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Revista Releitura

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Revista, releitura

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Na equipe de dez funcionários de determinada empresa, três estão preocupados em aparecer mais e pegar aquela promo- ção em aberto, dois não aceitam a opinião um do outro por

pura birra e os outros cinco vivem preocupados que alguém do restan-te do grupo (ou mesmo o grupo inteiro) puxem seu tapete. O cenário parece familiar? Talvez seja pelo fato de ele se repetir, em maior ou menor grau, em quase toda empresa em que você já trabalhou, está traba-lhando ou um dia trabalhará.

Não raro o ambiente de tra-balho se transforma em verda-deira praça de guerra. Invejas, disputas ferinas por cargos e salários, mentiras e trapaças se multiplicam num vale-tudo para conseguir o sonhado êxito profis-sional. Para dar jeito na confusão, muitos recorrem aos livros com dicas de “dez passos”. No entanto, a verdade é que a caminhada para fazer de uma equipe de trabalho, de fato, uma equipe, é muito mais longa. E todos concordam que o papel do líder é fundamental nesse processo.

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Substituir a cultura de puxar o tapete por um espírito colaborativoé o desafio das organizações que almejam o sucesso

Autor Marcelo Brasileiro

Cooperaçãoo

u competição?

gestão empresarial 15

A figura desse líder mudou radicalmente com o passar dos anos. O velho “chefe-xerife” — o sabichão rápido no disparo que não evitava nenhum tiroteio para manter a lei e a ordem — é uma espécie à beira da extinção. Atualmente, espera-se que o líder moderno, capaz de produzir um autêntico trabalho em equipe sem perder sua ascendência sobre o grupo, reúna, entre outras habilidades, a do diálogo. “Houve uma enorme mudança nesses últimos anos”, afirma Elias Abbud Junior, diretor de Recursos Humanos com mais de quarenta anos de experiência na área. “O líder de décadas atrás tinha características de comando mais autocratas.”

Se trabalhar em grupo sempre foi difícil, mais complicado ainda é unir um bocado de gente no esforço de perseguir um objetivo em comum. Controlar as tensões e desenvolver um bom re-lacionamento de trabalho torna-se uma penosa tarefa. Trata-se do mesmo jogo, com valorização de talentos, habilidades e criatividade, só que com regras diferentes, em que a competitividade exacerbada — qualidade antes considerada im-

prescindível para a sobrevivência e a manutenção do emprego — pode destoar do novo paradigma adotado pelas gestões empresariais, que é a colaboração.

A lógica, na verdade, é bastante simples. Uma empresa precisa de coesão em sua força de trabalho para enfrentar a concorrência. Quando isso acontece, ninguém perde. Todos se ajudam, pois sabem que o fortalecimento da empresa tem influência positiva direta na carreira de cada funcionário, traduzindo-se em abertura de novas posições no quadro, pagamentos de bônus ou participação nos lucros, elevação da média salarial, inclusão de novos benefícios e assim por diante.

No entanto, a partir do momento que a empresa reproduz internamente a disputa por “nichos” (leia-se “territórios pessoais”), ela co-meça a se enfraquecer. Essa postura avessa à colaboração gera queda na produtividade e na qualidade. Com resultados abaixo das metas mínimas ou mesmo negativos, a empresa tende a enxugar investimentos em pessoal, reduzindo quadros, bloqueando promoções ou cortando

benefícios. Isso sem falar na caça às bru-xas, ou seja, a busca pelos setores (ou

funcionários) responsáveis pela queda no desempenho geral. Nada disso é ovo de Colombo, mas parece que muita gente se esquece desse raciocínio elementar.

Hoje, temos empresas dentro das empresas, e isso faz com que departamentos disputem recursos e conquistas entre si.

organismo, não máquinaEugênio Mussak, professor do curso de MBA

da Fundação Instituto de Administração (FIA) e palestrante da Sapiens Sapiens Desenvolvi-mento Integral, acredita que o momento seja de lucidez no mundo corporativo. Nesse contexto, a cooperação ajuda na competitividade de uma empresa e de uma equipe, bem como no traba-lho individual. “Hoje, temos empresas dentro das empresas, e isso faz com que departamentos disputem recursos e conquistas entre si”, co-menta. “Mas há um limite para isso. Empresa não é uma máquina, como já disseram autores como Fritjof Capra e Magoroh Maruyama. Ela pode ser comparada a um organismo vivo.”

A metáfora usada pelo físico Capra e o an-tropólogo Maruyama é usada desde os anos 1990, e mostra que, assim como acontece dentro de um organismo, os órgãos internos devem colaborar uns com os outros, buscando os objetivos comuns. Usando ainda a biologia como modelo de ilustração e exemplo, existem muitos casos de doenças em que, quando não há essa cooperação entre os órgãos, a morte é inevitável — caso da cor pulmonale, em que o pulmão padece por causa do coração.

Se a empresa age como um ser vivo, então torna-se necessário humanizá-la para que ela te-nha continuidade. Um dos exemplos citados pelo professor Mussak é o de Arie de Geus, presidente da Shell durante muitos anos, que revolucionou a companhia com tal pensamento. “Sinergia é fundamental para o trabalho em equipe. Mas algumas empresas não conseguem alcançar esse estágio”, lamenta.

É certo que em muitas empresas a com-petição interna é maior do que a externa. Há diversos casos em que, por causa da vaidade dos sócios, a empresa acaba falindo. Outro exemplo proposto pelo professor Eugênio Mussak é o do geneticista britânico Ian Wilmut, responsável pela clonagem da ovelha Dolly. O cientista diz que o câncer é a dificuldade de comunicação saudável entre células do mesmo tecido para continuar alcançando os fins esperados. “Isso leva a uma competição desmesurada e pode causar a morte. Não existe melhor metáfora para o mundo corporativo”, opina.

Por essa razão, a competitividade não é a única e nem a melhor forma de estímulo. É o que acredita a professora em psicologia social da PUC-SP, Car-men Lucia Arruda Rittner. Para ela, um ambiente altamente competitivo por muito tempo pode se tornar estressante e gerar resultados ruins. “As

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Um ambiente altamente competitivo por muito tempo pode se tornar estressante e gerar resultados ruins.

Como agir no ambiente de trabalho

• Ter uma atitude colaborativa entre as pessoas

• Disponibilizar o conhecimento

• Fazer críticas apenas em espaços adequados e diretamente endereçados

• Dividir bem as responsabilidades e enfatizar o papel de cada um

• Valorizar o cliente interno

pessoas se cansam, se frustram ou se destroem. Para objetivos de longo prazo é imprescindível estabelecer uma prática colaborativa”, sugere.

Fluxo de conhecimentoSer colaborativo implica, antes de tudo, dis-

ponibilizar o conhecimento. Em um ambiente de cooperação autêntica, ninguém receia a troca de informações. Esconder o jogo, guardar o pulo do gato ou deixar de revelar o caminho das pedras são expressões que fazem parte de um raciocínio corporativo que perdeu a razão de ser a partir do momento que as empresas entenderam que o fluxo de conhecimento é como a circulação sanguínea — bloqueá-la pode prejudicar um órgão ou todo o organismo.

Leve-se ainda em consideração um fator que muitos empresários e estudiosos do mun-do corporativo passaram a identificar como um diferencial importante para o sucesso de algumas organizações, qual seja, a criação de um ambiente de fraternidade genuína. Quando isso acontece, cada membro da equipe se pre-ocupa com o sucesso do outro, como se todos pertencessem a uma família ou comunidade e tivessem consciência de que o bem-estar do próximo é tão importante quanto o próprio.

Levar um grupo a esse grau de cooperação ainda é raro, mas não impossível. Para isso, nada melhor do que o líder ser o primeiro a dar o exemplo e demonstrar que ninguém perde se compartilhar, mesmo nos casos em que uma pessoa for notadamente mais talentosa do que o restante de sua equipe de trabalho. “Se existir um funcionário multitalentoso, ele precisará da equipe para ver sua inteligência reconhecida. E se for bem conduzido por um líder, esse talento só vai motivar outras pessoas”, observa o admi-nistrador de empresas José Zulmar Lopes.

“Se você compartilha, ganha muito mais em retorno”, sintetizou um jovem aluno do curso de MBA de Gestão de Empresas de Tecnologia da Informação em e-mail ao seu professor, o escritor e conferencista Mario Persona, que acredita ser

impossível formar uma equipe homogênea. Ele defende, aliás, que uma equipe com diferenças não é algo ruim. “É isso que fornece um colorido especial aos relacionamentos”, diz.

A dificuldade acontece quando as pessoas adotam determinado problema como parte inte-grante delas. É o que Persona chama “incorpo-rar” a questão e passar a defender posições com o único objetivo de não ser derrotado. “Quando isso acontece no ambiente de trabalho, a em-presa e seus objetivos passam para segundo plano e vemos pessoas discutindo e defendendo suas opiniões porque não gostam de perder ou ceder”, afirma.

Mas em uma coisa concordam todos os especialistas: a empresa ou equipe saudável é a que promove a soma das competências de todos os seus membros e os reúne em torno de um só propósito.

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Nenhuma realização, quer pessoal ou empresarial, terá sentido se não estiver fundamentada em princí-

pios e valores que respeitem as pessoas, o meio ambiente e as instituições do meio em que se encontra. Mas o que são valores?

Vamos dar uma olhada no que diz o dicionário, o “Aurélio”, como o denomino cari-nhosamente, pois é meu parceiro inseparável no cotidiano. Valores: “Normas, princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por in-divíduos, classe, sociedade.” Gosto também do conceito de Brian P. Hall, professor emé-rito da Universidade de Santa Clara (EUA), presidente de uma entidade chamada Va-lues Technology e autor do livro Values shift: “Valores são os ideais que dão significado à nossa vida e são refletidos nas prioridades que escolhemos e que praticamos de forma contínua e consistente.”

competÊNcIA

Você é e age de acordo com seus valores, portanto suas ações no cotidiano demons-tram seus princípios e a prioridade que você dá a eles em sua vida. Será difícil realizar algo que não esteja conectado com seus valores. Da mesma forma, os que convivem com você — em casa, no trabalho ou na faculdade — têm um comportamento bastante previsível, de acordo com os valores de cada um.

Empresas e organizações também es-pelham em suas políticas e procedimentos os valores de seus líderes. Não estou fa-lando aqui dos valores que estão afixados nas salas de seus diretores, mas de seus procedimentos, suas atitudes.

Que sentido há em pregar valores como: “Nossos colaboradores são nosso maior patrimônio” se, no início de uma crise, uma das primeiras decisões empre-sariais é suspender os investimentos em treinamento e desenvolvimento? Na minha atividade como consultor e com a intenção de alertar sobre a gravidade de medidas dessa ordem, faço o seguinte questiona-mento à direção da empresa: em época de crise, sua primeira providência é tirar seus filhos da escola?

Certamente os investimentos terão de ser adaptados à nova realidade e concen-trados em ações que tenham impacto no curto prazo, porém não devem envolver o corte de uma política como a citada, que é um investimento, e não um custo. Nos meus processos de entrevista de seleção ou de promoção de executivos, um dos pontos que

mais exploro é exatamente a questão dos valores. Caso os valores do candidato não sejam parecidos com os da empresa, dificilmente esse re-lacionamento será harmônico.

Que tal refletir sobre seus valores e se você agiu de acordo com eles nas duas últimas semanas?

CARLOSdamberg

Consultor em Gestão de Pessoas

Valores:uma questão de

princípiosVocê é e age de acordo com seus valores, portanto

suas ações no cotidiano demonstram seus princípios e a prioridade que você dá a eles em sua vida.

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