdf

2 O objetivo do governo é economizar R$ 18 bilhões anuais a partir deste ano.

3 Discurso proferido pelo Ministro da Fazenda durante Audiência Pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal em 30/03/2015.

4 Disponível em http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

5 PREVITALE, W. A Medida Provisória nº 664 e a Saúde dos Trabalhadores. In: http://www.contrafcut.org.br/noticias.asp?CodNoticia=41075

6 JÚDICE, Magalhães. Nunca antes. In: http://www.anovademoc-racia.com.br/no-144/5746-nunca-antes

7 O Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico

8 Extraído do livro: Rotatividade e políticas públicas para o mercado de trabalho. DIEESE. São Paulo: DIEESE, 2014.

9 Ver mais em Nota Técnica Nº 043/2013- CGFAT/SPOA/SE/MTE.

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Encontros e desencontros entre demanda e oferta

Nos últimos meses, o debate sobre a política

econômica tem sido polarizado entre, de um lado, aqueles que defendem incondi-cionalmente o ajuste fiscal proposto pelo governo, tratando austeridade como sinô-nimo de responsabilidade; de outro lado, entre aqueles que criticam com veemência as medidas fiscais adotadas, insinuando tratar-se de uma traição neoliberal, ou de um estelionato eleitoral, contra o projeto neodesenvolvimentista. Em meio às paixões é preciso calma com o andor, pois a política econômica é menos uma ciência

O capitalismo patrimonialista

no Brasil: da disputa contra o rentismo

empresarial à luta contra o patrimonialismo familiar

dos empresários

William NozakiProfessor de economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

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esquemática e mais uma arte sinuosa – a arte de lidar com passivos econômicos do passado e correlações de força política do presente a fim de conjugar ideias e inte-resses que abram novas possibilidades de projetos de sociedade para o futuro. O que está por trás do atual ajuste fiscal é o próprio esgotamento de um certo modelo de crescimento econômico.

Como é sabido, os governos Lula e Dilma promoveram um modelo de crescimento baseado na elevação do salário mínimo, na ampliação dos programas de transferência de renda e na expansão da oferta de crédito. O resultado foi o crescimento dos mercados de trabalho e consumo, a melhora na distri-buição de renda e a redução da pobreza e da miséria.

Tal concertação socioeconômica, ao mesmo tempo em que dinamizou o crescimento econômico, dele se valeu a fim de acomodar tanto ganhos de renda dos trabalhadores assalariados, quanto ganhos de riqueza das elites mais abastadas e das classes médias remediadas. Não se reformou estrutural-mente o prédio da estratificação social brasileira, mas se acelerou dentro dele o elevador da mobilidade social, o que já é uma transformação bastante impactante para sociedade tão desigual como a nossa. Os batalhadores brasileiros passaram a existir em lugares onde antes não exis-tiam, como em shoppings, aeroportos, bancos, provocando o desconforto da elite incivilizada que gosta dos mercados da distinção e do privilégio. Apesar dos avanços inequívocos, o modelo de cresci-mento interno com base no consumo de massas revelou algumas contradições que

se deixaram ver exatamente na arena da política econômica.

No último biênio dos governos Lula, em 2009 e 2010, a política econômica brasileira logrou êxito ao adotar medidas anticíclicas e expansionistas nos âmbitos monetário, fiscal e creditício, como forma de proteção contra os efeitos da crise financeira inter-nacional no país: (i) a redução da taxa de juros e o aumento da liquidez interna; (ii) a ampliação dos programas de transferência de renda, da rede de proteção social e do investimento público; (iii) as desonerações tributárias; (iv) o aumento da oferta de crédito via bancos públicos; e (v) o cresci-mento do investimento público em habi-tação. Todos esses vetores contribuíram para uma rápida recuperação da economia brasileira; em 2010 o crescimento do PIB foi de 7,5%.

A ampliação dos mercados de trabalho e de consumo fez com que a aceleração da

Foto: geralt / Pixalbay

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demanda estimulasse a expansão da oferta, reabrindo o debate sobre os gargalos estru-turais da economia brasileira em energia, transporte, logística, etc. e repondo as discussões sobre os impasses macroe-conômicos trazidos pelos juros elevados (quando comparado ao de outros países) e ao câmbio valorizado (utilizado como âncora de controle inflacionário e impac-tando negativamente as exportações).

A agenda em favor da competitividade e contra a desindustrialização impunha-se como urgência a ser enfrentada. Por essa razão, não é por acaso que Lula (patrono da expansão da demanda e da universali-zação da sociedade de consumo no Brasil) tenha alçado para sua sucessão justamente Dilma Rousseff (especialista em infraes-trutura energética, com passagem pelo Ministério de Minas e Energia e pela Petro-brás, e, como ministra da Casa Civil, a grande responsável pelo maior programa de criação de oferta e avanço do investi-mento público, o Programa de Aceleração do Crescimento, PAC).

Contradições entre o industrialismo e o financismo

Sendo assim, o primeiro biênio do governo Dilma, 2011-2012, foi marcado pela tenta-tiva de reequacionar aquela distorção econômica, implantando medidas menos expansionistas, mas sem abandono das conquistas sociais. Pela primeira vez, em 2011, o petismo tentava administrar uma desaceleração da economia.

A fim de criar condições para o avanço da agenda industrialista, o governo procurou combater os ganhos exorbitantes do sistema bancário e do mercado de capi-tais por meio da redução da taxa básica de juros (a Selic atingiu o patamar de 7,25% em 2012, o menor nível desde a estabili-zação monetária). No entanto, isso não foi o suficiente para recuperar o dinamismo do crescimento econômico, e o PIB perma-neceu em 1,8%. O que houve de errado nesse percurso?

No capitalismo contemporâneo, as grandes corporações promoveram a imbri-cação indissociável entre a lucratividade produtiva e a rentabilidade financeira. Toda grande empresa organiza sua estra-tégia considerando as possibilidades de ganho a partir tanto da produção quanto das finanças.

Nesse cenário, a hipótese orientadora da política econômica mostrou-se proble-mática. O governo supôs que a redução dos juros – somada a outras medidas de ampliação do investimento público e de concessões e parcerias com a iniciativa privada – seria suficiente para a retomada dos grandes investimentos empresariais produtivos. Com isso subestimou o fato de que a diminuição da Selic impactaria negativamente os ganhos financeiros dessas mesmas empresas que, ao fim e ao cabo, preferiram utilizar os estímulos ao investimento concedidos pelo governo, não para o avanço da produção, mas para cobrir as perdas com as finanças promovida pela política monetária do governo.

Tal impasse está na origem das turbulências

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Foto: robinjavier / Pixalbay

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econômicas por que passou o país no biênio seguinte, 2013-2014. Para conter a inflação, implementou-se o controle sobre os preços administrados, retendo os valores da gaso-lina e da energia; com vistas a insistir no esforço de ampliação do investimento privado, diversos pacotes de desoneração fiscal foram negociados pontualmente com setores empresariais; além disso, o câmbio permaneceu sobrevalorizado, criando problemas para a balança comer-cial em um contexto internacional ainda mais adverso. Mesmo que o valor da dívida líquida sobre o PIB não tenha aumentado significativamente, algum ajuste de rota impunha-se como necessário para a recu-peração da trajetória de desenvolvimento econômico.

Evidentemente, o ajuste proposto pelo atual ministro da Fazenda comete o erro elementar do “austericídio”. Ao tratar o investimento público e o gasto social como simples despesa a ser contida, aumenta-se a chance de que a economia seja absorvida por um ciclo vicioso de retração ainda mais drástico.

Impasses entre o investimento e a corrupção

Em alerta com relação aos possíveis desdobramentos e impactos políticos da Operação Lava Jato e ciente das dificul-dades para a interlocução com o novo Congresso Nacional eleito, Dilma deve ter levado em conta no seu cálculo de compo-sição ministerial a necessidade de um

diálogo mais estreito com alguns setores econômicos importantes, a fim de criar um clima de melhor expectativa e de mais confiança para o destravamento do inves-timento privado. É nessa chave, talvez, que se possa compreender a nomeação de Joaquim Levy (Fazenda), Kátia Abreu (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Armando Monteiro (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), ligados, respectivamente, à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e Confede-ração Nacional da Indústria (CNI).

Entretanto, o ônus de nomeações contes-táveis pela base eleitoral da presidenta não se converteu imediatamente em bônus na relação com o empresariado nacional. As investigações sobre os casos de corrupção na Petrobrás fragilizaram o governo que se tornou politicamente titubeante diante da sanha do PMDB, e vacilante, economica-mente, diante do avanço do “lock-out” do investimento privado.

Os investimentos realizados pela Petro-brás até 2014 ultrapassavam a cifra dos US$ 40 bilhões, o equivalente a algo em torno de 12% da Formação Bruta do Capital. Em 2015, o anúncio da redução de um terço desse investimento somado ao rebaixamento da classificação de risco da empresa tem produzido um efeito negativo em cadeia: cancelamento de encomendas, rompimento de contratos e atraso nos paga-mentos já podem ser observados nesse último mês. O impacto no setor privado é inegável: grandes empresas como OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, Engevix, têm

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encontrado dificuldades para acessar o financiamento do BNDES e têm sofrido obstrução para a participação em concor-rências públicas, além de experimen-tarem tanto queda patrimonial quanto de receita. O impacto desse revés na atividade econômica e na manutenção do emprego já começa a ser percebido; a geração de postos de trabalho na indústria de transformação e na construção civil é declinante.

O quadro se torna ainda mais complexo quando se consideram os impactos econô-micos oriundos da questão hídrica. A ausência de planejamento e a irrespon-sabilidade de gestão que se observam em casos como o do governo do Estado de São Paulo só concorrem para piorar o cenário econômico nacional.

Tal enrosco revela mais do que problemas na condução da política econômica do

governo federal e explicita impasses da própria economia política brasileira. Há na nossa trajetória histórica uma arti-culação espúria entre Estado e mercado, contemporaneamente visível na ligação entre a licitação de grandes obras e o financiamento de campanhas eleitorais. A iniciativa privada paga suas benesses, propinas e afins com recursos públicos; os potentados eleitorais negociam seus inte-resses pessoais oferecendo como moeda de troca as empresas estatais.

No capitalismo patrimonialista brasileiro, de altíssimos retornos com baixíssimos riscos, nem a iniciativa privada tem sufi-ciente iniciativa nem o poder público é de fato público. Fica o dilema: é possível retomar o crescimento econômico sem reiterar a corrupção? O capitalismo patri-monialista só pode ser controlado quando o financiamento empresarial-privado

Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas

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de campanha for proibido. Enquanto a reforma política não avançar, cami-nharemos pelo submundo das delações premiadas e dos acordos de leniência, com a judicialização da política e a policiali-zação da economia.

Por um reajuste fiscal progressista e progressivo

Por todos esses motivos, talvez esse fosse o momento mais adequado para que o conjunto da sociedade brasileira fosse convidado a participar de um grande pacto de ajuste da economia. O país precisa de mais ajuste, não de menos ajuste. Isso signi-fica que o acerto das contas públicas deveria ser feito não apenas em favor do rentismo financeiro, mas, sobretudo, contra o patri-monialismo que impera no país. Do ponto de vista estrutural, não restam dúvidas de que os ganhos do sistema financeiro são exorbitantes. No entanto, é ingênuo travar uma cruzada contra os bancos e bolsas, sem uma proposta progressista para esse conjunto de instituições. Nesse sentido, as forças de esquerda falham ao não se debruçar de forma mais cuidadosa sobre essas questões.

Dada essa lacuna, nessa conjuntura será preciso enfrentar o patrimonialismo impe-rante. Não se trata de culpar o Estado e com isso organizar argumentos em favor do seu encolhimento, mas, sim, de investir contra os ganhos pessoais e privados da nossa elite (econômica e política). Nesse momento, talvez mais importante do que afrontar o

rentismo das empresas seja atacar o patri-monialismo de parte dos nossos empresá-rios. Na subida do ciclo econômico, uma das instituições mais importantes para o desenvolvimento nacional é o Tesouro Nacional; mas na descida do ciclo talvez uma das instituições fundamentais seja a Receita Federal.

Nesse sentido, a recomposição do erário deveria também passar (i) pelo combate sem tréguas à sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro; (ii) pela implementação de impostos sobre heranças, doações e fortunas; (iii) por uma maior progressividade no imposto de renda. O crescimento econômico, a redução das desigualdades sociais e o combate à corrupção devem ser partes articuladas de um mesmo projeto de país.

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