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O absolutismo azul e branco

O novo regimen, restabelecido em seguida á chamada con- venção d'Evora-Monte, era para o povo portuguez uma pro- messa de novas garantias individuaes e colectivas, de liberda- de na expansão do pensamento pela palavra e pela escripta, no direito de reunião e de associação, quer para as reivindica- ções economicas do trabalho quer para as dos direitos dos cida- dãos.

O elemento clerical, que dumnte o ominoso periodo miguelino havia sido o mais figadal inimigo das liberdades publicas e o mais feroz instigador da sanguinolenta repressão de que foram victimas os Iiberaes, recebeu um primeiro golpe, ainda sob a regencia de D. Pedro iv e antes da partida de D. Miguel, com o decreto referendado por Joaquim Antonio d'Aguiar e assigna- do por D. Pedro como regente, que extinguia para sempre em Portugal as ordens e congregações religiosas, e annexava nos proprios nacionaes os bens dos conventos e mais instituições de caracter congreganista.

Este decreto, que todos conhecem e que tão discutido tem si- do, a ponto de ter havido homens que se dizem Iiberaes que o teem ferozmente combatido, era uma necessidade de momento, e um dever para salvaguardar o futuro do paiz.

Os frades, que haviam sido os mais atrozes inimigos da re- volução de 1820 como da Constituição de 1822 que lhes deu cabo do tão querido tribunal do Santo Officio, e que durante o abso- lutismo branco foram os principaes instigadores das successivas chacinas dos liberaeSj soffreram as consequências naturaes dos crimes.que haviam commettido ou provocado.

E benevolo, mil vezes mais do que benevolo, foi esse castigo, em que pése aos que os pretendem ainda hoje defender.

O que é para lamentar é que Joaquim .Antonio de Aguiar nAo tivesse levado mais longe as suas medidas Iiberaes.

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Nao eram só os frades os criminosos. Também os havia nó resto do clero.

Mas emfim, fez o que pôde, ou o que lhe permittiam as cir- cumstancias do momento.

A separação da Egreja e do Estado.. • Ainda hoje nao é um facto em Portugal, e na França só o

começou a ser após mais de 30 annos de Republica.

A noticia de que a lucta entre liberaes e miguelistas termi- nára com a concessão da amnistia e da pensão de sessenta con- tos annuaes ao bandido D. Miguel foi pessimamente recebida em Lisboa.

Milhares de portuguezes tinham sido profundamente feridos pelos infames sicários do nao menos infame D. Miguel de Bra- gança.

Nao é humanitario, mas é humano, que custasse a desva- necer-se no espirito do povo o resentimento que de tanto sof- frer devia provir.

E D. Pedro IV foi victima d'esse resentimento popular. No theatro de S. Carlos, onde assistia ao espectáculo com a esposa e com a joven rainha sua filha, foi insultado e apupado, che- gando a haver quem, por entre morras e doestos, lhe atirasse patacos ebatatas. A' sahida apedrejaram lhe a carruagem. Fu rioso, D. Pedro deu ordem para que a guarda carregasse as armas contra o povo, no que nao foi obedecido

Foi este um facto que lhe aggravou os soffrintentos e lhe abreviou os dias d'existencia.

Afim de dar a côr azul e branca ao regimen da Carta ou- torgada, tratou-se immediatamente de convocação das assem- bleias legislativas, que tiveram a sua sessão inaugural em 15 d'agosto de 1834.

A pouco pra's > D. Pedro adoecia gravemente, e communi- cava ás camaras que o seu eçtado de saúde lhe nao permittia continuar á frente dos negocios do Estador.

As Cortes votaram por unanimidade que a joven rainha fosse declarada jnaior.

A 24 de setembro morria D. Pedro, no palacio de Queluz, e a rainha constituía logo um ministério,*sob a presidencia do

1 E'que os soldados d'aquelle terrtpo não eram da láia dos policias de 4 de maio de 1906 e de 18 de junho de 1907.

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duque de Palmella, com fr. Francisco de S. Luiz, na pasta do rei- no; Ferraz e Vasconcellos, na da justiça; José da Silva Car- valho. na da-fazenda; duque da Terceira; na da guerra, conde de Villa Real, na dos negocios estrangeiros, e Agostinho José Freire, na da marinha.

Este governo encontrou grande opposiçiío em ambas as ca- sas do parlamento, Dor n£o ter sido formado em harmonia com as indicações constitucionaes. •

O constitucionalismo começava a justificar o nome de abso- lutismo azul e branco.. ■

Pouco tempo se havia de passar sem que melhores provas désse de o merecer.

O deputado Manuel da Silva Passos, que tno popular havia de tornar-se mais tarde sob o nome de Passos Manuel, atacou violentamente o ministério por causa da prisão d'um deputado e de vários actos de repressão, especialmente durante o peno do eleitoral, e reclamou o estabelecimento da liberdaded'im- prensa, a eleição de camaras municipaes e a convocação de Cortes Constituintes.

Um facto vinha, porém, acabar, ao menos temporariamente, com estas primeiras divergências entre os constitucionaes.

Soube-se em Lisboa que D. Miguel havia, esquecendo ou re- negando a sua declaração de 29 de maio, assignado, em Gé- nova. um protesto nos seguintes termos:

Todos os motivos de justiça e decôro exigem que eu proteste, como por este faço, á face da Europa, a respeito dos acontecimentos que me impelliram a sahir de Portugal, e contra quaesquer innovações que o geverno, ora exis- tente em Lisboa, possa ter introduzido, ou pretenda introduzir para o tuturo, contrarias ás leis fundamentaes do Estado.

% A noticia d'este disparatado protesto, que era também um

novo perjúrio do sanguinário tyranno, causou nos iiberaes a mais séria indignação, de modo que todos se uniram, esquecen- do dissidências de momento, e votaram por unanimidade a sup- pressilo do subsidio e mais garantias que na capitulação haviam sido estipuladas em favor .do infante desthronado.

A lei relativa á perda de direitos e ao exílio de D. Miguel era concebida nos termos seguintes :

D Maria II, por graça de Deus, rainha de 1'ortugal e dos Algarves, e seus domínios Fazemos saber a todos os nossos súbditos, que as Cortes geraes decretaram e nós aceitamos, e queremos a lei seguinte :

Artigo l. J O ex-infante D Aliguel, e seus descendentes, são excluídos para sempre do direito de succeder na corôa dos reinos de Portugal, Algarves, e seus domínios.

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Art 2.° O mesmo ex-infante D. Miguel, e seus descendentes, são bani- dos do territorio portuguez, para em nenhum tempo poderem entrar n'elle, nem gosar de quaesquer direitos civis, ou políticos; a conservação, ou acquisi- ção de quaesquer bens, fica-lhes sendo vedada, seja qual for o titulo e natu- reza dos mesmos; os patrimonaes e particulares do ex-infante D. Miguel,_ de qualquer especie que sejam, ficam sujeitos ás regras geraes das indemnisa- ções

Art. 3.° No caso em que o ex-infante D Miguel, eseus descendentes, con- tra o disposto no artigo antecedente, ousem entrar em territorio portuguez, ou approxirr.ar-se a elle, o mesmo ex-infante, ou seus descendentes, e os que os acompanharem, ou se lhes unirem, serão por esse facto havidos todos como reus ae alta traição.

§ 1." Todas as auctoridades civis, e militares, a cujo conhecimento che- gar que o ex infante D. Miguel, ou seus descendentes, se acham em territorio portuguez, ficam tendo jurisdicção cumulativa, para procederem á prisão do mesmo ex-infante, ou de seus descendentes, e dos que os acompanharem, ou se lhes unirem. A auctoridade que fizer a prisão porá logo os presos á dispo- sição do commandante militar superior, que se achar na comarca onde for feita a mesma prisílo; e entretanto empregará para segurança dos presos todas as cautelas necessarias.

§ 2.° Sem dependencia de ordem superior, o commandante militar, a cuja disposição assim ficarem os presos, convocará logo, e presidirá a um conselho, composto de quatro vogaes militares, por elle nomeados; ouvidos os presos, e verificada a identidade das pessoas, serão os mesmos presos sentenciados a ser fusilados ; o processo será verbal e summario ; e para elle, e para a exe- cução de sentença, ficam assignadas sómente vinte e quatro horas, e de tudo se lavrará auto,

Art. 4.° Com aquellas pessoas, que, mesmo não entrando em territorio portuguez o ex-infante D. Miguel, se levantarem, ou tomarem armas a favor d'elle ; se for em província, ou districto que esteja declarado em insurreição, se procederá como fica disposto no § 2." do artigo antecedente; se porém não for em districto, que esteja declarado em insurreição, e fóra da lei. serão estas pessoas processadas, e condemnadas como rebeldes, pelas auctoridades ordi- nárias e competentes, conforme as leis em vigor, e com todo o rigor d'ellas.

Art- 5.° A omissão, em que alguma auctoridade civil, ou militar, incor- rer no desempenho dos deveres, que esta lei lhe incumbe, será punida com a pena desde degredo por dez annos para os logares de Africa até morte natu ral inclusivamente, segundo o grau de dolo, ou culpa em que a dita auctori- dade for achada

Art. 6.° Ficam revogadas todas as leis.em contrario. Mandamos, portanto, a todas as auctoridades, etc. Dada no paLacio das Necessidades, em 19 de dezembro de 1334.—Rainha,

com rubrica e guarda -Bispo Conde. Frei Francisco.

Esta passageira harmonia dos coustitucionaes prolongou-se por alguns mezes, continuando o parlamento a sua obra legis- lativa, até que um caso relativamente insignificante viesse tur- var os ares.

D. Maria II casou em janeiro de 1835 com o príncipe D. Au- gusto de Leuchtemberg, que fallecia dois mezes depois, sem deixar descendencia, attribuindo uns a morte a uma angina, e outros a envenenamento.

Este ultimo boato provocou em Lisboa alguns tumultos que

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os miguelistas quizeram aproveitar para uma tentativa de res- tabelecimento do seu rei.

Chegaram esses senhores a organisar guerrilhas no Alem- tejo e no Algarve, uma d'ellas commandada pelo celebre e te- mível Remedi ido.

Mas isto não teve seguimento algum, como fundamento algum tinha.

Outro tanto não se dava, porém, com a opposição que no parlamento e na opinião publica se fazia ás medidas financeiras de Silva Carvalho e á parcialidade de que accusavam o minis- tério no provimenta de empregos públicos.

Tá o governo era apodado de ministério de devoristas. Uma recomposição, em que entraram o conde de Lumiares

para a presidencia do conselho e Manuel Duarte Leitão para a pasta da justiça, não conseguiu desarmar a opposição.

A rainha teve que formar um novo ministério, com Salda nha na presidencia e na guerra, João de Sousa Pinto de Maga- lhães no reino; Manuel Antonio de Carvalho (depois barão de Chancelleiros) na justiça; Francisco Antonio de Campos (de- pois barão de Villa Nova de boscôa) na fazenda; o duque de Palmella nos negocios estrangeiros, e o marquez de Loulé na marinha.

Este ministério soffreu também uma recomposição, sahindo Pinto de Magalhães, Francisco Antonio de Campos e o mar- quez de Loulé e entrando Rodrigo da Fonseca Magalhães para o reino, Silva Carvalho para a fazenda, e Jervis d'Athouguia para a marinha.

Violentos clamores da opposição parlamentar levantou a resolução governamental de satisfazer ao pedido da Hespanha para ser lá enviada uma divisão portugueza, afim de auxiliar o governo ile Isabel II contra seu tio D- Carlos, pretendente ao throno, auxilio que não podia ser recusado, desde que, na lucta corftra o miguelismo, tinha sido acceita por D. Pedro a coope- rarão de forças hespanholas do commando dos generaes Rodil e Serrano.

Mas a opposição é que não queria saber d essas razões. Além d'i.sso, uma resolução do duque da Terceira, comman-,

dante em chefe interino do exercito, relativa ao papel dos offi- ciaes nas eleições, provocou descontentamento, levando muitos a assignar uma representação á rainha.

O governo cahiu, sendo substituído por outro, composto de José Jorge Loureiro, Mousinho d Albuquerque, Vellez Caldeira, Sá da Bandeira, marquez de Loulé e Francisco Antonio de Campos.

Este gabinete conservou se até depois do segundo casamento

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da rainha, que se realisou em 9 de abril de 1836, com o prín- cipe D. Fernando de Saxe Cobourg Gotha.

Crearam dificuldades ao governo o ter nomeado, em decreto nao dado a publico, o príncipe consorte commandante em chefe do exercito, bem como as suas hesitações sobre a questAo do tratado anglo'-portuguez de 1810, que acabava de ser denun- ciado.

Isto, junto a questões financeiras e ao facto de terem sido encerrradas as camaras antes de discutido o orçamento, pro- vocou a queda do ministério, que foi substituído por outro, composto do duque da Terceira, do conde de Vida Real. de Manuel Gonçalves de Miranda, Agostinho José Freire, Silva Carvalho e Joaquim Antonio d'Aguiar.

O partido avançado começou por essa occasiSo a manifes- tar se vigorosamente, sobretudo n'uma sociedade que, por se reunir no edifício do extincto convento dos Camillos, era vul- garmente conhecida pelo nome de Club dos Camillos.

Ali se discutiam os negocios públicos, atacando-se furibunda- mente governo e regimen, nos termos mais vehementes.

Uni "dos mais ferozes declamadores d'esse club, que mais violentas diatribes proferia contra a realeza, era o celebre Antonio Bernardo da Costa Cabral, o mesmo que mais tarde havia de ser, com a mesma rainha, um dos mais ferrenhos ini- migos da Liberdade.

O governo, sabedor dos apostrophes de que eram alvo elle, a rainha e a realeza, e querendo acabar com isso, entendeu que o melhor processo de que podia lançar míío era o de dis- solver a collecti vidade em que taes cousas se diziam.

E assim fez. O Club dos Camillos foi dissolvido, por ordem governa-

mental, em 9 de maio de 1836. Esta medida violenta, longe serenar os ânimos como suppu-

nha o governo, mais os exaltou, pois que djaquella aggrehiia- ção faziam parte homens já influentes e de alta cotação po- litica.

Nas Cortes, que o governo se vira forçado a reunir extraor- - dinariamente, a 20 de maio, por causa dos clamores que levan-

tára o terem-se encerrado sem estar discutido o orçamento, foi o ministério alvo de violentos ataques, sendo também vários d'elles por causa da medida de rigor que contra o Club dos Camillos fôra tomada.

Yendo-se atacado e nAo lhe softVendo o espirito auctoritario taes ataques, o governo, em vez de se retirar perante a oppo- siçao parlamentar, entendeu melhor ficar, e pôr na rua os de- putados.

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Foi o que fez. A Camara electiva foi dissolvida por decreto real, mandando-se n'este mesmo decreto proceder á eleição d uma nova Camara, que deveria reunir em 5 de agosto.

Estas eleições foram geralmente favoraveis ao governo, que obteve maioria em todo o paiz, á excepção de Vizeu e Porto

Apesar de no decreto de dissolução da antiga Camara se fixar a data de 5 de agosto para a reunião da nova, esta só veiu a reunir a 1 de setembro, porque um decreto posterior determi- nara esse adiamento. »

Muitos deputados estavam já em Lisboa antes d'essa data, e os que ainda não estavam pouco se demoraram em vir para a capital.

A 9 de setembro chegavam a Lisboa os deputados do Porto, entre os quaes vinha Passos Manuel que, no exilio e no cêrco do Porto, havia conquistado reputação de quasi demagogo.

Havia quem se temesse do radicalismo d'este democrata, mas também havia, e muito, quem o seguisse com enthusiasmo, for- mando com elle a extrema esquerda do partido liberal.

Entrado pela primeira vez no parlamento em 1834, logo ahi se revelou um orador de primeira plana, convincente, fogoso, defensor ardente dos bons princípios democráticos.

Os seus discursos enthusiasmavam e convenciam, pelo calor da phrase, pela correcção da palavra, pela eloquencia arreba- tadora do orador, que, sendo um grande tribuno, era ao mes- mo tempo dotado de vastíssimo saber e de poderosa capacidade intellectual.

Mas não era só pelo seu talento, pela sua energia, pelas suas qualidades moraes e intellectuaes, que Passos Manuel ia adqui- rindo crescente prestigio entre o povo.

Era também o descontentamento com que o povo e as guar- das nacionaes viam a tendencia da rainha e dos seus validos para o auctoritarismo de tempos idos

No paço de Belem, residencia de D. Maria II, só eram rece- bidos e ouvidos com agrado os mais ferrenhos partidarios da auctoridade exclusiva da corôa.

Era já uma tímida tentativa para o que mais tarde viria a chamar se, com todo o descaro, engrandecimento do poder real.

Isto ei a causa de crescente desprestigio para a rainha e seus aulicos, o que coincidia com o natural augmento de popu- laridade dos seus inimigos e dos seus adversarios, entre os quaes Passos Manuel occupava um logar proeminente.

O constitucionalismo, que o paiz recebera com enthusiasmo, por ver n'elle uma garantia de liberdades e de regalias popula- res, enganára por completo a espectativa nacional.

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A nação de novo se encontrava sujeita ao arbítrio dos depo- sitários do poder, o que trazia em sobresalto todo o partido li- beral avançado.

A' supremacia das leis e da Carta antepunham-se a vonta- de e os caprichos da rainha e dos que a rodeavam.

Um jornal d'essa época, O Português Constitucional, pu- blicava, em artigo de fundo de 10 de setembro, as seguintes considerações que bem mostram o estado de excitação em que então se encontravam os espíritos :

Hontem, 9 de setembro, pelas duas horas e meia da tarde, chegou á barra o vapor que conduzia os deputados do Porto. Muitas girandolas de foguetes lançadas aos barcos, que logo acudiram, annunciaram a chegada dos deputa- dos, e até ao seu desembarque continuaram eguaes demonstrações de rego- sijo.

Desembarcados no Terreiro do Paço âs 5 horas da tarde, foram conduzi- dos em triumpho até S. Bento por muito povo e tropa, que davam repetidos

m vivas á Liberdade _e aos seus defensores. A resistencia imprudente que a estas demonstrações quiz fazer o comman-

dante da_ guarda municipal provocou a desattenção que recebeu da parte do povo, e dizem que foi bastante maltratado.

Consta-nos que também foi desacatado o coronel de lanceiros n.° 1. As medidas de coacção que ha dois dias andam annunciando e a projectada

reunião da tropa de linha no campo das Salesias, com que á bocca pequena se tem andado ameaçando o povo de Lisboa, exasperou o animo publico a ponto que admira não terem acontecido até agora maiores desgraças

Os cidadãos ameaçados de extermínio por um ministério, que justamente merece a antipathia nacional, tomaram o partido de se reunir nos respectivos quartéis de seus batalhões, provavelmente com o fim de evitar a anarchia, se- gundo parece da participação que fizeram ao governo civil.

Nâo sabemos com que fim o ministério quiz fazer parada da força de li- nha, que mándou desfilar pelas ruas da cidade, e que, formando no Terreiro do Paço, d'ahi marchou depois na direcção da Ribeira Vrelha. Grande força da guarda nacional tem marchado também a postar-se no Rocio.

Ouvimos muitas e diversas acclamações. Ignoramos, comtudo, qual é a tenção dos cidadãos armados, mas é sem duvida que o odio ao ministério, a inépcia e má fé de suas medidas, provocaram estas manifestações da indigna- ção popular,

Se, pois, as instituições forem mudadas, e uma nova ordem de cousas se acclamar, se, appellando da inefficacia das leis actuaes que o ministério tem pervertido e annullado, o povo invocar como ultimo recurso o primeiro codigo que lhe deu a liberdade, tudo isso terá sido obra do ministério e de suas des- mandadas e imprudentes provocações.

Uma nova administração, gue, merecendo a confiança publica, vá ao en- contro das reclamações da opinião, parece, pois. o único meio de salvar o de- coro do throno, compromettido pela incapacidade e perversidade dos minis- tros ..

Pelos períodos que ahi ficam transcriptos se pôde avaliar a que estado de exaltação tinham sido levados os ânimos pelos

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governos de D. Maria n, que outra cousa nao tinham praticado senão attentados contra as liberdades publicas e contra as garantias individuaes, e abusos de poder que levaram o paiz á ruina e ao despotismo cada vez mais desmascarado.

O governo, nao contente com ter dissolvido a Camara' ele- ctiva por n'ella ter sido accusado dos seus erros e dos s«us crimes, empregou toda a especie de violências e de manigan- cias eleitoraes para trazer ao novo parlamento uma maioria subserviente e capaz de abafar os justos protestos da opposi- çao contra os seus abusos.

Quem mais terror lhe causava eram os dois irmãos José e Manuel da Silva Passos, que faziam contra os desmandos do poder campanha violenta e activíssima.

Por isso foram desesperados, mas completamente estereis e vãos, os esforços empregados para conseguir que o Porto os nao mandasse ao parlamento.

Por isso também os esforços, egualmente baldados, para evitar a manifestação grandiosa com que o povo recebeu os deputados do Porto, mais imponência e mais brilhantismo lhe deram.

E nao deviam limitar-se a esta enthusiastica manifestação os acontecimentos d'aquelle memorável dia, inicio da gloriosa Revolução de Setembro que era, como a de 1820, uma tentativa de estabelecimento d'um regimen em que a interferencia do povo nos negocios públicos nao fosse uma mystificaçao, que era que o d'ella tinham feito, de 1834 a 1836, os governos da filha de D. Pedro iv.

A's 8 horas da noite começavam a reunir se as guardas nacionaes.

Os batalhões n.'s 15, 16 e 17 reuniram nos respectivos quar- téis, e, sob o commando de Francisco Soares Caldeira, mar- charam para Campo de Ourique, a juntar-se ao regimento d'infanteria 2, com o qual se dirigiram ao Colleginho, onde se lhes juntaram duas companhias da guarda municipal, uma de cavallaria e outra d infanteria. D ali marcharam para o Rocio, onde acamparam e permaneceram toda a noite, esperando os acontecimentos.

Os batalhões n.os 9 e 10 formaram, juntos, no Terreiro do Paço, onde foi, por ordem do governo, uma força de cavalla- ria 4, caçadores e artilharia, afim de os dispersar Em face, porém, da attitude energica dos chefes dos insurrectos, que declararam estarem proniptos para uma vigorosa resistencia, a tropa de linha retirou, podendo os batalhões marchar sem obs- táculo para o Rocio, onde se reuniram aos seus camaradas já ali estacionados, aos quaes vinha juntar-se, pouco depois, o ba- talhão n.° 19.

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Já então atroavam os ares os mais enthusiasticos vivas á Liberdade e á Constituição de 1822.

O povo estava cançado do regimen da Carta e do despo- tismo da rainha, e por isso reclamava alguma cousa mais do que ■uma simples mudança ministerial

^Reclamava a liberdade civil.e politica, estabelecida em bases solftias e indestructiveis, e não uma liberdade falsa, dada por fingida generosidade, destinada apenas a servir de mascara ao despotismo.

Essa liberdade pura, leal, honesta, a verdadeira Liberdade como a queria o povó, não podiam dar-lh'a os governos de D. Maria n, como mTo poderiam nunca dar lh'a quaesquer governos da monarchia, com cujos princípios ella é incompa- tível.

Ah! que se. os revolucionários de 1836 não tivessem tido as indecisões dos de 1820, e se. em vez de se limitarem a querer uma Constituição mais liberal, houvessem ido mais longe! ..

Quantos males se teriam talvez evitado 1 Pois estas mesmas reclamações, modestas no meio da sua

justiça incontestável, eram pela gente do paço combatidas com tenacidade e odio, a todo o transe, não se olhando aos meios, comtanto que se conseguisse o fim, que era a continuação do regimen de arbítrio á sombra d'um liberalismo fementido.

Afim de suffocar á nascença este movimento revolucionário, ainda o governo mandou ao Rocio o batalhão de caçadores 5, com ordem de fazer evacuar a praça á força d'armas.

Os soldados, porém, fraternisaram com o povo e com os insurrectos, e o major que os commandava teve de retirar, corri-do e vexado, sem que uma única praça o seguisse. Caça- dores 5 adheriu, pois, á revolução, ficando sob o cominando do tenente Miguel de Sousa Guedes.

Ali foi nomeada uma commissão, composta d'um official de cada corpo insurrrecto, para ir ao paço entregar a D Maria n a seguinte mensagem:

Senhora ! A leal guarda nacional e a leal guarnição de Lisboa dirigem-se a Vossa Magestade, pedindo-lhe que haja por bem annuir aos seus votos, e em geral aos da nação portugueza, provendo de remedio os males que desgra- çadamente teem levado esta magnanima nação á proximidade do mais horro- roso abvsmo, do qual só poderá ser salva pela immediata proclamação da Constituição de 1822, com as modificações que as Córtes Constituintes julga- rem por bem fazer-lhe.

Esta commissão foi recebida ás 4 horas da manhã pela rai- nha, que a tratou com as maiores deferencias, pedi ndoaosoffi

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ciaes que regressassem aos seus corpos, e promettendo-lhes que em breve lhes mandaria a sua resposta.

Efleetivãmente esta resposta nilo se fez esperar muito. Levava-a Thomaz de Mello Breyner, ao Rocio, ás o horas

da manhã. ... A rainha declarava ter demittido o ministério e encarre-

gado Sá da Bandeira e o conde de Lumiares da organisação de novo gabinete.

Além d'isso nomeava Luiz de Moura Furtado commandan- te das forças revoltadas, tendo como seu cooperador Irancisco Soares Caldeira. . , .

Estava também feita revolucionaria, a orgulhosa rainha — De resto, talvez houvesse quem tal acreditasse. E' tanta a ingenuidade humana! A's 7 horas da manha marchavam as tropas insurrectas,

seguidas de muito povo, para as Necessidades, onde, no meio do mais delirante enthusiasmo, era feita a proclamação solem- ne da Constituição de 1822.

Compunham o novo ministério o conde de Lumiares, pa da Bandeira, Manuel da Silva Passos, Antonio Manuel Lopes Vieira de Castro e Antonio Cesar de Vasconcellos.

N'esse mesmo dia, 10 de setembro, a folha official publicava, ao alto da primeira columna da primeira pagina, a seguinte communicaçílo :

O voto de toda a naç;lo portugueza já era conhecido, mas hontem, por occasiào da chegada dos deputados pela província do Douro a esta cidade, manifestou-se mais abertamente o desejo nacional. A grande maioria de cida- dãos, todos os corpos nacionaes e de linha deram as mãos para patentearem como homens de um povo livre a sua vontade. . . .

A rainha, conhecendo, emfim, qual era a verdadeira expressão nacional, acceitou conlo lei fundamental do Estado a Constituição politica da monarchia portugueza decretada pelas Cortes geraes e constituintes aos -■ > de setembro de 18'2í, com aquellas modificações que a assembleia nacional, a cuja convo- cação vae immediatamente proceder-se, achar justo e conveniente que se façam.

Mais abaixo tornava-se publico que a rainha iria» n aquelle mesmo dia, pelas 5 horas da tarde, á Camara Municipal, pi es- tar juramento de fidelidade á Constituição politica da monai- chia. . , .

Em tudo ia seguindo os exemplos do avô e do tio, os dois primeiros reis perjuros do constitucionalismo.

Ia caber-lhe na série o n.° 3.

Seguiam-se as demissões dos ministros que haviam exercido

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o poder até ao dia anterior, a nomeação dos novos, e este de> creto:

Tendo eu concordado com as representações que acabam de me ser feitas por grande numero de cidadãos e attendendo a outras claras demonstrações da opinião nacional a favor do restabelecimento da Constituição politica da monarchia, de 23 de setembro de 1822, com as modificações que as circums- tancias fizerem necessarias, sou servida declarar em vigor a dita Constituição e mandar que immediatamente se proceda na fórma d'ella á reunião das Cor- tes geraes da nação portngueza, a cujos deputados, além das faculdades ordi- nárias, se outorguem os poderes precisos para fazerem na mesma Constituição as modificações que as mencionadas COrtes entenderem convenientes.

O ministro e secretario d'Estado dos negocios do reino assim o tenha entendido e faça executar, propondo-me logo as providencias necessarias para o prompto juramento da Constituição e reunião das Cortes. Palacio das Ne- cessidades, 10 de setembro de 1836 — Rainha — Manuel da Silva Passos.

Estava, finalmente, no poder um governo liberal, disposto a substituir a Carta outorgada por uma Constituição mais demo- crática, que consignasse princípios avançados e evitasse novos abusos do poder.

Assim, esmagada, a monarchia transige, simulando acceitar de boa vontade o brado revolucionário, que era o da restaura- ção da Constituição de 1822, harmonisada, quanto possível, com o grosseiro sophisma com que, em 1826, D. Pedro iv burlara o povo portuguez.

Os constitucionaes achavam-se desde logo divididos em dois grupos bem distinctos e antagonicos : — d'um lado, os que que- riam dotar o paiz d'uma Constituição que não fosse uma burla como a Carta de 1826, e, que, por terem feito a Revolução áe Setembro ou para ella concorrido, ficaram constituindo o par- tido setembrista ; do outro, os elementos conservadores e reac- cionários, que queriam o poder discripcionario da corôa, em- bora lhe consentissem a mascara da Carta, e que constituíam o partido cartista.

D. Maria ii vira-se forçada a submetter se ao movimento setembrista, mas odiava-o do intimo d'alma, como do intimo d'alma odiava os homens que no poder eram legítimos repre- sentantes d'esse movimento generoso e emancipador.

Fingindo-se respeitadora da vontade nacional e do juramento que prestára, D. Maria ii não cessava de conspirar na sombra com os seus partidarios íntimos, os cartistas, afim de que qual- quer alteração da ordem publica lhe fornecesse ensejo de es- magar o setembrismo e restaurar a Carta de 1826.

Anciava pelo prejurio. Tardava-lhe seguir o exemplo de D. João vi e de D. Miguel.

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Mas D. Maria n, que tinha as tendencias despóticas do tio, possuia também a malleabilidade hypocrita do avô.

Também sabia preparar o salto. Como se sentisse impotente para no momento esmagar as

democráticas aspirações populares, submetteu se apparente- mente, por algum tempo, ás exigencias imperiosas e funda- mentaes do setembrismo, cuja bandeira de reformas liberaes era sustentada com mão firme por Passos Manuel, que nunca se desviava um ápice do caminho das reivindicações que haviam srdo a alma da revolução.

Para mais facilmente fazer crêr na sinceridade com que acceitava as consequências do movimento, a rainha decretou que se considerasse de grande gala o dia 10 de setembro, afim de que fosse, de futuro, sempre festejado, como anniversario do seu solemne juramento de fidelidade á lettra e ao espirito do codigo filho da revolução de 1820.

Cumprindo a promessa que mandára publicar na folha offi- cial, D. Maria n apresentava-se n'aquelle mesmo dia, 10 de se- tembro de 1836, nos paços do município, onde perante a Camara e os corpos constituídos do reino, jurava fidelidade e obediencia ao mais democrático dos codigos políticos pelos quaes se tem regido a nação portugueza.

O povo, na sua eterna e ingénua relutancia em considerar alguém mau, mesmo tratando-se de poderosos da terra, e até de testas coroadas, acclamou enthusiasticamente a rainha que tao cedo havia de trahir o seu >uramento.

E bem pouco tempo se havia de passar sem que D. Maria n provasse ao paiz e ao mundo que palavra de rainha nao valia mais do que palavra de rei.

O juramento prestado nao a impedia de continuar tios seus tenebrosos planos de conspiração contra a Liberdade.

Quem a D. Maria n parecia mais aproveitável para o inicio de qualquer cousa que lhe fornecesse pretexto para seguir o exemplo do avô e do tio era, nrturalmente, o se- gundo Estado, a fidalguia, que tinha assento na Camara chamada alta.

E foi ahi que ella encontrou, efectivamente, os primeiros cúmplices dos seus desígnios.

A 18 de setembro apparecia um protesto assignado por 27 pares do reino, contra os acontecimentos de 9 e 10. Vesse documento pedia-se á rainha que usasse da sua auctoridade para reprimir os desmandos da demagogia (sic.)

Este ndiculo protesto nao deu o resultado d'elle esperado. Teve apenas um successo de gargalhada.

No dia seguinte eram prohibidas em Portugal as corridas

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de touros, como sendo espectáculos barbaros e indignos d'um povo civirisado.

Seria esta prohibiçao uma resposta ao protesto que no dia anterior appareceu a publico :

E' possível, pois as corridas de touros eram e continuaram sempre a ser o espectáculo íavorito das chamadas altas classes sociaes.

E' certo que nilo sao só essas classes que concorrem a taes espectáculos, tristes reminiscências dos circos romanos. Resul- tado de séculos de educação fradesca, que níto é fácil perder d'um para outro momento.

Fosse, porém, qual fosse o intuito d'essa prohibiçao, o facto é que ella serviu de pretexto para os reaccionários continuarem a exacerbar os ânimos, no proposito de arranjar pretexto para uma sangrenta repressão.

E é innegavel que isso estava em projecto. Os aulicos da rainha preparavam para breve um novo pro-

nunciamento militar, para o qual contavam com o apoio de vá- rios regimentos, entre os quaes caçadores 5, o mesmo que em 9 de setembro havia fraternisado com o. povo e com as forças sublevadas.

A 5 de outubro tinha o governo setembrista conhecimento d'estes planos.

Saberia ou desconfiaria da cumplicidade da rainha em tudo isto ?

O que é facto é que se limitou a, sob pretexto da necessi- dade de combater as guerrilhas miguelistas do Remechido, no Algarve, encarregar d'esse serviço o batalhão de caçadores b, afastando-o assim da capital.

E, como pouco depois chegasse a Lisboa a noticia de que o chefe carlista hespanhol Gomez operava de combinação com o celebre guerrilheiro portuguez, marchou para o Algarve uma divisão militar, formada de contingentes de diversos corpos, sob o commando d'um general de confiança dos setembristas, o barão do Bomfim, mais tarde conde do mesmo titulo.

Seria também isto um pretexto para afastar da capital, en- tregando as a um homem fiel, forças que constasse estarem também na conspiração urdida pela rainha e pelos seus cúm- plices ?

E' possível.

O governo entendeu, e muito bem, que não devia demorar o cumprimento do decreto de 10 de setembro, e por isso man- dava, em 12 de outubro, proceder ás eleições de deputados para

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as Constituintes, conservando-se, porém, as Cortes ordinarias* até entregarem o seu mandato ás que viessem substituirias.

Nas Camaras legislativas foram largamente discutidos os últimos acontecimentos, e com tal vehemencia.que, na sessão de 19 de outubro, Passos Manuel nao teve dúvida em, apesaf de ministro da corôa, declarar que, se esta, faltando aos seus compromissos e ao cumprimento do seu dever constitucional, nao correspondesse ás aspirações populares, appellaria para a Republica como ultimo remedio.

Como Fernandes Thomaz e Borges Carneiro, e como tan- tos outros, entre os quaes talvez também ^jilva Carvalho e Sá da Bandeira, Passos Manuel era decerto um republicano, pelo menos em principio.

Mas julgando, como os se s antecessores de 1820, necessá- rio transigir com a monarchia para, melhorando a e democra- tisando-a. facilitar a transição para a Republica, acceitava-a provisoriamente, como uma eia fie para mais wstas reivindica- ções.

Julgou mal, como mal julgaram os de 1820, o que, de resto, nao admira, na epocha em que isto se passava, se attendermos a que ainda muito mais tarde, estando já o Partido Republicano em toda a sua pujança e em todo o seu vigor, houve republica- nos dedicados e honestos, de cuja sinceridade seria um crime duvidar, que pensavam da mesma fórma. 1

E de que julgou mal, nao tardou elle muito a ter a prova. D. Maria n nao descançava em juanto nao visse por terra

todas as aspirações setembristas. O que em outubro se nAo conseguiu, conseguir-se-hia mais

tarde. Mas era preciso que fosse quanto antes-, A rainha estava

impaciente. Quanto antes! E assim havia de sçr. A 3 de novembro davam-se esses acontecimentos que ficaram

celebres sob o nome de helenizada. Preparou-se para esse dia a mais torpe das emboscadas,

1 Em 1887, em dois congressos partidarios, discutiu se acaloradamente se os republicanos deviam ou não celebrar accordos políticos ou simplesmente eleitoraes, com quaesquer partidos, facções ou grupos monarchieos.

A resposta foi, felizmente, negativa em ambos. Mas a maioria foi de 25 votos contra 20 no primeiro, e de 56 contra 50 no

segundo. Mais tarde, de 1894 a 18q5, houve chamada colli^açâo liberal contra o ga-

binete reaccionário Hintze-Franco, colligaçào de que opportunamente nos occuparemos, e cujos resultados havemos de pôr em relêvo.

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afim de restaurar a Carta; e, para levar a cabo essa tentativa duplamente criminosa, nao houve vergonha de fazer desembar- car as forças inglezas dos navios que estavam ancorados no Tejo, certamente a pedido de quem tivesse interesse ou prazer em vê-las chacinar portuguezes que pugnavam pelos seus di- reitos e pelas suas regalias.

Na manha d'esse dia mudou a familia real a sua residencia do paço das Necessidades para o de Belem, nao só para se afastar do odiado povo de Lisboa, como também para com mais facilidade e segurança poder operar, sob as vistas bene*olas dos marujos inglezeS que tripulavam os barcos surtos no Tejo.

O conde de Lumiares, presidente do conselho e ministro da guerra, o unico, talvez, dos membros do governo, que á rainha inspirada alguma confiança, recebeu ordem de mandar reunir, n'essa mesma noite, sob as janellas do palacio, as tropas de linha da guarnição da capital.

O ministro obedeceu, sem saber — façamos-lhe essa justiça — de que se tratava.

Então, pelo remanso da noite, D. Maria n levava a cabo os seus planos de conspiração, demittindo o ministério setembrista e confiando o poder a um gabinete de reaccionários promptos a tudo para satisfazer os caprichos da rainha e afogar em san- gue os protestos do povo.

Eram estes : o marquez de Valença, o visconde de Banho, o barão de Lima, Francisco de Paula e Oliveira, Bressane Lçite e o visconde de Porto Covo.

•No dia seguinte, 4 de novembro, era lido ás tropas um de- creto em que se declarava restaurada a Carta de 1826 e revo- gado tudo quanto a partir de 10 de setembro, se havia feito e legislado.

Esta infamia era festejada com salvas d'artilharia no cas de S. Jorge e na torre de Belem.

D. Maria 11 queria que fosse assim celebrada a sua admis sao no numero dos monarchas perjuros.

E se entre os do constitucionalismo lusitano lhe competia o numero 3, era por ser ella a terceira pessoa que depois da revolu-

% çao de 1820 e da Constituição de 1822, occupava o throno por- • tuguez.

Se mais monarchas tivessem reinado, mas perjuros teria certamente havido. Tantos quantos tivessem jurado.

Mas graças á energia e ao patriotismo das guardas nacio- naes, effeito algum surtiu d'esta monstruosa cilada.

Os cidadãos que, em 9 e 10 de setembro, haviam tido a gloria de proclamar e fazer acceitar pela rainha a Constituição de 1822, armaram se apenas tiveram noticia dos acontecimen-

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Na Belemzada —O primeiro perjúrio de D. Maria II

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tos de Belem, e, levantando heroicamente a. luva que lhes arremessára a rainha, dispuzeram-se á lucta a todo o transe, fossem quaes fossem as suas consequências.

O batalhao dos artificies do Arsenal, e outro das guardas nacionaes, foram óccupara pon- te de Alcantara, afim de inter- ceptarem as communicações do paço de Belem conj a cidade de Lisboa,

Crescia de momento para momento a agitação na cidade, e tornava-se temivelmente amea- çadora e perigosa para a sobe- rana perjura.

O povo, cançado de soffrer tantos vexames ç tantas trai- ções, já ameaçava desthronar D. Maria 11. A explosão da sua justificadíssima cólera poderia ter consequências gravíssimas,

o\Marcckai Sawa»»»—Mimar valente.eem quer para o throno quer para politica aventureiro ganancioso— Kepublicano S i ou monarchico, cartista ou setembrista—òp* a segurança pessoal cie quem O prcs>So ou liberdade, simples verbas 01 çamen- taes. occupava.

D. Maria n, que pedira o desembarque das forças inglezas para a defenderem e ao paço, se fosse necessário, tivera, du- rante a execução do seu plano maCTiiavelico, a seu lado o ministro inglez, lord Howard.

A noticia d'esta afTronta feita pela rainha á vontade nacio- nal provocou terríveis frémitos de justificada indignação em toda a parte onde foi conhecida.

E quem sabe quaes .seriam as consequências d'essa indigna- ção se a deixassem explodir !

Talvez funestas papa a corôa, e por isso mesmo salutares para o paiz. •

Mas Passos Manuel não queria que se désse no paiz uma lucta que havia de ser sanguinolentíssima.

Por isso resolveu ir ao paço, afim de expôr a.D. Maria n o que se passava, e os perigos a que ella propria se expunha se continuasse a zombar assim do povo e da sua vontade so- berana.

Foi, e falou com toda a energia e resolução, de modo que aterrou rainha e camarilha, a ponto de levar os conspiradores a desistir dos seus intuitos nefastos.

Estava restabelecida toda a obra da Revolução de Setembro.

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Mais uma vez Passos Manuel e as guardas nacionaes sal vavam a tao combatida causa da Liberdade.

E' obvio que isto era um novo motivo a acirrar contra o- grande liberal os odios palacianos.

Este golpe de Estado custou a vida a um homem que desde 1820 prestara á causa da Liberdade grandes e relevantes ser- viços, mas a quem a mephitica atmosphera palaciana havia pervertido.

Agostinho José Freire, a quem a Revolução de Setembro expulsara do poder, era de todos conhecido como desafifecto aos radicaes.

Quando se dirigia, de grande uniforme, para o paço, natu- ralmente para contar á rainha o que se passava e combinar com ella o que seria ainda possível fazer para debelar a resis- tência á contra-revoluç3o, foi reconhecido, ao passar na cal- çada da Pampulha, por um grupo de populares armados, d onde partiu um tiro que o matou instantaneamente.

Ainda algum sangue havia de correr n'esse mesmo dia, em Alcantara, onde, encontrando se a brigada de marinha, cartista, com um batalhão da guarda nacional, se travou rijo e demorado- combate, havendo numerosas baixas de parta a parte e pen- dendo a victoria para a guarda nacional.

Entretanto a rainha cedia, ou antes, simulava ceder, regres- sando a família real ás Necessidades e sendo novamente confiado o poder aos setembristas.

Passos Manuel. Vieira de Castro e Sá da Bandeira, encarre- ga ndo-se elles sós da gerencia de todas as pastas, desenvolviam uma prodigiosa actividade, em defeza da Liberdade e dos inte- resses públicos.

O governo d'estes tres grandes patriotas foi o mais honesto, ut'l e fecundo que é possível imaginar-se.

Foi um governo de moralidade, economia e fomento, nas- cido d uma revolução grandiosa pelos seus intuitos e proveito sissima pelos seus resultados.

Este governo cprtou muitos abusos, fez economias severis- . simas, organisou todos os serviços públicos e sobretudo procu- rou consolidar a liberdade dando-lhe por base a instrucçao.

A' iniciativa potente do glorioso estadista se deve grande parte do grau de progresso em que hoje nos encontramos. Pena é que estadistas de egual estatura nAo tenham com a mesma perspicacia continuado a obra de engrandecimento in- tellectual e material que tão vigoroso e honrado impulso d'elle recebeu.

Passos Manuel organisou o ensino primário, secundário e superior, até ali anarchisados; fundou a academia de bellas artes

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de Lisboa, o conservatorio de arte dramatica, o theatro nacio- nal, os antigos museus de artes e officios de Lisboa e Porto e a escola de bellas artes do Porto; estabeleceu que regular- mente se fizessem exposições industriaes de dois em dois annos; transformou a academia de marinha do Porto, dando-Ihe novos programmas de ensino e a designação de academia polyte- chnica, é transformou ainda o antigo collegio dos nobres, mo- dificando toda a sua organisaçilo e dando-Ihe o nome de escola polvtechnica; estabeleceu prémios para inventores nacionaes, instituiu o conselho de saúde publica, protegeu notavelmente a industria e a agricultura nacional, e garantiu a todos os cidadãos o livre exercício das liberdades publicas

Nao devia, porém, ser de muita duração este ministério, como dentro em pouco veremos.

Era honesto, era liberal, e estas duas qualidadès sao in- compatíveis com os ares palatinos.

No meio d'esta enorme actividade governativa, nílo esque- ceram a estes homens os trabalhos eleitoraes para dar cum- primento aos decretos de 10 de setembro e 12 de outubro.

As eleições realisaram-se em dezembro, e as Cortes consti- tuintes tinham a sua primeira reuniílo preparatória a 18 de janeiro de 1837, e a sua sessão inaugural a 26 do mesmo mez e anno.

Nomeadas as commissões especiaes para cada um dos di- versos assumptos a tratar, começou cada uma a estudar a especialidade de que fôra incumbida, afim de' apresentar com a possível brevidade ás Cortes o resultado dos seus trabalhos.

A primeira a apresentar se com o seu parecer fôra a da Constituição, cujo trabalho entrou em discussão a 5 de abril.

N'esSa mesma sessão proferiu José Estevam Coelho de Magalhães um eloquentíssimo discurso em que advogou com todo o ardor da sua alma de democrata a responsabilidade mi- nisterial, a suppressAo da Camara dos pares e a abolição do direito de veto concedido ao chefe do Estado.

Este discurso produziu na assembleia profunda impressão, chamando á causa do setembrismo muitos deputados até entílo mais T)u menos hesitantes sobie a orientação politica a seguir.

Entre elles conta se Manuel Antonio de Vasconcellos, que, em sessão de 26, defendia calorosamente o principio da sobera nia nacional, sendo também funda a impressfío produzida pelas suas palavras.

Em breve ia porém dar se, no parlamento, um incidente que traria á marcha politica uma modificação prejudicial á causa da Liberdade.

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A 10de maio, era rejeitada pela Camara uma proposta gover- namental para a creação de vários logares de sub-secretarios d Estado, que o ministério reputava indispensáveis para o des- empenho da sua missão.

Em vista d'esta votação, o governo demittiu-se, sendo sub- stituído por Antonio Dias d'Oliveira, presidente, visconde Bobeda, João d'Oli vera e Manuel de Castro Pereira.

O novo ministério era já formado por gente menos avançada do que a que acabava de cahir.

E a reacção não deixaria, certamente, de aproveitar para os seus manejos a occasião de se encontrar no poder um gabi nete que lhe offereceria, se não tacita cumplicidade, ao menos fraquíssima resistencia.

Começou-se desde logo a conspirar para uma sublevação mi- litar que havia de restaurar a Carta.

Era do norte que devia partir o grito da revolta, e para lá seguiu o barão de Leiria, assanhado cartista, que devia tomar * o commando das forças insurreccionadas.

O primeiro corpo a sublevar-se foi o batalhão de caça- dores 7, que, de Barca, onde estava aquartellado, marchou sobre Braga, no intuito de, com o auxilio da guarnição d'aquella cidade, caminhar sobre o Porto e toma-lo.

Este plano não foi, porém, coroado de bom êxito. O Barão de Leiria, não logrando entrar no Porto, como era

seu intento, retira para o Minho,*e vae encerrar-se em Valença, onde contava com elementos de combate.

Entretanto, insurreccionava-se o marechal Saldanha a 27 de julho, com uma força de lanceiros, e, a 18 de agosto imitava-o o duque da Terceira, com infanteria 7, e os dois iam juntar-se a Mousinho d'Albuquerque, em Torres Vedras, onde procla- mavam a restauração da Carta de 1826 e constituíam uma regeiicia pvovisoria do reino, formada por elles tres, que a si proprios se fizeram acclamar pelas tropas do seu com- mando.

Quizeram logo marchar sobre a capital, onde não consegui- ram entrar, por terem sido tomadas precauções defensivas que lhes frustraram os intentos.

Retiraram então a caminho do norte, travando-se, em 28, com forças do commando do barão de Bomfim, rija peleja, cujo resultado ficou indeciso.

Entretanto o barão de Leiria, que se refugiára em Valença, onde haviam ido sitia-lo forças affectas ao setembrismo, conse- guia fazer levantar o cêrco, e sahia a reunir-se aos marechaes e a uma brigada da divisão expedicionária a Hespanha. que o governo mandára regressar ao reino, e que havia abraçado o partido cartista.

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A outra brigada da mesma divisão, que era commandada pelo visconde das Antas, mais tarde conde do mesmo titulo, abraçava o partido setembrista.

Encontrando-se em Ruivães com as tropas que, sob o com- mando-do barão de Leiria, iam reunir-se aos marechaes, alcan- çam sobre ellas as forças setembristas, em 18 de setembro, uma brilhante victoria.

Os marechaes, vendo a impossiblidade de continuar a lucta, assignaram um convénio que, ao menos por então, pôz termo á guerra civil, á revolta dos marechaes, como por troça ficou conhecida.

Ora emquanto a guerra civil e estes successivos pronuncia- mentos militares agitavam as províncias, não era muito maior a tranquilidade em Lisboa.

A' frente dos negocios públicos um ministério sem aptidão e sem prestigio, apesar dos remendos como o da substituição de Dias d'Oliveira por Gomes da Silva Sanches, não gosava de força alguma moral para, inspirando confiança áo publico, acalmar os ânimos excitados pelo que das províncias se contava na capital e pela activa propaganda dos elementos retrogrados que na agitação popular farejavam pretexto para destruírem a obra da revolução.

O administrador geral (governador civil) de Lisboa. Soares Caldeira, homem que gosava de certo prestigio entre o povo desde os aconteneimentos de setembro de 1836, era demittido do seu logar, e, a curto praso, seguia-se a esta demissão a do inspector do Arsenal, o que leva o respectivo batalhão a pegar em armas e a subletar-se, no que o acompanham alguns bata- lhões da guarda nacional, indo todos encerrar se no Arsenal, onde as tropas de linha os cercam e obrigam a capitular, em 9 de março de 1838.

Entretanto a agitação e os tumultos succedem-se por toda a cidade, e, a 13 do mesmo mez, Sá da Bandeira, por ordem di- rectamente emanada da rainha, manda fazer fogo sobre o povo agglomerado no Rocio!

A 14, a rainha passeia, em carruagem descoberta, pelo Ròcio, sobre as pedras ainda tintas do sangue dos populares que, á sua ordem, haviam sido fusilados no dia anterior!

Queria gosar, vêr os resultados da sua barbara determinação ! Se porém D. Maria n imaginava que, com esse acto de vio-

lenta e cruel repressão, restabelecia o socego e submettia o povo á sua despótica vontade, enganava-se completamente.

A propaganda revolucionaria continuava com crescente actividade, agora por parte dos avançados, dos setembristas que se haviam conservado fieis á obra democratica, e que, vendo o rumo que as cousas iam tomando e a conducta mais

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que incorrecta da rainha D. Maria, contra ella voltavam agora os seus merecidos e vehementes ataques.

A 10de abril, José Maria do Casal Ribeiro publicava, sob o titulo £' tarde! e assignado com o pseudonymo Um patuleia um opusculo de combate que produziu sensação profunda, r»3o só em Lisboa como em todo o paiz.

N'este folheto, correcto e esmerado na forma litteraria, mas violentenssimo na essencia, eram verberados com a maxima energia os actos da rainha que assim trahia todas suas promes- sas e todos os seus juramentos.

E a este outros e outros se seguiam, passando a rainha a ser alvo de vehementes ataques, nSo só na imprensa como pela palavra, em publico como nas conversações particulares-

Em toda a parte era discutida, o que de forma alguma pod a augmentar, ou sequer manter-lhe o prestigio da realeza e a garantia de irresponsabilidade que lhe dava a Carta.

E' claro que de tudo isto resultava manter se com crescente intensidade a agitação publica.

A 14 de junho chegaram a dar-se em Lisboa tumultos vio- lentos, de que Sá da Bandeira escapou milagrosamente de ser victima.

D aqui resultou serem dissolvidos, no dia seguinte, seis bata- lhões da guarda nacional.

Entretanto a assembleia constituinte, na qual se estreiára como parlamentar aquelle que mais tarde havia de ser um dos mais queridos e prestigiosos chefes republicanos Antonio d'Oliveira Marreca, concluía a sua obra, dotando o paiz com a Constituição de 1838, baseada na de 1820 e consignando os mesmos princípios democráticos que ella, e alguns mesmo mais ampliados.

Em janeiro de 1839 reuniam se as Cortes ordinarias do reino, convocadas e eleitas já em harmonia com a nova Cons- tituição.

Uma votação contraria ao governo produz a queda d'este, em 25 de março, subindo então ao poder um ministério chamado de conciliação, formado pelo barão da Ribeira de Sabrosa, presidente, José Cardoso da Cunha e Araujo, Julio Gomes da Silva Sanches e Manuel Antonio de Carvalho.

Tinham terminado as correrias das guerrilhas miguelistas no Algarve e no baixo Alemtejo, havendo sido presos e fusi lados o Remechido e alguns dos principaes cabecilhas que o seguiam.

Nao é por nós? Fogo! E' por nós? Uma pensão e uma grã cruz. Está na massa do sangue dos tyrannos esta fórma de racio-

cinar.

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Isto, porém, nao devia trazer como resultado o restabeleci- mento do. socego publico. A agitação continuava por todo o paiz, surgindo a cada instante revoltas populares ou pronun- ciamentos militares, que as tropas de linha e da guarda .muni- cipal tratavam de reprimir sangrentamente

Este ministério de conciliação achava-se entre dois fogos: o dos cartistas que o accusavam de jacobino, e o dos setem- bristas que o apodavam de retrogrado e absolutista. Era um governo de conciliação que nao conciliava cousa alguma.

Ainda assim conservou-se até novembro, em que veiu sub- stitui-lo nas cadeiras do poder um gabinete presidido pelo conde do Bomfim, mas constituído por elementos accentuadamente cartistas, visconde da Carreira, Florido Pereira Ferraz, Rodrigo da Fonseca e o renegado Costa Cabral,.o antigo demagogo do Clubtdos Camillos.

O governo apresentou ao parlamento um projecto de lei .auctorisando o a tomar providencias especiaes para reprimir os motins que agitavam o paiz:--suspensão de garantias.

Ao ver entrar na sa'a das sessões a commissao encarregada de dar parecer sobre esse projecto de lei, José Estevam excla- mava Entra o préstito lugubre, e traz debaixo da toga o creto de morte. Poucos momentos de vida restam á victima ; em breve sobre o seu cadaver levantará um throno a tyrannia, mas tyrannia que será funesta a quem a proteger, funesta aos que teem de a exercitar.»

Approvado este projecto de lei, e posto em pratica, diminuiu por algum tempo de intensidade a agitação publica, dando-se ainda assim a'guns tumultos e tentativas de pronunciamentos militares, como foi o d infanteria 6 e 13, em agosto de 1840, promovido em Castello Branco pelo tenente-coronel Miguel Augusto, que era assassinado, a 11 de setembro, pelos proprios soldados do seu commando.

As cousas foram decorrendo sem mais acontecimentos de importancia, emquanto paço e cartistas conspiravam na sombra para um golpe d'Estado ou o quer que fosse que destruísse definitivamente toda a obra setembrista e restaurasse official- mente a Carta de 1826.

Em meados de 1841, sentindo-se já os cartistas com força para pôrem em pratica os seus intuitos, trataram de organisar um ministério em que tivessem predominância elementos seus, embora ainda com alguns liberaes que servissem de mascara ao que se planeava.

Este ministério constituia-se a 9 de junho, e formavam-no Joaquim Antonio d'Aguiar, Costa Cabral, Rodrigo da Fonseca, o conde de Villa Real, Antonio José d'Avila ( mais tarde duque d'Avila e de Bolama), e José Ferreira Pestana.

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Nas eleições municipaes d'este anno, feitas por este minis- tério, teve o partido cartista a victoria em muitos pontos do paiz, graças á pressão exercida por Costa Cabral, e ao systema de corrupção e suborno que Rodrigo da Fonseca punha em pratica.

Estes triumphos eleitoraes vinham dar novos alentos ao par- tido reaccionário, a quem só restava agora esperar o ensejo íavoravel para dar na Liberdade e nos seus defensores o golpe de misericórdia.

Esse ensejo devia dar-se poucos mezes depois, em janeiro de 1842, a proposito d'umas manifestações realisadas no Porto, em 2 e 6 d'esse mez.

0 cabralismo

O hymno da Carta nao era n'aquelia data o hymuo na- cional.

Só muito mais tarde, em 1889, é que um neto de D. .Maria li, o rei D. Carlos i, desgostoso por achar feio um hymno que um maestro qualquer lhe dedicou—e faça-se a D. Carlos i a justiça de reconhecer que elle julgou criteriosamente o tal hymno—resolveu, á falta de melhor e para nflo descontentar quem para com elle havia tido tal amabilidade, adoptar para hymno do seu reinado o da Carta.

Até então, o hymno official de cada reinado era o do res- pectivo soberano. D. Pedro iv, D. Miguel. D. Maria n, D. Fernando (que foi regente durante a menoridacfe do filho mais velho), D. Pedro v, D. Luiz i, tiveram cada um o seu hymno official durante o respectivo reinado ou regencia.

O da Carta, como o de 1820, eram considerados apenas como hymnos partidarios, ou antes, cantos de guerra de tal ou tal partido.

Onde se ouvia tocar ou cantar o hymno de 1820, logo se sabia que era entre setembristas que se estava; o da Carta, ipso Jacto, denunciava os cartistas.

Nas festas e solemnidades officiaes, em 1842, era, portanto, só official o hymno de D. Maria n.

Os outros—o da Carta e o de 1820—eram dos respectivos partidos, e serviam apenas para as manifestações politicas de cada um d'elles.

E tanto isto assim era que o hymno da Carta era proscripto por padres miguelistas, que o prohibiam ás philarmonicas que iam abrilhantar os arraiaes das respectivas parochias.

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N'uma das íreguezias ruraes da ilha da Madeira viu o auctor d'este livro, não em 1842 mas 34 annos mais tarde, um padre que ia debaixo do pallio n'uma procissão, abandonar o seu lo- gar para ir reprehender o regente da banda, que, entre varias marchas graves, se lembrára de mandar tocar o referido hymno.

Não era, portanto, um hymno nacion^, como não tinha ca- racter algum official.

Ora porque seria então que, em 2 de janeiro de 1842, uma banda regimental que, no Porto, dava um concerto ao ar livre, executou este hymno, a que nenhum dever a forçava, porque, official, só o era o de D. Maria n?

E não será também para estranhar a coincidência de ser esse hymno tocado justamente na occasião em que ali se en- contrava um numeroso grupo de cartistas, que o cobriram de ruidosos applausos?

Mas, fosse cousa já premeditada ou simples coincidência, o que é innegavel é que o facto se deu, e que os applausos ser- viram de incentivo para uma nova manifestação que a 6 se realisava, percorrendo as ruas do Porto varias bandas marciaes e philarmonicas, tocando o hymno da Carta e provocando applausos e vivas á mesma e aos respectivos partidarios.

Entre estes vivas eram os mais numerosos e estridentes os dirigidos a Costa Cabral, o antigo jacobino dos Camil/os que ora geria, em Lisboa, a pasta da justiça.

E' que tudo isto era resultado da conspiração palaciana que havia tempos vinha a urdir-se, e de que o vil renegado Costa Cabral era um dos mais activos e audaciosos cúmplices.

Sob pretexto de tratar de negocios de caracter particular, Costa Cabral partiu para o Porto, apenas teve conhecimento das manifestações ali realisadas em 2 e 6 de janeiro.

Chegado á capital do norte, onde o esperavam já os parti- darios que com elle haviam planeado a conjuração, Cabral, dada unia ultima demão aos projectos combinados, põe-se, a 27 de janeiro, á frente dos reaccionários, que, n esse mesmo dia, proclamam a restauração da Carta, formando logo uma regencia de que era elle a cabeça pensante e mandante.

Esta conspiração tinha sido pacientemente urdida, e lançara por todo o paiz ramificações, de forma que, como obedecendo a um môl cl'ordre, a Carta estava em breves dias restaurada quasi por toda a parte, conservando-se apenas fiel á Constitui- ção de 1838 o general Padua, em Castello Branco

Logo se organisaram íorças militares para marcharem so- bre Lisboa, em companhia de Costa Cabral.

Estas forças constituíam uma divisão com 3 brigadas,*sob o commando, respectivamente, dos generaes, barões de Lages, Vallongo e Vinhaes.

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Para cohonestar a conducta da rainha, que conspirava con- tra a Constituição por ella jurada, fingia-se então formar, em Lis- boa, um ministério para resistir ao movimento cartista do Porto

Compunham este ministério o duque de Palmella, Sá da Bandeira, Antonio José d Avila, Jervis d'Athouguia, Joaquim Antonio de Magalhílé? e Joaquim Filippe Soure,

A primeira cousa eni que pensou o novo governo, consti- tuído a 6 de fevereiro, foi em demittir do commando da 1 * di- visão militar o duque da Terceira, que era um cartista ferre- nho, e que dispunha de muito prestigio no exercito, pela parte activa que havia tomado na guerra peninsular e nas luctas con- tra o miguelismo

Seria esta demissão mais um true dos conspiradores cara indisporem contra o governo de resistencia a guarnição da capital, facilitando assim a obra de reacção em perspectiva r

1 a'vez. Mas, fosse ou nao fosse esse o intuito reservado de

eft eito ' nCm PO' ,SS° deixou e"a Pr°duzir o desejado A attitude da guarnição de Lisboa tornou-se tão ameaçadora

que piovocou a queda do governo, a 9 de fevereiro. Constituído a 6, cahia a 9. Por isso, e também pela época

em que o facto se deu, este governo ficou conhecido pelo epi- theto ironico de ministério d entrudo.

No mesmo dia confiava a rainha o poder a um gabinete a que pertenciam o duque da Terceira, Mousinho d'Albuquerque e Jose Jorge .Loureiro. 4 4

de UgPedro?v! Ag°ra é qUC CStava satisfeita a orgulhosa filha Estava o poder entregue aos-reaccionários do cartismo

m'n,ster|0 na° se .fazia esperar na obra que rainha e corte tão anciosamente desejavam A Carta nfto foi restaurada em Lisboa no proprio dia 9 na

turalmente por falta de tempo... ' Mas foi o logo no dia seguinte.

binete"1 °Utl"a °OUSa Cra de esperar da dec|icaçao do novo ga- Faltava-lhe porém ainda um elemento de força — Costa Ca-

bral—que D. Maria u se n.lo atrevera a nomear logo no nri-

de cousas qUGrei antes ver como era recebida a nova or-

que^eTíe'01^ COm° ° tl0' Mana 11 na° era mais corajosa do A 24 do mesmo mez, a rainha, julgando já favoravel o en-

sejo para avançar mais no caminho da reacção, consentia eorganisaçao, em que entravam para o ministério Costa

Cabral, Campello, Mello Carvalho e o barão do Tojal.

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O caracter d'um governo em que predominasse o antigo declamador do Club </os Cantil/os estava naturalmente defi- nido : — repressão até á crueldade, energia levada aos últimos requintes do despotismo.

As violências e as perseguições aos liberaes começaram desde logo, e com crescente intensidade, a ponto de provoca- rem a dissidência, dentro do proprio partido cartista, d'aquelles a quem revoltavam as excessivas prepotências do governo.

Por seu turno, os miguelistas aproveitavam o descontenta- mento geral provocado pelas violências cabralinas para faze- rem activa propaganda das suas doutrinas, perguntando de que servira a mudança de regimen conquistado á custa de tanto sangue, se afinal o povo continuava tflo sacrificado e tao oppri mido como antes da Carta com que o burlára D. Pedro iv.

E forçoso é confessar que, até certo ponto, nilo deixavam de ter razão.

O systema era o mesmo O nome é que mudára. As opposições setembrista, miguelista e cartista dissidente

colligaram-se contra o governo, e, a 30 de março, publicavam um energico manifesto em que verberavam cóm a maxima ve hemencia a conducta da rainha e do seu governo.

E esta colligaçilo de opposições proseguiu na sua lueta no campo legal durante largo periodo de tempo, •esperançados todos em que a sua propaganda pacifica, expondo á opinião publica os erros e os crimes dos governantes, provocasse uma crise que, sem effusSo de sangue, restabelecesse .as liberdades publicas.

Ingénua esperança esta, que tanto mal tinha já bastas vezes acarretado sobre o paiz, mal que deveria ter servido de lição aos poetas da cordialidade e dos meios persuasivos para ven- cer inimigos que a nada se convencem !

Pois nao só então, como dezenas d annos depois, bastantes d esses poetas teem apparecido nas nossas luctas politicas, nem sempre sendo proveitosa a sua orientação.

Mas a paciência também se exgotta, e chega um dia a có- lera a explodir.

lá em 12 de agosto de 1840, quando o governo apresentava ao parlamento um projecto de suspensão de garantias, José Es- tevam, n'um dos seus notáveis discursos, exclamava :-«Reco- nheço que a resistencia armada é, em certas occasiões, nflo digo um direito, mas nma obrigação.»

E o grande tribuno, que era brilhante e arrebatador nos seus sublimes rasgos d'oratoria, era também homem para pôr em pratica o que na tribuna apregoava.

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E da sua coragem e dedicação civica tinha elle já dado so-

da£> i°m nas anter>°res luctas em prol da causa da Liber- aueh'rnmarliw^n ?no'as' Pnsão e exilio lhe tivessem jámais quebi antado o animo de luctador intemerato.

n f,™ V? 4 feí!ereir"de 1844, nao podendo já soffrer

vas O Jr1?nPr°* T° • °Sta Cabra1' levantava em Torres No- vas o grito revolucionário.

Ántôn£gíí«r°jíe^Va"arÍ1í1"1' '?.ndo á sua frente 0 granel

contra o cabràlismo °S Correto- ™-"reccionava.Se

r.„doCãra"d?te' )oSé de Pína Freire da Fonseca, nao que- Thomar movimento revolucionário, retirou-se para

Os revoltosos marcharam sobre Castello Branco, onde se havia ievolucionado o regimento d'infanteria 12.

, conde do Bomfim, que estava no Alemtejo no goso de li

forcas m,VJr"( f' Se u°S revoltosos e tomou o commando das

wiíSn « ^ marcharam para a Guarda, onde se tinha su- blevado o regimento de caçadores 1.

™ u a d'estas forças já relativamente numerosas tia7em°T,T dirtiça° ao Douro' afim de passar este rio e en- trai eni 1 raz-os-Montes.

Mas, perseguido pelas brigadas cartistas do barão de Leiria

JeV^TkS dC Va,lonS°> Vinhaes e Fonte Nova e vindo ff.rr-, mií>i a apOK) nr resto do paiz» e <lue nenhuma outra praça d?AÍmeidCa°rreSP°ndia a° grit° de revo,ta> ««lheu-se á

vert^'nnnT ^mP° .emiscsan°s setembristas eram enviados a di-

subleva? rínn de PréSa,"em a revolta e de tentarem Vimento KíL \ ievan m" g^rrilhas que secundassem o mo- v mento iniciado em loires Novas, missão que, infelizmente não foi coroada de bom êxito. ence'

tod^fafmínn.0 50vern° mand;lva concentrar contra Almeida conde da FnntVdlSp

<oniveis' sob ° commando em chefe do vis- conde da Fonte Nova, que poz a praça um apertado cêrco

obr gando-a a capitular em 28 de abril, nas seguintes condições:'

as uQ„ S sahinam P,a.ra Hespanha, levando apenas

duffva-9 ? qUaeSquer obJectos de sua Propriedade ex- usiva, A. bahinam as praças desarmadas, indo para deposi- tos determinados pelo governo. ^ p M

luçaotaVam dispeesas as guerrilhas, estava mallograda a revo- esta victoria decisiva entendia a reacçAo cartista che- gado o momento opportuno de começar a exercer as suas tor-

suas <í"feanfreadeas amfc " "*• vaidades- «

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Nilo eram. porém, só as liberdades publicas e as garantias individuaes que soffriam com estas luctas e com estas victorias da reacção, mas também o thesouro publico, porque, para con- servar no poder déspotas e tyrannos como Costa Cabral, João Franco, Miguel de Vasconcellos ou o conde de Basto, é pre ciso contar com o apoio de numerosos cúmplices, os quaes só podem ser recrutados entre homens que. despidos de todo o escrupulo e de toda a noção de dignidade, só servem a quem lhes paga, e por isso mesmo se fazem pagar bem.

Portanto, o renegado Costa Cabral não podia fugir á lei fatal a que sempre obedeciam os que o procederam como os que lhe

• succederam.

Os cúmplices de Costa Cabral, da rainha e da reacção car- tista na infamia de janeiro de 1842 reclamavam a sua paga; sabido é que gente d'esta láia nao só quer ser sempre bem re- munerada, como também nao espera, porque, avaliando pela sua a honra alheia, por toda a parte vê patifes e caloteiros.

E, então como sempre em taes circumstancias, é aos cofres públicos que se vae roubar o dinheiro para taes gastos, pagan- do-se assim com o producto do trabalho do povo os que oppri- rnem ou chacinam esse mesmo povo.

Assim, as despezas publicas, orçadas em 1841-1842 em 10:340 contos de réis, elevaram-se logo no anno seguinte a 15:200 contos.

Eram os conniventes reclamando a paga, o que logo custava ao thesouro um aggravamento de 4:860 contos.

E assim foram, de anno para anno, crescendo os gastos numa progressão espantosa.

E, para fazer face a esse injustificável augmento de despezas, era preciso recorrer ao aggravamento dos tributos, esmagando o. povo sob pesadíssimos impostos, arrancando lhe para lançar na voragem a camisa, e depois a propria pelle quando se exgottas- sem os primeiros recursos extorquidos pelo hsco.

Mas o povo, o eterno explorado, podia revoltar-se ainda no campo eleitoral, depois de vencido no da revolução.

Poderia, a exemplo do que haviam feito os inglezes em 1640, eleger um parlamento que, zelando os interesses nacionaes, se oppuzesse aos esbanjamentos dos que nada poupavam para pa- gar bem aos cúmplices e manter pelo fausto e pelo luxo o que os cortezãos chamam o prestigio da realeza.

Eis o que se tratava de evitar a todo o custo. Para o conseguir era preciso assaltar o suffragio, visto que,

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se a soberania popular se exercesse com lealdade e honra, po deria muito bem apparecêr quem, n uma assembleia legislativa accusasse com provas governo e regimen, e puzesse em eviden- cia os erros e os crimes da administração monarchica.

Por isso, nas eleições de 1845, não houve recurso algum de que se não lançasse mão para viciar a genuinidade do voto, tabi içando assim um parlamento á imagem e semelhança do governo que o nomeava, e não do povo que o não elegia, e que no acto chamado eleitoral apenas entrava como comparsa.

O roubo das urnas, a compra de votos, as chapelladas o suborno aqui e a ameaça ali, e a violência onde fosse preciso, tudo foi posto em pratica para o governo poder fingir que tinha, pelo seu lado a opinião publica.

Como ta es processes eleitoraes, não é de admirar que o cabi alismo aiianjasse a maioria parlamentar de que carecia.

li ranJou^' embora não tivesse conseguido evitar que á assembleia legis ativa fosse uma minoria que muito bem suppria a quantidade pela qualidade, pois a ella pertenciam as princi- paes intellectual idades do paiz, no primeiro plano das quaes se encontiava José Estevam, que, em 6 de fevereiro de 1846, proferia um violento discurso contra o governo, accusando-o de traidor a Liberdade e a patria, atacando-o pelas suas medi- cas tnbutarias que arrancavam ao povo o que elle não podia pagar, verberando Os processos por elle empregados durante o período eleitoral, etc.

N uma palavra, este discurso era um libello formidável con- tra o governo e contra quem o .mantinha e protegia.

A opposição setembrista fez ao grande orador uma espan- tosa ovação, levando-o em triumpho e acclamando-o com o mais ardente enthusiasmo.

Este discurso e esta manifestação encontraram tão vibrante ecco na opinião publica, repercutiram-se por tal forma, em Lisboa como no restô do paiz, que D. Maria ii e o seu governo,

puta lot0maram ° desforÇ<> de dissolver a Camara dos De- Era uma nova violência que, junta a tantas outras que

tunante este nefasto reinado se tinham accumulado, não deixaria por certo de produzir o seu natural efifeito:—a revolução.

h. n ella entraria certamente José Estevam, que déra logar, com o seu brilhante discurso, á ultima prepotencia régia, e que era ura liberal e um democrata sincero e dedicado, como se pôde interir d este programma de aspirações politicas, por

elle formulado n esse mesmo anno de 1846-

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Ill

1.°—o poder constituído é unicamente exercido pelos deputados eleitos para esse fim, e silo elles os únicos legisladores durante o tempo da sua can- didatura. . .

2.°— A soberania nacional será proclamada na constituição como única origem da auctoridade publica.

3.0 — Os deputados reformarão a Camara alta como mais conveniente parecer.

4.°—As eleições dos deputados serão directas. 5."—Será garantida a liberdade de acção quando não forem atacados os

direitcs de terceiro, e particularmente pelo que respeita a associações li-

6." A liberdade de imprensa será firmemente estabelecida; o jury deci- dirá do facto, da qualificação do crime, e da pena em que houver incorrido; a qualidade de eleitor será sufficiente para editor de qualquer periodico-

7.o—A ratificação dos contractos será dependente da prévia sancção das Cortes. , ..

S.o—Será reformada a organisaçào da guarda nacional, na qual se alis- tarão os que tiverem as qualidades n^cessarias.

9.°—A organisaçào e armamento da guarda nacional será ao mesmo tempo em Lisboa e Porto, e em todos os logares onde o governo o julgar conveniente.

lO.o-A reorganisaçào será totalmente completada dentro de tres mezes. 11.°—A fazenda publica deverá ser organisada sobre as bases seguintes

—1.° Fixar a receita sem augmentar os impostos.—2 0 Reduzir a Jespeza de modo que não exceda a receita.

12°—Que a suspensão das garantias não comprehenda nunca os membros das Camaras, nem impeça a liberdade da imprensa. _

13"—Haverá uma lei para tornar responsáveis todos os funccionarios públicos pelo seu procedimento _

14 o.—Será feita uma reforma nos meios de instrucção publica para ambos os sexos. sexos. , , .

15.°—Que os empregos públicos sejam desempenhados por pessoas que por exame forem julgadas aptas para esse efteito.

16.°- Que seja reduzido o exercito em proporção com os recursos do paiz. 17."—Serão supprimidos o conselho de listado e outras repartições desne-

cessárias. . .... , 18.°- Que as auctoridades administrativas em vários distnctos sejam de-

péndentes de eleição popular. 19.°- Serào promovidas as obras das estradas, e de todos os outros traba-

lhos públicos de reconhecida utillidade, assim como serào an.madas as colo- nias, a agricultura, a industria e o commercio. .

20." Será reformada a lei da regencia, de modo que nunca recaia n um estrangeiro, ainda que seja naturalisado.

21.°—Que sejam reconsiderados os contractos fiscaes desde 184'A atim de serem abrogados os que se acharem ilegaes. _

22.°— Fazer com que a educação dos príncipes e todo o pessoal da casa real seja exclusivamente confiada a portuguezes.

23."-Que seja promovido o castigo contra todos os que attentarem contra a liberdade individual, e extraviarem dinheiros públicos.

24.°—Que nos tribunaes e repartições publicas seja estabelecido um sis- tema regular de expediente, tanto nos negocios públicos como nos parti- culares. , ,

25 0—Que o governo não possa nomear um membro da camara para em- prego algum, nem conceder-lhe mercês, sejam ellas de que natureza forem.

26.0— Que as Côrtes que vierem não sejam dissolvidas emquanto nao tiverem feito as leis em conformidade com os artigos aqui declarados.

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Para aquelle que, dois annos depois, havia de ser, com Oli-

rr"u,n^rrafn\L^n,fUeí SamPaio' um d°s membros do l.rtumvirato Republicano, este programma era ainda muito moderado, pois nAo consignava as aspirações de quem nada quer de commum com a realeza 4

hav^rsldo' at Constituições K.t "" «" 'h'°S

fimà SpCrêXVaVa 3 ainda aSSÍm' embora reduzida » i"-

Mas voltemos aos factos, pois nos tarda completar esta ra- pida resenha dos antecedentes do Partido Republicano Portu- guez, para entrarmos definitivamente na sua Historia

n„» u 'ne/Itavel a re,voluÇão em face das prepotências de que ha tanto tempo vinha sendo victima o povo portuguez.

ntJ S mf.c'ldas financeiras — aggravamento de impostos dire- to°S

ce lnt!irectos> venda de bens nacionaes, etc.—vinham iun tai-se, como causas de descontentamento geral, os successivos

ataques as liberdades publicas. successivos

l°LSeU lad°i °S migueIistas, que nao tinham perdido ainda as esperanças de verem outra vez no throno portuguez o rei da sua predilecção, aproveitavam o menor pretexto nara as suas tentativas de restauração. pretexto para as

„• medula governativa—boa, digamo-lo com lealdade— viera servir-lhes de pretexto para sublevar, no Minho novos que o clero trazia completamente fanatisados. '

°ra c'ecretada a creaçâo de cemiterios e a prohibicao dos enterramentos nas egrejas, como até então se usava.

/*aJ c/>mo toda a gente hoje o comprehende, uma delibera- plauso"1 fici° da hy&ie"e publica, e digna de todo o ap-

^riorantes^'"1

-ZtaTo:t™eL°vL%T para .» «r'a'ç*o. ..

k JjLa° pas1° 2ae os que se sacrificavam e se batiam nela Li- cfonaHn "nf bem

I-^e, al guerreavam o cabralismo cõnL reac-

;S7. gUel'stas guerreavam-no como avançado de-

que'^'a sí anteUmnI" h!fv.urí\lrnen'e uma vergonhosa concubinagem

»dabitóa1er„cfaatratCpru

rga|Pr0Pa8and!' e -

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O alvorecer da Republica portugueza

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A revolta começou, pois, no Minho. Por uma parte, os miguelistas especulavam com a questão

religiosa, afim de levantarem as massas fanatisadas contra quem lhes punha um entrave á sua tradição, que mandava enterrar os mortos nas egrejas, para ser mais fácil abrir-lhes o S. Pe- dro a porta do ceul .

Os radicaes, por seu turno, nao se poupavam a esforço al- gum para derrubarem o governo.

Mas... - maldita conjuncçao que tantas vezes vem intromet- ter-se na nossa vida para desempenhar o papel de desmancha- fira^eres—eva contra os Cabraes, contra o governo, contra o cabralismo, que se dirigiam quasi todos os ataques, ao passo que a rainha, a mais culpada no meio de tudo isto, era menos combatida do que merecia.

Servia lhe de salvo conducto a supposta- irresponabilidade que lhe confere a Carta, que ao mesmo tempo lhe dá o direito de nomear e demittir livremente os ministros, bem como o de se oppôr com o seu veto á vontade soberana dos representan- tes da nação1.

Foi assim, n'este estado de excitação de todo o paiz — mas excitação heterogenea, obedecendo a ideaes mui diversos, e até diametralmente oppostos — que explodiu esse movimento popu- lar a que uns chamaram da patuleia e outros da Maria da Fonte.

A 15 de abril rebentava no Minho este movimento, aqui por causa dos impostos, ali por causa dos cemitérios, além por qual-

1 A Carta de 1826 nAo se limita a conferir ao rei o direito de velo. Vae mais longe. Vae até ao ponto de determinar a fórma hypocrita com que o rei nega a sua sancçfto ás resoluções parlamentares, e o modo vergonhosamente servil como os representantes do povo hão-de agradecer a régia imposição:

«Art 57 0—Recusando o rei prestar o seu consentimento, responderá nos termos seguintes : O rei quer meditar sobre o projecto de lei para a seu tempo se resolver. Ao que a Camara responderá que—agradece a sua magestade o interesse que toma pela nação.»

A phrase quer meditar dá apenas a entender que o rei nno conhecendo ainda o assumpto, pede tempo para o estudar,

Mas quem suppuzer isto, que é o que manda a boa lógica, logo tem o de- sengano.

«Art. 58."—Esta denegação tem effeito absoluto.»

Ahi está o que os representantes da nação teem que agradecer a sua ma- gestade !

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quer motivo local, que A ou B aproveitava habilmente para o campo em que pugnava.

Esta revolução alastrou-se por todo o paiz, creando-se nu- merosas juntas locaes que por seu turno creavam núcleos re- volucionários para imporem ao paço a demissão do ministério.

Nao descreveremos o que foi esse movimenta para o qual elementos tao heterogeneos concorreram.

Basta-nos dizer que se desenvolveu de tal maneira, e adqui- riu tao forte e rápido incremento em todo o paiz, que a rainha, temendo as consequências que d'elle poderiam advir para ella e para a corôa que a cingia, demittiu o ministério, substituin- do-o por outro, da presidencia do duque de Palmella, e em que nao entrava Costa Cabral.

Era mais uma traição régia. D. Maria n, simulando afastar o tyranno, queria apenas illudir o povo e ganhar tempo, para melhor se vingar depois, chegado o momento opportuno.

Cabral foi para Hespanha1. Levado apenas pelo medo de qualquer represalia, ou no in-

tuito de combinar a intervenção estrangeira, que no anno se- guinte vinha a dar-se?

O gabinete Palmella era um ministério transitorio, d'esses para que mais tarde se havia de inventar o epitheto de gover- nos de acalmação*.

Palmella pertencia á facção moderada do partido cartista, hra contemporisador, e por isso convinha n'aquella occasião.

Alas eia, por essa mesma razão, governo para durar pouco. A orgulhosa filha de D. Pedro iv, nao podia conformar-se

com a ideia de não ser senhora absoluta n'um paiz que se ha- bituara a considerar propriedade sua.

Planeava já então o golpe d'Estado que havia de dar a 6 d outubro, ao parecer-lhe já esquecida, ou pelo menos, adorme- cidas a eftervescencia popular.

•D'um folheto publicado em 1905 pela Commissao Municipal

r Cabral serviu de exemplo a outro déspota como elle que, em 1 >8, fugia do paiz a que tanto mal havia feito, temendo decerto as possíveis represalias que_ sobre elle poderiam acarretar-lhe vinte mezes de

comó uma fé^periJosT'5 ' * qUC P°r CSSa Europa fóra anda " monte

A Historia repete-se muitas vezes. Como em 1908 o gabinete Ferreira do Amaral.

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Republicana de Lisboa, sob o titulo Oitenta annos de consti- tucionalismo outorgado, extrahimos os seguintes trechos, que definem com justiceira severidade esse periodc historico:

No seu primeiro arranque, este movimento insurreccional parece insignifi- cante. O proprio appellido feminil uma Joanna d'Arc minhota, armando-se para a defeza do povo, terá feito sorrir os lacaios da realeza.

Bulhas da canalha ! terào dito, como aos primeiros rumôres da Reforma se deu, em Roma, o çpitheto galhofeiro de bulhas de frades.

Demais a mais, como na sua fórma ostensiva os rOtos da Maria da Fonte nào pediam senão a demissão dos Cabraes, — os mais perigos os aulicos da COrte que jámais, entre nós, subiram os degraus dos paços portuguezes— a rainha, pertiaa mas complacente, demitte os seus favoritos, lransige em apparencia com a canalha. Era o velho habito ; transigir emquanto se preparavam as armas. A sua vida politica foi sempre aquillo : fingir que transigia para formar o salto. Assim fôra creada ; assim foram o pae, o avô e o tio, o noivo de Vienna. Todos tinham jurado; todos tinham mentido

Com a fuga dos Cabraes para Hespanha resurge o setembrismo. Acode de novo ás almas ingénuas e apaixonadas o sonho de 38, como prolongamento d aquelle luminoso crepusculo de 22. Seria possível ?

Esta nova phase que toma a Jacquerie-patuleia assusta a rainha. O povo tomára um tanta á lettraasua transigência Assim, á falta dos Cabraes, investe no mando a Palmella, intimamente dado ao paço, mas apparentamente chefe do partido... popular, como mais tarde se appellidará Loulé. Todavia n,to é elle homem que offereça á corôa seguras garantias de subserviência. O setem- brismo pronuncia-se por umas Constituintes, e Palmella, velho doutrinalista, pôde sentir-se abalado por este brado irreverente, vibrado contra o dogmatismo de 1826. N'estas circumstancias a corôa preferia um politico de consciência avulsa, prompto a esmagar a canalha, e que, a respeito de Constuintes, tanto as de 1822 fomo as de 1838, nào tivesse opinião segura. D'aqui a urgência de afastar Pamella e tentar um lance d'audacia.

Foi d esta necessidade politica, impreterível, que nasceu o famoso golpe d Estado de 6 d'outubro, o qual teve, ao menos, o grande mérito de apressar a revolução.

O recontro foi formidável. -Nada lucras, <5 povo portuguez — disse-se então, alludindo á rainha —

em conservar no throno essa Yibora. Ou ella ha-de respeitar os teus direitos, ou então que tenha sorte de Luiz xvi '.

Nâo se'podia falar com a maior audacia. E no emtanto o que é que queria o povo? Bem pouco: — apenas que a

corôa cumprisse as suas promessas; que lhe respeitasse os seus direitos; aquillo mesmo que fizera a Inglaterra no século XVII, quando das tentativas absolutistas de Carlos i Regularisar, por uma vez, o seu direito publico.

Todavia esta attitude popular, posto que anarchica, assusta a Vampira, como então lhe chamam. Nâo poderia o povo portuguez, tal como o povo inglez do tempo do ultimo dos Stuarts, abolir a realeza? Não poderiam umas Côrtes, quando assim se constituíssem sob o calôr dos combates, praticar um acto politico, decisivo, flagrante, como o que praticou o Long-Parliament de 1640, logo que contra a vontade da monarchia se reunissem-? Nâo era a Inglaterra

Proclamação dc 11 de outubro de 14*16, enviada por lord Howard de Walden e Seaford, em 24 d'outubro, para Palraerston.

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um modêlo politico sempre patentee sempre em evidencia; e não estava garan- tido na sua Constituição, tal como fOra proposto e acceito em 1621, que "as liberdades, franquias e privilégios, assim como as jurisdicçOes parlamentares, constituíam o direito incontestado e a herança dos súbditos ingleses*

Este era o caso; e mais do que o caso, o pesadello da altiva filha de D. Pedro do Brazil.

A 6 de outubro, pois, D. Maria n; julgando já dominada a revolução, demitte Palmella e entrega o poder a um ministério retintamente cartista, a que preside o marechal Saldanha.

Cartista ferrenho e reaccionário intransigente, este novo governo logo trata de tomar providencias repressivas, afim de suffocar no povo a menor velleidade de insubordinação.

No dia seguinte ao da sua formação, isto é, a 7 de.outubro, decreta o governo a suspensão das garantias constitucionaes e a dissolução da guarda nacional de Lisboa.

Esta noticia, transmittida para o Porto pelo administrador de Villa Franca de Xira, provoca na capital do norte um mo- vimento insurreccional, formando-se ali uma junta revolucio- naria, tendo como presidente o conde das Antas, e como vi- ce-presidente José da Silva Passos, irmão do grande Passos Manuel.

O duque da Terceira, que a rainha enviára para o Porto com o encargo de debellar o movimento revolucionário, é preso n aquella cidade, por ordem da Junta.

O barão do Casal, commandante da divisão de Traz-os-Mon- tes, marcha para os arredores do Porto, de que esperava apo- derar-se com o auxilio d'uma contra-revoluçao com que conta- va, mas que se nilo deu.

Sá da Bandeira, que adherira ao movimento revolucionário, persegue, á frente d'uma divisão setembrista, pela Régua e Sa- brosa, o general cartista, que vae internar se em Chaves.

Tendo feito occupar Murça por forças do commando do ba- rão de Castro Daire, Sá da Bandeira retira sobre Yalpassos, afim de attrahir o inimigo para fóra de Chaves, o que effectivã- mente se dá, mas com infelicidade para as forças revoluciona- rias que, batidas ali, teem que retirar precipitadamente para o Porto.

Entretanto o movimento revolucionário alastrava-se pelo paiz, formando-se em muitos pontos juntas patuleias, que pre- paravam uma insurreição geral.

Era isso o que o rainha queria a todo o custo evitar. Como ? Dêmos ainda a palavra ao já citado opusculo da Commissrfo

Municipal Republicana de Lisboa :

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O melhor era urdir nas trevas alguma cousa ; e, para um desenlace victo- rioso, nílo havia como tratar a hypothese d'uma intervenção' ?st"n8eíra.. h. arriscado ; é mesmo odioso, pela humilhação a que sujeita a dignidade nacio nal ? E': mas que importa! Os reis, filhos d° arbítrio epdo,mt"ef^ PRrI zfi ? em regra, não teem patria. Qual fúra a patria de D. Pedro i\ ? O' J""1.- Lisboa? Ubi bene, ibi patria. Nao entrou Luiz xvm em França, para ser rei, amparado, n*o jkdagraçade Deus, mas par 'a g.ràoe des baionettes,^ razão, no-lo aponta a ironia sangrenta, mas justiceira, d Adolphe Miche .

Assim, a raposa coroada mandou tentar o gabinete de Palmerston, lev ando a embaixada degradantissima a habilidade manhosa do barão de MoncOrvo. invocando a gravidade das circumstancias, pedia que uma div.sâo armada viesse pôr termo ao conflicto, em favor do throno Para aggravar o descrin ,vo do apêrto, lembrava que os miguelistas já andavam de concerto com a Junta do Porto, dada a connivencia dos Passos . .

Prudente e cautelloso, Palmerston declina o convite do C?*' R^ptanha se lembrando á rainha que os antigos tratados pelos quaes a Grfl-Bretanha se obriga a dar a Portugal forças navaes e terrestres attendtm so á necessidade de defexa contra a invasão estrangeira . . , . p

Esta resposta nào agradou entào, assim como nfto agradaria hoje ara q a alliança ingleza seja celebrada com estrondo, é urgente, é mesmo ,nd*^P^ sável, tanto hoje. como já o era ha mais de cincoenta annos, que a sua cooçe- racào vá tornar-se em guarda-de corpo de todos os representantes da monarchia, amda os maU odiosos e immoraes. íem isso n*o 6 uma alhança que se festeje; é UToialSRq«eUa Urhle oTseus defensores se voltaram para a Hespanha aproveitando as boas disposições do reaccionano ísturiz^ O me"^Keiro já n!\o *é o barão de Moncõrvo; o Mercúrio é ó astuto valido, Costa l.abral. Para isso, no emtanlo, convinha crear uma razfto de facto. Uma Q'f™a porta. O caminho a seguir foi abrir as portas do Limoeiro, e de xar que uma horda de facínoras praticasse nas ruas os maiores excessos, de m p dizer se a Palmerston que «rebentára uma grande revolução em Lisboa, em que j» tiXm morS pessoas l—Setí emenda o m,ms.ro tngles ; .do-,

"""'ol* °De Cosu c,b™'? De

D Maria II? De Isturiz? E' provável que de todos. corroborada agor, com as armas

ac n nrpçpnra de in^lezes na boz, a monarchia podia continuar £ SâhVdSr».Pcri"r O silencio, » preço de sangue « de -Iamia. es.a.a leito. Era o ,|ue importava. Viesse depois a fome, ia anarchia, a,™e™ ; h ceira o descredito, a bancarrota, que importava isso! Mas hcava a rainna - a rainha com o seu caro esposo, tal como se cantava no hymn o—esse 8cner*1

de'esnida-de-cortiça, uniformemente poltrão, petrificado, calhau-allemao, q obllga Van der Weyer inutilmente incitara um dia a que viesse para a rua 1

Consolidada assim a Victoria da rainha sobre a canalha, [^^^Tones cabralista sobre o selembrismo patuleia, victoria amassada n^ s.aa ? ( i d unia Vedras, do Alto do Viso e de Valpassos, e agora sellada pela intamia d uma

Republi cano.

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e essa mesma rainha prepara-se para a desforra O <-<• »* i.° paço ?xulta

ruidoso Era preciso inutifisar pos^eis reLddencii c^ri^^,'50''^^0,e

^'^Ítí'rSóSe^pur?ad^l2Si™^o?i,oUem°S47r- gente qnuè'd^ss^s'seHum^arno^'francezaT/r^rc^MMno/ * ,egalidad'e- Quer'?a

ara.0. ^dfs£Hê^"Sd®¥r''~ de conspirações, de roubos. P°micos, dintamias, de torpezas,

o "" d=

actos de repressão, ouvem-se affirmaçõés d'estas C r°mpendo Por todos os

L>e quantas dynastias senhoreiam hoie a Furorva a a A* n.— .»

certo/nmecomregCaMmpudOUr! provei'rotíM^eSiS?" Tes? Ítmperio- é

grenta, que rasga e fere comò npl™,™ c c trova.—desta troça san- anarchia ce.arim, q„e .« espingarda, . „

te Sn-Sn^V ech°'S Sfufica fazendo »ma ideia do que foi o tris- te íeinado d essa mulher a quem, em 1847 ao cnme delia contra a nação pSrtuguS Lní. ÃuíSS? píi*6 ° nm, fâo justamente cognominado o 'Béranqer poNutnJ- aros" trophava por esta f<5rman'um dos theatros do Portf" P

Não ouves as turbas na praça apinhadas r*or entre soluços bradar : Maldição! }

Nflo vês as espadas de trinta valentes Uue o throno te deram, quebradas oor ti ? A ao ouves os brados de mil innocentes oem rumo na terra, chorando por si ?

' A lei sou cu. bons 5^« Cabr,,>.° Va,ido a "uc™ D- M»rla .. «fracià,, com este titalo. em paga do, .eu,

Oliveira Martins. Portugal Contemporâneo, v. C. iv,2.í!70.

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Nao! D Maria n, toda ella cheia de orgulho e de egoísmo, nada via, nada ouvia, a nao ser os secretos incitamentos da sua ambição e da sua soberba. ,,

Foi para obedecer a esse orgulho e a essa ambição que ella chamou a Portugal a divisão hespanhola do general Concha, aue entrava no Porto em 3 de junho de 184/, justamente quan- do chegava á barra do Douro a esquadra ingleza que devia aprisionar a do conde das Antas.

Foi em obediencia a essa ambição e a esse orgulho que ella entregou as rédeas do poder a homens como Costa Cabral, e como o proprio Sá fla Bandeira que, depois de andar aos pulos do setembrismo para o cartismo e vice-versa, ia, em 1 de maio do mesmo anno, derrotar, no Alto do Viso, as torças libeiaes, sacrificando a Liberdade em proveito dos privilégios do throno-

lulgava ella que, com as victorias do Alto do Viso e de Val- passos. e com o chamado pacto de Gramido, redigido poi iei- xeira de Vasconcellos e imposto pelas forças invasoras estran- geiras, havia de ficar para sempre suffocada em Portugal a ideia de revolta, para que ella pudesse d ora avante tripudiai á vontade sobre o paiz, regressado pela oppressfto e pela^vio- lência do despotismo cabralista, á condição de gleba de escr. vos submissos, ou antes, de rebanho de mansos cordeinnhos.

Enganava-se, porém, porque o ideal democrático nao tinha

m°E'1 faeil prender ou matar um, cem, duzentos, mil campeões

d "í^que'porém é, nao já difficil mas impossível, é matar ou encaucerar essa ideia. . . ,

Essa fica sempre, e a cada nova victima accrescentada ao seu martyrologio, parece que cria mais alentos, adquire novos adeptos é avança no caminho das suas reivindicações.

Assim, a ideia democratica, com os revezes softridos, mais se radicava, mais se infiltrava no coração do povo, onde tazia germinar, embora ainda mais ou menos embrionaria, uma nova aspiração que nao podia já limitar-se a querer uma monarchia nova, liberal, que respeitasse os direitos do povo.

Nao! o povo já ia começando a comprehender que da íea- leza nada havia a esperar de bom, e que. desde que o consta- tucionalismo nada mais era do que absolutismo disfarçado, eia da queda, nao de tal ou tal ministério, mas sim do proprio thro- no, que se podia esperar a liberçao da patria e a emancipação dos seus filhos. . • , j„_

E em breve um facto passado em paiz estrangeiro vinha dar ensejo á creaçao, em Portugal, d um núcleo de que no iuturo viria a sahir o Partido Republicano Portuguez.

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Ill

(\ Ideia Republicana

A segunda Republica franceza

A França acabava de passar por uma nova transformação

^A^evoluçao de julho de 1830, que tivera por fim desthionar o antigo conde d'Artois que, sob o nome de Carlos x, suçcede- ra no throno francez a seu irmão Luiz xviii, houvera em \ ista li- bertar o paiz da oppressao sob que o faziam gemer os gover- nos d'aquelle rei déspota, embora mascarando o seu despotismo sob longínquas apparencias de legalidade constitucionn.^

Luiz xviii, o miserável traidor que, dizendo-se íiancez, nílo tivera peio de vir pela mao dos invasores da sua pati ia occu- par um throno onde o nao queriam os seus concidadãos, come- çou o seu reinado simulando grande respeito por uma Cai ta com cuia outorga se dignára burlar o seu povo.

Mas na França monarchica como no 1 ortugal monarchico, como de resto em toda a parte em que o privilegio d um ho- mem ou d'uma familia se impõe sobre os direitos sag™dos de todo um povo, as promessas dos reis merecem sempie a mesma confiançaa ^ naturaj cjQ que 0 nao cumprimento das pro

messas d'esses senhores. , , O interesse dos reis é terem os povos as suas ordens, do-

mina-los para mais facilmente os explorarem.

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O inteiesse dos povos é diametralmente opposto. Ouerem viver livres, gosar em liberdade do producto do seu trabalho, kevolta-os a ideia de terem que passar a vida sujeitos a verem o que tanto suor lhes custa a adquirir ser lançado na voragem

e„7XTaS °°-teS para sustentar o fausto e a occiosidade de bandos de parasitas que tudo absorvem sem que nada produzam Nada mais natural, pois, do que esse combate interminável

de interesses oppostos. par,a ?e coHocarem nas altas culminancias sociaes essas entidades cheias de soberba e de ambição, precisam do auxilio

tias massas populares, e por isso as adulam emquanto se nAo

S"tram no, P?!e|ro'- Mas depois, quando já lá estão encara- pitados, quando ja nAo precisam de que o povo os ajude a tre- par, muda logo o caso de figura. J

O povo que os amparou e elevou deixou de ser o povo so- oei anu que é preciso respeitar, e transformou-se na vil canalha

cham 0 0pp 11 m 1 r e esmagar para que se nAo atreva a cnamar ladulo a. quem rouba, nem assassino a quem mata

• ^omessas, juramentos, protestos de affecto e gratidão, tudo isso í logo atirado, como mutil, para o caixote do lixo.

, h na° é Preciso chegar ás alturas dos régios solios para se

gnidademeSma mam.festaça° de faIta de Palavra, de falta de di-

»*<> s<? yf ahi» em vésperas de eleições, ministros e candi- a,c?niStrOS °U adepuíados' Promettendo estradas para as

ÍSt fi'n0S Piura as egrejas' mandando proceder a simulados estudos de melhoramentos locaes, a toda a gente apertando a mAo e de todos se dizendo Íntimos e leaes amigos? pertana° a

h que precisam de votos para irem ao parlamento, d'onde mais facilmente poderão ascender ás cadeiras do poder.

Se aPanhar.em servidos, adeus estradas, sinos e melhoramentos, adeus amizades e apertos de mAo. sso fica para mais tarde, para quando tornar a haver elei-

n!eLri°lqUe ° P°'VO' eternamente ingénuo ebom, torna a cahir na bui la, como ja tantas vezes tem cahido.

Luiz xvin devia, pois, obedecendo á mesma linha de con- ducta de todas as testas coroadas, esquecer dentro em pouco todos os seus compromissos, e tornar-se também um déspota como déspotas teem sempre sido todos os réis, em toda a parte como em todo o tempo. H

O terror branco da restauração em nada havia de ser infe-

fò?mn0veze^íeor.r;,/ ^ Revolu<?ao- Antes pel° contrario, Ei am velhos rancores a saciar-se cruelmente.

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Carlos x, que succedeu ao irmão, lallecido sem descenden cia legitima, não foi melhor do que o seu antecessor.

Dahi o exaspero de que resultára a revolução de julho de k5o0. Mas esta revolução, como as nossas de 1820, 1KW e 1846, li-

mitava se a querer uma monarchia mais liberal, e nfto avança- va até ao ponto de querer a eliminação da monarchia e o go- verno directo do povo pelo povo.

E certo que, ao passo qae em Portugal se conservava sem- pre a corôa na mesma cabeça, em F rança passava ella d uma para outra _ .

Mas, quer a cingisse A quer a tivesse I>, nem por isso dei- xava de exirtir a corôa, isto é, uma familia privilegiada a im- por se ao direito de milhões de famílias.

A revolução de 1830 depuzera Carlos x e içára ao^throno Luiz Filippe d'Orleans, filho d aquelle celebre Filippe Lgalité, que, em 1793, votára a morte de seu primo Luiz xvi

Talvez com a mira de herdar um dia a corôa que Luiz x\ i perdia com a cabeça.

Um Orleans era muito capaz d'isso, e de muito mais. Como Luiz xvm, como Carlos x, como de resto todos os réis

ao ascenderem ao throno, Luiz Filippe tudo prometteu ao povo francez:—liberdade, economias, moralidade no poder, garan- tias individuaes, melhoramentos materiaes, democracia . • •

Tudo, n'uma palavra. Mas, se tudo tinha promettido, a tudo havia de faltar. E' norma invariavel de todos os reis. O reinado de Luiz Filippe d Orleans foi, pois, tão bom, como

tinham sido os dos seus antecessores, e como haviam de ser os dos que depois d elle reinassem.

E ainda assim durou dezoito annos. Como o povo é bom e softredor! Mas tudo tem um termo, tudo se exgotta, até a propria pa-

ciência humana. . Cançado de se ver opprimido, esmagado sob pesadíssimos

impostos, sem liberdade d'imprensa, de reunião, de associação, cerceadas todas as garantias individuaes e collectives, o povo protestava contra este estado de cousas, ao principio em sur- dina, depois em voz alta, e mais tarde na praça publica, no al- to das barricadas.

Em fevereiro de 1848 tinha chegado ao seu auge o exaspero popular. e .

E a revolução explodiu, tremenda, formidável, a Z4. Luiz Filippe, desthronado. tomava o caminho do exílio, e,

como dezoito annos antes seu primo Carlos x, ia procurar sob os nevoeiros da Grâ-Bretanha «illivio para as suas maguas.

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Pela segunda vez era proclamada a Republica em França. Para durar? Infelizmente nao. A segunda Republica teve a generosidade de abrir as por-

tas da pátria a um príncipe exilado, Luiz Napoleão Bonaparte, sobrinho de Xapoleflo i, d aquelle general da Republica que, pelo criminoso golpe de Estado de 18 brumário, se fizera pro- clamar imperador dos francezes.

Luiz Napoleão havia de imitar o crime do tio, assassinando a segunda Republica como aquelle assassinara a primeira.

Foi o resultado do acto de generosidade da Republica para com o príncipe exilado.

Oxalá este triste exemplo pudesse servir de lição a outros povos que também teem príncipes exilados e em que ha poetas e patifes que pensam em repatria-los, uns levados a isso pelo seu espirito de bondade e pelo habit ' de andarem sempre de nariz para o ar a contemplar as estrellas sem nada verem nem perceberem do que se passa cá n'este valle de lagrimas, os outros por esperança de prompto regresso a tempos em que os exilados ou os seus antepassados occupavam as mais altas re- giões do poder...

Uns por mau instincto e outros por íalta de critério, é ne- cessário que as suas opiniões não prevalesçam, em virtude do perigo que d'ellas pôde resultar.

A historia do passado deve servir de lição para o presente e para o futuro.

0 triumvirato republicano

A noticia da proclamação da segunda Republica franceza es- palhou-se rapidamente pela Europa, fazendo tremer os réis e exultar os povos.

lambem a Portugal chegou esta grata noticia, e veiu fazer definir aspirações que até então se conservavam mais ou me- nos envoltas na penumbra do vago e do indefinido

A 13 de março publicava José Maria do Casal Ribeiro um folheto de 28 paginas, intitulado Hoje não é hontem, composto e impresso na typographia de José Baptista Morando, á rua do Moinho de Vento1.

1 Hoje rua de D. Pedro V.

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„i,^sn rip 94 de fevereiro. . lihel- PUbllCanOS que c». *• ."—r" revolução de 24 de fevereiro. constitue um famoso libei-

N'um estylo correcto «le«an^0c"0™,

aJns. que. ma s tar- lo contra a realeza e cont.'/* hivia de venerar e adular - • • de, o seu auctor tao servilmented-um semanario ras-

X 16 publicava-se .o P"®®JJo 0 Regenerador, que osten-

pri7T Republica anceza:

—Liberdade, Egualdade, Fi atet nu ,/j ' ^dade de Coimbra A 9 de abril, 406 estudantes da l Umve.s lúaae^ ^

publicaram um enthusiastic» manifesto dado a mais recentes acontecimentos políticos, ao .q Berlim e Vienna. CalEU?ss"dmarfSotberal, documento que reputamos de mu,to • inl AI* *

Irmãos i .

d* 'ssbíss'. Allemanha. emancipastes a Austria, conco ' apontastes aos povos a lonia apressantes a queda do absolu ^^Soso, e nós de longe fazia- estrada do progresso. creastes-lhes um defendieis, que é a nossa também

sãs£ "os; sos irmãos l •, p' 0 sell0 de uma obra grandiosa

Mas aue importa esse sangue, r- t i'mns de nossos paes. Sobre os

abençoará os nossos esforços. emancipação; também nós empu- lambem nós levantámos já o Outubro de 1846; também nós

derramámo^^nosso1sangue no ar-

rancarmos » amaí."K WS Portugal ao poste dos venados para con- tinuar a escarnecê-lo. níl0 0 seremos mais. A MnM.*\hf£ç_a.

Fomos sacrificados, ir mitos, m vivo o amor da Líber morreu, e nos nossos corações existe cada

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L. * »"» •"»» «tor a~«ri„, « .mp„ha. \ iva a peninsula! V iva a liberdade de todos os povos •

Iv.m o, irlMos de Parjs ju]i> Bnl.m e vj^ |

Coimbra, 9 d'Abril de 18J8. •

A 25 de abril publicava-se em Lisboa r>

ir "°-° semanario intitulado /^/>//6//^P' meirVu.mero

Republica circwnvit orbem (a Renuhír , . k' a tl|V|sa — allusao sem dúvida ao poder ^efllcíor aufó Ç& °.mundo)-

EUrtJ'~ —» «idenciand^^rSa £

ganda°que&a i^e7S™èp1?blf^^aPhíwí'de0!m JOrnaes de ProPa-

em Portugal. P hav,a de affirmar-se desde logo Elementos híivia Que, tendo pntmris* ^

lucionarios que só reclamavam LibírHa^ moviment°s revo- pathicas--e essas mesmas em nlr-Ji * por d<5ses homceo- entrar agora n'ontro que vifa,^MST1" d««j»vam 1836 e 1846 tratasse cortar o mal pela rai? d# qiK 08 de «*».

estavá^q^a^ei^uâ^^erVo'remédio™101111'*0'1'3' evidencií»ido visto uma lucta de 28 annós te7demòns"rado'° Republica» insusceptível de democratisacâo ,f° ser a monarchia

..-o,!-

patibilidade da realeza com as reiV^H Ç * da,absoluta incom- Nascido em SanUreTem 26 de^n?3' ■

Marreca, que era ainda estudante no ínl 1' 01lveira

• ' {°' Preso pelos sicários do bandido D \|- ?'" m,^ue"

dX,uodrinr„rarnifestado %

oudesc'conic'vou^a«'que a^íf?' ,emi«,ou P«™ Londres,

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absolutismo, etóra vestido de az.ul e ^ e^riindtva hedionda face com uma mascara que se chama\a w

beT?^ pouco? EffecuVameote assim parece á

íSrhíT«B %25ZXZSZSi£ de Antonio d'Oliveira Marreca, que partilhou do enthusiasm»

^«HSSS^H^dasque^-

status»

• d"dni,„»i™ Marreca iuleou vêr reunidos esses predicados em doídosE-"'mais intiU e P'f

BSmafg&Bm

SBSM&fem

- ""%ít fÍt,nda^c„Tha£rn"cleo Iniciador do movimento^.

• ssasisfeF

na sua Insurreição de Janeiro:

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^ 22c

de set?tnl""°> a Junta Revolucionaria, composta de José Estevam Rr>

li

a imprensa, no tempo que ímmediamente se seguiu á votação do trataHn

ítóas.Sutósf,te.h™r;*s

O venerando chefe, a quem com toda a justiça podemos e devemos considerar o fundador do Partido Republicano Portu g"uez, no qual ficou e viveu sempre, e dentro do qual morreu

S ^i>ntlHS' em u ' Pranteado Por quantos tiveram, como nos, a dita de o conhecer e de tratar com elle, convidava a ian-

c joí Estevam.' "° de mai° de 1848' Rodl%ues Sampaio \hi lhes expoz então os seus projectos, que elles aonrova-

i am com o mais vivo enthusiasmo, tratando-se desde loco de an- ganat adeptos e de preparar um movimento que libertasse Por- tugal das garras da monarchia. cercasse ror-

Das adhesões civis encarregavam-se todos tres e di< mii; tares especialmente José Estevam, que, tendo acamaVadado ?om esses dpmentos nas diversas campanhas da Liberdade gosava n aquelle meio de muitas svmpathias e de grande prestifio

r9„ fp?, °.s Pr'meiros a adherir a este movimento contam-se Casal Ribeiro, José Felix Henriques Nogueira, Anselmo Braam- camp, Luiz Augusto Palmeirim, e a breve trecho muitos outros que faziam prever uma próxima victoria. * • '

nur"v'rat°. não querendo circunscrever a Lisboa a sua acção revolucionaria, tratou de alastrar a propaganda repubíí

SJJJPor todof os Pontos do paiz onde pudesse chegar a sua in- fluencia ou a dos novos adeptos que dia a dia vinham avolumar o numero dos campeões da Republica. olumar_

Paia isso desenvolveram todos uma actividade nrodiciosn cada um na sua esphera de acção, de modo que dentro de nou-

{*?. mez.es Ja nas pnncipaes terras do paiz havia juntas revo- icionarias promptas a verter o seu sangue pela causa da 1 i

berdade a sombra, da Republica. Ll

Em toda a parte se organisavam batalhões clandestinos Dan

n?çõesaeS tambem clandestinamente se adquiriam armas e mu'

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As tropas abandonam XI. Fernando e acclamam Saldanha

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Por seu lado, José Estevam nao afrouxava na sua sua pro- paganda no meio militar, contando-se já numerosos officiaes e varias unidades militares, entre as quaes até regimentos intei- ros, dispostos a cooperar no movimento republicano que se pre-

PaiC)Vhvmno revolucionário dos republicanos d'entao era o cha- mado da Maria da Fonte, essa vibrante marcha de guerra que Frondoni compuzera por occasiao das revoluções de 1846, e que ainda hoje é conhecido e ouvido com tanto enthusiasmo.

Tudo se afigurava estar, pois, preparado para uma acção decisiva que derrubasse o throno e fizesse morder o po aos miseráveis que por tanto tempo tinham vexado e oppnmido o

P°V\n se Imo' Braamcamp foi pelo Triumvirato Republicano en- viado a Paris, afijn de palpitar as disposições dos membros do governo provisorio da Republica franceza, na hypothese pro- vável de ser também proclamada a Republica em 1 ortugal.

Ali encontrou Sousa Brandão e Lobo d Avila que la esta- vam estudando os seus cursos d'engenbaria. e que, postos ao facto do que por cá se projectava, com enthusiasmo adheriram á conspiração, dispondo se desde logo a regressarem a patria, afim de prestarem á causa republicana o seu concurso directo.

Foi por estas alturas, setembro de 1848, que, tendo os estu- dantes de Coimbra constituido uma junta revolucionaria que adheriu á de Lisboa, esta recebeu do Triumvirato a seguinte resposta:

A. Com missão Central Revolucionaria de Lisboa, aquemforampresentes as informações que lhe deu o cidadão Antonio haustino dos Santos Crespo, commUsionado para esse fim pela Com missão d* auctorisa esta a promover, quanto em si couber, o tnumpho dos jnnci pios de mocraticos empregando todos os meios conducentes para o m.smo hm.

à commS Central Revolucionaria de Lisboa confia no zelo da Com- missâo Revolucionaria de Coimbra, e espera do seu patriot.smo que nao pou- pará esforços para fazer triumphar a causa das liberdades publicas e da eman cipaçâo dos povos.

Lisboa 22 de Setembro de 1848. / José Estevam de Magalhães

Antonio d'Oliveira Marreca Antonio Rodrigues Sampaio

O emissário republicano portuguez recebeu bom acolhi- mento em Paris, maniíestando lhe todos os chefes republicanos francezes a sua sympathia pelo povo portuguez e pelo movi- mento que havia de liberta-los das garras da iealeza.

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Mas a Republica franceza nao estava ainda consolidada para poderem os membros do seu governo provisorio garantir desde logo que o que havia de sahir da Assembleia Nacional reco- nheceria a Republica Portugueza apenas proclamada.

Suppunham que sim, tinham quasi a certeza d'isso. Mas nao sa- biam o que sahiriad as urnas eleitoraes, que iam ser brevemente chamadas á eleição dos deputados a cujo cargo ficava fazer a nova Constituição e eleger o novo governo que devia presidir aos destinos do paiz.

E' preciso accentuar bem aqui que era este o único apoio que o nosso Trinmvirato queria: o reconhecimento da Republi- ca portugueza pela Republica franceza.

Kra d isto, e só d isto que Braamcamp íôra encarregado, e era portanto n'este sentido, e em mais nenhum, que elle se di- rigia aos homens públicos da França republicana

Então como hoje, hoje como amanha e como sempre, os re publicanos portuguezes queriam e querem uma Republica ge- nuinamente portuguesa, feita por portuguezes, e para portu guezes, sem auxilio nenhum estranho.

Dos estrangeiros querem os republicanos portuguezes a boa amizade, a estima e o respeito mutuo, que só obtém quem d'isso é digno,- trabalhando honestamènte pelo seu desenvolvimento nacional, respeitando em absoluto a independencia alheia e fa- zendo respeitar do mesmo modo a propria.

Isso de pedir a intervenção estrangeira, quer para manter, quer para derrubar instituições que só ao paiz pertencem e que só o paiz tem o direito de crear ou de destruir, será muito bom para monarchicos, mas nao para gente honesta, que como tal se preza.

E os republicanos portuguezes teem se n'essa conta. Fica, portanto, bem assente, e categoricamente affirmado,

que era isso, e só isso, que da Republica franceza esperavam os republicanos portuguezes.

. Mas, infelizmente, nem isso havia de suceder, porque, ao mesmo tempo em que a Republica franceza se lançava nos bra- ços traidores do bandido que a havia de assassinar para, sob o nome de Napoleão III, subira um throno vergonhosamente man- chado de sangue e de lama, e Portugal era pela soberana de novo entregue nas maos de Costa Cabral, já então elevado a conde de Thomar, os republicanos portuguezes, ainda nao li- gados por essa estreita cohesao que mais tarde os havia de con- gregar n um partido solidamente unido, afrouxavam na sua propaganda, desagregavam-se, indo alguns engrossar as filei- ras monarchicas, levados uns pelo medo, outros por inconfessá- veis ambições, e outros ainda, pelo desanimo, ou, como José

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Estevam, naesperança de que, procurando fortalecer, dentro da monarchia. a ideia democratic^,preparavam mais fácil e mais seguro, embora n'um futuro mais distante, o ad\ento

'la L%AelP°"''egs"esaultimoS, uma crença leal e honesta, em- bora assmen-um principio erroneo e n uma esperança enga- nadora.

Ao mesmo tempo, é preciso notar, entre os que «cavam fir_ mes no seu campo, sem jamais trans'girem ante a a g violências nem t;lo pouco ante promessas e tentativas de suoor nò Oliveira Marreca e José Felix Henriques Nogueira um.10- ven que, aos 23 annos. viera trazer aos triumviros da Republi- ca todo o enthusiasmo e todo o esforço da sua mocidade, haviam de conservar intactas as suas convicções, radicando-as este na ideia federalista, e enveredando mesmo afoitamente paia rimnn pconomico das reivindicações socialistas.

Referindo-se a este grande vulto da Oemocracia portugue- za, diz Heliodoro Salgado na sua Insurreição de Janen .

«HM

IHtlHIIII me

Tratando ainda d'este grande luctador da cau^ democrati- ca a DroDOsito da sua morte mysteriosa, occorrida em .» ja^ neiro de 1853, diz Theophilo Braga na sua Historia cias Ideias Republicanas em Portugal:

fos< Felix Henriques Nogueira pasceu a .15.de

ftis* asss sssir. "asar ar—Srt - -*-»

. , Tod)S. „ J. Aleun* com >.Oliveira Marreca, conservavam-sc «nab.lavelm.me fiel* .« seus Ideaos Mas tio poucos. Infelizmente!.. •

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tino politico em um bello livro Estudos sobre a Reforma em Portugal, publicado no principio de 1851. Contava apenas vinte seis nnnos de edade quando deu á publicidade os Estudos sobre a Reforma; as suas ideias silo as mais justas, a sua linguagem é persuasiva pela simplicidade, a indignação contra a degradaçfto constitucional eleva o, as aspirações da sua alma sâo cheias de audacia viril, emfim tinha um raro poder proselytico, e todos os homens de intelligencia sen- tiam se vinculados a elle. José Felix Henriques Nogueira er i o homem desti- nado a levantar o nivel politico e moral d este paiz, porque tinha uma clara comprehensâo das necessidades do seu tempo, possuía uma vontade energica e uma boa fortuna. Discípulo de silvestre Pinheiro Ferreira no período libe ral e já desalentado do grande publicista, José l-elix Henriques Nogueira ad- mirava francamente esses génios revolucionários de 1848, Ledru Rollin, Kas- pail, Mazzini, Kossuth e Robert Blum, e sentia-se com alma para o sacrifício. Ligando a si as principaes intelligencias, sem apoio depois das incoherencias dos setembristas deante do favoritismo de D. Maria II e da intervenção dos exercitos estrangeiros em 1847, elle applicou as suas forças para a propagan- da popular republicana, publicando o Almanak democrático, (1852 a 18f><J) e o Almanak. do Cultivador, (1856 a 1857) escrevendo sobre o Município, e collabo- rando em um grande numero de jornaes sobre questões de agricultura, de in- dustria, de instrucçAo publica e do reformas politicas. Trabalhava em um Ca- thecismo democrático, quando repentinamente expirou em Lisboa, a 23 de ja- neiro de 1858, com trinta e tres annos de edade! A liberdade portugueza sof- freu com esta morte um golpe profundíssimo; desde 1858 até á constituição de um centro republicano democrático em 1876, nunca mais se falou em Republi- ca; algumas phrases e pequenos jornaes democráticos foram aspirações sem disciplina, sem acção sobre o espirito publico. Os homens que se agruparam em volta de Henriques Nogueira desmembraram-se e foram pôr-se ao serviço da monarchia, e. o que é lamentavel, fizeram um silencio absoluto em volta do nome do s ncero republicano dos Estudos da Reforma em Portugal. No cemite- rio do Alto de S. Joào alguns amigos do primeiro republicano portuguez collo- carain-lhe na pedra tumular estas palavras:

Apostolo fervoroso da liberdade, egualdade e fraternidade

foi strenuo defensor da doutrina democrático e da ideia

da federação politica das Hespanhas o futuro julgará suas opiniões

e as de muitos que lhe sobrevivem

Os que tiveram a fortuna de ligarem o seu nome a este primeiro impulso foram os então republicanos: Antonio Rodrigues Sampaio, C.arlos losé Caldei- ra, Carlos Ribeiro, Francisco Maria de Sousa Brandão, Gilberto Antonio Rol- la Junior, Ignacio Francisco Silveira da Motta, Joào Baptista schiappa de Aze- vedo, loaquim Filippe Nery da Encarnação Delgado, Joaquim Julio Pereira de Carvalho, José Elias Garcia, José Estevam Coelho dê .Magalhães, José Joa- quim de Oliveira Machado Junior, José de Torres, Luiz Filippe Leite, Sebas tiao Betamio de Almeida.

Se porventura Henriques Nogueira houvesse sobrevivido, homens como José Estevam ou Rodrigues Sampaio não se teriam ido annullar ao serviço da monarchia, nem José de Torres ou Sebastião Betamio abandonariam a politi- ca; de todos elies, apenas, ao fim de dezoito annos, ainda se inscreveram no drectorio do Centro republicano democrático em 1876 o 'ngenheiro Francisco Miaria de Sousa Brandão, e os coronéis Gilberto Antonio líolla e José Elias

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Oarcia, para onúe trouxeram o virus comrahido nas cabalas da politica mo narchica, mau grado as suas generosas aspirações.

Voltemos, porém, ao assumpto da nosssa Historia.

D. Maria n, que logo em seguida á infamia de 1>S47 se não atrevera a chamar ao poder o tyranno Costa Cabral, não po dia resignar-se á ideia de passar sem elle muito tempo.

Precisava do tyranno para o governo como do pão pai a a

Por isso, passados apenas 2 annos—que a ella pat ecei iam talvez longos séculos—D. Maria II formava, era J de junho de 18i9, um ministério da presidencia do seu valido, o conde de Thomar, o Sovo Comte Amieiro, como toda a gente lhe cha- mava então. ,

A entrega do poder a este homem, que tinha apostatado de todas as suas opiniões avan^adissimas tanta vez proclamadas no Club dos Camillos, que havia feito a contra-revolução de 1842, que tinha negociado, em 1847, a invasão armada da sua patria pelas tropas estrangeiras, a chamada de tal miseiavel ao poder não podia deixar de irritar fortemente a opinião publica, □ ue lhe era hostil como o tem sempre su o, e em toda a pat te, aos defensores do despotismo, seja qual for o disfaice sob que

C''^las^osta'cfabral não era homem que recuasse perante tãc

^ ^Aquella consciência de lama não era susceptível de taes es- crúpulos. .

A opinião publica irritava se? Bem queria elle saber d l isso». Se os clamores fossem d surdina, de modo a não lhe pet turba- rem as digestões dos lautos banquetes saboreados a mezado orçamento, deixa-la-hia murmurar a vontade. Se, pelo contia rio, os Murmúrios se tornassem em clamores que o «ncommo- dassem, então lá estavam as tropas Ju ts, e, em ultimo caso, a estrangeiras, para metter os díscolos tiu ovdem.

Submetter-se? Dar-se por vencido? Recuar ante as imposi- ções da canalha? Isso é que nunca!

As violências recomeçaram, pois, como no período que pre- cedeu a revolta da Maria da Fonte, senão com mais tntenst-

dadFizèram-se eleições municipaes e legislativas a tiro, segundo o louvável costume cabral-migueltno tanto do agrado da boi dosa soberana e da sua côrte, perseguiu se ferozmente a im-

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prensa, cercearam-se os direitos de associação e de reunião, que a Carta Constitucional garantia a todos os cidadãos.

Eram, pois, os cartistas que esfarrapavam a Carta de que se diziam paladinos, c era ao som do proprio hymno d'ella que, nas suas reuniões partidarias, festejavam as navalhadas que lhe vibravam !

E' obvio que semelhante situação, a prolongar-se. nílo pode- ria deixar de produzir nova e violenta explosão de justa cólera popular.

Ainda assim durou uns bons dois annos. Os ânimos exasperavam se. A taça estava cheia, bastando apenas uma gotta d'agua, isto

é, um pretexto, para a fazer trasbordar. Esse pretexto dava-se em 1851, dois annos depois da restau-

ração do cabralismo no poder. D. Maria II, para calar a bocca ao marechal duque de Sal-

danha, nomeára-o mordomo-mór do paço. Este homem, cujo valor militar ninguém nega, mas cujo va-

lor moral ninguém se atreve a jiffirmar, desembainhava alter- nativamente a sua espada victoriosa pela Liberdade ou contra* a Liberdade, conforme lhe segredavam ambições ou conveniên- cias, desalentos ou esperanças, vaidades ou despeitos, únicos moveis a que obedecia.

Ora succedeu que, por qualquer divergencia com Costa Ca- bral ou com a rainha, ou talvez com ambos, o duque de Salda- nha era demittido das funcções que exercia no real palacio.

Purioso com este golpe que á sua immensa vaidade vibra- ram os inimigos da Liberdade, Saldanha voltava-se novamente para esta, namorava-a outra vez, declarava-se seu intemerato paladino, e logo tratava de promover um levantamento militar, sublevando caçadores 1 e 5, aquelle do commando do coronel Joaquim Bento, mais tarde barão dc Zezere, e este sob as or- dens do coronel Cabreira, que veiu a ser barão da Batalha.

Mas esta primeira tentativa nao surtiu o desejado efteito. O exercito, hesitante e receoso, nílo parecia muito disposto a acompanhar o marechal com a presteza, e unanimidade que elle esperava.

Saldanha, despeitado e temendo algum acto de violência da parte do despotico ministro, refugiou-se em Hespanha, esperan- do occasiao mais propicia para, sob a mascara de liberal. levar a cabo a vingança que lhe reclamava a sua vaidade offendida.

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Os membros do Triumvirato Republicano, ao reciudescet em .as violências do cabralismo, e sentindo-se abandonados per tan- tos qiie tilo cheios de enthusiasmo tinham vindo abrigar-se sob as côrés fulgurantes da bandeira da Republica, viram-se na necessidade de homisiar-se, afim de escaparem ás sangrentas represalias que eram de esperar da parte do feioz valido de L . Maria II. _

Foi então que se deram as deserções de Rodrigues Sampaio e ]osé Estevam, que acceitavani a monarchia, aquelle com to- dos os seus erros e vícios para os fazer valer em proveito das suas próprias ambições, este no intuito de a modificar e melho rar, approximando-a quanto possível da Democracia.

Os velhos campeões do setembrismo, os que se tinham sem- pre conservado fieis á simples aspiração d'uma monarchia como a sonhada de 1820 a 1822 e de 1836 a 1838, unidos aos que, ten do desertado das fileiras monarchicas para abraçarem as da Republica, regressavam contrictos aos pi imeiros amares, for- mavam um agrupamento politico que dizia pugnar pelo desen- volvimento progressivo das liberdades publicas, e a que se ia já dando o nome de progressistas, d'onde mais tarde o de par tido progressista.

Foi com este que se agrupou José Estevam. A lucta contra o cabralismo continuava accesa e com ci es-

cente intensidade. ' .* O governo, pelo seu lado, redobrava de oppressao e violên-

cia, ao que os progresistas respondiam activando quanto pós*1" vel a propaganda contra o valido e seus siçarios, e tratando de insubordinar o exercito para o terem preparado para um movi- mento revolucionário que substituísse aquelle ministério por outro de feição mais avançada.

N'este intuito, José Estevam e outros progressistas escreve- ram ao marechal Saldanha, que se conservava ainda em Hes- panha, contando-lhe o pé em que. as cousas estavam, e aconse- lhando o a regressar a Portugal, afim de se pôr a frente d um movimento cujo êxito lhes parecia agora assegurado.

Saldanha, que outra cousa nao desejava, que anhelava pelo momento de se vingar da injuria recebida, injuria que attribuia ao conde de Thoir.ar, nao hesitou em seguir o conselho que lhe davam os seus novos amigos.

Pôz se logo a caminho de Portugal, onde veiu encontrai íe- voltada a guarnição do Porto, contra a qual fôra enviada te Lisboa uma poderosa divisão militar, sob o commando de U. Fernando, marido da rainha.

Ora este príncipe, pelos seus dotes physicos. que nada deixavam a desejar sob o ponto de vista esthetico, poderia es-

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tar muito bem fadado para as pelejas do amor e para as deli- ciosas conquistas do bello sexo; mas para as outras luctas, para as da politica ou do campo de batalha, nao o dotára a natureza com os necessários predicados.

Nao sabia commandar, nem inspirar confiança aos que sob as suas ordens tinham que luctar.

Por isso, mal chegava a Coimbra, se via abandonado por todas as tropas da sua divisão, que com armas e bagagens se passavam para o partido do audacioso guerreiro, deixando o pobre rei isolado, forçado a voltar á capital, desolado, triste, envergonhado, a entregar á esposa uma espada que nao che- gara a desembainhar!

Saldanha achava se, pois, á frente de quasi todas as forças militares do paiz, que com elle exigiam a queda do ministério cabralista e a sua substituição por um gabinete liberal.

A rainha, cuja coragem estava na razão inversa do seu des- potismo, .cedeu, demittindo Costa Cabral e encarregando o ma- rechal de organisar um governo da sua presidencia.

Saldanha acceitou o encargo, e constituiu um ministério em que entravam Jervis d'Athouguia, Rodrigo da Fonseca e Anto- nio Maria Pontes Pereira de Mello, joven official d'engenheiros que então ascendia pe'a primeira vez aos conselhos da corôa.

Portugal tinha, pois, á testa dos seus destinos, um ministério liberal., no nome e*nô papel, mas no mais, na pratica, tão bom como os seus antecessores.

Recorramos mais uma vez ao opusculo da CommissRu Mu- nicipal Republicana de Lisboa, Oitenta annos de Constitucio- nalismo outorgado, e ouçamos o que elle nos diz ácêrca de Saldanha e do seu amor á Liberdade e á patria:

E' n'este passo qce surge na rua um brado armado em pró dos bons prin- cípios liberaes. '

Princípios liberaes ? Sim. Quem dirige a hoste é Saldanha. Nfto ha ironia mais cynica. O 1ue £ que quer este homem, que nós vemos desde 1827, alternadamente

liberal e absolutista, suspeito á côrte e seu sustentáculo, odioso á causa con- stitucional na aventura do Belfast, e odioso ao absolutismo, pouco antes, nos dias da Regente ?

Que auctoridade pôde arrogar se este homem para hastear nas màos o pendão do desaggravo nacional ? elle, o servilissimo sectário do neo absolu- tismo azul e branco, e que como tal, recusára jurar a Constituição de 1822, achando-a «oftensiva para a dignidade e para o prestigio da realeza ?» Que garantias de integridade moral pôde offerecer ao povo este esporádico pala- dino da Liberdade.- elle que, com o duque da Terceira, se oppõe á Constitui- ção setembrista de 1838, como irreconciliáveis inimigos da Revolução de Se- tembro ?

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O que é que vem fazer, ao meio desta feira de burlas e hypocrisias, este homem que esteve a fingir de ministro da rainha, eniquanto Costa Cabral pre- parava em Madrid, com lsturiz, a infamia da intervenção estrangeira? Quemi é este messias de caserna, theologo e homcepatha, a alma-negra da infamia de 6 de outubro, pela qual a rainha «faltou á sua palavra», para que assim cogite burlar-nos mais uma vez ? , ,

Pois bem: é este mesmo homem quem, a 7 de abril de 18 >1. vem sublevar o Porto, em nome das liberdades ofendidas, pedindo um acto addicional, isto ê, um codicillo .1 obra, por elle applaudida, de 182"!

E' a esta burla, que ainda hoje se dá o nome de Regeneraça >. Pela segunda vez apparece agora esta palavra, que sucessivamente se

irá repetindo, por especulação, por industria, por calculo, par negocio, sem- pre que a corrupção palaciana escandalisa a consciência publica

Assim, a Regeneração promette regenerar os costumes e tendencies da po- - lítica portugueza, respeitando em todo o caso a fonte inicial de que todos esses

costumes e ruins tendencias derivam. O gladio da Justiça será inexorável, me- nos, é claro, pelo que diz respeito ao paço-«á caverna de Caco- — como se es- crevia em 1 «46 '—«onde sempre se teem reunido os conspiradores».

O paladino civil desta cruzada é Rodrigo da FonsecaTespirito arguto e seguro, caracter omnimodo, sem escrupulos, ávido de domínio, voluntarioso, cu adversários como tendo exercido o bandoleirismo na Serra-

Morêna, e de, sem ser presbytero. ter dito missas em Pernambuco Discípulo aproveitado de um jesuíta de Condeixa que se escapára á perseguição de Pom- bal bebera delle nâo só o primeiro leite da sua cultura humanista, que era grande, mas também os filtros venenosos que. mais tarde, haviam de influir fao poderosamente na sua estructura moral. Em conversas, falava da mOe como Luiz XI falava da avó:*- cynismo ostentoso a que os seus inimigos re^- petidameate alludem, e que ficou estampado nos Mandamentos da Regenera(a<> , pamphleto irreverente que, por entào, teye grande voga a„on„n,n

Com taes apostolos fácil se torna calcular o que seria o evangelho, bsse evangelho é uma fria mentira. Os que, como José Estevam, haviam auxiliado a conspiração saldanhista. a que Passos Manoel náo toi cstranho cêcio conhe- ceram o lôgro. O tal ac/o-addtaonal, dado a lavar as hostilidades históricas en- tre liberaes e conservadores, nfto reiolvera cousa nenhuma u Aporfia hcava sempre investida na mesma auctondade feudal. Era ainda a renovado das ideias de 1823, que depois vingaram no padrão de 18-6. o^Wo nào

E, pois que as dissidências, ionge de acalmar, recrudesciam. Rodrigo nâo desanima. Trahida a liberdade, houve recurso á feira politica. ^ regabofe á compra dos hesitantes escrupulos, dando-se a este arraial ignobif o noi emphatico e ôco de «fomentar o progresso material».

À^/fl°»wvjdderfl aquillo"— a vida-airada, a única vida que o regimen, em seu proveito, consente e favorece.

ÍJnM. '1 — An,b««do, (del Me F.mando) .1 fra l.

tr.,d CCXXV- rwr H| pt<> „ e.cam,CPr d* n,»e quando fír preci.. para fater «plrito.. In Por- tugal (1853; n." 7 l.

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Cinco annos durára a orgia,

a Cl« rívfn"°,S' as..desPezas Publicas tinham psssado de 11:0)0 c ntos gistol officials m C°nt0S Cm C,DC0 ann0S' isto aPenas segundo os re-

neste praso (Junho de i856) que apparecem os historicos um Partido

tuídn d*™6 ,?caracten?t,.co define a vacuidade dos seus princípios E' consti- S com Tfefrl rene*ad- da democracia, e incompalí- „ ' co,m a 'eira-negra dos melhoramentos materiaes. O seu proposito é oôr ter "ZrJZZ^S,-W„ negro d, Sp,,»?,' ESTbSX.

E' a repetição do mesmo circulo-vicioso; isto é. da mesma semsaboria A

^ wzsz?rz'

mente monotonos, d'estes curandeiros de profissAo ' repetlda"

der0fni ÍTÍr° CUnã'do do duqu^ de Saldanha. ao subir ao po der, foi convocai Cortes com poderes constituintes, afim de dei--

ía* na esfarrapada Caria de 1826 um remendo que por algum Reei encol?r,sse uma ou outra das mais salientes mazellas. bsse temendo, que nao remendava nem remediava cousa

alguma, foi o celebre Acto Addicional de 5 de julho de 185'> que modificava pro-fonna algumas das disposições da lei fun- damental com que D: Pedro IV brindara a nação portugueza.

A esse Acto Additional tencionamos referir nos ainda.

hJ,e'f£:(£émf'

as vio,encías do governo e a deserção de alguns havia feito afrouxar um pouco a intensidade do movimento re- publicano iniciado por Oliveira Marreca em 1848. nem por isso deve d ahi inferir se que elle morrera, ou que a ideia democra tica se tornaria estacionaria

Nao. essa ideia havia de progredir . Já, em 20 de junho de 1851, se reaíisára em Lisboa um co-

Franci1có ^'raedaSfvf e,"'eAr!> ° "°tíU'el "'ibu"° po|,ular

sido feita, em publico, dos direitos populares. Demonstrou circumstanciadamente a necessidade de aue os

m?Ielnf°S prot,egessem sempre as classes laboriosas, e, afim de - q e estas pudessem bem expôr as suas aspirações, preconisou m enthusiasmo a conveniência de eleger deputados alguns

mento™08' ^ dlgnamente as pudessem representar no parla- Este discurso, que foi coroado dos mais unanimes e enthu-

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siasticos applausos, valeu a Vieira da Silva numerosas synipa- thias e enorme popularidade.

Não, deviam, porém, reduzir-se á eloquencia dos discursos públicos os esforços da Democracia portugueza para ir conquis- tando, palmo a palmo, as garantias economicas e politicas, e as liberdades publicas a que o povo tinha incontestável direito.

Em 1852 iniciava se a pugna pelo principio associativo como meio de regeneração politica e economica do paiz, pela funda- çflo, em 15 de junno d'esse anno, do Centro Promotor dos Me- lhoramentos das Classes Laboriosas, cujos estatutos obtinham approvaçífo superior em 16 de junho-do anno seguinte

Ksta associação, no util intuito altruísta de dar ás classes trabalhadoras a somma de conhecimentos necessários para que estas tivessem a nitida comprehensâo dos seus direitos e dos seus deveres, creou varias associações de classe, fundou e man- teve uma aula de leitura pelo methodo de Castilho—o melhor até então conhecido, -abriu cursos populares de linguas portu- gueza e franceza, bem como de diversas artes e sciencias, fun- dou um gabinete de leitura, abriu cn'ches para filhos d'opera- rios, e creou um jornal que fosse orgao seu e dos interesses das classes para as quaes se instituirá tao util aggremiaçãp.

«Dois annos depois da sua fundação—diz, a respeito d este Centro, o sr Costa Gooldolphim no seu magnifico livro _A .4s- sociação, Historia e desenvolvimento, publicado em 1876 ti- nha inscriptos 1:600 socios, e uma receita de 576§0IX) a 600s000 réis.

«A approvaçao dos seus estatutos tem a data de 16 de ju- nho de 1853, e (oram elaborados por Francisco Alaria de Sousa Brandão1.

«Kstes estatutos foram reformados e substituídos por outros em sessão de 19 de janeiro de 1870, os quaes nilo obtiveram a sancçao régia, pelo que este Centro se ficou regendo pelos es- tatutos primitivos.

«Prestou também diversos serviços, representando aos po- deres públicos contra determinadas leis que afiectavam as classes productoras. .

«Km 1872 tomou uma feição acentuadamente socialista, e

' Mais tarde o general Sousa Brandão, a quem os galões nào aristocratisa ram. Veiu a ser um dos fundadores da Caixa Economica Operaria, benemerita instituiçAo de que opportunamente falaremos.

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dirigiu um manifesto aos operários de Portugal, que concluía aconselhando os trabalhadores das cidades e dos campos a que se abraçassem fraternalmente e se constituíssem n'uma socie- dade nacional, como solidariedade das classes, a que formas- sem sociedades cooperativas de consumo e de producção, e a que se legenerassem pela sua economia e pelos seus proprios esforços, fundando a sua iniciativa na moral, na verdade e na justiça.

«Hste manifesto foi traduzido em vários jornaes estrangeiros. «A esta segunda phase, em que o Centro tratou de questões

socialistas, tomaram parte nos debates, entre outros apostolos associativos, João de Sousa Amado, Silva Vianna, João Bo- nança, José Fontana, Miguel de Carvalho, Gomes da-Silva, Ju- lio Maximo Pereira, etc.»

0 governo liberal, dissemos já, era tão bom como os seus antecessores, e como haviam de ser os seus successores.

1 ouço tardou para que elle, tendo tomado pé no poder, mos- trasse á evidencia o que era e o que valia.

A 14 de maio de 1853 o governo, nfto tendo confiança nos batalhões do commercio e nacionaes de Lisboa, dissolvia os.

Governos monarchicos, quer se intitulem liberaes quer con- servadores, sao sempre invariavelmente reaccionários, porque, sustentáculos d'um regimen que está em completo antagonismo com os interesses e com as aspirações populares, só pela força e pela violência podem manter se, abafando e afogando em san- gue os protestos do povo contra os seus abusos e as suas ex- poliações.

E por isso querem que só estejam armados aquelles com cujo sei vi ismo automatico e obediencia de cadaver possam contar em absoluto.

Armas para aggredir e assassinar o povo que trabalha e produz, que paga as régias orgias e a devassidão da côrte, . quantas se possam arranjar á custa do mesmo povo; armas para o defender, ou para elle proprio se defender, nunca, que elle poderia, n um momento de deeespero, demolir o throno e acabar com privilégios odiosos que são um verdadeiro regabofe para a camarilha e parti o astro em torno do qual ella gira, obedien- te e submissa, como o cão á roda do dono.

O governo de Saldanha era tão monarchico e tão mau como os outros, embora talvez mais hypocrita.

Nada são para admirar, portanto, ás suas medidas anti-libe- raes, como foi a dissolução dos batalhões.

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Entretanto morria D. Maria n, em 15 de novembro de 1853, após um reinado agitadíssimo e que, iniciado com todas as con- dicões necessarias para ser um periodo de paz e prosperidade para o paiz, foi, pelo contrario, de decadencia e de ■ "cessante lucta, graças ao desmedido orgulho da rainha e a subseryien cia de cortezaos sem vergonha e de estadistas falhos de digm-

da<Suocedia-lhe seu filho primogénito. D. Pedro y, cry je 16 annos, em nome de quem regeu, até a su* que

foi proclamada em 1855, seu pae, o rei viuvo D I eimando. O reinado de D. Pedro v foi relativamente pacifico, um pe-

ríodo de acalmaçao para todos descançarem das terríveis íadi-

^Vao 'podemos"deixar-nos levar pelo facciosismo partidano ao ponto de negar que uma cousa seja boa, quando lealmente 0 seja, pelo facto de ter sido feita por adversarios em vez de o ser por amigos. ,

Assim não deixaremos de applaudir o decret«' J ^ vereiro de 1854, mandando tomar o registo de todos.os

vos ainda existentes em terntorio portuguez, que nao tinham sido abrangidos na lei libertadora de Pombal, melhorando-lhes ToStfE íacilitando-lhesemancipacao futuro p^; ximo' bem como o decreto de 29 de abril de 18jS, que detei nava a gradual abolição da escravatura, lei que deveria ser cum- prida efe modo que/em eeual dia de 1878, nem um só escravo existisse já, sob qualquer titulo ou disfarce, em todo o terntorio

1 O.® tumultos que se deram em agosto de 1856, c'?nh®cld"® pelo nome de revolta do pão barato, resultantes dos justos protestos populares contra uma colligaça© de moageiros e de posífarios dT tHgos e farinhas foram apaziguados sem as violências e a eliusao de sangue q

^Nt^&emosle Car a ordem régia de 5 de maio d

r aiz pertence ntes a egrejas ou outras corporações religiosas, e mandando empregar em inscnpções os respectivos reodimen

Tao pouco censuraremos as provas de dedicação e altruísmo dndas ben i>edro v e sua esposa D. Estephan.a de Hohenzo - férn por occasSo das epidemias de cholera e de febre amarei-

'a ^"as^lealdade com que reconhecemos e louvamos o que houve

de bom n este curto reinado d um soberano mu,to mais infeliz

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do que mau, dá-nos auctoridade moral para verberarmos coin tocia a severuiade um facto que feriu fundamente a dignidade nacional e que forneceu a José Estevam ensejo para, no par- lamento, proferir um dos seus mais energicos e vibrantes dis- cursos.

Quei emos referir-nos ao caso da barca franceza Çhcirles ct . Georges, aprisionada, em 1858, pelas agctoridades de Moçam

bique, por crime de trafico de escravos, commettido em aguas portuguezas.

Julgado o caso nos tribunaes competentes, e provada a accu- asção, foi o commandante do navio, capitão Rouxel, condemna- do, em harmonia com a lei internacionalmente acceita, na pena de dois annos de trabalhos forçados.

Reinava então em Trança, sob o nome de Napoleão m, o príncipe Luiz Napoleão Bonaparte, o vil traidor, o infame per- juro que, atraiçoando miseravelmente a Republica que tivera a generosidade de lhe abrir as portas da patria e a ingenuidade de lhe confiar a mais alta magistratura nacional, se fizera pro-

u amiar1L'?,pera peI° odioso Kplpe de Estado de 2 de dezem- bio de 1851, em que, com a cumplicidade de generaés indignos e

de sicários sem vergonha, fizera, para satisfazer as suas ambi- ções e suífocar os protestos populares contra o seu crime, cor- rerem, nas ruas de Paris e das principaes cidades da velha Gal- lia. caudalosos rios de sangue francez.

. ® goveino d esse bandido que, elevado ao throno por.'um crime, havia de cahir, em 2 de setembro de 1870, atolado em lama, na vergonhosa cobardia de Sedan, nlo comprehendia que

dTlènh í"16 Ven r ^ente como quem vende carneiros ou feixes Protestou, pois, contra a captura da barca Charles et Geor-

ges, e contra o julgamento e condemnaçâò do commandante Rou- xel exigindo prompta restituição da barca e immediata liber- tação do condemnado.

O governo pòrtuguez, da presidencia do marquez de Loulé mais tarde doque do mesmo titulo, propoz. a medo e acobarda- do, a mediação d uma potencia amiga.

O governo de Badinguet (alcunha por que era por irrisão conhecido o criminoso de 2 de dezembro), cheio de arrogância í ecusou essa mediação, e mandou ás aguas portuguezas uma esquadra, para metter medo com a insolente exhibição da sua iorça.

O ministério portuguez tinha ainda ti recurso de appellar para os tratados internacionaes contra a escravatura, que o ti-

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nhaiíi investido -tia auctoridade de policia dos mares, em ceitos pontos-, para a repressão do ignóbil trafico.

E, tendo-se dado o facto em aguas comprehendidas na juris- dição da area cuja policia estava a cargo de Portugal, o nosso governo podia e devia ter invocado esse facto e essa qualidade, provando que tinha procedido, nao só em seu proprio nome como no de todas as potencias empenhadas na extincçao de tao ver- gonhoso-negocio.

Mas nao:— o gabinete Loulé preferiu submetter-se; sem mais discussão, dando a seguinte resposta á insolente intimação do governo de Búdmguet:

O governo de Sua Magestade Fidelissima, pesando a grave responsabilidade que assume perante o paiz, delil>ei-«~»w íiiinviii- á.s exigencias do governo impe- i-iíil, pondo em liberdade o capitão Rouxel. e fazendo enti ega do navio á pessoa que para isso fôr nomeada; e quanto á me- diação para o arbitramento da sotnrna reclamada a titulo de indemnisação, o governo portuguez desiste d'ella, estan- cio prompto a satisfazer o que o gover- no francez entenda Her-llie devido.

Como se vê, esta resposta vergonhosa nao salvaguarda o menor dos direitos de Portugal, nem ao menos tem um protesto em nome da honra nacional offendida.

E' tudo subserviênciaa entrega do navio, a liberdade do capitão Rouxel, e ainda por cima uma indemnisação, a que o governo imperai entenda ser-lhe devida, a tudo isto Loulé e os seus collegas no ministério progressista entenderam dever submetter-se, sem um protesto, sem um grito afflictivo de di- gnidade offendida!

O reinado de D. Pedro v havia de ser de pouca duração D. Pedro morria a 11 de novembro de 1861, havia annos

viuvo de D. Estephania, que lhe nao deixara descendencia, e succedia lhe no throno seu irmão D. Luiz I, que então se en- contrava em viagem na capital inçleza.

A morte de D. Pedro V foi classificada como resultante d uma febre paludosa adquirida, n'uma viagem no Alemtejo, pelo rei

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e poi seus irmãos D. Fernando e D JoAo, que morreram por essa mesma época, e D. Augusto, que escapou mas ficou doente para toda a sua vida.

h-sta foi a versão official, mas nAo a da opiniAo publica, que a attnbuiu a envenenamento, feito por alguém da alta roda que tivesse interesse na morte do rei e de todos os mais proxi- mos herdeiros da corôa, afim de que esta pudesse ir parar lhe á cabeça.

E dada ainda a coincidência de ter também fallecido, e da mesma doença, em Londres, o príncipe Alberto, esposo da rai- nna Victoria, exactamente quando lá se encontrava o infante

. -U|z. nascia a natural suspeita deque tivesse havido engano no destinatário do veneno.

O duque de Loulé nunca negou nem confirmou os boatos que entAo correram a tal respeito, e que deram logar a alguns motins em Lisboa, de resto sem consequências de maior, e que ficaram conhecidos pelos tumultos do Natal.

\

Os partidos políticos achavam-se constituídos em dois gran des gruposregeneradores, que haviam governado, sob a piesidencia de Saldanha, de 1851 a 1856, e sob a do duque da

eiceira, de 1858 a 1-S60; históricos, que, sob a presidencia do rnarquez de Loulé, occuparam as cadeiras do poder de 1856 a

<Soo, e depois em 186Q, encontrando se ainda na posse das pas- tas quando, no anno seguinte, começava o reinado de D Luiz i, reinado que, embora nAo fosse tAo calmo como o de D. Pedro v, em longe estava, todavia, de ser um período de violenta e incessante agitaçAo, como o fôra o de D. Maria n.

A imprensa democratica

Entretanto, o movimento democrático, republicano e socialis- ta, que Oliveira Marreca miciára em 1848 e que a desArçAo d'uns e o desanimo de outros fizera pouco depois affrouxar alguma cousa, nAo se extinguira em Portugal.

Recuemos, pois, alguns annos que avançámos acompanhan- do a politica dos governantes, para seguirmos agora, d vol d oiseau, os progressos da Democracia.

Depois do Regenerador e da Republica, a que já nos refe- nmos, e que pouca duração tiveram, o primeiro trabalho de

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SOUSA BRANDÃO

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propaganda a apparecer a publico foi, em 28 de abril de 1850, O Ecco dos Operários, revista semanal redigida por Sousa Brandão e Lopes de Mendonça, e mais tarde por Vieira da Silva, tendo tido também como collaboradoFes José Horta e D. Be- nigno Joaquim Martinez.

Esta revista foi o primeiro orgão que tivêram as associações -em Portugal, e foi o periodico que n'aquella época mais levan- tou o espirito das classes operarias, tratando com proficiência e enthusiasmo das questões sociaes de mais utilidade para o povo trabalhador.

Foi d'esta revista que sahiu a Associação Operaria, cujos estatutos ella publicou, no seu numero 13. Esta collectividade era, em Portugal, a primeira tentativa de organisaçao das classes trabalhadoras, tao necessitadas de, pelo incremento do espirito associativo, tratarem dos seus legítimos interesses tao despre- zados, e reivindicarem os seus direitos tao cerceados.

Em 18 de julho de 1851, José Felix Henriques Nogueira, que, como já dissemos quando tratámos da creaçâo do 7riumvirato Republicano, adherira a elle com todo o enthusiasmo dos seus 23 annos, e a quem dominavam um espirito irrequieto e um in- domável amor á Liberdade, á Republica e á Democracia so- cial, lançava a publico o seu livro E-tudos sobre a Reforma em Portugal, cujo prologo é um clamoroso appello e uma bella profissão de fé que nao podemos furtar-nos ao desejo de o trans- crever aqui:

O opusculo que segue não é uma obra de sciencia e muito menos de va- lor litterario. Da scieDcia tem um ou outro termo, uma ou outra theori* ; no fundo nílo é mais que um estudo feito com consciência c com amor sobre os logares, e inspirado pelas mais clamorosas necessidades da nossa terra. Do valor litterario tem o que se póJe esperar d'um primeiro ensaio, tentado por quem se não sente com os dotes d'escriptor, e só aspira a fazer conhecidas as suas ideias.

Commovido pelos symptomas de decadencia da sociedade em que vive. contristado do predomínio, mais ou menos geral e abusivo, da ignorancia ou da maldade, do servilismo ou da tvrannia, da miséria ou da opulência, o auctor procurou averiguar as causas d'estes phenomenos, e viu que ellas, estranhas pela maior parte aos indivíduos, consistiam na falta de um bom governo

Lamentou então que por semelhante motivo, senãoJacil, ao menos possí- vel, de remedio, tantos milhares de homens das classes, operarias arrastassem utíia vida qua&i animal privados dos soccoíros mais urgentes de moralidade, sciencia, economia e trabalho.

Doeu-lhe o coração por vêr egualmente entregues ao abandouo os interes- ses da agricultura e da industria-fabril, ijue nfto podem prosperar sem uma protecção illustrada-e eflicaz.

Indignou-se e chorou a sorte d'este_povo illustre, reflectindo no atrasa-

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mento das sciencias, e das boas lettras, na penúria dos melhoramentos da mo- derna civilisaçào, e sobretudo no espectáculo hediondo de inepcias e torpezas, que hào ostentado, á face do mundo, os impudentes senhorios d'esta terra con- quistada- . . .

Convenceu-se de que só uma reforma radical e systematica na adminis- tração economica do paiz poderia salval-o do anniquilamento, que o ameaça, e fazel-o ganhar novas forças e novo viço.

E' o resultado das próprias meditações e das de eminentes pensadores so- bre o modo de levar a effeito esta reforma, que o auctor vae submetter aa juizo dos seus concidadãos.

Resumindo os diversos artigos do seu crédo politico e social o auctor: Quizera que n'um paiz como o nosso, emancipado por cruentos esforços da

tutella humiliante, egoista e sanguinaria da monarchia absoluta, cançado do regimen espoliador, traiçoeiro e faccioso da monarchia constitucional, neces- sitando de restaurar as forças perdidas em luctas estereis e de cicatrizar feri- das que ainda gotejam, ayido emfim, de gosar as doçuras da liberdade por que tanto ha soffrido, o governo do Estado fosse feito pelo povo e para o povo, sob a fórma nobre, philosophica e prestigiosa de Republica. _

Quizera que o poder supremo, emanado do voto universal, residisse na as- sembleia dos representantes do povo; e que o poder executivo fosse confiado a um ministério de tres membros nomeados pela assembléa.

Quizera que a administração da justiça corresse imparcial, rapida e gra- tuita ; que os serviços feitos ao paiz tivessem uma recompensa condigna; que os crimes achassem correcção em vez de vingança ; e que a pena de morte, vestígio máximo da barbaridade, fosse abolida.

Quizera que a guarda nacional, milicia gratuita, que não obriga o cidadão a abandonar as-suas occupações, constituísse o grosso da força armada ; e que o exercito subsidiado se reduzisse unicamente aos corpos scientificos.

Quizera que *a despeza publica fosse inferior á receita ; que se proscre- vesse o ruinoso systema das dividas ; e que a applicaçfto dos rendimentos do Estado fosse inteirameitte productiva, illustrada e philantropica. . Quizera que a rede tributaria, que ameaça d'estancar o paiz, ficasse redu-

zida a um imposto progressivo sobre a renda, cobrado sem despeza e reali- zado sem agio.

Quizera que os capitaes, pela barateza do juro, auxiliassem a producçâo em logar de absorverem a maior e melhor parte dos seus lucros.

Quizera que o direito á subsistência pelo trabalho tivesse nas officinas, co- lonias -e obras publicas uma util garantia ; que o trabalho das mulheres ga- nhasse uma área mais vasta, e que fosse melhor retribuido-

Quizera que a agricultura, a industria fabril c o commercio recebessem do Estado uma desvellada protecção, como fontes principaes da riqueza.

Quizera que as estradas, os canaes, as barras e em geral todos os meips de viação merecessem a preferencia no extenso capitulo das nossas necessi- dades.

Quizera que a commuoicaçào do pensamento nâo achasse obstáculos ; e que o correio fosse inteiramente gratuito tanto para as cartas como para os escriõtos periodicos. •

Quizera que os orfflos os doentes e os inválidos, que dependem da cari- dade publica encontrassem nas casas de misericórdia lenitivo para os seus males; e que se franqueassem a todos os operários as instituições economicas e preventivas da miséria.

Quizera que os cuidados exerçidos sobre a saúde publica conseguissem mi- norar e extinguir, se "tanto fosse possível, as causas d'fnfecçâo, que vào mi- nando gradualmente a robustez das .gerações.

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Ouizera que o derramamento da instrucçfto chegasse ás ultimas camadas sociaes ; que a imprensa publica se tornasse um instrumento de progresso; e que o Estado protegesse o talento abandonado, que a falta de cultura nao deixa medrar. ... j • .

Ouizera que a religião de nosí\ps paes nào servisse d escudo a interesses egoístas e mundanos, mas que acompanhasse o progresso da humanidade, que os bispos fossem como n'outro tempo, eleitos pelo povo; e que os parochos se elevassem á altura de mestres e de moralísadores. .

Ouizera que os interesses da localidade fossem attendidos primeiro do que tudo" que o territorio se dividisse para todos os effeitos em grandes e bem re- gidos municípios ; e que as aldeias tivessem os melhoramentos indispensáveis ao bem commum dos moradores. ,

Ouizera que a associação, origem de maravilhas, se estendesse a todas as classes da sociedade e principalmente áquellas que vivem do seu salario.

Ouizera que a família, instituição primitiva e santa, não apresentasse o quadro odioso dos direitos de primogenitura, que dão a uns filhos a regalia de senhores, emquanto conservam outros na humilhação de servos-

Ouizera que a propriedade, direito natural e civilisador, se estendesse ao maior numero d'individuos ; e que, para completar a liberdade da terra, se permittisse a remissão de todos os encargos que a oneram.

Ouizera, por ultimo - que Portugal, como povo pequeno e oppnmido, mas cônscio e zeloso da sua dignidade, procurasse na Federação com os outros po- vos peninsulares a força, a importancia e a verdadeira independence que lhe faltam na sua tão escarnecida nacionalidade.

Pe resto o auctor tem consciência do arrojo da sua empreza. Evangelisar, n'estes nossos tempos, doutrinas novas, que vão de encontro ás opiniões accei- tas, aos interesses dos que podem e mandam, e aos hábitos das massas, que ainda obsecam as trévas da ignorancía, nào é menos ardua, nem menos repu- gnante, nem talvez menos perigosa tarefa, do que foi propagar ha dezenove sé- culos, entre pagãos e barbaros a boa nova da egualdade e ao. fraternidade.

Mas pôde no auctor mais do que qualquer outfo sentimento, o amor da verdade e o desejo de ser util. Assim bem ou mal ensejada, proveitosa ou es- teril, elle ahi tenta a sementeira d'ideias, que se alguma coisa tem de ruim é o crivo por onde passaram que de si, pela fonte em que foram bebidas, ou pelos princípios que as dictaram, sâo ellas, a nâo poder duvidar-se, excellen- tes, boníssimas. Qualquer porém que seja a influencia d este trabalho, possam as doutrinas, que elle é destinado a propagar, abrir os olhos da razao ás mul- tidões, que os teem cerrados, e pateiitear-lnes os muitos, os ímmensos benefí- cios que das leis em favor do povo lhes devem provir.

Se tanto fosse licito esperar, tudo o que elle custou de sacrifícios e diligen- cia seria amplamente compensado.

O auctor que no meio da immoralidade e indifferentismo da época, nunca descreu da salvação da patria, nem da omnipotência dos grandes princípios, assentou, de ha muito, sua pobre tenda nos arrayaes desertos e longínquos

Appella, n'este santo proposito d'espalhar a instrucção politica, para a vir tude dos seus irmãos do trabalho, para esses homens independentes, que no la bor do campo ou da officina, criam as riquezas de que a sociedade semantem

Appella para a sensibilidade das almas generosas, que nâo podem ser in differentes ao prazer de levantar da miséria, do abandono e da oppressào mi lhares e milhares de desgraçados.

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Appella para a rectidão das intelligencias elevadas, que hão d'escudar as ideias grandiosas de reforma, embora traçada por uma penna obscura.

Appella para o bom senso das classes laboriosas, ás quaes oxalá que não sejam in-jteis os conselhos dados n'este livrinho

Appella finalmente, para a força das forças — para a justiça da causa do povo, que cedo ou tarde lhe ha-de ser feita.

Este movimento de propaganda pela palavra escripta pro- segaia com crescente intensidade.

Já nao eram só os grandes homens de sciencia ou de lettras que a ella se dedicavam.

Eram todos os que n'esse sentido alguma cousa, pouco ou muito, se sentiam capazes de o fazer.

Foi assim que, em 1852, um grupo de operários, quasi todos typographos, se constituíam em sociedade e fundavam um pe- riodico, o Jornal dos Operários, cujo primeiro numero se pu- blicava em 15 de janeiro d'esse mesmo anno.

A mocidade estudiosa nao podia nem devia ficar indifferenfe ante esta ancia de Liberdade e de Democracia que cada vez mais se alastrava por todo o paiz.

E nao ficou. Cônscia de que á falta d'instrucçao se deve o entregarem-se os

povos submissos e humildemente aos tyrannos que os exploram e opprimem, a Academia de Coimbra lança niao da penna e inicia, a 15 de março d'este mesmo anno, a publicação do pe- riodico O Instituto, revista scientifica que era orgao d'uma so- ciedade de artes e sciencias, fundada com o fim de dar instruc- çao ás classes menos abastadas, e á qual presidia Adrião Pe- reira Forjaz de Sampaio.

No seu artigo de apresentação lia-se:

Publicado 0 Instituto no seio da primeira corporação scientifica de Portu- gal, e redigido por pessoas que se prezam e gloriam de ter o nome de seus fi- lhos, n&o sómente pugnara, sempre que fOr mister, pelos seus legítimos inte- resses, mas publicará por preferencia quanto respeitar de mais interessante ao passado, presente e futuro da Universidade.

O Centro Promotor dos melhoramentos das Classes La- boriosas também nao quiz deixar de acompanhar este movi- mento de propaganda, que, dirigido por uns sob o ponto de vista politico, havia de conduzir á organisaçâo do Partido Republi- cano, e, encaminhado por outros para o campo das reivindica- ções economicas, havia de levar o operariado, quèr manual quer intellectual, ao movimento associativo, do qual resultaria natu-

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ralmente a creaçâo d'um Partido Socialista que, quando nao disvirtuado nem desviado da sua natural orientação, deveria seguir parallelamente o republicano, nao entravando a sua mar- cha, antes auxiliando-a, quite a avançar para a conquista dos seus ideaes apenas o visse, victorioso, afrouxar ou estacionar.

Foi n este intuito que, a 15 de fevereiro de 1853, se come- çou a publicar o Jornal do Centro Promotor, collaborado por Ferreira da Conceição, ). M. Baptista, José Maria Antonio Nogueira, José Mauricio Velloso, Alcantara Chaves, Vieira da Silva e Manuel Gomes da Silva.

A 4 de junho de mesmo anno sahia, no Porto, o numero programma d'um jornal intitulado \'os do Operário, que, como orgSo das classes laboriosas, se propunha pugnar com denodo pelos interesses das mesmas, missão de que dignamente se desempenhou. *

A 1 de dezembro de 1854 Vieira da Silva fundava, sob o ti tulo de Tribuna do Operário, um jornal destinado á propa- ganda das doutrinas liberaes e socialistas.

Este periodico teve uma duração de cêrca de 2 annos, tendo sempre Vieira da Silva á frente da sua redacção.

A 15 de setembro de 1856 publicava-se no Porto o numero programma d um diário rasgadamente democrático, intitulado O Clamor Público, cujo n.° 1 sahiu no 1.' de outubro de 1856, seguindo regularmente a sua publicação até 30 de setembro de 1857, em que terminou.

Foram seus redactores o dr. Alexandre Braga (pael, Ca- millo Caste lo Branco, A. Coelho Louzada e Evaristo Basto, tendo também como collaboradores assíduos P. d'Amorim Vian- na, A F. Paiva Araujo, Antonio José M. da Rocha e F. Pinto da Costa.

Em 29 de outubro do mesmo anno começava a sua publica- ção em Lisboa o jornal Federação, collaborado por Anto- nio Rodrigues Sampaio, Antonio Joaquim d'Oliveira, José An- tonio Dias e José Mauricio Velloso.

Este jornal durou até 13 de janeiro de 1866. Em 1 de novembro de 1856 publicava o professorado da ca-

pital o Jornal da Associação dos Professores, em que, a par de artigos de defeza propriamente da classe e dos seus interes- ses moraes e materiaes, muitos outros appareciam de propa- ganda democratica e de vulgarisaçao scientifica tendente a combater os perniciosos efleitos do fanatismo religioso.

Era porem em 1858, que um joven official de engenheiros, José Elias Garcia, ia lançar a publico, em 29 de outubro, 0 Fu- turo,, jornal franca e abertamente republicano, o primeiro que, depois dos de 1848, a que já nos referimos, se apresentava sem

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disfarces a collocar-se desassombradamente ao abrigo da ban- deira da Republica.

Pouca dura teve esse jornal; mas, um dia só que durasse, era o bastante para bem merecer dos republicanos de hoje esse official que assim tinha o arrojo de jogar a sua carreira militar e sujeitar-se a possíveis perseguições para tomar nobre e alti- vamente o seu posto de combate nas fileiras da democracia re- publicana.

Este jornal durou, conservando o mesmo titulo até 1860, em que, íundindo-se com A Discussão, diário republicano que co- meçára a publicar se em 1 de março, apparecia á luz em 3 de maio, sob o titulo de /I Politica Liberal, tendo á testa da sua redacção Gilberto Rolla, Sousa Brandão e José Elias Garcia, todos officiaes do exercito e todos republicanos convictos que como taes se conservaram até á morte, em campo mais ou me- nos moderado, mas nunca abandonando os seus postos nem apostatando das suas ideias.

Em 1 de fevereiro de 1861 sahiu em Lisboa o numero pro- gramma do Clamor Académico, semanario de litteratura e pro- Paganda democratica, de que eram propriçtarios e directores

aulo Rodrigues Viegas e Antonio Pedro Baptista Machado, e onde debutaram, como notamos no jornalismo, talvez todos a esse tempo com os seus 16 a 17 annos de edade, os então estu- dantes Antonio Ennes, Luciano Cordeiro, Ruy da Cunha Porto Carreio e Albano Coutinho.

Outros meios de propaganda

Aggremiações

Emquanto a imprensa democratica, mais ou menos caracte- risadaniente republicana, ia apostolisando a ideia nova e cha- mando o povo á nitida comprehensilo dos seus direitos e dos seus deveres, aquelles dos republicanos de 1848 que se haviam conservado fieis ás suas aspirações d'entao, juntamente com ou- tros que tinham vindo avolumar as suas fileiras, entenderam, e muito bem, que a propaganda escripta, a dos jornaes e a dos livros, comquanto fosse de incontestável proveito para o avanço e incremento da causa de Republica, nflo era sufficiente, em face dos obstáculos e dos entraves com que tinham de vêr-se a braços, para a levar a porto de salvamento.

Existiam, é verdade, o Centro Promotor e os agrupamen- tos operários e académicos, a que já nos temos referido, e que

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Á causa da emancipação do povo tinham já prestado e haviam de continuar a prestar muitos e relevantíssimos serviços.

iMas isso, por muito que valesse —e na verdade valia —nao era ainda o bastante para a lucta que era necessário travar contra os reaccionários, que os havia de todos os matizes, in- clusivè miguelistas, e contra os chamados conservadores, que sob este euphemismo disfarçavam o seu espirito tão reaccioná- rio—embora mais hypocrita — como o dos que como taes se .apresentavam, francamente

b ra preciso mais, muito mais. Era preciso crear aggremia- ções de caracter retintamente politico, onde se tratassem todos os assumptos que com a orientação governativa e administra- tiva directa ou indirectamente se relacionassem, bra preciso <jue de taes collectividades sahissem comícios, sessões de pro- paganda, e, finalmente, tudo quanto pudesse servir para, agi- tando a opiniilo publica, saccudindo lhe os nervos entorpecidos, n ter preparada para acontecimentos decisivos que porventura pudessem vir a d:ir-se.

Era também necessário preparar esses acontecimentos, com methodo e prudência, sim, mas com calor e firmeza, e estar prompto de tudo para, no momento opportuno, os precipitar, manter e orientar, encaminhando os para a victoria hnal.

Foi n'este intuito que, em 1864, Oliveira Marreca, José Elias Carcia, Gilberto Rolla, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Sousa Brandão e outi'os democratas d essa época, fun- daram no pateo do Salema1, uma aggremiaçao de caracter semi-secreto, quasi maçonico, que tinha por fim realisar tudo quanto fosse possivel em prol da causa democratica sob a egit e republicana. . " , • .

Os monarchicos de então, como de resto os monarchicos c sempre, á falta de argumentos com que demonstrar a superio- ridade do regimen monarchico sobre o republicano, troçavam dos propugnadores da nova ideia, tratando esta de u opto e í\quelles de visionários. . _

E o que n'aquelle tempo se inventou para simulai um

. o prédio onde e*.a eolLetWidade .. fundou é o qre tom o n." 4 . i"»' «l.eve iu.taii.do e... grande baiuart. da can,a da Ropub ça q». .. que Public anu, e <l»«. nào dosmerecendo d* brilhante pieiaae as inc^i • «n p«r í "queí. e... ". tinha,,, ant-cedido. tanto, e t»o con.id.ravei. .erviço. pre.tou ao movimento . ao Par- tido R^,

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tro Fraternidade Repnblicana, fa.er.iu «ando... e •ntbu.lMtica. «£reneU. ao« P teo do Salema! E qaftutot o« ouvimos também fcffirmarque connideravam o Centro tratermaaae ne publicana como um digno auccewor dot Lunat tcos /

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conla idifesL^bva"ad„r dep°is de

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SSlilHi-ípSsS doutrina. ' ^ an£el|sadoi es da novíssima

Consdos d'"SaCverdadel"!;<nidade """ 0 P,ro!resso infinito, punham luctar peh Renuhliri f06 "° PatC° a'ema se Pro" troça dos seus adv«-sariPos Ca "" e"COntro da P°ss'^>

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mesmo, ás vezes, sem saberem que era para a Republica que estavam orientando os seus trabalhos-

• •

A iuventude estudiosa, que, emquanto se nao desenvolveu em Portugal a epidemia burocratica, esteve sempre ao lado dos mais avançados nas* ltrctas" literaes, nao quiz desmerecer dos seus créditos.

Em 4 de fevereiro de 1865, n'uma das salas do amphitheatio da Escola Polytechnica de Lisboa, reunido um grande numero de alumnos das escolas de Lisboa, discutiam-se acaloradamente os estatutos do Grémio Promotor das Classes Estudiosas, da iniciativa do estudante Domingos Maria Gonçalves, projecto de que foi relator o alumno da Escola Medica José 1 homaz de Sousa Martins, e em cuja discussão tomaram parte mais bri- lhante e activa, os estudantes Jayme Batalha Reis. do instituto Agrícola e José Curry da Camara Cabral, da Escola Medica.

Este Grémio, como o seu titulo indica, destinava-se princi- palmente a zelar os interesses e a promover os melhoramentos da classe a que pertenciam os seus associados.

Mas, nao fazendo ostensivamente politica, pois lh o nao pei- mittia a sua indole especial, nem por isso deixava de fomentar o espirito de revolta n'aquella juventude toda cheia de genet o- sas aspirações, sempre ao lado do fraco contra o íorte, do op- nrimido contra o oppressor. .

Nao era, decerto, um centro republicano como esses que hoje felizmente abundam por todo o paiz, baluartes d uma ideia ge- nerosa, incançaveis na propaganda das suas doutntlas, pi <>m- ptos a tudo sacrificar, liberdade, bem-estar, a propria vida, a triumpho das suas aspirações. , . ... , -

Mas fomentava e dava incremento a pratica e utilisaçao do principio associativo, que outra cousa nao é senão fomentar a união de que provém a força, para que os opprimidos. que con- stituem a grande maioria da nacionalidade, nao estejam humil- demente vergados sob o jugo brutal da insignificante minoria que os opprime. , „

Divida para governar, dizem os déspotas e seus aulicos. Unir para resistir, devem responder-lhes os que pretendem emancipar-se da tyrannia.

Era esta maxima que, ao aggremiar-se, punham em pi atiça os estudantes lisbonenses. . .

Iria também o Club dos Lunáticos exercer a sua influencia, indirecta e occulta, n'esta nova collectividade r

Era natural, tudo leva a crêr que sim, dado o methodo de trabalho de tao prestimoso agrupamento.

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N;io era, porém, só em Lisboa, como níío era também só com a cteaçao de sociedades democráticas, que se desenvolvia a propaganda dos novos ideaes.

N'ella tomavam também parte activa e preponderante os co- mícios, reuniões populares em que se apreciavam os factos po- líticos e economicos do momento e os actos governativos, e se impellia o povo á reivindicação dos sems direitos. •

E, assim como as associações promoviam comícios, também muitas vezes sahia d'estes a creaçao d'aquellas.

Foi o que se deu no Porto, com o comicio ali realisado em 1/ de niaiço de 186/, para protestar contra um projecto de lei tendente a anniquillar os municípios, encorporando os seus ren- dimentos na receita geral do Estado.

D este comício nasceu a ideia de crear uma aggremiação de propaganda e resistencia á reacção que começava a querer pieponderar, roubando ao povo as -suas principaes regalias, como eiam as da relativa autonomia municipal, de que então se gosava-

Esta associação, que teve como um dos seus principaes or- ganizado! es e mais activos propugnadores o grande publicista e sábio professor José Joaquim Rodrigues de Freitas — mais tarde deputado e grande caudilho da ideia republicana— tomou o nome de Lniâo patriótica, e, ao constituir-se, publicou um energico manifesto, de que extractamos o trecho seguinte:

s„mE„^ve a sltuaÇâo do paiz, assustadora a marcha dos negocios públicos

na rePr«entaçflo nacional, que em grande pane nãoélS ma, d onde pôde provir ao pau a salvação, que nfto seja da união immediata

slntePla'aHaergICa e.esc.Iarec,da d'aquelles que teem de escolher quem repre- iáno ahvlTn PK 05 lnteresses sagrad<« da patria,—abandonada, pendente rmi in » u bancarrota, e envolta nas altginosas névoas da corrupção irma mseparavel da desenfreada cobiça dos que a exploram? '

d'esuas Palavras se deprehende, o fim que a União patriótica tinha em vista era moralisar o acto eleitoral dentro

adv'em'omdan RepúbE"81' ' preparar' P°'' d° Suffragio' 0

Era. como se vê, o processo evolucionista posto em pratica.

• T ubmettK'°s.os estatutos d este agrupamento á sancçiío offi- cial, nâo a obtiveram, eo reaccionário ministro Mártens Fer- rão, apavorado com a resistencia que semelhante sociedade po- deria porventura oppôr — e por certo oppôria — aos seus actos íegi essivos e despoticos, ordenou a sua dissolução violenta.

Julgava, talvez, que dissolver uma collectividade é anniqui- lar uma ideia. - 4

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CUSE^m^Tlom^melVàn^rd^ã Lisboa o movimento

de

2£r®*ra«S&2aàar

"V&EE regenerado^em^regou todos os possíveis esfor

munidpl\ emPpontosgestràfegicos, ^ |mboscada; seguiu env fnHne ns nrocessos de que nunca se atastam os que

suffocar pela vjoíencia a jísta explosão da cólera populat. . Mas de nada lhe valeram taes exP^ientes^ comicio e aos

Eis como um jornal da época se refere a este com.c.o motins que n esse mesmo dia se deram no. 1 oit .

■ .■««t>i»nn Verificou-se domingo na C«».ieí«"Bnn&^meeting que estava annunciado. A praça esta- praça do Campo de Sant Anna o meeimgH Avenidas da praça e no campo la cheia de pessoas de todas as classes- Nm Cakulam entíe 8.000 e 10:00(5 o haviíi também grande numero de incliudu . ^ presidente, sr. Antonio numero de concorrentes Depois de aberto oGarcia, Abreu Cas- de Oliveira "Marreca, tomaram a Palav™ Borues, como secretario da com- tello Branco e Carlos Borges. O sr. Carlos ® bfuntcs do Porto pela attitude missão, propeft ■ que felicitasse: a , sse á mai0ria da municipalidade de Lis- poiitica que tomaram, que se *8 ronira as medidas do governo; que fosse boa o proposito que tem de represe parlamento contra aquellas medi- confir mada a reprcscntaçâoaprese^ada Pe^^ ás minorias do parlamento

d^uXTèuni0aoP Foram aprovadas ^sXfoTse composta dos srs. duque qO sr. Saraiva propoz então que Voscoa Lé Maria liugenio de Almeida,

bem foi approvado. i»or,„.-Aocahir da tarde de domingo reuni- ram^Xnrgr,'?ornoVanrgrdoPSom,im dando vivas â opposiçâo.

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Itpproxi mou-se uma força de cavallaria municipal e os grupos dispersaram Lma ou duas horas depois, em todo o bairro de Bomfim e^oço das Pa as

da Marfa^a Kontt "^gotes^e Pov?' seguindo uma musica que tocava o hymno HnriH.H » C'u0 P°V° da™ vlvas á °PPOsiçâo e morras ao governa A au cavànariVYm,^! k CSteS ilcontec>mentos, e fez sahir uma força de N'este ác^ò f«r-,m nrne&0U.S0 e °f/rupos atropellando um ou outro individuo, rv esie acto turam presos alguns cidadãos.

v °.rdem ÍOi restabelecida, mas ha grande agitaçAo, e espera-se a repeti- conde de Lagoaça? ^ " °W reunil ^inisferia^m «LToí:

T ria ®starPresid'ndo áquelle comício o proprio presi- dente do Club dos Lunáticos prova a interferencia que n'elle

fflnn fí que lhe deu origem e na que elle por seu turno ori- ginou, teve o valente grupo de democratas do pateo do Salema.

A politica monarchica

Ao subir ao throno, como successor de seu irmão D. Fedro

„. , .UIZ 1 VI"?a encontrar íormados dois grandes partidos monaiçhicos o histonco, tendo por chefe o duque de Loulé e o regenerador, creado por Saldanha em 1851, e cuja chefatura andou sempre aos saltos, de Saldanha para o duque da Ter- cei! a e d este para Rodrigo da Fonseca, etc., até fixar se defi-

ámorte^ ^ S Pe''eÍra de MelI°' que a conservou até Este reinado também foi relativamente pacifico, como o fôra

p e"lbora tlvesse por vezes a agita-lo leves tumultos manifestações, como foram os chamados -tumultos do Natal

* *iíLVa tl^em<?s. occasião de referir-nos, os do Minho em 1862 ■ oá, a Janeirinha, etc., que pouco duravam e em que o so cego era facilmente restabelecido.

Em 1865, historicos e regeneradores faziam urrupacto, fun- aindo se e formando um ministério fusionista, constituído por elementos dos dois partidos, sob a presidencia de Joaquim An- tonio d Aguiar. * M

Este ministério conservou se, sem incidente, nas cadeiras do pocier, até 186/.

j\ este anno, porém, a execução d'uma lei que implicava, com uma nova divisão concelhia e modificações nas leis porque se tegiam os municípios, o cerceamento d'algumas das tradi- cionaes regalias, encontrou no paiz fortes resistências locaes que a opposiçAo aproveitou habilmente para agitar contra o go- verno a opinião publica.

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Foi então que os opposicionistas, creando um novo partido, que teve ephemera duração, sob o nome de partido popular promoveram essa série de manifestações publicas de que de\e ria resultar, no anno seguinte, a queda do gabinete fusionista, nome porque era conhecido o pacto histonco-regeneradoi que apoiava o ministério Joaquim Antonio d Aguiai.

Os democratas do pateo do Salema, que aproveitavam to- dos os possíveis ensejos para, agitando a opinião, fazei em pe rante ella a propaganda dos seus ideaes, nao perdei am esta oc- casiao, como de resto, não perdiam nenhuma que se lhes apo- sentasse favoravel para a consecução dos seus tins. .

Foi n'este intuito que o presidente dos Lunáticos, Oliveira Marreca, tomou parte activa n este movimento, presidindo ao comido do Campo de Sant'Anna a qne, sob a rubnea antenor,

nOSNao haWa/porém. este movimento de ter as consequências que d'elle ao principio julgavam poder esperar os democratas que n'elle collaboravam na esperança de que d ahi alguma cousa de vantajoso pudesse advir para a causa que defendiam.

Nada de bom proviria d'ahi, porque os partidos da monai- chia, ao degladiarem-se nas luctas politicas, nao obedeciam ao impulso de ideaes oppostos, que cada um quizesse poi em pra tica quando no poder, para applicar o serviço da nação os pro cessos que mais consentâneos julgasse para o beneficio gera.

Nao! esses grupos degladiavam-se, ou antes, fingiam degla diar se movidos por interesses pessoaes e por baixas ambições, para servirem clientellas e para, por meio de comedias jna<*o- rosas, seduzirem a opinião publica com a illusao das suas con- vicções e do ardor com que por ellas pugnavam.

Tudo comedia, tudo intriga, tudo yillania ao serviço do paço contra o povo, a quem só em dias de eleições se chamava so-

Mais uma vez-e nao será decerto ainda a ultima—vamos recorrer ao opusculo Oitenta annos tie Constitucionalismo outorgado, roubando-lhe as seguintes paginas que definem com mão de mestre este periodo historico:

A este tempo iá a Regeneração era uma tenda de negocios. A herança de Rodrigo da Fouseca—Rodericus á Condeixa. como elle, por troca erudita^se apel- lidava, alludindo á sua obscura origem fôra recolhida por hontes v3o, Occo, e parlapatão. Da Regeneração só punha em pratica um capitulo, gastar 1 rg O pretexto é o fomento, a panaceia dos melhoramentos materiaes, cuja synthe e elle proprio formula por esta mentira sem sentido - regar o pai*, com libras, his porque o seu arraial Sresceu. O seu programma édar Num pa-z Pobre eoc.oso calcule se o êxito deste pregào. As questões politicas, para e e. nâo' Bem servir a nação é tào sómente trazer o rei satisfeito e a clientella em dia.

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E' «o que me faz arranjo», como elle mais tarde dizia, num arranque immoJ •- rado de ufania plebeia

E depois? Depois- . veríamos. Com o estygma importuno das suas tradições setembristas, os historicos

cêdo comprehendem a desvantagem da sua situação. Loulé, que nascera, evi- dentemente, para Alvaro de Luna, ou, mais proj riamente, para D. Manuel Godoy, era um democrata feito pelas circumstancias Serve no seu partido a causa popular, é certo; mas serve-a como desforra pelos reiterados desdens da côrte? que desde o seu casamento com a Infanta D. Anna de lesus Maria, o considera sempre como um creado-rebelde. Os seus sentimentos sflo profun- damente aristocráticos, e tâo aristocráticos como o seu perfil soberano, sym- pathico e dominador. Todavia, por officio e por dever de desaggravo. faz-se o paladino do povo—attitude que a Historia lhe nâo póje tomar como sincera, por isso que desabrocha nelle após o romanesco episodio de Montecuche, e, principalmente, nos dias da sua forçada emigração de 182S.

Por estes tempos a decadencia partidaria é manifesta. Chegou-se a dizer que toda a Regene-iação caberia num omnibus, com marechaes e tudo. Os histó- ricos tinham a ampara-los a deferencia que o rei Luiz manifestav a por Loulé Princípios já nenhum dos grupos se atrevia a dizer que possuía. Assim, a ne- cessidade de uma fusão impunha-se. Mais uma vez se iria provar a verdade da velha cantiga de Bandeira, no seu Artilheiro:

I'm pasteleiro queria Fabricar um pastelão, E porque tinha de nada Deu-lhe o nome de fusão.

Nos fins de 1867 a fusão liquidava. Fontes reivindicava para o seu grupo as honras das uperioridade. 1 anto elle como Barjona. evidentemente valiam bem mais que a sombra de Aguiar e as manifestas nullidades do anonymo conde de Castro e do pittoresco visconde da Praia-Grande de Macau-

Senhôres do fio da cabala, que promette inutilisa-los, os hisstoricos lançam- se nos braços da ingenuidade de alguus sonhadores chronicos que, em vista dos incorrigíveis excessos fontistas, pedem uma prifdente parcimonia nas des- pezas puhlicas. Deste sonho irrompe a Janeirinha, o ultimo episodio de praça com que a monarchia em Portugal fecha, aos olhos dos simples, o cyclo já um tanto desacreditado das suas promessas. O mesmo titulo da JaneirinhA define, pela diminuitivo do appellido, essa revolução. Os historicos tendo improvisado nas mercearias um povo que pedia ao rei vida-nova, dirigem, preparam e ex- ploram a menos que pittoresca aventura.

Evidentemente aquillo fôra muito mal ensaiado O movimento, devendo accusar uma origem popular, authentica, partira do commercio-retalhista, do pequeno-commercio, fechando as portas ao consumidôr! As portas ? Nâo; fe- chando tilo sómente uma porta—a que dava para a revolução: a outra, a que dizia para o ventre dos revoltados, essa ficava aberta, ou então, prudentemente cerrada a meia luz. Era o único meio de contemporisar com as reivindicações populares, e com as urgências do balcão.

Para dar foros de revolta á Janeirinha, os historicos do governo rompem a fusão, e levam o honrado Joaquim Antonio de Aguiar a demittir-se. A' volta d'esta clareira acodem logo vários patriotas pedindo vida-nova, aos brados, já em demasia desacreditados, de isto não pôde continuar! A corõa, que já conhece aquelles gritos, assim como a sinceridade dos que em 1823 e em 1851 os levan- tam, sorri se O bispo de Vizeu, e alguns dos seus sequazes, lembram á mo- narchia que mude de vida ! Mas a monarchia não é nenhum Frei Gil de Santa- rém, que obedeça a tal genero de imposições. Todavia Alves Martins crê e

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cessivel á rua, é fastidioso Oí históricas, posto que cntatUdos como os mbe

itS^í"==SS sim, a campanha reformista, que, ao menos pelo escandalo, ganha emtanto heslta^ comprehende-se. Quem pagará mais prompto? O povo, em

mel Mar°emaverdad'e esta vida náo convinha de modo algum ao rei. As ten-

m°"IJrtria" carVe^i^" ^m ã o sobre'os importunos. Como? Uma cousa bem sim-

*> K2s£aççrrflsrs

ne?e Loulé-Bráamaímp^no poder, o throno e a independência nacional cornam

d°S Ma" comTa missão de Saldanha estava terminada o gabinete desapoarece,

&-^ÍÍSrSStóS"«3. Al". Martins; »,é » p.rlapMon. p.s.» do celebre parvenu, entào marquez de Avila, ~ * natural Sollicitado por

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dade governamental, a opposiçâo histórica recorre ao extremo de um artificio-

«ada do rei D°LuizS refor""s,as' faíanha ruidosa, dattà a atemorisar a auto- No fundo, o móbil era o mesmo de sempre : conquistar o mando • alcancar

o poder, com espinhos e tudo- • ' alcanVar

A " ' acre

paço.

o poder, com espinhos e tudo" ^ " 1 a,can«ar

°-S. C°m °S r,tformistas'. os históricos já ent;1(Tprofundamente de- n!" cogitariam n um expediente que os podesse tornar temidos do paço.

. J(i)iei) iii/ia,i que deveu o seu nome ao mez em que se deu toi o pronuncio d uma série de manifestações em differentes' pontos do paiz, e das quaes as mais importantes foram as de Lisboa, em 1 de janeiro de 1868, e a do Porto em 4 do mesmo mez e anno. «

D. Luiz I confiou o poder a esse picaresco pateta que dava então pelo titulo de conde d'Avila, e que, a partir d ahi, era chamado ao poder, para n'elle ter uma existencia mais que ephemera, ridícula, sempre que fosse preciso manter por alguns t ias um ministério chamado de transição e cuja missão consis- tia simplesmente em nada fazer nem simular que fazia.

Depi imente situação a d'este parvenu que, vendo-se feito conde sem saber como nem porquê, com a baixeza de se sub- metter a semelhantes papeis conquistava os titulos de marquez e de duque, e constellava o peito de immerecidas condecora- ções, em tão grande numero que nem já sabia onde colloea-las!

Au

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Empreza de Publicações «A DEMOCRATA»

Com poet: o o Impresso

I -ISMO V

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S.C. 1!