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REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL Ano 5 · Número 4 · INVERNO ARTIGOS COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA RECENSÕES NA WEB CRÓNICA DA ACTUALIDADE

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REVISTADEFINANÇASPÚBLICASEDIREITOFISCALAno 5 · Número 4 · iNverNo

ARTIGOSCOMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIARECENSÕESNA WEBCRÓNICA DA ACTUALIDADE

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ÍNDICE

Editorial – Eduardo Paz Ferreira ......................................................... 9

ARTIGOS

Miguel Cadilhe – Políticas contra o desmazelo florestal ....................... 13

Eduardo Paz Ferreira e Ana Perestrelo de Oliveira – A boa fé doEstado e a tutela da confiança do contraente privado: o ressarcimentodo “dano da confiança” perante recusa de visto do Tribunal de Contas ... 27

Rui Duarte Morais – Justiça Tributária e competitividade ................... 55

António Martins – A dedutibilidade dos juros e a noção de “atividade”das sociedades: a propósito do artigo 23.º do CIRC ............................... 79

Dulce Manuel Neto – A Jurisprudência da Secção de Contencioso Tri ‑butário do STA. Notas e reflexões. Velhas questões. Novas soluções ..... 113

António Carlos dos Santos e Clotilde Celorico Palma – A Adminis‑tração Tributária e os sistemas de informação – entre transparência eprotecção do sigilo fiscal ......................................................................... 135

Cláudia Dias Soares – The Portuguese Energy Tax until 2011: Anenvironmental friendliness impact assessment ....................................... 173

António Brigas Afonso – Novas tendências da fiscalidade na área dosImpostos Especiais de Consumo ............................................................. 201

Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins e Ana Calado Pinto– O conceito de endividamento líquido no novo regime financeiro dasautarquias locais e das entidades intermunicipais: estudo prévio deimpacto potencial .................................................................................... 213

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JURISPRUDÊNCIA

Nuno Oliveira Garcia e Andreia Gabriel Pereira – Tréguas na Exe ‑cução. Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,de 24 de outubro de 2012 (Processo n.º 01042/12), 2.ª Secção (RelatoraConselheira Isabel Marques da Silva) ..................................................... 231

Nuno Cunha Rodrigues – Tratado sobre o Mecanismo Europeu deEstabilidade. Comentário ao acórdão do Tribunal de Justiça da UniãoEuropeia, Processo C ‑370/2012, de 27 de novembro de 2012 ............... 241

João Menezes Leitão – A desconformidade europeia da regulaçãonacional de tributação à saída de pessoas coletivas: o caso portuguêsC ‑38/10.Comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de setem ‑bro de 2012, Comissão/Portugal, C ‑38/10 .............................................. 249

Rita de la Féria e Catarina Belim – IVA nas Transacções Financeiras:sobre o Tratamento da Gestão de Carteiras de Títulos. Comentário aoAcórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia em Deutsche Bank,de 19 de julho de 2012 (Processo C ‑44/11), Tribunal de Justiça, SegundaSecção (Relator Juiz A. Rosas) ............................................................... 259

Síntese de acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia emmatéria fiscal do trimestre ....................................................................... 277

Síntese de acórdãos do Tribunal Constitucional do trimestre .............. 293

Síntese de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, Secção doContencioso Tributário, do trimestre .................................................... 297

Síntese de acórdãos do Centro de Arbitragem Administrativa emmatéria fiscal do 3.º trimestre de 2012 .................................................... 311

Síntese de acórdãos do Tribunal de Contas do trimestre ...................... 329

RECENSÕES

Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso de Freitas Rochaet aliud, por Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins ........................... 339

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7Índice

Keynes/Haye: O confronto que definiu a economia moderna deNicholas Wapshott, por Rute Saraiva ..................................................... 343

A Parafiscalidade na Actividade Seguradora – Aspectos Materiais eProcedimentais de Rogério M. Fernandes Ferreira, João ParreiraMesquita, por Ana Luisa Fernandes ........................................................ 349

Publicações Recentes por Marta Caldas ..................................................................................... 351

NA WEB Visita ao site Portugal Economy Probe, por Mónica Velosa Ferreira ..... 355

CRÓNICA DE ACTUALIDADE

Ponto de situação dos trabalhos na União Europeia e na OCDE– Principais iniciativas do Trimestre por A. Brigas Afonso e ClotildeCelorico Palma ........................................................................................ 361

1. Imposto sobre o Valor Acrescentado .................................................. 3612. Impostos especiais de consumo harmonizados, imposto sobre veículos e união aduaneira ............................................................................... 363

Conferências nacionais e internacionais, por Marta Jacques Pena ..... 367

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EDITORIALEduardo Paz Ferreira

Este número da Revista sai a público num momento especialmente dramático da vida portuguesa, com todos os indicadores económicos e financeiros a ultrapassarem as mais pessimistas expectativas e a situarem‑se em patamares muito diferentes daqueles para que o Governo apontara.

A política de austeridade a que a União Europeia se tem mantido agarrada, apesar de todas as evidências de se tratar de uma opção suicida para as populações europeias, confirma toda a inadequação para lidar com a crise.

O descontentamento que vai sendo expresso de forma evidente nas ruas (Portugal) ou nas urnas (Itália) parece importar pouco a quem decide e, no entanto, aqui se joga o futuro dos Estados, da União Europeia e do próprio sistema democrático.

Neste quadro de absoluto desencanto e amargura, a sucessão daquilo que parecem ser sucessivas práticas de abuso do poder em matéria de finanças públicas, impostos ou segurança social causa um natural mal‑‑estar a quantos reflectem sobre estas matérias.

A expectativa criada em torno da decisão que venha a tomar o Tri‑bunal Constitucional, implicitamente chamado a assumir um papel que deveria caber, em primeira linha a agentes políticos, é grande. A pressão sobre o Tribunal também. A ela não nos juntaremos.

Temos, no entanto, que reafirmar que a defesa dos direitos dos cida‑dãos nas áreas financeira e fiscal são uma trave mestra do Estado de Direito e uma garantia da autonomia pessoal e da cidadania.

É necessário que todos reflictamos, seriamente e sem preconceitos, sobre quais os caminhos que a sociedade portuguesa poder trilhar. Não é

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possível ignorar a tragédia humana do desemprego, da fome, da emigra‑ção, que atinge tantos dos nossos compatriotas. Não se pode, também, pretender que a evolução da economia portuguesa, ainda por cima num contexto global europeu recessivo, permita um processo de regeneração em que o país recupere a sua viabilidade.

Qualquer que seja a denominação porque se opte, é necessário encetar com decisão um processo de revisão da ajuda financeira externa e das suas condições, bem como da sustentabilidade dos níveis da dívida pública portuguesa.

Quanto mais tarde se actuar pior será a situação para nós, como para a União Europeia e para os nossos credores que não parecem, todavia, inclinados a compreendê‑lo. Compete, então, a Portugal fazê‑los sentir e mostrar determinação no combate por uma Europa mais justa e mais conforme ao projecto de integração que levou à nossa adesão.

Pela nossa parte, continuaremos a seguir com a maior atenção a situa ção portuguesa e a batermo‑nos por uma fiscalidade mais justa e mais eficiente e por umas finanças públicas que correspondam às necessidades e anseios da população portuguesa. Foi este o projecto fundador desta Revista e dele não abdicaremos.

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ARTIgOS

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Miguel Cadilhe

Políticas contra o desmazelo florestal

Miguel CadilheEconomista

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RESUMO:

Escrevi a presente nota em Agosto de 2010, a pedido da Forestis, Associação Florestal de Portugal, e do seu presidente professor Francisco Carvalho Guerra. A nota serviu de base a diversas exposições da Forestis, designadamente ao Governo, mas – que se saiba – delas não houve pleno acolhimento.

O que sugeri à Forestis foi eleger uma questão relacionada com o flagelo dos incên‑dios florestais e, a propósito dessa questão, fazer ou refazer propostas de medidas num conjunto devidamente articulado à luz de um princípio simples mas primordial.

A questão eleita foi a do “desmazelo” florestal, que é um dos factores a montante dos incêndios florestais. Ainda que o primarismo da palavra “desmazelo” haja arrepiado naturais sensibilidades, mantenho a expressão porque a força que ela encerra parece ‑me proporcionada ao que verdadeiramente está em causa.

E o princípio eleito foi o da discriminação a favor do zelo do pequeno proprietário, mais ainda se ele estiver integrado numa zona de intervenção florestal de efectiva actuação contra o “desmazelo”*.

Palavras ‑chave:Incêndios florestais“Desmazelo” florestalPrincípio da discriminação

* A nota de Agosto de 2010 foi agora levemente alterada e reorganizada, mas as refe‑rências a diplomas legais mantêm ‑se à época de Agosto 2010. A nota beneficiou, à época, de comentários de vários pares do autor no Conselho Superior da Forestis, de entre os quais: Américo Mendes, Arlindo Cunha, João Ferreira do Amaral, Luís Braga da Cruz, Rosário Alves. O texto é, porém, da exclusiva responsabilidade do autor. Não vincula a Forestis.

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1. O “desmazelo” florestal é um facto, não carece de comprovação, está à vista, salta sazonalmente para as primeiras páginas da comunica‑ção social em plenos incêndios florestais, consta de todos os documentos de defesa das florestas, sejam relatórios ou planos, sejam preâmbulos e articulados dos principais diplomas legais.

Como afirmam responsáveis operacionais: «tudo o que arde, cinco anos depois está pronto para arder novamente»; ou “os incêndios flores‑tais não se combatem, evitam ‑se”.

As leis referem ‑se ao “desmazelo” inúmeras vezes mas fazem ‑no por outras palavras, quer chamando ‑lhe “abandono”, “absentismo”, “negligên‑cia”, “incúria”, quer falando eufemisticamente, por vezes, em “remoção de biomassas”, “gestão de combustíveis”, “acumulação de resíduos”.

2. Os municípios (e os seus gabinetes técnicos florestais) vêm tendo intervenção crescente em matéria de combate ao “desmazelo” e aos incêndios florestais.

O certo é que a lei 21/2006 e a lei 12/2006, com o DL 124/2006, já atribuem poderes ao município para este intervir, sob certas condições, em prédios florestais “desmazelados”, pelas seguintes vias: agravando o IMI; instaurando contra ‑ordenações; aplicando coimas; limpando os prédios e ressarcindo ‑se das despesas.

Na presente nota sugere ‑se que seja concedido maior e mais forte protagonismo aos municípios e alianças inter ‑municipais, em bom diá‑logo com o associativismo florestal. E sugere ‑se que sejam incentivadas as ZIF, zonas de intervenção florestal.

Posicionam ‑se nesta linha de reforçada subsidiariedade e descen‑tralização as propostas que se enunciam. Se há coisas que os cidadãos munícipes sentem na pele e na alma, o flagelo dos fogos florestais é seguramente uma delas. E a proximidade do poder municipal ajuda no conhecimento do “desmazelo” e dos “desmazelados”, assim como o responsabiliza mais directamente pela actuação ou falta dela.

As despesas da limpeza compulsiva, sendo ressarcidas à custa dos proprietários “desmazelados”, não têm que sobrepesar o orçamento da administração local.

3. O “desmazelo” é relativamente comum a quase todos os pequenos proprietários ou equiparáveis, os quais, aliás, como se sabe, correspon‑

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dem à maioria esmagadora dos titulares das explorações florestais (em número, que não em área).

As causas do “desmazelo” dos pequenos proprietários estão bem diagnosticadas, vão desde o despovoamento rural até aos custos da limpeza florestal por terceiros.

E passam por falhas, desatenções e lentidões do Estado nas suas múltiplas personalidades, como regulador, fiscalizador, autoridade judicial, cadastral, fiscal.

Por exemplo, o regime fiscal “não penaliza os proprietários que negligenciam a gestão e só muito superficialmente toca o pequeno pro‑prietário rural, que não é praticamente afectado pelos agravamentos e desagravamentos de impostos” (preâmbulo da RCM 114/2005, «Estratégia Nacional para as Florestas»).

A intervenção administrativa das autoridades deve ser exigente, limpa, mas simples e compreensiva. Não deverão ser exigidas aos pequenos proprietários formalidades documentais da gestão das suas propriedades para além dos registos prediais públicos. Um regime muito simplificado permitirá não os afastar do processo. Por exemplo, para pro‑cessar um incentivo, fiscal ou financeiro. Se por observação local objectiva ele tiver executado a maior parte do que lhe era exigido, sem importar como o fez, quem o fez, desde que o tenha conseguido dentro do prazo fixado, deverá considerar ‑se que cumpriu. O resultado substantivo deve prevalecer sobre a forma.

4. Em alguns casos, o mau exemplo do “desmazelo” tem sido dado pelo próprio Estado em florestas de sua propriedade ou de sua responsabilidade (baldios). Por maioria de razão, os prédios florestais “desmazelados” do sector público deverão também cair na alçada dos poderes ‑deveres dos municípios de intervir com contra ‑ordenações, coimas, limpezas substitutivas e ressarcíveis, suspensão de isenções do IMI.

As deficiências cadastrais são um dos problemas mais arrastados de que as florestas padecem. Ora, também aí, os municípios e as juntas de freguesia podem dar soluções práticas, intercalares e expeditas. Em mui‑tos casos, as famílias nativas e residentes conhecem, por tradição ou por vizinhança, quem é o titular do prédio rústico “desmazelado”, o primitivo ou o seu sucessor. Se de todo em todo ele não for identificável, restará a

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intervenção municipal “como se” o prédio fosse pertença do município com ulterior encontro de contas (a lei já o permite).

5. Os trabalhos municipais de limpeza dos prédios “desmazelados”, ainda que em parte ressarcíveis à custa dos proprietários, exigem apre‑ciável montante de recursos financeiros. Contudo, as finanças públicas estão como estão, com pesados excessos de despesa, de carga fiscal, de défice e de dívida.

Ora, de um lado, o País tem o grave problema dos incêndios flores‑tais, do outro lado tem pessoas subsidiadas, ociosas e improdutivas, e tem estruturas militares capazes de organizar serviços cívicos e comunitários.

Sugere ‑se que a Forestis proponha um regime de mobilização cívica dos beneficiários de subsídios sociais desde que não estejam incapacitados de prestar serviço comunitário na floresta “desmazelada”. A logística de uma tal mobilização poderia ser assegurada pelas Forças Armadas (FA) e pela GNR, esta, além do mais, absorveu a antiga guarda florestal.

Objectar ‑se ‑á que a «mobilização cívica» de pessoas dependentes de subsídios de desemprego, e equiparáveis, chocaria com as funções sociais do Estado. Mas o facto é que chocantes têm sido os incêndios florestais e as suas consequências. A insatisfação com a situação dos incêndios florestais é de tal modo generalizada que, por certo, muitos cidadãos veriam com agrado a tomada de medidas sérias, mesmo que arrastando sacrifícios, se nelas vissem efectiva intervenção a bem do ordenamento do território, não só a intervenção dos abnegados bombei‑ros nas épocas dos incêndios.

De qualquer modo, não se trataria de meter as pessoas em quartéis e casernas, nem de as submeter a uma espécie de serviço militar ou para‑militar obrigatório. Tratar ‑se ‑ia apenas de usar as capacidades das FA e da GNR para organizar missões, salvaguardando sempre o respeito pelas pessoas mobilizadas e pela sua liberdade de escolha. Quando capazes, a alternativa à «mobilização cívica» seria os mobilizandos renunciarem ao subsídio social: quem não quisesse, poderia optar por prescindir do subsídio.

Nos seus contornos gerais, a ideia não é propriamente nova, tem sido ventilada por autores, instituições e partidos políticos. Trata ‑se de um desafio à coerência e á força da razão, dificílimo de assumir e de pôr em prática, ainda que a solução seja socialmente útil, justa e razoável.

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6. Sugere ‑se que as propostas da Forestis assentem neste princípio: Quem é pequeno e cuida, tem prémio. Quem não cuida, seja grande ou pequeno, tem castigo.Há defensores deste princípio, ainda que enunciado de diversas

formas, explícita ou implicitamente. A definição de pequeno proprietário fica em aberto e deverá atender

ao somatório das suas parcelas, não a cada parcela isolada. A justificação para premiar só o “pequeno” decorre de razões sociais (políticas redis‑tributivas e equidade), razões económicas (rentabilidade, racionalidade empresarial, economias de escala) e razões orçamentais (receita fiscal cessante, muito comedida se o prémio se restringir aos “pequenos”). Contra a discriminação a favor dos “pequenos” dir ‑se ‑á, porém, que isso motiva e incentiva o parcelamento, ou a manutenção dele, em vez do emparcelamento.

Igualmente, fica em aberto a definição de “prédio florestal desma‑zelado”. Para o efeito, existe já o conceito de “prédio em situação de abandono”, que nos é dado pelo n.º 10 do artigo 112.º do Código do IMI, após a alteração introduzida pela lei 21/2006.

Diz o n.º 10 do artigo 112.º do CIMI: «Consideram ‑se prédios rústicos com áreas florestais em situação de abandono aqueles que integrem terrenos ocupados com arvoredos florestais, com uso silvo­­pastoril ou incultos de longa duração, e em que se verifiquem, cumu‑lativamente, as seguintes condições: a) Não estarem incluídos em zonas de intervenção florestal (ZIF) (…); b) A sua exploração não estar submetida a plano de gestão florestal elaborado, aprovado e executado nos termos da legislação aplicável; c) Não terem sido neles praticadas as operações silvícolas mínimas necessárias para reduzir a continuidade vertical e horizontal da carga combustível, de forma a limitar os riscos de ignição e propagação de incêndios no seu interior e nos prédios confinantes.»

E acrescenta o n.º 11: «Constitui competência dos municípios proceder ao levantamento dos prédios rústicos com áreas florestais em situação de abandono e à identificação dos respectivos proprietários, até 30 de Março de cada ano, para posterior comunicação à Direcção‑­Geral dos Impostos.»

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Segundo esta disposição, os prédios de uma ZIF não podem ser classificados como “em situação de abandono”, condição que se sugere seja mantida desde que, realce ‑se a recondição, a ZIF esteja em efectivo funcionamento, ou em vias disso, e dê provas de combater o “desmazelo”. De facto, das 127 ZIF constituídas, à data da presente nota, nem todas estão a cumprir requisitos mínimos de efectividade.

Em anexo, constam as medidas sugeridas e constam também alguns complementos do que acima vai dito. A lógica de conjunto de que bene‑ficiam todas as propostas poderá ajudar a justificar a sua subscrição pela Forestis e o seu encaminhamento.

Em suma, o que se propõe é a discriminação entre quem cuida e quem não cuida a floresta, isto é, entre proprietários zelosos e proprietá‑rios “desmazelados”. Propõe ‑se premiar os primeiros quando eles forem pequenos; quando eles forem grandes, propõe ‑se não premiar nem penali‑zar. E propõe ‑se penalizar os segundos, sejam pequenos ou grandes. Além disso, propõe ‑se premiar adicionalmente os primeiros quando integrados em ZIF efectiva.

ANEXO

Medidas sugeridas contra o desmazelo florestal1

Foram consideradas 6 hipóteses (H1 a H6), conforme o zelo ou o desmazelo do pequeno proprietário e conforme haja ou não haja ZIF e, havendo, esta seja ou não efectiva no combate ao desmazelo:

– H1, proprietários zelosos fora de ZIF: terão os prémios A1 e A2.– H2, proprietários zelosos dentro de ZIF sem que esta demonstre

efectividade anti ‑desmazelo: igual a H1.– H3, proprietários zelosos dentro de ZIF com efectividade anti‑

‑desmazelo: terão os prémios maiores C1 a C5.

1 As medidas que vão propostas em anexo não são de inédita formulação. Sobre as fiscais, veja ‑se, por todos, Sérgio Vasques, artigo «A Fiscalidade da Floresta Portuguesa», in Fiscalidade n.º 25, 2006. As medidas são passíveis de graduações diferentes das que vão exemplificadas no texto.

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– H4, proprietários desmazelados fora de ZIF: não só perderão aque‑les prémios como terão os contra ‑incentivos B1 a B3, ou D3.

– H5, proprietários desmazelados dentro de ZIF sem efectividade anti ‑desmazelo: igual a H4.

– H6, proprietários desmazelados dentro de ZIF com efectividade anti ‑desmazelo: por definição, será conjunto vazio.

A) Quanto aos prédios bem cuidados de pequenos proprietários

Proposta A1)

Quem, sendo pequeno, cuidar dos seus prédios florestais, poderá ver o município desagravar o IMI para metade ou para zero (não pre‑visto na lei).

Proposta A2)

Quem, sendo pequeno, cuidar dos seus prédios florestais, terá isen‑ção de IVA sobre despesas dos cuidados florestais até certo montante por hectare (assim reforçando o regime vigente (à data da nota), que já faz incidir IVA à taxa reduzida de 5%, independentemente das dimensões do fornecimento e do fornecido, conforme a lei 21/2006).

A lista I (taxa reduzida) anexa ao CIVA inclui: «4 – Prestações de serviços silvícolas: 4.1 – Prestações de serviços de limpeza e de inter‑venção cultural nos povoamentos, realizadas em explorações agrícolas e silvícolas.»

Não se inclui nenhuma proposta sobre IRS e IRC para não adensar ainda mais o documento e por se entender que estes impostos têm ‑se revelado, realmente e na prática, pouco relevantes para os rendimentos florestais dos “pequenos proprietários”, seja pelo valor, seja pela tradi‑cional informalidade tolerada, aliás, pelo Fisco.

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B) Quantos aos prédios “desmazelados”

Proposta B1)

Quem, sendo grande ou pequeno, privado ou público, não cuidar dos seus prédios florestais, poderá ver o município suspender qualquer tipo de isenção do IMI (mesmo que esta provenha do artigo 11.º do CIMI, ou do EBF, ou decorra da qualidade de ZIF,

etc) e agravar o IMI do singelo para o triplo, não podendo daí resultar colecta inferior a 100 euros por hectare “desmazelado”, independente‑mente da natureza pública ou privada dos prédios “desmazelados” e da sua localização dentro do concelho (assim reforçando, em diversas valências, o regime vigente que permite ir até ao dobro do IMI com mínimo fixo de 20 euros por prédio “em situação de abandono”, conforme a lei 21/2006).

Diz o n.º 9 do artigo 112.º do CIMI: «Os municípios, mediante deliberação da assembleia

municipal, podem majorar até ao dobro a taxa aplicável aos prédios rústicos com áreas florestais que se encontrem em situação de abandono, não podendo da aplicação desta majoração resultar uma colecta de imposto inferior a 20 euros por cada prédio abrangido.» Registe ‑se que parece muito pouco o mínimo de 20 euros de IMI por ano e por prédio “desmazelado”. Ainda por cima, os irrisórios 20 euros anuais valem qualquer que seja a área. Por isso, na proposta B1 o mínimo é aumentado e posto em proporção da área: 100 euros por hectare.

E, quanto à isenção de IMI das entidades públicas, diz o artigo 11.º do mesmo código: «Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis o Estado, as Regiões Autónomas e qualquer dos seus serviços, estabelecimen‑tos e organismos, ainda que personalizados, compreendendo os institutos públicos, que não tenham carácter empresarial, bem como as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público.»

Proposta B2)

Quem, sendo grande ou pequeno, privado ou público, não cuidar dos seus prédios florestais, poderá ver o município aplicar ‑lhe contra‑‑ordenação e coima, independentemente da natureza pública ou privada

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dos prédios “desmazelados” e da sua localização dentro do concelho (assim reforçando e alargando o regime vigente, o qual obedece a certas condições, conforme o DL 124/2006 subsequente à lei 12/2006, estando as coimas fixadas entre 140 e 5 000 euros para pessoas singulares e entre 800 e 60 000 euros para pessoas colectivas).

Proposta B3)

Quem, sendo grande ou pequeno, privado ou público, não cuidar dos seus prédios florestais, poderá ver o município chamar a si a limpeza dos prédios “desmazelados”, e disso se ressarcir por inteiro, incluindo IVA, independentemente da natureza pública ou privada dos prédios “desma‑zelados” e da sua localização dentro do concelho [(assim reforçando e alargando o regime vigente, o qual obedece a certas condições, conforme o mesmo DL 124/2006); (comparando com a proposta A2, discrimina ‑se no IVA contra o “desmazelado”)].

C) Quanto às ZIF, desde que estas preencham certos requisitos de efectividade em dado prazo, incluindo requisitos “anti ‑desmazelo”, a definir 2

Proposta C1)

Os prédios aderentes às ZIF e os seus proprietários beneficiarão de isenção de IMI durante n anos a partir da constituição da ZIF (não previsto na lei, a confirmar).

Proposta C2)

Os prédios aderentes às ZIF e os seus proprietários beneficiarão de isenção de IMT em transacções dentro da ZIF, durante n anos a partir da constituição da ZIF (não previsto na lei, a confirmar).

2 Colhe o exemplo das três ZIF geridas pela Associação Florestal do Vale do Sousa, a qual atravessa seis municípios. Sugere ‑se que, para se chegar aos ditos requisitos por via indutiva, seja ouvido o presidente dessa Associação professor Américo Mendes. Veja ‑se o seu artigo, entre outros, no Público de 18 08 2010.

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Proposta C3)

Os prédios aderentes às ZIF e os seus proprietários beneficiarão de isenção de IS em transacções dentro da ZIF, durante n anos a partir da constituição da ZIF (não previsto na lei, a confirmar).

Proposta C4)

Os prédios aderentes às ZIF e os seus proprietários beneficiarão de isenção de IVA como na proposta A2).

Proposta C5)

Os prédios aderentes às ZIF e os seus proprietários beneficiarão, em cada momento, do «melhor tratamento» do FFP, Fundo Florestal Perma‑nente, e do PRODER, de acordo com aplicação analógica da chamada «cláusula da nação mais favorecida».

D) Quanto à execução dos trabalhos municipais de limpeza compul‑siva dos prédios florestais “desmazelados”

Proposta D1)

Será criado, com as inerentes logísticas e operacionalidades, um regime de «mobilização cívica» dos beneficiários de subsídio de desem‑prego e de rendimento social de inserção que não sejam incapazes de executar trabalhos de limpeza florestal em prédios “desmazelados”.

Adenda em Novembro de 2012Defendo, como outros defendem, a ideia de um programa que

conjugue subsídio de desemprego (SD) e limpeza da pequena floresta.As pessoas que estão a receber SD são 440 mil desempregados.Quem não quisesse cumprir o programa, poderia recusar ‑se, mas

então perderia o SD, salvo razões de saúde.Vamos supor que 400 mil estariam em condições de trabalhar na

limpeza das florestas, devidamente formados e enquadrados por mili‑tares e pela sua logística.

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Vejamos umas contas muito simples.As pequenas propriedades florestais são uns 2 milhões de ha.(Sabemos que 1 ha é aproximadamente 1 campo de futebol).Vamos supor, folgadamente, que a limpeza de 1 ha de floresta

tomaria, em média não esforçada, 10 dias úteis (DU) de 1 pessoa, ou 2 DU de uma equipa de 5 pessoas.

Teríamos então 50 DU para realizar toda esse “programa” que é função social.

Admitamos que possa haver imprevistos como meteorologias anor‑malmente adversas, orografias muito pouco acessíveis (embora a média folgada já as contemple), avarias, baixas médicas, etc. Vamos majorar o tempo em quase +1/3: seriam 66 DU, ou seja 3 meses. A execução do “programa” no terreno ocuparia Março, Abril, Maio.

A preparação, o planeamento, a formação, a organização e o comando da execução do “programa” estariam a cargo do Exército com o apoio da GNR, dos bombeiros e dos municípios.

Essa é a ideia. E de facto, o que há ou houve? Suponho que há apenas um pequeno protocolo denominado “Operacionalização dos contratos de emprego/inserção”, de 6 de Abril de 2011, entre Minis‑tério da Administração Interna, Ministério da Agricultura, Ministério do Trabalho e da Solidariedade. Estamos a falar de diferentíssimas dimensões e escalas, pois o protocolo visa apenas mil destinatários/ano (versus os 400 mil supramencionados) e não inclui as Forças Armadas na ”operacionalização”.

Proposta D2)

Será prevista dotação orçamental em sede adequada para acorrer aos encargos da mencionada «mobilização cívica», como formação, ali‑mentação, deslocações, utensílios, ferramentas, equipamentos, seguros, remoções dos lixos e biomassas, etc.

Proposta D3)

Será concedido aos municípios poder de requisitar e utilizar servi‑ços ao abrigo do dito regime de «mobilização cívica», com o dever de os municípios providenciarem o ressarcimento das despesas à custa dos

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proprietários “desmazelados” (tal como em proposta B3), incluindo IVA, incluindo também custos salariais estimados com base nos supracitados subsídios sociais.

Proposta D4)

De modo a evitar imobilizações financeiras nos municípios, será previsto e montado um «mecanismo de refinanciamento» dos municípios junto de uma entidade tutelada pelo Ministério que tutela as florestas (por exemplo, FFP, Fundo Florestal Permanente), imediato e intercalar, até que o ressarcimento seja consumado, incluindo juros devidos pelo proprietário “desmazelado” que reverterão para a entidade refinanciadora.

E) Quanto ao cadastro florestal

O cadastro dos prédios florestais deverá ter dotação orçamental espe‑cialmente reforçada, sob expressa orientação de acelerar prioritariamente os cadastros nos municípios mais flagelados pelos incêndios florestais (por exemplo, por esta ordem, zonas das classes V a III, risco de incêndio florestal muito alto, alto, médio, conforme DL 124/2006).

F) Quanto aos apoios financeiros

Na concessão de apoios do FFP, Fundo Florestal Permanente, do PRODER e de outros meios financeiros de efeito equivalente, deverão ser consideradas prioritárias as decorrências de todas as propostas supra‑mencionadas, especialmente B3, C5, D1 a D4.

G) Quanto ao papel dos municípios e alianças intermunicipais

Aposta ‑se em mais intervenção municipal e intermunicipal contra o “desmazelo” florestal, o que, em parte, é questão de alargamento e apro‑fundamento dos já existentes poderes legais atribuídos aos municípios. Assim emergem as propostas A1, B1, B2, B3, D3.

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Eduardo Paz FerreiraAna Perestrelo de Oliveira

A boa fé do Estado e a tutela da confiançado contraente privado: o ressarcimento

do “dano da confiança” perante recusa de vistodo Tribunal de Contas

Ana Perestrelo de Oliveira Professora Auxiliar da Faculdade de Direito de Lisboa

Eduardo Paz FerreiraProfessor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa

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RESUMO:

O artigo analisa o princípio da boa fé no direito público, na vertente da proteção da confiança do particular, a propósito do direito deste à compensação dos danos sofridos em caso de recusa de visto prévio pelo Tribunal de Contas a um contrato já em curso de execução.

Palavras ‑chave: Boa féProteção da confiançaRecusa de visto do Tribunal de Contas

ABSTRACT:

This paper examines the principle of good faith in public law and the protection of citizens’ legitimate expectations, taking as an example the right of the private contractor to compensation in case the Court of Auditors refuses the seal approval of a contract already under execution.

Keywords:Good faithLegitimate expectationsCourt of Auditors’ seal approval refusal.

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1. O ressarcimento do contraente privado em caso de recusa de visto: o art. 45.º/3 LOPTC como concretização do princípio da boa fé (tutela da confiança)

A Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal de Contas (LOPTC) permite, no artigo 45.º/1, que o contrato sujeito a visto prévio comece a ser executado antes da decisão de concessão ou recusa do visto, não obstante o risco de ilegalidade do mesmo. Podendo o contrato produzir efeitos, salvo financeiros, previamente à decisão do Tribunal de Contas, coloca ‑se a questão de saber sobre quem deverá recair o risco da eventual ilegalidade que venha a ser determinada por este órgão, problema que o art. 45.º/3 vem resolver, ao dispor que “os trabalhos realizados ou os bens ou serviços adquiridos após a celebração do contrato e até à data da notificação da recusa do visto poderão ser pagos após esta notificação, desde que o respetivo valor não ultrapasse a programação estabelecida para o mesmo período”.

Está em causa, nesta norma, assegurar a tutela da confiança do con‑traente privado, que acreditou justificadamente na legalidade do contrato celebrado com o Estado e, com esse fundamento, fez investimentos e realizou despesas, que se veem frustrados pela recusa de visto1. A vigência de um princípio de tutela da confiança encontra ‑se, há muito, pacificada, mesmo sendo controvertida, no direito público, a respetiva derivação dogmática, normalmente ligada ao mais amplo princípio da boa fé. Já em 1958 escrevia o Tribunal Federal Administrativo alemão que também esta área do direito “é dominada pelo princípio da proteção da confiança segundo a boa fé”2. Esta fundamentação é, quanto a nós, ainda hoje inalie‑nável. Por consequência, o art. 45.º/3 é concretização do princípio da boa fé a que o Estado e a sua administração pública se encontram constitucional e legalmente vinculados (art. 266.º/2, da Constituição e do art. 6.º ‑A do Código de Procedimento Administrativo).

1 Os requisitos comummente apontados para a tutela da confiança encontram ‑se preenchidos: (i) situação de confiança; (ii) justificação para a confiança; (iii) imputação da confiança; e (iv) investimento de confiança. Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, I, 4.ª ed., Lisboa, 2012, 971; CArneiro dA FrAdA, Teoria da confiança e respon‑sabilidade civil, Coimbra, 2004, 872.

2 BVerwG v. 29.5.1958, DÖV 1958, 827.

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A aplicação do princípio da boa fé no direito público encontra ‑se, hoje, fora de dúvida, apesar das hesitações iniciais da doutrina3. Área pre‑ferencial da sua atuação é, naturalmente, a da contratação pública4. Como bem cedo escreveu BAuMAnn, tratando da boa fé no direito administrativo, “tal como vigora no direito privado o princípio segundo o qual os contratos devem ser cumpridos de acordo com a boa fé, a mesma máxima vale no direito público”5. Nem sequer se pode considerar, atualmente, procedente a ideia, expressa em 1935 por KArl HerMAnn sCHMitt, perante um direito administrativo “ainda jovem”, de que os pressupostos da aplicação do princípio da boa fé dificilmente se encontram preenchidos no direito administrativo6. A afirmação hoje só pode ser entendida na medida em que a extensão da vida social coberta pelo direito privado é naturalmente maior, sendo inerentemente mais frequentes os casos de recurso à boa fé, o que de forma alguma significa uma menor relevância do princípio no direito público ou dos inerentes deveres de boa fé do Estado. De resto, foi SCHMitt o primeiro a escrever que a injustiça deve ser, no direito público, tão pouco tolerada como no direito privado7.

A relevância dos deveres de boa fé do Estado é, aliás, especial‑mente clara na área da contratação pública, tendo em conta o poder de influência em que o ente público se encontra investido, que leva a que os deveres gerais de boa fé, previstos no art. 762.º/2, do Código Civil (CC), sejam até especialmente intensificados, em consonância com a máxima – transversal ao ordenamento jurídico e à qual o Estado não é estranho – segundo a qual “não há poder sem responsabilidade” (keine Herrschung ohne Haftung). Deste modo, se já em termos gerais o Estado se encontra vinculado ao respeito pelo princípio da boa fé, a intensificação in casu da respectiva esfera de poder conduz a especiais exigências de conduta,

3 Sobre elas, cf. Pedro Moniz loPes, Princípio da boa fé e decisão administra‑tivo, Coimbra, 2011, 213 ss.

4 Cf., a este respeito, Mário esteves de oliveirA/Pedro CostA GonçAlves/J. PACHeCo AMoriM, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed., Coim‑bra, 1997, 111.

5 Cf. MArCel BAuMAnn, Der Begriff von Treu und Glauben im öffentlichen Recht, Zürich, 131 e 132.

6 Treu und Glauben im Verwaltungsrecht, Berlin, 1935, 123.7 Treu und Glauben cit., 124.

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tendentes a evitar a utilização do poder de influência do ente público de modo prejudicial aos sujeitos com que se relaciona.

A boa fé é, em particular, relevantíssimo instrumento para garantir a correção material da conduta da administração pública, quer na vertente da tutela da confiança quer na da primazia da materialidade subjacente. Se no presente caso releva sobretudo a primeira, nem por isso deve esquecer ‑se que o princípio da boa fé, da mesma maneira que reclama a proteção das legítimas expectativas dos sujeitos jurídicos privados, exige, mais amplamente, a obtenção de soluções efetivas. Em particular, resulta do princípio da primazia da materialidade subjacente que o Estado tem de fazer uso da sua autonomia contratual em termos que correspondam, substantivamente, às finalidades que o ordenamento jurídico teve em vista com a atribuição ao mesmo dos seus poderes: esta exigência de um exercício material das posições jurídicas traduz ‑se, nomeadamente, numa proibição de abuso, ligada também ao princípio da proteção da confiança, do qual não é, afinal, cindível.

Resulta, portanto, do que escrevemos que partimos da visão segundo a qual a proteção da confiança anda associada à regra de conduta segundo a boa fé. Veremos, porém, que, mesmo que enveredássemos por uma “teo‑ria pura da confiança”8, as conclusões a que chegamos na nossa análise não seriam diferentes. Um corte com o arquétipo da responsabilidade por violação de deveres de conduta manteria, na verdade, inalterada a compreensão da regra do art. 45.º/3 e da sua real natureza jurídica. Tudo o que estaria então em causa seria reconhecer, como fundamento da tutela da confiança, não o princípio da boa fé, mas, diretamente, o princípio da justiça comutativa, enquanto forma compensatória de justiça relativa. Só haveria responsabilidade pela confiança quando o verdadeiro funda‑mento e critério de validade da obrigação de indemnizar fosse a criação‑‑defraudação da confiança, o que não aconteceria quando existe a violação de deveres de agir, pois que, se há violação de deveres, já não seria a confiança o fundamento da responsabilidade. Assim, boa fé e confiança deveriam permanecer arredadas: a confiança não seria protegida qua tale na regra de conduta de boa fé (exigência de correção, lisura, razoabili‑dade ou equilíbrio no relacionamento), até porque seria irrelevante saber, em muitas situações, se existe real confiança, antes sendo suficiente que

8 Na linha defendida, em Portugal, por CArneiro dA FrAdA, Teoria cit., passim.

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o sujeito devesse poder confiar. Quanto a nós, consideramos que deve manter ‑se a confiança enquanto fundamento do dever de agir segundo a boa fé9, além de que mesmo quem sustenta uma autonomização da tutela da confiança não deixa de reconhecer o papel da boa fé na racionalização das ponderações que abriga10.

No direito administrativo, a proteção da confiança apareceu, desde cedo, ligada à boa fé, conforme dissemos, ainda que este tenha sido apenas um dos múltiplos fundamentos apontados para a mesma. Julgamos, toda‑via, que estes não têm nem devem ser vistos em termos reciprocamente excludentes.

Em especial, a associação confiança–boa fé naturalmente não afasta o papel do princípio do Estado de direito quando se trata de fundamentar a tutela da confiança. Tal princípio implica não só a legalidade da admi‑nistração, mas também, em idêntica medida, a segurança e a paz jurídicas, estando, assim, em causa “um princípio constituinte da lei fundamental”11. Afinal do que se trata, como é sabido, é do próprio princípio da segurança jurídica na sua vertente individual mas sempre componente desse mais amplo conceito. Com esta fundamentação, torna ‑se mais fácil explicar o princípio da confiança enquanto “regra autossuficiente” (selbständige Rechtsregel)12 e critério de medidas administrativas.

Este princípio é, no direito administrativo, mais do que elemento fle‑xibilizador do direito vigente, tendo ascendido a direta diretriz de atuação da administração pública. Ora, como escreveu BlAnKe no ordenamento alemão, mas com plena aplicação entre nós, precisamente “pressuposto irrenunciável da materialização do princípio da proteção da confiança

9 Trata ‑se de posição sustentada pela segunda signatária deste parecer. Cf. AnA Perestrelo de oliveirA, Grupos de sociedades e deveres de lealdade, Coimbra, 2012.

10 A boa fé funcionaria como instância superior na cadeia de fundamentação, seria, pois, uma ideia de grau superior à da proteção da confiança, ainda que tivesse uma função intermédia ou meramente provisória (Durchgangsfunktion). Assim, cf. CArneiro dA FrAdA, Teoria cit., 868, que também escreve que «o preenchimento do conceito de boa fé anda portanto de par com o aprofundar dos fundamentos de uma responsabilidade pela confiança» (p. 873). Para uma síntese da evolução do reconhecimento da responsabilidade pela confiança, cf. CArneiro dA FrAdA, Die Zukunft der Vertrauenshaftung oder Plädoyer für eine «reine» Vertrauenshaftung, em FS für Canaris cit., 99 ‑113.

11 HerMAnn ‑JoseF BlAnKe, Vertrauensschutz im deutschen und europäischen Verwaltungsrecht, Tübingen, 2000, 16.

12 BlAnKe, Vertrauensschutz cit., 16.

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e, com isso, da sua transformação de ‘suavizador’ (“Weichmacher”) da ordem jurídica numa diretiva jus ‑administrativa de atuação, formação e decisão é a sua dedução orientada para a aplicação prática a partir dos princípios e regras da Constituição”13.

A derivação do princípio da proteção da confiança do princípio cons‑titucional da segurança jurídica explica o papel daquele na verificação, ex post, da legitimidade da decisão pública e exige a sua previsibilidade ex ante.

Mas tal fundamentação não é alternativa, antes cumulativa, com a derivação do princípio da boa fé. Esta foi, em especial, afirmada, desde cedo, no ordenamento alemão, pelo Bundesfinanzhof. O tribunal federal de finanças alemão desenvolveu, na verdade, a ideia logo em decisão de 195314, a propósito do reconhecimento de um caso de venire contra factum proprium, no direito fiscal. A decisão não ficou isenta de controvérsia, havendo quem tenha insistido na separação entre o venire e o princípio da proteção da confiança. A separação é, porém, quanto a nós, insustentável.

Independentemente da associação confiança – boa fé – segurança, julgamos também irrecusável que a proteção da confiança encontra suporte nos direitos fundamentais, como a doutrina posterior viria, crescentemente, a sublinhar, assumindo ‑se como proteção dos cidadãos contra ingerências do poder público. Assim, bem podemos afirmar que, em última análise, os direitos fundamentais são a “pátria dogmática do princípio da prote‑ção da confiança” (“dogmatische Heimat des Vertrauensschutsprizips”). O princípio desce, dessa forma, a um nível normativo dotado de maior concretização.

Em especial, não deixa de ser verdade que, em última análise, está também em causa um mandamento de proteção contra danos patrimo‑niais (“Vertrauensschutz als Vermögenschutz”), que vai encontrar as suas raízes no próprio direito constitucional à propriedade privada. Esta visão é particularmente importante no campo que nos ocupa, ainda que seja evidente que não é apenas este direito fundamental que está em jogo na tutela da confiança, podendo igualmente ser convocados outros, maxime de tipo pessoal, ainda que aqui sem relevância (v.g. o direito ao livre desenvolvimento da personalidade), além do próprio princípio da

13 Cf. BlAnKe, Vertrauensschutz cit., 12.14 BFH, BStBl. III – 1953, 97.

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igualdade15. Seguro é, todavia, o assento constitucional do princípio da proteção da confiança, seja qual for a via concreta que se valorize: as posições em sentido contrário são, indubitavelmente, improcedentes.

2. O “poder” de pagar no art. 45.º/3 LOPTC como “dever” de com‑pensar os custos incorridos e as despesas inutilizadas. A relação com os arts. 81.º/2 e 82.º/2 LOPTC

Antes de aprofundarmos o problema da natureza jurídica dos “paga‑mentos” referidos no art. 45.º/3, cabe esclarecer que o “poder” de pagar do contratante público não é, como é claro, um verdadeiro poder mas antes um “dever”. A formulação da lei, apesar de porventura não ideal, não conduz a outra conclusão: “os trabalhos realizados ou os bens ou serviços adquiridos após a celebração do contrato e até à data da notifi‑cação de recusa do visto poderão ser pagos após esta notificação, desde que o respectivo valor não ultrapasse a programação contratualmente estabelecida” (sublinhado acrescentado).

A arbitrariedade e quebra da igualdade a que conduziria a existên‑cia de qualquer margem de disponibilidade do ente público na decisão de pagamento seriam, naturalmente, intoleráveis. Deste modo, a norma não pretende atribuir um direito ou poder de “pagar”, mas consagrar um dever de pagar, contanto que estejam verificados os pressupostos da tutela da confiança do particular. I.e., o poder converte ‑se em dever quando o princípio da tutela da confiança o reclame.

No contexto equivalente do ordenamento alemão, já se tem falado, no direito público, de um “princípio da compensação” (Kompensationsprinzip), associado ao princípio da legalidade da administração16. Independente‑mente da autonomização desse princípio, é claro que decorre do princípio da proteção da confiança um dever de o Estado e demais entes públicos compensarem as perdas infligidas (ainda que licitamente) aos particulares, como apontou, em especial, WeBer ‑dürler na sua tese de agregação

15 Sobre estas diversas posições, com amplas referências doutrinárias, cf. BlAnKe, Vertrauensschutz cit., 23.

16 Cf. AndreAs vossKuHle, Das Kompensationsprinzip, Tübingen, 1998, 339 e passim.

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sobre o tema da proteção da confiança no direito público17. Poderá, assim, falar ‑se na proteção da confiança através de indemnização em dinheiro: mesmo não sendo esta, normalmente, a solução preferível18, quando falham as restantes formas de tutela da confiança, emerge a pretensão do particular de indemnização dos “danos da confiança” ( Vertrauensschaden), decorrente diretamente do princípio da proteção da confiança.

Assim, a regra do art. 45.º/3 apenas pode querer significar, em pri‑meiro lugar, que a compensação não é decorrência automática da celebra‑ção de um contrato cujo visto foi recusado, antes se exigindo, para que o particular a ela tenha direito, que se verifiquem os pressupostos da tutela da confiança. Em segundo lugar, quando se refere que os pagamentos apenas podem ocorrer com respeito pela programação contratual, isso acarreta apenas que o contraente privado não pode, em virtude dessa compensação, ficar em situação mais favorável do que ficaria caso o visto fosse concedido. Considerando a ratio de tutela da confiança, todo o investimento de confiança frustrado deve ser compensado mas segura‑mente a compensação não pode ir além do contratualmente acordado, o que implica designadamente – nos casos, claro está, em que essa limitação possa aplicar ‑se – o respeito pelo cronograma financeiro.

Por outro lado, este dever de compensar não pode ser afastado com fundamento em eventual incumprimento dos prazos de remessa dos contratos ao Tribunal de Contas para efeitos de visto prévio, ao abrigo do disposto nos arts. 81.º/2, 82.º/2 e 82.º/4. Como é evidente, mesmo que exista incumprimento de tais deveres por parte do contraente público, no caso de não ter sido impedida a execução ou a assunção de compromissos pelo contraente privado tendo em vista a execução do contrato, não pode o Estado prevalecer ‑se do seu incumprimento para se furtar ao dever de compensação. Tal consubstanciaria, logicamente, abuso de direito, nos termos do art. 334.º do CC, na modalidade de tu quoque. Problema diferente – e ao qual o contraente privado é, em absoluto, alheio – é o de saber se o facto de o ente público não ter evitado a criação da situação de confiança, com inerentes consequências financeiras, acarreta respon‑sabilidade financeira da entidade pública contraente. Tal não interfere,

17 BeAtriCe WeBer ‑dürler, Vertrauenschutz im öffentlichen Recht, Frankfurt a.M., 1983, 136 ss.

18 WeBer ‑dürler, Vertrauenschutz cit., 141 e 142.

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porém, na necessidade de tutela das expectativas do contraente privado, que permanece inalterada.

3. O art. 45.º/3 como regra de (re)distribuição dos riscos da ilegalidade do contrato e a exclusiva inserção das regras que fundamentam a recusa do visto na “esfera de domínio” do contratante público

A apreensão cabal do sentido da regra do art. 45.º/3 obriga a consi‑derar o seu lugar no sistema de fiscalização preventiva da legalidade dos atos e contratos previstos na LOPTC pelo Tribunal de Contas e a relação estabelecida com a regra do n.º 1 do mesmo artigo, que permite que o contrato comece a ser executado antes da decisão desse órgão. A solução dada por esta norma é percetível se se tiver em conta o tipo de atuação do Tribunal e o tipo de norma cuja violação está em jogo.

Em especial, é fundamental a compreensão do papel da fiscalização prévia exercida pelo Tribunal de Contas no contexto geral das compe‑tências de controlo que o mesmo desempenha, de cariz materialmente jurisdicional. Recorde ‑se as palavras de sousA FrAnCo19 quando escrevia que este órgão é “estrutural e funcionalmente um verdadeiro tribunal. O fundamento dos seus processos – sem litígio no caso do visto; com litígio, potencial ao menos, no caso de julgamento de contas – consiste em acautelar a correcta gestão dos dinheiros públicos”. Definido atualmente pela Constituição da República Portuguesa como “o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei manda submeter ‑lhe” (art. 214.º), o Tribunal de Contas tem, pois, a seu cargo a tarefa fundamental de assegurar a boa gestão dos dinheiros públicos. A importância da sua missão nem carece ser sublinhada: ela explica, de resto, o progressivo reforço dos respetivos poderes, levado a cabo pelas sucessivas revisões constitucionais, o que se refletiu, sobre‑tudo, no modo como passaram a ser enunciadas as suas atribuições, cujo elenco, inicialmente fechado, acabou por assumir carácter meramente exemplificativo. Também as modificações introduzidas na LOPTC confir‑mam a tendência de valorização do papel do Tribunal de Contas enquanto “guardião do dinheiro público”.

19 Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª ed., reimpr. 2002, 458.

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O Tribunal de Contas é, portanto, entre nós, a entidade à qual foi entregue a relevantíssima missão de controlar a utilização do dinheiro público20, essencial para a eficiência de toda a atividade de gestão (pública e privada) do Estado e demais entidades públicas. Como já escreveu o primeiro signatário deste artigo, “essencial ao controlo dos dinheiros públicos é a acção do Tribunal de Contas que, após um período de grande apagamento que correspondeu a todo o Estado Novo, em que por muito boa vontade que pudessem ter alguns dos seus magistrados, se colocava sempre o problema do estatuto de dependência do poder político, ganhou um novo fôlego com o Estado de Direito Democrático e com a Constitui‑ção de 1976”21. O progressivo aumento das responsabilidades e poderes do Tribunal de Contas que se seguiu foi fruto da cada vez maior relevân‑cia do tema do controlo da despesa pública no quadro de um Estado que procura novos equilíbrios.

Atualmente, a função de fiscalização ou controlo financeiro desenvol‑vida por este órgão ocorre, como se sabe, em três níveis diferentes, detendo o Tribunal poderes de fiscalização prévia, de fiscalização concomitante e ainda de fiscalização sucessiva. No que respeita, em particular, ao papel fiscalização prévia, deve notar ‑se que a própria opção pelo modelo do Tribunal de Contas, de entre outros modelos de fiscalização que se ofere‑ciam ao legislador constituinte, tem subjacente, à partida, a intenção de privilegiar uma análise da legalidade das contas públicas em detrimento de uma apreciação da eficácia e economicidade da gestão22.

20 Pensamos, naturalmente, no controlo financeiro externo, exercido por um órgão exterior e independente face às entidades fiscalizadas. Diferente é o (também importante) controlo financeiro interno, que é afinal um autocontrolo, por vezes exercido por órgãos e serviços pertencentes a uma organização mais vasta, da qual as entidades fiscalizadas fazem parte.

21 eduArdo PAz FerreirA, O visto prévio do Tribunal de Contas. Uma figura a caminho da extinção?, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, Coimbra, 2002, 835 ss.

22 A possibilidade de o Tribunal de Contas exercer outras formas de controlo, que vinha sendo reivindicada, designadamente por sousA FrAnCo, ficou, é certo, aberta a partir da revisão constitucional de 1989, que veio tornar claro o carácter meramente exemplificativo das competências do Tribunal enunciadas na lei fundamental, permitindo que novas competências fossem deferidas por lei ao Tribunal. O Tribunal de Contas esteve, de facto, longe de ficar imune à evolução registada internacionalmente no sentido de passar a outro tipo de fiscalização, que envolve, designadamente, uma valoração económica e

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A fiscalização prévia tem como fim essencial verificar se os instru‑mentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras, diretas ou indiretas, estão conformes com a lei e têm cabi‑mento orçamental. Nas palavras do seu Presidente23, trata ‑se de assegurar o respeito pelos princípios e regras subjacentes ao processo de contratação, entre as quais

i) as razões subjacentes à decisão de contratar e à escolha do pro‑cedimento

ii) a tramitação do procedimento escolhido iii) o critério de adjudicação e sua fundamentação iv) o clausulado contratual e a sua conformidade com a decisão de

contratar.

Já o cabimento orçamental corresponde a um dos pressupostos legais de efetivação da despesa pública, nos termos da Lei de Enquadramento Orçamental, visando assegurar o princípio da tipicidade orçamental, na sua dupla vertente – qualitativa e quantitativa24.

Os fundamentos de recusa do visto revelam que as normas em causa respeitam estritamente ao ente público e aos limites e termos da execu‑ção do seu poder de contratar, cabendo ao mesmo a responsabilidade de assegurar o seu cumprimento. O contraente privado limita ‑se a efetuar a proposta, com respeito pelos termos do concurso, não tendo interferência na violação, que possa ocorrer, das normas cuja observância é fiscalizada pelo Tribunal de Contas. É ao contraente público que compete garantir o respeito pelas normas da contratação pública e de cabimento orçamental.

social para a realização da despesa. A partir da nova lei de organização e processo (a atual Lei n.º 98/97, de 26 de agosto), tornou ‑se clara a preferência dada à fiscalização sucessiva, afirmando ‑se, concomitantemente, a competência do Tribunal para proceder a uma análise da economicidade e eficiência da utilização dos dinheiros públicos. É assim que vemos o Tribunal de Contas abandonar progressivamente o modelo tradicional de raiz napoleónica, para se aproximar dos órgãos de auditoria das contas públicas, característicos dos sistemas anglo ‑saxónicos. Cf. eduArdo PAz FerreirA, Os tribunais e o controlo dos dinheiros públicos, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, Coimbra, 2001, 151 ss. (165 ss.).

23 Cf. GuilHerMe oliveirA MArtins, O Tribunal de Contas e a atividade con‑tratual pública, Revista de Contratos Públicos, n.º 1 (2011), 9 ‑19 (13).

24 eduArdo PAz FerreirA, O visto cit., 843 e 844.

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Embora não se confunda, a situação é próxima daquelas em que a norma violada apenas se dirige a uma das partes contratuais. Nesse caso, entende ‑se que apenas conduz à invalidade do contrato como um todo se tal for ditado pelo fim da norma proibitiva25. Embora a situação aqui em jogo não seja a mesma, é claro que compete unicamente ao ente público assegurar o respeito pelas normas em causa.

O facto de o contraente privado ser alheio à violação e, no limite, dela nem ter conhecimento implica que seria desconforme com o sistema que este suportasse os danos derivados da ilegalidade. Por esse motivo, o pro‑blema de saber em que esfera jurídica recai o risco da ilegalidade com a consequente insuscetibilidade de execução do contrato é resolvido a favor da sua imputação ao ente público. Precisamente porque o contraente pri‑vado não tem interferência na violação de lei que possa ocorrer, caso o visto seja recusado, não pode o dano sofrido pelo particular permanecer a seu cargo. Perante o risco da ilegalidade e a necessidade de salvaguardar o privado, a lei ou tinha optado por um sistema que impedisse a execução do contrato até ao visto – sistema preventivo – ou, tendo escolhido não paralisar os serviços, tinha de atuar em termos sucessivos, cominando o dever de o ente público suportar os danos sofridos pelo particular, compensando ‑o. A solução impunha ‑se, tendo em conta que, como disse‑mos, é na esfera de competência do ente público que recai a observância das normas em causa e que o particular não está, ele próprio, em condições de as respeitar/violar, em virtude da respetiva natureza e finalidade.

Assim, o que a lei faz, no art. 45.º/3, é redistribuir o risco da ilegali‑dade verificada, por forma a que seja o ente público – o responsável por ela e aquele que a lei pretende tutelar com a regra da não suspensão da execução – a assumir o risco da decisão de ilegalidade. Trata ‑se, portanto, em última análise, de assegurar que o risco corre por conta daquele que tem o domínio sobre o (in)cumprimento das normas em causa, transferindo para esta esfera jurídica os danos incorridos pelo particular.

O art. 45.º/3, assumindo ‑se como expressão do princípio da tutela da confiança, surge ligado à ideia de “lealdade do sistema” (Syste‑mtreue; Systemloyalität) e de “justiça sistemática” (Systemgerechtigkeit), que impõem uma realização do direito “consequente com o sistema”

25 Cf. sCHielsKy, em KnACK/HenneCKe, Verwaltungsverfahrensgesetz Kommentar, 9.ª ed., Köln, 2010, § 59, 1239.

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(systemkonzequent), enquanto ordem axiológica ou teleológica de prin‑cípios gerais, regras e valores26.

4. Regra de imputação de danos (Tatbestand de responsabilidade) ou regra de atribuição/ressalva de produção de efeitos do contrato ilegal?

Quando dizemos que se trata, no art. 45.º/3, de transferir o dano de uma esfera jurídica para outra esfera jurídica, estamos, ipso jure, a afir‑mar que está em causa, nesta norma, um problema de responsabilidade. Afastamo ‑nos, pois, do princípio geral da suportação dos danos pela esfera jurídica em que se produzem, em virtude da existência de um título de atribuição do dano a outra esfera jurídica: trata ‑se da ideia de que o dano deve ser suportado por quem o provoque e não, em definitivo, pela esfera onde se tenha registado27.

É irrelevante para o caso saber se houve ou não enriquecimento do ente público: quer este tenha existido, quer não, o particular tem direito a que os prejuízos incorridos sejam removidos da sua esfera jurídica, de tal maneira que não se pode ver na norma do art. 45.º/3 manifestação do instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art. 473.º do CC, que dispõe que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. Haja ou não um incremento patrimonial por parte do ente público à custa do contraente privado, este tem naturalmente direito a não suportar, em termos finais, os investimentos feitos: está em causa a eliminação de danos do particular e não a remoção do enriquecimento do ente público contratante, que pode nem existir.

Ao concluirmos pela natureza de norma de imputação de danos e, portanto, ao considerarmos que o art. 45.º/3 é, afinal, um Tatbestand de responsabilidade, negamos também, do mesmo passo, que esteja em causa a ressalva da produção de efeitos jurídicos pelo contrato ilegal, não obstante uma primeira leitura da lei poder nesse sentido apontar, ao dizer que “os trabalhos realizados ou os bens ou serviços adquiridos

26 BlAnKe, Vertrauensschutz cit., 39.27 Cf. v.g. Menezes Cordeiro, Tratado cit., 981.

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após a celebração do contrato e até à data da notificação da recusa do visto poderão ser pagos após esta notificação, desde que o respectivo valor não ultrapasse a programação contratualmente estabelecida para o mesmo período” (sublinhado acrescentado). Dir ‑se ‑ia, numa aproxima‑ção imediatista, que a norma estaria a admitir o cumprimento (através do “pagamento”) do contrato ilegal e que, assim sendo, não poderia falar ‑se em responsabilidade civil, desde logo por não chegar a haver dano, em virtude de o contraente ser pago, não obstante a ilegalidade do negócio.

Não é assim, todavia, como uma mais profunda análise da norma revela: não só (e não tanto) por a produção de efeitos do ato ou contrato ilegal ser excecional na nossa ordem jurídica, mas essencialmente por o contrato, que nunca produziu efeitos, não ganhar seguramente o poder de os produzir precisamente após a comunicação da decisão de recusa do visto.

Vejamos ambos os aspetos sucessivamente. Como é sabido, existem casos no nosso direito em que atos e con‑

tratos ilegais podem produzir efeitos jurídicos. São, porém, situações estritamente excecionais e completamente diversas daquelas que aqui estão em jogo.

No campo do direito civil, a violação de lei gera, em princípio, a invalidade do negócio ou ato jurídico, nos termos do art. 294.º do CC, o que implica a não produção dos respetivos efeitos jurídicos. Para além de uma ou outra regra pontual e de alcance limitado, apenas se salvaguardam os efeitos inerentes à publicidade registal, em consequência da confiança propiciada pela existência de registo anterior, nos termos do art. 291.º do CC. Não se trata aí, sequer, de produção de efeitos do contrato mas de facultar a aquisição tabular, em virtude do funcionamento das regras do registo, pelo que, na verdade, a regra em causa não consubstancia exceção à regra da ineficácia dos negócios ilegais.

O contrato nulo em si não produz, portanto, efeitos a não ser, quando muito, o efeito gerador de responsabilidade, quando seja o caso. Mas nem mesmo isso tecnicamente sucede: na verdade, o contrato é indis‑cutivelmente pressuposto da obrigação de indemnizar, mas é dela mero pressuposto de facto28.

28 Cf. BAPtistA MACHAdo, Tutela da confiança e “venire contra factum proprium”, em Obra dispersa, vol. I, Braga, 1991, 372.

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No art. 45.º/3, está, pois, em jogo a responsabilidade do contratante e, mais concretamente, a sua responsabilidade ex lege, não a produção de efeitos do contrato ilegal, não obstante os efeitos da tutela da confiança poderem a estes equivaler, nos termos expostos.

No campo do direito administrativo, é certo que o ato ilegal produz efeitos quando seja meramente anulável, mas trata ‑se aí de situação diversa daquela que aqui consideramos, uma vez que, nesse caso, o ato, apesar de ilegal, só é inválido se vier a ser anulado e não antes disso. A anula‑bilidade constitui, como se sabe, o desvalor ‑regra do ato administrativo ilegal, sendo certo que “em nome da estabilidade e da segurança inerentes a decisões que gozam da presunção de legalidade”29, se permite que, apesar deste desvalor, os atos produzam todos os seus efeitos. Contudo, do que aqui se trata é de considerar que a invalidade só existe na presença desse ato de anulação e não até lá, tendo em conta a menor gravidade da violação da lei, por confronto com as situações geradoras de nulidade. Ou seja, há a produção de efeitos mas porque a invalidade depende de anulação: até esta ter lugar, o ato não é inválido (ou antes, a invalidade não releva), ainda que a anulação, caso ocorra, tenha lugar ex tunc. O caso é diferente daquele que aqui está em causa e não pode, naturalmente, ser convocado a título de lugar paralelo.

O mesmo se diga das situações em que o ato, apesar de nulo (e, por‑tanto, em princípio insuscetível de produzir quaisquer efeitos jurídicos), pode produzir alguns desses efeitos por força do simples decurso do tempo, nos termos do art. 134.º/3, do CPA. Como é evidente, estes casos cuja proximidade com a prescrição aquisitiva já se tem apontado, e que exprimem a atribuição de efeitos pela ordem jurídica a certas situações de facto em virtude do decurso do tempo30, são bem diversos daqueles que aqui tratamos.

Chega ‑se, pois, à conclusão de que inexistem, na ordem jurídica por‑tuguesa, casos paralelos ao (hipoteticamente) considerado no art. 45.º/3 da LOPTC, em que o ato ou contrato, jurisdicionalmente considerado ilegal, pode produzir os seus efeitos, após a existência de um tal juízo de ilega‑lidade (ainda que em sede de procedimento de fiscalização preventiva).

29 Cf. PAulo otero, Legalidade e administração pública, Coimbra, 2007, 1023. 30 Cf. PAulo otero, Legalidade cit., 1031.

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Diferente é o contrato ilegal, em virtude da sua aparência de facto, poder produzir determinados efeitos, designadamente por imposição do princípio da boa fé e, designadamente, poder gerar a obrigação de indemnizar, como sublinha, embora no direito alemão (a respeito do § 59 VwVfO), Heinz JoACHiM BonK31. Nesse caso, voltamos a sublinhar, não são efeitos do contrato ilegal que se produzem, não obstante a sua potencial equivalência.

Regressando ao art. 45.º/3 da LOPTC, quando se trata de afastar a ideia de que a norma ressalva a produção de efeitos pelo contrato ilegal, é decisivo ter presente que não estaria sequer em causa conservar efeitos já produzidos – atenta a ineficácia determinada, do ponto de vista finan‑ceiro, pelo art. 45.º/1 –, mas antes permitir, precisamente após a consta‑tação judicial da ilegalidade e do respetivo impacto financeiro (funda‑mentos da recusa do visto), que o contrato pudesse ser executado. Por outras palavras, o contrato não produziria efeitos financeiros enquanto não se sabe se é ou não legal (art. 45.º/1), mas passaria a produzi ‑los precisamente quando se decidiu que o mesmo é ilegal, sendo que tal ilegalidade pode conduzir à invalidade, mais do que à mera ineficácia. I.e., até à decisão do Tribunal de Contas o ato seria parcialmente ineficaz: apesar de se presumir legal e, precisamente por isso, poder começar a ser executado, vigora, do ponto de vista financeiro, uma proibição de se efetuarem os pagamentos. É o que resulta do n.º 1 do art. 45.º. Caso o art. 45.º/3 fosse interpretado no sentido de autorizar que o contrato ilegal produzisse efeitos, de tal maneira que o fundamento do “poder”( ‑dever) de se efetuarem os pagamentos seria o próprio contrato – afinal (pelo menos parcialmente) eficaz –, então dir ‑se‑ia que o contrato, antes ine‑ficaz, passaria a produzir efeitos justamente quando a sua ilegalidade é afirmada pelo Tribunal de Contas.

Não se estaria, aqui, a salvaguardar efeitos já produzidos, mas antes a aceitar que existem efeitos que passariam a produzir ‑se com a decisão de recusa do visto. Ora, se o contrato nunca foi idóneo a produzir efeitos (financeiros), nos termos do n.º 1 do art. 45.º – em virtude da dúvida sobre a sua conformidade com ordem jurídica –, não pode passar a conseguir produzi ‑los a partir do preciso momento em que é jurisdicionalmente

31 Em PAul stelKens/Heinz JoACHiM BonK/MiCHAel sACHs, Verwaltungsver‑fahrensgestez Kommentar, 7.ª ed., München, 2008, § 59, 1691.

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afirmada a sua ilegalidade. Bem diferente de salvaguardar efeitos já produzidos pelo contrato ilegal, em nome da tutela da confiança, seria invocar este princípio para considerar que o contrato – que nunca teve aptidão para produzir efeitos – seria eficaz (quanto aos pagamentos) no momento da recusa do visto, quando antes isso não sucedia.

Assim, se se permite que o contrato seja executado antes da decisão do Tribunal de Contas é porque existe quase uma presunção de legalidade, ou pelo menos o reconhecimento de que a concessão do visto constitui a situação ‑regra e não a exceção. Quando o visto é recusado, importa tutelar a confiança frustrada do particular: a tutela da confiança faz ‑se, no caso, pela atribuição de uma compensação pecuniária indemnizatória. Os “pagamentos” do art. 45.º/3 não podem ter a sua fonte no contrato pela simples razão de que o contrato não é nem nunca foi idóneo para produ‑zir esse efeito, limitando ‑se a recusa do visto a reconhecer isso mesmo a título definitivo. Decidida a ilegalidade, não pode dizer ‑se que se está a autorizar, agora, o cumprimento do contrato ilegal e que, portanto, está ainda em causa um efeito deste (que seria a obrigação de pagamento da remuneração acordada). Pelo contrário: trata ‑se não de regular os efeitos do contrato ilegal mas sim de regular a responsabilidade pela confiança frustrada do particular.

A redação adotada pelo art. 45.º/3 nada muda, mas traduz uma “ilusão de ótica”: aparentemente permite ‑se que o contrato ilegal pro‑duza efeitos financeiros após a notificação da decisão de recusa do visto (já que se diz que se podem efetuar os pagamentos), quando é certo que, mesmo antes, ele não produzia tais efeitos. Não se trata, portanto, de ressalvar efeitos anteriormente produzidos nem se trata, evidentemente, de salvaguardar a produção de efeitos futuros do contrato. Em causa está, em rigor, a realização da confiança através de uma compensação pecuniária indemnizatória.

Assim, por força do princípio da tutela da confiança, aceitam ‑se efeitos (em parte) similares àqueles que o negócio teria mas que são efeitos ex lege. Por outras palavras, a fonte dos efeitos produzidos não é o contrato ilegal mas sim diretamente o princípio da confiança i.e., estes têm a sua origem não no vínculo contratual mas na lei (lato sensu, incluindo os princípios jurídicos). São efeitos heterónomos e não autónomos, porquanto decorrentes da responsabilidade pela confiança. Juridicamente, não se garante a confiança através da efetivação jurídica

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do compromisso, apenas se resolve um problema de responsabilidade pelos danos.

A decorrência de efeitos jurídicos autónomos do princípio da tutela da confiança, por via da obrigação de indemnizar, não deve estranhar ‑se.

Admite ‑se que o princípio da tutela da confiança conduza até, em certos casos, a decisões distintas das que resultariam das normas de direito positivo. A doutrina administrativista, sobretudo na Alemanha, tem subli‑nhado que o assento constitucional do princípio permite, inclusivamente, afirmar que o princípio da legalidade não limita a sua aplicação, de tal maneira que podem ambos encontrar ‑se em conflito32, ainda que aparente. Na verdade, para gerir este conflito, deve lembrar ‑se que o princípio da legalidade não reclama apenas o cumprimento das regras legais mas tam‑bém dos próprios princípios constitucionais, entre os quais o da proteção da confiança. O mesmo é dizer que “o princípio da legalidade reclama uma aplicação do princípio da proteção da confiança”33, não existindo entre os dois qualquer antinomia. Mais do que isso: nunca pode a decisão segundo o princípio da proteção da confiança ser, portanto, uma decisão contra legem.

No caso, nem sequer nos situamos no campo do problema de saber se é ou não merecedora de tutela a confiança do particular que exista contra legem, pois, na realidade, nem as normas legais em causa são dirigidas ao contraente privado, nem o seu cumprimento pela contraparte é suscetível de apreciação por este. Ainda assim, tem ‑se entendido que permanece algum espaço para a própria tutela da confiança formada contra legem34.

Regressando ao ponto essencial que nos ocupa, para sintetizar: o art. 45.º/3 não regula a produção de efeitos pelo contrato ilegal – ao con‑trário do que uma primeira visão, de tipo essencialmente literal, poderia sugerir –, antes consagra uma forma de responsabilidade pela confiança, garantindo o ressarcimento do investimento realizado para a execução do contrato (“dano da confiança”).

32 Cf. WeBer ‑dürler, Vertrauensschutz cit., 153 ss.33 WeBer ‑dürler, Vertrauensschutz cit., 157.34 Cf. WeBer ‑dürler, Vertrauensschutz cit., 158 e 159.

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5. Da (pretensa) inexistência de incumprimento pelo contraente público: o dever de corresponder à confiança criada e o dever de legalidade

Aqui chegados, julgamos que fica claro que, contra a natureza jurídica do art. 45.º/3 como fattispecie de responsabilidade, não pode invocar ‑se a pretensa inexistência de incumprimento de qualquer dever pelo contraente público.

A responsabilidade pela confiança verifica ‑se quando, estando preenchidos os pressupostos da tutela da confiança, o contratante não corresponde à confiança criada, gerando ‑se, por isso, o dever de indem‑nizar os danos causados. A ilicitude reporta ‑se, naturalmente, ao próprio desrespeito pela obrigação de corresponder à confiança criada na esfera jurídica do particular. Já no início da nossa análise sublinhámos os requi‑sitos da tutela da confiança, cuja relevância é evidente considerando que não existe um dever geral de não defraudar a confiança alheia: o dever do sujeito de não agir contra as expectativas que tenha gerado é sempre um dever especial, não um dever geral, e pressupõe a verificação desses pressupostos, ainda que compreendidos no âmbito de sistema móvel35.

Ora, no caso, estes requisitos estão preenchidos:

i) situação de confiança: o particular confiou na legalidade do contrato, que conduziria à concessão do visto e à possibilidade da sua execução;

ii) justificação para essa confiança: apesar da possibilidade de recusa do visto, o contraente privado confiou que todas as regras legais estavam a ser respeitadas pelo ente público; repare ‑se que nem se trata de confiança gerada contra legem, já que é preci‑samente em virtude de uma espécie de presunção de legalidade do contrato que este pode começar a ser executado; justamente as mesmas razões que justificam a possibilidade de execução justificam a confiança do particular na estabilidade do contrato;

35 A avaliação dos requisitos para a proteção da confiança, articulando ‑se nos termos de um sistema móvel, não abdica da consideração da intensidade com que se encontram verificados: a maior intensidade do preenchimento de um ou mais requisitos refletir ‑se ‑á numa menor exigência quanto aos demais; da mesma forma que a menor intensidade de um implicará uma maior exigência quanto aos outros.

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iii) imputação da confiança: as expectativas legítimas do particular foram geradas pelo contraente público, que, pela sua atuação, criou no mesmo a convicção de que o contrato e o procedimento contratual não padeciam de qualquer vício e de que o contrato sempre acabaria por ser executado.

iv) investimento de confiança: o contraente teve múltiplas despesas, já atrás apontadas, que foram inutilizadas e cujo fundamento foi precisamente a confiança gerada na execução do contrato.

Havendo uma situação de confiança justificada e imputável ao ente público, frustrada pela insuscetibilidade de execução do contrato – deri‑vada da violação de regras legais conducentes à recusa do visto –, existe obrigação de indemnizar os “danos da confiança”.

Não pode, de resto, o ente público pretender que é alheio à impossibi‑lidade de cumprimento, por esta decorrer de recusa de visto pelo Tribunal de Contas. I.e., segundo esta linha argumentativa, o ente público não frustraria a confiança do particular já que estaria disposto a dar execução ao contrato e que, se isso não sucede, é apenas porque fica impedido de o fazer por força da decisão daquele órgão jurisdicional. Essa invocação seria, como é claro, abusiva, considerando que a violação que terá ocor‑rido é, na realidade, imputável ao ente público e que o particular é, em absoluto, a ela alheio.

Lembre ‑se que o Estado e os restantes entes públicos se encontram vinculados pelo princípio da legalidade e, portanto, ao respeito pelo bloco normativo. Numa vertente subjetiva, o princípio objetivo da legalidade traduz ‑se num “dever de legalidade”, que, em concreto, significa um mandamento de assegurar a perfeita conformidade dos atos e contratos celebrados com a ordem jurídica. Implica, por outro lado, que, caso isso não se verifique, sejam evitados danos decorrentes da realização de investimentos por parte de sujeitos confiantes, os quais, recorde ‑se, são estranhos ao incumprimento verificado. Quando não seja possível evitar esses danos, impõe ‑se, precisamente, a sua eliminação (indemnização). Bem se vê, portanto, que o dever de indemnizar os danos da confiança é simultaneamente exigência do dever de legalidade, entendido como exigência de conformidade com a ordem jurídica como um todo, a qual não tolera a causação de danos por parte de entes públicos que têm a res‑ponsabilidade de assegurar que não celebram contratos ilegais.

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Assim, a própria celebração de um contrato ilegal e a criação e frus‑tração de uma situação de confiança representa uma violação dos deveres que, no processo contratual, recaem sobre o ente público. Estão em causa, mais concretamente, os deveres de boa fé do Estado, que implicam, no seu conteúdo nuclear (passivo), uma proibição de causar danos, intensificada relativamente ao dever geral de respeito.

Uma vez que a violação dos deveres de boa fé tem lugar em virtude da não correspondência às expectativas geradas, a obrigação de indemnizar impõe ‑se como consequência da responsabilidade pela confiança criada e frustrada, falando ‑se, por isso, em “responsabilidade pela confiança”, que é, afinal, responsabilidade pela violação dos deveres de boa fé do Estado (no caso, no processo de contratação).

Não se diga, portanto, que não existe qualquer incumprimento por parte do ente público contratante e que, portanto, não nos encontramos perante norma de responsabilidade.

De resto, mesmo que assim não fosse, a conclusão a que se chegaria não seria a de que no art. 45.º/3 não se identifica uma regra de responsa‑bilidade, mas antes a de que a mesma corresponderia a uma fattispecie legal de responsabilidade pelo risco. Na verdade, não ficaria afetada a conclusão de que está em causa repercutir os danos numa esfera jurídica distinta daquela que os sofreu. Apenas se questionaria o título da impu‑tação dos danos ao ente público presente no art. 45.º/3, que preencheria a exigência de base legal, nos termos do art. 483.º/2. De resto, como escreve Menezes Cordeiro36, “de natureza excecional, no seu início, as imputações pelo risco devem hoje ser apresentadas como desvios à regra de suportação dos danos nas esferas onde ocorram, e nada mais”. Por outras palavras, de nada serve argumentar, contra a visão que sustentamos, que não há qualquer facto ilícito do Estado que justifique uma imputação de danos, de tal maneira que, na norma da LOPTC, não poderia estar em causa manifestação do instituto da responsabilidade civil. Por um lado, porque existe, nos termos apontados, ilicitude; por outro, porque, mesmo que esta faltasse, nem por isso estava excluída a imputação com base no risco, conforme dissemos.

Encontramo ‑nos, em suma, perante norma especial de atribuição da responsabilidade ao ente público contratante, na modalidade de respon‑

36 Tratado I cit., 984.

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sabilidade obrigacional, com as especificidades decorrentes de estar em causa forma de responsabilidade pela confiança. Trata ‑se aqui de uma das várias vias que revelam a preocupação de “permanente conciliação da salvaguarda necessária das exigências da acção administrativa, com a defesa indispensável dos particulares”37. Tão importante à realização do Estado de direito democrático como a responsabilidade extraobrigacional – que concita maior atenção doutrinária em virtude das especificidades acrescidas que apresenta – é, na verdade, a responsabilidade obrigacional do Estado, que frequentemente traduz precisamente a forma de equilibrar a prossecução do interesse público com a tutela dos particulares38.

6. Conclusão. O art. 45.º/3 como regra de responsabilidade por todos os custos incorridos e “despesas frustradas” (frustrierte Anwendung) decorrentes da inutilização do investimento: o “dano de confiança”

Aqui chegados, resta concluir que o art. 45.º/3, da LOPTC, apesar da sua configuração aparente, constitui uma regra de responsabilidade pelo interesse contratual negativo, cobrindo os custos incorridos e as despesas frustradas em resultado da inutilização do investimento. Pretende, na verdade, esta norma colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse confiado na validade e eficácia do contrato celebrado, sendo ‑lhe ressarcidas, desde logo, todas as despesas tornadas inúteis, causadas pela confiança39, mas também os custos incorridos em virtude dessa ineficácia. Apesar do enquadramento jus ‑administrativo, a matéria é – como bem se vê – de direito comum. Aliás, o art. 325.º/4, do Código dos Contratos Públicos remete para o Código Civil a disciplina da responsabilidade civil administrativa contratual40. O objetivo do art. 45.º/3, da LOPTC é,

37 Cf. dioGo FreitAs do AMArAl, A responsabilidade da administração no direito português, Sep. RFDUL, Lisboa, 1973, 42.

38 Como nota MAriA dA GlóriA GArCiA, A responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas, Lisboa, 1997, 86.

39 Cf. PAulo MotA Pinto, Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, vol. II., Coimbra, 2008, 876.

40 Cf., sobre o ponto, MArCelo reBelo de sousA/André sAlGAdo MAtos, Responsabilidade civil administrativa. Direito Administrativo geral, Tomo III, Lisboa, 2008, 44 ss.

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bem se vê, comum às normas de responsabilidade, com a especificidade decorrente da ineficácia do contrato. Com efeito, se, na generalidade dos casos, se tutela o interesse no cumprimento ou “interesse contratual positivo” – colocando ‑se o contraente na posição em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente executado –, sendo o contrato inválido ou ineficaz, a indemnização a conceder só pode ser devida pelo dano da confiança, traduzido no “interesse contratual negativo”. Tal é o fim normativo do n.º 3 do art. 45.º: colocar o contraente privado na posição em que estaria se não tivesse confiado na celebração de contrato válido e eficaz. Pretende, pois, a norma eliminar o chamado “dano da confiança” e realizar o inerente “interesse da confiança”.

A realização deste escopo implica, em primeiro lugar, a indemniza‑ção de todas as despesas inutilizadas com a preparação da negociação, a conclusão e a execução do contrato, incluindo com a obtenção de finan‑ciamentos, como em sede geral nota PAulo MotA Pinto41, considerando as “despesas frustrada” a “forma típica do interesse negativo”42. Estão em causa todas as diminuições patrimoniais ou sacrifícios voluntários realiza‑dos para o interesse de outro43, que constituem um tipo especial de dano emergente e que são “desaproveitadas”, “inutilizadas” ou “frustradas” pela ineficácia do contrato decorrente da recusa de visto. A sua relevância em sede ressarcitória é independente, em princípio, de serem anteriores à celebração do contrato (e eventualmente ao início do próprio processo negocial), de terem ocorrido por ocasião da celebração do contrato ou após a sua conclusão44. Tudo o que se exige é a causalidade entre o evento lesivo e o dano, entendido como a despesa realizada na convicção e expectativa da eficácia do contrato.

Paralelamente ao ressarcimento das despesas inutilizadas, não pode deixar de ser ressarcido o dano emergente que decorre dos custos incor‑ridos após o conhecimento da ineficácia mas que são direta consequência desta, em termos tais que se verifica ainda um nexo de causalidade com a prévia situação de confiança existente e os compromissos assumidos

41 Interesse cit., 1075.42 Idem, 1076.43 Cf. JörG seBAstiAn unHoltz, Der Ersatz “frustrierter Aufwendungen” unter

besonderer Berücksichtigung des § 284, Berlin, 2004, 29. 44 Cf., com mais desenvolvimentos, PAulo MotA Pinto, Interesse cit., 1077 ss.

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com base nela, que agora carecem de ser destruídos, importando custos. Trata ‑se de aspeto com máxima relevância para o caso em apreço e ao qual regressaremos adiante.

Note ‑se, para já, que, independentemente da ponderação do caso concreto, se confirma a qualificação do art. 45.º/3 como norma de respon‑sabilidade, que visa assegurar o ressarcimento do “dano da confiança”, através da indemnização do interesse contratual negativo. Só, assim, na verdade se realiza o fim de tutela da confiança do contraente privado.

7. A ressarcibilidade do “investimento frustrado” (“dano da con‑fiança”) e demais custos incorridos: o imperativo constitucional e legal de indemnização do “interesse contratual negativo”

Decorre do princípio da proteção da confiança e dos princípios constitucionais que lhe estão subjacentes, o dever de o Estado e restantes entes públicos assumirem, perante o particular, a responsabilidade pelos custos e despesas incorridos ou inutilizados em virtude da recusa de visto.

Trata ‑se, na verdade, de forma de responsabilidade pela confiança, que traduz a repartição justa do risco de ilegalidade do contrato e de recusa do visto com consequente frustração do investimento realizado e outros custos incorridos pelo contraente privado: realizando este último um conjunto avultado de investimentos por força do contrato adjudicado e sendo ele alheio às violações ocorridas, a atribuição ao ente público do dever de compensar os custos e despesas é mera exigência do imperativo de respeito pelos direitos e expectativas legítimas dos particulares. Essa atribuição é justa e razoável, por seu lado, devido à já apontada inserção das normas cuja inobservância fundamentou a recusa de visto na esfera de domínio do ente público: trata ‑se da ideia de “dominabilidade abstrata” do foco de risco pelo sujeito responsável45 e, mais do que isso, da exclusiva imputação da violação ocorrida ao ente público considerado.

À luz do que se escreve, a única interpretação legítima do art. 45.º/3, da LOPTC é aquela que reconhece ao particular o direito a ser indemni‑zado por todos os custos e despesas incorridos em virtude da celebração do contrato, sem qualquer limitação decorrente da sua especificidade ou

45 Cf. CArneiro dA FrAdA, Teoria cit., 660.

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da especificidade do objeto do contrato. Por isso é que dissemos que a referência, nessa regra, a um juízo de compatibilidade com a programação financeira contratual não pode ser entendida no sentido de excluir o seu direito à compensação das despesas e custos insuscetíveis, pela sua própria natureza e fisionomia, de serem objeto de um tal juízo de correspondência.

Não constitui, pois, o cronograma financeiro obstáculo à indemni‑zação dos danos comprovadamente incorridos pelo contraente, desde que os investimentos em causa fluam, como é o caso, como consequências normais da assunção do vínculo negocial, estando preenchida uma exi‑gência de previsibilidade dos mesmos nos seus elementos gerais e típicos, que não se confunde com “erigir ‑se o conhecimento da realização efectiva de certas e concretas disposições por parte do confiante em pressuposto da imputação do dano. O seu concreto desconhecimento não poupa por si só o sujeito à responsabilidade pela confiança”46.

A preocupação do legislador no art. 45.º/3, da LOPTC é, evidente‑mente, colocar o contraente na situação em que se encontraria se o contrato não tivesse sido celebrado: não obstante a sua particular redação, decor‑rente da própria inserção sistemática, a regra consagra a obrigação de o contraente público indemnizar o chamado interesse contratual negativo, sem discriminação em função do tipo de custo ou despesa, incluindo, portanto, os custos financeiros.

Repare ‑se mesmo que a norma do art. 45.º/3 não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser interpretada no sentido de limitar as despesas e custos a cujo ressarcimento o particular tem direito, pois tal implicaria imputar ‑lhe, em termos finais, danos sofridos em virtude da celebração do contrato com o Estado ou outro ente público, precisamente a consequência que a lei quis evitar. O risco de ilegalidade do contrato, não paralisando a execução contratual nem podendo suspender a assunção de compromis‑sos pelo particular (maxime em termos de contratação de financiamentos indispensáveis nos termos do contrato), é necessariamente assumido pelo ente público, desde logo por exigência constitucional. A responsabilidade pública por esses custos e despesas é, na verdade, como vimos, exigência do princípio da boa fé e do princípio da tutela da confiança, cuja derivação constitucional já foi determinada, e visa, em última análise, proteger o próprio direito dos particulares à propriedade privada. Assim, qualquer

46 CArneiro dA FrAdA, Teoria cit., 659, nota 712.

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interpretação do art. 45.º/3 que faça recair na esfera jurídica dos privados os danos decorrentes da recusa de visto é inconstitucional por contrariar princípios essenciais e direitos fundamentais constitucionalmente con‑sagrados. Nestes termos, uma interpretação da norma da LOPTC em conformidade com a Constituição – que, em rigor, mais não é do que uma interpretação que evite a respetiva inconstitucionalidade – revela a necessidade de ressarcimento de todas as despesas e custos incorridos pelo particular, independentemente de qualquer suscetibilidade de se efetuar um juízo de correspondência com o cronograma financeiro contratual‑mente acordado, muitas vezes, aliás, impossível perante o tipo de custos considerados. Assim, seria inconstitucional qualquer interpretação que limitasse a compensação indemnizatória a que o contraente privado tem direito e que não assegurasse o direito deste ao ressarcimento integral do seu interesse contratual negativo.

Nestes termos, se pode excluir ‑se um direito do particular a ser res‑sarcido pelo interesse contratual positivo ou interesse no cumprimento (que equivaleria a afirmar que o particular teria o direito a ser colocado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido efetivamente execu‑tado), já não são aceitáveis quaisquer limites no que toca à indemnização do interesse negativo.

A reposição da situação em que o sujeito se encontraria se não tivesse sido celebrado o contrato obriga à indemnização do já aludido “dano da confiança” e dos demais custos incorridos em virtude da inexecução. No primeiro caso, ficam abrangidas, nos termos já expostos, todas as despe‑sas que se tornaram inúteis devido à insuscetibilidade de cumprimento do contrato: impõe ‑se ressarcir o dano da inutilização do investimento, colocando o sujeito na situação em que se encontraria se não tivesse confiado na validade e eficácia do contrato; elimina ‑se, portanto, o pre‑juízo que sofreu por ter atuado na expectativa da execução do contrato, restabelecendo ‑se o status quo ante. No segundo caso, estão em causa não já despesas previamente incorridas mas antes custos assumidos para prover à inutilização do contrato. Ambos relevam no caso concreto aqui em análise.

O particular terá direito, na verdade, a receber do ente público uma compensação pecuniária indemnizatória que abrangerá os custos opera‑cionais inerentes ao funcionamento da concessão e os custos de projeto, bem como os custos financeiros. Quanto aos dois primeiros, eles repre‑

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sentam danos incorridos por força da inexecução do contrato, os quais seriam amortizados nos valores a receber nos termos do próprio contrato de concessão, o que, todavia, acabou por ficar inviabilizado devido à recusa de visto. No caso das despesas incorridas ex novo (em virtude da recusa) com a resolução dos compromissos assumidos ao nível do finan‑ciamento – porventura aqueles que mais dúvidas poderiam levantar –, a sua indemnizabilidade decorre, sem margem para hesitações, do facto de representarem prejuízos que o particular se vê complementarmente obrigado a suportar em virtude da não produção de efeitos do contrato e que inequivocamente devem também, de acordo com a teleologia legal e constitucional, recair sobre o ente público, atento tudo o que dissemos.

A pretensão indemnizatória aqui em jogo, enquadrada pelo art. 45.º/3, da LOPTC, visa, pois, tão ‑somente o ressarcimento do valor do investi‑mento inutilizado, acrescido dos custos incorridos com os financiamentos a resolver, repondo ‑se a entidade contratante na situação em que estaria se não tivesse confiado na legalidade e eficácia do contrato. Só através desta compensação do interesse contratual negativo se torna possível realizar o fim do art. 45.º/3, consistente em assegurar que o contraente privado não é lesado em virtude da recusa do visto.

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Rui Duarte Morais

Justiça Tributária e competitividade

Rui Duarte Morais Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

Advogado

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RESUMO:

Em Portugal, o número de litígios fiscais e os valores nele envolvidos são anor‑malmente elevados.

O facto de a sua resolução definitiva demorar, em regra, vários anos é, reconheci‑damente, um fator de falta de competitividade do país.

O autor sugere algumas medidas, que não envolvem custos significativos, dirigi‑das a: prevenir a ocorrência de litígios fiscais; credibilizar os meios administrativos de resolução de tais litígios, de forma justa e rápida, de forma a minimizar a necessidade de recurso aos tribunais; racionalizar a atividade dos tribunais tributários.

Palavras ‑chave:Litígios fiscais e competividadeJustiça na tributaçãoResolução de litígios

ABSTRACT:

In Portugal, the number of tax disputes and the values involved are abnormally high.The fact that their resolution takes, as a rule, several years, is widely accepted as

being a factor in the country’s lack of competiveness. The author suggests some measures which do not involve significant costs and

are aimed at: preventing tax disputes; adding credibility to the administrative means for resolving such disputes, in a fair and rapid manner, thereby minimizing the need for judicial remedies; rationalizing the activity of tax courts.

Key words:Tax disputes and competitiveness Fair taxationDispute resolution

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1. O tema da minha intervenção1

Foi ‑me pedido para abordar o tema “IRC e competitividade”.Se a questão fosse a das medidas legislativas, ao nível da tributação

das sociedades e dos grupos de sociedades, que preconizaria visando tal objetivo, responderia nada ter a dizer.

O que justifico por duas razões: primeira, porque tive a honra e o prazer de, ainda há relativamente pouco tempo, integrar uma equipa que estudou o tema da revisão do regime legal de tributação das sociedades2. As minhas propostas continuam a ser as que constam de tal relatório. Teria, assim, a minha tarefa muito facilitada se me limitasse a reafirmá ‑las. Mas estou consciente da falta de oportunidade que tal representaria: a maior parte dessas sugestões implica redução da receita, o que, de momento, está, pura e simplesmente, fora de causa.

Nos últimos anos, a fiscalidade (emprego o termo para claramente destrinçar aquilo de que falo do que é outra realidade, o Direito Fiscal) quase que está reduzida à técnica de extração do máximo de receitas com a menor conflitualidade possível.

Mas, mesmo em tempos que não de emergência económica, temo, cada vez mais, a “apetência legislativa”, temo o turbo ‑legislador, para usar uma expressão grata a Casalta Nabais. Legislar exige ponderação, muita ponderação. Primeiro, há que aferir se existe necessidade de alterar o texto legal. Necessidade real, porquanto “necessidade” parece existir sempre: ou porque há um problema concreto que se quer resolver (erro

1 O presente texto constitui uma versão desenvolvida da nossa intervenção no III Congresso de Direito Fiscal, organizado pelo Instituto de Direito Económico, Finan‑ceiro e Fiscal/Almedina, subordinado ao tema Fiscalidade e Competitividade, que teve lugar em 11 de Outubro de 2012.

2 Tal subgrupo, incumbido da análise da tributação direta, era constituído, além de mim próprio (coordenador), pelos Dr. Manuel Faustino, Dra. Maria dos Prazeres Lousa, Mestre Ricardo da Palma Borges, Dr. Rodrigo de Castro e Mestre Gustavo Courinha.

O conjunto dos textos então produzidos, pelos diferentes subgrupos e pela coor‑denação geral (concluídos em Outubro de 2009) encontram ‑se disponíveis em info.por‑taldasfinancas.gov.pt, sob o título Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal – competitividade, eficiência e justiça do sistema fiscal, tendo, depois, sido publicado em Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 209. Citaremos pela versão disponível na net.

Porque diretamente relacionadas com o tema deste congresso, destaco as páginas (262 ss.) dedicadas ao tema “tributação empresarial e competitividade internacional”.

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grave este de, sistematicamente se pretender redigir normas legais – por definição gerais e abstratas – modelando ‑as a partir da imagem de uma concreta realidade); ou porque há que satisfazer as pretensões de deter‑minado lóbi (e, de entre os influentes que condicionam o legislador, há que não esquecer a administração tributária, tantas vezes empenhada na consagração de normas que mais não são que a satisfação de pretensões burocráticas); ou porque há um compromisso político que implica a fei‑tura de uma lei “à medida”; ou até, simplesmente, porque se quer “fazer obra” e a construção legislativa é, de todas as construções, a mais fácil e a mais barata.

Há que, antes de legislar, saber se a alteração da lei se justifica em termos de custo/benefício3. Os encargos económicos resultantes de cada alteração legislativa raramente são ponderados pelo legislador4, até porque os custos de cumprimento recaem essencialmente sobre os contribuintes em razão da privatização das funções de lançamento e liquidação dos prin‑cipais impostos5. Há, porém, outros custos, não menos importantes, que raramente são referidos: constantes alterações legislativas criam, neces‑sariamente, desigualdades. O mesmo tipo de situações origina diferentes consequências fiscais consoante a lei sob cujo imperium, temporalmente, caia cada uma delas. Os contribuintes e a administração fiscal têm que desenvolver esforços extraordinários de permanente atualização; por seu lado, os tribunais e os serviços da AT que apreciam as reclamações e recur‑sos têm que se dedicar a uma constante tarefa de arqueologia normativa, em ordem à aplicação do direito (revogado) vigente ao tempo dos factos

3 “O ponto mais frisado, quer pelos membros do subgrupo, quer pelas personali‑dades ouvidas, foi o de que o nosso sistema fiscal caminha, a passos largos, para um grau de complexidade normativa que ameaça tornar ‑se insuportável. (…) Há que avaliar pre‑viamente os custos de contexto que cada alteração legislativa irá implicar, custos esses que, muitas vezes, tornam, só por si, questionável a sua bondade” – Portugal, Relatório…, cit., pp. 189 e 190.

4 Embora comecem a surgir entre nós estudos de referência, dos quais merece des‑taque o de Cidália Mota Lopes, Quanto custa pagar Impostos em Portugal? Os custos de cumprimento da tributação do rendimento, Almedina, Coimbra, 2008.

5 Ou seja, “o modo actual de execução das tarefas financeiras de obtenção de recur‑sos pecuniários para o Estado tem como marca essencial uma redução do papel desem‑penhado pela Administração e o correspondente aumento de participação dos particula‑res nos procedimentos de aplicação da lei fiscal” (Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 173, 1995, p. 17).

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que lhes cumpre decidir. O curto espaço de vida da norma prejudica a segurança jurídica, pois impede a sedimentação da sua interpretação, nomeadamente através da formação de correntes jurisprudenciais estáveis.

Decidida que seja a alteração da lei, há que escrever a norma a que dará corpo. Tal implica tempo de maturação, de reflexão, aconselha a audição de “representantes” dos agentes económicos interessados, a elaboração de trabalhos preparatórios que esclareçam os destinatários de qual o pensamento legislativo. Nada disto acontece, em regra, entre nós6.

Num tempo em que somos todos solicitados à parcimónia nos gastos, que o legislador seja exemplo, pois a turbo ‑legislação resulta sempre em desperdício económico.

2. A rápida e justa resolução dos litígios enquanto fator de acrescida competitividade

Fazemos nossa a conhecida lição de Montesquieu7: mais importante que a qualidade das leis é o modo como são aplicadas.

As empresas (e – cremos – a generalidade dos contribuintes) estão conscientes desta realidade. Um problema que, sistematicamente, referem é o da insegurança da lei fiscal. Ou seja, não reclamam prioritariamente por novas leis, mas sim pela boa e rápida aplicação das existentes.

Recentemente, foi publicado um inquérito feito a um número signi ficativo de responsáveis de departamentos fiscais de empresas de 24 países8. Ainda que sem pretensões científicas e referido a um universo representativo apenas de um setor dos contribuintes (grandes e médias

6 “As alterações legislativas deveriam ser acompanhadas da publicação de trabalhos preparatórios ou notas justificativas e, sempre que necessário, da emissão de “instruções” pormenorizadas quanto ao modo como os sujeitos passivos lhes deverão dar cumprimento. É patente a diferença em que nos encontramos relativamente a alguns dos países que, nor‑malmente, nos servem de referência, onde as administrações fiscais, sistematicamente, elaboram instruções detalhadas sobre aplicação da lei, contendo, muitos delas, a título ilustrativo, “casos práticos” de aplicação” (Relatório…, cit., pág. 191).

7 “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte.”

8 Deloitte, EMEA Tax certainty survey – Survey on the Relationship with tax authori‑ties throughout EMEA, Junho de 2012.

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empresas), este trabalho apresenta dados relativos a Portugal (assentes num número significativo de respostas) que são impressivos: os inquiridos que atuam no nosso país são aqueles que mais consideram que a incerteza da lei fiscal prejudica o seu negócio (78%, sendo que a média global é de 52%) e são, também, os que mais clamam contra a excessiva lentidão na resolução dos litígios fiscais (30%), sendo que a média de tais queixas, é, no universo total considerado, de 12,4%.

Relativamente aos meios graciosos de resolução de disputas, em Portugal apenas 15% dos inquiridos afirmou confiar neles, muito embora mais 34% acreditem ser possível chegar a uma solução satisfatória com recurso a tais procedimentos. Portugal é um dos países em que mais inqui‑ridos se dizem dispostos a recorrer aos tribunais, no caso de insucesso administrativo das suas pretensões (neste sentido responderam cerca de 96% dos inquiridos).

Este estudo de opinião confirma o que cremos ser um sentimento geral: a esmagadora maioria dos contribuintes confia pouco na justa resolução dos litígios fiscais por via administrativa, depositando maiores esperanças no recurso aos tribunais.

Só que estes são lentos, insuportavelmente lentos, não cumprem com a sua obrigação constitucional de decidirem num “prazo razoável” (art.º 20.º, n.º 4, da CRP). As estatísticas disponíveis são pouco ou nada esclarecedoras9. Mas existe um “saber de experiência feito” que nos permite afirmar que a obtenção de uma sentença, em primeira instância, demora normalmente vários anos. E a situação agrava ‑se se considerar‑mos o tempo necessário para, existindo recurso, se lograr uma decisão transitada em julgado.

9 As estatísticas disponibilizadas na internet pela Direção Geral da Política da Justiça dão ‑nos, apenas, informação sobre o número de processos entrados e concluídos anualmente nos diferentes tribunais (sem distinção entre os processos tributários e admi‑nistrativos).

Segundo informava, em 2010, o então Presidente do STA, Conselheiro Lúcio Barbosa, no prefácio a Mais Justiça Administrativa e Fiscal (AA, Coimbra Editora, Coimbra, 2010), mais de 43.000 processos amontoavam ‑se nos tribunais de 1.ª instância. A pendência média, por juiz, era de 737 processos, havendo tribunais com pendências por juiz superiores a 1.000 processos.

Julgamos seguro afirmar que das estatísticas acima referidas se poderá concluir, apesar da sua insuficiência, no sentido de um constante agravamento da situação.

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A culpa não será (na maioria dos casos) dos magistrados, soterrados que estão por uma imensidão de processos. Temos por adquirido que a questão não se resolve com mais tribunais, mais juízes, pois o recurso à via judicial tem que ser a exceção e não a regra.

Identificada a morosidade na realização da justiça tributária como um dos principais problemas com que se defrontam as empresas com atividade em Portugal, (um dos fatores que mais prejudica a sua competitividade), entendi oportuno, no âmbito deste painel, fazer algumas reflexões sobre as suas causas e possíveis vias de minoração.

Os caminhos que aponto são: prevenção da ocorrência de litígios tributários; credibilização dos meios administrativos de garantia, de forma a conseguir que a efetiva resolução da maioria dos litígios seja conseguida por esta via; reforço das formas alternativas ao recurso aos tribunais; reformulação pontual do processo tributário, em ordem a uma mais rápida resolução dos litígios.

Não irei, obviamente, apresentar um “programa” de reformas, mas apenas fazer algumas sugestões pontuais, impondo a mim próprio a aplicação de uma lei ‑travão, ou seja, que tais sugestões não impliquem aumento de despesa pública.

3. Prevenção da ocorrência de litígios tributários

3.1 – A prevenção dos litígios implica a resposta a uma questão prévia: justifica ‑se o número de litígios fiscais existentes? Antecipando a resposta, direi NÃO.

A causa primeira de tanta litigância (e que é sistematicamente igno‑rada) é a falta de qualidade da nossa lei fiscal: como já dito, legisla ‑se sob a pressão dos acontecimentos, sem o necessário tempo de maturação, os textos legislativos são deficientes, deixam, muitas vezes, mais dúvidas que certezas, dando assim origem a inúmeros conflitos.

Poderíamos citar numerosos exemplos de arestos dos nossos tri‑bunais, nomeadamente do STA, que, fazendo interpretações da lei com pouco ou quase nenhum suporte no elemento literal da norma, tentam lograr alguma coerência sistemática do normativo fiscal.

Ora, as empresas – é só delas que aqui tratamos – são os primeiros aplicadores da lei fiscal. Grande número de litígios resulta de que a inter‑

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pretação por elas feita da norma, de redação equívoca, não é sufragada pela administração fiscal, que, sistematicamente, defende uma outra interpretação, sempre mais reditícia.

Que é assim mostra ‑nos a existência de uma jurisprudência firme do STA, plasmada em numerosos acórdãos, segundo a qual não são devidos juros compensatórios quando o contribuinte, ainda que não tendo visto o seu entendimento confirmado pelo tribunal, fez, de boa ‑fé, uma inter‑pretação plausível da lei. Ou seja, hoje admite ‑se como possível, como normal, o “erro legítimo” na compreensão do comando legal…

A importância de orientações administrativas claras, que ajudem os contribuintes, perante a incerteza que o texto legal gera, a saber quais são os seus concretos deveres tributários, está devidamente assinalada10.

A falta de clareza e/ou a contradição sistemática das normas são, tam‑bém, causa de litígios, porquanto abrem caminho a um planeamento fiscal “agressivo” que mais não consiste do que em tentar explorar a favor de um determinado contribuinte insuficiências legislativas, por vezes manifestas.

Melhorar a qualidade da nossa lei fiscal, o que implica adequada maturação do processo legislativo e parcimónia do legislador, é, a nosso ver, a primeira medida capaz de reduzir os litígios fiscais.

3.2 – Segunda medida preventiva da ocorrência de litígios que preco‑nizamos é a de uma maior colaboração da administração tributária com os contribuintes, especialmente os de maior dimensão, no cumprimento dos seus deveres tributários. Há muito que é reclamada a afetação de funcio‑nários ao acompanhamento permanente dos contribuintes, especialmente os de maior dimensão11, sendo que – ao que julgamos saber – algumas experiências neste sentido têm sido feitas.

10 Cf. Portugal, Relatório…, cit., p. 593.11 Portugal, Relatório…, cit. p. 608: “conforme prática em outros países da Organi‑

zação para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), [foi proposta a criação] da figura do “gestor do contribuinte”, que seria um funcionário da Administração Tributá‑ria responsável pelas relações diárias entre os contribuintes que tenham um volume signi‑ficativo de contactos ou que estejam obrigados ao cumprimento de um grande volume de obrigações acessórias, com vista à simplificação das relações entre a Administração Tri‑butária e os contribuintes e ao aumento da transparência da informação gerada. Assim se permitiria, também, à Administração obter esclarecimentos quanto às práticas adoptadas pelos contribuintes com maior influência na liquidação e cobrança dos diversos impostos

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Mas, a nosso ver, este acompanhamento permanente só terá sig‑nificado, na vertente de prevenção de litígios, se os “conselhos” de tais “gestores do cliente”, quando seguidos pelos contribuintes, tiverem efeito prático. Naturalmente que não propomos a atribuição de eficácia vincula‑tiva a tais “conselhos”. Mas parece ‑nos razoável que a sua aceitação crie uma presunção legal de boa ‑fé do sujeito passivo, em termos de excluir a obrigação de pagamento de juros e coimas, caso a orientação sugerida não venha, posteriormente, a ser perfilhada pela AT.

Não somos ingénuos ao ponto de pensar que, mesmo prevendo ‑o a lei, os funcionários em questão iriam passar a assumir, sistematicamente, a res‑ponsabilidade (ainda que tão só profissional) decorrente de tal aconselha‑mento, quando não existam orientações expressas emanadas a nível superior.

Adiantamos, como hipótese de trabalho, a possibilidade de o con‑tribuinte, ao expor a sua dúvida, indicar qual o enquadramento jurídico que preconiza, sendo que tal enquadramento se consideraria tacitamente aceite não havendo resposta num prazo a fixar por lei. O funcionário responsável pela empresa, entendendo não ter instruções claras sobre a forma de apreciar o caso, exporia o assunto ao seu superior hierárquico competente, preconizando qual o seu entendimento, o qual, também, se teria por tacitamente sancionado no caso de inexistência de resposta no prazo que para tal viesse a ser legalmente fixado. Tudo, repete ‑se, com consequências limitadas às que são (devem ser) a decorrência normal de uma situação de boa ‑fé e razoabilidade do contribuinte na interpretação da lei fiscal que lhe cabe fazer, nomeadamente a não exigibilidade de juros e coimas.

3.3 – Terceira medida preventiva que preconizamos é a consagração legal da possibilidade de um certo grau de “contratualização” das conclu‑sões dos relatórios de inspeção tributária.

A ideia de que, também no domínio fiscal, vale mais “um (mau) acordo que uma (boa) demanda”, aflora já no nosso ordenamento jurí‑dico fiscal. Tomando dois exemplos, temos o procedimento de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos que, no dizer da lei,

e um controle mais eficiente e actualizado das matérias controvertidas, para além de uma mais célere actualização da legislação/instruções administrativas quando estas alterações se mostrem necessárias”.

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visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributária a considerar para efeitos da liquidação (art.º 92.º, n.º 2, da LGT) e os acordos prévios sobre preços de transferência cujo escopo é a celebração de um acordo visando estabelecer o método ou métodos suscetíveis de assegurar a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados entre entidades independentes em operações idênticas às que o requerente efetua com entidades com ele especialmente relacionadas.

Estamos conscientes do relativo fracasso dos dois institutos: as cau‑sas são várias12, mas certamente que uma delas será a falta de cultura de diálogo, de busca de consenso, que continua a caraterizar a generalidade das relações entre contribuintes e administração. Com culpas de ambos os lados, há que o reconhecer: a administração continua imbuída de uma cultura de autoritarismo, traduzida na prática de atos administrativos uni‑laterais13, que se projetam imediatamente na esfera dos contribuintes, aos quais só resta a oposição a posteriori, ou seja, o litígio, tendo que pagar ou garantir aquilo que (tantas vezes infundadamente) lhes é exigido para evitarem o prosseguimento da execução fiscal e sofrer outras consequên‑cias adversas14. Mas também são muitos os contribuintes que preferem

12 Salientando o risco de as informações prestadas pelo sujeito passivo à AT, no âmbito dos procedimentos visando a celebração de acordos prévios em matéria de transfe‑rência, poderem (ilegalmente) ser por esta usados para outros fins, em desfavor do sujeito passivo em causa, Ana Paula Dourado/Augusto Silva Dias, «Information Duties, Aggres‑sive Tax Planning and nemo tenetur se ipsum accusare in the light of Art. 6(1) of ECHR», in Human Rights and Taxation in Europe and the World (org. Georg Kofler, Miguel Poia‑res Maduro, Pasquale Pistone), IBFD, Amsterdão, 2011.

13 É pacificamente reconhecida a ineficácia da audição prévia como instrumento para uma efetiva participação dos contribuintes nas decisões administrativas que lhes respeitam.

Salientando a forma “displicente” como a administração tributária encara, muitas vezes, o exercício deste direito e o facto de que “a jurisprudência não tem aceitado esse aligeiramento do dever do órgão da execução fiscal se pronunciar, exigindo o escrupuloso cumprimento do disposto no n.º 7 do art.º 60.º da LGT”, Francisco Rothes, «Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes», I Congresso de Direito Fiscal, Vida Eco‑nómica, Porto, 2011.

14 P. ex., impossibilidade de obtenção de certidões comprovativas da regularidade da situação fiscal (necessárias para vários fins, como o recebimento de pagamentos feitos por entes públicos, admissão a concursos públicos), perda do direito a benefícios fiscais (cf. n.º 5 e 6 do art.º 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais), inclusão na lista de devedo‑res (cf. n.º 5, al. a) do art.º 64.º da LGT).

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enfrentar (e arrastar) litígios do que reconhecer a razão da administração, mesmo quando esta inquestionavelmente a tem.

O certo é que as correções à matéria coletável, mormente as feitas em sede de inspeção externa, são campo fértil de divergências mas, tam‑bém, de possíveis consensos. Tivemos, há tempos, oportunidade de ler um relatório de uma inspeção externa da administração fiscal alemã, na qual foram feitas mais de uma dezena de correções à matéria coletável declarada para efeitos do imposto sobre o rendimento das sociedades (Körperschaftsteuer) por determinado contribuinte. Nesse relatório apa‑reciam claramente evidenciadas as “divergências” detetadas, sendo que relativamente a algumas delas (as que poderiam ser mais questionáveis), haviam sido logradas soluções de compromisso, v.g., a aceitação de (ape‑nas) parte dos valores declarados como gastos. Há, porém, que frisar que a lei alemã – diferentemente da nossa – expressamente prevê a possibilidade de a sua administração fiscal adotar “decisões equitativas”15. E tal rela‑tório acabava com uma declaração, subscrita pelo contribuinte, para nós espantosa: a da sua concordância com a totalidade das correções efetuadas.

A pergunta é simples: terá ou não ficado mais barato (e terá ou não sido mais justo), a administração fiscal alemã ter prescindido de receita que, numa postura mais rigorosa, poderia, eventualmente, ter obtido “em troca” de evitar, em definitivo, a ocorrência de um litígio? Terá ou não ficado mais barato ao sujeito passivo pagar mais imposto que ter que suportar os custos do litígio, correndo o risco de ver agravado, de forma significativamente mais substancial, o imposto a ser pago?

Objetar ‑se ‑á que a concessão a cada um dos inspetores tributários de poderes para transigir é impensável, até pelo risco de corrupção que envolveria.

Entendemos que este argumento não colhe: para além da questão de saber em que medida é que a centralização do poder de decisão implica a possibilidade de centralização da corrupção, temos que os relatórios finais são (ou passariam a ser) objeto de confirmação por superiores hierárquicos dos agentes que realizaram as ações inspetivas, superiores que já hoje têm poder para decidir favoravelmente aos contribuintes relativamente a esses mesmos casos, só que a posteriori, em sede de reclamação ou revisão administrativa da liquidação. Seria relativamente a estes funcionários

15 P. ex., § 163, § 184 (2) e § 227 da Abgabenordnung.

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que teria que se concentrar a ação pedagógica dirigida à assimilação de uma nova cultura, de diálogo e, especialmente, de compromisso, sempre no pressuposto de que a lei viesse a prever e a enquadrar devidamente as hipóteses em que tais “transações” seriam possíveis.

3.4 – Por último (last mas não least) há que refletir sobre uma ques‑tão, relativamente simples, mas que é essencial: porquê tantos atos admi‑nistrativos em matéria tributária ilegais, v. g., porquê tantas liquidações que são posteriormente anuladas pelos tribunais (e, também, pela própria AT)?

Vamos admitir que não existe qualquer orientação política, mesmo que “informal”, para que tal aconteça. Mas é um facto que a AT, e cada um dos funcionários que a constituem, têm estímulos para, na dúvida, liquidarem. Além da cultura, já referida, que persiste na generalidade dos serviços, que a função da AT é a de liquidar e cobrar impostos (o máximo de impostos que a lei permite, entende ‑se hoje), existem incentivos con‑cretos para que assim aconteça: basta lembrar que os objetivos fixados a cada um dos serviços e seus funcionários passam por atingir os valores orçamentados para a receita e que parte da sua remuneração é calculada em função da realização de tais objetivos16.

Há que o reconhecer: uma parte significativa das causas em que a AT decai, em tribunal, resulta de deficiências técnico ‑jurídicas do seu tra‑balho, nomeadamente da insuficiência de fundamentação das liquidações adicionais efetuadas e/ou da preterição de formalidades legais essenciais.

Aqui impõem ‑se considerações de índole organizativa: as tarefas de fiscalização do cumprimento pelas sociedades dos seus deveres fiscais implicam conhecimentos que serão, essencialmente, de contabilidade e auditoria. Os funcionários incumbidos da inspeção deverão, pois, ter formação, essencialmente, nestas áreas. Por seu lado, a fundamentação de uma liquidação ou de outro ato administrativo é, essencialmente, uma

16 “Como factor eventualmente suscitador, a montante, do aumento de litígios e do contencioso pendente, foi indicado também o novo Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública (SIADAP), na medida em que se possa revelar, como parece, um factor de pressão excessiva sobre os funcionários e serviços, com vista a obtenção de resultados predominantemente quantitativos (ex.: os inspetores tributários estão mais pressionados para efectuarem mais correcções e os serviços de finanças pressionados para as cobranças no processo de execução fiscal)” – Portugal, Relatório…, cit., p. 594.

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questão jurídica, a qual não se reduz ao escrupuloso cumprimento das formalidades legais exigidas por lei (é “espantoso” o número de atos anulados por vício de forma) e à correta subsunção dos factos à norma, mas implica um juízo crítico sobre a suficiência da factualidade apurada, bem como a possibilidade de impulsionar novas diligências probatórias, quando tidas por necessárias.

Ora, no sistema que temos, o agente incumbido da investigação é, também, aquele que, materialmente, decide dos atos administrativos a serem praticados. Na generalidade dos casos, os relatórios de fiscalização são transformados em fundamentação dos atos administrativos praticados em decorrência das inspeções.

Esta cumulação de funções é, a nosso ver, a causa principal de tantas liquidações, manifestamente “absurdas”: para além da diferente formação exigível para o exercício de cada uma destas funções, faltará o necessá‑rio distanciamento: quem realizou determinada tarefa dificilmente terá consciência crítica suficiente para julgar da suficiência do seu trabalho.

Mais, os relatórios de inspeção devem ser uma “ata” daquilo que foi feito, o relato das diligências apuradas, daquilo que se analisou, do que foi tido por correto17 e do que foi tido por incorreto. Ora, relatórios de fiscalização são normalmente perspetivados na ótica de justificação de medidas desfavoráveis aos contribuintes que se se entendem dever ser tomadas são, portanto, parciais: omitem ‑se, ou pelo menos não se dá, em regra, o devido relevo aos factos que poderiam, de algum modo, infirmar ou dar diferente significado àqueles em que se pretende basear as liqui‑dações adicionais propostas. Tal significa um verdadeiro incumprimento do princípio da investigação que impende sobre a AT.

17 Só assim se compreenderá o disposto no art.º 64.º do RCPIT, segundo o qual, caso o pedido de atribuição de eficácia vinculativa ao relatório de inspeção seja, expressa ou tacitamente, deferido, a administração tributária não pode proceder relativamente à enti‑dade inspecionada em sentido diverso do teor das conclusões do relatório nos três anos seguintes ao da data da notificação destas, salvo se se apurar posteriormente simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente rele‑vantes relativos ao objeto da inspeção.

Se do relatório apenas constarem, como normalmente sucede, as infrações detetadas, este preceito perde o seu sentido útil, uma vez que ele tem como pressuposto necessário que nele figurem, também, “boas práticas” do sujeito passivo inspecionado.

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A separação funcional entre a atividade de inspeção e a de decisão e fundamentação dos atos administrativos a serem praticados em decorrência daquela parece ‑nos ser uma medida capaz de prevenir grande parte da liti‑gância originada pela prática sistemática, pela AT, de atos administrativos que, posteriormente, se revelam infundados.

4. Credibilização dos meios graciosos de garantia

4.1 – Já referimos a desconfiança com que a maioria dos contribuintes encara a atividade da AT na decisão dos litígios que os opõe. Na realidade, há aqui um paradoxo difícil de resolver: a administração fiscal tem como tarefa essencial a cobrança dos impostos, mas, ao mesmo tempo, deve ser julgadora exigente da legalidade da sua própria atuação, deve, desde logo, em situações de dúvida factual, aplicar o princípio in dubio contra fiscum.

Os meios administrativos de garantia deveriam ser a forma normal de resolução dos litígios tributários, por serem a mais rápida, a mais eficaz e a mais barata: rápida, não só por ser menor o formalismo processual exigido, mas porque a AT já conhece a situação e, portanto, está em condições de a reapreciar mais rapidamente; eficaz, porque a AT dispõe de informações que, por não integrarem os autos do procedimento administrativo em questão, não são carreadas para os processos judiciais, e porque tem um conhecimento “do terreno” necessariamente maior que o dos juízes; barata, uma vez que não há necessidade de mobilizar outro aparelho estadual.

Porém, sendo a utilização dos meios graciosos de garantia, por regra, facultativa18, somos tentados a afirmar que, ao menos nas situações com algum grau de complexidade, os contribuintes tenderão a optar pela via judicial, impugnando ou recorrendo das liquidações e outros atos adminis‑trativos em causa, ou seja prescindirão do que seria a forma mais normal e razoável de verem reapreciada a sua situação tributária, simplesmente porque tais meios de garantia não lhes merecem crédito.

18 Exceção são as reclamações necessárias previstas nos art.º 131.º a 133.º do CPPT e, ainda, a imposta (a nosso ver, incompreensivelmente), relativamente às liquidações de taxas das autarquias locais, pelo art.º 16.º, n.º 5, da Lei n.º 53 ‑E/2006 – Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais).

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Mais, a utilização dos meios administrativos de garantia será, por muitos, vista apenas como forma de “arrastar” situações e, até, de colher vantagens que, em princípio, não seriam expectáveis19.

A confiança nos meios administrativos de resolução dos litígios só será restaurada se os decisores forem havidos, pela opinião pública, como sendo “confiáveis”.

Tal implica, a nosso ver, uma clara separação, ao nível da orgâ‑nica da administração tributária, entre aqueles que ”decidem das liquidações”(e outros atos administrativos desfavoráveis aos sujeitos pas‑sivos) e aqueles que as reapreciam, entre aquilo que poderíamos chamar a administração fiscal operativa e a administração incumbida da realização da justiça tributária (i. e., os funcionários incumbidos da reposição da legalidade na tributação). Importará separar estes dois tipos de serviços, da base até ao topo20, com carreiras relativamente estanques, de forma a criar condições para que, na prática, cada um deles possa melhor compre‑ender e realizar as diferentes missões que lhes incumbiriam. Em suma, há que pôr fim à justa indignação dos contribuintes que não entendem como é possível ser “a mesma pessoa” que praticou o ato quem irá decidir da reclamação contra ela deduzida.

4.2 – Um dos principais custos inerentes associados à generalidade dos litígios fiscais é o da necessidade da prestação de garantia como con‑dição para a suspensão do processo de execução fiscal. Mais que o custo da sua prestação, temos hoje a questão da possibilidade de cumprimento de tal ónus, quando realizado através da prestação de garantia bancária, atentas as restrições à concessão de crédito pela banca.

Impõe ‑se que a “obrigação” de prestação de garantia apenas aconteça nos casos em que tal realmente se justifica21, desde logo apenas quando

19 P. ex., lograrem a caducidade da garantia por si prestada em razão da demora da decisão da reclamação graciosa que apresentaram (cf. art.º 183.º ‑A, n.º 1, do CPPT).

20 Podendo ser considerada a hipótese de a direção dos “serviços de justiça tribu‑tária” ser cometida a pessoas que não sejam funcionários de carreira, “recuperando ‑se”, por esta forma, algo do pensamento que presidiu à (também malograda) experiência do Defensor do Contribuinte.

21 O que, a nosso ver, implica também uma profunda revisão das situações em que, legalmente, é possível a sua dispensa. Entendemos que a obrigação de prestação de garan‑tia não pode continuar a ser decorrência normal da generalidade dos litígios fiscais, que

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exista uma probabilidade séria a existência da dívida tributária adminis‑trativamente liquidada.

Coloca ‑se assim a questão seguinte: deveriam existir mecanismos capazes de permitir uma rápida (mas, necessariamente, perfunctória) apreciação da legalidade da liquidação (e, eventualmente, de outros atos administrativos em matéria tributária) ainda que tão só com o escopo de determinar da exigibilidade de prestação de garantia?

O legislador não tem ignorado o problema: existem, pelo menos, duas soluções legais que vão neste sentido.

A primeira acontece no procedimento de revisão da matéria coletável fixada por avaliação indireta. Nestes casos, o acesso aos tribunais para reanálise da legalidade do quantum fixado impõe a prévia utilização do procedimento de revisão regulado nos art.º 91.º e ss. da LGT.

Interessa ‑nos aqui destacar a possibilidade de intervenção de um perito independente neste procedimento. A principal consequência dessa intervenção é a de, sendo o seu parecer conforme ao do perito do sujeito passivo no sentido da não legalidade de toda ou parte da fixação da matéria coletável, a liquidação subsequente não poder ser executada, sem neces‑sidade de prestação de garantia, na pendência dos processos em que seja pedida a sua reapreciação.

Esta experiência do perito independente tem ‑se saldado num fracasso: poucos são os contribuintes que requerem a sua intervenção. Os custos envolvidos (sempre suportados por quem a requereu, independentemente do resultado final) e o âmbito limitado da sua intervenção explicam ‑no.

A segunda tentativa de minorar a possibilidade de a administra‑ção poder executar todas as liquidações por si decididas (não havendo pagamento voluntário dentro do prazo legal nem prestação de garantia) aconteceu com o DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da

tal obrigação deve ser arredada quando manifestamente não se justifique, nomeadamente quando seja evidente a solvabilidade do devedor (p. ex., interrogamo ‑nos sobre se fará sen‑tido que um banco, uma grande empresa cotada em bolsa, um ente público tenham, siste‑maticamente, que prestar garantia do futuro pagamento das suas dívidas fiscais litigiosas?).

O legislador já deu alguns passos, ainda que muito tímidos, no sentido da inexi‑gibilidade da prestação de garantia: o DL n.º 492/88, de 30 de Dezembro, permite que a autorização para pagamento em prestações de dívidas de IRS e de IRC de valor inferior, respetivamente, a € 2.500 e € 5.000 seja concedida sem tal obrigação, desde que o reque‑rente não seja devedor de quaisquer tributos administrados pela AT.

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Arbitragem em Matéria Tributária). Nos termos dos seus art.º 2.º, al. b) (redação inicial) e al. c) (revogada) e art.º 14.º (revogado) era possível sujeitar a arbitragem questões relativas a projetos de decisão de liquidação, com consequente suspensão da liquidação correspondente às questões suscitadas.

Esta solução legal era, a nosso ver, demasiado temerária, sendo suscetível de originar inúmeros problemas, muito para além do aumento do risco de incobrabilidade. Daí que a revogação destas normas (ao que julgamos saber, antes que tivessem produzido quaisquer efeitos práticos) nos tenha parecido uma medida sensata.

Mas se a bondade da solução legal encontrada é questionável, tal não significa – a nosso ver – que a ideia a ela subjacente não fosse cor‑reta. A questão é simples: é razoável que um credor (ainda que um credor com os particulares deveres de isenção e imparcialidade que impendem sobre as administrações tributárias num Estado de Direito democrático) possa executar “previamente” os créditos que ele próprio decidiu que existem, ou, pelo menos, que possa obrigar os devedores que questionam a existência de tais créditos a garanti ‑los, sem haver lugar a um qualquer controlo feito por terceiro independente (é, no essencial, a velha questão do princípio solve et repete)?

Pensamos ser de ponderar, relativamente à generalidade das liquida‑ções administrativas (e não apenas relativamente às fixações da matéria coletável feitas por avaliação indireta), a hipótese de intervenção, a ini‑ciativa do sujeito passivo, de um perito independente. Este emitiria um laudo, o qual teria como consequência única a inexigibilidade de prestação de garantia enquanto condição de suspensão do processo executivo, na pendência de reclamação ou recurso, relativamente ao total ou a parte do valor liquidado, na medida em que a decisão administrativa não fosse por ele sufragada22.

Em defesa dessa ideia (que não caberá aqui desenvolver em mais pormenor) deixamos duas observações: em primeiro lugar, no quadro pro‑cessual vigente, existe um intervalo temporal suficiente para a “inserção”

22 Ou seja, o efeito vinculativo do laudo do perito independente, relativamente à exigibilidade de prestação de garantia, aconteceria com independência da opinião de quais‑quer outros peritos, diferentemente (e a diferença é essencial) do que acontece no atual procedimento de revisão da matéria coletável fixada por avaliação indireta.

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deste mecanismo, ou seja, não se atrasaria o momento da penhora nos processos executivos que devessem prosseguir23; a administração fiscal, nos casos em que considerasse imperiosa a necessidade de medidas cau‑telares visando garantir a futura cobrança do imposto, sempre teria aberta a via de requerer o arresto de bens do executado24.

5. Meios alternativos de resolução dos litígios tributários

Este tema reconduz ‑nos à questão da arbitragem em matéria tributária.Ainda que sendo um observador empenhado nesta experiência25,

julgo poder afirmar que ela tem feito um caminho lento mas seguro: o número de processos já decididos (praticamente todos num prazo máximo de seis meses, na maioria dos casos em muito menos tempo) e os que estão em via de resolução são já em número significativo, muito embora em número muito inferior ao que poderia ser esperável. A explicação que encontro é a prudência dos contribuintes, a maioria dos quais não quis embarcar nesta experiência nova antes de ter elementos suficientes para a análise das suas virtualidades26.

23 Entendemos que a penhora só é possível após decorridos os prazos em que o sujeito passivo pode reclamar ou impugnar a liquidação, uma vez que a apresentação dos respetivos articulados é o momento último para ele requerer a suspensão do processo executivo, requerendo a prestação de garantia ou ser de tal dispensado. Existe, assim, um intervalo de cerca de 120 dias entre a notificação da liquidação e a possibilidade de efe‑tivação de penhoras, prazo que reputamos de suficiente para a preconizada intervenção do perito independente.

24 Ou seja, o parecer do perito independente não afastaria, só por si, a “provável existência do crédito” da AT enquanto requerente do arresto. Porém, a AT passaria a ter que alegar e provar indícios suficientes do periculum in mora (ou seja, deixaria de bene‑ficiar das presunções legais constantes do art.º 214.º, n.º 1, do CPPT, segundo o qual o justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens se presume no caso de dívidas por impostos que o executado tenha retido ou repercutido a terceiros), pois, de outro modo, o recurso sistemático ao arresto inutilizaria, nestes casos, o efeito útil da intervenção de tal perito.

25 Uma vez que integro a lista de árbitros do CAAD.26 Segundo o já citado inquérito Tax certainty survey, 86% dos inquiridos em Por‑

tugal mostraram ‑se abertos à ideia da arbitragem tributária e outras formas expeditas de resolução dos litígios (sendo que a média global dos que assim pensam, no universo con‑siderado, foi apenas de 76%).

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Alterações recentes, nomeadamente a significativa redução dos encargos implicados quando o sujeito passivo opta por nomear um dos árbitros, poderão levar a que a via da arbitragem ganhe, rapidamente, maior número de adeptos.

Os tribunais arbitrais não só têm demostrado, pelas suas decisões, que são públicas27, serem honestos e imparciais, mas têm igualmente conseguido – tal qual se exige à mulher de César – projetar essa imagem para o exterior. A tal não é estranho o facto de a generalidade dos coletivos ser presidida por magistrados jubilados, entre os quais se contam alguns dos que deixaram marcas impressivas no exercício das suas funções nos tribunais superiores, nomeadamente no STA28.

Os acórdãos são, no geral, bem fundamentados, para o que certa‑mente concorrem as diferentes experiências profissionais dos membros integrantes do coletivo e – cremos – o caráter esporádico deste exercício da função de julgador.

A administração fiscal parece estar a aprender a conviver com a nova realidade que são os tribunais arbitrais tributários, nos quais os funcioná‑rios que a representam aparecem, em geral, bem integrados.

Há, é certo, um número de recursos das decisões arbitrais, interpostos pela AT para os tribunais judiciais, que consideramos manifestamente

27 Todas as decisões arbitrais são disponibilizadas, logo que proferidas, no site do CAAD.

28 Pelo que nos parece ser insensata a criação de entraves ao exercício da função de juiz nos tribunais arbitrais tributários por magistrados jubilados. Porém, tal aconteceu recentemente, em resultado de uma decisão do Conselho Superior dos Tribunais Admi‑nistrativos e Fiscais, que entendeu que o exercício de tais funções não é compatível com o estatuto de jubilação.

Para além de nos ser difícil entender como é que o exercício da função de juiz pode ser vista como constituindo violação de tal estatuto, há que ter presente as diferen‑ças profundas que separam os tribunais arbitrais tributários dos demais tribunais arbitrais. A arbitragem tributária cabe a uma única entidade (o Centro de Arbitragem Administrativa [CAAD]), em regime de monopólio legal, e o Presidente do seu Conselho Deontológico (ao qual cabe, entre outras funções essenciais, a de aceitar as candidaturas ao exercício da função de árbitro e, por regra, a de nomear aqueles (ou aquele) que julgarão determi‑nado processo) é nomeado, precisamente, pelo Conselho Superior dos Tribunais Admi‑nistrativos e Fiscais (para mais desenvolvimentos, Domingos Soares Farinho, «Algumas Notas sobre o Modelo Institucional do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)», Mais Justiça administrativa e Fiscal, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, Coimbra, 2010).

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excessivo, atentas não só as possibilidades legais de recurso29 mas, em especial, a bondade intrínseca de muitas das decisões recorridas. Embora se aguarde com expetativa o modo como os tribunais judiciais, nomea‑damente o TCA, irão lidar com estes recursos, pensamos que esta é uma questão que o sucesso definitivo da experiência da arbitragem tributária, a acontecer, se irá encarregando de resolver.

Para já, pensamos importante assegurar a continuidade da possibili‑dade de transição dos processos pendentes nos tribunais judiciais para os tribunais arbitrais, sempre que essa seja a vontade dos sujeitos passivos e o prazo normal de decisão por aqueles já se mostre ultrapassado30.

Depois, há que ponderar alargar a competência dos tribunais arbi‑trais em razão da matéria, o que entendemos dever ser feito quando e na proporção direta da constatação do efetivo êxito desta experiência. Basta recordar que, de entre as matérias cuja apreciação lhes está vedada se encontram algumas que, pelas suas especificidades, tornariam recomen‑dável o recurso à arbitragem31, pois que, relativamente a elas, mais que um meio alternativo de resolução de litígios, estará em causa um meio especialmente apto de os dirimir32.

29 Segundo o art.º 28.º do RJAT, os fundamentos que possibilitam a impugnação das decisões arbitrais junto do TCA são muito limitados: não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; oposição dos fundamentos com a decisão; pronúncia indevida ou omissão de pronúncia; violação dos princípios do contraditório e da igualdade. Não obstante, a AT tem apresentado recurso de muitas das decisões arbitrais que lhe resultaram desfavoráveis.

30 O art.º 30.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro, permitiu submeter à apreciação dos tribunais arbitrais pretensões que se encontrassem pendentes de decisão em primeira instância há mais de dois anos, com dispensa de pagamento de custas judiciais. Porém, tal possibilidade só podia ser exercida no prazo de um ano, contado da entrada em vigor desse diploma.

A demora no “arranque” da arbitragem tributária e o natural desconhecimento público desta nova realidade fizeram com que fossem relativamente poucos os que apro‑veitaram esta possibilidade.

O que preconizamos é a “repristinação” desta norma, mas sem quaisquer limites temporais.

31 Cf. Casalta NABAIS, «Reflexões sobre a introdução da arbitragem voluntária», Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3967 (2011) p. 249.

32 Manuel F. dos Santos SERRA, «A arbitragem administrativa em Portugal: evo‑lução recente e perspectivas», Mais Justiça Administrativa e Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 23.

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6. Medidas de racionalização da atividade dos tribunais tributários

Finalmente, relativamente aos tribunais tributários, fica a sugestão de algumas medidas que consideramos capazes de reduzir o número de pendências ou agilizar a sua resolução.

Também aqui não iremos entrar em questões de pormenor, não iremos avançar com propostas concretas de alterações legislativas, até porque as questões que poderíamos referir já se encontram, no geral, devidamente identificadas33.

Ficam apenas algumas sugestões de índole genérica, umas de natureza essencialmente organizativa, outras supondo uma intervenção legislativa mais profunda.

6.1 – Quem lida, na prática, com o contencioso nos tribunais tri‑butários sabe bem que o mesmo tipo de questões (que são, as mais das vezes, apenas de direito) tende a repetir ‑se, dando origem a numerosos processos, envolvendo diferentes tribunais e juízes. Muitas dessas questões dão origem a acórdãos do STA (muitas vezes, acórdãos decididos com intervenção do Pleno da Secção do Contencioso Tributário), criando ‑se assim entendimentos jurisprudenciais pacíficos.

Encontrando ‑se claramente definida qual a solução preconizada pelo Tribunal Superior, é difícil de entender que tal não se projete, de imediato, nos processos pendentes34, muitos dos quais poderiam ser rapidamente decididos por mera remissão para o leading case.

Tal não é o que, em geral, sucede. Várias serão as causas explica‑tivas possíveis: os juízes dos tribunais de hierarquia inferior não são, de imediato, informados de tais decisões; se o são, não conhecem muitos dos processos que lhes estão confiados, aos quais aquelas seriam de aplicar, porque ainda não tiveram oportunidade de os analisar35; a cultura dos

33 No Relatório que temos vindo a citar não é preconizada uma reforma global das normas que atualmente regem o procedimento e o processo tributário, mas são sugeridas algumas dezenas de “alterações cirúrgicas” cujo acolhimento, em geral, também preconizamos.

34 E que a administração, através de orientações genéricas, não extraia, de imediato, as necessárias consequências desses entendimentos jurisprudenciais.

35 Aqui poder ‑se ‑ia acolher (e desenvolver) a experiência da arbitragem tributária, em que o requerente apresenta um pequeno “sumário” da questão que dá origem à sua petição.

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nossos magistrados não é a de decidir por remissão, mesmo dentro dos limites que a lei o possibilita, habituados que estão a escrever sentenças de cunho original, pese embora muitas sejam, em larga medida, um exercício de copiar/colar; finalmente, os nossos magistrados tendem a não se sentir obrigados a decidir em conformidade com o entendimento dos tribunais superiores, muito embora acabem, na maioria dos casos, por se louvar no por estes decidido para fundamentarem as suas decisões.

Sem pretender estabelecer um regime de precedentes obrigatórios (o qual, porém – há que o recordar – já acontece relativamente às decisões do TJUE em matéria fiscal), julgamos que uma atitude mais persuasiva da parte das entidades envolvidas (presidentes dos diferentes tribunais tributários, Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais) poderia levar à criação de procedimentos organizativos que permitissem a rápida prolação de sentenças que, ao menos substancialmente, implicam pouca ou nenhuma reflexão. No mesmo sentido, advogamos a prática generalizada da apensação dos processos, sempre que estejam reunidas as condições legais para tal.

6.2 – Em segundo lugar, preocupa ‑nos o efeito desestabilizador que as reclamações dos atos dos órgãos de execução fiscal, feitas ao abrigo do art.º 276.º do CPPT, necessariamente provocarão na planificação que cada juiz fará do seu trabalho. São processos urgentes (não os únicos, mas, certamente, os em maior número) que, por tal, obrigam a que seja proferida decisão em prazo relativamente curto. Muito embora estejam em causa, as mais das vezes, questões relativamente simples, muitos são os magistrados que nos fazem sentir a nocividade da dispersão a que dão azo.

Assim, interrogamo ‑nos sobre a possível conveniência da criação de juízos de execução fiscal, aproveitando para tal ensinamentos de experiên‑cia colhidos no processo civil, aos quais caberia julgar os incidentes de natureza judicial relativos a processos de execução, incluindo as oposições.

6.3 – Finalmente, haveria que ponderar medidas legislativas que redu‑zam a “dispersão” de meios processuais que atualmente existe. Há, a nosso ver, um número excessivo de formas processuais, o que é fator potenciador de insegurança (muitas vezes não é certo qual a forma processual ade‑quada a determinado pedido; as regras de tramitação [p. ex., as relativas a prazos, ao local de entrega da petição, à tramitação dos recursos] são

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substancialmente diferentes consoante a concreta espécie processual) e dá origem a litígios (a recursos) inúteis, tendo por único fim estabelecer qual é, in casu, o meio processual adequado. Existem, também, duplicações de processos geradoras de desperdícios, que temos por inúteis: exemplo paradigmático é o do executado que quer ver reapreciada a legalidade da liquidação do imposto e que invoca, também, factos que a lei considera como constituindo fundamento de oposição à execução (muitas vezes, o caso do revertido que questiona, também, a verificação dos pressupostos de reversão). O particular terá então que lançar mão, praticamente em simultâneo, de dois diferentes meios processuais (v.g., impugnação e oposição à execução), o que dará origem a dois diferentes processos, a, normalmente, dois diferentes juízes terem que apreciar uma factualidade em larga medida coincidente, com evidente desperdício de tempo e recur‑sos, especialmente quando, como tantas vezes acontece, as testemunhas a serem ouvidas sejam as mesmas. A redução dos meios processuais não será tecnicamente difícil, pois bastará seguir as orientações da reforma que presidiram ao contencioso administrativo. Assim, a atual ação de impugnação deveria ser transformada na forma processual normal do contencioso tributário36, à semelhança do que acontece com a ação admi‑nistrativa especial no processo administrativo (acabando, portanto, grande parte da pluralidade de espécies processuais hoje existente), podendo nela ser cumulados pedidos a que, em princípio, corresponderiam diferentes formas processuais.

36 “Por outro lado, é defensável que a impugnação judicial, mais simples e proces‑sualmente menos onerosa, é um meio cabalmente adequado à apreciação dos actos para os quais a lei, hoje, impõe a acção administrativa especial” – PORTUGAL, Relatório, cit., p. 658.

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António MartinsFaculdade de Economia da Universidade de Coimbra

António Martins

A dedutibilidade dos juros e a noção de “atividade” das sociedades: a propósito do artigo 23.º do CIRC

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RESUMO:

Tem sido frequente, por parte da Administração Tributária, a desconsideração fiscal de juros suportados por sociedades participantes (que não têm a forma jurídica de Socie‑dades Gestoras de Participações Sociais) decorrentes de capitais alheios por estas obtidos e que sejam aplicados no financiamento de sociedades participadas.

O propósito deste texto é o de apresentar uma leitura crítica de tal posição por dela emergir um critério essencial para desconsiderar os ditos juros: o de que não se relacio‑nam com a atividade das entidades participantes. Esse critério ou fundamento carece de discussão mais aprofundada. Tanto mais que o arrimo doutrinal usado pela administração tributária e pelos tribunais nos merece leitura diversa.

Palavras ‑chave: Indispensabilidade de gastosNoção de atividade empresarialDedutibilidade de juros

ABSTRACT:

In many circumstances, some Portuguese companies have seen financing costs being denied tax deduction, based on the assertion that related debt is not linked to the companies’ activity.

We propose a different view of the issue, by extensively discussing the notion of business activity.

Key words: Expense deductionInterest chargesCorporate income tax

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1. Introdução

Tem sido frequente, por parte da Administração Tributária (AT), a desconsideração fiscal de juros suportados por sociedades participantes (que não têm a forma jurídica de Sociedades Gestoras de Participações Sociais – SGPS) decorrentes de capitais alheios por estas obtidos e que sejam aplicados no financiamento de sociedades participadas. Tal facto tem originado não poucos litígios entre os contribuintes e o Estado.

A administração fiscal tem considerado vários motivos para tal pro‑cedimento. Em primeiro lugar, tem sustentado que tais gastos financeiros não cumprem o requisito estabelecido no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, pois não respeitariam a condição de “indispensabilidade” estabelecida nesse preceito.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem julgado como procedentes, ao abrigo do referido artigo 23.º do CIRC, correções efetuadas pela administração fiscal referentes à desconsideração de juros suportados com empréstimos que financiam participadas.

O propósito deste texto é o de apresentar uma leitura de tais posições (quer da administração fiscal, quer do STA) por, em nosso entender, nelas se revelar um critério essencial para desconsiderar os ditos juros: o de que não se relacionam com a atividade das entidades participantes.

A nosso ver, tal critério ou fundamento carece de discussão mais apro‑fundada. Tanto mais que o arrimo doutrinal utilizado pela administração tributária e pelo STA dificilmente sustenta tal interpretação.

Assim, numa primeira parte do texto efetuaremos um breve per‑curso analítico sobre conceitos económicos, contabilísticos e fiscais que julgamos nucleares para a elucidação do tema. Posteriormente, entra ‑se na discussão da relação entre a indispensabilidade de gastos e atividade societária no contexto do artigo 23.º do CIRC.

Com bem se sabe, as questões tributárias relacionadas com a dedu‑tibilidade dos juros têm a sua razão de ser num ponto crucial que todos os sistemas fiscais têm de resolver: se o tratamento dado aos rendimentos do capital alheio é neutro relativamente ao que é concedido aos do capital próprio. O elemento fiscal reveste ‑se, pois, de um papel de monta nas decisões de financiamento.

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2. As formas de financiamento empresarial e o fator fiscal

As decisões de financiamento das empresas são influenciadas por inúmeros fatores. De entre eles destacam ‑se a taxa de juro, o risco de falência, a estrutura dos ativos, o tratamento fiscal de juros, dividendos e mais ‑valias ou a separação entre propriedade administração.

Constitui assunto por demais conhecido na literatura económica e jurídica que a principal causa da influência da fiscalidade nas operações de financiamento societário radica na falta de neutralidade no tratamento tributário dos rendimentos do capital próprio e da dívida. Na verdade, na generalidade dos sistemas fiscais (incluindo o português) os juros da dívida inscrita nos balanços empresariais são, em regra, dedutíveis em sede de imposto sobre o rendimento, o mesmo não acontecendo aos dividendos.

Assim, na literatura nacional, veja ‑se MAnuel FreitAs PereirA, Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2005, refere, a p. 394 e 395 o seguinte: “Pelo que as decisões sobre a estrutura de capital das empresas têm de equacionar todos os aspetos relevantes e ter igualmente em consideração os impostos que incidem sobre os financiadores (…) para se aferir a carga fiscal global nas várias alternativas.”

Também António MArtins, A fiscalidade e o financiamento das empresas, Edições Vida Económica, Porto, 1999, analisa o impacto do tratamento fiscal de juros, dividendos e mais ‑valias nas escolhas relativas à estrutura financeira das empresas; isto é, à opção entre dívida e capital próprio. Aí se evidenciam certas variáveis fiscais (taxas de tributação, acréscimos e deduções fiscais ao resultado contabilístico do exercício, regras sobre reporte de perdas, benefícios fiscais e outras) que hão ‑de ser tidas em conta na escolha das estruturas financeiras societárias. E também se mostra, no plano empírico, que as sociedades portuguesas adaptaram as suas estruturas de financiamento no seguimento de um vasto programa de concessão de incentivos fiscais ao uso de capital acionista. Quer dizer: os gestores foram, como seria de esperar, sensíveis à variável fiscal nas suas escolhas financeiras.

Na literatura estrangeira, é de referir o clássico manual de M. sCHoles e M. WolFson, Taxes and business strategy, Prentice Hall, N. York, 2008. Esta obra, porventura a mais utilizada nos EUA em cursos sobre Fiscalidade e Gestão, dedica uma boa parte do respetivo conteúdo

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à análise do impacto fiscal na estrutura de financiamento das empresas, ou seja, à opção entre capital próprio e dívida.

Ainda neste âmbito, na obra de J. Finnerty e D. eMery, Debt management, Harvard Business Press, Boston, 2001, salienta ‑se, p. 166, que o endividamento pode acrescentar valor na prossecução de atividades empresariais “by reducing the combined taxes of issuers and investors”.

Em suma, existindo falta de neutralidade no tratamento fiscal da dívida e do capital próprio tal pode influenciar as múltiplas variáveis tri‑butárias e não tributárias que essa falta de neutralidade envolve (v.g., na escolha das formas jurídicas, no timing de realização das operações, nas formas de reorganização societária, nos tipos de instrumentos financeiros a usar).

Todavia, com também se compreende, os Estados foram reagindo às soluções que, no entender das autoridades fiscais, iam por vezes para lá do limite aceitável, colocando em causa outros valores a que um sistema fiscal deve atender. Entre nós, essa reação traduziu ‑se, essencialmente, na criação de legislação relativa às condições gerais da dedutibilidade dos gastos (artigo 23.º do CIRC), na inserção na Lei Geral Tributária (LGT) de uma cláusula geral anti ‑abuso (artigo 38.º, n.º 2, da LGT), no estabe‑lecimento de cláusulas anti ‑abuso específicas, ou mesmo na criação de diplomas legais que tipificam esquemas ou atividades qualificadas de abu‑sivas (é o caso, entre nós, do Decreto ‑Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro).

A partir desta breve nota relativa ao possível impacto fiscal das ope‑rações de financiamento, vejamos agora algumas das suas consequências práticas, sobretudo a partir de um prisma de “indispensabilidade” desses encargos – pois esse é o tema central deste artigo – no âmbito das opera‑ções que se descrevem.

Assim, admita ‑se, num primeiro caso, que uma dada empresa, fabri‑cante de um bem ou prestadora de um serviço, sujeita a IRC, apresentava um ativo de € 100 000 e um capital próprio de € 100 000, não tendo qual‑quer dívida como fonte de financiamento. Se tal entidade, num segundo momento, se endividar em € 50 000 e, passando a deduzir juros, reduzir o IRC a pagar, estamos perante gastos cuja aceitação pode ser recusada ao abrigo do artigo 23.º do CIRC e do requisito da indispensabilidade?

Julgamos que não existem dúvidas de que se trata de custos dedu‑tíveis. Nem temos, que seja do nosso conhecimento, notícia de que, em situações semelhantes, a administração fiscal os desqualifique, sem mais.

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O que se busca, no âmbito de escolhas normais da atividade de gestão, é uma estrutura financeira diferente, que altera o imposto a pagar por uma via que explora a falta de neutralidade fiscal no tratamento de juros e dividendos1.

Suponha ‑se agora um segundo caso, algo mais abrangente, no âmbito do qual a empresa ALFA, SA apresenta o seguinte balanço:

Ativo fixo 500 Capital próprio 400Ativo corrente 500 Dívida 600

Se o respetivo lucro operacional for de 100 e a taxa de juro paga pela dívida for de 7%, então o juro será de 42 (600*7%) e o lucro antes de imposto de 58. Admitindo que a taxa do imposto societário é de 25%, o imposto pagar será de 14,5 e o lucro líquido de 43,5. A rendibilidade do capital acionista, dada pela relação entre lucro líquido e capital próprio (43,5/400) será de 10,8%.

Considere ‑se que a dita empresa ALFA, SA, estuda a aquisição da empresa BETA, SA. Esta, por seu lado, apresenta o seguinte balanço:

Ativo fixo 100 Capital próprio 100Ativo corrente 100 Dívida 100

Quantos aos resultados, admita ‑se que o lucro operacional de BETA é de 20 e a taxa de juro suportada de 6%, o que implica juros no valor de 6 e um lucro antes de imposto de 14. Assim, continuando a supor uma taxa de imposto de 25%, será de 3,5 o imposto a pagar e de 10,5 o lucro líquido.

Ora, a operação de aquisição de BETA será, por certo, precedida da avaliação do respetivo capital acionista; ou seja, da estimativa do seu “fair value”. Supondo tal avaliação efetuada pelo método dos fluxos de caixa (cash flows) descontados e que se estima o valor do capital acionista de BETA em 300, então haverá que reconhecer no balanço de ALFA, após a

1 Uma análise detalhada desta problemática pode ser vista em António MArtins, “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano I, n.º 2, 2008, p. 31 e seguintes.

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aquisição, um goodwill de 200. Este é dado pela diferença entre o preço a pagar (300) e a quantia escriturada do capital próprio de BETA (100). (Supondo, por simplificação, que os valores contabilísticos de BETA são já “justos valores”).

Avaliada a empresa BETA, e tendo ‑se alcançado um acordo de compra por 300, surge a inevitável questão: como financiar a aquisição? Com capital próprio, solicitando aos acionistas de ALFA que reforcem o capital desta em 300 para, de seguida, pagar aos acionistas de BETA? Com endividamento, ou seja, endividando ALFA em mais 300 e usando essa entrada de fundos para adquirir BETA? Ou com um misto de ambas as fontes de capital?

Admita ‑se, a fim de ilustrar o respetivo impacto fiscal, que a decisão financeira tomada implicava que ALFA se endividaria em 300 e pagaria uma taxa de juro de 8%, suportando assim juros adicionais de 24. Nesta situação, o balanço da nova empresa resultante da entrada em ALFA do património de BETA seria:

Ativo fixo 600 Capital próprio 400Goodwill 200 Dívida antiga (600+100)= 700

Ativo corrente 600 Nova dívida 300

Se admitirmos que os resultados após a compra resultam da simples adição dos que se verificavam antes, o lucro operacional será de 120 (100 + 20). A totalidade dos juros será de (42 + 6 + 24) = 64. O resultado antes de imposto será de 56, o imposto de 14 e o lucro líquido de 42. A rendibilidade do capital acionista será (42/400) = 10,5%.

Como se vê, mesmo sem considerar qualquer impacto positivo nos lucros por via de redução de gastos ou aumento de rendimentos derivados da aquisição, a rendibilidade do capital acionista mantém ‑se idêntica. Por seu turno, o Estado vê a receita arrecadada passar de 18 para 14.

O financiamento da aquisição de BETA através de dívida constitui motivo para impedir a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados por ALFA para financiar a aquisição de BETA? É certo que a entidade adquirente poderia ter ‑se financiado com capital próprio, ou com um misto de formas de financiamento. Em tal caso, os acionistas de ALFA poderiam ver a rendibilidade do capital investido diminuir e o Estado não sentiria uma tão forte redução da receita.

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Mas parece absolutamente claro que não se pode, sem outros argu‑mentos – v.g., planeamento abusivo – negar a dedutibilidade dos juros, já que a opção por certa forma de financiamento constitui uma escolha livre dos gestores, e o menor imposto só resulta afinal da falta de neutra‑lidade entre o tratamento fiscal de juros e dividendos que o sistema fiscal estabelece. Não se ultrapassou a lógica de um ato normal e ponderado de gestão, que escolheu, dentro da margem de liberdade de atuação que deve ter, a forma de financiamento considerada mais apropriada.

E, por fim, no intuito de apresentar um exemplo mais próximo do tema tratado neste texto, admita ‑se que uma entidade participante (GAMA, SA) detém 100% de DELTA, SA, sua participada. Caso DELTA necessite de financiamento (para realizar investimentos, para reequilibrar a sua estrutura financeira ou por outras razões) GAMA pode, no âmbito das suas atividades de gestão da dita participação, recorrer a várias fontes de fundos para, de seguida, os aportar a DELTA. Caso a participante se endivide e suporte juros, será que se deve negar a dedutibilidade de tais encargos com base no argumento da indispensabilidade?

O que até aqui se expôs no plano conceptual, e se mostrou nos exem‑plos apresentados, evidencia um ponto inegável: o da especificidade fiscal das operações de financiamento. Em particular, o regime da dedutibilidade dos juros que delas emergem. Como tem vido a ser tratada esta questão, quer internacionalmente, quer em Portugal? Disso nos ocuparemos de seguida.

3. Soluções internacionais sobre a dedutibilidade dos juros

3.1. Problemas conceptuais e soluções possíveis

A questão da dedutibilidade dos juros suportados pelos entes sujeitos ao imposto de rendimento societário tem merecido, em diversos países, uma atenção particular por parte da legislação, da doutrina e da jurispru‑dência. Neste ponto passar ‑se ‑ão em revista, ainda que de forma sintética, desenvolvimentos recentes2 relativamente a tal matéria.

Na esteira da literatura nacional e internacional anteriormente citada, M. devereux et al., Interest deductibility for UK corporation tax, Oxford

2 À data de Novembro de 2012, em que se escreve este texto.

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University Centre for Business Taxation, 2006, sublinham que, num plano conceptual, a distinção entre dívida e capital próprio assenta nas seguintes características:

i) O endividamento gera um direito preferencial (juro) relativa‑mente ao rendimento gerado pela empresa; o capital próprio confere apenas um direito residual (dividendo).

ii) A dívida implica o recebimento de uma remuneração pré‑‑determinada, previamente acordada; o capital próprio apenas confere o direito a uma remuneração contingente ou dependente da existência de um excedente económico.

iii) Os credores não têm, em regra, direito de voto acerca da con‑dução os negócios sociais; cabendo tais direitos aos acionistas.

A partir desta distinção, os autores questionam ‑se acerca do tratamento fiscal que os rendimentos da dívida e do capital próprio deverão ter na esfera do imposto de rendimento societário. A perspetiva dominante, e justifica‑dora do tratamento preferencial que aos juros é conferido na generalidade dos sistemas fiscais, reside no facto de estes serem considerados custos (gastos) inerentes à atividade, ou ao negócio. Ou seja, numa empresa endi‑vidada, a remuneração dos credores abate ao rendimento dos acionistas, e é este (o lucro) que constitui a base do imposto de rendimento das sociedades.

Assim, concluir ‑se ‑ia que a dedução dos juros radica no facto de, constituindo gastos decorrentes de compromissos contraídos com tercei‑ros, eles terem uma natureza diversa da remuneração variável ou contin‑gente que será paga aos acionistas, depois da dedução de todos os gastos incorridos na prossecução das atividades empresariais.

Naturalmente que os referidos autores contrapõem a este princípio um outro, bem conhecido da teoria fiscal: o da eficiência. Segundo este, as escolhas dos agentes económicos não deveriam ser influenciadas pelo tratamento fiscal de diversas formas de organização, de diferentes formas de financiamento ou de outros fatores que contribuem para a falta de neutralidade fiscal.

Do confronto entre estas duas perspetivas surgem as medidas possí‑veis para lidar com o problema da falta de neutralidade na tributação dos rendimentos resultantes das formas de financiamento empresarial. Uma solução consistiria na pura e simples abolição da dedutibilidade dos juros em sede da tributação empresarial. Uma segunda, passaria por manter esta

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dedutibilidade e consagrar a possibilidade de as empresas deduzirem uma remuneração convencional do capital próprio.

Adotando ‑se a segunda perspetiva, quer uma fonte de financiamento quer outra teriam a sua remuneração abatida no apuramento do lucro tributável. Entre ambas as soluções encontra ‑se uma outra: a de manter, como princípio geral, a dedutibilidade dos juros; e introduzir cláusulas anti abusivas, como a subcapitalização ou a aplicação das regras dos preços de transferência, sempre que se entenda que as escolhas financeiras têm efeitos tendencialmente abusivos.

Esta discussão sobre qual o melhor tratamento que, no plano dos princípios norteadores de um sistema fiscal, se deve a conceder aos ren‑dimentos da dívida e do capital próprio tem sido bastante viva. Nos EUA, por exemplo, existem sobre tal matéria perspectivas muito contraditórias.

Num dos lados da controvérisa, steve WAldMAn3 apresenta a seguinte proposta: “Put payments to stockholders and payments to bondholders on a level playing field. Eliminate the tax deduction for business interest payments”. Por seu turno, R. CArrol e T. neuBiG, Business Tax reform and the tax treatment of debt, Ernst and Young, 2012, pp. 1, sustentam que a eliminação geral da dedutibilidade dos juros nos EUA implicaria o abandono de um princípio estabelecido em 1909 aquando da conceção da tributação do rendimento societário: o de que os juros seriam custos da atividade empresarial (legitimate business expenses), tendo um tratamento idêntico aos salários e outros custos, ou seja, serem dedutíveis em sede da entidade que os suporta e tributáveis no recipiente.

Neste percurso relativo às tendências internacionais sobre a dedutibi‑lidade dos juros, vejamos então algumas soluções legislativas e, também, certas decisões jurisprudenciais.

3.2. Soluções consagradas em alguns sistemas fiscais estrangeiros

Na Bélgica, e conforme o Federal Public Service, “National Interest deduction: an innovative Belgian tax incentive4”, 2012, foi criada, para vigorar a partir de 2007, a “notional interest deduction”. Tal dedução con‑

3 Texto disponível em: www.interfluidity.com/posts/1200990211.shtml4 Disponível em www.invest.belgium.be

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siste em aplicar uma taxa de 3% (que se eleva a 3,5% no caso de PME) ao capital próprio que financia as empresas e considerar tal montante como gasto fiscalmente dedutível. Ou seja, à dedutibilidade dos juros corres‑ponderia o abatimento de um rendimento do capital próprio, buscando assim equiparar, no plano tributário, ambas as formas de financiamento. Nesta solução, apenas se grava o excedente económico após uma remu‑neração convencional do capital acionista (um juro fictício apurado sobre o capital próprio).

Num outro sentido, países como a Itália5 ou a Finlândia, entenderam modificar as regras fiscais referentes à dedutibilidade dos juros, aplicando uma limitação quantitativa em função do resultado antes de juros, depre‑ciações, amortizações e impostos (EBITDA, na linguagem do Sistema de Normalização Contabilística – SNC).

Quanto a Itália, e desde 2008, a quantia de juro pago que excede o juro recebido pode ser deduzida até à proporção de 30% do EBITDA da entidade que o suporta. A parte não dedutível (excess interest) pode ser reportada indefinidamente para anos posteriores e dedutível aos resultados então obtidos.

No que respeita à solução finlandesa6, a entrar em vigor em 2013, ela é semelhante à italiana. Ou seja, usa ‑se o EBITDA como resultado base, e restringe ‑se a dedutibilidade dos juros a uma proporção de 30% desse resultado. Todavia, também à semelhança do caso italiano, o juro não dedutível num dado ano é reportável indefinidamente.

Como se vê, no plano internacional, ambas as soluções de princípio – limitar a dedutibilidade dos juros, ou admitir a dedutibilidade de uma remuneração convencional do capital próprio – vêm sendo acolhidas. Todavia, nos casos em que se optou por fazer depender a dedutibilidade destes encargos do montante do EBITDA não se exclui o reporte para diante dos juros não dedutíveis num dado exercício.

No plano das decisões jurisprudenciais, também a questão da dedu‑tibilidade dos juros tem merecido atenção significativa. No Canadá7, por exemplo, a administração fiscal sustentou que para que o juro incorrido

5 Veja ‑se World Tax Advisor, “Italy: guidance issued on interest deduction rules”, 2009.6 Veja ‑se Finland to introduce interest deduction limitation rules, 2012, disponível

em: www.taxplanet.com/magazine7 Veja‑se Standard Life, Interest dedutibility, 2008, disponível em www.standardlife.ca

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numa atividade empresarial fosse dedutível, os fundos teriam de ser usados com finalidade de obter rendimento líquido positivo de uma actividade negocial ou de um investimento (“borrowed funds must be used for the purpose of earning income from a business or property”).

Num caso que alcançou notoriedade (envolvendo um litígio entre as autoridades tributárias canadianas e Ludco Enterprises Ltd) o Supremo Tri‑bunal canadiano entendeu que “income” não deveria ser entendido como resultado líquido positivo ou lucro líquido. Ou seja, a dedutibilidade dos juros não estaria condicionada à obtenção de um lucro por via da aplicação dos fundos que determinaram o pagamento daqueles encargos financeiros. Se um dado ativo fosse financiado por dívida, e tal gerasse juros a pagar, estes seriam dedutíveis ainda que o dito ativo não produzisse um ganho líquido. (A não ser que, bem entendido, outra disposição do Código do Imposto de Rendimento impedisse tal dedução). Mas a aplicação da regra da ligação necessária (indispensabilidade ou nexo causal) entre custos e proveitos não poderia ser usada para negar a dedutibilidade de juros que financiavam ativos não geradores de rendimentos líquidos.

Ainda de acordo com a fonte consultada, no caso Ludco o Supremo Tribunal canadiano considerou que o significado da relação entre gastos e rendimento não é o de obrigar à existência de um lucro líquido obtido a partir dos investimentos financiados com a dívida geradora de juros. Na ausência de uma transação desqualificável por outras regras fiscais (v.g., cláusula anti ‑abuso) os tribunais não deveriam preocupar ‑se com a suficiência do rendimento recebido ou esperado8.

Também em França existiram recentemente mudanças na legisla‑ção referente à dedutibilidade dos juros suportados no seguimento de financiamentos obtidos para compra de ações9. Assim, em 2011, uma nova cláusula foi introduzida com o propósito de restringir a dedutibili‑dade dos juros derivados de empréstimos contraídos para a aquisição de

8 “The plain meaning os section 20 (1)(c )(i) does not support an interpretation of “income” as the equivalent of “profit” or “net income”. Therefore, absent a sham or window dressing or similar vitiating circumstances, courts should not be concerned with the sufficiency of the income expected or received.”

9 Veja ‑se Latham & Watkins, “Focus on the new French restrictions applicable to the tax deduction of interest incurred on debt financing contracted in connection with certain leveraged acquisitions”, 2012.

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ações. Tais restrições seriam, no entanto, inaplicáveis se fosse demons‑trável que:

i) As decisões relativas a essas ações seriam tomadas pela empresa que as adquirira ou por uma sua filial;

ii) A empresa adquirente (ou o grupo de que faça parte) tem efetivo poder de controlo ou influência sobre a empresa adquirida.

Em suma, visa ‑se evitar a dedutibilidade dos juros em operações de financiamento da aquisição de ações que encerram um elevado grau artificialidade económica. Aquelas partes de capital, sendo formalmente adquiridas por uma sociedade que para tal se endividaria, enquadrar ‑se ‑iam numa operação que serviria para, na realidade, uma sociedade estrangeira utilizasse uma entidade francesa controlada a partir do exterior. A entidade sedeada em França endividar ‑se ‑ia, deduzindo juros de uma operação na qual seria simples “testa de ferro”.

Todavia, a restrição à dedutibilidade dos juros apresenta também as condições para que ela não tenha efeito. A localização em França do “centro de decisão e controlo” constitui cláusula de salvaguarda para o contribuinte, e a dedutibilidade os juros decorrentes do financiamento na compra de ações será aceite desde que se cumpra o estabelecido nas citadas alíneas i) e ii).

Na Holanda foi também introduzida a designada “base erosion rule”. Esta regra restringe a dedutibilidade de juros suportados em empréstimos interempresas de um mesmo grupo se o empréstimo estiver relacionado com: pagamento de dividendos, contribuições para o capital ou compra de ações. Todavia, são também aplicáveis cláusulas de salvaguarda. Ou seja, caso o contribuinte mostre que “the transaction and the loan are based on sound business considerations”, ou que o juro pago é taxado, no recipiente, por uma taxa não inferior a 10%, a restrição à dedutibilidade já não se aplica.

A solução holandesa enfatiza pois uma ligação entre a dedutibilidade dos juros e o preenchimento da condição de eles serem incorridos no âmbito de operações que tenham um business purpose. Isto é, nas quais seja visível uma ligação à atividade prosseguida pela empresa.

Por fim, no Reino Unido10, e de acordo com uma análise recente: “The UK government has considered whether it should restrict the right to an

10 Veja ‑se Slaughter and May, “Restrictions on Tax deductions for acquisition finan‑cing”, 2012. Disponível em www.slaughterandmay.com/

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interest deduction on a number of occasions, but each time has decided against any such restriction. There are a number of specific anti ­avoidance rules restricting interest deductibility – transfer pricing, debt cap regime. The general principle, however, is that acquisition debt is deductible for tax purposes, even if it is funding the acquisition of assets that are unlikely ever to generate any UK taxable profits”.

Também no Reino Unido vigora assim um princípio geral de deduti‑bilidade dos juros decorrentes de passivos contraídos para financiar ativos. Estes não têm, necessariamente, de gerar rendimento. Subentende ‑se, para admitir essa dedutibilidade, que a aquisição de tais ativos e o seu financiamento se hão ‑de enquadrar no âmbito das atividades das empresas. Ou seja, não lhe podem ser estranhas ou alheias ao seu interesse.

Após este percurso pelo tratamento internacional da questão de dedu‑tibilidade dos juros, vejamos em seguida, com maior desenvolvimento, o caso português.

4. A lei e a doutrina a propósito da dedutibilidade dos gastos

4.1. Introdução

A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 104.º, n.º 2, que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Por seu turno, a Lei Geral Tributária dispõe, no seu artigo 4.º, n.º 1, que “os impostos assentam essencialmente na capa‑cidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

O conceito de rendimento – que é o índice da capacidade contribu‑tiva – é aqui erigido como uma pedra basilar da tributação no ordenamento jurídico ‑fiscal português.

No caso das empresas sujeitas ao IRC como se traduz na prática um tal conceito? Di ‑lo o artigo 17.º, n.º 1, do CIRC ao estabelecer que “o lucro tributável […] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, deter‑minados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

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Numa relação de dependência, ainda que parcial, entre resultado fiscal e resultado apurado pela contabilidade, o CIRC estabelece como base do apuramento do resultado tributável o lucro ou o prejuízo apurado pela contabilidade. Porém, e visando salvaguardar o interesse público subjacente à tributação, impõe certos requisitos à consideração fiscal de proveitos e custos11.

É na parte dos custos que tais requisitos surgem mais desenvolvidos, sendo o artigo 23.º a disposição que estabelece o princípio geral da sua aceitação, considerando custos ou perdas fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos custos para fins fiscais: a sua indispensabilidade.

O significado de tal requisito é, todavia, questão muito debatida. Na verdade, várias aceções se podem considerar na sua aplicação concreta. Desde logo, uma que, assente numa perspetiva restrita, o interpreta como impondo a ligação entre um custo suportado e um proveito obtido como condição sine qua non para a dedutibilidade do custo; até a uma outra que, numa ótica mais ampla, admite a dedutibilidade desde que um custo seja incorrido no âmbito de operações relativas ao escopo societário, independentemente de contribuir ou não para a obtenção de proveitos. E têm ‑se defendido ainda teses intermédias, como sejam as de equiparar os custos indispensáveis aos custos obrigatoriamente suportados em virtude da atividade das empresas.

Na doutrina jurídico ‑fiscal portuguesa, encontramos textos que apresentam um desenvolvido tratamento sobre qual deve ser a interpre‑tação apropriada do artigo 23.º do CIRC. Deles destacamos os da autoria de TOMÁS C. TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, p 7 ‑180; e de António M. PortuGAl, “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coim‑bra Editora, 2004.

11 Ao longo deste texto utilizar ‑se ‑á indistintamente a terminologia contabilística que constava do POC – proveitos e custos – e a que agora consta do SNC – rendimen‑tos e gastos.

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A generalidade da doutrina12 toma estas duas obras como referência para a discussão do conceito de indispensabilidade vazado no artigo 23.º do CIRC. A jurisprudência tem também utilizado amiudadamente os conceitos analíticos expendidos nestas obras. Adicionalmente, e porque o conteúdo destas obras é frequentemente chamado a justificar interpretações, por vezes bem divergentes, da jurisprudência nacional sobre o significado de “indispensabilidade”, vale a pena averiguar o que nelas se sustenta relativamente à interpretação do dito conceito. É o que se fará de seguida.

4.2. Interpretação doutrinal do conceito de “indispensabilidade” cons‑tante do artigo 23.º do CIRC

Na primeira das mencionadas obras, toMás tAvAres sublinha a divergência de interesses que se pode verificar entre a contabilidade e a fiscalidade na área da tributação do rendimento societário13. Na verdade, e tomando apenas um potencial fator de divergência – a aplicação do princípio da prudência ou do conservadorismo – a sua irrestrita aplicação fiscal poderia induzir a estimativa e registo contabilístico de custos com o único fito de diminuir a matéria tributável.

Todavia, como o mesmo autor bem sublinha14, os desfasamentos entre a contabilidade e a fiscalidade, até por força do disposto no artigo 17.º do CIRC, “não podem revestir uma densidade tal que acabem por aniquilar a similitude entre os dois hemisférios, com a violação, em última instância, do próprio princípio da capacidade contributiva…”.

No âmbito destas linhas analíticas como interpretar então o conceito de indispensabilidade contido no artigo 23.º do CIRC? O autor aponta três possíveis interpretações, defendendo que apenas uma delas constitui a solução correta.

Um primeiro entendimento traduzir ‑se ‑ia numa relação necessária ou obrigatória entre custos suportados e proveitos obtidos. Um tal entendi‑mento de indispensabilidade significaria que só a “absoluta necessidade” de um gasto para obter um rendimento (proveito) permitiria deduzi ‑lo

12 Veja ‑se, entre outros, J. CAsAltA nABAis, Direito Fiscal, Almedina 2010; e J. sAldAnHA sAnCHes, Direito fiscal, Coimbra Editora, 2007.

13 Op. cit., pp. 58 ‑6114 Op. cit., pp. 95

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como componente negativa do lucro tributável. toMás tAvAres não tem dúvidas em a qualificar de absurda uma tal interpretação. Fá ‑lo nos seguintes termos15: “ …o afunilamento proposto por esta conceção levaria à desconsideração fiscal de certos decaimentos suportados, verdadeira e realmente, pela organização, em clara e flagrante violação do princípio da capacidade contributiva….Em segundo lugar, dado que, no limite, nunca se aceitaria a dedutibilidade dos custos conexos com negócios que se revelassem ruinosos para empresa, dada a ausência (ou insuficiência) dos proveitos decorrentes. Ora a verdade é que Direito Tributário não pode censurar uma infrutífera política empresarial…O Direito Fiscal tem de reconhecer o direito ao erro do dono do negócio.”

Uma segunda interpretação do conceito de indispensabilidade – signi ficando “conveniência” – é tratada pelo autor nos seguintes termos16: “…este desiderato não se ergue como diapasão interpretativo, quer em atenção aos inúmeros problemas práticos que coloca, quer, sobretudo, porque também consente no controlo administrativo sobre o mérito das decisões empresariais. Efetivamente, a conveniência é um conceito frágil, com uma significação aberta e indefinida, que propicia a imiscuição da máquina administrativa nas opções económicas dos contribuintes”.

Por fim, o autor perfilha a tese segundo a qual a correta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos custos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das ativi‑dades resultantes do seu escopo societário.

Vejamos, de seguida, como o sustenta. Sublinhe ‑se, desde já, que o trecho que se cita de seguida tem sido usado para fundamentar o que, a nosso ver, constituem interpretações bastante díspares acerca do signifi‑cado do conceito de indispensabilidade e que a obra citada não nos parece, de todo, perfilhar.

A redação do trecho é de molde a dividi ‑lo em partes, que, desgarra‑das, têm servido propósitos interpretativos do conceito de indispensabili‑dade que, supomos, o autor não perfilharia. Depois do que vai dito, deve agora citar ‑se todo o texto, e evidenciar portanto o dizer completo do autor. Mais adiante se fará uma análise quer à formulação, quer, sobretudo, à interpretação desajustada de que por vezes tem sido alvo.

15 Op. cit., pp. 132 ‑13316 Op. cit., pp 134

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Eis o trecho17: “A noção legal de indispensabilidade recorta ‑se, portanto, sobre uma perspetiva económico ‑empresarial, por preenchi‑mento, direto ou indireto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpre‑tação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa”.

E continua18: “ …A indispensabilidade subsume ‑se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabi‑lidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.

A. MourA PortuGAl, discutindo embora o mesmo conceito, trata sobretudo da história da interpretação jurisprudencial que dele foi feita desde o tempo da Contribuição Industrial até 2001. De todo o modo, este último autor, e no tocante à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, adota a seguinte posição19:

“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário. Esta posi‑ção está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objeto societário, recusando que esta indispensabili‑dade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjetivo do aplicador da lei20”.

17 Op. cit., pp. 13618 Op. cit., pp ‑13719 Op. cit., pp. 11220 Citando vítor FAveiro, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte

no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, pp.847 ‑848, o autor destaca o seguinte trecho:” …Só podendo ser os custos objecto de correcção directa, nos termos do artigo 23.º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objectos e ao fim económico e gestionário global da empresa”.

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Vale a pena mencionar a análise que o autor apresenta da posição de toMás tAvAres, que é a seguinte21: “ Colocando a ênfase no custo e na respetiva ligação ao interesse da empresa, o autor defende que o critério legal da indispensabilidade apenas visa negar a qualidade de custo fiscal aos encargos abusivamente registados na contabilidade, mas que não são verdadeiros e reais custos da sociedade”. Por fim, A. MourA PortuGAl sustenta que se nota na doutrina uma propensão para interpretar o conceito de indispensabilidade de forma ampla, “asserção com a qual concordamos em absoluto”.

Em suma: as obras de referência sobre esta questão afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos. Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objeto societário, seja incorrido no âmbito da atividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

Como se referiu na introdução a este artigo, a temática central que aqui nos ocupa é a dedutibilidade dos juros e sua ligação á atividade empresarial. Ora, à data em que escrevemos este texto, está já aprovado, ainda que apenas na generalidade, o Orçamento do Estado (OE) para 2013. Dele consta, como a seguir se verá, uma importante mudança no regime da dedutibilidade dos juros.

A lei sofrerá pois uma alteração de vulto relativamente ao enquadra‑mento tributário dos encargos financeiros. Tal mudança, tendo para muitas empresas um impacto quantitativo apreciável na determinação do lucro tributável, não elimina porém a questão da aplicação do princípio geral de dedutibilidade dos gastos previsto no artigo 23.º do CIRC, respeitante à sua indispensabilidade.

4.3. O Orçamento do Estado para 2013 e a dedutibilidade dos juros

Na Proposta n.º 103 ‑XII, de 15 de outubro de 2012, relativa ao OE para 2013, consta a seguinte redação relativa ao artigo 67.º do CIRC:

21 Op. cit., pp.113

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Limitação à dedutibilidade de gastos financiamento

1 – Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à con‑corrência do maior dos seguintes limites:

a) € 3 000 000; ou b) 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento

líquidos e impostos.

2 – Os gastos de financiamento líquidos não dedutíveis nos termos do número anterior podem ainda ser considerados na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação poste‑riores, conjuntamente com os gastos financeiros desse mesmo período, observando ‑se as limitações previstas no número anterior.

3 – Sempre que o montante dos gastos de financiamento deduzi‑dos seja inferior a 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos, a parte não utilizada deste limite acresce ao montante máximo dedutível, nos termos da mesma dispo‑sição, em cada um dos cinco períodos de tributação posteriores, até à sua integral utilização.

5. – No caso de entidades tributadas no âmbito do regime espe‑cial de tributação de grupos de sociedades, o disposto no presente artigo é aplicável a cada uma das sociedades do grupo. (…)

8 – Para efeitos do presente artigo, consideram ­se gastos de finan‑ciamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazo, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.

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Disposição transitória no âmbito do Código do IRC

2 – Nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de 70 % em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017.

Como se observa, seguiu ‑se uma solução idêntica à que já vigora noutros países, tais como a Itália ou a Finlândia, e que vimos no ponto 2 deste texto. Em nosso entender, o caminho trilhado tem, para o Estado, duas vantagens. Em primeiro lugar, sempre poderá fundamentar, num plano de política fiscal, esta escolha com o propósito da eliminação da vantagem fiscal do endividamento, argumentando que o sistema tributário passa agora a incentivar menos o recurso à dívida por parte das empresas. Em segundo lugar, daqui resulta um aumento da receita fiscal, por com‑paração com o regime anterior, o que, nos tempos que correm, constitui evidentemente uma razão de grande peso.

Porém, se se aceitar, como aceitamos, que os juros são, em regra, “costs of doing business”, a boa solução seria a da manutenção da dedu‑tibilidade destes, sujeita, bem entendido, às cláusulas gerais e especí‑ficas sobre dedutibilidade dos gastos, e permitir abater como gasto fiscal uma remuneração convencional para o capital próprio. Mas os tempos, entre nós, não estão propícios a uma tal solução, que geraria perda de receita.

Ainda assim, o novo artigo 67.º, n.º 2, permite o reporte para diante da parte dos juros que seja indedutível num certo exercício; e, no n.º 3, permite a majoração posterior do limite sempre que o montante deduzido num certo ano seja inferior a 30% do EBITDA desse exercício. São solu‑ções que, apesar de tudo, mitigam a rigidez que o n.º 1 vem introduzir.

Saliente ‑se, ainda, o n.º 8, que, contrariamente ao que muitas vezes acontece, especifica com algum detalhe o que se deve entender por gastos líquidos de financiamento. Esta norma possibilitará menor ambiguidade na interpretação do preceito geral do artigo 67.º, evitando indesejáveis conflitos entre o fisco e os contribuintes, que, na área dos encargos financeiros, e em face da complexidade acrescida que o SNC veio trazer, sempre podem ocorrer caso a lei fiscal opte pela simples reemissão para a terminologia contabilística.

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Por fim, a norma transitória suavizará a aplicação no tempo do limite que passa constar do n.º 1. Haverá assim uma transição menos dolorosa para as empresas endividadas, afinal aquelas que irão sentir os efeitos negativos da nova restrição.

Pese embora esta inovação fiscal que agora surge no artigo 67.º do CIRC, ela não elimina, como já se disse, o facto de, para que os limites do referido artigo se apliquem, os juros terem de passar primeiro pelo crivo da indispensabilidade. E aqui voltamos ao ponto central deste texto. Como relacionar indispensabilidade com a ligação à atividade empresarial, ou seja, a gastos incorridos na prossecução das atividades societárias.

5. A “atividade” empresarial: seu significado. Um elemento fulcral na apreciação da questão.

Quer na fundamentação das posições da administração fiscal, quer no plano jurisprudencial no contexto de decisões relativas a juros derivados de operações de financiamento, o conceito de “atividade” tem ocupado lugar de relevo.

Assim é porque na interpretação do atributo da indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC se busca, em regra, na “atividade” da empresa a razão de ser dos gastos admissíveis fiscalmente. Os gastos que respeitam à atividade cumpririam uma condição necessária para a sua dedutibilidade fiscal; já aqueles outros que lhe não respeitam seriam indedutíveis.

Como facilmente se compreende, da chave interpretativa do conceito de “ativo” e de “atividade” resultará, assim nos parece, uma compreensão do conceito de indispensabilidade melhor sustentada na perspetiva econó‑mica e normativa sobre tal importante matéria. O que é então a atividade de uma empresa, analisada no seu sentido económico, onde, assim o julgamos, deve ser encontrada a chave analítica do conceito?

Em nosso entender, a atividade de uma empresa consiste nas opera‑ções resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará os ativos no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvesti‑mento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que entidade em questão cumpra

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o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

A “atividade” de uma empresa não é, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, o conjunto de operações produtivas. Ou seja, daquelas operações que implicam o uso de ativos físicos (máqui‑nas, equipamento de transporte, etc.).

“Atividade” é também o conjunto de operações que, entre outras, têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ati‑vos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

Restringir a atividade das empresas a operações técnico ‑produtivas é algo que está muito afastado da realidade económica e jurídica das organizações económicas de cariz societário. Ora, dado que a atividade das empresas pode também consistir na gestão de participações sociais que vão adquirindo, é natural que muitas das decisões (de compra, venda ou financiamento das ditas participações) impliquem forte relação com terceiras entidades: as participadas.

Não poderia ser de outro modo. Havendo uma participação societária de A em B, muitas das decisões de A que afetam a esfera patrimonial de B (v.g., investimentos, financiamentos) são determinadas pela situação da participada. Consequentemente, a gestão, por parte de A, da dita partici‑pação é uma condição requerida para que se obtenha desse investimento financeiro um rendimento imediato ou futuro.

O facto de que tais decisões, tomadas na esfera de A, influenciarem o património de B, não quer contudo dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros; ou seja, que se possam classificar como alheias à atividade da participante. Elas são tomadas a partir do interesse da participante (A) em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento (em B). Obviamente que esse investimento se traduz na titularidade de uma terceira entidade; mas a participação e respetiva gestão estão incluídas no interesse e atividade da participante.

No intuito de uma mais completa dilucidação deste ponto, vejamos como o atual normativo contabilístico (SNC) define ativos, ou seja, os ele‑mentos sob os quais assenta a atividade empresarial. Para tal, comecemos

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por transcrever a definição que o Sistema de Normalização Contabilística contém para “ativo”. É a seguinte:

“é um recurso controlado por uma entidade como resultado de aconte‑cimentos passados, e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade”.

Esta definição, que consta do normativo contabilístico e em face do artigo 17.º do CIRC é por este Código acolhida, deixa bem claro que se uma entidade possuir um recurso por ela controlado (tangível, intangível, biológico, financeiro ou de outro tipo) do qual se esperam benefícios económicos futuros, tal elemento constituirá um ativo que se deve registar no balanço. É pois tendo por base estes elementos que se desenvolve a atividade da empresa, a qual, obviamente, pode apresentar várias facetas ou vertentes de concretização (v.g., produtiva, comercial, financeira) consoante a natureza dos ativos que a sustentam.

A Estrutura Conceptual do SNC – que constitui a base teórico‑‑normativa da contabilidade financeira – vai ainda mais longe no desen‑volvimento da caracterização dos ativos usados pelas entidades empre‑sariais. Bem se compreende que assim seja. Os ativos, como elementos do balanço, constituem informação vital para investidores, fornecedores, Estado, financiadores, trabalhadores, e outras entidades que se relacionam com as organizações societárias. Assim, a sua regulamentação exaustiva ajuda os utentes da informação financeira no âmbito de uma interpretação mais consistente das obrigações contabilísticas.

Os parágrafos que se seguem, extraídos da dita Estrutura Concep‑tual clarificam, bem o ponto que queremos vincar: a diversa natureza dos ativos, de que decorre a inevitável amplitude das atividades empresariais.

“52 – Os benefícios económicos futuros incorporados num ativo são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e equivalentes de caixa para a entidade. O potencial pode ser um potencial produtivo que faça parte das atividades operacionais da entidade. Pode também tomar a forma de convertibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou a capacidade de reduzir os exfluxos de caixa, tais como quando um processo alternativo de fabricação baixe os custos de produção.

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53 – Uma entidade emprega geralmente os seus ativos para produzir bens ou serviços capazes de satisfazer os desejos ou as necessidades de clientes; pelo facto de estes bens e serviços poderem satisfazer esses desejos ou necessidades, os clientes estão preparados para pagá ‑los, contribuindo assim para o fluxo de caixa da entidade. O próprio dinheiro presta um ser‑viço à entidade por causa da sua predominância sobre os outros recursos.

54 – Os benefícios económicos futuros incorporados num ativo podem fluir para a entidade de diferentes maneiras. Por exemplo, um ativo pode ser:

a) Usado isoladamente ou em combinação com outros ativos na produção de bens ou serviços para serem vendidos pela entidade;

b) Trocado por outros ativos;c) Usado para liquidar um passivo; oud) Distribuído aos proprietários da entidade.

55 – Muitos ativos, por exemplo, ativos fixos tangíveis, têm uma forma física. Porém, a forma física não é essencial à existência de um ativo; daqui que as patentes e os direitos de autor, por exemplo, sejam ativos se se espera que deles fluam benefícios económicos futuros para a entidade e se eles forem controlados pela entidade.

56 – Muitos ativos, por exemplo, as dívidas a receber e propriedades, estão associados a direitos legais, incluindo o direito de propriedade.

E, corporizando os conceitos que se acabaram se transcrever, o plano de contas do SNC individualiza os seguintes ativos:

“1 MEIOS FINANCEIROS LÍQUIDOS 11 Caixa 12 Depósitos à Ordem 13 Outros Depósitos Bancários 14 Instrumentos Financeiros

2 CONTAS A RECEBER E A PAGAR 21 Clientes 23 Pessoal

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24 Estado e outros entes públicos26 Acionistas/sócios 27 Outras contas a receber e a pagar 28 Diferimentos

3 INVENTÁRIOS E ACTIVOS BIOLÓGICOS 32 Mercadorias 33 Matérias ‑primas, subsidiárias e de consumo 34 Produtos acabados e intermédios 35 Subprodutos, desperdícios, resíduos e refugos 36 Produtos e trabalhos em curso 37 Ativos biológicos

4 INVESTIMENTOS 41 Investimentos financeiros 42 Propriedades de investimento 43 Ativos fixos tangíveis 44 Ativos intangíveis 45 Investimentos em curso 46 Ativos não correntes detidos para venda”

Como bem se nota, a amplitude dos ativos registados no balanço é muito significativa. Temos ativos físicos (v.g., mercadorias, ativos fixos tangíveis), ativos incorpóreos (intangíveis), dinheiro e equivalentes (v.g., caixa e depósitos), ativos financeiros (v.g., investimentos financei‑ros); direitos contratuais (v.g., clientes, empréstimos concedidos, outra contas a receber). Em suma: um amplo espectro de ativos cujo uso mate‑rializará o desenvolvimento de “atividade” de largo alcance.

Em particular, e dado o seu relevo (adiante explicitado) no âmbito deste parecer, vejamos como é caracterizado um ativo financeiro pela Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 27 ‑ “Instrumentos finan‑ceiros” no respetivo § 5.

“5 – Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados.

Ativo financeiro: é qualquer ativo que seja:

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a) Dinheiro;b) Um instrumento de capital próprio de uma outra entidade;c) Um direito contratual:

i) De receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade;ou

ii) De trocar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente favoráveis para a entidade; ou

d) Um contrato que seja ou possa ser liquidado em instrumentos de capital próprio da própria entidade e que seja:

i) Um não derivado para o qual a entidade esteja, ou possa estar, obrigada a receber um número variável dos instrumentos de capital próprio da própria entidade; ou

ii) Um derivado que seja ou possa ser liquidado de forma diferente da troca de uma quantia fixa em dinheiro ou outro ativo finan‑ceiro por um número fixo de instrumentos de capital próprio da própria entidade.”

Não restam pois dúvidas de que um elemento patrimonial, de natu‑reza financeira, corporizado num instrumento de capital próprio de uma outra entidade, num direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade, ou de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros em condições que sejam potencialmente favoráveis, constitui um ativo, atenta a sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros. Se tal característica não se verificar, nem sequer será reconhecido contabilisticamente como tal.

E não é por se tratar de rendimentos potenciais ou esperados que tal facto menoriza um ativo. A definição do SNC não deixa, também aqui, dúvidas: de um ativo espera ‑se, estima ‑se, que dele fluam benefícios económicos futuros.

Como é bem sabido, a aquisição de ativos físicos (como os edifícios ou as máquinas) também é efetuada esperando que a taxa de rendibilidade prevista para esses ativos supere o custo do capital que os financia. Esta‑mos, no domínio dos investimentos, físicos ou financeiros, na situação

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de comparar expectativas de rendibilidade com o custo dos capitais que financiam os ativos. A natureza potencial da geração de resultados é ine‑rente a qualquer tipo de investimento, e não apenas aos ativos financeiros. E o que comanda a aquisição de uns e de outros será o interesse da empresa, o qual deriva sempre de uma avaliação prévia da sua lucratividade espe‑rada ou prospetiva.

6. A não aplicação do capital alheio na exploração ou atividade e sua cedência a terceiros

Como já se evidenciou, a atividade de uma empresa consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus ativos. A extensa noção de “ativo” que o normativo contabilístico atualmente consagra não justifica que se continue a entender que só ativos tidos como “produtivos”, no sen‑tido físico do termo, sejam tidos como caracterizadores de uma “atividade” ou exploração. Reafirmando a interpretação que daqui decore, tanto será atividade a gestão de um ativo físico, como a de um intangível, com a de um ativo não corrente detido para venda, como a de um ativo financeiro.

Assim, e para exemplificar e concretizar esta noção, admita ‑se que A participa em B na proporção de 100%. A primeira entidade detém, pois, um ativo financeiro. Que atividade implica na esfera de A a participação de que esta é titular na empresa B?

Pode, naturalmente, implicar uma atividade visando influenciar as operações correntes de B. Na verdade, no exercício dos seus poderes de gestão, A pode intervir operacionalmente em B, determinando a produ‑ção de novos bens, a redução de gastos supérfluos, ou outras medidas que incrementem o lucro operacional. Como é claro, A também poderá intervir em B no plano financeiro. Quer aumentado o capital de B a fim de reforçar a capacidade de investimento da participada ou afetar ‑lhe meios financeiros que sustentem a sua tesouraria.

Poderá dizer ‑se: mas tudo isto são apenas indicações dadas à admi‑nistração de B, e por isso executadas na esfera desta entidade. Mesmo que assim fosse (e não o é, pois, por exemplo, um aumento de capital da participada pouco tem que ver com a administração desta e muito mais com a vontade e meios da participante) quem as dá serão sempre e neces‑sariamente os responsáveis de A, no exercício da sua atividade enquanto

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gestores de uma entidade que tem um ativo financeiro que carece de ser administrado. Isso é, a nosso ver, atividade de A e não de B. Esta última é beneficiária dessa atividade, mas não a desenvolve.

Quando os gestores de A tomam decisões que afetam as operações ou o financiamento de B não estão a desenvolver atividade de terceiros. Estão sim a concretizar a atividade própria, derivada diretamente da gestão de um ativo financeiro.

A administração fiscal, ao qualificar de “terceiros” a participada, entende que se trata de entidade totalmente alheia à atividade da participante e, portanto, o nexo com a atividade desta estaria quebrado. Ora isso vai para além do que constitui a realidade substancial ou material da situação.

Com efeito, o dito “terceiro” tem uma natureza (de entidade parti‑cipada) que confere às decisões da participante o qualificativo de uma atividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E, como se viu, essa gestão envolve operações de financiamento que fazem parte da atividade da participante, e não da participada. Claro que as ditas operações têm por finalidade dotar as participadas de meios para que estas concretizem os seus objetivos, mas quem toma as decisões, quem no âmbito das suas atividades lhe aporta estes meios, é a participante.

Os “terceiros” (participadas) não são entes estranhos à atividade e interesses da participante. Não há um decaimento económico na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. Não se trata de atos anormais de gestão que lhe trazem um prejuízo sem expec‑tativas de benefícios. Ao contrário, o gasto com juros incorridos é feito no interesse da participante, numa consequência direta da sua atividade de gestão de participações.

E, como a seguir se procurará mostrar, o STA tem vindo a perfilhar, na apreciação de casos semelhantes, uma noção de atividade empresarial que nos parece carente de reexame.

Na verdade, em Acórdão recente – Processo 0171/11, Acórdão de 30 de Maio de 2012 – o STA apresenta duas linhas argumentativas para sustentar a decisão de negar a dedutibilidade dos juros pagos por uma participante resultantes de empréstimos aplicados a financiar participadas. A primeira consiste na reprodução dos motivos constantes do conhecido Acórdão do mesmo STA, de 7 de Fevereiro de 2007, relativo ao processo 1046/05. A segunda, reforçando os ditos motivos, aduz para seu conforto as posições doutrinárias de toMAs tAvAres e António M. PortuGAl.

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Eis o intróito do Acórdão de 30 de Maio de 2012:

“O objeto do presente recurso consiste em saber, se à luz do art. 23.º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e impostos de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total”.

Dispõe o predito normativo legal “Consideram ‑se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza finan‑ceira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”.

Após este intróito, surge então o conjunto de motivos justificativos que se encontram no Acórdão de 7 de Fevereiro de 2007. O Acórdão de 30 de Maio de 2012 acolhe ‑os plenamente, citando ‑os. Segue ‑se a trans‑crição do primeiro.

Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de res‑peitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, que é empre‑endimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.

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Este argumento justificaria a não dedutibilidade dos juros, nas condi‑ções referidas, por ter sido entendido pelo STA que a aplicação de capitais obtidos de empréstimos, por uma participante, a financiar uma participada, nada tem que ver com a atividade a primeira.

Ora considerando que na interpretação do conceito de indispensa‑bilidade a ligação à atividade é o elemento chave; entendendo ‑se, adicio‑nalmente, e seguindo a doutrina e a jurisprudência geral, que “atividade” constitui o conjunto de operações desenvolvidas no interesse da empresa, no âmbito do seu escopo, a tese segundo a qual a gestão de uma partici‑pação não cabe na atividade ou no interesse da participante carece, sem dúvida, de aprofundamento.

Temos como provável que o STA, buscando o sentido de “atividade”, possa ter sido influenciado por uma conceção porventura excessivamente conexionada com o uso de ativos físicos. Ou seja, uma atividade produ‑tiva, tout court.

Como já anteriormente se mostrou, a ampla e abrangente noção de ativo, agora bem expressa na estrutura conceptual do SNC, enquanto ele‑mento fulcral na classificação dos elementos patrimoniais de uma entidade empresarial, implica um reexame de tal conceito. O carácter restritivo da noção de atividade que nos parece emergir dos Acórdãos do STA encon‑tra‑se eivado de uma leitura restritiva, que careceria de uma análise efetuada à luz da evolução entretanto sofrida pelas normas jurídico ‑contabilísticas.

O STA tem procurado expressar nos Acórdãos sobre tal matéria uma suposta identidade de posições com T. tAvAres e A. MourA PortuGAl. Atribui ao segundo a seguinte posição: “Em regra, portanto, a dedutibili‑dade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada coma a atividade produtiva da empresa”. Ora aqui o STA está, na verdade a mencionar um trecho de T. tAvAres que A . PortuGAl refere na sua obra.

Citando esta frase isoladamente poder ‑se ‑ia aventar que T. tAvAres e A. PortuGAl sustentam que só os gastos derivados de uma relação com a atividade produtiva seriam dedutíveis, por serem, só eles, indispen‑sáveis. A posição dos autores está bem longe desta interpretação. Uma leitura completa e que busque o sentido preciso da posição sustentada não pode concluir isso22. Se assim fosse, isso implicaria, a nosso ver, forte

22 Veja ‑se, de novo, a forma categórica usada por T. tAvAres a pp. 141, op. cit. “De facto – nunca é demais repeti ­lo – a noção fiscal de indispensabilidade indaga,

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contradição com a tese central de T. tAvAres (defendida também por A. PortuGAl) devidamente explanada ao longo de todo o citado trabalho.

Para concluir que assim é, além de uma leitura completa do texto onde surge bem vincado o inequívoco sentido interpretativo de T. tAvAres, bastaria, se preciso fosse, consultar as pp.138 a 154, do estudo do mencionado autor.

Aí se discute o conceito de “ato anormal de gestão”. Para o autor, nestes “atos anormais” o benefício de terceiro sobrepõe ‑se ao da socie‑dade. Ora, a pp. 145 a 152, discute ‑se como nas relações intra ‑grupo tais atos podem surgir. Veja ‑se o que T. tAvAres refere sobre os empréstimos intra ‑grupo23:

“Estas operações (suprimentos gratuitos de uma participante a uma participada) correspondem, portanto, a atos normais de gestão, não obstante a aparente desconformidade com o interesse da entidade sacrificada (…) A ratio dessas opções legais radica no facto de que, com elas, a sociedade prossegue a sua atividade empresarial com um fito lucrativo…” .

Bem se vê que doutrina que a administração fiscal vem usando como sustentáculo da sua posição não defende que a noção de atividade se esgota em operações produtivas. O sentido económico e contabilístico do termo atividade empresarial está longe de se limitar a estas operações. Assim, a ligação do conceito de indispensabilidade ás operações decorrentes da atividade empresarial implica uma perspetiva analítica mais ampla.

7. Conclusão

O conceito de indispensabilidade, como elemento fundamental do processo de quantificação dos gastos fiscalmente aceites, mereceu, entre nós, a devida análise interpretativa, em virtude do seu carácter genérico e abstrato. A interpretação doutrinal acolhida em Portugal considera que tal conceito não implica uma relação causal obrigatória entre custos e provei‑

apenas, acerca da subsunção de determinado custo sobre o escopo societário (carácter de empresarialidade do ato) , por importação dos ensinamentos da doutrina comercial sobre o recorte da capacidade dos entes morais”.

23 Op cit, pp. 150

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tos; e também que, em regra, se deverão aceitar como gastos dedutíveis os que forem incorridos no interesse da empresa que os suporta. A inserção dos gastos no âmbito da atividade ou do escopo societário será elemento decisivo para conduzir à sua admissibilidade fiscal.

O entendimento da noção de “atividade empresarial” como o con‑junto de operações que decorre do uso dos ativos, implica, necessaria‑mente, que se busque no normativo contabilístico a aceção apropriada deste conceito. Ora ativos serão – segundo a estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística – tanto os produtivos, como os financeiros, como outros que constituam recursos ao dispor das entidades empresariais.

Assim sendo, a atividade empresarial, a que se liga o conceito de indispensabilidade dos gastos, não pode afunilar ‑se em atividades que envolvam apenas ativos tangíveis conexionados com a produção.

A jurisprudência referente à interpretação do conceito de indispen‑sabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem vindo a seguir a posição doutrinal de considerar como indispensáveis os gastos incorridos no interesse da empresa, ou seja, de excluir apenas os que se revelem descon‑formes ao dito interesse, nada tendo que ver com os objetivos da entidade económica que os suporta.

Considerando, na esteira da doutrina e até de muita jurisprudência, que na interpretação do conceito de indispensabilidade a ligação à ati‑vidade é o elemento chave, entendendo ‑se que “atividade” constitui o conjunto de operações desenvolvidas no interesse da empresa, então a tese segundo a qual a gestão de uma participação não cabe na atividade ou no interesse da participante carece, sem dúvida, de aprofundamento e atualização.

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Dulce Manuel Neto

A Jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA.

Notas e reflexões. Velhas questões. Novas soluções

Dulce Manuel NetoJuíza Conselheira Vice ‑Presidente da Secção de Contencioso Tributário

do Supremo Tribunal Administrativo

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RESUMO:

Centrada no papel e importância da jurisprudência do STA em matéria tributária, esta intervenção na conferência promovida pela Secção Regional do Porto da Associação Fiscal Portuguesa no dia 15 de Novembro de 2012 dá particular relevo às vantagens e benefícios para os contribuintes, administração fiscal e sistema judical tributário em geral, na atenção prestada às decisões que reiterada e sistematicamente são proferidas pelo STA e que traduzam uma jurisprudência pacífica e consolidada, realçando o dever que os Juízes têm de, por um lado, procurar a uniformidade e a constância decisória, assegurando em termos satisfatórios a estabilidade da jurisprudência por forma a proteger o superior valor da segurança jurídica, e o dever que, por outro lado, têm de contribuir com argumentos fortes e decisivos para o aperfeiçoamento e renovação da jurisprudência.

Nesse contexto, é referenciada jurisprudência que recentemente se consolidou na Secção de Contencioso Tributário do STA depois de ultrapassadas posições discordantes que vigoraram durante algum tempo, dando ‑se nota da importância e conveniência do seu acatamento por todos os operadores judiciários, e são apontadas questões que continuam a suscitar viva discussão no seio dessa Secção e cuja solução se encontra em processo de consolidação jurisprudencial.

Palavras ‑chave:Jurisprudência STA Estabilidade decisóriaJurisprudência renovada

ABSTRACT:

Centering on the role and importance of the case law of the Supreme Administrative Court in tax matters, this presentation, which I gave at the conference promoted by the Oporto regional section of the Portuguese Tax Association, on the 15th of November 2012, highlights the advantages and benefits to tax payers, the tax administration and judicial tax system as a whole, in the attention that is paid to decisions which are repeatedly and systematically handed down by the Supreme Administrative Court, which translates into settled and established case law, emphasizing the duty of Judges to, on the one hand, seek uniformity and constancy in their decision ‑making, suitably ensuring the stability of case law in order to protect the higher value of legal certainty, and the duty to, on the other, contribute with strong and decisive arguments to the progress and renewal of case law.

In this context, mention is made of case law which has recently become established in the Tax Litigation Section of the Supreme Administrative Court, after long held diverging points of views were superseded, and the importance and appropriateness of their observance by all judicial operators is pointed out, and issues are raised which continue to be the subject of lively debate within this Section, for which the solutions are in the process of becoming settled case law.

Key ‑words:Case Law of the Supreme Administrative CourtStability of decision ‑makingRenewed Case Law

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Permitam ‑me uma primeira palavra de agradecimento à Associação Fiscal Portuguesa, de que, aliás, sou associada, pelo convite que me dirigiu para intervir nesta conferência como oradora, e onde pretendo partilhar convosco algumas notas e reflexões sobre a Jurisprudência Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, por acreditar na utilidade de reflexões partilhadas com intervenientes directos na área da justiça ou com pessoas interessadas na justiça tributária.

A utilidade deste tipo de partilha torna ‑se por demais evidente se pensarmos que existe actualmente uma massa crítica de académicos, juristas, técnicos e revisores oficiais de contas, fiscalistas de notável saber, credenciados para fazer análises sérias da jurisprudência tributária, e que devem ser atentamente escutados por aqueles que têm por função inter‑pretar e aplicar a lei e cujas decisões alimentam a jurisprudência vigente, de forma a que esta possa adquirir uma força persuasiva reforçada por argumentos colhidos junto desse tipo de pessoas. As revistas e estudos jurídicos em matéria fiscal que actualmente são editados, os comentários à jurisprudência e os trabalhos de jurisconsultos publicados ou divulgados em palestras e conferências, constituem instrumentos preciosos para o aperfeiçoamento e renovação da jurisprudência.

Para além de que as decisões dos tribunais estão, e devem estar, sujeitas a escrutínio público e a discussão e crítica no espaço público, sendo salutares as manifestações de pontos de vista divergentes, desde que feitas com rigor, verdade, educação e seriedade de propósitos.

E ainda que não seja fácil obter consensos, é nosso dever enquanto juízes, advogados, professores, estudiosos do direito tributário em geral, fazermos as reflexões necessárias sobre as práticas e correntes jurispru‑denciais, sem outro interesse que não o de contribuirmos para reforçar a qualidade da Justiça Tributária.

É neste contexto que gostaria de começar a minha intervenção por me referir ao papel e importância da jurisprudência do STA.

Embora no nosso ordenamento jurídico não vigore a regra do prece‑dente – já que a decisão proferida por um tribunal não vincula o próprio tribunal nem os outros tribunais aquando do julgamento de casos seme‑lhantes – o certo é que a jurisprudência, enquanto forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, desempenha um papel de relevo, porque tem, em regra, um peso real e efectivo nas decisões futuras, além de contribuir para a formação de normas jurídicas.

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No caso particular do STA, ela tem tido, como todos sabem, um papel decisivo na tarefa de concretização e desenvolvimento do direito tributário, devendo ser ‑lhe imputada a estabilização, nalguns casos tam‑bém por posterior consagração legislativa, de muitas soluções de questões controversas.

São conhecidas e abundantes as situações em que as decisões do Supremo levaram à alteração ou à criação de normas fiscais, de que constitui exemplo a alteração do artigo 89.º do CPPT pela Lei do OE para 2010, que acolheu a interpretação jurisprudencial consolidada sobre a inadmissibilidade da compensação das dívidas tributárias por iniciativa da administração enquanto não decorressem os prazos de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação.

A jurisprudência tem igualmente contribuído para orientar e modelar a actuação tanto dos contribuintes como da administração fiscal, levando mesmo, com alguma frequência, à emissão de instruções administrativas, como ainda aconteceu em Abril deste ano, com o acolhimento e divulgação pelo Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira do enten‑dimento actualmente sufragado pelo STA, no sentido de que a presunção prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, isto é, de que a notificação por carta registada simples se presume feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte, só funciona no caso de a carta não vir devolvida.

Mas vai mais longe essa circular e, invocando ainda a jurisprudência do STA, adverte que não contendo esse artigo 39.º uma resposta directa quanto aos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, deve aplicar ‑se o regime que esse mesmo artigo 39.º prevê nos seus n.os 5 e 6 para a devolução das cartas registadas com aviso de recepção, isto é, que deve ser enviada uma segunda carta, presumindo ‑se então realizada a notificação caso esta 2.ª carta não seja levantada, sem prejuízo de o des‑tinatário poder invocar o justo impedimento na recepção desta carta ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

Ora, sabendo nós que existem apenas dois acórdãos do STA a pro‑fessar esta posição sobre a aplicação dos n.os 5 e 6 do art.º 39.º aos casos de devolução da carta registada simples, ambos subscritos por mim, como 1.ª adjunta, na mesma sessão do dia 31 de Janeiro deste ano (recursos n.os 0929/11 e 017/12), não deixa de ser surpreendente que nuns casos a Administração Tributária seja tão rápida a acolher posições jurispruden‑ciais que nem se podem considerar ainda como inteiramente pacíficas, e

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seja tão lenta a acolher e a divulgar junto dos seus serviços decisões que constituem jurisprudência mais que consolidada.

Também a este propósito, não posso deixar de lembrar a resistência que ela continua a demonstrar na execução dos julgados, a demora que leva a retirar as consequências devidas das decisões anulatórias, pese embora o STA tenha vindo repetidamente a afirmar, designadamente através de acór‑dão do Pleno da Secção de 2/12/2009, no recurso n.º 0570A/08, tirado por unanimidade, que a obrigação de executar o julgado surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução nos termos previstos no artigo 146.º, n.º 2, do CPPT.

Aliás, desde o ofício ‑circulado de 14/09/2005, da Direcção de Servi‑ços de Justiça Tributária, que a própria Administração acolheu a jurispru‑dência consolidada do STA, no sentido de que o dever de pagamento de juros indemnizatórios na sequência de sentença anulatória, não pressupõe nem exige que essa sentença contenha a condenação ao pagamento desses juros, bastando que nela se tenha decidido a anulação da liquidação com fundamento em vício enquadrável no conceito de “erro imputável aos serviços”. Posição que, aliás, se tornou legalmente inequívoca após a redacção dada ao artigo 61.º do CPPT pela Lei do OE para 2011, devendo esses juros ser pagos logo na fase de execução espontânea do julgado, sendo calculados, face ao n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Esta demora no cumprimento das decisões judiciais acarreta conse‑quências graves e danosas, não só para o contribuinte lesado, como para todos nós, enquanto cidadãos contribuintes, por se tornar escusadamente vultuosa a despesa que o Estado suporta com o pagamento de juros indem‑nizatórios e, sobretudo, com o pagamento de juros de mora, os quais, face à redacção dada ao n.º 5 ao artigo 43.º da LGT pela Lei do OE para 2012, passaram a ser devidos desde o termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado até à data da emissão da nota de crédito.

Faço notar que esta alteração legislativa parece pôr em causa o enten‑dimento que tem vindo a ser sustentado, de forma dominante, no STA, no sentido de não haver possibilidade de cumular juros moratórios com juros indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo. Trata‑se de

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uma questão que precisa de ser novamente discutida à luz desta alteração legislativa e que pode vir a obter uma resposta jurisprudencial nova por parte do STA.

Em suma, é por tudo isto que é essencial que a Administração Tribu‑tária esteja cada vez mais atenta às posições jurisprudenciais consolidadas e se apresse em cumprir as decisões judiciais que com elas se harmonizem, tanto mais que a partir de 1/01/2012 os juros de mora a favor do contri‑buinte são calculados a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado, o que não pode deixar de ser visto como uma sanção pecuniária compulsória que visa coagir a Administração a uma mais rápida execução das decisões judiciais.

Por outro lado, também os Srs. Juízes devem fazer – e normalmente fazem – um esforço no sentido de procura da uniformidade possível, por não haver nada pior que uma jurisprudência flutuante, instável e incons‑tante, que avança e recua sem fortes razões que o justifiquem ou ao sabor de um exagerado individualismo intelectual dos juizes.

É certo que os juízes gozam, no exercício da sua actividade, de plena liberdade e independência, estando apenas sujeitos aos ditames da sua consciência. Mas seria bom que houvesse um maior esforço no sentido de conciliar esta liberdade de interpretação da lei com o princípio da segurança e da confiança ínsitos num Estado de Direito e com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos.

É que, como já dizia o Professor Alberto dos Reis, «a máxima cons‑titucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a fórmula vã, se, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional, a casos concre‑tos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes»1 «Que adianta a lei ser igual para todos se for aplicada de modo diferente a casos análogos? Antes a jurisprudência errada, mas uniforme, do que a jurisprudência incerta. Perante jurisprudência uniforme cada um sabe com o que pode contar; perante a jurisprudência incerta, ninguém está seguro do seu direito»2.

No Supremo Tribunal Administrativo, os Juízes Conselheiros têm, em regra, a noção desta tensão que existe entre, por um lado, a necessidade de

1 Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. VI, pp. 233 e ss.2 “Breve estudo sobre a reforma do processo civil e comercial”, 2.ª edição actua‑

lizada, Coimbra Editora, p. 688.

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alcançar a melhor Justiça e, por outro, a necessidade de proteger a certeza do direito, e enfrentam com responsabilidade esse dilema.

Têm, em regra, consciência de como são indesejáveis as reviravol‑tas e mudanças constantes de orientações decisórias, sobretudo quando a jurisprudência já se estabilizara num determinada solução e a lei não sofreu alterações, por isso gerar um ambiente jurisprudencial instável que põe em causa a confiança e a boa ‑fé objectiva de todos os que pautaram a sua conduta de acordo com essa jurisprudência.

É por tudo isto que é desejável que todos os operadores judiciários conheçam e prestem particular atenção à jurisprudência constante, pací‑fica e reiterada do STA, sobretudo a que emerge dos acórdãos do Pleno da Secção.

Não que essa jurisprudência seja vinculativa, ao contrário dos antigos Assentos que fixavam doutrina com força obrigatória geral e que desa‑pareceram com a revogação do art.º 2.º do Código Civil3 na sequência da declaração da inconstitucionalidade do instituto pelo Tribunal Constitucio‑nal4, mas porque ela cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior e particular ponderação.

É isso que me leva a pensar que nós, juízes, só devemos deixar de a seguir quando temos razões suficientemente fortes e convincentes para tal.

Passo a dar um exemplo. Ainda no passado mês de Outubro, a nossa Secção Tributária voltou

a ter de apreciar, mais uma vez, um recurso em que se discutia a velha questão de saber se os créditos fiscais que gozam apenas de privilégio imobiliário geral podem ou não ser reclamados nos termos do artigo 240.º do CPPT. Isto porque o Senhor juiz que lavrou a sentença, já durante este ano de 2012, aderiu, sem mais, à tese sufragada em dois antigos acórdãos do STA, proferidos em 2004, e que hoje se encontra completamente ultra‑passada, por dezenas de acórdãos tirados por unanimidade e que vai no sentido de que o artigo 240.º deve ser interpretado amplamente, de modo a terem ‑se por abrangidos não só os créditos que gozam de garantia geral

3 Operada pelo Dec.Lei n.º 329 ‑A/95, de 12 de Dezembro, que, porém, aditou ao Código de Processo Civil os artigos 732.º ‑A e 732.º ‑B, através dos quais se instituiu um sistema de julgamento ampliado de revista, por se ter considerado que este seria suficiente para assegurar a unidade da jurisprudência.

4 Acórdão n° 810/93 do Tribunal Constitucional.

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“stricto sensu”, mas também aqueles a quem a lei atribui causas legítimas de preferência, designadamente privilégios creditórios. Uma decisão con‑denada a ser revogada, e que só contribuiu para mais um atraso na justiça.

Esta atenção que deve ser dada às decisões que reiterada e sistema‑ticamente são proferidas pelo STA, trará benefícios para todo o sistema judical, desafogando os tribunais de inúmeros recursos com teses doutri‑nais já negadas por jurisprudência pacífica e consolidada, dando maior tempo aos senhores magistrados para se dedicarem aos restantes processos sob sua responsabilidade.

E também os contribuintes podem e devem contribuir, por esta via, para a celeridade dos processos judiciais de cuja morosidade tanto se quei‑xam com toda a razão, e que a nós, magistrados, também nos envergonha, inibindo ‑se de intentar recursos sobre matérias cuja solução já se encontra completamente estabilizada e pacificada na jurisprudência.

O mesmo se diga da Adminitração Tributária, que enquanto serviço público, devia ser a primeira a contribuir para uma justiça tributária mais célere e para a diminuição de muitos litígios desnecessários e inúteis que grassam nos tribunais superiores, evitando, até, condenações escusadas em custas, cujos montantes acabamos por ser todos nós, como contribuintes, a ter de suportar.

Não posso deixar de lembrar os inúmeros casos em que a Fazenda Pública alimenta de forma inaceitável os elevados níveis de litigiosidade tributária, recorrendo de decisões que adoptaram posições jurispruden‑ciais pacíficas e sistemanticamente seguidas pelos tribunais superiores, como tem acontecido ultimamente com a questão da admissibilidade, em abstracto, da fiança como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal.

Num acórdão que relatei no passado mês de Outubro, no proc. n.º 0916/12, a sentença recorrida já citava dezenas de acórdãos proferidos pelos Tribunais Centrais e pelo STA, todos no sentido da admissibilidade da fiança à luz do artigo 199.º do CPPT, e, mesmo assim, a Fazenda Pública interpôs recurso da sentença para advogar, mais uma vez, a tese contrária, ainda que sem acrescentar argumentos novos, alimentando, assim, uma situação que prejudica gravemente não só a eficiência dos serviços de justiça (para a qual tem especial obrigação de contribuir, na medida em que a Fazenda Publica representa a personificação do Estado em juízo), como prejudica gravemente o executado, uma vez que ele não

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consegue, durante todo esse período e apesar da vontade prestar garantia, obter a declaração de que tem a sua situação tributária regularizada, como se deixou explicado no recente acórdão do STA proferido no passado dia 19/09/2012, no recurso n.º 0885/12.

Outro exemplo é o da interpretação do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, que prevê a possibilidade de revisão oficiosa do acto tributário com fun‑damento em erro imputável aos serviços.

Ao longo de vários anos foi ‑se sedimentando na jurisprudência a interpretação, hoje firme e pacífica no STA, de que essa revisão pode ser pedida pelo contribuinte, e que o erro imputável aos serviços compreende não só o mero erro material como, também, o erro de facto e o erro de direito. E que não se trata de um poder de rever ou não o acto tributário, mas de uma actividade de natureza vinculada, estando a Administração obrigada a decidir o pedido de revisão oficiosa impulsionada pelo contri‑buinte por força do preceituado no artigo 55.º, n.º 1, da LGT.

Essa questão foi sendo sucessivamente colocada ao STA a partir de 2001, a propósito da cobrança de emolumentos notariais e do registo comercial em desconformidade com o direito comunitário, isto é, por vício de violação de lei ou erro de direito, tendo ‑se firmado a orientação, vertida em dezenas e dezenas de acórdãos, de que permitindo a lei a revisão do acto tributário, não é possível falar ‑se de uma estabilização definitiva dos efeitos do acto tributário sem que todos os prazos da sua reclamação, impugnação judicial, de revisão e de recurso contencioso estejam esgotados. Trata ‑se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, e que encontra explicação na natureza fortemente agressiva dos actos de liquidação de tributos para a esfera jurídica dos contribuintes.

É evidente que não é indiferente para o contribuinte impugnar o acto de liquidação dentro do prazo da reclamação graciosa ou através de revisão oficiosa, uma vez que enquanto o pedido formulado no prazo de reclamação pode ter por fundamento qualquer vício ou ilegalidade, ainda que imputável ao próprio contribuinte, o pedido de revisão só pode ter por fundamento erro (de facto ou de direito) imputável aos serviços ou a dupli‑cação de colecta, para além de serem diferentes as consequências a nível do direito a juros indemnizatórios ou até de suspensão da execução fiscal.

Perante tão abundante e pacífica jurisprudência, a Administração Tributária continua com dificuldades em digeri ‑la, e apesar de sabermos

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que tem vindo, na generalidade dos casos, a aceitar a apreciação oficiosa a pedido dos contribuintes por erros de facto e de direito imputáveis aos serviços, o certo é que não existe, que eu saiba, qualquer instrução admi‑nistrativa nesse sentido.

Pelo que de vez em quando lá vem a Fazenda Pública com mais um recurso para recolocar a questão, como aconteceu ainda recentemente no processo que deu origem ao acórdão por mim relatado em 14/03/2012, no recurso n.º 01007/11, onde mais uma vez se reiterou aquele entendimento, embora com um voto de vencido que vem retomar, sem mais, a velha tese de que o erro previsto no 78.º, n.º 1, só pode ser o “erro material” ou “erro obstáculo”, repetindo uma argumentação que já foi exaustivamente rebatida e esmagada durante todo o processo de consolidação da jurispru‑dência sobre a matéria e que até já terá sido aceite pelo legislador, pois a redacção que a Lei do OE para 2005 deu ao n.º 3 desse art.º 78.º alude expressamente ao erro de direito. O que tanto basta para que a incerteza se volte a instalar, para que os serviços recuem à posição que sustentavam há 10 anos atrás, fomentando ‑se, deste modo, um escusado acréscimo no grau de litigiosidade sobre a matéria.

Gostaria, a propósito desta matéria da revisão oficiosa de actos tri‑butários, de fazer aqui um parêntesis para fazer um breve comentário a uma notícia muito divulgada em diversos órgãos da comunicação social a propósito de um recente acórdão do STA5, no sentido de que o acto de actualização do Valor Patrimonial Tributário dos prédios urbanos deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI, e que se o não tiver sido, e também a liquidação do IMI não der a conhecer a forma como foi determinado esse Valor, a liquidação não pode ter ‑se por suficientemente fundamentada.

Vi, nessas notícias, os contribuintes serem aconselhados a pedir, com este fundamento da falta de fundamentação, a revisão oficiosa das liquidações de IMI efectuadas desde o ano de 2004, o que a acontecer, iria provocar, também segundo essas notícias, a obrigação de o Estado devolver vários milhares de milhões de euros de IMI cobrado ilegalmente.

Estas notícias são perigosas, porque, desde logo, não tomam em consideração os contornos factuais do caso concreto que foi apreciado e decidido, e, por outro lado, podem levar ao entupimento dos serviços com

5 de 19/09/2012, rec. n.º 0659/12, secundado pelo acórdão de 17/10/2012, no rec. n.º 0822/12.

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pedidos destinados ao insucesso, pois a essa revisão oficiosa não pode ter por fundamento qualquer vício ou ilegalidade, nomeadamente vícios de forma, como é o vício de falta de fundamentação, mas tão só, como se viu, erros de facto ou de direito ou erro nos pressupostos de facto e/ou de direito.

Voltando de novo ao tema da importância da estabilidade decisó‑ria, faço notar que o próprio legislador terá querido preservar este valor supremo da segurança jurídica quando no artigo 152.º do CPTA estabe‑lece que o recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto não é admissível se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Ora, como sabem, na Secção de Contencioso Tributário do STA tem sido entendido que o recurso por oposição de acórdãos previsto no artigo 284.º do CPPT, porque consubstancia o tipo de recurso que, no contencioso tributário, visa a uniformização de jurisprudência, está igual‑mente sujeito, após a entrada em vigor do ETAF de 2002, e por força do disposto no art.º 27.º, n.º 1, al. b), deste diploma legal, àquele requisito contido no artigo 152.º do CPTA.

Ou seja, a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos pre‑visto no artigo 284.º do CPPT passou a depender, para todos os processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2004, não só de um requisito posi‑tivo, traduzido na existência de uma contradição expressa entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, como, também, e cumulativamente, de um requisito negativo, traduzido na exigência de que não se verifique a situação de a decisão recorrida estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente con‑solidada do STA. Sobre a matéria pode ler ‑se, por mais antigo, o acórdão do Pleno de 26/09/2007, no rec. n.º 0452/07, e por mais recentes, os acór‑dãos do Pleno de 6/07/2011 e de 19/09/2012, nos recursos n.º 01029/09 e 01075/11.

Esta é uma nota que me parece importante dar, porque a experiên‑cia me tem permitido verificar que nem os contribuintes nem a Fazenda Pública se deram grande conta desta posição jurisprudencial, sendo fre‑quentes os recursos por oposição de acórdão que são julgados findos por tal motivo.

E esta nova exigência obriga a que se vá averiguar se existe já uma firme e pacífica constância decisória, a qual deve transparecer ou do facto

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de a pronúncia constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção.

Este valor da segurança jurídica, que decorre da constância e unifor‑midade decisória, torna ‑se ainda mais importante se pensarmos na que o direito fiscal está sujeito a uma constante instabilidade legislativa, que gera a incerteza da lei e provoca insegurança nos contribuintes. O que reforça o dever de os Juízes assegurarem, em termos satisfatórios, a estabilidade da jurisprudência, sem que isso ponha em causa o dever que têm de contribuir com argumentos novos, fortes e decisivos para o seu aperfeiçoamento e para a sua adaptação às especificidades do caso concreto e às novas exigências da sociedade.

Não defendo, evidentemente, a eliminação de divergências “jurídico‑‑jurisprudenciais” ou a exclusão da mutabilidade das posições jurídicas em superação normativa. É impensável e inaceitável a pretensão de tornar fixa e definitivamente estável a jurisprudência.

É claro que a jurisprudência não deve estaganar nem imobilizar ‑se. Mas uma coisa é uma jurisprudência renovada e progressiva, outra, bem diferente, é uma jurisprudência flutuante, incerta e inconstante.

E precisamente porque jurisprudência consolidada não significa uma jurisprudência imutável e cristalizada, passo a dar um exemplo.

Como sabem, tem constituído jurisprudência consolidada que é ile‑gal a cumulação de impugnações dos actos tributários de liquidação de IVA e IRC, apesar de emergirem do mesmo acto inspectivo e das mesma correcções, por faltar a identidade de natureza dos tributos exigida pelo artigo 104.º do CPPT.

Todavia, recentemente iniciou ‑se um processo de alteração dessa posição jurisprudencial com a prolação do acórdão do passado dia 24/10/2012, no recurso n.º 0747/12, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Isabel Marques da Silva e também por mim subscrito como Adjunta.

E pelo que pude observar pela discussão da questão no seio da nossa Sessão, este acórdão irá, muito provavelmente, abrir caminho a uma nova e dominante orientação jurisprudencial, segundo a qual o artigo 104.º do CPPT, não exigindo a “identidade do tributo”, mas apenas a identidade da natureza dos tributos, remeterá para a classificação de tributos estabe‑lecida nos n.os 1 e 2 do artigo 4.º da LGT, entre impostos, taxas e contri‑

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buições especiais. Pelo que se estiverem em causa tributos com natureza de impostos não faltará o requisito da “identidade da natureza” exigida pelo artigo 104.º do CPPT.

Como se deixou salientado nesse acórdão, é esta a interpretação do artigo 104.º que, cabendo na letra da lei, obsta a que a especialidade introduzida pelo CPPT (e que se afasta totalmente das regras previstas no CPTA) restrinja de forma injustificada, e sem que para tal haja habilitação na respectiva lei de autorização legislativa, a possibilidade de deduzir cumulativamente impugnações de actos tributários respeitantes a impos‑tos diversos mas assentes em idênticos fundamentos fácticos e jurídicos.

Sobre a questão já havia estudos nesse sentido, designadamente aquele que a própria Sr.ª Conselheira Isabel Marques da Silva publicara muito antes da sua entrada no STA, na Ciência e Técnica Fiscal n.º 414, e que veio a ser secundado, entre outros, pelo Dr. Sérgio Gonçalves do Cabo num artigo publicado em homenagem ao Professor Dr. António de Sousa Franco.

E o que me levou a subscrever esse acórdão, apesar de anteriormente ter subscrito posição contrária, foram precisamente os fortes argumen‑tos apresentados e que se encontram nele expostos, conjugado com os benefícios desta interpretação no plano da racionalidade de meios, da eficácia e economia processual, por assim se conseguir evitar a duplicação de processos, as decisões contraditórias, a duplicação de custos com as taxas de justiça por cada um desses processos, a repetição de produção da mesma prova – com o que isso implica em termos de horas gastas com diligências de inquirição de testemunhas em tribunais entupidos de processos – e, sobretudo, evitar que as mesmas testemunhas tenham de ir várias vezes a tribunal – tantas quantos os processos de impugnação que não podiam ser cumulados nem apensados – para depor sobre pre‑cisamente a mesma matéria, o que só ajuda ao descrédito da justiça aos olhos dessas pessoas.

Neste contexto, gostava agora a dar nota de alguma da jurisprudência que recentemente se consolidou no STA, depois de ultrapassadas posi‑ções iniciais divergentes que vigoraram durante algum tempo, e que seria desejável que fosse observada pelas razões que aduzi.

No acórdão do Pleno da Secção do passado dia 19 de Setembro, no recurso n.º 1075/11, sufragou ‑se por unanimidade o entendimento de que a falta de inclusão, no acto de citação do responsável subsidiário,

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dos elementos essenciais do acto de liquidação donde emerge a dívida exequenda, incluindo a respectiva fundamentação, configura uma nulidade da citação à luz do regime contido no artigo 198.º do CPC”, ficando, deste modo, arredada a tese que essa deficiência era insusceptível de provocar a nulidade do acto de citação por não ter a ver com o processo executivo em si nem ter repercussão directa nele.

Daqui decorre também que, como tem sido repetidamente afirmado pelo STA, sempre que o executado careça desses elementos para se defen‑der na oposição, deve suscitar a questão no próprio processo executivo, arguindo a nulidade da citação, e não utilizar o instrumento previsto no art.º 37.º do CPPT para obter os elementos em falta, o que temos visto acontecer com frequência e que vem a redundar numa apresentação extemporânea da oposição, já essa indevida utilização do instrumento previsto no art.º 37.º não produz o deferimento do início do prazo para deduzir oposição, salvo naqueles casos em que possa discutir ‑se neste meio processual a legalidade do acto de liquidação de onde provém a dívida exequenda – pode ver ‑se nesse sentido, entre outros, o acórdão de 13/10/2010, no recurso n.º 0493/10.

Destaco ainda o acórdão do Pleno do passado dia 2 de Maio, no recurso n.º 0307/11, que versa sobre os inúmeros casos que tivemos sobre a falta de fundamentação do acto de avaliação de prédios urbanos para efeitos de fixação do Valor Patrimonial Tributário, e onde se veio a decidir, também por unanimidade de todos os actuais Juízes Conselhei‑ros da Secção, que os peritos não têm qualquer hipótese de eleição ou de escolha do zonamento e do coeficiente de localização a aplicar, já que esses elementos resultam da aplicação do Código do IMI e das Portarias do Ministro das Finanças que aprovaram o zonamento e os coeficientes de localização propostos pela CNAPU, constituindo estas Portarias actos ministeriais de natureza regulamentar que os avaliadores são obrigados a aplicar. Pelo que se deve considerar fundamentado o acto de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização do prédio, a sua identificação geográfica, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas.

Também o acórdão do Pleno de 5 de Julho passado, no recurso n.º 0358/12, sobre manifestações de fortuna, onde se consagrou, finalmente por unanimidade de todos os Juízes Conselheiros, o entendimento de

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que a justificação parcial do montante que permitiu a “manifestação de fortuna” tem de relevar para efeitos da fixação presuntiva do rendimento sujeito a imposto.

Por fim, e embora ainda não tratada no Pleno da Secção, gostava de deixar uma referência à questão do meio processual adequado para a obtenção da indemnização por prestação de garantia indevidamente prestada prevista no artigo 171.º do CPPT e no artigo 53.º da LGT, por ter havido uma alteração da posição jurisprudencial sobre a matéria.

Durante muito tempo a posição unânime do STA foi no sentido de que no contencioso tributário o direito a essa indemnização estava subordinado à comprovação dos pressupostos desse direito no próprio procedimento ou no processo tributário em que fosse apreciada a legalidade da liquidação da dívida garantida, e, portanto, dependia da condenação da Administração Fiscal ao pagamento dessa indemnização na decisão final desse procedi‑mento ou processo tributário. Pelo que, para obter essa indemnização, o contribuinte tinha de formular o pedido logo na petição inicial do meio impugnatório do acto de liquidação da dívida garantida, ou através de articulado autónomo a apresentar nesse mesmo meio impugnatório no caso de superveniência do seu fundamento, isto é, no caso de a garantia ser prestada já depois de apresentada a petição, mas nesta situação estava obrigado a fazê ‑lo no prazo preclusivo de 30 dias após a verificação do facto superveniente.

O que significava a exclusão da possibilidade de exercer o direito a essa indemnização através de outros meios processuais previstos no con‑tencioso tributário, designadamente através do processo de execução de julgado (até porque, como se dizia então, inexistia título executivo para cobrar essa indemnização em execução do julgado), restando ao contri‑buinte a possibilidade de instaurar uma acção para responsabilidade civil para ser ressarcido pelos danos sofridos.

Porém, esta posição veio a ser alterada com a prolação do acórdão do STA de 24/11/2010, no recurso n.º 01103/09 – por mim relatado e que veio a ser secundada por outros acórdãos de diferentes formações – e onde se decidiu que essa pretensão indemnizatória tanto pode ser formulada no procedimento ou processo tributário onde é controvertida a legalidade da dívida garantida, em conformidade com o disposto no artigo 171.º do CPPT, como também através de meio processual autónomo adequado para o efeito.

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Esclareceu ‑se que esse artigo 171.º visou, tão só, regulamentar o modo de requer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, como um enxerto de pedido indemnizatório ou de cumulação de um pedido condenatório num contencioso que é de mera anulação, como um meio expedito de obter a condenação da Administração no pagamento dessa indemnização.

Mas esse preceito do CPPT não visou regulamentar o modo de requer essa indemnização através de meio processual autónomo e adequado a que alude o artigo 53.º da LGT, e que não pode deixar de ser o processo de execução de julgado, dado o dever que impede sobre a Administração, face ao disposto no artigo 100.º da LGT, de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, e que inclui o dever de reparar os danos resultantes da obrigação de prestação de garantia bancária ou equivalente.

É evidente que há vantagens na formulação desse pedido indemni‑zatório logo no procedimento ou processo tributário, nos termos e prazos previstos no art.º 171.º do CPPT, pois a decisão condenatória terá de ser logo executada, de forma espontânea, pela Administração Fiscal, por força do âmbito material do caso julgado constituído sobre a decisão, entrando a Administração em mora logo após o decurso do prazo de execução espontânea caso não proceda ao pagamento dessa indemnização. Já se não consta da sentença anulatória a condenação da Administração ao paga‑mento dessa indemnização, a execução espontânea do julgado não tem de abarcar o seu pagamento, até porque a Administração não sabe, nem tem como saber, qual o montante das despesas suportadas pelo contribuinte com a prestação da garantia bancária ou equivalente.

Finalmente, gostaria de vos falar de uma questão que ultimamente tem prendido grandemente a atenção dos tribunais e que tem gerado ampla e acesa discussão no seio da nossa Secção, e que é a questão da natureza dos actos praticados pela administração tributária no processo de execução fiscal.

A questão já foi analisada em inúmeros acórdãos, tendo levado à prolação, no passado dia 26 de Setembro, do Acórdão de Fixação de Jurisprudência no recurso n.º 0708/12, onde estava em causa um pedido de dispensa de prestação de garantia que acompanhara um pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações (pois, por força do disposto no art.º 199.º do CPPT, o pedido de pagamento em prestações tem de ser

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acompanhado da oferta de garantia idónea ou de pedido de dispensa da sua prestação).

No caso concreto, a competência para a apreciação destas duas pretensões pertencia ao órgão da execução fiscal, uma vez que a dívida era inferior a 500 UC, já que se fosse superior seria da competência do Director Distrital de Finanças, dado o disposto no art.º 197.º do CPPT.

Esse acórdão dá conta da grande divergência na jurisprudência sobre a matéria, e que passam, essencialmente, pelas três visões distintas que podem incidir sobre a natureza do processo de execução fiscal:

Aqueles que o vêm como um procedimento administrativo com momentos judiciais apenas nas fases em que o Tribunal é chamado a intervir. Ou seja, na fase em que corre perante o órgão da execução fiscal, assume carácter de procedimento administrativo, correspon‑dente ao exercício de uma função tributária.

Para quem defenda esta tese, há que aplicar a este procedimento as normas que a LGT prevê para os procedimentos tributários, designada‑mente a norma do artigo 60.º sobre o direito de audição, as regras sobre o indeferimento tácito previstas nos artigos 109.º do CPA e 57.º, n.º 5, da LGT, sobre o dever de fundamentação previsto no artigo 77.º da LGT, sobre a revogação dos actos administrativos previstas no CPA, bem como todos os princípios que regem o procedimentos administrativos e tribu‑tários, como os que encontram previsão nos artigos 55.º e segs. da LGT.

É com base nesta argumentação que temos visto executados a advo‑garem que a decisão que determina a penhora, a venda ou qualquer outra decisão no processo executivo deve ser fundamentada à luz do artigo 77.º da LGT e que tem de ser sempre precedida de audição do interessado. Argumentação que dá muito jeito aos contribuintes para os frequentes pedidos de suspensão ou adiamento da venda executiva feitos em cima da data designada para o acto, por mais infundados que sejam.

Esta tese não deixa de causar algumas perplexidades, quando sabemos que os actos de citação, da penhora, da venda, da verificação e graduação de créditos reclamados, constituem actos típicos de um meio processual destinado à cobrança de quantia certa, que sempre têm sido tratados como actos processuais, sujeitos às regras e prazos que o Código de Processo Civil (CPC) prevê para este tipo de actos, designadamente no que toca aos termos e prazos para a sua anulação por preterição de formalidades legais previstas nos artigos 201.º e segs. do CPC.

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E quando a equacionamos, surgem imensas dúvidas e questões. Será, então, que a decisão do órgão da execução que verifica e gradua os créditos reclamados tem de observar o princípio da audiência prévia? E tem de ser fundamentada nos termos do art.º 77.º da LGT e não nos termos que o art.º 158.º do CPC? E a reclamação de um crédito pode considerar‑se indeferido face ao silêncio da administração durante um certo lapso tempo? ou devemos ir para a omissão de pronúncia prevista no CPC se a administração omite o seu conhecimento?

Noutra visão da questão, temos aqueles que vêm o processo de execução fiscal como um processo que é integralmente de natureza judicial, mesmo quando corre perante os serviços da administração tributária.

Para quem defenda esta tese, há que aplicar sempre e exclusivamente a regras processuais previstas no CPPT e, subsidiariamente, no CPC, e nunca as regras previstas para os procedimentos administrativos e tributários.

O que também não deixa de causar algumas perplexidades, desde logo quando pensamos que há actos que se inserem no processo de execução fiscal mas que são praticados, por exemplo, pelo Ministro das Finanças, como é o caso da apreciação e decisão do pedido de autorização de dação em pagamento face ao disposto no art.º 201.º do CPPT. Então essa entidade fica submetida, no procedimento tendente a essa autorização, que corre paralelamente à execução mas que se insere no âmbito desta, às regras e termos processuais previstas no CPC?

E a mesma pergunta terá de fazer ‑se para o pedido de anulação da venda, na medida em que o actual n.º 4 do artigo 257.º do CPPT dispõe que o pedido de anulação de venda deve ser dirigido ao órgão periférico regio‑nal da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda no prazo previsto no artigo 60.º da LGT. E se a decisão não for proferida no prazo de 45 dias, considera ‑se o pedido indeferido, iniciando ‑se, a partir daquela data, um prazo de 10 dias para reclamação para o Tribunal Tribu‑tário do indeferimento, nos termos do art.º 276.º do CPPT. O que evidencia a instauração de um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, sujeito a regras que não são, seguramente, as do Código de Processo Civil.

Finalmente, temos aqueles que, como eu, consideram que o processo de execução fiscal constitui, em regra, um processo judicial para cobrança de quantia certa, pelo que, em princípio, todos os actos

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inscritos nesse meio processual estão submetidos às regras processuais que regulam o processo judicial tributário e, subsidiariamente, às regras contida no CPC, só assim não sendo nos casos em que nesse meio pro‑cessual surgem “enxertados”, por vontade do legislador, verdadeiros procedimentos tributários, como será aquele caso do pedido de dação de pagamento em que a Administração actua produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária.

Na minha perspectiva, e como deixei dito nos acórdãos que relatei sobre a matéria, designadamente em 23/02/2012, no rec. n.º 059/12, o Órgão da Execução que instaura, conduz e tramita a execução fiscal cons‑titui um agente ou sujeito processual que substitui o juiz no processo de cobrança coerciva, praticando nele todos os actos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. E a competência que esse órgão detém no processo não brota, em princípio, do exercício de uma função tributária da Administração Fiscal, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz, assumindo, assim, um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigada a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio.

Razão por que todos os actos inscritos neste meio processual pelos diversos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) estão submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no CPC por força do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Só assim não será nos casos em que a lei expressamente admite a inserção ou “enxerto” no processo de cobrança coerciva de determina‑dos procedimentos administrativo/tributários, em que a Administração Tributária actua já no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito activo) e o contribuinte (como sujeito passivo) ou sobre a obrigação que dela emana, produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária ou actos tributários propriamente ditos.

Nessas situações, a Administração Tributária abandona a neutralidade e o estatuto supra partes, assumindo a qualidade de parte credora/exe‑

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quente, de sujeito activo da relação jurídica tributária, passando a intervir no seu exclusivo interesse.

Para quem defende esta tese, que actualmente já é maioritária na Secção de Contencioso Tributário do STA, o mais complicado é distinguir as situações em que a Administração Tributária está a agir como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz, das situações em que aban‑dona essa posição e assume a qualidade de exequente/credora interessada, de sujeito activo da relação jurídica tributária, pois só neste último caso haverá que aplicar os princípios gerais que regulam a actividade adminis‑trativa e as normas que a LGT prevê para os procedimentos tributários, designadamente a norma contida no artigo 60.º.

E é aqui que têm surgido as maiores e mais vivas discussões. Pois mesmo entre aqueles que partilham esta última visão, nem sempre há concordância quanto a este segundo aspecto.

Do meu ponto de vista, ela assume a qualidade de parte credora, passando a intervir no seu exclusivo interesse, quando pratica o acto de reversão, quando aprecia o pedido de autorização de pagamento da dívida em prestações, quando autoriza a dação em pagamento, quando impõe a constituição forçada de hipoteca ou de penhor sobre bens do executado para garantir os seus créditos (art.º 195.º do CPPT) ou quando aprecia o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Toda estas velhas questões se encontram ainda em discussão e em processo de consolidação jurisprudencial, e a sua solução terá enormes repercussões a vários níveis. Por exemplo, ainda na sessão do passado dia 31 de Outubro se colocava a questão, no rec. n.º 0818/12, de saber se o executado podia utilizar a providência cautelar prevista no n.º 6 do artigo 147.º do CPPT para obter a suspensão da venda marcada no pro‑cesso executivo.

Esse preceito prevê a possibilidade de providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, nas situações em que haja um fundado receio de que a actuação da administração tribu‑tária cause uma lesão irreparável ao requerente. Visam, assim, intimar a Administração Tributária a adoptar, ou a inibir ‑se de adoptar, determinado comportamento.

Ora, se concluirmos, como eu conclui como relatora desse acórdão, que a pretensão formulada visava obter a suspensão de um acto processual num processo judicial, essa medida cautelar inibitória de um comporta‑

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mento não pode ser utilizada, porque a administração tributária não está a agir no exercício de actividade ou função tributária, mas a intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz, e as medidas cautelares não constituem meios adequados para a suspensão de processos judiciais.

Muitas outras questões, que têm suscitado viva discussão na nossa Secção, podiam ser aqui trazidas, explicadas e comentadas, mas já excedi o meu tempo e, certamente, a vossa paciência. Por isso não vos maço mais, e termino agradecendo a vossa presença e a atenção que me dispensaram.

Muito obrigada.

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António Carlos dos SantosProfessor da UAL.

Membro do IDEFF e do Conselho Cientifico da RFPDF.Jurisconsulto

António Carlos dos SantosClotilde Celorico Palma

A Administração Tributária e os sistemasde informação

– entre transparência e protecção do sigilo fiscal

Clotilde Celorico PalmaProfessora Universitária.Docente no IDEFF.

Advogada

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RESUMO:

Neste artigo analisam‑se diversos aspectos relativos ao âmbito de aplicação e à evolução do sigilo fiscal em Portugal, em especial à sua relação com o sigilo bancário e com o planeamento fiscal abusivo.

Palavras‑chave:Sigilo fiscalSigilo bancárioTransparência fiscalPlaneamento fiscal abusivo

ABSTRACT:

This article addresses several aspects concerning the definition, the scope and the evolution of tax secrecy in the Portuguese Tax Law. A particular emphasis is given to the relationship between tax secrecy, bank secrecy and aggressive tax planning.

Key words:Tax secrecyBank secrecyTax transparencyAggressive tax planning

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1. Introdução

A crise financeira internacional originou uma cooperação multilate‑ral sem precedentes, tendo em vista o reforço da supervisão e regulação financeira.

Os padrões da OCDE no tocante à transparência e troca de informa‑ções são hoje quase universalmente aceites, incluindo por países que a eles se opuseram como a Suíça ou o Luxemburgo. Um importante progresso foi feito quanto à sua efectiva concretização. Os desafios que se colocam em relação à crise económica e financeira (que hoje tende a transformar‑‑se em crise social e política), a necessidade da recuperação económica, a responsabilização dos actores impõe uma cooperação acrescida e uma opção pela transparência nos mercados financeiros.

Portugal tem procurado acompanhar a evolução mundial no que toca a estas matérias, tendo intensificado a troca de informações com outros Estados.

A troca de informações implica sistemas informáticos modernos, programas partilhados, formulários electrónicos comuns, de modo a pro‑porcionar uma maior rapidez e exigência em termos de prazos de resposta.

A OCDE considera que a carga fiscal elevada aplicada a uma base tributária estreita, a falta de transparência e a instabilidade das leis fiscais, são, entre outras, causas objectivas que levam os contribuintes a adoptar comportamentos abusivos. O mesmo ocorre com a complexidade das leis fiscais, a desigualdade na repartição dos encargos tributários, a sensação de impotência perante comportamentos discricionários ou persecutórios das próprias administrações tributárias.

O primeiro instrumento para minimizar estes fenómenos negativos deve ser a clareza, simplicidade, certeza e estabilidade das leis fiscais. De forma a se respeitar o princípio da transparência, o sistema fiscal deverá ser simples e claro, não burocrático, com deveres de colaboração recíproca bem definidos, com regras aplicáveis às relações entre a Administração Tributária e os contribuintes conhecidas de todos e publicadas. Perante a degradação da Lei Geral Tributária, é tempo de criar um Estatuto do Contribuinte, onde sejam clarificados os seus direitos e deveres e os limi‑tes da acção administrativa. É neste quadro que poderiam ser clarificadas as questões da recolha e tratamento das informações fiscais e das trocas de informações, hoje dispersas por muitos diplomas, e pouco eficientes

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em relação a matérias como o uso do VIES ou a tributação do comércio electrónico.

Embora o nível de informatização seja hoje elevado, as regras que regem a protecção de dados pessoais seja objecto de publicação e estejam previstos deveres de colaboração recíproca entre Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), contribuintes e terceiros que fornecem informações, o sistema fiscal português está longe de ser, transparente e desburocratizado1.

O regime jurídico vigente em matéria de acesso por parte da admi‑nistração a informações de relevância fiscal e a disponibilização de infor‑mações fiscais por parte da AT é complexo. As prerrogativas da AT e os seus deveres variam em função do fim a que se destinam as informações recolhidas ou fornecidas. Independente da finalidade a que se destinam e das razões que lhe estão subjacentes, conflui aqui uma vasta panóplia de direitos, deveres e valores fundamentais, opostos e conflituantes, compe‑tindo, em última instância à jurisprudência, dar resposta a estas questões e delinear os limites da actuação da AT em matéria de acesso a informações protegidas por sigilos profissionais. No entanto, são relativamente raras as decisões nesta matéria, o que evoca um certo temor reverencial dos contribuintes perante a administração.

2 Os princípios relativos à protecção de dados pessoais

2.1 A protecção do sigilo fiscal: a perspectiva constitucional

O dever de sigilo fiscal configura‑se como um dever profissional, de importância colectiva, sendo uma condição de confiança na actividade administrativa. Convoca, como fundamento, diferentes tutelas jurídicas que vão da intimidade da vida privada, da protecção dos dados pessoais e da correcta utilização da informática, da protecção da confiança na Administração Tributária por parte dos contribuintes e de terceiros com ela relacionados, da garantia de funcionamento do próprio sistema fiscal,

1 A fusão na AT da DGCI, da DGAIEC e da DGITA, ocorrida por pressão da troika, mostra como foi prematura e insensata a extinção da Administração Geral Tribu‑tária. Um bom exemplo de como se perderam dez anos na modernização administrativa, sem qualquer razão.

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bem como razões mais pragmáticas (evitar fugas de capitais, ter em conta o ambiente de concorrência fiscal.

No entanto, o dever de sigilo fiscal não tem natureza absoluta, cessando em situações especificamente previstas na lei (art. 64.º, n.º 2 da LGT), uma vez que outros princípios inerentes a uma administração democrática, como o princípio da administração aberta2, pressionam no sentido da diminuição ou restrição da esfera do sigilo. Para além disso, há igualmente razões pragmáticas que operam no mesmo sentido. Desde logo o interesse público do Estado assegurar o cumprimento do dever fundamental de pagar impostos, trocando informações com outras Administrações Fiscais, combatendo a erosão das bases tributáveis e, con‑sequentemente, os crimes fiscais, a evasão e o planeamento fiscal abusivo.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 conferiu, no seu artigo 26.º, dignidade constitucional a um conjunto de direitos pessoais como o direito à reserva da vida privada e familiar, o direito à identidade pessoal, o direito ao desenvolvimento da personalidade, o direito à cida‑dania, entre outros. Este artigo não garante, porém, um pseudo‑direito do contribuinte a fugir à sua responsabilidade social através da falsidade das declarações sobre a sua situação fiscal. Além disso, é muito discutível que os elementos sobre a situação patrimonial dos contribuintes (e, por maioria de razão, das empresas) integrem a reserva da sua intimidade pessoal e familiar.

Numa perspectiva mais ampla afirma‑se que “a fundamentação pri‑meira do dever de confidencialidade relativamente à informação “sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal” se encontra no próprio direito à reserva da intimidade da vida privada, garantido pelo n.º 1 do artigo 26.º da CRP”, que dispõe que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação,

2 Cfr. o n.º 1 do artigo 65.º do Código de Procedimento Administrativo segundo o qual “Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”. O princípio da Administração aberta consta igualmente da Directiva 2003/98/CE, de 17.11 e, no plano político, do Plano Glo‑bal Estratégico da Administração Portuguesa para as TIC s da Agenda Portugal Digital.

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à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação e que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.

A CRP (art. 35.º) garante também a protecção de dados pessoais informatizados (e não só…), determinando que todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam nos termos da lei 3

Por sua vez, o artigo 35.º da CRP (“Utilização da informática”) determina que “ A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a (...) vida privada (...), salvo (...) para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis”.

De acordo com o entendimento constante do Parecer n.º 20/94, de 9/2, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, “pode afir‑mar‑se que, em matéria relativa a elementos detidos pela Administração, o princípio é o do livre acesso; porém, em determinadas áreas sensíveis vigora o princípio inverso, a proibição de acesso salvo se e na medida prevista em “lei”, que respeite e hierarquize os interesses em jogo”.

“A intimidade da vida privada é um desses campos sensíveis, e a situação patrimonial insere‑se no vasto campo da vida privada. Por conseguinte, os dados referentes à situação patrimonial de um indivíduo, que a Administração tenha recolhido para determinado fim, só podem ser revelados a terceiros – outros sectores da Administração – nos casos previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso e na medida estritamente necessária, no justo equilíbrio entre o interesse que postula a revelação e a protecção da intimidade da vida privada”.

Nesta medida – prossegue o referido Parecer – encontram‑se abran‑gidos pelo sigilo fiscal, integrando‑se nos “dados relativos à situação tributária dos contribuintes (...), quaisquer informações, quaisquer ele‑mentos informatizados ou não, que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares ou colectivas, comerciantes e não comerciantes”.

3 Cfr também os artigos 7.º e 61.º do Código de Procedimento Administrativo.

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Não estarão, por outro lado, abrangidos pelo dever de confidenciali‑dade fiscal, os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico‑institucionais, como sejam, v.g., os registos predial, comercial e civil”, introduzindo‑se, pois, aqui uma diferenciação, não só semântica, mas substantiva, que consideramos relevante: a distinção entre “dados publicitáveis”, “dados públicos” e “dados sigilosos”.

Do exposto se poderá retirar, igualmente, que “não é tanto um dado fiscal isolado que preocupará o legislador quando impõe a confi‑dencialidade fiscal, mas os dados fiscais que digam algo de forma mais ampla acerca da situação patrimonial dos contribuintes. Ou, dizendo de outro modo, “os dados fiscais, de per se, têm neste contexto uma índole “neutra” se não configurarem a expressão personalizada de uma situação tributária.

2.2 A Lei da Protecção de Dados Pessoais

A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automati‑zado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designa‑damente através da acção de uma entidade administrativa independente. Acresce que proíbe o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais legalmente previstos.

Esta lei tem origem na transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. De acordo com o disposto nesta Lei, o tratamento de dados pessoais deve processar‑se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

São vários os princípios que decorrem desta lei. A ideia‑chave que perpassa todo o texto da lei é o princípio da proporcionalidade na recolha, tratamento, transmissão e troca de informações e na assistência mútua. A informação recolhida pela Administração Tributária é limitada aos dados relevantes para o exercício das suas funções.

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De acordo com o disposto na Lei de Protecção de Dados Pessoais, os dados pessoais devem ser:

a) Tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé;b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas,

não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades;

c) Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finali‑dades para que são recolhidos e posteriormente tratados;

d) Exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser adoptadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou recti‑ficados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que serão tratados posteriormente;

e) Conservados de forma a permitir a identificação dos seus titula‑res apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior.

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) é a entidade administrativa independente, com poderes de autoridade, que funciona junto da Assembleia da República, que tem como atribuição controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em maté‑ria de protecção de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei.

Esta Comissão deve ser consultada sobre quaisquer disposições legais, bem como sobre instrumentos jurídicos em preparação em instituições comunitárias ou internacionais, relativos ao tratamento de dados pessoais.

Compete em especial à CNPD, autorizar ou registar, consoante os casos, os tratamentos de dados pessoais, bem como autorizar a interco‑nexão de tratamentos automatizados de dados pessoais que não esteja prevista em disposição legal.

Todavia, face ao reconhecimento, também constitucional, do direito à privacidade, o legislador foi obrigado a estabelecer restrições ao direito à informação e a criar instrumentos jurídicos que funcionem como garantias do direito à privacidade.

Como referimos, Portugal transpôs na sua ordem jurídica Directiva 95/46/CE, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito

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ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, através da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, conhecida por Lei da Protecção de Dados Pessoais.

Como princípio geral esta Lei determina que o tratamento de dados pessoais deve processar‑se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para:

a) Execução de contrato ou contratos em que o titular dos dados seja parte ou de diligências prévias à formação do contrato ou declaração da vontade negocial efectuadas a seu pedido;

b) Cumprimento de obrigação legal a que o responsável pelo trata‑mento esteja sujeito;

c) Protecção de interesses vitais do titular dos dados, se este estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;

d) Execução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados;

e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo trata‑mento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.

De acordo com o disposto no artigo 17.º da Lei da Protecção de Dados Pessoais, os responsáveis do tratamento de dados pessoais, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções. Igual obrigação recai sobre os membros da CNPD, mesmo após o termo do mandato, bem como sobre os funcionários, agentes ou técnicos que exerçam funções de assessoria à CNPD ou aos seus vogais.

O artigo 64.º da Lei Geral Tributária determina que os dirigentes, funcionários e agentes da Administração Tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes (pessoa singular ou colectiva) e os elementos de natureza

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pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

O referido dever de sigilo cessa em caso de:

a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;

b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;

c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de con‑venções internacionais a que o Estado português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;

d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.

De notar que o dever de confidencialidade comunica‑se a quem quer que obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da Administração Tributária.

Por outro lado, determina‑se que não contende com o dever de confidencialidade a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada, desde que já tenha decorrido qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestação de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa, bem como a publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sec‑tores de actividades ou outras, de acordo com listas que a Administração Tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade.

Note‑se que o artigo 64.º‑A da LGT sob a epígrafe, Garantias especiais de confidencialidade, determina que compete ao Ministro das Finanças definir regras especiais de reserva da informação a observar pelos serviços da Administração Tributária no âmbito dos processos de derrogação do dever de sigilo bancário.

De salientar que a Lei do Planeamento fiscal agressivo (DL n.º 29/2008) determina que o dever de sigilo a que estejam legal ou contratualmente sujeitas as entidades abrangidas não as desobriga do cumprimento das obrigações nele previstas e que as informações prestadas no cumprimento dos deveres previstos no referido diploma não constituem violação de

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qualquer dever de confidencialidade, nem implicam para quem as preste responsabilidade de qualquer tipo.

Parece‑nos claro que esta lei visa essencialmente a protecção das pes‑soas singulares. A proibição da devassa da privacidade dos contribuintes não afecta, por exemplo, a necessidade de transparência no tocante a quan‑tias transaccionadas por contribuintes com estruturas empresariais pois estas fazem parte do normal curso do tráfego comercial. A protecção dos interesses empresariais não decorre da privacidade, mas da protecção da situação patrimonial das empresas perante a concorrência. As informações recolhidas pela AT relativas a empresas devem salvaguardar estes aspectos.

Quanto a informações de pessoas singulares, a AT não tem de conhecer em pormenor todos os dados da vida privada, incluindo os movimentos ban‑cários efectuados. É necessário rastrear o acesso, verificando a quem ficam acessíveis as informações e quais são as informações realmente necessárias. O dever fundamental de pagar impostos não pode, nomeadamente, justificar o acesso irrestrito aos movimentos a débito. Este acesso irrestrito seria ferido de inconstitucionalidade. Nem pode justificar que se utilizem dados fornecidos pelos contribuintes (por exemplo, para obtenção de reembol‑sos) para se efectuarem penhoras de contas bancárias. Ou que a protecção garantida pela AT relativamente a dados fornecidos por outras entidades que gozam de sigilo profissional seja menor do que a que tais dados gozavam junto dessa mesma entidade (transmissão do dever de confidencialidade)

A pressão da crise económica e financeira e a necessidade de diminuir o défice e a dívida não justificam quebras dos princípios da proporcio‑nalidade e da confiança legítima em matérias tão sensíveis como as da protecção de dados pessoais com relevância tributária.

3. A recolha dos dados fiscais e a construção de um sistema de infor‑mações

3.1 Desenvolvimento histórico dos sistemas de informação fiscais

A evolução nas metodologias da recolha de dados caracteriza‑se por um recurso cada vez mais sistemático às vias electrónicas e a uma maior simplificação de procedimentos.

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Antes de 2000 a informação era prestada sob a forma de papel. A partir dos fins da década de noventa, a Direcção Geral dos Impostos (DGCI), desde Janeiro de 2012 hoje integrada na AT, iniciou um relevante processo de desmaterialização.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/97, de 14 de Julho de 1997, que veio aprovar as Bases da Reforma Fiscal da transição para o século XXI, veio vincular o XIII Governo ao desenvolvimento de novas tecnologias da comunicação nos sistemas tributários e à desmaterialização das transacções de bens e das prestações de serviços.

Foi nessa época que foi alargada (de menos de 30 para mais de 400) a rede RITTA que conectava repartições fiscais, tesourarias da fazenda pública, direcções distritais de finanças, etc., que foi criada a repartição virtual de finanças no site da DGCI e desenvolvidas as ligações com o sistema ATM. Além disso, foi criada a DGITA e iniciou‑se o estudo e concretização das seguintes medidas e orientações:

a) Disponibilização de métodos de recolha de informação fiscal por via electrónica em igualdade com outros procedimentos exis‑tentes;

b) Aceitação do pagamento electrónico;c) Reaproveitamento da informação de natureza fiscal, para evitar a

repetição do pedido da mesma informação ao cidadão e às empresas; d) Promoção, como dever aceite pelo Estado, do acesso universal

aos novos meios de comunicação; e) Adopção de uma política de segurança da informação na trans‑

ferência electrónica de informação; f) Apoio ao delineamento de uma política comunitária de não dis‑

criminação entre os diversos tipos de suportes de informação (v. g. livros e CD‑ROM).

É igualmente nesta época que, em coordenação com o Livro Verde da Sociedade da Informação, se regista uma grande preocupação com a análise das repercussões da sociedade de informação no sistema fiscal, em particular relativas a fenómenos como o comércio electrónico, a desma‑terialização de operações, em especial financeiras, e o aparecimento das empresas virtuais. Em todo este processo é justo salientar – porque menos conhecido – o papel da DGITA que, sem grandes alardes mediáticos,

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foi o coração do desenvolvimento das TIC nos impostos e da criação de modernos sistemas de informação tributários.

Num outro plano, o da simplificação de procedimentos, surge, em 2007, o programa SIMPLEX, através do qual o Estado impulsionou a desmaterialização das operações no interior do seu aparelho e facilitou as suas relações com instituições, empresas e cidadãos. No âmbito deste programa foram previstas e aplicadas várias medidas no sentido de des‑burocratizar, eliminar, simplificar, e tornar menos onerosos procedimentos e actos relativos ao aparelho do Estado, aos particulares e às empresas.

Houve assim uma grande evolução no desenvolvimento das tecno‑logias de informação e de comunicação e nos sistemas de informação com particular relevo no domínio tributário (visão global do contribuinte, conta‑corrente do contribuinte, apoio à fiscalização, etc.) desde o fim da década de noventa do século passado, passando também a recolha da informação fiscal relevante a beneficiar largamente das novas tecnologias. A relação entre os contribuintes e a Administração Tributária passou, cada vez mais, a processar‑se por via electrónica, sendo os dados recebidos tratados a esse nível, com recurso a sistemas cada vez mais sofisticados.

Assim, a apresentação das declarações fiscais passou, gradualmente, a ser feita obrigatoriamente pela Internet, estendendo‑se essa obrigatorie‑dade, em 2011, à emissão de recibos para os profissionais independentes por via electrónica através do Portal das Finanças.

Um bom exemplo de simplificação é o caso da IES – Informação Empresarial Simplificada, que consiste numa nova forma totalmente des‑materializada de entrega das obrigações declarativas de natureza contabilís‑tica, estatística e fiscal. As empresas (cerca de 400.000) tinham, até então, de prestar as suas contas a diversas entidades públicas por diferentes meios, nomeadamente o depósito das contas junto das Conservatórias do Registo Comercial, a entrega da declaração anual de informação contabilística à Direcção Geral dos Impostos, a entrega da informação de natureza estatís‑tica ao Banco de Portugal (BP) e ainda responder ao inquérito de informa‑ção de natureza contabilística ao Instituto Nacional de Estatística (INE).

Com a criação da IES toda a informação que as empresas têm de prestar relativamente às suas contas anuais passou a ser transmitida num único momento, perante uma única entidade, através de formulários únicos submetidos por via electrónica, exclusivamente pelo Técnico Oficial de Contas da empresa.

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Compete à DGI a gestão de uma plataforma da informação recebida e reenviá‑la para o Ministério da Justiça, cabendo a este organismo preceder aos registos e disponibilizar ao INE e ao BP a informação de que estas carecem para as suas atribuições.

3.2 A recolha administrativa de dados fiscais

3.2.1 A informação prestada pelos sujeitos passivos e por terceiros

Os dados fiscais são essencialmente fornecidos às autoridades tributárias pelos contribuintes directos, aquando do cumprimento das suas obrigações acessórias (declarativas e contabilísticas) ou conheci‑dos no momento de inspecções ao abrigo do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).

O sistema declarativo, em particular nos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) foi essencialmente introduzido com a Reforma de finais dos anos 80 do século passado. Envolve obrigações declarativas e de conta‑bilidade ou escrituração, mais complexas no caso do IRC. Em relação a este imposto, existe ainda uma obrigação de autoliquidação do imposto devido com base num moderno sistema de informação contabilística. Mas também o IVA foi criado com base em idêntico sistema, obrigando os sujeitos passivos, entre outras coisas, a declarações de início, de alterações ou fins de actividade, a sistemas de facturação, a obrigações contabilís‑ticas e de escrituração e ao envio de mapas recapitulativos. Acresce que hoje os sujeitos passivos de IRS são também obrigados a mencionar na correspondente declaração de rendimentos a existência e identificação de contas de depósitos ou de títulos abertas em instituição financeira não residente em território português.

Um sistema declarativo tem, porém, que ser controlado. Daí a necessidade da fiscalização interna ou externa, visando a confirmação e verificação do cumprimento das obrigações obedecendo aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação. As prerrogativas da inspecção são bastante extensas abrangendo, por exemplo, acesso a livros e documentos, registos contabilísticos, elementos fornecidos por terceiros relativos à situação tributária do inspeccionado, acesso aos sistemas informáticos, à inventariação física de bens, a dados sobre preços de transferência, etc. (art. 63.º LGT e 29.º do RCPIT).

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Quando falte a declaração de rendimentos há lugar a procedimentos de avaliação indirecta que, no caso de manifestações de fortuna ou de acréscimos patrimoniais não justificados, justificam, de acordo com o postulado no artigo 89.º‑A da LGT, a fixação de um rendimentos padrão.

A grande maioria das informações é recolhida via electrónica, sendo marginal a informação recolhida em suporte papel, designadamente, as facturas ou documentos equivalentes e outros documentos de suporte a determinados actos, como, por exemplo, contratos.

As informações não são apenas recolhidas junto dos contribuintes directos, mas também de outros sujeitos passivos e mesmo de terceiros. É, por exemplo, o caso dos substitutos, também eles sujeitos a diversas obrigações declarativas e, bem assim, terceiros, tais como entidades paga‑doras de rendimentos, notários, conservadores, câmaras, etc. conforme os impostos em análise.

Um outro meio de recolha de informação provém das denúncias de infracções tributárias (art. 70.º LGT), tendo neste caso o contribuinte direito a conhecer o teor e autoria das denúncias dolosas não confirmadas (art. 67.º LGT).

Muitos potenciais fornecedores de informações beneficiam de pro‑tecção de sigilo profissional. É o caso dos advogados, dos jornalistas, dos bancos, etc. Pela sua especial importância, aqui apenas referiremos a questão de informações decorrentes da derrogação do sigilo bancário e das apresentadas no quadro do planeamento fiscal abusivo

3.2.2 As informações recolhidas junto da banca e outras instituições finan‑ceiras

3.2.2.1 Breve nota histórica sobre o segredo bancário

Em Portugal, diferentemente do que acontece noutros ordenamentos jurídicos, o segredo bancário é expressamente reconhecido e disciplinado em lei ordinária, como uma garantia não absoluta4.

4 A primeira referência legal expressa, ao sigilo bancário, em Portugal, consta do artigo 83.º do Regulamento Administrativo do Banco de Portugal, aprovado pelo Decreto do Governo de 28 de Janeiro de 1847, por intermédio do qual se garantia que as opera‑ções do banco e os depósitos particulares eram objecto de segredo, sendo a sua violação,

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Esse reconhecimento surge com o Decreto‑Lei n.º 2/78, de 9 de Janeiro, um diploma que, debruçando‑se sobre aspectos essenciais do segredo bancário, tais como a definição do respectivo âmbito objectivo e subjectivo, as consequências legais da sua violação e os respectivos limites, conferiu‑lhe forte protecção, em grande parte como reacção a um caso de devassa da conta bancária de Sá Carneiro no conturbado período que se seguiu à revolução de 1974.

No seu artigo 1.º, este diploma estatuía que “os membros dos con‑selhos de administração, gestão ou de direcção ou de quaisquer órgãos, e bem assim todos os trabalhadores de instituições de crédito, não podem revelar ou aproveitar‑se de segredo cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente por virtude das suas funções”, designadamente, “nomes de clientes, contas de depósito e seus movimentos, operações bancárias, cambiais e financeiras realizadas, licenciamento de operações concedidas e elementos”. No seu artigo 3.º determinava que o incumprimento do dever de sigilo bancário, além de fazer incorrer o infractor em responsa‑bilidade civil e disciplinar, era punível criminalmente, nos termos do § 1 do artigo 290.º do Código Penal.

A matéria do segredo bancário está hoje regulada nos artigos 78.º a 84.º (integrados no capítulo II intitulado segredo profissional) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro.

O artigo 78.º do RGICSF determina que, “os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus

através da revelação, sancionada disciplinarmente mediante a aplicação de repressão ou, caso provocasse dano, de despedimento. Esta norma veio a ser substituída pelo Regula‑mento Administrativo do Banco de Portugal de 1891, aprovado em 23 de Abril de 1891, o qual manteve praticamente a mesma redacção. Só mais tarde, em 1967, é que surge no ordenamento jurídico português uma referência normativa ao segredo bancário aplicá‑vel, sem excepções, a todas as instituições de crédito, no Decreto‑Lei n.º 47909, de 7 de Setembro, que criou o Serviço de Centralização de Riscos de Crédito (SCRC). O disposto no n.º 2 do artigo 3.º deste diploma, para além de proibir a utilização dos elementos forne‑cidos pelas instituições de crédito para outros fins diversos que não fossem os do SCRC ou de natureza estatística, afirmou que os mesmos não eram susceptíveis de difusão vio‑ladora do princípio do segredo bancário que deveria proteger as operações de crédito em causa. Por outro lado, em conformidade com o n.º 1 do artigo 6.º deste diploma, a vio‑lação do dever de segredo constituía crime de violação de segredo profissional, punível pelo artigo 290.º do Código Penal de 1886.

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empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviço a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com

os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação de serviços”, designadamente, “os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”, o qual, “não cessa com o termo das funções ou serviços”.

Igual dever de segredo recai sobre as autoridades de supervisão, nos termos do artigo 80.ºdo mesmo RGICSF, designadamente as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal.

Estão ainda sujeitos ao dever de segredo bancário, por força do n.º 3 do artigo 81.º RGICSF, todas as autoridades, organismos e pessoas que participem nas trocas de informações referidas nos n.os 1 e 2 do mesmo preceito, designadamente a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o Instituto de Seguros de Portugal, a Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, as pessoas encarregadas do controlo legal das contas das instituições de crédito, etc.

Este conjunto de disposições, directamente estabelecido para as instituições de crédito, é aplicável às sociedades financeiras, por força do disposto no artigo 195.º do RGICSF.

Este sigilo destina‑se a proteger os direitos pessoais ao bom nome e à reserva da privacidade, bem como o interesse privado da protecção das relações de confiança entre as instituições financeiras e os respectivos clientes, pessoas singulares ou colectivas.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional considera que o segredo bancário constitui uma dimensão essencial do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente previsto no n.º 1 do artigo 26.º da CRP, protegendo dados relativos à vida pessoal e patrimonial dos indivíduos.

No actual sistema tributário, em que vigora o princípio declara‑tivo, o controlo e fiscalização não pode ser realizado em exclusivo pela Administração Tributária, antes implica formas de colaboração dos cida‑dãos/contribuintes na realização do interesse público e na justa aplicação das normas fiscais. Estes mecanismos devem estender‑se a terceiros que, por razões económicas e/ou profissionais, se encontrem numa posição

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privilegiada em relação a determinadas actividades e sujeitos passivos de imposto, com acesso a informação com relevância tributária. Com a generalização das relações bancárias, ninguém melhor que as instituições financeiras – depositárias de informação tributária – para auxiliarem a administração nas tarefas de fiscalização e controlo.

3.2.2.2 O acesso progressivo da Administração aos dados bancários

O segredo bancário não se configura como um direito absoluto e portanto insusceptível de sofrer restrições5.

O próprio RGICSF, no seu artigo 79.º, prevê diversas excepções ao dever de sigilo bancário. O n.º 1 deste artigo dispõe que, “Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição, podem ser revelados mediante a autorização do cliente, transmitida à instituição”. O n.º 2 do mesmo artigo refere que nos casos em que não é aplicável o n.º 1 o dever de segredo só pode ser revelado ao Banco de Portugal, à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e ao Fundo de Garantia de Depósitos, no âmbito das suas atribuições, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, à Administração Tributária, no âmbito das suas atribuições e, ainda, nos termos da lei penal e do processo penal e quando exista outra disposição legal que expressamente limite este segredo6.

5 Actualmente estão em voga as limitações por razões de combate ao branquea‑mento de capitais e ao terrorismo. Existem também entre nós, em termos de autorizações administrativas a informações bancárias, dois casos incontestáveis de acesso irrestrito: o caso dos candidatos ao Rendimento Social de Inserção e o caso dos candidatos ao com‑plemento de solidariedade para idosos, onde, como condição de candidatura, se permite o acesso às informações bancárias. Esta situação não parece aplicar‑se, na prática, a mais nenhuma prestação social ou despesa pública. A LGT chegou a prever este ónus em rela‑ção à concessão de benefícios fiscais, mas ao que se julga nunca foi utilizada. Ora, se a verificação dos dados bancários se afigura como a mais eficiente na questão da aferição da situação social e fiscal do contribuinte, não se percebe que não possa ser usada como princípio geral, podendo mesmo concluir‑se que estamos perante um tratamento discri‑minatório dos mais desfavorecidos monetariamente.

6 O Decreto‑Lei n.º 363/78, de 28 de Novembro, que procedeu à reestruturação, na época, da Direcção‑Geral das Contribuições e Impostos, no seu n.º 1 do artigo 34.º, reconhece à Administração Tributária, através dos funcionários afectos à fiscalização, amplos poderes de fiscalização e exame, que suscitaram a questão de saber se os mesmos implicavam uma derrogação do dever de sigilo bancário, na época regulamentado pelo

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A Lei Geral Tributária referia na sua redacção inicial, nos seus artigos 63.º e 64.º, que existindo recusa de cooperação do contribuinte no acesso a elementos protegidos pelo sigilo profissional, bancário ou outro legalmente regulado, a diligência só poderia ser realizada mediante autorização do tribunal da comarca competente com base em pedido fun‑damentado da administração.

A regra vigente em matéria de sigilo bancário é, como no caso de qualquer sigilo profissional, a de que este só pode ser derrogado mediante autorização judicial, conforme determina o n.º 2 do artigo 63.º da LGT que prescreve que “O acesso à informação protegida pelo segredo pro‑fissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da lei”. Esta regra admite, no entanto, expressamente, excepções, prevendo casos em que a AT pode aceder aos documentos cobertos pelo sigilo bancário sem dependência de tal autorização.

Foi com a Lei do OE para 2001 (Lei n.º 30‑G/2000, de 29 de Dezembro) que se iniciou a abertura do sigilo bancário à AT sem depen‑dência do consentimento dos titulares das contas7. Esta possibilidade veio a ser consideravelmente alargada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 55‑B/2004, 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2005, culminando um processo de ruptura com a situação anterior.

É agora ponto assente que a AT tem o poder de aceder a informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, apesar das decisões deverem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam.

Decreto‑Lei n.º 2/78. A esta questão, respondeu negativamente a Procuradoria‑geral da República, no parecer n.º 183/83, de 5 de Abril de 1984. Outros diplomas a conside‑rar são a Lei Orgânica da Inspecção‑Geral de Finanças (IGF), constante do Decreto Lei n.º 79/2007, de 29 de Março que consagra, através dos seus funcionários, um conjunto amplo de prerrogativas, as quais permitiam configurar a possibilidade de derrogar o dever sigilo bancário e o Decreto‑Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, que define a possibilidade de a AT requerer informação protegida pelo sigilo bancário para efeitos de preparação de relatório de inspecção tributária. Também nos Códigos do IRS e IRC existem vários preceitos que, apesar de não se enquadrarem na matéria de derrogação do sigilo bancário propriamente dito, impõem deveres de colaboração das instituições financeiras.

7 A Lei do OE para 2001 acompanhava estes mecanismos da criação de meios procedimentais e processuais, para salvaguardar direitos e garantias dos contribuintes.

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Formulado o pedido de acesso à informação bancária pela AT podem verificar‑se os seguintes cenários:

− O contribuinte fornece os dados solicitados, ficando, em princípio a questão resolvida;

− O contribuinte opõe‑se ilegitimamente, podendo neste caso cons‑tituir fundamento para a aplicação de métodos indirectos;

− A instituição bancária não fornece os elementos solicitados, cons‑tituindo crime de desobediência qualificada nos termos do previsto no código penal;

− O contribuinte recorre da decisão da AT de aceder aos dados bancá‑rios nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 146.º‑A e do 146.º‑B do CPPT8 .

Hoje o acesso da AT à informação fiscal é regulado pelos arti‑gos 63.º‑A, 63.º‑B e 63.º‑C da LGT (cfr. o n.º 3 do artigo 63.º da LGT).

O artigo 63.º‑A da LGT prevê um conjunto de mecanismos de informação a enviar pelas instituições de crédito e sociedades financeiras à AT relativos a operações financeiras. É o caso da abertura ou manuten‑ção de contas por contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada ou se insiram em sectores de risco, bem como quanto às transferências transfronteiras que não sejam relativas a pagamentos de rendimentos sujeitos a algum dos regimes de comunicação para efeitos fiscais já previstos na lei, a transacções comerciais ou efectuadas por enti‑dades públicas, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal.

As instituições de crédito e sociedades financeiras estão ainda obriga‑das a comunicar à Administração Tributária, até ao final do mês de Julho de cada ano, através de declaração de modelo oficial, as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país,

8 Recorde‑se que O CPPT estabelece dois processos tributários autónomos de der‑rogação do dever de sigilo bancário: um, interposto pelo contribuinte nos casos em que pretende recorrer da decisão da Administração Tributária de aceder a dados bancários, outro, interposto pela Administração Tributária nas situações em que pretende o acesso à referida informação. Salienta‑se ainda o facto do CPPT considerar estes processos como urgentes devendo a respectiva decisão judicial ser proferida no prazo de 90 dias a contar da data da apresentação do requerimento inicial.

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território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável que não sejam relativas a pagamentos de rendimentos sujeitos a algum dos regimes de comunicação para efeitos fiscais já previstos na lei ou operações efectuadas por pessoas colectivas de direito público.

As instituições de crédito e sociedades financeiras têm a obrigação de fornecer à Administração Tributária, até ao final do mês de Julho de cada ano, o valor dos fluxos de pagamentos com cartões de crédito e de débito, efectuados por seu intermédio, a sujeitos passivos que aufiram rendimentos do trabalho independente em IRS e de IRC, sem por qualquer forma identificar os titulares dos referidos cartões.

A informação a submeter inclui a identificação das contas, o número de identificação fiscal dos titulares, o valor dos depósitos no ano, o saldo em 31 de Dezembro, bem como outros elementos que constem da decla‑ração de modelo oficial.

Actualmente, nos termos do disposto no artigo 63.º‑B da Lei Geral Tributária, prevê‑se que a AT tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado

ou esteja em falta declaração legalmente exigível; c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de

património não justificado; d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos

de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;

e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;

f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantifica‑ção directa e exacta da matéria tributável, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;

g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à Admi‑nistração Tributária ou à Segurança Social9.

9 Recorde‑se que o artigo 63.º‑B, n.º 4, da LGT, obriga à fundamentação com expressa menção dos motivos concretos que justifiquem as decisões da AT que determinam

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Estes actos são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo.

Finalmente, a AT tem o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, dependendo tal acto da audição prévia do familiar ou terceiro e sendo susceptível de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.

As decisões da AT no tocante ao acesso às referidas informações ou documentos devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do dirigente máximo da AT ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.

As entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinte ficam sujeitas aos referidos regimes de acesso à informação bancária.

Para estes efeitos, considera‑se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.

A LGT, no seu artigo 63.º‑C, vem ainda prever a obrigatoriedade de contas bancárias exclusivamente afectas à actividade empresarial, deter‑minando que os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual

o acesso a informações e documentos bancários dos contribuintes. A exigência desta fun‑damentação é o reforço do preceituado no artigo 77.º da LGT que impõe que as decisões nos e dos procedimentos devem ser sempre fundamentadas por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que as motivaram. Temos aqui também a consagração do princípio constitucional plasmado no artigo 268.º, n.º3, da CRP (imposição de fundamen‑tação expressa e acessível dos actos administrativos quando afectem direitos ou interes‑ses legalmente protegidos). Por sua vez, os tribunais nacionais têm fundamentado as suas decisões quanto ao levantamento do sigilo bancário no princípio da proporcionalidade nas suas três acepções: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

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devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida.

Devem, ainda, ser efectuados através da conta ou contas referidas todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de emprésti‑mos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.

Os pagamentos respeitantes a facturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respectivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito directo.

A AT pode aceder a todas as informações ou documentos bancários relativos à conta ou contas referidas no n.º 1 sem dependência do consen‑timento dos respectivos titulares.

3.2.2.3 Alguns dados estatísticos

Durante os anos de 2007 a 2009 foram instaurados 2 824 procedi‑mentos que culminaram em 145 decisões de levantamento do sigilo e 2 591 processos com autorização voluntária do sujeito passivo antes do despacho de decisão.

Em 2009, foram instaurados 646 procedimentos administrativos de derrogação do sigilo bancário de que resultaram 46 decisões de levanta‑mento de sigilo, e 599 processos por autorização voluntária ou notificação do projecto de levantamento do sigilo bancário, conforme o gráfico da página seguinte que se segue do Relatório do combate à fraude e evasão fiscais de 2010 do Ministério das Finanças:

Em 2009, foram ainda instaurados 140 procedimentos de levanta‑mento do sigilo bancário no âmbito de processos de inquérito judiciais.

A redução do número de processos administrativos de levantamento do sigilo bancário justifica‑se pela realização em menor número, de acções inspectivas, em sede de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), no âmbito do sector da construção civil, que pela sua natureza, desencadeavam a instauração de processos de derrogação do sigilo bancário em número elevado.

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3. Relações especiais com entidades que gozam de sigilo profissional: a questão do planeamento fiscal abusivo

Atendendo à necessidade de combate à fraude e ao planeamento fiscal abusivo e à grande dificuldade de delimitação entre o planeamento fiscal legítimo e o abusivo ou agressivo, foi aprovado o Decreto‑Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro.

No seguimento deste diploma, foi publicada a Portaria n.º 364‑A/2008, de 14 de Maio, que aprovou um modelo de declaração para comunicação de esquemas ou situações de planeamento, além das respectivas instru‑ções de preenchimento. O Despacho n.º 14.592/2008, de 27 de Maio, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, veio tornar públicas algumas orientações interpretativas, nomeadamente sobre a delimitação do objecto, o âmbito objectivo e subjectivo de aplicação e a execução do dever de comunicação.

O Decreto‑Lei n.º 29/2008 estabeleceu deveres de comunicação, informação e esclarecimento à Administração Tributária para prevenir e combater o planeamento fiscal abusivo, obrigando os promotores de

GRáFICO 1

Fonte: Ministério das Finanças

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planeamento fiscal a deveres de informação e esclarecimento prévio dos esquemas que propõem aos seus clientes.

São “esquemas fiscais” todos os planos que tenham como finali‑dade, exclusiva ou predominantemente, a obtenção de vantagens fiscais, entendendo‑se como vantagem fiscal a redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto ou a obtenção benefício fiscal, que não se alcançaria, em todo ou em parte, sem a utilização do esquema ou a actuação.

Essas regras aplicam‑se a esquemas fiscais sobre IRS, IRC, IVA, IMI, IMT e Imposto de Selo.

Os promotores abrangidos por esta obrigação de comunicação incluem as instituições de crédito, os revisores oficiais de contas, os advogados, os solicitadores e os técnicos de contas que sejam residentes em território nacional, sendo obrigados a informar a AT sempre que tenham participado na concepção ou implementação de esquema de planeamento fiscal até 20 dias após o fim do mês em que o esquema foi inicialmente proposto ao cliente. A comunicação deve ser feita ao Director‑Geral da AT e deve abranger informação “pormenorizada” sobre o esquema fiscal, nomeadamente a indicação da base legal relativamente à qual se refere, se repercute ou respeita a vantagem fiscal pretendida, bem como o nome do seu promotor.

Não está compreendido no dever de comunicação a cargo dos pro‑motores qualquer indicação nominativa ou identificativa dos interessados relativamente aos quais tenha sido proposto o esquema de planeamento fiscal ou que o tenham adoptado.

Os promotores têm ainda o dever de esclarecimento sobre quaisquer aspectos ou elementos da descrição efectuada do esquema ou da actua‑ção de planeamento fiscal, bem como a indicação do número de vezes em que foi proposto ou adoptado e do número de clientes abrangidos.

Nos casos em que não seja possível recolher dos promotores as indi‑cações exigíveis sobre os esquemas de planeamento fiscal adoptados, caso seja estrangeiro ou não estabelecido em território nacional, a lei prevê que são os próprios utilizadores que ficam obrigados à comunicação prévia.

Os dados recolhidos serão tratados de modo a que o Director‑Geral da AT, sempre que o julgue necessário, determine o estudo, concepção e proposta de medidas legislativas e regulamentares em face do tipo, natu‑reza, relevo e utilização do esquema de planeamento fiscal, bem como determine a inclusão na proposta de plano nacional de inspecção tributária

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160Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

de acções de inspecção dirigidas aos esquemas de planeamento fiscal que apresentem maior utilização ou relevância, podendo ainda decidir a realização de acções específicas de inspecção tributária.

Os esquemas considerados abusivos são publicados na página de Internet da AT, sem referir o contribuinte ou o promotor, de forma a publicitar os esquemas ou actuações de planeamento fiscal reputados abusivos que poderão ser requalificados, objecto de correcções ou deter‑minar a instauração de procedimento legalmente previsto de aplicação de disposições anti‑abuso.

Este facto é muito positivo no sentido de uma maior transparência do sistema, funcionando como que uma espécie de “prevenção geral” e “pre‑venção especial”, permitindo que se perceba que situações que poderão cair na fronteira “cinzenta” entre a legalidade e a ilegalidade ou o abuso.

4. Partilha de informações

4.1 Partilha interna

A recolha, tratamento e difusão de informação constituem uma ferramenta de natureza preventiva tanto para a alimentação do sistema de informação antifraude, como para promover acções a realizar pelas diversas unidades orgânicas.

No âmbito do processo de modernização e de optimização do funcionamento da Administração Pública, procedeu‑se recentemente à criação da Autoridade Tributária e Aduaneira, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2012 e resulta da fusão da Direcção ‑Geral dos Impostos, da Direcção‑Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e da Direcção ‑Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros.

Pretendeu‑se precisamente racionalizar custos e tarefas e dotar a Administração Tributária e Aduaneira de maior capacidade de resposta no desempenho das funções, através de uma maior coordenação na exe‑cução das políticas fiscais e uma mais eficiente alocação e utilização dos recursos existentes.

Neste contexto, espera‑se igualmente uma maior racionalização no que se reporta à troca de informações.

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161Artigos

De acordo com o legalmente previsto, as entidades públicas e pri‑vadas devem prestar a sua colaboração à CNPD, facultando‑lhe todas as informações que por esta, no exercício das suas competências, lhe forem solicitadas.

O dever de colaboração é assegurado, designadamente, quando a CNPD tiver necessidade, para o cabal exercício das suas funções, de examinar o sistema informático e os ficheiros de dados pessoais, bem como toda a documentação relativa ao tratamento e transmissão de dados pessoais.

A CNPD ou os seus vogais, bem como os técnicos por ela mandata‑dos, têm direito de acesso aos sistemas informáticos que sirvam de suporte ao tratamento dos dados, bem como à documentação referida, no âmbito das suas atribuições e competências.

A não obediência a ordem ou mandado legítimo regularmente comu‑nicado e emanado é punida como crime de desobediência qualificada, nos termos do Código Penal (cfr. artigo 14.º da Lei n.º 30‑G/2000, de 29 de Dezembro).

A Administração Tributária presta ao ministério da tutela informação anual de carácter estatístico sobre os processos em que ocorreu o levan‑tamento do sigilo bancário, a qual é remetida à Assembleia da República com a apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado.

A eficiência no sancionamento dos crimes fiscais reveste‑se de elevada importância para a AT enquanto órgão de polícia criminal, tendo levado à criação da aplicação denominada SINQUER – Sistema de Inquéritos de Crimes Fiscais. Este sistema tem subjacente a existência de rotinas que através do cruzamento de bases de dados informáticas com o Ministério Público, detecta automaticamente práticas que configuram eventuais crimes fiscais, com destaque para os relativos ao abuso de con‑fiança fiscal e à frustração de créditos fiscais.

No ano de 2009, a AT, enquanto órgão de polícia criminal, remeteu, mais de 5 000 processos de inquérito criminal fiscal ao Ministério Público. Esse número corresponde a mais do dobro dos processos concluídos em 2008 e quadruplica aqueles que foram concluídos em 2005.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto, a investigação dos crimes tributários de valor superior a € 500 000 é da competência da Polícia Judiciária, sem prejuízo das competências atri‑buídas a outros órgãos de polícia criminal.

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Neste contexto, regista‑se a celebração, em 2005, entre os Ministérios da Justiça e das Finanças, nomeadamente entre a Polícia Judiciária, a Direcção Geral dos Impostos e a Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (hoje integrando a AT), de Protocolo de cooperação e coordenação, ao nível operacional, em matéria de pre‑venção e investigação criminal, troca de informação e formação.

4.2 Partilha no plano internacional

A troca de informações com as autoridades de outros países tem vindo a intensificar‑se, tendo sido concedida prioridade no domínio da política fiscal interna e internacional à transparência e à troca de informações.

No âmbito do controlo e combate à fraude e evasão fiscal assumem ainda particular relevância os Acordos sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal (ATI), bem como a possibilidade de troca de informações com base nas Convenções destinadas a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT), e bem assim, os Protocolos de assistência mútua administrativa em matéria de impostos sobre o rendimento.

Portugal procede à troca de informações ao abrigo do disposto no artigo 26.º da Convenção modelo da OCDE, do Acordo modelo de 2002, da Directiva da Poupança e de outros instrumentos, como a Directiva 2011/16/UE, do Conselho de 15 de Fevereiro de 2011, que veio revogar a Directiva 77/799/CEE, do Conselho, de 19 de Dezembro, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados membros no domínio dos impostos directos e dos impostos sobre os prémios de seguro) e a Directiva 2010!24/EU, do Conselho, de 16 de Março, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, impostos, direitos, e outras medidas que veio revogar a Directiva n.º 2008/55/CE, do Conselho, de 26 de Maio.

É neste contexto que Portugal tem vindo a fazer um esforço significativo no relançamento e aceleração do processo de negociação dos ATI baseados no Modelo de Acordo da OCDE de Abril de 2002, e bem assim das CDT.

Neste momento, Portugal tem 15 ATI, a saber: Andorra, Antigua e Barbuda, Belize, Bermudas, Dominica, Gibraltar, Guernsey, Ilha de Man, Ilhas Caimão, Ilhas Virgens Britânicas, Jersey, Libéria, Saint Kitts and Nevis, Santa Lúcia e Turcos e Caicos.

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163Artigos

Com estes acordos pretende‑se aprofundar a cooperação entre as autoridades fiscais em variados domínios, para além de abrir a possibi‑lidade, tanto do fornecimento de dados e documentos sem as restrições impostas pelas regras do sigilo bancário, como da revelação dos benefici‑ários efectivos dos fundos movimentados, através de sociedades ou outros tipos de veículos criados em determinados territórios.

Também ao nível das CDT se pretende a obtenção de efeito equiva‑lente mediante a inserção do artigo 26.º do Modelo da OCDE, permitindo assim uma efectiva troca de informações entre as autoridades considera‑das competentes dos Estados contraentes, relevantes para a aplicação da respectiva convenção. Nesta situação encontram‑se actualmente as CDT celebradas com a Bélgica, Singapura, Luxemburgo e Índia.

Temos 53 CDT’s em vigor e 9 assinadas10. Importa salientar o impulso que ao nível da assistência administrativa

entre a Administração Tributária e as respectivas congéneres tem vindo a ser promovido, no sentido tornar plenamente efectivas as disposições das CDT, tendo como base o artigo 26.º da respectiva Convenção.

Neste âmbito, e tendo como único objectivo eliminar qualquer tipo de constrangimento a tal comunicação, têm vindo assim a ser promovidas nego‑ciações em matéria de assistência mútua administrativa em sede de impostos sobre o rendimento, com vista a reforçar os mecanismos necessários à troca de informações entre as respectivas autoridades fiscais tendo por objecto a obtenção dos elementos relevantes no combate à fraude e evasão fiscal.

Foi neste âmbito que em Novembro de 2003 se celebrou com Espanha um acordo desta natureza, bem como com Cabo Verde. Portugal tem protocolos com o Brasil em matéria de troca de informações tributá‑rias e com Moçambique em matéria de assistência mútua administrativa.

Em negociação estão actualmente os protocolos com a França, Ucrânia, República Checa, Lituânia e Polónia.

10 África do Sul, Alemanha, Argélia, Áustria, Barbados Bélgica, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coreia, Cuba, Dinamarca, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Guiné‑Bissau, Holanda, Hong Kong, Hungria, Índia, Indonésia, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Koweit, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Macau, Malta, Marrocos, México, Moçambique, Moldova, Noruega, Panamá, Paquistão, Polónia, Reino Unido, Rep. Checa, Roménia, Rússia, San Marino, Singapura, Suécia, Suiça, Tunísia, Turquia, Ucrânia, Uruguai e Venezuela.

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De registar que Portugal e a Suíça concluíram as negociações para um acordo de troca de informações sobre a actividade bancária dos portugueses na confederação helvética, com o objectivo de combater a evasão fiscal. O acordo introduz uma cláusula que permite a troca de informações entre as autoridades fiscais destes dois países, permitindo que o pedido de informação às autoridades suíças seja feito mesmo sem necessidade de invocar a suspeita da prática de qualquer crime fiscal.

Refira‑se ainda que, sendo reconhecido que a inexistência de frontei‑ras fiscais entre os diferentes Estados da União Europeia e a não liquidação de IVA nas transacções intracomunitárias entre os seus sujeitos passivos são factores que potenciam a fraude, tem vindo a ser concedida muita relevân‑cia à troca de informação e à participação no projecto Eurocanet, tendo‑se remetido, para os Estados membros, 701 pedidos de informação e recebido 336 pedidos no âmbito do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1798/2003.

No que respeita à troca de informação de natureza espontânea, efec‑tuada ao abrigo dos artigos 17.º a 19.º, nos anos de 2008 e 2009 foram recebidas 137 informações espontâneas e enviadas 195, conforme o quadro que se segue do Relatório do combate à fraude e evasão fiscais de 2010 do Ministério das Finanças.

QUADRO A – TROCA DE INFORMAçãO, EFECTUADA AO ABRIGODOS ARTIGOS 17.º A 19.º

Fonte: Ministério das Finanças

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No respeitante à conclusão formal do pedido de informação concluí‑ram‑se, nos mesmos anos, 1 045 processos relativos à troca de informação.

Em 2009, através da rede Eurocanet, foram recepcionadas 242 infor‑mações resultantes da vigilância efectuada por outros Estados membros a empresas “conduit companies” ou “brokers” nesses países e enviaram‑se 32 informações, estando envolvidas transacções num montante global de 356,3 M€, conforme o quadro que se segue do Relatório do combate à fraude e evasão fiscais de 2010 do Ministério das Finanças.

QUADRo B – TRocA DE iNfoRMAção ATRAVéS DA REDE EURocANET

Fonte: Ministério das Finanças

A cooperação administrativa internacional, quer com os restantes Estados membros, quer com países terceiros constitui, igualmente, um dos valiosos instrumentos, também de natureza preventiva, utilizado na luta contra a fraude, tanto na área aduaneira como na área dos impostos especiais sobre o consumo e na área do imposto sobre os veículos.

Com base nos instrumentos legais de cooperação administrativa internacional, no ano de 2009, a Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo (DGAIEC), que integra desde 1 de Janeiro de 2012 a Autoridade Tributária e Aduaneira, através dos seus serviços antifraude (Direcção de Serviços Antifraude ‑ DSAF), efectuou e recebeu um total de 594 pedidos de assistência mútua e 3 597 mensagens no âmbito do EWSE (Sistema de Notificação Prévia no âmbito da circu‑lação intracomunitária de produtos em suspensão de IEC – Regulamento n.º 2073/2004), distribuídos de acordo com as três vertentes de luta contra a fraude: área aduaneira, área dos impostos especiais sobre o consumo e

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166Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

área do imposto sobre os veículos, conforme o quadro que se segue do Relatório do combate à fraude e evasão fiscais de 2010 do Ministério das Finanças.

QUADRo c – cooPERAção ADMiNiSTRATiVA iNTERNAcioNAl

Fonte: Ministério das Finanças

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167Artigos

Neste contexto regista‑se ainda a criação, por acordo entre Portugal e o Reino de Espanha, dos Centros de Cooperação Policial e Aduaneira (CCPA) sobre cooperação transfronteiriça em matéria policial e aduaneira. As principais funções dos CCPA centram‑se na troca de informações entre as entidades participantes e na programação da execução de acções de controlo pelas entidades portuguesas participantes nos CCPA nas quais também poderão participar, consoante o interesse, as correspondentes autoridades espanholas.

As inspecções tributárias simultâneas, a visita de representantes das autoridades competentes e a troca de informações industrial/alargada constituem ainda outras formas de troca de informações para além das tradicionais já referidas de que Portugal se tem vindo a socorrer.

5. Acesso aos dados dos contribuintes pelo público

5.1 Decisões e outros documentos publicados dos tribunais e da Auto‑ridade Tributária

Há diversos dados em material fiscal que são objecto de publicação, privilegiando‑se cada vez mais a transparência na informação.

As Circulares e Ofícios circulados, bem como as mais relevantes informações prévias vinculativas (sem indicação da identidade dos contribuintes) e diversas estatísticas fiscais estão disponíveis no site da Administração Tributária.

Por sua vez, as decisões dos tribunais estão disponíveis no site do Ministério da Justiça www. dgsi.pt

Em conformidade com o disposto no artigo 35.º da Constituição, todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam nos termos da lei. Por outro lado, determina‑se que a todos é garantido livre acesso às redes informáticas de uso público.

O dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito pas‑sivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer ele‑mentos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.

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5.2 Lista de contribuintes

Na luta contra a fraude fiscal e em prol da transparência, têm sido também tomadas várias iniciativas em Portugal, nomeadamente a publicação na internet da lista dos devedores de impostos e devedores à segurança social.

São publicadas no site da Administração Tributária listas dos contri‑buintes que usufruem de benefícios fiscais, concretamente de benefícios, à criação de emprego, às cooperativas, a estabelecimentos do ensino particular, à interioridade, às pessoas colectivas de utilidade pública, do SIFIDE (Sistema de incentivo fiscal em investigação e desenvolvimento empresarial), da Zona Franca da Madeira (Entidades com isenção integral e entidades com redução de taxa) e em sede de Imposto sobre os Veículos (ISV).

Em cumprimento do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 64.º da Lei Geral Tributária, procede‑se à publicitação das listas dos devedores à Administração Tributária.

Na presente fase, as listas compreendem apenas devedores cujo valor global da dívida exequenda por regularizar se situar dentro de determi‑nados escalões. A organização das listas é precedida de autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

A decisão de inclusão de todos os contribuintes que figurem nas pre‑sentes listas de devedores é precedida das medidas cautelares necessárias à garantia do rigor da informação prestada, em que avultaram a certifica‑ção das dívidas e a audição prévia sobre os pressupostos dessa inclusão.

Quem, no entanto, entender que a sua inclusão foi indevida, designa damente por inexistência das dívidas, declaração de prescrição ou prestação de garantia em virtude de processo de reclamação graciosa, impugnação judicial e oposição à execução fiscal, além de pagamento a prestações legalmente autorizado, pode requerer e obter a todo o tempo a imediata eliminação do seu nome das referidas listas.

A lista é permanentemente actualizada com a inclusão de novos devedores e a supressão de outros. A inclusão de novos nomes na lista só é efectuada depois de um rigoroso processo de selecção, que inclui a verificação de todos os critérios de selecção de contribuintes, bem como a análise dos processos executivos associados. Periodicamente, são alterados alguns critérios de selecção.

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169Artigos

A publicitação de devedores tem contribuído para o aumento da efi‑cácia da Administração Tributária e revelou‑se um instrumento persuasivo de regularização de dívidas fiscais.

O gráfico seguinte, retirado do Relatório do combate à fraude e evasão fiscais de 2010 do Ministério das Finanças, evidencia a evolução, mensal e acumulada, da cobrança de dívidas induzida pela publicitação da lista dos devedores.

GRáFICO 2

Fonte: Ministério das Finanças

6. Acesso aos dados dos contribuintes por indivíduos

O acesso a dados de contribuintes por particulares está limi‑tado às situações mencionadas de publicitação de dados por parte da Administração Tributária.

Não existe em Portugal discricionariedade em matéria de concessão de benefícios por parte da Administração Tributária, sendo que as situações de contratualização de incentivos existentes são objecto de publicação nos jornais oficiais.

Os casos de auxílios estatais sob a forma fiscal em Portugal são restritos a situações públicas negociadas com a Comissão.

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170Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

7. Infracções

O actual artigo 91.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) prevê e pune a violação de segredo dolosa como crime tributário comum, sendo que a violação negligente se afigura como uma contra‑‑ordenação fiscal, prevista e punida no artigo 115.º do mesmo diploma.

De acordo com o artigo 84.º do RGICSF, a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal.

Para além da sanção penal prevista no artigo 84.º do RGICSF, a violação do dever de segredo bancário é também qualificada como contra‑‑ordenação.

A violação do segredo bancário consubstancia mesmo um ataque ao dever de sigilo profissional, previsto e punido pelo artigo 195.º do Código Penal. Não obstante tal penalização, não podemos descurar o preceituado no artigo 36.º do mesmo diploma, relativo à situação de conflito de deve‑res. Deste modo, a preferência pelo interesse que, no caso, se torne mais relevante, desculpabiliza o desrespeito pelo outro dever que, à partida, teria de ser cumprido.

Poderá haver ainda lugar a sanções disciplinares, no que se refere aos trabalhadores bancários, por violação do dever de “guardar sigilo profis‑sional, de acordo com os termos e limitações legais”, conforme previsto na Cláusula 34.º, n.º 1, alínea c) do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário.

E sempre que houver prejuízo, poderá ainda ocorrer responsabilidade civil extraobrigacional exigida pelo artigo 483.º do Código Civil.

Na Lei da Protecção dos Dados Pessoais estão previstas inúmeras sanções para diversos tipos de comportamentos, aplicáveis a título de contraordenação ou de crime.

Por exemplo, as entidades que, por negligência, não cumpram a obri‑gação de notificação à CNPD do tratamento de dados pessoais, prestem falsas informações ou cumpram a obrigação de notificação com inobser‑vância dos termos previstos, ou ainda quando, depois de notificadas pela CNPD, mantiverem o acesso às redes abertas de transmissão de dados a responsáveis por tratamento de dados pessoais que não cumpram as disposições da presente lei, praticam contra‑ordenação.

A aplicação das coimas compete ao Presidente da CNPD, sob prévia deliberação da Comissão.

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171Artigos

É, nomeadamente, punido a título de crime com prisão até um ano ou multa até 120 dias quem intencionalmente, omitir a notificação ou o pedido de autorização, fornecer falsas informações na notificação ou nos pedidos de autorização para o tratamento de dados pessoais ou neste proceder a modificações não consentidas pelo instrumento de legalização, desviar ou utilizar dados pessoais, de forma incompatível com a finalidade determinante da recolha ou com o instrumento de legalização, promover ou efectuar uma interconexão ilegal de dados pessoais e quem, sem a devida autorização, por qualquer modo, aceder a dados pessoais cujo acesso lhe está vedado.

Em certos casos, prevê‑se o agravamento destas penas, bem como a penalização da tentativa e da conduta negligente.

Quem, sem a devida autorização, apagar, destruir, danificar, supri‑mir ou modificar dados pessoais, tornando‑os inutilizáveis ou afectando a sua capacidade de uso, é punido com prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

Quem, obrigado a sigilo profissional, nos termos da lei, sem justa causa e sem o devido consentimento, revelar ou divulgar no todo ou em parte dados pessoais é punido com prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

Note‑se que a pena é agravada de metade dos seus limites se o agente for funcionário público ou equiparado, for determinado pela intenção de obter qualquer vantagem patrimonial ou outro benefício ilegítimo ou puser em perigo a reputação, a honra e consideração ou a intimidade da vida privada de outrem.

A negligência é punível com prisão até seis meses ou multa até 120 dias. Fora dos casos de pena agravada, o procedimento criminal depende de queixa.

Conjuntamente com as coimas e penas aplicadas pode, acessoria‑mente, ser ordenada a proibição temporária ou definitiva do tratamento, o bloqueio, o apagamento ou a destruição total ou parcial dos dados, a publicidade da sentença condenatória e a advertência ou censura públicas do responsável pelo tratamento.

Texto elaborado em Junho de 2012

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172Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

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Cláudia Dias Soares

The Portuguese Energy Tax until 2011:An environmental friendliness impact assessment

Cláudia Dias SoaresProfessora Auxiliar

Universidade Católica Portuguesa

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174Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ABSTRACT:

This paper analyses the Portuguese energy tax design from an environmental perspective aiming at identifying its compliance with the normative concept of ‘environmental tax’ along the period 1990 – 2011.

Key ‑words:Energy tax designPortuguese Excise Duties CodeEnvironmental tax

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175Artigos

The Portuguese energy tax (hereafter also ISP) scarcely included the design features of environmental taxes and this is considered to have led to its low environmental effectiveness.1 Positive environmental effects following from the ISP were weak and slow. Throughout the 1990s, despite the high share of tax revenues raised on energy consumption, the tax seems to have played a minor role in bringing national energy consumption towards more sustainable patterns, both in terms of energy efficiency and use of cleaner fuels. For failing to provide environmentally correct price signals, both in relative terms and in absolute terms, to economic agents who still had not explored all their opportunities for improvement, the ISP did not induce the adoption of efficient prevention and abatement measures with regard to pollution following from energy consumption.

Studies of fuel demand elasticities, particularly for gasoline (see Sterner, 2010: 2, for a literature review) tend to present fuel consumption as relatively inelastic in the short term and as having relatively low elasticity in the long term (Sterner, 2007: 3196; Dahl, 1982: 373; Sterner, 2010: 2). However, according to some environmental economics literature (e.g., Dahl and Sterner, 1991: 210; Sterner, 2007: 3194), a prolonged high level of energy and vehicle taxation is expected to produce environmental results in terms of energy efficiency, curtailing energy demand. Therefore, energy taxes are expected to have a stronger impact on industry (especially energy ‑intensive industries, such as the power sector) than on the transport sector. This impact is likely to be stronger in the long term than in the short term. And the impact of energy taxes on the environment is likely to follow mainly from the consumption shift towards cleaner energy sources. Following the tax charge, relative prices of substitute goods also change, stimulating the substitution away from the taxed energy sources. Given the income elasticity of fuel demand, unchecked or poorly regulated motor fuel prices in economies experiencing growing income levels, like the Portuguese economy throughout the 1990s, cause especial concern with regard to the environmental impact expected from increases in energy consumption.

1 The design features of the Portuguese energy tax until 2011 are analyzed in Claudia Dias Soares, The Portuguese energy tax until 2011: The tax design, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, N. 3, Ano V, pp. 183‑202

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In both the short and the long term, ISP payments failed to accurately communicate the environmental hierarchy of consumption, leading fuel demand towards CO2 ‑polluting diesel. The tax differentiations according to environmental criteria, namely regarding sulphur content in fuel oil and lead content in gasoline, also provided a weak incentive for a switch to cleaner fuels. In the short term, when the environmental effectiveness of an ISP regarding fuel ‑switch is constrained by technology, the Portuguese tax also failed to provide a price signal strong enough to shift private vehicle use to public transportation. In the long term, when fuel price elasticities are higher, general energy taxes might have some positive environmental impact contributing to a shift in car demand towards smaller and lighter vehicles that consume less fuel. However, it is not evident that the Portu‑guese tax was able to induce such an effect.

The improvement experienced in the country regarding the use of renewable energy sources was in great part led by industrial policy objectives that overlapped with environmental objectives, since the country is well endowed with energy sources of this type (Resolutions of the Portuguese Council of Ministers 169/2005 (24 October 2005), 104/2006 (23 August 2006), and 80/2008 (17 April 2008)). This policy has been led by central government decisions and public incentives provided since 1998 through subsidies (feed ‑in ‑tariffs) to producers of energy based on renewable sources (Reiche et al, 2004: 847). Regarding energy efficiency in industry, the same kind of process was initiated in 1982 (DL 58/82, 26 February 1982, changed by DL 71/2008, 15 April 2008). In the transport sector a similar pattern of development was initiated in 2010 with the adoption of the ‘Mobi ‑e’ programme, aimed at raising the number of electric vehicles in the country and thus shifting 10% of fossil fuel consumption in the transport sector to electricity by 2020, which is expected to amount to a 2% reduction in national consumption of fossil fuels (Measure 3 of the 2010 National Programme for Energy, Resolution of the Portuguese Parliament 33/2010, 15 April 2010).

Since empirical studies on evaluation and impact assessment of the ISP are scarce, and mainly focus on the 1990s, conclusions on its impact on the environment have to mainly refer to the tax differentiation accord‑ing to sulphur and lead content in fuel. Furthermore, the analysis needs to rely to a certain extent on the data available on national energy and environmental performance. However, since the latter are influenced by

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several variables other than the ISP, caution is required in the analysis. These data only allow us to argue that the ISP was unable to cut the trend in national energy consumption experienced throughout the 1990s towards less efficient and more polluting energy uses when compared to other EU Member States.

1. Environmental criteria and precise environmental objectives

Precise environmental objectives were assigned to the ISP in 1991, when the tax rate became differentiated according to sulphur and lead content in order to reduce sulphur and lead air emissions respectively, and again in 2006, when the National Climate Change Programme assigned it a role in the reduction of greenhouse gas emissions by industry, with the tax law changed accordingly in 2008. Together with the first step towards the narrowing of the tax rate gap between gasoline and diesel in 2005, these cases accounted for the main references in the ISP law to environmental concerns, although in the first case no reference is made in the text of the law to such concerns.

All these cases seem to be underpinned by a cost internalisation rationale rather than by behaviour steering concerns. There is no reference in any of them to quantified environmental targets, but only to the means to be used. Specific environmental criteria to be used in setting the tax level were not provided either. Although the reference to the need to internalise costs from CO2 emissions is common to the 2005 and the 2008 changes, in neither case is the calculation process to be applied to such costs clarified. This understanding seems to be further confirmed by the fact that the only reference to the need to change energy consumption patterns in connection with the law changes is indirect (via reference to reduction in greenhouse gas emissions) and done in the context of an environmental law (DL 71/2008, 15 April).

Although since 2001 environmental criteria have been mentioned among those to be observed in setting ISP rates, in 2011 their structure was still not systematically led by such criteria in the sense that one specific environmental hierarchy of behaviours followed from this. Despite the multiple references to the need to reduce CO2 emissions, the tax rate structure did not communicate the hierarchy of behaviours necessary

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to achieve this (for example, diesel was taxed less than gasoline). Tax rates followed simultaneously from non ‑environmental concerns (mainly fiscal and national competitiveness ‑related) and from several different environmental considerations.

2. Tax awareness and tax avoidance

The ISP had tax illusion rather than tax awareness instituted in its design. This tax followed closely the traditional design of excise duties, which, in order to reduce taxpayers’ resistance to the tax, are hidden in the price of the good consumed (Puviani, 1972: 41 ‑2). The tax design also did not reward tax avoidance strategies with a positive environmental impact. It did not include any possibility of tax abatement or refund measures based on environmental criteria. For instance, the higher tax burden on heavy fuel oil was applied regardless of any proven effort made by the company to abate its sulphur emissions.

The legal technique used in the ISP allowed the price signal to be hidden. To reduce tax fraud and evasion, as well as to reduce administra‑tive costs, the legal obligation to pay the ISP was laid on economic agents with a major dimension running plants that produced, used or stored fossil fuels or energy products. The moment when the tax became due (in the sense that the state could demand the fulfilment of the legal obligation born when the fuel was produced or imported) was when fuels passed to consumers (Arts. 7 and 8 IEC Code). In practice final consumers at the pump, who were the bulk of the taxpayers, paid the tax in their motor fuel bill. The tax cost was transferred to the taxpayers, together with the fuel price as a whole. Therefore, the tax paid following each purchase was not evident to the taxpayer.

3. ‘Forward looking’ approach at polluting impacts

General energy taxes, i.e. taxes raised on measured units of energy products according to a relatively narrow structure of tax rates, are inadequate to shift consumption towards cleaner fuels (fuel ‑switch), since following their tax base and tax rates they are not able to allow tax payments

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to accurately mirror relative polluting impacts. Therefore, such payments will hardly be able to communicate the environmental hierarchy of all consumption in relation to a specific pollutant. Consequently, in the absence of strict market segmentation, positive environmental effects of general energy taxes are likely to follow mainly from reduced energy consumption.

In the ISP, the tax base was not a good proxy for specific polluting emissions and the structure and level of tax rates were unable to lead towards fuel ‑switch or reduced fuel consumption during the 1990s. Following the ISP base and the ISP rate structure, the price signal provided by the ISP did not correctly communicate the environmental hierarchy of consumption with regard to any specific pollutant. And, following the ISP level, the price signal provided by the tax did not communicate energy scarcity to an accurate degree.

3.1. Not a good proxy for specific polluting emissions

The ISP was not raised on a good proxy for specific polluting emissions, since its tax base was measured units of fossil fuels or energy. Therefore, the tax was unable to communicate a coherent environmental hierarchy of behaviours. Since a measured unit of each fuel can produce different environmental damage depending on the pollutant considered, the price signal provided by the tax would only be able to lead towards the environmental hierarchy of behaviours if the tax rate structure mirrored the relative polluting impacts of the products taxed with reference to a specific pollutant, which would require a specific tax rate for each fuel related to its polluting impacts. The high administrative complexity of such a broad tax rate structure does not recommend it. And this was never the case in Portugal.

Furthermore, its narrow definition, without reference to environ‑mental criteria, sheltered some polluting fuel uses from the price signal provided by the ISP. Some goods not covered by the tax were sometimes at least as polluting as those covered, for example fossil fuels used in public transportation were exempted, whereas those used in private transporta‑tion were taxed.

Due to the exemption of any type of fuel used in public transporta‑tion vehicles, the ISP failed to provide the operators of these systems with an incentive to replace their vehicles with new ones equipped with more

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efficient and cleaner technology. This might have been the case especially regarding private operators. These were led by a profit ‑maximising objec‑tive and the incentive provided by the vehicle acquisition tax (DL 40/93, 18 February 1993) for the acquisition of second ‑hand vehicles imported from other member states might also have acted as a restraint on adopt‑ing new technology. Some data show that in Portugal between 1987 and 2006, in order to reduce fuel consumption, fleet operators in the road freight transportation sector overlooked the technological improvements of more efficient cars in favour of operational improvements (Matos e Silva, 2011: 2841).

Furthermore, exemptions provided for electricity, which also benefited from a reduced VAT rate (7%) throughout the 1990s, as well as for primary energy sources used in its production, kept the tax from signalling energy scarcity to an electricity demand which has constantly increased (Wiesmann et al, 2011: 2772). By the end of the 2000s, compared with the European Union average, Portugal still had a relatively low per capita consumption of energy (Eurostat, 2009). Regarding gross inland energy consumption per capita, the average Portuguese citizen consumed 2.45 toe, which was 30% less energy than the average citizen of the European Union. However, the difference with regard to electricity consumption was only 20% (Wiesmann et al, 2011: 2773).

Furthermore, the economic efficiency of centrally ‑led policies under‑pinned by subsidies was unclear, despite its environmental effectiveness in terms of the rate of penetration of renewable energy sources, especially in power production (Fouquet and Johansson, 2008: 4079; DGEG, 2010). Although there were technological restrictions on fuel ‑switch from fos‑sil fuels (mainly coal and fuel oil) to electricity production based on renewable energy sources, following the characteristics of the electric grid (Reiche et al, 2004: 846), an increase of the price signal provided by the ISP reaching the power sector could have reduced the cost of making renewable energy sources price ‑competitive with fossil fuels.

In a price ‑capped market, as the Portuguese electricity market was until 2004, the policy of subsidies (feed ‑in ‑tariffs) to producers of all renewable energy sources used in power production (except large hydro‑power and municipal solid waste) in order to enhance their price com‑petitiveness vis ‑à ‑vis fossil fuels made an important contribution to the deficit in electricity tariffs, especially after 2001 following very interesting

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feed ‑in ‑tariffs and a relaxed mandatory percentage of self ‑financing (Haas et al, 2004: 837). This reached in 2008 approximately 640 million Euros, payment of which the government decided to spread over a 15 ‑year period, starting in 2010 (DL 165/2008, 21 August 2008).2 The problem was likely to increase following the targets set by the national energy strategy for 2020 (60% of electricity generation from renewable energy sources by 2020) (Resolution of the Portuguese Parliament 33/2010, 15 April 2010; and Resolution of the Portuguese Council of Ministers 29/2010, 15 April 2010).

3.2. Failure to relate tax rates to environmentally correct behavioural change

The ISP rates were not related to environmentally correct behavioural change or to environmentally correct effective pollution prices, either in relative terms or in absolute terms. The reference of the tax rate to envi‑ronmentally correct relative effective pollution prices follows from the consideration of the relative polluting impacts of fuels in structuring the tax rate, whereas the reference of the tax rate to environmentally correct absolute effective pollution prices follows from the level at which tax rates are set. In energy consumption, environmentally correct relative effective pollution prices lead towards an environmental hierarchy and environ‑mentally correct absolute effective pollution prices induce efficient use.

3.2.1. The tax rate structure unable to signal an environmental hierarchy of energy consumption

The ISP rate structure was not related to environmentally correct behavioural change since it did not refer to abatement costs or relative polluting impacts taking into account a specific pollutant. No specific environmental hierarchy of consumption seemed to follow from the struc‑ture of the ISP rates. Sometimes fuels were ranked according to sulphur content (namely fuel oils), while others were ranked according to lead content (namely gasolines), others according to CO2 content (namely fuels used in industry after March 2009) and a fourth change inversely related

2 Information available at ERSE website, at www.erse.pt, accessed on 21 August 2011.

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to CO2 content, with the lower rate applying to fuel with a higher CO2 content (namely gasoline versus diesel). Furthermore, in the tax rate dif‑ferentiations according to sulphur and lead content, the tax differential was unable to induce important behavioural change following its insufficient level and the regulator’s failure to address institutional filters.

Correct price signals by bloc (i.e. the same tax leading to several hierarchies of consumption, all environmentally correct) will still achieve environmentally positive behavioural change when strict segmentation of the energy market is possible in relation to the most representative consumption. Under this condition the tax can guarantee environmentally correct effective pollution prices, in both absolute and relative terms, in each segment of the market and in all of them. For example, if energy products used in industry are clearly different from those used in the trans‑port sector and vice versa, two different hierarchies of consumption can be simultaneously communicated without hampering the environmental effectiveness of the tax, as long as one applies only to industrial consump‑tion and the other applies only to propellant consumption.

Since March 2009, the CO2 ‑related hierarchy of consumption in industry might have been correct in one small area, namely the energy‑‑intensive sectors not covered by the EU ETS and not party to energy efficiency agreements. This would be the case if, with CO2 emissions, taking into account the technology and process used, the consumption of coal was as polluting as that of oil since both fuels were taxed at the same rate. However, coal is more CO2 loaded than oil. Furthermore, for the transport sector in 2011, the CO2 ‑related hierarchy of consumption communicated was still environmentally wrong, since it indicated that diesel was less polluting than gasoline, which is not the case regardless of the technology used.

The wrong CO2 ‑related environmental hierarchy of behaviours

Relative tax burdens on gasoline and diesel have shown environmen‑tal incoherence in the ISP rate structure. Diesel has always been taxed at a lower rate than gasoline, in spite of its higher CO2 and VOC content and not much greater energy efficiency. The higher efficiency of diesel engines when measured in litres tends to be reduced to a great extent when some aspects are taken into account, namely the fact that diesel cars tend

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to be heavier than gasoline cars, and following corrections for the higher energy content of diesel and for fleet averages (the diesel and gasoline cars actually chosen on the market as opposed to comparing identical vehicles with different motors) (Schipper et al, 2002: 305; Sterner, 2007: 3199).

Although the gap has been progressively narrowed since 2005, with reference to the need to internalise the costs of CO2 emissions, in January 2011 the tax rate structure was still not related to environmentally correct relative effective pollution prices. Heating diesel was taxed at a lower rate than road diesel and the latter was taxed less than gasoline. A consump‑tion shift towards diesel might have been part of the adaptation to higher fuel prices.

Following the more favourable treatment for diesel, between 1993 and 2003 Portugal experienced one of the highest increases of diesel pen‑etration in EU ‑15, at 319% (Zervas, 2010a: 5415). The more favourable tax regime for diesel fuels than for gasoline and the high average age of the vehicle fleet were reported as the main inducements to pollution by fine particles in Portugal during the 1990s (OECD, 2003: 12).

In 2008, it was decided to gradually correct the price signal provided by the ISP regarding the CO2 ‑related environmental hierarchy of behav‑iours. However, this correction applied only to fuels used in industry, namely coal, oil and fuel oil, and the price signal following only applied to a small part of the industry, namely energy ‑intensive sectors not covered by the EU ETS and not party to energy efficiency agreements.

The insufficient price signal applied to the sulphur ­ and lead ­related hierarchy of behaviours

The ISP rate differentiations according to sulphur content in fuel oil and to lead content in gasoline presented low levels of environmental effectiveness. Clear fuel substitution effects following from the ISP rate differentiation were not obvious and both cleaner fuels, namely light fuel oil and unleaded gasoline, were unable to reach relevant market shares until other types of regulatory instruments were adopted. Such low effec‑tiveness seems to have been due to poor inclusion of the design features of environmental taxes in the respective ISP differentiations. The system of tax benefits for light fuel oil and unleaded gasoline worked as indirect subsidies aimed at lowering the financial burden refineries would need to

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take on with the technological investment required to produce the cleaner fuel, rather than as price signals to polluters to lead them towards cleaner fuel consumption.

In both cases, the failure to remove institutional filters caused by the uncompetitive market structure that kept the price signal provided by the tax from fully reaching the polluters able to prevent pollution meant that tax rates were unable to guarantee environmentally correct effective pollution prices able to induce behavioural change. In both cases this incapacity was caused by a price difference insufficient to induce relevant behavioural change. In the case of fuel oil, effective pollution prices were also unable to transmit an environmentally correct hierarchy of consumption. Furthermore, regarding the tax rate differentiation according to sulphur content, the narrow subjective tax incidence hindered the environmental effectiveness of the tax.

The ISP rate differentiation according to sulphur content in fuel oil

It was not possible to assign clear fuel substitution effects to the ISP rate differentiation according to sulphur content. This was not able to bring the market share of the light fuel oil up to relevant levels. Some design features of this differentiation might have hindered its environ‑mental effectiveness, namely the failure to transmit the full price signal provided by the tax to polluters able to avoid pollution and especially to major polluters.

ISP exemptions assigned to major consumers (43% of the total market) sheltered from the price signal provided by the tax an important part of the polluting sources, namely the power generation sector (Santos et al, 1999: 461). This sector was responsible for an important percentage of fuel oil consumption. The major consumer of fuel oil, the Portuguese Electric Company (EDP), consumed mainly HSC fuel oil (3.5% sulphur content) (Santos et al, 1999: 461). This company was exempted from the ISP and did not pay any tax on its sulphur emissions. Therefore, only emissions standards forced it to shift towards cleaner fuel oil, although not LSC fuel oil but fuel oil with about 3% sulphur (Santos et al, 1999: 461). The same was true for cogeneration units. Most of these were linked to the national electricity grid and therefore exempted from energy taxation (Santos et al, 1999: 461).

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Another design feature that might have impacted negatively on the environmental effectiveness of this tax differentiation was the failure to relate the tax rates to environmentally correct relative effective pollution prices. This was not due to the absolute or relative level at which tax rates were set, but to the failure to remove the institutional filters that kept the price provided by the tax from fully reaching the polluters able to prevent pollution. The uncompetitive market structure for fuel oil should have been taken into account by the regulator in order to guarantee that the tax rate differentiation would translate into relative effective prices for heavy fuel oil and light fuel oil which would make the clean fuel more competitive than the dirty one and consequently induce a shift in consumption from heavy fuel oil to light fuel oil.

Market demand is affected by the effective fuel price, which includes the total tax burden on the fuel as well as all the other components of its price to the consumer. In July 1997, the tax share (ISP plus VAT) in the sales price was about 28.4% for HSC fuel oil and 18% for LSC fuel oil (Santos et al, 1999: 458). Therefore, the tax system privileged the cleaner fuel. However, effective fuel oil prices were not environmentally correct, since the average sales price was PTE 2 higher for LSC fuel oil than for HSC fuel oil. Under these conditions, a rational consumer would only prefer the cleaner fuel if it had a better operational performance.

Still there was a considerable increase in the market share of LSC fuel oil (267% in 1991 ‑1992, the first year after the introduction of the tax incen‑tive, and 58% in 1992 ‑1993) (Santos et al, 1999: 458). Fuel substitution seems to have had some impact on total SO2 emissions (in 1991 these were reduced by 0.62%, in 1992 by 1.92% and in by 1993 3.6%, with a reduction for the whole period 1980 ‑1998 of 5%, Eurostat, 2001). Despite the rapid growth in the market share of LSC fuel oil, which was 1.3% in 1991, 4% in 1992, 8% in 1993 and 10% in 1994, this product was not able to achieve a relevant market dimension (Santos et al, 1999: 458). In 1995, its market share was 11% (ibidem). As in the case of unleaded gasoline, further progress was made in a subsequent phase due to the imposition by EC regulation of maxi‑mum sulphur content of 1.5% for fuel oil. HSC fuel oil was only eradicated from the market in 2003 due to EU legislation (Directive (1999/32/EC)).

Both oil companies’ commercial policy, following their interest in the market expansion of LSC fuel oil, and technological progress might have induced improvements in SO2 emissions from fuel oil consump‑

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tion (Santos et al, 1999: 458). How much of the change in consumption patterns for fuel oil was due to the tax differentiation was difficult to identify. However, it has been reported that in 1993 only 8% of its esti‑mated potential had been achieved (Santos et al, 1999: 461). Two aspects have been mentioned as having hindered the achievement of its whole potential, namely the narrow subjective tax incidence of the ISP and the non ‑transference to the consumer of the tax incentive (ibidem).

The failure to consider the fuel oil market structure led to the disap‑pearance of the tax incentive in the sales price and its pocketing by oil refineries (Santos et al, 1999: 461). The fiscal incentive was not com‑pletely translated into market prices. Production costs and profit margins explained the fading away of the tax differentiation and the interest of oil companies in promoting LSC fuel oil, which allowed them higher profit margins. They were overcompensated by the production of such fuel oil, since they kept a reward for their extra production and were still allowed to keep LSC fuel oil more expensive than HSC fuel oil.

The ISP rate differentiation according to lead content in gasoline

The ISP rate differentiation according to lead content showed low environmental effectiveness. The total market share of unleaded grew from 1.8% in 1990 to 41.4% in 1996, whereas in Sweden the market share fol‑lowing tax differentiation decreased from 100% in 1986 to 40% in 1992 and practically zero in 1993 (Hammar and Löfgren, 2000: 14). However, this might have been due not only to deficient tax design following the non ‑inclusion of the design features of environmental taxes, but also to the pace at which the renovation of the car fleet occurred in Portugal.

The tax rate differentiation according to lead content of gasoline not only was not set at a level sufficiently high to induce strong and fast behavioural change (between 1991 and 1997 its maximum was Euro 0.05), but also, as in the fuel oil case, was not fully translated into market prices (Santos et al, 1999: 462). The strategic behaviour of oil companies fol‑lowing the oligopolistic market structure allowed them to pocket the tax differential by incorporating part of the tax incentive as increased profit margin. The failure of the regulator to remove these institutional filters meant that the tax rates did not guarantee relative effective pollution prices able to induce high behavioural change.

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The share of taxes (ISP and VAT) in market prices in July 1997 was circa 72% in leaded, 70.7% in 95 octane unleaded gasoline and 68.7% in 98 octane unleaded gasoline The relevant variable for the consumer’s decision ‑making process, i.e. the effective fuel price, did not accurately reflect these tax differentials. The market price differen‑tial between unleaded 95 octane gasoline and leaded gasoline was on average PTE 10/liter in the 1991 ‑1993 period and PTE 2/liter in 1995. During the 1991 ‑1997 period this difference was lower than the corre‑sponding tax differential. The reasons for this are similar to those noted in the fuel oil case (Santos et al, 1999: 461 ‑464). The tax differential and production costs accounted only partially for the price differential (ibidem). The other part was explained by the commercial strategy of oil companies. From 1991 to 1993, the tax differential accounted for 83.3% of the price differential, but this value fell to 42.9% and 28.6% in 1994 and 1995 respectively, going up again in 1996 (73.5%) and 1997 (73.5%) (ibidem).

The strategy followed by the market operators was also evident in the case of the 98 octane unleaded gasoline, which was introduced in 1993 and was not under a MMP regime. This fuel had the same tax incentive as 95 octane unleaded gasoline. However, its market price was equal to leaded gasoline until 1995 and PTE 1/liter higher after that. Health reasons were given for the differential, since 95 octane unleaded gasoline was considered less harmful to human health than 98 octane unleaded gasoline (Santos et al, 1999: 461 ‑4; GT ISP, 1999: 157).

The delay in inducing behavioural change following the introduc‑tion of the tax differential might have been due to pressure from the oil refineries lobby, who tried to postpone the investments required to produce unleaded gasoline as long as they could (JE, Governo quer diminuir peso do chumbo, 22 November 1997, online edition), as well as to tax revenue concerns. Until 2000, each litre of leaded petrol sold provided higher total tax revenues (ISP plus VAT) than the same amount of unleaded petrol (DGE, 2001). Consequently there might have been a lack of political commitment to eradicating unleaded gasoline from the Portuguese mar‑ket. It is worth noting that this tax differentiation came later than in other countries. It was introduced in Portugal in 1991, whereas for instance in Sweden gasoline taxes had been differentiated with respect to lead content since 1986 (OECD, 1994: 58).

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The main explanatory variable in the evolution of the unleaded petrol market share used by Hammar and Löfgren (2000) in the Swedish case was also referred to in the Portuguese case (Santos et al, 1999: 463). The renovation of the car fleet might explain the pace of the evolution observed in the market share of unleaded gasoline better than the ISP differential. The slow increase in the number of new cars equipped with cleaner technology might help to explain the slow increase in unleaded market share, which was below that achieved in other EU countries, for example Sweden (Hammar and Löfgren, 2000: 14).

By the end of the 1990s, data evidenced an old private car fleet in Portugal. Between 1980 and 1999, the average age of passenger cars increased in the EU ‑15, with a consequent slowdown in the penetration rate of modern cleaner technologies. In 1998, Portugal held the highest value (11 years), far older than the EU ‑15 average (7 years). By the end of the 1990s, it was estimated that 30% of the vehicles circulating in Portugal were on average 12 years old (Jornal Expresso, Impostos nas estradas, 27 November 1999, online edition). Furthermore, in Portugal vehicle abatement accounted for 1% of the total number of vehicles sold, while for instance in neighbouring Spain this was circa 20% (2000 data) (Semanário Económico, 18 December 2001).

The understanding that the pace of the renovation of the car fleet affected the environmental effectiveness of the tax differential is also supported by the lack of effect of the 1994 reduction in the tax differential on the evolution of market share (21.9% in 1993, 29.6% in 1994 and 35.3% in 1995). Cars using both leaded and unleaded gasoline were sold in Portugal from the second half of the 1980s and cars with catalytic converters entered the market in 1991 and were compulsory from 1993 onwards. This might explain the continuous evolution of unleaded market share from 1993 to 1995, despite the discontinuous evolution of the tax differential during the same period.

3.2.2. Tax level unable to lead towards the adoption of energy conservation strategies

The ISP rates were not set sufficiently high to induce energy conser‑vation strategies, either in the short term, by shifting private vehicle use to public transportation, or in the long term, by shifting vehicle demand

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towards cleaner and more fuel ‑efficient vehicles. In times of fuel price increase on the world market, an indexation of fuel prices to consumer price indices or to nominal growth of GDP (as an indicator of income development) is recommended. Instead of such an indexation, the ISP was used to stabilise energy prices on the Portuguese market until 2004, which led to a decrease in real energy prices (2001 Public Budget Report, 37). The regular updating of ISP rates in line with inflation started only in 2005 (Art. 34 Law 55 ‑B/2004, 30 December 2004).

The ISP as price stabiliser

In the short to medium term, the reaction of motor fuel consumption to an ISP mainly depends on the shift from private vehicle use to public transportation. However, following the insufficient level of the ISP, the bulk of the tax on fuels used in private vehicles and exemptions for those used in public transportation do not seem to have been able to lead towards such a shift. In Portugal, during the 1990s, there was a boost in demand for private ‑use transportation following changes in travel patterns, higher incomes and a fall in private transport prices and energy products in real terms (EEA, 2000b: 73; IEA, 2003).

During the 1990s, the car increased its share of passenger transport in Portugal and occupancy rates decreased (Lacasta and Barata, 1997: point 3). In general, the stock of passenger cars correlates well with GDP per capita (EEA, 2000a: 37). Therefore, between the second half of the 1980s and the first half of the 1990s, growth in the transport sector amounted to 67% due to increasing purchasing power in the 1980s (Lacasta and Barata, 1997: point 3). In the period 1985 ‑1997, road transport increased by 120% in Portugal, which thus experienced, together with Luxembourg, the highest increase in the EU (EEA, 2000e: indicator 1). Between 1970 and 1997, Portugal was among the EU member states with the highest growth in the number of passenger cars (6.9%) (EEA, 2000e: 106).

The decline in real motor fuel prices helped to lower the cost of road transport, which was an important factor in stimulating demand for transport. The trend experienced since 1970 in the Portuguese road transport sector resulted from a general decline in world oil prices, as well as price ceilings on diesel fuel, gasoline and fuel oil (ibidem). In 1998, for example, among the EU Member States unleaded fuel prices were highest

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in Sweden and lowest in Portugal (EEA, 2000e: indicator 15). Diesel prices followed a similar pattern (EEA, 2000e: indicator 16). External costs produced by road transport were hence decreasingly reflected in prices (OECD, 1993: 97). Energy pricing did not successfully internalise environmental externalities, let alone reflect relative scarcity (Bronchi and Gomes ‑Santos, 2001: 22).

ISP revenues were never dedicated to increasing the price ‑elasticity of private transportation through investment in better public transporta‑tion. According to the 1995 Portuguese Environmental Policy Programme (Resolution of the Portuguese Council of Ministers 38/95, 21 April 1995), revenues from pollution taxes should preferentially be put to the environ‑mental re ‑qualification of the sector where they were collected, in order to improve public acceptability of the instrument and transparency in its administration. During the 1990s, there was some discussion regarding the use of ISP revenues, with several unsuccessful attempts from left ‑wing parties and the Green Party to use fuel and vehicle taxation to improve the quality and environmental performance of public transport.

The impact of ISP on long ­term vehicle demand

In the long run, when fuel price elasticities are higher, general energy taxes can impact on vehicle demand, shifting it to more energy ‑efficient and less polluting models. In 2011, such causal connection between the characteristics of the passenger car fleet in Portugal and the ISP had not yet been addressed by any impact assessment study. However, it was not evident that the ISP had influenced vehicle demand towards smaller and lighter vehicles.

In 2003, Portugal was among the countries with the highest percent‑age of small cars (Zervas, 2010b: 5440). In the same year the country was also among the EU ‑15 with lighter cars (1291 Kg), including diesel passenger cars (1038 Kg), with a relatively constant average weight of passenger cars (and even with a small decrease in 1999 ‑2000), in contrast to the EU tendency (Zervas, 2010a: 5416). Consequently it was also among the EU ‑15 with the least powerful diesel PCs (75 kW) and gasoline PCs (58 kW) (Zervas, 2010a: 5419).

CO2 emissions depend on several parameters, such as driving profile, annual mileage and, as a consequence, real ‑world CO2 emissions

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are different from the CO2 emissions obtained according to the official European certification procedure on the New European Driving Cycle (NEDC) (Zervas, 2010a: 5414). For example, CO2 emissions can decrease due to increased combustion efficiency (e.g., due to the use of lighter vehicles or low fuel consumption fuels), leading to lower fuel consumption and thus to lower CO2 emissions.

Studies based on the CO2 exhaust emissions of new passenger cars obtained according to the NEDC show that EU14 (excluding Greece) average diesel emissions decreased from163g/km in 1995 to 134g/km in 2003 ( ‑18%), and average gasoline emissions from 207g/km to 168g/km ( ‑19%) (Zervas, 2010a: 5420). 93% of this decrease in the case of diesel passenger cars and 87% in the case of gasoline cars was achieved only until 2000 (Zervas, 2010a: 5421).

Portugal performed above the EU ‑14 average regarding the evolution of CO2 exhaust emissions of new passenger cars. The CO2 emissions show a very small decrease after this year, which indicates that the progress in CO2 exhaust control after 2000 is very small (ibidem). This small decrease is partially due to Euro3 emissions limits (such as those on catalysts) (ibidem). Since 1995 until 2003, in Portugal, the average CO2 emissions decreased by 21% and kept reducing even after 2000 ( ‑4%), whereas for gasoline CO2 there was not such a steep decrease (Zervas, 2010a: 5422).

The demand shift towards smaller and lighter vehicles, with its consequent positive environmental effect, cannot be attributed to any relevant extent to the vehicle acquisition tax, since a differentiation in the tax rate according to technology ‑dependant CO2 emissions was only introduced in 2007 (Law 22 ‑A/2007, 29 June 2007). Such a shift might have followed inter alia from a potential incentive provided by the ISP as a component of effective fuel prices, but it might also to some extent have been a consequence of lower national income levels compared to EU ‑15. The fact that CO2 emissions were more affected by changes in the diesel car fleet than in the gasoline car fleet, with its higher ISP burden, might indicate the minor role played by the ISP in vehicle demand and consequent environmental improvement.

In any case it must be taken into account that demand for new vehi‑cles in Portugal was just a small part of total vehicle demand, with the remaining demand being for polluting and inefficient second ‑hand vehi‑cles. Although between 1993 and 2003 Portugal was among the EU ‑15

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with the most significant increase in passenger cars, with an increase of 32%, in 2003. Portugal presented the lowest number of new passenger cars per 1000 in Europe ‑15, with 16 vehicles per 1000 (Zervas, 2010a: 5414). In 1995, the average normalised specific consumption test values of new cars was 7.2 and 6.4 1/100km, for gasoline and diesel cars respectively, whilst official data reported 10.3 and 9 1/100km for gasoline and diesel cars respectively in the national stock in circulation (ADENE, 2004: 40). In 2000, test values of new gasoline and diesel cars were 6.6 and 6.2 1/100km respectively, while data showed that in Portugal these values were 9.6 and 8.5 1/100km for gasoline and diesel cars respectively (ibidem).

4. Subjective tax incidence unrelated to capacity to prevent pollution

The ISP payments were not imposed on polluters according to their capacity to avoid pollution. This design feature is also likely to have hampered the ISP effectiveness in cutting environmentally harmful national patterns of energy consumption. The allocation of the ISP burden between the two major national sectors causing energy ‑related pollution, namely the transport sector and industry, did not take into account their relative improvement potential.

The 2008 law change brought the subjective incidence of the ISP more into agreement with the capacity to avoid pollution, at least for a small part of industry, by bringing under the tax coverage energy ‑intensive sectors not covered by the EU ETS and that were not party to energy efficiency agree‑ments. However, following the still broad exemptions for energy ‑intensive industries, in 2011 the bulk of energy taxpayers were consumers at the pump displaying relatively low price elasticities even in the long term.

In 2011, it was still early to assess the impact of the 2008 law changes. However, based on the negative impact on the environmental effectiveness of the ISP rate differentiation according to fuel oil sulphur content of the exemptions provided to industry, and the unchanged pattern of national energy consumption during the 1990s, it might be reasonable to argue that the narrow subjective incidence of the ISP did not help its environmental effectiveness.

At the beginning of the 1990s, the biggest energy consumers in Por‑tugal were the transport sector and industry, which together accounted for

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80% of total energy consumption (OECD, 1993: 88). In general, and for the period 1985 ‑1998, demand for petrol and diesel fuels used by road vehicles was the main driving force behind the rise in total energy con‑sumption (EEA, 2002b: 1). Road was the biggest energy consumer sector, accounting for approximately 72 and 92% of transport energy consump‑tion in 1999 and 2002 respectively (EEA, 2002b: 1; ADENE, 2004: 31). The approximately 124.5% increase in the national stock of road vehicles during the period 1990 ‑2002 (circa 10.4% per year), reaching around 4.2 million on 2002, helps to explain the figures (ADENE, 2004: 18).

The strong fossil fuel dependence of the transport sector has con‑tinued during the period 1990 ‑2010 (DGEG, 2011). During the 1990s, the industry and transport sectors, both traditionally highly dependent on fossil fuels, have not improved their fuel mix significantly, sustaining the negative national energy pattern regarding the intensity and structure of energy consumption (ADENE, 2004: 11, 13, 18). Benefits from energy conservation efforts, the introduction of natural gas and the success of co ‑generation projects were more than compensated for by a strong growth in the transport sector, particularly in coastal areas (OECD, 1993: 88). In 2005, transport and industry still bore the lion’s share of national final energy demand, with 44% and 26% respectively of total final energy demand (DGEG, 2007; Simões et al, 2008: 3598).

Conclusions

The analysis given in this paper of the ISP was aimed at assessing whether its potential high strategic relevance for energy policy was transferred into a tax design with strong inclusion of the features of environmental taxes and how the degree of inclusion affected the environmental effectiveness of this tax. It was concluded that the inclusion was low and that such a low level of inclusion caused a low impact of the tax on the pattern of national energy consumption during the same period (inefficient and highly dependant on fossil fuels) and consequently on pollution following from energy consumption in Portugal during the 1990s. Furthermore, following the strict compliance of the tax with the energy taxation structure proposed by the Energy Taxation Directive (2003/96/EC) and the fact that it was the only tax charged during the

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period on national energy consumption, this has allowed us to assess the low environmental effectiveness of such a tax design.

Precise environmental objectives were assigned to the ISP on two occasions: in 1991, in order to reduce energy ‑consumption ‑related sulphur and lead emissions through tax rate differentiation, and in 2008 in order to reduce the greenhouse gases in industry through a gradual increase in maximum rates applied to industrial fossil fuels. Environmental con‑cerns were only clearly mentioned in the law in the latter case. These two cases, together with the gradual process initiated in 2005 of moving towards taxation of gasoline and diesel (including heating diesel) at the same rates, account for the main signs of environmental concern in the ISP design since 1990.

These cases express three different environmental concerns, namely sulphur emissions reduction, lead emissions reduction and greenhouse gas emissions (specifically CO2 emissions) reduction. A single overarching environmental objective for the ISP only comes in 2008, with the reference to greenhouse gas emissions. It is still not stated for the whole economy, but only for industry. This can explain the failure of the tax to communicate the environmental hierarchy of consumption related to a specific pollutant.

We cannot see the use of environmental criteria in the tax design, despite the reference of the law since 2001 to the use of relative polluting impacts to set the tax rate. In none of the cases referred to, which correspond to those where the linkage between environmental concerns and changes in the energy tax law was the closest, are the potential environmental criteria used to set the tax level clarified. Even when the law mentions the internalisation of CO2 costs to explain the change, as was the case in 2005 and 2008, the method used to calculate such costs and their transference to the tax rates is not provided.

Following these features, on both occasions when precise environmental objectives were assigned to the ISP as well as in the gasoline and diesel tax rate convergence process initiated in 2005, the rationale underpinning the law seems to have been cost internalisation rather than steering behaviour. This understanding is in general confirmed by the ISP design as far as the tax base, tax rates and subjective tax incidence are concerned, as well as the relevance assigned by the energy tax law to the principle of equivalence and its lack of references to behaviour‑‑steering intentions. The prevalence of a cost internalisation, rather than

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a behavioural steering rationale in the ISP is coherent with its lack of communication of a precise environmental hierarchy of consumption. Likewise, the institution of tax illusion rather than awareness in the tax design and its failure to reward tax avoidance strategies with a positive environmental impact, both usually found in traditional excise duty design, is also coherent with a cost internalisation approach.

The ISP base was not a good proxy for specific pollution emissions, since it corresponded to measured units of fuels which may cause different amounts of emissions depending on the pollutant considered. Following this type of tax base and the relatively narrow structure of tax rates used, the ISP payments were unable to mirror relative polluting impacts and consequently to lead towards any specific environmental hierarchy of consumption. This was true with regard to both polluting emissions and energy efficiency, since the tax design made it impossible to target the price signal to a specific pollutant or to energy content.

Moreover, the definition of the tax base did not follow from envi‑ronmental criteria, which led to the provision of shelter from the price signal consumptions for sectors with an environmental impact at least as negative as those not exempted. Such narrow coverage is likely to have kept the ISP from providing an incentive to public transportation opera‑tors, especially private operators, to adopt new technology. Meanwhile, exemptions for fossil fuels used in the power sector is likely to have helped the users of these fuels to keep ahead of the competition, raising the costs of the measures adopted to increase the use of renewable energy sources. Such exemptions, together with those assigned to electricity, increasing demand for which did not allow a severing of energy demand from GDP in Portugal, hindered the capacity of the ISP to communicate energy scarcity.

The ISP rates were not related to behavioural change, either in absolute or in relative terms, since they were unable to guarantee envi‑ronmentally correct absolute and relative effective pollution prices for all the products covered by the tax, which until 2005 were mainly motor fuels. They were not related to pollution abatement costs or to relative polluting impacts with regard to a specific pollutant or to energy content. Consequently, during the 1990s taxation rates were unable to steer energy consumption towards cleaner fuels and energy conservation strategies.

The tax rate structure communicated simultaneously different hierar‑chies of consumption, which, following the energy market segmentation,

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would not be a problem if a single and environmentally correct hierarchy was communicated to each market segment, allowing the tax to steer consumers’ choices towards less environmentally damaging patterns. But this has not been the case. The hierarchy communicated to industry with reference to CO2 became close to be correct in 2008. However, the tax rate applied to coal and oil still communicated wrongly their equal polluting impact. Regarding the hierarchies communicated to the transport sector referred to sulphur, lead and CO2, only the first two were correct, due to the tax benefit to diesel still present in 2011.

Furthermore, in absolute terms, the ISP rates were weakly able to steer behaviour towards pollution prevention by inducing cleaner and efficient energy consumption. The incentive provided by the tax rate dif‑ferentiation according to sulphur and lead content in fuel oil and gasoline respectively was insufficient to induce a fast increase in the market share of cleaner fuel. The uncompetitive Portuguese energy market structures aggravated this deficiency in the tax design and proved the relevance of competitive markets for environmental tax effectiveness. This case was also useful to test the relevance for environmental effectiveness of relating the tax rate to environmentally correct effective pollution prices, instead of partial components of the price, such as the tax burden, reaching the consumer. Furthermore, it has shown the importance of transmitting the price signal to those able to avoid pollution.

Furthermore, ISP rates led to decreasing real energy prices during the 1990s. In the short term, this was true not only because of the minimal price inelasticity of energy consumption following mainly from technological constraints, but also due to the tax failure to harvest the potential gains from shifting private vehicle use to public transportation, feasible in the short term. In the long term, when price ‑elasticity of fuel consumption is higher, the ISP also did not evidence a positive environmental effective‑ness. Following the price signal provided by the tax, private ‑use transporta‑tion increased and it is not reasonable to argue that the ISP had a relevant role in shifting vehicle demand towards smaller and lighter vehicles.

As far as the subjective incidence of the ISP is concerned, a cost inter‑nalisation rationale is also evident. The tax was mainly raised on the sector showing the lowest price elasticities in energy consumption, namely the transport sector. This was the best payer, but not the polluter enjoying the best capacity to avoid pollution. Industry, and especially energy ‑intensive

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industry, though displaying higher price elasticities in energy consumption, has always been sheltered from the price signal provided by the ISP. This continued to be the case after the 2008 law change, following the enlarge‑ment of the definition of energy ‑intensive industry and of the consequent opportunities to gain exemptions by joining energy efficiency agreements.

Due to the low inclusion of the design features of environmental taxes in the ISP, it was very similar to an excise duty, despite the several references in the law, especially since 2001, to environmental concerns. Its design and management were retained by the entity traditionally in charge of excise duties, namely the Ministry of Finance. This design made it a blunt instrument for inducing behavioural change towards cleaner and more efficient energy consumption, acting mainly as an instrument of cost internalisation. In Portugal, improvements experienced in energy consumption, which were mainly noticed in primary energy consumption (electricity production) after the mid 2000s, have mainly followed from command ‑and ‑control ‑based policy. Despite the strategic importance of the ISP for Portuguese environmental policy, its failure to include the relevant design features has hindered its potential role in such policy.

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* O presente texto corresponde, em termos gerais, à comunicação efectuada pelo autor nas Conferências organizadas pelo IDEFF e pela OTOC, que decorreram em Lisboa no dia 19.11.2012 e no Porto no dia 30.11.2012, subordinada ao tema:“Novas Tendências da Contabilidade e da Fiscalidade”.

António Brigas Afonso

Novas tendências da fiscalidade na área dos impostos Especiais de Consumo*

António Brigas AfonsoSubdiretor ‑Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Docente do IDEFF/FDL

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RESUMO:

No presente artigo, o autor começa por fazer uma breve referência ao processo de harmonização comunitária dos impostos especiais de consumo, às caraterísticas e aos objetivos extra ‑fiacais prosseguidos por estes impostos. Seguidamente, refere os principais fatores que, em sua opinião, são determinantes das novas tendências, ou seja a globaliza‑ção da economia, as preocupações ambientais, os programas de consolidação orçamental e o recente fenómeno do aumento da obesidade que se está a verificar na generalidade dos países desenvolvidos.

Em termos gerais, as novas tendências concretizam ‑se, nos últimos anos, pelo aumento significativo das taxas destes impostos na generalidade dos Estados Membros da União Europeia e da OCDE, no alargamento da base tributável e na criação de novos impostos especiais de consumo.

Finalmente, o autor faz ainda uma incursão pelo que considera ser a provável evolução futura destes impostos, perspetivando a extinção do imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e do imposto sobre veículos (ISV), tal como os conhece‑mos. Todavia, como, muito provavelmente, se vão manter os fatores que determinaram as tendências recentes nesta área fiscal, o autor considera que a importância destes impostos tenderá a aumentar no futura, ainda que com estruturas e bases tributárias muito diferen‑ciadas das atuais.

Palavras ‑chave:Globalização da economiaConsolidação orçamentalAlterações climáticasObesidade

ABSTRACT:

In this article, the author begins with a brief reference to the process of EU harmonization of excise duties, the features and the objectives extra fiscal pursued by these taxes. It then outlines the key factors that, in his opinion, are determinants of new trends, i.e. economic globalization, environmental concerns, the programs of budgetary consolidation and the recent phenomenon of the rise in obesity that is occurring in most developed countries.

In general, new trends are materialized, in recent years, by the significant increase in the rates of these taxes in most Member States of the European Union and the OECD, broadening the tax base and creating new excise duties

In general, the new trends emerging in recent years are materialized by the significant increase in the rates of these taxes in most Member States of the European Union and the OECD, in the enlargement of the tax base and in the creation of new excise duties.

Finally, the author also makes a reflection on what he considers to be the probable future developments of these taxes, considering the extinction of the tax on oil and energy products (ISP) and vehicle tax (ISV), as we know them now. However, as most likely the factors that determine the recent trends in this area of taxation will remain, the author believes that the importance of these taxes tend to increase in the future, though with structures and tax bases very different from the current ones.

Keywords:Economic globalizationBudgetary consolidationClimate changeObesity

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1. Introdução

Os impostos especiais de consumo (IEC), denominados excises na terminologia inglesa e accises na terminologia francesa, constituem uma das formas mais antigas de tributação. Na verdade, já em tempos remotos, o chá, os licores e o peixe eram tributados na China e o sal e o chá na Índia.

Na Idade Média, a generalidade dos soberanos europeus tributavam o sal, que era considerado “uma mina de ouro” devido aos elevados montantes de receita fiscal arrecadada e à facilidade de controlo da sua cobrança. A vulgarização destes impostos ocorre nos séculos XVI e XVII, nomeadamente na Holanda, onde foram criados exijsen sobre a cerveja, as bebidas espirituosas e o açúcar.

Os IEC que incidem sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, os pro‑dutos petrolíferos e energéticos e os tabacos manufaturados, encontram ‑se harmonizados a nível comunitário e foram codificados com a publicação do Decreto ‑Lei n.º 566/99, que aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo, entretanto revogado pelo Decreto ‑Lei n.º 73/2010, que apro‑vou o Código dos IEC atualmente em vigor. Em Portugal existe ainda um imposto especial de consumo não harmonizado, o imposto sobre veículos (ISV), que incide sobre os automóveis ligeiros de passageiros, mistos ou de mercadorias, nos termos previstos no artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22 ‑A/2007.

Trata ‑se de impostos que, apesar da sua grande importância financeira para o Estado, não têm sido objeto de investigação teórica por parte dos académicos e fiscalistas. Contudo, como foram objeto de codificação, espe‑remos que essa lacuna seja ultrapassada, sendo certo que estes impostos já são ministrados em vários cursos de pós ‑graduação como é o caso do IDEFF da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e do CIJE da Faculdade de Direito da Universidade3 do Porto.

A aparente letargia em que estes impostos têm vivido, sofreu um grande sobressalto com a criação do mercado interno. Na verdade, a supressão dos controlos aduaneiros nas fronteiras intracomunitárias, pre‑conizada pela criação do mercado interno, obrigou os Estados Membros a adotarem um conjunto de regras que, não constituindo uma harmonização fiscal em sentido técnico, permite a circulação destes produtos, no terri‑tório fiscal comunitário com a manutenção da cobrança destes impostos no Estado Membro de destino.

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O regime instituído permite a circulação intracomunitária dos pro‑dutos sujeitos a impostos especiais de consumo sem controlos aduaneiros nas fronteiras intracomunitárias, mediante a delimitação do território fiscal comunitário e do território fiscal nacional, com a separação clara das dis‑posições aplicáveis apenas no território fiscal nacional e das disposições aplicáveis no território dos outros Estados Membros, a criação da figura do entreposto fiscal, a fixação dos requisitos para atribuição dos estatutos que permitem aos operadores económicos efetuar operações de circulação intracomunitárias em regime de suspensão do imposto, a conceção de um documento administrativo eletrónico (e ‑DA) que identifica o itinerário e permite o controlo das operações de circulação bem como a criação de um sistema de garantias, válidas em todos os Estados Membros, tendo em vista facilitar o seu eventual acionamento em caso de necessidade de imputação da responsabilidade fiscal, caso ocorram irregularidades no funcionamento do denominado regime geral de circulação, com suspensão do imposto.

Embora a generalidade dos países tributem os tabacos, as bebidas alcoólicas e os produtos petrolíferos, considerados os tradicional excise duties, muitos outros produtos são tributados com impostos especiais, dependendo a escolha dos hábitos de consumo, das tradições e mesmo de aspectos culturais de cada país, o que implica que o mesmo produto possa ser apto a ser tributado com Impostos Especiais de Consumo num deter‑minado país, mas não o seja noutro, como é o caso das bebidas alcoólicas, cujo consumo, sendo interdito pela religião islâmica, as torna inaptas a ser tributadas com estes Impostos nos países em que a generalidade da população professa esta religião.

Daqui resulta que um produto, para poder ser sujeito a Impostos Especiais de Consumo tem que ser, nesse país, um produto de consumo generalizado para permitir uma receita significativa, mas não pode ser um produto essencial porque, de contrário, não seria politicamente aceitável a sua elevada tributação. Para além de não ser um produto essencial, em certos casos é mesmo um produto nocivo para a saúde ou para o ambiente e, finalmente, tem que ser um produto de procura não elástica de modo a que não se possa verificar o fenómeno da substituição por um produto equivalente ou similar, quando seja sujeito a uma taxa elevada porque, caso isso sucedesse, deixaria de gerar receita significativa.

Na sua génese, estes impostos apenas tinham como objetivo a obten‑ção de receitas fiscais, tal como qualquer outro imposto. Todavia, com o

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evoluir das sociedades, os cidadãos passaram a ser mais exigentes com os Governos na escolha das políticas fiscais e modelos de desenvolvimento, exigindo que tenham em conta, nomeadamente, as preocupações com a qualidade do ambiente e com a saúde. Assim, os Impostos Especiais de Consumo passaram a prosseguir importantes objetivos extra ‑fiscais, em matéria de preservação do ambiente e da saúde, com a consequente redu‑ção do consumo, promoção de energias alternativas, redução das emissões de CO2 e uma maior eficiência energética, imputando aos consumidores os custos associados ao consumo dos produtos, em obediência ao princípio da equivalência, expressamente consagrado no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

2. Tendências recentes

Feita esta breve introdução, importa agora referir as tendências recen‑tes verificadas na área dos impostos especiais de consumo e perspectivar a provável evolução futura destes impostos.

Como questão prévia convém referir que as Diretivas Comunitá‑rias, para além de criarem uma estrutura comum para estes impostos, limitaram ‑se a fixar, em matéria de taxas, um nível mínimo, que não pode, em caso algum, ser ultrapassado pelas taxas fixadas na legislação interna dos Estados Membros. Contudo, como não estabelecem qualquer limite máximo, na prática, os Estados Membros têm uma ampla margem de dis‑cricionariedade para fixar as taxas nacionais, variando os preços de venda ao público de forma acentuada entre Estados Membros. Este facto causa graves problemas a Portugal dado que o nível de fiscalidade em Espanha ainda é inferior ao praticado em Portugal, nomeadamente ao nível dos combustíveis e dos tabacos manufaturados. Este desnível de taxas e de preços entre Portugal e Espanha foi recentemente atenuado com a subida das taxas de IVA praticadas em Espanha, mas a diferença, para menos, das taxas dos impostos especiais de consumo praticadas em Espanha con‑tinua a representar um grave problema para Portugal, dada a ausência de controlos fronteiriços e a possibilidade legal de os particulares poderem, dentro de certos limites, abastecer ‑se destes produtos em Espanha.

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Os principais fatores que condicionam as novas tendências de fisca‑lidade indirecta e, especialmente, os impostos especiais de consumo, são a globalização da economia, as preocupações ambientais, os programas de consolidação orçamental e o recente fenómeno do aumento da obesidade que se está a verificar na generalidade dos países desenvolvidos.

Para responder a estes desafios, os Estados Membros têm adotado várias medidas, podendo sintetizar ‑se as principais tendências nesta área pelo aumento significativo das taxas, quer em Portugal, quer nos restantes países da União Europeia e da OCDE e a criação de novos impostos especiais de consumo, com a consequente redução global da tributação direta compensada pela tendência da subida global da tributação indireta.

A globalização da economia, ao aumentar a competitividade inter‑nacional, pressiona os agentes económicos e os governos a reduzir ou eliminar todos os fatores que contribuem para o aumento dos preços. No caso dos impostos, enquanto os indirectos são nivelados nas fronteiras, onerando os produtos importados e desonerando os produtos exportados, os impostos directos incorporam ‑se nos preços dos produtos exportados, reduzindo a sua competitividade. É neste contexto que se explica a referida tendência para a redução global dos impostos directos com a consequente subida dos impostos indirectos.

Relativamente às preocupações ambientais e ao desenvolvimento sustentável, é também pacífico que os impostos especiais de consumo são impostos especialmente aptos para alcançar estes objetivos. Na verdade, sendo impostos monofásicos, podem ser utilizados, com grande facilidade, para prosseguir objectivos ambientais, tributando ou isentando as matérias‑‑primas e os produtos finais, consoante sejam ou não prejudiciais para o ambiente, influenciando assim os produtores e os consumidores a produzir e a consumir produtos mais benéficos para o ambiente. Vários países da OCDE, com especial incidência na Suécia, Dinamarca e Noruega têm pro‑cedido a reformas fiscais ambientais, através do aumento, nomea damente, da tributação dos produtos energéticos, penalizando os que apresentam maiores níveis de emissões de gases com efeito estufa e, simultaneamente, diminuindo os impostos sobre as atividades que devem ser encorajadas como o trabalho, a poupança e o investimento, com a consequente dimi‑nuição do preço do fator trabalho e o aumento da competitividade e do emprego.

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Na União Europeia está em discussão no Grupo de Questões Fis‑cais do Conselho uma proposta da Comissão para revisão da Diretiva 2003/96/CE, habitualmente designada por Diretiva de Tributação dos Produtos Energéticos. O principal objetivo desta proposta é fixar novas taxas mínimas para os produtos petrolíferos e energéticos, passando estas a ser calculadas com base em dois elementos distintos: o teor energético e no nível de emissões de CO2. O teor energético é expresso em euros por gigajoule e o nível de emissões de CO2 em euros por tonelada de emissões de CO2. A diferenciação da componente energética e da componente das emissões de CO2 visa adaptar a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos à necessidade de combater as alterações climáticas, mediante a redução das emissões de CO2, através da penalização fiscal dos produtos que apresentem um nível mais elevado das referidas emissões.

A grave crise da dívida pública da Zona Euro iniciada na Grécia, no seguimento da falência do Lehman Brothers, e que se estendeu aos países periféricos da Zona Euro, é também um dos fatores determinante das recentes tendências de subida das taxas dos impostos especiais de consumo. Na verdade, os países mais severamente atingidos pela crise da dívida pública foram obrigados a adotar programas de consolida‑ção orçamental que os obrigou não só a subir as taxas dos impostos especiais de consumo como a alargar a base tributável e a criar novos impostos.

Assim, nos últimos anos a generalidade dos Estados Membros pro‑cederam a aumentos significativos das taxas dos impostos especiais do consumo e dos denominados impostos ambientais. Estes aumentos foram particularmente significativos na Irlanda e em Portugal.

No caso da Irlanda, as taxas têm sofrido alterações anuais muito superiores à taxa de inflação e, em 2012, apesar do contínuo aumento verificado nas cotações do petróleo, as taxas aplicáveis aos combustíveis aumentaram cerca de 2%, as taxas do imposto sobre veículos aumentaram 7% e do imposto sobre o tabaco 25%.

No caso de Portugal, esta tendência iniciou ‑se com a apresentação do Primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento, onde Portugal se comprometeu a aumentar, de forma substancial, as taxas do Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e do Imposto sobre o Tabaco (IT), durante o período em que vigorou o referido Pacto de Estabilidade e Crescimento. Apesar disso, em 2012, as taxas das bebidas

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espirituosas foram ainda aumentadas 4,6%, as dos veículos automóveis 10% e a taxa dos cigarros 15%. Para 2013, depois do “desvario” das pro‑postas tornadas públicas pela comunicação social, imperou o bom senso e os aumentos constantes da proposta do OE são pouco significativos, com exceção das bebidas espirituosas em que ainda se verificou um aumento de 7,5%. Esperemos que se tenha assim evitado o sério risco de “implosão” do mercado legal.

Relativamente à tendência de criação de novos impostos especiais de consumo, o legislador tem também demonstrado uma criatividade surpre‑endente. Na Áustria, na Alemanha e no Reino Unido foram criados novos impostos especiais sobre os bilhetes dos transportes aéreos que efetuam voos internos. Na Finlândia e na Irlanda foi criado um adicional sobre os combustíveis cuja base tributável são as emissões de CO2 e na Eslováquia foi introduzido um imposto sobre as licenças de emissões de CO2.

Uma outra tendência recente vai no sentido da tributação, por razões de saúde pública e, naturalmente, obtenção de avultados montantes de receitas, dos géneros alimentícios que contêm elevados teores de açúcar, sal ou gorduras saturadas e que são vendidos embalados ou engarrafados prontos para consumo imediato, conhecidos pela designação de “snack foods”. Trata ‑se de comida com um valor nutricional reduzido, com ele‑vados níveis de gordura, açúcar, sal, corantes e conservantes. É hoje um negócio em franca expansão, com um aumento exponencial do consumo, a que está associado um marketing muito agressivo.

Estas tendências de tributação surgiram na sequência da constatação, na generalidade dos países desenvolvidos, do aumento preocupante dos casos de obesidade, especialmente nas camadas mais jovens da popula‑ção. Vários estudos efetuados, nomeadamente por universidades norte‑‑americanas, demonstram que há uma relação direta entre o consumo de “snack food” e refrigerantes e a incidência de obesidade, doenças cardíacas e diabetes. Estes estudos são contestados pelas associações dos industriais que produzem estes produtos, cujo consumo tem aumentado exponencialmente nos países mais desenvolvidos e sobretudo, nas camadas mais jovens da população.

Contudo, a maior organização médica dos Estados – Unidos, a American Medical Association, recomendou ao Governo a tributação destes produtos, considerando que são prejudiciais para a saúde e que são responsáveis pelo aumento da obesidade, das doenças cardiovasculares

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e da diabetes. A referida associação médica considera ainda que a tribu‑tação poderá constituir um importante fator para a redução do consumo e a obtenção de receitas para custear as despesas de saúde associadas ao consumo destes produtos.

A nível comunitário, a Dinamarca foi o primeiro a Estado Membro que introduziu este tipo de imposto, denominado “food fat tax” que incide sobre todos os alimentos embalados para venda ao público que contenham mais de 2,3% de gorduras saturadas.

3. Perspetivas futuras

Finalmente, importa perspetivar a evolução futura destes impostos. Como se sabe, perspetivar o futuro é sempre um exercício arriscado. De qualquer modo, temos sempre a possibilidade de argumentar que, even‑tualmente, não se verificaram os pressupostos em que se baseou a nossa previsão…

Tendo em conta os principais fatores que condicionaram a evolução recente destes impostos, é de prever que a importância dos impostos espe‑ciais de consumo tenderá a aumentar no futuro, dado que não é previsível uma mudança de rumo na globalização da economia, nas preocupações ambientais ou com a consolidação orçamental ou ainda que a “gordura volte a ser considerada formosura”.

Na área da tributação automóvel e dos combustíveis, é já possível afirmar, com grande segurança, que se vão verificar profundas altera‑ções. De acordo com especialistas, quer da área energética quer da área ambiental, a ligação histórica do automóvel ao petróleo, nomeadamente dos automóveis ligeiros, já deveria ter cessado. Isto porque, de acordo com os referidos especialistas, ao atingirmos o impressionante consumo de 1000 barris de petróleo por segundo já devemos ter atingido ou estamos a atingir “o pico da produção de petróleo”, isto é, o momento a partir do qual não é possível aumentar significativamente a produção do denomi‑nado “ouro negro”… Ora, o petróleo não é só utilizado para produzir carburantes e combustíveis, sendo imprescindível para produzir uma vasta gama de produtos essenciais na vida quotidiana dos dias de hoje tais como plásticos, tecidos sintéticos, borrachas, inseticidas, fertilizantes, medicamentos, tintas, colas, vernizes, perfumes, corantes, detergentes,

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solventes e resinas. Isto para citar apenas os produtos mais significativos, que têm os derivados do petróleo como matéria ‑prima. Sendo o petróleo uma matéria ‑prima não renovável, mas imprescindível às indústrias que produzem os referidos produtos, seria desejável que já não estivéssemos a desperdiçar um bem tão precioso na mobilidade individual.

Para além dos graves problemas em termos industriais e energéti‑cos, temos igualmente as questões ambientais e as alterações climáticas resultantes do consumo dos carburantes e dos combustíveis fósseis. De acordo com estudos da OCDE e da Agência Internacional de Energia é absolutamente necessário, até 2050, reduzir em pelo menos, 50% os atuais níveis globais de emissões de CO2, para que as temperaturas médias do globo aumentem apenas 2 a 2,4 graus Celsius, de modo a evitar alterações climáticas que possam pôr em causa as condições de vida na Terra.

Face ao exposto, é urgente, quer em termos ambientais, quer em termos energéticos, encontrar alternativas aos combustíveis de origem fóssil. Os veículos elétricos, embora ainda apresentem grandes limitações em matéria de autonomia, começa a ser consensual que são os veículos que reúnem melhores condições para que a sua utilização se massifique no futuro, com uma fase intermédia em que predominarão os veículos híbridos, preparados para a utilização alternada ou simultânea da energia elétrica e da gasolina ou do gasóleo. Isto porque o hidrogénio, muito abundante na natureza e que com frequência é apresentado como a ener‑gia que vai substituir o petróleo no futuro, não existe no estado puro. Ora, para extrair o hidrogénio, por exemplo, da água, a energia gasta é equivalente à energia obtida. Acresce que o hidrogénio necessita de ser comprimido a pressões muito elevadas, o que levanta problemas técni‑cos muito complicados de armazenagem e de transporte o que implica, igualmente, consumo de energia. Por estas razões, face ao conhecimento científico atual, não parece viável a substituição dos combustíveis fósseis pelo hidrogénio.

Caso se venha a confirmar a massificação da utilização dos veículos elétricos é seguro que se irão verificar profundas alterações na fiscalidade automóvel e na tributação dos combustíveis. No caso do imposto sobre veí‑culos (ISV), caso não se verifique qualquer alteração ao Código do Imposto sobre Veículos em vigor, este imposto deixará de gerar receitas dado que, face ao disposto no artigo 2.º, os veículos exclusivamente elétricos estão

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excluídos da incidência do imposto. Quanto ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), embora já incida sobre a eletricidade, a receita deste imposto provém quase exclusivamente dos consumos de gasolina e de gasóleo, sendo a receita da eletricidade quase insignificante. Por outro lado, mesmo que, por mera hipótese, se pretendesse transferir a carga fiscal dos carburantes e dos combustíveis para a eletricidade consu‑mida pelos veículos elétricos, a diferenciação dos consumos domésticos, dos consumos de eletricidade, efetuados pelos veículos elétricos, não se afigura tecnicamente possível dado que, ao contrário do que sucede com os combustíveis fósseis, a eletricidade pode ser abastecida quer em postos de abastecimento públicos quer nas residências particulares. Nesta con‑formidade, os impostos sobre os produtos petrolíferos e energéticos e o imposto sobre veículos, tal como os conhecemos, irão “morrer de morte natural”, como desaparecerão a contribuição de serviço rodoviário e os elevados montantes de IVA cobrados sobre os montantes de ISP, de ISV e da Contribuição de Serviço Rodoviário. No total estão em causa mais de 15% das actuais receitas totais dos impostos. A questão que entretanto se coloca é se será possível prescindir de um montante tão significativo de receitas fiscais. Só tendo esta questão uma resposta, o mesmo não se poderá dizer das opções técnicas para substituição e reformulação desta importante área fiscal.

De qualquer modo, já estão disponíveis no mercado soluções técni‑cas, mesmo de origem nacional, que permitem a aplicação de regras de tributação simples e eficazes da mobilidade individual que, por exemplo, tenham em conta os quilómetros percorridos por cada veículo e os respe‑tivos consumos médios de eletricidade por quilómetro percorrido, com a consequente repartição proporcional da carga fiscal e uma aplicação rigo‑rosa do principio de equivalência já atualmente previsto quer no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, quer no artigo 1.º do Código do Imposto sobre Veículos.

Em conclusão, apesar das grandes alterações que, necessariamente, se irão verificar nesta área, a importância destes impostos tenderá a aumentar no futuro e convém não ter ilusões porque, seguramente, mais uma vez se vai confirmar a velha máxima de Benjamin Franklin: Nada é certo, a não ser a morte e os impostos…

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212Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

4. Bibliografia

AFonso, A. Brigas, Noções Gerais sobre Impostos Especiais de Consumo – Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto – Ano III – 2006.

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AFonso, A. Brigas e Manuel Fernandes, Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos Anotados, 2009, Coimbra Editora.

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Alves, Fernanda e Nuno Vitorino, Código do Imposto sobre Veículos, Anotado, 2009, Áreas Editora;

BAttle EK, BroWnell KD. Confronting a rising tide of eating disorders and obesity: treatment vs. prevention and policy. Addict Behav. 1997; 21:755‑765.

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Kunstler, James Howard , O Fim do Petróleo – O grande desafio do século XXI: 2006, Editor: Bizâncio

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Publicações da Agência Internacional de Energia:

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IEA, 2009.

Publicações da OCDE:

Consumption Tax Trends – OCDE 2008;Environmentally Related Taxes and Tradable Permit Systems in Patrice – OCDE 2009;Incentives for CO2 Emissions Reductions in Current Motor Vehicle Tax – OCDE 2009.

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Guilherme Waldemar d’Oliveira MartinsDoutor em Direito.

Professor Auxiliar da Faculdade de Direito de Lisboa

Ana Calado PintoRevisora Oficial de Contas.Mestre em Gestão pelo ISG

Guilherme Waldemar d’Oliveira MartinsAna Calado Pinto

O conceito de endividamento líquido no novo regime financeiro das autarquias locais e das entidades

intermunicipais: estudo prévio de impacto potencial

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RESUMO:

Tendo em conta o Programa de Assistência Económica e Financeira e decorridos cinco anos de vigência da atual Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro, que aprovou a Lei das Finanças Locais, o Governo propôs à AR a revisão de alguns aspetos que constavam do referido diploma. Depois de se proceder a uma análise breve das novidades este texto pretende ser um contributo para uma compreensão maior do que pode estar em causa em termos financeiros com a aplicação da nova lei.

Palavras ‑chave: Sustentabilidade financeiraFinanças locaisEndividamento líquido

ABSTRACT:

Five years have elapsed since the Local Finance Law was presented for approval by the Portuguese Parliament. During this time Portugal has endured an Economic and Financial Assistance Programme (PAEF). This Local Finance Law, Law 2/2007 of 15th of January, is being amended. The purpose of this article is to present the main financial challenges concerning indebtness, among others, and so contribute to an overall understanding of concrete aspects of this new law to be.

Keywords: Financial sustainabilityLocal financeNet Debt

SUMáRIO:

1. Dívida pública: sustentabilidade financeira e estrutura conceptual; 2. Enquadra‑mento do novo regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais; 3. O conceito de endividamento líquido e novidades associadas; 4. O impacto do novo regime de endividamento: alguns dados empíricos.

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1. Dívida pública: sustentabilidade financeira e estrutura conceptual

Mesmo tendo em conta o quadro conjuntural atual, está assumido que um rácio da dívida crescente não é economicamente sustentável. Conse‑quentemente, o anúncio da redução de dívida é central para a construção de uma estratégia de saída (exit strategy)1. A alternativa possível passa por estabilização a níveis acima ou para níveis mais prudentes, tendo em conta as circunstâncias. Esses níveis prudentes deverão ser mantidos nas décadas seguintes.

Há várias formas de redução da dívida. Sabendo que a redução de dívida deverá contribuir para manter as taxas de juro constantes e criar espaço de manobra para preparação de uma resposta para outra crise/recessão eventual. Para alguns países, isso significa retornar a uma posição mais forte que a anteriormente vivida, sendo que para as economias emergentes, os rácios dívida/PIB são manifestamente inferiores, uma vez que as receitas tributárias e patrimoniais são mais voláteis e a composição da dívida é menos favorável, porque detida por residentes no exterior. Só assim se perceba que estabilização do rácio da dívida a níveis acima dos considerados prudentes afeta negativamente o crescimento e compromete a possibilidade da política financeira pode responder a crises futuras.

É neste quadro de recuperação que o conceito de dívida pública deve ser analisado de duas perspetivas: a composição e a dimensão2.

Quanto à composição relevam os tipos de instrumentos financeiros, a origem, a composição cambial e a maturidade residual e média3. Quanto aos tipos de investimento foram detetados na zona euro três tipos: de longo prazo (70% do total de títulos), empréstimos (18%) e títulos de curto prazo (9%). Quanto à origem, enquanto a administração central emite 83% da totalidade da dívida as entidades infraestaduais (incluindo

1 GuilHerMe WAldeMAr d’oliveirA MArtins (2013), Consolidação Orçamen‑tal e Crise Financeira, Coimbra, Almedina, no prelo.

2 dAGMAr HArtWiG loJsCH, MArtA rodríGuez ‑vives e MiCHAl slAvíK (2011), The size and composition of government debt in the euro área, eCB occasional paper series no 132/october 2011, pág. 5.

3 dAGMAr HArtWiG loJsCH, MArtA rodríGuez ‑vives e MiCHAl slAvíK (2011), The size and composition of government debt in the euro área, eCB occasional paper series no 132/october 2011, pág. 5.

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a Segurança Social) emitem 17% do total. A dívida é predominantemente em euros (99%), sendo que apenas 40% da dívida tem maturidade superior a cinco anos.

Quanto à dimensão, temos a dívida bruta, a dimensão dos ativos e as responsabilidades fora do balanço4. Todas estas definições relevam atualmente para o conceito de endividamento público na ótica da contabi‑lidade nacional. Na ótica de contabilidade nacional, a leitura conjugada de alguns dos preceitos do SEC leva ‑nos a considerar que o saldo da dívida pública corresponde “à soma de todos os passivos do setor das adminis‑trações públicas: numerário e depósitos, títulos exceto ações, incluindo derivados financeiros e outros débitos, assim como, em alguns casos e em pequena escala, ações e outras participações e provisões técnicas de seguros” (Manual do SEC 95 sobre o Défice e a Dívida das Administra‑ções Públicas).

Porém, para efeitos da aplicação do protocolo relativo ao procedi‑mento aplicável em caso de défice excessivo – que é o que devemos ter em conta, atendendo à ratio das alterações legislativas promovidas no artigo 13.º –, o conceito de dívida altera ‑se um pouco. O referido protocolo visa apenas o apuramento da “dívida global bruta, em valor nominal5, existente no final do exercício e consolidada pelos diferentes setores do Governo em geral”. Para este efeito, o saldo da dívida pública é igual “à soma dos passivos do setor das administrações públicas nas categorias seguintes: numerário e depósitos, títulos exceto ações, excluindo derivados financeiros e empréstimos” (V. artigos 2.º do Protocolo sobre o procedi‑mento relativo aos défices excessivos e 1.º, n.º 5, do Regulamento (CE) n.º 3605/93 do Conselho, de 22 de novembro de 1993, relativo à aplicação do protocolo sobre o procedimento relativo aos défices excessivos anexo ao Tratado que institui a Comunidade Europeia).

4 dAGMAr HArtWiG loJsCH, MArtA rodríGuez ‑vives e MiCHAl slAvíK (2011), The size and composition of government debt in the euro área, eCB occasional paper series no 132/october 2011, pág. 5.

5 O valor nominal corresponde ao valor facial dos passivos, ou seja, corresponde ao montante (contratualmente acordado) que as administrações públicas terão de reem‑bolsar aos credores no vencimento (conforme definição constante do Manual do SEC 95 sobre o Défice e a Dívida das Administrações Públicas).

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2. Enquadramento do novo regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais

Tendo em conta o Programa de Assistência Económica e Financeira e decorridos cinco anos de vigência da atual Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro, que aprovou a Lei das Finanças Locais, o Governo propôs à AR a revisão de alguns aspetos que constavam do referido diploma6.

Os trabalhos de revisão da Lei das Finanças Locais tiveram como princípios essenciais:

– ajustar o paradigma das receitas autárquicas à realidade atual, com especial incidência nas receitas municipais7;

– aumentar a exigência e transparência ao nível da prestação de contas;– dotar as finanças locais dos instrumentos necessários para garantir

a efetiva coordenação entre a administração central e local, con‑tribuindo assim para o controlo orçamental e para a prevenção de situações de instabilidade e desequilíbrio financeiro.

6 A exposição de motivos ainda elenca outra razão: “Também a Reforma da Admi‑nistração Local levada a cabo pelo Governo, com base nos objetivos enunciados no Documento Verde da Reforma da Administração local, reclama a necessidade de alteração da Lei das Finanças Locais como instrumento próprio para a concretização das necessi‑dades de financiamento das autarquias locais e das entidades intermunicipais, com espe‑cial ênfase para a excessiva dependência das receitas municipais do mercado imobiliá‑rio, para o novo mapa de freguesias e para o novo papel das entidades intermunicipais no desenvolvimento sub ‑regional.”

7 De acordo com a exposição de motivos: “No que respeita às receitas municipais e considerando o acréscimo da receita do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), pro‑veniente da reavaliação dos prédios urbanos, o Governo propõe a eliminação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis a partir de 2016, aliada a obri‑gações de transparência fiscal no conjunto das receitas municipais não só por parte da administração central no caso da derrama, mas também pelo próprio município no caso da participação variável no Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, fortale‑cendo assim o conceito de proximidade das receitas fiscais municipais com os munícipes.

A reorganização administrativa do território e o novo quadro de competências trans‑feridas para as freguesias implicaram também alterações nas suas receitas, em particular no que diz respeito ao IMI sobre prédios rústicos e urbanos. Nesse sentido, o Governo propõe que a totalidade da receita do IMI sobre prédios rústicos seja receita das freguesias e, adicionalmente, seja reconhecida uma participação no IMI sobre prédios urbanos a dis‑tribuir por todas as freguesias, respondendo a necessidades de financiamento do conjunto de competências municipais que são transferidas para o nível da freguesia.”

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Sem grandes novidades no global, esta proposta de novo regime tenta, em todo o caso, “criar regras mais simples, mas ao mesmo tempo mais exigentes e coerentes, no que respeita, nomeadamente, ao equilíbrio orçamental, aos limites da dívida, aos mecanismos de recuperação finan‑ceira, à prestação de contas individual e consolidada e à auditoria externa e certificação legal de contas”8.

Juntamente com estas novas regras, propõem ‑se assim novas datas de preparação dos orçamentos municipais que permitam a adoção por parte das entidades que integram o subsetor da administração local de um calendário consistente com o previsto para a apresentação da proposta do Orçamento do Estado9.

Na verdade as grandes novidades encontram ‑se em matéria de endi‑vidamento. Assim:

a) Alarga ‑se o perímetro das entidades suscetíveis de relevaram para os limites legais de endividamento do município, de modo a que abranja a globalidade das entidades, independentemente da sua natureza, em que participa ou sobre as quais o município detém poderes de controlo.

b) Alarga ‑se o perímetro de consolidação das contas dos municí‑pios e, agora, também das entidades intermunicipais e entida‑des associativas municipais, de forma a abranger toda e qualquer participação das indicadas entidades em empresas locais e serviços

8 Exposição de motivos.9 Da exposição de motivos consta inclusive: “Esta revisão das atuais datas pressu‑

põe uma melhoria no intercâmbio de informação e articulação entre os órgãos representa‑tivos da administração central e das autarquias locais, sendo, para tal, criado o Conselho de Coordenação Financeira. Pretende ‑se assim que a relação financeira entre a adminis‑tração central e os subsetores, em concreto a administração local, beneficie de uma efe‑tiva coordenação ao nível da monitorização de previsões e do processo de orçamenta‑ção, mediante a divulgação antecipada da informação relativa às principais variáveis que concorrem para a preparação do Documento de Estratégia Orçamental e da proposta do Orçamento do Estado, com relevância para a elaboração dos orçamentos municipais até ao final de outubro. No novo quadro legal fortalece ‑se o princípio do equilíbrio orçamen‑tal, prevendo ‑se uma regra para o saldo corrente deduzido de amortizações em paralelo com a vinculação ao quadro plurianual de programação orçamental. Ainda no âmbito do reforço da consolidação orçamental, os municípios passam a estar sujeitos a um limite para a dívida total assente na relação entre esta e a receita corrente.”

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intermunicipalizados, bem como entidades de qualquer outra natu‑reza sobre as quais os municípios detenham poderes de controlo.

c) Cria ‑se de um sistema de alertas precoces com o intuito de detetar situações de desvio na gestão orçamental dos municí‑pios, permitindo reforçar a monitorização da gestão pelo próprio município por forma a evitar situações de desequilíbrio financeiro. Não obstante, em situações ultrapassagem do limite da dívida, a Lei das Finanças Locais prevê mecanismos de recuperação financeira para a consolidação de passivos financeiros através da adoção, por parte do município, de um conjunto de regras de ajustamento tanto mais exigentes quanto mais grave for a situação de desequilíbrio financeiro. Neste contexto, é criado o Fundo de Apoio Municipal, de cariz mutualista entre o Estado e os municí‑pios, associado à assunção de obrigações de ajustamento e a uma monitorização e controlo das contas municipais permanentes, por parte da administração central.

3. O conceito de endividamento líquido e novidades associadas

O “Endividamento” previsto no capítulo V da Proposta de Lei n.º 122/XII/2.ª altera o paradigma do cálculo, tanto do limite de endivi‑damento como do próprio endividamento municipal, a par da introdução de alterações ao regime de crédito, mecanismos de recuperação financeira municipal e regras para o Fundo de Regularização Municipal e a intro‑dução de mecanismos de alerta precoce e do Fundo de Apoio Municipal (FAM), financiado pelo Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF).

O limite do endividamento deixa de se basear numa seleção de Receitas às quais é acrescido o coeficiente de 1,25, para considerar as receitas correntes líquidas acrescidas de um coeficiente de 1,5 (ver página seguinte).

No entanto, às Receitas correntes a considerar há que ter presente outras alterações previstas, como é o caso da desconsideração do IMT em receitas da administração local, a redução do IMI a atribuir aos municípios (a redistribuir pelas freguesias) e a redução de parte do FEF (no sentido deste contribuir para o Fundo de Apoio Municipal, entre outras reduções, e financiamento das entidades intermunicipais).

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Também o cálculo do endividamento per si é alterado, deixando de ser a diferença entre soma dos passivos, qualquer que seja a sua forma, incluindo nomeadamente os empréstimos contraídos, os contratos de locação financeira e as dívidas a fornecedores, e a soma dos ativos, nome‑adamente o saldo de caixa, os depósitos em instituições financeiras, as aplicações de tesouraria e os créditos sobre terceiros, para passar a ser o valor da dívida orçamental total incluindo empréstimos, fornecedores, acrescido de parte da dívida de entidade previstas.

ajustamento tanto mais exigentes quanto mais grave for a situação de desequilíbrio

financeiro. Neste contexto, é criado o Fundo de Apoio Municipal, de cariz mutualista

entre o Estado e os municípios, associado à assunção de obrigações de ajustamento e a

uma monitorização e controlo das contas municipais permanentes, por parte da

administração central.

3. O conceito de endividamento líquido e novidades associadas

O “Endividamento” previsto no capítulo V da Proposta de Lei nº 122/XII/2ª altera o paradigma

do cálculo, tanto do limite de endividamento como do próprio endividamento municipal, a par

da introdução de alterações ao regime de crédito, mecanismos de recuperação financeira

municipal e regras para o Fundo de Regularização Municipal e a introdução de mecanismos de

alerta precoce e do Fundo de Apoio Municipal (FAM), financiado pelo Fundo de Equilíbrio

Financeiro (FEF).

O limite do endividamento deixa de se basear numa seleção de Receitas às quais é acrescido o

coeficiente de 1,25, para considerar as receitas correntes líquidas acrescidas de um coeficiente

de 1,5.

No entanto, às Receitas correntes a considerar há que ter presente outras alterações previstas,

como é o caso da desconsideração do IMT em receitas da administração local, a redução do IMI

a atribuir aos municípios (a redistribuir pelas freguesias) e a redução de parte do FEF (no

sentido deste contribuir para o Fundo de Apoio Municipal, entre outras reduções, e

financiamento das entidades intermunicipais).

Também o cálculo do endividamento per si é alterado, deixando de ser a diferença entre soma

dos passivos, qualquer que seja a sua forma, incluindo nomeadamente os empréstimos

contraídos, os contratos de locação financeira e as dívidas a fornecedores, e a soma dos ativos,

nomeadamente o saldo de caixa, os depósitos em instituições financeiras, as aplicações de

tesouraria e os créditos sobre terceiros, para passar a ser o valor da dívida orçamental total

incluindo empréstimos, fornecedores, acrescido de parte da dívida de entidade previstas.

Outra questão interessante na proposta de lei é a nova conceptualização do regime de

recuperação financeira, de facto, a proposta de lei traz indicadores claros e quantificáveis das

situações que carecem de saneamento e/ou medidas de recuperação de rutura financeira, com

procedimentos expressos para cada uma das situações:

No primeiro caso é dada a possibilidade ao Município, se assim o entender, de contrair um

empréstimo de saneamento. No segundo caso, obrigatoriamente terá de o fazer ou optar por

recorrer ao FAM. Nas circunstâncias do terceiro caso, obrigatoriamente terá que recorrer ao

FAM.

4. O impacto do novo regime de endividamento: alguns dados empíricos

Para efeitos de apuramento do impacto potencial10 que a alteração do regime de financiamento

das autarquias locais e entidades intermunicipais, seleciona-se o último ano para o qual havia

10 Naturalmente que a análise efetuada é excessivamente simplificadora, até por que a amostra considerada não foi estatisticamente testada para avaliar se poderia ser generalizada à população e a a proposta de lei terá efeitos a partir de 2014, pelo que os valores base a considerar de IMT, IMI, FEF, Dívida Total e Receitas correntes têm um potencial de se revelarem bastante diferentes, com base nas medidas entretanto implementadas pelos municípios de controlo das dívidas, a aplicação da lei de compromissos e pagamento em atraso, as avaliações de imóveis com impacto no IMI, a queda da importância do IMT dada a crise imobiliária e o potencial de receita fiscal de IRS, IRC e IVA, base de cálculo do FEF, no entanto, pretende ser um contributo para uma compreensão maior do que pode estar em causa em termos financeiros com a aplicação da nova lei.

Page 219: RFPDF-5-4

221Artigos

Outra questão interessante na proposta de lei é a nova conceptua‑lização do regime de recuperação financeira, de facto, a proposta de lei traz indicadores claros e quantificáveis das situações que carecem de saneamento e/ou medidas de recuperação de rutura financeira, com pro‑cedimentos expressos para cada uma das situações:

No primeiro caso é dada a possibilidade ao Município, se assim o entender, de contrair um empréstimo de saneamento. No segundo caso, obrigatoriamente terá de o fazer ou optar por recorrer ao FAM. Nas circunstâncias do terceiro caso, obrigatoriamente terá que recorrer ao FAM.

4. O impacto do novo regime de endividamento: alguns dados empí‑ricos

Para efeitos de apuramento do impacto potencial10 que a alteração do regime de financiamento das autarquias locais e entidades intermu‑nicipais, seleciona ‑se o último ano para o qual havia disponibilidade de dados, o ano 2011, analisa ‑se as receitas dos 308 municípios e seleciona‑‑se aqueles em que os impostos diretos maior influência têm no cômputo das suas receitas correntes. Com base nos elementos da sua prestação de contas e informação publicada no site da Direção ‑Geral das Autarquias Locais, avalia ‑se o impacto deste recálculo numa seleção de municípios (11) em que o critério de seleção baseia ‑se na escolha daqueles em que os impostos diretos representam em 2011 mais de 50% das receitas correntes desse ano.

10 Naturalmente que a análise efetuada é excessivamente simplificadora, até por que a amostra considerada não foi estatisticamente testada para avaliar se poderia ser genera‑lizada à população e a a proposta de lei terá efeitos a partir de 2014, pelo que os valores base a considerar de IMT, IMI, FEF, Dívida Total e Receitas correntes têm um potencial de se revelarem bastante diferentes, com base nas medidas entretanto implementadas pelos municípios de controlo das dívidas, a aplicação da lei de compromissos e pagamento em atraso, as avaliações de imóveis com impacto no IMI, a queda da importância do IMT dada a crise imobiliária e o potencial de receita fiscal de IRS, IRC e IVA, base de cálculo do FEF, no entanto, pretende ser um contributo para uma compreensão maior do que pode estar em causa em termos financeiros com a aplicação da nova lei.

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222Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Da análise efetuada ao ano de 2011 apura ‑se que o total das recei‑tas municipais11 é de 7.752.683 milhares de euros (excluindo o saldo de gerência), sendo 7.278.399milhares de euros se forem retiradas as receitas em passivos financeiros, das quais as receitas correntes representam 73% (5.641.714 milhares de euros). Dentro destas receitas correntes, os impos‑tos diretos somam 2.113.523 milhares de euros, isto é, cerca de 37%. Esta realidade é diferente consoante o Município em causa. Em cerca de 72 municípios, os impostos diretos representam menos de 10% das receitas correntes. No entanto, em 11 municípios, como é o caso dos municípios de Almada, Aveiro, Cascais, Coimbra, Lisboa; Loulé, Maia, Oeiras, Portimão, Porto e Sintra, os impostos diretos representam um peso superior a 50% das suas receitas correntes e 37% do valor global de impostos diretos dos 308 municípios. As receitas correntes destes 11 municípios, representam per si, 25% das receitas correntes das receitas correntes agregadas.

QUADRO 1 – IMPOSTOS DIRETOS, RECEITAS CORRENTES E RECEITAS TOTAIS, EXCLUINDO SALDO DE GERÊNCIA

Fonte: PORDATA.

11 Dados retirados a 7 de janeiro de 2013 da PORDATA.

disponibilidade de dados, o ano 2011, analisa-se as receitas dos 308 municípios e seleciona-se

aqueles em que os impostos diretos maior influência têm no cômputo das suas receitas

correntes. Com base nos elementos da sua prestação de contas e informação publicada no site da

Direção-Geral das Autarquias Locais, avalia-se o impacto deste recálculo numa seleção de

municípios (11) em que o critério de seleção baseia-se na escolha daqueles em que os impostos

diretos representam em 2011 mais de 50% das receitas correntes desse ano.

Da análise efetuada ao ano de 2011 apura-se que o total das receitas municipais11 é de 7.752.683

milhares de euros (excluindo o saldo de gerência), sendo 7.278.399milhares de euros se forem

retiradas as receitas em passivos financeiros, das quais as receitas correntes representam 73%

(5.641.714 milhares de euros). Dentro destas receitas correntes, os impostos diretos somam

2.113.523 milhares de euros, isto é, cerca de 37%. Esta realidade é diferente consoante o

Município em causa. Em cerca de 72 municípios, os impostos diretos representam menos de

10% das receitas correntes. No entanto, em 11 municípios, como é o caso dos municípios de

Almada, Aveiro, Cascais, Coimbra, Lisboa; Loulé, Maia, Oeiras, Portimão, Porto e Sintra, os

impostos diretos representam um peso superior a 50% das suas receitas correntes e 37% do

valor global de impostos diretos dos 308 municípios. As receitas correntes destes 11 municípios,

representam per si, 25% das receitas correntes das receitas correntes agregadas. Impostos

directos (1)Receitas

correntes (2) (3)=(1)/ (2)Receitas, excluindo

saldo (4)

ALMADA 38.069 69.008 55% 82.767

AVEIRO 18.481 32.071 58% 39.056

CASCAIS 77.433 126.436 61% 153.204

COIMBRA 39.046 74.721 52% 97.714

LISBOA 283.956 511.226 56% 578.333

LOULÉ 45.742 73.441 62% 89.378

MAIA 31.258 56.021 56% 61.814

OEIRAS 66.073 103.363 64% 109.496

PORTIMÃO 23.546 38.803 61% 45.588

PORTO 84.846 163.915 52% 190.115

SINTRA 71.871 141.221 51% 159.940Total Municípios

seleccionados 780.321 1.390.226 56% 1.607.405

Total dos Municípios 2.113.523 5.641.714 37% 7.752.684Ponderação das

recei tas seleccionadas 37% 25% 21%

Quadro 1: Impostos Diretos, Receitas Correntes e Receitas totais, excluindo saldo de gerência.

Fonte: PORDATA

Fazendo uma análise mais detalhada do IMI e IMT, verifica-se12 que o IMT representa, na

amostra considerada, 27% dos impostos diretos e 15% das receitas correntes.

11 Dados retirados a 7 de janeiro de 2013 da PORDATA. 12 Dados extraídos da Prestação de Contas de 2011 constantes da página Web de cada um dos municípios.

Page 221: RFPDF-5-4

223Artigos

Fazendo uma análise mais detalhada do IMI e IMT, verifica ‑se12 que o IMT representa, na amostra considerada, 27% dos impostos diretos e 15% das receitas correntes.

QUADRO 2 – IMI E IMT (milhares de euros)

Fonte: Prestação de Contas dos Municípios.

Da extração de dados do site da DGAL apuram ‑se os dados relativos às transferências, com particular incidência no FEF, e verifica ‑se que, não obstante o FEF representar 76% do valor das transferências dos 308 municípios, para a amostra em causa representa 56%, sendo que no caso de alguns municípios nada representa (são os casos de Cascais, Lisboa e Oeiras). Outro aspeto a realçar é que, não obstante os municípios sele‑cionados representarem 21% do total de receitas, apenas representam 2% das transferências do FEF. Para efeitos de simplificação dos montantes a considerar, estima ‑se uma redução do FEF de 2011 de 4%, direcionado para o Fundo de Apoio Municipal, e ainda a redução prevista nas trans‑ferências do FEF que passam de 25,3% (art. 19.º da LFL) para 18,5% (art. 25.º conjugado com o art. 65.º da proposta de lei).

12 Dados extraídos da Prestação de Contas de 2011 constantes da página Web de cada um dos municípios.

(milhares de euros)

IMI IMT

IMI/ Impostos directos

IMT/ Impostos directos

IMT/Receitas Correntes

ALMADA 24.640 6.754 65% 18% 10%AVEIRO 9.705 4.442 53% 24% 14%CASCAIS 41.824 30.946 54% 40% 24%COIMBRA 24.592 8.617 63% 22% 12%LISBOA 110.093 86.769 39% 31% 17%LOULÉ 26.398 16.757 58% 37% 23%MAIA 19.106 4.610 61% 15% 8%OEIRAS 30.015 11.565 45% 18% 11%PORTIMÃO 15.619 6.703 66% 28% 17%PORTO 42.117 23.832 50% 28% 15%SINTRA 48.442 10.078 67% 14% 7%Total Municípios seleccionados 392.551 211.073 50% 27% 15%

Quadro 2: IMI e IMT

Fonte: Prestação de Contas dos Municípios.

Da extração de dados do site da DGAL apuram-se os dados relativos às transferências, com

particular incidência no FEF, e verifica-se que, não obstante o FEF representar 76% do valor

das transferências dos 308 municípios, para a amostra em causa representa 56%, sendo que no

caso de alguns municípios nada representa (são os casos de Cascais, Lisboa e Oeiras). Outro

aspeto a realçar é que, não obstante os municípios selecionados representarem 21% do total de

receitas, apenas representam 2% das transferências do FEF. Para efeitos de simplificação dos

montantes a considerar, estima-se uma redução do FEF de 2011 de 4%, direcionado para o

Fundo de Apoio Municipal, e ainda a redução prevista nas transferências do FEF que passam de

25,3% (art. 19º da LFL) para 18,5% (art. 25º conjugado com o art. 65º da proposta de lei).

FEF (1) FEF regras novas (2)Total transferências,

com IRS (3) (4)=(1)/ (3)

ALMADA 5.086 4.537 16.178 31%

AVEIRO 3.540 3.158 8.378 42%

CASCAIS 0 0 18.374 0%

COIMBRA 4.750 4.237 16.978 28%

LISBOA 0 0 59.912 0%

LOULÉ 5.961 5.317 9.208 65%

MAIA 3.888 3.468 11.710 33%

OEIRAS 0 0 16.774 0%

PORTIMÃO 1.354 1.208 4.916 28%

PORTO 1.483 1.323 25.207 6%

SINTRA 7.909 7.055 33.576 24%

Total Municípios seleccionados 33.971 30.302 221.211 56%

Total dos Municípios 1.621.011 1.556.171 2.128.810 76%

Ponderação das transferências seleccionadas 2% 2% 10%

Quadro 3: FEF e Transferências

Fonte: DGAL.

Page 222: RFPDF-5-4

224Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

QUADRO 3 – FEF E TRANSFERÊNCIAS

Fonte: DGAL.

Com base nos dados disponíveis no site da DGAL, apuram ‑se os valores do endividamento líquido e da dívida total dos municípios sele‑cionados, tendo ‑se obtido os seguintes dados donde se conclui que, no cômputo geral o novo modelo de endividamento líquido é superior em 1.436.335 milhares de euros ao modelo antigo. Curioso é observar que, se no modelo da LFL a amostra selecionada representa 18% do valor global, no novo modelo representa 23%. Ter presente que a Dívida Total não se encontra aumentada pelos montantes no proposto art. 54.º “Entidades relevantes para efeitos da dívida total” uma vez que a sua divulgação nos moldes previstos não está apurada. A existirem os dados necessários, este montante seria superior.

(milhares de euros)

IMI IMT

IMI/ Impostos directos

IMT/ Impostos directos

IMT/Receitas Correntes

ALMADA 24.640 6.754 65% 18% 10%AVEIRO 9.705 4.442 53% 24% 14%CASCAIS 41.824 30.946 54% 40% 24%COIMBRA 24.592 8.617 63% 22% 12%LISBOA 110.093 86.769 39% 31% 17%LOULÉ 26.398 16.757 58% 37% 23%MAIA 19.106 4.610 61% 15% 8%OEIRAS 30.015 11.565 45% 18% 11%PORTIMÃO 15.619 6.703 66% 28% 17%PORTO 42.117 23.832 50% 28% 15%SINTRA 48.442 10.078 67% 14% 7%Total Municípios seleccionados 392.551 211.073 50% 27% 15%

Quadro 2: IMI e IMT

Fonte: Prestação de Contas dos Municípios.

Da extração de dados do site da DGAL apuram-se os dados relativos às transferências, com

particular incidência no FEF, e verifica-se que, não obstante o FEF representar 76% do valor

das transferências dos 308 municípios, para a amostra em causa representa 56%, sendo que no

caso de alguns municípios nada representa (são os casos de Cascais, Lisboa e Oeiras). Outro

aspeto a realçar é que, não obstante os municípios selecionados representarem 21% do total de

receitas, apenas representam 2% das transferências do FEF. Para efeitos de simplificação dos

montantes a considerar, estima-se uma redução do FEF de 2011 de 4%, direcionado para o

Fundo de Apoio Municipal, e ainda a redução prevista nas transferências do FEF que passam de

25,3% (art. 19º da LFL) para 18,5% (art. 25º conjugado com o art. 65º da proposta de lei).

FEF (1) FEF regras novas (2)Total transferências,

com IRS (3) (4)=(1)/ (3)

ALMADA 5.086 4.537 16.178 31%

AVEIRO 3.540 3.158 8.378 42%

CASCAIS 0 0 18.374 0%

COIMBRA 4.750 4.237 16.978 28%

LISBOA 0 0 59.912 0%

LOULÉ 5.961 5.317 9.208 65%

MAIA 3.888 3.468 11.710 33%

OEIRAS 0 0 16.774 0%

PORTIMÃO 1.354 1.208 4.916 28%

PORTO 1.483 1.323 25.207 6%

SINTRA 7.909 7.055 33.576 24%

Total Municípios seleccionados 33.971 30.302 221.211 56%

Total dos Municípios 1.621.011 1.556.171 2.128.810 76%

Ponderação das transferências seleccionadas 2% 2% 10%

Quadro 3: FEF e Transferências

Fonte: DGAL.

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225Artigos

QUADRO 4 – FEF E TRANSFERÊNCIAS

Fonte: DGAL.

Com base nos dados assim obtidos, simula ‑se o novo limite para o endividamento líquido e confronta ‑se com o novo modelo de cálculo de endividamento (assente na dívida total, excluindo as entidade do proposto art. 54.º), tendo ‑se concluído que os municípios selecionados ultrapassam em 83 milhões de euros o limite de endividamento, sendo o município de Lisboa, a par de Portimão, Aveiro e Loulé, por ordem decrescente de importância, os responsáveis por esse resultado.

Com base nos dados disponíveis no site da DGAL, apuram-se os valores do endividamento

líquido e da dívida total dos municípios selecionados, tendo-se obtido os seguintes dados donde

se conclui que, no cômputo geral o novo modelo de endividamento líquido é superior em

1.436.335 milhares de euros ao modelo antigo. Curioso é observar que, se no modelo da LFL a

amostra selecionada representa 18% do valor global, no novo modelo representa 23%. Ter

presente que a Dívida Total não se encontra aumentada pelos montantes no proposto art. 54º

“Entidades relevantes para efeitos da dívida total” uma vez que a sua divulgação nos moldes

previstos não está apurada. A existirem os dados necessários, este montante seria superior.

Endividamento líquido (1) Dívida Total (2) (4)=(1)-(2)

ALMADA -68.008 51.136 119.144

AVEIRO 95.382 146.687 51.305

CASCAIS 52.913 85.811 32.898

COIMBRA -27.270 74.859 102.129

LISBOA 320.413 821.354 500.941

LOULÉ 68.360 101.518 33.158

MAIA 19.498 70.319 50.821

OEIRAS 5.266 56.437 51.171

PORTIMÃO 59.800 159.120 99.320

PORTO -96.203 121.838 218.041

SINTRA -19.867 157.540 177.407

Total Municípios seleccionados 410.284 1.846.619 1.436.335

Total dos Municípios 2.287.032 7.926.839 5.639.807

Ponderação 18% 23% 25%

(1) Limite ao endividamento líquido publicado no site da DGAL para 2012 que correspondeu ao valor do endividamento líquido de 31 de Dezembro de 2011(2) Dívida Total publicada no site da DGAL referente a 2011, soma de empréstimos de curto e médio e longo prazo, fornecedores e outra dívida a terceiros não financeira. Não inclui a das entidades previstas no art. 54 da proposta de lei

Quadro 4: FEF e Transferências

Fonte: DGAL.

Com base nos dados assim obtidos, simula-se o novo limite para o endividamento líquido e

confronta-se com o novo modelo de cálculo de endividamento (assente na dívida total,

excluindo as entidade do proposto art. 54º), tendo-se concluído que os municípios selecionados

ultrapassam em 83 milhões de euros o limite de endividamento, sendo o município de Lisboa, a

par de Portimão, Aveiro e Loulé, por ordem decrescente de importância, os responsáveis por

esse resultado.

(1) Limite ao endividamento líquido publicado no site da DGAL para 2012 que correspondeu ao valor do endividamento líquido de 31 de Dezembro de 2011.(2) Dívida Total publicada no site da DGAL referente a 2011, soma de empréstimos de curto e médio e longo prazo, fornecedores e outra dívida a terceiros não financeira. Não inclui a das entidades previstas no art. 54.º da proposta de lei.

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226Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

QUADRo 5 – liMiTE DE ENDiViDAMENTo VERSUS DíViDA ToTAl

Fonte: DGAL, Prestação de Contas dos Municípios e Própria.

No sentido de apurar se o IMT per si justifica esta situação, ou se a questão deriva apenas do novo modelo, adiciona ‑se o valor de IMT. Como se pode verificar, acrescentando o IMT, com base na seleção dos municípios, a situação melhora consideravelmente, verificando ‑se que na amostra ficam abaixo em 233 milhões de euros do limite mas, numa análise individual, se bem que com valores menos significativos, mantêm ‑se os resultados, à exceção de Loulé que passou a estar “acima da linha de água”.

Dívida Total (1)Receita corrente líquida 2011 (2) (3) = (2)-(1)

Receita corrente líquida x 1,5 (4) (5)=(4)-(1)

ALMADA 51.136 61.705 10.569 92.557 41.421

AVEIRO 146.687 27.247 -119.440 40.870 -105.817

CASCAIS 85.811 95.490 9.679 143.235 57.424

COIMBRA 74.859 65.591 -9.268 98.387 23.528

LISBOA 821.354 424.457 -396.897 636.686 -184.669

LOULÉ 101.518 56.040 -45.478 84.060 -17.458

MAIA 70.319 50.991 -19.328 76.487 6.168

OEIRAS 56.437 91.798 35.361 137.697 81.260

PORTIMÃO 159.120 31.954 -127.166 47.931 -111.189

PORTO 121.838 139.923 18.085 209.884 88.046

SINTRA 157.540 130.289 -27.251 195.433 37.893

Total Municípios seleccionados 1.846.619 -671.135 -83.393

(1) Dívida Total publicada no site da DGAL referente a 2011, soma de empréstimos de curto e médio e longo prazo, fornecedores e outra dívida a terceiros não financeira. Não inclui a das entidades previstas no art. 54 da proposta de lei 122/XII/2ª.(2) Receita corrente líquida : não se considerou a média dos últimos 3 anos, tendo-se apenas considerado o ano 2011, visto que considerar 2008 e 2009 faria maiores distorções à análise, mas retirou-se o IMT e corrigiu-se o FEF em 4% previsto para o FAM no art. 25º da proposta de lei 122/XII/2ª. Dado desconhecer-se os aumentos de IMI potenciais, não foi possível considerá-los nem abater a componente a distribuir pelas freguesias e entidades intermunicipais.

Quadro 5: Limite de endividamento versus Dívida Total

Fonte: DGAL, Prestação de Contas dos Municípios e Própria

No sentido de apurar se o IMT per si justifica esta situação, ou se a questão deriva apenas do

novo modelo, adiciona-se o valor de IMT. Como se pode verificar, acrescentando o IMT, com

base na seleção dos municípios, a situação melhora consideravelmente, verificando-se que na

amostra ficam abaixo em 233 milhões de euros do limite mas, numa análise individual, se bem

que com valores menos significativos, mantêm-se os resultados, à exceção de Loulé que passou

a estar “acima da linha de água”.

(1) Dívida Total publicada no site da DGAL referente a 2011, soma de empréstimos de curto e médio e longo prazo, fornecedores e outra dívida a terceiros não financeira. Não inclui a das entidades previstas no art. 54.º da proposta de lei 122/ XII/ 2.ª. (2) Receita corrente líquida: não se considerou a média dos últimos 3 anos, tendo‑se ape‑nas considerado o ano 2011, visto que considerar 2008 e 2009 faria maiores distorções à análise, mas retirou‑se o IMT e corrigiu‑se o FEF em 4% previsto para o FAM no art. 25.º da proposta de lei 122/ XII/ 2.ª. Dado desconhecer‑se os aumentos de IMI potenciais, não foi possível considerá‑los nem abater a componente a distribuir pelas freguesias e entidades intermunicipais.

Page 225: RFPDF-5-4

227Artigos

QUADRo 6 – liMiTE DE ENDiViDAMENTo VERSUS DíViDA ToTAl coM iMT

Fonte: DGAL, Prestação de Contas dos Municípios e Própria.

De acordo com dados retirados do site da DGAL, do mapa dos municípios em desequilíbrio conjuntural (nenhum dos municípios da amostra consta do mapa de desequilíbrio estrutural a 2011) encontram‑se os municípios de Aveiro, Portimão e Loulé, tendo Aveiro recorrido a contrato de saneamento financeiro e Portimão sido beneficiário do PPTH e/ou PREDE. Estes dois municípios ultrapassam em 63 e 45 milhões, respetivamente, o limite de endividamento líquido a 2011.

Conclui ‑se assim que, com o novo modelo de endividamento, para a amostra considerada, apenas se altera a situação do município de Lisboa, porque para os restantes da amostra, a sua situação já era reveladora de problemas de natureza financeira.

Dívida Total (1)

Receita corrente líquida 2011 com

IMT (2) (3) = (2)-(1)

Receita corrente líquida com IMT x

1,5 (4) (5)=(4)-(1)

ALMADA 51.136 68.459 17.323 102.688 51.552

AVEIRO 146.687 31.689 -114.998 47.533 -99.154

CASCAIS 85.811 126.436 40.625 189.654 103.843

COIMBRA 74.859 74.208 -651 111.312 36.453

LISBOA 821.354 511.226 -310.128 766.839 -54.515

LOULÉ 101.518 72.797 -28.721 109.196 7.678

MAIA 70.319 55.601 -14.718 83.402 13.083

OEIRAS 56.437 103.363 46.926 155.045 98.608

PORTIMÃO 159.120 38.657 -120.463 57.985 -101.135

PORTO 121.838 163.755 41.917 245.632 123.794

SINTRA 157.540 140.367 -17.173 210.550 53.010

Total Municípios seleccionados 1.846.619 -460.062 233.217

Quadro 6: Limite de endividamento versus Dívida Total com IMT

Fonte: DGAL, Prestação de Contas dos Municípios e Própria

De acordo com dados retirados do site da DGAL, do mapa dos municípios em desequilíbrio

conjuntural (nenhum dos municípios da amostra consta do mapa de desequilíbrio estrutural a

2011) encontram-se os municípios de Aveiro, Portimão e Loulé, tendo Aveiro recorrido a

contrato de saneamento financeiro e Portimão sido beneficiário do PPTH e/ou PREDE. Estes

dois municípios ultrapassam em 63 e 45 milhões, respetivamente, o limite de endividamento

líquido a 2011.

Conclui-se assim que, com o novo modelo de endividamento, para a amostra considerada,

apenas se altera a situação do município de Lisboa, porque para os restantes da amostra, a sua

situação já era reveladora de problemas de natureza financeira.

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COmENTáRIOSDE juRISPRuDêNCIA

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TRÉGUAS NA EXECUÇÃO

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, DE 24 DE OUTUBRO DE 2012 (PROCESSO N.º 01042/12), 2.ª SECÇÃO (RELATORA CONSELHEIRA ISABEL MARQUES DA SILVA)

Nuno de Oliveira Garcia*

Andreia Gabriel Pereira**

SUMáRIO DO ACÓRDãO:

É ilegal a constituição de penhor de créditos tributários determinada unilateralmente pela Administração tributária, após o contribuinte ter manifestado a intenção de impugnar a dívida exequenda e oferecido garantia para suspender a execução e estando pendente a apreciação da idoneidade da garantia oferecida.

Tal actuação da Administração tributária configura ‑se como violadora do princípio da boa ‑fé.

Embora a lei tributária permita à Administração, por sua iniciativa e independen‑temente de consentimento do respectivo titular, a constituição de penhor ou hipoteca legal para garantia (especial) dos créditos tributários e o n.º 1 do artigo 195.º do CPPT pareça permitir a constituição de penhor sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, a Lei Geral Tributária – que lógica e naturalmente prevalece sobre o disposto no CPPT –, exige que a constituição de tais garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida –, necessidade essa que não se verifica nos casos em que o próprio executado, voluntariamente, se oferece para prestar garantia.

COMENTáRIO

1. Com o agravar da situação económico ‑financeira de toda a socie‑dade portuguesa, com as dificuldades de tesouraria que esta implica para o Estado e para os contribuintes, não surpreende a cada vez maior impor‑

* Assistente na Faculdade de Direito da UL e Advogado.** Advogada.

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tância que têm vindo a assumir as questões relacionadas com a instauração e desenvolvimento dos processos de execução fiscal.

Entre as ditas questões destacam ‑se as atinentes às exigências da Administração fiscal quanto às formas e mecanismos de assegurar a garan‑tia dos créditos tributários; garantia essa que permite aos contribuintes (deste que contestem a legalidade ou exigibilidade da dívida) evitar o prosseguimento dos processos de execução, com as inerentes penhoras e vendas dos seus bens.

Neste âmbito, os tribunais fiscais têm vindo a assumir um papel essencial na sindicância da actuação da Administração fiscal, a qual, por natureza, se revela ávida de obter o resultado que mais rapidamente lhe possibilite a solvabilidade da dívida, designadamente, pela liquidez das garantias prestadas. Deste modo, aos contribuintes sobejará o recurso aos tribunais (e crescentemente as disputas em sede de execução fiscal tendem a terminar nos tribunais…) para a tutela dos seus direitos e de forma a evitar que a necessidade de disponibilidade de tesouraria prevaleça à melhor interpretação das normas e princípios legais e cons‑titucionais relevantes.

É nesta senda que se insere o acórdão sob anotação, cujo sumário ficou acima transcrito.

No caso a tratar, a Administração fiscal procedeu à constituição de penhor de créditos resultantes de reembolso de IVA do contribuinte, apesar de este ter anteriormente apresentado fiança para a garantia da totalidade da dívida, apresentação essa que se encontrava ainda a ser analisada pela mesma Administração. Diga ‑se, aliás, que os pedidos de constituição de garantia têm de merecer a análise célere da Administração, não se podendo eternizar com o processo de execução activo e o contribuinte à mercê de penhoras. É que o atraso na análise enquanto a execução está activa empurra o contribuinte para a difícil escolha de pagar o imposto que entende não ser devido ou enfrentar a penhora dos seus bens.

Perante esta realidade, o acórdão considera, desde logo, ser de aplicar a jurisprudência já conhecida quanto à inadmissibilidade de compensação de créditos na pendência dos prazos de defesa e de pedido de suspensão da execução mediante o oferecimento de garantia.

Na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo afirma que a constituição do penhor de créditos em causa nada mais é do que um sucedâneo daquela compensação, efectuado, dizemos agora nós, de

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233Comentários de Jurisprudência

modo a tentar contornar a jurisprudência assente no sentido da aludida inadmissibilidade.

De outro passo, a decisão vem a concordar com um prévio aresto do Supremo Tribunal Administrativo segundo o qual, apesar de não se recorrer à jurisprudência relativa à possibilidade de compensação, na pendência de pedido de dispensa de garantia (cujo regime assimila ao da submissão de garantia) não pode a Administração fiscal proceder à constituição de penhor.

Com efeito, no acórdão proferido no processo n.º 408/12, em 2 de Maio de 2012, este Supremo Tribunal, seguindo a posição do juiz conse‑lheiro Jorge Lopes de Sousa, considera que, de acordo com o artigo 169.º, n.º 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a mera dedu‑ção de reclamação graciosa ou impugnação judicial ou a interposição de recurso têm um efeito suspensivo provisório, até que termine o prazo de 15 dias que se prevê que seja concedido ao executado para a prestação de garantia; sendo que embora o mencionado n.º 7 estabeleça que, se a garantia não for prestada no prazo respectivo, se procede de imediato à penhora, ter ‑se ‑á de afastar desta estatuição nos casos em que tiver sido submetido pedido de isenção de prestação de garantia e enquanto não tiver sido proferida decisão de indeferimento.1

Ora, os factos relevantes no acórdão sob anotação são em tudo semelhantes aos que basearam aquele anterior aresto, distinguindo ‑se apenas porque em vez de ter apresentado pedido de dispensa de garantia, o contribuinte solicitou in casu a junção ao processo de fiança, como modo de obter a suspensão do processo.

Por serem as mesmas as disposições aplicáveis e idêntica a sua inter‑pretação, considera o Supremo Tribunal Administrativo, no caso em apreço na presente anotação, que na pendência da apreciação de prestação de garantia não pode ser constituído penhor legal pela Administração fiscal.

2. Ainda que assim conclua imediatamente pela ilegalidade do penhor constituído, o acórdão citado vem invocar ainda um outro funda‑

1 Note ‑se que, se assim não fosse, inutilizar ‑se ‑ia o efeito fundamental desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária. Neste sentido, v. Jorge Lopes de Sousa (Lisboa, 2011) Código do Procedimento e do Processo Tributário – Anotado e Comentado,6 Vol III, pp. 217 e 218.

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234Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

mento que impediria a Administração fiscal de efectuar aquele penhor, enquanto aprecia garantia prestada ou pedido de dispensa da mesma.

Em concreto, considera o Supremo Tribunal Administrativo que o dito comportamento da Administração se mostra ofensivo do princípio da boa ‑fé. É que, uma vez garantido o seu crédito mediante penhor ofi‑cioso e automático, a Administração fiscal não teria qualquer incentivo à emissão de decisão quanto ao pedido formulado pelo contribuinte, o que determinaria também a violação do princípio da decisão.

Esta questão foi igualmente suscitada em prévio aresto do Supremo Tribunal, em que este se pronunciou no sentido de que a Administração fiscal actua em violação do princípio da boa ‑fé ao proceder à compen‑sação de créditos após a apresentação tempestiva de requerimento para prestação de garantia idónea e em momento anterior à emissão prolação de decisão sobre o mesmo. E assim o é não tanto por frustrar a expec‑tativa de deferimento da pretensão do contribuinte, mas sim por frustrar a legítima expectativa do contribuinte de ver o seu pedido apreciado, fundada no princípio da decisão consagrado no artigo 56.º da Lei Geral Tributária. Com efeito, o dito artigo da Lei Geral Tributária determina que a Administração fiscal encontra ‑se obrigada a pronunciar ‑se sobre todos os assuntos que sejam da sua competência e que lhe sejam apresentados por qualquer meio previsto na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 089/12.

Na verdade, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores já sufragou várias vezes o entendimento de que a violação de deveres pro‑cedimentais segundo regras de boa ‑fé por parte da Administração fiscal, pode consistir em vício autónomo de violação de lei.2 O que se verifica mesmo perante a constatação de que o princípio da boa ‑fé não é um dos princípios que se encontram expressamente referidos no artigo 55.º da Lei Geral Tributária como um dos princípios do procedimento tributário; porquanto a sua aplicação em sede da actividade administrativa tributária

2 V., neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Junho de 2008, proferido no processo n.º 291/08, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Julho de 2011, proferido no processo com o n.º 589/11, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 753/11.

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235Comentários de Jurisprudência

mostra ‑se indiscutível, desde logo, considerando o disposto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual:

«[o]s órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa ‑fé» (cit.).

Precisamente no mesmo sentido, estabelece o artigo 6.º ‑A do Código do Procedimento Administrativo que:

«[n]o exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar ‑se segundo as regras da boa fé» (cit.);

«[n]o cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar ‑se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:

a) A confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) O objectivo a alcançar com a actuação empreendida» (cit.).

Alinhando pelo mesmo diapasão, referem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que:

«[t]oda a actividade da administração tributária deve subordinar ‑se ao interesse público que, relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (art. 103.°, n.° 1, da CRP). Por força do preceituado no art. 266° da CRP, esta actividade tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da impar‑cialidade e da boa fé» – cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lisboa, 2012) Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada,4 p. 445 (cit., itálico nosso).

Mais esclarecem os mencionados Autores que apesar de, tal como aflorado acima, o artigo 55.º da Lei Geral Tributária omitir a referência ao princípio da boa ‑fé:

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236Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

«a sua aplicação é imposta por aquela norma constitucional e a própria LGT supõe a sua observância no âmbito do princípio da cola‑boração entre a administração tributária e os contribuintes (art. 59.°) e concretiza a sua aplicação ao estabelecer o regime das informações vin‑culativas (art. 68.°)» – cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lisboa, 2012) Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada,4 pp. 446 (cit.).

A relevância do princípio da boa ‑fé como critério de legalidade na actuação da Administração fiscal, em especial no âmbito dos processos de execução fiscal, assume cada vez maior importância como reduto para a defesa dos direitos e interesses legítimos dos contribuintes perante uma Administração fiscal que assume uma posição tendentemente mais agressiva.

3. Retornando ao caso dos autos sob anotação, mesmo concluindo, de novo, pela ilegalidade da constituição de penhor enquanto se encontra a ser decidido pedido de prestação de garantia por se encontrar violado o princípio da boa ‑fé, o Supremo Tribunal Administrativo analisa ainda um último fundamento que arvora igualmente como justificação daquela ilegalidade.

Neste ensejo, o Supremo Tribunal Administrativo esclarece que as garantias oficiosamente constituídas pela Administração fiscal, como o penhor e a hipoteca legal, terão de se «revelar necessárias à cobrança efectiva da dívida» (cit.), o que não aconteceria no caso em que o próprio executado voluntariamente se oferece a prestar garantia e não lhe é dada a oportunidade de o fazer antes da constituição do penhor.

Este argumento baseia ‑se na prevalência da Lei Geral Tributária para com o Código de Procedimento e de Processo Tributário, concretizando, não obstante a aplicação conjugada destes diplomas permitir à Adminis‑tração fiscal a constituição por sua iniciativa de penhor ou hipoteca legal para garantia dos créditos tributários, a Lei Geral Tributária exige na que «essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida» sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável – cfr. alínea b), do n.º 2 do artigo 50.º da Lei Geral Tributária (cit.).

Vale assim dizer que, nos termos já alvitrados, o Supremo Tribunal Administrativo expõe não apenas um, mas vários fundamentos e institutos

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237Comentários de Jurisprudência

legais que permitem proteger o contribuinte da actuação da Administração fiscal, principalmente no que toca aos processos de execução fiscal. Cada um destes fundamentos poderá ser adaptado a outras situações e mostrar‑se determinante na contestação de actos praticados em sede de processos de execução fiscal.

A outro tempo, embora o Supremo Tribunal Administrativo não se pronuncie no caso em apreço sobre a natureza e idoneidade da garantia oferecida pelo contribuinte – por não ser este o objecto do processo – podemos verificar que esta se tratava de uma fiança, a qual, de acordo com os factos provados, foi recusada pela Administração fiscal.

Ora, se, tal como aflorado acima, assumem especial relevância no âmbito dos processos de execução fiscal as questões relacionadas com a prestação de garantias com vista à correspondente suspensão, entre estas tem sido largamente discutida a possibilidade de prestação de garantia mediante fiança. Com efeito, a Administração fiscal tende a privilegiar a aceitação de garantias que entende serem detentoras de «liquidez ime‑diata», como seja a garantia bancária. Sucede que, este tipo de garantia implica crescentes custos de constituição e manutenção (diferentemente do que sucedia há 4 ou 5 anos atrás, como é sabido), sendo inclusivamente mais e mais comum a recusa de prestação de garantias bancárias por ins‑tituições financeiras em casos de valores elevados.

A esta luz, os contribuintes têm recorrido a outras garantias, na maioria das vezes por envolverem menores custos de constituição e manutenção. Neste âmbito, a fiança consubstancia uma das garantias que os contribuintes procurar, crescentemente, oferecer para a suspensão do processo executivo.

Todavia, a Administração fiscal mostra ‑se relutante em aceitar a fiança como garantia idónea, não obstante muitos terem sido os casos em que o Supremo Tribunal Administrativo, confrontado com a questão, decidiu pela admissibilidade da fiança como meio susceptível de garantir os créditos tributários, nos termos do artigo 199.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo tem repetidamente recusado aceitar os argumentos da Administração fiscal em sentido contrá‑rio, impedindo, uma vez mais, que argumentos de liquidez, conveniência e preferência ponham em causa o cumprimento da lei fiscal de acordo com a constituição e os princípios que a enformam.

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É disso exemplo o acórdão emitido pelo Supremo Tribunal Admi‑nistrativo, em 19 de Setembro de 2012, no processo n.º 0909/12. Efecti‑vamente, neste processo a Administração fiscal alegava que a fiança não se encontra expressamente prevista no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT, nem tão ‑pouco nos n.º 2 e n.º 4 do mesmo artigo que, segundo a mesma Administração, concretizariam o que o legislador quis dizer quando exi‑giu que a garantia em causa fosse «susceptível de assegurar os créditos do exequente» (cit.). Ao que acresce que, de acordo com a Administração fiscal, as características da fiança, e a sua suposta menor liquidez não permitiriam qualificá ‑la como garantia idónea; alegando ‑se ainda que no caso em apreço o contribuinte não teria logrado provar a suficiência do património do pretenso fiador.

Analisando a argumentação ora resumida, o Supremo Tribunal conclui que a enunciação feita no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT é apenas exemplificativa, nada sustenta a interpretação da Administração fiscal de que, quando o legislador se refere no final daquele número a «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente» (cit.) o faça ape‑nas para as garantias ínsitas nos n.os 2 e 4 do mesmo artigo.

E mais, o Supremo Tribunal Administrativo não teve dúvidas de que a citada expressão legal se mostra suficientemente aberta para abranger a fiança, como garantia especial das obrigações expressamente prevista no Código Civil.

Nem podia, a nosso ver, ser de outro modo, pois as características da fiança não põem em causa a sua idoneidade; nem mesmo o seu carácter subsidiário (que permite que o fiador tenha direito de se opor à execução do seu património enquanto não estiver excutido o património do devedor principal), posto que este nunca conflitua com a característica essencial da acessoriedade – é que o fiador nunca deixa de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito (cfr. artigo 627.º do Código Civil), podendo ser chamado a cumprir mesmo antes mesmo do devedor (cfr. artigo 641.º do Código Civil).

Quanto à efectiva susceptibilidade e suficiência do património do fiador para a garantia da dívida tributária em causa, o Supremo Tribunal Administrativo determina que estas devem ser apreciadas em concreto. Pois bem, se a susceptibilidade e suficiência do património do fiador são afirmadas pelo contribuinte, então caberá à Administração fiscal solicitar os elementos que considere necessários e, caso assim o entenda, contestar

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essas mesmas susceptibilidade e suficiência. No entanto, tal contestação terá, ela própria de ser concreta e não se basear em considerações genéricas atinentes, nomeadamente, ao tipo de sociedade em causa ou a eventuais acontecimento fortuitos e futuros que possam alterar o montante da garan‑tia. A suspensão, ou não, do processo de execução fiscal tornou ‑se uma questão cada vez mais crucial – e potencialmente fracturante – na relação entre contribuinte e Administração, pelo que a análise administrativa dos termos e viabilidade das garantias deve ser a mais instruída, completa e transparente possível.

De outro passo, na sequência de aresto anterior, invoca ainda o Supremo Tribunal Administrativo o necessário respeito pelos princípios que devem pautar a actuação da Administração fiscal. Desta feita, o Supremo Tribunal Administrativo destaca o princípio da proporcionali‑dade, que apontará no sentido de que terão de ser ponderados pela Admi‑nistração os interesses em jogo, não sendo admissível que, sem mais, os interesses dos contribuintes sejam totalmente desconsiderados.

4. Tudo visto, não podemos deixar de manifestar a nossa concor‑dância não só com a jurisprudência plasmada no acórdão de que se dá conta, mas igualmente com aquela que resulta dos restantes acórdãos também já referidos. Todas as citadas decisões têm em comum o facto de interpretarem as normas relativas à execução fiscal de forma equilibrada, procurando conter a actuação da Administração fiscal no respeito das normas e princípios legais que visam a tutela direitos e interesses dos particulares. Num momento em que se combina a necessidade de receita fiscal (em queda nos últimos anos e, de forma muito abrupta, em 2012) com o progressivo aumento dos meios humanos e técnicos ao dispor da Administração, tem sido a jurisprudência do Supremo Tribunal Adminis‑trativo a evitar aquilo que se designa, em linguagem meteorológica, uma tempestade perfeita.

Por isso, a jurisprudência resultante dos aludidos arestos mostra ‑se crescentemente fundamental perante uma conjuntura económico ‑financeira manifestamente desfavorável e que coloca a Administração fiscal constan‑temente pressionada à obtenção de garantias que lhe possibilitem obter a solvabilidade e liquidez imediata dos seus créditos.

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TRATADO SOBRE O MECANISMO EUROPEU DE ESTABILIDADE

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, PROCESSO C ‑370/2012, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2012

Nuno Cunha Rodrigues*

SUMáRIO DO ACÓRDãO:

“O pedido de decisão prejudicial tem por objeto, por um lado, a validade da Decisão 2011/199/UE do Conselho Europeu, de 25 de março de 2011, que altera o artigo 136.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no que respeita a um mecanismo de estabilidade para os Estados‑Membros cuja moeda seja o euro (JO L 91, p. 1), e, por outro, a interpretação dos artigos 2.° TUE, 3.° TUE, 4.°, n.° 3, TUE, 13.° TUE, 2.°, n.° 3, TFUE, 3.°, n.os 1, alínea c), e 2, TFUE, 119.° TFUE a 123.° TFUE e 125.° TFUE a 127.° TFUE, bem como dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de uma sentença da High Court (Irlanda), interposto por T. Pringle, membro do parlamento irlandês, contra o Government of Ireland, Ireland e Attorney General e destinado a obter a declaração, por um lado, de que a alteração do artigo 136.° TFUE pelo artigo 1.° da Decisão 2011/199 constitui uma alteração ilegal do Tratado FUE e, por outro, de que, ao ratificar, aprovar ou aceitar o Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade entre o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a República de Chipre, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Eslovénia, a República Eslovaca e a República da Finlândia, celebrado em Bruxelas, em 2 de fevereiro de 2012 (a seguir «Tratado MEE»), a Irlanda assumiu obrigações incompatíveis com os Tratados em que se funda a União Europeia.”

* Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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242Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ENQUADRAMENTO

O Conselho Europeu adotou, em 25 de março de 2011, a Decisão 2011/1991, que prevê o aditamento ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) de uma nova disposição – o artigo 136.º, n.º 2 – segundo a qual os Estados ‑Membros, cuja moeda é o euro, podem criar um mecanismo a acionar caso seja indispensável para salvaguardar a estabilidade da zona euro no seu todo.

Esta nova disposição prevê igualmente que a concessão de qualquer assistência financeira necessária ao abrigo do mecanismo fique sujeita a rigorosa condicionalidade.

A alteração do Tratado entrou em vigor a 1 de janeiro de 2013, sob reserva da sua aprovação pelos Estados ‑Membros em conformidade com as respetivas regras constitucionais.

Subsequentemente à aprovação da Decisão, os Estados da zona euro celebraram, em 2 de fevereiro de 2012, o Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), o qual tem personalidade jurídica.

O MEE visa reunir fundos e prestar apoio de estabilidade, sob rigo‑rosa condicionalidade adequada ao instrumento de assistência financeira escolhido, aos seus membros que estejam a ser afetados ou ameaçados por graves problemas de financiamento.

Esse apoio só pode ser concedido se for indispensável para salva‑guardar a estabilidade financeira da zona euro no seu todo e dos seus Estados ‑Membros.

Por outro lado, para beneficiarem da assistência do MEE, os Estados devem ratificar o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Orçamental e, consequentemente, transpor para o direito interno a regra de equilíbrio orçamental.

O MEE está autorizado a reunir fundos através da emissão de instru‑mentos financeiros ou da celebração de acordos ou convénios financeiros ou de outra natureza com os seus membros, instituições financeiras ou terceiros. A capacidade de financiamento máxima foi fixada inicialmente em 500 mil milhões de euros. A rigorosa condicionalidade a que qualquer

1 Decisão 2011/199/EU do Conselho Europeu, de 25 de março de 2011, que altera o artigo 136.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no que respeita a um mecanismo de estabilidade para os Estados Membros cuja moeda seja o euro (JO L 91, p. 1).

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243Comentários de Jurisprudência

apoio deve estar sujeito pode variar, designadamente, entre um programa de ajustamento macroeconómico e o cumprimento continuado de condi‑ções de elegibilidade preestabelecidas.

Neste contexto, T. Pringle, membro do parlamento irlandês, alegou que a alteração do TFUE por decisão do Conselho – ou seja, através do processo de revisão simplificado – seria ilegal sustentando que comportaria uma alteração das competências da União e seria incompatível com as disposições dos Tratados em que se funda a União Europeia, relativas à União Económica e Monetária, bem como à luz dos princípios gerais do direito da União. Além disso, T. Pringle alegou que, ao ratificar, aprovar ou aceitar o Tratado MEE, a Irlanda assumiu obrigações incompatíveis com os referidos Tratados.

Deste modo, o Supremo Tribunal da Irlanda decidiu suspender a instância e interrogar o Tribunal de Justiça sobre a validade da Decisão 2011/199 do Conselho Europeu e sobre a compatibilidade do MEE com o direito da União.

Neste acórdão o Tribunal declarou que a Decisão 2011/199 não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a sua validade.

Além disso, o Tribunal declarou que as disposições do TUE e do TFUE, bem como o princípio geral da tutela jurisdicional efetiva, não se opõem à celebração e à ratificação do Tratado MEE.

Por outro lado, o Tribunal acrescentou que o direito de um Estado‑‑Membro celebrar e ratificar este Tratado não está dependente da entrada em vigor da Decisão 2011/199.

COMENTáRIO

Neste acórdão, o Tribunal de Justiça começa por analisar a Decisão do Conselho n.º 2011/199.

Através desta Decisão, o Conselho fez uso da possibilidade de alterar o TFUE através de um processo simplificado (isto é, sem convocar uma Convenção composta por representantes dos Parlamentos nacionais, dos chefes de Estado ou de Governo dos Estados ‑Membros, do Parlamento Europeu e da Comissão).

De harmonia com o artigo 48.º, n.º 6 do Tratado da União Europeia, o Governo de qualquer Estado ‑Membro, o Parlamento Europeu ou a

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244Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Comissão podem submeter ao Conselho Europeu projectos de revisão de todas ou de parte das disposições da terceira parte do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativas às políticas e acções inter‑nas da União. No entanto, a decisão não pode aumentar as competências atribuídas à União pelos Tratados.

Ora, segundo o Tribunal, a alteração contestada tem por objeto – tanto do ponto de vista formal como substancial – as políticas e ações internas da União, pelo que cumpre aquelas condições.

Em primeiro lugar, a alteração controvertida não usurpa a competên‑cia exclusiva reconhecida à União (primeira parte do TFUE) no domínio da política monetária dos Estados ‑Membros cuja moeda é o euro.

O Tribunal invoca, de forma algo excessiva em nosso entender, argumentos de natureza literal que atendem à distinção entre política monetária, por um lado, e política económica, por outro lado.

Referindo‑se à primeira – política monetária – o Tribunal reconhece que o objetivo primordial desta política prevista no TFUE é a manutenção da estabilidade dos preços.

Ora o Tribunal entende que o Tratado que cria o MEE prossegue um objetivo claramente distinto: a estabilidade da zona euro no seu todo, o qual não pode ser equiparado a um objectivo de política monetária.

Desde logo porque o simples facto de esta medida de política eco‑nómica ser suscetível de ter efeitos indiretos na estabilidade do euro não permite a sua equiparação a uma medida de política monetária.

Por outro lado, não é evidente que os meios previstos para alcançar o objetivo prosseguido pelo MEE, de assegurar uma assistência financeira a um Estado ‑Membro, façam parte da política monetária.

Para o Tribunal, o MEE constitui antes um elemento complementar do novo quadro regulamentar para o reforço da governança económica da União na medida em que institui uma coordenação e uma fiscalização mais apertadas das políticas económicas e orçamentais seguidas pelos Estados ‑Membros e visa consolidar a estabilidade macroeconómica e a viabilidade das finanças públicas não tendo por objetivo a manutenção da estabilidade dos preços.

Está assim em causa um quadro de natureza preventiva, na medida em que visa reduzir, tanto quanto possível, o risco de crises da dívida soberana, a criação do MEE visa gerir as crises financeiras que, apesar das ações preventivas tomadas, possam no entanto surgir.

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245Comentários de Jurisprudência

O MEE, reconhece o Tribunal, não está habilitado a fixar as taxas de juro diretoras para a zona euro nem a emitir euros: a assistência financeira que concede deve ser financiada na sua totalidade por capital liberado ou pela emissão de instrumentos financeiros e, acrescenta, mesmo admitindo que as atividades do MEE possam influenciar o nível da inflação, essa influência constituiria apenas a consequência indireta das medidas de política económica adotadas.

Por conseguinte, conclui o Tribunal, o MEE faz parte do domínio da política económica e não da política monetária.

Acresce que a alteração controvertida também não afeta a com‑petência reconhecida à União (primeira parte do TFUE) no domínio da coordenação das políticas económicas dos Estados ‑Membros.

Para o Tribunal, as disposições do TUE e do TFUE não conferem competência específica à União para instituir um mecanismo de estabili‑dade como o previsto pela Decisão 2011/199, sendo os Estados ‑Membros cuja moeda é o euro competentes para celebrar entre si um acordo sobre a criação de um mecanismo de estabilidade.

Por outro lado – acrescenta o Tribunal – a rigorosa condicionalidade a que a alteração controvertida do TFUE sujeita a concessão de uma assis‑tência financeira pelo MEE visa assegurar que, no seu funcionamento, este mecanismo respeitará o direito da União, incluindo as medidas tomadas pela União no âmbito da coordenação das políticas económicas dos Estados ‑Membros.

Quanto à segunda condição para se poder recorrer ao processo de revisão simplificado, ou seja, que a alteração do TFUE não aumente as competências atribuídas à União pelos Tratados, o Tribunal também entende que está cumprida.

Com efeito, a alteração em causa não cria uma base jurídica com vista a permitir à União empreender uma ação que não era possível ante‑riormente.

Assim, e embora o MEE recorra a instituições da União, designada‑mente à Comissão e ao BCE, essa circunstância não é, em qualquer caso, suscetível de afetar a validade da Decisão 2011/199, que se limita a prever a criação de um mecanismo de estabilidade para os Estados ‑Membros e nada dispõe sobre um papel eventual das instituições da UE nesse contexto.

Por outro lado, o Tribunal examinou igualmente se determinadas disposições do TUE e do TFUE, bem como o princípio geral da tutela

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jurisdicional efetiva se opõem à celebração entre os Estados ‑Membros cuja moeda é o euro de um acordo como o Tratado MEE.

Aqui estariam em causa as disposições do TFUE relativas à competên‑cia exclusiva da União em matéria de política monetária e para celebrar um acordo internacional; em seguida, disposições do TFUE relativas à política económica da União e, por último, disposições do TUE que obrigam os Estados ‑Membros a uma cooperação leal e prevêem que cada instituição atua nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados.

O Tribunal responde negativamente a todas estas questões.No que respeita à competência exclusiva da União no domínio da

política monetária dos Estados ‑Membros cuja moeda é o euro, o Tribunal reitera que esta política visa a manutenção da estabilidade dos preços sendo que as medidas previstas no Tratado do MEE não fazem parte desta política, como vimos anteriormente.

Quanto à competência exclusiva da União para celebrar acordos internacionais quando essa celebração é suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas, o Tribunal declara que nenhum dos argumentos que foram aduzidos neste contexto revelou que um acordo como o MEE tivesse tais efeitos.

Relativamente à competência da União para coordenar a política eco‑nómica, o Tribunal reiterou que os Estados ‑Membros são competentes para celebrar entre si um acordo que cria um mecanismo de estabilidade como o Tratado MEE, desde que os compromissos assumidos pelos Estados‑‑Membros contratantes no âmbito desse acordo respeitem o direito da União.

Ora, considera o TJUE, o MEE não tem por objeto a coordenação das políticas económicas dos Estados ‑Membros, mas constitui um meca‑nismo de financiamento. Além disso, a rigorosa condicionalidade a que qualquer apoio deve estar sujeito, e que pode assumir a forma de um programa de ajustamento macroeconómico, não constitui um instrumento de coordenação das políticas económicas dos Estados ‑Membros, mas visa assegurar a compatibilidade das atividades do MEE, designadamente com a cláusula de «não resgate»2 do TFUE e com as medidas de coordenação tomadas pela União.

2 Para o Tribunal, a cláusula de «não resgate», segundo a qual a União ou um Estado‑‑Membro não é responsável pelos compromissos de outro Estado‑Membro nem assumirá esses compromissos, não visa proibir a concessão de qualquer forma de assistência finan‑

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247Comentários de Jurisprudência

Por outro lado o TJUE afirma que o Tratado MEE não afetou a com‑petência do Conselho da União Europeia para adotar recomendações rela‑tivamente a um Estado ‑Membro que seja afetado por um défice excessivo.

O TJUE considerou que o Tratado que cria o MEE contém disposi‑ções que visam, precisamente, assegurar que qualquer assistência finan‑ceira concedida pelo MEE será compatível com medidas de coordenação.

Também a proibição de concessão de créditos sob a forma de des‑cobertos ou sob qualquer outra forma, pelo BCE ou pelos bancos centrais dos Estados ‑Membros em benefício de autoridades e organismos públicos da União e dos Estados ‑Membros, bem como de compra direta de títulos de dívida a essas entidades não é, para o Tribunal, contornada pelo MEE.

Esta proibição tem especificamente por destinatários o BCE e os bancos centrais dos Estados ‑Membros pelo que a concessão de uma assistência financeira por um Estado ‑Membro ou por um conjunto de Estados ‑Membros a outro Estado ‑Membro não está portanto abrangida pela referida proibição.

Por último, e relativamente ao princípio da cooperação leal, o Tribu‑nal considera que o MEE não infringe as disposições do TFUE relativas à política económica e monetária e contém disposições que garantem que respeitará o direito na União no exercício das suas funções, pelo que o MEE também não viola aquele princípio.

Por outro lado, o Tribunal declara que a atribuição, pelo Tratado MEE, de novas funções à Comissão, ao BCE e ao Tribunal é compatível com as suas atribuições definidas nos Tratados.3

ceira pela União ou pelos Estados‑Membros em benefício de outro Estado‑Membro pro‑curando antes assegurar que os Estados‑Membros respeitam uma política orçamental sã, garantindo que estes permanecem sujeitos à lógica do mercado quando contraem dívi‑das. Por conseguinte, não proíbe a concessão de assistência financeira por um ou vários Estados‑Membros a um Estado‑Membro que continue a ser responsável pelos seus pró‑prios compromissos perante os seus credores e desde que as condições a que essa assis‑tência esteja sujeita possam incitar este último a implementar uma política orçamental sã.

3 O Tribunal sublinha, designadamente, que as funções confiadas à Comissão e ao BCE no âmbito do Tratado MEE não comportam um poder de decisão próprio e que as atividades exercidas por estas duas instituições no âmbito do mesmo Tratado só vin culam o MEE. No que lhe diz respeito, o Tribunal sublinha que é competente para decidir sobre qualquer diferendo entre os Estados ‑Membros relacionado com o objeto dos Tratados, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso, e que nada impede que esse acordo seja dado previamente, por referência a uma categoria de diferendos predefinidos.

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Além disso, o Tribunal declarou que o princípio geral da tutela juris‑dicional efetiva também não se opõe ao MEE.

O Tribunal justifica este entendimento porque, quando criam um mecanismo de estabilidade como o MEE, para cuja criação o TUE e o TFUE não atribuem nenhuma competência específica à União, os Estados‑‑Membros não aplicam o direito da União, de modo que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que garante a qualquer pessoa uma tutela jurisdicional efetiva, não é aplicável.

Trata ‑se de um acórdão proferido num prazo muito curto – atendendo à urgência de análise da questão – em que o TJUE faz uma apreciação, quer da Decisão 2011/199, quer do Tratado sobre o MEE que, independen‑temente de se concordar com as conclusões finais é, em nosso entender, alicerçada em argumentos excessivamente literais, na medida em que se refugia, em síntese, na distinção formal entre política monetária – enquanto competência da União Europeia – e política económica – na medida em que a estabilidade da zona euro no seu todo não pode ser equiparada a um objectivo de política monetária – o que implica o risco de se poder con‑siderar que a política monetária se insere num círculo maior que abrange o círculo da política económica da União o que, a aceitar‑se, implicaria a rejeição da conclusão postulada pelo Tribunal…

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A DESCONFORMIDADE EUROPEIA DA REGULAÇÃO NACIONAL DE TRIBUTAÇÃO À SAÍDA DE PESSOAS COLETIVAS: O CASO PORTUGUêS C ‑38/10

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 6 DE SETEMBRO DE 2012, COMISSÃO/PORTUGAL, C ‑38/10

João Menezes Leitão*

SUMáRIO DO ACÓRDãO:

“Ao adotar e manter os artigos 76.º ‑A e 76.º ‑B do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aplicáveis em caso de transferência, por uma socie‑dade portuguesa, da sua sede e da sua direção efetiva para outro Estado ‑Membro, ou em caso de transferência, por uma sociedade não residente em Portugal, de uma parte ou da totalidade dos ativos afetos a um estabelecimento estável português, de Portugal para outro Estado ‑Membro, que preveem a tributação imediata das mais ‑valias não realizadas relativas aos ativos em causa, mas não a das mais ‑valias não realizadas resultantes de transações puramente nacionais, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° TFUE”.

COMENTáRIO

I. O caso e os seus contornos

1. Após ter caído a cortina sobre o caso National Grid Indus (NGI)1, a nova récita sobre a tributação à saída de pessoas colectivas em face do Direito Europeu foi encenada em palco português: o processo C ‑38/10, que constituiu uma ação por incumprimento (cfr. atual art. 258.º do TFUE) em que a Comissão Europeia pediu ao Tribunal de Justiça (TJ) para declarar que “a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incum‑

* Jurista. Mestre em Direito.1 Sobre o qual remete ‑se para o nosso “Saídas para a tributação à saída de socie‑

dades na União Europeia” nesta Revista, ano V, n.º 2, pp. 269 e segs.

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250Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

bem por força do artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 31.° do Acordo EEE ao adoptar e manter disposições legislativas, constantes dos artigos 76.° ‑A, 76.° ‑B e 76.° ‑C do Código por‑tuguês do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (CIRC), ao abrigo das quais, em caso de transferência da sede e da direção efetiva de uma empresa portuguesa para outro Estado ‑Membro ou de cessação de atividades em Portugal de um estabelecimento estável ou de transferên‑cia dos seus ativos em Portugal para outro Estado ‑Membro: – a matéria colectável do exercício em que esse acontecimento ocorre inclui todas as mais ‑valias não realizadas relativas aos ativos em causa, ao passo que as mais ­valias não realizadas decorrentes de transações exclusivamente nacionais não são incluídas na matéria colectável; – os sócios de uma sociedade que transfira para fora do território português a sua sede e direção efetiva ficam sujeitos a uma tributação baseada na diferença entre o valor dos ativos líquidos da sociedade (calculado à data da transferência e a preços de mercado) e o preço de aquisição das respectivas partes sociais”.

Deste modo, mediante este processo por incumprimento, foi posta à prova, de modo específico e direto, a conformidade com o Direito Europeu da regulação portuguesa de “tributação de saída”, então constante dos arts. 76.º ‑A a 76.º ‑C do CIRC e hoje objecto dos arts. 83.º a 85.º do CIRC, no que tange à sua aplicação em relação a outro Estado ‑Membro da UE ou a Estado parte do Acordo EEE.

2. Atento o pedido formulado, perspectivava ‑se que o TJ fosse desenrolar uma trama mais vasta do que aquela que esteve presente no acórdão NGI: i) por um lado, o juízo de incumprimento requerido alargava‑se ao âmbito do EEE, mediante a alegação de uma infracção ao art. 31.º do Acordo EEE; ii) por outro lado, o exame solicitado sobre a solução constante do art. 76.º ‑C (atual art. 85.º) do CIRC colocava a temática da compatibilidade com o Direito Europeu da tributação à saída de sociedades não apenas no nível imediato da própria pessoa colectiva, mas igualmente no plano subjacente dos respectivos sócios.

Estas personagens inicialmente chamadas foram, porém, empurradas sem complacência para fora do palco: na sequência das Conclusões do Advogado ‑Geral Paolo Mengozzi apresentadas em 28 de junho de 2012 (n.os 11 a 21), o TJ, pela via da inadmissibilidade da ação, desembaraçou‑se daquelas acusações da Comissão.

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3. Assim, no que concerne à acusação de violação do art. 31.º do Acordo EEE, muito embora a República Portuguesa não tenha suscitado qualquer objecção a esse propósito, o Tribunal, constatando que na Carta de Notificação para Cumprir com que a Comissão instaurara o processo de infração não se fazia específica referência àquela disposição, mas tudo se limitava ao então art. 43.º CE (atual art. 49.º TFUE), só surgindo a invocação do art. 31.º do Acordo EEE no Parecer Fundamentado, decidiu oficiosamente, dado que a regularidade do procedimento pré ‑contencioso constitui uma “garantia essencial pretendida pelo Tratado CE, não apenas para a proteção dos direitos do Estado ‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que um eventual processo contencioso venha a ter por objeto um litígio claramente definido” (n.º 16 do acórdão), que ocorria a irregularidade de ampliação do objecto do litígio no decurso do proce‑dimento pré ‑contencioso, pelo que considerou inadmissível a alegação relativa à violação do Acordo EEE.

Desta forma, permanece atualmente a dúvida sobre se é possível reputar justificada a cobrança imediata do imposto à saída em relação a Estado parte do Acordo EEE, tendo em conta que, muito embora devam ser interpretadas de modo uniforme e em conformidade com a jurispru‑dência pertinente do TJ as normas deste Acordo EEE que sejam idênticas, quanto ao seu conteúdo, às normas correspondentes do Tratado (cfr. art. 6.º do Acordo EEE; vd., também, por exemplo, o acórdão de 26 de Outubro de 2006, Comissão/Portugal, C ‑345/05, n.os 39 a 41), como sucede com o art. 31.º do Acordo EEE em relação ao atual art. 49.º do TFUE (vd. o acórdão de 23 de outubro de 2008, Krankenheim Ruhesitz am Wannsee‑‑Seniorenheimstatt, C ‑157/07, n.º 24), o Tribunal sinalizou que a jurispru‑dência respeitante às restrições ao exercício das liberdades de circulação dentro da União não pode ser inteiramente transposta para as liberdades garantidas pelo Acordo EEE, uma vez que o exercício destas liberdades se inscreve num contexto jurídico diferente, designadamente no que concerne ao quadro de cooperação existente, por força do direito derivado da União, entre as autoridades competentes dos Estados ‑Membros (cfr. os acórdãos de 19 de julho de 2012, A, C ‑48/11, n.os 34 e 35 e de 28 de outubro de 2010, Établissements Rimbaud, C ‑72/09, n.os 40 e 41). Pois bem, a nosso ver, a aplicação no EEE de soluções análogas àquelas que se pretendem fazer valer no âmbito da UE para a tributação à saída tem que se colocar, no mínimo, na dependência da verificação da existência de instrumentos de

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assistência mútua à cobrança de créditos inteiramente equiparáveis aos da UE (cfr. o acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C ‑269/09, n.os 96 a 99), pois, de outro modo, o pagamento diferido do imposto não passará de ideia platónica sem remota tradução no mundo sensível.

4. Quanto à acusação respeitante ao regime aplicável aos sócios, o TJ julgou inadmissível esta alegação com base no seguinte: “a Comissão não explicou de forma suficientemente precisa de que modo o artigo 76.º ­C do CIRC, que prevê a tributação imediata dos sócios, pelas mais ­valias não realizadas relativas a participações no capital de sociedades, por ocasião da transferência da sua sede e da sua direção efetiva para outro Estado ‑Membro, é suscetível de constituir um entrave à liberdade de estabelecimento das sociedades em questão” (n.º 19 do acórdão).

Não se vê, na verdade, que a Comissão tenha apresentado elementos de direito e de facto suficientes para permitir apreender, com suficiente exatidão, o alcance da infracção à liberdade de estabelecimento imputada a propósito da situação tributária dos sócios2.

Desde logo, não se detecta qualquer alusão ao quadro das soluções acordadas por Portugal em sede de convenções para evitar a dupla tribu‑tação com os Estados ‑Membros da UE3, o que se diria fundamental para apurar a existência efetiva da infracção alegada quanto a este âmbito dos sócios. É que o art. 76.º ‑C, atual art. 85.º, do CIRC – que, atendendo à ratio de preservação dos poderes de tributação em que assenta, se deve entender, por interpretação restritiva, apenas aplicável aos sujeitos passivos de IRC não residentes objecto de tributação em termos de “tratamento isolado dos rendimentos” – encontra ‑se em ligação direta com o art. 4.º, n.º 3, alínea b) do CIRC, na parte em que considera rendimentos obtidos em território português os “ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direção efetiva em território português, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital”, pretendendo, justamente, evitar o desapareci‑mento dos direitos de tributação sobre estes ganhos respeitantes a partes

2 Cfr. os n.os 18 a 21 das Conclusões do Advogado ‑Geral.3 Recorde ‑se que, à data do processo, Portugal possuía convenções para evitar a

dupla tributação com todos os Estados ‑Membros da UE, com exceção de Chipre, bem como com todos os Estados parte do Acordo EEE, com exceção do Liechtenstein.

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sociais por a sociedade deixar de ser residente (cfr., no entanto, o art. 27.º do EBF). Só que estas disposições são, evidentemente, precludidas pelas soluções contrastantes das convenções fiscais celebradas por Portugal, que seguem, em norma, o Modelo OCDE, do que resulta que o direito de tributar as mais ‑valias mobiliárias em geral pertence exclusivamente ao Estado de residência do alienante (art. 13.º, n.º 5 do Modelo OCDE), assim como pertence à competência exclusiva do Estado da residência do contribuinte a tributação relativa aos “outros rendimentos” (art. 21.º, n.º 1 do Modelo OCDE). Em consequência, quer se considere que as mais ‑valias latentes se compreendem no art. 13.º, n.º 5 do Modelo OCDE, quer se entenda que este artigo só se reporta a mais ‑valias realizadas (“ganhos provenientes da alienação”), pelo que as mais ‑valias latentes se devem incluir no art. 21.º do Modelo4, sempre se concluiria que, perante a consagração destas soluções em convenções fiscais, ficava afastada a operacionalidade do art. 76.º ‑C do CIRC. Nestes termos, o teor das con‑venções fiscais celebradas por Portugal com outros Estados ‑Membros da UE poderia inviabilizar à partida a associação do art. 76.º ‑C a um entrave à liberdade de estabelecimento.

Compreende ‑se, por tudo isto, que a apreciação do mérito da ação tenha sido restringida às disposições constantes dos arts. 76.º ‑A e 76.º ‑B, atuais arts. 83.º e 84.º, do CIRC.

II. A desconformidade com o Direito Europeu da regulação nacional

5. A observação imediata que, quanto ao mérito, se colhe desta nova encenação sobre exit taxation, realizada pelo acórdão em apreço a propósito do regime português de tributação imediata das mais ‑valias acumuladas sobre os ativos de sociedades que deslocam a sua sede e direção efetiva para fora do território português ou sobre os ativos de estabelecimentos estáveis de entidades não residentes que cessam a sua atividade em território português ou que são objecto de transferência para fora desse território, é que o leading case NGI constitui a cenografia natural e fatal em que se tem de movimentar qualquer peça que envolva esta espécie de enredo.

4 Cfr. os comentários n.os 8 e 9 ao artigo 13.º do Modelo OCDE.

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Com efeito, para satisfazer o permanente dilema em que vive no campo da tributação direta – por um lado, assegurar que as liberdades fundamentais reconhecidas pelo Tratado são devidamente fruídas sem discriminações ou restrições injustificadas, mas, por outro lado, acautelar o exercício equilibrado das competências de tributação próprias dos Estados‑‑Membros – o TJ construiu no acórdão NGI um modelo de decisão sobre a conformidade europeia da tributação de saída de sociedades susceptível de valer para todas as regulações nacionais pertinentes na UE.

Este modelo de decisão NGI (que foi qualificado pelo Advogado‑‑Geral como “uma solução equilibrada”5) pode sumariar ‑se nos seguintes elementos:

i) a aplicação pelos sistemas fiscais nacionais de uma tributação de saída de sociedades, muito embora represente um obstáculo em princípio proibido à liberdade de estabelecimento, dado implicar um encargo financeiro imediato que não ocorre em operações internas comparáveis, tem justificação na razão imperiosa de interesse geral da salvaguarda da repartição equilibrada dos poderes tributários;

ii) em atenção ao princípio da proporcionalidade, os Estados‑‑Membros podem proceder, no momento da transferência da sede efetiva de uma sociedade, ao definitivo apuramento/liquidação do imposto devido sobre as mais ‑valias acumuladas enquanto a sociedade esteve sujeita à respectiva jurisdição fiscal, mas já não é admissível que se imponha, obrigatória e inelutavelmente, a cobrança imediata à saída do encargo tributário assim apurado;

iii) por ser menos lesivo da liberdade de estabelecimento, deve, quanto à cobrança do imposto, pelo menos prever ‑se uma opção para a sociedade, se nisso convier, de diferir o pagamento do imposto para momento subsequente à saída da esfera de com‑petência tributária do Estado de origem, designadamente o momento da realização efetiva do ativo;

iv) no caso da escolha pelo contribuinte, em vez do pagamento imediato à saída, da cobrança diferida do imposto, é, em abs‑tracto, legítimo que as autoridades fiscais exijam, para além do

5 Vd. n.º 44 das respectivas Conclusões.

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cumprimento das obrigações declarativas indispensáveis para monitorar a situação dos ativos, designadamente declaração anual sobre a manutenção da titularidade e posse dos ativos e declaração relativa à disposição efetiva dos ativos, a prestação de garantia bancária adequada e a cobrança de juros segundo a legislação nacional aplicável.

A aplicação à regulação nacional deste modelo de decisão NGI signi‑ficava inevitavelmente a ilegitimidade europeia do disposto no art. 76.º ‑A do CIRC, como, aliás, Portugal reconheceu em resposta a questão colocada pelo TJ sobre as consequências para o caso do acórdão NGI (vd. n.os 12, 13 e 33 do acórdão).

Deste modo, era em relação à disposição do art. 76.º ‑B do CIRC que se aguardava uma resolução clarificadora do TJ. Pois bem, ainda que isso não seja explicitamente assumido no acórdão em apreço (cfr., porém, no n.º 121 das Conclusões do Advogado ‑Geral a menção expressa à “opção da cobrança diferida”), julgamos que o influxo dogmático que especifi‑camente se pode imputar relativamente a esta decisão prende ‑se com a transposição para os casos de transferência total ou parcial dos ativos de um estabelecimento estável do mencionado modelo de decisão NGI, elaborado a respeito da transferência da residência fiscal de uma sociedade.

6. Merece ser destacado, no processo vertente, que o reconheci‑mento por Portugal da valia, em face da regulação nacional, do modelo de decisão NGI não foi feito sem previamente esgrimir – ainda que sem sucesso – o argumento da inexistência de uma diferença de tratamento entre operações internas e transfronteiriças quanto à tributação de mais‑‑valias não realizadas em atenção ao disposto no art. 43.º, n.º 1 e n.º 3, al. c) do CIRC (atual art. 46.º) sobre a afectação permanente de elementos do ativo imobilizado a fins alheios à atividade exercida.

Com base neste art. 43.º, n.º 1, in fine, foi alegado que as disposições dos arts. 76.º ‑A e 76.º ‑B do CIRC assentavam num pressuposto estrutural homogéneo ao sistema nacional: a tributação de mais ‑valias acumuladas nos casos em que os bens sejam excluídos da sua afectação empresarial geradora de rendimentos tributáveis em IRC. A cessação de atividade de entidade com sede ou direção efetiva em território português por virtude de a sede e a direção efetiva deixarem de se situar nesse território sem que

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nele se mantenha um estabelecimento estável da mesma entidade, bem como a cessação da atividade de estabelecimento estável em território português ou a transferência para fora do território português de ele‑mentos patrimoniais afectos ao estabelecimento estável seriam, para esta tese, equiparáveis à afectação permanente dos elementos patrimoniais da empresa a fins alheios à atividade exercida, ocorrendo, em todos os casos, o elemento comum da desafectação de bens da atividade empresarial sujeita a tributação em IRC.

Colocava ‑se, assim, como tertium comparationis relevante do tra‑tamento fiscal a falta de continuação, em relação aos bens pertinentes, da atividade empresarial sujeita a tributação em IRC, o que permitia afirmar uma análoga relevação fiscal de mais ‑valias latentes quer quando em território português os bens deixam de estar afectos ao exercício da atividade económica quer quando, pela sua deslocação para fora do terri‑tório português, cessa o desenvolvimento, na sua base, de uma atividade empresarial sujeita à jurisdição fiscal portuguesa.

O TJ, está bem de ver, não se deixou convencer por esta argumen‑tação, que, afinal, se reconduzia a transformar a saída da jurisdição fiscal em elemento constitutivo de um tratamento análogo quando isso só podia relevar ao nível da justificação da restrição à liberdade de estabelecimento, pois, precisamente, o que estava em questão era o facto de a entidade afectada pretender prosseguir a sua atividade económica, com os mesmos ativos, noutro Estado ‑Membro. Daí que o elemento objectivo de compa‑rabilidade a que o TJ atendeu se tenha centrado nas próprias operações materiais de transferência da sede da sociedade e de transferência dos ativos de um estabelecimento, relativamente às quais, indubitavelmente, correspondia um tratamento diferenciado quanto à tributação de mais‑‑valias latentes quando ocorriam em termos transfronteiriços ou quando se limitavam ao território nacional, o que envolvia necessariamente um entrave à liberdade de estabelecimento (cfr. n.º 28 do acórdão).

Ficou, porém, daquela argumentação a consideração (n.º 30 do acór‑dão) de que não existe restrição à liberdade de estabelecimento no caso de cessação de atividade de estabelecimento estável em território portu‑guês (art. 76.º ‑B, al. a) do CIRC) dada a situação comparável prevista no art. 43.º do CIRC. Esta consideração, porém, assume nula valia na lógica da tributação à saída, já que tal cessação de atividade do estabelecimento estável tem que ser absoluta e não relativa (i.e., não pode respeitar apenas

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257Comentários de Jurisprudência

ao território nacional), conforme o TJ fez questão de deixar claro ao assina‑lar a necessidade de “a cessação da atividade em território português [ser] a consequência, não de uma transferência da totalidade das atividades de um estabelecimento estável português para outro Estado ‑Membro mas da cessação da atividade económica em causa pela sociedade”.

III. Perspectivas de evolução

7. Como facilmente se intui, continuam muitas questões em aberto após este acórdão, as quais são relevantes para a própria modificação da legislação portuguesa que é necessária para adequação ao que foi decidido (cfr. a autorização legislativa constante do art. 242.º da Lei n.º 66 ‑B/2012, de 31 de dezembro). Mas não podia deixar de ser assim. É que, estando em causa uma ação por incumprimento, este incumprimento resultava imediatamente, sem necessidade de mais desenvolvimentos, do facto de a legislação nacional não prever, em sede de tributação à saída, qualquer outra solução que não a cobrança imediata do imposto, justamente o que, na sequência do acórdão NGI, o TJ julgara inadmissível por ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Assim, matérias absolutamente decisivas para a configuração con‑creta do regime de diferimento da cobrança do imposto (como sejam: a definição dos factos e momentos de realização das mais ‑valias; a previsão de factos equiparáveis, como a transferência para país terceiro; a conve‑niência em distinguir ativos corpóreos de ativos incorpóreos; a admissi‑bilidade da repartição em prestações do pagamento do imposto; os termos exatos da cobrança de juros ou da exigência de garantia no caso de opção pelo diferimento), não podiam deixar de ficar em aberto, até pelo óbvio motivo de que, como referiu o Advogado ‑Geral (n.º 69 das Conclusões), “a escolha de medidas alternativas a uma regulamentação restritiva de uma liberdade de circulação prevista pelo Tratado incumbe ao Estado‑‑Membro em causa”. Não se deixe, porém, de sinalizar que o Advogado‑‑Geral expressamente considerou (n.º 68 das Conclusões) que, na escolha de medidas menos atentatórias, Portugal não está limitado a introduzir a possibilidade de a sociedade em causa “optar pelo pagamento diferido da dívida fiscal apurada no momento da transferência de sede”, mas pode igualmente consagrar a “opção de escalonamento do pagamento da dívida fiscal apurada no momento da transferência de sede”. O art. 242.º do OE

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para 2013 parece revelar que o legislador português pretende aproveitar todas estas possibilidades.

Dado que os processos pendentes sobre exit taxation (Comissão/Espanha, C ‑64/11; Comissão/Dinamarca, C ‑261/11; e Comissão/Países Baixos, C ‑301/11) constituem igualmente ações por incumprimento, afigura ‑se ‑nos que não se deve esperar deles particulares evoluções quanto a estas matérias em aberto.

Seja como for, desde logo pelas discussões que seguramente susci‑tarão as escolhas normativas que os Estados ‑Membros venham a fazer para se ajustarem ao Direito da União, não parece estar para breve o fim da temporada da tributação de saída.

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IVA NAS TRANSACÇÕES FINANCEIRAS: SOBRE O TRATAMENTO DA GESTÃO DE CARTEIRAS DE TÍTULOS

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA EM DEUTSCHE BANK, DE 19 DE JULHO DE 2012 (PROCESSO C ‑44/11), TRIBUNAL DE JUSTICA, SEGUNDA SECÇÃO (RELATOR JUIZ A. ROSAS)

Rita de la Feria*

Catarina Belim**

SUMáRIO DO ACÓRDãO:

“1) Uma prestação de gestão de património constituído por valores mobiliários, como a que está em causa no processo principal, concretamente, uma atividade remune‑rada que consiste, para um sujeito passivo, em tomar decisões autónomas de compra e de venda de valores mobiliários e em executar essas decisões através da compra e da venda de valores mobiliários, é composta por dois elementos que estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica.

2) O artigo 135.°, n.° 1, alíneas f) ou g), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que a gestão de património constituído por valores mobiliários, como a que está em causa no processo principal, não está isenta de imposto sobre o valor acrescentado em conformidade com esta disposição.

3) O artigo 56.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não só é aplicável às prestações enumeradas no artigo 135.°, n.° 1, alíneas a) a g), da referida diretiva mas também às prestações de gestão de património constituído por valores mobiliários.”

COMENTáRIO

No dia 19 de julho de 2012, na sequência de um pedido de decisão prejudicial reenviado pelo tribunal alemão Bundesfinanzhof e da apresen‑tação das conclusões da Advogada ‑Geral Eleanor Sharpston, apresentadas

* Professora Catedrática na Escola de Direito da Universidade de Durham, Reino Unido; Diretora de Programa de Investigação no Centre for Business Taxation da Universidade de Oxford, Reino Unido; Professora Visitante do IDEFF e da Faculdade de Direito de Lisboa.

** Advogada Associada da Área Fiscal; Docente Convidada do IDEFF.

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em 8 de maio de 2012, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) emitiu acordão no processo que opunha o Deutsche Bank AG contra a administração fiscal alemã, quanto ao tratamento em IVA a conferir à carteira de gestão de títulos. O pedido de decisão prejudicial teve origem no âmbito de um litígio relativo à recusa, por parte da administração fiscal alemã (Finanzamt), em considerar isentos de IVA os serviços de gestão de carteira de títulos efetuados pelo Deutsche Bank AG no ano de 2008. O processo teve como questões principais:

i) Saber se a prestação de gestão de carteiras de títulos, operação composta por uma parte de análise e decisão de compra e venda de valores mobiliários e por uma parte de execução da compra e venda dos títulos definidos, deve ser considerada uma única prestação económica ou duas prestacões distintas.

ii) No caso de tal prestação ser considerada como uma única pres‑tação económica, se a mesma deve ser isenta de IVA à luz do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da Diretiva do IVA (“DIVA”),1 regra que isenta de IVA as operações sobre títulos, ou isenta à luz da alínea g) do n.º 1 do mesmo artigo, que isenta de IVA a gestão de fundos comuns de investimento.

iii) Por fim é analisada a questão de saber se a referência, no art. 56.º, n.º 1, alínea e) da DIVA – regra que, na data dos factos, determi‑nava o lugar das prestações dos serviços efetuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade e a destinatários estabelecidos na Comunidade mas fora do país do prestador – a “operacões bancárias, financeiras e de seguros” inclui a gestão de carteiras de títulos.

Das três questões cobertas pelo Acordão, a última é a menos con‑troversa. As restantes duas questões são, contudo, cruciais pois versam sobre: em primeiro lugar, quais os critérios a utilizar para classificar um conjunto de transações como prestação única ou composta, em segundo lugar sobre o âmbito de aplicacão das isencões de IVA constantes da alí‑nea f) ou g) do n.º 1 do artigo 135.º da DIVA, no contexto da prestação de

1 Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, JO L 347 de 11.12.2006, p. 1 ‑118.

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serviços de gestão de carteiras de titulos. Relativamente aos critérios de classificação, o acórdão, em linha com decisões anteriores, vem reforçar que para apurar se uma operação deve ser qualificada como uma prestação única ou composta ou como duas ou mais prestações distintas podem ser usados vários critérios. Assim, existe uma única prestação quando exista uma prestação principal acompanhada de outras prestações acessórias mas que devem ser sujeitas ao tratamento da operação principal ou quando uma prestação é composta por elementos distintos mas que estão de tal forma interligados que, do ponto de vista económico, constituem uma única realidade para o consumidor médio. Já quanto ao âmbito e conteúdo das isenções, o acordão é mais inovatório, na medida em que constitui mais um exemplo da constante dialética na jurisprudência do TJUE relativa às isenções entre a interpretação estrita das mesmas e um interpretação teleológica, à luz do princípio da neutralidade fiscal e da realidade económica das operações.

1. Sobre a matéria de facto

O Deutsche Bank AG (“Deutsche Bank”) prestou, durante 2008, serviços de gestão de carteiras de títulos a clientes investidores. Através desses serviços, o Deutsche Bank geria valores mobiliários dos clientes, de acordo com as estratégias de investimento escolhidas por estes. O Deuts‑che Bank podia dispor e adquirir livremente títulos, sem obtenção de instrução prévia por parte dos clientes. Como remuneração dos serviços do Deutsche Bank, os clientes pagavam uma comissão anual que representava 1,8% do valor dos bens geridos. Esta comissão incluia uma parte relativa à gestão do património, que representava 1,2,% do capital gerido, e uma parte relativa à compra e venda de valores mobiliários, correspondente a 0,6% do ativo. A comissão incluía ainda alguns serviços administrativos relacionados com a detenção dos títulos.

Para o Deustche Bank, os serviços de gestão de carteira constituíam “operações relativas a títulos”, isentas de IVA, ao abrigo do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da DIVA. Para a administração fiscal alemã, pelo contrário, estes serviços constituíam operações de gestão de ativos, excluídas da isenção e sujeitas a IVA. O litígio levou a que o Bundesfinanzhof subme‑tesse ao TJUE três questões prejudiciais:

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i) se a gestão de carteiras de títulos beneficiava da isenção dada à “gestão de fundos comuns de investimento” ou da isenção dada a “operações relativas a títulos”;

ii) se a gestão de carteiras de títulos deveria ser considerada como uma única prestação económica, correspondendo as compo‑nentes de remuneração desta prestação a um serviço principal e outros acessórios; e

iii) se o então art. 56.º, n.º 1, alínea e) da DIVA, regra que, na data dos factos, determinava a localização das “operacões bancárias, financeiras e de seguros”, abrangia os serviços de gestão de car‑teiras de títulos.

Quanto à segunda questão, a qual foi analisada em primeiro lugar pelo TJUE, todas as partes que apresentaram observações escritas ao Tri‑bunal concordaram que a gestão de carteira de títulos em causa deveria ser tratada como uma única prestação económica.

Na sua decisão, o TJUE seguiu a opinião e critério da AG. Após verificar que a prestação de gestão de carteiras de títulos é constituída por dois elementos: (por um lado, uma prestação de análise e supervisão do património do investidor e, por outro lado,uma prestação de compra e venda de títulos propriamente dita. Assim, o TJUE concluiu que, ainda que as duas prestações pudessem ser contratadas separadamente, o cliente investidor médio procurava, no contrato com o Deutsche Bank, a com‑binação dos dois elementos. Adicionalmente, estes dois elementos eram de tal forma indispensáveis para a realização da prestação global que deviam ser colocados no mesmo plano, não podendo um ser considerado principal e outro acessório.

Na sequência da resposta a esta segunda questão, o TJUE parte para a análise da primeira questão, i.e. a análise da aplicação das isenções do artigo 135.º n.º 1, alíneas f) (“operações relativas a títulos”) e g) (“gestão de fundos de investimento”) da DIVA, aos serviços de gestão de carteiras de títulos, como uma prestação única.

A este respeito, o Deustche Bank e a Comissão apresentaram a opinião que os serviços em causa consubstanciavam “operações rela‑tivas a títulos” isentas, por remunerarem, a título principal, a compra e a venda de títulos. Ao contrário, para a autoridade fiscal alemã e o Governo da Alemanha,a essência do serviço residia na análise especia‑

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lizada da estrutura da carteira, e os serviços seriam, consequentemente, sujeitos a IVA.

Nas suas conclusões, a AG começou por afastar, liminarmente, a possibilidade de aplicação da isenção da gestão de fundos comuns de investimento, na medida em que esta isenção respeita a fundos comuns e não a bens de uma única pessoa2. Para a AG, o serviço de gestão de carteiras de títulos tem, como componente principal, o conhecimento especializado e recolha e utilização de inteligência comercial para a ges‑tão de carteiras de títulos. Como tal, o serviço, visto como um todo, não poderia ser isento de IVA3. Na resposta a esta questão, o TJUEseguio na mesma linha, afastando a aplicaçãoda isenção prevista para a gestão de fundos comuns de investimento, constante do artigo 135.º, n.º 1, alínea g) da DIVA 4. Quanto à aplicação da isenção aplicada a operações relativas a títulos, o TJUE salienta que a expressão “operações relativas a títulos” abrange operações suscetíveis de criar, modificar ou extinguir os direitos e as obrigações das partes sobre os títulos. No caso da gestão da carteira de títulos realizada pelo Deutsche Bank, o TJUE reconhece que o elemento desta prestação relativo à compra e venda de títulos consubstancia uma “operação relativa a títulos”,5 mas já não o elemento relativo à análise e supervisão do património.6

Relembrando que: (i) como concluído na resposta à segunda ques‑tão, os dois elementos que compõem a prestação de gestão de carteira de títulos devem ser considerados no mesmo plano, não existindo uma prestação principal e outro prestação acessória,7 (ii) as isenções devem ser interpretadas estritamente, como derrogações do princípio geral de que

2 Conclusões da Advogada Geral Eleanor Sharpston, n.º 14.3 Conclusões da Advogada Geral Eleanor Sharpston, n.os 49 e 50.4 Para o Tribunal, esta isenção abrange a gestão de fundos comuns em que nume‑

rosos investimentos são agrupados, detendo os clientes investidores uma participação no fundo mas não os investimentos do fundo em si mesmos. Diferentemente, no caso do Deustche Bank, as carteiras dos clientes eram relativas a uma só pessoa, proprietária dos ativos que constituíam a carteira.

5 Tal entendimento havia já sido apresentado nas conclusões da AG, n.º 49.6 Uma vez que este elemento não pressupõe a realização de operações suscetíveis

de criar, modificar ou de extinguir os direitos e as obrigações das partes sobre os títulos.7 Neste ponto, salientamos que o TJUE não acolheu a consideração da AG, segundo

a qual o aspeto predominante do serviço seria a componente da análise e supervisão do património.

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o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços onerosa e (iii) a isenção em causa apenas pode ser aplicada ao serviço no seu conjunto, o TJUE decide que a gestão de carteiras de títulos efetuada pelo Deutsche Bank não pode ser considerada, globalmente, como uma “operação relativa a títulos” e está, portanto, excluída do âmbito da isenção do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da DIVA.

Por fim, o TJUE analisa a relação entre as alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 135.º da DIVA, à luz do princípio da neutralidade fiscal: pode a ges‑tão de carteiras de títulos individuais ser sujeita a IVA e a gestão dos fundos de investimento ser isenta de IVA?Para o TJUE, o facto de o legislador ter tido a necessidade de estabelecer uma isenção específica e concreta para a gestão de fundos de investimento é demonstrativo de que as duas presta‑ções podem ter tratamentos em IVA distintos e que a gestão de carteiras de títulos individuais não está abrangida pela isenção das “operações relativas a títulos”. Tal conclusão, no entender do Tribunal não coloca em causa o princípio da neutralidade fiscal: este princípio não pode ser utilizado para alargar uma isenção quando a regra de isenção não tem uma redação clara e inequívoca que permita abarcar a realidade que se pretenda isentar.

Nestes termos o TJUE conclui que a gestão de carteiras de títulos em causa não está isenta de IVA ao abrigo do artigo 135.º, n.º 1, alíneas f) ou g) da DIVA.

Na terceira questão o TJUE analisou se a expressão “operações ban‑cárias, financeiras e de seguros”, constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea e) da DIVA abrangia apenas as prestações isentas enumeradas no artigo 135.º, n.º 1, alíneas a) a g) da DIVA ou também a gestão de carteiras de títulos.8

O TJUE considerou que não existe qualquer vínculo entre as opera‑ções referidas no artigo 56.º e as operações referidas no artigo 135.º n.º 1, alíneas a) a g) da DIVA, designadamente porque a letra do artigo 56.º em causa não continha qualquer referência às prestações enumeradas no artigo 135.º, e as operações referidas nesta última regra estão longe de representar uma lista exaustiva das operações suscetíveis de ser efetua‑das por bancos ou ser qualificadas de financeiras. Assim, considerando

8 À data dos factos, o artigo 56.º em referência dispunha que o lugar da prestação de “operações bancárias, financeiras e de seguros”, quando prestadas a clientes estabele‑cidos fora da Comunidade, ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade mas não no país do prestador era o lugar onde o cliente tem a sua sede ou residência.

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quea gestão de carteiras de títulos efetuada pelo Deustche Bank é uma “operação financeira” prestação de natureza financeira e que, conforme jurisprudência assente, o artigo 56.º, n.º 1, alínea e) da DIVA não pode ser interpretado estritamente o TJUE concluiu que a referência, no art. 56.º, n.º 1, alínea e) da Diretiva IVA,a “operacões bancárias, financeiras e de seguros” inclui a gestão de carteiras de títulos.

2. critério de classificação de operações como únicas ou compostas

A discussão sobre a classificação de operações constituídas por diversos elementos como únicas ou compostas teve origem no âmbito de casos relativos a isenções aplicáveis a transações financeiras e seguros, designadamente o acórdão Card Protection Plan (“CPP”), emitido pelo TJUE em 1999.9 Face à importância crescente desta matéria, e na ausência de critérios legais que determinem como avaliar uma prestação composta por diversos elementos, as decisões dos vários Tribunais sobre o tema têm sido preciosas na definição de balizas e critérios de classificação. Até hoje, no sistema Europeu do IVA, as linhas orientadoras nesta maté‑ria regem ‑se pelas conclusões do acórdãoCPP10. O mesmo teve na sua origem um litígio sobre a classificação de uma prestação de um plano de seguro de detentores de cartões de crédito que incluía diversas operações que compunham um pacote de bens e serviços, tais como organização de registo de cartões, linha telefónica de apoio, proteção médica em viagem e recuperação de bagagem. Nele o TJUE estabeleu os critérios base para determinar quando deve uma operação ser considerada como única ou composta, para efeitos de IVA: (i) analisar os elementos caraterísticos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo – face ao consumidor médio – fornece diversas prestações principais distintas ou uma prestação única e (ii) nos casos em que se conclua que não existe apenas uma única prestação, analisar se a operação é constituída por uma

9 Processo C ‑349/96, [1999] Colect. I ‑00973. Para uma análise do acórdão CPP vide r. de lA FeriA, “The EU VAT Treatment of Insurance and Financial Services (Again) Under Review” (2007) EC Tax Review 2, 74 ‑89.

10 Neste sentido, veja ‑se A. PiCHHAdze, “Making a Case for Increased “Judicial globalization” in Consumption Tax” (2008) Canadian Tax Journal 56(2), p. 378.

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prestação principal e outra prestação acessória relativamente a esta, que deve partilhar o mesmo tratamento da operação principal. A balizar estes critérios está o princípio geral segundo o qual cada prestação de serviços deverá normalmente ser considerada distinta e independente e que uma prestação única não deve ser artificialmente decomposta de modo a não alterar a funcionalidade do sistema do IVA.11

Com a decisão do Tribunal no caso CPP ficou claro que para a clas‑sificação de uma operação como única ou composta é necessário analisar casuisticamente cada operação, de forma global, dentro das circunstâncias em que esta ocorre, procurando identificar, em primeiro lugar, os seus elementos essenciais, e em seguida, se dentro desses elementos um deve ser considerado principal face aos demais.

A doutrina do acórdão CPP teve profundas repercussões a nível jurisprudencial. As linhas orientadoras do mesmo balizaram subsequentes decisões, tanto a nível Europeu, como a nível dos tribunais nacionais. Assim sucedeu em casos relativos às taxas de IVA a aplicar a operações constituídas por diversos elementos, que, individualmente considerados, seriam sujeitos a diferentes taxas de imposto como é exemplo dos casos Europeus Talacre,12 Bog e Purple Parking,13 entre outros. Mas também de vários casos ingleses,14 alemões e holandeses.15 A influência fez ‑se igual‑

11 Vide acórdão CPP, n. 9 supra, n.º 29.12 Processo C ‑251/05, [2006] Colect. I ‑06269. Sobre a problematização do acórdão

vide G. MORSE, “Restricting the composite supply approach in VAT: primacy of zero‑‑rating and other categorising legislation: Talacre Beach Caravan Sales Ltd v CEC” (2007) British Tax Review 1, 17 ‑26.

13 Processos C ‑497/09, [2011] Colect I ‑000 e C ‑117/11, [2012] Colect. I ‑000, respetivamente. Sobre o acórdão Bog vide O. drAPer, “Joined Cases C ‑497/09 etc: Herr Bog’s sausage van; composite supplies and the principle of fiscal neutrality” (2011) Tax Journal 1074, 8.

14 Veja ‑se, entre muitos outros, Dr. Beynon and Partners [2005] STC 55, College of Estate Management [2005] UKHL 62, Middle Temple [2005] UKFTT 390 e Value Catering [2011] UKFTT 329. Para um comentário a alguns destes acórdãos vide G. MORSE, “Separate or Composite Supplies for VAT – Assessing the level of generality: Dr. Beynon and Partners v Customs & Excise Commissioners” (2005) British Tax Review 2, 190‑‑196; e G. MORSE, “Value Catering Ltd v HMRC (UK FTT): The use of European law in interpreting the categories of zero ‑rated supplies in VAT – supplies of cold food for consumption off the premises” (2012) British Tax Review 2, 155 ‑163.

15 Entre outros, os acórdãos alemães em Bundesfinanzhof (XI R 52/06) de 15 de Outubro de 2009 e Bundesfinanzhof (XI R 49/07) de 10 de Fevereiro de 2010.

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mente sentir em casos relativos a isenções aplicáveis a outras transações, que não apenas financeiras, como sejam RLRE Tellmer Property, Future Health Technologies, Everything Everywhere e Field Fisher;16 ou ainda casos como Levob, relativos à classificação de uma operação como única ou composta no contexto da regras relativas à localização de operações.17

No que se refere à doutrina administrativa nacional, o acórdão em CPP foi acolhido pela Autoridade Tributária. Neste sentido, serviu de base para a decisão segundo a qual, no âmbito da atividade de transportes rodoviários de mercadorias, o débito de custos necessários a essa atividade, tais como portagens, fazem parte da atividade de transporte rodoviária, a qual deverá ser considerada como uma prestação única ou composta.18 A doutrina estabelecida pelo acórdão serviu ainda para afastar que com‑ponentes de serviços de instalação no setor das telecomunicações fossem considerados serviços de construção civil sujeitos ao regime de autoliqui‑dação do IVA, na medida em que aqueles serviços deviam ser considerados como acessórios ao fornecimento de redes de telecomunicação.19

Assim, uma vez que no acórdão Deutsche Bank aqui em análiseo TJUE voltou a aplicar os critérios de classificação das operações definidos no acórdão CPP , poder ‑se ‑ia pensar que a mesma não terá significativas consequências práticas para a doutrina nacional já aplicável. Contudo, sendo esta a primeira vez que o Tribunal se refere aos critérios de clas‑sificação como operações únicas ou compostas no contexto da gestão de carteiras de títulos, seria surpreendente que assim fosse. Em geral, os acórdãos do Tribunal que versam sobre questões controversas, tendem a dar eles próprios lugar a novas questões.20 Este acórdão não é exceção. Na realidade a conclusão do TJUE segundo a qual a prestação em Deutsche Bank é composta por dois elementos que deverão ser colocados no mesmo

16 Processos C ‑572/07, [2009] Colect. I ‑4983, C ‑86/09, [2010] Colect. I ‑5215, C ‑276/09, [2010] Colect. I ‑12359 e C ‑392/11, [2012] Colect. I ‑000, respetivamente. Sobre estes acórdãos veja ‑se M. silvA CostA, “O IVA e as operações relativas a pagamentos e a transferências” (2011) Fiscalidade 46, 63 ‑89.

17 Processo C ‑41/04, [2005] Colect. I ‑09433.18 Informação Vinculativa no processo n.º 1205, de 2010, disponibilizada a

12.11.2012. 19 Informação Vinculativa no processo A 1002007568, de 10.03.2009.20 Como nota J. sWinKels, “Combating VAT avoidance” (2005) International VAT

Monitor 4, 235 ‑246.

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plano, levanta uma série de questões que poderão vir a gerar algum nível de incerteza jurídica em casos futuros.

Em primeiro lugar, porque tal conclusão do Tribunal resulta de uma análise casuística de qual seria a perspetiva do cliente, enquanto consumidor médio, face aos elementos da prestação. Ora tal análise é altamente subjetiva podendo, em nosso entender, levar a resultados dis‑tintos, dependendo do intérprete. Tal é aliás refletido no próprio acórdão Deutsche Bank: com base nos mesmos pressupostos, a AG, como já aqui referido, considerou que o aspeto predominante do serviço seria a parte relativa à análise e supervisão do património, enquanto que o Tribunal considerou que os dois elementos do serviço estariam no mesmo plano, não existindo, no caso concreto, uma operação principal face a operações acessórias. Em segundo lugar, porque a prática, no setor financeiro, tem sido até agora a de faturar as duas prestações em causa de forma segre‑gada, aplicando a isenção à parte relativa à compra e venda de títulos e tributando a parte relativa à gestão da carteira. O acórdão Deutsche Bank vem colocar em sérias dúvidas este tratamento, sobretudo quando as duas prestações estejam previstas no mesmo contrato, ainda que de forma separada.

3. Âmbito de Aplicação das Isenções para Transações Financeiras

A determinação do âmbito de aplicação das isenções contantes da DIVA está sujeita à aplicação de certos princípios interpretativos, desen‑volvidos pelo Tribunal de Justiça da UE ao longo de várias décadas de jurisprudência, aplicáveis a todas as isenções. Designadamente, há que ter em consideração três princípios gerais: o princípio da interpretação estrita das isenções, o princípio da interpretação contextual das isenções e o princípio da interpretação uniforme das isenções.

De entre estes três princípios, o princípio da interpretação estrita é aquele que mais frequentemente é invocado pelo Tribunal quando cha‑mado a interpretar isenções. De facto, o Tribunal tem sido consistente ao afirmar que as isenções dispostas nos arts. 132.º, 135.º e 136.º da DIVA “são de interpretação estrita, dado que constituem derogações ao princí‑pio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre a prestação de serviços efectuados a título oneroso por um

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sujeito passivo”.21 Esta preferência do Tribunal pela interpretação estrita das isenções resulta necessariamente num reduzido âmbito de aplicação das memas, tanto ao nível dos prestadores de serviços (âmbito subjectivo da isenção), como ao nível do tipo de serviços abrangidos pela isenção (âmbito objectivo). No que respeita às isenções aplicáveis às transações financeiras tem sido também esta a postura do Tribunal,22 não obstante a opção por diferente via interpertativa, no que respeita em particular ao âmbito subjetivo de aplicação de algumas daquelas isenções.23

Esta tradicional preferência do Tribunal pela interpretação estrita das isenções tem sido alvo de criticas por parte da doutrina, que por vezes a considerou demasiado simplista. Na última década, contudo, talvez como resultado dessas mesmas críticas,24 ou talvez apenas sintomático de uma natural evolução jurisprudencial, é patente uma tendência crescente por parte do Tribunal, para afastar ‑se de uma pura interpretação estrita das isenções, a favor de uma interpretação teleológica, designadamente à luz

21 Processo C ‑453/93, Bulthuis ­Griffioen, [1995] Colect. I ‑2341, parágrafo 19. Veja‑se também na mesma linha processos 253/85, Comissão/Reino Unido, [1988] Colect. 817; 122/87, Comissão/Itália, [1988] Colect. 2685; C ‑212/01, Unterpertinger, [2003] Colect. I ‑13859 e mais recentemente C ‑89/09, Future Health Technologies, [2010] Colect. I ‑5215, todos relativos à isenção para serviços médicos, constante da alínea b) do n.º 1 do art. 132.º. Ainda na mesma linha, vide processo C ‑149/97, Institute of Motor Industry, [1998] Colect. I ‑7053, relativo à isenção aplicável aos sindicatos, constante da alínea (l) do n.º 1 do art. 132.º; e processo C ‑150/99, Stockholm Lindopark, [2001] Colect. I ‑493, sobre a interpretação da isenção aplicável às actividades desportivas, disposta na alínea (m) do n.º 1 do art. 132.º. Sobre a interpretação estrita das isenções veja ‑se J. enGlisCH, “The EU Perspective on VAT Exemptions” in r. de lA FeriA, VAT Exemptions: Consequences and Design Alternatives (Kluwer Law International, 2013), capítulo 2, 43 et seq. Ver ainda, em português, R. LAIRES, Apontamentos sobre a Jurisprudência Comunitária em Matéria de Isenções do IVA (Almedina, 2006), 38 et seq.

22 Veja ‑se o famoso acórdão no processo C ‑472/03, Accenture, [2005] Colect. I ‑1719. Para um comentário mais detalhado a este e outros acordãos relativos ao tradi‑cional âmbito de aplicação das isenções às atividades financeiras vide r. de lA FeriA, n. 9 supra. Ver, ainda, acõrdãos mais recentes nos processos C ‑242/08, Swiss Re Germany Holding, [2009] Colect. I ‑10099, C ‑175/09, AXA, [2010] Colect. I ‑10701 e C ‑350/10, Nordea, [2011] Colect. I ‑000.

23 Veja ‑se, entre outros, o acórdão SDC, processo C ‑2/95, [1997] Colect. I ‑3017.24 Como defende J. enGlisCH, n. 24 supra.

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do princípio da neutralidade fiscal.25 Esta crescente relevância do princípio da neutralidade fiscal, no contexto da interpretação das isenções, levou mesmo a Comissão Europeia a designar o princípio como “um de apenas três pilares da jurisprudência do TJUE relativamente às isenções”.26

Esta crescente tendência do Tribunal para uma interpretação tele‑ológica das isenções, à luz dos princípios gerais do IVA, parece ‑nos de louvar. Como já tivemos oportunidade de defender noutra ocasião,27 estes princípios não só constituem a base para as normas estabelecidas na atual Diretiva do IVA, como têm igualmente um papel fundamental na sua interpretação. De facto, é jurisprudência assente que há uma obrigação de interpretação das normas constantes da Diretiva do IVA à luz dos princí‑pios gerais do imposto.28 Na prática, uma interpretação das isenções à luz dos princípios gerais do IVA requererá muitas vezes uma interpretação estrita das mesmas. Isto porque o princípio geral do IVA, como imposto sobre o consumo, impõe a tributação de todas as transacções, a não ser quando expressamente estipulado. Tal como afirma o Tribunal no acórdão My Travel:

“Há que recordar que o princípio de base em que assenta o IVA reside no facto de que o sistema deste imposto sobre o consumo visa onerar unicamente o consumidor final.”29

25 Veja ‑se, entre outros, os acórdãos nos processos C ‑76/99, Commission/France, [2001] Colect. I ‑249, C ‑307/01, d’Ambrumenil, [2003] Colect I ‑13989, e C ‑106/05, L.u.p., [2006] Colect. I ‑5123, todos relativos à interpretação da isenção aplicável a serviços medi‑cos disposta na alínea (b) do n.º 1 do art. 132.º; no processo C ‑216/97, Gregg, [1999] Colect. I ‑4947, relativo à interpretação das isenções aplicáveis aos serviços medicos e aos serviços sociais, constants das alíneas (b) e (g) do n.º 1 do art. 132.º; nos processos C ‑124/96, Commission/Spain, [1998] Colect. I ‑2501 e C ‑174/00, Krennemer Golf, [2002] Colect. I ‑3293, ambos relativos à isenção aplicável às actividades desportivas, disposta na alínea (m) do n.º1 do art. 132.º, e ainda no processo C ‑144/00, Hoffman, [2003] Colect. I ‑2921, relativo à interpretação da isenção aplicável às actividades culturais, disposta na alínea (n) do n.º1 do art. 132.º.

26 Traduzido do original em ingles, ver CoMissão euroPeiA, Consultation Paper on Modernising Value Added Tax Obligations for Financial Services and Insurances (2006), p. 10.

27 Vide r. de lA FeriA, “A Natureza das Actividades e Direito à Dedução das Holdings em Sede de IVA” (2011) Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal 4(3).

28 Um dos primeiros acórdãos nesta linha data de 1982, processo 89/81, Hong Kong, [1982] Colect. 1277.

29 Processo C ‑291/03, [2005] Colect. I ‑8477, parágrafo 30.

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271Comentários de Jurisprudência

Mas não será assim em todas os casos. Muitos houve (e haverão) em que um interpretação estrita dos relevantes preceitos e uma interpretação à luz dos princípios gerais do imposto dos mesmos, impôs (e imporará) resultados interpretativos distintos.30 Haverá então que escolher. Vários exemplos existem desta constante dialética entre interpretação estrita das isenções e interpretação das memas às luz dos princípios gerais do imposto, em particular do princípio da neutralidade fiscal. Um exemplo claro, que já tivemos oportunidade de fazer notar noutra ocasião, é aquele relativo à interpretação da isenção aplicável aos jogos de azar.31 A interpretação do TJUE das isenções aplicáveis às transações financeiras e, em particu‑lar, daquela aplicável à gestão de carteiras de títulos é, também ela, um exemplo paradigmático desta dialética.

No caso JP Morgan, o TJEU foi questionado acerca do âmbito de aplicação do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da DIVA no contexto da gestão de fundos de capital fixo. Naquele caso, o Reino Unido defendia uma interpretação estrita daquela alínea, nos termos da qual apenas os fundos de capital variável estariam isentos do imposto. O Tribunal, no entanto, rejeitou a interpretação estrita da norma, concluindo que, uma interpre‑tação daquela alínea que “isentasse de IVA a gestão de fundos de capital variável e não a gestão de fundos de capital fixo seria contrária ao princípio da neutralidade fiscal sobre o qual repousa,designadamente, o sistema comum do IVA”.32 Havendo, portanto, um conflito entre o princípio da interpretação estrita das isenções e o princípio da neutralidade fiscal, o Tribunal optou pela prevalência deste último.

Em Deutsche Bank, pelo contrário, e tal como acima referido, o Tribunal optou pelo princípio da interpretação estrita, rejeitando clara‑mente a aplicação do princípio da neutralidade fiscal. Esta decisão irá certamente ter consequências imediatas, ao colocar em questão a inter‑pretação até agora adotada da isenção constante do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) em vários Estados Membros, incluindo o Reino Unido, onde

30 Até mesmo uma interpretação extensiva da norma, como nota F. sCHulyoK, “The ECJ’s Interpretation of VAT Exemptions” (2010) International VAT Monitor 4, 266 ‑270.

31 R. de lA FeriA, “Novo rumo para a aplicação do princípio da neutralidade fiscal às isenções em IVA?” (2011) Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal 4(4), 295 ‑309.

32 Processo C ‑363/05, [2007] Colect. I ‑5517, n.º 29.

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este tipo de operações tem sido, até agora, considerado isento.33 De uma perspetiva mais geral, contudo, o principal factor a reter do acórdão em Deustche Bank éa evidência desta contínua dialética entre os princípios da interpretação estrita e o princípio da neutralidade fiscal, no que respeita à interpretação de isenções em sede de IVA, designadamente à isenção aplicável à gestão de carteiras de títulos. Apesar das inegáveis vantagens associadas a esta visão mais complexa das isenções por parte do TJUE, a mesma apresenta também inegáveis desafios. Designamente, a tradicional interpretação estrita das isenções tinha a vantagem da certeza jurídica; a perspetiva moderna do Tribunal quanto à interpretação das isenções, pelo contrário, apresenta o óbvio risco da incerteza jurídica, na medida em que requer uma análise causuística e, como tal, naturalmente subjetiva. É, contudo, uma realidade que não pode ser ignorada, tanto pelo sector financeiro, como pela doutrina administrativa nacional.

4. Localização das Operações Relativas a Gestão de Carteiras de Títulos

Quanto a esta questão, o TJUE confirmou que, anteriormente à introdução do “Pacote do IVA”,34 as regras de localização em IVA das prestações de serviços financeiros não eram apenas aplicáveis aos servi‑ços financeiros isentos de IVA, abrangendo todos os serviços de natureza financeira.35 Como tal, os serviços de gestão de carteiras de títulos, quando prestados a clientes estabelecidos fora da União, ou a sujeitos passivos

33 Vide A. JACKson, “AG’s Opinion in Deustche Bank: Fund Management” (2012) Tax Journal 23 e A. JACKson, “VAT on Discretionary Portfolio Management” (2012) Tax Journal 9.

34 Novas regras de localização dos serviços, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010, introduzidas pela Diretiva 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro, a Dire‑tiva 2008/9/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro, e o Regulamento (CE) n.º 143/2008, de 12 de fevereiro, JO L 44, de 20.02. 2008. Para uma lista detalhada das regras de localiza‑ção de operações na sequência da aprovação deste Pacote vide r. de lA FeriA e C. BeliM, “A Repartição das Competências Tributárias: O Papel do IVA na Reforma dos Impos‑tos sobre o Rendimento Colectivo” in F. ArAúJo, P. otero and J. GAMA (eds.) Livro de Homenagem a Saldanha Sanches, Vol. IV (Wolters Kluwer Coimbra Editora, 2011).

35 Com exceção da locação de cofres ‑fortes que está expressamente excluída da regra de localização em causa.

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273Comentários de Jurisprudência

estabelecidos na União mas não no país do prestador, eram tributados no lugar onde o cliente tinha a sua sede ou residência.

Esta interpretação, por ventura ampla, do TJUE quanto à regra de localização específica dos serviços financeiros, bancários e seguros não constitui surpresa e vem na linha da jurisprudência constante do Tribunal, relativa à interpretação das regras específicas de localização de serviços.36 Neste sentido, estão vários acórdãos, incluindo Dudda, SPI e RAL,37 nos quais o Tribunal afirmou que as regras específicas de localização dos ser‑viços não constituem exceções à regra geral de localização mas existe sim um relação de lex generalis e lex specialis, uma série de conexões especí‑ficas pelas quais um caso concreto deve passar antes de cair na regra geral. Como tal, estas regras não devem ser objeto de interpretação estrita.38

Do nosso conhecimento, a interpretação adotada pela Autoridade Portuguesa quanto às regras específicas de localização dos serviços finan‑ceiros, bancários e seguros não contraria a posição adotada pelo TJUE. Sem prejuízo, na sequência da entrada em vigor do Pacote do IVA, a deci‑são do Tribunal não deixa dúvidas de que o artigo 6.º n.º 11, alínea e), do Código do IVA deve ser interpretado no sentido de que não são localizados em IVA em Portugal, independentemente de serem isentos de IVA ou não, os serviços de natureza financeira, bancários, de seguro e resseguro, com exceção da locação de cofres ‑fortes, que sejam prestados a pessoas que não sejam sujeitos passivos, estabelecidas ou domiciliadas fora da União.

Quanto aos sujeitos passivos de IVA a decisão não tem impacto nas suas operações atuais, na medida em que o Pacote de IVA eliminou, para este tipo de sujeitos, a regra específica de localização dos serviços financeiros, bancários e de seguros. Assim, estes serviços caem agora na

36 Durante algum tempo levantaram ‑se dúvidas relativamente à relação entre entras regras específicas e a regra geral, veja ‑se em particular acórdãos nos processos 168/84, Berkholz, [1985] Recueils 2251, n.° 14, 283 ‑84, Trans Tirreno, [1985] Recueils 231 e 51/88, Hamann, [1989] Colect. I‑767.

37 Processos C ‑327/94, Dudda, [1996] Colet. I ‑4595, n.os 20 e 21, C ‑108/00, SPI, [2001] Colect. I‑2361, n.° 17 e C ‑452/03, RAL, [2005] Colet. I ‑3947. Ver ainda pro‑cesso C ‑429/97, Comissão/França, [2001] Colect. I‑637, n.º 41.

38 Quanto à orientação do TJUE sobre a relação entre a regra geral e regras especí‑ficas de localização das prestações de serviços vide r. de lA FeriA, The EU VAT System and the Internal Market (IBFD, 2009), 191 ‑194. Ver ainda R. Laires, A Incidência e os Critérios de Territorialidade do IVA (Almedina, 2008), Capítulo II, 51 ‑59.

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regra geral de localização que dita que os serviços prestados a sujeitos passivos de IVA são localizados no local onde o adquirente está estabe‑lecido.39 Não obstante, a decisão pode ter repercussões, no caso de ope‑rações financeiras transfronteiriças ou internacionais anteriores a 2010, se se apurar que, em alguns casos de operações financeiras não isentas, tais operações foram tributadas com uma taxa superior ou objeto de dupla tributação por terem sido consideradas localizadas no local onde estava estabelecido o prestador.

5. Conclusões

O acórdão Deutsche Bank aqui em análise levanta várias questões. Por um lado, e pela primeira vez, o TJUE aplica os critérios de classifi‑cação das operações únicas ou compostas, tal como definidos no acórdão CPP, à gestão de carteiras de títulos. Não obstante, a conclusão de que esta prestação é composta por dois elementos que deverão ser colocados no mesmo plano, a mesma parte de uma análise casuística e não de crité‑rios objetivos. Esta interpretação pode, como tal, gerar incerteza jurídica quanto ao tratamento a conferir em futuras operações e à classificação dos seus elementos como principais/acessórios ou colocados no mesmo plano. Acresce que tal consideração vem colocar em causa a prática do setor financeiro de segregar o elemento isento da compra e venda de títulos do elemento tributado de gestão das carteiras, podendo assim ter que levar à revisão e adaptação dos respetivos contratos.

Por outro lado, em termos do âmbito de aplicação das isenções para transações financeiras, o principal factor a reter é a contínua dialética entre os princípios da interpretação estrita e o princípio da neutralidade fiscal, no que respeita à interpretação de isenções em sede de IVA. O afastamento da tradicional pura interpretação estrita ou literal das isenções, a favor de uma visão mais complexa das mesmas, a qual inclui uma crescente tendência para uma interpretação teleológica das isenções, à luz dos princípios gerais do IVA, em particular do princípio da neutralidade fiscal, é uma realidade que não pode ser ignorada, e à qual a doutrina administrativa portuguesa terá, necessariamente, que se adaptar.

39 Cfr. artigo 44.º da DIVA e artigo 6.º, n.º 6., alínea a) do Código do IVA.

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Finalmente, no que respeita à localização de operações relativas à gestão de carteira de títulos, a decisão do TJUE não constitui uma sur‑presa, vindo na linha da anterior jurisprudência do Tribunal. A decisão veio, contudo, solidificar a interpretação do atual artigo 6.º n.º 11, alínea e) do Código do IVA, podendo ter repercussões em operações financeiras transfronteiriças ou internacionais, anteriores a 2010, que tenham sido tributadas com uma taxa superior, ou objeto de dupla tributação por terem sido consideradas localizadas no local onde estava estabelecido o respetivo prestador.

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SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA EM MATÉRIA FISCAL DO TRIMESTRE

Número do processo: C ‑318/10Nome: SIATData: Acórdão de 5 de Julho de 2012Assunto: Livre prestação de serviços – dedução de despesas pro‑

fissionais pagas a um prestador de serviços estabelecido noutro Estado ‑Membro em que não está sujeito ao imposto sobre os ren‑dimentos ou está sujeito a um regime de tributação claramente mais vantajoso

Factos

No seguimento de um litígio quanto aos termos de uma relação comercial existente entre a sociedade Belga Société d’investissement pour l’agriculture tropicale SA (“SIAT”) e um grupo Nigeriano, cuja sociedade principal era a sociedade luxemburguesa Megatrade International SA (“MISA”), foi acordado o pagamento, da primeira à segunda, do montante de 2.000.000 USD relativo a comissões devidas pela SIAT, tendo esse montante sido inscrito e contabilizado como despesa por esta sociedade.

Tendo verificado que a MISA possuía, no outro Estado ‑Membro – o Luxemburgo – o estatuto de sociedade holding, não estando, nessa medida, sujeita a um imposto análogo ao imposto sobre o rendimento a que estão sujeitas as sociedades belgas, a Administração Fiscal belga desconsiderou, de acordo com a legislação em vigor à data dos factos, aqueles montantes enquanto custos fiscalmente relevantes.

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De facto, conforme refere a norma nacional em causa no processo, tais despesas não serão consideradas como fiscalmente relevantes para a sociedade (belga) no caso de a entidade não residente não estar sujeita a um imposto sobre o rendimento análogo ao imposto belga, ou caso beneficie de um regime fiscal claramente mais favorável, desde que, em qualquer caso, não se demonstre que essas despesas correspondem a operações reais e que não excedem os limites normais.

Submetido que lhe foi o processo, o Cour de cassation, decidiu sus‑pender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

É conforme com o Direito da União Europeia uma legislação nacional segundo a qual não são consideradas despesas profissionais dedutíveis aquelas que sejam pagas a um residente noutro Estado‑Membro que, por força da legislação desse país, não está aí sujeito a imposto sobre os ren‑dimentos ou, estando, beneficia de um regime de tributação claramente mais favorável, excepto se o contribuinte provar que essas contrapartidas correspondem a operações reais e que não excedem os limites normais, quando essa prova não é necessária para se poderem deduzir as despesas incorridas por prestações ou serviços fornecidos a contribuintes residentes nesse Estado‑Membro, mesmo que esses contribuintes não estejam sujeitos a imposto sobre os rendimentos ou aí estejam sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável?

Apreciação do Tribunal

O TJUE, na sua análise, e contrariamente ao argumentado por alguns Estados ‑Membros, considera que o objecto de comparabilidade não deverá ser o prestador de serviços residente, por um lado e, o prestador de serviços não residente, por outro, mas sim duas entidades residentes (em que uma contrata serviços a uma entidade não residente, e a outra contrata o mesmo serviço a uma entidade não residente), uma vez que é àquelas que se aplica a regra (de não dedutibilidade de custos) em causa no processo principal.

Estabelecido o objecto da comparabilidade e considerando o trata‑mento diferenciado conferido pela legislação fiscal belga, o TJUE conclui pela existência de uma discriminação, ainda que a mesma seja justificada por razões de combate à fraude e evasão fiscal e, bem assim, de preservação dos poderes tributários dos Estados.

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Contudo, no que ao requisito da proporcionalidade respeita, o Tribu‑nal acaba por concluir que a obrigação, que impende sobre as entidades residentes, de justificar a realidade das operações que envolvam pagamen‑tos a entidades residentes em outro Estado ‑Membro no qual estão sujeitas a um regime fiscal mais favorável, não se compadece com o requisito da proporcionalidade, uma vez que não existe qualquer definição legal ou instrução administrativa sobre o que se deva entender por “regime fiscal claramente mais favorável”, de onde decorre que não será possível determinar previamente, com precisão suficiente, o âmbito de aplicação daquela obrigação pelo que o sujeito passivo ficaria, em última análise, sob uma constante obrigação de justificação dos pagamentos feitos a entidades não residentes.

Decisão

Tendo em conta a análise efectuada, o TJUE acaba por decidir que a legislação Europeia se opõe a uma legislação de um Estado ‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que contenha exigências especiais de prova para a dedução dos pagamentos efectuados a entida‑des não residentes e residentes num Estado Membro, onde não esteja sujeita a um imposto sobre os rendimentos, ou esteja sujeita, em relação aos rendimentos em causa, a um regime de tributação claramente mais vantajoso, e desde que não seja objectivamente definido o conceito de “regime especial de tributação”.

Implicações no Direito Português

O ordenamento jurídico tributário português contempla inúmeras referências a uma expressão similar à utilizada pela lei belga, nomeada‑mente ao referir ‑se a ”regimes fiscais claramente mais favoráveis”.

Ainda assim, e ao contrário do que sucede na legislação belga, as referências contidas na legislação nacional encontram ‑se sempre definidas, quer directamente, quer por remissão, de onde resultam critérios claros e objectivos para a densificação da expressão utilizada, parecendo, assim, conformar ‑se com a jurisprudência do TJUE.

Em qualquer caso, sempre importará referir que a definição, constante na legislação nacional, do que se entende por “regime fiscal claramente

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280Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

mais favorável” não é unívoca, uma vez que os critérios utilizados nem sempre coincidem (vide, a título de mero exemplo, o artigo 56.º, número 2 e o artigo 65.º, número 2, ambos do Código IRC), o que gera problemas interpretativos nos casos em que a densificação do conceito – exigida, nos termos descritos, pelo TJUE – é efectuada “tal como definido nos termos do Código [do IRC]”, conforme referido no artigo 88.º, número 8, também do Código do IRC.

Número do processo: C ‑269/09Nome: Comissão Europeia contra Reino de EspanhaData: Acórdão de 12 de Julho de 2012Assunto: Obrigação de inclusão, na base tributável, de todos os rendi‑

mentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal

Factos

De acordo com a legislação fiscal espanhola relativa à tributação de pessoas singulares, os contribuintes que transfiram a sua residência para o estrangeiro deverão incluir, na base tributável do último período de tributação, os rendimentos que ainda não tenham sido imputados a qualquer exercício, procedendo à autoliquidação adicional, sem aplicação de sanções, juros de mora ou taxas agravadas.

A Comissão, considerando que a legislação espanhola constitui uma restrição à liberdade de circulação e à liberdade de estabelecimento, na medida em que torna menos atractiva a deslocalização para o estrangeiro, intentou a presente acção, na qual alega, designadamente, que este trata‑mento discriminatório penaliza as pessoas que pretendam abandonar esse Estado‑Membro relativamente às que nele permaneçam, na medida em que as primeiras estão obrigadas a pagar o imposto no momento da transferên‑cia de residência, sem terem a possibilidade de diferir o seu pagamento.

Apreciação do Tribunal

O TJUE, a título preliminar, começa por referir que qualquer discri‑minação, ainda que de pouca relevância, deverá ser julgada contrária ao direito da União se a mesma não for justificada.

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281Comentários de Jurisprudência

Adicionalmente, e na senda das alegações produzidas pelo represen‑tante espanhol, refere também o TJUE, que a tributação em causa neste processo incide sobre rendimentos efectivamente já recebidos, e não sobre rendimentos potenciais, pelo que o que está em causa é apenas o momento da tributação dos rendimentos obtidos em Espanha.

Na sua análise da compatibilidade da medida em causa, com a legis‑lação europeia, o TJUE considera que as situações de quem permanece residente e de quem transfere a sua residência são comparáveis, quanto aos rendimentos já auferidos, e da perspectiva do país que os pretende tributar.

Assim, por considerar que a medida em causa implica uma restrição, ainda que de pouca monta, uma vez que se encontra apta a tornar menos atractiva a mudança de residência, considera o TJUE existir uma discri‑minação incompatível com o direito europeu.

Sem prejuízo de considerar a norma em causa como contrária ao direito da União Europeia, a Comissão alega ainda que a norma em causa viola também o Acordo do Espaço Económico Europeu (“EEE”).

Contudo, no que respeita à violação do EEE, o TJUE acaba por defender a norma contida na legislação espanhola por considerar que não existem instrumentos que permitam a cobrança dos impostos após a emigração dos contribuintes, quer por força da inaplicabilidade das Direc‑tivas a não Estados ‑Membros, quer por força da inexistência de outros mecanismos bilaterais que o permitam.

Decisão

Considerando, no contexto da União Europeia, que a medida em causa é susceptível de obstar à movimentação de pessoas no espaço europeu, sem que a mesma seja justificada por alguma razão de interesse geral, o TJUE conclui pela condenação do Reino de Espanha porquanto a legislação analisada é contrária à legislação europeia.

Já no que respeita ao Acordo da EEE, o Tribunal considera que a medida, sendo discriminatória, é justificada e proporcional uma vez que não existem outros mecanismos para garantir os direitos de tributação do Estado espanhol.

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Implicações no Direito Português

Esta decisão vem reforçar o entendimento que já tinha sido veiculado pela jurisprudência do TJUE em matéria de exit taxes, embora, neste caso, se trate de rendimentos já auferidos (já foram conhecidas decisões sobre mais ‑valias latentes, no Acórdão C ‑38/10 em que Portugal foi condenado por incumprimento da legislação europeia).

A este respeito, importa notar o disposto nos artigos 8.º, número 5 e 83.º, número 1, ambos do Código do IRC, que estabelecem um regime paralelo ao espanhol, embora não totalmente coincidente.

Aplicando a jurisprudência aqui estabelecida, poderá ser arguido que também esse regime é contrário ao direito europeu, pese embora o presente Acórdão trate de pessoas singulares e o TJUE tenha já revelado diferenças relevantes no tratamento das situações de exit taxes, conforme estejam em causa pessoas singulares ou pessoas colectivas.

Número do processo: C ‑44/11Nome: Deutsche Bank AG,Data: Acórdão de 19 de Julho de 2012Assunto: Directiva 2006/112/CE – Isenção de operações de gestão do

património constituído por valores mobiliários (gestão de cartei‑ras de títulos)

Factos

No ano de 2008, tanto o Deutsche Bank, como as suas filiais, presta‑ram serviços de gestão de carteira de títulos a vários clientes investidores.

Estes últimos encarregaram o Deutsche Bank de gerir de modo autónomo valores mobiliários tendo em consideração as estratégias de investimento escolhidas por esses clientes investidores, sem recolher previamente as suas instruções, bem como de tomar todas as medidas pertinentes para esse fim, encontrando ‑se o banco habilitado a dispor desses activos (valores mobiliários) em nome e por conta dos clientes investidores.

Como contrapartida desses serviços, os clientes investidores pagavam uma comissão anual que representava 1,8% do valor do património gerido.

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283Comentários de Jurisprudência

Esta comissão incluía uma parte referente à gestão do património, e uma parte relativa à compra e venda de valores mobiliários.

De referir que a comissão englobava também a administração das contas ‑correntes e das contas de títulos, assim como, as comissões de subscrição para a aquisição de participações, incluídas as participações em fundos geridos por empresas do Deutsche Bank.

Nos termos da legislação aplicável, o Deutsche Bank entendeu que os referidos serviços se encontravam isentos de IVA, quando eram pres‑tados a clientes investidores no território alemão, no resto do território da União Europeia e, bem assim, a clientes investidores estabelecidos fora da União Europeia.

Tendo a Administração tributária alemã adoptado um entendimento distinto quanto à qualificação do referido serviço, o Bundesfinanzhof deci‑diu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1) A actividade de gestão [de carteiras de títulos], exercida a título oneroso por um sujeito passivo, que toma decisões autónomas sobre a compra e venda de títulos e executa essas decisões através da compra e venda dos títulos, está isenta apenas como gestão de fundos comuns de investimento para vários investidores em conjunto, ou também, como gestão individual de carteiras [de títulos] para investidores concretos (operação sobre títulos, ou como negociação dessa operação)?

2) Para determinar a prestação principal e a prestação acessória, qual a importância que deve ser atribuída ao critério segundo o qual a prestação acessória não constitui para a clientela um fim em si?

3) As regras de localização das prestações de serviços de gestão de carteiras de valores mobiliários constantes da Directiva do IVA, abrange apenas as prestações referidas na Directiva ou também a gestão de carteiras de títulos, mesmo quando esta operação não é abrangida pelas normas de isenção da Directiva?

Apreciação do Tribunal

Começando por se referir à primeira questão, o Tribunal refere que, ainda que a prestação de serviços em causa seja composta por dois serviços auto‑nomizáveis, para o investidor médio, essas prestações são, na verdade, indis‑sociáveis, sendo que a sua decomposição teria, na prática, natureza artificial.

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Em seguida, tendo em conta a resposta dada à segunda questão e, bem assim, a jurisprudência constante do Tribunal quanto à necessidade de interpretação restritiva das isenções em sede de IVA, é referido que a ope‑ração em causa se aplica, apenas, aos casos de prestações de serviços espe‑cíficas da actividade dos organismos colectivos, de onde resulta que essa isenção não se estende às prestações efectuadas a um investidor particular.

Adicionalmente, e ainda que uma das partes da operação desenvol‑vida pelo Deutsche Bank estivesse isenta de IVA, tendo em conta, como se viu na resposta à primeira questão, as prestações são indissociáveis, as regras de interpretação das isenções obrigam a considerar esses serviços como não isentos de IVA.

Finalmente, e relativamente à terceira questão prejudicial, entende o Tribunal que o âmbito de aplicação das regras de localização das pres‑tações de serviços constantes da Directiva do IVA não se pode limitar ao âmbito de aplicação das normas de isenção constantes na mesma Directiva, pelo que o local da prestação desses serviços, deverá ser o lugar onde o des‑tinatário tem a sede da sua actividade económica ou dispõe de um estabele‑cimento estável para o qual foi prestado o serviço ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual.

Decisão

O Tribunal acaba por decidir que as prestações em causa devem ser consideradas como uma única prestação, pese embora sejam compostas por dois elementos identificáveis, e que, também por isso, a prestação de serviços em causa não se encontra isenta de IVA.

Ainda assim, no que respeita à terceira questão, o Tribunal acaba por decidir que as regras de localização das prestações de serviços não devem ser interpretadas restritivamente, de onde se retira que as prestações de serviços em causa serão localizadas no país (seja ele Estado ‑Membro ou não) do destinatário dos serviços.

Implicações no Direito Português

A presente decisão contribui para clarificar como devem ser qualifi‑cados os serviços compostos por diversas componentes e reforça a neces‑sidade de se interpretar restritivamente as isenções consagradas no IVA.

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285Comentários de Jurisprudência

Número do processo: C ‑18/11Nome: Philips Electronics UK Ltd,Data: Acórdão de 6 de Setembro de 2012Assunto: Liberdade de estabelecimento – Não dedutibilidade de per‑

das realizadas por estabelecimento estável situado noutro Estado‑‑Membro

Factos

O grupo Philips tem a sua casa mãe nos países baixos e uma filial no Reino Unido (Philips Electronics UK). A sociedade ‑mãe deste grupo constituiu, com o grupo sul ‑coreano LG electronics uma empresa comum que dispõe de uma filial nos Países Baixos que, por sua vez, tem um esta‑belecimento estável no Reino Unido.

A Philips Electronics UK procurou imputar aos seus próprios lucros uma parte das perdas sofridas pelo estabelecimento estável estabelecido no Reino Unido, nos exercícios de 2001 a 2004.

Tendo o pedido sido indeferido, o Upper Tribunal – Tax and Chancery Chamber remeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões preju diciais:

1) A não dedutibilidade das perdas incorridas pelo estabelecimento estável, excepto no caso de as mesmas não poderem ser deduzidas em outro Estado, contraria o disposto na legislação europeia?

2) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, pode a restrição ser justificada?

3) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a restrição é proporcional ao fim que se pretende obter?

4) Se as restrições à dedutibilidade não forem admissíveis, o direito da União impõe ao Reino Unido que proporcione à sociedade do Reino Unido uma solução, como o direito de pedir uma dedução de grupo a imputar nos seus lucros?

Apreciação do Tribunal

No que diz respeito à primeira questão, e a título preliminar, o tribunal esclarece que é corolário da liberdade de estabelecimento, a possibilidade de uma sociedade exercer livremente a sua actividade num outro Estado‑‑Membro, por intermédio de uma filial, sucursal, ou agência, sem que essa escolha seja limitada por disposições fiscais discriminatórias.

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286Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Tendo concluído que uma sociedade não residente com estabeleci‑mento estável está em situação comparável à de uma sociedade residente, aplicando ‑se regimes de deduções de perdas distintos, conclui ‑se existir uma restrição à liberdade de estabelecimento.

Prosseguindo a sua análise, o Tribunal responde à segunda questão, relativa à existência de justificações para a restrição em causa, que a legislação nacional em causa não pode ser justificada na medida em que, da perspectiva do Estado ‑Membro do estabelecimento estável não se verifica qualquer problema de repartição dos poderes tributários, nem de dupla não tributação. E isto porque, em ambos os casos, o que está aqui em causa é a consideração, num Estado ‑Membro, de perdas verificadas nesse mesmo Estado ‑Membro.

Tendo concluindo pela impossibilidade de justificação da medida discriminatória, torna ‑se irrelevante responder à terceira questão relativa à proporcionalidade da medida.

Por fim, e em resposta à última questão, o Tribunal conclui que qual‑quer legislação nacional contrária ao direito Europeu deve ser afastada, ainda que, neste caso, a discriminação se verifique em relação a uma entidade não residente (com estabelecimento estável no Reino Unido).

Decisão

Constitui uma restrição, não justificada, à liberdade de uma sociedade não residente de se estabelecer noutro Estado‑Membro, o facto de uma legislação nacional submeter a possibilidade de transferir, através de uma dedução de grupo, para uma sociedade residente, as perdas sofridas pelo estabelecimento estável nesse Estado‑Membro da sociedade não residente à condição de não ser possível utilizar essas perdas para os efeitos de um imposto estrangeiro, ao passo que a transferência das perdas sofridas nesse Estado‑Membro por uma sociedade residente não está sujeita a nenhuma condição equivalente.

Implicações no Direito Português

A jurisprudência reforça o entendimento já veiculado pelo TJUE em matéria de dedução de prejuízos entre entidades de Estados ‑Membros diferentes, quer através do regime de tributação de grupos, quer através

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287Comentários de Jurisprudência

do reconhecimento de perdas incorridas por estabelecimento estável em outro Estado ‑Membro.

Esta decisão, em particular, apesar de não ter impacto directo no sistema fiscal português, uma vez que não existe um regime similar, pode contribuir para a necessidade de re ‑equacionar o actual regime especial de tributação dos grupos de sociedades, na medida em que o mesmo não permite a inclusão, no grupo, de entidades não residentes em Portugal, ainda que residentes em outro Estado ‑Membro.

Número do processo: C ‑38/10Nome: Comissão Europeia contra República PortuguesaData: Acórdão de 6 de Setembro de 2012Assunto: Incumprimento de Estado – Tributação de mais ‑valias no

momento da transferência do domicílio fiscal de uma sociedade para outro estado Membro

Factos

De acordo com a legislação fiscal portuguesa em vigor à data dos factos, se uma sociedade portuguesa transferir a sua sede ou direcção efec‑tiva para outro Estado‑Membro ou se um estabelecimento estável situado em território português cessar a sua actividade em Portugal ou transferir os seus activos para outro Estado‑Membro, deverá, no exercício em que esse acontecimento ocorra, incluir na sua matéria colectável todas as mais‑valias não realizadas relativas aos activos em causa. Por outro lado, as mais‑valias não realizadas decorrentes de transacções exclusivamente nacionais não são incluídas na matéria colectável.

Apreciação do Tribunal

A título preliminar, o Tribunal realça que não está aqui em causa o direito de os Estados ‑Membros tributarem as mais ‑valias geradas no seu território, mas sim, para além da obrigação de tratamento nacional que decorre das liberdades fundamentais, a necessidade de que os Estados‑‑Membros, na qualidade de estado de origem, não colocarem entraves à concretização dessas liberdades, sendo estas todas aquelas que proíbam, perturbem, ou tornem menos atractivo o seu exercício.

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288Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Neste sentido, conclui o Tribunal, no que respeita à tributação das mais ‑valias geradas no Estado ‑Membro de origem, que entre uma sociedade com operações puramente internas e uma outra que transfira a sua sede para outro Estado ‑Membro, não se verifica qualquer diferença objectiva, de onde resulta que a legislação portuguesa consubstancia uma discriminação contrária à legislação europeia.

Relativamente à possibilidade de esta restrição ser justificável e, eventualmente, proporcional, o Tribunal remete para o seu anterior Acórdão proferido no caso National Grid Indus, no âmbito do qual se concluiu que o disposto na legislação europeia se opõe à legislação de um Estado‑Membro que impõe a cobrança imediata do imposto sobre as mais‑valias não realizadas relativas a elementos do património de uma sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, no momento da referida transferência.

Refere, ainda, o mencionado Acórdão que uma legislação que ofe‑rece à sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro a opção entre, por um lado, o pagamento imediato do montante do imposto e, por outro, o pagamento diferido do montante do referido imposto, acrescido, se for caso disso, de juros segundo a legisla‑ção nacional aplicável, constitui uma medida menos lesiva da liberdade de estabelecimento do que as medidas em causa.

Decisão

Concluiu o Tribunal que, a legislação portuguesa, na parte relativa à transferência, por uma sociedade portuguesa, da sua sede e da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, ou à transferência, por uma sociedade não residente em Portugal, de uma parte ou da totalidade dos activos afectos a um estabelecimento estável português, de Portugal para outro Estado‑Membro, se qualifica como uma medida contrária às liberdades fundamentais consagradas na legislação europeia.

Implicações no Direito Português

Esta decisão tem implicações directas no direito português, tendo motivado a introdução, na Lei do Orçamento de Estado para 2013, de uma autorização legislativa ao Governo, com o objectivo de alterar o regime em causa, julgado incompatível pelo Tribunal.

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289Comentários de Jurisprudência

Contudo, e até à efectiva alteração do regime legal em causa, tendo em conta o efeito directo das liberdades fundamentais e da jurisprudência do Tribunal, os particulares poderão já opor ‑se à liquidação do imposto nos termos julgados incompatíveis.

Adicionalmente, tendo em conta os exactos termos em que se encontra redigida a proposta de autorização legislativa, muitas dúvidas se colocam quanto à sua real concretização, nomeadamente no que respeita à possibilidade de exigência de garantia ou juros, contra a qual o Tribunal já se pronunciou desfavoravelmente.

Em qualquer caso, e como decorre também da referida jurisprudência, a análise efectiva da compatibilidade dessas medidas apenas poderá ser feita à luz da(s) norma(s) que venha(m) a ser introduzida(s).

N.º do processo: C496/11Nome: Portugal Telecom, SGPSData: Acórdão de 6 de Setembro de 2012.Assunto: iVA – Sexta Directiva imposto devido ou pago por servi‑

ços adquiridos por uma sociedade holding que apresentem um nexo directo, imediato e inequívoco com operações tributadas a jusante

Factos

A Portugal Telecom, SGPS, SA, adquiriu serviços de consultoria, sujeitos a IVA, que facturou às suas participadas pelo preço a que os tinha adquirido, acrescido de IVA, deduzindo, posteriormente, o IVA incorrido.

No seguimento de uma acção de inspecção, a Administração tri‑butária desconsiderou a dedução efectuada, entendendo que a dedução deveria ter sido calculada através de um prorata, o que foi corroborado pelo tribunal de 1.ª instância com base na argumentação de que a principal actividade das SGPS passa pela realização de operações isentas.

Em sede de recurso, o TCA Sul decidiu suspender a instância e sub‑meter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1) Poderá a Administração Tributária impor a uma SGPS a utilização do método de dedução prorata, quando o IVA liquidado a jusante decorra de prestações de serviços que apresentem um nexo directo e imediato com

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290Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

os serviços adquiridos, com fundamento no facto de o seu objecto social principal ser a gestão de participações sociais de outras sociedades?

2) No cenário acima descrito, poderá esta entidade deduzir a tota‑lidade do imposto incorrido naquelas aquisições, por via da aplicação do método de dedução da afectação real?

Apreciação do Tribunal

A título preliminar, o Tribunal esclarece que constitui jurisprudência assente que, para efeitos da Directiva não é considerada actividade econó‑mica a simples aquisição e detenção de participações sociais. Como tal, uma SGPS que não interfira na gestão das suas participadas não deve ser considerado sujeito passivo do IVA.

Mais adianta o Tribunal que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, por isso, ser limitado.

Nessa medida, as operações a montante devem apresentar um nexo directo e imediato com as operações a jusante com direito a dedução, devendo, por isso, entender ‑se que a regra geral deverá ser o método da afectação real, quando o mesmo seja possível, sendo que o método prorata deve ser aplicado apenas às situações em que os bens e os serviços são utilizados por um sujeito passivo para realizar simultaneamente operações com direito à dedução e sem direito à dedução.

Assim, por forma a garantir a neutralidade, quanto à carga fiscal, de todas as actividades económicas, quando exista um nexo directo e imediato entre as prestações de serviços e os serviços adquiridos deverá ser aplicado o método da afectação real, sendo irrelevante a qualificação das operações tributadas, como actividades acessórias, como é o caso das actividades cujo redébito foi efectuado às participadas.

Decisão

O Tribunal conclui que as sociedades holding que desenvolvam actividades acessórias (em relação à actividade principal), podem deduzir integralmente o IVA dos bens e serviços que adquiram a montante em relação a essas actividades acessórias, desde que exista um nexo directo, imediato e inequívoco com as operações a jusante que tenham direito à dedução.

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291Comentários de Jurisprudência

Implicações no Direito Português

A presente decisão contribui para clarificar o conceito de actividade económica, para efeitos de IVA, e, bem assim, as consequências da inter‑pretação desse conceito, em sede de direito à dedução.

ROGÉRIO M. FERNANDES FERREIRAMARTA MACHADO DE ALMEIDAJOSÉ CALEJO GUERRAJOSÉ DIOGO MèGRE PIRES

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SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONALDO TRIMESTRE

ACÓRDãO N.º 412/2012

O Tribunal Constitucional: a) Não conhece das questões da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4,

da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e dos artigos 141.º ‑A e 185.º ‑A, aditados à Lei do Orçamento de Estado para 2011, pelo artigo 4.º da Lei n.º 60 ‑A/2011, de 30 de dezembro, com fundamento em violação de dis‑posições da Lei de Finanças das Regiões Autónomas;

b) Não conhece da questão da inconstitucionalidade do artigo 141.º‑A, alínea b), aditado à Lei do Orçamento de Estado para 2011, pelo artigo 4.º da Lei n.º 60 ‑A/2011, de 30 dedezembro;

c) Não conhecer da questão da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, com fundamento em violação do artigo 19.º, n.º 1, do Estatuto Político ‑Administrativo da Região Autónoma dos Aço‑res e do artigo 107.º, n.º 3, do Estatuto Político ‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira, bem como da questão da ilegalidade dos arti‑gos 141.º ‑A e 185.º ‑A, aditados à Lei do Orçamento de Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60 ‑A/2011, de 30 de dezembro, com fundamento em violação do artigo 107.º, n.º 3, do Estatuto Político ‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

d) Não conhece da questão da inconstitucionalidade da interpreta‑ção do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de maio, de acordo com a qual um imposto extraordinário liquidado como imposto adicional é uma receita do Estado, mesmo que o imposto principal seja receita duma Região Autónoma;

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e) Não declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionali‑dade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º49/2011, de 7 de setembro, e dos arti‑gos 141.º‑A, alínea a), e 185.º ‑A, aditados à Lei do Orçamento de Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60 ‑A/2011, de 30 de dezembro;

f) Não declara, com força obrigatória geral, a ilegalidade, do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro.

ACÓRDãO N.º 440/2012

Julga inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Cons‑tituição, a norma do artigo 39.º, n.º 7, alínea d), do Código da Insolvên‑cia e da Recuperação de Empresas (CIRE, aprovado pelo Decreto ‑Lei n.º 53/2004, de 18 de março), quando interpretada no sentido de impor ao requerente do novo processo de insolvência, que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, o depósito do montante que o juiz espe‑cificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente, como condição para o prosseguimento dos autos. Consequentemente, nega provimento ao recurso.

ACÓRDãO N.º 440/2012

Não julga inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na redação anterior à da Lei n.º 53 ‑A/2006, de 29/12, quando interpretado no sentido de que a apresentação de impugnação judi‑cial, para além de interromper o decurso do prazo de prescrição, suspende ou protela o início desse mesmo prazo para o momento em que transitar em julgado a respetiva decisão; e, consequentemente. Não concede pro‑vimento ao recurso, confirmando ‑se a decisão recorrida quanto ao juízo sobre a questão de constitucionalidade.

ACÓRDãO N.º 530/2012

Não julga inconstitucional a norma, extraída da alínea c) do n.º 2 do artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no concreto segmento que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a

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295Comentários de Jurisprudência

insolvência como culposa, decrete a inibição para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, do administrador da sociedade comercial declarada insolvente, que tenha sido declarado afetado pela aludida qualificação; Em consequência, julgar improcedente o presente recurso.

ACÓRDãO N.º 568/2012

Não declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 212.º da Lei n.º 64 ‑B/2011, de 30 de Dezembro.

ACÓRDãO N.º 581/2012

Não julga inconstitucional, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, o artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, na versão publicada pelo Aviso n.º 26235/2008 no Diário da República, II Série, de 31 de outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer atualização, no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de fevereiro de 2009, conforme o n.º 1 do Aviso n.º 5156/2009, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de março de 2009; e, em consequência, concede provimento ao recurso, e ordena a reforma da decisão recorrida de acordo com o antecedente juízo de não inconstitucionalidade.

ACÓRDãO N.º 592/2012

O Tribunal Constitucional: a) Não conhece parcialmente o objeto do recurso, ou seja, quanto às

questões de inconstitucionalidade material do artigo 5.º, n.º 1, do diploma preambular da LGT, conjugado com o disposto no artigo 297.º do Código Civil (7.1) e inconstitucionalidade orgânica do artigo 5.º do diploma pre‑ambular da LGT (7.2).

b) Não julga inconstitucional os artigos 12.º e 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, na sua versão originária, interpretados no sentido de que as

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296Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

causas de interrupção da prescrição previstas ex novo são aplicáveis aos prazos de prescrição que se iniciaram antes da entrada em vigor da LGT; e, por conseguinte, negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto.

GUILHERME WALDEMAR D’OLIVEIRA MARTINS ANA RITA CHACIM

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SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, DO TRIMESTRE

PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTáRIO

Acórdão do STA (2.ª) de 21 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0656/12

Suspensão da execução/inutilidade superveniente da lideA penhora efectuada na pendência de oposição judicial ou de qual‑

quer meio previsto no artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, que tenha como objecto a discussão da legalidade da dívida exequenda ou do despacho de reversão, tem como efeito a suspensão da execução até à decisão do pleito;

Se as quantias penhoradas na pendência da oposição judicial fossem afectas não à garantia da dívida exequenda e acrescido, com vista à sus‑pensão da execução, nos termos do disposto no artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, mas sim ao pagamento da dívida exequenda, com a consequente extinção da execução e inutilidade superveniente da lide, a mesma impli‑caria compressão desproporcionada e injustificada do direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 5, da CRP.

Acórdão do STA (2.ª) de 21 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0736/12

Falta de fundamentaçãoSe do teor da liquidação não consta qualquer explicação, ainda que

sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração fiscal operou entre a “primitiva liquidação” e a apelidada de “reliquidação” – sequer que tal

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diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G –, o acto de liquidação adicional está ferido de vício de forma de falta de fundamentação, determinante da sua anulabilidade.

Não pode extrair ‑se do não uso da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou inva‑lidade do acto notificado, pois o artigo 37.º só tem a ver com a notificação dos actos, destinando ‑se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que no âmbito do artigo 37.º a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.

Acórdão do STA (2.ª) de 21 ‑11 ‑2012, Processo n.º 01155/12

Reclamação graciosa /caducidade da garantiaTendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em

razão da prestação de garantia, esse efeito mantém ‑se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação.

É que, nos termos do disposto no artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, a exe‑cução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.

Acórdão do STA (2.ª) de 07 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0564/12

Legalidade concretaA alegação de inexistência dos pressupostos para a incidência objec‑

tiva das taxas de cuja liquidação emerge a dívida exequenda e a alegação de erro na quantificação dessas mesmas taxas, inserem ‑se já na apreciação da legalidade, em concreto, da liquidação da dívida exequenda, matéria cuja apreciação está vedada em sede de oposição (cfr. alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT).

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299Comentários de Jurisprudência

Embora se questione que a contraprestação pela utilização de espaço que integrava domínio público e posteriormente deixou de o integrar, pudesse operar por via de taxa devida por tal utilização, este tributo não se transmuta em imposto se, perante efectiva e posterior utilização “de facto” daquele espaço, foi operada uma correspondente liquidação a título de taxa; nem a discussão sobre o eventual erro nos pressupostos desta é legal‑mente possível em sede de oposição à execução fiscal, por se traduzir em apreciação da legalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda.

Acórdão do STA (2.ª) de 07 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0626/12

Prazo de reclamação/inexistência do facto tributárioOs números 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT, antes de serem revogados

pela Lei n.º 60 ‑A/2005, de 30 de Dezembro, estabeleciam que: (i) «o prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário» e (ii) «considera ‑se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário, em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais».

A redução da taxa de imposto prevista no artigo 11.º da CDT cele‑brada entre Portugal e a França, aprovada pelo Decreto ‑Lei n.º 105/71 de 26 de Março, não constitui um benefício fiscal, pelo que desconsideração dessa taxa pela Administração Fiscal na liquidação adicional de IRC que efectuou à luz da taxa prevista no direito interno não traduz a violação de uma norma sobre o conteúdo de um benefício fiscal para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 70.º do CPPT.

Essa redução de taxa constitui, porém, uma limitação do direito à tributação por parte do Estado Português por força da celebração da refe‑rida CDT, donde resulta a redução da tributação na fonte relativamente a dividendos, isto é, donde resulta uma não sujeição parcial a imposto.

Estando em discussão na reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC essa limitação do direito do Estado Portu‑guês a tributar os dividendos ou a não sujeição parcial a imposto desses rendimentos à luz daquela CDT – a qual, na óptica da Reclamante, lhe é aplicável independentemente do “formulário” exigido pela Administração Fiscal, razão pela qual considera ilegal, por violação das normas contidas na CDT, essa liquidação – deve considerar ‑se que o fundamento da recla‑

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300Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

mação consubstancia a alegação de violação das normas de incidência tributária, não só porque as normas para resolução de conflitos interna‑cionais de leis fiscais, como é o caso das CDT, são normas de incidência ao enquadrarem as situações de incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados relativamente ao mesmo contribuinte, mas também porque devem considerar ‑se normas de incidência tributária todas as normas que estabelecem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, abrangendo as normas que determinam o sujeito, a matéria colectável, e a taxa do imposto.

O que, perante o disposto no n.º 3 do artigo 70.º do CPPT, representa a invocação de inexistência parcial de facto tributário, ficando, assim, a reclamação sujeita ao prazo de interposição de 1 ano.

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0551/12

Acto confirmativo/revisão da liquidaçãoSó é de afastar o recurso contencioso de um acto confirmativo

quando, entre esse acto e o anterior, exista identidade de lesão.O indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação que

reproduz o conteúdo de anterior indeferimento é autonomamente lesivo se se abstém de conhecer do pedido de revisão do acto de liquidação deduzido passados dois anos sobre o pedido anterior e sem que fosse ultrapassado o prazo de revisão oficiosa da liquidação, pois viola autonomamente o dever de decisão a que a Administração esta vinculada ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 56.º da Lei Geral Tributária.

Tal acto é judicialmente sindicável pois contém em si mesmo uma autónoma lesão do direito do contribuinte à decisão administrativa.

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0593/12

Ilegalidade abstractaO acto de liquidação efectuado em aplicação de deliberação autár‑

quica nula, inexistente ou inconstitucional padece de ilegalidade abstracta – artigos 286.º, n.º 1, al. a) do CPT e 204.º, n.º 1 do CPPT –, que, nos casos de cobrança coerciva, pode ser invocada até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal, mesmo que posteriormente ao de impugnação de actos anuláveis mas nunca, consequentemente, a todo o tempo.

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301Comentários de Jurisprudência

Acórdão do STA (2.ª) de 21 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0210/12

Falta de audição/tempestividade da impugnaçãoA falta de audição do interessado em procedimento administrativo

não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão.

Se o recorrente invoca preterição do direito de audiência prévia no âmbito do processo de reclamação graciosa, o vício assim imputado ao acto tributário é gerador de mera anulabilidade, por não estar em causa a ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, mas apenas ao princípio da legalidade tributária.

Deste modo, a impugnação judicial do referido acto tributário terá de ser deduzida no prazo referido no artigo 102.º, n.º 2 do CPPT, e não a todo o tempo, tal como a lei prevê para o caso da nulidade do acto.

A intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado implica a não pronúncia do tribunal no tocante às questões que tenham sido suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início.

Acórdão do STA (2.ª) de 21 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0155/11

Pedido de reformaA reforma das decisões judiciais, como uma das excepções legal‑

mente previstas aos princípios da estabilidade das decisões e do esgota‑mento do poder jurisdicional após a decisão, pressupõe que, por manifesto lapso, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qua‑lificação jurídica dos factos, a decisão tenha sido proferida com violação de lei expressa ou que dos autos constem elementos, documentos ou outro meio de prova plena, que, só por si e inequivocamente, implique decisão em sentido diverso e que não tenha sido considerado igualmente por lapso manifesto (cfr. artigos 666.º, n.º 2, e 669.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC).

Essa faculdade excepcional de reformar a decisão tem como escopo corrigir um erro juridicamente insustentável e, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, só será admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê ‑la levado ao desacerto.

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302Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Essa faculdade não se destina à mudança do decidido com base nas normais divergências entre as partes e o tribunal quanto à interpretação e aplicação das regras de direito ou quanto ao apuramento, interpretação e qualificação dos factos relevantes, as quais, se encerrarem erros de julgamento, só poderão ser corrigidos por recurso, nos casos em que a lei ainda o admita.

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0840/12

Cumulação de oposiçõesNão é legalmente admissível deduzir uma única oposição a várias

execuções fiscais que não se encontrem apensadas, constituindo tal situa‑ção uma excepção dilatória inominada que determina o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da Fazenda Pública da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na sentença.

O direito de defesa do oponente não fica, porém, comprometido, já que pode fazer ‑se valer da faculdade que lhe concede o artigo 289.º, n.º 2, do CPC.

Acórdão do STA (2.ª) de 19 ‑12 ‑2012, Processo n.º 01298/12

Suficiência” da garantia da dívida exequendaA “suficiência” da garantia oferecida é aferida em função do valor

da dívida exequenda. Estando os bens oferecidos em garantia a garantir igualmente o cumprimento de outras dívidas tributárias da executada, cujo valor ultrapassa o valor dos bens oferecidos em garantia, manifesto é que a garantia oferecida se apresenta como insuficiente para assegurar também a dívida exequenda objecto dos presentes autos. A lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição pro‑batória, obriga, contudo, a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.

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303Comentários de Jurisprudência

Acórdão do STA (2.ª) de 19 ‑12 ‑2012, Processo n.º 01020/12

Vencimento de crédito fiscal posteriormente à declaração de insol‑vência e aplicação do art.º 180.º, n.º 5 CPPT

Cessado o processo de insolvência, pode prosseguir contra o insol‑vente uma execução fiscal por crédito vencido posteriormente à declaração de insolvência, ainda que, de acordo com a restrição prevista no n.º 5 do art. 180.º do CPPT, apenas relativamente a bens adquiridos após essa decla‑ração e sem prejuízo das obrigações contraídas pela Fazenda Pública no âmbito do processo de insolvência e da prescrição. Se a Fazenda Pública não tiver logrado o pagamento dos seus créditos exequendos provenientes de dívidas tributárias pela massa insolvente da sociedade originária deve‑dora, a lei admite a prossecução da execução fiscal em ordem a conseguir esse pagamento pelo património dos responsáveis subsidiários (cf. art. 24.º da LGT), ao abrigo do disposto nos arts. 180.º, n.º 4 e 153.º, n.º 2, do CPPT.

Nesse caso, não faz sentido invocar a restrição do n.º 5 do art. 180.º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário (relativamente ao qual inexiste qualquer declaração de insolvência).

Acórdão do STA (2.ª) de 19 ‑12 ‑2012, Processo n.º 01320/12

Prova de factos negativos e dispensa de prestação de garantia pelo executado

É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata ‑se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada rele‑vante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC.

Na situação referida, não se está perante uma situação de impossi‑bilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição

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304Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.

Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da pro‑porcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».

IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0529/12

PermutaAs normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que

contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpre‑tação estrita ou declarativa.

Para efeitos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1 do CIMT não assume qualquer relevo a troca ou permuta de bens, sendo apenas de considerar a revenda no seu sentido técnico ‑jurídico.

Constitui troca ou permuta o contrato cujo núcleo essencial consiste na prestação de um imóvel por outro, pese embora se constate a existên‑cia de uma compensação em dinheiro que não é, pela sua importância, o objecto principal do contrato, funcionando apenas como complemento pecuniário da prestação principal.

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0457/12

CaducidadePara que se verifique a caducidade da liquidação adicional do IMT,

prevista no n.º 3 do artigo 31.º do CIMIT, não basta a prática do acto de liquidação no prazo de quatro anos, exige ‑se também a certeza jurídica

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305Comentários de Jurisprudência

de que o acto não tenha sido levado ao conhecimento do contribuinte dentro daquele prazo.

O facto objectivo do decurso do prazo prefixado por lei para praticar de um acto eficaz impeditivo caducidade influi na estrutura da liquidação praticada dentro daquele prazo, embora notificada posteriormente, ao ponto de lhe poder determinar a invalidade sucessiva, ou de lhe tolher os seus efeitos materiais, gerando a ineficácia interna superveniente.

IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 01197/12

Métodos indirectosEvidenciado o aumento de capital de uma sociedade por entrada em

dinheiro de montante que excede o triplo dos rendimentos que o sujeito passivo declarou para efeitos de IRS nesse ano, consideram ‑se verifica‑dos os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável ao abrigo da alínea f) do artigo 87.º da LGT, na redacção da Lei n.º 55 ‑B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005).

Passa então a recair sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte daquele acréscimo patrimonial, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 89.º ‑A da LGT.

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0694/12

Convenção para evitar a dupla tributaçãoNo direito português, em relação à tributação do rendimento dos

não residentes sem estabelecimento estável, vigora o regime regra da tri‑butação por retenção na fonte do rendimento bruto, com a excepção dos rendimentos referidos nas alíneas a) a d), f), m) e o) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRC (por força do artigo 71.º, n.º 8, do CIRS), sendo que tal regime foi objecto de adequação ao direito comunitário e jurisprudência do Tribunal de Justiça, através da Lei n.º 64.º ‑A/2008, de 31 de Dezembro, com a redacção dada aos artigos 71.º, n.os 8 a 11, do CIRS (aplicável ex vi artigo 88.º do CIRC);

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306Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Não decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça um qualquer princípio comunitário para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado ‑Membro da União Europeia) de tributação pelo valor líquido dos rendimentos auferidos, que não exclusivamente quanto às mencionadas categorias;

Nem o TFUE nem em geral a legislação da EU impõem qualquer regra ou princípio relativo à aplicação da cláusula da nação mais favo‑recida às Convenções sobre dupla tributação (CDT) celebradas pelos Estados ‑Membros;

Constitui jurisprudência do Tribunal de Justiça, que os direitos e obrigações recíprocos previstos numa CDT são aplicáveis apenas aos residentes num dos Estados contratantes da mesma sendo isto uma con‑sequência inerente às CDT, atendendo a que uma vantagem prevista por uma convenção fiscal bilateral não pode ser considerada um benefício destacável dessa convenção, antes contribuindo para o seu equilíbrio geral, por o facto de os direitos e obrigações recíprocos apenas se aplicarem a pessoas residentes num dos dois Estados ‑Membros contratantes ser uma consequência inerente às convenções bilaterais, o direito comunitário não se opõe a que a vantagem em questão não se encontra numa situação comparável à dos residentes abrangidos pela dita convenção.

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0536/12

Mais ‑valias/permuta De acordo com o disposto nos artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS,

constituíam mais ‑valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais… resultassem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis…

O n.º 3, alínea a) do mesmo artigo prescrevia ainda que nos casos de troca se presumia que o ganho era obtido logo que verificada a tradição dos bens ou direitos objecto do contrato, acrescentando o artigo 42.º, n.º 3 do mesmo diploma que no caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do seu n.º 1 (valores de realização), se reportavam à data da celebração do contrato.

Tendo os impugnantes celebrado contrato de permuta em 11.04.2001, em que permutavam prédios rústicos com fracções autónomas a construir,

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307Comentários de Jurisprudência

e tendo as partes procedido posteriormente ao distrate daquele contrato de permuta em consequência do qual deixou de haver mais ‑valias, até por‑que as fracções nunca chegaram a ser construídas, não pode haver lugar a tributação de mais ‑valias por inexistência de capacidade contributiva.

IMPOSTOS SOBRE O CONSUMO

Acórdão do STA (2.ª) de 07 ‑11 ‑2012, Processo n.º 025/12

Contrato administrativoPara efeitos da delimitação negativa da incidência do IVA, prevista

no artigo 13.º da Directiva e no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, é imperioso conhecer se a pessoa colectiva pública actuou na qualidade de autoridade pública, submetida a um regime substantivo de direito público, ou se prati‑cou um acto de direito privado, desprovida da sua posição de supremacia.

O contrato ‑programa outorgado entre um Município e um clube de futebol, submetido às regras dos «contratos ‑programa de desenvolvimento desportivo» previstas no DL n.º 432/91 de 6/11, e que, pelo seu objecto e finalidade, constitui fonte de uma relação jurídica administrativa, é um contrato administrativo.

Na outorga desse contrato, o Município não adquire a qualidade de sujeito passivo de IVA.

FIGURAS AFINS

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 01051/12

Compatibilidade com o direito comunitário/reenvio prejudicialEm face do preceituado no artigo 684.º ‑A, n.º 2, do CPC, em que

se admite a possibilidade de arguição de nulidades de sentença a título subsidiário, deve entender ‑se que o conhecimento das nulidades não é necessariamente prioritário em relação à apreciação dos erros de julga‑mento imputados à decisão recorrida, devendo considerar ‑se prejudicado o conhecimento de nulidades da sentença na sequência de um juízo sobre a procedência ou improcedência da pretensão formulada no processo, por

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308Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

força do princípio da proibição da prática de actos inúteis, consagrada no artigo 137.º do CPC.

O reenvio prejudicial só se justifica quando a questão da interpreta‑ção de uma norma de direito comunitário se deva considerar pertinente, ou seja, quando o caso “sub judice” tenha de ser decidido de acordo com aquela regra, mostrando ‑se necessária para esse efeito, a opinião do TJUE.

Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União Europeia, cumpre ao Tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de deci‑são prejudicial do TJUE, a provocar nos termos do processo de reenvio prejudicial.

O Tribunal de Justiça só se pronuncia sobre questões relevantes para a decisão do caso concreto, estando afastada qualquer apreciação abstracta de questões teóricas, hipotéticas ou impertinentes.

Não é de considerar pertinente a questão suscitada em termos de jus‑tificar o reenvio prejudicial se a apreciação da legalidade das liquidações em causa não convoca sequer a aplicação das normas comunitárias por si apontadas (artigos 49.º e 50.º, n.º 2, do TFUE), apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno.

Caracterizando ‑se como verdadeiras taxas as quantias cobradas ao abrigo dos artigos 3.º, 16.º e 20.º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa pela emissão de licença de colocação, em prédios de propriedade privada, de letreiros e anúncios de natureza comer‑cial, não podem tais normas ter ‑se por organicamente inconstitucionais.

Acórdão do STA (2.ª) de 05 ‑12 ‑2012, Processo n.º 0531/12

Concessão de benefícios fiscais/dívidas tributárias pendentes objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea

Existindo uma dívida tributária proveniente de imposto sucessório do ano de 1993 em incumprimento, não se pode impedir a produção de efeitos aos benefícios fiscais considerados na liquidação de IRS do ano de 2000 se aquela dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível (artigo 12.º, n.º 6 do EBF).

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309Comentários de Jurisprudência

Tendo os contribuintes requerido ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo instaurado para cobrança dessa dívida de imposto sucessório, comprovando a pendência de impugnação judi‑cial que deduziram contra essa liquidação e oferecido como garantia a nomeação à penhora um prédio que pertencia à herança indivisa aberta por óbito daquele que deu origem à transmissão mortis causa que está na génese desta liquidação, era ao órgão da execução fiscal que competia apreciar a oferta dessa garantia apresentada ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 199.º do CPPT.

Tendo o órgão da execução admitido a nomeação desse bem à penhora como garantia idónea para suspender a execução, sem questionar a penhorabilidade do bem apesar de saber que ele pertencia à herança face ao documento subscrito por todos os herdeiros – que desse modo autorizaram a oneração do prédio com a penhora para efeitos de garan‑tir o pagamento de dívida de um deles – lavrando o auto de penhora e suspendendo a execução fiscal, assim aceitando, de forma implícita, a penhorabilidade do bem e a sua idoneidade como garantia, não pode o Tribunal vir ajuizar, em distinto processo tributário e para efeitos de apreciação da legalidade da correcção efectuada pela AT aos benefícios fiscais considerados em sede de IRS do ano de 2000, se o órgão da exe‑cução andou bem ou mal ao aceitar essa penhora como forma de garantir a dívida e suspender a execução, e se o imóvel que penhorou constitui ou não uma garantia idónea.

Tal constituiria uma flagrante ofensa ao princípio da boa fé e da confiança que os executados depositaram na actuação do órgão da exe‑cução fiscal, até porque é a este órgão que cabe a competência exclusiva para apreciação do pedido de prestação de garantia e para ajuizar da sua idoneidade para a suspensão da execução, e os executados, perante a atitude e actuação desse órgão, nunca tiveram oportunidade de prestar outra garantia ou ocasião de discutir nesse processo judicial executivo, através do meio próprio previsto no art.º 276.º do CPPT, a idoneidade da garantia oferecida.

De todo o modo, sendo legalmente possível a uma herança indivisa, desde que representada por todos os herdeiros, alienar ou onerar os seus concretos bens, ela também pode oferecer ‑se, através de acto subscrito por todos os herdeiros, como garante num processo de execução que corre contra um dos herdeiros, nomeando à penhora um bem seu.

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310Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

INFRACçÕES TRIBUTáRIAS

Acórdão do STA (2.ª) de 28 ‑11 ‑2012, Processo n.º 0648/12

Notificação operada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 105.º do RGIT

A notificação operada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 105.º do RGIT, mesmo que seja efectuada pelos Serviços da AT, insere ‑se no âmbito do próprio processo crime, valendo apenas para os efeitos aí pre‑vistos: se a quantia ali indicada for paga (e que haverá de corresponder à soma da prestação comunicada à AT através da respectiva declaração, dos juros respectivos e do montante da coima aplicável) os factos integradores do tipo de crime (abuso de confiança) não serão puníveis.

Tal notificação não é equivalente a acto de declaração de reversão da dívida, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º da LGT.

NUNO OLIVEIRA GARCIA ANA LEAL

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SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA FISCALDO 3.º TRIMESTRE DE 2012

Número do processo: 45/2012 ‑TData: Acórdão de 5 de Julho de 2012Assunto: IRS/tributação das mais‑valias resultantes da alienação de

bens imóveis realizadas por não residentes/liberdade de circula‑ção de capitais

Factos

Em 2010, os Requerentes residentes no Reino Unido alienaram as quotas ‑partes – na proporção de 40% cada um – que detinham em com‑propriedade relativamente a quatro imóveis, localizados em Portugal.

Cada um dos Requerentes apresentou, em 31 de Maio de 2011, a Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2010, a qual foi acompanhada de um único anexo – o Anexo G – Categoria G, sob a epígrafe “Mais ‑Valias e outros Incrementos Patrimoniais”. Nesta Declaração e respectivo Anexo, em que os Requerentes se enquadraram como não residentes em Portugal, foram exclusivamente reportadas as operações de transmissão dos referidos imóveis, na respectiva quota ‑parte, e foram deixados em branco os campos 6 a 13 do quadro 5B, não tendo sido assinalada qualquer opção pela tributação pelo regime geral, ou por outro dos regimes especiais aí indicados.

Cada um dos Requerentes foi sucessivamente notificado de quatro liquidações de IRS e JC, sobre os rendimentos declarados relativamente ao ano 2010. Em face das quartas sucessivas liquidações de IRS emitidas, o objecto da impugnação arbitral foi delimitado de forma a abranger os

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312Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

actos subsistentes na ordem jurídica e, bem assim, o indeferimento das reclamações graciosas deduzidas dos actos de liquidação que aqueles vieram substituir.

No seu pedido os Requerente sustentam que a inclusão no rendimento colectável da totalidade das mais ‑valias resultantes da venda dos quatro imóveis de que eram, à data, comproprietários, enferma de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50% do respectivo valor, por aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, acrescentando que a negação da aplicação desta disposição aos residentes de outro Estado‑‑Membro, consubstancia uma violação do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em virtude do seu efeito discriminatório.

Acrescentam que a lei não prevê, para os não residentes, uma opção pelo regime geral de tributação, mas sim uma opção pela tributação às taxas aplicáveis aos residentes, opção esta que nunca foi pelos mesmos adoptada. Sustentam ainda que mesmo que se entendesse que o exercício daquela opção anularia a diferença entre residentes e não residentes, tal sempre representaria um ónus suplementar destes últimos face aos con‑tribuintes residentes e não excluiria os efeitos discriminatórios do regime supletivo, que permanece inválido à luz do direito comunitário.

Concluem pelo pedido de anulação dos actos tributários por vício de violação de lei e pela consequente liquidação em excesso das importâncias de € 115.442,75, de IRS, e de € 172,18, de juros, relativamente a cada um dos Requerentes.

Análise do Tribunal

O Tribunal Arbitral identificou como questão decidenda aferir se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais ‑valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

A questão em apreço havia já sido apreciada pelo TJUE, no Acórdão Hollmann, de 11 de Outubro de 2007, em que se conclui que o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS viola o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por revestir carácter discriminatório para os não

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313Comentários de Jurisprudência

residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais.

Contudo, não obstante este regime geral se ter mantido idêntico, o legislador nacional instituiu, em data posterior à jurisprudência do Acór‑dão Hollmann, um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, com o objectivo de obviar ao tratamento diferenciado dos não residentes que obtenham em Portugal mais ‑valias imobiliárias, face aos residentes. Esta opção de equiparação permite aos não residentes comunitários e do espaço económico europeu a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal.

Em face desta regime, o Tribunal julgou necessário ainda apreciar se a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, permitia afastar o juízo de discri‑minação do TJUE. Concluindo, na esteira do TJUE, no Acórdão Gielen, que a opção de equiparação não é susceptível de excluir a discriminação em causa uma vez que a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes.

Foi ainda ponderado pelo Tribunal arbitral que as consequências retiradas da jurisprudência comunitária em que se fundou, em particular do Acórdão Hollmann, propiciam uma tributação mais favorável das mais ‑valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes. Todavia, conclui que, no Direito Comunitário, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos resi‑dentes, constituindo a fiscalidade directa um domínio da competência dos Estados ‑Membros.

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral considerou procedente o vício de violação de lei alegado pelos Requerentes, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais ‑valias sujei‑tas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação dos actos tributários de IRS e juros compensatórios objecto de pronúncia arbitral.

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314Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Número do Processo: 25/2011 ‑TData: Acórdão de 10 de Agosto de 2012 Assunto: Tributação de mais ‑valias mobiliárias

Factos

Os Requerentes, casados, pediram a constituição de Tribunal arbitral para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade, e anulação da liqui‑dação de IRS sobre as mais ‑valias, referente ao ano de 2010, realizadas com a alienação de acções que detinham numa sociedade.

Em 1986, o 2.º Requerente reforçou a sua participação na sociedade referida, adquirindo pelo valor nominal a quota de PTE 10.000,00. Poste‑riormente, em 2001, o 2.º Requerente adquiriu a totalidade das quotas dos demais sócios da sociedade, pelo valor nominal respectivo, e passou a ser titular de duas quotas, uma no valor de PTE 490.000,00 e outra no valor de PTE 10.000,00. Adicionalmente, o 2.º Requerente procedeu a um aumento de capital, tendo a 1.ª Requerente subscrito uma quota no montante de € 2.500,00, correspondente a metade do capital social da sociedade.

Nos anos de 2002 e 2007 foram realizados novos aumentos do capi‑tal da sociedade, tendo neste último ano a sociedade sido transformada em sociedade anónima, passando a deter um capital social representado por 60.400 acções. Em 2010, os Requerentes transmitiram as respectivas acções, das quais eram titulares há mais de 12 meses. No seguimento desta operação, em 31 de Maio de 2011, os Requerentes apresentaram a Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS, declarando as mais‑‑valias realizadas com a alienação das acções detidas na sociedade e, seguidamente, foram notificados da liquidação de IRS, em que se apurou o montante de imposto a pagar, no valor de € 137.169,79.

Os Requerentes afirmaram que a Administração tributária apurou o valor de imposto a pagar referido, considerando as mais ‑valias realizadas pelos Requerentes como rendimento efectivamente sujeito a tributação em sede de IRS e não isento.

Todavia, apesar de a Requerente ter efectuado o pagamento voluntário do imposto, alegou a ilegalidade da liquidação de IRS, por considerar ser aplicável o regime de exclusão de tributação das mais ‑valias realizadas com a alienação de acções, nos termos do artigo 30.º, n.º 9, da Lei n.º 109‑B/2001, na medida em que esta norma não foi revogada em momento algum.

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315Comentários de Jurisprudência

Por outro lado, os Requerentes invocaram a inconstitucionalidade do regime de tributação das mais ‑valias realizadas com a alienação de acções detidas por período superior a 12 meses, considerando que estava em vigor a norma de exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do Código IRS, e que foi, posteriormente revogada pela Lei n.º 15/2010, alegando para esse efeito a violação do princípio da proibição da retro‑actividade fiscal, consagrado nos artigos 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e 12.º da Lei Geral Tributária. Referiram, ainda, que à data da alienação das acções não se perspectivava a alteração do regime de tributação das mais ‑valias mobiliárias, como veio efectivamente a suceder com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010.

Por fim, os Requerentes invocam a aplicabilidade do regime de exclusão de tributação de mais ‑valias realizadas com a alienação de partes sociais adquiridas antes da entrada em vigor do Código do IRS.

Por sua vez, a Requerida apresentou resposta, não impugnando os factos invocados pelos Requerentes, mas sustentou a legalidade e não desconformidade com a CRP da liquidação do imposto, entendendo que a Lei n.º 109 ‑B/2001, relativamente ao artigo 30.º, n.º 9, se trata de uma norma de direito transitório, mantendo ‑se, assim, o regime de tributação das mais ‑valias anterior ao criado pela Lei n.º 30 ‑G/2000.

Se a Requerida entendeu que era expectável que o regime de tributa‑ção das mais ‑valias viesse a ser revogado, tal como ocorreu, e ainda que o legislador ao não consagrar nenhuma norma de direito transitório, quis, expressamente, que as mais ‑valias realizadas durante o ano de 2010 fossem sujeitas a tributação efectiva, independentemente da data da sua realização. Assim, afasta o entendimento dos Requerentes, quanto inconstituciona‑lidade do regime, por violação do princípio da protecção da confiança.

Análise do Tribunal

O Tribunal Arbitral identificou as seguintes questões, que podem obstar ao conhecimento do pedido: i) da aplicação do regime de exclusão de tributação de mais ‑valias detidas por período superior a 12 meses, previsto no artigo 30.º, n.º 9, da Lei n.º 109 ‑B/2001, às quotas adquiridas, posteriormente transformadas em acções; ii) violação das regras sobre a aplicação da Lei tributária no tempo, subjacente ao princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal; iii) aplicabilidade do regime de exclusão de

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tributação de mais ‑valias mobiliárias, nos termos do artigo 5.º do Decreto‑‑Lei n.º 442 ‑A/88, relativamente a 16% das acções alienadas.

No que à primeira questão respeita o Tribunal pronunciou ‑se no sentido de os artigos 3.º, n.º 5, da Lei n.º 30 ‑G/2000 e, 5.º do Decreto ‑Lei n.º 442 ‑A/88 serem considerados como normas de direito transitório, enquanto o artigo 30.º, n.º 9, da Lei n.º 109 ‑B/2001 estabelece um regime temporário, correspondente ao regime que existia antes da aprovação da lei antiga. Neste sentido, considerou que esta norma foi revogada pelo Decreto ‑Lei n.º 228/2002 de 31 de Outubro, na medida em que este diploma estabeleceu uma “nova” regulação global da tributação das mais‑‑valias mobiliárias, e de acordo com o artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil, a revogação pode resultar da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

Assim, o Tribunal julgou improcedente o pedido de anulação do acto tributário feito pelos Requerentes, entendendo que o artigo 30.º, n.º 9, da Lei 109 ‑B/2001, cessou a sua vigência em 31 de Dezembro de 2002, não sendo aplicável ao caso subjudice.

Quanto à segunda questão decidenda, o Tribunal considerou, de acordo com a Lei n.º 15/2010, que as mais ‑valias realizadas deveriam ter incluído a matéria colectável dos requerentes, na medida em que a lei nova se deverá aplicar aos actos ainda em formação, entendendo como actos que prolongam a sua produção concreta no domínio da lei nova, e neste sentido afirmou estarmos perante uma retroactividade fraca ou impropria. Ora, o Tribunal entendeu que o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, se aplica, apenas, à retroactividade forte ou própria, enquanto a retroactividade fraca pode ser interdita por ofender o princípio da confiança.

Relativamente à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, o tribunal con‑siderou que esta já vinha sendo discutida, publicamente, há algum tempo, uma vez que esta alteração podia ser percepcionada por qualquer cidadão.

Assim, o Tribunal considerou que a lesão que esta lei trouxe à segurança dos contribuintes, era necessária, adequada e proporcionada à tutela dos valores subjacentes, e neste sentido não pode ser considerada inconstitucional e, não viola o princípio da proibição da retroactividade, nem o princípio da protecção da confiança.

Por fim, e ainda no âmbito da segunda questão, o Tribunal analisou se a liquidação teve em consideração a regra de aplicação da lei tributá‑ria no tempo, nos termos do artigo 12.º da LGT, tendo entendido que da

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Lei n.º 15/2010, não consta qualquer norma que determine a aplicação da lei ao período tributário anterior à data da sua entrada em vigor. Ora, sendo o IRS um imposto periódico de formação sucessiva, na ausência de norma da lei nova, esta só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor. Assim, o Tribunal entendeu que deve ser aplicada a lei nova aos factos da vida que se vão sucedendo ao longo do ano e que geram rendimento.

Assim, o Tribunal considerou inaceitável a invocação do argumento da impraticabilidade da lei para que se chegue a uma solução mais vanta‑josa para o credor tributário.

No seguimento da argumentação expendida, considerou o Tribunal que, no caso subjudice tendo a nova lei entrado em vigor, em 27 de Julho, só poderá ser aplicável às mais ‑valias obtidas a partir daquela data. Veja ‑se que, se a lei nova determinasse a sua vigência a partir do início do ano o artigo 12.º, n.º 2, da LGT, deixava de ter aplicação.

Assim, a lei nova não foi aplicável às mais ‑valias no caso em apreço e, consequentemente a liquidação em questão foi considerada ilegal. Tendo ‑se determinado a respectiva anulação.

Tendo em conta a anulação total do acto, ficou prejudicado o conhe‑cimento da última questão colocada pelos Requerentes.

Importa fazer referência à declaração de voto realizada pelo Dr. Rogério M. Fernandes Ferreira, que considerou existirem razões no sentido da inconstitucionalidade. Com efeito, de acordo com o mesmo, a determinação do momento em que ocorre o facto tributário deve coincidir com o da respectiva norma de incidência e não com a norma de determina‑ção do rendimento colectável, sob pena de, se estas últimas determinassem o momento da formação e verificação do facto tributário, então, todos os factos tributários em sede de IRS e IRC ocorreriam no fim do ano, ou no momento de apresentação da declaração de rendimentos (quando ocorre o apuramento do rendimento colectável), o que não sucede.

Conclui a declaração de voto, no seguimento da posição tomada, recentemente, pelo Tribunal Constitucional que em sede de mais ‑valias, no que diz respeito à avaliação da retroactividade de uma norma que incida sobre mais ‑valias, o momento determinante é o da sua alienação, porque é nesse momento que ocorre o facto gerador de imposto.

Em suma, o Tribunal julgou procedente o pedido dos Requerentes, sendo declarada a ilegalidade do acto tributário, por violação da lei.

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Número do Processo: 69/2012 ‑TData: Acórdão de 29 de Outubro de 2012 Assunto: Tributação de mais ‑valias nas SGPS

Factos

A Requerente – SGPS – pediu a constituição de tribunal arbitral visando a anulação de uma autoliquidação de IRC, referente ao ano de 2009 e a consequente devolução de imposto no valor de € 44 211,90.

A Requerente fundamenta o pedido nos termos do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante EBF), considerando que se trata de uma norma que contraria o regime geral de tributação das mais‑‑valias e menos ‑valias obtidas pelos sujeitos passivos de IRC, na medida em que estabelece uma isenção relativamente às mais ‑valias obtidas, em certas circunstâncias, pelas SGPS. Refere, ainda, que a ratio da não dedu‑tibilidade dos encargos financeiros prevista naquela disposição reside na ”penalização” das partes de capital relativamente às quais se aplicará uma isenção de IRC, aquando da sua alienação, sendo contrário à mens legis sustentar a não dedutibilidade de encargos financeiros suportados com outros activos que não consistam em partes de capital susceptíveis de bene‑ficiar do regime de isenção previsto no artigo 32.º do EBF. A Requerente sustenta ainda que as prestações acessórias e as prestações suplementares constituem os “outros activos” que a sociedade possui e que devem ser levados em conta para efeitos de aplicação do método presuntivo previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.

Por sua vez, a requerida – Administração tributária –, considera que esta interpretação é incorrecta, porque contraria a lei e o seu espirito, na medida em que está a considerar fiscalmente encargos que não são indis‑pensáveis para a obtenção de proveitos sujeitos a imposto.

Por fim, a requerente não se conforma com o facto de a requerida apresentar, genericamente, um fundamento de acordo com o qual não dis‑põe de elementos suficientes para validar o cálculo. Todavia, a requerida alega que as prestações suplementares e prestações acessórias não podem ser contabilizadas em “outros activos” porque se integram como partes de capital e são contabilizadas em capitais próprios (como capitais dos sócios). A requerida considera, ainda, que a Circular n.º 7/2004 não trata da dedutibilidade dos encargos financeiros por referência e em separado às

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319Comentários de Jurisprudência

prestações suplementares e partes de capital. Assim, e consequentemente, os encargos financeiros suportados com os financiamentos devem ser excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do artigo 31.º do EBF e do 23.º do CIRC.

Análise do Tribunal

O Tribunal Arbitral identificou as seguintes questões, que podem obstar ao conhecimento do pedido: i) contabilização dos quantitativos referentes a prestações suplementares, prestações acessórias de capital e suprimentos não remunerados, na aplicação do benefício fiscal, previsto no artigo 31.º, n.º 2, do EBF, para efeito de determinação dos encargos que não concorrem com a formação do lucro tributável; ii) veracidade da contabilização pela requerente do quantitativo de financiamentos obtidos; e iii) disponibilização pela requerente, à Administração fiscal, de informação necessária e suficiente quanto à imputação de encargos financeiros.

No que à primeira questão respeita, o Tribunal não acompanhou a posição da requerida, na medida em que entendeu que o artigo 31.º n.º 2 do EBF é um beneficio fiscal aplicável às SGPS, enquanto regime espe‑cial, contrário ao regime geral de tributação das mais ‑valias e das menos‑‑valias obtidas por sujeitos passivos de IRC. Consequentemente, refere que o método previsto na Circular n.º 7/2004, é um método de imputação presumido dos encargos financeiros às partes de capital, e bem assim, que o artigo 23.º do CIRC não pode ser utilizado para aumentar, automa‑ticamente, o volume de encargos financeiros afectos às partes de capital.

O Tribunal entendeu que o conceito de partes de capital atende a par‑tes de capital social e não a partes de capital próprio, pois está ‑se perante figuras jurídico ‑contabilísticas diferentes.

Por fim, e ainda quanto, à primeira questão, o tribunal considerou que o artigo 31.º, n.º 2, do EBF, que contempla a regra da exclusão da dedutibilidade dos encargos financeiros, suportados em financiamentos afectos à realização de participações sociais, não pode ser extensiva a encargos financeiros suportados em financiamentos afectos à realização de prestações suplementares, de prestações acessórias e de suprimentos não remunerados e que, assim sendo, estas deverão concorrer para a for‑mação do lucro tributável.

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Quanto à segunda questão decidenda, o Tribunal considerou que os financiamentos obtidos, deviam ser considerados enquanto empréstimo obtido remunerado, sendo o remanescente considerado como activo não remunerado e que, por este motivo, justificava o reduzido montante dos juros pagos pela requerente à sua accionista.

Neste sentido, o Tribunal considerou que assistia razão à requerente e que, por isso, não se podia considerar que os quantitativos referidos não estavam correctamente contabilizados.

Em relação à ultima questão, que se refere à disponibilização de informação necessária e suficiente, à Administração fiscal, o Tribunal pronunciou ‑se no sentido de não dar como provado que a Requerente, através da ocultação de documentos ou da utilização de algum expediente, pretendesse não disponibilizar uma informação, necessária e suficiente e, bem assim, que todos os elementos contabilísticos constam do processo e não suscitaram quaisquer duvidas.

Consequentemente, o Tribunal concluiu no sentido de improcederem os argumentos invocados pela requerida, considerando que a informação foi disponibilizada para permitir efectuar a imputação dos encargos finan‑ceiros de forma irrefutável.

Em suma, conclui ‑se pela procedência do pedido e, consequente‑mente, o despacho da Directora de Serviços de IRC foi anulado, a reque‑rida condenada na restituição da quantia indevidamente liquidada e paga.

Número do Processo: 28/2012 ‑TData: Acórdão de 30 de Outubro de 2012 Assunto: Dedutibilidade de custos

Factos

O Requerente – Banco, S.A. – requereu a constituição do Tribunal Arbi‑tral em matéria tributária, peticionando a pronúncia quanto à declaração de ilegalidade de uma liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 1993.

O requerente fora objecto de uma acção de inspecção, referente ao ano de 1993, tendo sido efectuada uma correcção aritmética, em sede de IRC, desconsiderando custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC, e consequentemente, foi declarado um prejuízo fiscal.

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321Comentários de Jurisprudência

O requerente era detido a 100% por uma SGPS e partilhava com sociedade S.A., os mesmos administradores. No entanto, até 1993, os encargos com a remuneração daqueles administradores foram suporta‑dos, na íntegra, pelo requerente, pressupondo o desempenho gratuito dos beneficiários de cargo idêntico na sociedade S.A. Por sua vez, e por razões administrativas, a sociedade S.A., efectuara, em 1993, o pagamento das remunerações aos administradores, ocorrendo o reconhecimento contabi‑lístico do custo, e reembolso do mesmo, por parte do requerente.

Ora, a requerente considerava que os custos incorridos com a remu‑neração dos administradores, não deviam ser desconsiderados no apura‑mento do resultado tributável, embora, referisse que os custos em causa não tinham suporte em documento externo para comprovar a operação, sendo essa falta, suprida por documento interno, que pôde juntamente com outros meios de prova, coadjuvar o sujeito passivo na tarefa de demonstrar a veracidade da operação.

A requerida, por seu turno, defendia, de acordo com o artigo 23.º do CIRC que, para um custo ser aceite, se exige a prova documental e que este seja indispensável à realização dos proveitos, o que se verificaria no caso subjudice relativamente às remunerações dos administradores, sendo, pois, fundamental a existência de uma factura ou nota de débito – o que não se verificou. A requerida considerou que o montante relati‑vamente ao custo que foi suportado pelo requerente foi desconsiderado como custo no processo de inspecção porque não constava da contabili‑dade e não foi, posteriormente, apresentado qualquer documento que o comprovam, assim como não constam dos autos quaisquer documentos que o provem. Veja ‑se que, segundo a requerida, os documentos juntos pelo requerente se referem a recibos de vencimento, subsídios e encargos com a segurança social, comprovando, apenas, que as remunerações foram pagas aos administradores, mas não evidenciam que o tenham feito em momento determinado.

A requerida considera, ainda, que também o documento junto, refe‑rente ao balancete da empresa, do qual consta a conta de Devedores e Cre‑dores Diversos, não permite visualizar a data, apenas havendo referência quanto ao valor que a requerente se comprometera a pagar, não estando demonstrada, efectivamente, a saída dos fundos monetários. Assim, a requerida considera necessário um meio probatório mais condigno, fiável e fidedigno, para provar a existência dos custos.

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Por fim, a requerida entendeu que o documento que demonstra a transferência do montante referido tem data de 19 de Outubro de 1994, pelo que não se podia considerar como meio de prova determinante, por‑que de acordo com os princípios da contabilidade e do IRC, os proveitos e os custos devem ser registados contabilisticamente no exercício a que respeitam, independentemente do momento em que são pagos.

Análise do tribunal

Importava saber se devem considerar ‑se na fixação do lucro tributável do requerente os custos relativos à remuneração dos seus administradores, referente ao ano de 2003.

Da análise da prova produzida, o Tribunal considerou que a quantia em análise foi efectivamente paga pela requerente, uma vez que esta foi debitada na conta bancária, em 19 de Outubro de 1994. O tribunal atendeu ainda ao lançamento efectuado em 31 de Dezembro de 1993, do qual consta a efectivação da transferência daquela quantia na con‑tabilidade.

Por sua vez, tendo em consideração o artigo 23.º CIRC, alínea d), as remunerações dos administradores são consideradas como custo indis‑pensável para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto. A controvérsia centrou ‑se no facto de a transferência da quantia referente ao ano de 1993, ter sido efectuada em 1994 e de tal custo dever ser tido em consideração como custo de 1993, como defendia a requerida.

Ora, de acordo com o artigo 18.º do CIRC, o Tribunal considerou que a despesa relativa a remunerações era um custo previsível na data de encerramento das contas de 1993, na medida em que foi deliberado, na assembleia geral de Abril de 1993, que a requerente suportaria tais custos no ano de 1993, e o lançamento contabilístico foi efectuado, respectiva‑mente, em 31 de Dezembro de 1993. Assim, o Tribunal concluiu que o custo relativo às remunerações de administradores respeitantes ao ano de 1993 devia ser considerado custo deste ano, embora só tenha sido paga a quantia correspondente em 1994, entendendo essa, consequentemente, que a Requerente imputou correctamente à liquidação adicional ilegali‑dade por violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea d), do CIRC, interpretado em consonância com o principio da especialização dos exercício, cuja observância é imposta pelo artigo 18.º, n.º 1, do CIRC.

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323Comentários de Jurisprudência

Número do Processo: 66/2012 ‑TData: Acórdão de 5 de Novembro de 2012 Assunto: Determinação da Residência Fiscal

Factos

O requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral sobre a ilega‑lidade das retenções na fonte de IRS, relativas ao ano de 2009.

A pretensão consistia na anulação do indeferimento de recurso hierár‑quico, e tinha, ainda, em consideração a declaração, ilegal, das retenções na fonte de IRS e, bem assim, pedido de restituição de excesso de IRS indevidamente retido na fonte, acrescidos de juros indemnizatórios desde a data de indeferimento da reclamação graciosa.

A questão subjacente centrou ‑se em determinar a residência do Requerente e verificar se, no ano de 2009, era considerado “não residente” fiscal em Portugal, na medida em que lhe seria aplicável uma taxa de 20%, e não a taxa de 28,2%, como se efectivou.

O Requerente entendeu que deve ser considerado não residente, em Portugal, para efeitos fiscais, na medida em que não permaneceu, nem trabalhou, em Portugal, por um período superior a 183 dias, assim como não possuía habitação que fizesse supor a intenção de a manter e ocupar, como residência habitual, à data de 31 de Dezembro de 2009.

Afirmava, ainda, que não comunicou às autoridades fiscais portugue‑sas a alteração do seu estatuto fiscal, para não residente em Portugal, em virtude da dificuldade em encontrar quem aceitasse ser seu representante fiscal em Portugal e, ainda, que não podia resultar dessa não apresentação a sua qualidade de residente fiscal em Portugal e que inexiste qualquer for‑mulário para aplicação da taxa de retenção na fonte para sujeitos passivos não residentes em Portugal.

Por sua vez, a requerida considerou que não foi comprovado, pela requerente, o estatuto de residente fiscal no Luxemburgo, assim como não ficou provado que esteve em Portugal menos de 183 dias, no ano de 2009 e invocou, ainda, o incumprimento da obrigação de comunicação da altera‑ção de domicílio e a não apresentação dos modelos 21 ‑RFI ou 24 ‑RFI, um dos fundamentos do indeferimento da pretensão da requerente. E invocou que o pedido de juros indemnizatórios padecia de erro de interpretação e aplicação da lei, na medida em que o pagamento de imposto em excesso

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não adveio de erro imputável aos serviços, mas, sim, por a requerente não ter a informação actualizada para efeito fiscais.

Análise do Tribunal

O tribunal, de acordo com o previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, considerou que, tendo o requerente, em 31 de Dezembro de 2009, habitação em condições que faziam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, o requerente e seu agregado familiar deviam ser considerados residentes em território português, para efeitos fiscais, no ano de 2009. Todavia, o Tribunal constatou, ainda, que as autoridades fiscais Luxemburguesas emitiram um certificado, em 24 de Abril de 2012, de residência fiscal do requerente, no Luxemburgo, no período entre 1 de Janeiro de 2009 e 30 de Setembro de 2009.

Consequentemente, o Tribunal afastou a hipótese de os rendimentos em causa terem sido objecto de dupla tributação internacional, quer em Portugal, quer no Luxemburgo, de acordo com o artigo 4.º, n.os 1 e 2, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património.

O artigo 4.º, n.º 2, da Convenção prevê critérios que estabelecem uma relação de prioridade e, neste sentido, atendendo à alínea a) primeira parte, do referido artigo, o Tribunal entendeu que o requerente devia ser, uma vez mais, considerado como residente em Portugal, no ano de 2009, para efeitos fiscais, tendo em atenção que possuía habitação permanente à sua disposição em território português.

Neste sentido, o tribunal considerou que o Banco em causa efectuou as retenções na fonte sobre os rendimentos do trabalho dependente.

Concluindo pela improcedência do pedido de anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e do pedido de declaração de ilegalidade das retenções na fonte de IRS, consequentemente, é consi‑derado como residente fiscal em Portugal, não tendo direito à restituição do imposto.

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325Comentários de Jurisprudência

Número do Processo: 23/2012 ‑TData: Acórdão de 20 de Novembro de 2012 Assunto: Menos‑valias com alienação de partes de capital – SGPS

Factos

A Requerente SGPS solicitou a pronúncia do Tribunal arbitral, rela‑tivamente ao acto de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), do ano 2003, tudo por objecto a essa menos valia resultante da alienação de participações sociais. Não existiu, segundo a requerente, qualquer motivo de natureza fiscal na decisão de alienação ou qualquer concertação entre entidades, com vista a fixar um preço para a transacção.

Aquando da entrega da declaração de rendimentos, referente ao exercício de 2003, a Requerente não teve em consideração a menos ‑valia decorrente da alienação dessas participações sociais e, neste sentido a Requerente considerou que a autoliquidação de IRC assentou em pres‑supostos inválidos, na medida em que devia ter sido considerada como fiscalmente relevante.

A requerente procedeu à alienação de acções nominativas, de uma sociedade com a qual não tinha relações especiais. Por sua vez, as acções referidas, haviam sido adquiridas, em Dezembro de 2001, à outra socie‑dade, com a qual existiam relações especiais (comprador e vendedor, eram detidas integralmente pela sociedade) e foram, ainda, detidas por período inferior a três anos, o que determinava, de acordo com a Requerente, a não aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, mas sim, do regime geral previsto no CIRC.

A Requerente afirmava que, sempre que fosse adquirida uma parti‑cipação a entidade relacionada e, estivesse em causa uma menos ‑valia, importava recorrer ao regime geral previsto no artigo 23.º do CIRC, sob pena de, se assim não fosse estarmos perante dois normativos aplicáveis à mesma situação.

Consequentemente, a Requerente, invocava a inconstitucionalidade do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC (actual artigo 45.º, n.º 3), porque ocorre uma violação dos princípios da retroactividade da lei fiscal e da segu‑rança jurídica, tendo em consideração que a participação foi adquirida antes da entrada em vigor do novo regime jurídico, em 2001, pelo que a

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aplicação deste regime às menos valias consubstanciava uma aplicação retroactiva da norma.

Todavia, a Requerida apresentou resposta, invocando a não aplicação das normas cuja inconstitucionalidade é suscitada, como o artigo 23.º, n.º 5, do CIRC e o artigo 31.º, n.º 3, do EBF, sendo subsumível ao artigo 31.º, n.º 2, do EBF. Consequentemente, considerou, ainda, que o Tribunal Arbitral era incompetente para apreciar a inconstitucionalidade das normas referidas, na medida em que isto é da competência do Tribunal Constitucional.

Análise do Tribunal

O Tribunal Arbitral identificou a seguinte questão decidenda, que poderia obstar ao conhecimento do pedido (aceitação fiscal da menos‑‑valia de partes de capital realizada pela Requerente, no ano de 2003). No entanto, para maior compreensão, elencou quatro pontos que foram devi‑damente analisados: i) a ordem de conhecimento das questões suscitadas; ii) a análise do artigo 31.º do EBF; iii) o (não) conhecimento das incons‑titucionalidades invocadas do artigo 23.º e 42.º do CIRC; e iv) a violação da retroactividade da lei fiscal.

Quanto ao primeiro ponto, o Tribunal analisou os artigos que foram, anteriormente, invocados pela Requerente, quanto à sua inconstitucio‑nalidade e considerou a aplicabilidade directa e prima facie do regime previsto no artigo 31.º do EBF, sendo que, só apos a sua aplicação, é que se poderia não convocar os outros artigos previstos no CIRC.

Por sua vez, quanto ao segundo aspecto referido pelo Tribunal, considerou que a lei fiscal prevê relevância tributária das mais ‑valias em casos excepcionais, não fazendo referência às menos ‑valias. Assim, o Tribunal entendeu que as menos ‑valias realizadas, no ano de 2003, pela requerente, com a alienação de partes de capital adquiridas em 2001, não concorrem para a formação do seu lucro tributável e, logo, não são aceites em termos fiscais.

Para o Tribunal o artigo 31.º, n.os 2 e 3, do EBF (actual artigo 32.º, n.os 2 e 3, do EBF) não sofre de inconstitucionalidade, justificando o seu entendimento, com base na consideração de que o legislador tri‑butário decidiu legitimamente criar um regime tributário especial para as SGPS, mais favorável e adequado à sua natureza, sendo concedidos

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vários benefícios fiscais específicos. Assim, o artigo 31.º do EBF criou um regime ‑regra de não tributação dos rendimentos típicos e específicos das SGPS. Refere, ainda, que o benefício fiscal que isenta de imposto as mais ‑valias das SGPS, não abrange a aceitação fiscal das menos ‑valias. Considerando que as menos ‑valias não concorrem para o lucro fiscal, a lei fiscal tributa o saldo que resulta da diferença entre as mais e menos valias, e porque aceitar fiscalmente as menos valias e isentar as mais ‑valias poderia reconhecer uma situação muito provável de constantes prejuízos.

O Tribunal entende também que o artigo 31.º, n.º 2, do EBF não discrimina negativamente os grupos de sociedade, antes cria um regime de protecção fiscal dos mesmos. Por sua vez, relativamente ao artigo 31.º, n.º 3, do EBF é considerado como uma norma específica anti ‑abuso que pretende evitar o acesso a este benefício fiscal e o planeamento fiscal abusivos, pelo que não imputa qualquer inconstitucionalidade ao preceito legal em apreço.

Por fim, o Tribunal considera que o artigo 31.º do EBF cria uma isenção de tributação das mais ‑valias, e não uma presunção absoluta de custos não dedutíveis. Assim, conclui que as menos ‑valias realizadas pela requerente com a alienação das acções não são dedutíveis ao rendimento tributável da requerente.

No tocante ao terceiro ponto – e quanto ao não conhecimento das inconstitucionalidades invocadas dos artigos 23.º e 42.º do CIRC – o Tribunal manifestou ‑se no sentido da requerida, considerando que estes preceitos não se aplicam ao caso subjudice, cuja resolução completa atende, exclusivamente, ao artigo 31.º do EBF. Não sendo necessário fazer referência aos artigos do CIRC, está em causa um regime fiscal privativo das SGPS, sendo consequentemente uma lei especial que prevalece sobre as leis gerais do CIRC. Consequentemente, o Tribunal considera que se as menos valias não são aceites nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do EBF, não é necessário sindicar a sua viabilidade e hipotética aceitação nos termos do artigo 23.º do CIRC, visto não ser aplicável ao caso.

Relativamente ao último ponto, foi referido, quanto à alegada vio‑lação da retroactividade da lei fiscal, o tribunal considerou que não está em causa uma retroactividade em primeiro grau ou autêntica, e do mesmo modo que não estamos perante uma retroactividade de segundo grau. Assim, invoca que está ‑se perante uma terceira linha, sendo a lei nova clara e totalmente em vigor no momento da realização das menos valias, mas não estava em vigor na data de aquisição das partes de capital.

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De acordo com o artigo 12.º, n.º 1, da LGT, as normas tributárias aplicam ‑se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, e nesse sentido, não haverá retroactividade neste caso, visto que as menos ‑valias foram realizadas num momento temporal em que o artigo 31.º do EBF estava em vigor.

Mais: o tribunal refere que a lei nova apenas não seria aplicável ao caso em análise, se a lei antiga tivesse crido uma confiança tal no contri‑buinte que lhe conferisse uma expectativa ou direito juridicamente tute‑lado, de tal forma, que as alterações supervenientes do regime de alienação dos activos não lhe poderem ser aplicáveis mas que, todavia, a requerente não fez prova de tal expectativa ou direito digno de tutela. Assim sendo, o tribunal conclui no sentido de não considerar o artigo 31.º como inconsti‑tucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, da tutela da confiança ou de qualquer outro princípio constitucional.

Em suma, conclui ‑se pela improcedência dos pedidos formulados, relativamente ao acto de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), relativamente à menos valia que resultou da alienação das participações sociais

ROGÉRIO M. FERNANDES FERREIRAFRANCISCO DE CARVALHO FURTADOANA MOUTINHO NASCIMENTOCATARINA RIBEIRO CALDAS

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SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE CONTASDO TRIMESTRE

1.ª SEcção (fiScAlizAção PRéViA)

Acórdão n.º 17/2012 – 2OUT ‑1.ª S/PL – RO n.º 6/2012

Instituto público. Contrato de prestação de serviços. Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exer‑cem funções públicas. Contrato de utilização de trabalho temporário. Recusa do visto

1. Os institutos públicos integram ‑se no âmbito de aplicação objetivo da Lei n.º 12 ‑A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações – LVCR).

2. Nos termos desta Lei, para a execução de atividades, quer per‑manentes quer temporárias, os serviços públicos com recursos humanos insuficientes – após se esgotarem as alternativas previstas na lei para o recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público já constituída – devem proceder ao recrutamento de trabalhadores mediante a constituição de novas relações jurídicas de emprego público, quer por tempo indeterminado, quer por tempo determinado ou determinável, colhido o parecer favorável dos membros do Governo competentes.

3. A mesma lei admite que para assegurar a execução de certas atividades, os serviços procedam à celebração de contratos de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa e avença, nos casos em que, sendo inconveniente a constituição de relações jurídicas de emprego público,

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aquelas atividades possam ser executadas com recurso a trabalho não subordinado.

4. Face às soluções consagradas pelo legislador em matéria de con‑trato de trabalho em funções públicas, conclui ‑se que deliberadamente não se quis consagrar a possibilidade de recurso ao trabalho temporário nos serviços públicos que integram o âmbito de aplicação da LVCR.

5. A celebração de um contrato de utilização de trabalho temporário viola o disposto nos n.os 1 a 6 do artigo 6.º da LVCR.

6. À luz do regime dos contratos de prestação de serviços constante da LVCR, um contrato de utilização de trabalho temporário não se recon‑duzindo a nenhuma das modalidades nela previstas e não respeitando os pressupostos legais que as legitimam e fundam, viola ainda a disciplina contida no artigo 35.º, n.os 1 e 2, al. a) 3, 4, 5 e 6, da mesma lei.

7. Face aos fundamentos jurídicos apresentados para a celebração do contrato de utilização de trabalho temporário, não se verificaram igual‑mente os pressupostos legais constantes dos artigos 140.º, n.º 2, alínea g), do Código do Trabalho e 18.º, n.º 1, alínea h) da Lei n.º 19/2007.

8. As ilegalidades referidas são fundamento de recusa de visto ao contrato, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.

Acórdão n.º 19 /2012, 9OUT – 1.ª S/SS

Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo. Contrato de fornecimento. Erro de escrita. Recusa do visto

1. A referência ao valor por escrito constante da proposta comporta, inequivocamente, um erro de escrita e não uma divergência suscetível de pôr em causa a compreensibilidade da declaração. Basta atentar no valor global apresentado para perceber que o que estava e esteve sempre em causa foram os valores aritméticos apresentados (e não os valores em extenso).

2. Vir em momento posterior anular essa adjudicação, invocando um desfasamento entre o critério que se fixou previamente – a indicação do preço unitário em algarismo – e o preço unitário indicado por algarismos e por extenso, e ao contrário, não retificando ou mandando retificar, nos termos da Lei, o erro de escrita ocorrido, é claramente uma ilegalidade.

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331Comentários de Jurisprudência

3. Daí que nada haja a questionar na decisão sub judice que, por via da invalidade do ato de adjudicação ocorrido posteriormente que adju‑dicou o serviço de refeições ao segundo classificado do concurso, com a consequente alteração do impacto financeiro, recusou o visto prévio.

Acórdão n.º 20/2012 – 13NoV ‑1.ª S/Pl – Ro n.º 8/2012

Município. Prorrogação de empréstimo. Dívida flutuante. Endivi‑damento líquido municipal. Recusa do visto

1. A não amortização do empréstimo de curto prazo no prazo máximo de um ano constitui, ainda de acordo com o preceituado no art.º 38.º, n.º 3, da Lei das Finanças Locais, a subversão da sua finalidade, pois a não realização da receita que tal empréstimo anteciparia transformou a dívida num veículo de financiamento do défice orçamental do Município.

2. A prorrogação do empréstimo para além de um ano obriga à classificação da correspondente dívida como de médio prazo.

3. De acordo com a factualidade descrita, a prorrogação do emprés‑timo [€675.000,00] viola os limites de endividamento de médio e longo prazo do município resultantes da lei.

4. Nestes termos, nega ‑se provimento ao recurso, mantendo ‑se, a decisão recusa do Visto.

Acórdão n.º 21 /2012 – 13NoV ‑1.ª S/Pl – Ro n.º 40/2011

Município. Contrato de abertura de crédito. Saneamento finan‑ceiro. Recusa do visto

1. O reconhecimento de desequilíbrio financeiro conjuntural da autarquia deve assentar num dos pressupostos fixados no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto ‑Lei n.º 38/2008, de 7 de março.

2. O saneamento financeiro da autarquia deve assentar num estudo sobre a sua situação financeira e decorrer em conformidade com um plano de saneamento financeiro, visando atingir uma situação financeira equili‑brada, que respeite os princípios e leis financeiras aplicáveis.

3. O estudo sobre a situação financeira da autarquia deve ser fun‑damentado, incluindo o diagnóstico da situação económico ‑financeira

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dos últimos anos, baseada nos indicadores financeiros próprios dos sis‑temas orçamentais e contabilísticos utilizados, a identificação das causas do desequilíbrio financeiro e os critérios e razões técnicas que levam a qualificar esse desequilíbrio como conjuntural, não podendo ser obscuro, contraditório, ininteligível ou insuficiente.

4. O plano deve conter, nomeadamente, as medidas previstas no Decreto ‑Lei n.º 38/2008, garantir que o seu cumprimento conduz ao saneamento financeiro da autarquia e conter as adequadas projeções finan‑ceiras demonstrativas de que, durante o período em causa, o equilíbrio orçamental e patrimonial é obtido, o endividamento líquido não aumenta, a dívida a fornecedores não é retomada, os limites de endividamento são respeitados.

5. Ora, o estudo aprovado pelos órgãos municipais não pode considerar ‑se fundamentado, como a lei exige, pois não identifica e quantifica adequadamente a situação de desequilíbrio financeiro do muni‑cípio e as suas causas e é contraditório com outra informação disponível. E o plano não contém as medidas e projeções necessárias que demonstrem que, com a sua execução, o equilíbrio orçamental e patrimonial é obtido, o endividamento a fornecedores não é retomado, os limites de endivida‑mento são respeitados e se atingirá uma situação financeira equilibrada, que respeite os princípios e leis financeiras aplicáveis.

6. O que está em causa (e foi efetuado na decisão sub judice) é a incidência da apreciação jurisdicional sobre a verificação dos pressu‑postos legais do recurso aos instrumentos de saneamento financeiro do município, sendo que estes constituem uma tríade: o Estudo, o Plano de Saneamento e os Contratos de Financiamento.

7. Esse juízo foi efetuado pelo Tribunal, naturalmente emergindo no conteúdo dos documentos justificativos da situação de desequilíbrio financeiro, bem como na apreciação sobre se os empréstimos bancários são adequados ao saneamento financeiro pretendido pelos órgãos autárquicos, em função dos requisitos legais exigidos.

8. Esse juízo, efetuado nos termos da lei e das suas competências, decorre de forma inequívoca, do teor dos artigos 1.º n.º 1 e 5.º n.º 1 alínea f), da LOPTC.

9. Nestes termos, nega ‑se provimento ao recurso, mantendo ‑se, a decisão recusa do Visto.

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333Comentários de Jurisprudência

3.ª SECçãO (RESPONSABILIDADE FINANCEIRA)

Acórdão n.º 16/2012 – 22OUT – RO N.º 3 RO ‑ JRF/2012

Hospital, EPE. Fiscalização prévia. Responsabilidade financeira sancionatória

1. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º da LOPTC, as entidades públicas empresariais estão, em determinadas circunstâncias, sujeitas ao controlo prévio do Tribunal de Contas.

2. Tem este Tribunal entendido que o preenchimento do requisito “entidade criada pelo Estado ou por qualquer outra entidade pública para desempenhar funções administrativas originariamente a cargo da Administração Pública”, implica que as necessidades coletivas a satisfazer estivessem antes já identificadas como tal; estivessem antes cometidas a órgão ou serviço integrado no sector público administrativo; mantenham um conteúdo materialmente administrativo.

3. Não há dúvida de que os Hospitais, EPE, são entidades criadas pelo Estado que preenchem estas características, na medida em que a sua atividade, à semelhança do que acontece com todos os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde, se destina à satisfação de neces‑sidades coletivas no domínio da saúde, há muito identificadas, original e tradicionalmente e ainda hoje garantidas por entidades inseridas no sector público administrativo, tendo essa atividade uma natureza não mercantil.

4. Quanto ao critério “encargos suportados por transferência do orçamento da entidade que os criou”, devem relevar todos os fluxos de recursos financeiros públicos da entidade criadora para a entidade criada, contribuindo para o seu funcionamento e, em geral, para as suas atividades, independentemente das soluções técnicas adotadas.

5. Os Hospitais EPE são remunerados pelo Estado em função da valorização dos atos e serviços que prestam, por linhas de produção, tendo por base uma tabela de preços constante em anexo aos respetivos contratos‑‑programa, para além de beneficiarem também de projetos financiados com receitas públicas consignadas (pelo PIDDAC e por outros programas comunitários, como o Saúde XXI).

6. A introdução de uma fase negocial não permitida por lei no con‑curso público consubstancia ‑se numa ilegalidade do procedimento que

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inquina o ato de adjudicação de ilegalidade e, consequentemente, o ato de assunção do compromisso, tornando, por esta via, a respetiva despesa pública ilegal (vide alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC).

7. Qualquer gestor público cuidadoso e diligente, colocado na posi‑ção do Recorrente, podia e devia obstar a que o júri do concurso tivesse atuado como atuou ou, não o tendo feito, não proceder à adjudicação, anulando o procedimento concursal desde a data da verificação da referida ilegalidade (introdução de uma fase negocial no concurso público).

8. Foram efetuados três pagamentos na pendência do processo de fiscalização prévia e antes de qualquer decisão de “Visto” por parte do Tribunal.

9. Qualquer gestor público cuidadoso e diligente, colocado na posi‑ção do Recorrente, podia e devia saber que não podia efetuar pagamentos antes do “Visto”.

10. Mantém ‑se a condenação de um dos Demandados na multa de €1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) pela prática da infração financeira sancionatória prevista e punida no artigo 65.º, n.º 1, alínea h), e n.os 2 e 5, da LOPTC.

11. Mantém ‑se a condenação do outro Demandado na multa de €1.920,00 (mil novecentos e vinte euros) pela prática da infração finan‑ceira sancionatória prevista e punida no artigo 65.º, n.º 1, alínea b), e n.os 2 e 5, da LOPTC.

Acórdão n.º 17/2012 – 28 NoV – Ro n.º 2 ‑JRf/2012

Município. Trabalho extraordinário. Responsabilidade financeira sancionatória

1. O Decreto ‑Lei n.º 259/98, de 18 de agosto, que estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração de trabalho na Admi‑nistração Pública, não consente qualquer interpretação que passe pela atri‑buição aos Chefes de Divisão de competência própria para a autorização de trabalho extraordinário.

2. Quando o artigo 34.º, n.º 1, do Decreto ‑Lei n.º 259/98 fala na necessidade de autorização prévia não se pode contentar com instruções genéricas sobre a realização do trabalho extraordinário, apontando antes para a necessidade de concretização em cada momento dos casos em que

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335Comentários de Jurisprudência

se pode realizar o trabalho, designadamente, discriminando ‑se os serviços em causa, os trabalhadores contemplados e as horas necessárias, sendo certo que o regime do trabalho extraordinário surge como excecional (cfr. artigo 26.º, n.º 1) e o n.º 1 do artigo 35.º do mesmo diploma legal impõe que “Os dirigentes devem limitar ao estritamente indispensável a autorização de trabalho nas modalidades previstas no presente capítulo”.

3. Na ausência de autorização prévia nos termos legais, é manifesto que a conduta do agora Recorrente ao autorizar os pagamentos desse trabalho é ilícita.

4. Decorre do princípio da prossecução do interesse público con‑sagrado no artigo 266.º da CRP (e com sede igualmente no artigo 4.º do CPA) o dever da boa administração em toda a atividade da Administração Pública, dever esse que deve ser exercido com respeito do princípio da legalidade (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 3.º do CPA).

5. Especificamente no que concerne aos eleitos locais, o artigo 4.º da Lei n.º 29/87, de 30 de junho (Estatuto dos Eleitos Locais) define quais os seus deveres em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos e em matéria de prossecução do interesse público, sendo de realçar que é expressamente exigido aos eleitos locais “observar escrupulosamente as normas legais e regulamentares aplicáveis aos atos por si praticados ou pelos órgãos a que pertencem”, “salvaguardar e defender os interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia” e “respeitar o fim público dos deveres em que se encontram investidos”.

6. Improcede, assim, a pretensão do Recorrente.

ALEXANDRA PESSANHA NUNO CUNHA RODRIGUES

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RECENSõES

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Já tivemos oportunidade de cumprimentar o Professor Doutor Freitas da Rocha em recensões anteriores, pelo que nos dispensamos de o fazer. A pequena obra em causa foi elaborada no quadro do Núcleo de Estudos das Autarquias Locais da Universidade do Minho (NEDAL) e tem por finalidade fornecer um enquadramento e uma exposição dos mais signi‑ficativos aspetos de regime da denominada “Lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso” (LCPA). A LCPA é um diploma, aprovado pela Lei n.º 8/2012 e que foi mais tarde densificado pelo decreto ‑lei n.º 127/2012.

No seu todo estamos perante diploma que que contêm várias dispo‑sições que, de um modo geral, se podem reconduzir às finalidades básicas de contenção e corte nas despesas públicas.

Conforme os autores referem “a atualidade do tema não poderia ser mais evidente: a presente situação financeira pública é insustentável, e será indubitável que ajustamentos profundos devem ser feitos no campo da despesa pública” (pág. 5).

Acertadamente, contudo apresentam algumas reservas, porquanto não podemos “fazer crer que se trata de uma solução para todos os males financeiros”. Aliás, continuam: “pelo contrário, desacompanhada, corre o risco de produzir um impacto diminuto, motivo pelo qual se salienta em determinada parte da exposição que existem outros meios e recursos e que devem ser utilizados mais meios de disciplina financeira” (pág. 6).

Lei dos Compromissose dos Pagamentosem Atraso

Joaquim Freitas da RochaNoel GomesHugo Flores da Silva

Coimbra Editora, 2012

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A obra está dividida em duas partes: a primeira dedicada à análise da Lei dos Compromissos e a segunda ao elencar dos normativos em vigor, já identificados. É a primeira parte que releva para o estudo doutrinal do tema, estando o texto dividido em 5 capítulos, a saber: (1) enquadramento e objetivos; (2) âmbito material de aplicação; (3) âmbito subjetivo; (4) prin‑cipais obrigações decorrentes da LCPA; (5) principais consequências da violação da LCPA.

A LCPA é resultado da tomada de consciência política da necessidade de limitação do poder orçamental. No entanto, e como os autores eviden‑ciam ao longo da obra, não deixa de ser um exercício legislativo infeliz. De facto, a determinação de limites rígidos na execução das despesas permite identificar uma proibição massiva da utilização da política orça‑mental como instrumento de regulação conjuntural. Em primeiro lugar, as vinculações plurianuais existentes, quer do ponto de vista supranacional, quer do ponto de vista interno, quanto à necessidade de cumprimento de compromissos de consolidação orçamental implicam uma evolução con‑tida da despesa, normalmente determinada em função da evolução dos preços e limitada à arrecadação das receitas fiscais. Em segundo, assiste ‑se a um movimento paradoxal de multiplicação dos programas sectoriais e de quadros globais cada vez mais rigorosos que põe em causa a regulação conjuntural exigida. Inclusive, avance ‑se mesmo que a plurianualidade tornou as despesas ainda mais rígidas e tornou ‑as mesmo incompreensíveis no curto prazo, transformando algo útil no longo prazo como supérfluo, suscetível de supressão ou renegociação. Ora, tudo isto vem explicar porque razão o orçamento é cada vez menos utilizado com instrumento compensatório do ponto de vista conjuntural, correspondendo todo este movimento legislativo a uma destruição da política orçamental conforme classicamente apreendida.

Exemplo paradigmático desta negação da política orçamental passa pelo conceito de fundos disponíveis, que apesar de ser um “conceito com‑plexo” (pág. 51), não seja de estranhar que a sua aplicação seja tão difusa, uma vez que “aplicando ‑se a LCPA a realidades institucionais bastante diversificadas, o legislador teve de moldar um conceito de fundos dispo‑níveis também ele relativamente amplo e elástico de forma a não deixar de fora daquele importante conceito verbas e componentes que pudesses constituir receitas das entidades abrangidas por aquele diploma legal” (pág. 51). Acrescente ‑se ainda, a propósito, que ainda hoje alguns casos

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ainda reclamam intervenção administrativa, pois não são inteiramente resolvidos pela lei e respetiva regulamentação.

Em suma, apesar de todos os vícios e problemas associados à fonte em análise, trata ‑se de um bom estudo, por ser único e pioneiro, que interessa ler e reter.

GUILHERME WALDEMAR D’OLIVEIRA MARTINS

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Numa conjuntura de crise como hoje na zona Euro e, em especial, em Portugal com um debate ardente sobre a dicotomia austeridade/cres‑cimento, a querela antiga entre a posição mais interventora de Keynes e mais liberal de Hayek regressa à tona oitenta anos depois de se ter iniciado na sequência da publicação do “Tratado sobre a Moeda” da autoria do primeiro. A oportunidade da obra mais recente de Nicholas Wasphott sobre este confronto de visões sobre o papel do Estado na Economia e dos instrumentos utilizáveis parece pois certeira. Pena será que eventuais expectativas de encontrar respostas aos anseios dos decisores políticos e dos cidadãos sacrificados nesta hora de ansiedade não sejam sequer tentadas devido à opção narrativa do escritor britânico.

Com efeito, o autor, jornalista de formação e conhecido por ser espe‑cialista em biografias, escolhe como via um relato linear e muito pouco analítico do “confronto que definiu a economia moderna”, seguindo no tempo, quase ano após ano, a vida e actividade académica de ambos os protagonistas. Esta abordagem revela ‑se algo redutora do debate de ideias e da sua projecção para o quadro actual mas traduz o perfil do autor e das suas obras sobre actores e políticos. O texto, que se estende ao longo de dezoito capítulos com títulos cinematográficos sugestivos, assume uma verve algo romantizada, com Wapshott a explorar pormenores da vida privada dos dois economistas como as opções sexuais de Keynes ou o

Keynes/Hayek:O Confrontoque Definiua Economia Moderna

Nicholas Wapshott

Dom Quixote, 2012

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segundo casamento de Hayek, com descrições das suas qualidades físicas, trajes, amizades, entre outros, o que, no fundo, contribui para criar um clima de rivalidade pessoal e até académica e dogmática entre os dois protagonistas mais exagerada do que na realidade acontece. Veja ‑se curio‑samente que o trabalho que populariza Hayek, a saber “O Caminho para a Servidão”, não constitui na realidade um exercício anti ‑keynesiano como aliás Wapshott acaba por reconhecer. Se esta dimensão quase ficcional da disputa decepciona quem procura, neste livro, encontrar uma análise comparativa técnica, precisa, crítica e detalhada das teorias de Keynes e Hayek e dos seus seguidores, ela permite, contudo, ao leigo um contacto mais sedutor, facilitado e enquadrado do debate, em especial através, por um lado, da dramatização como o primeiro embate de Hayek com o Circo (i.e. o conjunto de amigos e admiradores de Keynes) em Cambridge e, por outro, da descrição da influência das ideias defendidas nas torres de marfim académicas nas decisões políticas nos últimos oitenta anos.

Não sendo Wapshott um economista, em particular versado em aspectos macroeconómicos, mas sim jornalista profissional e professor de escrita de biografias em Nova Iorque com formação em Política pela Universidade de York, percebe ‑se o caminho escolhido. O livro, aliás, apresenta algumas falhas e imprecisões, como a omissão sobre a posição de Hayek quanto ao fornecimento por parte do mecanismo de preços de incentivos (para lá de informação) ou da importância dos animal spirits de Keynes; a atribuição a este da criação da econometria ou da teoria da intervenção do Estado (quando, designadamente, Pigou, seu contempo‑râneo propunha, em 1920, a solução centralizadora de um imposto para lidar com as externalidades quatro décadas mais tarde contestada por Coase); ou a relevância conferida a Milton Friedman enquanto seguidor do académico austríaco no confronto com Keynes quando, na verdade, tal papel talvez devesse caber a Robert Lucas ou a Edward Prescott com os seus trabalhos sobre economias sem fricção ou sobre ciclos económicos quase ‑óptimos.

Para além do mais, no que respeita estas limitações, como resulta de várias citações de alguns dos companheiros académicos de Keynes e Hayek que alimentaram o debate, mesmo para especialistas habituados a lidar e a estudar os problemas e conceitos por eles desenvolvidos, muitos dos aspectos debatidos por ambos no seu confronto na revista Economica e depois entre Hayef e Sraffa são quase indecifráveis e de um preciosismo

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inalcansável. Ademais, até os trabalhos mais emblemáticos dos dois professores apresentam um nível de complexidade elevado, sendo, em especial no caso de Keynes, pela evolução constante do seu pensamento, como o próprio reconhece, possível encontrar contradições ou pelo menos alguma falta de clareza.

Por outro lado, o título do livro pode inclusivamente conduzir ao erro de se julgar que entre Keynes e Hayek apenas existem diferenças no seu pensamento económico, quando em certos pontos concordam como quanto às consequências do Tratado de Versalhes, a aversão de ambos ao totalitarismo e até a compreensão de que o comportamento dos agentes económicos pode não ser perfeitamente racional, abraçando inclusiva‑mente o subjectivismo. Mais, o ponto de partida das duas escolas de pensamento é o mesmo, no sentido em que reconhecem que os mercados evoluem ciclicamente na linha de Wicksell e falham, gerando crises, centrando ‑se as suas análises nas suas causas e na sua resolução ainda que por abordagens diferentes, pese embora ambas atentem à deslocação e má alocação da poupança e do investimento. As similitudes encontradas não devem, porém, afastar a percepção de profundas diferenças filosóficas com repercussões na construção da doutrina económica de Keynes e Hayek e dos seus seguidores e simpatizantes.

Neste âmbito, o livro permite perceber as principais diferenças de pensamento com o mestre britânico a herdar a tradição marshalliana de Cambrigde e o seu adversário a Escola austríaca com influência de Mises e da dura experiência da hiperinflação na sua terra natal na ressaca da I Guerra. O cisma incide essencialmente na abordagem da ciência econó‑mica e no papel perspectivado do Estado e do laissez ‑faire. Keynes pensa a Economia de cima para baixo, considerando a lógica macroeconómica dos agregados que não se resume, na sua posição, a uma mera soma dos agentes e mercados individuais, enquanto Hayek raciocina de baixo para cima, na óptica microeconómica, postulando a dificuldade de se compreen‑der verdadeiramente os comportamentos dos sujeitos. Esta inversão de perspectivas explica a preocupação do segundo com a inflação por afectar o único mecanismo (o dos preços) que permite perceber e traduzir as opções individuais e do primeiro com o desemprego por não só expressar um desequilíbrio da procura agregada (subconsumo) mas também pela dimensão humana desta falha (até pelas recordações associadas às conse‑quências da convertibilidade demasiado elevada da libra em ouro). Mais,

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tal repercute ‑se no tipo de postura das políticas propostas: enquanto Hayek, mais formalista e crente no equilíbrio a longo prazo dos mercados e na entropia e onerosidade geradas por eventuais intervenções correctivas, pre‑fere uma abordagem estática e neutral, Keynes, preocupado com o alívio imediato das dificuldades inerentes às crises, propugna tentativas honestas de melhorar o mundo, i.e. dinamismo através da intervenção do Estado, em particular por via da despesa pública, com fé no efeito multiplicador desenvolvido por Kahn, e da política fiscal (por oposição à preferência pela manipulação da política monetária proposta por Friedman).

Este lado prático do keynesianismo explica a atracção da maioria dos políticos nos últimos oitenta anos, ainda que por vezes num exercí‑cio de experimentalismo, em adoptar alguns dos remédios defendidos pelo professor britânico, mesmo quando ideologicamente mais perto da neutralidade liberal conservadora hayekiana, para agradar ao eleitorado. As descrições dos mandatos de Nixon, Reagan e até a breve passagem pela presidência de George W. Bush são exemplares nesta matéria. O tra‑balho de Wapshott, se algo decepcionante na óptica da teoria económica e de extrapolações para a conjuntura actual que aborda muito ao de leve (talvez devido à falta de distanciamento necessária), é compensado pela sua capacidade de transmitir ao leitor a ligação entre a discussão técnica sobre os melhores instrumentos para lidar com quadros de crise e a escolha pública num cenário de democracia em que os governantes dependem do voto dos cidadãos para serem ou se manterem eleitos. Por outras pala‑vras, coloca com particular acuidade a questão do preço da democracia e das distorções decorrentes de um contexto de agência (principal ‑agent) com os decisores políticos a tomarem opções erradas para mostrarem no imediato resultados e cujos ensinamentos não deveriam ser esquecidos num contexto como o actual.

Interessante igualmente, em particular para quem se move nas uni‑versidades, não é apenas a interligação descrita e explorada no livro entre as faculdades e os governantes, mas a animação do debate intelectual entre pares e a cooperação entre os académicos como ilustram, nomeadamente e de forma enfática, a descrição da dinâmica do Circo, a colaboração de Kahn na construção do multiplicador keynesiano ou o apoio prestado por Robbins a Hayek, ou o “duelo” nas páginas da revista Economica. Em última análise, sublinha a construção constante do conhecimento e a humildade que se deverá ter nesse processo e na sua avaliação, não se

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devendo correr, como ainda hoje se verifica, a atestar a morte súbita de determinados movimentos e teorias, como dos ensinamentos de Hayek na ressaca da crise do sub ‑prime, para pouco tempo depois os ressuscitar em nome de uma necessária austeridade.

No confronto entre Keynes e Hayek, Wapshott, pese embora passe mais tempo a tratar do primeiro e manifeste inconscientemente, até pela sua recuperação, a sua simpatia pelo austríaco, parece concluir por um empate: a validade formal dos argumentos intelectuais de Hayek e o pragmatismo de Keynes (que justifica, em boa parte, o seu reinado com‑parativamente mais longo desde a década de trinta do século passado). No fundo, ainda que com algumas insuficiências, coloca o leitor face a questões estruturais que continuam, oito décadas depois, pertinentes: que tipo de sociedade queremos? Até que ponto acreditamos no poder da ini‑ciativa privada? O que devemos aos nossos concidadãos? O que devemos fazer para o nosso futuro colectivo?

A teoria económica pode auxiliar nesta reflexão mas, no fim, não lhe cabe decidir, conclui ‑se do trabalho de Wapshott.

RUTE SARAIVA

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Os contratos de seguro têm sido alvo da sujeição sucessiva a um alargado número de tributos de natureza parafiscal que, embora sob dife‑rentes denominações (taxa, percentagem, mera contribuição, entre outras), parecem ter em comum o facto de contribuirem “activamente para o finan‑ciamento de determinadas prestações e serviços públicos”1. Os problemas que tal realidade desperta têm sido inexplicavelmente ignorados, apesar do papel central e crescente da actividade seguradora na vida legislativa (ordens interna e comunitária) e económica.

Rogério M. Fernandes Ferreira e João Mesquita apresentam ‑nos um estudo sobre a matéria numa abordagem coerente e simples, que merece a nossa atenção.

A Parafiscalidade na Actividade Seguradora é um livro de trabalho – surgiu, aliás, da necessidade de organizar estas matérias para efeitos da actividade docente de um dos autores. No entanto, quer pela sua aborda‑gem prática, quer pela relevância da sua temática, estende a sua utilidade bem para além desse fim primeiro – o ensino – para se tornar um livro de consulta e manuseio diário dos que com estas matérias lidam.

Os autores apresentam ‑nos uma estrutura dualista no que toca à arrumação sistemática de conteúdos.

1 1. Introdução.

A Parafiscalidadena Actividade Seguradora

Rogério M. Fernandes FerreiraJoão Mesquita

Almedina, 2012

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Uma primeira secção que parte do enquadramento normativo e institucional do sector, numa perspectiva de evolução histórica, para analisar depois um conjunto alargado de tributos da actividade segu‑radora, identificando, face a cada um, os seguintes elementos: direito interno, incidência objectiva e subjectiva, isenções, base de cálculo, taxa, liquidação e pagamento, afectação, jurisprudência.

Uma segunda secção de apresentação da legislação relevante sobre a matéria, com carácter marcamente compilatório, dado “o difícil acesso à mesma” e “tornando, assim, mais cómoda e profícua a sua consulta”.2

Esta organização permite ao utilizador retirar, de um só livro físico, as melhores vantagens de um verdadeiro manual sobre a matéria (com a dimensão teórica necessária ao bom tratamento de problemas práticos subsequentes), bem como da compilação organizada de legislação.

A opção por esta dinâmica formal prende ‑se também com as finalida‑des ciêntíficas da obra. Depois de guiarem o leitor através da delimitação do “bilhete de identidade” de cada um dos tributos que se propuseram a analisar, os autores estão, então, em posição de se pronunciar sobre a natureza material dos mesmos (que é, note ‑se, a questão central da obra) – e é exactamente o que fazem, no ponto 9. Observações, num notável exercício de síntese e clareza na apresentação de conclusões. Depois disso, os textos normativos recolhidos encontram já um leitor diferente: mais preparado, mais desperto para perceber e resolver questões reais e, sobretudo, mais crítico.

Esta conjugação entre a preocupação de uma abordagem teórica ou explicativa e a natureza eminentemente prática do livro, tornam ‑o uma obra de grande utilidade tanto para aqueles que se iniciam no estudo destas questões (nomeadamente o estudante, mas também profissionais ou acadé‑micos de outras àreas), como para os que com elas lidam quotidianamente.

ANA LUÍSA FERNANDES

2 Nota Prévia dos autores, pág. 7.

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PUBLICAçÕES RECENTES

• Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina 2012

• AAVV, Legislação do Sistema Financeiro de Angola, Vida Económica 2012

• Joaquim Freitas da Rocha, Noel Gomes, Hugo Flores da Silva, Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, Coimbra Editora 2012

• Rogério M. Fernandes Ferreira, João Parreira Mesquita, A Parafiscali‑dade na Actividade Seguradora – Aspectos Materiais e Procedimentais, Almedina 2012

• Maria Elena Lauroba Lacasa (Dir.) e Jaume Tarabal Bosch (Coor.) Garantías reales en escenarios de crisis presente y prospectiva, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2012

• AAVV, Manual de dirección de finanzas, Editorial Aranzadi, S.A.2013• AAVV, Análisis del sistema financiero y procedimientos de cálculo

– productos, servicios y activos financieros, Centro de Estudios Adams, 2013

• AAVV, 15+1 crisis de la bolsa ­ ganar en las turbulencias financieras, Pearson Educación S.A., 2012

• AAVV, Régimen de infracciones y sanciones tributarias, Instituto de Estudios Fiscales, 2012

• Bernard Jurion, Economie politique, 4e édition, De Boeck, 2013 • Pascal Combemale, Les grandes questions économiques et sociales,

Editions La Découverte, 2013• Charles Gide, Capitalisme et solidarité, Les Petits Matins, 2013• Sibieude Thierry, Le Temps de l’Impact Social (Ou le Nouveau Defi des

Entreprises), Rue Echiquier, 2013 • John Sloman, Alison Wride, Patrick Cohendet, Thierry Burger‑

‑Helmchen, Jérôme Gallo et Julien Pénin, Principes d’économie, 7e édition Pearson, 2013

• Pamela Peterson Drake, Frank J. Fabozzi, Analysis of financial state‑ments, John Wiley & Sons, Inc., 2012

• William A. Allen, International liquidity and the financial crisis, Cam‑bridge University Press, 2013

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• Susan Will, Stephen Handelman, David Brotherton (Editors), How they got away with it white collar criminals and the financial meltdown, Columbia University Press, 2013

• Lawrence Wilde, (Editor), The pure Theory of Capital, Liberty Fund, 2013

• Jack D. Schwager, Market sense and nonsense – how the markets really work (and how they don’t), John Wiley & Sons, Inc., 2012

• Anton Hemerijck, Changing Welfare States, Oxford University Press, 2012

• AAVV, Economics of development, W.W. Norton & Company Ltd., 2012

• Antony Ting, The taxation of corporate groups under consolidation an international comparison, Cambridge University Press, 2013

MARTA CALDAS

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NA wEB

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Por Mónica Velosa ferreira

site do PortuGAl eConoMy ProBe (PeProBe)http://www.peprobe.com/

Nesta edição de inverno damos a conhecer um projeto recente, com origem na sociedade civil e que pretende mudar a imagem externa de Portugal.

Trata‑se de uma plataforma on‑line que reúne informação técnica sobre a economia portuguesa e sistema financeiro, dispondo atualmente de mais de 180 fontes, onde se incluem organizações nacionais e estrangeiras, organismos públicos, entidades governamentais, associações privadas, agências de investimentos mas também empresas, consultoras, agências de informação e faculdades.

Portugal Economy Probe é um site português, em inglês, pensado para os agentes económicos (investidores, analistas e gestores de fundos) que pretendem investir em Portugal, sem esquecer o público em geral, que passa a dispor num só portal de toda a informação relevante sobre a economia portuguesa.

Criado em Março de 2012, por iniciativa conjunta da CGD, Asso‑ciação Bancária Português, BES, Fundação Calouste Gulbenkian, FLAD, Fundação Oriente e grupo Impresa, teve como desígnio a preocupação de fornecer aos decisores políticos e económicos e investidores nos mercados de capitais de todo o mundo informação transparente e credível sobre o nosso País.

O site que suporta este projeto, feito e pensado para a world wide web, é de consulta fácil, intuitiva e consegue reunir uma panóplia muito diversa e importante de informação.

O Portal tem cinco áreas principais: Economic Outlook, Public Finances & Debt, Financial Sector, Troika Dashboard, Capital Markets,

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Business, e People & Families. A secção económica permite ao visitante ter uma visão geral da economia Portuguesa, conhecer o desempenho recente dos principais indicadores e um resumo das previsões económicas emitidas por diferentes instituições nacionais e internacionais. Na secção finanças públicas e dívida pública o visitante encontra informação sobre o Orçamento do Estado e relatórios de execução orçamental, informação estatística sobre a dívida pública e resultado das emissões, mas também poder ficar a conhecer o programa de privatizações, ou acompanhar a evolução das parcerias público‑privadas, podendo ainda obter informação diversa sobre a política fiscal portuguesa.

Na área reservada ao setor financeiro, o visitante encontra uma caracterização do sector financeiro português (bancário e segurador) dando‑se a conhecer a sua estrutura e principais temas, como o nível de endividamento do sector financeiro e privado, evolução dos depósitos e níveis de incumprimento. No painel dedicado à Troika o visitante fica a conhecer o programa de assistência financeira a Portugal, bem como todas as revisões do programa, as quais estão acessíveis para consulta na integra. Nesta secção estão disponíveis diversos relatórios da Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional.

A secção seguinte é dedicada ao mercado de capitais, aqui o visitante fica a conhecer o desempenho do mercado no curto e médio prazo, os índices das principais bolsas de valores, podendo conhecer as empresas portuguesas cotadas em bolsa, as ordens de negociação e intermediários, os relatórios de desempenho de diversos fundos, etc. Nesta seção estão disponíveis relatórios de diversos organismos como a CMVM, Associação portuguesa de Emissores, Associação Portuguesa de Fundos de Investi‑mento, Fundos de Pensões e Gestão de activos.

A secção Business oferece uma breve caracterização das empresas portuguesas (por sector), bem como o resumo dos indicadores de inovação e competitividade. Nesta área dedicada a conhecer as empresas portugue‑sas é possível encontrar relatórios do Banco de Portugal ou da Agência Portuguesa de Inovação mas também da Direcção‑Geral da Política de Justiça e empresas consultoras.

Por fim, e porque os dados económicos não são os únicos indicadores de avaliação do desenvolvimento de um país, encontramos uma secção dedicada às pessoas e famílias, onde o visitante pode encontrar dados sobre a população portuguesa, trabalho (emprego e competitividade no mercado

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de trabalho), coesão social (pobreza, assimetrias regionais), educação (reformas, indicadores e ensino superior) habitação, finanças domésticas (níveis de endividamento e crédito ao consumo) e justiça (criminalidade e corrupção). Nesta secção encontramos relatórios do INE, Eurostat, OCDE, OMS, entre outros.

Para além das cinco principais áreas do Portal merece também des‑taque a secção More About Portugal a qual se subdivide nos seguintes tópicos: Investir em Portugal, Investigação em Portugal, Estudar em Por‑tugal e Visitar Portugal. Aqui o visitante pode consultar dossiers temáticos elaborados por diversos organismos como o AICEP mas também ficar a conhecer as notícias sobre Portugal publicadas na impressa estrangeira e portuguesa.

Nesta secção quem pretende estudar ou investigar em Portugal pode também ficar a conhecer bolsas, programas de estágio, de doutoramento bem como laboratórios e unidades de pesquisa e uma listagem das institui‑ções internacionais em Portugal como MIT Portugal ou Harvard Medical School Portugal.

Como se pretende que a informação esteja acessível de forma rápida e objetiva na página de entrada do portal é, desde logo, possível aceder à informação pretendida através do menu Quick Access. Aqui o visitante pode ficar a conhecer de imediato dados e estatísticas como o PIB, Índice de Preços no Consumidor, Indicadores de Confiança, Comércio Interna‑cional, entre outros, bem como gráficos e tabelas diversas podendo, por exemplo, pesquisar por exportações e importações, depósitos bancários, população ativa ou até acidentes de trabalho.

No menu de acesso rápido estão ainda disponíveis dossiers temáticos elaborados pelos próprios colaboradores do portal e uma listagem alfabé‑tica de todos os assunto contendo um link direto para todos os documentos e estatísticas sobre o assunto.

Merece ainda destaque o menu Key Issues onde o visitante pode rapi‑damente obter informações sobre o desemprego, comércio internacional, comentários da Troika, execução orçamental, previsões e dívida pública.

Na página de entrada do site o visitante encontra ainda o menu Latest Updates contendo um link para os últimos documentos inseridos no portal (neste momento Previsões de Inverno da Comissão Europeia e boletim estatístico mensal do Banco de Portugal), bem como para as últimas notícias inseridas.

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Ainda na página de entrada do portal recomenda‑se a consulta da secção eventos recentes e próximos eventos para estar sempre a par dos últimos acontecimentos relacionados com a economia portuguesa e sis‑tema financeiro.

Recomenda‑se, ainda, a inscrição do utilizador no portal e subscrição da newsletter que é remetida com frequência para o endereço eletrónico indicado.

Portugal Economy Probe é mais do um simples agregador de infor‑mação, é um projeto com alma e orgulho de ser português. Esperemos que o desígnio que presidiu à sua criação se cumpra e a imagem de Portugal no estrangeiro saia, efetivamente, reforçada.

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CRóNICADE ACTuALIDADE

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PONTO DE SITUAÇÃO DOS TRABALHOS NA UNIÃO EUROPEIA E NA OCDE – PRINCIPAIS INICIATIVAS DO TRIMESTRE

A. Brigas Afonso e Clotilde Celorico Palma

1. iMPoSTo SoBRE o VAloR AcREScENTADo

1.1 Comissão aprova proposta de Regulamento para o comércio electrónico e telecomunicações (COM (2012) 763 final)

A Comissão aprovou a 18 de Dezembro de 2012 uma proposta de Regulamento para tornar efectiva a simplificação da tributação em IVA do comércio electrónico e das telecomunicações a partir de 1 de Janeiro de 2015.

A partir desta data estas prestações de serviços serão tributáveis onde se encontra o consumidor, procedendo ‑se a uma simplificação de obrigações através do alargamento do mecanismo do balcão único.

1.2 Comunicado da Comissão sobre as novas regras de facturação e de mecanismos de contabilidade de caixa (comunicado de imprensa IP/12/1377, de 17/12/2012)

A Comissão publicou um comunicado de imprensa onde explica as novas regras sobre facturação que entraram em vigor a 1 de Janeiro de 2013, bem como a possibilidade de aplicação de mecanismos de conta‑bilidade de caixa.

1.3 Comissão solicita a França que altere a tributação da locação de iates de luxo (Memo/12/876, de 21 de Novembro de 2012)

A Comissão veio solicitar a França que deixe de aplicar uma isenção à locação de iates de luxo, em violação das regras da Directiva IVA.

A Directiva IVA (artigo 148.º) prevê a isenção de IVA para certas opera‑ções relativas a embarcações. Contudo, esta isenção não é aplicável às embar‑

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cações de luxo utilizadas por pessoas singulares para lazer. Esta posição foi igualmente reiterada pelo Tribunal de Justiça Europeu (Acórdão Bacino Charter Company SA, de 22 de Dezembro de 2010, Processo C ‑116/10).

O pedido da Comissão assume a forma de um parecer fundamentado.

1.4 Comissão solicita a Espanha que altere as suas normas relativa‑mente à tributação dos serviços notariais (Memo 12/794, de 24.10.2012)

A Comissão Europeia solicitou a Espanha (parecer fundamentado) que altere a sua legislação que não tributa determinados serviços nota‑riais realizados no contexto de operações financeiras, aplicando ‑lhes uma isenção, violando, assim, as regras da Directiva IVA.

1.5 Comissão solicita a França e ao Luxemburgo que alterem a tri‑butação da transmissão dos livros on line (Memo 12/794, de 24.10.2012)

A Comissão veio solicitar a França e ao Luxemburgo (pareceres fundamentados) a alteração das regras de tributação da transmissão dos livros on line. Conforme salienta, estes países estão a aplicar desde Janeiro de 2002 a taxa reduzida do IVA a estas operações, contrariamente às regras da Directiva IVA, provocando distorções de concorrência.

A Comissão recebeu queixas de vários Ministros das Finanças, que vieram invocar um efeito negativo sobre as vendas de livros no seu mercado nacional.

Note ‑se que a Comissão salienta que está consciente da distorção de tratamento entre os livros electrónicos e os livros em papel e reconhece a importância dos livros electrónicos. No quadro da nova estratégia em matéria de IVA, a Comissão lançou este debate com os Estados membros e, eventualmente, apresentará propostas até ao final de 2013 (ver Comu‑nicado de imprensa IP/11/1508).

1.6 Comissão publica relatório sobre as vendas de bens e serviços efectuadas a bordo (COM (2012) 605 final)

A Comissão apresentou ao Conselho em 22 de Outubro de 2012 um relatório (nos termos do disposto no artigo 37.º da Directiva IVA) sobre as vendas de bens e serviços realizadas a bordo, onde analisa a respectiva localização e as isenções aplicáveis.

Este relatório tem por base um estudo de Fevereiro de 2012 da PriceWaterhouseCoopers.

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2. IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO HARMONIZADOS, iMPoSTo SoBRE VEícUloS E UNião ADUANEiRA

2.1 União Aduaneira – Instruções AEO

A Comissão Europeia divulgou, em 21.12.2012, novas instruções para aprovação dos operadores económicos autorizados (AEO), que tive‑ram em consideração a experiência até agora adquirida, e visam garantir uma aplicação harmonizada das regras AEO em toda a UE, garantindo a igualdade de tratamento dos operadores económicos e a transparência das regras vigentes a nível comunitário.

As Instruções AEO são compostos por um conjunto que contém as Instruções propriamente ditas e três anexos: o questionário de auto‑‑avaliação, as notas explicativas e a lista de possíveis riscos, ameaças e soluções e um modelo de declaração de segurança. Para aprofundamento deste assunto vide: http://ec.europa.eu/taxation_customs/customs/policy_issues/customs_security/aeo/index_en.htm

2.2 União Aduaneira – Alfândegas Eletrónicas

A Comissão Europeia divulgou, em 18.12.2012, o Plano Plurianual das Alfândegas Eletrónicas (revisão de 2012).

A união aduaneira é um dos pilares da União Europeia e está no coração do mercado interno. A legislação atual sobre procedimentos adu‑aneiros é bastante complexa e ainda é baseada em declarações em papel, apesar de todos os Estados ‑Membros disporem de sistemas aduaneiros eletrónicos. O Plano visa interligar os sistemas eletrónicos dos Estados‑‑Membros. A Comissão considera que, para além da simplificação da legislação aduaneira, dos procedimentos e da convergência das tecnologias de informação e comunicação, é necessário interligar os sistemas informá‑ticos para aumentar a competitividade das empresas europeias e, assim, promover os objetivos principais da estratégia da UE para o crescimento e o emprego. Além disso, essas mudanças melhorariam a segurança e o controlo, o que beneficiará todos os cidadãos europeus. Para aprofunda‑mento deste assunto vide: http://ec.europa.eu/taxation_customs/customs/policy_issues/electronic_customs_initiative/index_en.htm

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2.4 Tributação automóvel – clarificação das regras comunitárias

A Comissão apresentou, em 14.12.2012, uma comunicação que cla‑rifica as regras da UE em matéria de tributação automóvel e recomenda medidas para fortalecer o mercado único nesta área (COM(2012)756 Final). O objetivo é minimizar os problemas encontrados pelos cidadãos e as empresas que se deslocam entre os Estados Membros e, fundamen‑talmente, suprimir as situações de dupla tributação que ocorrem nas transferências de residência (IP/12/1368).

2.5 Prevenção e repressão da evasão e fraude fiscais – Plano de Ação

A Comissão apresentou, em 6.12.2012, ao Parlamento e ao Conselho, um Plano de Ação de Combate à Fraude e Evasão Fiscais (SWD(2012)403 final). Neste Plano, a Comissão propõe, nomeadamente, a instituição de mecanismos de troca automática de informação entre Estados Membros, a criação de um número de identificação fiscal da EU e a uniformização das sanções administrativas e penais nos 27 Estados Membros.

2.6 União Europeia – impostos vigentes nos 27 Estados Membros

A Comissão disponibilizou, em 28.11.2012, uma base de dados con‑tendo todos os impostos vigentes (incluindo os aduaneiros) nos vinte e sete Estados Membros (alerta ‑se, contudo que, no caso de Portugal a base de dados está desatualizada, pelo menos, cinco anos. Vide: http://ec.europa.eu/taxation_customs/common/databases/index en.htm.

2.7 União Aduaneira – Adesão da Turquia à Convenção de Trânsito Comum

A Turquia aderiu, em 6.11.2012, à Convenção de Trânsito Comum. O regime de trânsito encontra ‑se previsto no n.º 16 do artigo 4 .º e 91.º e ss. do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), e nos artigos 340.º a 462.º das Disposições de Aplicação do CAC. Este regime permite a circulação das mercadorias entre dois locais da Comunidade, sem que fiquem sujei‑tas a direitos de importação e a outras imposições bem como a medidas de carácter comercial. Este regime tem por base legal não só o Código

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Aduaneiro Comunitário, e respectivas Disposições de Aplicação, como várias convenções internacionais que permitem a sua aplicação a países terceiros. Assim, nos termos da Convenção de Trânsito Comum, celebrada entre a EU e os países da EFTA, o regime de trânsito aplica ‑se igualmente à Islândia, Noruega, Suíça, Liechtenstein e, a partir de 1.12.2012, passou a aplicar ‑se igualmente à Turquia.

2.8 Impostos especiais de consumo – World Customs Journal

Foi publicado em Novembro o número 2 do 6.º Volume do World Customs Journal, desta vez inteiramente dedicado aos impostos espe‑ciais de consumo. Esta edição tem por base as principais intervenções efetuadas na Conferência organizada em Junho, em Bruxelas, pela Orga‑nização Mundial das Alfândegas (OMA) e que contou com a presença de representantes de 60 países, bem como de representantes de organizações internacionais, do comércio e das universidades de todo o Mundo que desenvolvem investigação na área do direito aduaneiro e dos impostos especiais de consumo. Vide: http://www.worldcustomsjournal.org/index.php?resource=1.

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CONFERêNCIAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Marta Jacques Pena

NACIONAIS

Os Encontros Luso ‑brasileiros de Fiscalidade, em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, têm lugar em Março de 2013, em Lisboa, sendo organizados pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF) da Faculdade de Direito de Lisboa.

O Professor Alberto Xavier é reconhecido como uma grande referên‑cia do Direito Fiscal que, ultrapassando o universo português e brasileiro, é mundialmente conhecido pela sua excecional obra como Professor e Advogado.

INTERNACIONAIS

(CONFERêNCIAS INTERNACIONAIS ORGANIZADAS PELA INTERNATIONAL FISCAL ASSOCIATION ‑IFA)

HAIA

A International Fiscal Association está de Parabéns pela celebração do seu 75.º Aniversário no dia 02 de fevereiro de 2013, tendo ‑o festejado em Haia, nos Países Baixos ao jeito de uma Conferência Internacional na qual juntou várias vozes internacionais na área do Direito Fiscal, tendo debatido temas como: i) o desenvolvimento de sistemas fiscais e tratados fiscais; ii) a política fiscal e de organizações fiscais de impostos.

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NOVA DELI

Nos dias 8 e 9 de fevereiro de 2013, a International Fiscal Association levou ‑nos até Nova Deli, na Índia, para mais uma Conferência Interna‑cional, desta feita, para debater a “Tributação Internacional – promoção do investimento estrangeiro através do regime fiscal mais favorável”.

Sobre este tema foi dado maior enfâse a questões relacionadas com a: a) transferência indireta de ativos; b) como superar o deficit de confiança entre o contribuinte e a receita?; c) artigo 3 (2) da Convenção Modelo OCDE e a legislação interna; d) Preços de transferência; e) Imposto sobre serviços; f) a Índia requer um esquema de amnistia fiscal?

EUA

A Conferência Anual e reunião conjunta dos EUA e Filiais Holan‑desas teve lugar entre os dias 27 de fevereiro e 1 de março de 2013, em Nova Iorque, nos EUA, a qual, juntando fiscalistas internacionais, abordou temas como:

1. A comparação prática de estruturas convencionais;2. FATCA e impostos às transações financeiras: holandês e EUA

– perspetiva;3. A experiência holandesa relevante para EUA na reforma tributária;4. Moeda estrangeira – questões atuais;5. Planeamento com instrumentos híbridos;6. Não pode haver um “app” para isso?;7. Planeamento de crédito de imposto no estrangeiro;

Faixa A – Geral Internacional 8. Questões éticas em planeamento tributário internacional;9. Questões de contabilidade financeira que afeta a tributação inter‑

nacional;

Faixa B – Serviços financeiros10. Questões FATCA para empresas de serviços financeiros11. Questões internacionais para fundos de “hedge” e fundos mútuos12. Evolução internacional – revisão anual;13. Armadilhas fiscais internacionais

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SINGAPURA

A conferência Regional Tributária Ásia Pacífico ifA teve lugar entre os dias 2 e 4 de abril de 2013, em Singapura, tendo reunido vozes do direito fiscal internacional versando sobre as tendências globais e evolução fiscal internacional anti ‑evasão. As sessões plenárias incluíram desenvolvimentos na Ásia ‑Pacífico política fiscal e de administração, estabelecimentos permanentes, reestruturação de negócios e ativos intan‑gíveis, e da resolução de litígios fiscais.

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REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL

Na edição de Verão, n.º 2, V, da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal:

1. O texto “A prevalência da razão jurídica sobre a razão económica” foi publicado na Seção em Análise: O Acórdão n.º 353/2012 de 5 de julho como sendo em co‑autoria de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, sendo o mesmo da exclusiva autoria de António Carlos dos Santos.

2. O texto de Pasquale Pistone com o título “Aspetos selecionados da retroatividade em matéria tributária numa perspetiva de Direito Comparado e Supranacional na experiência italiana e da União Europeia”, publicado no n.º 2, V, da Revista, é uma tradução de Ana Gabriela Rocha, do original “Selected Aspects of Retroactivity in Taxation from a Comparative and Supranational Law Perspective in the Experience of Italy and the European Union”, in Yalti B. (ed.). Non‑Retroactivity in Tax Law. p. 27‑57, Istanbul:Beta, ISBN: 9786053776369 [ENGLISH AND TURKISH]. A direção da Revista pede desculpa por ter omitido que se tratava de uma tradução, e, especialmente, por ter omitido o nome da tradutora, agradecendo‑lhe a excelente tradução.

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NOME

MORADA

CÓD. POSTAL – LOCALIDADE

TELEFONE No CONTRIBUINTE

PROFISSÃO

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4 NÚMEROS AVULSO €88

ASSINATURA (4 NÚMEROS/ANO) €70 (DESCONTO DE 20%)COM IVA E DESPESAS DE ENVIO INCLUÍDOS

DESEJO ADQUIRIR A ASSINATURA DA REVISTA DE DE FINANçAS PÚBLICAS E DIREITO FISCALS (4 NÚMEROS) DO ANO

DATA – –

CUPÃO DE ASSINATURA

ESTE CUPÃO DEVERÁ SER ENVIADO PARAASSINATURA DA REVISTA DE FINANçAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL – JOAQUIM MACHADO, S.A., Rua Fernandes Tomás, n.ºs 76, 78, 80, 3000-167 Coimbra, ou via email para [email protected].

PARA ESCLARECIMENTOS ADICIONAISTelefone: 239 851 903 Fax: 239 851 901 Email: [email protected]

REVISTA DE FINANçAS PúblICAS E DIREITO FISCAlDIRECTOR: EDUARDO PAz FERREIRA

2 0

ASSINATURA

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ENTIDADE NÚMERO DE AUTORIZAÇÃO

AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO EM CONTA PARA DÉBITOS DIRECTOS

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Por débito na nossa/minha conta abaixo indicada queiram proceder ao pagamento das importâncias que lhes forem apresentadas pela empresa EDIÇÕES ALMEDINA SA

IBAN/NIB: PT 50

CONTRIBUINTE FISCAL

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(1) REGULARIDADE: MENSAL, TRIMESTRAL, SEMESTRAL, ANUAL

AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO DIRECTO (ADC)

PROCEDIMENTOS· Preencher completamente e assinar Autorização de Débito, de acordo com a ficha de assinatura de Banco. No caso de ser empresa carimbar ADC com carimbo da empresa.· Remeter a ADC para: EDIÇÕES ALMEDINA SA, Rua Fernandes Tomás, n.ºs 76, 78, 80, 3000-167 Coimbra, ou via email para [email protected].· Qualquer alteração que pretenda efectuar a esta autorização basta-rá contactar as EDIÇÕES ALMEDINA SA por qualquer forma escrita · Também poderá fazer alterações através do Sistema Multiban-co, conforme se apresenta seguidamente, ou no sistema de home banking, caso tenha essa opção. Também neste caso agradece-mos informação escrita sobre as alterações efectuadas.· Esta autorização destina-se a permitir o pagamento de bens/ser-viços adquiridos à nossa empresa e só poderá ser utilizada para outros efeitos mediante autorização expressa do(s) próprio(s)· Dos pagamentos que vierem a ser efectuados por esta forma serão emitidos os recibos correspondentes.

INFORMAÇÕESAtravés do Sistema Multibanco, relativamente a esta autorização de Débito em Conta, poderá, entre outras, efectuar as seguintes operações:· Visualizar a Autorização Débito em Conta concedida;· Actualizar os Dados Desta Autorização de Débito em Conta;· Cancelar esta Autorização Débito em Conta;

Em cumprimento do aviso 10/2005 do Banco de Portugal, infor-ma-se que é dever do devedor, conferir, através de procedimentos electrónicos, nomeadamente no multibanco, os elementos que compõem as autorizações de débito em conta concedidas.

PARA ESCLARECIMENTOS ADICIONAISTelefone: 239 851 903 Fax: 239 851 901 Email: [email protected]

Na rede Multibanco poderá definir: A Data de expiração da autorização | O montante máximo de débito autorizado

1 0 6 4 4 4

ASSINATURA(S) CONFORME BANCO

BENS/SERVIÇOS REGULARIDADE(1)

INICIA A TERMINA AMÊS ANOVALOR MÊS ANO

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