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ÁGUAS DA ILUSÃO Incapaz de solucionar problemas sociais da seca, projeto do Governo Federal de transpor as águas do São Francisco deve gastar bilhões sem levar água para quem precisa revista_transposicao_final_v7.qxp 7/30/2007 5:21 PM Page 1

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ÁGUAS DA ILUSÃOIncapaz de solucionar problemas sociais da

seca, projeto do Governo Federal de transpor

as águas do São Francisco deve gastar

bilhões sem levar água para quem precisa

TRANSPOSIÇÃO

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02 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

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Página 20A revitalização do São Francisco co-mo barganha

Página 14Há anos, a falta de água no Nordestealimenta a indústria da seca

Página 16De discursos emocionais a his-tórias em quadrinhos: a cons-trução da promessa impossível

Página 17A mecanização dos rios é maisum capítulo da incoerência

Página 18Encaminhamentos dados aos ques-tionamentos jurídicos mostram dis-posição do Governo em fazer a obra aqualquer custo e apesar das leis

Página 5O que é o projeto de transposição?

Página 6Uma trajetória centenária com umdesfecho desastroso

Página 8Governo promete vida nova às pes-soas por meio de uma água que nãopode tecnicamente chegar à popu-lação dispersa do semi-árido

Página 10O semi-árido para além da aparenteausência de água

Página 12As respostas para a convivência sãodadas pela própria natureza

Índice

FOTO: JOÃO ZINCLAR

FOTO: JOÃO ZINCLAR

FOTO: JOÃO ZINCLAR

INFORMATIVO DA CARAVANA SÃO FRANCISCO

COORDENAÇÃO PROJETO MANUELZÃO

Apolo Heringer Lisboa ([email protected])

EDIÇÃO

Carolina Silveira (Mtb 0011162 DRT/MG)

Sílvia Araújo (MG09785jp)

REDAÇÃO

Humberto Santos, Lívia Aguiar, Lygia Santos, Mariana Garcia, Matheus Jasper,

Regina Barbosa, Tereza Rodrigues, Vanessa Veiga e Victor Guimarães - estu-

dantes de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Patrícia De Michelis

FOTO DA CAPA: João Zinclar

TIRAGEM: 50.000 exemplares | GRÁFICA: Fumarc

É permitida a reprodução de matérias e artigos, desde que citados a fonte.

PROJETO MANUELZÃO - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Medicina da UFMG. Av. Alfredo Balena, 190, 10º andar - sl. 10.012. Sta Efigênia.

Belo Horizonte/MG. Brasil | CEP:30130 -100 | Tel: (31) 3248-9818.

www.manuelzao.ufmg.br / [email protected]

EXPEDIENTE

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03A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

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É desconfortável a tarefa de con-denar a transposição do rio São Fran-cisco. Não por falta de argumentos.Ao contrário, transbordam razões pa-ra se considerar esta obra absurda.Existem alternativas mais simples,eficientes e baratas que realmenteconseguem distribuir a água para apopulação dispersa do semi-árido.

Mas precisamos lidar com a acu-sação de que ser contra a obra é sercontra aqueles que sofrem com a fal-ta de água, já que o Governo Federalconstrói a ilusão de que irá com estaobra levar água para o povo pobreque passa sede. O que tentamos im-pedir é a aplicação de grandes recur-sos financeiros num projeto que fazuso político do sofrimento de um po-vo sem oferecer solução efetiva. É pre-ciso levar a água sim, com urgência ede maneira permanente. Só que atransposição não é uma solução ade-quada dos pontos de vista econômico,técnico, social e ambiental.

Enquanto isto, nas ilustradas car-tilhas do Governo a promessa é deterra, emprego e muito desenvolvi-mento com a chegada da água pelatransposição. Mas para que a obra, seacabada, possa um dia funcionar,mais bilhões terão que sair dos cofresdos governos dos estados. Dinheiroque poderia ser aplicado em políticaspúblicas, voltadas para a melhoria davida do sertanejo, que, claro, precisamuito mais do que água para vivercom dignidade. Pois – seja lá qual foro método de captação e transporte – aágua sozinha não leva justiça social.Se assim fosse não veríamos pobrezana beira de grandes rios, como o SãoFrancisco e o Jequitinhonha.

Sinceramente, não é nada agradá-vel ter que provar que um milagrenão existe. Esta proposta bilionária

não vai solucionar os problemas daseca. E é especialmente por este moti-vo que nos mobilizamos. Para im-pedir que o povo nordestino seja maisuma vez enganado. E para exigir so-luções reais para os problemas da re-gião semi-árida do Brasil.

Fomos a várias audiências públi-cas, reunimos relatórios técnicos, dos-siês, fizemos protestos, pedimos umaexplicação. Nenhum esclarecimentofoi dado além da repetição cínica dasuposta intenção de levar “um canecod’água” ao irmãozinho nordestino.

Mas se o discurso da chantagememocional continua a falar em nomedos flagelados da seca, o discurso

técnico do próprio Governo Federalassume que a água não chegará àpopulação dispersa. O Governo afir-ma que 26% da água irá para o abas-tecimento das cidades, onde já temágua ou os problemas poderiam serresolvidos com soluções mais simples.

As informações oficiais tambémmencionam uma ajuda ao agronegó-cio (cerca de 70%). Só que esta água,superfaturada depois de transposta,ficaria muito cara, inviável para a ir-rigação. Sobra apenas o argumento

da obra pela obra. Certamente exis-tem motivos para se realizar a trans-posição. De campanha eleitoral adesvio de recursos muita coisa podeser imaginada. A única certeza é deque a obra não vai solucionar oproblema social da seca.

Mas então não há solução? Nadadisso. Muitas repostas para o proble-ma já existem sim. Mas é preciso res-peito à particularidade de cada lugar,é preciso saber onde é necessário umaçude, onde uma cisterna resolve ouonde se pode furar um poço ou reco-lher, por meio de canais, água de umrio próximo. Sem esquecer que aprincipal fonte de água são as chuvas.

A média de precipitação no semi-ári-do é de 700 milímetros ao ano. Oproblema é que essas chuvas se con-centram em dois ou três meses. Esta éa questão a ser solucionada. No en-tanto, e infelizmente, o Governo re-solveu seguir o exemplo dos mi-litares: construir uma única e grandeobra, que provavelmente nunca ficarápronta, como a Transamazônica. Eque se for terminada, não vai fun-cionar ou resolver o problema para oqual será erguida.

Carta ao leitorCampanhas oficiais prometem o impossível: resolver os problemas da seca com a transposição

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Pobreza nas margens do São Francisco mostra que somente água não leva desenvolvimento

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04 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Os adjetivos para desqualificar os que questionam oprojeto de transposição do rio São Francisco vão de “desin-formados", “equivocados" a “egoístas". E são pronunciadospor representantes do mais alto escalão do Governo Fede-ral. Mas o que mais surpreende nesses episódios são os des-tinatários das qualificações: pesquisadores renomados,entidades de classe, organismos internacionais e aqueles

Banco Mundial: Uma das análisesnegativas ao projeto foi feita peloprincipal organismo de crédito paraprojetos voltados ao desenvolvi-mento econômico e à redução dapobreza do mundo. Em parecer con-fidencial disponibilizado pelo Co-mitê da Bacia Hidrográfica do RioSão Francisco em seu site, o BancoMundial aponta que o “projeto temuma orientação comercial” e que a“experiência internacional sugereque a ligação com os pobres podeestar fraca”. Outra constatação é que“suprimentos seguros de água parauso doméstico para todo o Nordestepoderia ser garantido através de al-ternativas por uma fração do custodo projeto proposto”. A instituiçãose negou a financiar a obra.

Sociedade Brasileira de Limnologia: A Limnologia é a uma ciência que estuda a ecologia das águas interiores. Em 2005,a Sociedade encaminhou um manifesto ao então Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, solicitando maiores es-clarecimentos sobre as divergências em torno do projeto e apontando a insuficiência da base de dados apresentada.

ASA: Articulação no Semi-ÁridoBrasileiro é um fórum de mais de700 organizações da sociedade civil,que luta pelo desenvolvimento so-cial, econômico, político e culturaldo semi-árido brasileiro. Defendeque há soluções mais simples e efi-cientes para resolver os problemasdecorrentes da má gestão das águas.Tem participação de pesquisadores epastorais da Igreja Católica.

Consea: Conselho Nacional de Segu-rança Alimentar, órgão consultivoque assessora o Presidente da Repú-blica na formulação de políticas naárea da alimentação e nutrição. Acre-dita que o projeto é dirigido ao agro-negócio e não busca o desenvolvi-mento sustentável do semi-árido.

Povos indígenas: Povos indígenas ribeirinhos de Pernambuco, Sergipe, Alagoas eBahia, como a Tribo Truká, localizada próxima ao ponto de captação das águasem Cabrobó, e os Tumbalalá têm participado de manifestações contrárias. A in-tervenção em áreas indígenas depende de aprovação do Congresso.

Comissão Pastoral da Terra: A CPT éum grupo ligado à Igreja Católicaque desenvolve trabalhos junto acomunidades que vivem diretamenteda terra e das águas. A Comissãotem feito várias críticas ao projeto,em favor do São Francisco e da po-pulação do semi-árido.

Projeto Manuelzão: Projeto da Univer-sidade Federal de Minas Gerais quetrabalha pela revitalização do Rio dasVelhas, afluente do São Francisco.Defende que sejam dadas alternativasverdadeiras à população do semi-ári-do e acusa o Governo de não ter umreal projeto de revitalização.

Pesquisadores: João Abner, professor do Departamento de Hidrologia e Irrigação da Universidade Federal do RioGrande do Norte, João Suassuna, um dos maiores especialistas em hidrologia do semi-árido do país e pesquisador daFundação Joaquim Nabuco, em Recife e Aldo Rebouças, do Instituto de Estudos Avançados da USP e especialistaem água doce, dentre outros pesquisadores, criticam os aspectos técnicos da obra.

OAB: A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) declarou considerar a trans-posição um projeto inconstitucional. A OAB de Sergipe entrou com uma Açãocontra o projeto no Supremo Tribunal Federal.

Movimentos sociais contrários: Mo-vimento dos Trabalhadores RuraisSem-Terra (MST), Movimento Es-tadual dos Trabalhadores Assenta-dos Acampados e Quilombolas daBahia, Conselho Pastoral dos Pes-cadores (CPP), Pastoral dos Reas-sentados, Pastoral da Juventude doMeio Popular (PJMP), Movimentodos Atingidos por Barragens (MAB),dentre outros.

que convivem dia a dia com a realidade do São Francisco edo próprio semi-árido nordestino. O Governo afirma terdado ampla oportunidade ao diálogo, o que torna contra-ditório o fato de ainda assim haver tamanha resistência aoprojeto. Seriam os argumentos contrários “emocionais",como qualifica o Governo, ou resultados de profundoconhecimento da realidade em questão?

De quem são os argumentos contráriosEntenda quem são aqueles que têm questionado o projeto de transposição do Governo Federal

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05A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Assegurar água para 12 milhõesde brasileiros que vivem no semi-ári-do setentrional brasileiro. É o que oGoverno Federal anuncia que pre-tende fazer levando as águas do SãoFrancisco para rios situados nos esta-dos do Rio Grande do Norte, Ceará,Paraíba e Pernambuco. O Governochama de Projeto de Integração dabacia do São Francisco às Bacias doNordeste Setentrional (PISF), mas aproposta ficou conhecida pelo nomeoriginal: projeto de transposição.

Serão 720 quilômetros de canaisartificiais em concreto armado nosdois eixos principais do projeto, se-gundo o Relatório de Impacto Ambi-ental da obra. Mas no total serão maisde dois mil km de canais incluindo ouso de leitos secos. A água será capta-da em Pernambuco, em dois pontos:um em Cabrobró, o Eixo Norte, e ou-tro em Itaparica, o Eixo Leste. Essaságuas precisarão ser continuamentebombeadas do São Francisco comelevado gasto energético.

O Governo afirma que serão gas-tos em torno de 4,5 bilhões de reaisnas obras, mas já solicitou no orça-mento do Programa de AceleramentoEconômico (PAC) 6,6 bilhões de reais.O Ministério da Integração Nacional,gestor do projeto, garante que asobras do Eixo Leste estarão prontasaté 2010, independente dos movi-mentos contrários a ela.

As motivaçõesSegundo especialistas, não falta

água no Nordeste e sim gestão. As-sim, em função das incoerências doprojeto e de todos os impactos queenvolve, pesquisadores afirmam quea transposição irá apenas alimentar a“indústria da seca".

Os apelos, protestos, pesquisas e

questionamentos na Justiça não têmrepresentado empecilhos aos obje-tivos do Governo. As obras estão au-torizadas pelo Ibama. No início dejunho, soldados do exército se insta-laram na região. O batalhão, que re-cebeu o nome de Pedro II, anuncia oinício das obras. Mas, por enquanto,eles estão apenas capinando e fazen-do os marcos da construção futura.

Para o presidente do Comitê da

Bacia Hidrográfica do Rio das Ve-lhas, Apolo Heringer Lisboa, a mo-vimentação do exército faz parte deuma “guerra de nervos” do Governode divulgar a idéia do fato consu-mado. “Não irá começar, começan-do, não irá continuar, continuando,não irá terminar; terminando, nãoirá funcionar. E se funcionar, certa-mente não irá ajudar a resolver oproblema social da seca", afirma.

Transposição do São FranciscoGoverno insiste na obra, apesar dos questionamentos técnicos, jurídicos e sociais ao projeto

A transposição do São Francisco é um projeto centenário. E desde as primeiras dis-

cussões, a proposta foi arquivada em função de suas incoerências.

Dar um copo de água aos nordestinos: considerando apenas a técnica, é possível

tirar as águas de um rio e levar a outros, mas é impossível distribuir essa água a uma população

dispersa, a que mais sofre com os efeitos da seca.

Fomentar o desenvolvimento econômico: a água da transposição, em função de

ser bombeada com elevado gasto de energia, terá um custo muito alto para o consumidor

ou terá que ser eternamente subsidiada pelo Governo Federal.

Abastecimento das áreas urbanas: um estudo da Agência Nacional das Águas (ANA)

aponta alternativas para os municípios com problemas de abastecimento de todo o semi-árido

brasileiro com mais de 5.000 habitantes. Se implementadas, essas obras custariam metade do

previsto pelo Governo Federal para fase inicial da transposição.

QUESTIONAMENTOS E SOLUÇÕES REAIS

Os que são contrários apontam que, além de não resolver os problemas a que se propõe, a

transposição ainda cria outros em várias esferas.

Ambiental: o desvio de um rio degradado, a construção de barragens para controlar sua

vazão, a supressão de mata nativa, a mudança no regime de cheias do rio, prejudicando a fauna.

Econômica: um projeto bilionário, de custo total questionado e que antes mesmo de ser

iniciado já custou aos cofres públicos R$ 443 milhões, o dobro do investido em ações de revita-

lização do São Francisco no mesmo período.

Político: estados em conflito, a decisão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São

Francisco desrespeitada.

Social: populações esperançosas mediante a promessa de uma água que não pode

chegar a seu destino e da promessa da reforma agrária, o risco da migração de populações para

as áreas próximas aos canais, sem poder ser atendidas por essas águas, populações que de-

pendem da pesca no São Francisco, que será prejudicada pela construção de barragens.

PROBLEMAS DIVERSOS

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A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

A proposta de transpor as águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional não é nenhuma

novidade. Desde os tempos da monarquia já se falava em construir canais artificiais para levar

água aos sertanejos.

Transposição: projeto de vários governos

Ainda na Monarquia A idéia de transpor parte

das águas do rio São Fran-cisco, proposta que perduraaté hoje, foi falada pelaprimeira vez em corredorespalacianos em 1820, noreinado de Dom João VI.

Novamente descartadaO potencial candidato à presidên-

cia, coronel Mário Andreazza, en-comendou, em 1981, estudos visan-do à transposição de 15% das águasdo Velho Chico, que beneficiariam osestados do Ceará, Piauí, Paraíba, RioGrande do Norte e Pernambuco. Maso projeto foi arquivado devido ao altocusto, 10 bilhões de dólares, e tam-bém ao demorado tempo previstopara a construção, entre 15 e 20 anos.

Seca reativa discussõesEm 1877, uma grande seca

atingiu 1,7 milhões de pessoas e fezcom que Dom Pedro II reativasse aproposta, sem resultados concretos.Engenheiros a serviço do imperadorprojetaram um canal que ligaria oSão Francisco ao rio Jaguaribe (CE). Atransposição foi reconsiderada em1886, mas descartada por inviabili-dade técnica e financeira.

TCU reprova projetoEm 1994, Itamar Franco

anunciou que iria abrir lici-tações para os projetos básicosdas obras de transposição, maso Tribunal de Contas da Uniãoalegou que o projeto era preju-dicial às hidrelétricas, à irri-gação em Minas Gerais e naBahia.

Licitação é questionadaFernando Henrique Cardoso,

em 1995, gastou 10 milhões dereais com a elaboração do proje-to básico, mas empresas que nãoconcordaram com o resultadodas licitações recorreram naJustiça e impediram o início daobra, orçada em 3 bilhões dedólares.

Arquivamento do projeto Em 2002, outro projeto, des-

ta vez de 1 bilhão de dólares, foiarquivado pelo presidente Fer-nando Henrique Cardoso, por in-tervenção do então ministro doMeio Ambiente, José Carlos Car-valho, atual secretário de MeioAmbiente de Minas Gerais, etambém por reações sociais,políticas e técnicas do próprioPT.

Seca como bandeir

República em 2003Lula da Silva, migrante do sertãonordestino, afirmou que daria especial atenção ao “combate à seca". No dia 11 de junho do mesmoano, criou um Grupo Interministerial para “analisar propostasexistentes e propor medidas paraviabilizar a transposição de águaspara o semi-árido nordestino".No primeiro turno de sua eleição,Lula e o PT havia se posicionadocontra o projeto.

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Seca como bandeiraAo assumir a Presidência da

República em 2003, Luiz InácioLula da Silva, migrante do sertãonordestino, afirmou que daria es-pecial atenção ao “combate à se-ca". No dia 11 de junho do mesmoano, criou um Grupo Interminis-terial para “analisar propostasexistentes e propor medidas paraviabilizar a transposição de águaspara o semi-árido nordestino".No primeiro turno de sua eleição,Lula e o PT havia se posicionadocontra o projeto.

Rejeição generalizadaA transposição foi rejeitada por

vários setores da sociedade brasileira. Ocaso mais dramático foi o do bispo deBarra (BA), Dom Frei Luiz Flávio Cappio,que fez greve de fome durante 11 dias,em setembro de 2005, contra a trans-posição. A greve só terminou com apromessa de que seriam realizados de-bates envolvendo governo e sociedade.

Fim do impedimento legalAções na Justiça contra a transposição impediam as

obras até que, no final de 2006, o ministro do SupremoTribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence, derrubou todasas liminares por considerar ilegítimas todas as entidadescivis que abriram os processos no STF.

Autorizada licitaçãoNo dia 11 de janeiro de 2007, é

publicada a autorização para a licitaçãodos primeiros trechos do projeto noDiário Oficial da União. Trata-se daprimeira etapa da transposição, previstapara acontecer nos eixos norte e lestedo rio.

Ministério lança licitaçãoNo dia 13 de março de 2007,

o Ministério da Integração Nacionalpublicou no “Diário Oficial da União"o aviso de licitação pública daprimeira etapa do projeto de trans-posição do rio São Francisco. Coinci-dentemente, desde o dia anterior, cer-ca de 500 representantes de movi-mentos sociais se encontravam acam-pados em Brasília.

Ibama autoriza inícioNo dia 23 de março de 2007, o Ibama

autorizou o início das obras. A Licença de Ins-talação da transposição permite o início dasobras nos trechos I e II do Eixo Norte e V doEixo Leste.

CaravanaEm agosto de 2007, especialistas

e militantes das causas sócio-ambien-tais de diversos estados iniciam uma ca-ravana pelo Brasil. O objetivo é mobilizarpara impedir o início da obra e chamaratenção de todos para as incoerências doprojeto, com base no argumento princi-pal de que é impossível por meio datransposição levar água àqueles que maissofrem com a seca: a população difusa.Enquanto isso, alternativas mais simples,baratas e eficientes poderiam contribuir,de fato, para a melhoria da qualidade devida dessa população.

Exército inicia movimentaçãoO Ministério da Integração Nacional repassou R$

104 milhões ao exército brasileiro para que as obrascomeçassem antes mesmo dos resultados das lici-tações. Os soldados começaram a se instalar na regiãono dia 4 de junho de 2007, anunciando que iriaminiciar a construção dos canais de aproximação queligarão o São Francisco às estações de bombeamentodas águas nos eixos norte e leste da transposição.

A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

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A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE08

Projetos de transposição de riossão práticas históricas. Na antigui-dade, canais subterrâneos na Meso-potâmia ampararam necessidadesimportantes da população que vivianas cidades. Há registros de transfe-rência de água para a agricultura naEspanha desde o século XV. Hoje emdia, a transposição ainda é uma téc-nica utilizada. Mas experiênciasinternacionais têm mostrado que acomplexidade de projetos de grandemagnitude pode tornar esta opçãoinviável por motivos técnicos, econô-micos, sociais e ambientais.

Este é o caso da transposição doSão Francisco. O especialista em hi-drologia, irrigação e drenagem, Al-berto Daker, que foi professor daUniversidade Federal de Viçosa, emMinas Gerais e consultor interna-cional, explica que existem três con-dições básicas para justificar a trans-posição: existir uma bacia com muitaágua sobrando e terras e relevo quenão sirvam para irrigação; haver ou-tra bacia com terras irrigáveis, mascom carência de água; e ter uma re-lação custo-benefício viável para aobra ser feita. “Mas não é esse o ca-so": há demanda por água nas terrascultiváveis das proximidades do rioSão Francisco, existe água na regiãoda bacia receptora, sendo preciso, naverdade, é que seja garantida sua dis-tribuição. “A obra também não sesustenta energética nem financeira-mente", completa Daker.

Caminhos da transposiçãoPartindo de dois pontos de capta-

ção em Pernambuco, as águas do SãoFrancisco percorrerão dois caminhos:o Eixo Norte e o Eixo Leste. Juntos, oscanais de concreto somam 720 km,que corresponde aproximadamente à

distância, por rodovia, entre BeloHorizonte e Brasília.

O Eixo Norte teria 22 aquedutos,6 túneis, 26 reservatórios de pequenoporte e 4 estações de bombeamentopara transpor o desnível de 165 me-tros. Já o Eixo Leste teria 5 aquedu-tos, 2 túneis e 9 reservatórios depequeno porte e 5 estações debombeamento que elevarão em 304metros o nível da água (altura deum prédio de cerca de 100 anda-res). Os canais terão 25 metros delargura por 5 de profundidade, comuma área de recuo (onde não serápermitido nenhum tipo de cultivo)de 100 metros de cada lado.

O volume a ser retirado conti-nuamente do São Francisco para atransposição, outorgado pela Agên-cia Nacional de Águas, é de 26,4m³/s. A estrutura projetada é parauma vazão máxima de 127m³/s. OGoverno afirma que serão retiradosem média 3,5% da vazão do SãoFrancisco, o que ele tenta apre-sentar como pouco. É preciso lem-

Rios de recursos desperdiçadosTransposição não é opção viável para solucionar problema social da seca no Nordeste

Segundo especialistas, a energia re-

querida no bombeamento das águas é

de 263 MW. Somando-se aos 346 MW

que deixarão de ser gerados pela queda

da vazão ao longo das hidrelétricas exis-

tentes no baixo São Francisco, o gasto

energético pode chegar a 609 MW. Isso

corresponde a mais da metade de toda

a energia gerada na barragem de Sobra-

dinho (1.050 MW).

Enquanto isso, de acordo com a

Companhia Elétrica do São Francisco

(Chesf), as usinas de Xingó e Itaparica

já operam abaixo de sua capacidade.

Essas usinas foram projetadas para ter

dez turbinas cada uma e hoje operam

apenas com seis. Para aumentar sua

produção energética, seria preciso

haver mais água disponível para o fun-

cionamento dos novos motores, é o

que alega a Chesf. As informações são

da Revista Estudos Avançados da USP,

número 59: Dossiê energia.

CRISE ENERGÉTICA

Nos Estados Unidos, peculiaridades geográficas do estado do Colorado favoreceram a

construção de sistemas de transferência de água entre bacias localizadas na região oeste

das Montanhas Rochosas, que é mais úmida, para o leste, onde as chuvas são raras. Mesmo

tendo pontos positivos, o deslocamento das águas do rio Colorado para o rio Big Thompson,

por meio de 153 km de canais, apresenta vários problemas. Um deles é o secamento do rio

na parte mexicana. Conflitos sobre direito das águas entre os estados de fronteira e proble-

mas como falha de barragens e introdução de poluentes nos reservatórios geram questiona-

mentos sobre a eficiência alcançada pelo Colorado Big Thompson Project.

O Mar de Aral, localizado na Ásia Central, é um outro exemplo. O crescente aumen-

to da demanda de irrigação desde seu planejamento, em 1960, o excesso de água

desviada para áreas desertificadas e a falta de retorno da água de drenagem dos cam-

pos irrigados para os rios fez diminuir gradativamente a vazão dos afluentes. Hoje em dia,

o Mar de Aral, que já foi o quarto mar interior do planeta, está praticamente seco. Além

disso, o vento espalhou o sal, prejudicando as terras agricultáveis.

OUTROS EXEMPLOS

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FONTE: CARTILHA DO GOVERNO FEDERAL

09A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

brar que o volume médio a ser retirado corresponde à17,6% da vazão que pode ser retirada do São Francis-co, que é de 360 m3/s. Só que desse total, 335 m3/s jáestão outorgados.

Descaminhos da transposiçãoO fluxo de água pelo canal não será contínuo. O vo-

lume máximo poderá ser retirado apenas quando o nívelde água do reservatório de Sobradinho estiver acima de94% do volume útil. Junto a isso, os rios e açudes recep-tores também devem estar com suas águas abaixo do nívelmédio. O geólogo Edézio Teixeira, que foi professor daUniversidade Federal de Minas Gerais e da Federal de OuroPreto, considera a estrutura da obra um desperdício do di-nheiro público, pois, estatisticamente, essas duas condi-ções só serão coincidentes a cada 12 anos. A represa deSobradinho fica acima de seu nível normal em média qua-tro vezes a cada dez anos. Além disso, o período de chuvasnas bacias do Nordeste setentrional coincide com o perío-do de chuvas nas bacias do médio e alto São Francisco. Ouseja, quando Sobradinho estiver vertendo, os açudes e riosdo Nordeste provavelmente estarão cheios. O problema éque a maior parte dos gastos e as despesas com manu-tenção são fixos. “É como fazer um edifício de 127 aparta-mentos, mas ocupar só 26 deles na maior parte do tempo.O problema é que o condomínio do prédio todo seria pagosomente pelos 26 moradores que o usam freqüentemente".

Em alguns trechos, as águas dos canais vão desaguar

R$ 2,7 bilhões - era a previsão para os custos da transposição esti-

mada no primeiro Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), de 2000.

US$ 1,5 bilhões de dólares - foi o novo valor estipulado

em julho de 2004.

R$ 4,5 bilhões - é o que consta atualmente no site do Minis-

tério da Integração.

R$ 6,6 bilhões - valor depois de receber um adicional de R$ 2,1

bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

R$ 20 bilhões - seria o custo final da obra, segundo estimativa

do Vice-Presidente da República, José Alencar. Esse valor inclui os

investimentos adicionais que serão de responsabilidade dos go-

vernos estaduais (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernam-

buco) para levar água para as pessoas que se encontram nas

áreas laterais dos canais e nas regiões mais dispersas do sertão.

R$ 3,6 bilhões - verba suficiente para realizar todas as pro-

postas que a Agência Nacional de Águas indica em seu "Atlas

do Nordeste" e que alcançariam mais de 1.300 sedes munici-

pais e beneficiariam nove estados de todo o Nordeste mais o

norte de Minas.

NÚMEROS DO DESPERDÍCIO

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FONTE: RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL DA OBRA (RIMA)

em rios não perenes. Edézio explica que no Nordeste avariação da quantidade de chuvas e do volume de águaque infiltra no solo e evapora ao longo do ano é muitogrande. “Teria que ser feita uma avaliação técnica parasaber o volume de água suficiente para o rio não secar;porque, senão, toda a água a ser transposta pelo canalpode simplesmente desaparecer", alerta.

CANAIS DA TRANSPOSIÇÃO

Ilustração do Governo Federal mostra dimensão do canal

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10 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

O Aravá, a savana de Israel, se estende do sul do MarMorto até o Golfo de Eilat. Com um índice pluviométricomédio de menos de 25 mm e temperaturas que chegam a40ºC no verão, em sua terra são cultivadas frutas e ver-duras para exportação. Parece mentira, mas, graças a in-teligentes técnicas agrícolas, os israelenses conseguiramreverter um quadro de extrema escassez hídrica. A conser-vação da água é uma preocupação milenar no país. Háuma variedade de sistemas que permitem a captação, o ar-mazenamento e a distribuição das águas da chuva, fontepreciosa de vida para o povo da região.

Israel é somente um dos exemplos. Estados Unidos,México, Peru, Chile e Senegal e outros países têm aprendi-do a conviver com as adversidades do semi-árido atravésda agricultura irrigada, da pecuária e de investimentos empesquisas, educação e planejamento. Isso mostra que ca-racterísticas geográficas não podem ser usadas para justi-ficar o sofrimento de um povo. De acordo com o geólogoda Universidade de São Paulo, Aldo Rebouças, umpernambucano e um alemão, um baiano e umfrancês e um piauiense e um norte americano pos-suem aproximadamente a mesma quantidade deágua disponível.

“A pobreza é por falta de políticas. Os EUA, Is-rael e Chile não jogaram sua população na miséria.O semi-árido é viável, não condiciona a misériaexistente no Brasil", afirma o secretário executivodo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera daCaatinga, Roberto Gilson Campos. Ele tambémdestaca: “há uma certa diferença de tratamento quefoi dado a esses semi-áridos e o nosso semi-árido. Édiferente, mas é exemplar: acesso à educação, de-senvolvimento da pesquisa, da infra-estrutura físi-ca e de transporte compõe um conjunto de medidasque fazem a diferença".

Nossa realidadeO semi-árido brasileiro abrange parte dos estados

de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Per-nambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. São1.133 municípios distribuídos numa área de aproxi-madamente 970 mil quilômetros quadrados. Trata-sedo semi-árido mais populoso de todo o mundo, comuma população estimada em 20 milhões de habi-tantes, que correspondem a 46% da populaçãonordestina e 13% da brasileira.

Quando pensa-se no semi-árido brasileiro, logo vemà cabeça o solo rachado, pessoas e animais definhando equilômetros e mais quilômetros sem que seja avistadauma gota d'água. Em suma, uma região hostil à vida.Mas o semi-árido brasileiro é um tesouro que aprendeu-se a não enxergar, por questões historicamente difundi-das e que hoje fazem parte de uma visão cultural ex-tremamente arraigada. “É uma lógica da ‘vitimização' ede exaltação das limitações do meio natural desva-lorizando todas as suas potencialidades, um padrão queao invés de mobilizar a sociedade para os recursos locaisdisponíveis, a convida para o imobilismo, como seninguém pudesse fazer nada porque o semi-árido seriaum meio hostil, difícil de se desenvolver", afirma o co-ordenador executivo da Articulação no Semi-ÁridoBrasileiro (ASA - Brasil), Luciano Silveira.

De acordo com Luciano, dentre os territórios caracteri-zados pela semi-aridez, o semi-árido brasileiro é aquele

Semi-árido para além das limitaçõesMá distribuição das chuvas não é sinônimo de ausência de vida

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11A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

que detém a maior biodiversidade. Existem em torno de 20mil espécies de animais, fungos e vegetais. Conhecer essarealidade é o primeiro passo para que seja estabelecidauma convivência harmônica com a região. “Estão des-truindo a caatinga sem que tenhamos acesso a essasriquezas", lembra o pesquisador da Fundação JoaquimNabuco, do estado de Pernambuco, João Suassuna.

O semi-árido é cenário de paisagens distintas cujarazão de ser encontra-se na distribuição irregular das chu-vas pelo território durante o ano. “Tem ecossistema de al-titude onde chove mil mm e tem depressões onde precipi-ta entre 400 e 350 mm por ano", esclarece o coordenadordo Programa de Apoio à Agricultura Familiar da Diaconia,organização social sem fins lucrativos, Marcelino Lima.Para efeito de comparação, a região sudeste possui umamédia pluviométrica de aproximadamente 1.900 mm anu-ais. Segundo o pesquisador da Universidade Federal doRio Grande do Norte, João Abner, o primeiro passo parauma convivência harmônica com o semi-árido passa porum amplo projeto inteligente que capte esse modesto massuficiente volume de água da chuva.

Tanto para Roberto Gilson quanto para LucianoSilveira, o desafio é mudar o prisma pelo qual obser-va-se o semi-árido e sua população. Segundo Luciano,a transposição do rio São Francisco reitera o padrãoineficaz de desenvolvimento vigente hoje na região.

Ao mesmo tempo em que se aproxima das demais

regiões semi-áridas do mundo em aspectos como as baixas

taxas pluviométricas, os altos índices de evapotranspiração e

as altas temperaturas, o bioma brasileiro possui um grande

diferencial, que é sua vegetação típica, a caatinga. "Não exis-

te esse bioma em outra parte que não aqui: portanto, a

caatinga é uma vegetação altamente adaptada. O que faz

com que o nordeste não seja um imenso deserto é essa ve-

getação adaptada", esclarece Roberto Gilson.

Em tupi-guarani, caatinga significa "mata branca", por

causa da ausência de cor na época da seca. No entanto, com

as primeiras chuvas do verão, folhas verdes e flores apare-

cem. O mandacaru, símbolo da chegada das chuvas, é uma

dessas plantas que ganham vida no período chuvoso.

A caatinga é exemplo de estocagem eficiente de água.

Durante o período chuvoso, as plantas estocam água e nutri-

entes para serem consumidos na estação seca. Enquanto o

alimento fica estocado nas raízes, as plantas perdem suas

folhas para diminuir a perda por transpiração. Plantas típicas

como o pau-ferro e o juazeiro poderiam ser alimentos impor-

tantes para o gado; umas, como o umbu e o murici, dão bons

frutos e outras podem até ser fonte de medicamentos, caso

do pinhão, da aroeira e do angico.

A LIÇÃO DA CAATINGA

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A lição de convivência com o semi-árido é dada pela própria natureza: plantas como o cactus acumulam água nos períodos secos

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12 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Governos, comunidade científica e os próprios ser-tanejos conhecem as soluções para o acesso à água nosemi-árido brasileiro há várias gerações. Elas sãomuitas, podem abranger todas as populações e já sãoimplantadas em alguns lugares. O que falta são políticaspúblicas efetivas de distribuição e aproveitamento daágua disponível e fomento das alternativas já conheci-das. Trazer água de uma bacia a centenas de quilôme-tros de distância não é, nem de longe, uma alternativarazoável, além de não ser a solução para a população di-fusa, aquela que mais sofre os efeitos da seca.

A presença de um solo raso, impermeável e cristalinoem quase 70% do território favorece a implantação de umasolução já conhecida há décadas: a construção de açudes.São grandes reservatórios, que acumulam a água da chuvapara torná-la disponível nos meses de seca. Desde 1909,foram construídos cerca de 400 grandes açudes públicos.

De acordo com vários especialistas, incluindo JoãoSuassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco,existe uma oferta de 37 bilhões de m³ de água nos açudesdo semi-árido. É o maior volume represado em regiões se-mi-áridas do mundo. A baía de Guanabara, que é a terceiramaior do mundo, possui três bilhões de m³ de água. Ou se-ja: a água disponível em açudes é o equivalente a mais de12 baías de Guanabara em pleno sertão. E é principalmentepara esses açudes que a água do São Francisco será levada.

Entretanto, existem problemas de aproveitamento daágua dos açudes. Segundo o hidrólogo e engenheiro

agrônomo Alberto Daker, que foi professor da Universi-dade Federal de Viçosa, “utilizando-se apenas nove dos 37bilhões de m³ que estão represados, seria possível irrigar900 mil hectares. Hoje, apenas 120 mil hectares são irri-gados". Como explica o geólogo Dilermando do Nasci-mento, “nos grandes açudes, por causa de uma gestãoconservadora, consome-se em média apenas 20% do vo-lume potencial armazenado".

“O que não temos é uma política efetiva de uso e dis-tribuição dessa água. Poderíamos fazer isso por meio detubulações e da interligação das bacias daqui, como estásendo feito no Ceará. Lá, caso haja uma região que estejacom problema de abastecimento, uma represa do sul doestado pode enviar água, porque está tudo interligado",afirma João Suassuna.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Riodas Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG,Apolo Heringer Lisboa, lembra que o uso racional daságuas deve ser um projeto de todos os estados. MinasGerais e Bahia também podem coletar água das chuvas.

Água para as cidadesUm portifólio de soluções para o abastecimento ur-

bano de água no Nordeste foi publicado recentemente pelaAgência Nacional de Águas (ANA), instituição ligada aopróprio Governo Federal. O documento apresenta deta-lhadamente uma série de alternativas técnicas, que possi-bilitariam a garantia da oferta de água para atender as de-mandas atuais e futuras de mais de 1.300 sedes municipais(a maior parte com mais de cinco mil habitantes) não ape-nas no semi-árido nordestino, mas em todos os nove esta-dos do Nordeste e também do norte de Minas Gerais. Aotodo, seriam 34 milhões de pessoas beneficiadas nestascidades, a um custo de 3,6 bilhões de reais.

Várias formas de convivência possívelGoverno insiste em obra que apresenta soluções para população difusa

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Açude Castanhão (CE): o maior açude do Nordeste pode armazenaraté 6,7 bilhões de m3 de água

Serão retirados 26,4 m3/s de água continuamente do São Fran-

cisco. Um ano tem 31 milhões e 536 mil segundos, que multiplica-

dos por 26,4 dão: 832 milhões, 550 mil e 400 m3/s de água por

ano. Agora é so comparar: existe uma oferta de 37 bilhões de m3

de água nos açudes do semi-árido. Ou seja, será retirado do São

Francisco cerca de 2% do que já existe armazenado nos açudes.

UM PEQUENO CÁLCULO

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13A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Alternativas para a população difusaNão se pode negar o sofrimento daqueles que conti-

nuam sem acesso à água. Mas a não distribuição daságuas dos açudes e rios perenes para a população disper-sa é um problema que nem a transposição pode ou sepropõe a resolver. Como explica João Suassuna, é impos-sível tecnicamente fazer essa distribuição para asregiões mais afastadas: seria preciso montar um com-plexo e caríssimo esquema de adução de água que,através de tubulações, percorreriam vários quilômetrospara levar a água de um açude até uma família isoladana zona rural. O geólogo Edézio Teixeira ilustra a incoe-rência da proposta com o exemplo de Belo Horizonte:imagine que os canais de abastecimento hoje sejam asruas da cidade. Agora imagine expandir BH até a umadensidade populacional parecida com o do semi-árido.Isto significaria expandir a área de Belo Horizonte dosseus 335 km2 para 80 mil km2, uma escala de 1 para240. “Para demandas concentradas, os suprimentos po-dem ser concentrados, demanda difusa requer supri-mento difuso", destaca o geólogo.

Cisternas. Para levar água às populações dispersas, acisterna ainda é a tecnologia mais usada. Ela permite acu-mular água das chuvas para serem usadas no período deestiagem. Uma das formas mais comuns de captação é pormeio das águas que caem nos telhados. Mas esse acúmulotambém pode ser feito por meio de placas coletoras oucondução das enxurradas, dentre outros exemplos.

A Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), fórumda sociedade civil que reúne mais de 700 entidades não-governamentais, desenvolve uma iniciativa chamadaPrograma Um Milhão de Cisternas (P1MC). Desde julhode 2003, o programa vem promovendo a construção decisternas em todo o semi-árido. Segundo o coordenadorexecutivo da ASA, Luciano Silveira, até o dia 29 demaio já haviam sido construídas mais de 190 mil infra-estruturas - quase 20% da meta do programa, que pre-tende beneficiar 5 milhões de pessoas.

O problema dessas estruturas é que a água ar-mazenada não é suficiente para o uso na agricultura. Épreciso investir em seu aperfeiçoamento. Uma cisternasimples, com capacidade para 16 mil litros, fornece águaapenas para a família beber, cozinhar e escovar osdentes durante os oito meses de seca.

Poços artesianos. Os poços são utilizados para oaproveitamento da água do subsolo. São mais de 60 milpoços já perfurados no semi-árido. O pesquisador JoãoSuassuna, entretanto, faz uma ressalva: “70% da área dosemi-árido tem uma geologia cristalina que não permitea existência de água de subsolo, ou quando permite, es-sas fontes são de baixa vazão e as águas são salini-zadas". Nesses casos, como explica Dilermando do

Nascimento, “é preciso equipar os poços com dessali-nizadores" - o que pode elevar o custo da obra.

Barragens subterrâneas. Dilermando aponta as barra-gens subterrâneas como “principal alternativa para aten-der a população da zona rural de pequenos povoados compopulação entre 30 e 200 famílias, no que se refere ao cul-tivo da agricultura familiar". A técnica consiste emaproveitar as águas das chuvas ao longo dos leitos dos riostemporários, quando estes secam. Constrói-se uma paredeimpermeável transversal ao leito, para impedir que a águaescorra através do sedimento arenoso que está situadoabaixo da superfície da água do rio.

Outras alternativasO fomento da agricultura familiar também é o objetivo

do Programa Uma Terra e Duas Águas, da ASA. As duaságuas se referem à água para consumo humano e à águapara agricultura. O programa pretende promover, além dacisterna, a instalação de mais uma infra-estrutura hídricae também o acesso à terra para as famílias do semi-árido.Atualmente, está sendo viabilizada a construção de quatrotipos de estruturas, todas com uma capacidade maior evoltadas para o fomento da agricultura familiar: tanque de

pedra (aproveita lajedos de pedra naturais que formam de-pósitos de água), barragem subterrânea, cisterna calçadão(formada por uma área de captação pavimentada, umreservatório e um pequeno sistema de irrigação) e barreirotrincheira (tanques profundos e estreitos com fundo eparedes de pedra), todas práticas tradicionais.

Além disso, como explica Luciano Silveira, “o pro-grama se baseia na valorização de técnicas já conheci-das e no intercâmbio de experiências entre as comu-nidades, com o objetivo de valorizar a capacidade in-ventiva das famílias".

É preciso investir em tecnologias para ampliar a captação das águas

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FOTO: JOÃO ZINCLAR

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14 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Junho de 1970. O general Emílio Garrastazu Médici,ditador do Brasil no período de 1969 a 1974, visita o semi-árido nordestino. Perante a seca e o sofrimento do povosertanejo, Médici decide construir a rodovia Transama-zônica (BR-230), para levar “os homens sem terra doBrasil a ocuparem as terras sem homens da Amazônia". Aidéia era ligar a região oeste do país, abundante em águacom a região leste, seca. Hoje, 36 anos após o início daconstrução da Transamazônica, que nunca foi acabada, arodovia já consumiu cerca de US$ 1,5 bilhão.

A Transamazônica é um dos vários exemplos de obrasque apenas engordaram as contas da “indústria da seca".Definida pelo jornalista e editor-executivo da revista “Es-tudos Avançados" da Universidade de São Paulo (USP),Marco Antônio Tavares Coelho, como uma “pressão" pelarealização constante de obras que possam mitigar o pro-blema da seca, mas que não vai resolvê-lo, a “indústria daseca" tem o objetivo de lucrar com as obras. Lucrar politi-camente com a construção de uma boa imagem perante apopulação (de político que realiza obras e traz emprego edesenvolvimento), e financeiramente, com a implemen-tação de soluções caras que não resolvem nada e até mes-mo com o desvio de recursos públicos.

“Obras inacabadas, mal-feitas, superfaturadas. Tem to-da uma corrupção por dentro dessas obras. É uma forma

da elite nordestina conservar o seu poder político e aomesmo tempo fazer a sua fortuna privada", aponta omembro da equipe nacional do Agronegócio da ComissãoPastoral da Terra, Roberto Malvezzi (Gogó).

Para o especialista em hidrologia, irrigação e drena-gem, Alberto Daker, que foi professor da UniversidadeFederal de Viçosa, em Minas Gerais, a indústria da seca“vai ficar alegre, se enriquecer" com a transposição, jáque ela precisa de “uma obra para durar décadas e dé-cadas". O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica doRio das Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão,Apolo Heringer Lisboa, lembra que as demandas geradaspor essa transposição também podem exigir outrastransposições. Segundo ele, já foi discutida a possibili-dade de se transpor o rio Tocantins para socorrer o SãoFrancisco: “seria a próxima jogada”.

Velhos exemplosEm 2001, uma matéria publicada no jornal Folha de

São Paulo, do dia 8 de julho, tinha o seguinte título: “17grandes obras contra seca estão paradas". O texto chama-va a atenção para o fato de que essas obras já tinham con-sumido “pelo menos R$ 834 milhões" e estavam paradaspor causa de irregularidades detectadas pelo Tribunal deContas da União (TCU). Para serem concluídas, elas ainda

"Poço" sem fundoIndústria da seca se alimenta de obras que têm por objetivo acabar com a falta de água no sertão

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15A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

gastariam “mais R$ 696 milhões". Esse é um dos riscosque se corre com as obras da transposição: que se arrasteme consumam muito mais que os R$ 4,5 bilhões que o Go-verno anuncia como custo da obra (ou os R$ 6,6 bilhõesprevistos no PAC para a transposição ou os 20 bilhõesanunciados, em Minas, pelo vice-presidente José Alencar).

O Baixio do Irecê é mais um exemplo da indústriada seca. Concebido para irrigar 59 mil hectares nos mu-nicípios baianos de Itaguaçu e Xique-Xique e divididoem 9 etapas, o projeto está parado desde 2002, quandoas obras foram iniciadas e interrompidas por falta de re-cursos. Apenas a primeira parte da obra foi concluída,ou seja, cerca de 4.700 hectares do total. Entretanto, na-da está sendo irrigado. O PAC prevê cerca de 547 mi-lhões de reais para a obra. Além disso, está tramitandono ministério da Integração Nacional, projeto de parce-ria público-privada para assumir o empreendimento. Osresultados só sairão em setembro de 2007. Enquanto is-so a obra não ajuda ninguém.

Relatório publicado na página do TCU, com as obras

analisadas pelo órgão no ano de 2005, revela irregulari-dades em 10 obras que foram elaboradas para minimizar oproblema da falta de água. São adutoras, açudes, projetosde irrigação e barragens. Os motivos vão de mudanças noprojeto original, falta de licenciamento ambiental a so-brepreço. Um exemplo é a construção da barragem deOiticica, em Caicó (RN). O objetivo da obra era comple-mentar os recursos hídricos no Vale do Açu. O Departa-mento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) é respon-sável pela obra e uma comissão interna do próprio órgãoverificou um sobrepreço na obra de mais de 140%. Ela es-tá paralisada desde 1993 por causa dessa irregularidade.Em 2004, foi autorizada a atualização do projeto básico.

Outro exemplo é a adutora Serra da Batateira (BA),obra do Ministério da Integração que tinha o objetivo de,dentre outras coisas, viabilizar a implantação de umperímetro de irrigação no Município de Sobradinho. Tam-bém iniciada em 1993, não está terminada. “Era para gas-tar quatro, cinco milhões e está para mais de 20 e não es-tá pronta", aponta Roberto Malvezzi (Gogó) da CPT. Aadutora tem previsão de término das obras para 31 de ju-lho deste ano e custo total estimado em mais de 21 mi-lhões de reais. Em tempo: a empresa Góes-Cohabita Cons-truções S.A cedeu, em 1995, à construtora Gautama o di-reito de realizar a obra - a mesma que foi desmascaradapela recente “Operação Navalha" da Polícia Federal.

A “experiência” de Ciro João Suassuna, em artigo publicado no site da Fun-

dação Joaquim Nabuco (Fundaj) chama a atenção para oCanal do Trabalhador, obra realizada pelo ex-ministroda Integração Nacional, Ciro Gomes, quando era gover-nador do Ceará, e que depois de pronta está subutilizada.O jornalista Bernardino Furtado, em matéria publicadano jornal Correio Brasiliense do dia 6 de março de 2005relata que um grosso tubo de borracha pendente sobre ocanal teima em desmentir o então governador do Ceará,Ciro Gomes, que expressou em uma placa, de maio de1994, o orgulho pela obra: “Aqui 5 mil cearenses cons-truíram a obra do século".

O Canal do Trabalhador tem 110 quilômetros de exten-são e pode transportar até 5 metros cúbicos de água porsegundo, equivalentes a 70% do consumo da Região Me-tropolitana de Fortaleza. De acordo com a reportagem, oCanal conseguiu suprir a necessidade de água da capitalcearense por sete meses. Com as chuvas e a construção denovos açudes interligados, não foi necessário bombearágua para ele. Além disso, o então governador, haviaprometido irrigar 40 mil hectares nas margens do canal. Apromessa nunca foi cumprida.

Idealizada pelo economista paraibano Celso Furtado, a Supe-

rintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) foi criada,

em 1959, com o objetivo de desenvolver o Nordeste a partir de in-

vestimentos em obras de infra-estrutura e incentivos fiscais para

que empresas pudessem ali se instalar. Entretanto, em 1964, Celso

Furtado foi cassado pela Ditadura Militar, que tomava o poder no

país naquele momento. Com isso, a Sudene logo passou a operar

como um braço da corrupção, do clientelismo e da indústria da se-

ca. Em 2001, depois de vários escândalos de irregularidades, o

presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu a Sudene. Em

janeiro deste ano, o Governo Lula recriou o órgão.

Celso Furtado era um profundo conhecedor do Nordeste e do

sofrimento causado pela seca. Mas nem por isso ele defendia a

transposição do São Francisco. Em entrevista concedida em 1998

para Maria da Conceição Tavares, Manuel Correia de Andrade e

Raimundo Rodrigues Pereira, e transformada no livro Seca e Poder,

o economista manifesta sua opinião sobre a polêmica obra: "eu

não me interessei por esse projeto desde o começo porque era

uma panacéia. Minha reação imediata foi de cautela. Sempre per-

guntei: a quanto custo chega o investimento? Nunca ninguém

conseguiu me dizer quanto custaria. Em segundo lugar, quem vai

ser beneficiado com isso? São os proprietários de terras? Então

terão novos açudes para evaporar? Que não resolvam iniciar o pro-

jeto para depois ficar trinta anos cavando buraco sem terminar!".

SUDENE: INÍCIO, FIM E RETORNO

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Esquerda - Transamazônica: a rodovia de integração Norte Nordeste nunca chegou a ser terminada.Hoje ela está tomada por lama e é invadida pela floresta

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16 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

“Levar um caneco d'água para um nordestino que estápassando sede". Esse seria, segundo declaração do presi-dente Lula em 23/09/04 a emissoras de rádio do Brasil, afinalidade do projeto. Pouco mais de dois meses depois, nodia 28/11/04, o engenheiro e assessor da presidência daCompanhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), JoãoPaulo Maranhão Aguiar, fez o seguinte alerta, no jornalEstado de Minas: “é desonestidade afirmar que o objetivoda transposição é matar a sede de cearenses, potiguares,paraibanos e pernambucanos. O Governo tem de dizer quepretende usar a água do São Francisco para criar novos pó-los de desenvolvimento baseados na agricultura irrigada”.

Distorções Crianças raquíticas, animais definhando, solo estorri-

cado, açudes secos. Imagens com apelo emocional são fre-qüentemente utilizadas nas propagandas do Governo paravender a promessa de que a transposição do São Francis-co resolveria o problema da seca no semi-árido nordesti-no. O que as propagandas não mostram é que somente aágua não é capaz de solucionar os problemas sociais daregião. Na própria bacia do São Francisco, a populaçãoribeirinha passa por sérias dificuldades. Traipu, cidadealagoana localizada nas margens do rio, tem o quarto piorIDH do Brasil (dados do Censo de 2000). “Optou-se por ummodelo de desenvolvimento na bacia do São Franciscoque concentra terra e água", aponta o sociólogo e membroda Comissão Pastoral da Terra da Bahia, Ruben Siqueira.“Os recursos públicos sempre foram para grandes projetosde irrigação e agronegócio. A transposição é apenas maisum que reproduz o mesmo modelo excludente de im-pactos sócio-ambientais", acrescenta ele.

O Governo também anuncia que vai destinar as terras

em torno dos canais para a reforma agrária. “O Movimen-to dos Sem Terra inclusive se interessou pela possibilidade,mas logo desistiu por causa da pobreza do solo", comentao membro da equipe nacional da Comissão Pastoral daTerra, Roberto Malvezzi (ou Gogó). Além disso, a água queseria retirada ao longo dos canais é, segundo o GovernoFederal, uma quantidade muito pequena, de forma a nãoprejudicar o abastecimento urbano. Não seria suficientepara se fazer irrigação, por exemplo. Ou seja, a qualidadedo solo e o custo elevado da água tornam inviável a agri-cultura ao longo dos canais. “Isso não passa de um jogo demarketing", alerta Malvezzi.

Uma fraude éticaCom grandes recursos para financiar suas propagandas,

o Governo distorce o discurso de seus críticos. Domina asaudiências públicas, apontando que o principal argumentousado pelos contrários à obra seria o de que o rio São Fran-cisco está decadente e, por isso, não poderia “doar" a águaque ele “joga fora no mar". A estratégia usada: desviar-sedas críticas com “desculpas inventadas, que não dão umaresposta à pergunta que fazemos", como denuncia ocacique da tribo pernambucana Truká, Neguinho Truká.

Somado a isso, a mídia nacional tem feito “uma cober-tura muito superficial da transposição", comenta Ber-nardino Furtado, repórter especial do jornal Estado de Mi-nas. Salvo raras exceções, os jornais se limitam a citar osfatos, sem realizar pesquisas aprofundadas sobre o projetoe as reais implicações da empreitada.

Para o engenheiro agrônomo João Suassuna, pesqui-sador da Fundação Joaquim Nabuco, iludir os nordestinoscom uma promessa irrealizável “é fazer política com osofrimento e a miséria de um povo, é a perpetuação da in-dústria da seca". E mesmo se a água - superfaturada peloprocesso caro que a transporta - chegasse à casa de cadanordestino pobre do semi-árido, como eles iriam pagar porela? “Seria como se o Governo abrisse um supermercadopara acabar com a fome", compara o coordenador do Pro-jeto Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa.

O que já está acontecendo, de fato, é a especulação fun-diária: “há um movimento de empresas, inclusive transna-cionais, se dirigindo para as regiões de melhores solos emque passaria, em tese, a água da transposição", acrescentaRoberto Malvezzi. E a população? Iludida, mais uma vez,com falsas promessas, acabará marginalizada ao processo.“A população é só figurante, só pretexto".

Vendendo ilusõesCampanhas do Governo prometem resolver o problema daqueles que não serão atendidos

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FONTE: CARTILHA DO GOVERNO FEDERAL

Água que não pode chegar ao destino prometido é anunciada em car-tilhas do Governo Federal como a solução para todos os problemas

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17A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Para que as águas do rio São Francisco possam sertranspostas será preciso construir barragens em seusprincipais afluentes. O objetivo é controlar toda a vazãodo São Francisco. As barragens são barreiras artificiaisfeitas em rios para reter grandes quantidades de água.Produção de energia elétrica, regulação de vazão e oabastecimento de áreas residenciais, agrícolas e indus-triais são algumas das finalidades dessa retenção. Mas opreço que se paga pode ser muito caro.

Impactos ambientaisPara controlar a vazão do São Francisco pretendem

construir barragens em três afluentes mineiros: Urucuia,Paracatu e Velhas. Com o aumento do nível de água,provocado pelo represamento, as áreas próximas serãoalagadas, o que vai gerar mudanças na dinâmica dosrios. A velocidade do fluxo, a densidade e a quantidadede partículas de sedimentos se alteram, causando im-pactos à população, ao meio ambiente e aos peixes.

A barragem no Rio das Velhas pode significar o “fim dapossibilidade de plena recuperação da bacia", analisa oprofessor de ecologia aplicada da Universidade Federal deLavras, Paulo Pompeu. O pesquisador destaca que a irregu-laridade da vazão do São Francisco é um processo natural.“A inundação é fundamental para que as lagoas marginais,berçários dos peixes migradores, recebam água do rio. Aimplementação de todas as barragens propostas no projetorepresentaria o golpe final na fauna de peixes migradoresdo São Francisco", analisa Pompeu.

Impactos sociaisO alagamento de vastas áreas também faz com que co-

munidades inteiras tenham que ser transferidas para ou-tros locais. Na bacia do Rio das Velhas, populações do mé-dio curso do rio estão apreensivas com as notícias. Acidade de Presidente Juscelino, a 205 quilômetros de BeloHorizonte, já recebeu a visita de equipes do projeto detransposição, enviados pela Codesvaf, que analisaram opatrimônio histórico e as condições topográficas daregião. O prefeito do município, Ricardo Machado, afirmaque precisou buscar informações sobre a obra em Brasília:“não recebi praticamente nenhuma informação dos ges-tores do projeto, e as poucas as quais tivemos acesso nãoforam esclarecedoras". A população de Presidente Jusceli-no, que vive da economia agropecuária, está apreensiva.“A preocupação nossa é a possibilidade de alagamento da

cidade. 60% dos 4.335 habitantes vivem do cultivo dasterras férteis e a população ribeirinha precisa da pescapara a sobrevivência", afirma Ricardo Machado.

Um estudo encomendado pelo Ministério da Inte-gração Nacional e pela Companhia do Desenvolvimentodos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)prevê um barramento de 2.200 metros de comprimento,46 metros de altura e aproximadamente 4,4 bilhões demetros cúbicos de volume em Santo Hipólito. O relatórioé intitulado “Estudos de avaliação da viabilidade técni-co-econômica e ambiental de um sistema de barragensnas bacias dos rios das Velhas, Paracatu e Urucuia comvistas à revitalização do Rio São Francisco".

Impactos políticosA construção das barragens pelo Governo Federal

também vai na contra-mão do processo de descentraliza-ção da gestão dos recursos hídricos. A lei 9.433/97, dopróprio Governo, prevê a gestão compartilhada entreusuários, poder público e sociedade civil. O que se vê, en-tretanto, é que, além da decisão do Comitê da Bacia Hidro-gráfica do Rio São Francisco não ter sido respeitada, aindahá o risco de um maior controle federal sobre o São Fran-cisco e seus afluentes. “Você tira o ganha-pão dos pesca-dores e favorece empreendimentos de multinacionais: orio fica menos do peixe, menos do ribeirinho e do povo efica mais no domínio das grandes corporações econômicase do Governo", afirma Apolo Heringer.

Natureza Artificial Construção de barragens altera meio ambiente,

relações sociais e políticas

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A construção de barragens em afluentes do São Francisco podecomprometer a pesca na bacia

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18 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Os questionamentos também se estendem às irregula-ridades jurídicas da obra. A principal delas se refere aodesrespeito à decisão do Comitê da Bacia Hidrográfica doRio São Francisco. Mas há outras. São até agora 11 açõesaguardando julgamento só no Supremo Tribunal Federal(STF). Pareceres, recomendações e ações tramitam em di-versos tribunais do Brasil. Ainda assim, o Governo Federalinsiste em anunciar o início das obras, após a obtenção daLicença de Instalação (LI), concedida pelo InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Re-nováveis (Ibama), órgão do próprio executivo federal.

A LI é responsável por um dos embates jurídicosem torno do projeto. O procurador da República, Fran-cisco Guilherme Vollstedt, emitiu recomendação no dia20 de março deste ano requisitando ao presidente doIbama, Marcus Luiz Barros, a não expedição da Licença.Porém, mesmo com essa recomendação, a Licença foi

dada, pelo Ibama, no dia 23 de março, o que permitiao início das obras.

Mas foi da Ordem dos Advogados do Brasil - SeccionalSergipe (OAB/SE) que vieram as denúncias mais impor-tantes. A OAB, juntamente com a Central Única dos Tra-balhadores do Estado de Sergipe e a Pastoral Social da Ar-quidiocese de Aracaju, abriu uma Ação Cível Originária(ACO 1003) contra o projeto de transposição no SupremoTribunal Federal. Na ação, a OAB requer que a União, oIbama e a Agência Nacional de Águas (ANA) paralisemimediatamente a implementação do projeto.

Os autores da Ação afirmam que existem diversasilegalidades no projeto, tais como a violação da com-petência do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio SãoFrancisco e do Plano Diretor de Recursos Hídricos, a fal-ta de provas na argumentação da União, a não ob-servância dos limites das outorgas de consumo concedi-das, as falhas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) edo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a total faltade sustentabilidade da obra, a ausência de pacto federa-tivo para a transposição, dentre outras irregularidades,que constam em um documento de 165 páginas.

Por cima da ConstituiçãoO artigo 225 da Constituição Federal diz que “todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidadede vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e fu-turas gerações". A ex-coordenadora interestadual dasPromotorias de Justiça do São Francisco, LucianaKhouri, afirma, entretanto, que há um perigo concretode dano ambiental na obra. “Considero o projeto ilegal.Ele viola as normas ambientais, as normas de recursoshídricos e a Constituição Federal", diz.

A Lei 9.433/97, do Governo Federal, criou o SistemaNacional de Recursos Hídricos, regulamentando o incisoXIX do art. 21 da Constituição. Essa lei estabelece a gestãocompartilhada dos recursos hídricos e cria os Comitês de

Justiça pelo raloAs águas da transposição carregam consigo uma enxurrada de ilegalidades

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Decisões do Governo Federal ignoram que qualquer interferência em uma bacia hidrográfica tem implicações no todo

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19A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Bacia. O Comitê da Bacia do São Francisco aprovou a reti-rada no Eixo Leste, desde que exclusivamente e compro-vadamente destinado à dessedentação humana e animal.Em outubro de 2003, o vice-presidente José Alencar afir-mou na Assembléia Legislativa de Minas Gerais: “se oComitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco desaprovaro projeto de transposição e revitalização, este não aconte-cerá". A decisão, entretanto, foi desconsiderada.

A lei também estabelece que em situação de escassezemergencial de água, esse recurso deverá ser usado priori-tariamente para o consumo humano e para a desseden-tação de animais. O próprio governo reconhece que aágua é um recurso escasso na região, mas mesmo assim,segundo o Ministério da Integração, 70% da água trans-posta iria para irrigação, 26% para uso urbano-industri-al e apenas 4% para consumo humano da população dascaatingas, em nome da qual se quer justificar a obra.

O destino dessas águas é responsável por outro capí-tulo das incoerências. De acordo com o Plano Diretor dabacia do São Francisco, podem ser retirados do rio até360m3/s de água. Desse total, 335m3/s já foram outor-gados. Ainda que parte dessas outorgas não esteja sendode fato utilizada, há projetos de irrigação na própria ba-cia do São Francisco, como o Jaíba, com previsão deampliação. Além disso, grande quantidade de água é re-tirada da bacia sem nenhuma outorga. Ao contrário doque afirma o governo, a retirada de água em um pontoda bacia prejudica sim os demais pois a transposiçãolimitará a possibilidade de outorga para o uso das águasno São Francisco em toda a bacia.

O julgamento do SupremoEm 18 de dezembro de 2006, 10 ações foram revo-

gadas por um único ministro do STF: Sepúlveda Per-tence. “Não tendo sido comprovado o início de qualquerato modificador do meio ambiente, antes da necessáriaconcessão de Licença de Instalação, e do que consta dasinformações prestadas pelas rés, entendo inexistentesos seus requisitos e indefiro os pedidos de liminar", afir-mou o relator do processo, ministro Sepúlveda Pertence.

Parece que, no entanto, nem tudo está perdido e que oSupremo ainda terá muito trabalho pela frente. No dia 12de fevereiro, o procurador-geral da República, AntonioFernando Souza, apresentou recurso ao STF pedindo asuspensão da licença ambiental para a obra de trans-posição do São Francisco. Segundo o documento, “nãoobstante extensa e bem articulada, o agravante, res-peitosamente, discorda da fundamentação que apóia a de-cisão impugnada, especialmente a propósito da concessãode Licença Prévia, sem a demonstração de que foram ob-servadas todas as exigências legais, e, diante da im-portância e gravidade da questão no que diz respeito à

tutela do meio ambiente, considera necessário que otema seja enfrentado pelo Plenário dessa Corte Suprema."A diretora do gabinete do Ministro Sepúlveda, ReginaMaria Perente Vives, afirma que ainda não há data para osprocessos serem julgados pela Corte.

Congresso NacionalNo dia 23 de março deste ano, a Comissão de Meio

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dosDeputados instalou uma Subcomissão Especial destinada aacompanhar questões relacionadas ao rio São Francisco. Opresidente da subcomissão, deputado Iran Barbosa (PT-SE)afirma: “se nós identificarmos algum tipo de inconsistên-cia jurídica no projeto nós podemos interromper o proces-so de transposição. É o caso da questão indígena". Ele falasobre o artigo 231 da Constituição Federal que garanteque “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos ospotenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezasminerais em terras indígenas só podem ser efetivados comautorização do Congresso Nacional, ouvidas as comu-nidades afetadas, ficando-lhes assegurada participaçãonos resultados da lavra, na forma da lei".

No país da corrupção...“O que está por traz dessa obra é o interesse das

grandes empreiteiras", afirma o vice-presidente da OAB-SE, Valmir Araújo. A operação Navalha deflagrada no dia17 de maio deste ano pela Polícia Federal desmontou umesquema de desvio de recursos públicos para realização deobras em nove estados e no Distrito Federal. Um esquemaque fraudava licitações para beneficiar a empreiteirabaiana Gautama. A Construtora estava pré-qualifi-cada para disputar o contrato das obras de trans-posição do Rio São Francisco.

“A Gautama já entrou no circuito dasobras de transposição. É necessárioparar todo o processo para que tu-do seja investigado em funçãodo grande volume de recur-sos públicos em jogo", de-fende o presidente da OAB-SE, Henri Clay. “Se o projetofosse realmente para atenderpobres sedentos não haveriao medo do diálogo e nem aresistência para acatar su-gestões. A grande pergunta équem serão os beneficiados",indaga o promotor EduardoMatos, professor de DireitoAmbiental na UniversidadeFederal de Sergipe.f

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20 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

lização. E sobre a falta dessa estru-tura, a secretária executiva atribui afalta de vontade política.

Saneamento não é tudoO presidente do Comitê de Bacia

Hidrográfica do Rio das Velhas (MG) ecoordenador do Projeto Manuelzão(UFMG), Apolo Heringer Lisboa, ava-lia que “o Governo Federal vê a revi-talização como uma compensação pa-ra que o projeto de transposição acon-teça. Em troca do projeto, o Governopromete um tanto de obras, pois é issoo que querem, por diversos motivos,os administradores públicos".

O ex-ministro da Integração, CiroGomes, afirmou em artigo publicadono jornal cearense “O Povo", em 8 deoutubro de 2005, que as obras doPrograma de Revitalização do SãoFrancisco já haviam começado. Se-

A realidade do semi-árido, as al-ternativas, as ilusões. Na avalanchede informações sobre a transposiçãodo rio São Francisco, o que não fal-tam são argumentos, dúvidas e ques-tionamentos. E se de fato o rio vai sertransposto, se haverá uma populaçãobeneficiada, um “detalhe" passa co-mo se fosse consenso: a revitalizaçãodo Velho Chico. O Governo afirmacom orgulho que atenderá ao grandeapelo dos ambientalistas. Se ninguémquestiona a importância de se revi-talizar um rio com o qual se pretende“levar água para doze milhões depessoas", há dúvidas sim sobre a realpossibilidade de se fazer essa revitali-zação, os prazos, os custos e, sobretu-do, as intenções. Outro detalhe tam-bém passa despercebido: não se falana revitalização dos rios e açudes quereceberão as águas da transposição eque, assim como o Velho Chico, tam-bém sofrem com a degradação.

Segundo o geógrafo e pesquisadorda Universidade de São Paulo, AzizAb'Saber, há um erro no conceito derevitalização proposto pelo GovernoFederal. Em entrevista ao site dopesquisador João Suassuna, em no-vembro de 2006, o pesquisador expli-cou que “a ‘revitalização' de um riodesse tamanho [2.800 mil km], querecebe poluição de numerosas cidade-zinhas e depois recebe a poluição daregião industrial sidero-metalúrgicade Belo Horizonte, é algo extrema-mente difícil, não pode ser feita emdez, quinze ou vinte anos. Quandodizem que, ‘primeiro vamos fazer arevitalização e depois a transposi-ção', dizem isso sem nenhuma no-ção de tempo e de dificuldades".

De dois a vinte anos Ao longo da bacia de aproxima-

damente 640 mil km², existem 503municípios e uma população de cercade 14 milhões de pessoas. O rio daintegração nacional passa por cincoestados e muitos problemas. A indús-tria da seca prospera, enquanto mui-tos ambientalistas alertam para amorte do Velho Chico. Ainda assim,entre 1985 e 2000, foram apresenta-dos vários projetos de transposiçãoque previam apenas a captação deágua do São Francisco. Finalmenteem 2000, o Ministério da IntegraçãoNacional apresenta o “Plano de Revi-talização do Rio São Francisco". Oprojeto, que ficou a cargo do Mi-nistério do Meio Ambiente, previaoito linhas de ações e teria a duraçãode apenas dois anos. Em 2004, oplano passou por mudanças e foi in-cluído no Plano Plurianual (PPA) doGoverno Federal de 2004/2007. Asoito linhas de ação caíram paracinco e passaram a ser pensadasem conjunto com o Plano Diretordo São Francisco, feito pelo Comitêde Bacia Hidrográfica do rio SãoFrancisco (CBH-SF). O tempo dasobras passou a ser de vinte anos.Entre as obras planejadas, estão omonitoramento da qualidade daágua e a recuperação de matas ci-liares. No plano, muitos dos prazosdas obras expiraram em 2004, masonde está a revitalização?

A secretária executiva doCBH-SF, Yvonilde Medeiros, afir-ma: “no Programa temos as dire-trizes, mas a ação nunca aconte-ceu de fato. Acabou sendo umacoleção de oficinas, reuniões eprojetos que pouco ou nada fo-ram implementados". YvonildeMedeiros explica que faltou umaestrutura condizente com a di-mensão do programa de revita-

Revitalização como moeda de trocaGoverno promete revitalização, mas deixa dúvidas sobre como será feita e em que prazo

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gundo Ciro Gomes, em 2005, o Ministério da IntegraçãoNacional investiu R$ 68 milhões em projetos de trata-mento de esgoto em 21 cidades, entre as quais Salgueiro,Cabrobó, Bom Jesus da Lapa e Pirapora. A secretária doCBH-SF, engenheira Yvonilde Medeiros, chama aatenção de que “é lógico que o saneamento ajuda, masisso não é revitalização. Isso é uma atividade inerente aoGoverno, não deveria estar dentro do Programa". O co-ordenador do CBH-Velhas, Apolo Heringer Lisboa, com-pleta que chamar a revitalização de saneamento é limi-tar o seu conceito. Yvonilde Medeiros ainda afirma que“qualquer que seja a obra ou ação dentro da bacia doSão Francisco ela é jogada dentro do projeto de trans-posição para que seja apenas mais um número. É isso oque se vê de revitalização".

Outras críticas ainda são feitas ao Programa de Revi-talização. Segundo Apolo Heringer, o programa não tra-

balha com a visão de bacia, não foram definidos os epi-centros de poluição e nem há projetos concretos: “até bar-ragens são obras de revitalização para eles. As ações ficamisoladas como uma colcha de retalhos", explica. YvonildeMedeiros aponta outra grave falha. Na elaboração do Pro-grama de Revitalização, o CBH-SF não participou das de-cisões. Mesmo tendo o poder deliberativo instituído pelaLei Federal 9.433/97, no momento da execução do Progra-ma o Comitê participou apenas como mais uma ONG.

Não é obra de engenhariaEm cartilha publicada sobre a transposição, o Governo

Federal ilustra por meio de uma história em quadrinhoscomo será a revitalização: um rio ainda poluído ganharávida por meio de plantio de árvores em suas margens epor meio da retirada da sujeira do leito, com um trator.

A experiência dos trabalhos pela revitalização do Riodas Velhas, afluente do São Francisco, mostram que arevitalização está longe de ser uma tarefa simples.

O Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Mi-nas Gerais, lançou em 2003 a Meta de Navegar, Pescar eNadar no Rio das Velhas até 2010. Um terço da populaçãodo São Francisco habita a bacia do Rio das Velhas. OComitê da Bacia do Velhas aprovou seu Plano Diretor, quetraçou um diagnóstico da bacia e as ações necessárias asua revitalização. E não se trata de colocar máquinas norio ou simplesmente plantar árvores em suas margens.

A principal ação inclui, sim, a retirada dos esgotos,mas não é uma ação que se faz do dia para a noite. BeloHorizonte e Contagem, responsáveis pela maior parte dapoluição que chega ao Velhas, já têm estrutura para tratarseus esgotos, mas parte deles ainda não chega às estações.Essa primeira prioridade revela outras. É preciso investir

em infra-estrutura, em educação ambiental, em pesquisas.A revitalização do Velhas está estimada em dois bilhões dereais, dos quais um bilhão já foram garantidos. De 2004 a2006, o Governo Federal gastou na revitalização do SãoFrancisco 194,6 milhões de reais e tem previstos no PACum bilhão e 274 milhões de reais, ou seja, menos do que“custa" a revitalização de um de seus afluentes.

“A revitalização do São Francisco deve ser conduzidacom visão integral da bacia. Precisa de foco geográficonos pontos mais críticos, como região metropolitana deBH, e nestes focos definir minuciosamente os itens a seremconservados ou recuperados. Com esta metodologia,estaremos equacionando revitalização com racionalidadeambiental e menores custos, através de metas e sem con-cessões a projetos eleitorais, empresariais e regionalistas",afirma Apolo Heringer. f

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Esquerda - Despejo de esgoto no São Francisco. Acima - Ribeirão Arrudas, em Belo Horizonte: a espuma é resultado da poluição.

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22 A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Frases

“Uma análise acurada mostra que oprojeto está bastante descolado da reali-dade da região, pois, não leva em conside-ração a existência, em praticamente todosos estados, de uma importante infra-estru-tura hídrica ociosa”.

João Abner Guimarães Jr, Prof. Dr de

Hidrologia e Irrigação da UFRN

“O Brasil não pode aceitar esse pseudodemocratismo como se queragora. Um governo de quatro anos que passa três discutindo umaobra que precisa de dois, pelo menos, para executar... Não é razoávelque se acuse o governo. Eu, pelo contrário, que sou funcionário, numestilo meu essa discussão teria se encerrado já lá atrás".

Ciro Gomes, 03/11/2005, site Observatório da Imprensa

“Na verdade, esse projeto foi montado e es-truturado e vem sendo impulsionado tendo emvista um programa eleitoral. Daí a urgência doministro Ciro Gomes em começar logo isso. Oque está na frente é o programa da eleição presi-dencial. Eu lanço esse apelo ao próprio presi-dente da República. Ele tem que rever isso."

Jornalista Marco Antônio Coelho, 03/11/2005,

site Observatório da Imprensa

“O caminho está livre. Não existe mais uma discussão de fazer ou não. Nós vamosfazer a obra porque essa é uma determinação do presidente da República."

Geddel Vieira Lima, atual ministro da Integração

Nacional, 17/05/07, programa “Bom Dia Ministro", transmitido pela Radiobras

“O presidente assinou um documen-to afirmando que abriria um diálogo so-bre alternativas à transposição e nãocumpriu com sua palavra. Ele mentiupara o Brasil e demonstrou a falta de se-riedade desse governo com o povo, nosempurrando um projeto goela abaixo,numa total falta de respeito"

Dom Frei Luiz Flávio Cappio, 10/06/07,

Jornal O Tempo

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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

“A transposição não vai começar; se começarnão vai continuar; se continuar não vai termi-nar; se terminar não vai funcionar. Trata-se deuma grande mentira".

Apolo Heringer Lisboa, Projeto Manuelzão/UFMG

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“O governo acena com assentamento de reforma agrária aolongo dos canais da transposição. É um presente de grego. Ali ocristalino está à flor da terra. Em outros termos, é pura pedra, sal-vo pequenas manchas férteis”.

Roberto Malvezzi, Gogó

Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

“A população difusa do Nordeste, aquelaque reside nos pés de serra, grotões, sítios efazendas, a qual é assistida sistematicamentepor frotas de carros-pipa, esta não verá umagota sequer das águas do rio São Francisco.Nesse sentido, existem fortes indícios de que arealização do projeto possa perpetuar a chama-da Indústria da Seca na região”.

João Suassuna, engenheiro agrônomo e técnico

em recursos hídricos da Fundação Joaquim Nabuco

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23A TRANSPOSIÇÃO, UMA ANÁLISE

Agência Nacional das Águas: www.ana.gov.brNo menu à direita, entrada para uma página com infor-mações sobre o Atlas Nordeste, portifólio de projetospara combate à seca nas áreas urbanas em municípioscom mais de 5 mil habitantes em todo semi-áridobrasileiro.

Articulação no Semi-Árido Brasileiro:www.asabrasil.org.brReúne informações sobre o Semi-Árido Brasileiro esobre iniciativas como o programa Um Milhão de Cis-ternas Rurais.

Banco Mundial: www.bancomundial.org.brEntre em “Temas" no menu superior, depois, à esquerda,em “O Banco Mundial e o setor de água no Brasil". Emseguida localize a Série de publicações Água Brasil.Atenção especial para o capítulo 7: Transferência de águaentre Bacias Hidrográficas.

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco:www.cbhsaofrancisco.org.brNele estão informações sobre o Comitê e a bacia do SãoFrancisco, além de estudos, declarações e deliberações so-bre a transposição.

Ecodebate: www.ecodebate.com.brDisponibiliza notícias sobre meio ambiente.

Fundação Joaquim Nabuco: www.fundaj.gov.brInstituição ligada ao Governo Federal que tem por objeti-vo, dentre outras coisas, promover atividades científicas eculturais, visando à compreensão e ao desenvolvimentoda sociedade brasileira, prioritariamente a do Norte e doNordeste do país.

João Suassuna: www.joaosuassuna.hpg.ig.com.brSite pessoal do pesquisador. Contêm estudos e artigos so-bre vegetação, pecuária, sistemas de produção e recursoshídricos da realidade nordestina.

Ministério da Integração Nacional: www.mi.gov.brEm “Destaques", coluna à direita, entre em “Projeto SãoFrancisco". Veja o Relatório de Impacto Ambiental daobra (formato PDF).

Projeto Manuelzão: www.manuelzao.ufmg.brDisponibiliza artigos sobre a transposição e informaçõessobre a Meta 2010, que propõe o objetivo de navegar,pescar e nadar no Rio das Velhas, afluente do São Fran-cisco, na região metropolitana de Belo Horizonte até oano de 2010.

Uma vida pela vida: www.umavidapelavida.com.brSite do Frei Luiz Cappio, que fez greve de fome contra atransposição. Contem informações e artigos sobre o tema.

Mais informações

“Uma análise acurada mostra que oprojeto está bastante descolado da reali-dade da região, pois, não leva em conside-ração a existência, em praticamente todosos estados, de uma importante infra-estru-

João Abner Guimarães Jr, Prof. Dr de

Hidrologia e Irrigação da UFRN

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Lendo esta publicação, você acredita que os pes-quisadores (hidrólogos, geólogos, biólogos, etc) ouvidospara as reportagens, assim como representantes da Or-dem dos Advogados do Brasil desconhecem os argu-mentos que utilizam? Pode as organizações em defesadas populações pobres e da justa utilização dos recursosnaturais (como Pastoral da Terra, Projeto Manuelzão,Articulação no Semi-Árido) ou mesmo os povos indíge-nas estarem interessados em promover grandes gruposde agronegócio? Afinal, qual o interesse de Ciro Gomese do Governo Federal em fazer estas acusações e dar iní-cio a esta obra que não vai solucionar os problemas dequem convive com a seca?

Sem resposta

“A população difusa do Nordeste, aquelaque reside nos pés de serra, grotões, sítios efazendas, a qual é assistida sistematicamentepor frotas de carros-pipa, esta não verá umagota sequer das águas do rio São Francisco.Nesse sentido, existem fortes indícios de que arealização do projeto possa perpetuar a chama-

João Suassuna, engenheiro agrônomo e técnico

em recursos hídricos da Fundação Joaquim Nabuco

PESSOALFO

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Tribos indígenas e movimentos sociais ocuparam Cabrobró no final dejunho e foram retirados pela polícia no início de julho

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AGOSTO - 2007

Solo rachado, animais morrendo de sede, pessoas pas-

sando fome, árvores secas, quilômetros e quilômetros sem

que uma gota d’água seja avistada. O cenário descrito é o

de uma região hostil à vida em função de sua aparente

ausência de água. Aparente? Sim, o semi-árido brasileiro é,

dentre as regiões semi-áridas do mundo, o que possui

maiores índices de chuva. Também possui uma rica biodi-

versidade. O que falta é investir de fato no desenvolvimento

de tecnologias que permitam conviver com ele. E não criar

novos problemas a partir da artificialização do ambiente.

Especialistas apontam que a resposta de como tornar

isso possível já foi dada pelo homem e pela própria na-

tureza. Não se trata de uma obra faraônica extrema-

mente complexa, incer ta e cara, resta saber que não é

nada disso. Muito pelo contrário. Alternativas simples

provam que o nosso semi-árido está cheio de vida.

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