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45 REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 57(1): 45-51, jan. mar. 2004 Resumo No Quadrilátero Ferrífero (QF), o abastecimento pú- blico de água é feito principalmente com a captação de águas das bacias hidrográficas. Entretanto, em alguns locais, há a utilização de água subterrânea, proveniente de nascentes ou mesmo de minas abandonadas, para o abastecimento humano. As principais fontes naturais de As no QF estão relacionadas às rochas que hospedam depósitos aurífe- ros sulfetados. As fontes antrópicas de As são as pilhas de rejeito, solos e sedimentos contaminados. Em águas coletadas em algumas minas auríferas subterrâneas e nascentes das regiões de Ouro Preto e Mariana, foram encontradas concentrações de As total variando de 2 a 2980μg/L e de As 3+ de 1 até 86 μg/L. Com base nos estudos geológicos e hidrogeoquími- cos da ocorrência de As, nas rochas e nas águas subter- râneas, observou-se que as maiores concentrações de As são encontradas nos aqüíferos hospedados em ro- chas que possuem sulfetos e carbonatos, embora as con- centrações dos aqüíferos que possuem somente sulfetos também foram elevadas. O monitoramento de As na água subterrânea deve ser periódico, independentemente de sua ausência num primeiro momento, nos poços e em outras fontes de cap- tações de águas subterrâneas atualmente em utilização no abastecimento público ou privado. Palavras-chaves: arsênio, água subterrânea, exposição humana, ouro, Quadrilátero Ferrífero. Abstract In the Iron Quadrangle region the public supply of water is done mainly by the impound of water of water- sheds. However, in some places, the population use spring water or ground water from closed mines for human consumption. The main natural sources of As in the Iron Qua- drangle are related to the rocks that contain lode gold deposits. The antropic sources of As are contaminated refuse piles, soil, and sediment. It was found total As concentration varying from 2 to 2,980 μg/L and As 3+ from 1 to 86 μg/L in water samples collected in under- ground gold mines, artesian wells, and springs in Ouro Preto and Mariana counties. Based on geological and hydrogeochemical stu- dies of the occurrence of As in rocks and groundwater, it was found that the highest As concentrations occur- red in aquifers hosted in carbonate sulphide rich rocks. The As monitoring in underground water should be done periodically, independent of its absence in a first instance, in wells and other groundwater caption sources that are used nowadays for public or private suppliers. Keywords: arsenic, groundwater, human exposure, gold, Quadrilátero Ferrífero. Arsênio na água subterrânea em Ouro Preto e Mariana, Quadrilátero Ferrífero (MG) Ricardo Perobelli Borba Pesquisador Dr. do Instituto Agronômico de Campinas. E-mail: [email protected] Bernardino Ribeiro Figueiredo Prof. Dr. do Instituto de Geociências - Unicamp. E-mail: [email protected] José Adilson Cavalcanti Prof. Dr. do Instituto Politécnico, PUCMINAS. E-mail: [email protected] Geociências

Ricardo Perobelli Borba et al. Geociências · ground gold mines, artesian wells, and springs in Ouro Preto and Mariana counties. Based on geological and hydrogeochemical stu- dies

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45REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 57(1): 45-51, jan. mar. 2004

Ricardo Perobelli Borba et al.

ResumoNo Quadrilátero Ferrífero (QF), o abastecimento pú-

blico de água é feito principalmente com a captação deáguas das bacias hidrográficas. Entretanto, em algunslocais, há a utilização de água subterrânea, provenientede nascentes ou mesmo de minas abandonadas, para oabastecimento humano.

As principais fontes naturais de As no QF estãorelacionadas às rochas que hospedam depósitos aurífe-ros sulfetados. As fontes antrópicas de As são as pilhasde rejeito, solos e sedimentos contaminados. Em águascoletadas em algumas minas auríferas subterrâneas enascentes das regiões de Ouro Preto e Mariana, foramencontradas concentrações de As total variando de 2 a2980µg/L e de As3+ de 1 até 86 µg/L.

Com base nos estudos geológicos e hidrogeoquími-cos da ocorrência de As, nas rochas e nas águas subter-râneas, observou-se que as maiores concentrações deAs são encontradas nos aqüíferos hospedados em ro-chas que possuem sulfetos e carbonatos, embora as con-centrações dos aqüíferos que possuem somente sulfetostambém foram elevadas.

O monitoramento de As na água subterrânea deveser periódico, independentemente de sua ausência numprimeiro momento, nos poços e em outras fontes de cap-tações de águas subterrâneas atualmente em utilizaçãono abastecimento público ou privado.

Palavras-chaves: arsênio, água subterrânea, exposiçãohumana, ouro, Quadrilátero Ferrífero.

AbstractIn the Iron Quadrangle region the public supply of

water is done mainly by the impound of water of water-sheds. However, in some places, the population usespring water or ground water from closed mines forhuman consumption.

The main natural sources of As in the Iron Qua-drangle are related to the rocks that contain lode golddeposits. The antropic sources of As are contaminatedrefuse piles, soil, and sediment. It was found total Asconcentration varying from 2 to 2,980 µg/L and As3+

from 1 to 86 µg/L in water samples collected in under-ground gold mines, artesian wells, and springs in OuroPreto and Mariana counties.

Based on geological and hydrogeochemical stu-dies of the occurrence of As in rocks and groundwater,it was found that the highest As concentrations occur-red in aquifers hosted in carbonate sulphide rich rocks.

The As monitoring in underground water shouldbe done periodically, independent of its absence in afirst instance, in wells and other groundwater captionsources that are used nowadays for public or privatesuppliers.

Keywords: arsenic, groundwater, human exposure, gold,Quadrilátero Ferrífero.

Arsênio na água subterrânea em Ouro Pretoe Mariana, Quadrilátero Ferrífero (MG)

Ricardo Perobelli BorbaPesquisador Dr. do Instituto Agronômico de Campinas. E-mail: [email protected]

Bernardino Ribeiro FigueiredoProf. Dr. do Instituto de Geociências - Unicamp. E-mail: [email protected]

José Adilson CavalcantiProf. Dr. do Instituto Politécnico, PUCMINAS. E-mail: [email protected]

Geociências

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Arsênio na água subterrânea em Ouro Preto e Mariana, Quadrilátero Ferrífero (MG)

1.IntroduçãoNo Quadrilátero Ferrífero (QF), o

abastecimento público de água é feitoprincipalmente com a captação de águasdas bacias hidrográficas do alto rio dasVelhas e do rio Doce. Na bacia do rioDoce, no ponto de amostragem localiza-do em Monsenhor Horta-MG, o rio doCarmo apresentou Índice de Qualidadedas Águas ruim no ano 2001. O aumentoda vazão no verão provocou uma degra-dação da qualidade das águas devidoao carreamento da poluição para o rio.Os lançamentos de esgoto in natura pe-los municípios de Ouro Preto e Marianaprovocaram os altos valores de colifor-mes fecais e fosfato. As atividades demineração e garimpo na sub-bacia do Riodo Carmo podem ter sido responsáveispela ocorrência das elevadas concentra-ções de mercúrio, além do elevado teorde manganês verificado em suas águas(IGAM, 2002a). Na bacia do rio Doce nãohá o monitoramento do As.

Nos municípios de Ouro Preto eMariana o abastecimento público é feitoatravés da captação de água superficial,de nascentes e em Ouro Preto tambémsão utilizadas águas subterrâneas pro-venientes de antigas minas de ouro. Aspopulações dessas localidades tambémcoletam água de pequenas nascentes nasencostas de morros, principalmente nosdistritos distantes da sede do município.

A utilização da água subterrânea noabastecimento público pode vir a ser umaalternativa atraente em virtude da quali-dade geralmente superior quando com-parada com as águas superficiais, em re-lação à contaminação por esgotos do-mésticos e até mesmo industriais, e tam-bém por sofrerem uma influência menorda sazonalidade pluviométrica que poderestringir o volume de água captado su-perficialmente. Entretanto em alguns lo-cais do QF existe a possibilidade da ocor-rência de As nas águas subterrâneas, oque torna estas águas impróprias para oconsumo humano sem um tratamentoespecífico para a remoção do As.

Nesse trabalho é realizado um es-tudo hidrogeoquímico com ênfase no As,incluindo a especiação de As inorgâni-

co, das águas subterrâneas de aqüífe-ros, sob influência de rochas portadorasde mineralizações auríferas, de algunspontos das regiões de Ouro Preto eMariana.

1.1 O As e a saúde humanaEm águas naturais, o arsênio está

presente principalmente na forma decompostos inorgânicos, onde possui asvalências 3+ e 5+ (Thornton & Fara-go,1997). A toxicidade das diversas es-pécies de arsênio decresce na seguinteordem: compostos de As3+ inorgânico >compostos de As5+ inorgânico> com-postos de As3+ orgânico> compostos deAs5+ orgânico (USEPA, 2000). Em termosde intensidade, o As3+ inorgânico é 60vezes mais tóxico que o As5+ inorgânico(Mabuchi et al., 1979).

Os principais modos de intoxicaçãopor arsênio ocorrem via consumo deáguas poluídas e por ingestão de soloscontaminados (USEPA, 2000). A intoxi-cação por arsênio pode resultar em efei-tos tóxicos, agudos ou crônicos, relati-vos a exposições curtas ou longas, res-pectivamente, ocasionando diferentespatologias.

Os efeitos carcinogênicos da intoxi-cação por As estão associados à exposi-ção crônica por vários anos. Os tipos decâncer associados à exposição crônicasão o câncer de pele, pulmão (inalação),próstata, bexiga, rim e fígado (NRC, 1999).

A intoxicação aguda e crônica porAs provoca diversas outras patologiasnão cancerígenas à saúde humana: cu-tâneas (hiperpigmentação, hiperquerato-se); gastrintestinais (diarréia, hemorra-gias gastrintestinais); cardiovasculares(arritmias cardíacas, hipotensão e falhacongestiva no coração, problemas nosistema circulatório vascular levando àgangrena); hematológicos (anemia), pul-monares (fibrose); neurológicos (doresde cabeça, confusão mental, coma); en-docrinológicos (problemas no metabo-lismo de carboidratos e respiração celu-lar); reprodutivos e de desenvolvimentocomo abortos espontâneos e fetos combaixo peso (USEPA,2000; WHO,2001a).

Em 1984 a Organização Mundial deSaúde (WHO) sugeriu que as águas po-táveis deveriam ter no máximo 50 µg/Lde As . Com base em novas evidênciastoxicológicas, a WHO rebaixou em 1993a concentração máxima de As em águapara 10 µg/L (WHO, 2001b). Atualmenteno Brasil o limite máximo permitido é de10 µg/L (Funasa, 2001).

Em Bangladesh e West Bengal (Ín-dia), ocorre o pior caso de contaminaçãode água subterrânea e humana por Asdo mundo, afetando cerca de 42 milhõesde pessoas (Smedley & Kinniburgh,2002).

A contaminação humana por As noQF, nas regiões de Nova Lima e Brumal,foi pesquisada por Matschullat et al.(2000) através de um estudo da presen-ça de As em urina de crianças de 7 a 12anos.Entre a população infantil avaliadaforam encontradas concentrações de Asentre 2 e 106 µg/L nas amostras de urina,sendo que 22% das crianças apresenta-ram concentrações superiores a 40 µg/L para as quais efeitos adversos nãopodem ser excluídos.

1.2 A distribuição do As nasrochas, sedimentos e águassuperficiais do QF

O QF é uma região com inúmerasmineralizações auríferas sulfetadas. Qua-tro unidades litoestratigráficas principaiscompõem o QF: os complexos metamór-ficos granito-gnaissico, uma seqüênciagreenstone belt arqueana denominadade Supergrupo Rio das Velhas, os me-tassedimentos e metavulcânicas prote-rozóicas do Supergrupo Minas, e osmetassedimentos do Grupo Itacolomi(Dorr, 1969).

A distribuição geográfica do Asnas rochas do QF que se conhece atual-mente guarda uma associação importan-te com as rochas auríferas sulfetadas.Os principais depósitos auríferos do QFestão concentrados nas porções norte esul, totalizando 66 minas, a maioria delasatualmente fechadas (Ladeira,1988). Nomapa de Pinto (1996) podem ser obser-

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vada, além das principais minas, a exis-tência de inúmeras minas de menor por-te e de garimpos. A maioria dos depósi-tos auríferos, principalmente os da por-ção norte do QF, está hospedada nasrochas do Supergrupo Rio das Velhas.Além desses depósitos, também há aocorrência de mineralizações situadasnas rochas do Supergrupo Minas, comoos depósitos da região de Ouro Preto -Mariana e os depósitos de Au do tipoJacutinga, que ocorrem nas minas de fer-ro da Formação Cauê (Gongo Soco,Morro Água Quente, Cata Preta, Maqui-ne e Itabira, Conceição, Periquito, Cauê).

Estudos anteriores sobre a presen-ça de As em solos, sedimentos e águano QF foram realizados por Eleutério(1997), Rawlins et al. (1997), Deschampset al. (2002), Pimentel et al. (2003) e Bor-ba et al. (2000, 2003a). Nos sedimentos enas águas superficiais do QF, Borba etal. (2003a) constataram que os maioresteores de As também estão localizadosnas proximidades das mineralizaçõesauríferas, onde as concentrações de Aspodem alcançar até 4500 mg/kg nos se-dimentos e 350 µg/L na água. Nos sedi-mentos do QF, o As está associado aóxidos de ferro e sulfetos. As origens doAs nos sedimentos e nas águas superfi-ciais se devem à oxidação natural dasrochas e principalmente à atividade an-trópica, que se deu por meio do lança-mento dos rejeitos da mineração nas dre-nagens. Segundo estimativas de Borbaet al. (2000), a atividade antrópica pro-vocou o lançamento nos rios do QF de,pelo menos, 390.000t de As durante 300anos de mineração.

Mesmo em outras drenagens, situ-adas em cotas mais elevadas e que cor-tam as rochas do Supergrupo Minas, oAs foi encontrado nos sedimentos semque houvesse no local o aporte de sedi-mentos provenientes da erosão de ro-chas mineralizadas dos depósitos aurí-feros acima citados. Isto sugere que adistribuição do As nas rochas do QF nãoestaria restrita apenas àquelas rochasque possuem mineralizações auríferas(Borba et al., 2003a).

2. Material e métodosAs amostras de água foram coleta-

das em julho de 2000. Em cada ponto decoleta foram medidos in situ o pH, Eh, acondutividade e a temperatura, e coleta-das amostras de água filtradas e não fil-tradas. Foram coletadas quatro amostrasde água. Três dessas amostras foram fil-tradas através de uma membrana de ace-tato de celulose de 0,45µm (Millipore).Uma das amostras foi mantida ao naturalpara análise dos ânions, outras duas fo-ram aciduladas com 0,2% de HNO3 P.A.,para análise dos cátions e especiação deAs. Nas amostras filtradas, os cátions eos ânions foram determinados por ICP-AES e por cromatógrafo de íons, respec-tivamente. A amostra não filtrada, de500ml foi utilizada para a determinaçãoda alcalinidade do bicarbonato por titu-lação, usando ácido sulfúrico (0,16 N) eindicador verde de bromocresol.

A determinação de As total foi fei-ta por HG-AAS. A especiação inorgâni-ca do As foi feita pelo método desenvol-vido por Borba et al.(2003b) utilizando oHG-AAS.

3. Resultados eDiscussões

As amostras de água foram coleta-das em minas subterrâneas, poços arte-sianos e nascentes das regiões de OuroPreto e Mariana, um dos distritos aurífe-ros do QF (Figura 1, Tabela 1). Os parâ-metros físico-químicos e os principais cá-tions e ânions determinados nessaságuas, salvo raras exceções, possuemvalores compatíveis ao consumo huma-no segundo a Portaria 1.469 da FUNASAde dezembro de 2000 (Tabela 1).

As concentrações de As total de-terminadas nas amostras de água varia-ram de 2 a 2980 µg/L, sendo que, namaioria das amostras, os valores são su-periores ao valor máximo permitido paraconsumo humano (Tabela 1), que é de10 µg/L de As (FUNASA, 2001). Em al-gumas amostras, foi feita a especiaçãoinorgânica do As, tendo sido encontra-do o As3+, a espécie mais tóxica de As,

em concentrações de até 86 µg/L de As3+.As amostras de água com concentraçõesde As impróprias para consumo huma-no foram encontradas na mina de Passa-gem, em Passagem de Mariana (municí-pio de Mariana) e em minas e nascentesde Ouro Preto, com exceções das amos-tras M-4 e M-5, da mina de Passagem ede uma nascente em Passagem de Mari-ana, que possuem concentrações de Asinferiores a 10 µg/L. É importante ressal-tar que as concentrações de As determi-nadas nas amostras de água são repre-sentativas do momento da amostrageme podem sofrer variações em seus valo-res, para mais ou para menos, ao longodo tempo.

Um aspecto importante sobre a pre-sença do As na água subterrânea é omodo errático de sua ocorrência. Con-centrações discrepantes de As na águaforam observadas em locais próximos ounum mesmo local, conforme pode serobservado em amostras coletadas emOuro Preto (O-1 e O-2) e na mina de Pas-sagem, respectivamente. Em Ouro Preto,em amostras que foram coletadas em mi-nas situadas aproximadamente a 200 mde distância entre si, os valores das con-centrações de As encontradas foram de260 e 24 µg/L, enquanto que, na mina dePassagem, as amostras M-3 e M-4, queforam coletadas em pontos distancia-dos de algumas dezenas de metros,possuem concentrações de As de 4 e2980 µg/L (Tabela 1).

As maiores concentrações de Asna água foram obtidas junto a rochassulfetadas ricas em carbonatos, como asda Mina da Passagem. Em contraposi-ção, as rochas mineralizadas das Minasde Ouro Preto, pobres em carbonatos,apresentaram as concentrações meno-res de As (Borba & Figueiredo in press).Nas demais amostras de água, com con-centrações de As inferiores a 10 µg/L,coletadas na mina de Passagem e na nas-cente em Passagem de Mariana, prova-velmente não houve o contato da águasubterrânea com rochas/solos que pos-suíssem minerais primários ou secundá-rios de As.

A origem do As encontrado nasamostras de água subterrânea se deve

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Arsênio na água subterrânea em Ouro Preto e Mariana, Quadrilátero Ferrífero (MG)

Figura 1 - Mapa geológico simplificado do Anticlinal de Mariana com detalhe da área urbana de Ouro Preto indicando a localizaçãodos principais locais de coleta de amostras de água.

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Ricardo Perobelli Borba et al.

ao processo de oxidação natural da ar-senopirita e da pirita encontradas nasrochas auríferas sulfetadas. SegundoBorba e Figueiredo (in press), no pro-cesso de oxidação desses sulfetos, pro-movido pelo intemperismo, há a forma-ção de escorodita (FeAsO4.2H2O) ou dearsenato de ferro com baixa cristalinida-

de, e a liberação do As em solução paraa água subterrânea. Posteriormente, de-vido à elevação do pH do meio, há a dis-solução incongruente da escorodita oudo arsenato de ferro com baixa cristalini-dade previamente formados, o que re-sulta na formação de goethita e libera-ção do As em solução para a água sub-

terrânea. Os processos de oxidação desulfetos e dissolução incongruente dosminerais secundários acima descritostambém foram observados em exposi-ções superficiais de rochas mineraliza-das nas regiões das Lajes, em Ouro Pre-to, na pedreira localizada em AntônioPereira, em Raposos e em Caeté. Nesses

Tabela 1 - Composição química das amostras de água subterrânea.

FUNASALD M-1 M-2 M-3 M-4 M-5 O-1 O-2 O-3 O-4 O-5 O-6 O-7 P 1469

pH 8 8 7 7 6 7 7 6 6 6 7 6 6-9,5

Eh (mV) 389 358 360 380 300 430 481 515 330 515 505 545 nd

Cond (µS/cm) 372 253 180 371 93 70 17 51 15 0,1 0,1 0,1 nd

T (ºC) 20 23 21 20 21 19 15,3 15 18 17 18 19 nd

Dureza 192 91 110 240 27 31 9 22 10 21 20 67 500

Ca 0,05 41 22 21 47 7 6 2 3 2 1 1,4 4 nd

Mg 0,3 22 12 14 30 2 4 1 2 1 0,5 0,6 1 nd

Na 0,1 2 2 0,5 3 5 0,5 0,6 2 0,2 5 3,6 8 200

K 0,1 3 3 1 1 3 1 0,4 1 0,2 2 1,8 3 nd

HCO3 121 55 74 234 5 12 8 4 12 8 9 5 nd

Cl 0,1 11 2 1 4 7 3 1 4 1 8 6 12 250

SO4 0,2 52 33 38 10 11 19 2 10 1 1 2 7 250

NO3 0,2 4 2 1 0,3 18 3 2 5 1 14 13 65 44

F 0,005 0,1 0,2 0,1 0,1 0,1 <LD <LD <LD <LD <LD <LD <LD 1,5

PO4 0,05 0,1 <LD <LD <LD <LD 0,2 <LD <LD <LD <LD <LD <LD nd

Mn 0,001 <LD <LD 0,01 0,01 <LD 0,2 <LD <LD <LD <LD <LD <LD 0,1

Fe 0,006 0,1 0,1 0,1 0,1 <LD 0,1 <LD <LD <LD <LD <LD <LD 0,3

AsTotal 0,8 830 1760 2980 4 2 260 24 32 12 12 22 62 10

As3+ 35 59 86 1 - 12 - - - - - - -

As5+ 795 1701 2894 3 - 48 - - - - - - -

Concentrações em mg/L, exceto para o As, em µg/L. LD - Limite de Detecção; nd - não definido.

Minas em Ouro Preto (região das Lajes), amostras coletadas em gotejamentos: O-1 - Chico Rei, O-2 - Quartzito, O-3 - Scliar; amostras coletadas na boca da mina, O-4 - Encardideira, O-5 - Piedade de Baixo, O-6 - Piedade de Cima, O-7 - Bica do Padre Faria (nascente)

Passagem de Mariana Ouro Preto

Localização das Amostras

Mina de Passagem: M-1 - adit lateral, M-2 - lago interno, M-3 - gotejamento Gal. Sindicato, M-4 - gotejamento nível 120; M-5 - Nascente em residência no Boqueirão, em Passagem de Mariana.

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Arsênio na água subterrânea em Ouro Preto e Mariana, Quadrilátero Ferrífero (MG)

casos, o As solubilizado pode ser tantotransportado pelas chuvas e alcançar asdrenagens como se infiltrar no solo coma água, alcançando desse modo a águasubterrânea (Borba & Figueiredo inpress).

4. ConsideraçõesFinais

Nas amostras de água subterrâneade Ouro Preto e Mariana, foi constatadoque as maiores concentrações de Asocorreram em locais com a presença desulfetos e carbonatos nas rochas. Nasrochas que só possuíam sulfetos, as con-centrações, embora elevadas, foram in-feriores às das rochas com carbonato.

O carbonato, ao reagir com as solu-ções ácidas decorrentes da oxidação dossulfetos, é dissolvido, proporcionandoo aumento do pH da solução e o favore-cimento da solubilização dos compos-tos de As, conforme foi observado namina de Passagem, que possui carbona-to em suas rochas. Por analogia, a miti-gação de impactos ambientais causadospela drenagem ácida proveniente da ati-vidade da mineração e por passivos am-bientais como antigos rejeitos de mine-ração, através da adição de carbonatospara a neutralização da acidez da solu-ção, pode favorecer o aumento da mobili-dade do As, caso ele esteja presente nossolos, sedimentos ou rejeitos remediados.

As grandes variações das concen-trações de As apresentadas em locaispróximos, como observado em Ouro Pre-to, ou num mesmo local, como na minade Passagem, indicam que a heteroge-neidade hidrogeoquímica da água sub-terrânea na área estudada pode ocorrerem distâncias que variam de centenasou de apenas alguns metros.

A situação observada de conta-minação natural de água subterrâneapor As nos pontos estudados em OuroPreto e Mariana pode se repetir emoutros locais do QF que possuam con-texto geológico semelhante, ou seja,rochas contendo mineralizações aurí-

feras ou a presença de sulfetos em ro-chas, solos e sedimentos, tanto na ba-cia do rio Doce como na bacia do altorio das Velhas. Vale salientar que, nabacia do alto rio das Velhas, o As éencontrado nas águas superficiais, mo-nitoradas pelo Projeto Águas de Mi-nas, acima dos limites permitidos parao consumo humano em inúmeros pon-tos da bacia (IGAM, 2002b).

Em virtude da presença de As nossedimentos dos rios, nos solos, nas ro-chas, nas águas superficiais e subterrâ-neas em vários pontos do QF, deve ha-ver um monitoramento constante para aconcentração do As nas águas utiliza-das no abastecimento público nas áreasde risco, pois os parâmetros de qualida-de de água normalmente avaliados nãolevam em consideração a presença de Ase os tratamentos de adição de cloro eflúor não removem o As da água. EmOuro Preto, especificamente, a coleta deágua na mina de Piedade, para abasteci-mento público, deve ser monitorada paraas concentrações de As, uma vez que aamostra coletada apresentou concentra-ção de As um pouco acima do limite depotabilidade que é de [As]= 10 µg/L.

No caso da utilização de águas co-letadas em poços artesianos, rasos ouprofundos, deve-se ter atenção especi-al, uma vez que pode haver a contamina-ção de poços inicialmente isentos de Asao longo do tempo devido: (i) à oxidaçãode sulfetos presentes no aqüífero, comodescrito por Schreiber et al.(2000); (ii) àsmudanças no regime de fluxo da águanos aqüíferos fraturados e captação deáguas contaminadas, pois, como obser-vado nas minas do Chico Rei e Quartzitoe na mina de Passagem, é possível seencontrar água com concentrações deAs relativamente baixas próximas a lo-cais contendo água com elevados teo-res de As, que podem, eventualmente, sercapturadas pelo bombeamento do poço e(iii) à liberação de As para as águas subter-râneas dos aqüíferos aluvionares pelos se-dimentos que contêm As, como ocorridoem Bangladesh e West Bengal (Índia).

5. AgradecimentosEsse estudo foi realizado com su-

porte financeiro da FAPESP (processos97/14446-6 e 96/7839-9). Os autores sãogratos aos srs. Walter Rodrigues e Ro-berto Rodrigues (Cia Mina de Passagem)pela permissão ao acesso e apoio à reali-zação da pesquisa na mina da Passagem,ao Teinha pelo acompanhamento nostrabalhos na mina de Passagem e à donaMariazinha e seus filhos pelo acesso àmina do Chico Rei.

6.ReferênciasbibliográficasBARBOSA, A.L.M. Geológic map of the Ouro

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Artigo recebido em 16/06/2003 eaprovado em 12/04/2004.

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