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Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XVII – Nº 99 – JAN-FEV 2016 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alisson Henrique do Prado Farinelli, Ana Clara Cabral, Atalá Correia, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Demócrito Reinaldo Filho, Eric Cesar Marques Ferraz, Ivana Assis Cruz dos Santos, Jordhana Cunha Fernandes, José Basílio Gonçalves, Leonardo de Medeiros Garcia, Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro, Pablo Stolze ISSN 2179-166X

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Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xvii – nº 99 – Jan-Fev 2016

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

Diretor eXeCutivo Elton José Donato

Gerente eDitorial e De Consultoria Eliane Beltramini

CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela,

José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo,

Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDição

Alisson Henrique do Prado Farinelli, Ana Clara Cabral, Atalá Correia, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Demócrito Reinaldo Filho,

Eric Cesar Marques Ferraz, Ivana Assis Cruz dos Santos, Jordhana Cunha Fernandes, José Basílio Gonçalves, Leonardo de Medeiros Garcia, Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro,

Pablo Stolze

ISSN 2179-166X

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 17, n. 99, jan./fev. 2016

ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

O Assunto Especial desta edição trata do tema “Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis” com a participação dos brilhan-tes juristas: Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Pablo Stolze, Atalá Correia, Ivana Assis Cruz dos Santos e Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

E, ainda, na Seção “Em Poucas Palavras”, artigo de Ana Clara Cabral intitulado “Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu impacto no Código Civil”.

Publicou-se em 07 de julho de 2015 a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com vacatio legis de 180 dias.

Entrou em vigor no sábado, 02.01.2016, e trouxe regras e orien-tações para a promoção dos direitos e liberdades dos deficientes com o objetivo de garantir a essas pessoas inclusão social e cidadania. A nova legislação, chamada de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, garante condições de acesso à educação e à saúde e esta-belece punições para atitudes discriminatórias contra essa parcela da população.

Na Parte Geral da Revista publicamos importantes doutrinas so-bre diversos temas do direito, contanto com a participação dos seguin-tes colaboradores: Demócrito Reinaldo Filho, José Basílio Gonçalves, Jordhana Cunha Fernandes, Alisson Henrique do Prado Farinelli e Eric Cesar Marques Ferraz.

E, também, na Seção Especial “Com a Palavra, o Procurador”, ar-tigo de Leonardo de Medeiros Garcia intitulado “Deveres de Considera-ção nas Relações Contratuais”.

Por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de forma resumida, os principais acontecimentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane Beltramini Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Estatuto da PEssoa com dEficiência – imPlicaçõEs cívEis

doutrinas

1. As Alterações da Teoria das Incapacidades, à Luz do Estatuto da Pessoa com DeficiênciaCláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas ...................................................9

2. O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro de Incapacidade CivilPablo Stolze .............................................................................................17

3. Estatuto da Pessoa com Deficiência Traz Inovações e DúvidasAtalá Correia ............................................................................................22

4. O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alterações no Código Civil de 2002Ivana Assis Cruz dos Santos .....................................................................27

5. Estatuto da Pessoa com Deficiência: a Revisão da Teoria das Incapacidades e os Reflexos Jurídicos na Ótica do Notário e do RegistradorMoacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro ...........................................................37

Em Poucas Palavras

1. Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu Impacto no Código CivilAna Clara Cabral ......................................................................................47

Parte Geral

doutrinas

1. Avaliação Judicial da “Representação Adequada” das Entidades Legitimadas para as Ações Coletivas no Brasil – Estudo do Caso Julgado pelo STJ no REsp 1213614/RJDemócrito Reinaldo Filho ........................................................................49

2. Déficit de Substância e Déficit de Eficácia no Ato Jurídico – Competência Jurisdicional – ImplicaçõesJosé Basílio Gonçalves .............................................................................66

3. O Precedente Como Instrumento de Garantia à Segurança JurídicaJordhana Cunha Fernandes e Alisson Henrique do Prado Farinelli ...........81

4. Direito Processual Civil: da Preclusão AparenteEric Cesar Marques Ferraz ........................................................................97

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JurisPrudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1202. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1243. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1354. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1405. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1466. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1507. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1538. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................158

ementário

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ............162

Seção Especialcom a Palavra, o Procurador

1. Deveres de Consideração nas Relações ContratuaisLeonardo de Medeiros Garcia ................................................................191

Clipping Jurídico ..............................................................................................215

Bibliografia Complementar ..................................................................................220

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................221

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

As Alterações da Teoria das Incapacidades, à Luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência

CLáuDIA MARA De ALMeIDA RABeLO VIegAS1

Professora de Direito da PUC-Minas e Faculdades Del Rey – Uniesp, Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Tutora do Conselho Na-cional de Justiça – CNJ, Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Dr. Sércio da Silva Peçanha, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação à Distância pela PUC-Minas, Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade Fumec.

A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiên-cia (CDPD) foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado pelo Congresso Nacional, segundo o procedimento qualifica-do previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República, promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009 e em vigor no plano interno desde 25 de agosto de 2009. Portanto, a mencionada convenção internacional pos-sui status de norma constitucional.

A CDPD consagra inovadora visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência, sob o viés dos direitos humanos, adotando um modelo social cujo desiderato é incluir o deficiente na comunidade, garantindo--lhe uma vida independente, com a igualdade, no exercício da capaci-dade jurídica. Nesse sentido, reconhece o Preâmbulo da CDPD:

A deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitu-des e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Seguindo a perspectiva da referida Convenção, foi promulgado, em 7 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei

1 Site: www.claudiamara.com.br. E-mail: [email protected].

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10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

nº 13.146/2015 – destinado a estabelecer as diretrizes e normas gerais, bem como os critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos huma-nos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania plena e efetiva.

Ainda não em vigor, em face da vacatio legis de 180 dias, o Es-tatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015 – tem gerado grandes debates entre os civilistas, especialmente pelo fato de ter alme-jado a plena inclusão civil de pessoas que eram tidas como absoluta e relativamente incapazes.

As alterações operadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência trazem à baila a discussão entre qual seria o melhor caminho para a promoção da dignidade da pessoa com deficiência, a “dignidade-vulne-rabilidade” ou da “dignidade-liberdade” (Tartuce, 2015).

Sendo a teoria das incapacidades um tema importante do direito civil, não há dúvidas do profundo impacto que a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, gerará em seu âmbito, quando da sua entrada em vigor, em janeiro de 2016.

O Estatuto, em seu art. 2º, define a pessoa com deficiência como sendo

aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais bar-reiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Brasil, 2015)

Como se observa, fundado nas noções do direito civil constitu-cional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência intensifica a denomina-da “repersonalização do direito civil”, colocando a pessoa humana no centro das preocupações do Direito. Segundo Pablo Stolze, “trata-se, indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis” (2015).

O Estatuto revogou todos os incisos do art. 3º do Código Civil e alterou o caput do mesmo dispositivo, passando a estabelecer que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”.

Vê-se, pois, que o Direito brasileiro, a partir de 3 de janeiro de 2016, passa a contar apenas com uma hipótese de incapacidade absolu-

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

ta: os menores de 16 anos, inexistindo, portanto, no ordenamento pátrio, pessoa maior absolutamente incapaz.

O Estatuto também modificou, consideravelmente, o art. 4º do Código Civil, extirpando do seu inciso II a referência às “pessoas com discernimento reduzido”, que passam a não ser mais consideradas rela-tivamente incapazes, como antes regulamentado.

Outrossim, permanecem relativamente incapazes os ébrios habi-tuais, os viciados em tóxicos e os pródigos, os quais continuam depen-dendo de um processo de interdição relativa, com sentença judicial, para que sua incapacidade seja reconhecida.

Excluiu-se, ainda, do inciso III do art. 4º do Código Civil o trecho “excepcionais sem desenvolvimento completo”. De outra sorte, a nova redação desse dispositivo (art. 4º, III) passa a arrolar as pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade” – que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade absoluta. A partir de janeiro de 2016, a hipótese é de incapacidade relativa.

Em síntese, os arts. 3º e 4º do Código Civil passam a ter a seguinte redação, in verbis:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I – (Revogado);

II – (Revogado);

III – (Revogado). (NR)

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos;

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem ex-primir sua vontade;

IV – os pródigos.

Observa-se, portanto, que o portador de transtorno mental que sempre foi tratado como incapaz, nos termos da nova lei, será plena-

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12 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

mente capaz para praticar os atos da vida civil. A respeito da iniciativa do Estatuto em conferir capacidade para a pessoa com deficiência psí-quica ou intelectual, o Professor Nelson Rosenvald destaca que:

Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valo-res e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satis-fação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano pu-ramente objetivo do trânsito das titularidades. (Rosenvald, 2015)

Os arts. 6º e 84 do mesmo diploma legal deixam claro que a de-ficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, senão vejamos:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, in-clusive, para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercí-cio de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

A regra, portanto, passa a ser a garantia do exercício da capaci-dade legal por parte do portador de transtorno mental, em igualdade de condições com os demais sujeitos (art. 84 do EPD).

Nesse passo, a curatela passa a ter o caráter de medida excepcio-nal, extraordinária, a ser adotada somente quando e na medida em que

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for necessária. Tanto é assim que restaram revogados os incisos I, II e IV do art. 1.767 do Código Civil, em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela.

Aqui se indaga: a partir de janeiro de 2016, aqueles deficientes interditados absolutamente incapazes deixaram de sê-lo? Serão plena-mente capazes? Na prática, o que se percebe é que o Estatuto concederá ao deficiente a liberdade para praticar todos os atos relacionados aos seus direitos existências (art. 6º do EPD).

Diante da evidência de que a pessoa com deficiência é plena-mente capaz, surgiram dois posicionamentos da doutrina civilista: o pri-meiro – o qual se filia José Fernando Simão e Vitor Kümpel – condena as modificações sobrevindas do Estatuto, ao argumento de que a digni-dade de tais pessoas deveria ser resguardada por meio de sua proteção como vulneráveis (dignidade-vulnerabilidade). A segunda vertente, por sua vez, liderada por Paulo Lôbo, Nelson Rosenvald, Rodrigo da Cunha Pereira e Pablo Stolze – concorda com as alterações, defendendo a tu-tela da dignidade-liberdade das pessoas com deficiência, evidenciada pelos objetivos de sua inclusão (Tartuce, 2015).

Entende-se que apenas a prática poderá demonstrar qual caminho seria o melhor posicionamento a ser seguido.

Em consequência do exposto, verifica-se que a interdição foi outro instituto que também sofreu consideráveis mudanças operadas pelo Esta-tuto da Pessoa com Deficiência. A primeira delas diz respeito à seguinte indagação: ainda será necessário o processo de interdição ou apenas um processo visando à nomeação de um curador? Tal dúvida emerge por-que a Lei nº 13.046/2015 altera o art. 1.768 do Código Civil, deixando de mencionar que “a interdição será promovida”, e passando a enunciar que “o processo que define os termos da curatela deve ser promovido”.

Nesse aspecto, ter-se-á outro problema: tal dispositivo será revoga-do expressamente pelo art. 1.072, II, do CPC/2015, permanecendo em vigor por pouco tempo, de janeiro e março de 2016, quando o Diploma Processual passar a ter vigência no Brasil. Diante de tal contexto, ne-cessária a superveniência de nova lei para resolver esse atropelamento legislativo.

Mesmo destino de revogação seguirão os arts. 1.771 e 1.772 do CC, os quais tratam da curatela, sendo oportuno destacar que andou bem o Estatuto da Pessoa com Deficiência ao estabelecer que:

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Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as potencialidades da pes-soa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.

Parágrafo único. Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de in-teresses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa. (Brasil, 2015)

A principal novidade, portanto, diz respeito à inclusão do pará-grafo único, privilegiando a vontade da pessoa para a escolha de seu curador. Como a norma tem prazo de início e fim, espera-se que surja nova norma para que tal comando não perca eficácia com o advento do novo CPC.

Sendo assim, parece-nos que será imperiosa uma reforma consi-derável do CPC/2015, deixando-se de lado a antiga possibilidade da interdição.

A propósito da superação desse tradicional modelo, Paulo Lôbo pontua que:

Não há que se falar mais de “interdição”, que, em nosso Direito, sem-pre teve por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a me-diação de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos. (Lobo, 2015)

Outro ponto a ser analisado diz respeito à situação dos sujeitos, portadores de transtorno mental, que já se encontram sujeitos ao regime de curatela, sobretudo aqueles considerados absolutamente incapazes. Haverá necessidade de revisão de todas as sentenças diante do novo status destes sujeitos? Estarão os curadores já constituídos aptos a enten-der e pôr em prática a nova realidade?

Como se observa, os civilistas e processualistas, bem como os ope-radores, terão muito trabalho nos próximos anos para sanar todas essas controvérsias.

CONCLUSÃO

Após este breve estudo, conclui-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência conferiu ampla proteção ao direito fundamental à capaci-dade civil, privilegiando a autonomia deficiente e, ao mesmo tempo,

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abrindo espaço de escolha para que este constitua, em torno de si, uma rede de sujeitos de sua confiança, para lhe auxiliar nos atos da vida civil, caso seja necessário.

Vê-se, pois, que a teoria das incapacidades não foi extirpada, mas apenas mitigada. Não há como considerar que se terá um país composto unicamente de pessoas plenamente capazes.

A garantia de igualdade reconhecida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência impõe uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas com deficiência, pela qual o deficiente é plenamente capaz de desfrutar os direitos civis, patrimoniais e existenciais.

Dessa forma, a incapacidade relativa civil do portador de deficiên-cia, a partir de janeiro de 2015, cuida-se de uma medida normativa ex-cepcionalíssima, que pode afetar o estado da pessoa a ponto de restringir o exercício autônomo de direitos fundamentais, desde que amplamente justificada.

Restou demonstrado, ainda, que, em situações excepcionais, a pessoa com deficiência mental ou intelectual poderá ser submetida à curatela, no seu interesse exclusivo e não de parentes ou terceiros, como ocorria anteriormente.

Como se observa, muitas foram as alterações e só o tempo de-monstrará os seus efeitos. Contudo, em princípio, considera-se que a política de inclusão do deficiente vem ao encontro da repersonalização do direito privado, em que a dignidade humana tem o seu lugar no cen-tro das relações.

REFERÊNCIAS

ABREU, Célia Barbosa. Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

ROSENVALD, Nelson. Em 11 perguntas e respostas: tudo que você precisa para conhecer o estatuto da pessoa com deficiência. Disponível em: <https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=1480153702302318&id=1407260712924951&substory_index=0>. Acesso em: 21 out. 2015.

SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexi-dade (Parte 2). Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-07/jose--simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mudancas#author>. Acesso em: 21 out. 2015.

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STOLZE, Pablo. Estatuto da Pessoa com Deficiência e sistema de incapacidade civil. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 20, n. 4411, 30 jul. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/41381>. Acesso em: 21 out. 2015.

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela Lei nº 13.146/2015 (Estatu-to da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o direito de família e con-frontações com o novo CPC. Parte I. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em: 21 out. 2015.

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Assunto Especial – Doutrina

Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro de Incapacidade Civil

PABLO STOLZeBacharel em Direito – Universidade Federal da Bahia (1998) (tendo recebido o diploma de honra ao mérito – láurea – pela obtenção das maiores notas ao longo do bacharelado), Pós--Graduado em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia (tendo obtido nota dez em monografia de conclusão), Mestre em Direito Civil pela PUC/SP (tendo obtido nota dez em todos os créditos cursados, nota dez na dissertação, com louvor, e dispensa de todos os créditos para o doutorado), aprovado em primeiro lugar em concursos para as carreiras de pro-fessor substituto e professor do quadro permanente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, e também em primeiro lugar no concurso para Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia (1999). Autor e Coautor de várias obras jurídicas, incluindo o Novo Curso de Direito Civil, Professor da Universidade Federal da Bahia e da Rede Jurídica LFG. Já ministrou aulas, cursos e palestras em diversos tribunais do País, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Profundo será o impacto da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – a partir da sua entrada em vigor, em janeiro de 2016.

Esta lei, nos termos do parágrafo único do seu art. 1º, tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da Re-pública Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídi-co externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

Em verdade, este importante Estatuto, pela amplitude do alcance de suas normas, traduz uma verdadeira conquista social. Trata-se, in-discutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis.

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A nossa tarefa, neste breve editorial, é fazer um recorte em um específico campo de impacto deste novo diploma: o sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil.

E trata-se de um efeito devastador.

Ao utilizar o qualificativo “devastador”, não o fazemos em sentido depreciativo, mas sim para que o nosso querido leitor possa perceber o imenso alcance da mudança normativa que se descortina: o Estatuto retira a pessoa com deficiência1 da categoria de incapaz.

Em outras palavras, a partir de sua entrada em vigor2, a pessoa com deficiência – aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do art. 2º – não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, in-clusive3 para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercí-cio de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

1 “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

2 “Art. 127. Esta lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.”3 Note-se que o emprego da expressão “inclusive” é proposital, para afastar qualquer dúvida acerca da

capacidade de pessoa com deficiência, até mesmo para a prática dos atos mencionados nesses incisos.

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Esse último dispositivo é de clareza meridiana: a pessoa com defi-ciência é legalmente capaz.

Considerando-se o sistema jurídico tradicional, vigente por déca-das, no Brasil, que sempre tratou a incapacidade como um consectário quase inafastável da deficiência, pode parecer complicado, em uma lei-tura superficial, a compreensão da recente alteração legislativa.

Mas uma reflexão mais detida é esclarecedora.

Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o prin-cípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada” como incapaz, para ser conside-rada – em uma perspectiva constitucional isonômica – dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada4 e, extraor-dinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil.

De acordo com este novo diploma, a curatela, restrita a atos rela-cionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85, caput), passa a ser uma medida extraordinária5: “Art. 85. [...] § 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”.

Temos, portanto, um novo sistema que, vale salientar, fará com que se configure como “imprecisão técnica” considerar-se a pessoa com deficiência incapaz.

Ela é dotada de capacidade legal, ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida.

Em outros pontos, percebemos que essa mudança legislativa ope-rou-se em diversos níveis, inclusive no âmbito do direito matrimonial, porque o mesmo diploma estabelece, revogando o art. 1.548, I, do Có-digo Civil, e acrescentando o § 2º ao art. 1.550, que a pessoa com defi-ciência mental ou intelectual, em idade núbil, poderá contrair núpcias,

4 Trata-se de instituto consagrado pelo Estatuto. Sempre que possível, deve ser a primeira opção assistencial, antes de se pretender a sujeição à curatela: “Título I – Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada. Art. 116. O Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo III: Da Tomada de Decisão Apoiada. Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.

5 A lei não diz que a curatela será uma medida “especial”, mas sim, “extraordinária”, o que reforça o seu aspecto acentuadamente excepcional.

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expressando sua vontade diretamente ou por meio do seu responsável ou curador.

Isso só comprova a premissa apresentada no início do texto.

A pessoa com deficiência passa a ser considerada legalmente capaz.

Por consequência, dois artigos matriciais do Código Civil foram reconstruídos.

O art. 3º do Código Civil, que dispõe sobre os absolutamente in-capazes, teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de incapacidade absoluta, a do menor impúbere (menor de 16 anos).

O art. 4º, por sua vez, que cuida da incapacidade relativa, também sofreu modificação. No inciso I, permaneceu a previsão dos menores púberes (entre 16 anos completos e 18 anos incompletos); o inciso II, por sua vez, suprimiu a menção à deficiência mental, referindo, apenas, “os ébrios habituais e os viciados em tóxico”; o inciso III, que albergava “o excepcional sem desenvolvimento mental completo”, passou a tra-tar, apenas, das pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade”6; por fim, permaneceu a previsão da incapacidade do pródigo.

Certamente, o impacto do novo diploma se fará sentir em outros ramos do Direito brasileiro, inclusive no âmbito processual. Destaca-mos, a título ilustrativo, o art. 8º da Lei nº 9.099, de 1995, que impede o incapaz de postular em Juizado Especial. A partir da entrada em vigor do Estatuto, certamente perderá fundamento a vedação, quando se tratar de demanda proposta por pessoa com deficiência.

Pensamos que a nova lei veio em boa hora, ao conferir um trata-mento mais digno às pessoas com deficiência.

Verdadeira reconstrução valorativa na tradicional tessitura do sis-tema jurídico brasileiro da incapacidade civil.

6 Não convence tratar essas pessoas, sujeitas a uma causa temporária ou permanente impeditiva da manifestação da vontade (como aquele que esteja em estado de coma) no rol dos relativamente incapazes. Se não podem exprimir vontade alguma, a incapacidade não poderia ser considerada meramente relativa. A impressão que temos é a de que o legislador não soube onde situar a norma. Melhor seria, caso não optasse por inseri-lo no artigo anterior, consagrar-lhe dispositivo legal autônomo.

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Mas o grande desafio é a mudança de mentalidade, na perspectiva de respeito à dimensão existencial do outro.

Mais do que leis, precisamos mudar mentes e corações.

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Assunto Especial – Doutrina

Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

Estatuto da Pessoa com Deficiência Traz Inovações e Dúvidas

ATALá CORReIAJuiz no Distrito Federal, Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo.

No dia 6 de julho, foi promulgada a Lei nº 13.146, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, adaptando nosso sistema legal às exigências da Convenção de Nova York de 2007. Após o decurso da vacatio legis de 180 dias, contaremos com novos instrumentos legais, que visam, no seu conjunto, a proporcionar igualdade, acessibilidade, o respeito pela dignidade e autonomia individual, o que inclui a liberdade de fazer suas próprias escolhas.

Uma primeira análise e diversos aspectos positivos do Estatuto foram apresentados nessa Coluna de Direito Civil atual, em excelen-te artigo do Professor Maurício Requião. Há, no entanto, dúvidas que precisam ser esclarecidas. Assim, esta coluna se propõe inicialmente a apresentar as principais inovações da nova lei, os dilemas existentes e as soluções possíveis.

Pois bem, para os fins da lei,

considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participa-ção plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (art. 2º)

Na esfera civil, estabeleceu-se que

a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

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III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (art. 6º)

Parte-se da premissa de que a deficiência não é, em princípio, causadora de limitações à capacidade civil1. Diante desse panorama, o EPD irá revogar expressamente os incisos II e III do art. 3º do Código Ci-vil. Doravante haverá apenas uma causa de incapacidade absoluta, qual seja, ser a pessoa menor de 16 anos. Não serão mais considerados ab-solutamente incapazes “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos” e “os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”.

A incapacidade relativa passará a abranger as seguintes hipóteses: a) maiores de 16 e menores de 18 anos; b) ébrios habituais e os viciados em tóxico (a lei deixa de fazer menção aos que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido); d) e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (foi excluída a men-ção aos os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo); e) os pródigos.

Ao lado da curatela, passará a existir o processo de “tomada de decisão apoiada”, ou seja,

o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. (art. 1.783-A do Código Civil, intro-duzido pelo EPD)

Assim, em síntese, a pessoa com deficiência que tenha qualquer dificuldade prática na condução de sua vida civil poderá optar pela cura-

1 Sobre os avanços, vide também o Parecer do Senador Romário Faria, PSB/RJ, ao Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 4, de 2015.

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tela, diante de incapacidade relativa, ou pelo procedimento de tomada de decisão apoiada. Deve-se frisar que pessoas com deficiência mental severa continuam sujeitas à interdição quando relativamente incapazes. A alteração legislativa, que excluiu a expressão “deficiência mental” do texto do art. 4º do CC, não veda a interdição quando o deficiente não possa, por causa transitória ou permanente, manifestar sua vontade. O art. 84, § 1º, do EPD enfatiza que, “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida a curatela”, “proporcional às necessidades às circunstâncias de cada caso”, durando o menor tempo possível (§ 3º). A manutenção da legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a interdição nos casos de “deficiência mental ou intelectual”, nos termos do art. 1.769 do Código Civil, apenas explicita a manutenção dessa pos-sibilidade de interdição de deficientes que não consigam expressar sua vontade.

Vistas essas inovações, apresenta-se o primeira questão relevante. É necessário reconhecer que a elogiosa iniciativa não muda a realidade biológica dos fatos. Hoje, centenas de pessoas são declaradas por peritos judiciais absolutamente incapazes, no sentido biológico, de compreen-der a realidade que as cercam e de manifestar vontade. A triste realidade das demências senis, que se torna mais frequente com o envelhecimen-to da população, é apenas um dos exemplos possíveis. A pessoa que se tornou deficiente por moléstia incurável e que não consegue sequer escrever seu nome não passará, após a vigência da lei, a manifestar sua vontade.

Ocorre que essa hipótese fática, de incapacidade de manifesta-ção de vontade, foi deslocada do art. 3º, III, do CC para o art. 4º, III, do CC, e, com isso, ensejará mera incapacidade relativa. Como se sabe, a validade do ato jurídico, nessas situações, exige a assistência do cura-dor. Isso quer dizer que o curatelado deve manifestar, conjuntamente com o curador, seus interesses, não podendo a vontade deste substituir a daquele. Contudo, se o interditado não detém qualquer possibilidade de manifestação de vontade, a nova legislação o colocou diante de um impasse: seu curador não pode representá-lo, pois ele não é absoluta-mente incapaz, e tampouco conseguirá praticar qualquer ato da vida civil, pois não conseguirá externar seus interesses para que alguém lhe assista. Caso o quadro legislativo não se altere, será razoável tolerar uma hibridização de institutos, para que se admita a existência de incapaci-dade relativa na qual o curador representa o incapaz, e não o assiste. En-

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tendida a questão de maneira literal, a interdição de pessoas teria pouco significado prático.

O dilema desdobra-se, entretanto, em outro. Haveria aí, nessa si-tuação sui generis, nulidade ou mera anulabilidade? Como se sabe, o regime de incapacidade relativa leva à anulabilidade. Por outro lado, quem haveria de manifestar a vontade para, antes do prazo decadencial, impedir a convalidação? Acredito, nesse campo de primeiras reflexões, que deva prevalecer o regime de nulidade, mais benéfico ao deficiente.

Anote-se, ainda, que, nos termos do art. 76 do EPD, o Poder Públi-co deverá garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas, assegurando-lhe não só acessibilidade aos locais de votação, mas, essencialmente, o direito de votar e de ser votada. Diz-nos, ainda, o art. 85 do EPD que “a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”, não alcançando o “di-reito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”. Não faz sentido, no entanto, que deficientes interditados por incapacidade de manifestar sua vontade tenham acesso à urna juntamente com seus curadores, pois, se não há como conhecer a vontade do deficiente, também não há como garantir que o curador atua no interesse alheio. Passaria a haver, de fato, pessoas com dois ou mais votos.

Por fim, é inquietante a ausência de um regime claro de transição. Aquelas pessoas que hoje, tendo deficiência mental ou intelectual, se encontram sob interdição por incapacidade absoluta passarão automati-camente, com a vigência da lei nova, a serem consideradas capazes? A tradicional exegese da regra intertemporal, nessas situações, indica a efi-cácia imediata da lei nova. Não haveria por que manter toda uma classe de pessoas sob um regime jurídico mais restritivo quando ele foi abolido. Não há razão para que existam deficientes capazes e absolutamente in-capazes sem distinção fática a justificar o tratamento diverso. Por outro lado, pode a lei nova desconstituir automaticamente a coisa julgada já estabelecida? Cremos que, dada a natureza constitutiva da sentença, o mais razoável é que, por iniciativa das partes ou do Ministério Público, haja uma revisão2 da situação em que os interditados se encontram, para

2 O art. 12, 4, da Convenção de Nova Iorque estabelece que “os Estados-Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão

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que possam migrar para um regime de incapacidade relativa ou de to-mada de decisão apoiada, conforme for o caso.

Por suscitar essas questões e dúvidas, o novo Estatuto, que em muito auxiliará as pessoas com deficiências diversas, precisará ser obje-to de atenção redobrada da comunidade jurídica.

que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa” (grifos nossos).

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Assunto Especial – Doutrina

Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alterações no Código Civil de 2002

IVANA ASSIS CRuZ DOS SANTOSAdvogada com Graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2010), Pós--Graduada em Direito Público pelo Instituto de Ensino Superior Unyahna (2012), Membro da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/SE.

RESUMO: O presente artigo visa a discorrer acerca das alterações no Código Civil de 2002 face à promulgação da Lei Ordinária nº 13.146, em 6 de julho de 2015, também conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Primordialmente, será feita uma abordagem sutil do contexto histórico em que se insere a proteção destinada aos deficientes, cujo interesse ao longo do tempo é de proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida e maior participação social. Depois, a dissertação será mais direta, com comentários das modificações e revogações artigo por artigo. O tema foca quatro pontos em específico, quais sejam: a capacidade civil, o casamento, a curatela e a nova criação legislativa, que é a tomada de decisão apoiada. A partir do recém-redirecionamento dos deficientes à categoria de plenamente capazes, toda antiga concepção civilista de incapacidade será revista, trazendo consequências práticas para o ordenamento jurídico, como o exemplo da questão da representação, assistência, prescrição, decadência e prova.

PALAVRAS-CHAVE: Deficiente; capacidade civil; casamento; curatela; tomada de decisão apoiada.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contexto histórico da proteção à pessoa com deficiência; 2 Capacidade civil; 3 Casamento; 4 Curatela e tomada de decisão apoiada; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Existe um grande número de pessoas com deficiência no mundo e no Brasil e algumas delas, mesmo diante de tantos impasses e preconcei-tos, conseguem participar e contribuir ativamente em diversas atividades sociais. Contudo, como a discriminação ainda é grande, muitos acabam sendo excluídos da convivência com a comunidade e até mesmo com os parentes.

Para resolver esse impasse, deve ser incentivada a criação de me-didas públicas que venham conferir uma maior acessibilidade aos defi-cientes. O acesso não deve se restringir tão somente à locomoção nas

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ruas, mas também deve garantir um emprego formal, possibilitar a cons-tituição de família e, sobretudo, dar maior autonomia para que possam fazer suas próprias escolhas.

É nesse cenário que surge a Lei nº 13.146/2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou simplesmente Esta-tuto da Pessoa com Deficiência (EPD), com uma ideia arrojada: qualifi-car os deficientes como capazes. A atribuição da plena capacidade aos deficientes provocou significativas mudanças na legislação civil brasi-leira. Ao total, quinze artigos do Código Civil de 2002 (CC/2002) foram abordados pelo EPD: uns foram criados, outros tiveram seu conteúdo revogado ou modificado. Os dispositivos são os seguintes: 3º, 4º, 228, 1.518, 1.548, 1.550 1.557, 1.767, 1.768, 1.769, 1.771, 1.772, 1.775-A, 1.777, 1.783-A.

Desse modo, o presente trabalho dedica-se à análise desses dispo-sitivos, apresentando as distinções antes e após a vigência do EPD. Sem pretender esgotar a matéria, o objetivo será o de traçar algumas possíveis consequências práticas, sejam elas positivas ou negativas, bem como justificar o porquê de algumas alterações.

1 CONTEXTO HISTÓRICO DA PROTEÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA

É cediço que, desde os primórdios da história da humanidade, existiam indivíduos com algum tipo ou grau de limitação, seja de ordem física, psíquica ou sensorial. O desenvolvimento e a interação entre as nações trouxeram novas concepções e formas de inclusão social aos deficientes.

Piovesan (2008 apud Garcia; Lazari, 2015, p. 241) sintetiza a pro-teção dada aos deficientes em quatro etapas: a primeira, denominada de fase da intolerância, havia um repúdio aos deficientes; eles eram consi-derados impuros e, se estavam nesse estado, foi porque pecaram ou por causa de um castigo divino. A segunda, a fase da invisibilidade, consistiu em um período em que o deficiente e seus direitos foram simplesmente ignorados. A terceira é a fase assistencialista, em que a deficiência é vista como uma doença e o auxílio a ser dado seria através da busca da cura. Por último, a fase humanista, pautada nos direitos humanos, preocupa--se em promover a relação do deficiente com o meio com que ele con-vive, visando a superar obstáculos e barreiras à realização dos direitos.

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Hodiernamente a deficiência foi elevada a questão de ordem pública, e, com o fim de resguardar os direitos dessas pessoas, foram elaborados vários tratados, acordos e tantos outros documentos. Nes-se contexto, despontou como grande marco mundial a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 9 de dezembro de 1975; a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de De-ficiência, assinada na Guatemala em 1999, e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Faculta-tivo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 (Garcia; Lazari, 2015, p. 242).

O Brasil, por sua vez, em 25 de agosto de 2009, através do Con-gresso Nacional, aprovou o Decreto nº 6.949, ratificando a última Con-venção e o Protocolo supracitados, elevando-os ao status de emenda constitucional por meio do procedimento do art. 5º, § 3º, da Constitui-ção Federal de 1988 (CF/1988). O decreto, apesar de representar um avanço aos direitos dos deficientes, consiste em uma ratificação da Con-venção, que nada mais é do que uma carta de intenções.

Assim, foi imprescindível a elaboração de uma norma interna que tivesse soluções práticas e efetivas aos direitos dos deficientes, assegu-rando a igualdade material. A primeira proposta surgiu com o Projeto de Lei nº 7.699/2006, que, após tantos anos de embates ideológicos, acabou se convertendo na Lei Ordinária nº 13.146, aprovada no dia 6 de julho de 2015 e publicada no dia seguinte, para entrar em vigor após cento e oitenta dias de sua publicação.

2 CAPACIDADE CIVIL

A capacidade foi abordada no art. 2º do antigo Código Civil de 1916. Seu dispositivo não a definia, mas preconizava que todo homem era capaz de direitos e obrigações na ordem civil. Com a vigência do CC/2002, o termo recebeu outra roupagem, mas ainda ficou sem con-ceito. Esse é o teor do art. 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

A presente legislação acertadamente abandonou a palavra homem por pessoa, vez que a CF/1988, art. 5º, I, não faz distinção de gênero; ao contrário, estimula a igualdade entre homens e mulheres. Ademais, o

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art. 1º menciona deveres e não obrigações, haja vista existirem deveres que não são obrigacionais, como o de boa-fé.

Analisando a previsão normativa acima reportada, depreende-se que a regra é a capacidade civil plena. Para compreendê-la, a doutrina costuma repartir em duas partes: capacidade de direito ou de gozo e ca-pacidade de fato ou de exercício. Aquela é irrestrita e afirma que todos são sujeitos de direitos e deveres. Esta compreende o ato de exercer o direito e nem todos possuem tal aptidão (Tartuce, 2011, p. 65-66).

Logo, ou se é capaz ou se é incapaz e a incapacidade poderá ser absoluta, cabendo, nesse caso, a representação, ou relativa, cabendo a assistência. O CC/2002, no livro I, que dispõe acerca das pessoas, apre-senta um rol taxativo e separa um grupo do outro da seguinte maneira:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o ne-cessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Da simples leitura, percebe-se que os deficientes foram classifi-cados como incapazes. Todavia, esse raciocínio mudou com a recente aprovação do EPD, ao assegurar, em seu art. 6º, que o fato de uma pes-soa apresentar uma deficiência não afeta sua plena capacidade civil.

O EPD, ao declarar a capacidade do deficiente, redefiniu a tradi-cional teoria civilista de incapacidade, tanto que alguns dos dispositivos

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do CC/2002 serão revogados e outros terão seus textos modificados com o término da vacatio legis. Os três incisos do art. 3º serão revogados e o absolutamente incapaz será unicamente o menor de dezesseis anos. Já o art. 4º, que diz respeito aos relativamente incapazes, será composto por dois incisos e nele constarão os ébrios habituais, os viciados em tóxico, além daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Quanto ao parágrafo único, foi feita uma retificação, permutando o vocábulo índio por indígena, dado que o primeiro consiste em uma nomenclatura que alude à época em que os colonizadores chegaram ao Brasil e pensavam estar na Índia, nomeando os nativos de índios, ou seja, aqueles que são naturais da Índia. Ocorre que a terminologia cor-reta é a segunda, cujo significado refere-se aos habitantes oriundos de um país (Instituto, 2015).

No tocante aos negócios jurídicos, apesar de seus artigos não te-rem sofrido nenhuma modificação morfológica, alguns efeitos práticos decorrem da capacidade dos deficientes. Primeiro, não serão mais repre-sentados, nem assistidos e o prazo prescricional e decadencial correrá normalmente contra eles, porque essa proteção, segundo a inteligência dos arts. 198, I, e 208 do CC/2002, dirige-se especificadamente aos ab-solutamente incapazes.

Outrossim, outro efeito da plena capacidade das pessoas com defi-ciência recaiu sobre a responsabilidade, pois, para esses indivíduos, não será mais subsidiária. Assim, a regra do art. 928 do CC/2002, ao afirmar que o patrimônio do incapaz só será atingido se as pessoas por ele res-ponsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, permanece intocada quanto ao incapaz. Porém, o deficiente, por não fazer mais parte desse grupo, perderá essa importante proteção e, ao ser deslocado dessa regra, passa a responder com seus bens pelos seus atos.

Quanto às provas, o EPD extinguiu os incisos II e III e adicionou o § 2º ao art. 228 do CC/2002. Essa alteração permitirá aos enfermos, a quem tiver retardamento mental, aos cegos e aos surdos depor como testemunhas em um processo em condições de igualdade com as outras pessoas.

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3 CASAMENTO

O Livro IV do CC/2002, que cuida do direito de família, também foi alcançado pelo EPD. O art. 6º do Estatuto elencou uma série de di-reitos inovadores que garantem uma maior integração dos deficientes na sociedade, entre eles a oportunidade de casar, constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, decidir o número de filhos, con-servar a fertilidade.

No que concerne à capacidade para o casamento, o CC/2002 pre-vê a idade núbil de dezesseis anos. Entretanto, essa liberalidade legis-lativa se contrapõe com a exigência de uma autorização a ser concedi-da pelos representantes legais do nubente. Essa restrição é tanta que o art. 1.518 faculta aos pais, curadores e tutores revogarem até a cele-bração do enlace matrimonial a permissão outrora outorgada. Acontece que o EPD retirou dessa relação a curatela por um motivo simples; ela se destina à proteção específica dos direitos de natureza patrimonial e negocial; logo, não pode o curador, como assegura o § 1º do art. 85, dispor acerca de direitos como ao corpo, à sexualidade, ao matrimônio do curatelado.

Prosseguindo a esse entendimento é que o EPD, no capítulo da invalidade do casamento, aboliu o inciso I do art. 1.548 do CC/2002, pois não assiste razão à alegação de nulidade do casamento do enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, tendo em vista que ele não será reputado absolutamente incapaz.

O EPD acrescentou o § 2º ao art. 1.550 do CC/2002. O texto é o seguinte: “A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade nú-bia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”. Prefacialmente, vale dizer que o correto é núbil e não núbia (Michaelis, 2015); igualmente cumpre destacar que, sendo direito pessoal e consistindo em um ato volitivo, não deveria estar sujeito a manifestação de curador.

A última reforma do capítulo da invalidade do casamento no CC/2002 incidiu no art. 1.557. O EPD modificou o inciso III para não consentir a anulação decorrente de erro essencial sobre a pessoa do ou-tro cônjuge a quem ignorava, antes do casamento, uma deficiência ou moléstia grave e transmissível. O inciso IV teve seu conteúdo cancelado, pois ninguém pode alegar erro quanto ao outro consorte por doença mental, já que este agora é capaz.

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4 CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA

A curatela é uma medida excepcional cujo intuito é eleger uma pessoa, denominada de curador, para prestar auxílio aos interesses de maiores incapazes, que são os curatelados. Não obstante, conforme já dito anteriormente, essa assistência estará adstrita ao âmbito patrimonial e negocial.

O CC/2002, em seu art. 1.767, enumera os sujeitos a interdição. Sucede que o EPD remodelou esse rol, reduzindo a curatela apenas àqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, aos ébrios habituais e aos viciados em tóxicos.

Analisando esse preceito, verifica-se que não existirá a curatela de absolutamente incapaz e, indo a fundo, o § 1º do art. 84 do EPD, em uma atitude audaciosa, propiciou a curatela de pessoas capazes ao estabele-cer que, “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Sendo capaz, não poderá ser representado nem assistido; então, fica o questionamento ao legislador de qual será a função do curador: se representante ou assistente do curatelado.

Ainda nessa conjuntura, o EPD incluiu o inciso IV no art. 1.768 do CC/2002 para adequadamente permitir que o curatelado possa pro-mover o processo que define os termos de sua curatela. Quanto à par-ticipação do Ministério Público, o EPD rechaçou a ideia do inciso I do art. 1.769 do CC/2002, para que a atuação do Parquet não se limite aos casos de maior gravidade, mas a qualquer situação de debilidade, bas-tando que seja mental ou intelectual.

No mais, o art. 1.771 passará a ter nova redação: “Antes de se pro-nunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando”. A substituição da interdição por curatela foi necessária porque aquela de-nota pessoas incapazes, e, como dito anteriormente, a curatela também abrangerá pessoas capazes, bem como a troca da palavra especialistas por equipe multidisciplinar e arguido por incapacidade por interditando.

Cumpre anotar que o § 3º do art. 84 do EPD determina que a curatela do sujeito com deficiência corresponda às necessidades e às circunstâncias de cada caso. Para amoldar a esse mandamento é que o art. 1.772 do CC/2002 também passou por uma mutação para prever que o Magistrado, ao fixar o alcance da curatela, observe as potenciali-dades da pessoa, observando os limites e indicando o curador.

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Não bastasse a mutação retroinformada, foi inserido o parágra-fo único, que diz: “Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa”. Atente que, com sensatez, o EPD favorece a participação do curatelado, dando liberdade para que ele faça suas escolhas e tome decisões. Dando continuidade a esse bom-senso é que o EPD introduziu o art. 1.775-A no CC/2002, com o propósito de viabi-lizar a curatela compartilhada a mais de uma pessoa, melhor dizendo, retirando o excesso de poder das mãos de um só indivíduo.

É evidente que o legislador está preocupado em agregar os defi-cientes ao cotidiano da sociedade, tanto que a antiga regra do recolhi-mento, que o afastava da convivência familiar e comunitária, hoje é uma exceção. O EPD reescreveu o art. 1.777 do CC/2002 para autorizar o afastamento, tão somente, daqueles que, por causa transitória ou perma-nente, não puderem exprimir sua vontade.

Por derradeiro, o EPD concebeu uma alternativa à curatela que é a tomada de decisão apoiada. Ela foi incorporada no Título IV, do Livro IV, do CC/2002, e o Capítulo IV foi criado especialmente para discorrer sobre esse tema. Nele consta exclusivamente o art. 1.783-A acompanha-do de onze parágrafos. O caput a conceitua como sendo um “processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idô-neas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.

Novamente o EPD proporciona aos deficientes o direito de esco-lha dos sujeitos que, ao seu lado, irão apoiá-lo nas decisões atinentes aos atos da vida civil. Esse procedimento, conforme o § 3º, dar-se-á pelas vias judiciais, devendo o Magistrado decidir com auxílio de uma equipe multidisciplinar, oitiva do Ministério Público, do requerente e das pes-soas que lhe prestarão apoio.

CONCLUSÃO

De todo o exposto, conclui-se que o EPD, ao atribuir às pessoas com deficiência a plena capacidade civil, em verdade, intenta erradicar o preconceito e promover a inclusão social, evitando ao máximo o afas-

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tamento do deficiente com o meio ao qual ele está inserido. O diploma acima busca dar liberdade a esses indivíduos para que possam gerir sua vida sem a necessidade de representação ou de assistência.

Essa nova definição, na teoria da capacidade, reconfigurou todo sistema civilista, pois o Estatuto criou alguns institutos como a curatela de capazes e a tomada de decisão apoiada, ao passo que outros não existirão mais, como a curatela de absolutamente incapaz, a nulidade do casamento em face de enfermos mentais e a anulabilidade quanto ao erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge quando ignorava, antes do enlace matrimonial, uma deficiência ou moléstia grave e trans-missível.

Desse modo, pode-se dizer que o EPD trouxe benefícios, pois um indivíduo, mesmo portando alguma debilidade, pode tomar decisões por ele mesmo, como constituir união estável, casar, ter ou não filhos. Contudo, algumas proteções previstas no CC/2002 não recairão mais sobre eles, como o caso da suspensão e impedimento dos prazos pres-cricionais e decadenciais e a responsabilidade subsidiária.

Logo, quando uma norma adentra ao ordenamento jurídico cau-sando tantas mudanças, todo cuidado é pouco. Deve atentar sempre que o EPD é uma lei protetiva, cujo foco é fazer com que sujeitos com defi-ciência possam interagir e fazer suas escolhas, mas ao mesmo tempo não retira o poder do juiz e do Ministério Público em fiscalizar os diversos procedimentos em que a atuação de curador se poderá fazer necessária.

REFERÊNCIAS

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______. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

______. Congresso Nacional. Senado Federal. Projeto de Lei nº 7.699/2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=339407>. Acesso em: 14 nov. 2015.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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______. Decreto nº 6.949/2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.

______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 09 nov. 2015.

GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de direitos humanos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. único, 2015.

INSTITUTO Socioambiental. Povos indígenas no Brasil. Perguntas frequentes. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/faq>. Acesso em: 14 nov. 2015.

MICHAELIS. Dicionário de português online. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/nubil%20_1009354.html>. Acesso em: 15 nov. 2015.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 1. ed. São Paulo: Método, v. único.

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Assunto Especial – Doutrina

Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

Estatuto da Pessoa com Deficiência: a Revisão da Teoria das Incapacidades e os Reflexos Jurídicos na Ótica do Notário e do Registrador

MOACYR PeTROCeLLI De áVILA RIBeIROOficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, Tabelião de Notas do Município de Platina, São Paulo, Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

Em 7 de julho de 2015, foi publicada a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com vacatio legis de 180 dias. Esse Estatuto traz diversas garantias para os portadores de deficiência de to-dos os tipos, com reflexos nas mais diversas áreas do Direito, especial-mente com sensíveis alterações no Código Civil brasileiro.

De saída, deve-se esclarecer que o Estatuto em questão está las-treado na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Defici-ência (CDPD), que foi o primeiro tratado internacional de direitos hu-manos aprovado pelo Congresso Nacional conforme o procedimento qualificado do § 3º do art. 5º da Constituição Federal (promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009 e em vigor no plano interno desde 25.08.2009). Portanto, a mencionada convenção internacional possui status de norma constitucional.

O objetivo humanista da CDPD consagra inovadora visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência. Nesse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patolo-gia. A ideia fulcral parece ser a de substituir o chamado “modelo médi-co” – que busca desenfreadamente reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade – por um modelo “social humanitário” – que tem por missão reabilitar a sociedade para eliminar os entraves e os muros de exclusão, garantindo ao deficiente uma vida independente e a possi-bilidade de ser inserido em comunidade. Nesse sentido, reconheceu o

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preâmbulo da CDPD que “a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de opor-tunidades com as demais pessoas”.

Por tudo isso, fundado nas melhores lições do direito civil cons-titucional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência intensifica a chama-da “repersonalização do direito civil”, colocando a pessoa humana no centro das preocupações do Direito. Exatamente nessa medida, a no-vel legislação revisitou alguns institutos fundamentais do direito civil na tentativa de conferir igualdade no exercício da capacidade jurídica por parte da pessoa com deficiência. Em realidade, como conclui Pablo Stolze, “trata-se, indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diver-sos níveis”1.

Antes de tudo, é fundamental entender o alcance da expressão “pessoa com deficiência”. Nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146/2015, “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

As notas e os registros públicos são instituições que, em razão de suas atribuições, estarão diretamente envolvidas com a aplicação efe-tiva do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Não por acaso, o art. 83, caput, do Estatuto determina que, sob pena de discriminação, “os servi-ços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade”.

Com efeito, partindo-se para a análise dos efetivos reflexos do Es-tatuto no direito positivo, parece indiscutível que houve verdadeira re-estruturação na teoria das incapacidades, além de notórias repercussões em diversos institutos do direito de família, como o casamento, a inter-dição e a curatela.

1 Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/41381/o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-e-o-sistema-juridico-brasileiro-de-incapacidade-civil>.

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Foram revogados todos os incisos do art. 3º do Código Civil, que tinha a seguinte redação: “São absolutamente incapazes de exercer pes-soalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”. Também foi alterado o caput do comando legal, passando a estabelecer que “são absolutamen-te incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”.

Em síntese, o sistema privado brasileiro passa a ter apenas uma hipótese de incapacidade absoluta: os menores de 16 anos. Assim, não existe mais pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Por conseguinte, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no sistema civil, pois os menores não são interditados.

De sua vez, o art. 4º do Código Civil também foi modificado de forma considerável pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu inci-so II não faz mais referência às “pessoas com discernimento reduzido”, que não são mais consideradas relativamente incapazes, como antes es-tava regulamentado. Apenas foram mantidas no diploma as menções aos ébrios habituais (entendidos como os alcoólatras) e aos viciados em tóxicos, que continuam dependendo de um processo de interdição re-lativa, com sentença judicial, para que sua incapacidade seja reconhe-cida. Também foi alterado o inciso III do art. 4º do Código Civil, sem mencionar mais os “excepcionais sem desenvolvimento completo”. A redação anterior tinha incidência para o portador de síndrome de Down, não considerado mais um incapaz.

A nova redação dessa norma (art. 4º, III) passa a arrolar as pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vonta-de” – que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação tí-pica de incapacidade absoluta. Agora a hipótese é de incapacidade rela-tiva. Em resumo, nos termos da nova redação do art. 4º, “são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos”.

Mencione-se, a propósito, que as alterações trazidas pelo Esta-tuto no que toca ao regime das incapacidades rompeu uma tradição,

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vez que, historicamente, no Direito brasileiro, o portador de transtorno mental sempre foi tratado como incapaz. É verdade que com algumas variações de termos e grau, mas assim o foi nas Ordenações Filipinas, no Código Civil de 1916 e também no atual Código Civil de 2002, sob o argumento de proteção, em prejuízo da sua autonomia e, por vezes, da sua dignidade.

Comentando a boa iniciativa do Estatuto em conferir capacida-de para a pessoa com deficiência psíquica ou intelectual, o Professor Nelson Rosenvald destaca que:

Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito às suas crenças, valo-res e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satis-fação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano pu-ramente objetivo do trânsito das titularidades.2

Esta nova teoria das incapacidades, que passa a vigorar com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, requer cautela destacada por parte dos notários e registradores quando da prática dos atos de sua compe-tência. Nesse ponto, os atos, fatos ou negócios jurídicos que são levados às serventias notariais e de registro devem passar por cautelosa qualifi-cação jurídica, haja vista os inúmeros efeitos jurídicos decorrentes das modificações promovidas pelo Estatuto.

Averiguando-se alguns reflexos imediatos do novo regime jurídi-co das incapacidades, de pronto, pode-se inferir que todas as pessoas que foram interditadas em razão de enfermidade ou deficiência mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem consideradas, ope legis, plenamente capazes. Vale dizer, tratando-se de lei que versa sobre o estado da pessoa natural, a disposição normativa tem eficácia e apli-cabilidade imediata.

Em outras palavras, será desnecessária qualquer medida judicial tendente ao levantamento da interdição decretada com arrimo na le-

2 Disponível na rede social do autor: facebook.com/nelsonrosenvald.

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gislação civil moribunda. Todavia, providência fundamental a ser pro-movida será a averbação do levantamento da interdição no “Livro E” do Registro Civil das Pessoas Naturais em que esta foi inscrita. Apesar de não ter este ato natureza desconstitutiva – vez que a cessação da in-capacidade dar-se-á, automaticamente, com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015 –, tal averbação garante, além da primazia da realidade nos registros públicos, a adequada publicidade da cessação da incapaci-dade daquela pessoa, evitando-se, assim, possíveis prejuízos ao próprio registrado e a terceiros. Somente com esta averbação permitir-se-á que terceiros tenham efetivo conhecimento de que aquele individuo não é mais interdito e goza de plena capacidade, garantindo-se segurança ju-rídica aos atos e negócios jurídicos futuros.

Outra consequência jurídica importante a ser considerada refe-re-se ao fato de que, sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa plenamente capaz, não poderá, de regra, ser representado nem assistido, ou seja, deverá praticar pessoalmente os atos da vida civil.

Veja, também, que, sendo o deficiente, o enfermo ou o excep-cional pessoa plenamente capaz, a prescrição e a decadência correrão normalmente contra ele. Atualmente, lembre-se, por força dos arts. 198, I, e 208 do CC, de que a prescrição e a decadência não correm contra os absolutamente incapazes.

No campo do direito dos contratos, e aqui a atenção dos notá-rios deve ser destacada, sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcio-nal pessoa plenamente capaz, para receber doação terá de exprimir sua vontade, o que, atualmente, não é necessário em sendo absolutamente incapaz (art. 543 do CC). Hoje, a doação se aperfeiçoa sem que este manifeste sua vontade (há uma presunção da vontade). Com o Estatuto, essa pessoa, plenamente capaz, precisará aceitar a doação.

Na seara da responsabilidade civil, sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa plenamente capaz, passará a responder ex-clusivamente com seus próprios bens pelos danos que causar a tercei-ros, afastando-se a responsabilidade subsidiária criada atualmente pelo art. 928 do Código Civil. Recorde-se, a propósito, que, pela sistemática do Códex, quem responde precipuamente pelos danos causados pelos incapazes são seus representantes legais (pais, tutores e curadores).

Relevantíssima alteração promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ocorrerá no direito de família. O Estatuto revoga o inciso I

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do art. 1.548 do Código Civil, que prevê ser nulo o casamento do “en-fermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”. Nesse espírito, com a entrada em vigor do diploma em testilha, pessoas com deficiência poderão constituir família, seja matrimonial, conviven-cial ou qualquer outro arranjo familiar que lhes aprouver. Sobre o tema, o art. 6º do Estatuto traz regras fundamentais quanto ao direito de família envolvendo pessoas com deficiência. Diz o dispositivo:

A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Nesta seara, concordamos com a posição do Professor José Fernando Simão:

Nesta questão o Estatuto merece elogios. Não é toda a deficiência que retira o discernimento para a tomada de decisão de constituição de fa-mília e de sua formação. Contudo, há de se salientar que, mesmo com a mudança legal, a decisão de se casar é um ato de vontade. Se a vontade não existir em razão da deficiência, inexistente será o casamento.3

Notadamente, quanto à nova regra, que deixa de considerar como nulo o casamento do enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, é de importante observação para os registra-dores civis das pessoas naturais a questão de direito intertemporal que envolve os casamentos ocorridos antes e depois da entrada em vigor do Estatuto. Assim, caso tenha ocorrido um casamento de uma pessoa

3 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-07/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mud-an cas#author>.

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deficiente, sem discernimento para os atos da vida civil, antes da vigên-cia do Estatuto, este casamento nasceu nulo por afronta ao inciso I do art. 1.548 do CC e não se torna “válido” pela alteração legislativa. Preva-lece, pois, a lei do momento da celebração do casamento. Destarte, os enfermos mentais sem o discernimento para os atos da vida civil estarão aptos ao matrimônio a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em janeiro de 2016.

De outro lado, ressalta-se, ainda, que o Estatuto não alterou a re-dação do art. 1.550 do Código Civil, que trata da anulabilidade do ca-samento. Rememore-se, aliás, que, em seu inciso IV, o dispositivo prevê que “é anulável o casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento”. Assim, pode-se concluir que o casamento do deficiente que for incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco o seu consentimento pode ser anulável, mas não nulo.

Quadra anotar, por oportuno, que o Estatuto acrescenta um § 2º ao art. 1.550, admitindo que “a pessoa com deficiência mental ou intelec-tual em idade núbia (sic) poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”.

Nesse dispositivo, andou mal o legislador. Sem falar do equívoco com a língua portuguesa (já que o termo correto seria “idade núbil”), permitiu-se que a vontade de casar seja manifestada pelo curador do de-ficiente. Ora, a vontade é elemento essencial ao casamento e ninguém se casa senão por sponte propria. Admitir a manifestação da vontade pelo curador carece de lógica jurídica e contraria a natureza personalís-sima do casamento. A escorregada legislativa aqui foi tamanha que hou-ve ululante contradição com o próprio art. 85 do Estatuto, que determina a atuação do curador do deficiente apenas e tão somente para os atos de natureza patrimonial e negocial.

Por último, mas não menos importante, convém analisar o insti-tuto da curatela, redesenhado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em razão do seu art. 84, § 1º, o Estatuto possibilita que, “quando ne-cessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Traz, assim, situação jurídica inovadora no Direito brasileiro: a curatela de pessoa capaz. A orientação do Estatuto é clarividente no sentido de que, mesmo com a curatela, não temos uma pessoa incapaz, isto é, a pessoa com deficiência é dotada de capacidade legal, ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida.

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No sistema atual, o curador representa os absolutamente incapa-zes e assiste os relativamente incapazes. Com a vigência do Estatuto, haverá a categoria de pessoas capazes sob curatela. Apesar de elogiosa a previsão legislativa, há um desafio a ser enfrentado: qual seria a função do curador do deficiente: representá-lo ou assisti-lo?

Como se trata de pessoa capaz, não há no sistema uma resposta a essa indagação. Parece razoável responder à pergunta com o art. 85, § 2º, do Estatuto, que sentencia: “A curatela constitui medida extraor-dinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”. Assim, depreende--se que caberá ao juiz definir se o curador do deficiente, que prossegue sendo capaz, deverá representá-lo ou assisti-lo. De todo modo, deve ser observada a limitação da curatela prevista no caput do art. 85, ou seja, “a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natu-reza patrimonial e negocial”.

Gize-se que a questão proposta é de grande relevância para o ta-belionato de notas, no âmbito de instrumentalização pelos notários da vontade das partes, mormente na qualificação notarial do ato a ser con-feccionado.

De mais a mais, para a devida publicidade da decisão judicial que concede a curatela a deficiente, é essencial que seja ela inscrita no registro civil das pessoas naturais, sendo correto, em nosso sentir, que seja averbada no registro natalício daquele indivíduo. Nessa ordem de ideais, convém esclarecer que as averbações no registro civil das pes-soas naturais são previstas em lei em rol não taxativo, justamente para que novas situações jurídicas que impliquem o estado da pessoa natural possam ingressar no registro público preservando a individualidade e dignidade humanas. Desta averbação deverá constar a especialização do ato judicial que concedeu a curatela, a qualificação do curador que estará legalmente habilitado para atuar em nome do deficiente, assim como os poderes nos quais estarão investidos o curador (assistência ou representação) e os seus limites.

Ainda sobre essa temática, deve-se perquirir: qual a consequência jurídica da ausência de representação ou assistência na prática de um ato pelo deficiente que, por decisão judicial, deveria ser representado ou assistido?

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A princípio, como o deficiente é pessoa capaz, o ato é plenamen-te válido. Todavia, em nosso sentir, essa resposta torna a curatela do deficiente absolutamente inútil e não lhe garante a proteção jurídica a que visa o Estatuto. Assim, a vontade do deficiente capaz sob curatela, manifestada de per si, não será suficiente para a prática dos atos da vida civil, devendo o operador do Direito socorrer-se da aplicação analógica das disposições dos arts. 166, I, e 171, I, ambos do Código Civil. Nesse peculiar, o contrato assinado exclusivamente por deficiente capaz, mas sob curatela, será nulo se o juiz fixar em sentença que o curador o repre-senta (aplicação do art. 166, I, do CC por analogia) ou anulável se fixar que o assiste (aplicação do art. 171, I, do CC por analogia).

A rigor, na melhor hermenêutica jurídica, tratando-se de situações de invalidades – portanto, falamos de hipóteses excepcionais ao sistema que veicula como regra a capacidade civil –, a interpretação deveria ser restrita, sem emprego de analogia. Ocorre, porém, que, em virtude da aludida situação jurídica sui generis – que terá como fato gerador a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (“capazes sob curatela”) –, não se vislumbra outra saída, sob pena de se tornar inócuo o regime protetivo sugerido pela novel legislação.

Quanto à legitimidade para a promoção da medida judicial que definirá a curatela de pessoa capaz, há imbróglio decorrente de verda-deiro “abalroamento legislativo”, oriundo da entrada em vigor de duas legislações que se aniquilarão: o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o novo Código de Processo Civil.

Cumpre anotar, inicialmente, que cuidou o legislador para não falar de “interdição”, já que esta, naturalmente, só se refere a incapazes. Nesse contexto, a nova redação que o Estatuto dá ao caput do art. 1.768 do Código Civil suprimiu a palavra “interdição” e a substituiu por “pro-cesso que define os termos da curatela”.

O art. 1.768 passará a ter a seguinte redação: “O processo que define os termos da curatela deve ser promovido: I – pelos pais ou tuto-res; II – pelo cônjuge, ou por qualquer parente; III – pelo Ministério Pú-blico; IV – pela própria pessoa”. Os três primeiros incisos não sofreram qualquer alteração. Entrementes, o dispositivo ganha um quarto inciso, inovador pela possibilidade de a própria pessoa requerer a sua curatela.

A grande questão a ser observada é que o novo Código de Pro-cesso Civil (Lei nº 13.105/2015) expressamente revoga o art. 1.768 do

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Código Civil (art. 1.072, II), que é alterado pelo Estatuto. Isso porque o novo CPC, em seu art. 747, prevê quem pode promover a interdição: “I – pelo cônjuge ou companheiro; I – pelos parentes ou tutores; III – pelo representante da entidade em que se encontra abrigado p inter-ditando; III – pelo Ministério Público”.

Analisando a vacância de ambas as leis, exsurge situação terato-lógica. A vacatio legis do Estatuto é de 180 dias, contados a partir da publicação (7 de julho de 2015); e a vacatio do novo CPC é de 1 ano (publicação em 17 de março de 2015). Desse modo, por conclusão, a vida do art. 1.768 do Código Civil, com a redação dada pelo Estatuto, será curtíssima: em janeiro de 2016 entra em vigor o Estatuto e prevale-ce a nova redação do art. 1.768, que será revogado em março de 2016, subsistindo, a partir de março, o art. 747 do novo CPC. Notório, pois, o descuido do legislador nesse ponto.

Diante do exposto, foi possível concluir que a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, enraizado nos objetivos traçados pela Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, promoverá a reconfiguração de clássicos institutos e teorias do direito privado em prol de uma nova realidade jurídica das pessoas com defi-ciência. A toda evidência, não foi objetivo dessas linhas esgotar todos as implicações do Estatuto no direito positivo, mas apenas uma convoca-ção para reflexão dos proeminentes abalos sistêmicos que serão gerados em razão de sua entrada em vigor e, por consequência, a necessidade de cautela dos notários e registradores na prática dos atos de suas res-pectivas atribuições.

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Assunto Especial – Em Poucas Palavras

Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu Impacto no Código Civil

ANA CLARA CABRALAdvogada na Empresa Advocacia Cabral (69) 3443-6198, Professora da Faculdade de Rolim de Moura-Farol, Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho, em Direito Constitucional pela Unisul e em Direito Ambiental pela Unintes.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de ju-lho de 2015, também conhecida como Lei Romário) entrará em vigor a partir de janeiro de 2016 e altera alguns dispositivos do Código Civil (3º e 4º), visto que retira a pessoa com deficiência da categoria de incapaz.

Assim, os arts. 6º e 84 do referido estatuto consideram o deficiente como pessoa capaz para realizar atos da vida civil, criando o instituto da “tomada de decisão apoiada” e conservando o instituto da curatela, este último, em casos extraordinários, quando se tratar de realização de atos negociais ou patrimoniais.

A curatela, além de ser uma medida extraordinária, quando im-posta pelo Magistrado, deverá constar na sentença as razões e motiva-ções de sua definição, visando a preservar os interesses do curatelado.

Segundo o Estatuto, a “tomada de decisão apoiada” consiste no processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e as informações necessárias para que possa exercer sua capacidade.

Considera-se deficiente a pessoa que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

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O art. 3º do Código Civil trata dos absolutamente incapazes, entre eles a pessoa com deficiência mental que, por força do referido estatuto, estará revogado a partir de janeiro de 2016.

O mesmo ocorre com o art. 4º, também do Código Civil, que elen-ca o rol dos relativamente incapazes, entre eles o deficiente mental com discernimento reduzido e o excepcional sem desenvolvimento mental completo. Sendo assim, tais incisos também estarão revogados com a entrada em vigor do estatuto.

A pessoa incapaz é impedida de demandar nos Juizados Especiais, por força do art. 8º da Lei nº 9.099/1995. Entretanto, com o novo estatu-to, que retira a qualidade de incapaz, a pessoa com deficiência poderá propor demanda nos Juizados.

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Parte Geral – Doutrina

Avaliação Judicial da “Representação Adequada” das Entidades Legitimadas para as Ações Coletivas no Brasil – Estudo do Caso Julgado pelo STJ no REsp 1213614/RJ

DeMÓCRITO ReINALDO FILHOJuiz de Direito, Titular da 32ª Vara Cível do Recife.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Sistema jurídico brasileiro adota legitimação ope legis para as ações cole-tivas; 2 Necessidade de preservação dos interesses coletivos impede que o processo seja extinto por aspectos meramente formais; 3 Pertinência temática entre os interesses defendidos na demanda coletiva e os fins institucionais previstos no estatuto da entidade autora não podem ser exigidos de forma rigorosa; 4 Não se pode extinguir o processo coletivo sem proporcionar que outros legitimados assumam o polo ativo da demanda; Conclusões.

INTRODUÇÃO

No dia 8 do mês de outubro deste ano, foi divulgada notícia no site do STJ sob o título “Juiz pode rejeitar ação civil pública proposta por ‘associação de gaveta’”. Na notícia, constava afirmação atribuída ao Mi-nistro Luis Felipe Salomão de que ele lamenta que a legitimação coletiva venha sendo utilizada de forma indevida ou abusiva por algumas enti-dades, taxadas como “associações de gaveta”, que não têm origem na sociedade civil. A notícia refere-se ao julgamento do REsp 1213614/RJ, da relatoria do eminente ministro.

Em alguns blogs e grupos de discussão sobre temas jurídicos, a notícia foi recebida como um indicativo da introdução, por via preto-riana, do controle judicial da “representação adequada” das entidades que promovem ações coletivas. O acórdão referente ao recurso noticia-do só seria publicado semanas depois (em 26 de outubro), e talvez por isso tenha ajudado a difundir essa incorreta compreensão do alcance do julgado.

No entanto, examinando-se com atenção o caso julgado, pode ser mais bem compreendida a lógica de decidir do ministro relator, que apreciou um caso com circunstâncias peculiares, não se podendo tomá--lo como precedente no sentido de que o juiz pode e deve, em todo e

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qualquer caso, fazer um escrutínio das condições econômicas, da ca-pacidade técnica e da idoneidade da entidade autora da ação coletiva.

No presente trabalho, procura-se demonstrar que o nosso sistema jurídico não autoriza que o juiz, ao receber a petição inicial de uma ação coletiva, realize uma avaliação do preparo técnico, da capacidade econômica ou qualquer outra condição específica para o fim de conferir legitimidade para a propositura da demanda. A regra continua sendo a de que, para se propiciar o seguimento do processo coletivo, é preciso o preenchimento de requisitos objetivos (constituição da associação há pelo menos um ano e finalidade institucional da defesa dos interesses coletivos).

Observa-se que, no caso julgado pelo STJ, a entidade proponen-te era despida de qualquer caráter verdadeiramente associativo, motivo pelo qual o relator teve que recorrer à regra do art. 125, III, do CPC, que diz que o juiz deve reprimir “ato atentatório à dignidade da Justiça”, para, no caso concreto, negar legitimidade à associação autora.

É certo afirmar que o acórdão revela que não cuidou de examinar as condições da autora para a defesa dos interesses coletivos, mas de constatar que quem promoveu a ação não era, de fato, uma associação, mas apenas um ente constituído sob a forma associativa.

Adiante o caso é dissecado em maiores detalhes.

1 SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ADOTA LEGITIMAÇÃO OPE LEGIS PARA AS AÇÕES COLETIVAS

Efetivamente, o acórdão mencionado representa um caso em que o tribunal indicou a intenção de realizar o controle da “representação adequada” de entidades autoras de ações coletivas. Não se sabe se o Ministro Luis Felipe Salomão (e os ministros que o acompanharam) te-nham se influenciado pela doutrina e jurisprudências norte-americanas, em que o exame da “legitimação adequada” para as ações coletivas (as class actions) é feita pelo juiz.

Mas é preciso advertir que o nosso sistema processual é diferente do norte-americano. Aqui são algumas entidades e associações (pessoas jurídicas), definidas por lei, que podem promover, com exclusividade, a ação coletiva. Lá nos Estados Unidos, inclusive pessoas físicas podem promover a ação e pedir para que ela seja “certificada” como uma ação coletiva (class action). O juiz, numa fase preliminar, faz então o exame da “representatividade adequada”, inclusive verificando se o corpo de

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advogados tem a expertise necessária para conduzir o caso, tudo isso com a preocupação de não prejudicar o conjunto ou a coletividade de consumidores (em caso de insucesso na demanda). Somente quando o juiz se assegura de que a parte autora representa adequadamente os interesses coletivos é que ele “certifica” a ação como uma class action (ação coletiva); não sendo a hipótese, ela segue tramitando como uma ação individual.

No sistema processual brasileiro, a legitimação para propor ação coletiva decorre da lei (ope legis); é a lei que estabelece os legitimados e indica os requisitos para a atuação judicial em processo coletivo. A lei já se encarregou de, previamente, avaliar a capacidade dos entes que legitimou para conduzir as ações coletivas. O nosso sistema, portanto, é diferente do das class actions estadunidense, onde existe a possibilidade de aferição pelo magistrado acerca da adequação da representação do ente legitimado, como forma de garantir um processo que efetivamente tutele os interesses coletivos. Como requisito de desenvolvimento pro-cessual válido, é preciso que o juiz se convença de que o autor possa defender adequadamente os interesses coletivos que estão em jogo no processo. A isso se dá o nome de representação adequada, cuja prin-cipal consequência é tornar a legitimidade nas ações coletivas em ope iudicis. Como explica Antonio Gidi:

De acordo com o Direito americano, para que uma ação coletiva seja aceita, o juiz precisa estar convencido, entre outras coisas, de que o representante possa representar adequadamente os interesses do gru-po em juízo. Esse é, sem dúvida, o aspecto mais importante das class actions americanas, tanto do ponto de vista teórico como prático.1

Todavia, o instituto da representação adequada não se aplica ao direito processual coletivo brasileiro, já que a legitimidade é conferida a associações (e outras pessoas jurídicas). Os requisitos da pré-consti-tuição e da pertinência temática, previstos nos arts. 82, IV, CDC, e 5º, V, da LACP, não revelam a importação pura da construção doutrinária alienígena. A esse respeito, discorre Pedro da Silva Dinamarco:

Entre nós não existe um verdadeiro requisito da representatividade ade-quada para que os legitimados possam ajuizar uma ação civil pública, ao contrário do que sustentam alguns doutrinadores. Dizem eles que as

1 GIDI, Antonio. A representação adequada nas ações coletivas brasileiras: uma proposta. Disponível em: www.abdpc.org.br.

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associações teriam de demonstrar essa qualidade mediante tempo mí-nimo de constituição e autorização expressa em seus estatutos ou por deliberação em assembleia. [...] Entretanto, esse requisito nada tem que ver com a representatividade adequada, que exprime um conjunto de fatores que demonstrariam concretamente ao juiz, durante todo o curso do processo, ser o autor pessoa idônea, que irá despender eficazmente todos os esforços necessários para a defesa dos interesses das pessoas ausentes do processo. Por outro lado, aquela autorização interna da as-sociação é apenas requisito abstrato para que esteja plenamente satis-feita a legitimidade extraordinária em cada caso, não significando que a entidade irá realmente defender de forma adequada os interesses dos substituídos.2

O próprio Ministro Luis Felipe Salomão reconheceu (na ementa e voto do REsp 1213614/RJ) que, embora constasse do projeto que cul-minou na Lei nº 7.347/1985, a verificação judicial da “representação adequada” foi eliminada do texto durante a tramitação no Congresso, restando tão somente a verificação de requisitos objetivos (constituição há pelo menos um ano e finalidade institucional da defesa dos interesses coletivos) para se propiciar o seguimento do processo coletivo. Confira--se o seguinte trecho:

3. É digno de realce que, muito embora o anteprojeto da Lei nº 7.347/1985, com inspiração no Direito norte-americano, previa a ve-rificação da representatividade adequada das associações (adequacy of representation), propondo que sua legitimação seria verificada no caso concreto pelo juiz; todavia, essa proposta não prevaleceu, pois o legis-lador optou por indicar apenas quesitos objetivos (estar constituída há pelo menos 1 (um) ano e incluir, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à li-vre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico).

Com efeito, o legislador instituiu referidas ações visando a tutelar inte-resses metaindividuais, partindo da premissa de que são, presumivel-mente, propostas em prol de interesses sociais relevantes ou, ao menos, de interesse coletivo, por legitimado ativo que se apresenta, ope legis, como representante idôneo do interesse tutelado. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do pa-

2 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 201-202.

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trimônio cultural e dos consumidores – Lei nº 7.347/1985 e legislação complementar. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 430)

Existem autores, entretanto, que, sob a justificativa de evitar que associações sem qualquer seriedade e conhecimento técnico manejem processos coletivos e terminem por prejudicar o interesse de todo um grupo de pessoas, defendem o reconhecimento do instituto da legitima-ção adequada no ordenamento pátrio, como é o caso da Professora Ada Pelegrini Grinover, que alerta:

Todavia, problemas práticos têm surgido pelo manejo de ações cole-tivas por parte de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não apresentam a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produ-zir uma defesa processual válida, dados sensíveis esses que constituem as características de uma “representatividade” idônea e adequada. [...] Para casos como esse é que seria de grande valia reconhecer ao juiz o controle sobre a legitimação, em cada caso concreto, de modo a possi-bilitar a inadmissibilidade da ação coletiva, quando a “representativida-de” do legitimado se demonstrasse inadequada.3

Essa preocupação, todavia, não leva em consideração uma nu-ance importante que distingue o sistema de tutela judicial coletiva bra-sileira do das class actions: os membros individuais de um grupo não são atingidos por eventual sentença desfavorável em processo coletivo (art. 103 do CDC). Como adverte Vinicius Marques Rosa Emygdio:

Há um detalhe, pois, de suma importância que não pode ser desconside-rado: enquanto no direito estrangeiro narrado acima a coisa julgada na ação coletiva alcança toda a classe envolvida no litígio, independente do seu resultado, no direito pátrio a extensão dos efeitos da decisão é miti-gada, uma vez que, em regra, a sentença desfavorável não prejudica a demanda individual. E em função disso não há por que atribuir ao julga-dor a função de avaliar a legitimação do autor da demanda (substituto), uma vez que, além de tal tarefa já ter sido realizada pelo legislador, as consequências advindas da má condução processual não obstarão que os membros da coletividade pleiteiem individualmente seus direitos.4

3 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. Revista Forense, 301, p. 3-12.

4 Breves considerações sobre a representatividade adequada e os limites subjetivos da coisa julgada nos processos coletivos. Artigo publicado no site Jurisway, em 14.04.2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3900>.

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Como se observa, é injustificável a preocupação judicial relativa-mente a aspectos como “credibilidade”, “capacidade econômica” ou mesmo “conhecimento técnico-científico” da associação que promove uma ação coletiva. O que importa é que ela preencha os requisitos exigi-dos em lei para que seja considerada parte legítima para propor a ação.

Ainda existe outra característica do sistema processual brasileiro que justifica afastar o controle judicial da legitimidade (adequada) para a propositura de uma ação coletiva. É que no nosso sistema é conferi-da ao Ministério Público a função de fiscal da lei no processo coletivo (art. 5º, § 1º, da Lei nº 7.347/1985), sendo-lhe facultado, inclusive, as-sumir a titularidade da demanda em caso de desistência ou abandono da causa (art. 5º, § 3º). Além disso, a lei permite que o Poder Público e outras associações legitimadas possam ingressar no processo coletivo como litisconsortes da parte (associação) autora, em defesa dos interes-ses da coletividade (art. 5º, § 2º).

Como se observa, a verificação judicial da representação adequa-da não se coaduna com o ordenamento processual coletivo vigente no Brasil.

2 NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES COLETIVOS IMPEDE QUE O PROCESSO SEJA EXTINTO POR ASPECTOS MERAMENTE FORMAIS

Como se explicou acima, no sistema processual brasileiro, a legi-timação para propor ação coletiva decorre da lei (ope legis); é a lei que estabelece os legitimados e indica os requisitos para a atuação judicial em processo coletivo.

O caso julgado pelo Ministro Luis Felipe Salomão (relator do REsp 1213614/RJ) foi de uma excepcionalidade a toda vista, não sig-nificando que tenha introduzido, por via pretoriana, instituto parecido com a “representação adequada” do Direito norte-americano, em que o juiz faz uma avaliação prévia, casuisticamente, das condições da pessoa autora da ação coletiva. É certo que, em trecho da ementa do acór-dão e do seu voto, o ministro destacou ser “plenamente possível que, excepcionalmente, de modo devidamente fundamentado, o Magistrado exerça, mesmo que de ofício, o controle de idoneidade (adequação da representação) para aferir/afastar a legitimação ad causam de associa-ção”. Mas, estudando-se as peculiaridades do caso, vê-se que o Ministro não pretendeu que, em cada caso, o juiz faça uma avaliação prévia das

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condições da entidade autora de uma ação coletiva, sob os aspectos da capacidade técnica ou econômica.

Com efeito, o ministro foi buscar fundamento no art. 125, III, do CPC, que diz que o juiz deve reprimir “ato atentatório à dignidade da Justiça”, para, no caso concreto, negar legitimidade à associação autora. É que o caso envolvia circunstância gravíssima, em que a entidade au-tora não era propriamente uma “associação”, mas apenas uma pessoa jurídica criada formalmente sob essa moldura, que, na verdade, poderia servir como artifício de atuação para interesse de um único advogado, sem qualquer atividade associativa aparente. O ministro destacou dado revelador apurado na corte de origem, de que todos os associados da entidade proponente tinham domicílio em um único local, circunstância que “já mostra indícios de algo que deve ser apurado”.

Como se observa, fica fácil perceber que as peculiaridades do caso julgado denotavam uma situação extrema, de uma associação apenas formal, chamada “associação de gaveta”, sem qualquer atividade co-nhecida ou registrada, em que os sócios apenas emprestaram seus no-mes para sua constituição, tanto que têm um único domicílio. O minis-tro considerou, assim, que permitir uma “associação” com esse nível de aparência artificiosa possa movimentar a máquina judiciária, com isen-ção de custas e outros benefícios, atenta contra a dignidade da Justiça.

Mas isso não significa, como se disse, que se torne regra, em pro-cessos coletivos, de o juiz fazer uma avaliação prévia das condições da entidade autora, seja do ponto de vista técnico, operacional ou econô-mico. As condições exigidas pelo nosso ordenamento jurídico são obje-tivas, bastando que a associação seja constituída há pelo menos um ano e que tenha, entre seus fins institucionais, a defesa de interesses dos con-sumidores ou das matérias previstas para o manejo da ação civil pública (art. 82, IV, do CDC, e art. 5º, V, da Lei nº 7.347/1985).

Por outro lado, a atribuição de poder ao Magistrado de dizer, em todo e qualquer caso, quem é o legitimado para propor a ação coleti-va poderia enfraquecer o microssistema processual de defesa coletiva de interesses em juízo. Pequenas associações ou com poucos anos de constituição, ou por qualquer outro motivo, poderiam ser impedidas de litigar em juízo em defesa de interesses coletivos, o que redundaria num enfraquecimento do sistema coletivo de defesa de direitos. E não foi isso o que pretendeu o legislador brasileiro.

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A tendência processual, inclusive representada com a aprovação no Congresso do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), é da facilitação e am-pliação da utilização das ações coletivas. O novo CPC influencia o mi-nissistema de processo coletivos, caracterizando-se por uma tendência à coletivização dos processos individuais. Portanto, uma concepção res-tritiva à legitimação das entidades autoras dos processos coletivos repre-sentaria um retrocesso nessa tendência processual.

O próprio Ministro Luis Felipe Salomão teve a preocupação de evitar que seu julgado seja utilizado com concepção restritiva, ao dizer que eventual controle excepcional da legitimação para a ação coletiva só pode ocorrer “contanto que não seja exercido de modo a ferir a ne-cessária imparcialidade inerente à magistratura, e sem que decorra de análise eminentemente subjetiva do juiz, ou mesmo de óbice meramen-te procedimental”.

Realmente, não se deve impedir o trânsito de uma ação coletiva por concepções formais que não decorram expressamente do texto da lei. Além disso, permitir a apreciação das condições da pessoa autora de uma ação coletiva pelo juiz, como condição de procedibilidade, ge-raria uma insegurança jurídica tremenda, dado o grau de subjetivismo na análise individual feita por cada Magistrado, em prejuízo, repita-se, do sistema coletivo de defesa de direitos e em violação ao art. 170, V, da CF, que coloca a “defesa do consumidor” como princípio da ordem econômica nacional.

A extinção do processo coletivo, sob o fundamento da ilegitimi-dade da parte autora, só deve ser adotada em último caso, diante de cir-cunstâncias excepcionais que comprometam a própria defesa do direito que se pretende tutelar por meio da ação, nunca por questões meramen-te formais.

As ações coletivas, em sintonia com o disposto no art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, ao propiciar a facilitação da tutela dos direi-tos individuais homogêneos dos consumidores, viabilizam otimização da prestação jurisdicional, abrangendo toda uma coletividade atingida em seus direitos.5

Nesse sentido, o alto grau de importância e valor social de que são dotadas as ações coletivas faz com que “o Poder Judiciário deva se

5 Ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 1213614/RJ.

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esmerar em, sempre que possível, ser condescendente na análise de as-pectos relativos ao conhecimento das ações, deixando de lado o apego ao formalismo”, como advertiu o Ministro Mauro Campbell Marques6.

A importância social das ações coletivas faz com que o juiz deva sempre procurar uma prestação jurisdicional relacionada com o próprio direito material em causa, ou seja, em sede de processo coletivo prevalece o “princípio da primazia do conhecimento do mérito”, como lembrou o Ministro Mauro Campbell Marques no julgamento do REsp 1177453/RS, ao enxergar, na regra do § 4º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, indicativo da adoção desse princípio:

Normas específicas do microssistema em comento e indicativas do que a doutrina contemporânea convencionou chamar de princípio da pri-mazia do conhecimento do mérito do processo coletivo é o próprio art. 5º, § 4º, da Lei nº 7.347/1985, que é especialização do princípio da instrumentalidade das formas (art. 154 do CPC).

Por ter o juiz que buscar quase sempre, no processo coletivo, con-ferir uma jurisdição voltada à resolução do mérito, a criação de uma jurisprudência defensiva, com a colocação de obstáculos ao exame do mérito do processo, traduz um empecilho ao acesso efetivo ao Judiciá-rio. A colocação de empecilhos formais de toda ordem ao exame do mérito acaba por contrariar o direito fundamental de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF), aqui compreendido como garantia de acesso aos resultados que o processo se dirige e, pois, garantia de obtenção de pro-nunciamentos de mérito e de satisfação prática do direito substancial.

Nesse sentido, é inadmissível a extinção de um processo coleti-vo com fundamento exclusivamente na circunstância de o estatuto da associação proponente ser “excessivamente genérico”, por exemplo. O princípio da primazia do conhecimento do mérito, que, na verdade, é uma faceta ou decorre do princípio da instrumentalidade das formas (art. 154 do CPC)7, impede que, na demanda coletiva, se busque num formalismo exagerado justificativa para extinguir o processo, afetando a conquista de um direito difuso ou coletivo. Ainda que um requisito de admissibilidade para a causa não esteja completamente implementado,

6 No julgamento do REsp 1177453/RS, como relator na 2ª Turma, em 24.08.2010, DJe 30.09.2010.7 “Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expres-

samente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”

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deve-se buscar a superação de um formalismo exagerado, tendo em vis-ta os benefícios incomensuráveis que a ação coletiva pode trazer para um conjunto de pessoas indeterminadas. Essa é a lição de Rhennan Faria Thamay, quando discorre sobre o princípio da primazia do conhecimen-to do mérito no processo coletivo:

Com esse princípio o que se pretende é de plano o conhecimento da questão de fundo, ou seja, da matéria que se está a discutir, analisando--se o mérito do debate por mais que haja a ausência de um dos requi-sitos necessários à admissibilidade da demanda, sendo essa uma das formas de superar o formalismo que veda todo e qualquer acesso ao Judiciário quando os referidos requisitos não estejam totalmente imple-mentados. [...]

Com esse princípio o que se busca é, por toda a importância das de-mandas coletivas, dar seguimento às ações coletivas propostas, visan-do conhecer seu mérito e toda a discussão e não, simplesmente, acabar com a demanda por ausência de algum dos requisitos necessários à sua admissibilidade, desde que não causem prejuízo por lógico.

Isso é relevante pela natureza das demandas coletivas, já que podem “salvar” milhares de consumidores e cidadãos de incorretas cobranças ou ainda de procedimentos incorretos que se passem, ou até pior de infrações ambientais de alta gravidade, não devendo, e muito menos podendo, serem essas demandas afastadas por mero formalismo que po-derá ser superado, visto que o mérito da questão debatida é que será nesse caso relevante, já que a repercussão é social e atingirá, em regra, a um grande grupo determinado de pessoas ou até a um grupo indeter-minado. Por tudo isso é que esse princípio apregoa a superação das for-malidades desprestigiadoras, para sim buscar levar ao Poder Público o conhecimento das mais diversas lesões que todos os dias se dão em um meio social fragilizado e por vezes esquecido.8

Fica evidente, assim, em face dos princípios que regem o processo coletivo e da importância social que as demandas coletivas adquirem, que não se deve realizar a extinção do processo com fundamentos de ordem estritamente formais. Não é compatível com a natureza do pro-cesso coletivo, por exemplo, extinguir a demanda diante de uma ligeira discrepância entre as finalidades estatutárias e a natureza do direito que

8 No artigo “Princípios do processo coletivo”. Disponível em: <http://rennankrugerthamay.blogspot.com.br/2012/05/os-principios-do-processo-coletivo.html>.

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se procura preservar e, muito menos, invocar-se uma “excessiva genera-lidade” do estatuto da associação autora.

Mesmo nos países em que a legitimação para a propositura da ação coletiva é apreciada ope judicis, a análise das condições dos titu-lares da demanda ou da “representação adequada” não é feita inspirada em motivações ou argumentos formais ou com o intuito de restringir o transcurso da ação como uma demanda coletiva, para extingui-la, mas preponderantemente para garantir que os interesses relevantes que estão em jogo sejam devidamente defendidos e preservados.

Os próprios doutrinadores brasileiros citados pelo Ministro Luis Felipe Salomão em seu voto e que defendem a possibilidade excepcio-nal do controle judicial da “legitimação adequada” ressaltam que esse controle deve ser feito de forma a verificar se a entidade que propõe a ação tem capacidade para atuar em defesa do grupo:

Se, de um lado, deve o Magistrado abster-se de impor óbices meramen-te procedimentais aos representantes adequados dos direitos coletivos, compete-lhe, de outra face, exercer o controle da representatividade com o fito de impedir a iniciativa de entes desprovidos de capacidade para atuar em defesa do grupo. Do mesmo modo que não seria justo cercear o acesso à justiça de legitimados dotados de representativida-de, também não se poderia permitir que os direitos coletivos fossem de-fendidos por entes que desconhecessem os reais interesses da coletivi-dade ou que não estivessem aptos a tutelá-los de maneira satisfatória. (DIDIER JÚNIOR, Fredie; MOUTA, José Henrique; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Tutela jurisdicional coletiva: 2ª série. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 173-174)

A preocupação, portanto, mesmo para aqueles que admitem em caráter excepcional a análise judicial da “representação adequada” da entidade autora da demanda coletiva, é com a “defesa satisfatória” dos interesses do grupo, para evitar que associações sem condições técnicas e sem qualquer credibilidade possam terminar prejudicando a defesa dos interesses coletivos. Não se deve colocar óbices meramente formais à legitimação para atuação ativa em demanda coletiva, extinguindo o processo e trazendo, com isso, consequências sociais indesejáveis. O que parte da doutrina admite que pode ser feito, de forma excepcional, é uma análise da capacidade jurídica e técnica da entidade proponente, para a defesa dos direitos tutelados.

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3 PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE OS INTERESSES DEFENDIDOS NA DEMANDA COLETIVA E OS FINS INSTITUCIONAIS PREVISTOS NO ESTATUTO DA ENTIDADE AUTORA NÃO PODEM SER EXIGIDOS DE FORMA RIGOROSA

O argumento de que o estatuto de uma associação é “excessiva-mente genérico”, desatrelado de qualquer outro que aponte para uma efetiva fragilidade técnica ou operacional da entidade, é de ordem ex-clusivamente formal, devendo prevalecer a presunção legal da legitimi-dade do titular da ação coletiva. Esse argumento não pode ser utilizado para o juiz se livrar de enfrentar o mérito da demanda. Não pode o Ma-gistrado, só por um estatuto ser genérico, impedir que uma associação devidamente capacitada, idônea e com reconhecida visibilidade social em um determinado setor ingresse em juízo com uma ação coletiva.

Basta um pequeno elo de ligação entre a atuação da entidade au-tora com a matéria e a natureza dos direitos defendidos na ação, para atribuir-lhe legitimidade ativa (ad causam). Isso porque a pertinência te-mática que se exige não deve ser extremamente rigorosa, sob pena de se formar uma concepção prejudicial à defesa coletiva de interesses em ju-ízo. É preciso tão somente que a pertinência seja razoável, que a atuação processual revele alguma relação com a vida institucional da entidade proponente da demanda coletiva, mas nunca o rigorismo exagerado de uma concepção restritiva, porque isso terminaria redundando em prejuí-zo do sistema de defesa coletiva de interesses, como advertiu o Ministro Luiz Fux, no julgamento do AgRg-REsp 901.936/RJ, assim ementado:

Processual civil. Administrativo. Ação civil pública. Legitimatio ad causam do sindicato. Pertinência temática. Ausência de intimação do Ministério Público Federal nas instâncias ordinárias. Prejuízo inde-monstrado. Nulidade inexistente. Princípio da instrumentalidade das formas. [...] 2. A pertinência temática é imprescindível para configurar a legitimatio ad causam do sindicato, consoante cediço na jurisprudên-cia do eg. STF na ADIn 3472/DF, Sepúlveda Pertence, DJ 24.06.2005 e ADI-QO 1282/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 29.11.2002 e do STJ: REsp 782961/RJ, desta relatoria, DJ 23.11.2006, REsp 487.202/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 24.05.2004. 3. A repre-sentatividade adequada sob esse enfoque tem merecido destaque na doutrina; senão vejamos: “[...] A pertinência temática significa que as associações civis devem incluir entre seus fins institucionais a defe-sa dos interesses objetivados na ação civil pública ou coletiva por elas propostas, dispensada, embora, a autorização de assembleia. Em outras palavras, a pertinência temática é a adequação entre o objeto da ação

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e a finalidade institucional. As associações civis necessitam, portanto, ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse tran-sindividual que pretendam tutelar em juízo. Entretanto, essa finalidade pode ser razoavelmente genérica; não é preciso que uma associação civil seja constituída para defender em juízo especificamente aquele exato interesse controvertido na hipótese concreta. Em outras palavras, de forma correta já se entendeu, por exemplo, que uma associação ci-vil que tenha por finalidade a defesa do consumidor pode propor ação coletiva em favor de participantes que tenham desistido de consórcio de veículos, não se exigindo tenha sido instituída para a defesa especí-fica de interesses de consorciados de veículos, desistentes ou inadim-plentes. Essa generalidade não pode ser, entretanto, desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a exigência de representati-vidade adequada do grupo lesado. [...] 11. Agravo regimental despro-vido, restando prejudicado o exame dos pedidos formulados na Petição nº 00103627 (fls. 2042/2050) e na Petição nº 00147907 (fls. 2051/2052), haja vista que exaustivamente examinados no presen-te agravo regimental. (AgRg-REsp 901.936/RJ, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 16.10.2008, DJe 16.03.2009)

4 NÃO SE PODE EXTINGUIR O PROCESSO COLETIVO SEM PROPORCIONAR QUE OUTROS LEGITIMADOS ASSUMAM O POLO ATIVO DA DEMANDA

É importante chamar a atenção para o fato de que, no julgamento do REsp 1213614/RJ, o Ministro Luis Felipe Salomão somente adotou a solução pela extinção do processo coletivo porque tinha outro mo-tivo para fazê-lo. É que, na instância de origem, o processo havia sido extinto por outro motivo, além da alegada ilegitimidade ad causam da associação autora da ação coletiva. O Magistrado sentenciante, no que foi seguido pelo acórdão do TRF da 2ª Região, entendera que não ha-via utilidade na demanda, daí ter extinto o processo também pela falta de interesse de agir. O Ministro Luis Felipe destacou em seu voto (e na ementa do acórdão no STJ) que decidira pela solução da extinção do processo coletivo também com esse segundo fundamento, ou seja, de que, além da ilegitimidade da parte autora, faltava uma outra condição da ação, o interesse processual, nestes termos:

8. Outrossim, em reforço de argumento, além da ausência de legitimi-dade, fica patente a inexistência de outra condição da ação – interesse de agir – a igualmente atrair a incidência do art. 267, VI, do CPC (dis-positivo tido por violado), pois, como relatado, em petição incidental

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formulada às fls. 392-395, a própria recorrente, na mesma linha da tese suscitada em contrarrazões pela Caixa, reconhece que, em vista do pre-cedente contido no REsp 1.070.896/SC, a questão de fundo encontra-se “fulminada pela prescrição”, não vislumbrando a possibilidade de vir a ser enfrentada no processo, visto que a presente ação coletiva foi ajui-zada após o prazo quinquenal.

Tal constatação leva à conclusão de que, no caso julgado pelo STJ, provavelmente o relator não tivesse acatado a extinção do proces-so coletivo se fosse apenas pela ilegitimidade da parte autora. Como o relator vislumbrou que, de qualquer maneira, o processo não poderia seguir ante a evidente falta de utilidade para a coletividade, aí manteve a extinção decretada nas instâncias ordinárias.

As particularidades que o caso julgado pelo STJ apresenta reforça a ideia de ser mínima a possibilidade de extinção sumária de um processo coletivo por fundamento exclusivo na “inadequada representação” da parte autora. Geralmente as ações coletivas envolvem interesse social relevante, seja pela dimensão ou característica do dano aos interesses de uma coletividade, seja pela relevância do bem jurídico a ser protegido, situação que, inclusive, dispensa o requisito temporal da constituição da associação autora (pelo prazo mínimo de um ano – art. 5º, § 4º, da Lei nº 7.347/1985). A relevância de um processo com tamanha projeção social e repercussão em termos de benefícios que pode gerar a núme-ro grande de pessoas praticamente impede a sua extinção com funda-mento exclusivo em ilegitimidade da parte autora. Ainda que o ente que promove a ação possa eventualmente não preencher os requisitos de legitimação (dispostos no art. 82, IV, do CDC, e art. 5º, V, da Lei nº 7.347/1985), o Magistrado processante do feito não pode simples-mente adotar solução pela extinção do processo, pois tem que oportu-nizar a assunção da causa por outros legitimados, conforme já decidiu o STJ no julgamento do REsp 1177453/RS, assim ementado:

Processual civil. Ação civil pública. Microssistema de tutela de direitos coletivos (em sentido lato). Ilegitimidade ativa. Aplicação, por analo-gia, dos arts. 9º da Lei nº 4.717/1965 e 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/1985. Possibilidade. Abertura para ingresso de outros legitimados para ocupar o polo ativo da demanda. Extinção sem resolução de mérito. Medida de ultima ratio. Observação compulsória das regras de distribuição de competência absoluta. [...] 5. De acordo com a leitura sistemática e te-leológica das Leis de Ação Popular e Ação Civil Pública, fica evidente

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que o reconhecimento da ilegitimidade ativa para o feito jamais pode-ria conduzir à pura e simples extinção do processo sem resolução de mérito. 6. Isto porque, segundo os arts. 9º da Lei nº 4.717/1965 e 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/1985, compete ao Magistrado condutor do feito, em caso de desistência infundada, abrir oportunidade para que outros interessados assumam o polo ativo da demanda. 7. Embora as referi-das normas digam respeito aos casos em que parte originalmente legíti-ma opta por não continuar com o processo, sua lógica é perfeitamente compatível com os casos em que faleça legitimidade a priori ao autor. Dois os motivos que levam a esta assertiva. 8. Em primeiro lugar, cola-cione-se um motivo dogmático evidente, que diz respeito ao valor es-sencialmente social que impregna demandas como a presente, a fazer com que o Poder Judiciário deva se esmerar em, sempre que possível, ser condescendente na análise de aspectos relativos ao conhecimento das ações, deixando de lado o apego ao formalismo. 9. Normas espe-cíficas do microssistema em comento e indicativas do que a doutrina contemporânea convencionou chamar de princípio da primazia do conhecimento do mérito do processo coletivo é o próprio art. 5º, § 4º, da Lei nº 7.347/1985, que é especialização do princípio da instrumen-talidade das formas (art. 154 do CPC). Excertos de doutrina especiali-zada. [...] 15. Recurso especial não provido. (REsp 1177453/RS, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 24.08.2010, DJe 30.09.2010)

Esse julgado retrata como nenhum outro o “princípio da indisponi-bilidade da demanda coletiva”, que significa que, ante o interesse públi-co de que se revestem as demandadas coletivas, nem sequer a parte que a promove tem disponibilidade sobre ela. Rennan Faria Thamay explica que essa nota da indisponibilidade diferencia o processo coletivo do processo individual, ao dizer:

Contrariamente ao princípio da disponibilidade da demanda na via do processo civil individual, o processo coletivo perpassa naturalmente pelo princípio da indisponibilidade, já que a demanda coletiva não de-pende da vontade das partes, mas, sim, da necessidade social de sua propositura.

Nesse ponto o que se tornará perceptível é que a demanda coletiva in-depende da vontade das partes, visto que há aqui o interesse público que deve prevalecer, sempre observando os critérios de conveniência e oportunidade.

Não há no processo coletivo a facultas agendi que existe no processo civil tradicional individualista, pois há, sim, uma natural indisponibili-

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dade do interesse público, o que obriga aos órgãos públicos a tomarem as devidas medidas. Nesse caso o Ministério Público é que deve agir.9

CONCLUSÕES

1ª) No sistema processual brasileiro, a legitimação para propor ação coletiva decorre da lei (ope legis); é a lei que estabe-lece os legitimados e indica os requisitos para a atuação ju-dicial em processo coletivo. A lei já se encarregou de, pre-viamente, avaliar a capacidade dos entes que legitimou para conduzir as ações coletivas. Assim, para ser atestada sua le-gitimidade ad causam, basta que a associação seja constitu-ída há pelo menos um ano e que tenha entre seus fins ins-titucionais a defesa de interesses dos consumidores ou das matérias previstas para o manejo da ação civil pública (art. 82, IV, do CDC, e art. 5º, V, da Lei nº 7.347/1985).

2ª) É injustificável a preocupação judicial relativamente a aspec-tos como “credibilidade”, “capacidade econômica” ou mesmo “conhecimento técnico-científico” da associação que promove uma ação coletiva. O que importa é que ela preencha os requi-sitos exigidos em lei para que seja considerada parte legítima para propor a ação.

3ª) O que ficou assentado no julgamento do REsp é que o juiz pode negar legitimidade quando quem promove a ação não é de fato uma associação, mas apenas um ente constituído sob a forma associativa, porque, nesse caso, considera-se atentatório à dignidade da Justiça permitir que pessoa jurídica com esse ní-vel de aparência artificiosa (verdadeira “associação de gaveta”) possa ser admitida para movimentar a máquina judiciária, com isenção de custas e outros benefícios.

4ª) Não se deve colocar óbices meramente formais à legitimação para atuação ativa em demanda coletiva, extinguindo o proces-so e trazendo, com isso, consequências sociais indesejáveis. O princípio da primazia do conhecimento do mérito, que, na ver-dade, é uma faceta ou decorre do princípio da instrumentalida-de das formas (art. 154 do CPC), impede que na demanda co-letiva se busque num formalismo exagerado justificativa para

9 Ob. cit.

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extinguir o processo, afetando o reconhecimento de um direito difuso ou coletivo. Ainda que um requisito de admissibilidade para a causa não esteja completamente implementado, deve--se buscar a superação de um formalismo exagerado, tendo em vista os benefícios incomensuráveis que a ação coletiva pode trazer para um conjunto de pessoas indeterminadas. A coloca-ção de empecilhos formais de toda ordem ao exame do mérito acaba por contrariar o direito fundamental de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF) e enfraquece o sistema coletivo de defesa de direitos, em violação ao art. 170, V, da CF, que coloca a “defesa do consumidor” como princípio da ordem econômica nacional.

5ª) Em relação à pertinência temática, basta um pequeno elo de ligação entre a atuação da entidade autora com a matéria e a natureza dos direitos defendidos na presente ação, para atri-buir-lhe legitimidade ativa (ad causam). Isso porque a pertinên-cia temática que se exige (no art. 82, IV, do CDC, e art. 5º, V, da Lei nº 7.347/1985) não deve ser extremamente rigorosa, sob pena de se formar uma concepção prejudicial à defesa coletiva de interesses em juízo. É preciso tão somente que a pertinência seja razoável, que a atuação processual revele alguma relação com a vida institucional da entidade proponente da demanda coletiva, mas nunca o rigorismo exagerado de uma concepção restritiva, porque isso terminaria redundando em prejuízo do sistema de defesa coletiva de interesses. Não pode o Magis-trado, só por um estatuto ser genérico, impedir que uma as-sociação devidamente capacitada, idônea e com reconhecida visibilidade social em um determinado setor ingresse em juízo com uma ação coletiva.

6ª) Em face da relevância social e repercussão em termos de bene-fícios que pode gerar a número grande de pessoas, não se pode promover a extinção do processo coletivo com fundamento ex-clusivo em ilegitimidade da parte autora sem antes proporcionar a assunção do polo ativo por outros entes legitimados, em atenção ao princípio da indisponibilidade da demanda coletiva (art. 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/1985).

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Parte Geral – Doutrina

Déficit de Substância e Déficit de Eficácia no Ato Jurídico – Competência Jurisdicional – Implicações

JOSÉ BASÍLIO gONÇALVeSPós-Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso, Procurador de Justiça em Mato Grosso.

RESUMO: No meio forense, quase que nenhuma importância se tem dado ao fenômeno “inexistên-cia jurídica”. Sempre que é necessário lidar com as deficiências do ato jurídico, fala-se no vício de nulidade, desconsiderando-se, muitas vezes, o fenômeno verdadeiramente ocorrente. O ato jurídico é parcial ou totalmente ineficaz quando afetado por nulidade. É suscetível de perda de eficácia, total ou parcialmente, quando afetado por anulabilidade. Nulidade e anulabilidade, pois, são fatores que qualificam o ato jurídico negativamente. Assim como a existência do adjetivo depende da do subs-tantivo a que qualificar, a da nulidade ou anulabilidade depende da do ato jurídico a que viciar. Trata--se de lei imperante em todos os âmbitos da realidade. O animal natimorto – equivalência de ato nulo para o Direito – é algo que existe. Tanto que é suscetível de identificação pela espécie e raça. Não é possível negar-lhe uma existência material suficiente a possibilitar a constatação de que certo exem-plar de certa espécie e raça nasceu sem vida. O predicativo verbal “morto” impede que se afirme a “inexistência” do exemplar sem vida. Se fosse um nada, não haveria como considerá-lo “morto”. Ao contrário, se o que se tem é apenas parte de um ser esperado, produto de uma gestação insu-ficiente, a existência específica não se caracteriza. Ninguém consegue enxergar um cão natimorto na fração animal expulsada do órgão gerador, mas apenas um projeto inacabado da espécie canina. Impossível tê-lo como animal morto. O mesmo se dá com o ato jurídico. Quando apenas projetado ou parcialmente construído, não admite o tratamento apropriado à espécie que deveria configurar, mesmo sob o aspecto da falta de eficácia. Juridicamente, é um nada, pois carece de requisito(s) existencial(ais). Para ser ineficaz, o ato jurídico precisa revelar integração plena, segundo a espécie pretendida, de modo a evidenciar que um óbice externo o impede de produzir os efeitos almejados. Apresenta todos os requisitos existenciais, mas carece de um ou alguns dos requisitos de validade, sempre uma permissão legal, seja quanto a si mesmo, seja quanto a um detalhe de sua estrutura. Aí, sim, é possível falar em ato nulo ou anulável. Em suma, só é nulo ou ineficaz o ato jurídico existente. Como acima dito, se nulidade e anulabilidade são adjetivos, não podem qualificar o resultado de uma atuação que não tenha conseguido concretizar o ato jurídico substantivo, que se queira nulo ou anulável. O problema é que nulidade e inexistência jurídica são fenômenos comumente tratados sob os mesmos padrões e critérios avaliativos, o que, embora pareça que não, segundo modestamente vemos, é descuido responsável por soluções processuais incompatíveis com a organização jurídica que adotamos. Sendo certo que a prestação jurisdicional concretiza o direito abstratamente positiva-do pela norma legal, é evidente que ela não pode inová-lo. Isto se deve ao império do único princípio que lida com a realidade das coisas: o “princípio da substancialidade”, o mesmo que, na gramática, distingue entre substantivo – essência – e adjetivo – qualidade. É fácil perceber: embora capaz de refletir um significado, isoladamente, o termo “infrutífero” não reúne objetividade suficiente a transmitir qualquer informação. Para tanto, como adjetivo, depende de um objeto. Na locução “ação infrutífera”, ao contrário, já há um significado autossuficiente e capaz de veicular uma mensagem

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clara e bastante em si mesma. Por isso, ao pretender identificar alguma coisa inoperante no universo material, qualquer que seja, o pesquisador só pode adotar o caminho que o leve a certificar-se do conteúdo material do objeto buscado. A não ser que caminhe por essa trilha, perde-se em conclu-sões insustentáveis.

PALAVRAS-CHAVE: Ato juridicamente inexistente; ato nulo; competência jurisdicional; implicações.

ABSTRACT: In forensic scenario, almost no importance is given to the phenomenon “no legal existen-ce”. Whenever it is necessary to deal with the shortcomings of the legal act, there is talk in the nullity, disregarding the truly occurring phenomenon. The legal act is partially or wholly ineffective when affected by nullity. It is susceptible to loss of efficacy, totally or partially, when affected by annulment. It is clear that nullity and annulment are factors that qualify the legal act negatively. As well as the existence of the adjective depends on the existence of the noun that qualify, the nullity or annulment depends on the legal act that addictive. It is prevailing law in all spheres of reality. The stillborn animal – null act of equivalence for the law – is something that exists. So much that it is possible to identify the species and breed. We can’t deny him a material existence enable to detect that certain example of certain species and breed was born lifeless. The “dead”, verbal predicate, prevents to affirm the “absence” of exemplary lifeless. If it was nothing, there was no way to consider its dead. Conversely, if what we have is just part of a be expected, the product of inefficient pregnancy, the specific existence is not characterized. No one can see a stillborn dog in animal fraction expelled from the generator body, but only an unfinished project of dog. We can’t have it dead animal. The same is true reletively the legal act. When only designated or partial built, it rules out appropriate treatment to the species that should set even under the aspect of lack of efficacy. Juridically it is nothing, it lacks requirement existential. To be ineffective, the legal act must disclose full integration, according to the desired species, in order to identify an external obstacle prevents him from producing the desired effects. It displays all existential requirements, but lacks one or some validity requirements where legally permitted, either as himself, either as a detail of its structure. Then, yes, it is possible to talk about stillbirth act. In short, only can be null the existing legal act. As aforesaid, if nullity and annulment are adjectives, they can not qualify the result that has failed to implement the substantive legal act, which wants to void or voidable. The problem is that void and no legal existence pheno-mena are commonly treated under the same standards and assessment criteria, which, although it appears that not, modestly, is responsible for oversight procedural solutions incompatible with the legal organization we adopt. If it is correct that jurisdiction implements the abstract right, it is clear that it can not to innovate it. This is due to the unique principle of the empire that deals with the reality of things: the “principle of substantiality”, the same as in grammar distinguish between subs-tantive – main element – and adjective – ancillary element. It is easy to see: although able to reflect a meaning, alone, the term “fruitless” does not gather enough objectivity to transmit any message. To this end, as an adjective, it depends to follow an object. The phrase “fruitless action”, however, there is already a self-sufficient meaning and able to convey a clear message and enough in itself. So, to identify any defective thing in the material universe, whatever, the researcher can only take the path that leads to make sure the material sought object content. Except for this trail, loses himself in unsustainable conclusions.

KEYWORDS: Legally non-existent act; void act; jurisdiction; consequences.

SUMÁRIO: A questão; Inexistência jurídica e nulidade; Conclusão.

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A QUESTÃO

O que nos traz a estes despretensiosos comentários, máxima vê-nia, é o entendimento com o qual, conforme censuravelmente concluí-mos, juízos cíveis vêm investindo contra o art. 114, I, da Constituição da República, quando processam e julgam causas surgidas de indevida contratação de pessoal pela Administração Pública.

Pelo Brasil afora, especialmente nos Municípios diminutos, os ad-ministradores têm abusado do disposto no art. 37, IX, da Constituição da República. Firmam contratos temporários desconsiderando o impera-tivo atendimento a excepcionais e inadiáveis interesses públicos, assim como o incontornável pré-exame seletivo. Tratam afazeres funcionais ordinários como se fossem extraordinários.

Quando dispensados, os contratados vão queixar-se à Justiça do Trabalho, cujos órgãos declinam competência à justiça comum, consi-derando tratar-se de contratos administrativos. Na justiça comum, com algumas exceções, os reclamantes acabam contemplados com os depó-sitos relativos ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Os órgãos julgadores evocam o art. 19-A da Lei nº 8.036/1990, assim redigido:

Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalha-dor cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previs-tas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.

Os entes políticos e as entidades públicas condenados têm-se re-belado contra isto, argumentando que servidor público, como os recla-mantes são considerados, não adquire direito trabalhista. E o fazem com razão, máxima vênia, tanto diante da consistência dos contratos argui-dos como por uma incompatibilidade jurídica que não permite relação de causa e efeito entre contratação administrativa e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Realmente, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é institu-to classicamente trabalhista. Instituído em 1966 pela Lei nº 5.107, teve por fim desestimular o regime de estabilidade trabalhista previsto pelo art. 478 da Consolidação das Leis do Trabalho. Como à época se argu-mentou, além de dificultar a rotatividade de mão de obra, tal estabilidade blindava o empregado com uma garantia tal que, quando concretizada, fazia-lhe do empregador um refém. À conta disto, embora contrariados,

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os patrões temerosos viam-se obrigados a dispensar empregados pro-bos e produtivos assim que ingressavam na segunda metade do período aquisitivo da estabilidade. Um desperdício de excelentes quadros, cuja perda decorria do receio de preservá-los até que se tornassem estáveis. Na época, em casos tais, a Justiça do Trabalho já enfrentava o dilema consistente em aceitar ou não a alegação de rescisão ilícita.

Portanto, adaptar ao sistema processual decisões que concedem FGTS a contratados temporários da Administração Pública, conforme modestamente entendemos, é pretensão juridicamente inviável.

Vejamos a incoerência: caso o servidor temporário seja contrata-do em conformidade com o Direito, não pode contar com o FGTS. Mas quando não, pode!

Segundo nos parece, a lógica orientadora desse raciocínio impli-ca que a contratação temporária constitucional deveria, então, conferir FGTS ao servidor contratado. Se, conforme o entendimento em vigor, em ambos os casos, no viciado e no legítimo, o que se tem são vínculos administrativos, como aceitar que o vínculo escuso proporcione uma vantagem econômica que o lícito não autoriza! Premia-se, então, a ili-citude?!

Reforçada por esse desconforto, a prescrição feita pelo art. 19-A da Lei nº 8.036/1993 confirma que contrato de trabalho no qual a Admi-nistração Pública desatenda aos incisos II e III do art. 37 da Constituição Federal, por desprezo ao concurso público, o que também ocorre com o contrato infringente do inciso IX do mesmo Estatuto Maior, tem natureza trabalhista, embora que, em si mesmo, por efeito de proibição constitu-cional, seja nulo e se limite a garantir ao contratado a reparação pelo dano resultante de uma prestação física insuscetível de devolução, não propriamente a sua remuneração, e, caso não tenha concorrido para a fraude contratual, os depósitos relativos ao Fundo de Garantia por Tem-po de Serviço.

Como afirmado, o preceito trabalhista considerado não faz isto por si mesmo. Reflete a substância jurídica produzida no lugar da contrata-ção administrativa apenas pretextada, que não conseguiu integrar-se. É o que despretensiosamente tentaremos demonstrar daqui por diante.

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INEXISTÊNCIA JURÍDICA E NULIDADE

A conclusão acima demonstra a necessidade de que tenhamos em conta elementos que identifiquem, com exatidão, a natureza do contrato temporário no qual a Administração Pública haja desatendido aos requi-sitos da espécie, pena de a positivação judicial do Direito plantar incon-sistências no âmago do sistema processual. E, como acima afirmado, o único caminho apto a nos levar a isto é o da pesquisa da substancialida-de do contrato verdadeiramente obtido na hipótese em trato.

Toda a segurança com que nos conduzimos no cotidiano nos é garantida pelo fenômeno da percepção, que é a leitura exata das formas captadas por nossos sentidos. Se não quisermos sofrer os atropelos dita-dos pela incoerência e imprudência, não podemos contrariar os resul-tados que as leituras sensoriais nos proporcionam. Precisamos ser fieis às informações emanadas de tudo com o que temos de lidar. Contra a realidade que elas nos revelam, não há argumentos nem meandros.

Bem por isso, para o entendimento exato da questão em análise, temos de observar o seguinte: no Capítulo III do Título IV, para separar a jurisdição em espécies, a Constituição da República adota o princípio da materialidade ou substantividade. Ela divide a jurisdição do Estado brasileiro em comum, trabalhista, eleitoral e militar. Revela, com isto, pleno desinteresse pela natureza jurídica das pessoas cujas vontades ge-ram demandas judiciais. Ocupa-se, isto sim, com a consistência material do que elas produzem. Por isto, saber a que jurisdição direcionar certa causa é questão intimamente dependente da correta leitura que façamos da causa de pedir.

E, como visto, o problema de que tratamos consiste em subme-ter contratos temporários inconstitucionais firmados pela Administração Pública à justiça comum apenas porque celebrados pela Administração Pública e mediante simples alusão ao art. 37, IX, da Lei Fundamental.

Como se percebe, o busílis resulta do fato de a natureza adminis-trativa dos contratos considerados vir sendo sondada exclusivamente na natureza jurídica do ente ou entidade contratante, em visível confronto com a Lei Maior, que, para definir os vários tipos de jurisdição prestada pelo Estado brasileiro, serve-se do critério da materialidade ou substan-cialidade do litígio.

Diante da Constituição Federal, ao se decidir a que tipo de juris-dição direcionar a demanda, temos de focar, unicamente, a real consis-

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tência da causa, não as pessoas por ela envolvidas. Ou seja: em litígio gerado por ato ou contrato produzido pela Administração Pública, é ine-vitável verificar se ele foi erigido de modo a materializar uma espécie administrativa ou se tal espécie não passou de pretexto ou intento deixa-do a meio caminho.

De fato, celebrado pelo Estado ou por qualquer de suas entidades autárquicas e fundacionais, à primeira vista, o indevido contrato tempo-rário de trabalho induz ao entendimento de que sua natureza sempre é administrativa.

Mas o princípio da substancialidade, cuja satisfação é garantida pela lei da leitura sensorial, diz que as coisas são existencialmente de-tectáveis com base na essência que revelam. No Direito, significa que, quanto à natureza jurídica, os atos e contratos são identificáveis com base no que os envolvidos realmente produziram.

É certo que, na identificação do ato jurídico administrativo, o ele-mento “competência”, exigido ao agente que o pratica concorre com desenvoltura. Corresponde à “capacidade do agente”, do direito civil. Entretanto, por si só, ele não dá conta do recado. Deve concorrer com o elemento “objeto público”. Mas competência e objeto público também não dispensam o elemento “forma estrutural ou de constituição”, que nada tem com o fator “formalidade”, respeitante tão somente à aparên-cia documental com que o ato ou contrato administrativo é apresentado no universo dos fatos, revelada pelo instrumento que lhes dá suporte físico.

Quanto ao ato jurídico em geral, as formas substantivas captáveis pelo nosso processo de percepção sensorial consistem na vontade mani-festada, no objeto tratado e na estrutura edificativa adequada. A primeira confere-lhe idoneidade; a segunda identifica-lhe a espécie; a derradeira garante-lhe inteireza e consistência. São os três requisitos existenciais de qualquer ato jurídico.

No tocante ao ato administrativo, a primeira diz se ele partiu do agente competente; a segunda aponta qual interesse público foi atendi-do; a última informa se ele realmente se integrou.

A atenção focada na vida prática permite ver que a vedação legal não impede o cometimento do ilícito, qualquer que seja o âmbito jurí-dico examinado. Portanto, ao Direito, o que resta é disciplinar o trata-mento jurídico das consequências do ilícito. Ele existe como regramento

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necessário a tornar possível a vida em sociedade. Para isto, é composto por regras de estrutura e de comportamento. As primeiras garantem a ob-servância das derradeiras, especialmente quando isto tenha de depender de aplicação coativa.

De fato, com suas penas, o direito penal, por exemplo, não conse-gue dissuadir o delinquente da prática delitiva. É que as penas criminais não se prestam a albergar a esperança de que venham reduzir as práticas ilícitas. Pena não é instrumento de política social, mas só a consequên-cia legal impositiva que do ilícito necessariamente resulta ao respectivo autor. O transgressor do direito penal não é condenado para que não volte à ação delitiva, embora tal objetivo seja visualizado em função do receio do processo punitivo. Mas, na realidade, a razão da existência da pena criminal é submeter o agente delituoso às consequências de haver infringido a lei com a gravidade aquilatada na dosagem da reprimenda. Do contrário, diante do elevadíssimo grau alcançado pela reincidência, teríamos de admitir que o direito penal não passa de completa inutili-dade.

No âmbito do direito administrativo dá-se o mesmo. Salvo quando expressamente autorizada, ao preencher os seus quadros, a Administra-ção Pública não pode valer-se do regime celetista, como não pode valer--se do regime civil para contratar fornecimento de material ou execução de obra. No entanto, é o que acontece até com alguma constância, con-forme a realidade nos revela. Isto conduz ao problema que enfrentamos, consistente em saber que tipo de contrato a Administração Pública efe-tivamente celebra: se contrato administrativo nulo ou contrato civil ou trabalhista nulo.

A assimilação entre nulidade e inexistência jurídica leva à consi-deração de que, em tais hipóteses, o que se produz são contratos admi-nistrativos eivados de nulidade absoluta.

Ora, a prova de que a natureza trabalhista ou civil de contrato assim celebrado pela Administração Pública não é afastada pela com-petência administrativa exercitada nem pela natureza pública do ob-jeto contratado está em que, em casos singulares, ela é autorizada a adotá-los. Serve-se de contrato trabalhista, por exemplo, no âmbito dos serviços comunitários de saúde e de combate a endemias. Observa-se, pois, que a questão é puramente de permissão/vedação legal. Portanto, quando não autorizado, o contratado divergente dos princípios consti-

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tucionais imperantes no serviço público não perde a natureza que sua substância lhe confere. Apenas não produz efeitos, porque terminante-mente vedados pelo sistema. O contrato administrativo que se pretendeu simplesmente não se materializou. Preservou-se total ou parcialmente vazio.

E a confusão entre inexistência jurídica e nulidade, máxima vênia dos entendimentos contrários, é induzida pela própria legislação.

Com efeito, no art. 166, o Código Civil trata da caracterização do negócio jurídico nulo, prescrevendo:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Tradicionalmente se ensina ser jurídico o ato ou negócio pelo qual se adquire, transfere, modifica, preserva ou extingue direito. Jurídico, portanto, é o ato conforme ao Direito. Quando contrário ao Direito, ele é “ilícito”. Como considerá-lo jurídico, se quem o produz não conse-gue nenhum daqueles efeitos? Aliás, a tradição conceitua o crime como conduta típica, antijurídica e culpável. Daí o ilícito penal não conseguir abrigar-se sob o conceito de ato jurídico.

O ilícito, que aceita graus de gravidade, ao contrário do ato jurídi-co, limita-se a produzir consequências legais não almejadas por quem o pratica, óbice que, conforme despretensiosamente vemos, não lhe permite substância de ato jurídico. Quem aplica o estelionato não al-meja obrigar-se ao dever de reparar nem de submeter-se à pena corres-pondente, que são meras consequências legais da conduta criminosa adotada.

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Pois bem. Uma mais atenta fixação em cada qual das causas a que o preceito civil acima transcrito debita a nulidade do negócio jurídico conduz à conclusão de que nem todas conseguem ensejá-la.

Ante o princípio imperativo da substantivação, de inescapável ob-servância quando se pretende identificar as coisas segundo suas respec-tivas consistências, quase todas refletem impossibilidade de existência jurídica, não simples nulidade.

O ato nulo não produz efeitos. Mas, voltando à adjetividade do vício, só se pode atribuir incapacidade para produzir efeitos a algo que exista segundo a espécie a que pertença! Sendo uma qualidade negativa, a nulidade não existe por si mesma. Necessita de um suporte material a que aderir.

Daí as seguintes indagações:

Pode-se sustentar que a compra e venda contratada por menor de 16 anos existe juridicamente, se ela carece de agente capaz, um daque-les três elementos existenciais do negócio jurídico de qualquer natureza? Se a manifestação pessoal do absolutamente incapaz é juridicamente es-téril, como lhe reconhecer o atributo de constituir um negócio jurídico, pressuposto da “nulidade”?

Firmado o contrato de pistolagem, pode-se falar em negócio jurí-dico nulo? O contrato de assassinato é capaz de proporcionar aquisição de direito? O preço da pistolagem é garantido pela ação de cobrança? Nos Estados Unidos da América, tal contrato configura conspiração cri-minosa. No Brasil, por si só, tal conduta pode configurar quadrilha ou bando, caso objetive mais de uma prática criminosa e envolva mais de três pessoas. Portanto, não apenas a física, como o bilhete de viagem ao Planeta Mercúrio, mas também a impossibilidade jurídica do objeto condiciona a existência do negócio jurídico. Impossível, nestes dois ca-sos, cogitar sobre negócios jurídicos nulos, pois isto significaria admitir que poderiam ser válidos em certas circunstâncias ou quando o legisla-dor resolvesse prevê-los, como ocorre com qualquer contrato eivado de nulidade!

Hipoteca contratada por instrumento particular consegue existir como tal? Óbvio que, aí, não se pode cogitar sobre garantia real hipote-cária. Pode haver, no máximo, promessa de hipotecar. Se promessa não houver, a substância do ato consistirá em mero rascunho de contrato fu-turo. Falta-lhe a estrutura adequada, a forma necessária de constituição.

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Casamento em que o juiz se esqueça de indagar os nubentes sobre o desejo de casar é casamento? Quando os nubentes não manifestam clara e seguramente a intenção de casar, o consórcio não se integra, exatamente por carecer de sua verdadeira essência!

É fácil perceber que tais pretendidos negócios jurídicos padecem de falta de substância. Como, então, afirmar que sejam juridicamente nulos? São, isto sim, “juridicamente inexistentes”, pois carecem de con-sistência, às vezes de caráter subjetivo, outras vezes de caráter objetivo e outras, ainda, de caráter estrutural. Pode até que todas venham a faltar.

Relativamente às causas relacionadas pelo preceito civil consi-derado, nulos são os negócios crivados pelas vedações apontadas nos incisos III e VI. Na primeira hipótese, os sujeitos são capazes, o objeto é juridicamente possível e a forma estrutural perfeita. Mas o motivo é ilícito. Com efeito, é plenamente viável que um contrato substancial-mente perfeito seja celebrado na finalidade de impedir que um terceiro realize direito subjetivo. Exemplo disto é a fraude à execução, na qual o contrato de alienação é eficaz para vendedor e comprador, mas não para o credor do primeiro. Caso ele não receba o seu crédito por outra forma, o bem alienado lho garantirá, esteja com quem estiver. Ou seja: relativamente ao credor do alienante, a alienação é absolutamente nula ou ineficaz.

O negócio juridicamente perfeito também pode ser celebrado na fi-nalidade de burlar lei imperativa – lei de ordem pública. Exemplo disso é o casamento que pessoa estrangeira convola com pessoa brasileira almejan-do garantir permanência no país, em circunstâncias inadmitidas pela Lei nº 6.815/1980. Nele, há agentes capazes, objeto lícito e perfeita forma estrutural de constituição. Mas a finalidade de contornar a lei referida, de observância cogente, espécie de efeito extra do ato, o eiva de nulidade.

Conforme, pois, a percepção que temos, sempre que o óbice seja intrínseco, de modo a impedir a completa integração do ato – não aten-dimento a um ou alguns de seus requisitos existenciais –, o que se tem é inexistência jurídica. Diferentemente, se ele é extrínseco – vedação legal, absoluta ou relativa –, o que há é nulidade ou anulabilidade.

Voltando ao direito administrativo, consideremos o contrato públi-co de execução de obra. É em função de sua essência estrutural que tal espécie distingue-se da civil que se ocupe com objeto semelhante. Não há como confundi-las. Além do exercício da competência funcional, a

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estrutura orgânica da contratação administrativa de obra pública reúne o objeto público e o procedimento licitatório de escolha do interessado em contratar com o Poder Público, ou, no lugar dele, o procedimento eficientemente demonstrativo da presença de causa legal de dispensa ou de inviabilidade de licitação. Nesta espécie, a escolha impessoal de a quem contratar não é simples acidente, mas elemento essencial da con-tratação. É que, aí, a vontade pessoal do agente público não é capaz de produzir absolutamente nada. A escolha feita pela Administração Públi-ca é objetiva. Ela só contrata quem objetivamente comprove capacidade técnica e idoneidade econômica para desempenhar o objeto do contrato e apresente a melhor proposta, ou, por efeito de previsão legal, seja o único executor a contratar. A estrutura do contrato administrativo de obra é absolutamente estranha à do contrato civil assemelhado.

Daí a indagação: a contratação de obra pública que faça pouco do procedimento licitatório consegue produzir contrato administrativo?

Responder afirmativamente significa aceitar que haveria contrato administrativo, mas nulo.

Porém, tal conclusão passaria por cima da substância do produto acabado, que não seria administrativa. Se a nulidade é uma qualidade negativa que se encalacra no objeto para impedir-lhe eficácia, ato ou contrato apenas pretextado, por não contar com substância apropriada, não se expõe a ela, pois inexiste!

A consequência necessária dessa prática, segundo o juízo que fa-zemos, está em que será válido ou inválido o ato ou contrato resultante do material efetivamente trabalhado pelas partes.

O Código Civil cuida desse fenômeno, prescrevendo: “Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.

Localizada na parte geral do estatuto, esta norma revela o jeito de ser do sistema jurídico brasileiro quanto à interpretação das conse-quências da celebração contratual que, embora pretendida, não haja conseguido integrar-se.

Observe-se que, para falar em nulidade, consequência de vedação legal, na verdade, ela considera o resultado substancial das vontades ma-nifestadas. Diz que, havendo simulação, o negócio jurídico a considerar será o dissimulado, ou seja, o que efetivamente resultar dos elementos

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existenciais satisfeitos. Refere-se à substância em sentido estrito – objeto – e à forma de constituição – estrutura, deixando subentendida a capa-cidade civil dos contratantes. A validade da substância e da forma que o dispositivo exige tem a ver com a adequação com que tais elementos existenciais dão vazão ao negócio dissimulado no caso concreto. Óbvio que, força da linha distintiva entre nulidade e inexistência jurídica, o ne-gócio efetivamente resultante da simulação – o dissimulado – poderá ser nulo por efeito de vedação legal nas circunstâncias vivenciadas.

Daí entendermos que nem o art. 170 trata de nulidade, sim de inexistência jurídica. O trecho “contiver os requisitos de outro” refere-se à substância do negócio jurídico que se dissimulou. É facilmente percep-tível que ele cuida de disciplinar o que ocorre quando se almeja uma espécie negocial e se pratica outra. E isto só tem a ver com substância! O embaçamento da visão exata da ocorrência é causado pela locução “negócio jurídico nulo”.

Relembrando, ser nulo é ter uma qualidade negativa insanável, o que impõe a existência do objeto assim qualificado. Portanto, se as teses normativas do preceito considerado levam à síntese de que, na simula-ção, o atuar das partes produz uma essência contratual, embora que não a pretextada, é impossível negar que elas consideram dois negócios: o que não conseguiu integração e o que a conseguiu, podendo ocorrer que, em função de óbice externo consistente em proibição legal para o caso concreto, o negócio resultante seja nulo.

Por conseguinte, quando, a pretexto de se praticar ato ou contrato administrativo, a essência erigida só dê consistência a ato ou contrato civil, a nulidade só poderá atuar sobre este, que existe, não sobre aque-le, que não passou de simples pretexto. Por falta de essência, a espécie administrativa anunciada deixou de materializar-se.

No exemplo formulado, de contrato de obra pública sem licitação, qual a forma de constituição utilizada? Simples: o agente administrativo faz a escolha pessoal de a quem contratar, acerta com ele as condições contratuais e o contrata. Evidente que tal avença caracteriza contrato ci-vil, pois é o direito civil que o prevê assim tão informal, sem licitação ou justificação de dispensa ou demonstração de inviabilidade do certame licitatório. Na espécie administrativa, tais procedimentos são essenciais, pois dizem respeito à forma pela qual o ente público manifesta a sua vontade, tendo, por fim, possibilitar que a Administração Pública contra-

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te o executor mais idôneo, eficiente e economicamente mais convenien-te. Nela, o administrador público não manifesta a sua vontade pessoal, como o faz o contratante do direito civil. Manifesta a vontade coletiva. Logo, a escolha de a quem contratar com a Administração Pública deve ser objetiva, exercitada mediante procedimento licitatório ou de de-monstração eficiente de que a licitação estava legalmente dispensada ou inviabilizada. Portanto, quando, a pretexto de contratar administrativa-mente, o ente público simplesmente descarta o procedimento licitatório ou a justificativa de sua não adoção, celebra contrato civil nulo.

No caso, para cogitar-se de contrato administrativo nulo, este de-veria ter-se integrado, embora que infringindo norma legal de atendi-mento imperativo, como as que ditam as espécies de procedimentos licitatórios apropriados às circunstâncias que consideram ou as que defi-nem os motivos suficientes a justificar a dispensa ou demonstrar a invia-bilidade do certame, ou, ainda, pela adoção de cláusulas que impeçam a equação econômica do negócio ou que sacrifiquem o princípio da supremacia do interesse público etc. Como se observa, tais vícios não dizem respeito à essência material do contrato administrativo. Apenas o impedem de adquirir eficácia.

No exemplo forjado, a não concorrência do requisito existencial consistente na especial forma de manifestação de vontade exigida pelo contrato administrativo pretendido possibilitou a conformação de um contrato civil de empreitada dissimulado sob um apenas aparente con-trato administrativo. Nulo, pois, é aquele, que existe, não este, que ine-xiste.

Segundo se observa, nem a competência funcional nem o objeto a executar dão conta de conferir natureza administrativa ao negócio, se a forma de construção do pacto não tiver sido atendida.

Os atos (puros) administrativos sujeitam-se à mesma regência do princípio da substantivação, que a nossa acuidade sensorial tem por fim registrar.

Decreto baixado por secretário de Estado, p. ex., embora possa contar com substância objetiva apropriada à espécie, é inexistente. Fal-ta-lhe substância subjetiva, qual seja, a autoridade decorrente da com-petência exclusiva do governador ou prefeito, com que o secretário não conta. Daí não ensejar a “validação” de que se costuma falar. Se a au-toridade habilitada o “ratifica” – como impropriamente se tem usado,

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o decreto é constituído pela vez primeira, pois pela vez primeira a au-toridade do agente competente se transmite ao ato para possibilitar-se vincular condutas. Decreto que não vincula condutas administrativas não existe juridicamente. A insuficiência da competência administra-tiva do secretário impediu a existência do ato que ele imaginou editar. A substância objetiva, embora revelasse adequação a um decreto, não representou absolutamente nada para o Direito.

Ratificação é providência que, fundada em juízo positivo sobre a adequação de algo feito por outrem, significa a assunção dele por quem de direito. É prática que apenas confirma a serventia da obra de um terceiro. Por isto, quando a estrutura faltante é de autoridade ou compe-tência, a ação “ratificar” não encontra emprego. Se o agente competente diz ratificar ato que tal, consertando-o, comete erro grosseiro, pois o que faz é praticá-lo pela vez primeira, mediante o aproveitamento total ou parcial de um texto apenas sugerido. Isto não é senão “edição”, substan-tivo derivado de edere, cujo significado é produzir.

Ratificar é assumir um feito dotado de substância completa – com-petência, objeto e estrutura, pois o juízo que conduz a tal ação é de reconhecimento de validade. Evidente, pois, que governador não ratifica “decreto” baixado por secretário. O que ele consegue fazer é editá-lo.

Pela mesma razão, não se ratifica o que não existe por falta do ob-jeto apropriado. Quando o agente público competente, reconhecendo ter firmado ato carecedor de objeto adequado, se propõe a consertá-lo, não ratifica nada. Apenas o edita ou celebra pela vez primeira, pois pela vez primeira maneja material apropriado a erigir a substância jurídica pretendida. O que fizera antes não conseguiu existência no universo jurídico.

Em síntese, a ratificação administrativa não produz o efeito dar existência jurídica a ato apenas cogitado, que se impossibilitou por au-sência total ou parcial de essência, seja ela de competência, de con-teúdo ou de estrutura. Ratifica-se apenas o que existe e no estado em que se encontra. O agente ratificador limita-se a assumir ato produzido por terceiro, que percebeu perfeito, sem alterá-lo. Se acrescentar-lhe algo mais, reservadamente a isto estará editando. A porção substancial rati-ficada é apenas assumida. Caso a altere, pratica o ato inauguralmente.

Conforme o que vemos, a causa determinante da inexistência jurí-dica fica dentro do ato ou contrato, pois caracteriza falta de substância.

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Já a da nulidade lhe é externa, visto corresponder a um impedimento le-gal de eficácia, cuja relevância pode torná-lo nulo ou anulável. A forma de constituição que se vê na substância procedimental de licitação, v.g., pode estar presente ao lado da competência e do objeto ideal, dando existência ao contrato administrativo. Todavia, pode que, ao praticá-lo, o agente administrativo o tenha eivado de nulidade total ou parcial, ab-soluta ou relativa. Será absoluta quando não convalidável – troca de um procedimento licitatório por outro, por exemplo. Será relativa quando convalidável – utilização de causa de inexigência em licitação inviável. Nesta hipótese, a nulidade é convalidável, dado que o efeito de uma e de outra levam ao mesmo resultado: a exclusividade de a quem con-tratar.

CONCLUSÃO

De volta à questão central, a distinção entre inexistência jurídi-ca e nulidade garante a constatação segura de que contrato temporário infringente do art. 37, IX, da Constituição Federal não é administrativo, mas trabalhista, pois apenas o direito do trabalho aceita a plena infor-malidade na constituição do vínculo contratual. Basta-lhe que a pres-tação contratada se dê em regime de assiduidade e sob a autoridade dirigente do contratante. Aliás, trata-se de relação jurídica suscetível de estabelecer-se até tacitamente. O problema com ele é a nulidade abso-luta decorrente de vedação constitucional, eis que celebrado fora das exceções autorizadas. Tal natureza lhe é confirmada pelo art. 19-A da Lei nº 8.036/1990, norma de cunho laboral que confere FGTS a contra-tados temporários da Administração Pública que não tenham procedido em conluio com o agente administrativo ímprobo, hipótese na qual tam-bém fazem jus à indenização do trabalho prestado por força da indução ilícita, porque insuscetível de restituição.

Conclusivamente, com a vênia das opiniões contrárias, as deman-das geradas por esses contratos competem à justiça laboral, em confor-midade com o art. 114, I, da Constituição da República, não à justiça comum. Acertado foi o posicionamento que o colendo Tribunal Superior do Trabalho adotou quando tais litígios começaram a surgir, no início dos anos 1990, que considerou trabalhistas, mas nulos, os contratos em questão.

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Parte Geral – Doutrina

O Precedente Como Instrumento de Garantia à Segurança Jurídica1

The Precedent as Instrument to Ensure Legal Certainty

JORDHANA CuNHA FeRNANDeSGraduanda em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados.

ALISSON HeNRIQue DO PRADO FARINeLLIMestre em Direito Processual & Cidadania pela Universidade Paranaense – Unipar (2009), Professor Assistente do Curso de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, em regime de dedicação exclusiva, Ex-Professor do Centro Universitário da Grande Dourados – Unigran, Advogado. Atualmente cedido para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, onde ocupa o cargo de Chefe do Setor Jurídico do HU – filial Dourados. Tem experiência na área de Direito. Centraliza suas pesquisas em Direito Processual Civil & Direitos Fundamentais, Acesso à Justiça & Meios Alternativos de Solução dos Conflitos.

RESUMO: A qualidade de tornar intangível a relação jurídica sub judice é uma das mais preciosas facetas do Direito. Desvirtua-se, no entanto, à medida que a previsibilidade, a confiança e a esta-bilidade do sistema processual diminuem. Assim, diante do já instalado “sistema de loterias judi-ciais”, é urgente que se repense o processo civil brasileiro e que daí emerjam instrumentos hábeis a reconduzir a hermenêutica e a prestação jurisdicional. Mostrando-se o respeito aos precedentes como meio adequado para tanto, é preciso que se analise se de fato (e como) pode esse sistema ser instrumento de garantia à desejada segurança jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: Precedentes; segurança jurídica; isonomia; previsibilidade; estabilidade.

ABSTRACT: The quality of making the relationship sub judice untouchable is one of the most precious attributes of Law. It becomes misrepresented, however, as the predictability, reliance and consis-tency of the procedural system decrease. Thus, the already consolidated “judicial lottery system” makes urgent to rethink Brazilian civil procedure and then arise sufficient instruments to guide to a new hermeneutics and judicial remedy. Once precedents respect has been elected a proper way to achieve it, we should analyze if (and how) this can be an effective instrument to ensure legal certainty.

KEYWORDS: Precedent; legal certainty; isonomy; predictability; consistency.

SUMÁRIO: 1 Em que paradigma nos encontramos; 1.1 Do legalismo a sua insuficiência; 1.2 O sis-tema de cláusulas gerais; 1.3 Incerteza do sistema e “tribunal de loteria”; 2 Segurança jurídica – Onde queremos chegar; 2.1 Atividade jurisdicional; 2.2 Estabilidade, credibilidade e coerência; 2.3 Segurança jurídica e o Estado Democrático de Direito; 2.4 A previsibilidade a partir da univocidade

1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora da Universidade Federal da Grande Dourados, como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

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do sistema; 3 O respeito aos precedentes como caminho irreversível; 3.1 Uniformizar sem enrijecer; 3.2 Como se dá o sistema de precedentes; 3.3 Incentivo às decisões verdadeiramente motivadas; 3.4 Justiça, isonomia e celeridade: alguns dos benefícios do sistema; 3.5 Legitimidade constitucional e aplicabilidade; 4 O tema no novo CPC; Conclusão; Referências.

1 EM QUE PARADIGMA NOS ENCONTRAMOS

1.1 Do legalismo a sua insuficiência

Por tempos acreditou-se em um Direito uno, coeso e perene. Sus-tentava-se a criação de um sistema normativo capaz de prever todas as situações cotidianas, restando ao Magistrado o mero trabalho silogístico. O estrito positivismo dessa corrente contrastava, em si mesmo, com a (falsa) ideia de completa submissão da vida social ao trabalho legislativo.

A infalibilidade que se tentava dar ao Códex fora logo derrubada, e ainda hoje é fácil notar a incoerência daquelas proposições. A com-plexidade da vida em sociedade e a constante expansão das relações jurídicas são provas inequívocas disso: não só pela impossibilidade de se antever todos os possíveis casos futuros, como também pelos prejuí-zos advindos de leis cristalizadas e, por isso, incapazes de se adaptar à dinâmica social.

Foi preciso assumir a insuficiência do sistema até então adotado para que a infalibilidade legislativa fosse deixada de lado, permitindo que se alcançassem novas formas de conjugação do Direito ao meio em que ele se insere. Isso porque não se pretendia afastar a qualidade de mantenedor do status quo, tão necessária à manutenção da ordem e ga-rantia da paz social (objetivos intrínsecos à atividade jurisdicional); mas tão somente fazê-lo mais maleável e capaz – ainda que dentro de seus limites de retaguarda –, de abarcar o maior número possível das novas relações com que se depararia no mundo dos fatos.

Luiz Guilherme Marinoni2, sobre o tema, lembra que o duplo grau de jurisdição vai de encontro a essa ideia de legislação impermeável ao tempo. Explica o consagrado autor que, se a subsunção da lei fosse instrumento simples e não passível de erros, não seria necessária a sub-missão do tema à segunda apreciação – inovação essa que trouxe maior

2 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

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crédito ao juiz de primeiro grau, mas assumiu sua possibilidade de erro quando da apreciação do caso.

1.2 o sistema De cláusulas gerais

Assim, de maneira a conciliar a complexidade do meio à estabi-lidade do Direito, foi preciso que se concebesse um sistema “aberto”, com normas que permeiem a consciência coletiva e que permitam que o trabalho jurisdicional vá além da subsunção casuística.

A fim de transpor essas limitações, surgiu a chamada “legislação incompleta”, termo a princípio confuso, mas que orienta o tipo normati-vo baseado em cláusulas gerais e normas parcialmente em branco. Esses institutos têm o propósito de estruturar a norma jurídica no caso concre-to, estreitando os laços entre Legislativo e Judiciário.

Isso porque se passou a legislar um (sem) número de casos futu-ros, todos eles abstratamente alcançáveis pela mesma norma reguladora, haja vista suas peculiaridades. E isso só foi possível graças ao incentivo dado à ciência jurídica: a norma só se revela completa quando de sua aplicação ao caso concreto.

Importante notar que essa mudança de paradigma não recusou a lei ou retirou-lhe a validade: ela apenas visa à locupletação dos termos da lei para que o Direito sirva, agora, para as mais diversas situações com que se deparar no futuro sem que, no entanto, sua estabilidade seja comprometida. Alcança-se, dessa maneira, a completude da norma, que tem por si só garantida a generalidade dentro do ordenamento, bem como a abstração de que também se pretende constituir3.

1.3 a incerteza Do sistema e “tribunal De loteria”

Os conceitos determináveis diante do caso concreto e a ado-ção desses “poros do Direito”, como denominou Teresa Arruda Alvim Wambier4, permitiu a expansão dos poderes do Magistrado – dado ao fato de que, ainda que limitado pela lei, tinha agora certa margem para conferir sua interpretação à norma. Era o que o pensamento kelseniano

3 Sobre generalidade e abstração, vide BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compilado por Nello Morra. Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006. p. 231 e 232.

4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. Direito jurisprudencial. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunas, 2012.

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promovia como discricionariedade do juiz, a escolha entre uma das op-ções possíveis no processo de interpretação da lei5.

O avanço, contudo, deu asas a um absurdo jurídico: o que deve-ria ser a concretização normativa nos tribunais cedeu lugar a um siste-ma de loterias bem conhecido no ordenamento jurídico brasileiro: não são raros os acontecimentos que deslegitimam a jurisprudência, e já se amontoam os casos em que a prestação jurisdicional se torna mero fruto da sorte ou do azar das partes litigantes.

A inexorável obrigação de fundamentar do juiz passou a segundo plano, quando já tem o Magistrado sua decisão formada (convicção sub-jetiva e pré-processual), tomada antes mesmo que o pleno contraditório pudesse se dar. O que se vê, hoje, é o dispositivo precedendo a justifi-cação – que, de maneira tão pobre, ancora-se no panprincipiologismo e na alegada pluralidade de interpretações para um mesmo fundamento jurídico.

A amplitude de resoluções para o mesmo fato, a incoerência ju-risdicional, a decisão destoante para casos semelhantes, o desrespeito arbitrário a entendimento já consumado nos tribunais superiores e a plu-ralidade de interpretações sobre o mesmo fundamento jurídico se torna-ram, com desmedido prejuízo ao Direito, rotina na judicatura brasileira.

Não havendo posição predeterminada sobre o caso, a multipli-cidade de decisões retira a previsibilidade que deveria ser conferida às partes e ambos os litigantes resolvem “tentar a sorte” diante dos tribu-nais. De tal maneira que, abarrotados, nada mais resta que a lentidão da atividade jurisdicional. Entre outros tantos inconvenientes de maior e menor potencial ofensivo.

Esqueceu-se de que, apesar de ser a produção judiciária espécie de trabalho notadamente cognoscitivo, ela ainda está subordinada a di-versos e cumulativos controles, sejam internos ou externos. Por isso não há qualquer espaço neste ordenamento para “livre convicção” ou quais-quer outras aberrações que livrem o Magistrado de sua obrigação para com o sistema jurídico.

Diante disso, prejudicou-se não só o contingente jurisdicionado como também o próprio exercício da justiça: a problemática atual gerou

5 PAGANINI, Juliano Marcondes. A segurança jurídica nos sistemas codificados a partir de cláusulas gerais. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

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descrédito ao Judiciário brasileiro e conferiu incerteza ao sistema – que já sofria outros diversos abusos.

Prejudicada a estabilidade jurisdicional, viu-se crescer vertiginosa-mente a litigiosidade e a busca pela prestação jurisdicional se expande linearmente à esperança que nutrem as partes de verem sua pretensão alcançada.

2 SEGURANÇA JURÍDICA – ONDE QUEREMOS CHEGAR

2.1 ativiDaDe jurisDicional

O trabalho hermenêutico dos tribunais confere ao caso sub judice uma resolução sistemática e definitiva, isto é, uma orientação que o pró-prio sistema faz tornar imutável. É essa uma das inúmeras razões pela qual a atividade jurisdicional deve ser dotada de estabilidade e prestígio notórios, apresentando-se dentro do ordenamento com o mérito que lhe é devido.

Isso porque a qualidade da prestação oferecida não é dedicada apenas às partes em litígio, mas, ao contrário, estende seus benefícios para além deste campo de atuação. Em voga na literatura jurídica e de enorme relevância ao cenário doutrinário atual, a análise dos sistemas decisionais é tarefa incontinenti de todo e qualquer operador do Direito no mundo contemporâneo.

Não por coincidência surge a concepção de um século com voca-ção à jurisprudência6 e a necessidade cada vez mais urgente de se insti-tuir mecanismos eficientes ao controle e à coerência dessas decisões, e capazes de delimitar o alcance de cada uma delas diante da proposição de novos e semelhantes casos.

É preciso ter em mente que, especialmente nos ambientes consi-derados frouxos7 (como o direito de família, em que se sopesam diversos conceitos abertos), é preciso se garantir a certeza jurídica da norma e reunir em torno dela a segurança que emanará da coisa julgada. Carlos

6 PEREIRA, Paula Pessoa. O Estado de Direito e a necessidade de respeito aos precedentes judiciais. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

7 Conceituação de Tereza Arruda Alvim Wambier, que caracteriza em quais sistemas se prima pela criatividade judicial (ambientes decisionais frouxos) e em quais se deve ter em conta a rigidez da certeza do direito (ambientes decisionais rígidos, a exemplo da seara tributarista); obra supracitada.

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Aurélio Mota da Souza (apud Paganini)8 nos lembra de que é este o richterrecht dos alemães, norma jurisdicional considerada como sendo a “certeza jurídica a posteriori”, individualizada no caso concreto.

Cabe, mais uma vez, reafirmar que uma jurisprudência firme e consolidada nada gera de descrédito à norma legislada, mas tão somente dá-lhe cumprimento. E é imprescindível à própria existência do Direito que ele se consolide na prática forense, garantindo a pacificação social por meio da resolução da lide e da certeza oferecida pelo processo.

2.2 estabiliDaDe, creDibiliDaDe e coerência

A partir dessa visão, é possível perceber que o olhar atento do Magistrado ao caso sobre o qual se debruça não impede que ele analise também os efeitos macroinstitucionais que cercam o fato, fazendo os efeitos daquela decisão solo serem estendidos, congruentemente, a todo o sistema.

Se já resta clara a importância do trabalho jurisprudencial, tam-bém deve ser entendida com clareza a coerência institucional de que deve se abastecer o sistema: por óbvio, para a consolidação do ordena-mento como aqui pretendemos (crível, coeso e estável), é preciso fazê-lo capaz de sustentar-se por si só. E isso acontece por meio da garantia da segurança jurídica.

A segurança jurídica na realização do direito nada mais é do que o oferecimento de estabilidade, credibilidade e coerência; e é desejável não só aos jurisdicionados, como também à própria instituição e seus operadores. Sobre o tema, aduz Delgado9:

A segurança jurídica, para ser bem compreendida, deve ser examinada como:

a) garantia de previsibilidade das decisões judiciais;

b) meio de serem asseguradas as estabilidades das relações sociais;

c) veículo garantidor da fundamentação das decisões;

d) obstáculos ao modo inovador de pensar dos Magistrados;

8 PAGANINI, Juliano Marcondes. A segurança jurídica nos sistemas codificados a partir de cláusulas gerais. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

9 DELGADO, José Augusto. A imprevisibilidade das decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 14 set. 2014.

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e) entidade fortalecedora das súmulas jurisprudenciais (por convergên-cia e por divergência), impeditiva de recursos e vinculante;

f) fundamentação judicial adequada.

Sabido um pouco mais a respeito da segurança jurídica, vejamos, senão, alguns esclarecimentos acerca de sua origem e de sua relevância dentro do que se propõe ao Estado Democrático de Direito.

2.3 segurança juríDica e o estaDo Democrático De Direito

Vindo da concepção de poder limitado pelo Direito, o Estado De-mocrático de Direito trouxe novo conteúdo à seara jurídica e imprimiu em toda ela novos meios de participação popular, garantia de direitos e consolidação da igualdade material entre os cidadãos.

A ressignificação do Direito – em todas as suas zonas de influência – fora inevitável e imprescindível para que se alcançassem os fins pre-tendidos por esse “novo período ideológico”. A luta, contudo, se estende até os dias de hoje e ganha novos desafios à medida que a complexidade social também se desenvolve.

Nesse esforço, viu-se na segurança jurídica mais do que um meio de conferir estabilidade ao sistema. Ela seria, junto ao princípio da le-galidade, a própria imagem que se buscava ao Estado Democrático de Direito. Isto é: o controle da discricionariedade, a imparcialidade do sistema, a garantia de direitos, a implementação da igualdade material, o livre acesso à justiça e ao direito de ação, bem como a melhora da prestação judicial como um todo.

Nesse sentido, a segurança jurídica ancora-se no art. 1º de nossa Constituição Federal e é a base sólida de qualquer ordenamento que se pretenda construir dentro do Estado Democrático de Direito. A perti-nência entre os temas é intrínseca e ambos conferem ao Direito maior confiança e poder de gerência frente ao poder político.

Para tanto, é preciso conceber um sistema coeso – de direito uni-forme: é crucial que se desenvolva a previsibilidade na prática judiciá-ria, unificando o ordenamento e garantindo a congruência sistemática que se almeja.

A segurança jurídica é pensada como instrumento objetivo – ine-rente ao sistema –, enquanto que a certeza do direito seria subjetiva,

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significando a proteção às expectativas dos jurisdicionados que torna o indivíduo capaz de antever as consequências de suas atitudes na vida social. Sem nos apegar a essa divisão, vejamos à frente como se alcançar essa certeza e/ou segurança do sistema.

2.4 a previsibiliDaDe a partir Da univociDaDe Do sistema

A capacidade de autodeterminação do cidadão, bem como a con-fiança que se deposita no sistema, tem o condão de criar o sentimento de justiça e estabilizar o ordenamento. Alcançar esse estado de coerência, ainda que seja essa o anseio de muitos, não é tarefa fácil.

A doutrina pátria não tem medido esforços ao desenvolvimento de meios eficazes e suficientes à garantia da segurança jurídica. Fato é que o caminho que começa a se delinear parece apontar para uma série de condições que, somadas, garantam a melhor experiência jurídica.

Uma dessas condições será aqui mais bem analisada, e parte do douto jurista Luiz Guilherme Marinoni a primeira exposição dos fatos: esclarece o autor10 que “univocidade na qualificação das situações jurí-dicas” não gera previsibilidade suficiente ao sistema: para que o indiví-duo se autorregule, é indispensável que se conceba, também, a “univo-cidade de interpretação da norma legislada”.

A partir dessa visão, apenas com a uniformização interpretativa, o ordenamento se mostrará capaz de gerar verdadeira previsibilidade, tornando-se um sistema jurídico seguro, coeso e estável – de modo que a coerência decisória (por meio de decisões que possam ser minimamente previstas) faça imperar, enfim, a segurança na prática judiciária.

Além de proteger as expectativas dos cidadãos, a oferta de segu-rança jurídica nos tribunais mostra-se ainda como instrumento funda-mental à isonomia processual – garantia constitucional de conhecido conteúdo, mas que ainda não foi levada a efeito em sua total abrangên-cia. Questionava Rodolfo de Camargo Mancuso11 se “é plausível que a isonomia aplique-se à norma legislada, mas não atue em face da norma judicada”.

10 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

11 MANCUSO, Rodolfo de Camargo apud CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. Direito jurisprudencial. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunas, 2012.

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Isso porque a doutrina já se preocupou com a igualdade entre as partes no acesso à justiça, no tratamento igualitário dentro da relação processual, mas esqueceu-se – até então – de garanti-la quando do mo-mento decisório, tão (ou mais) importante que as outras fases em que já fora efetivado.

3 O RESPEITO AOS PRECEDENTES COMO CAMINHO IRREVERSÍVEL

3.1 uniformizar sem enrijecer

Dito isto, compreendendo a realidade que nos cerca e já conhece-dores de onde pretendemos chegar, eis o momento de abonar um novo sistema que estabilize, sem enrijecer, a ordem jurídica atual, e determi-nar quais os instrumentos mais adequados ao momento e às intenções do direito processual brasileiro.

Diversos são os autores que começam a apontar o sistema de respeito aos precedentes como o melhor caminho a ser trilhado. Luiz Henrique Volpe Camargo12 o considera até mesmo irreversível, diante de seus incontáveis benefícios, por mais que não seja ainda um mecanismo persuasivo em nosso ordenamento.

Não se pretende propor que seja essa a próspera (e única) solução aos problemas até então apontados. Nem mesmo se supõe que o respei-to aos precedentes recupere, por imediato, a confiança de que hoje o sistema necessita.

Ao revés, não se pode esquecer que a complexidade das relações sociais e jurídicas, como já dito, requer trabalho incessante da comu-nidade jurídica. E a qualificação de um novo sistema (mais estável e adaptável a essa comunidade) é alternativa inevitável e que deve ser associada a outros tantos mecanismos que se achem suficientes.

Sabido que o respeito aos precedentes é, então, procedimento a ser considerado inerente ao próprio funcionamento institucional e à prestação judicial de qualidade, passemos a analisar como deve se dar e por que se mostra cada vez mais “irreversível” o caminho a ser trilhado.

12 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. Direito jurisprudencial. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunas, 2012.

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3.2 como se Dá o sistema De preceDentes

Para melhor compreensão do instituto, é importante, inicialmente, diferenciá-lo da jurisprudência. Ambos os conceitos são extraídos da atuação judicial e, talvez por isso, sejam tão constantemente confundi-dos. A imprecisão não deve, contudo, prosperar, e a fim de que o debate seja trago às claras, pontuemos as diferenças entre ambos.

A jurisprudência refere-se à uniformização de reiteradas decisões, cujo conteúdo se alinha. A pluralidade de julgados num mesmo sentido acaba por firmar entendimento unânime sobre o tema, influenciando as decisões tomadas (sobre o mesmo caso) em situações posteriores.

Lado outro, o precedente se forma a partir de uma única decisão que, tomada em seu conjunto, servirá de referência a decisões futuras, quando pertinentes àquela mesma ratio decidendi. Ainda que isolado quantitativamente, tem maior representação qualitativa: isto é, basta um único (e forte) precedente para que se torne persuasivo.

A decisão-modelo servirá de parâmetro aos casos sucessivos, e cabe ao Magistrado do caso subsequente determinar o respeito àquela anterior (tida agora como precedente). Para tanto, é preciso que haja entre elas uma identidade essencial – o core que justifique a resolução uniforme para ambos os casos.

A afinidade entre os casos deve ser constatada por detida avalia-ção, levando em conta não só a ementa do precedente, mas todos os motivos determinantes à tomada daquela decisão. Se restar comprovada a correspondência entre esses motivos determinantes e a situação agora apresentada, o precedente será aplicado.

Sua aplicação representa nada mais que o respeito à decisão anterior, abalizando-a por sua coerência e eficiência dentro do orde-namento. Assim, além de outros tantos benefícios que serão posterior-mente analisados, se consegue estabilizar o sistema e assinalar o melhor (e, portanto, único) entendimento que se deve fazer daquela norma in comento.

3.3 incentivo às Decisões verDaDeiramente motivaDas

A aplicação do Direito ao caso concreto, quando por meio do respeito aos precedentes, contribui para a previsibilidade e a certeza do

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sistema à medida que são determinados os limites de norma legislativa considerada, até então, como “aberta”.

A atenta observação da realidade social, política, econômica e jurídica em torno do caso concreto permite que se avalie melhor a si-tuação sobre a qual se decidirá e torna o trabalho do Magistrado de 1º grau ainda mais relevante, por ter que haver inequívoca semelhança à decisão-precedente.

Isso quer dizer que a repetição da solução adotada para o novo caso sob análise depende da existência de um núcleo essencial que o as-semelhe suficientemente ao chamado leading case (o caso precedente, segundo a regra do sistema de common law). Dispensa-se, dessa forma, a perfeita similitude, que inviabilizaria o sistema que aqui se propõe.

Basta, portanto, que o motivo que levou à primeira decisão (sua ratio decidendi) seja o mesmo que fundamentará os casos futuros – cons-tituindo esse seu núcleo essencial (holding, rule). É esta a razão que jus-tifica a incidência do precedente e é a mesma razão pela qual o seu uso não limita o direito, como afirmam alguns opositores.

Tenha-se sempre em mente que, assim como lecionou Teresa Arruda Alvim Wambier13, “o Direito deve preservar o status quo, mas não ser imóvel”. Assim, não há que se falar na imobilidade do sistema pelo respeito aos precedentes, mas pelo contrário: preza-se, por meio dele, a maior capacidade de fundamentação, especialmente quando se deve justificar a inaplicabilidade de precedente já constituído.

Até mesmo no common law, sistema do qual importamos o respei-to aos precedentes, existem instrumentos específicos para que se afaste seu uso do caso concreto. A despeito da força vinculante que eles têm no sistema anglo-saxônico, é perfeitamente possível justificar sua ina-plicabilidade (por meio do distinguishing) ou até mesmo revogá-lo, por mudança de posicionamento jurisdicional (por meio do overrule).

Para tanto, basta que o juiz demonstre cabalmente, no caso em análise, característica que suficientemente o diferencie (discrímen) – tor-nando inviável a aplicação do precedente em sua resolução. Resta cla-ro, em vista disso, o fomento que se teria às decisões verdadeiramente motivadas.

13 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. Direito jurisprudencial. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunas, 2012.

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3.4 justiça, isonomia e celeriDaDe: alguns Dos benefícios Do sistema Além desse estimado motivo, outros muitos parecem indicar a

possibilidade em comento como sendo, de fato, adequada. O respeito aos precedentes viabiliza a congruência do sistema, sendo capaz de ga-rantir a justiça, a imparcialidade, a isonomia e a celeridade processuais.

Isso porque o jurisdicionado tem margem de previsibilidade sob seus atos cotidianos e pode antever a consequência jurídica sobre cada um deles. Certos de que a aplicação do Direito segue de forma coesa, tem-se a certeza de que não lhe será suprimido direito a que faz jus, nem mesmo conferida vantagem de que não goza, quando da apresentação do caso ao tribunal.

Convicto da imparcialidade e da estabilidade jurisdicional, o cida-dão passa a ter mais confiança no ordenamento e ajuíza agora apenas aqueles pleitos que considera relevantes. Não se submete à mera sorte, como hoje se vê, ao depositar a interpretação do caso à arbítrio pessoal – que não orientado por lei.

Ao operador do Direito, também, o sistema é extremamente be-néfico. Restaurada a confiança no Poder Judiciário e conferida maior previsibilidade ao ordenamento, é possível tornar real grandes anseios do Estado Democrático de Direito, além de reduzir a carga de trabalho, garantir a duração razoável do processo e a maior qualidade da presta-ção jurisdicional.

3.5 legitimiDaDe constitucional e aplicabiliDaDe

O tratamento e operacionalização do direito dentro do Estado Constitucional devem ser regidos pela melhor administração da justiça, e nada mais oportuno do que a estabilização das decisões tomadas den-tro daquele ordenamento.

Mitidiero alerta:

A necessidade de seguir precedentes não pode ser seriamente contes-tada no Estado Constitucional. Estado Constitucional é Estado em que há juridicidade e segurança jurídica. A juridicidade – todos abaixo do Direito – remete à justiça, que, de seu turno, remonta à igualdade. A juridicidade tem de ser dotada de racionalidade, o que conduz à neces-sidade de coerência – ou melhor, como lembra a doutrina, de “dupla coerência” (double coherence). O Direito à segurança jurídica constitui

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direito à certeza, à estabilidade, à confiabilidade e à efetividade das si-tuações jurídicas.14

Também por esse motivo, o precedente independe de previsão legal que o obrigue, estando sua sistemática totalmente ancorada no Es-tado Democrático de Direito e na Constituição Federal, bastando, para tanto, que se efetivem os direitos e as garantias já previstos em nossa Magna Carta.

O respeito aos precedentes surge no atual paradigma como meio fundamental à manutenção da força normativa constitucional e para que tenhamos, enfim, um Direito coeso e justo – retribuindo a credibilidade pela qual tanto anseia o processo civil brasileiro.

A previsão legal, até então inexistente, pode surgir com a vigência do novo Código Processual Civil, já que o legislador contemplou a Lei nº 13.105/2015 com o tema. Vejamos.

4 O TEMA NO NOVO CPC

Festejado pelos processualistas, o novo Código parece apontar para um novo (e esperado) panorama: a esperança se deve à atenção dispensada à hermenêutica processual e a mudanças pelas quais, há tempos, a doutrina urgia.

No que se refere à problemática suscitada acima, o legislador conferiu especial atenção à segurança jurídica e até mesmo ao siste-ma de precedentes que aqui se pretendeu analisar. As inovações, nesse contexto, começam pela retirada da expressão “livre convencimento” – consagrada no art. 131 do Código vigente e que deu margem às arbi-trariedades que aqui se pretende evitar, não encontrando o dispositivo correspondência no novo texto.

Para além dessa novidade, vale apontar também alguns dispositi-vos, quais sejam, o § 1º do art. 489 e os arts. 926 e 927. O primeiro deles (art. 489, § 1º) ganha relevância por fixar os limites da fundamentação válida, exigindo forçoso trabalho argumentativo no momento decisório.

O art. 927 reforça a necessidade da fundamentação e confere maior influência aos precedentes de tribunais superiores, quando o caso

14 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – Dois discursos a partir da decisão judicial. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

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concreto assim o permitir (havendo divergência, deve-se fundamentar adequada e especificamente, atendendo aos princípios da segurança ju-rídica, da proteção da confiança e da isonomia).

Por fim, faz-se mister destacar o art. 926, fruto da chamada “Emen-da Streck” (por ter sido sugerida pelo jurista Lenio Streck). Prevê o dispo-sitivo, em seu caput, que “os tribunais devem uniformizar sua jurispru-dência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

A acolhida da emenda (que propôs o acréscimo dos termos “ín-tegra” e “coerente”) demonstra o cuidado com o direito, prevendo que o sistema de precedentes, muito em voga, não sustentará sozinho os anseios processualistas.

Esclarece-nos que o respeito aos precedentes não deve ser visto como mero instrumentalismo, apto a frear os impulsos interpretativos. É preciso se conceber esse sistema como verdadeiro garantidor à isonomia dos casos submetidos ao Judiciário brasileiro, de forma a tornar a aplica-ção do Direito estável, coerente e íntegra – sem que se negligencie com qualquer destas qualidades fundamentais.

CONCLUSÃO

A segurança jurídica é qualidade intrínseca do Estado Democrá-tico de Direito e deve ser perseguida pelo operador do Direito quando de sua aplicação. Diagnosticado o “calcanhar de Aquiles” da prestação jurídica brasileira, é dever da academia e da doutrina nacionais investir na busca de mecanismos aptos ao seu saneamento.

Dessa maneira, diante da abertura proporcionada pelo sistema de cláusulas gerais, verificou-se a construção (insustentável) de um verda-deiro “tribunal de loteria”, em que as partes se submetem à própria sorte quando da submissão do caso à atividade jurisdicional.

Como meio de frear as (hoje tão comuns) decisões divergentes, a nível de primeiro e segundo graus, e os problemas por elas ocasionados, desenvolveu-se a hipótese de adotar o sistema de respeito aos prece-dentes a fim de se garantir a segurança jurídica por que almeja nosso ordenamento.

O exame minucioso do tema permite concluir que o precedente, apesar de duramente criticado, mostra-se como instrumento apto e viá-

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vel a transformar o “solipsismo judicial” em atividade sistêmica e inte-grada. Não é, contudo, o único meio de que o sistema deve lançar mão.

A busca por soluções parece já ter sensibilizado o legislador, e a preocupação com a estabilidade, coerência e integridade do sistema já resultou em sua consagração no corpo de normas previstas ao novo Có-digo Processual Civil, sancionado em março do corrente ano.

Resta agora, diante da vigência do novo texto e para além dele, que se coloque em prática aquilo que a hermenêutica e a teoria do Di-reito há tempos vêm clamando, a fim de se levar a sério não só o Direito legislado, mas, acima de tudo, o direito em sua aplicação e conformação social.

REFERÊNCIAS

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DELGADO, José Augusto. A imprevisibilidade das decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 14 set. 2014.

MADEIRA, Daniela Pereira. A força da jurisprudência. O novo processo civil brasileiro – Direito em expectativa. Coordenação de Luiz Fux. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

______. O precedente na dimensão da segurança jurídica. A força dos prece-dentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – Dois discursos a partir da decisão judicial. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: JusPodivm, 2012.

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Parte Geral – Doutrina

Direito Processual Civil: da Preclusão Aparente

eRIC CeSAR MARQueS FeRRAZAdvogado.

RESUMO: O espoco do presente artigo é tentar abordar uns dos temas nodais do processo civil que, segundo o Professor Moacyr Amaral dos Santos, não se acha ainda precisamente definido. Sendo assim, tentamos partir de noções elementares do instituto da preclusão, tratando um pouco de sua história, de sua conceituação e importância à ciência processual civil; logo em seguida, discorremos sobre os tipos de preclusão já sedimentados pela doutrina, bem como sua diferenciação com outros institutos para melhor delimitar a matéria, sendo que, por fim, propomos um novo tipo de preclusão que denominamos preclusão aparente ou elástica em homenagem ao lendário Professor Enrico Tullio Liebman, que já percebia as bases de uma nova forma de preclusão; todavia, acreditamos que ainda não havia a pronunciado por faltar instrumentos científicos adequados e princípios mais modernos à época, que sobrevieram atualmente sobre a ciência do direito constitucional e processual.

PALAVRAS-CHAVE: Histórico da preclusão; importância; conceito; tipos de preclusão; preclusão aparente.

SOMMARIO: Lo scopo di questo lavoro è quello di affrontare i temi nodali ogni di procedura civile, che, secondo il Professor Moacyr Amaral dos Santos non si trova ancora definita con precisione. Quindi cerchiamo dalle nozioni elementari di preclusione Institute, che si occupa un po ’della sua sto-ria, del suo concetto e l’importanza per la scienza di procedura civile, poi trasportare immediatamente sui tipi di preclusione già sedimentate dalla dottrina e la sua differenziazione con altri istituti di definire meglio la questione, e, infine, proporre un nuovo tipo di preclusione che chiamiamo preclusione appa-rente o elastico, in onore del leggendario Maestro Enrico Tullio Liebman, che ha realizzato la base per una nuova forma di preclusione, tuttavia, riteniamo che non c’era ancora pronunciato – a mancanza di strumenti scientifici adeguati e standard più moderni, al momento, che ora avvenne sulla scienza del diritto costituzionale e procedurale.

PAROLE CHIAVE: Storia preclusione; importanza; concetto; tipi di preclusione; preclusione apparente.

SUMÁRIO: Introdução; Desenvolvimento: Noções elementares do instituto da preclusão; Dos tipos de preclusão; Da preclusão aparente; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente escrito teve por objetivo o estudo e a pesquisa científi-ca através de diversos artigos, livros de consagrados professores acerca do instituto da preclusão. Começamos o estudo tentando traçar noções elementares sobre o referido, almejando por alcançar as raízes históri-cas do instituto da preclusão e percebemos uma certa dificuldade em

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encontrá-la, haja vista que, antes da obra de Oskar Von Bullow, que reconhece a autonomia científica do direito processual, era muito difí-cil identificar seus próprios institutos; sendo assim, fizemos o possível para tentar situar o leitor nesta seara. Enfrentado esse primeiro propó-sito, passamos diretamente à análise dos estudos do Professor italiano Giuseppe Chiovenda, a quem podemos entregar o mérito de ter melhor diagnosticado o instituto, bem como classificá-lo; seguimos daí para os estudos do Professor Enrico Redenti e Enrico Tullio Liebman, que tam-bém estudaram o tema da preclusão trazendo para o plano científico outras formas de preclusão. Por fim, procuramos fazer algumas rápidas distinções da preclusão com outros institutos do direito processual para que o escrito ficasse mais claro aos leitores.

Ao travarmos esses estudos, deparamo-nos com a leitura de algu-mas novas correntes de pensamento, tais como o neoconstitucionalismo, o formalismo-valorativo, o neoprocessualismo e as mais modernas ten-dências do processo civil, em busca de um processo mais justo, eficaz e em tempo razoável. Como se não bastasse, fomos ainda, fortemente influenciados pelo advento do novo Código de Processo Civil, forjado no que há de mais moderno dentro da processualística mundial, sendo que, após o estudo do referido diploma legal com foco especial na tutela provisória da evidência, e tendo por base ainda as noções processuais de Enrico Tullio Liebman tão avançadas para sua época, notamos, com a devida humildade e fé em Deus que nos acolhe, a possibilidade de identificação e construção de uma nova modalidade de preclusão, a qual chamamos de preclusão aparente, ou elástica, em homenagem ao supracitado professor a quem esta disciplina tanto deve, e em especial o Brasil. Esperamos, assim, dignamente começar a contribuir minimamen-te aos estudos da ciência processual.

DESENVOLVIMENTO: NOÇÕES ELEMENTARES DO INSTITUTO DA PRECLUSÃO

Iniciamos o modesto artigo com a etimologia da palavra preclu-são, que é praecludere, oriunda do latim e que significa impedir, fechar, encerrar; é a perda das partes, e de alguma forma do juiz, da possibilida-de de praticar algum ato (ou de repetir este ato) processual1.

1 ROCHA, Paulo Muanis do Amaral. Preclusão pro judicato nas decisões interlocutórias. Disponível em: <http://www.integrawebsites.com.br/versao_1/arquivos/d1287a4c403dedfaef2892d7895c05f6.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2015, às 17h.

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Segundo ainda o Professor Paulo Rocha Muanis do Amaral, com respaldo especial no trabalho do Professor Heitor Vitor de Mendonça Sica, processualista brasileiro que se aprofundou no estudo da preclu-são, publicando obra intitulada Preclusão processual civil, passamos a discorrer sobre as origens do instituto da preclusão que, segundo ele, referido instituto tem grande importância nos moldes do sistema jurídico processual brasileiro, em especial por ser mais rígido oriundo do civil law, como o sistema jurídico italiano e o alemão, para posteriormente tentarmos defini-la com base em abalizada doutrina. Nesse mesmo dia-pasão, para o maior tratadista brasileiro de todos os tempos, o Professor Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda: “[...] O princípio da imodifica-bilidade da sentença é de origem romana. O princípio da imodificabi-lidade das decisões interlocutórias equiparadas a sentenças, de origem germânico-canônica”2.

No direito romano, mais propriamente dito na sua terceira fase (período da extraordinária cognitio), reduziram-se os formalismos nos atos processuais influenciando, desta maneira, a preclusão no processo, segundo o Professor Heitor Vitor Mendonça3:

Veja-se, por exemplo, que se passa a admitir o instituto da revelia: cita-do o réu e ausente à audiência com o Magistrado, julgava-se o processo em favor do autor. Como vimos, isso seria impensável sob o regime do ordo iudiciorum privatorum. Introduziu-se, pois, um efeito preclusivo li-gado à omissão das partes em etapa processual em que antes não era admitido.

Sobre a preclusão no direito germânico, acredita-se que os ger-manos foram os pioneiros em se tratando de preclusão. Lá o processo era estruturado em fases estanques, sempre encerrada por sentenças, tornando-se imutáveis se não atacadas. Todavia, fica aqui a advertência do Professor Heitor de Mendonça Sica4:

Em realidade, o desenrolar do processo germânico em fases fechadas, por sentenças, só tem sentido se visto no contexto do seu sistema proba-tório, que, hoje, se acha absoluta e inteiramente superado. Por isso mes-mo é que se recomenda alguma cautela em receber a assertiva chioven-

2 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, t. 5, 1974. p. 191.

3 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 13.4 Idem, p. 17.

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diana, tão largamente repetida, de que a origem do fenômeno preclusão se encontre no processo germânico.

No direito canônico, a preclusão era posta de lado ao passo que se determinado ato não fosse praticado, e a parte jurasse tê-lo feito, pela boa-fé era-lhe devolvido o prazo processual. “Cada fase era encerrada por sentença apelável e, à falta dela, a questão tornava-se imutável. As-sim, manteve-se no direito canônico a característica fortemente preclu-siva que o processo germânico puro ostentava no que toca à solução de questões incidentais”5.

No direito italiano atual, as decisões são divididas em três: decre-to (entendemos que comparativamente estes se assemelham a nossos despachos de mero expediente), ordinanza (“Dessarte, vê-se claramente que, quanto às decisões que se revestem da forma ordinanza, não há preclusões, haja vista a revogabilidade e modificabilidade pelo juiz”6) (vislumbramos a ordinanza como sendo nossas decisões interlocutórias) e sentenza (que entendemos serem nossas sentenças).

O direito alemão se parece muito com o nosso em se tratando de rigidez procedimental mais especificamente no tocante às preclusões, segundo o Professor Heitor Vitor de Mendonça Sica7, que leciona abaixo com a ressalva de ser assim pelo menos na regra geral:

Feitas essas ressalvas, é de se atentar para a regra geral, insculpida no § 318 da ZPO, de que, no tocante às sentenças, “o juiz permanece vin-culado pela própria decisão e não pode nem revogá-la nem modificá--la depois da pronúncia [...] isso é válido não apenas para a sentença definitiva, mas também, como preconiza categoricamente Lent, para as parciais e incidentais, sejam elas recorríveis ou não. Reforçam essa dis-posição os comandos contidos nos §§ 280, 310 e 322 da ZPO.

É de se ressaltar que o direito espanhol, país do renomado Profes-sor Niceto Alcalá-Zamora y Castillo8, é altamente preclusivo:

De outra banda, no que tange à preclusão sobre questões incidentais, é necessário destacar que a LEC estabelece que diversas decisões tomadas no curso processo são irrecorríveis [...] isso porque se tem o art. 207.2

5 Idem, ibidem, p. 18.6 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 58.7 Idem, p. 62.8 Professor que, durante a Segunda Guerra, retirou-se para o México e é o responsável pela fundação da Escola

de Direito Processual do México e de ter sido o primeiro a reconhecer a Escola de Processo Civil de São Paulo.

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da LEC, que dispõe serem “firmes” as decisões contra as quais a lei não da à parte recurso algum, e o art. 207.3 da mesma lei determina que o juiz ou tribunal deve se ater a tais decisões. Além disso, reforça tais dis-posições o art. 214 da LEC, que diz que os juízos ou tribunais não po-dem alterar os provimentos judiciais proferidos, salvo para aclarar-lhes certos aspectos.9

Já o Direito português diverge da sistemática do Direito espanhol; no tocante às questões processuais – as decisões são revogáveis ou mo-dificáveis a qualquer tempo:

Finalmente, no tocante à preclusão dirigida às questões processuais, o sistema é simples: fazem “caso julgado forma” as decisões tomadas no curso do processo, acerca das quais não foi interposto pela parte o com-petente recurso de agravo (art. 672). Tem-se, então, a mesma solução que se nos apresentava sob a égide do Código de Processo Civil brasi-leiro de 1939, como se viu acima, ou seja, a contrario sensu, as deci-sões irrecorríveis são revogáveis ou modificáveis a qualquer tempo.10

Com relação à conceituação do instituto da preclusão, o consa-grado Professor uruguaio Eduardo Couture11 já ensinava: “As diversas etapas do processo devem se desenvolver de maneira sucessiva, sempre para frente, mediante fechamento definitivo de cada uma delas, impe-dindo-se o regresso a momentos processuais já extintos e consumados”.

O Professor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira12, expoente da Esco-la de Processo Civil do Rio Grande do Sul, já defendeu que “a ameaça da preclusão constitui princípio fundamental da organização do processo sem o qual nenhum procedimento teria fim”. E, no arremate, o Professor Arruda Alvim, da moderna Escola de Direito Processual Civil da PUC-SP, por sua vez, destaca a importância da preclusão “em função da ideia de o processo dever marchar em direção a sentença irreversivelmente”13.

9 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 64/65.10 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 67/68; e ROCHA,

Paulo Muanis do Amaral. Preclusão pro judicato nas decisões interlocutórias. Disponível em: <http://www.integrawebsites.com.br/versao_1/arquivos/d1287a4c403dedfaef2892d7895c05f6.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2015, às 17h, p. 5-8.

11 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Aniceto Lopez, 1942. p. 163-165.

12 ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 170.13 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, 1997. p. 442.

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De acordo com o Professor Moacyr Amaral dos Santos14, na sua clássica obra Primeiras linhas de direito processual civil:

Preclusão consiste na perda de uma faculdade ou direito processual, que, por se haver esgotado ou não ter sido exercido em tempo e mo-mento oportunos, fica praticamente extinto. Essa conceituação se apro-xima da de Chiovenda, que, a nosso ver, foi quem mais claramente focalizou o instituto, o qual, se diga de passagem, não se acha ainda precisamente definido. Para o insigne mestre italiano, preclusão consis-te “na perda de uma faculdade processual por se haverem tocado os extremos fixados pela lei para o exercício dessa faculdade no processo ou numa fase do processo”. Não muito diversa da definição de Couture, segundo quem consiste na “ação e efeito de extinguir-se o direito de realizar um ato processual, já seja por proibição da lei, por haver-se deixado passar a oportunidade de verificá-lo, ou por haver-se realizado outro com aquele incompatível”.

Sendo assim, remetemos ainda o leitor a um artigo muito bem ela-borado do Professor Roberto Victor Pereira Ribeiro intitulado “Preclusão processual e suas nuances”, do qual, desde já, pedimos licença para extrair alguns trechos e ensinamentos, em especial:

O processo deve andar como Charlie Chaplin: numa ocasião, o velho Chaplin ia caminhando placidamente pela rua, quando, sem menos es-perar, topou em uma pedra e se desequilibrou; a meninada que estava a brincar na rua olhou para o grande artista e insultou: vai para onde, palhaço? E Chaplin respondeu: – Para frente, sempre para frente.15

Após este esta breve noção introdutória e coletânea de conceitua-ções de consagrados processualistas sobre o que vem a ser preclusão, cumpre-nos agora tentar conceituar a preclusão como o instituto proces-sual que impede a prática processual de um ato, podendo este ser uma faculdade ou um ônus, a um dos sujeitos processuais com o escopo de impulsionar as fases do procedimento para atingir o fim colimado pelo processo, que é a tutela jurisdicional de aplicação da lei ao caso con-creto por meio da sentença com fulcro nos arts. 267 e 269 do CPC/1973 e nos arts. 485 e 487 do novo CPC/2015. A preclusão é um fenômeno

14 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 26. ed. Atualizado por Maria Beatriz Amaral Santos Kohnen. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2013. p. 81 e 82.

15 RIBEIRO, Victor Pereira Ribeiro. Preclusão processual e suas nuances. Disponível em: <www.atualidadesdodireito.com.br/robertovictor/2013/08/11/preclusão-processual-e-su...>. Acesso em: 22 jul. 2014, às 15h, p. 2.

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endoprocessual que afeta diretamente direitos e faculdades individuais em processos.

Esse instituto existe para que se torne efetiva a aplicação da justiça ao caso concreto evitando que questões já precluídas voltem a ser objeto de arguição pelas partes ou de apreciação pelo juiz, assegurando aos litigantes em processo as garantias constitucionais da efetividade da jus-tiça, celeridade, segurança jurídica e a apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Judiciário, sem que este se procrastine indevidamente no tempo, evitando-se a redundância de apreciações e reapreciações sobre matérias já precluídas, forçando o processo a “marchar” sempre em fren-te, para a efetiva aplicação da justiça.

DOS TIPOS DE PRECLUSÃO

Quando, em 1894, o Professor Giuseppe Chiovenda inicia seu tra-balho científico, colocava-se no seguinte dilema: seguir então a clássica escola italiana, de Mattirolo e Mortara, na tendência exegética, ou des-viar sua atenção para a até então fechada escola científica alemã, enca-beçada a esta altura por Adolf Wach (1843-1926). Chiovenda escolhe por seguir a escola alemã, e dar sequência aos estudos já iniciados pelos alemães, realizando, contudo, obra própria de altíssimo valor científico. Giuseppe Chiovenda elege então dois guias da escola alemã: Wach, como investigador, e o austríaco Francisco Klein, como codificador-me-todologista16. Na esfera processual, nenhuma outra escola foi tão fecun-da como a do Mestre Chiovenda, que conta com nomes tão consagrados como ele próprio, e como Calamandrei, Liebman e Redenti.

O instituto da preclusão foi gestado no passado, remontando eras do Império Romano; entretanto, foi na Itália do século passado que ele foi embalado com mais amor e atenção. A preclusão passou a ser mais bem explicada, ainda nos primórdios do século XX, através do magisté-rio do consagradíssimo processualista italiano Giuseppe Chiovenda em sua consagrada obra Instituições, que se inspirou nos estudos de Oskar Von Bullow, que, em 1879, com a clássica obra Die Lhre von den Pro-cesseinreden unda Processvoraussetzungen (A teoria das exceções e dos pressupostos processuais), marca o início do processualismo científico; dando assim autonomia à ciência processual, o referido mestre alemão

16 Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. A síntese da evolução histórico-científica do processo. Disponível em: <www.amprs.org.br/arquivos/comunicao_noticia/mendroni1.pdf>. Acesso em: 21 set. 2015, às 9h40, p. 5-6.

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tratou, entre muitos outros temas, sobre a responsabilidade que rege um processo e o princípio da necessidade de uma decisão, chamando-se de preclusão ou, em seu vernáculo, de Praklusionsprinzip, sendo que Chiovenda17 faz em sua obra Instituições um aprimoramento dos estudos da escola alemã, trazendo a clássica divisão de preclusão em temporal, consumativa e lógica, e conceituando assim o instituto:

O ordenamento jurídico não se adstringe a regular as diversas ativida-des processuais, sua forma e seu conjunto, mas regula, também, sua su-cessão processual; daqui se origina uma ordem legal entre as ativida-des processuais. O propósito do legislador é imprimir maior precisão no processo, tornar possível a definitiva certeza dos direitos, e assegurar--lhes rápida satisfação.

Esse objetivo colima-o igualmente por outros meios, como seja: coibin-do a protelação da fase instrutória ou da solução da causa, devido à ne-gligência dos procuradores, com a aplicação de penas a estes (arts. 61, 170, 177, 180); eliminando as superfluidades na defesa, negando a re-petição das custas relativas aos atos supérfluos (art. 376), e assim por diante. Mas eficazmente, porém, atende a esse objetivo com o instituto da preclusão.

Todo processo, uns mais, outros menos, e da mesma forma o nosso pro-cesso, com o fim de assegurar precisão e rapidez ao desenvolvimento dos atos judiciais, traça limites ao exercício de determinadas faculdades processuais, com a consequência de que, além de tais limites, não se pode usar delas. Emprestei a essa consequência o nome de “preclusão”, extraído de uma expressão das fontes que se empregava, precisamente com o significado que lhe dou, na “poena praeclusi” do direito comum, ressalvando-se que, no direito moderno, naturalmente se prescinde da ideia de pena. Coligi e reuni sob essa observação e essa denomina-ção em numerosos casos (e não são todos) nos quais esse expediente se acha aplicado pela lei. São casos variadíssimos, seja pela faculdade processual a que se refere cada um deles, seja pelos efeitos que pode produzir a preclusão do exercício dessa faculdade; mas têm todas, em comum, este elemento, em que, para mim, se concentra a essência da preclusão, a saber, a perda, ou a extinção, ou consumação, ou como quer que se diga, de uma faculdade processual pelo só fato de se have-rem atingido os limites prescritos ao seu exercício.

17 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. da 2. ed. italiana de J. Guimarães Menegale, acompanhada de notas de Enrico Tullio Liebman, com uma introdução de Alfredo Buzaid. São Paulo: Saraiva, v. IIII, 1965. p. 155-157.

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Direi, por consequência, para esclarecer onde necessário o meu pen-samento, e ao mesmo tempo para precisar quais possam ser os limites cuja inobservância carreia a perda de uma faculdade processual, que entendo por preclusão a perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual que sofre pelo fato:

a) ou de não se haver observado a ordem prescrita em lei ao uso de seu exercício, como os prazos peremptórios, ou a sucessão legal da ativi-dades e das exceções;

b) ou de se haver realizado uma atividade incompatível com o exercício da faculdade, como a propositura de uma exceção incompatível com outra, ou a realização de um ato incompatível com a intenção de im-pugnar uma sentença;

c) ou de já se haver validamente exercido a faculdade (consumação propriamente dita).

Minhas observações tiveram propósito e resultado de simplificação e de diferenciação. Proporcionou-me o motivo e o ponto de partida um dos escritores alemães que mais contribuíram para o progresso da ciência processual moderna com um concurso de ideias, não somente novas, senão também sadias, fecundas e propulsivas: refiro-me a Oskar Bullow e a seu trabalho fundamental Civil prozessualische Fiktionen und Wahrheiten (no Archivio per La Pratica Civile, 1879, v. 62, fasc. I). Aí se analisam, com visão realística e aguda, embora através de algumas ilusões histórico-germânicas, certos casos importantes de preclusão, na revelia, na confissão, no juramento, na competência, na coisa julgada; e o resultado simplificador desse exame consiste em substituir pela con-sideração singela e chã das exigências processuais as construções artifi-ciais que dantes assoberbavam os estudos do processo.

Mas a maior utilidade dos estudos das preclusões está em que permitiu diferenciar coisas de coisas, institutos de institutos; e todos sabem que a diferenciação figura entre os objetivos essenciais e mais profícuos de toda investigação científica.

Em sua época, a preclusão era vista como “a perda, extinção ou consumação da faculdade processual pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício”18. O Código Processual de 1940 foi o primeiro na Itália a tratar expressamente da preclusão em seus artigos.

18 MARTINS DE OLIVEIRA, João. A preclusão na dinâmica do processo penal. Belo Horizonte, 1955. p. 59.

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A doutrina classifica e define preclusão temporal como sendo aquela onde há a perda do sujeito de exercer uma faculdade ou ônus processual pela não observância do prazo para a prática do ato ou pela não observância de uma forma para a prática do mesmo. Exemplifican-do, ocorre preclusão se a parte ré não contestar no prazo legal de 15 dias, tornando-se, dessa maneira, revel, salvo algumas exceções. Ex.: art. 183 do CPC de 1973: “Decorrido o prazo, extingue-se, independen-temente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que não realizou por justa causa”. Somente com o advento do CPC de 1973 passou-se a adotar o verbete da preclusão, no sistema legal processual brasileiro, como, por exemplo, no art. 245 (“A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que coubera à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”) e no art. 473 (“É defeso à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão”). Já no novo CPC, Lei nº 13.105, de 2015, percebe-se a preclusão temporal prevista no art. 223:

Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

Por sua vez, a preclusão consumativa ocorre pela prática do ato em si mesmo, por exemplo, quando a parte contesta no quinto dia do prazo legal, ocorrendo, assim, a preclusão consumativa, entendendo a melhor doutrina que o réu não poderá apresentar mais reconvenção ain-da que restem dez dias de prazo, pois ocorreu a preclusão consumativa com a contestação apresentada no quinto dia do prazo, haja vista que a reconvenção deveria ter sido apresentada com a contestação. Em outras palavras, é afirmar que, se o poder processual já foi exercido, ele não poderá o ser novamente. Mais um exemplo seria a parte opor embargos de declaração no primeiro dia do prazo de cinco dias; significa que o ato não poderá mais ser perpetrado, pois já o foi exercido e consumado no primeiro dia do prazo.

A preclusão lógica ocorre quando a parte pratica algum ato in-compatível com a faculdade ou ônus a ela conferida. Isto ocorre quando o autor espontaneamente cumpre a sentença, o que, por sua vez, oca-siona a preclusão lógica de não apelar, visto que recorrer é logicamente incompatível com aceitar a decisão. Sendo assim, se um procedimento praticado for incompatível com outro já exercitado, estaremos diante

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da incidência da preclusão lógica. Se não houvesse essa forma de pre-clusão, haveria o risco de algumas demandas persistirem sob o pálio do venire contra factum proprium, isto é, ir contra a sua própria ação. Ferir a lógica e de certo modo tomar atitudes paradoxais e antagônicas. Se me comportei de uma forma no passado segundo a boa lógica, não poderei agir paradoxalmente no futuro. Isto vai de encontro com a valorização da boa-fé processual, através da coibição severa da má-fé, pelo novo CPC, bem como com a introdução princípio colaborativo no novo siste-ma processual brasileiro.

Essas três espécies de preclusão foram esmiuçadas através dos es-tudos abalizados de Chiovenda, portanto, preclusão temporal, consuma-tiva e lógica foram sistematizadas pelo jurista italiano, que desconhecia uma quarta ou quinta forma de preclusão.

No arremate, o Professor Moacyr Amaral dos Santos19, na sua clás-sica obra Primeiras linhas de direito processual civil, leciona:

Conforme as causas de que provém, a preclusão se diz temporal, ló-gica e consumativa. Diz-se temporal, quando proveniente do esgota-mento do prazo para o exercício da faculdade processual: esgotado o prazo para o oferecimento da contestação, impedido estará o réu de apresentá-la. Preclusão lógica se dá quando a prática de um ato sem faz incompatível com a prática de outro v.g.: valendo-se a parte de um do-cumento como fundamento do seu direito, estará impedida de suscitar a sua nulidade por coação na sua formação. Por consumativa se entende a preclusão resultante de ato decisório (sentença, decisão interlocutó-ria), que, uma vez transitado em julgado, o torna irrevogável e impede o reexame da questão por ele decida.

A quarta espécie de preclusão, denominada preclusão pro judicato, foi criação do processualista italiano Enrico Redenti, no início da década de 30 do século passado: “[...] Conforme veremos em seu devido tempo, embora tenha despertado grande discussão entre os dou-trinadores italianos, nunca os estudiosos nacionais sentiram esse mesmo interesse pelo instituto”20, quando a mesma acontece para o sujeito pro-cessual: o juiz, ocorrendo, por exemplo, quando ele profere a sentença,

19 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 26. ed. atualizado por Maria Beatriz Amaral Santos Kohnen. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2013. p. 81 e 82.

20 NEVES, Daniel Amorin Assumpção. Preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. p. 7.

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não podendo alterá-la salvo nos casos excepcionais de erro material e para atender aos embargos de declaração. Entendemos que, ao decidir uma questão, o juiz está vinculado a ela no que se refere a sua redecisão, que não se confunde com o prazo que ele possui para executar tal tarefa, que alguns denominam de prazo impróprio.

Avançando nessa ideia, parece-nos que o juiz tem que respeitar a preclusão a ele imposta pelo art. 471 do CPC/1973, que assim dispõe: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: [...]”, que encontra um possível correspondente no novo CPC no art. 494, que diz: “Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: [...]”.

Apesar de muito se parecer a preclusão pro judicato destinada ao juiz com a preclusão consumativa destinada às partes, entendemos ser a primeira uma quarta forma de preclusão, uma vez que as partes têm in-teresses próprios e o juiz interesse público – o juiz tem o poder-dever de proferir decisão (o poder instrutório está em suas mãos). Sem contar que as partes não podem repetir ações (sempre ocorrerá a preclusão consu-mativa), mas, para o juiz, em casos excepcionais (caso for provocado ou para invocar uma norma de ordem pública, por exemplo), nem sempre ocorrerá a preclusão pro judicato21.

A quinta espécie de preclusão, denominada preclusão mista, foi criação do Professor Enrico Tullio Liebman, que foi aluno de Chiovenda na Universidade de Roma e teve como marco fundamental em sua obra a teoria da coisa julgada como autoridade dos efeitos da sentença. Tam-bém escreveu sobre o processo de execução, viveu vários anos no Brasil por haver sido perseguido pelo Fascismo, entregando aqui seu magisté-rio e fundando a Escola de Direito Processual de São Paulo. Entre suas principais obras estão Problemi del processo civili (1963), Le opposizio-ni di mérito nel processo di esecutione (1931) e Efficacia ed autoritá dela sentenza (1935).

Vejamos o magistério de alguns consagrados professores sobre o lendário Professor Enrico Tullio Liebman22:

Mas o ingresso do método científico na ciência processual brasileira só pôde ter lugar mesmo, definitivamente, a partir de 1940, quando para

21 ROCHA, Paulo Muanis do Amaral. Preclusão pro judicato nas decisões interlocutórias. Disponível em: <http://www.integrawebsites.com.br/versao_1/arquivos/d1287a4c403dedfaef2892d7895c05f6.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2015, às 17h, p. 10.

22 DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 144-146.

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cá se transferiu o então jovem Enrico Tullio Liebman, já àquela épo-ca professor titular de direito processual civil na Itália. Nos seis anos que esteve entre nós, tendo inclusive sido admitido como professor vi-sitante na Faculdade de Direito de São Paulo, foi Liebman o portador da ciência europeia do direito processual. Fora aluno de Chiovenda, o mais prestigioso processualista italiano de todos os tempos. Conhecia profundamente a obra dos germânicos, a história do direito processual e o pensamento de seus patrícios, notadamente do genial Carnelutti. Aqui veio a dominar por inteiro a obra dos autores luso-brasileiros mais anti-gos e o espírito da legislação herdada de Portugal.

[...]

Pelo que significou em toda essa evolução científica do direito proces-sual no Brasil, foi Enrico Tullio Liebman agraciado pelo governo brasi-leiro, no ano de 1977, com a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul, máxima condecoração que se concede a personalidades estrangeiras beneméritas à nossa nação. Outra significativa homenagem lhe prestou a comunidade jurídica de São Paulo, em novembro de 1984, quando do lançamento da tradução brasileira de seu Manual de direito proces-sual civil: na oportunidade em comovida mensagem telefônica, Lieb-man externou toda sua estima pelo provo brasileiro. O Mestre faleceu em setembro de 1986, mas sua influência permanece viva entre nós. Graças ao estímulo sempre dados aos brasileiros na sua Universidade de Milão, foi possível celebrar um convênio cultural entre esta e a de São Paulo, no cumprimento do qual mestres de lá têm vindo minis-trar cursos de pós-graduação aqui (Edoardo Ricci, Mario Pisani, Bruno Cavalonne e o saudoso Giuseppe Tarzia) e vice-versa.

No Brasil, Liebman fundou a Escola Paulista de Processo, contando com ilustres discípulos como Alfredo Buzaid, Moacyr Amaral dos San-tos, José Frederico Marques (1ª fase da escola), bem como Dinamarco e Ada Pelegrini Grinover (2ª fase da escola), inaugurando o estudo da instrumentalidade do processo, em que o direito processual civil passou a regular o modo de atuação em concreto do conteúdo das normas jurí-dicas. O processo passou a objetivar aspectos jurídicos, sociais e políti-cos. O processo é instrumento, e “todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina”.23

Segundo os ensinamentos do Professor Enrico Tullio Liebman, a quinta classificação de preclusão, a chamada preclusão mista, ocorre

23 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 206.

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quando a parte contesta no décimo sexto dia do prazo; ela pratica o ato preclusão consumativa, porém fora do prazo, preclusão temporal24. Ve-jamos o magistério do Professor Liebman25:

O andamento ordenado e coerente do processo é obtido não só atra-vés dos prazos, mas também das preclusões. Por preclusão entende-se a perda ou extinção do direito de realizar um ato processual em virtude de:

a) do decurso do prazo;

b) da falta do exercício do direito no momento oportuno, quando a or-dem legalmente estabelecida para a sucessão das atividades proces-suais importar uma consequência assim grave;

c) da incompatibilidade com uma atividade já realizada;

d) do fato de já se ter exercido o direito uma vez.

A lei, em outros tempos e em outros países, estabelecia e estabelece um andamento muito rígido do processo, reservando para cada atividade um determinado momento, passado o qual aquela já não será possível; nossa lei, porém, inspira-se hoje mais no princípio da elasticidade e na adaptabilidade do procedimento às exigências particulares de cada cau-sa, embora de maneira compatível com a necessidade de assegurar ao processo um andamento expedito e isento de contradições e recuos, ga-rantindo a certeza das situações processuais.

Sendo assim, antes de enumerar as preclusões, é importante men-cionar que apenas a preclusão temporal (cf. arts. 223 e 507 do novo CPC, Lei nº 13.105/2015) e a preclusão pro judicato têm sua fattispecie26 no ordenamento jurídico pátrio; as demais decorrem de trabalhos da doutrina.

Por fim, chamamos atenção para alguns fenômenos processuais que não devem ser confundidos com a preclusão, como o atentado, a prescrição, a decadência e a perempção.

24 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, v. 2, 2009. p. 467. “[...] ocorrente quando presentes cumulativamente dois fatos, que são o decurso do tempo e o prosseguimento do processo (Liebman): [...]”.

25 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, v. I, impresso em 8/2005. Trad. da 4. ed. italiana do Manuale di Diritto Processuale Civile. Milão: Giufré, 1980. p. 302-303.

26 O direito alemão usa suporte fático, ao passo que o italiano usa fato-base (fattispecie), que foi aportuguesada por alguns autores como fatispécie. Expressão italiana que indica ação típica. Vide tipicidade. Fattispecie concreta... vide <https://pt.wikipedia.org/wiki/Jurisprud%C3%AAncia_dos_valores>.

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Não entendemos que as sanções dos arts. 879 e 881 do CPC de 1973, hoje não mais prevista explicitamente no novo CPC, cf. art. 301 do mesmo CPC, porém plenamente aplicável à parte que comete aten-tado, sejam uma espécie de preclusão, haja vista que é uma sanção im-posta pela lei, a qual não condiz com o instituto da preclusão.

A preclusão também não pode ser confundida com a prescrição. A preclusão representa perda de um poder de agir no processo, de uma faculdade processual ou ônus processual. Ocorre sempre de forma inci-dental e sempre está atrelada à prática de um ato. A prescrição, por sua vez, é a perda da pretensão processual por exaurimento do prazo legal para reclamar. A prescrição atinge a propositura da demanda, isto é, pre-judica o processamento normal e linear da ação, enquanto a preclusão se opera dentro de um processo já iniciado.

A preclusão também não pode ser confundida com a perempção. A perempção ou a caducidade ocorre quando a parte dá causa à extin-ção de sua faculdade processual. Exemplo clássico é o do art. 267, II, e parágrafo único do art. 268, ambos do CPC de 1973. Com o advento do no CPC, o instituto da perempção encontra-se nos arts. 485, V, e 486, § 3º.

Observa-se que o fenômeno da preclusão não deve ser confundi-do com a decadência. A preclusão representa perda de um poder de agir no processo, de uma faculdade processual ou ônus processual. Ocorre sempre de forma incidental e sempre está atrelada à prática de um ato. A decadência em seu expediente é a extinção do direito pela inércia do seu titular. Está subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado e este se esgota sem ser exercitado. A preclusão, por-tanto, impede a prática de um ato, e a preclusão fulmina o direito como um todo.

É conveniente lembrar que algumas matérias de ordem pública, tais como pressupostos de existência e validade do processo, condições da ação, erros matérias, prescrição e decadência e pressupostos nega-tivos, não estão sujeitos à preclusão, até a formação da coisa julgada, podendo estas nulidades ditas absolutas serem arguidas em qualquer fase do processo e em qualquer grau ordinário de jurisdição, sendo con-troversa sua arguição em grau extraordinário, podendo ainda ser conhe-cida de ofício pelo órgão judicante, e sob a leitura atenta do art. 10 do

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novo CPC, desde que seja aberto o contraditório para que as partes se manifestem antes.

Segundo o Professor Arruda Alvim27:

De acordo com a informação universal a respeito do instituto da pre-clusão, é defeso à parte, em rigor às partes e ao juiz, também, rediscu-tir questões preclusas [...] no entanto, a redação do Código restringiu-a unicamente à(s) parte(s), o que se compadece com a sua estrutura, pois há matérias excepcionais que ficam em aberto para o juiz rediscutir e redecidir o que tenha sido decidido e esteja precluso para as partes.

São exatamente as questões de ordem pública. Frisa-se também que a preclusão pro judicato não incide sobre situações de ordem pú-blica.

De acordo com a Professora Teresa Arruda Alvim Wambier28, as questões de ordem pública “podem ser alegadas, a qualquer tempo e decretadas pelo juiz de ofício inexistindo, pois, preclusão. São vícios insanáveis, pois que maculam irremediavelmente o processo”.

Por fim, trataremos, sucintamente, da coisa julgada para não fu-girmos ao propósito do presente artigo. Ocorre a coisa julgada formal, o que chamamos de preclusão máxima, que é o fenômeno endoproces-sual que não comporta mais nenhum tipo recurso que, perfazendo, por fim, a coisa julgada material, que consiste na autoridade que concede a imutabilidade da sentença ou acórdão, salvo a possibilidade da ação rescisória agora com mais amplitude de prazo em casos especiais trazi-das pelo novo CPC (art. 975 e seus parágrafos) ou manejo de ações de impugnação autônomas como, ação declaratória de nulidade ou querela nulitatis insanabilis para desconstituir ou relativizar a coisa julgada. No que tange à coisa julgada, remetemos o leitor ainda para um estudo mais aprofundado sobre o tema: a leitura da clássica obra Autoridade e eficácia da sentença, do Professor Enrico Tullio Liebman, e de obras mais atuais como Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada, do consagrado Professor José Rogério Cruz e Tucci, e Questões prévias e os limites objetivos da cosia julgada, da não menos consagrada Professora Thereza Alvim. O novo CPC, por sua vez, define coisa julga-da material em seu art. 502 abaixo transcrito:

27 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, 1997.28 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 181.

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Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso do Novo CPC – coisa julgada material.

DA PRECLUSÃO APARENTE

Dentro da atual fase evolutiva em que o processo civil brasileiro se encontra, com o advento do novo Código de Processo Civil, no cenário em que ele foi concebido e gestacionado, vindo à luz com as novas ten-dências do processo civil moderno em busca de um processo mais justo, eficiente e em tempo razoável, tudo isso somatizado com o surgimento de uma nova corrente de pensamento tão em voga nos meios acadêmi-cos, chamada de neoconstitucionalismo29, que reflete diretamente suas luzes sobre o processo civil, haja vista que o Livro Primeiro do novo CPC traz normas gerais30 de caráter constitucional-processual que de-vem guiar as demais normas de processo civil, haja vista que o mesmo deve ser observado dentro dos princípios e valores constitucionais, sem formalismos exagerados, como já destacado pelo formalismo-valorativo do Professor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, ou mesmo de uma nova fase do processo civil, ainda embrionária, denominada e diagnosticada por alguns professores de vanguarda como Haroldo Lourenço e Fredie Didier Jr., o neoprocessualismo, isto sem falar na fusão que o novo CPC faz do civil law com o common law. Passamos, portanto, a sentir e per-ceber a identificação e a necessidade de uma nova forma de preclusão que a chamamos de preclusão aparente, e arriscamos dizer ser uma pos-sível sexta espécie de preclusão.

Após nossa pesquisa e estudos sobre o tema da preclusão no pro-cesso civil, percebemos como é incrível que o patrono do processo civil brasileiro, o lendário Professor Liebman, já falecido há mais de 20 anos,

29 Para um estudo mais aprofundado do tema e da teoria neoconstitucional, remetemos o leitor aos ilustres autores de vanguarda constitucional nacional como o Professor Eduardo Ribeiro Moreira, em sua obra Direito constitucional atual (2012, Ed. Elsevier); o Professor Luís Roberto Barroso, em especial ao artigo publicado sob o título “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil)”; ao Professor de Filosofia do Direito Antônio Cavalcanti Maia, que publicou em algumas revistas e livros especializados o artigo “As transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos: apontamentos do neoconstitucionalismo”; e, por fim, ao Professor Daniel Sarmento, em especial a dois textos: “Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda”, publicado em 2007, e “O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades”, de 2009.

30 1º (“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”), 4º (“As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”), 8º (“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”), todos do novo CPC.

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ainda possa nos surpreender com seus ensinamentos, já tendo ele mes-mo formulado as bases de um sexto tipo de preclusão, que chamamos no presente trabalho de preclusão aparente ou, em homenagem ao Pro-fessor Liebman31, podemos também batizá-la de preclusão elástica, visto que, em sua época, ele ainda não possuía as ferramentas processuais e constitucionais evolutivas da modernidade que possuímos hoje para chegar a tal conclusão; todavia, é nítido, como abaixo transcrito, que ele já havia percebido as bases de uma nova forma de preclusão, quando ensina, ainda na década de 80, que

a preclusão inspira-se mais no princípio da elasticidade e na adaptabili-dade do procedimento às exigências particulares de cada causa, embo-ra de maneira compatível com a necessidade de assegurar ao processo um andamento expedito e isento de contradições e recuos, garantindo a certeza das situações processuais.

O que nada mais é do que a base da preclusão aparente ou pre-clusão elástica.

Vejamos ainda, a título ilustrativo, as palavras do Professor Luis de Eulálio de Bueno Vidigal32 sobre o Professor Enrico Tullio Liebman:

[...] Aos 23 anos, recém-formado, fora convidado, pela comissão pro-motora dos estudos em homenagem a Chiovenda (nada menos do que Antônio Castellari, Piero Calamandrei, Francisco Carnelutti, Enrico Redenti e Antônio Segni), para participar da coletânea de trabalhos ju-rídicos. O estudo que então elaborou, “Sul riconoscimento della do-manda”, já revela todas as excepcionais que, depois da morte dos três grandes mestres que mencionei, o consagrariam como o maior proces-sualista do universo das línguas românicas.

[...]

O comportamento de Liebman no Brasil teve tanta repercussão no mun-do das letras jurídicas, que Niceto Alcalá Zamora y Castillo, grande mestre espanhol radicado no México, teve, na mais simpática das ho-menagens que se poderiam prestar ao Brasil e ao mestre italiano, a ideia nobre de aludir à existência de uma Escola de Direito Processual Pau-

31 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, v. I, impresso em 8/2005. Trad. da 4. ed. italiana do Manuale di diritto processuale civile. Milão: Giufré, 1980. p. 303.

32 VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno. “Enrico Tullio Liebman e a processualística brasileira”. Disponível em: <www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67070/69680>. Acesso em: 07 nov. 2015, às 14h, p. 104-112.

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lista, cujos integrantes teriam sido Gabriel de Rezende Filho, Joaquim Canuto Mendes de Almeida, José Frederico Marques, Alfredo Buzaid e nós. [...]

Buzaid, único autor do Código de Processo Civil Brasileiro, em sua mo-déstia, viria a proclamar trinta e cinco anos depois: “Esse Código é um monumento imperecível de glória a Liebman”.

[...]

Esse trabalho original de pesquisa sobre a origem remota dos institu-tos processuais brasileiros seria suficiente para justificar a generosa e simpática sugestão de Niceto Alcalá Zamora y Castilho da existência de uma escola paulista do direito processual? Parece-nos que não. No entanto, nós a aceitamos como homenagem devida a Liebman. Porque Liebman, com sua forte personalidade, transplantou da Itália para o Brasil o espírito universitário, feito mais de modéstia e humildade do que de jactância e pretensão. Porque evidenciou, com o exemplo de sua preferência, que o direito processual deixara de ser disciplina an-cilar do direito material. Porque aperfeiçoou o método de trabalho dos estudiosos brasileiros. E, acima de tudo, porque reabilitou e enobreceu, como ninguém, a tão malsinada e esquecida profissão do magistério.

Essa sexta espécie de preclusão pode ser revestida de qualquer uma das formas das preclusões já existentes e consolidadas pela doutri-na, podendo ser a temporal, a consumativa, a lógica, a pro judicato ou a mista. Lembramos que as matérias de ordem pública não são preclusi-vas, sendo que estas podem ser alegadas em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinário e, para alguns, até em grau extraordinário. Ocorre que se, no decorrer do processo, uma das partes ou o próprio juiz perce-ber a evidência33 de um direito, que não pode ser mais alegado em razão da preclusão, a parte pode requerer ao juiz, ou o próprio juiz pode pro-ceder de ofício, abrindo o contraditório às partes, para depois declarar a ocorrência da preclusão aparente, em decisão devidamente motivada, levando em consideração um juízo de ponderação e proporcionalidade com base nos valores constitucionais processuais em discussão no caso

33 O Professor Luiz Fux, presidente da comissão que elaborou o projeto do Novo CPC, que analisou, em sua tese de cátedra (UERJ), a tutela da evidência. A tese de Luiz Fux: Luiz Fux assegura que a tutela de evidência, assim como a tutela antecipada e a tutela cautelar são baseadas na urgência, já que o processo ordinário, com sua lentidão, gerará um atraso na satisfação da pretensão (FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 306). O Professor Eduardo José da Fonseca Costa, em dissertação de mestrado (PUC-SP), também abordou o tema da tutela da evidência, o qual utiliza o termo “evidência” como sinônimo de fumus boni iuris (COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71).

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concreto, e conceder a tutela provisória da evidência quando o direito da parte for evidente, apesar de ter ocorrido a preclusão, haja vista que é mais importante ser reconhecido um direito latente, tornando assim o processo mais justo, eficiente e em tempo adequado do que reconhe-cer uma preclusão processual, muitas vezes fria e desumana, em prol de formalidades exacerbadas. Podemos citar um exemplo de preclusão aparente, quando a parte contesta sem justo motivo, após dois dias de já decorrido o prazo legal para apresentar contestação; no entanto, o direi-to da parte que contesta é tão evidente e latente que seria uma injustiça ser ela apenas com a revelia. Haverá, portanto, um juízo de interpreta-ção neoconstitucional sistemática e teleológica, respaldado em normas de sobredireito e em princípios constitucionais processuais, ponderando a importância do direito evidente a ser reconhecido e da preclusão apa-rente a ser afastada, em decisão fundamentada, desde que concedido o contraditório às partes interessadas. Essa preclusão somente poderá ser alegada e reconhecida antes do trânsito em julgado da sentença ou acórdão que decide o processo com julgamento de mérito.

Sendo assim, a preclusão aparente pode ser reconhecida pelo juiz, quando se tratar de valores processuais constitucionais que estão ava-liados em face da evidência de um direito e de uma preclusão, muitas vezes fria e injusta, e torna assim o processo e o instituto da preclusão mais humano, menos formalista, mais justo, menos frio.

Uma das grandes alterações trazidas pelo novo CPC está no insti-tuto da tutela provisória e na separação entre a tutela de urgência e a tu-tela de evidência. Não se trata de modalidade nova de tutela, haja vista que ela já existia. Ela já existia no nosso sistema (art. 273, II e § 6 do CPC de 1973). O novo Código inovou fundamentalmente no trato separado em relação à tutela de urgência e nas hipóteses de sua aplicação.

Antes, porém, é importante definir o que vem a ser a tutela de evidência. A palavra evidente significa claro, patente, óbvio. A tutela da evidência do direito (ou do direito evidente) é, pois, a proteção especial (mais célere, antecipada em relação à final) que se outorga àquelas situa-ções em que a probabilidade da parte requerente estar com a razão é muito alta.

O art. 311 faz previsão das modalidades de tutela de evidência. Aqui cabe a decisão liminar inclusive quando: (1) ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu;

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(2) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha outra prova capaz de gerar dúvida razoável; (3) as alegações de fato pude-rem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante; e (4) tratar-se de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa.

Outra situação que destacamos, e precisa ainda ser amadurecida em nossa doutrina e jurisprudência, diz respeito à qual autoriza o Magis-trado a julgar desde logo a lide no que toca especificamente ao pedido cujo entendimento jurisprudencial já se consolidou. Dizemos amadure-cida, pois entendemos ser este o principal elo na fusão entre o comom law e o civil law, como percebemos com o advento do Novo CPC.

Há nítida valorização dos entendimentos sumulados e dos julga-mentos de casos repetitivos, demonstrando, claramente, a preocupação com a técnica de julgamento de demandas de massa, num país que tem suas origens jurídicas do civil law, e não do comom law; achamos louvável e necessária essa inclusão e fusão de pensamentos, desde que sejam aproveitados os pontos favoráveis de ambos e descartados os pon-tos negativos. Mas isso demanda tempo e reeducação dos operadores de Direito, para que se preparem para fazer o uso dos instrumentos e mecanismos processuais adequados desta nova fase em que estamos vi-vendo na ciência do processo civil, que, apesar de evidente, ainda temos muito que aprender, para que a tutela jurisdicional de nosso País possa ser justa, eficaz e em tempo razoável.

Não podemos querer sair na vanguarda do processo civil sem re-fletir sobre nossa própria história e nossos próprios problemas do sistema judiciário brasileiro e da cultura de nossa população. Não adianta ter-mos o melhor Código de Processo Civil do mundo e uma mentalidade de terceiro mundo ou país emergente. Só atingiremos essa meta se pro-varmos, ao longo do tempo, que nosso processo civil é, de fato, justo e eficiente. Senão seria o mesmo que dar uma Ferrari a um operador de gramas: ele iria dirigi-la como se dirige seu cortador de gramas. Talvez um bom Código de Processo Civil devesse ter cem ao revés de mil arti-gos; seria melhor primar pela qualidade do que pela quantidade. E ainda ressaltamos a importância da reeducação na seara processual dos futu-ros juristas que começa já nos bancos acadêmicos.

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CONCLUSÃO

Como a maioria dos processualistas já sabem, o tema da preclusão pode ser identificado como tema nodal dentro do processo civil, de difí-cil conceituação, classificação e delimitação, porque, ao mesmo tempo em que ele é necessário para fazer com que o processo siga o seu curso normal para seu resultado tão almejado que é a sentença, algumas vezes a preclusão pode materializar-se por formalismos exacerbados e coibir a própria aplicação da justiça ao caso concreto.

Sendo assim, após nosso modesto estudo e pesquisa sobre o ins-tituto da preclusão, iniciando por suas origens históricas, passamos à tentativa de conceituação do instituto com base em abalizada doutri-na nacional e internacional. Percebemos também forte influência ita-liana na definição e classificação do instituto da preclusão através de uma análise dos estudos de clássica doutrina dos Professores Giuseppe Chiovenda, Enrico Redenti e Enrico Tullio Liebman. Notamos, ainda, um aprofundado estudo sobre a matéria do Professor brasileiro Heitor Vitor de Mendonça Sica.

Após nossa pesquisa acerca do instituto da preclusão, somatizado ainda com a corrente de pensamento do neoconstitucionalismo atual-mente tão ventilada nos meios acadêmicos, e com o advento do novo Código de Processo Civil, que traz tendências tão modernas sobre pro-cesso civil, como a do Livro I de sua Parte Geral, que consagra os prin-cípios processuais constitucionais como guia para aplicação das demais normas do novo CPC, inserção do princípio colaborativo, o instituto da tutela provisória, entre muitas outras inovações, percebemos que é pos-sível, com base na clássica doutrina e com fulcro nas mais modernas tendências do processo civil, identificar e construir uma nova forma de preclusão que podemos chamar de preclusão aparente ou elástica em homenagem ao Professor Liebman, que, como demonstramos, já havia traçadas as primeiras linhas sobre ela. Essa preclusão pode revestir-se de qualquer forma das demais, como sendo temporal, lógica, consumativa, pro judicato ou mista. Todavia, ela se difere das demais, pois o juiz pode decretar a preclusão aparente ou elástica, abrindo contraditório para as partes se manifestarem, e desde que haja um direito evidente da parte prejudicada pela preclusão, pois o que este tipo de preclusão prima é por uma interpretação ponderativa e proporcional do juiz, levando em conta a evidência de um direito na busca de processo justo, eficaz e em

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tempo razoável, ao revés de se decretar muitas vezes uma preclusão fria e desumana.

REFERÊNCIAS

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DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, v. I, impresso em 8/2005. Trad. da 4. ed. italiana do Manuale di diritto processuale civile. Milão: Giufré, 1980.

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ROCHA, Paulo Muanis do Amaral. Preclusão pro judicato nas decisões inter-locutórias. Disponível em: <http://www.integrawebsites.com.br/versao_1/ar-quivos/d1287a4c403dedfaef2892d7895c05f6.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2015, às 17h.

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VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno. Enrico Tullio Liebman e a processualísti-ca brasileira. Disponível em: <www.revistas.usp.br/rfdusp/article/downlo-ad/67070/69680>. Acesso em: 07 nov. 2015.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 811.240 – SP (2015/0269264‑7)Relatora: Ministra Maria Isabel GallottiAgravante: Danilo Fanucchi BignardiAgravante: Aline Helney Chagas BignardiAdvogado: Danilo Fanucchi BignardiAgravado: Andrea de FreitasAdvogado: Marcelo Choinhet

ementa

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – COMPRA E VENDA – ABUSO DO DIREITO DE COBRANÇA PELO COMPRADOR – EXPOSIÇÃO DA VENDEDORA À SITUAÇÃO VEXATÓRIA – DANOS MORAIS – VALOR DA INDENIZAÇÃO – REEXAME DE PROVA

1. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (Súmula nº 7 do STJ).

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

acÓrDÃo

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Minis-tros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 15 de dezembro de 2015 (data do Julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti Relatora

relatÓrio

Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Trata-se de agravo regi-mental interposto por Aline Helney Chagas e outro contra decisão me-diante a qual neguei provimento a agravo em recurso especial, por apli-

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car ao caso a Súmula nº 7 do STJ e verificar que o art. 535 do Código de Processo Civil não estava violado.

Os agravantes afirmam não se aplicar ao caso a referida Súmula, pois, segundo afirmam, é desnecessária a revisão de fatos e provas. Sus-tentam que o acórdão recorrido é omisso, pois teria deixado de conside-rar seus argumentos acerca do valor da condenação por danos morais, que consideram elevado (R$ 10.000,00).

É o relatório.

voto

Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Os argumentos da agra-vante não foram suficientes para infirmar os fundamentos da decisão agravada, que adoto como razões de decidir:

Trata-se de agravo em recurso especial interposto por Danilo Fanucchi Bignardi e outra com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constitui-ção Federal.

O acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tem a seguinte ementa (e-STJ, fl. 387):

RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – OFENSAS – Com-pra e venda de cão sem a entrega do certificado da origem gene-alógica do animal. Comprovada a conduta ilícita dos Requeridos (compradores do cão). Dano moral decorrente do abuso do direito de cobrança e da exposição da Autora à situação vexatória, com a utilização de expressões ofensivas. Sentença de procedência, para condenar os Requeridos ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00. Recurso dos requeridos improvido.

Os agravantes alegam violação dos arts. 535, II, do Código de Processo Civil; 876 do Código Civil; 5º da Lei de Introdução às Normas do Direi-to Brasileiro. Sustentam que o acórdão recorrido é omisso e, além disso, impugnam o valor da indenização fixada a título de reparação por da-nos morais, R$ 10.000,00.

Assim posta a questão, observo que o acórdão recorrido se manifestou de forma suficiente e motivada sobre o tema em discussão nos autos. Ademais, não está o órgão julgador obrigado a se pronunciar sobre to-dos os argumentos apontados pelas partes, a fim de expressar o seu con-vencimento. No caso em exame, o pronunciamento acerca dos fatos

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controvertidos, a que está o magistrado obrigado, encontra-se objetiva-mente fixado nas razões do acórdão recorrido. Afasto, pois, a alegada violação do art. 535 do CPC.

Quanto ao mais, o recurso não poderia ser acolhido sem reexame de prova, a partir da qual se poderia adotar conclusão que permitiria aco-lher a alegação dos agravantes de que não têm condições financeiras para pagar a indenização e, assim, promover ajustes em seu valor.

É bem verdade que, no que tange à verba indenizatória por dano moral, o Superior Tribunal de Justiça considera excepcionalmente cabível, em recurso especial, o reexame do valor arbitrado, quando for ele excessivo ou irrisório (AgRg-REsp 959.712/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., DJe de 30.11.2009 e AgRg-Ag 939.482/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª T., DJe de 20.10.2008, entre outros). Não é o caso destes autos, em que fixada indenização no valor de R$ 10.000,00, a ser paga pelos dois agravantes, quantia compatível com as circunstâncias levadas em consi-deração pelo Tribunal de origem.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo.

Intimem-se.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

certiDÃo De julgamento Quarta turma

AgRg-AREsp 811.240/SP Número Registro: 2015/0269264-7

Números Origem: 00068352520098260281 134609 2810120090068350

68352520098260281

Em Mesa Julgado: 15.12.2015

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Mônica Nicida

Garcia

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

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autuaçÃo

Agravante: Danilo Fanucchi Bignardi

Agravante: Aline Helney Chagas Bignardi

Advogado: Danilo Fanucchi Bignardi

Agravado: Andrea de Freitas

Advogado: Marcelo Choinhet

Assunto: Direito Civil – Responsabilidade Civil

agravo regimental

Agravante: Danilo Fanucchi Bignardi

Agravante: Aline Helney Chagas Bignardi

Advogado: Danilo Fanucchi Bignardi

Agravado: Andrea de Freitas

Advogado: Marcelo Choinhet

certiDÃo

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regi-mental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaHabeas Corpus nº 333.214 – SP (2015/0200862‑9)Relator: Ministro Moura RibeiroImpetrante: Tiago Di Barros FontanaAdvogado: Tiago Di Barros FontanaImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: S. S.

ementa

CIVIL – HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO – PENSÃO ALIMENTÍCIA ENTRE EX-CÔNJUGES – INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR – PRISÃO CIVIL – ALEGADO EXCESSO DA EXECUÇÃO – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – CAPACIDADE FINANCEIRA DO EXECUTADO E REVISÃO DAS JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PARA O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO – INA - DEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – DÉBITO PRETÉRITO – NÃO CONFIGURAÇÃO – INADIM-PLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ – HABEAS CORPUS DENEGADO

1. A via estreita do habeas corpus exige prova pré-constituída da ilega-lidade afirmada e não comporta dilação probatória, de modo que não cabe ao STJ alterar a conclusão da instância ordinária, formada a partir do exame dos elementos dos autos, de que não houve modificação do valor da verba alimentar. Inexistência de comprovação de plano do ale-gado excesso da execução.

2. A verificação da incapacidade financeira do executado e a revisão das justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação deman-dam dilação probatória, não se mostrando o writ a via adequada para este mister. Precedentes.

3. Promovida a execução com base no art. 733 do CPC, cobrando as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e as que venceram no curso da ação, não há falar em débito pretérito a ser cobrado pelo rito do art. 732 do mesmo diploma legal.

4. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral das três parcelas anteriores ao ajuizamento

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da ação e das que vencerem no curso não é ilegal. Inteligência da Súmu-la nº 309 do STJ e precedentes.

5. Há orientação pacificada no STJ de que o não pagamento integral das prestações alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos.

6. Ordem denegada.

acÓrDÃo

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Supe-rior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em denegar a ordem, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 03 de dezembro de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Moura Ribeiro Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator):

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, im-petrado em favor S. S. contra acórdão da 3ª Câmara de Direito Pri-vado do Tribunal de Justiça de São Paulo (Processo nº 2105968-63.2015.8.26.0000) que denegou a ordem em outro writ lá impetrado, que recebeu a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS – Execução de Alimentos. Decreto de prisão civil. Justificativa do devedor rejeitada. Anterior acordo referente ao paga-mento do débito atrasado e que não alterou o valor da pensão alimentí-cia inicialmente fixada. Alegação de dificuldades financeiras. Meio ina-dequado. Execução pelo rito do art. 733 do CPC com fundamento nas 03 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da ação. Súmula nº 309 do C. STJ. Inexistência de ilegalidades. Decreto de Prisão Mantido. Or-dem denegada (e-STJ, fl. 42).

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O impetrante narra que, em ação de execução de alimentos pro-movida pela ex-cônjuge visando o recebimento da pensão relativa aos meses de fevereiro a abril de 2014, o paciente teve a prisão civil decre-tada pelo prazo de 30 dias, apesar de ter apresentado justificativa para o inadimplemento da obrigação.

Aponta a existência de excesso de execução pois, em processo anterior (nº 011922-58.2008.8.26.0011), as partes celebraram acordo alterando o valor mensal da pensão de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para R$ 600,00 (seiscentos reais). Diz que o paciente está depositando os novos valores ajustados, com exceção dos meses de fevereiro a junho de 2014, pois ele está desempregado e necessita do parcelamento do débito.

Relata que impetrou habeas corpus na origem, no qual sustentou que o inadimplemento da obrigação foi involuntária e escusável, e que a situação financeira do paciente não lhe permitia cumprir a obrigação anteriormente assumida. Porém, ele foi denegado.

Agora, o tema é aqui reeditado, com o destaque de que o paciente conta com 50 anos e que está desempregado, vivendo de bicos.

Aduz que somente a execução das três últimas parcelas atuais jus-tifica a medida excepcional da prisão civil, devendo os créditos pretéri-tos ser cobrados no rito do art. 732 do CPC, o que caracteriza constran-gimento ilegal e enseja a concessão da ordem para afastar o decreto de prisão.

Acrescenta que a situação financeira da credora modificou para melhor e que ela não possui nenhum problema de saúde que a incapa-cite para o trabalho, razão pela qual não necessita de alimentos, o que será demonstrado na ação exoneratória que ajuizou.

Pediu a concessão da ordem para afastar a ameaça de prisão civil.

Indeferi a liminar (e-STJ, fls. 109/110).

Recebi as informações (e-STJ, fls. 117/121).

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ (e-STJ, fls. 129/133).

É o relatório.

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ementa

CIVIL – HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO – PENSÃO ALIMENTÍCIA ENTRE EX-CÔNJUGES – INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR – PRISÃO CIVIL – ALEGADO EXCESSO DA EXECUÇÃO – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – CAPACIDADE FINANCEIRA DO EXECUTADO E REVISÃO DAS JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PARA O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – DÉBITO PRETÉRITO – NÃO CONFIGURAÇÃO – INADIM-PLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ – HABEAS CORPUS DENEGADO1. A via estreita do habeas corpus exige prova pré-constituída da ilega-lidade afirmada e não comporta dilação probatória, de modo que não cabe ao STJ alterar a conclusão da instância ordinária, formada a partir do exame dos elementos dos autos, de que não houve modificação do valor da verba alimentar. Inexistência de comprovação de plano do ale-gado excesso da execução.

2. A verificação da incapacidade financeira do executado e a revisão das justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação deman-dam dilação probatória, não se mostrando o writ a via adequada para este mister. Precedentes.

3. Promovida a execução com base no art. 733 do CPC, cobrando as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e as que venceram no curso da ação, não há falar em débito pretérito a ser cobrado pelo rito do art. 732 do mesmo diploma legal.

4. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral das três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que vencerem no curso não é ilegal. Inteligência da Súmu-la nº 309 do STJ e precedentes.

5. Há orientação pacificada no STJ de que o não pagamento integral das prestações alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos.

6. Ordem denegada.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator):

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O impetrante diz de que o paciente sofre constrangimento ilegal pois o acórdão recorrido manteve o decreto de prisão civil, apesar da existência de justificativas plausíveis para o inadimplemento da obriga-ção alimentar, quais sejam, o seu desemprego e as suas precárias condi-ções financeiras.

De acordo com as informações recebidas da autoridade coatora (e-STJ, fls. 117/121), o paciente foi demandado em ação de execução de alimentos promovida pela ex-cônjuge, sob o rito o art. 733 do CPC, em razão do inadimplemento das parcelas referentes ao período de feverei-ro a abril de 2014, bem como das que se vencerem no curso da ação. No acordo de separação judicial do ex-casal ficou ajustado que o paciente pagaria R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de alimentos à ex-mulher.

Segundo a autoridade coatora, o executado, citado, apresentou justificativa para o inadimplemento, tendo alegado excesso de execução pois a verba alimentar foi reduzida para R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão de acordo celebrado nos autos da execução que tramitou na 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Pinheiros (Processo nº 011922-58.2008.8.26.0011).

O Juízo da Execução rejeitou as justificativas apresentadas pelo executado e decretou a prisão civil por 30 dias porque:

Resta claro que o acordo celebrado entre as partes nos autos nº 011922-58.2008.8.26.0011 não importa modificação do valor da pensão alimentícia, mas mero parcelamento do débito cobrado em anterior ação de execução. Esta perfazia o total R$ 150.530,08 (cen-to e cinquenta mil, quinhentos e trinta reais e oito centavos) e as par-tes acordaram que o executado pagaria, de imediato, o equivalente a R$ 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos reais) e o restante em parcelas mensais no valor de um salário mínimo. Naquela oportunidade foi ex-pressamente consignado na avença que ela ‘se constitui em uma transa-ção e não em novação da dívida’.

Assim sendo, depreende-se que o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) mensais indicado pela exequente na execução da dívida alimen-tícia encontra-se correto. O executado não logrou comprovar alteração no valor da pensão ajustada em 1998 na ação de separação entre as partes.

Vale ressaltar que os pagamentos realizados pelo executado às fls. 83/117 não devem ser considerados para a presente ação, vez que,

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pelo valor, presume-se corresponderem ao pagamento da dívida ante-rior (e-STJ, fl. 99).

O Tribunal a quo, por sua vez, no julgamento do writ anterior concluiu que o paciente não sofreu constrangimento ilegal, porque (1) não houve alteração da pensão alimentícia fixada na ação de se-paração judicial do casal; (2) a via estreita do habeas corpus não per-mite o exame de impossibilidade de cumprimento da obrigação; e, (3) não havia que se falar em débito pretérito, pois a ação foi ajuizada em 22.04.2014, cobrando as três últimas parcelas anteriores.

Não há ilegalidade nos autos que justifique a concessão da ordem de habeas corpus.

De início, como é sabido, na via estreita do habeas corpus, o ale-gado constrangimento ilegal deve ser demonstrado de plano, pois o writ não comporta dilação probatória devendo a prova da ilegalidade ser pré-constituída.

Nessa toada, no caso, não merece acolhida a alegação de excesso de execução porque não há comprovação de que houve modificação do valor da pensão alimentícia. Inexiste nos autos sentença proferida em ação revisional de alimentos reduzindo a verba alimentar. Faltou a prova pré-constituída da ilegalidade afirmada.

No mais, o Juízo da execução e o acórdão ora impugnado, à luz dos elementos probatórios dos autos, consignaram expressamente que o valor da obrigação alimentar não foi alterado, tendo ocorrido apenas uma transação entre as partes para quitação do débito contraído em exe-cução anterior. Desse modo, não cabe ao STJ modificar tal conclusão, pois, como dito, o writ não é o meio adequado para exame de fatos e provas e não comporta dilação probatória.

Nesse sentido, guardadas as devidas proporções, o seguinte pre-cedente:

HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – INADIMPLÊNCIA DA OBRIGA-ÇÃO ALIMENTAR – CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE POR MEIO DO WRIT – PAGAMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO ALIMEN-TÍCIA – REGULARIDADE DA ORDEM DE PRISÃO – ACORDO DES-CUMPRIDO – CABIMENTO DE SEGREGAÇÃO – ORDEM DENEGADA

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1. Tendo o Tribunal a quo reconhecido, diante das provas apresentadas, não estar comprovada a inviabilidade do pagamento do débito alimen-tar pelo paciente, não cabe alterar o que restou decidido, pois o pro-cessamento do writ não comporta dilação probatória, não sendo meio adequado para análise de fatos e provas.

2. O pagamento parcial da obrigação alimentar não afasta a regularida-de da prisão civil. Precedentes.

3. Acordo celebrado em ação de execução de alimentos, se descumpri-do, pode ensejar o decreto de prisão civil do devedor, por ser a dívida pactuada débito em atraso, e não dívida pretérita. Precedentes.

4. Ordem denegada.

(HC 249.079/RJ, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 4ª T., J. 06.11.2012, DJe de 25.05.2013)

De outra parte, como bem consignou o acórdão impugnado, o habeas corpus não é a via adequada para aferir a capacidade finan-ceira do alimentante e para revisar as justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação, porque isso exigiria o exame aprofunda-do dos fatos, o que somente é possível de ser realizado em ação revisio-nal ou exoneratório de alimentos. Nesta ordem de decidir, os seguintes julgados:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – ALI-MENTOS – ART. 733, § 1º, CPC – SÚMULA Nº 309/STJ – CAPACIDA-DE ECONÔMICA DO ALIMENTANTE – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEI-TA – SÚMULA Nº 358/STJ

1. A decretação da prisão do alimentante, nos termos do art. 733, § 1º, do CPC, revela-se cabível quando não adimplidas as três últimas prestações anteriores à propositura da execução de alimentos, bem como as parcelas vincendas no curso do processo executório, nos ter-mos da Súmula nº 309/STJ, sendo certo que o pagamento parcial do débito não elide a prisão civil do devedor.

2. O habeas corpus, que pressupõe direito demonstrável de plano, não é o instrumento processual adequado para aferir a dificuldade financei-ra do alimentante em arcar com o valor executado, pois demandaria o reexame aprofundado de provas.

3. A verificação da capacidade financeira do alimentante e a eventual desnecessidade dos alimentados diante da maioridade alcançada de-manda dilação probatória aprofundada (Súmula nº 358/STJ), análise in-

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compatível com a via restrita do habeas corpus, que somente admite provas pré-constituídas.

4. Recurso ordinário não provido.

(RHC 32.088/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 17.04.2012, DJe de 23.04.2012, sem destaque no original)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO – ALI-MENTOS – NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS

1. O recurso ordinário em habeas corpus deve limitar-se à apreciação da legalidade ou não do decreto de prisão, não se revelando instrumen-to hábil para o exame aprofundado de provas e verificação de justifica-tivas fáticas apresentadas pelo paciente. Precedentes.

2. Recurso não provido.

(RHC 46.511/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., J. 22.04.2014, DJe de 29.04.2014, sem destaque no original)

HABEAS CORPUS – PENSÃO ALIMENTÍCIA – INADIMPLÊNCIA – IN-CAPACIDADE FINANCEIRA ALEGADA – PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – DILAÇÃO PROBATÓRIA – VIA INADEQUADA – AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS – AJUIZAMENTO – INSUFICIÊNCIA COMO JUSTIFI-CATIVA – PRISÃO CIVIL – ART. 733 DO CPC – POSSIBILIDADE

1. O habeas corpus não é a via adequada para discutir a obrigação de prestar alimentos em si, mas tão somente para analisar a legalidade da ordem judicial que decretou a prisão civil do devedor.

2. A incapacidade financeira do paciente deve ser demonstrada de pla-no, uma vez que a via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória.

3. A mera existência de ação revisional de alimentos ajuizada pelo pa-ciente, com regular tramitação, desacompanhada de elementos con-cretos acerca da situação econômica do devedor, é insuficiente para demonstrar a alegada incapacidade financeira para o cumprimento da obrigação.

4. A prisão domiciliar somente deve ser admitida em hipóteses excep-cionais, pois a sua concessão, conforme já decidido por esta eg. Corte, contraria a finalidade principal da prisão civil do devedor de alimentos, qual seja, forçar o cumprimento da obrigação.

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5. Ordem denegada.

(HC 312.800/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., J. 02.06.2015, DJe de 19.06.2015, sem destaque no original)

Noutro giro, não há falar em débitos pretéritos a serem cobrados pelo rito do art. 732 do CPC, porque a execução foi promovida com base no art. 733 do mesmo diploma legal, visando a cobrança das três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que venceram no cur-so da ação. A demora injustificada no cumprimento da obrigação não tem o condão de alterar o rito da execução.

Não bastasse, esta egrégia Corte Superior tem entendimento, inclu-sive sumulado, de que é legal a manutenção da prisão civil do devedor de alimentos que não comprova o pagamento das três últimas parcelas vencidas antes do ajuizamento da execução e das que venceram no cur-so do processo. A respeito, a Súmula nº 309, verbis: o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.

Igualmente, há orientação pacificada no STJ de que o não paga-mento integral das prestações devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos. Nessa ordem de decidir, os seguintes precedentes:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO – PRI-SÃO CIVIL – ALIMENTOS PRESTADOS DE FORMA PARCIAL – OR-DEM DENEGADA

1. Não demonstrando o paciente em que consiste a pretensa ilegalidade da prisão decretada pelo inadimplemento de verba de natureza alimen-tar, deve a ordem de habeas corpus ser negada.

2. O pagamento parcial do débito não afasta a regularidade da prisão civil.

3. Habeas corpus denegado.

(HC 293.356/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., J. 12.08.2014, DJe de 21.08.2014, sem destaque no original)

HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ANÁLISE DE PRO-VAS – IMPOSSIBILIDADE – PAGAMENTO PARCIAL – PRISÃO CIVIL – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������133

1. O habeas corpus não é a via adequada para o exame aprofundado de provas a fim de averiguar a condição econômica do devedor, a necessi-dade do credor dos alimentos e o eventual excesso do valor dos alimen-tos. Precedentes.

2. O pagamento apenas parcial dos valores devidos a título de alimen-tos não afasta a possibilidade de decretação da prisão civil do devedor conforme já reiteradamente decidido pelo STJ.

3. Ordem denegada.

(HC 245.804/MS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., J. 12.11.2013, DJe de 26.11.2013, sem destaque no original)

É a justamente a hipótese dos autos! Não houve comprovação do pagamento integral das três pensões vencidas e das que venceram no curso da execução.

Finalmente, a alegação de que a credora não necessita dos alimen-tos somente pode ser examinada em ação própria, como dito acima, em ação revisional ou exoneratória de alimentos.

Dessa forma, diante da inexistência de ilegalidade flagrante, de-nego a ordem.

certiDÃo De julgamento terceira turma

Número Registro: 2015/0200862-9

Processo Eletrônico HC 333.214/SP

Números Origem: 00061069520118260000 01192285820088260011 10041976020148260011 1192285820088260011 20150000464450 21059686320158260000 61069520118260000

Em Mesa Julgado: 03.12.2015

Segredo de Justiça

Relator: Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

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134 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

autuaçÃo

Impetrante: Tiago Di Barros Fontana

Advogado: Tiago Di Barros Fontana

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: S. S.

Assunto: Direito Civil – Família – Alimentos

certiDÃo

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, denegou a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

8561

Superior Tribunal de JustiçaAgRg na Medida Cautelar nº 25.168 – SP (2015/0289884‑0)Relator: Ministro Paulo de Tarso SanseverinoAgravante: Iódice Indústria e Comércio de Moda Ltda.Advogados: Marcio Henrique de Souza Badra e outro(s)

Rubens Decoussau Tilkian e outro(s)Agravado: Maria Antonieta Comércio de Artigos do Vestuário Ltda.Agravado: Lossoz Comércio de Roupas Ltda. – MEAgravado: L. P. B. Chady Comércio de Confecções – MEAgravado: Lopes Baqueiro Comércio de Vestuário Ltda. – ME

ementa

AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR – CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL – FUMUS BONI IURIS – PROGNÓSTICO DESFAVORÁVEL AO RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE DESEJA AGREGAR EFEITO SUSPENSIVO – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

acÓrDÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 03 de dezembro de 2015 (data de Julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão assim ementada:

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136 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

MEDIDA CAUTELAR – CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RE-CURSO ESPECIAL – AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL – FUMUS BONI IURIS – PROGNÓSTICO DESFAVORÁVEL AO RECUR-SO ESPECIAL AO QUAL SE DESEJA AGREGAR EFEITO SUSPENSIVO – MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

No agravo regimental, o agravante alega, essencialmente, que (a) a agravante possui evidente possibilidade de êxito no seu recurso, tendo sido demonstrada a existência de fumus boni iuris; (b) busca-se, com o recurso, que a ação anulatória seja recebida e a matéria em de-bate analisada pelas instâncias ordinárias; (c) as premissas fáticas assen-tadas no acórdão recorrido são suficientes para permitir a apreciação do recurso especial, sem que isso implique no revolvimento do supor-te fático-probatório; (d) pretende discutir apenas questões atinentes à nulidade do procedimento arbitral, as quais autorizam a intervenção do Poder Judiciário; (e) não se pode olvidar que a agravante requereu também a nulidade do acórdão recorrido por violação do art. 535 do CPC, restando evidenciada a viabilidade recursal também neste ponto; (f) estão presentes, portanto, os requisitos autorizadores da concessão do almejado efeito suspensivo.

É relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator):

Eminentes colegas, o agravo regimental não merece prosperar.

Em que pese o arrazoado, entendo que a ausência de qualquer novo subsídio trazido pelo agravante, capaz de alterar os fundamentos da decisão ora agravada, faz subsistir incólume o entendimento nela firmado.

Portanto, não há falar em reparos na decisão, razão pela qual se reafirma o seu teor:

Não merece acolhida o requerimento de agregação de efeito suspensivo ao recurso especial.

Em que pese estar presente o perigo de dano irreparável a que se sujeita a requerente com a não suspensão dos efeitos do acórdão do Tribunal

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������137

de Justiça do Estado de São Paulo, a viabilidade do recurso especial a que se pretende atribuir efeito suspensivo não se faz presente.

No presente caso, embora a petição tenha feito detalhado relato dos fa-tos e do montante a ser levantado pelas requeridas, não houve a ne-cessária demonstração do preenchimento do requisito da plausibilidade do seu direito consistente na viabilidade do recurso especial interposto (fumus boni juris).

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAU-TELAR – ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPE-CIAL – EXCEPCIONALIDADE – FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA NÃO DEMONSTRADOS – DECISÃO MANTIDA

1. A atribuição de efeito suspensivo a recurso especial é medida excepcional, contrária a expressa disposição do sistema processual (CPC, art. 497; Lei nº 8.038/1990, art. 27, § 2º), só se justificando diante de inequívoco risco de dano irreparável e sob o pálio de rele-vantes argumentos jurídicos.

2. No caso concreto, não logrou o requerente demonstrar a existên-cia dos requisitos autorizadores do excepcional provimento acaute-latório almejado.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-MC 22.937/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., J. 09.09.2014, DJe 18.09.2014)

Ressalte-se que, em caso análogo, a orientação jurisprudencial do Supe-rior Tribunal de Justiça aplicou a Súmula nº 7/STJ na hipótese em que o acolhimento da tese defendida no recurso especial reclama a análise de elementos probatórios produzidos ao longo da demanda.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – JUÍZO ARBITRAL – ALE-GAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE E IGUALDADE ENTRE AS PARTES – CONCLUSÃO DO TRIBUNAL LOCAL NO SENTIDO DE QUE PRETENDE A PARTE A REVISÃO DA SENTENÇA ARBITRAL – REEXAME PELO PODER JUDICIÁRIO – CONCLUSÕES FÁTICAS DO TRIBUNAL – REVER O QUADRO FÁTICO TRAÇADO – IMPOSSIBILIDADE – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO

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1. É vedado em recurso especial o reexame das circunstâncias fáti-cas da causa, ante o disposto no Enunciado nº 7 da Súmula do STJ: “A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso espe-cial.” 2. No caso, atacar a conclusão da Corte de origem e analisar o pedido de anulação da sentença arbitral, já assentado pelo Tribunal como impossível juridicamente, pois pretendia a recorrente a reava-liação das provas do processo arbitral e não a legalidade dos atos praticados pelo juízo de arbitragem, não é possível neste caso.

Isso porque, para rebater a conclusão a que chegou o Juízo local se-ria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é obstado em recurso especial.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-AREsp 581.519/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., J. 20.11.2014, DJe 04.12.2014)

Dessa forma, neste momento perfunctório da análise do pedido caute-lar, as alegações da requerente não permitem vislumbrar a plausibili-dade da sua irresignação recursal, tendo em vista a orientação jurispru-dencial acima aludida.

Ante o exposto, indefiro a presente medida cautelar. (fls. 2801/2803)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

certiDÃo De julgamento terceira turma

AgRg-MC 25.168/SP Número Registro: 2015/0289884-0

Números Origem: 00100134920148160001 00255173720108160001 00878166920138260000 01375144020108260100 01887339220108260100 100134920148160001 10157469120148260100 10173667520138260100 10515652620138260100 1375144020108260100 1887339220108260100 20150000402949 20150000589443 255173720108160001 878166920138260000

Em Mesa Julgado: 03.12.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������139

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuaçÃo

Requerente: Iódice Indústria e Comércio de Moda Ltda.

Advogados: Rubens Decoussau Tilkian e outro(s) Marcio Henrique de Souza Badra e outro(s)

Requerido: Maria Antonieta Comércio de Artigos do Vestuário Ltda.

Requerido: Lossoz Comércio de Roupas Ltda. – ME

Requerido: L. P. B. Chady Comércio de Confecções – ME

Requerido: Lopes Baqueiro Comércio de Vestuário Ltda. – ME

Assunto: Direito Civil – Obrigações – Espécies de contratos – Franquia

agravo regimental

Agravante: Iódice Indústria e Comércio de Moda Ltda.

Advogados: Rubens Decoussau Tilkian e outro(s) Marcio Henrique de Souza Badra e outro(s)

Agravado: Maria Antonieta Comércio de Artigos do Vestuário Ltda.

Agravado: Lossoz Comércio de Roupas Ltda. – ME

Agravado: L. P. B. Chady Comércio de Confecções – ME

Agravado: Lopes Baqueiro Comércio de Vestuário Ltda. – ME

certiDÃo

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

8562

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0000505‑83.2007.4.01.3814Apelação Cível nº 2007.38.14.000505‑8/MGRelator(a): Juiz Federal Leão Aparecido AlvesApelante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Jairdes Carvalho Garcia e outros(as)Apelado: Cleucilene da SilvaAdvogado: Amarildo Martins Ferreira

ementa

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – CONTA BANCÁRIA – APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS – AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA RESPONSÁVEL PELO SAQUE DA QUANTIA DEPOSITADA NA CONTA DA AUTORA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO

1. Apelante, Caixa Econômica Federal (CEF ou Caixa), recorre da sen-tença pela qual o Juízo Singular julgou procedente o pedido formulado contra ela, em ação de prestação de contas, para condená-la “a exibir, no prazo de 48 horas, os extratos da conta corrente da autora, fornecendo o nome da pessoa que efetuou o saque das quantias”.

2. Apelante sustenta, em suma, que a ação de prestação de contas se de-senvolve em duas fases; que, “na primeira, decide-se sobre a obrigação do demandado em prestar as contas; na segunda, constatada a obrigação de prestar contas, estipula-se prazo de 48 horas para prestá-las, sob pena de não poder impugnar as contas apresentadas pelo autor”; que, em se-guida, “[o] juiz decide se as contas são boas ou não”; que, no presente caso, a primeira fase é dispensável, porque a manutenção de conta ban-cária pressupõe o dever de prestação periódica das contas respectivas, mediante o fornecimento de extratos bancários; que, no prazo da con-testação, apresentou os extratos objeto do pedido da parte autora; que a determinação de apresentação dos extratos é inócua e que é incabível sua condenação em honorários advocatícios. Requer o provimento do recurso para afastar sua condenação nos ônus da sucumbência.

3. “A ação de prestação de contas se desenvolve segundo o rito do CPC, arts. 914 a 919 e tanto pode ser manejada por quem tem o direito de exigir contas, como por quem tenha a obrigação de prestá-las. Essa ação,

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������141

que tramita pelo procedimento especial, tem duas fases e a parte venci-da, se apresentou vigorosa resistência ao julgamento da primeira fase do processo, pode vir a ser condenada ao pagamento de honorários.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação ex-travagante).

4. Sentença na qual o Juízo entendeu que “a CEF apresentou os extratos da conta corrente [...], sem, contudo, dizer quem efetuou os saques”. Conclusão do Juízo de que a hipótese dos autos caracteriza o quanto disciplinado no art. 915, § 2º, do CPC, segundo o qual: “Se o réu não contestar a ação ou não negar a obrigação de prestar contas, observar--se-á o disposto no art. 330; a sentença, que julgar procedente a ação, condenará o réu a prestar as contas no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”.

5. Embora a CEF não tenha apresentado resistência à apresentação dos extratos bancários, deixou de indicar a identidade da pessoa responsável pelo saque do saldo da conta bancária da autora. Consequente acerto da conclusão do Juízo Singular.

6. Apelação não provida.

acÓrDÃo

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Re-gião, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 18 de novembro de 2015.

Juiz Federal Leão Aparecido Alves Relator Convocado

relatÓrio

O Exmo. Sr. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Relator Convo-cado):

A apelante, Caixa Econômica Federal (CEF ou Caixa), recorre da sentença (fls. 39-41) pela qual o Juízo Singular julgou procedente o pedi-do formulado contra ela, em ação de prestação de contas, para condená-

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142 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

-la “a exibir, no prazo de 48 horas, os extratos da conta corrente da au-tora, fornecendo o nome da pessoa que efetuou o saque das quantias”.

A apelante sustenta, em suma, que a ação de prestação de con-tas se desenvolve em duas fases; que, “na primeira, decide-se sobre a obrigação do demandado em prestar as contas; na segunda, constatada a obrigação de prestar contas, estipula-se prazo de 48 horas para prestá--las, sob pena de não poder impugnar as contas apresentadas pelo au-tor”; que, em seguida, “[o] juiz decide se as contas são boas ou não”; que, no presente caso, a primeira fase é dispensável, porque a manu-tenção de conta bancária pressupõe o dever de prestação periódica das contas respectivas, mediante o fornecimento de extratos bancários; que, no prazo da contestação, apresentou os extratos objeto do pedido da parte autora; que a determinação de apresentação dos extratos é inócua e que é incabível sua condenação em honorários advocatícios. Requer o provimento do recurso para afastar sua condenação nos ônus da sucum-bência. Fls. 42-46.

Contrarrazões pela confirmação da sentença recorrida. Fls. 50-51.

É o relatório.

Juiz Federal Leão Aparecido Alves Relator Convocado

voto

O Exmo. Sr. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Relator Convo-cado):

i

As constatações de fato fixadas pelo Juízo Singular somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor se forem claramente errôneas. “A presunção é de que os órgãos investidos no ofício judicante observam o princípio da legalidade” (STF, AI 151351-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª T., J. 05.10.993, DJ 18.03.1994, p. 5170.)

Essa doutrina consubstancia o “[p]rincípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes” (STF, RHC 50376/AL,

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������143

Rel. Min. Luiz Gallotti, 1ª T., J. 17.10.1972, DJ 21.12.1972; STJ, REsp 569985, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., 20.09.2006 [prevalência da prova que foi capaz de satisfazer o Juízo Singular]; TRF 1ª Região, REO 90.01.18018-3/PA, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 2ª T., DJ p. 31072 de 05.12.1991 [prevalência da manifestação do órgão do Minis-tério Público em primeiro grau de jurisdição].)

ii

“A ação dúplice se caracteriza quando as posições de autor e réu no processo se confundem, sendo que, por esta razão, não poderá o réu deduzir reconvenção. Isto porque, em sua contestação deduzida, po-derá ele pedir a proteção de seu interesse (Nery, RP 52/170). A ação de prestação de contas se desenvolve segundo o rito do CPC, arts. 914 a 919 e tanto pode ser manejada por quem tem o direito de exigir contas, como por quem tenha a obrigação de prestá-las. Essa ação, que tramita pelo procedimento especial, tem duas fases e a parte ven-cida, se apresentou vigorosa resistência ao julgamento da primeira fase do processo, pode vir a ser condenada ao pagamento de hono-rários.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante: atualizado até 1º de março de 2006. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 982-983)

O Juízo, depois de transcrever os arts. 914 e 915 do CPC, asseve-rou que “[a] Súmula nº 259 do Superior Tribunal de Justiça estabelece a legitimidade do correntista para fins de ação de prestação de conta”, bem como que “a CEF apresentou os extratos da conta corrente [...], sem, contudo, dizer quem efetuou os saques”. Fl. 40. Com essa funda-mentação, o Juízo concluiu que a hipótese dos autos caracteriza o quan-to disciplinado no art. 915, § 2º, do CPC, segundo o qual: “Se o réu não contestar a ação ou não negar a obrigação de prestar contas, observar--se-á o disposto no art. 330; a sentença, que julgar procedente a ação, condenará o réu a prestar as contas no prazo de 48 (quarenta e oito) ho-ras, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”.

Embora a CEF não tenha apresentado resistência à apresentação dos extratos bancários, deixou de indicar a identidade da pessoa respon-sável pelo saque do saldo da conta bancária da autora.

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144 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Assim sendo, entendo que está correta a conclusão do Juízo Sin-gular.

iii

À vista do exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

Juiz Federal Leão Aparecido Alves Relator convocado

tribunal regional feDeral Da 1ª regiÃo secretaria juDiciária

42ª Sessão Ordinária do(a) Quinta Turma

Pauta de: 18.11.2015 Julgado em: 18.11.2015

Ap 0000505-83.2007.4.01.3814/MG

Relator: Exmo. Sr. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Conv.)

Juiz(a) Convocado(a) conforme Convocado Conforme Portaria/Presi/Ce-nag nº 515, de 16.12.2010

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Neviton Guedes

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Felicio de Araujo Pontes Junior

Secretário(a): Fábio Adriani Cerneviva

Apte.: Caixa Econômica Federal – CEF

Adv.: Jairdes Carvalho Garcia e outros(as)

Apdo.: Cleucilene da Silva

Adv.: Amarildo Martins Ferreira

Nº de Origem: 2007.38.14.000505-8 Vara: 1ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MG

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������145

sustentaçÃo oral certiDÃo

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, negou provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha e Desembargador Federal Néviton Guedes.

Brasília, 18 de novembro de 2015.

Fábio Adriani Cerneviva Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

8563

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIII – Agravo de Instrumento nº 2013.02.01.005660‑0Nº CNJ: 0005660‑26.2013.4.02.0000Relator: Desembargadora Federal Lana RegueiraAgravante: Alfredo Silvino Barreto BastosAdvogado: Espedito Jose MoreiraAgravado: União Federal/Fazenda NacionalOrigem: Primeira Vara Federal de Campos (200451030011945)

ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA – COMPRO-VAÇÃO – HONORÁRIOS

I – Restando comprovado, por meio de documentos hábeis, residir a fa-

mília do executado no imóvel penhorado, faz jus o agravante ao bene-

fício da impenhorabilidade, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/1990.

II – Pelo princípio da causalidade, é cabível a fixação de honorários

quando acolhida exceção de pré-executividade, ainda que em sede de

agravo de instrumento. Precedentes.

III – Agravo de Instrumento provido.

acÓrDÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indi-cadas:

Decide a Egrégia Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região, à unanimidade, dar provimento ao agravo de instru-mento, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2015.

Lana Regueira Desembargadora Federal

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������147

relatÓrio

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Alfredo Silvino Barreto Bastos contra decisão que indeferiu sua exceção de pré-execu-tividade ao fundamento de que a apreciação da matéria ali veiculada depende de dilação probatória e de que não houve comprovação de que se trata de bem de família, verbis:

“No caso, verifico que os documentos adunados pelo excipiente não são suficientes para provar que o bem penhora se enquadra na classifi-cação de bem de família, não podendo prosperar a alegação do execu-tado.”

Sustentam em suas razões que resta perfeitamente comprovada a natureza de bem de família do imóvel penhorado, consoante documen-tos que anexa à suas razões, requerendo assim a reforma da decisão agravada.

O agravante propôs medida cautelar para impedir a praça do imó-vel, tendo obtido liminar em seu favor.

O recurso foi contrarrazoado pela Fazenda Nacional às folhas 89/93.

É o relatório.

voto

Desembargadora Federal Lana Regueira (Relatora): A questão que se coloca à apreciação por esta Corte centra-se em se verificar se há do-cumentos suficientes para o alega o agravante em suas razões.

Verificando-se os autos, efetivamente restam provados os fatos necessários ao reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel, pois do próprio auto de penhora e avaliação, consta que o imóvel serve à residência da família do executado, confiram-se trechos do auto lavrado pela oficial de justiça:

“[...] Constatei que o imóvel está sendo ocupado por duas filhas do exe-cutado, Sra. Aniele Sabino Bastos e Valeska Martins Bastos, esta casa-da com o Sr. Aguinaldo Francisco Santos e mãe de três filhos menores, com 04, 07 e 14 anos de idade. [...] O espaço destinada ao canil foi transformado em um pequeno escritório; a antiga sauna foi transforma-da em um quarto onde dorme Aniele. [...] na parte da frente do terreno

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148 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

existe uma casa de laje, constituída de dois quartos, uma sala, uma co-zinha e uma área de serviço. Os cômodos são todos pequenos e simples e o material usado para acabamento de qualidade bem popular. Nessa casa residem Valeska com o esposo e seus três filhos.”

O vínculo familiar com o executado está comprovado pelas cer-tidões de casamento, nascimento e identidades acostados às fls. 57/63.

Assim, é de se dar provimento ao presente agravo de instrumento determinando o levantamento da penhora efetuada sobre o imóvel em questão confirmando-se, portanto, a decisão liminar deferida na Medida Cautelar nº 2013.02.01.015962-0, apensa.

Outro aspecto a ser ressaltado é o cabimento dos honorários em favor dos agravantes, os quais são devidos em respeito ao princípio da causalidade, conforme os seguintes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – DECLARAÇÃO DE ILEGITIMIDADE TRIBUTÁRIA PASSIVA DOS SÓCIOS-GERENTES – VERBA HONORÁRIA – CABIMENTO

1. ‘Não obstante a exceção de pré-executividade se trate de mero in-cidente processual na ação de execução, o seu acolhimento com a fi-nalidade de declarar a ilegitimidade passiva ad causam do recorrente torna cabível a fixação de honorários advocatícios, ainda que tal ocorra em sede de agravo de instrumento’ (REsp 884.389/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., J. 16.06.2009, DJe 29.06.2009).

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-EDcl--REsp 1532540/PE, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., J. 10.11.2015, DJe 18.11.2015)

PROCESSUAL CIVIL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REVISÃO – MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ

1. O Tribunal a quo consignou que “destarte, tendo a executada feito despesas com a oposição de sua defesa, exceção de pré-executividade, alegando o pagamento do débito em dobro, a União Federal, que deu causalidade à demanda, merece ser condenada ao pagamento de hono-rários advocatícios.

Na hipótese dos autos, os honorários devem ser fixados no valor de R$ 10.000,00 com fundamento no disposto no § 4º do art. 20 do CPC, ou seja, sopesando o grau de zelo do profissional, a natureza e impor-

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������149

tância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço” (fl. 345, e-STJ).

2. A revisão da verba honorária implica, como regra, reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em Recurso Especial (Súmula nº 7/STJ). Excepciona-se apenas a hipótese de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-AREsp 529.658/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 12.08.2014, DJe 10.10.2014)

Nesses termos, considerando o tempo transcorrido para o deslinde da questão e o trabalho desempenhado pelo causídico dos executados, tanto nesta sede recursal quanto nos autos originários (exceção de pré--executividade, embargos de declaração, agravo de instrumento e Medi-da Cautelar) fixo os honorários advocatícios em R$ 2.000,00.

Isto posto, dou provimento ao agravo de instrumento para determi-nar o levantamento da penhora sobre o imóvel dos agravantes, fixando os honorários sucumbenciais em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

É como voto.

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Parte Geral – Jurisprudência

8564

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 21.12.2015Embargos Infringentes nº 0004276‑92.2009.4.03.6126/SP2009.61.26.004276‑0/SPRelator: Desembargador Federal Luiz StefaniniEmbargante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: SP129673 Heroi João Paulo Vicente e outro(a)Embargado(a): Binguim Com. de Roupas e Artigos Esportivos Ltda. – ME e outros(as)

Marcelo Jacopi Roseli Jacopi de Aguiar

Advogado: SP153958A Jose Roberto dos Santos e outro(a)Nº Orig.: 00042769220094036126 1ª Vr. Santo André/SP

ementa

CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – NATUREZA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS

1. De fato, já pacificado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial.

2. Portanto, dou provimento aos presentes embargos infringentes, decla-rando que a cédula de crédito bancário de fls. 22/30 é título executivo extrajudicial, devendo a execução seguir seu regular trâmite no Juízo de origem.

3. Embargos infringentes providos.

acÓrDÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento aos presentes embargos infringentes, declarando que a cédula de crédito bancário de fls. 22/30 é título executivo extrajudicial, devendo a execução seguir seu regular trâmite no Juízo de origem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 03 de dezembro de 2015.

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Renato Toniasso Juiz Federal Convocado

relatÓrio

Trata-se de embargos infringentes opostos pela Caixa Econômica Federal em face do V. Acórdão de fls. 113/119, assim ementado:

“EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO – ILIQUIDEZ – NULIDADE DA EXECUÇÃO

Nos termos da Súmula nº 233, do STJ, o contrato de crédito rotativo não preenche os requisitos de liquidez e certeza para a constituição de título executivo extrajudicial.

Cédula de Crédito Bancário que não se constitui em título executivo. Precedentes.

Inexistindo pressuposto de desenvolvimento válido e necessário a re-gular propositura da execução, qual seja, um verdadeiro título líquido, certo e exigível, nula é a execução.

Recurso provido.”

Em seu recurso, requer o embargante a reforma da decisão, adu-zindo que a cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial.

Impugnação às fls. 128/130.

Requer o provimento do recurso.

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

Renato Toniasso Juiz Federal Convocado

voto

O presente recurso merece prosperar.

De fato, já pacificado o entendimento do Superior Tribunal de Jus-tiça de que a Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial.

Colaciono os seguintes julgados:

DIREITO BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – CÉ-

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DULA DE CRÉDITO BANCÁRIO VINCULADA A CONTRATO DE CRÉ-DITO ROTATIVO – EXEQUIBILIDADE – LEI Nº 10.931/2004 – POSSI-BILIDADE DE QUESTIONAMENTO ACERCA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS RELATIVOS AOS DEMONSTRATIVOS DA DÍVIDA – INCISOS I E II DO § 2º DO ART. 28 DA LEI REGENTE

1. Para fins do art. 543-C do CPC: A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qual-quer natureza, circunstância que autoriza sua emissão para documentar a abertura de crédito em conta-corrente, nas modalidades de crédito ro-tativo ou cheque especial. O título de crédito deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo cliente, trazen-do o diploma legal, de maneira taxativa, a relação de exigências que o credor deverá cumprir, de modo a conferir liquidez e exequibilidade à Cédula (art. 28, § 2º, incisos I e II, da Lei nº 10.931/2004).

3. No caso concreto, recurso especial não provido.

(STJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 14.08.2013, S2 – Segunda Seção)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – EMBAR-GOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NE-GOU PROVIMENTO AO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – INCON-FORMISMO DO EMBARGANTE

1. Nos termos do REsp 1.291.575/PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza, circuns-tância que autoriza sua emissão para documentar a abertura de crédito em conta-corrente, nas modalidades de crédito rotativo ou cheque es-pecial.

2. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AGAREsp 201300051542, 4ª T., Rel. Min. Marco Buzzi, Data da Decisão: 17.12.2013, Data do Julgamento: 04.02.2014)

Portanto, dou provimento aos presentes embargos infringentes, declarando que a cédula de crédito bancário de fls. 22/30 é título exe-cutivo extrajudicial, devendo a execução seguir seu regular trâmite no Juízo de origem.

É o voto.

Renato Toniasso Juiz Federal Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

8565

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 5029852‑83.2015.4.04.9999/PRRelator: Vânia Hack de AlmeidaApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSApelado: Marinalva de Almeida RodriguesAdvogado: Renata Possenti Meressiano

ementa

PROCESSO CIVIL – PREVIDENCIÁRIO – CERCEAMENTO DE DEFESA – PROCESSO ELETRÔNICO – ÁUDIO – DEPOIMENTO PESSOAL – OCORRÊNCIA – REABERTURA DO PRAZO RECURSAL

1. Deve ser disponibilizado no meio eletrônico da internet o áudio do de-poimento testemunhal, para que o INSS possa exercer a plenitude de sua defesa no curso do processo, nos termos da legislação que regulamenta o processo eletrônico.

2. Inocorrência de nulidade da sentença, tendo em vista que as alegações finais foram oportunizadas em audiência, para cuja designação foi regu-larmente intimado o INSS e não se fez presente.

3. Após a sentença, como a prova oral não foi acostada nos autos eletrô-nicos, seja mediante inserção da mídia digital, seja por meio de degrava-ção da audiência de instrução, restou cerceado o direito no que respeita à adequada insurgência quanto à sentença.

4. Oportuniza-se o acesso ao conteúdo da mídia já acostado nestes autos e a reabertura do prazo para interposição do recurso de apelação, restan-do prejudicado o exame do mérito recursal.

acÓrDÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indi-cadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do INSS, acolhendo parcialmente a preliminar de cerceamento do direito de de-fesa, para oportunizar o acesso ao conteúdo da mídia já acostado nestes autos e a reabertura do prazo para interposição do recurso de apelação,

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restando prejudicado o exame do mérito recursal, nos termos do rela-tório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2015.

Desª Federal Vânia Hack de Almeida Relatora

relatÓrio

Trata-se ação ordinária, objetivando a concessão de salário-mater-nidade para trabalhadora rural na condição de segurada especial.

A sentença (Evento 48) julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder o salário-maternidade, com a incidência de juros e correção monetária. Condenou a Autarquia, ainda, ao pagamento de custas e de honorários advocatícios, fixados em R$ 788,00.

Em suas razões de apelação, o INSS sustenta a nulidade da senten-ça, por cerceamento de defesa, sob o fundamento de que não houve a disponibilidade do inteiro teor da prova oral no meio eletrônico, estando disponível somente a mídia em “CD” no cartório judicial. No mérito, alega a ausência de início de prova material apta a provar o desenvolvi-mento do labor rural pela autora, porquanto os documentos trazidos a lume não se prestam para servir de prova (Evento 54).

Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

voto

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA

Argúi o apelante a nulidade da sentença, por cerceamento de de-fesa, ressaltando não ter tido acesso ao depoimento das testemunhas previamente à prolação da sentença, o que lhe teria causado prejuízo ao exercício do direito de defesa.

O processo em tela corre no meio eletrônico, nos termos da Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������155

e altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Dessa forma, a aludida lei fez algumas alterações no Código de Processo Civil, dentre elas em relação ao art. 417 e parágrafos, a seguir colacionados:

Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, es-tenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 1º O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o deter-minar, de ofício ou a requerimento da parte. (Renumerado pela Lei nº 11.419, de 2006)

§ 2º Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006)

Art. 169. [...]

§ 2º Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico in-violável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006)

O art. 11, § 6º da Lei nº 11.419/2006, também assevera, verbis:

Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos pro-cessos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais.

[...]

§ 6º Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico so-mente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeita-do o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça.

A própria Resolução nº 03/2009 do TJ/PR, que dispõe sobre o pro-cesso eletrônico no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Paraná, assim determina:

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Art. 14. Os atos essenciais relativos à prova produzida na audiência de instrução e julgamento deverão ser anexados ao processo eletrônico.

Dessa forma, deve ser disponibilizado no meio eletrônico da inter-net o áudio do depoimento testemunhal, para que o INSS possa exercer a plenitude de sua defesa no curso do processo.

Contudo, no caso dos autos, verifica-se que o INSS foi pessoal-mente intimado a comparecer na audiência de instrução e julgamento (Eventos 42 e 46 – TERMOAUD1), não compareceu, ocasião em que fo-ram colhidos os depoimentos testemunhais, bem como oportunizadas as alegações finais e prolatada sentença (Evento 48). Assim, até a prolação da sentença, inclusive, inocorreu qualquer prejuízo ao direito de defesa.

Posteriormente à sentença, todavia, a nulidade restou configurada, porquanto a juntada da prova oral deveria ter sido realizada nos autos eletrônicos, seja mediante inserção da mídia digital, seja por meio de degravação da audiência de instrução, sem o que cerceado o direito no que respeita à adequada insurgência quanto ao decisum.

Neste contexto, em face da juntada de CD-Mídia nestes autos, no Evento 66, cumpre acolher a preliminar, para que ao INSS seja dada vista do conteúdo da mídia acostada e novamente oportunizada a apre-sentação do recurso cabível, possibilitando o enfrentamento específico da prova produzida no curso do processo.

Destarte, acolho a preliminar aventada pelo INSS para oportunizar o acesso ao conteúdo da mídia já acostado nestes autos e a reabertura do prazo para interposição do recurso de apelação. Prejudicado o exame do mérito.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso do INSS, aco-lhendo a preliminar de cerceamento do direito de defesa, para oportu-nizar o acesso ao conteúdo da mídia já acostado nestes autos e a rea-bertura do prazo para interposição do recurso de apelação, restando prejudicado o exame do mérito recursal.

É o voto.

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������157

Desª Federal Vânia Hack de Almeida Relatora

eXtrato De ata Da sessÃo De 16.12.2015

Apelação Cível nº 5029852-83.2015.4.04.9999/PR

Origem: PR 00006422220148160111

Relator: Desª Federal Vânia Hack de Almeida

Presidente: Desª Federal Vânia Hack de Almeida

Procurador: Procuradora Regional da República Adriana Zawada Melo

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Apelado: Marinalva de Almeida Rodrigues

Advogado: Renata Possenti Meressiano

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16.12.2015, na sequência 855, disponibilizada no DE de 02.12.2015, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Pú-blico Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso do INSS, acolhendo a preliminar de cerceamento do direito de defesa, para opor-tunizar o acesso ao conteúdo da mídia já acostado nestes autos e a re-abertura do prazo para interposição do recurso de apelação, restando prejudicado o exame do mérito recursal.

Relator Acórdão: Desª Federal Vânia Hack de Almeida

Votante(s): Desª Federal Vânia Hack de Almeida Juiz Federal Osni Cardoso Filho Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Gilberto Flores do Nascimento Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

8566

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoApelação Cível nº 584139‑PE (0000537‑18.2015.4.05.8302)Apte.: ANP – Agência Nacional do PetróleoRepte.: Procuradoria Regional Federal da 5ª RegiãoApdo.: José Carlos Nunes MenezesAdv./Proc.: João Américo Rodrigues de Freitas e outrosOrigem: Juízo da 24ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/Execuções Penais)Relator: Desembargador Federal Convocado Flávio Lima

ementa

EMBARGOS À EXECUÇÃO – BEM DE FAMÍLIA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SUCUMBÊNCIA DECORRENTE DE FALHA EM INFORMAÇÃO PRESTADA PELO MEIRINHO DO JUÍZO – NÃO CABIMENTO – PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE – APELAÇÃO PROVIDA

1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente os pedi-dos formulados nos embargos à execução e, por conseguinte, determi-nou a desconstituição da penhora incidente sobre o imóvel situado na Rua Saldanha Marinho, nº 1490, apto. 302, 3º pavimento do Ed. Monte Carlo, Maurício de Nassau, Caruaru/PE, extinguindo o processo com re-solução do mérito. Além disso, condenou a parte embargada ao paga-mento de honorários advocatícios fixados no montante de R$ 2.000,00.

2. Em recursal, a apelante requer o afastamento da condenação em ho-norários, alegando que somente requereu a penhora do imóvel situado na Rua Saldanha Marinho, nº 1490, porque foi equivocadamente levada a acreditar que o endereço de residência do apelado seria imóvel diver-so, situado na Rua Arlindo Porto, tendo em vista certidão do Oficial de Justiça, que assim atestou.

3. Da leitura dos autos observa-se que o apelante, de posse da certidão emitida pelo oficial de justiça, serventuário da Justiça, informando que o endereço de residência do executado era o imóvel situado na Rua Arlin-do Porto, requereu que a penhora fosse realizada sobre o imóvel locali-zado na Rua Saldanha Marinho, de propriedade do executado, conforme certidão do Cartório de Registro de Imóveis.

4. Entretanto, como bem ressaltou o Juízo de Primeiro Grau, posterior-mente se verificou que os dois endereços remetem ao mesmo imóvel, o

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Edifício Monte Carlo, pois “a divergência de ruas constantes na certidão do Oficial de Justiça e na certidão imobiliária do Cartório de Registro de Imóveis, se dá pelo fato do edifício Monte Carlo ter sua entrada virada para a Rua Arlindo Porto, muito embora esteja localizado na Rua Salda-nha Marinho”.

5. É cediço que sua incidência de honorários deve ocorrer quando a parte se torna sucumbente. Na hipótese, a sucumbência destes embargos decorre, unicamente, de falha razoável que deve ser atribuída ao próprio Poder Judiciário, quando o oficial de justiça não indicou, com precisão, o endereço do embargante.

6. Assim, embora os embargos devam ser, de fato, providos, e a penhora desconstituída, não se pode sancionar o exequente, que retirou o funda-mento de sua indicação de bem à penhora baseando-se em informação do meirinho do Juízo.

7. Apelação provida.

acÓrDÃo

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AC 584139-PE, em que são partes as acima mencionadas, Acordam os Desembargadores Federais da Primeira Turma do TRF da 5ª Região, por unanimidade, em dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas ta-quigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Recife, 10 de dezembro de 2015.

Flávio Lima Relator Convocado

relatÓrio

1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos embargos à execução e, por conseguinte, deter-minou a desconstituição da penhora incidente sobre o imóvel situado na Rua Saldanha Marinho, nº 1490, apto. 302, 3º pavimento do Ed. Monte Carlo, Maurício de Nassau, Caruaru/PE, extinguindo o processo com re-

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solução do mérito. Além disso, condenou a parte embargada ao paga-mento de honorários advocatícios fixados no montante de R$ 2.000,00.

2. Em sede recursal, a apelante requer o afastamento da conde-nação em honorários, alegando que somente requereu a penhora do imóvel situado na Rua Saldanha Marinho, nº 1490, porque foi equivo-cadamente levada a acreditar que o endereço de residência do apelado seria o imóvel situado na Rua Arlindo Porto, tendo em vista certidão do Oficial de Justiça, que assim atestou.

3. Não houve contrarrazões.

4. É o relatório.

voto

1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente os pedidos formulados nos embargos à execução e, por conseguinte, deter-minou a desconstituição da penhora incidente sobre o imóvel situado na Rua Saldanha Marinho, no. 1490, apto. 302, 3º pavimento do Ed. Monte Carlo, Maurício de Nassau, Caruaru/PE, extinguindo o processo com re-solução do mérito. Além disso, condenou a parte embargada ao paga-mento de honorários advocatícios fixados no montante de R$ 2.000,00.

2. Em recursal, a apelante requer o afastamento da condenação em honorários, alegando que somente requereu a penhora do imóvel si-tuado na Rua Saldanha Marinho, nº 1490, porque foi equivocadamente levada a acreditar que o endereço de residência do apelado seria imóvel diverso, situado na Rua Arlindo Porto, tendo em vista certidão do Oficial de Justiça, que assim atestou.

3. Compulsando os autos, observo que assiste razão ao apelante, eis que, nos autos da execução originária, o oficial de justiça certificou que “o endereço correto do executado é Rua Arlindo Porto, 1490, apto. 302, Maurício de Nassau, Caruaru/PE”, onde o mesmo reside (fl. 66).

4. Da leitura dos autos observa-se que o apelante, de posse da certidão emitida pelo oficial de justiça, serventuário da Justiça que tem fé pública, informando que o endereço de residência do executado era o imóvel situado na Rua Arlindo Porto, requereu que a penhora fosse reali-zada sobre o imóvel localizado na Rua Saldanha Marinho, de proprieda-de do executado, conforme certidão do Cartório de Registro de Imóveis.

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5. Entretanto, como bem ressaltou o Juízo de Primeiro Grau, em sua sentença de fls. 76/77, posteriormente, verificou-se que os dois en-dereços remetem ao mesmo imóvel, o Edifício Monte Carlo, pois “a divergência de ruas constantes na certidão do Oficial de Justiça e na certidão imobiliária do Cartório de Registro de Imóveis, se dá pelo fato do edifício Monte Carlo ter sua entrada virada para a Rua Arlindo Porto, muito embora esteja localizado na Rua Saldanha Marinho”.

6. É cediço que a incidência de honorários deve ocorrer quando a parte se torna sucumbente. Na hipótese, a sucumbência destes embar-gos decorre, unicamente, de falha razoável que deve ser atribuída ao próprio Poder Judiciário, quando o oficial de justiça não indicou, com precisão, o endereço do embargante.

7. Assim, embora os embargos devam ser, de fato, providos e a penhora desconstituída, não se pode sancionar o exequente, que retirou o fundamento de sua indicação à de bem à penhora baseando-se em informação do meirinho do Juízo.

8. Forte nestes fundamentos, dou provimento à apelação, para exi-mir a apelante do pagamento da verba honorária sucumbencial.

9. É como voto.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8567 – Ação civil pública – cumprimento de sentença – necessidade de liquidação – títu-

lo ilíquido

“Civil e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação civil públi-ca. Cumprimento de sentença. Decisão proferida em outro Estado da Federação. Necessida-de de liquidação da sentença. Título ilíquido. Precedente da Corte Especial do STJ. Agravo não provido. 1. A Corte Especial deste Sodalício, em julgado sob o regime do art. 543-C do CPC (REsp 1.247.150/PR, DJe 12.12.2011), decidiu que ‘a sentença proferida em ação civil pública, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de “quantia certa ou já fixada em liquidação” (art. 475-J do CPC), porquanto, “em caso de procedência do pedido, a con-denação será genérica”, apenas “fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados” (art. 95 do CDC)’. 2. Destacou-se que ‘A condenação, pois, não se reveste de liquidez neces-sária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, não havendo razão lógica ou jurí-dica para incidir a reprimenda prevista no art. 475-J do CPC 3. A parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 778.562 – (2015/0235930-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.10.2015 – p. 1276)

8568 – Ação de cobrança – conversão das ações em pecúnia – critério

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Conversão das ações em pecúnia. Critério. Incidência das Súmulas nºs 283 e 284 do STF. Decisão mantida. 1. A falta de impugnação objetiva e direta ao verdadeiro fundamento do acórdão denota a defi-ciência da fundamentação recursal, que se apegou a considerações secundárias e que de fato não constituíram objeto de decisão pelo Tribunal de origem, a fazer incidir, no particular, as Súmulas nºs 283 e 284 do STF. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 776.923 – (2015/0224226-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.10.2015 – p. 1223)

8569 – Ação de consignação em pagamento – dano moral e obrigação de fazer – não ocorrência – ilegitimidade passiva

“Processo civil. Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de consignação em pagamento c/c danos morais e obrigação de fazer. Violação do art. 535 do CPC. Não ocor-rência. Ilegitimidade passiva. Danos materiais e morais. Nexo de causalidade. Quantum in-denizatório. Exorbitante. Reexame de prova. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 1. Afasta-se a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais. 2. É inviável o conhecimento do recurso especial se a análise da controvérsia reclamar o reexame de elementos fático-probatórios presentes nos autos. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 486.183 – (2014/0054196-8) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 1010)

8570 – Ação declaratória de maternidade socioafetiva – insurgência recursal da autora – condições da ação – teoria da asserção

“Recurso especial. Direito civil e processual civil. Família. Ação declaratória de maternidade socioafetiva. Instâncias ordinárias que extinguiram o feito, sem resolução do mérito, sob o

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fundamento de impossibilidade jurídica do pedido. Insurgência recursal da autora. Condições da ação. Teoria da asserção. Pedido que não encontra vedação no ordenamento pátrio. Pos-sibilidade jurídica verificada em tese. Recurso especial provido. Ação declaratória de mater-nidade ajuizada com base com os laços de afetividade desenvolvidos ao longo da vida (desde os dois dias de idade até o óbito da genitora) com a mãe socioafetiva, visando ao reconheci-mento do vínculo de afeto e da maternidade, com a consequente alteração do registro civil de nascimento da autora. 1. O Tribunal de origem julgou antecipadamente a lide, extinguindo o feito, sem resolução do mérito, por ausência de uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido. 1.1 No exame das condições da ação, considera-se juridica-mente impossível o pedido, quando este for manifestamente inadmissível, em abstrato, pelo ordenamento jurídico. Para se falar em impossibilidade jurídica do pedido, como condição da ação, deve haver vedação legal expressa ao pleito da autora. 2. Não há óbice legal ao pedido de reconhecimento de maternidade com base na socioafetividade. O ordenamento jurídico brasileiro tem reconhecido as relações socioafetivas quando se trata de estado de filiação. 2.1 A discussão relacionada à admissibilidade da maternidade socioafetiva, por diversas ve-zes, chegou à apreciação desta Corte, oportunidade em que restou demonstrado ser o pedido juridicamente possível e, portanto, passível de análise pelo Poder Judiciário, quando proposto o debate pelos litigantes. 3. In casu, procede a alegada ofensa ao disposto no inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil e ao art. 1.593 do Código Civil, visto que o Tribunal de origem considerou ausente uma das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido), quando, na verdade, o pedido constante da inicial é plenamente possível, impondo-se a deter-minação de prosseguimento da demanda. 4. Recurso especial provido, para, reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, de modo a viabilizar a constituição da relação jurídica processual e instrução probatória, tal como requerido pela parte.” (STJ – REsp 1.291.357 – (2011/0264914-9) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 26.10.2015 – p. 1237)

8571 – Ação monitória – título executivo – possibilidade do credor

“Agravo regimental no recurso especial. Ação monitória lastreada em título executivo. 1. Possibilidade do credor, detentor de título executivo, a seu critério, valer-se da via execu-tiva ou da via monitória, desde que não acarrete prejuízo à defesa do devedor. Precedentes das turmas integrantes da Segunda Seção. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 2. Recurso improvido. 1. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra resso-nância na jurisprudência pacífica das Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte de Justiça, que reputa possível ao credor, detentor de título executivo, valer-se, a seu critério, da via executiva ou da via monitória, desde que não propicie prejuízo à defesa do devedor. Con-vergente o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias com o posicionamento pacífico desta Corte de Justiça, aplica-se à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 2. Agravo im-provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.508.197 – (2014/0340624-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1172)

Comentário editorial SÍNTeSeCuida-se de agravo regimental intentado contra a decisão monocrática proferida por este subscritor que negou seguimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA LASTREADA EM TÍTULO EXECUTIVO

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1. Possibilidade do credor, detentor de título executivo, a seu critério, valer-se da via executiva ou da via monitória, desde que não acarrete prejuízo à defesa do devedor. Precedentes das turmas integrantes da Segunda Seção. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

2. Recurso especial a que se nega seguimento.”

Nas razões do presente agravo regimental, a insurgente reiterou a tese de carência da ação por inadequação da via eleita, ao argumento de que o credor, munido de título executivo, não possui interesse para ajuizar ação monitória, devendo-se, por consectário, extingui-la, sem julgamento de mérito.

O STJ negou provimento ao presente agravo regimental.

O relator assim considerou:

“E, in casu, ante a adoção do procedimento monitório pelo credor, ensejando, naturalmen-te, maior amplitude das matérias de defesa, em tese, a serem aventadas pelo devedor, não ocorrendo qualquer prejuízo a sua defesa.”

Convergente o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias com o posicionamento pacífico desta Corte de Justiça, aplica-se à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

Sobre a ação monitória, assim disciplina José Rogério Cruz e Tucci:

“Dedicando-se ao estudo da ação monitória à luz da comparação jurídica, esclarece Per-rot que a finalidade de tal instrumento processual é a de superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento simples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia’.

No procedimento monitório não se propicia, de plano, a participação do devedor-réu na construção da decisão liminar que defere o mandado de pagamento. É por esse motivo que se diz que o procedimento em apreço aflora sem contraditório.

Desse modo, a primordial razão de se impor ao demandante a exibição de prova escrita decorre da peculiar estrutura procedimental da ação monitória, dado o escopo de acelerar ao máximo o reconhecimento do direito do credor, visando à formação do título executivo.

A ausência de contraditório na fase inicial do procedimento monitório, e, portanto, a impossibilidade para o devedor apresentar imediata contestação ao material probatório produzido pelo demandante, consiste, por outro lado, em fator determinante da dilatação da prudência judicial.

Procurando estabelecer um nexo harmônico entre a finalidade do procedimento monitório e a exigência de prova escrita, observa Marinoni que o legislador parte da premissa de que, existindo documento capaz de revelar a probabilidade do direito alegado pelo autor, o devedor poderá se curvar ao mandado judicial para não experimentar o risco de sucumbir e ser obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Assim, o requisito da prova escrita ‘nada tem a ver com a instituição de um procedimento semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige “direito líquido e certo”, ou prova documental suficiente para demonstrar a afirmação de um fato, exatamente para se construir um verdadeiro procedimento documental, no qual são proibidas as demais pro-vas, ficando assim eliminado o tempo necessário para a sua produção. Quando se almeja dispensar as provas mais elaboradas, que dispendem mais tempo, requer-se prova que seja capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito; contudo, quando se exige prova escrita como requisito da ação monitória, parte-se apenas da premissa de que o devedor poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forçada. A prova escrita, justamente porque pode ser associada a outros tipos de prova,

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não é a prova que deve fazer surgir “direito líquido e certo”, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade’.

Para o ajuizamento e consequente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cog-nição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficiente que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da procedência da pretensão deduzida.

Calamandrei, em clássico estudo, explica que aquilo que é provável está além da aparên-cia, uma vez que se encontram reunidos elementos tendentes a acreditar que a alegação do fato corresponde à realidade. No entanto – adverte –, esse juízo provisório de proba-bilidade tem sempre função instrumental e seletiva: considera apenas a prova que, pela verossimilhança do thema probandum, apresenta-se prima facie com uma certa garantia de credibilidade e, portanto, com uma significativa probabilidade de êxito positivo.

Pondera Dinamarco que ‘para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito’, devendo necessa-riamente tratar-se de ‘documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de probabilidade), nem a “certeza” necessária para a sentença de proce-dência de uma demanda em processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos’.” (Prova escrita na ação monitória. Disponível em: http://online.sintese.com)

8572 – Alienação fiduciária – busca e apreensão – necessidade de comprovação da mora

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Necessidade de comprovação da mora. Súmula nº 72 do STJ. Requisito não atendido no caso concreto. Notificação extrajudicial que não se destinou ao endereço do devedor. Premissa fática assentada pelo Tribunal a quo. Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. Agravo regimental improvido. 1. Nos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto- Lei nº 911/1969, a mora se configura automaticamente quando vencido o prazo para o pagamen-to (mora ex re), mas o deferimento da busca e apreensão tem como pressuposto a compro-vação desse fato por meio de notificação extrajudicial do devedor fiduciante. Súmula nº 72 do STJ. 2. Para a comprovação da mora é imprescindível que a notificação extrajudicial seja encaminhada ao endereço do domicílio do devedor, ainda que seja dispensável a notificação pessoal. Precedentes. 3. Nas hipóteses em que o Tribunal a quo assenta a premissa fática de que a notificação não foi entregue no domicílio do devedor, é impossível modificar-se esse entendimento em recurso especial, para concluir pela comprovação da mora, em atenção ao Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 731.695 – (2015/0149294-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1142)

8573 – Carta rogatória – intimação prévia via postal – aviso de recebimento

“Carta rogatória. Agravo regimental. Intimação prévia feita via postal com aviso de rece-bimento assinado pelo próprio interessado. Devolução dos autos à justiça rogante ante o

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cumprimento da diligência. I – Na fase de intimação prévia, é enviada ao interessado cópia integral da comissão rogatória. II – No caso, o aviso de recebimento foi assinado pela própria interessada, o que leva à conclusão de que ele tomou conhecimento de todos os termos da rogatória em questão. III – Assim, tendo o interessado tomado conhecimento do processo em trâmite no Juízo rogante, foi consumado o objeto da diligência, não havendo, portanto, necessidade de envio dos autos à Justiça Federal. IV – Precedente: AgRg-CR 9.599/EX, Relator o Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, Julgado em 03.06.2015, DJe de 12.06.2015. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CR 9.861 – (2015/0062995-7) – C.Esp. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 18.12.2015 – p. 937)

Comentário editorial SÍNTeSeTrata-se de carta rogatória pela qual a Justiça italiana solicita que a interessada seja inti-mada para comparecimento à audiência designada para o dia 22.09.2015, em ação de usucapião em trâmite na Corte de Apelo de Gênova, segundo o texto rogatório.

Devidamente intimada com aviso de recebimento, o qual foi por ela assinado, a interes-sada permaneceu inerte.

A Defensoria Pública da União, nomeada para atuar como curadora especial da interessa-da, nos termos do art. 216-R do RI/STJ, não se opôs à concessão do exequatur.

O Ministério Público Federal opinou pela devolução imediata da rogatória, porquanto esta já teria cumprido seu desiderato.

Em decisão acostada, foi proferida decisão que, com fundamento nos arts. 216-O, caput, e 216-X do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, concedeu o exequatur e determinou a devolução dos autos à Justiça rogante, ante o cumprimento da diligência.

Inconformada, a Defensoria Pública da União, na qualidade de curadora especial da inte-ressada, apresentou agravo regimental, sustentando, em síntese, a necessidade de envio dos autos à Justiça Federal para o cumprimento da diligência solicitada pelo Juízo rogante.

Para tanto, defendeu que a intimação prévia da interessada teve como finalidade tão somente a impugnação da regularidade da carta rogatória, ao tempo que a intimação por Oficial de Justiça é a efetivação do ato solicitado pela autoridade estrangeira. Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada e a determinação do envio da carta rogatória à Justiça Federal a fim de que se proceda à formal citação da interessada para contestar a demanda.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O art. 210 do Código de Processo Civil estabelece:

“Art. 210. A carta rogatória obedecerá, quanto à sua admissibilidade e modo de seu cumprimento, ao disposto na convenção internacional; à falta desta, será remetida à au-toridade judiciária estrangeira, por via diplomática, depois de traduzida para a língua do país em que há de praticar-se o ato.”

Oportuno colacionar julgados:

“Carta rogatória. Agravo regimental. Alegada ausência de autenticidade dos documentos. Comissão que tramitou pela autoridade central. Apontada violação à ordem pública e à soberania nacional. Citação. Ato de comunicação processual. A comissão tramitou pela autoridade central brasileira, o que confere aos documentos a necessária autenticidade. Ademais, está devidamente instruída e objetiva a citação da interessada, ato de comuni-cação processual no qual não se vislumbra violação da ordem pública nem da soberania nacional, uma vez que permite à interessada a apresentação de defesa perante a Justi-ça rogante. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-CR 4.971, (2010/0082998-7), C.Esp., Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 23.02.2012, p. 441)

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“Carta rogatória. Agravo regimental. Alegada prescrição da pretensão punitiva. Matéria que não se insere no exercício do juízo meramente delibatório. Em razão do juízo mera-mente delibatório, na concessão do exequatur não cabe a esta Corte examinar questões referentes ao mérito da ação ajuizada no exterior. A prescrição da pretensão punitiva não está indicada como um dos motivos para a recusa do auxílio, conforme o disposto no art. 3º do Decreto nº 1.320, de 1994. Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal vigente entre o Brasil e Portugal. Dispõe o art. 1º, nº 4, do referido tratado, que o auxílio indepen-de da extradição e pode ser concedido nos casos em que aquela seria recusada. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-CR 4.707, (2010/0035345-8), C.Esp., Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 23.02.2012, p. 440)

“Carta rogatória. Agravo regimental. Aplicação dos arts. 214, § 1º, do Código de Processo Civil e 13, § 3º, da Resolução nº 9, de 2005, do STJ. Precedentes desta Corte. Questões referentes ao mérito da ação ajuizada no exterior. Remessa à análise da Justiça rogante. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é dispensável a remessa da carta rogatória à Justiça Federal, após a concessão do exequatur, quando a parte interessada é conside-rada citada em razão do comparecimento aos autos para apresentar impugnação. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-CR 5.709, (2011/0058448-0), C.Esp., Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 01.02.2012, p. 526) (Disponíveis em: online.sintese.com)

8574 – Cédula de crédito bancário – correção monetária – ausência de indicação do dispositivo legal

“Agravo regimental no recurso especial. Cédula de crédito bancário. Correção monetária. Ausência de indicação do dispositivo legal interpretado. Súmula nº 284/STF. Juros moratórios. Limitação. Súmula nº 379/STJ. Acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. Súmula nº 83/STJ. Ausência de prequestionamento do artigo supostamente violado. Súmula nº 211/STJ. Agravo desprovido. 1. Correção monetária. Inexistência de indicação de dispositivo cuja interpretação tenha sido divergente a fim de viabilizar o conhecimento da matéria, o que é imprescindível para correta configuração do dissídio jurisprudencial. Inci-dência da Súmula nº 284/STF. 2. Limitação dos juros moratórios. Os juros poderão ser con-vencionados até o limite de 1% ao mês nos contratos bancários não regidos por legislação específica, como na presente hipótese. Súmula nº 379/STJ. Acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. Súmula nº 83/STJ. 3. Constatada a falta de enfrentamento do dispositivo legal pelo Tribunal a quo, tem-se por ausente o necessário prequestionamento, de forma que incide, na espécie, a Súmula nº 211/STJ, pois mesmo tendo sido opostos embargos declaratórios, estes não tiveram o condão de suprir o devido prequestionamento, razão pela qual deve a parte, no recurso especial, suscitar violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.395.828 – (2013/0282488-7) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1169)

8575 – Cédula de crédito rural hipotecária – aval prestado por pessoa física – validade

“Agravo regimental no recurso especial. Cédula de crédito rural hipotecária. Aval prestado por pessoa física. Validade. Precedente. Incidência. Súmula nº 83/STJ. Agravo improvido. 1. Se a parte agravante não apresenta argumentos hábeis a infirmar os fundamentos da decisão regimentalmente agravada, deve ela ser mantida por seus próprios fundamentos. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.538.456 – (2015/0143303-6) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1196)

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8576 – Citação pessoal – procurador autárquico – comparecimento espontâneo – supri-mento

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Citação pessoal. Procurador autár-quico. Comparecimento espontâneo. Suprimento. Ato processual ocorrido antes da edição da Lei nº 10.910/2004. Agravo não provido. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o comparecimento espontâneo do ente público nos autos caracteriza ciência inequívoca do ato processual suprindo, inclusive, a necessidade de sua intimação pessoal. Precedentes do STJ. 2. Hipótese em que, embora o Juiz de 1º grau tenha devolvido o prazo de 10 (dez) dias para a Autarquia Previdenciária apresentar os embargos à execução de senten-ça, eles foram opostos fora do prazo legal. 3. A mencionada regularização processual ocor-reu em 20.03.1997, muito antes da edição da Lei nº 10.910, de 15 de julho de 2004, razão pela qual não há falar em aplicação do entendimento consolidado no REsp 1.046.714/RS, representativo da controvérsia, que concluiu pela necessidade da intimação pessoal dos pro-curadores federais, após a edição da referida norma. 4. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.176.214 – (2010/0010229-6) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 26.10.2015 – p. 1370)

8577 – Compromisso de compra e venda de imóvel – rescisão – comprovação da realiza-ção de benfeitorias – ônus da prova

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel. Comprovação da realização de benfeitorias. Ônus da prova. Prequestio-namento. Ausência. Analogia. Súmula nº 282/STF. Possuidor de boa-fé. Direito de retenção. 1. Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivo apontado como violado no recurso especial, incide, por analogia, o disposto na Súmula nº 282 do Supremo Tribunal Federal. 2. O acórdão recorrido está em harmonia com a orientação desta Corte no sentido de que o possuidor de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeito-rias necessárias e úteis, sob pena de enriquecimento ilícito. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 742.303 – (2015/0167754-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1123)

8578 – Contrato de compra e venda de imóvel – resolução – culpa da construtora – de-volução de comissão de corretagem

“Agravo regimental em recurso especial. Resolução de contrato de compra e venda de imóvel por culpa da construtora. Devolução de comissão de corretagem e taxa Sati. Dispositivos legais não prequestionados. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Caso fortuito e força maior. Dispositivo legal não prequestionado. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. Nos termos das Súmulas nºs 211/STJ, 282 e 356/STF, não merece seguimento o recurso especial fundado na indicação de ofensa ou na alegação de divergência interpretativa de dispositivos legais não prequestionados. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.539.132 – (2015/0146445-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1198)

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8579 – Contrato de participação financeira – ações da CRT – falta de impugnação espe-cífica

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Civil. Contrato de participação financei-ra. Ações da CRT. Falta de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada. Art. 544, § 4º, I, do CPC. Agravo improvido. 1. A parte agravante deve impugnar, especifi-camente, os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não conhecimento do agravo, consoante o disposto no art. 544, § 4º, inciso I, do CPC. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 708.601 – (2015/0100358-2) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1075)

8580 – Dano material – ação de indenização – falsificação de endosso – responsabilidade da instituição bancária – inexistência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos materiais.

Falsificação de endosso. Responsabilidade da instituição bancária. Inexistência. Dever que

se restringe à verificação da regularidade formal da cadeia de endossos ( Lei do Cheque, Lei

nº 7.357/1985, art. 39). Agravo não provido. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no

sentido de que o estabelecimento bancário não está obrigado a verificar a autenticidade das

assinaturas dos endossantes, mas apenas a regularidade formal da cadeia de endossos. 2. Não

estando a instituição financeira obrigada a fazer a conferência da assinatura, também não tem

o dever de verificar a existência de procuração em nome do outorgado e muito menos quais

poderes tinham sido conferidos pelo autor. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(STJ – AgRg-Ag-REsp 310.201 – (2013/0065695-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe

26.10.2015 – p. 1185)

8581 – Dano moral – ação de indenização – falecimento da filha e irmã dos autores – atropelamento em linha férrea – redução do valor – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos morais.

Falecimento da filha e irmã dos autores, respectivamente, em decorrência de atropelamento

em linha férrea. 1. Redução do valor da indenização. Impossibilidade. Quantum fixado com

observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 2. Juros de mora. Termo

inicial. Data do evento danoso. Súmula nº 54/STJ. Recurso desprovido. 1. Trata-se de ação de

indenização por danos morais decorrentes do falecimento da filha e irmã dos autores, respec-

tivamente, vítima de atropelamento por composição férrea, caso em que a indenização por

danos morais fixada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um dos 5 (cinco) autores

não pode ser considerada exagerada, ainda que observada a existência de culpa concorrente,

bem como o longo período, de quase 20 (vinte) anos, entre a data do acidente e o ajuizamento

da ação. 2. Na hipótese de responsabilidade extracontratual, os juros de mora são devidos

desde a data do evento danoso (óbito), nos termos da Súmula nº 54 deste Tribunal. 3. Agravo

regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 734.076 – (2015/0151239-3) –

3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1144)

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8582 – Dano moral – ação de indenização – ofensas em site de relacionamento – quan-tum indenizatório

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de indenização. Dano moral. Ofensas em site de relacionamento. Quantum indenizatório. Súmula nº 7/STJ. Dissídio jurisprudencial. Inexistência de similitude. Recurso desprovido. 1. A revisão de indenização por danos morais só é viável em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo. Salvo essas hipóteses, incide a Súmula nº 7 do STJ, impedindo o conhecimento do recurso. 2. Tratando-se de danos morais, é incabível a análise do recurso com base na divergência pretoriana, pois, ainda que haja grande semelhança nas características externas e objetivas, no aspecto subjetivo, os acórdãos são distintos. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 750.954 – (2015/0182596-4) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 1137)

8583 – Dano moral – ação de indenização – possibilidade – correção monetária – termo inicial

“Agravo regimental no agravo. Ação de indenização. Dano moral. Possibilidade. Correção monetária. Termo inicial. Honorários advocatícios. Fixação de acordo com o disposto no art. 20, § 3º, do CPC. 1. A recusa à cobertura de tratamento é causa de fixação de indenização por danos morais. 2. ‘A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento’ (Súmula nº 362/STJ). 3. Os honorários advocatícios devem ser arbitrados no percentual variável de 10% a 20% do valor da condenação, devendo ser obser-vados o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço, conforme dispõe o art. 20, § 3º, a, b e c, do CPC. 4. Agravo regimental parcialmente provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 502.172 – (2014/0085777-3) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 1011)

8584 – Dano moral – ação indenizatória – descumprimento de ordem judicial – ausência de impugnação

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação indenizatória por danos morais por descumprimento de ordem judicial. Ausência de impugnação específica de todos os funda-mentos da decisão de admissibilidade. Súmula nº 182/STJ. Agravo regimental não conhecido. 1. Os argumentos apresentados pelo agravante, nas razões do agravo regimental, não bus-caram refutar os fundamentos da decisão monocrática agravada, o que atrai a incidência da Súmula nº 182 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 732.927 – (2015/0152034-5) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1143)

8585 – Dano moral – atraso na entrega de imóvel – prescrição – aplicação do art. 27 do CDC – valor razoável – modificação

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Atraso na entrega de imóvel. 1. Prescrição. Aplicação do art. 27 do CDC. Revisão das conclusões alcançadas na origem. Impossibilidade. Súmula nº 7 do STJ. 2. Dano moral. Valor razoável. Modificação. Necessidade de reexame de fatos e provas. 3. Lucros cessantes. Presunção de prejuízo. Precedentes. Súmula nº 83 do STJ.

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4. Agravo improvido. 1. O Tribunal estadual, ao interpretar as cláusulas contratuais e analisar o conjunto fático-probatório constante dos autos, entendeu haver relação de consumo entre as partes. Sendo assim, aplica-se à cobrança indevida o prazo prescricional quinquenal, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Rever tal entendimento importa em análise do contrato e o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pelos Enunciados nºs 5 e 7 da Súmula desta Corte Superior. Precedentes. 2. No tocante ao valor da indenização fixada a título de danos morais, a análise dos precedentes desta Casa revela que o montante arbitrado na origem – R$ 8.000,00 (oito mil reais) – não se distancia dos padrões de razoabilidade. Incidência do Enunciado nº 7/STJ. 3. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a presunção da existência dos lucros cessantes decorre da impossibilidade de uso e locação do bem, em razão do atraso na sua entrega, circunstância essa que denotaria presunção relativa do prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 748.501 – (2015/0178559-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1131)

Comentário editorial SÍNTeSeTrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática, de minha lavra, que negou seguimento ao agravo em recurso especial.

Em suas razões, esclarece a agravante que “resta manifestamente caracterizada a diver-gência jurisprudencial, uma vez que, enquanto o acórdão recorrido expressamente aplica o prazo do CDC quanto à matéria e devolução dos valores pagos a título de comissão de cor-retagem, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no acórdão utilizado como paradigma, afasta qualquer tentativa de aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando o assunto é a devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem”.

No tocante à compensação extrapatrimonial, afirma não envolver o tema o “reexame de provas, eis que o valor arbitrado pelo aresto recorrido, a título de indenização por danos morais, em muito destoa de condenações impostas em casos similares, que atingem patamares bastante inferiores àquela conferida no caso em tela, ou seja, há manifesta desproporção”.

Por fim, reverbera que “a indenização pretendida pelo recorrido a título de lucros ces-santes, em função de um dano hipotético, não possui qualquer fundamento, razão pela qual torna-se evidente que a manutenção da decisão recorrida viola expressamente os arts. 402 e 944 do CC”.

Diante disso, busca a reconsideração da decisão ou, caso assim não se entenda, a remes-sa do recurso à Terceira Turma desta Casa a fim de que seja determinado o processamento do especial.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O relator assim ponderou:

“No tocante à quantificação do dano moral, destaquei que, apesar da omissão da lei civil, o Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de evitar reparações excessivas ou meramente simbólicas, instituiu prudente critério bifásico de valoração. ‘Na primeira eta-pa deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram caso semelhantes. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para a fixação definitiva do valor da indenização, atendendo a determinação legal de arbitra-mento equitativo pelo juiz’ (REsp 1.152.541/RS, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 21.09.2011)”.

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O ilustre Jurista José Carlos Arouca assim disciplina sobre o dano moral:

Não foi fácil determinar parâmetros para a aferição do dano e sua valoração. Num pri-meiro momento, lembra Beatriz Della Giustina, a falta de meios, mas principalmente de precedentes e um pouco de coragem para avançar, apelou-se para o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), servindo-se mesmo de dispositivos legais do antigo Código Brasi-leiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962), arts. 81 a 88, que enumera as formas delituosas que podem produzir o dano moral (arts. 289 e ss.), com o objetivo de asse-gurar sua reparação quando ocasionados por propaganda eleitora injuriosa ou deletéria (art. 243, §§ 1º e 2º), para a Lei de Imprensa, nº 5.250/1967, que, regulando a liberdade de manifestação do pensamento e de informações, dispõe no art. 49, I: ‘Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou cul-pa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar: I – os danos morais e materiais nos casos previstos no art. 16, II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúria’. Estabelece, ainda, nos arts. 53 e 54, clara distinção entre indenização por dano moral e indenização por dano material. O art. 53, I a III, por sinal, dispõe como deverá o Magistrado proceder no arbitramento do quantum indenizatório.

Na vigência do Código Civil de 1916, acenava-se ao art. 1.533 para o arbitramento da indenização, ‘de maneira equitativa, prudente, não abusiva, atentando para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes’. Na opinião de Sérgio Pinto Martins, ‘uma forma de pagamento, completa, seria a aplicação analógica da indenização dos arts. 477 e 478 da CLT, do pagamento de um salário por cada ano de serviço trabalhado pelo empregado, considerando-se ano o período igual ou superior a seis meses’, lembran-do a regra do art. 948 do antigo Código Civil, o qual explicita que ‘nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais favorável ao lesado’. Refere-se, mais, à decisão do TRT da 8ª Região, sendo Relator o Juiz José Maria Quadros de Alencar, que condenou o infrator ao pagamento de um piso e meio da convenção coletiva, pelo período em que ficou desempregado. E, dentre outras hipóteses, o fornecimento de carta de referência, publicação de nota na imprensa local dando conta do rompimento do contrato de trabalho sem que para tanto tivesse contribuído o empregado.

O Código Civil vigente, no art. 946, remete à Lei processual a fixação do valor das perdas e danos, se a obrigação for indeterminada. A indenização, todavia, na forma do art. 944, ‘mede-se pela extensão do dano’.

O art. 1.533 do diploma anterior foi substituído pelo art. 946: ‘Se a obrigação for inde-terminada, e não houver na Lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a Lei processual determinar’.

Para Orlando Teixeira da Costa, ‘na fixação do valor, o julgador, normalmente, subordina--se a alguns parâmetros procedimentais, considerando a extensão espiritual do dano, a imagem do lesado e a do que lesou, a intenção do autor do ato danoso, como meio de ponderar o mais objetivamente possível direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem da pessoa’.

De nossa parte, lembramos Graciliano Ramos, que, sem pensar no tema, mas em função dos males causados pelo homem, distinguia o capitalista abastado e o proletário sem nada; o intelectual com grande capacidade de discernimento e o inculto, com formação rudimentar. A reparação do dano deve ter presente o perfil do ofendido e do ofensor, isto é, do empregado e do empregador, e, na hipótese colocada, no poderio econômico da empresa, no seu porte, a gravidade do ato ofensivo, a profundidade do dano causado e sua repercussão, interna, no âmbito da empresa, e externa, no meio em que se situa o trabalhador, familiar e social.” (Dano moral. Disponível em: online.sintese.com)

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8586 – Dano moral – devolução indevida de cheque – majoração do valor indenizatório – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Dano moral. Devolução indevida de che-que. Majoração do valor indenizatório. Impossibilidade. Reexame do conjunto fático-proba-tório dos autos. 1. A fixação da indenização por danos morais baseia-se nas peculiaridades da causa, exigindo a sua revisão o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado em recurso especial, nos termos do Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. Assim, somente com-porta a excepcional revisão por este Tribunal a indenização irrisória ou exorbitante, caracte-rísticas não verificadas na hipótese dos autos, em que o valor foi arbitrado em R$ 2.000,00 (dois mil reais), para reparar a devolução indevida de cheque. 2. Agravo regimental não provi-do.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 668.896 – (2015/0029521-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1047)

8587 – Dano moral e material – ação de indenização – erro médico – parto – uso de fórceps – cesariana – indicação – lesão no membro superior esquerdo – culpa configurada – hospital – responsabilidade subjetiva

“Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Erro médico. Parto. Uso de fórceps. Cesariana. Indicação. Não observância. Lesão no membro superior esquerdo. Médico contratado. Culpa configurada. Hospital. Responsabilidade subjetiva. Ação de regres-so. Procedência. Danos morais. Valor. Razoabilidade. 1. A jurisprudência desta Corte encon-tra-se consolidada no sentido de que a responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos contratados que neles trabalham, é subjetiva, dependendo da demonstração da culpa do preposto. 2. A responsabilidade objetiva para o prestador do serviço prevista no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, no caso o hospital, limita-se aos serviços relacio-nados ao estabelecimento empresarial, tais como a estadia do paciente (internação e alimen-tação), as instalações, os equipamentos e os serviços auxiliares (enfermagem, exames, radio-logia). Precedentes. 3. No caso em apreço, ambas as instâncias de cognição plena, com base na prova dos autos, concluíram que houve falha médica seja porque o peso do feto (4.100 gramas) indicava a necessidade de realização de parto por cesariana, seja porque a utilização da técnica de fórceps não se encontra justificada em prontuário médico. 4. A comprovação da culpa do médico atrai a responsabilidade do hospital embasada no art. 932, inciso III, do Código Civil (‘São também responsáveis pela reparação civil: [...]. III – o empregador ou comi-tente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;’), mas permite ação de regresso contra o causador do dano. 5. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pela instâncias ordinárias apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexis-tentes no presente caso, em que arbitrada indenização no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). 6. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.526.467 – (2014/0143277-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1189)

8588 – Desconsideração da personalidade jurídica – art. 50 do Código Civil – inovação – inadmissibilidade – penhora

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Desconsideração da personalidade ju-rídica. Art. 50 do Código Civil. Inovação. Inadmissibilidade. Penhora. Conta-poupança. Li-beração. 40 (quarenta) salários mínimos. Art. 649, X, do Código de Processo Civil. Súmula

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nº 83/STJ. 1. É inviável a análise de teses alegadas apenas nas razões do regimental por se tratar de evidente inovação recursal. Ademais, a questão foi resolvida à luz da solidariedade afirmada na fase de conhecimento do processo com trânsito em julgado, o que torna de todo incompreensível a alegação de indevida desconsideração da personalidade jurídica. 2. A re-gra de impenhorabilidade absoluta, prevista no art. 649, inciso IV, do CPC, visa pôr a salvo de quaisquer constrições os valores percebidos a título de vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quan-tias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, em virtude de sua natureza alimentar. 3. Por outro lado, nos termos do inciso X do mesmo dispositivo legal, com a redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006, o saldo de poupança somente não será objeto de penhora até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos. 4. Assim é que, ainda que percebidos a título remuneratório, ao serem depositados em aplicações financeiras como a poupança, referidos valores perdem a natureza alimentar, afastando a regra da impenhorabilidade no que ultrapassar aquele limite. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 210.694 – (2012/0158462-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 995)

Comentário editorial SÍNTeSeTrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo para negar seguimento ao recurso especial.

O agravante afirmou que os valores nas contas bancárias nas quais se procedeu a penhora tinham natureza salarial, daí serem indevidas as constrições.

Alegou que houve omissão quanto à violação do art. 50 do Código Civil sob o argumento de que a pessoa do sócio não se confunde com a da sociedade, não havendo causa, na hipótese, para sua responsabilização.

O STJ negou seguimento ao recurso especial.

Conforme lições de Alex Moisés Tedesco, a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil assim esclarece:

“‘O novo Código Civil após vários anos de discussões no Congresso Nacional foi instituído pela Lei nº 10.406/2002, com um período de vacatio legis de um ano, trazendo no seu bojo alguns institutos antes não previstos e reclamados pela doutrina, a disregard doctrine é um exemplo desta previsão legislativa inovadora.

Tal previsão prevista no art. 50, do novo CC, é de grande relevância para que o aplicador do Direito tenha segurança para desconsiderar a pessoa jurídica, pois a previsão em legal desta possibilidade acaba com algumas dúvidas científicas acerca da sua aplicação, já que introduz uma ampla positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurí-dica no nosso ordenamento jurídico.’

Neste sentido, é importante estudar-se o projeto do novo CC que tratava do tema em discussão, cuja redação original do art. 50, in verbis:

‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar-lhe a dissolução.

Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão, con-juntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representan-te que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração.’

A redação acima recebeu severas críticas por parte da doutrina, já que o artigo prevê a dis-solução da sociedade, algo não contemplado pela disregard doctrine, que simplesmente

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ignora a pessoa jurídica para o caso concreto, não havendo a extinção da pessoa jurídica. O citado artigo previa uma hipótese de despersonalização da sociedade, ou seja, extinção da pessoa jurídica, e não de desconsideração, em que a pessoa jurídica é desprezada somente para o caso concreto, permanecendo intocada em relação aos demais negócios da sociedade.

Outra crítica que pode ser feita é a participação do MP em qualquer caso de desconsidera-ção, já que, pelo Texto Constitucional, este órgão tem competência para atuar nas causas de interesse público e, na grande maioria dos casos em que é desconsiderada a pessoa jurídica, há um mero interesse individual das partes envolvidas, uma mera relação entre credor e devedor.

Estes aspectos foram melhorados na atual redação do art. 50, que possui o seguinte comando normativo: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os defeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.’

O texto acima citado revela claramente a intenção de incorporar-se a disregard doctrine no ordenamento jurídico material, sendo notável o avanço neste sentido. Contudo, apesar de ter-se adequado a participação do MP, para atuar somente quando realmente possuir interesse, o dispositivo possui algumas falhas.

O pressuposto abuso da personalidade jurídica está em consonância com a concepção doutrinária subjetivista da teoria da penetração. Elogiável também é a menção do desvio de finalidade que pode ser considerado como a premissa maior da disregard doctrine, inclusive tendo sido o motivo determinante da construção da mesma.

Quanto à confusão patrimonial, a que se refere o art. 50, pode-se perceber a intenção do relator do projeto do Código Civil de encampar, também, a concepção objetiva da teoria da desconsideração, que não exige a prova de que o agente agiu com má-fé ocultando-se sob o manto da pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação. Como já mencionado anteriormente, fórmulas aritméticas, como a confusão patrimonial, não revelam por si só um abuso no uso da personalidade jurídica, pois, o fato de um sócio ser o detentor principal do capital social não revela, a priori, que esse tencione ocultar--se sob a pessoa jurídica, já que o simples insucesso nos negócios, tornando a sociedade insolvente, não autoriza a responsabilização do sócio, por maior que seja sua participação no capital social.

Outra questão a ser enfrentada é a da restrição no alcance da aplicação do dispositivo, já que esse prevê somente a extensão dos efeitos de algumas obrigações aos bens da pessoa física, não prevendo a extensão diretamente à pessoa do sócio, para caracterizar-se uma atividade pessoal dele, sendo executada em nome da sociedade.

Um exemplo disto seria o caso de uma pessoa física assumir uma obrigação de não fazer e constituir uma sociedade em que seja o seu controlador e principal detentor do capital social, sendo que a pessoa jurídica passa a exercer a atividade não permitida contratualmente ao sócio. É flagrante a intenção de usar a pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação contratual, havendo um abuso da pessoa jurídica e o desvio de finalidade dessa. Contudo, desconsiderando-se a personalidade jurídica, a atividade exercida pela sociedade seria imputada diretamente ao sócio, ou seja, haveria a extensão dos efeitos de algumas relações à pessoa física e, não aos bens da mesma, como preconiza o citado art. 50.

A previsão da superação da pessoa jurídica no novo CC não contempla a hipótese de des-consideração da personalidade jurídica, para poder-se responsabilizar o sócio por descum-prir uma obrigação que não seja de cunho patrimonial, pois o citado artigo prevê somente a extensão de alguns efeitos estritamente aos bens do sócio e não diretamente a esse, para considerá-lo como praticante dos atos a ele vedados e, como consequência, considerá-lo como descumpridor dos termos contratuais.” (Desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

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8589 – Direito autoral – fotografia estampada – matéria de periódico distribuído a inte-grantes de associação – falta de autorização do fotógrafo e de indicação de seu nome como autor da obra – arbitramento dos danos materiais

“Direito autoral. Fotografia estampada em matéria de periódico distribuído a integrantes de associação. Falta de autorização do fotógrafo e de indicação de seu nome como autor da obra. Arbitramento dos danos materiais. Lei nº 5.988/1973, art. 122, parágrafo único. 1. Sen-tença, transitada em julgado, condenatória ao pagamento de indenização, nos termos do art. 122, parágrafo único, da Lei nº 5.988/1973, por reprodução não autorizada de obra fo-tográfica, em periódico de circulação restrita de associação, sem valor comercial. 2. Indeni-zação, fixada na fase de liquidação, equivalente ao valor apurado em laudo pericial para a fotografia indevidamente reproduzida somado ao custo de confecção de dois mil exemplares. Inexistência de ofensa ao art. 122, parágrafo único, da Lei nº 5.988/1973. 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.120.423 – (2009/0114121-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 23.10.2015 – p. 1281)

8590 – Exceção de pré-executividade – advogado – intimação – não observância do subs-tabelecimento sem reserva de poderes – alegada nulidade

“Agravo regimental no recurso especial. Objeção à executividade (exceção de pré-executivi-dade). Advogado. Intimação. Não observância do substabelecimento sem reserva de poderes. Alegada nulidade. Fundamento inatacado suficiente para manutenção do acórdão. Súmula nº 283/STF. Decisão mantida. 1. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado, impõe o não conhecimento da pretensão recursal. Súmula nº 283/STF. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.369.943 – (2013/0052924-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.10.2015 – p. 1242)

8591 – Execução – desconsideração da personalidade jurídica – excesso – juros morató-rios – cabimento

“Processo civil e direito civil. Recurso especial. Desconsideração da personalidade jurídica. Excesso de execução. Juros moratórios. Cabimento da exceção de pré-executividade. Pres-crição da pretensão de execução de verba honorária de sucumbência. Violação do art. 535 do CPC. Fixação de honorários em exceção de pré-executividade. Não ocorrência de vício de citação. 1. A pretensão de reformar o julgado não se coaduna com as hipóteses de omis-são, contradição, obscuridade ou erro material contidos no art. 535 do CPC, razão pela qual inviável o seu exame em sede de embargos de declaração. 2. Esta Corte Superior, primando pela celeridade e economia processuais, vem mitigando o rigorismo do prequestionamento em situações excepcionais para, superado o juízo de admissibilidade, ampliar a extensão do efeito devolutivo, de forma a aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e da Súmula nº 456 do STF. Precedentes. 3. A exceção de pré-executividade é instrumento processual adequado para demonstrar a nulidade do título executivo no ponto em que utili-zado errôneo índice de juros de mora, bastando que seja possível ao órgão julgador aferir de plano o referido erro, o que ocorreu no caso concreto. Precedentes. 4. A prescrição relativa à pretensão de cobrança de honorários de sucumbência é quinquenal, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.906/1994 (EOAB), que prevê, como termo a quo da contagem desse pra-zo, o trânsito em julgado da decisão que fixar a verba. Precedentes. 5. O parcial acolhimento do incidente de exceção de pré-executividade, desde que resultando na extinção parcial da

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execução, rende ensejo à condenação na verba honorária proporcionalmente à parcela ex-cluída do feito executivo. Precedentes. 6. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de senten-ça ou exceção de pré-executividade. Precedentes. 7. Ademais, o comparecimento espontâneo do requerido supre a eventual ausência de citação (art. 214, § 1º, do CPC), máxime quando inexiste prejuízo, uma vez que o recorrente apresentou exceção de pré-executividade, que foi devidamente apreciada pelo órgão jurisdicional. Consoante cediço, não se anula ato pro-cessual cujo vício formal não impede seja atingida a sua finalidade. Precedentes. 8. Da clara redação do art. 82 da Lei nº 11.101/2005 é possível inferir que a norma se refere à apuração, no juízo da falência, da responsabilidade pessoal dos sócios e administradores da própria em-presa falida, e não de outras empresas que guardem com aquela alguma relação de controle. 9. Nos termos do art. 50 do CC, o decreto de desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade somente pode atingir o patrimônio dos sócios e administradores que dela se utilizaram indevidamente, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. 10. É de curial importância reiterar que, principalmente nas sociedades anônimas, impera a regra de que apenas os administradores da companhia e seu acionista controlador podem ser respon-sabilizados pelos atos de gestão e pela utilização abusiva do poder; sendo certo, ainda, que a responsabilização deste último exige prova robusta de que esse acionista use efetivamente o seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar os órgãos da companhia. 11. No caso, o recorrente retirou-se da administração da sociedade em 1984 e dos quadros sociais em 1985, ou seja, 4 ou 5 anos antes dos fatos geradores do decreto de desconsideração. A decisão é de 2009, vale dizer, 24 anos após sua saída da Cobrasol, ressoando inequívoca, a meu juízo, a impossibilidade de que a supressão da personalidade jurídica da aludida empresa possa atin-gir seu patrimônio. 12. Outrossim, verifica-se que não foi nem mesmo demonstrada a prática de atos fraudulentos por parte do recorrente, haja vista não ter o Tribunal a quo especificado quais as provas que embasaram a sua convicção nesse sentido, limitando-se a crer, de forma subjetiva, que o ex-sócio controlava a referida sociedade de forma indireta. 13. Recurso es-pecial de Solano Lima Pinheiro e outro não provido. Recurso especial de Naji Robert Nahas provido.” (STJ – REsp 1.412.997 – (2013/0107445-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.10.2015 – p. 1245)

Comentário editorial SÍNTeSeOriginalmente uma empresa distribuidora de títulos e valores mobiliários em liquidação extrajudicial ajuizou demanda em face de Cobrasol Cia. Brasileira de Óleos e Derivados, objetivando cobrança de valores oriundos de operação de venda de ações cumulada com perdas e danos.

Sobreveio sentença de procedência do pedido formulado na demanda principal e impro-cedência da reconvenção.

O Tribunal estadual negou provimento à apelação, em acórdão assim ementado:

“PROCESSO – Intimação, por carta, a ser feita na pessoa de advogado da parte e que tem domicílio em comarca fora do território do Estado. Aplicação do disposto no art. 273, II do CPC. Agravo retido não provido. COMPRA E VENDA – Ações. Negócio entre comissária e corretora. Ausência de pagamento do preço e venda das ações. Possibilidade. Autorização que integra o negócio em virtude de Instrução da CVM. Falta de entrega de numerário pela comitente à comissária, reforçando a possibilidade de venda. Recurso improvido. INDE-NIZAÇÃO – Prejuízo alegado pela inexistência de entrega de numerário pela comitente à

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comissária, levando à sua liquidação extrajudicial e falência. Fato não negado. Concessão correta. Recurso improvido.”

A maior acionista da Massa Falida de Dinâmica S.A. Distribuidora de Títulos e Valo-res Mobiliários – requereu, nessa qualidade, o reconhecimento de sua legitimidade para prosseguimento na presente demanda e, por conseguinte, o início da fase de liquidação por arbitramento das perdas e danos, assim também o cumprimento da parte líquida da sentença.

O Juízo singular determinou o prosseguimento da execução.

Foi apresentada exceção de pré-executividade, na qual a sociedade Cobrasol Companhia de Óleos e Derivados suscitou a prescrição relativa à pretensão de execução da sentença prolatada em ação indenizatória

A exceção foi rejeitada, porquanto verificada a não ocorrência da prescrição, o que foi confirmado em sede de recurso especial (REsp 1.222.423/SP).

Em seguida, o Juízo determinou a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade Cobrasol para atingir os bens de seu ex-sócio, Naji Nahas, e das sócias Massa Falida de Selecta Comércio e Indústria S.A. e SIP Internacional de Participações S.A. Contra tal de-cisão foi interposto recurso especial (REsp 1.358.432/SP), que será objeto de julgamento em conjunto com o presente.

O Tribunal estadual deu parcial provimento ao recurso, consoante se dessume da seguinte ementa:

“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Desconsideração da personalidade jurídica, para estender a responsabilidade a ex-sócio, ora agravante. Inocorrência de violação aos prin-cípios do contraditório e da ampla defesa, pois o terceiro responsável ingressou esponta-neamente dos autos e pode livremente deduzir todos os seus argumentos, apreciados pelo Juízo a quo e por este Tribunal de Justiça. Possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, diante das circunstâncias do caso concreto, não elididas pelo recorrente, ao menos nesta exceção de pré-executividade. Pretensão executória da su-cumbência coberta pela prescrição, nos termos do art. 25 do Estatuto do Advogado. Juros moratórios legais, cobrados em excesso, incidindo a taxa de 12% ao ano somente a contar da vigência do novo Código Civil. Recurso provido em parte.”

Nas razões do recurso especial, interposto com base na alínea a do permissivo constitu-cional, o recorrente alegou violação dos seguintes:

a) art. 214 do CPC, haja vista a falta de citação e a inobservância do princípio da ampla defesa e do contraditório, os quais devem ser respeitados previamente ao decreto de desconsideração, mormente no caso, em que tal medida extrema ocorreu 17 anos após o ingresso da ação e 24 anos depois da sua retirada do quadro societário da empresa;

b) arts. 128, 460 e 468 do CPC, porquanto o acórdão recorrido reconhece o equívoco na decisão que sustentou que o recorrente era administrador da Cobrasol, mas, simultanea-mente, o considera culpado pelo não pagamento do débito exequendo em razão de rui-nosas operações especulativas na bolsa, o que não constou de nenhuma decisão anterior, extrapolando os limites da lide e do pedido;

c) art. 82 da Lei de Falências, em razão da falência da empresa Selecta, uma das sócias da Cobrasol, o que implica a necessidade de apuração da responsabilidade dos sócios e controladores no juízo da falência;

d) arts. 50 e 1.003, parágrafo único, do CC, uma vez que o recorrente não era diretor presidente, acionista ou administrador da Cobrasol à época dos fatos narrados na inicial (junho de 1989), nem do ajuizamento da ação (janeiro de 1991), tendo-se retirado da administração em 11.07.1984 e do quadro acionário em 29.03.1985;

e) art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, porquanto o valor fixado a título de honorários – R$ 15.000,00 – pode ser considerado ínfimo, haja vista que corresponde a 0,25% do

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excesso de execução extirpado (R$ 3,5 milhões), mais os juros de mora, também no valor de R$ 3,5 milhões, totalizando uma redução do valor exequendo de R$ 7 milhões.

Por seu turno, outro recorrente e outro intentaram, também, seu recurso especial, violação dos seguintes dispositivos legais:

a) art. 535 do CPC, uma vez que o Tribunal não se pronunciou acerca da questão da pre-clusão da matéria relativa à prescrição da pretensão de cobrança da verba honorária, que foi objeto de decisão em exceção e agravo de instrumento anteriores; omitindo-se também em relação à impossibilidade de conhecimento da exceção de pré-executividade em vir-tude da necessidade de dilação probatória, temas suscitados na contraminuta ao agravo;

b) art. 475-J, § 1º c/c art. 475-L do CPC, porquanto as matérias alegadas em exceção somente poderiam ter sido suscitadas em sede de impugnação em virtude da patente ne-cessidade de produção de provas tendentes a verificar a correção dos cálculos, tanto que o pedido alternativo foi de remessa dos autos à contadoria do Juízo;

c) art. 475-L, § 2º, do CPC, ante o equivocado acolhimento do pedido de excesso de execução decorrente da suposta cobrança a maior de juros moratórios, uma vez que cabia ao executado apresentar o cálculo do valor que entendia devido, sob pena de rejeição liminar de sua impugnação, ou seja, nem mesmo a impugnação poderia ter sido julgada procedente;

d) arts. 471 e 473 do CPC, em virtude de o ponto relativo à prescrição da cobrança da verba honorária ter sido amplamente discutido em agravo de instrumento, no qual foi reconhecida a sua não ocorrência, ocasionando, portanto, a preclusão do tema;

e) arts. 205 do CC e 25, II, do EOAB, em virtude da não ocorrência da prescrição da pretensão de cobrança da verba honorária, mormente tendo em vista que art. 25, II, do referido estatuto se aplica à hipótese de execução de honorários entre o patrono e seu constituinte com base em contrato de honorários e não aos honorários sucumbenciais;

f) art. 21, parágrafo único, do CPC, uma vez que, embora reconhecendo a sua sucum-bência mínima, condenou-lhe ao pagamento de verba honorária, olvidando-se que a ju-risprudência do STJ somente admite tal providência na hipótese de extinção da execução.

Foram apresentadas contrarrazões apenas ao primeiro recurso.

Ambos os recursos obtiveram crivo negativo de admissibilidade na instância a quo tendo ascendido a esta Corte por força do provimento do agravo.

Ante o falecimento do recorrido em 31.07.2013, requerem os recorrentes a reautuação dos autos para que conste no polo passivo do recurso o espólio de Solano Lima Pinheiro, bem como a juntada de documentos e a habilitação dos herdeiros necessários, tendo em vista a ausência de inventário.

Houve parecer do Ministério Público opinando pelo não provimento dos recursos espe-ciais.

O STJ negou provimento ao recurso especial de Solano Lima Pinheiro e dou provimento ao recurso de Naji Nahas para afastar os efeitos do decreto de desconsideração do seu patrimônio, invertidos, quanto a ele, os ônus sucumbenciais.

Conforme lições de Alex Moisés Tedesco, a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil assim esclarece:

“O novo Código Civil após vários anos de discussões no Congresso Nacional foi instituído pela Lei nº 10.406/2002, com um período de vacatio legis de um ano, trazendo no seu bojo alguns institutos antes não previstos e reclamados pela doutrina, a disregard doctrine é um exemplo desta previsão legislativa inovadora.

Tal previsão prevista no art. 50, do novo CC, é de grande relevância para que o aplicador do Direito tenha segurança para desconsiderar a pessoa jurídica, pois a previsão em legal desta possibilidade acaba com algumas dúvidas científicas acerca da sua aplicação, já que introduz uma ampla positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurí-dica no nosso ordenamento jurídico.”

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Neste sentido, é importante estudar-se o projeto do novo CC que tratava do tema em discussão, cuja redação original do art. 50, in verbis:

“‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar-lhe a dissolução. Parágrafo único. Neste caso sem prejuízo de outras sanções cabíveis, respon-derão, conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da admi-nistração.’

A redação acima recebeu severas críticas por parte da doutrina, já que o artigo prevê a dis-solução da sociedade, algo não contemplado pela disregard doctrine, que simplesmente ignora a pessoa jurídica para o caso concreto, não havendo a extinção da pessoa jurídica. O citado artigo previa uma hipótese de despersonalização da sociedade, ou seja, extinção da pessoa jurídica, e não de desconsideração, em que a pessoa jurídica é desprezada somente para o caso concreto, permanecendo intocada em relação aos demais negócios da sociedade.

Outra crítica que pode ser feita é a participação do MP em qualquer caso de desconsidera-ção, já que, pelo Texto Constitucional, este órgão tem competência para atuar nas causas de interesse público e, na grande maioria dos casos em que é desconsiderada a pessoa jurídica, há um mero interesse individual das partes envolvidas, uma mera relação entre credor e devedor.

Estes aspectos foram melhorados na atual redação do art. 50, que possui o seguinte comando normativo: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os defeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’.

O texto acima citado revela claramente a intenção de incorporar-se a disregard doctrine no ordenamento jurídico material, sendo notável o avanço neste sentido. Contudo, apesar de ter-se adequado a participação do MP, para atuar somente quando realmente possuir interesse, o dispositivo possui algumas falhas.

O pressuposto abuso da personalidade jurídica está em consonância com a concepção doutrinária subjetivista da teoria da penetração. Elogiável também é a menção do desvio de finalidade que pode ser considerado como a premissa maior da disregard doctrine, inclusive tendo sido o motivo determinante da construção da mesma.

Quanto à confusão patrimonial, a que se refere o art. 50, pode-se perceber a intenção do relator do projeto do Código Civil de encampar, também, a concepção objetiva da teoria da desconsideração, que não exige a prova de que o agente agiu com má-fé ocultando-se sob o manto da pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação. Como já mencionado anteriormente, fórmulas aritméticas, como a confusão patrimonial, não revelam por si só um abuso no uso da personalidade jurídica, pois, o fato de um sócio ser o detentor principal do capital social não revela, a priori, que esse tencione ocultar--se sob a pessoa jurídica, já que o simples insucesso nos negócios, tornando a sociedade insolvente, não autoriza a responsabilização do sócio, por maior que seja sua participação no capital social.

Outra questão a ser enfrentada é a da restrição no alcance da aplicação do dispositivo, já que esse prevê somente a extensão dos efeitos de algumas obrigações aos bens da pessoa física, não prevendo a extensão diretamente à pessoa do sócio, para caracterizar-se uma atividade pessoal dele, sendo executada em nome da sociedade.

Um exemplo disto seria o caso de uma pessoa física assumir uma obrigação de não fazer e constituir uma sociedade em que seja o seu controlador e principal detentor do capital social, sendo que a pessoa jurídica passa a exercer a atividade não permitida

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contratualmente ao sócio. É flagrante a intenção de usar a pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação contratual, havendo um abuso da pessoa jurídica e o desvio de finalidade dessa. Contudo, desconsiderando-se a personalidade jurídica, a atividade exercida pela sociedade seria imputada diretamente ao sócio, ou seja, haveria a extensão dos efeitos de algumas relações à pessoa física e, não aos bens da mesma, como preconiza o citado art. 50.

A previsão da superação da pessoa jurídica no novo CC não contempla a hipótese de des-consideração da personalidade jurídica, para poder-se responsabilizar o sócio por descum-prir uma obrigação que não seja de cunho patrimonial, pois o citado artigo prevê somente a extensão de alguns efeitos estritamente aos bens do sócio e não diretamente a esse, para considerá-lo como praticante dos atos a ele vedados e, como consequência, considerá-lo como descumpridor dos termos contratuais.” (Desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

8592 – Execução de título extrajudicial – duplicata sem aceite – não impugnação

“Processual civil. Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Execução de título extraju-dicial. Duplicata sem aceite. Não impugnação específica dos fundamentos da decisão agra-vada. Súmula nº 182/STJ. 1. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar espe-cificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Súmula nº 182/STJ). 2. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 696.165 – (2015/0098291-5) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 1065)

8593 – Falência – prazos processuais – recesso natalino – inexistência de suspensão – in-tempestividade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Falência. Prazos processuais. Recesso natalino. Inexistência de suspensão na vigência do Decreto- Lei nº 7.661/1945. Intempestivi-dade. Agravo improvido. 1. Interposta a apelação em processo falimentar deve considerar-se na contagem do prazo recursal aquele decorrido durante as férias forenses, porquanto, nos termos do art. 204 do Decreto- Lei nº 7.661/1945, então vigente, não há falar em suspen-são nesse período. 2. Se a parte agravante não apresenta argumentos hábeis a infirmar os fundamentos da decisão regimentalmente agravada, deve ela ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 476.438 – (2014/0032999-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1117)

8594 – Honorários de advogado – reparação civil – prestação de serviços – prescrição decenal

“Agravo regimental no recurso especial. Civil e processual civil. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Reparação civil. Prestação de serviços advocatícios. Prescrição decenal. Art. 205 do Código Civil. 1. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil nem importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a con-trovérsia posta. 2. Consoante a orientação desta Corte, nas ações de indenização do mandante contra o mandatário, incide o prazo prescricional de dez anos previsto no art. 205 do CC. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.460.668 – (2014/0146808-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1174)

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8595 – Multa – astreintes e juros de mora – dano moral – valor da indenização

“Agravo regimental em agravo em recurso especial. 1. Astreintes e juros de mora. Fundamen-tos da decisão de inadmissibilidade não atacados. Art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil. Não conhecimento do reclamo. 2. Dano moral. Valor da indenização. Exorbitância não verificada. Redução. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso improvido. 1. É dever da agravante combater especificamente todos os fundamentos da decisão agravada, demons-trando o desacerto do decisum que negou seguimento ao recurso especial, nos termos do que preconiza o art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil. 2. É cediço o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que ‘a revisão de indenização por danos morais só é viável em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo’ (AgRg-AREsp 453.912/MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 25.08.2014), sob pena de incidência do Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte, desproporcionalidade esta que não se constata na hipótese, visto que foi fixada a indenização de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) com base nas peculiaridades da espécie. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 751.515 – (2015/0182579-8) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1153)

Comentário editorial SÍNTeSeCuida-se de agravo regimental interposto por OI S.A. contra a decisão monocrática assim ementada:

“Agravo em recurso especial. 1. Astreintes e juros de mora. Fundamentos da decisão de inadmissibilidade não atacados. Art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil. Não co-nhecimento do reclamo, no ponto. 2. Dano moral. Valor da indenização. Exorbitância não verificada. Redução. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, improvido.”

Em suas razões, sustentou a agravante que “nas decisões acostadas aos autos e que ser-viram de paradigma no recurso especial interposto pela ora Agravante, o posicionamento deste Colendo Superior Tribunal de Justiça tem sido o de afastar a devolução em dobro determinada pelos juízos a quo, tendo como objetivo evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento da outra, observando estritamente o princípio da razo-abilidade e da proporcionalidade”, enfatizando não ser caso de incidência do Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte.

Buscou, assim, seja provido o presente recurso.

O STJ negou provimento ao presente agravo regimental.

O relator observou que:

“Consoante asseverado na decisão agravada, no que concerne aos juros de mora e às astreintes, extrai-se da decisão de admissibilidade que o julgador entendeu que a análise dos temas encontra óbice, respectivamente, nos Enunciados nºs 7 e 83 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. No agravo, todavia, a agravante não infirmou os referidos fundamentos de inadmissão do recurso especial, detendo-se a atacar a motivação decli-nada para a negativa de seguimento do recurso quanto à quantia arbitrada a título de danos morais.”

De Plácido e Silva assim define astreintes:

“Vocábulo de origem francesa, sem tradução para o vernáculo, indica, na técnica proces-sual civil, a pena pecuniária nas execuções. É a medida cominatória de constrição contra devedor de obrigação de fazer ou não fazer, cujo valor diário, fixado pelo juiz na sentença executada, que durará enquanto permanecer a inadimplência.” (Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 90)

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Humberto Theodoro Júnior, conceituando astreintes como sendo a multa como meio de coação, assim assevera:

“A imposição bem como a exigibilidade da multa pressupõem ser factível o cumprimento da obrigação em sua forma originária. Comprovada a impossibilidade da realização da prestação in natura, mesmo por culpa do devedor, não terá mais cabimento a exigência da multa coercitiva. Sua finalidade não é, na verdade, punir, mas basicamente obter a presta-ção específica. Se isso é inviável, tem o credor de contentar-se com o equivalente econô-mico (perdas e danos). No entanto, se essa inviabilidade foi superveniente à imposição da multa diária, a vigência da medida prevalecerá até o momento do fato que impossibilitou a prestação originária. A revogação da multa, por outro lado, torna-se cabível, tanto por impossibilidade objetiva da prestação (o fato devido tornou-se materialmente inexequível), como por impossibilidade subjetiva do devedor (este caiu, por exemplo em insolvência).” (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 159)

A natureza jurídica de astreintes é coativa e não indenizatória, sendo a sua fixação em multa diária até que seja cumprida a obrigação.

8596 – Penhora sobre o faturamento – substituição da constrição por bem imóvel – satis-fação do débito

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Autos de agravo de instrumento. Penhora sobre o faturamento. Substituição da constrição por bem imóvel suficiente à satisfação do débito. Súmula nº 7/STJ. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo. Irresignação da agravante. 1. O entendimento firmado na Corte a quo acerca da possibilidade de substi-tuição da penhora, de modo a se realizar a execução pelo meio menos oneroso ao devedor, ensejaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência esta que atrai o óbice da Súmula nº 7/STJ. Incidência da Súmula nº 83/STJ. Precedentes. 2. Agravo regimental des-provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 285.538 – (2013/0011975-9) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 26.10.2015 – p. 1183)

Comentário editorial SÍNTeSeTrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática da lavra deste signa-tário a qual negou provimento ao agravo (art. 544 do CPC).

O apelo nobre amparado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, fora deduzido em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

“PENHORA – Incidência sobre o faturamento mensal da empresa-agravante. Pedido de substituição por imóvel localizado em outro Estado. Inadmissibilidade. Hipótese que pre-judicaria o andamento do processo de execução. Interesse do credor que deve ser aten-dido. Recurso nesta parte improvido. PENHORA – Faturamento. Constrição permitida em casos excepcionais, pois se equipara à penhora do próprio estabelecimento empresarial. Necessidade, entretanto, de redução do percentual de 20% para 5% para evitar a inviabi-lidade da atividade empresarial. Precedentes do STJ. Recurso nesta parte provido.”

Opostos embargos de declaração por ambas as partes, ambos foram rejeitados.

Nas razões do recurso especial a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos arts. 620 e 655, IV, do Código de Processo Civil, sustentando, em síntese, a necessidade de desconstituição da penhora sobre o faturamento da empresa, devendo ser efetuada constrição sobre o bem imóvel indicado, sob pena de a execução ocorrer de forma mais gravosa para a executada.

O Tribunal de origem negou seguimento ao recurso ante os argumentos de não ter sido devidamente demonstrada a vulneração aos dispositivos legais, e de incidirem as Súmulas nºs 7 do Superior Tribunal de Justiça e 284 do Supremo Tribunal Federal.

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Contra o supracitado decisum, a insurgente interpôs agravo (art. 544 do CPC), buscan-do destrancar o processamento daquela insurgência, no qual rechaça os fundamentos supracitados.

Por decisão monocrática, este relator negou provimento ao agravo (art. 544 do CPC), em razão da incidência da Súmula nº 83/STJ, tendo em vista que o entendimento consagra-do no acórdão combatido coaduna-se com a jurisprudência desta Eg. Corte Superior no sentido de que a possibilidade de substituição da penhora demanda o reexame de fatos e provas (Súmula nº 7/STJ).

Inconformada, a agravante interpõe tempestivamente, agravo regimental no qual defende a inaplicabilidade da Súmula nº 83 do STJ, sendo notório que a penhora sobre o fatu-ramento da empresa, ora demandante, é extremamente prejudicial, o que enseja a sua alteração da penhora para que recaia a constrição sobre o bem indicado, a fim de que a execução se dê de forma menos gravosa ao devedor.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

Oportuno, colacionar trecho do voto do relator:

“Na hipótese ora em foco, o Tribunal local, ao manter parcialmente a decisão de primeiro grau relativamente à penhora sobre o faturamento da empresa, determinando, porém, a redução para 5% (cinco por cento) do faturamento, asseverou ser inviável o deferimento da substituição da penhora para que esta se dê sobre imóvel localizado em outro Estado da Federação, o que dificultaria o andamento do processo, além de contrariar o interesse do credor.

Desse modo, a revisão das premissas firmadas pela Corte de origem acerca da possibilida-de de substituição da penhora, de modo a se realizar a execução pelo meio menos oneroso ao devedor, ensejaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência esta que atrai o óbice da Súmula nº 7/STJ.”

Humberto Theodoro Júnior esclarece:

“A jurisprudência também tem entendido que a ‘gradação legal estabelecida para efetiva-ção da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circuns-tâncias e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto, bem como o interesse das partes litigantes’.

O art. 656 acrescenta ao problema da gradação legal mais algumas restrições, que podem invalidar a nomeação de bens à penhora feita pelo devedor.

Assim, ocorrerá, também, a ineficácia da nomeação, quando:

I – havendo bens no fora da execução, o devedor tenha apontado outros, situados fora da circunscrição do juízo;

II – havendo bens livres e desembargados, o devedor tenha nomeado outros que não o sejam;

III – o valor dos bens escolhidos for insuficiente para garantir a execução;

IV – ocorrer, no ato de nomeação, a falta de indicação do valor dos bens, ou de qualquer das especificações e indicações a que se referem os nºs I a IV do § 1º do art. 656.” (Curso de direito processual civil. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2004. p. 201)

Vale trazer, também, as lições de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, comentando o que o Código de Processo Civil regulamenta:

“c) são requisitos da nomeação de bens à penhora:

I – observância da gradação legal dos bens sobre os quais preferencialmente deve recair a penhora (art. 655, I a X; art. 656, I). Deu-se preferência ao dinheiro e, na ótica do le-gislador, aos bens mais fáceis de serem alienados. A regra é um temperamento (que toma em conta o princípio da utilidade da execução) à faculdade concedida ao devedor (que consagra o princípio da execução menos onerosa).

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Precisamente, por buscar o equilíbrio entre dois princípios, tal ordem não é rígida e abso-luta – a despeito do que dá a entender o teor literal do preceito. Eventualmente, admitir--se-á que a penhora recaia sobre bem em posição posterior na ordem de preferência, pois seria excessivamente oneroso para o devedor se a constrição atingisse bens melhor posicionados (exemplos: penhora de imóvel, no lugar da de dinheiro destinado à manu-tenção empresarial da sociedade devedora; penhora de direito de crédito, em vez da de bens móveis que compõem o estoque da empresa e têm de ser vendidos para que ela mantenha capital de giro e não quebre etc.). Por vezes, é o próprio credor quem considera mais conveniente a inobservância da gradação legal: os títulos da dívida pública, por exemplo, embora apareçam em terceiro lugar no art. 655, são, não raramente, de difícil liquidação.” (Curso avançado de processo civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 170)

8597 – Protesto extrajudicial – sustação – tutela cautelar para sustação – cambiário

“Sustação de protesto extrajudicial. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Tutela cautelar para sustação de protesto cambiário. A teor do art. 17, § 1º, da Lei nº 9.492/1997, a sustação judicial do protesto implica que o título só poderá ser pago, pro-testado ou retirado do cartório com autorização judicial. Medida que resulta em restrição a direito do credor. Necessidade de oferecimento de contracautela, previamente à expedição de mandado ou ofício ao cartório de protesto para sustação do protesto. 1 Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado. 2. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.340.236 – SP – (2012/0176521-0) – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.10.2015 – p. 846)

8598 – Recurso – advogado sem procuração nos autos – possibilidade de regularização das instâncias ordinárias

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Recurso de apelação não conhecido. Ad-vogado sem procuração nos autos. Possibilidade de regularização das instâncias ordinárias. Art. 13 do CPC. Recurso especial conhecido e provido. Agravo regimental não provido. 1. É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte segundo o qual, verificada na instância ordinária, a irregularidade na representação processual, é cabível a abertura de novo prazo para que seja sanado o defeito, nos termos do art. 13 do Código de Processo Civil. 2. Não existem razões que justifiquem o acolhimento da pretensão recursal, razão pela qual a de-cisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 759.386 – (2015/0192398-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.10.2015 – p. 1257)

8599 – Recurso – assinatura do recurso por meio eletrônico – advogado titular do certi-ficado digital – procuração nos autos – ausência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Assinatura do recurso por meio eletrônico. Advogado titular do certificado digital que não possui procuração nos autos. Recurso inexistente. Súmula nº 115/STJ. Agravo regimental não conhecido. 1. A apresentação de recurso assinado eletronicamente por advogado sem poderes nos autos atrai a incidência

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da Súmula nº 115/STJ. 2. A assinatura eletrônica é a forma de identificação inequívoca do sig-natário e a opção pela utilização do meio eletrônico de peticionamento implica a vinculação do advogado titular do certificado digital ao documento chancelado, que será considerado, para todos os efeitos, o subscritor da peça, não tendo valor eventual assinatura digitalizada de outro advogado que venha a constar da peça encaminhada eletronicamente, mesmo que este possua procuração. Precedente da Corte Especial: AgRg-APn 675/GO, Relª Min. Nancy Andrighi, Julgado em 03.12.2014, DJe de 12.12.2014. Súmula nº 115/STJ. 3. Agravo regimen-tal não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 661.535 – (2015/0029068-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.10.2015 – p. 1201)

8600 – Recurso – falta de comprovação do pagamento do preparo – momento da inter-posição – comprovante de agendamento bancário – inadmissibilidade – deserção

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Falta de comprovação do pagamento do preparo. Momento da interposição. Comprovante de agendamento bancário. Inadmissibili-dade. Deserção. 1. De acordo com firme entendimento desta Corte, a regularidade do pre-paro deve ser comprovada no momento da interposição do recurso, não constituindo, a sua ausência, nulidade sanável. Precedentes. 2. O comprovante de agendamento, emitido pelo banco, não serve como prova do efetivo recolhimento do preparo, pois demonstra apenas que houve uma programação na conta do cliente para que seja efetuado um pagamento futuro. Não significa certeza de quitação, porquanto depende do saldo da conta no dia agendado. Além disso, o agendamento pode ser cancelado antes do pagamento. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 741.136 – (2015/0165549-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.10.2015 – p. 1244)

8601 – Responsabilidade civil em acidente de trânsito – seguradora denunciada à lide – possibilidade de cobrança de juros de mora

“Civil e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. Seguradora denunciada à lide. Possibilidade de cobrança de juros de mora sobre os valores da cobertura da apólice de seguro. Precedentes do STJ. Agravo regimental não provido. 1. A responsabilidade da litisdenunciada pelo pagamento dos juros de mora é contada a partir da sua citação na ação indenizatória, pois, apesar da inexistência do vínculo contratual entre a seguradora e a parte ora agravante, a responsabilidade decorre do contrato de seguro firmado com a parte segurada. Precedentes. 2. A parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 760.607 – (2015/0197926-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.10.2015 – p. 1258)

8602 – Seguro de vida e acidentes pessoais – lesão por esforço repetitivo – cobertura da apólice

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Seguro de vida e acidentes pessoais. Lesão por esforço repetitivo. 1. Cobertura da apólice. Interpretação de cláusula e reexame de prova. 2. Laudo pericial demonstrando a incapacidade completa para trabalhos braçais. Fundamen-to não rebatido nas razões do especial e suficiente para manter a conclusão alcançada na

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origem. Súmula nº 283/STJ. 3. Correção monetária. Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo improvido. 1. A conclusão acerca da comprovação da invalidez permanente indenizável pela apólice de seguro contratada baseou-se na interpretação das cláusulas contratuais, à luz do Código de Defesa do Consumidor, bem assim na apreciação do contexto fático-probatório dos autos. Laudo pericial atestando a incapacidade total para trabalhos braçais. Justificativas que não podem ser revistas em recurso especial diante dos óbices das Súmulas nºs 5 e 7 desta Casa. 2. As instâncias de origem motivaram a concessão do benefício no teor do laudo pericial jun-tado aos autos, que concluiu pela completa incapacidade laborativa do recorrido para traba-lhos braçais. Esse fundamento, contudo, não foi rebatido nas razões recursais, sendo caso de aplicação do Enunciado nº 283 da Súmula do Supremo Tribunal. Precedentes. 3. No tocante às indenizações securitárias, esta Corte Superior consagrou o entendimento de que a corre-ção monetária incide desde a data da celebração do contrato até o dia do efetivo pagamento do seguro, pois a apólice deve refletir o valor contratado atualizado. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 752.514 – (2015/0183322-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1156)

8603 – Seguro de vida em grupo – não renovação – notificação do segurado em prazo razoável – ausência de ilegalidade

“Agravo interno no recurso especial. Seguro de vida em grupo. Não renovação. Notificação do segurado em prazo razoável. Ausência de ilegalidade. Embargos protelatórios. Não ocor-rência. Afastamento da multa. Confirmação da decisão. Agravo não provido. 1. A Segunda Seção desta Corte pacificou o entendimento de que inexiste abuso na cláusula que prevê a possibilidade de não renovação de contrato de seguro de vida em grupo, desde que haja pré-via notificação em prazo razoável, como ocorreu no caso dos autos. 2. ‘Embargos de declara-ção manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório’ (Súmula nº 98/STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.212.092 – (2010/0163786-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.10.2015 – p. 1229)

8604 – Seguro de vida em grupo – não renovação pela seguradora – cláusula contratual – comunicação prévia

“Agravo regimental. Recurso especial. Seguro de vida em grupo. Não renovação pela segu-radora. Cláusula contratual. Comunicação prévia. Não ocorrência de abusividade. 1. Não é abusiva a cláusula constante de contrato de seguro de vida em grupo que dispõe sobre a pos-sibilidade de não renovação automática por qualquer das partes, mediante notificação prévia. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AgRg-REsp 1.444.455 – (2012/0053224-1) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 1171)

8605 – Seguro – plano de saúde – cobertura de despesas médico-hospitalares – prazo prescricional

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Contrato de seguro. Plano de saúde. Cober-tura de despesas médico-hospitalares. Prazo prescricional. Art. 206, § 1º, II, do CPC. Súmula nº 83/STJ. 1. Se a causa de pedir da ação decorre de contrato de seguro de plano de saúde, deve incidir ao caso a regra de prescrição ânua de que trata o art. 206, § 1º, II do CC, diferen-temente dos casos em que se discute a falha na prestação do serviço de saúde, cuja pretensão

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recebe tratamento próprio, reclamando a incidência do prazo decenal do art. 205 do CC. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 745.736 – (2015/0172668-7) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 1127)

8606 – Seguro DPVAT – indenização – valor fixo – correção monetária – termo inicial – evento danoso

“Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso especial. Civil. Seguro DPVAT. Indenização. Valor fixo. Correção monetária. Termo inicial. Evento danoso. 1. A Segunda Seção deste Tribunal Superior, ao julgar o REsp 1.483.620/SC, submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil), consagrou o entendimento de que a inci-dência de atualização monetária nas indenizações por morte ou invalidez do seguro DPVAT, prevista no § 7º do art. 5º da Lei nº 6.194/1974, redação dada pela Lei nº 11.482/2007, opera-se desde a data do evento danoso, não podendo retroagir à data da edição da Medi-da Provisória nº 340/2006, a qual fixou o montante indenizatório do seguro obrigatório em valores fixos. 2. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADI 4.350/DF (DJe 03.12.2014), pontificou que não havia nenhuma omissão inconstitucional, sobretudo quanto à correção monetária, nas inovações trazidas pela MP 340/2006 na Lei nº 6.194/1974. 3. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, o exame de eventual ofensa a dispositivo da Constituição Federal, ainda que para o fim de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.474.445 – (2014/0206097-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1176)

8607 – Sentença – cumprimento – omissão inexistente – correção monetária estabelecida no título exequendo – impossibilidade de modificação posterior

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Cumprimento de sentença. Omissão inexistente. Correção monetária estabelecida no título exequendo. Impossibilidade de mo-dificação posterior. Consonância do acórdão recorrido com a jurisprudência do STJ. Súmula nº 83/STJ. Divergência não demonstrada. Súmula nº 284/STF. Agravo improvido. 1. A juris-prudência desta Corte firmou entendimento pela impossibilidade de pleitear, em cumprimen-to de sentença, a alteração nos termos fixados no título judicial, sob pena de ofensa à coisa julgada. 2. Em face da ausência de qualquer subsídio capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada, subsiste incólume o entendimento nela firmado, não merecendo prosperar o presente recurso. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 585.479 – (2014/0241653-2) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1014)

8608 – Sentença – cumprimento – pedido de destaque no montante a ser levantado pelo exequente – honorários de advogado

“Agravo regimental em recurso especial. Cumprimento de sentença. Pedido de destaque no montante a ser levantado pelo exequente do valor devido a título de honorários advocatícios contratuais (art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994). Decisão monocrática que negou seguimen-to ao apelo nobre. Insurgência do exequente. 1. Não configura negativa de prestação juris-dicional, hipótese em que o colegiado de origem aprecia todas as questões submetidas a

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julgamento, com fundamentação clara, coerente e suficiente, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte. 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça permite concluir que apenas o advogado detém legitimidade para recorrer do indeferimento do pedido de destaque, no montante da execução, do valor relativo à verba honorária contratual devida pelo seu constituinte (art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994). 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.101.391 – (2008/0242231-3) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 26.10.2015 – p. 1224)

8609 – Sentença – cumprimento – requerimento de substituição de penhora – manuten-ção – garantia da execução – renovação do prazo

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito processual civil. Cumprimento de sentença. Requerimento de substituição de penhora. Indeferimento. Manutenção de penhora anterior como reforço à garantia da execução. Renovação do prazo para a impugnação. Não ocorrência. Ofensa ao postulado da menor onerosidade para o executado. Pretensão recursal incompatível com as premissas fáticas assentadas no acórdão recorrido. Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. Precedentes. Agravo regimental improvido. 1. O entendimento expresso no Enunciado nº 7 da Súmula do STJ apenas pode ser afastado nas hipóteses em que o recurso especial veicula questões eminentemente jurídicas, sem impugnar o quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias no acórdão recorrido. 2. Em atenção à Súmula nº 7 do STJ, o re-curso especial é inviável nas hipóteses em que a verificação da inobservância do princípio da menor onerosidade da execução (art. 620 do CPC) no caso concreto requer a modificação de premissas fáticas firmadas pelo Tribunal a quo. Precedentes. 3. O prazo para a apresen-tação de defesa pelo executado não se renova nem se altera devido ao reforço da penhora. Precedente. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 748.613 – (2015/0176004-4) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1152)

8610 – Sentença – liquidação – apuração do valor de aluguel – insurgência quanto aos parâmetros da perícia – pedido de nova avaliação – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Liquidação de sentença. Apuração do valor de aluguel. Insurgência quanto aos parâmetros da perícia. Pedido de nova avaliação. Impossibilidade. Reexame de provas. 1. A convicção a que chegou o acórdão acerca do valor final da condenação apurado na liquidação da sentença, decorreu da análise e perícia do conjunto fático-probatório. 2. Inviável, portanto, o acolhimento da pretensão recursal, pois demandaria o reexame do suporte fático-probatório, procedimento vedado em recurso especial, conforme previsto na Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 706.976 – (2015/0105400-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1071)

8611 – Sentença – magistrado incompetente – não ocorrência – erro material do cartório – reconhecimento – designação retroativa – nulidade

“Recurso especial. Nulidade da sentença. Magistrado incompetente. Não ocorrência. Erro material do cartório. Reconhecimento. Designação retroativa. Prejuízo não comprovado. 1. Limita-se a tese recursal à nulidade da sentença proferida por magistrado supostamente incompetente, pois quando da prolação da decisão já não mais estava designado para auxiliar

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a Comarca de Matão/SP. 2. Sentença proferida por magistrado regularmente designado para prestar auxílio na comarca. Incompetência não caracterizada. 3. Ocorrência de erro material do cartório ao consignar equivocadamente a data da conclusão dos autos para sentença, bem como prolação de designação retroativa do magistrado. 4. Inviável o reconhecimento de nulidade se não comprovado o prejuízo. Aplicação do brocado pas des nullités sans grief. 5. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.234.437 – (2011/0013398-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 26.10.2015 – p. 1164)

8612 – Sentença – rejeição de embargos à monitória – constituição de título executivo judicial – coisa julgada – execução

“Processual civil. Agravo em recurso especial. Agravo regimental. Sentença de rejeição de embargos à monitória. Constituição de título executivo judicial. Coisa julgada. Execução. Embargos de devedor. Preliminar de ilegitimidade passiva. Matéria não arguida na fase de ordinarização do procedimento monitório. Preclusão. Matéria de defesa. Art. 475-l do CPC. 1. Ao rejeitar os embargos opostos à ação monitória, o juiz profere sentença de mérito para acolher o pedido do autor, constituindo-se de pleno direito o título executivo judicial. Com o trânsito em julgado da sentença, tem início a execução, que se dará na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, do CPC (arts. 475-I a 475-R do CPC). 2. Nos embargos à execução, não pode o executado arguir matéria de defesa que deveria ter alegado quando da ordinarização do procedimento monitório, ficando limitado àquelas previstas no art. 475-L do CPC. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 48.621 – (2011/0149429-6) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.10.2015 – p. 983)

8613 – Sociedade – dissolução irregular – ausência de poder de gerência à época dos fatos geradores – impossibilidade

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Redirecionamento. Dis-solução irregular. Ausência de poder de gerência à época dos fatos geradores. Impossibili-dade. Precedentes. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça definiu as seguintes orientações: (a) o redirecionamento da execução fiscal ao sócio, em razão de dissolução irregular da empresa, pressupõe a respectiva permanência no quadro societário ao tempo da dissolução; e (b) o redirecionamento não pode alcançar os créditos cujos fatos geradores são anteriores ao ingresso do sócio na sociedade. 2. Na situação em que fundamentado o pedido de redirecionamento da execução fiscal na dissolução irregular da empresa executada, é im-prescindível que o sócio contra o qual se pretende redirecionar o feito tenha exercido a fun-ção de gerência no momento dos fatos geradores e da dissolução irregular da sociedade. Pre-cedentes: AgRg-REsp 1.497.599/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 26.02.2015; AgRg-Ag 1.244.276/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 04.03.2015; e AgRg-AREsp 360.313/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 01.06.2015. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 719.901 – (2015/0128856-0) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 26.10.2015 – p. 901)

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Seção Especial – Com a Palavra, o Procurador

Deveres de Consideração nas Relações Contratuais

LeONARDO De MeDeIROS gARCIAMestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, Procurador do Estado do Espírito Santo, Assessor do Relator da Comissão Especial de Atualização do CDC no Senado Federal, Professor de diversos cursos de Pós-Graduação, Membro do Condecon do Espírito Santo, Diretor do Brasilcon.

Área do Direito: Consumidor; Civil.

RESUMO: O presente artigo aborda a relação obrigacional, em especial com enfoque no princípio da boa-fé objetiva. Examina-se a importância da análise da obrigação como um processo e a aplicação da boa-fé neste contexto. Para isso, demonstra-se como a doutrina tem sistematizado esse princípio através das suas diversas funções, em especial os chamados “deveres de consideração”.

PALAVRAS-CHAVE: Relação obrigacional; boa-fé subjetiva; princípio da boa-fé objetiva; funções da boa-fé objetiva; deveres de consideração.

SUMÁRIO: 1 Relação obrigacional; 1.1 Obrigação: conceito e evolução histórica; 1.2 A relação obri-gacional complexa; 2 Boa-fé; 2.1 Histórico; 2.2 Boa-fé subjetiva e objetiva; 2.3 A boa-fé objetiva no ordenamento brasileiro; 2.4 Sistematização da boa-fé objetiva; 2.4.1 Função interpretativa; 2.4.2 Função de controle (limite); 2.4.2.1 Venire contra factum proprium; 2.4.2.2 Supressio/surrectio; 2.4.2.3 Inadimplemento substancial; 2.4.2.4 Tu quoque; 2.4.3 Função integradora (deveres anexos, laterais ou de consideração). 2.4.3.1 Deveres de proteção; 2.4.3.2 Deveres de esclarecimento (infor-mação); 2.4.3.3 Deveres de lealdade (cooperação recíproca); Referências.

1 RELAÇÃO OBRIGACIONAL

1.1 obrigaçÃo: conceito e evoluçÃo histÓrica

O conceito de obrigação e, portanto, de relação obrigacional so-freu mudanças no decorrer dos tempos. O direito privado sofreu o im-pacto da transformação cultural, passando a ter uma orientação mais social e ética. É assim que a concepção savigniana de obrigação como poder do credor sobre a pessoa do devedor, remetendo ao direito ro-mano anterior à lex poetelia papiria1, época em que admitia a atuação corpórea do devedor inadimplente, não mais prevalece. Assim, ante-

1 A obrigação caracteriza-se como direito de garantia sobre a pessoa física do obrigado. Tal submissão do devedor ao credor só veio a cessar com a Lex Poetelia Papiria, que, no século IV a.C., substituiu o vínculo corporal pela responsabilidade patrimonial onde os bens, e não o corpo do devedor, deveriam responder pelas suas dívidas.

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riormente, a pessoalidade era o centro das obrigações, com submissão corpórea do devedor. Com o tempo, o patrimônio, ao invés da pessoa, assume o posto principal da relação obrigacional, sendo característica irrefutável desta.

Também, para alguns, a obrigação passou a ser vista como o poder do credor sobre os bens do devedor. Antunes Varela, criticando essa po-sição, anota que esta noção pode ser apenas aplicada aos direitos reais, em que há o poder direto e imediato da pessoa sobre os bens, através dos atributos da preferência e sequela2. Por fim, o professor de Coimbra também irá criticar os que situam a obrigação como relação entre dois patrimônios, uma vez que a relação jurídica exige a presença de dois sujeitos3.

Para a maior parte dos autores da atualidade, a obrigação tem sido compreendida como um direito do credor a um comportamento do de-vedor através da prestação de dar, fazer e não fazer.

A estrutura da relação obrigacional pode ser decomposta em dois elementos: o débito (schuld) e a responsabilidade (haftung). O débito consiste na prestação, no comportamento a ser efetuado pelo devedor. Já a responsabilidade somente surge no descumprimento do débito, com a sujeição do patrimônio. Essa divisão é interessante para a compreen-são das hipóteses de débito sem responsabilidade – nas obrigações natu-rais e dívidas prescritas – e responsabilidade sem débito – quando uma pessoa oferece seus bens como garantia de débito alheio. Desta forma, o patrimônio está mais ligado à ideia de sanção (pelo descumprimento) do que a prestação.

1.2 A RELAÇÃO OBRIGACIONAL COMPLEXA

Atualmente, a obrigação deve ser vista como uma relação com-plexa, formada por um conjunto de direitos, obrigações e situações jurí-dicas. A obrigação é um processo, uma séria de atos inter-relacionados, que caminham para o mesmo fim: a satisfação de ambas as partes atra-vés do cumprimento da prestação4.

2 ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 141.3 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 143.4 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Trad. Jaime Santos Briz. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958.

p. 38.

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Nesta nova concepção da obrigação, Clóvis do Couto e Silva aponta que credor e devedor não ocupam posições antagônicas. O que deve permear a obrigação deve ser sua finalidade, em uma ordem de co-operação visando ao adimplemento de forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. Assim, nos dizeres do professor gaúcho, “é precisamente a finalidade que determina a concepção da obriga-ção como processo”5. Prestigia-se a solidariedade mediante a coopera-ção das partes para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, preservando os direitos da personalidade. Nesse sentido é que Pietro Perlingieri aduz pela necessidade de uma “apresentação de uma noção de obrigação sensível aos valores e aos princípios fundamentais e, por-tanto, orientada a atuar-se em função constitucional”6.

É necessário ultrapassar a análise externa da relação obrigacional, ou seja, uma relação entre devedor e credor unidos por direitos e deve-res somente, e penetrarmos em sua análise interna, dando concretude à obrigação7. Devem-se investigar as peculiaridades das pessoas na rela-ção e os diferentes graus de intensidade de atuação entre eles. Não há mais espaço para uma tutela jurídica baseada meramente em juízo de plena subsunção. É necessário, portanto, verificar “a ética da situação” na famosa concepção de Larenz.

Nesta relação obrigacional complexa, será a boa-fé que irá legiti-mar o intuito dos parceiros na relação obrigacional.

2 BOA-FÉ

2.1 histÓrico

O início da boa-fé está associado ao direito romano. O sistema romano caracterizava-se como um sistema de ações e não de direitos, sobretudo no período clássico, em que surgem os iudicia bonae fidei. Quando não havia texto expresso em lei, o Magistrado decidia o caso de acordo com as circunstâncias concretas. Desta forma, os bonae fidei iudicia permitiram que o juiz utilizasse da boa-fé, alargando, assim, seu poder de decisão.

5 COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 8.6 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar,

1999. p. 211.7 MARTINS-COSTA. Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações. In: FRANCIULLI NETTO,

Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo Código Civil: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003. p. 331/332.

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A passagem também da jus civile (restrito aos cidadãos romanos – sistema mais rígido, fechado) para o jus gentium (aplicável à romanos e estrangeiros – baseado nos usos e costumes comerciais), em razão da ne-cessidade de comércio com outros povos, representou o campo propício ao incremento da boa-fé, pois, nas relações comerciais, era fundamental a lealdade à palavra empenhada.

Embora de origem remota, a boa-fé apenas reaparece no Código Napoleônico de 18048-9. Entretanto, a menção explícita da boa-fé não foi suficiente no direito francês para o seu adequado desenvolvimento, uma vez que o sistema privava o Magistrado da possibilidade de inter-pretar. A ciência do Direito estava reduzida a um diálogo com o texto da lei. Em razão da forte influência da burguesia no período, o princípio da boa-fé objetiva restou inteiramente absorvido pela atuação do dog-ma da autonomia da vontade. Como acentuado por Nelson Rosenvald, era evidente “o fascínio dos cultores do Direito pela primeira parte do art. 1.134 – ‘as convenções legalmente formadas têm lugar de lei entre as partes’ (alínea a) –, com o desprezo pela parte final do dispositivo (alínea c), que fazia alusão à boa-fé”10.

Assim, a ideologia positivista da época com o anseio da burguesia de contratar protelou o desenvolvimento da boa-fé objetiva, o que se deu apenas no direito germânico.

Com efeito, é na Alemanha da Idade Média que nasce a boa-fé, perdurando até a codificação de 1900 através da “fórmula par”11 treu und glauben. No BGB de 1900, foi inserida através do § 242: “O de-vedor está adstrito a realizar a prestação tal como exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”, influenciando posteriormente outras legislações.

8 O art. 1.134 do Código de Napoleão prescrevia que “les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites. Elles doivent être exécutées de bonne foi”. Em livre tradução: “Acordos legalmente celebrados possuem caráter de lei para aqueles que o assumem. Eles devem ser executados de boa-fé”.

9 Nesse sentido, Antonio Menezes Cordeiro destaca que, “depois do Digesto, em 532, o acontecimento jurídico mais marcante foi o aparecimento do Código Napoleônico, em 1804. A referência a ambas essas datas tem um sentido formal: o Digesto é a cristalização, em certos moldes, do Direito romano; o Código de Napoleão é o formar, também em parâmetros determinados, do Direito europeu anterior” (Da boa-fé no direito civil, p. 226).

10 ROSENVALD, Nelson. Dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 77.11 Ela objetiva reforçar o sentido comum dos termos ou alterar o sentido de um deles ou ainda criar um novo

sentido, sendo este último o que ocorreu com a expressão Treu und Glauben, que possui sentido diverso do significado atual de seus termos constitutivos.

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O BGB foi concebido como um sistema fechado. Assim, em um primeiro momento, a boa-fé não logrou aplicabilidade. Isso porque ja-mais se cogitou em conceder ao juiz a função de criar o direito. O § 242 do BGB somente foi concebido como reforço material aos contratos.

Por influência da doutrina e, sobretudo, da jurisprudência alemã posteriormente à Primeira Guerra Mundial, o princípio da boa-fé vai as-sumindo o seu papel de cláusula geral, através da atuação dos tribunais, libertando-se da concepção axiomática originária.

Menezes Cordeiro traz lição segundo a qual a evolução da boa-fé consagrada pelo BGB teria se operado em três fases:

a) até a Primeira Guerra Mundial, ter-se-ia em curso a fase concepcio-nal, na qual se buscou o fundamento, o âmbito e a bitola da sua atua-ção na relação obrigacional;

b) no período compreendido entre o pós-Guerra até o final dos anos 30, ter-se-ia desenvolvido a fase do preenchimento quantitativo do con-ceito antes firmado e dado início as primeiras tentativas de sistemati-zação da matéria;

c) a terceira fase, ainda em curso, prossegue-se nessa sistematização, “com ordenação de âmbitos de regulação do § 242 e com novas co-dificações do seu conteúdo”. É partir de então que se vê o desenvol-vimento da sistematização por meio da criação de institutos típicos de soluções de problemas com base na atuação da boa-fé objetiva, tais como a sua incidência na formação, no cumprimento e depois do cumprimento da obrigação, os deveres acessórios, o abuso de direito, o venire contra factum proprium, a mudança objetiva das bases do negócio etc.12

Por fim, por influência do BGB, vários códigos europeus irão, pos-teriormente, incorporar o princípio da boa-fé.

2.2 boa-fé subjetiva e objetiva

Existem duas acepções de boa-fé: uma subjetiva e outra objetiva. Por muito tempo predominou no ordenamento jurídico brasileiro uma concepção estritamente subjetiva de boa-fé, inclusive nas relações con-tratuais.

12 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007. p. 332-333.

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A boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psico-lógico, em que há uma convicção interna sobre a realidade dos fatos (ex.: convicção interna do possuidor sobre a ausência de defeitos em sua posse ou ignorância do cônjuge sobre a invalidade do matrimônio em decorrência da atuação do outro cônjuge). A boa-fé subjetiva traduz uma circunstância fática, um determinado estado de ânimo que se con-trapõe à ideia de má-fé.

Já a boa-fé objetiva compreende um modelo ético de conduta so-cial, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados pa-drões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte. Constitui um conjunto de padrões éticos de comportamento, aferíveis objetivamente, que devem ser segui-dos pelas partes contratantes em todas as fases da existência da relação contratual, desde a sua criação, durante o período de cumprimento e, até mesmo, após a sua extinção. Por meio dela, exige-se uma atividade de cooperação, constituindo-se, assim, uma fonte normativa impositiva de comportamentos “que se devem pautar por um específico standard ou arquétipo, qual seja, a conduta segundo a boa-fé”13.

De maneira precisa, Fernando Noronha distingue a boa-fé subjeti-va da objetiva, aduzindo que a

primeira diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, a segunda a elementos externos, a nor-mas de conduta, que determinam como ele deve agir. Num caso, está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica; no outro, está de boa-fé quem tem motivos para confiar na contraparte. Uma é boa-fé estado, a outra, boa-fé princípio.14

Assim, é possível alguém estar agindo de boa-fé (subjetiva) (igno-rando o indevido de sua conduta), mas não segundo a boa-fé objetiva (afere-se a correção da conduta/comportamento do indivíduo, pouco importando a sua convicção)15.

13 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, t. II, v. V, 2003. p. 21. 14 NORONHA, Fernando. Direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994.

p. 132.15 O contrário da boa-fé subjetiva é a má-fé. Já na objetiva, o seu contrário é entendido como carecedor de boa-fé

objetiva (o agir despido de lealdade e correção).

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2.3 a boa-fé objetiva no orDenamento brasileiro

O Código Comercial de 1850 previa a boa-fé objetiva como cláu-sula geral no art. 131, I. Dispunha que, sendo

necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: I – a in-teligência simples e adequada, que for mais conforme a boa-fé, e ao verdadeiro espírito e a natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras [...].

Havia também o art. 1.443 do Código Civil de 1916, que tratava da boa-fé objetiva, não como cláusula geral, mas com aplicação especí-fica aos contratos de seguro, restringindo o seu alcance. Dispunha que “o segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das cir-cunstâncias e declarações a ele concernentes”.

Porém, o modelo fechado e dedutivo dos Códigos Comercial e Civil não era capacitado a alcançar os anseios éticos que propiciariam o desenvolvimento da boa-fé.

Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor foi a primeira norma a prever expressamente a boa-fé objetiva e efetivamente aplicá-la de modo correto no campo das obrigações entre consumidores e for-necedores. A edição do Código de Defesa do Consumidor representou um marco, pois a boa-fé assumiu a posição de modelo de comporta-mento no Direito brasileiro – como princípio norteador da Política Na-cional das Relações de Consumo no art. 4º, III e com cláusula geral no art. 51, IV.

A boa-fé objetiva também foi inserida no Código Civil de 2002, como cláusula geral, irradiando seus efeitos por todo o sistema civilista. Nelson Rosenvald, ao destacar as funções deste princípio e sua correla-ção com os artigos do Código Civil, observa que

a boa-fé é multifuncional. Para fins didáticos, é interessante delimitar as três áreas de operatividade da boa-fé no novo Código Civil: desem-penha papel de paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídi-cos (art. 113); assume caráter de controle, impedindo o abuso do direito subjetivo, qualificando-o como ato ilícito (art. 187); e, finalmente, de-sempenha atribuição integrativa, pois dela emanam deveres que serão

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catalogados pela reiteração de precedentes jurisprudenciais (art. 422 do CC).16-17

Assim, no Código Civil de 2002, sobressai-se a expressa adoção da boa-fé objetiva, enquanto princípio, do qual emanam comporta-mentos retos, probos e leais, por meio das cláusulas gerais previstas nos arts. 113, 187 e 422, conformando-se, assim, ao texto constitucional.

Isso porque, com efeito, a partir da Constituição Federal de 1988, a boa-fé objetiva é implicitamente acolhida na ordem jurídica constitu-cional como princípio decorrente da igualdade, solidariedade e dignida-de da pessoa humana18.

2.4 sistematizaçÃo Da boa-fé objetiva

A doutrina brasileira tem classificado, de maneira sistemática e didática, a boa-fé objetiva de acordo com as três funções que exerce em nosso ordenamento: i) serve de cânone hermenêutico integrativo dos ne-gócios jurídicos (função interpretativa); ii) serve de norma instituidora ou criadora de deveres anexos ou acessórios à prestação principal (função integradora); e, por fim, iii) serve de norma limitadora ao exercício de direitos subjetivos (função de controle)19.

A tridimensionalidade das funções da boa-fé não pode ser aferi-da de maneira pontual. Eventualmente, rompem-se as fronteiras entre a atividade meramente interpretativa e aquela integrativa e, em outros

16 Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 33.17 São eles: art. 113 do CC: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do

lugar de sua celebração”. Art. 187 do CC: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Art. 422 do CC: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

18 Conferir, a esse respeito: NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 117-118; NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do principio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 9-23, 146-183 e 192-224; ROSENVALD, Nelson. Dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 171-186; LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios contratuais. In: LÔBO, Paulo Luiz Netto; LYRA JR., Eduardo Messias Gonçalves de (Coord.). A teoria do contrato e o novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003. p. 9-23.

19 Entre outros: MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 427-428; NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 153-190; SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 76-85; TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações. Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 35; ROSENVALD, Nelson. Dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 87-143; NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do principio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 224-251.

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casos, a atividade hermenêutica culmina na supressão do exercício de determinado direito subjetivo20.

2.4.1 Função interpretativa

A função interpretativa da boa-fé, a mais utilizada pela jurispru-dência, serve de orientação para o juiz, devendo este sempre prestigiar, diante de convenções e contratos, a teoria da confiança, segundo a qual as partes agem com lealdade na busca do adimplemento contratual.

O Código Civil de 2002 consagrou expressamente a boa-fé obje-tiva como cânone hermenêutico-integrativo, no texto seu art. 113, se-gundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Segundo Judith Martins-Costa, o passo essencial à plena realiza-ção desta técnica hermenêutica, consagrada no art. 113 do Código Civil de 2002, perpassa pela constatação de que, na interpretação das normas contratuais, o juiz deve tomá-las em seu “conjunto significativo”, ou seja, partindo-se do complexo de direitos, deveres e situações jurídicas, compreendendo-os como situações funcionalmente postas ao alcance de determinada finalidade, assim como, igualmente, as circunstâncias concretas do desenvolvimento e da execução contratual, tomada no seu todo21.

Gustavo Tepedino nos lembra que o dever de interpretar os ne-gócios conforme a boa-fé objetiva encontra-se irremediavelmente infor-mado pelos quatro princípios fundamentais para a atividade econômica privada: 1) a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF); 2) o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF); 3) a solidariedade social (art. 3º, I, da CF); 4) a igualdade substancial (art. 3º, III, da CF). Os dois primeiros encontram-se inseridos no Texto Maior como fundamento da República, enquanto os últimos são objetivos da República22.

Através da boa-fé objetiva, o juiz deve interpretar as cláusulas contratuais de modo a desconsiderar a malícia da parte que se vale de evasivas para criar convenções duvidosas, a fim de obter vantagens in-comuns, bem como as cláusulas lacunosas ou imprecisas deverão ser

20 ROSENVALD, Nelson. Dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 87.21 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 432.22 A parte geral do novo Código Civil. Estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2003. p. XXXI.

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interpretadas de acordo com o que, normalmente, são entendidas pelos indivíduos.

Assim, na seara consumerista, é muito comum os planos de saúde inserirem nos contratos expressões de pouco conhecimento geral ou la-cunosas, como, por exemplo, a cláusula contratual que prevê que as doenças infectocontagiosas não serão cobertas pelo plano. E a pergunta que se faz é: quais são as doenças infectocontagiosas? Percebe-se que, quando o consumidor adere ao plano de saúde, cria a expectativa e con-fia que, caso seja acometido de alguma doença, terá o tratamento devi-do e coberto pelo plano. Mas, muitas vezes, o consumidor somente tem notícia de que aquela doença que está sofrendo não está coberta pelo plano, por se tratar de doença infectocontagiosa, no momento em que necessita do tratamento. Ora, em casos como esse, o fornecedor deveria informar previamente ao consumidor quais doenças, especificamente, não estariam cobertas pelo plano. Mas, ao contrário, o fornecedor se vale de expressões vagas e imprecisas para angariar o consumidor e após a contratação, justamente quando o consumidor mais precisa, frustra sua confiança e age deslealmente negando cobertura ao tratamento.

2.4.2 Função de controle (limite)

A função de controle da boa-fé visa a evitar o abuso do direito subjetivo, limitando condutas e práticas comerciais abusivas, reduzindo, de certa forma, a autonomia dos contratantes.

A noção de atos abusivos tem relação com a teoria do abuso do direito, encampada pelo art. 187 do CC: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Dessa forma, não se admite, no ordenamento brasileiro, o exer-cício de direito de modo absoluto. O direito somente será reconhecido quando exercido de modo leal, não frustrando as legítimas expectativas criadas em outrem. Caso contrário, será considerado ato ilícito ainda que o titular não ofenda a norma em si (legalidade estrita), mas ofenda a sua valoração.

Assim, o princípio da boa-fé objetiva será o parâmetro utilizado para aferir os limites do abuso do direito (função de controle). Portanto, quando não houver lealdade no exercício do direito subjetivo, de forma

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a frustrar a confiança criada em outrem, o ato será abusivo e considera-do ilícito.

Nesse sentido, a boa-fé objetiva servirá para estipular o momento em que o exercício do ato, considerado, a princípio, lícito, converter-se--á em ato ilícito em razão do abuso do direito.

Sobre este enfoque é que foi editada a Súmula nº 302 do STJ pres-crevendo a abusividade da cláusula restritiva de internação em contratos de plano de saúde. Prevê a referida súmula que “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospita-lar do segurado”.

O plano de saúde, quando impõe a referida cláusula, comete abu-so do direito, desrespeitando o dever anexo de lealdade e, com isso, ofende a boa-fé objetiva que se espera nas relações negociais.

Cumpre ressaltar algumas espécies de atos abusivos elencados pela doutrina.

2.4.2.1 Venire contra factum proprium

O mais conhecido deles é o chamado venire contra factum proprium (proibição do comportamento contraditório). O venire se inse-re na “teoria dos atos próprios”, segundo a qual a ninguém é dado retor-nar sobre os próprios passos, depois de criar, com sua conduta inequívo-ca anterior, expectativa segura quanto ao futuro, quebrando princípios de lealdade e de confiança. Assim, é abusivo contradizer seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma legítima ex-pectativa. Cuida-se de dois comportamentos, lícitos e sucessivos, porém o primeiro (factum proprium) é contrariado pelo segundo (venire).

O interessante é que, no venire, cada um dos comportamentos, in-dividualmente considerados mostra-se válido, mesmo porque, não sen-do assim, não estaríamos no campo do venire contra factum proprium, mas no puro e simples campo da ilegalidade (ato ilícito subjetivo). O ilícito, portanto, não é a atitude isolada de qualquer dos dois comporta-mentos, mas a conduta considerada de modo global, ou seja, a conduta considerada no conjunto dos dois comportamentos. Quando a conduta, a teor do art. 187 do CC, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, comete o que chamamos de ato ilícito objetivo.

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Hipótese que ilustra bem o venire na jurisprudência é o famoso “caso dos tomates”, ocorrido no Rio Grande do Sul.

A fábrica de extrato de tomates Cica, procurando incentivar o plantio de tomate na região, forneceu aos produtores rurais sementes para, posteriormente, adquirir a safra para industrialização. Porém, em determinado ano, depois de ter distribuído as sementes, como vinha fa-zendo em diversos anos, após a colheita da safra, a fábrica, atendendo aos seus exclusivos interesses, simplesmente se recusou a comprar a pro-dução dos agricultores, alegando que havia sido detectada uma redução no consumo.

Nesse sentido, percebe-se que o primeiro comportamento – a dis-tribuição das sementes – (o factum proprium) foi contrariado pelo segun-do – a recusa quanto à compra da safra – (o venire), sendo certo que, a partir da primeira conduta e levando-se em consideração o histórico dos negócios jurídicos celebrados entre as partes nos anos anteriores, os agricultores confiaram, justificadamente, que toda a produção seria adquirida pela fábrica, e essa confiança foi quebrada, não tendo a quem vender todo o tomate colhido.

Assim, diante de tal situação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a fábrica Cica a indenizar os danos sofridos pelos agri-cultores em razão da ofensa à boa-fé objetiva, mais especificamente pela quebra da confiança gerada na relação23-24.

2.4.2.2 Supressio/surrectio

Outro tipo de ato abusivo é a supressio (Verwirkung) e a surrectio (Erwirkung). Pela supressio, constata-se que o não exercício de um di-reito durante longo tempo poderá significar a extinção desse direito,

23 A ementa do julgado ficou assim: “Contrato. Tratativas. Culpa in contrahendo. Responsabilidade civil. Responsabilidade da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes, no tempo do plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois resolve, por sua conveniência, não mais industrializá-lo, naquele ano, assim causando prejuízo ao agricultor, que sofre a frustração da expectativa de venda da safra, uma vez que o produto ficou sem possibilidade de colocação. Provimento em parte do apelo, para reduzir a indenização à metade da produção, pois uma parte da colheita foi absorvida por empresa congênere, às instâncias da ré. Voto vencido, julgando improcedente a ação” (TJRS, AC 591028295, 5ª C.Cív., Rel. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, J. 06.06.1991).

24 O STJ já aplicou a teoria do “venire contra factum proprium”: “Parte que autoriza a juntada, pela parte contrária, de documento contendo informações pessoais suas, não pode depois ingressar com ação pedindo indenização, alegando violação do direito à privacidade pelo fato da juntada do documento. Doutrina dos atos próprios” (STJ, REsp 605687/AM, Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 20.06.2005). “A seguradora que aceita o contrato e recebe durante anos as contribuições da beneficiária do seguro em grupo não pode recusar o pagamento da indenização, quando comprovada a invalidez, sob a alegação de que a tenossinovite já se manifestara anteriormente” (STJ, REsp 258805/MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 13.08.2001).

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quando contrariar o princípio da boa-fé. O não exercício de um direito pelo decurso do tempo pode gerar a expectativa na outra parte de que o direito não mais será exercido. Deste modo, caso venha a ser exercido, mesmo posteriormente, será considerado abusivo e, portanto, ilícito, já que frustrou a confiança gerada na outra parte de que não seria mais exercido25.

A configuração da supressio não depende da análise de dolo ou má-fé do titular do direito, pois o objetivo primordial do instituto não é punir a inércia do sujeito, mas sim proteger a outra parte, em virtude da boa-fé objetiva, pela confiança criada na relação.

Importante frisar que, para caracterizar a supressio, não é suficien-te o simples retardamento no exercício do direito. Além disso, é indis-pensável que, em virtude do retardamento, tenha surgido na outra parte a confiança, em termos objetivos, de que não mais haveria o seu exercí-cio. É fundamental que o lapso temporal venha acompanhado de outras circunstâncias objetivas capazes de fazer surgir a confiança (de que não mais seria exercido), de modo tal que o exercício posterior e súbito do direito venha a contrariar a boa-fé.

Assim, são três os requisitos necessários para a caracterização da supressio: a) a omissão no exercício do direito; b) o transcurso de um determinado período, geralmente variável; e c) indícios objetivos de que esse direito não mais seria exercido.

Percebe-se que a supressio guarda semelhanças com outros ins-titutos que relacionam os efeitos do tempo sobre os direitos, como a prescrição e a decadência. Todavia, trata-se de institutos diferentes, pois, enquanto na prescrição e decadência basta o mero transcurso do tempo previsto na lei e a inatividade do titular, sendo despiciendo a análise de outras circunstâncias, a supressio demanda a análise da confiança despertada na outra parte de que o direito não mais seria exercido, não bastando um determinado período de tempo. Assim, é justamente a presença das circunstâncias objetivas da supressio que a distinguem da prescrição e da decadência.

25 A origem da supressio é jurisprudencial. Decorre de julgados dos tribunais alemães logo após o término da Primeira Guerra Mundial. Como se sabe, a guerra resultou em inflação elevadíssima na Alemanha. Dessa forma, quando o credor retardava por algum tempo a exigência do pagamento, isso fazia com que a quantia devida, tendo em vista a enorme inflação, fosse corrigida para valores elevadíssimos, impossibilitando que o devedor cumprisse a obrigação. Assim, passaram os tribunais a entender que a demora no exercício do direito era causadora de inaceitável desequilíbrio entre as prestações, contrariando a boa-fé, podendo levar à perda da possibilidade de exercício tardio do direito.

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Além disso, no caso da prescrição e da decadência, a lei fixa o momento exato da ocorrência. No caso da supressio, ao contrário, não há como prever o tempo necessário para se caracterizar a inadmissibili-dade do exercício do direito pelo titular, uma vez que tal lapso temporal apenas poderá ser aferido em virtude das circunstâncias (objetivas) do caso concreto.

Exemplificando, quando o fornecedor aceita que o pagamento do financiamento concedido ao consumidor seja efetuado em lugar diferen-te do previsto no contrato, por um longo período, gerará a confiança no consumidor de que o fornecedor não exercitará mais seu direito contra-tual (exigir que o pagamento seja efetuado no local previsto no contrato), ocorrendo, assim, a supressão do direito do fornecedor, nascendo um novo direito para o consumidor (efetuar o pagamento no local habitual-mente feito)26. O nascimento desse novo direito (em razão da inércia do titular) decorre da surrectio. Através da surrectio, a prática reiterada de certos atos pode gerar no beneficiário a expectativa de continuidade. Conforme se depreende, supressio e surrectio são dois lados de uma mesma moeda. Enquanto na supressio ocorre a supressão do direito em razão da inércia de seu titular, na surrectio gera a aquisição do direito subjetivo em razão de um comportamento continuado27.

No direito do trabalho, embora não mencione expressamente, a jurisprudência tem-se valido da utilização da supressio através do cha-mado “perdão-tácito”. Acontece quando o empregador, tendo conheci-mento de que o empregado praticou falta grave suficiente para acarretar a resolução do contrato de trabalho por justa causa, deixa passar certo tempo sem exercer seu direito de romper o contrato unilateralmente. Assim, depois desse prazo, caso resolva exercer tal direito, não pode-rá fazê-lo, por ter se caracterizado a ocorrência da supressio (“perdão tácito”)28.

26 De modo semelhante, dispõe o art. 330 do CC: “O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”.

27 O STJ já teve oportunidade de reconhecer a aplicação da supressio através do voto do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar: “Tenho como admissível a teoria da supressio, segundo a qual o comportamento da parte, que se estende por longo período de tempo ou se repete inúmeras vezes, porque incompatível com o exercício do direito, pode levar a que se reconheça a extinção desse direito, com base na boa-fé objetiva” (STJ, REsp 207509/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 18.08.2003).

28 Nesse sentido: “Justa causa. Princípio da imediatidade na aplicação da pena. A não observância ao princípio da imediatidade na aplicação da penalidade máxima, ante a ocorrência de falta reputada grave pelo empregador, atrai a presunção de perdão tácito. A questão não se caracteriza apenas pelo transcurso do tempo, mas também por qualquer medida adotada pelo empregador reveladora da inequívoca intenção de manter o empregado em seus quadros” (TRT 2ª R. (SP), 4ª T., Ac. 20050455057, unânime, Rel. Juiz Paulo Augusto Câmara, DOE EP 22.07.2005). Conforme se extrai do julgamento, foram verificados os três

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2.4.2.3 Inadimplemento substancial

Também como exercício abusivo do direito é vista a figura do adimplemento substancial do contrato. A teoria do adimplemento subs-tancial dos contratos foi construída no Direito inglês, onde é conhecida sob o nome de teoria da substantial performance. Traduz-se na possibi-lidade de rejeição judicial da resolução do acordo contratual quando o inadimplemento tem significância diminuta relativamente às parcelas contratuais regularmente cumpridas no âmbito global do contrato29.

2.4.2.4 Tu quoque

Por fim, temos a figura do tu quoque. A expressão ficou conhecida pela frase de Júlio César ao perceber que seu filho adotivo Brutus estava entre os que atentavam contra sua vida no ano 44 a.C.: “Tu quoque, Brute, tu quoque fili mi?” (Até tu, Brutus, até tu, filho meu). Assim, o tu quoque é a ideia de que ninguém pode invocar normas jurídicas, após descumpri-las. Por isso é que a expressão tu quoque significa literal-mente “até tu”, indicando o sentimento de surpresa pelo fato de alguém tentar se beneficiar de sua própria irregularidade no agir.

Um exemplo é a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) que está previsto no art. 476 do Código Civil. Se uma parte não executou a sua prestação no contrato sinalagmático, não poderá exigir da outra parte a contraprestação. Assim, não poderá invo-car a regra que descumpriu em seu benefício.

Outro exemplo que tem ocorrido com frequência no campo tri-butário diz respeito às restituições de tributos cobrados indevidamente ou em quantia maior do que o devido. A Fazenda Pública utiliza a taxa Selic para a atualização dos tributos devidos pelo contribuinte. No en-tanto, quando o contribuinte requer a repetição, em relação a tributo que tenha sido indevidamente cobrado, a Fazenda Pública sustenta a

requisitos da supressio: 1) a omissão do exercício do direito quando o empregador não resolveu o contrato diante da falta grave do empregado; 2) a omissão se concretizou através de um lapso de tempo; 3) as circunstâncias objetivas protegidas pela boa-fé, configuradas na expressão “por qualquer medida adotada pelo empregador reveladora da inequívoca intenção de manter o empregado em seus quadros”.

29 Nesse sentido, julgado do STJ: “O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse” (STJ, REsp 272739/MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 02.04.2001).

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inaplicabilidade da taxa Selic, pretendendo fazer a devolução corrigida por outros índices de atualização, que são menores do que os da Selic. Nesse sentido, caracterizado está o tu quoque, uma vez que: como pode a Fazenda Pública exigir uma taxa de atualização na cobrança e aplicar outra quando da restituição?30

2.4.3 Função integradora (deveres anexos, laterais ou de consideração)

A função integrativa da boa-fé insere novos deveres para as partes, pois, além da verificação da obrigação principal, surgem novas condutas a ser também observadas. Na relação obrigacional complexa, avultam os “deveres principais ou primários da prestação”. Todavia, outros de-veres se impõem na relação obrigacional, completamente desvincula-dos da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta31, também conhecidos como de deveres de consideração, deveres anexos, instrumentais, laterais, acessórios, de proteção e de tutela, deveres avo-luntaristas, danos de acompanhamento.

A violação a qualquer dos deveres anexos implica inadimplemen-to contratual32. A violação desses deveres anexos ou laterais é chamada pela doutrina de “violação positiva do contrato” ou também de “adim-plemento ruim”33. Nas palavras do Professor Rogério Doninni,

os casos de cumprimento defeituoso da prestação principal, de não cumprimento de prestações secundárias e de infração dos deveres aces-sórios ou anexos de conduta fazem parte das hipóteses da violação po-sitiva do contrato. Há, pois, evidente relação entre deveres acessórios e

30 O STJ, mesmo não se valendo expressamente do tu quoque, tem repelido os argumentos da Fazenda Pública, aplicando a taxa Selic quando da restituição de tributos: “Na repetição de indébito tributário, incide a Taxa Selic a partir do recolhimento indevido ou, se este for anterior à Lei nº 9.250/1995, a partir de 01.01.1996. Precedentes. A Selic é composta de taxa de juros e correção monetária, não podendo ser cumulada, a partir de sua incidência, com nenhum outro índice de atualização” (STJ, REsp 975408/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 04.10.2007).

31 Expressão pioneira de Karl Larenz.32 Nesse sentido, o STJ: “O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo,

por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa” (STJ, REsp 595631/SC, Relª Nancy Andrighi, DJ 02.08.2004).

33 A primeira abordagem do tema da violação positiva do contrato deve-se a Hermann Staub, que, em 1902, publicou artigo intitulado “Die positive Vertragsverletzungen”. Neste trabalho, Staub tentou encontrar a fundamentação para “os incontáveis casos nos quais alguém descumpre uma relação por meio de atuação positiva, nos quais alguém pratica aquilo de que deveria abster-se, ou efetua a prestação que deveria ser efetuada, mas de forma defeituosa”, e que, sendo assim, fogem aos quadros da mora ou da impossibilidade. Tais casos foram designados pelo jurista como quebras positivas do contrato (FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 13).

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violação positiva do contrato, na medida em que aqueles integram um dos tipos de configuração dessa tese doutrinária.34

Os deveres laterais não são taxativos. O seu conteúdo é diverso, podendo referir-se a deveres de informação, conselho, cooperação, de segredo, não concorrência, de lealdade etc., devendo ser avaliado con-textualmente. É nesse sentido a explanação do Professor lusitano Carlos Alberto da Motta Pinto, quando aponta que

contratos, originando créditos e débitos perfeitamente iguais, possam gerar relações contratuais diversas: basta pensar numa venda de um ob-jeto por certo preço a um leigo na sua utilização e na venda do mesmo objeto pelo mesmo preço a um conhecedor, com o surgimento, no pri-meiro caso, de deveres de esclarecimento e informação, eventualmente conducentes a um dever de indenizar.35

Para fins de breve exposição, recorremos à tripartição entre deve-res de proteção, de esclarecimento e de lealdade, conforme adotado por Menezes Cordeiro36.

2.4.3.1 Deveres de proteção

Os deveres de proteção foram sugeridos por Heinrich Stoll como forma de contraposição aos demais deveres de conduta37. O dever anexo de proteção (ou de cuidado) impõe uma conduta no sentido de preservar a integridade pessoal e patrimonial da outra parte contratante que, quan-do violados, geram danos materiais e morais.

Manuel A. Carneiro da Frada, com base em Stoll, assevera que os deveres de proteção prosseguem em uma só direção, necessariamente negativa, qual seja, a preservação de danos que resultam ou possam resultar na pessoa ou patrimônio daqueles que estejam envolvidos em uma dada relação38.

Nesse sentido, como exemplo, não pode a parte oferecer estacio-namento gratuito aos seus clientes, como meio de atraí-los em razão da

34 DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual, no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho e no direito ambiental. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 85.

35 MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Cessão de contrato. Coimbra: Almedina, 1982. p. 261.36 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007.

p. 604.37 FRADA, Manuel A. Carneiro da. Contrato de deveres de proteção. Coimbra: Almedina, 1994. p. 41.38 Ibidem, p. 80.

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comodidade e segurança, e não querer arcar com os danos porventura ocasionados ao veículo. A Súmula nº 130 do STJ vem abraçar esta ideia, dispondo que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículos ocorridos em seu estacionamento”. Assim, o fornecedor, quando disponibiliza estacionamento para os veículos dos clientes, assume o dever, derivado do princípio da boa-fé objetiva, de proteger os bens e a pessoa do usuário.

2.4.3.2 Deveres de esclarecimento (informação)

O dever de informação (também chamado dever de esclarecimen-to) instrumentaliza a relação obrigacional desde a sua origem até o seu encerramento, envolvendo a fase das meras tratativas (conversações pre-liminares), sobrevivendo até a fase pós-contratual.

Esse dever anexo nasce de uma necessidade real: “há um déficit de informações – uma pessoa possui informações e a outra necessita”39.

Nas relações de consumo, em razão da vulnerabilidade do con-sumidor, o princípio ganha destaque, devendo o fornecedor dar a máxima informação possível sobre os dados e riscos do produto ou serviço. A relação contratual deve se mostrar clara para as partes, sig-nificando descrição e informação correta sobre o produto ou o serviço a ser prestado40. Esse princípio mostra-se de imensa importância, prin-cipalmente na fase pré-contratual, na qual o fornecedor usa de todos os meios para estimular o consumidor a aderir aos serviços e produ-tos oferecidos. Assim, o princípio da informação, reflexo do princípio da transparência, acarreta o dever para o fornecedor de esclarecer ao consumidor sobre todos os elementos do produto ou serviço, as-sim como, também, de esclarecer sobre o conteúdo do contrato que

39 ROSENVALD, Nelson. Dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 108-109.

40 Caso interessante ocorreu em relação às compras de TVs de plasma no ano de 2006, motivadas pela Copa do Mundo de Futebol. Quando chegavam em casa e instalavam os televisores, percebiam que, em caso de sinal de TVs por assinatura, havia formação de tarjas pretas grandes nas letras da tela manchando o plasma e causando o chamado efeito burn-in. No primeiro momento, os consumidores pensavam que os televisores apresentavam algum tipo de defeito. Entretanto, quando retornavam à loja para efetuarem a reclamação, eram surpreendidos com a informação de que a imagem nas TVs de plasma é prejudicada quando o sinal é analógico, e que a imagem somente ficaria perfeita quando o sistema adotado fosse o digital. Importante ressaltar que, quando os consumidores iam às lojas de eletrodomésticos para adquirir a TV de plasma, assistiam a videoclipes em DVD. E o “problema” não acontecia em relação ao DVD, uma vez que não necessitava de recepção de sinal. Nesse caso, houve ofensa à boa-fé objetiva, em razão da violação do dever de informação, frustrando a confiança do consumidor. Poderia e deveria o fornecedor informar previamente o consumidor sobre a situação, de modo a que realizasse uma compra consciente. Mas, ao contrário, além de não informar, ainda iludia o consumidor, passando imagens de DVD, criando a expectativa legítima de que assistiria aos canais a cabo ou aberto com a mesma qualidade assistida na loja.

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será estipulado, sob pena de ser passível de responder pela falha na informação41.

Sobre o dever de informação, Nelson Rosenvald adverte que ele repercute de maneira diferente no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor42. Isso porque, sendo o CDC o código dos desiguais, a proteção do consumidor no tocante à assimetria de informações está prevista no próprio CDC em vários momentos. Assim, o dever de infor-mação nas relações consumeristas integra o próprio contrato, gerando obrigações primárias ao fornecedor (v.g., art. 30 do CDC). O dever de informar nas relações de consumo provém da própria lei, sendo des-piciendo falar em dever anexo. O dever de informar torna-se, nestas situações, principal.

2.4.3.3 Deveres de lealdade (cooperação recíproca)

As partes deverão, também, cooperar entre si para que possam alcançar as suas expectativas contratuais (dever anexo de cooperação). Desse modo, a cooperação propicia maior chance de conclusão ou de adimplemento contratual.

A respeito da cooperação recíproca, Judith Martins-Costa afirma que as partes de uma dada relação obrigacional não podem ser vistas como entidades isoladas e estranhas, atomisticamente consideradas43, mas como partes que atuam em intensa colaboração intersubjetiva.

Ao versar sobre o dever de cooperação e lealdade, a doutrina mo-derna, inspirada no dogma da eticidade que deve reinar nas relações jurídicas, acentua a existência do dever anexo de o credor mitigar as próprias perdas em virtude do inadimplemento do devedor. É o cha-mado duty to mitigate the loss em matéria contratual44. Foi disposto no

41 Com base no princípio da informação, verifica-se, na seara médica, o princípio do consentimento esclarecido. Tendo em vista esse princípio, deverá haver diálogo entre paciente e médico, em que ambas as partes trocam perguntas e informações, culminando com o acordo expresso do paciente (em documento firmado) para uma intervenção cirúrgica ou para um determinado tratamento. Por força do Código de Ética Médica e do Código do Consumidor, deve o paciente ser clara e ostensivamente informado de todos os procedimentos que irá suportar e as possíveis consequências. Portanto, ao bem informar seu paciente, o médico estará agindo de maneira ética e juridicamente correta. Para o STJ, “age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em ‘termo de consentimento informado’, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório” (STJ, REsp 1180815/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 26.08.2010).

42 ROSENVALD, Nelson. Dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 100.43 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 393-396.44 O STJ reconheceu recentemente a aplicação do duty to mitigate the loss: “Direito civil. Contratos. Boa-fé

objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelas partes contratantes. Deveres anexos. Duty to mitigate the loss. Dever de mitigar o próprio prejuízo. Inércia do credor. Agravamento do dano. Inadimplemento contratual.

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Enunciado nº 169 da III Jornada de Direito Civil: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuí-zo”. É inspirado no art. 77 da Convenção de Viena de 1980 sobre a venda internacional de mercadorias que dispõe:

A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razo-áveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída.

A autora da proposta do Enunciado no 169 da CJF, a Professo-ra Vera Jacob Fradera, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica como poderia ser recepcionado o duty to mitigate the loss no ordenamento jurídico brasileiro. Para a professora, no sistema do Códi-go Civil de 2002, de acordo com o disposto no seu art. 422, o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever acessório, derivado do princípio da boa-fé objetiva, pois o legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Código Civil, adota uma concepção cooperativa de contrato.

Assim, o duty to mitigate the loss consiste na obrigação do credor de buscar evitar o agravamento do devedor. O credor de uma obrigação precisa colaborar com o devedor quando na tomada de medidas cabí-veis para buscar que o dano sofrido se restrinja às menores proporções possíveis.

Se a parte em posição de vantagem negligencia em tomar as provi-dências que possibilita mitigar as perdas, a parte devedora pode pedir a

Recurso improvido. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária (exclusão de um ano de ressarcimento)” (STJ, REsp 758518/PR, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 28.06.2010).

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redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída.

Tal dever anexo poderá ser vislumbrado, especialmente nas rela-ções de consumo, nos contratos bancários em que há descumprimento. Flávio Tartuce expõe com clareza, sobre o enfoque do duty to mitigate the loss, que “não pode a instituição financeira permanecer inerte, aguardando que, diante da alta taxa de juros prevista no instrumento contratual, a dívida atinja montantes astronômicos”45.

No mesmo sentido, entendemos que, diante da boa-fé objetiva, não pode a instituição bancária permanecer inerte quando o consumi-dor não encerra a conta-corrente e dele é cobrada uma quantia mensal para manutenção da conta. Muitas vezes, o banco permanece inerte, esperando alcançar um montante razoável para executar o consumidor, quando poderia notificá-lo para providenciar o encerramento.

No tocante à boa-fé objetiva, especialmente no dever anexo de cooperação, importante mencionarmos também os chamados contratos relacionais46. Através desses tipos de contratos, criam-se relações jurídi-cas complexas de longa duração, nas quais o consumidor se vê depen-dente de sua manutenção. Podem ser citados como exemplos os contra-tos de plano de saúde, de seguros, de previdência privada, entre outros.

Segundo aponta a Ministra Nancy Andrighi,

nesses contratos, para além das cláusulas e disposições expressamente convencionadas pelas partes e introduzidas no instrumento contratual, também é fundamental reconhecer a existência de deveres anexos, que não se encontram expressamente previstos mas que igualmente vincu-lam as partes e devem ser observados. Trata-se da necessidade de ob-servância dos postulados da cooperação, solidariedade, boa-fé objetiva e proteção da confiança, que deve estar presente, não apenas durante período de desenvolvimento da relação contratual, mas também na fase pré-contratual e após a rescisão da avença.47

45 TARTUCE, Flávio. A boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor: esboço do tema e primeira abordagem. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_duty.doc.>.

46 Cláudia Lima Marques prefere denominar esta nova relação contratual de contratos cativos de longa duração, isto porque se trata de “uma séria de relações contratuais, que utilizam os métodos de contratação em massa, visando a fornecer serviços essenciais no mercado, criando relações jurídicas complexas de longa duração, formada por uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica fundamental: a posição de ‘catividade’ ou ‘dependência’ dos consumidores” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o regime das relações contratuais. 3. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 68-80).

47 Voto proferido no REsp 1073595/MG, 2ª S., J. 23.03.2011, DJe 29.04.2011.

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Assim, a proteção especial que deve ser conferida aos contratos relacionais, sobretudo com base na boa-fé objetiva, nasce da ideia de que, ao longo dos anos de duração da relação contratual, eles vinculam o consumidor de tal forma que se torna cliente cativo do fornecedor e dependente da manutenção da relação contratual48.

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48 Significativo é o entendimento do STJ sobre os contratos de seguro de vida. Como se trata de contratos relacionais, de longa duração, ofende a boa-fé objetiva o aumento abrupto das mensalidades. “No moderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes. 2. Se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo. 3. Constatado prejuízos pela seguradora e identificada a necessidade de modificação da carteira de seguros em decorrência de novo cálculo atuarial, compete a ela ver o consumidor como um colaborador, um parceiro que a tem acompanhado ao longo dos anos. Assim, os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. Com isso, a seguradora colabora com o particular, dando-lhe a oportunidade de se preparar para os novos custos que onerarão, ao longo do tempo, o seu seguro de vida, e o particular também colabora com a seguradora, aumentando sua participação e mitigando os prejuízos constatados. 4. A intenção de modificar abruptamente a relação jurídica continuada, com simples notificação entregue com alguns meses de antecedência, ofende o sistema de proteção ao consumidor e não pode prevalecer. 5. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 1073595/MG, 2ª S., Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 29.04.2011).

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Clipping Jurídico

Segunda Turma determina que anúncio em TV a cabo informe preço e forma de pagamento

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão da Justiça do Rio de Janeiro para que uma empresa que anuncia produtos em um canal de televisão a cabo divulgue o preço e a forma de pagamento. A ação civil pública foi proposta pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro contra empresa que oferecia seus produtos em um canal de TV fechada sem informar o preço e a forma de pagamento. Esses dados só eram informados quando o consumidor ligava para a central de atendimento da empre-sa, numa chamada tarifada, independentemente de comprar ou não o produto. A empresa alegou que não houve violação à legislação e que seguiu as diretrizes es-tabelecidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), organização não-governamental que tem por objetivo impedir que a publicidade abusiva ou enganosa cause prejuízos ao consumidor ou anunciante. O juízo de pri-meiro grau aceitou os argumentos da Comissão de Defesa do Consumidor e conde-nou a empresa a informar o preço e a forma de pagamento. O juiz fixou uma multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão. Inconformada, a em-presa recorreu, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença de primeira instância. A empresa então acionou o STJ. Na análise do caso, os ministros da Segunda Turma aprovaram, por unanimidade, o voto do Ministro Humberto Mar-tins, que destacou o direito à informação como garantia fundamental expressa na Constituição Federal. O ministro salientou ainda que o Código de Defesa do Con-sumidor (CDC) traz, entre os direitos básicos, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, caracte-rísticas, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam. “O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e forma de pagamento), as quais somente serão conhecidas pelo consumidor mediante o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada”, justificou Humberto Martins. REsp 1428801. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Honorários: advogados não conseguem impedir exibição de contratos firmados com clientes

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que determinou que pudessem se tornar públicos contratos de honorários advocatícios (o que se paga a um advogado que atua em uma causa). A ação que mereceu a decisão da Justiça do estado foi impetrada por um homem que atua como captador de clientes para um escritório de advocacia. Como ele recebe comissão sobre os honorários pagos pelos contratos que arranja para o escritório, o agenciador quis ter acesso aos valores que foram acertados entre os clientes e os advogados. Para o TJRJ, a exibição dos contratos firmados entre os advogados e seus clientes é admissível porque os documentos são os meios que existem para se apurar o que deveria ser pago ao captador de clientes. O TJRJ desta-cou também a existência de escritura pública de confissão de dívida, firmada entre

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os advogados e o agenciador. Os advogados entraram com recurso especial no STJ tentando impedir que o documento se tornasse público. Eles alegaram que a exibi-ção dos contratos, determinada pela Justiça fluminense, ofende o direito assegurado no Estatuto da OAB, que garante a inviolabilidade do local de trabalho, arquivos e dados dos advogados. Mas, segundo o acórdão (decisão final) da Terceira Turma do STJ, “o sigilo que preside as relações entre o cliente e o seu advogado não alberga negativa de exibição de documentos necessários à apuração de honorários transmi-tidos contratualmente. Obrigatória a exibição dos documentos, nos termos do art. 358, III, do Código de Processo Civil”. REsp 1376239. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Pacotes de turismo: o que fazer quando o destino final é a Justiça

Era para ser a viagem dos sonhos do pequeno Ivan. O pai tinha prometido que, quando o filho completasse 10 anos de idade, o presente de aniversário seria a tão sonhada viagem à Disney. O pacote foi comprado pela internet, em um site bastante conhecido, com propagandas estreladas por artistas famosos. Chegando em Orlan-do, entretanto, para a surpresa dos dois, não havia reserva alguma. Todo o pacote já havia sido pago, mas o hotel não encontrou nada. De lá, tentaram contato telefô-nico com a empresa, mas nada foi resolvido e a saída foi ter que desembolsar tudo de novo para pagar o hotel. “A nossa sorte é que ainda tinha vaga, porque fomos em alta temporada e nesse período os hotéis da Disney costumam ficar lotados”, disse o engenheiro. O caso só foi resolvido na justiça. A empresa teve que devolver todos os prejuízos causados. O presente de aniversário do Ivan é apenas um entre milhares de exemplos de casos que todos os anos batem à porta do Judiciário. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já visitaram as salas de julgamen-tos contratos com cláusulas abusivas, discussões sobre a responsabilidade solidária entre agências e operadoras de pacotes e valores a serem devolvidos em casos de desistência, entre outros. Quando a viagem dos sonhos vira um pesadelo, o consu-midor não só pode como deve buscar seus direitos. Para isso, antes de arrumar as malas, precisa estar atento ao entendimento do Judiciário sobre o que pode e o que não pode ser abusivo. Imagine a situação. Você planejou a viagem durante o ano inteiro, pagou pelo pacote, mas, por algum motivo pessoal, desistiu. No contrato firmado, entretanto, estava prevista a perda integral do valor pago em casos de de-sistência. Isso é legal? De acordo com a Terceira Turma do STJ, não. No julgamento do REsp 1321655, o colegiado entendeu que cláusula contratual que estabelece a perda integral do preço pago, em caso de cancelamento de serviço, constitui esti-pulação abusiva, que resulta em enriquecimento ilícito. O caso apreciado envolveu um consumidor de Minas Gerais que desistiu de um pacote turístico de 14 dias para a Turquia, Grécia e França, no valor de cerca de R$ 18 mil. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reconheceu a validade da cláusula que determinou a perda de todo o valor pago. No STJ, entretanto, o relator do recurso, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, considerou que o cancelamento de pacote turístico é um risco ao qual toda agência de turismo está sujeita, e o consumidor não pode arcar com o prejuízo sozinho. Em decisão unânime, a Turma determinou que a multa a ser paga

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pelo consumidor tem que ser de 20% do valor total. Um outro caso envolveu um pacote de turismo comprado por quatro amigos para assistir à Copa do Mundo de 1998, na França (REsp 888751). Além de perderem a estreia da Seleção Brasileira por atraso do voo, houve mudança no roteiro programado e hospedagem em hotéis de categoria inferior. A Quarta Turma do STJ condenou tanto a agência de turismo quanto a empresa responsável pelo pacote. No STJ, já é entendimento pacificado (jurisprudência) que agência de viagens que vende pacote turístico responde pelo dano decorrente da má prestação dos serviços oferecidos. Foi determinada a resti-tuição de todos os prejuízos devidamente comprovados pelos consumidores, além de indenização por dano moral no valor de R$ 20 mil para cada um deles. Segundo o acórdão, “a perda do jogo inaugural da seleção de futebol do Brasil na Copa do Mundo de 1998, a mudança unilateral de roteiro, com troca de cidades, a hospeda-gem em hotéis de categoria inferior aos contratados, sendo os autores acomodados em hotéis de estrada, são circunstâncias que evidenciam a má prestação do serviço, em desconformidade com o que foi contratado, situações essas que, no somatório, não se restringem a um simples aborrecimento de viagem, configurando, sim, um abalo psicológico ensejador do dano moral”. No julgamento do REsp 1453920, en-tretanto, a Terceira Turma delimitou a diferença entre vendas de passagens aéreas e de pacotes turísticos feitas por agências e as implicações judiciais dessas particu-laridades. No caso apreciado, foram compradas passagens aéreas em uma agência, mas os consumidores não puderam viajar porque a empresa aérea interrompeu seus serviços na época da viagem. Os consumidores entraram na Justiça contra a empre-sa aérea e a agência que vendeu as passagens, mas os ministros excluíram a agên-cia da ação. O acórdão reconheceu que o STJ admite a responsabilidade solidária das agências na venda de pacotes, mas concluiu que, no caso, “o serviço prestado pela agência de turismo foi exclusivamente a venda de passagens aéreas, circuns-tância que afasta a sua responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo e autoriza o reconhecimento da sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação indenizatória decorrente de cancelamento de voo”. Fora dos limites dos tribunais, o consumidor pode ser ainda mais atuante. O advogado Mau-rício Nardelli alerta sobre a importância de verificar a idoneidade da empresa que se pretende contratar. Segundo ele, é muito importante consultar o Procon e sites de reclamações antes de assinar um contrato e, claro, só assiná-lo depois de uma leitura cuidadosa. No caso, o advogado orienta que o ideal seria o consumidor en-trar em contato com o hotel para confirmar tudo o que o foi prometido no pacote. “É muito ruim fazer uma compra desconfiado e ter que ligar para confirmar, mas, infelizmente, principalmente em uma viagem para o exterior, vale o velho ditado que diz: o seguro morreu de velho! REsp 1321655, REsp 888751 e REsp 1453920. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Cobrança de taxa de manutenção prevista no contrato não é ilegal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça tomou uma decisão que interessa muito a quem possui terrenos em loteamentos. Todos os cinco ministros que formam o colegiado negaram recurso especial ao proprietário de um lote que não quer pagar

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taxas de manutenção e conservação cobradas pela empresa que administra o lotea-mento. A empresa entrou na Justiça para que o dono do terreno pague essas taxas. No recurso especial que chegou ao STJ, o homem alega que a cobrança é indevida porque o loteamento não pode ser comparado a um condomínio e nem a empresa adminis-tradora do loteamento a uma associação de moradores. O proprietário acrescenta no recurso que apenas o contrato de compra e venda do loteamento não seria suficiente para criar uma relação jurídica com a administradora do terreno. Desta forma, ele não poderia ser cobrado por serviços que não contratou. O relator, Ministro Villas Bôas Cueva, no entanto, negou o recurso, explicando que a relação jurídica entre quem compra um terreno e quem administra é estabelecida no cartório que registra a transação. “A cobrança das taxas de manutenção está fundamentada em cláusulas contratuais estabelecidas quando da formação do loteamento em contrato padrão registrado no Cartório de Registro de Imóveis; em escritura pública de compra e venda firmada pelos primeiros compradores registrada no mesmo cartório e em es-critura pública de compra e venda assinada pelos réus”, explicou o ministro. Villas Bôas Cueva citou ainda o art. 29 da Lei de loteamento (Lei nº 6.766). Segundo o dispositivo, “aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos, ou por sucessão causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário ressalvado o direito do herdeiro ou legatário de renunciar à herança ou ao legado. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Dano moral: Quarta Turma nega indenização por dano moral a pescador pre-judicado por hidrelétrica

Por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou indenização por dano moral concedida a um pescador que moveu ação contra a Duke Energy International, empresa responsável pela administração de hidrelétri-cas no Rio Paranapanema/PR. O pescador entrou na Justiça pedindo reparação de danos contra a empresa porque, após a construção da hidrelétrica, houve redução do volume das espécies de peixes mais lucrativas. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) condenou a empresa concessionária por danos materiais e morais. Segun-do a decisão, além dos prejuízos financeiros, o pescador “sofreu intensa angústia, aflição e anormalidade à vida cotidiana, em virtude da drástica retração da pesca, fonte de seu sustento e de sua família”. No STJ, o relator, Ministro Antônio Car-los Ferreira, reconheceu a legalidade da reparação material pelos prejuízos que o pescador sofreu com a construção da hidrelétrica, mas decidiu não considerar o dano moral da condenação. Segundo o ministro, os fatos relatados no processo não comprovaram dano imaterial indenizável, principalmente porque o pescador não ficou impedido de pescar, mas apenas teve que suportar a mudança na qualidade e na quantidade da pesca, circunstância compensada na indenização por danos materiais. A Ministra Isabel Galloti, que tinha pedido vista do processo (tempo para apreciar melhor o caso), observou que foi constatado em laudo pericial que, apesar de a quantidade de alguns tipos de peixes ter diminuído, foram introduzidas novas

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espécies. Dessa forma, concluiu que a pesca, apesar de exigir adaptação a novos equipamentos, continuou a ser desenvolvida normalmente. A Magistrada explicou que a indenização tem o objetivo de compensar o prejuízo do pescador frente aos benefícios que a atividade da hidrelétrica proporciona à sociedade. Segundo ela, no caso, a indenização não tem o objetivo de inibir a atividade econômica da usina. A ministra destacou que a hidrelétrica não agiu de forma ilícita, tendo atendido a todas as condicionantes determinadas pelo órgão ambiental. “Em se tratando de ato ilícito, como é o caso de acidente ambiental causador de poluição, a condenação do poluidor não apenas ao pagamento de indenização plena pelos danos materiais, incluídos os lucros cessantes, mas também de indenização por dano moral, atende à finalidade preventiva de incentivar no futuro comportamento mais cuidadoso do agente”, explicou a Ministra Gallotti. O relator acompanhou o entendimento apre-sentado pela ministra, manteve a indenização por dano material e negou ressarci-mento ao pescador por dano moral. AREsp 117202. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Senado aprova alteração no novo Código para restabelecer o juízo de admissi-bilidade para recursos ao STJ

O Senado Federal aprovou, na tarde desta terça-feira (15), o PLC 168/2015, que altera o novo Código de Processo Civil (CPC) e reestabelece o juízo de admissibi-lidade de recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. A matéria ainda vai à sanção da presidência da República. Juízo de admissibili-dade é a análise prévia, do juiz, sobre os requisitos que um recurso especial deve apresentar para ser admitido em um tribunal. O projeto altera o novo CPC, que permitiria a subida automática desses recursos para aos tribunais superiores. Com a mudança feita nesta terça-feira, os recursos só podem subir depois de uma análise prévia feita pelos tribunais de origem (estaduais e federais), o que já acontece hoje. Se essa alteração não acontecer, o número de recursos especiais encaminhados para o tribunal provavelmente dobrará, de forma a dificultar o trabalho do STJ. Em 2014, 48% dos recursos especiais ajuizados contra decisões dos tribunais locais morreram na origem ou não subiram. Dos que subiram, a grande maioria foi por meio de agravo. Isso quer dizer que, caso não houvesse o controle de subida pelos tribunais de segundo grau, o STJ teria recebido, em 2014, cerca de 450 mil recursos, quase 140 mil a mais do que recebeu. Como o CPC entra em vigor já em março de 2016, havia pressa em alterar a lei e restabelecer as normas de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial. O STJ designou uma comissão por meio de seu presidente, Ministro Francisco Falcão, para debater o tema. Fazem parte dela os Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Rogerio Schietti Cruz e Assussete Magalhães, mas também estavam envolvidos na discussão os Ministros Luis Felipe Salomão, Og Fernandes, Isabel Gallotti e Marco Aurélio Bellizze. (Conteúdo extraí-do do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 20�01�2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• PrescriçãoeDecadêncianaAnálisedeAtosdeConcentração Daniel Christianini Nery Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• AAplicaçãodaTeoriadaCausaMaduranoÂmbitodoSupe-rior Tribunal de Justiça

Fernando Natal Batista Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• EvicçãonoNovoCódigoCivil Hermano Flávio Montanini de Castro e Danilo Flávio

Montanini de Castro Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• AçãoRegressivaemAçãoAcidentária Miguel Horvath Júnior Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Estatuto da PEssoa com dEficiên­cia – imPlicaçõEs cívEis

•As Alterações da Teoria das Incapacidades, à Luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas) .............9

•Estatuto da Pessoa com Deficiência Traz Inova-ções e Dúvidas (Atalá Correia) .............................22

•Estatuto da Pessoa com Deficiência: a Revisão da Teoria das Incapacidades e os Reflexos Ju-rídicos na Ótica do Notário e do Registrador (Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro) ....................37

•O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alterações no Código Civil de 2002 (Ivana Assis Cruz dos Santos) .........................................27

•O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro de Incapacidade Civil (Pablo Stolze) ..............................................17

Autor

atalá corrEia

•Estatuto da Pessoa com Deficiência Traz Inovações e Dúvidas ............................................22

cláudia mara dE almEida rabElo viEgas

•As Alterações da Teoria das Incapacidades, à Luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência ...........9

ivana assis cruz dos santos

•O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alte-rações no Código Civil de 2002...........................27

moacyr PEtrocElli dE ávila ribEiro

•Estatuto da Pessoa com Deficiência: a Re-visão da Teoria das Incapacidades e os Re-flexos Jurídicos na Ótica do Notário e do Registrador ..........................................................37

Pablo stolzE

•O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro de IncapacidadeCivil .....................................................................17

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Estatuto da PEssoa com dEficiência – imPlicaçõEs cívEis

•Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu Impacto no Código Civil (Ana Clara Cabral) ......................47

Autor

ana clara cabral

•Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu Impacto no Código Civil ...................................................47

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

ação colEtiva

•Avaliação Judicial da “Representação Adequa-da” das Entidades Legitimadas para as Ações Coletivas no Brasil – Estudo do Caso Julga-do pelo STJ no REsp 1213614/RJ (Demócrito Reinaldo Filho) ....................................................49

comPEtência

•Déficit de Substância e Déficit de Eficácia no Ato Jurídico – Competência Jurisdicional – Implica-ções (José Basílio Gonçalves) ...............................66

PrEclusão

•Direito Processual Civil: da Preclusão Aparente (Eric Cesar Marques Ferraz) .................................97

PrEcEdEntE Judicial

•O Precedente Como Instrumento de Garan-tia à Segurança Jurídica (Jordhana Cunha Fernandes e Alisson Henrique do Prado Farinelli) ..............................................................81

Autor

alisson HEnriquE do Prado farinElli E JordHana cunHa fErnandEs

•O Precedente Como Instrumento de Garantia à Segurança Jurídica ...............................................81

dEmócrito rEinaldo filHo

•Avaliação Judicial da “Representação Adequa-da” das Entidades Legitimadas para as Ações Coletivas no Brasil – Estudo do Caso Julgado pelo STJ no REsp 1213614/RJ...............................49

Eric cEsar marquEs fErraz

•Direito Processual Civil: da Preclusão Aparente...97

JordHana cunHa fErnandEs E alisson HEnriquE do Prado farinElli

•O Precedente Como Instrumento de Garantia à Segurança Jurídica ............................................81

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222 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

José basílio gonçalvEs

•Déficit de Substância e Déficit de Eficácia no Ato Jurídico – Competência Jurisdicional – Implicações .....................................................66

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

ação anulatória

•Agravo regimental na medida cautelar – Concessão de efeito suspensivo ao recur-so especial – Ação anulatória de sentença arbitral – Fumus boni iuris – prognóstico des-favorável ao recurso especial ao qual se de-seja agregar efeito suspensivo – Agravo regi-mental desprovido (STJ) ...........................8561, 135

ação dE PrEstação dE contas

•Ação de prestação de contas – Conta bancária – Apresentação dos extratos – Ausência de iden-tificação da pessoa responsável pelo saque da quantia depositada na conta da autora – Proce-dência do pedido (TRF 1ª R.) ...................8562, 140

alimEntos

•Civil – Habeas corpus – Execução – Pen-são alimentícia entre ex-cônjuges – inadim-plência do devedor – Prisão civil – Alegado excesso da execução – Ausência de prova pré-constituída – Necessidade de dilação pro-batória – impossibilidade (STJ) .................8560, 124

cédula dE crédito

•Civil – Processual civil – Cédula de cré-dito bancário – Natureza de título execu-tivo extrajudicial – Embargos infringentes providos (TRF 3ª R.) .................................8564, 150

comPra E vEnda

•Agravo regimental – Agravo em recurso espe-cial – Compra e venda – Abuso do direito de cobrança pelo comprador – Exposição da ven-dedora à situação vexatória – Danos morais – Valor da indenização – Reexame de prova(STJ) .........................................................8559, 120

Honorários dE advogado

•Embargos à execução – Bem de família – Hono-rários advocatícios – Sucumbência decorrente de falha em informação prestada pelo meirinho do juízo – Não cabimento – princípio da causalidade – Apelação provida (TRF 5ª R.) ................8566, 158

PEnHora

•Agravo de instrumento – Impenhorabilidade de bem de família – Comprovação – honorários(TRF 2ª R.) ...............................................8563, 146

ProcEsso ElEtrônico

•Processo civil – previdenciário – Cerceamento de defesa – Processo eletrônico – áudio – De-poimento pessoal – Ocorrência – Reabertura do prazo recursal (TRF 4ª R.) ........................8565, 153

EMENTÁRIO

Assunto

ação civil Pública

•Ação civil pública – cumprimento de sen-tença – necessidade de liquidação – título ilíquido ....................................................8567, 162

ação dE cobrança

•Ação de cobrança – conversão das ações em pecúnia – critério .....................................8568, 162

ação dE consignação Em PagamEnto

•Ação de consignação em pagamento – dano moral e obrigação de fazer – não ocorrência – ilegitimidade passiva .............................8569, 162

ação dEclaratória

•Ação declaratória de maternidade socioafetiva – insurgência recursal da autora – condições da ação – teoria da asserção .........................8570, 162

ação monitória

•Ação monitória – título executivo – possibilidade do credor .................................................8571, 163

aliEnação fiduciária

•Alienação fiduciária – busca e apreensão – neces-sidade de comprovação da mora .............8572, 165

carta rogatória

•Carta rogatória – intimação prévia via postal – aviso de recebimento ............................8573, 165

cédula dE crédito

•Cédula de crédito bancário – correção mone-tária – ausência de indicação do dispositivo legal ........................................................8574, 167

•Cédula de crédito rural hipotecária – aval pres-tado por pessoa física – validade .............8575, 167

citação

•Citação pessoal – procurador autárquico – comparecimento espontâneo – suprimento ................................................................8576, 168

comPromisso dE comPra E vEnda

•Compromisso de compra e venda de imóvel – rescisão – comprovação da realização de ben-feitorias – ônus da prova ..........................8577, 168

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RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������223

contrato

•Contrato de compra e venda de imóvel – reso-lução – culpa da construtora – devolução de comissão de corretagem .........................8578, 168

•Contrato de participação financeira – ações da CRT – falta de impugnação específica .............8579, 169

dano matErial

•Dano material – ação de indenização – falsifica-ção de endosso – responsabilidade da instituição bancária – inexistência ............................8580, 169

dano moral

•Dano moral – ação de indenização – faleci-mento da filha e irmã dos autores – atrope-lamento em linha férrea – redução do valor – impossibilidade .......................................8581, 169

•Dano moral – ação de indenização – ofen-sas em site de relacionamento – quantumindenizatório ...........................................8582, 170

•Dano moral – ação de indenização – possibi-lidade – correção monetária – termo inicial ................................................................8583, 170

•Dano moral – ação indenizatória – descum-primento de ordem judicial – ausência de impugnação .............................................8584, 170

•Dano moral – atraso na entrega de imóvel – prescrição – aplicação do art. 27 do CDC – valor razoável – modificação ............................8585, 170

•Dano moral – devolução indevida de cheque – ma-joração do valor indenizatório – impossibilidade ................................................................8586, 173

•Dano moral e material – ação de indenização – erro médico – parto – uso de fórceps – cesa-riana – indicação – lesão no membro superior esquerdo – culpa configurada – hospital – res-ponsabilidade subjetiva ...........................8587, 173

dEsconsidEração da PErsonalidadE Jurídica

•Desconsideração da personalidade jurídica – art. 50 do Código Civil – inovação – inadmissibilidade– penhora ................................................8588, 173

dirEito autoral

•Direito autoral – fotografia estampada – matéria de periódico distribuído a integrantes de asso-ciação – falta de autorização do fotógrafo e de indicação de seu nome como autor da obra – arbitramento dos danos materiais ............8589, 176

ExcEção dE Pré­ExEcutividadE

•Exceção de pré-executividade – advogado – intimação – não observância do substabe-lecimento sem reserva de poderes – alegada nulidade ..................................................8590, 176

ExEcução

•Execução – desconsideração da personali-dade jurídica – excesso – juros moratórios – cabimento ...............................................8591, 176

•Execução de título extrajudicial – duplicata sem aceite – não impugnação .........................8592, 181

falência

•Falência – prazos processuais – recesso natalino – inexistência de suspensão – intempestividade ................................................................8593, 181

Honorários dE advogado

•Honorários de advogado – reparação civil – prestação de serviços – prescrição decenal ................................................................8594, 181

multa

•Multa – astreintes e juros de mora – dano moral – valor da indenização ............................8595, 182

PEnHora

•Penhora sobre o faturamento – substituição da constrição por bem imóvel – satisfaçãodo débito .................................................8596, 183

ProtEsto

•Protesto extrajudicial – sustação – tutela caute-lar para sustação – cambiário ..................8597, 185

rEcurso

•Recurso – advogado sem procuração nos autos – possibilidade de regularização das instâncias ordinárias ................................................8598, 185

•Recurso – assinatura do recurso por meio eletrô-nico – advogado titular do certificado digital – procuração nos autos – ausência .............8599, 185

•Recurso – falta de comprovação do pagamento do preparo – momento da interposição – com-provante de agendamento bancário – inad-missibilidade – deserção ..........................8600, 186

rEsPonsabilidadE civil

•Responsabilidade civil em acidente de trânsito – seguradora denunciada à lide – possibilidade de cobrança de juros de mora ......................8601, 186

•Seguro de vida e acidentes pessoais – lesão por esforço repetitivo – cobertura da apólice ................................................................8602, 186

sEguro

•Seguro de vida em grupo – não renovação – notificação do segurado em prazo razoável – ausência de ilegalidade ...........................8603, 187

•Seguro de vida em grupo – não renovação pela seguradora – cláusula contratual – comunicaçãoprévia ......................................................8604, 187

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224 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 99 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Seguro – plano de saúde – cobertura de despe-sas médico-hospitalares – prazo prescricional ................................................................8605, 187

•Seguro DPVAT – indenização – valor fixo – correção monetária – termo inicial – evento danoso .....................................................8606, 188

sEntEnça

•Sentença – cumprimento – omissão inexisten-te – correção monetária estabelecida no título exequendo – impossibilidade de modificaçãoposterior ..................................................8607, 188

•Sentença – cumprimento – pedido de destaque no montante a ser levantado pelo exequente – honorários de advogado ..........................8608, 188

•Sentença – cumprimento – requerimento de subs-tituição de penhora – manutenção – garantia da execução – renovação do prazo ..............8609, 189

•Sentença – liquidação – apuração do valor de aluguel – insurgência quanto aos parâ-metros da perícia – pedido de nova avalia-ção – impossibilidade ..............................8610, 189

•Sentença – magistrado incompetente – não ocorrência – erro material do cartório – reco-nhecimento – designação retroativa – nulidade ................................................................8611, 189

•Sentença – rejeição de embargos à monitória – constituição de título executivo judicial – coisa julgada – execução .........................8612, 190

sociEdadE

•Sociedade – dissolução irregular – ausência de poder de gerência à época dos fatos geradores – impossibilidade .....................................8613, 190

Seção Especial

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

contrato

•Deveres de Consideração nas Relações Contra-tuais (Leonardo de Medeiros Garcia) .................191

Autor

lEonardo dE mEdEiros garcia

•Deveres de Consideração nas Relações Contra-tuais ...................................................................191

CLIPPING JURÍDICO

•Cobrança de taxa de manutenção prevista no contrato não é ilegal .....................................217

•Dano moral: Quarta Turma nega indeni-zação por dano moral a pescador preju-dicado por hidrelétrica ......................................218

•Honorários: advogados não conseguem im-pedir exibição de contratos firmados com clientes ..............................................................215

•Pacotes de turismo: o que fazer quando o destino final é a Justiça ..................................................216

•Segunda Turma determina que anúncio em TV a cabo informe preço e forma depagamento .........................................................215

•Senado aprova alteração no novo Código para restabelecer o juízo de admissibilidade pararecursos ao STJ ..................................................219