Upload
vucong
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
RITA DE CSSIA DA ROSA SAMPAIO BROCHIER
AUTOGESTO E NVEIS DE CONSCINCIA: UMA INTERVENO EM UMA
COOPERATIVA DE RESDUOS PS-CONSUMO
CANOAS
2015
2
RITA DE CSSIA DA ROSA SAMPAIO BROCHIER
AUTOGESTO E NVEIS DE CONSCINCIA: UMA INTERVENO EM UMA
COOPERATIVA DE RESDUOS PS-CONSUMO
Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao
em Educao do Centro Universitrio La Salle
UNILASALLE como requisito parcial para a obteno
do ttulo de Mestre em Educao.
Orientadora: Professora Dra. Maria de Lourdes Borges
CANOAS
2015
3
RITA DE CASSIA DA ROSA SAMPAIO BROCHIER
AUTOGESTO E NVEIS DE CONSCINCIA: UMA INTERVENO EM UMA
COOPERATIVA DE RESDUOS PS-CONSUMO
Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao
em Educao do Centro Universitrio La Salle
UNILASALLE como requisito parcial para a obteno
do ttulo de Mestre em Educao.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
Prof. Dra. Maria de Lourdes Borges
UNILASALLE
____________________________________________
Prof. Dr. Balduno Antnio Andreola
UNILASALLE
____________________________________________
Prof. Dra. Maria Angela Mattar Yunes
UNILASALLE
_____________________________________________
Prof. Dr. Airton Cardoso Canado
Universidade Federal do Tocantins - UFT
4
RESUMO
Esta dissertao objetivou estimular o desenvolvimento da autogesto, por meio de uma
interveno, em uma Cooperativa de Resduos Ps-consumo de Canoas, com base em Paulo
Freire. Como reviso de literatura, foi realizado um estudo sobre economia solidria,
autogesto, nveis de conscincia, dilogo e prxis. Esta pesquisa est inserida na linha de
pesquisa Gesto, Educao e Polticas Pblicas do Programa de Ps-Graduao do Mestrado
em Educao do Centro Universitrio La Salle (UNILASALLE). A metodologia utilizada foi
a pesquisa participante. Como tcnica de coleta de dados, foram utilizadas a observao
participante (28 encontros registrados em dirios de campo), a pesquisa documental e nove
entrevistas semiestruturadas. Para a anlise dos dados, utilizou-se a anlise de contedo
proposta por Bardin (2010). Os resultados indicam, no que se refere constituio de um
processo autogestionrio na COOPCAMATE, que h um distanciamento no desenvolvimento
da conscincia crtica que leva prxis, o que acaba no efetivando a autogesto. Tal
resultado pode ser explicado pelo no empoderamento dos cooperados na gesto de seu
prprio trabalho, pois no se evidencia no grupo, na maior parte do tempo, prticas que
diferenciem o trabalho dentro dos princpios Capitalistas e o trabalho cooperativo. Portanto,
compreende-se que os cooperados da COOPCAMATE, de maneira geral, transitaram, na
maior parte do tempo da interveno, entre os nveis de conscincia semi-intransitivo e
transitivo ingnuo, j que a conscincia crtica s formada em momentos especficos de
efetivao da prxis.
Palavras-chave: Economia Solidria. Autogesto. Pesquisa Participante.
5
ABSTRACT
This thesis aims to encourage the development of self-management, through an intervention
in a Cooperative of post-consumer waste, based on Paulo Freire, located in the city of Canoas.
As a literature review, a study was conducted on solidarity economic, self-management, levels
of awareness, dialogue and praxis. This research is inserted into the search line of
Management, Education and Public Policies of the Masters Program in Education of the
University Center La Salle (UNILASALLE). The methodology used was participatory
research. The data collection technique was the participant observation (28 meetings recorded
in field diaries), the documentary research and nine semi-structured interviews. For data
analysis, were used the content analysis proposed by Bardin (2010). The results indicate, as
regards the establishment of a self-managed process in the cooperative COOPCAMATE, that
there is a gap in the development of critical consciousness that leads to praxis, which end up
not making effective self-management. This result can be explained by not empowerment of
the cooperative members in managing their own work because there is no evidence in the
group, most of the time, of practices that distinguish the work within the capitalist principles
and cooperative work. Therefore, it is understood that the cooperative members of
COOPCAMATE, in general, carried over, most of the time during the intervention, between
the semi-intransitive consciousness levels and naive transitive, since the critical consciousness
is only formed at specific times of realization of praxis.
Keywords: Solidarity Economy. Self-management. Participatory Research
6
Dedico esta pesquisa minha filha, Maria Antnia.
7
AGRADECIMENTOS
Sonho que se sonha s.
s um sonho que se sonha s
Mas sonho que se sonha junto realidade .
(Preldio/ Raul Seixas).
Escrever esta pgina, no menos importante que o restante da dissertao, significa
que mais um sonho est se realizando. Porque aqui, neste texto, intitulado Agradecimentos,
registrarei o meu reconhecimento queles que sonharam junto comigo.
Seria impossvel priorizar algum, mas existiu uma cronologia para essa realizao.
O ambiente educacional do Centro Universitrio La Salle, j na graduao promoveu,
por meio das experincias na Incubadora de Empreendimentos Solidrios e na Empresa
Jnior, o estimulo continuidade dos estudos. Em especial, aos dois grandes mestres Prof.
Fbio Maia e Prof. Robinson Scholz, que acreditaram em mim, e, juntos, demos os primeiros
passos.
Indispensveis para a realizao de qualquer sonho: a famlia e os amigos. Sozinha,
jamais teria conseguido!
Rogrio, marido, apoio incondicional a esse sonho.
Veridiana, amiga e comadre, apoio tcnico e logstico.
Tnia, cunhada e a bab perfeita.
Cassiandra e Cristiano, irm e cunhado, essenciais.
Antnio e Marina, meus pais, apoio moral.
Marino e Norma, meus sogros, o carinho dirio.
Aos amigos, espero que tenham compreendido minha ausncia.
Malu, minha orientadora, pois nada acontece por acaso. Admiravelmente dedicada
pesquisa.
COOPCAMATE, meu agradecimento pela oportunidade de mais uma experincia
na economia solidria.
Aos cooperados, protagonistas desta pesquisa, meu reconhecimento pela luta diria.
Tambm meus sinceros agradecimentos ao Programa de Ps Graduao em Educao
do Centro Universitrio La Salle (PPGEdu) pelo acolhimento e Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pela viabilizao financeira desse
sonho.
8
O lixo tambm belo
Se a coleta um singelo
Gesto de puro amor
Como ao colher uma flor
De roseira ou de accia
E assim Rita de Cssia
Rosa Sampaio Brochier
Que eu vejo agora voc
Ouvindo os trabalhadores
Da Economia Solidria,
Seus sonhos e dissabores
De uma luta diria.
Inspirada em Paulo Freire
Voc cultiva um alqueire
Do que h de melhor em pesquisa,
E o que nisto s visa
ajudar na construo
De formas de autogesto
Sonhando uma sociedade
Onde todos tenham vez,
Nesta terra que Deus fez,
Para toda a Humanidade,
Como casa e jardim,
Onde ele prprio sempre a quis,
Ver fraterna e feliz,
Desde agora e at o fim...
(Balduino A. Andreola)
9
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 11
1.1 MINHA INSERO NA ECONOMIA SOLIDRIA: UMA NARRATIVA PESSOAL ....................... 12
2 CONTEXTUALIZAO DA ECONOMIA SOLIDRIA ............................................. 19
3 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................................ 21
3.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................................. 22
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS DA PESQUISA .............................................................................. 22
3.3 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................. 23
3.3.1 Estudos sobre Economia Solidria ........................................................................... 23
4 FUNDAMENTAO TERICA ...................................................................................... 26
4.1 ECONOMIA SOLIDRIA ..................................................................................................... 26
4.1.1 A origem ................................................................................................................... 26
4.1.2 O que economia solidria? Caractersticas e Princpios ........................................ 27
4.1.3 Autogesto ................................................................................................................ 29
4.2 NVEIS DE CONSCINCIA: DILOGO E PRXIS ................................................................... 32
4.2.1 Nveis de Conscincia .............................................................................................. 33
4.2.2 Dilogo ..................................................................................................................... 34
4.2.3 Prxis ........................................................................................................................ 35
4.2.4 Conexes tericas entre autogesto e nveis de conscincia .................................... 36
4.3 SNTESE DO REFERENCIAL TERICO ................................................................................ 39
5 CONTEXTO DE PESQUISA ............................................................................................. 41
5.1 COLETA SELETIVA EM CANOAS ....................................................................................... 41
5.2 COOPCAMATE ............................................................................................................. 41
6. PERCURSO METODOLGICO .................................................................................... 43
6.1 TIPO DE PESQUISA ............................................................................................................ 43
6.2 PESQUISA PARTICIPANTE ................................................................................................. 44
6.2.1 Aspectos terico-metodolgicos da Pesquisa Participante ...................................... 44
6.2.2 Os participantes da pesquisa .................................................................................... 47
6.3 FASE EXPLORATRIA ....................................................................................................... 48
6.3.1 Tcnicas de Coleta de dados para o diagnstico interno .......................................... 48
6.3.2 Delineamento e anlise de dados ............................................................................. 50
6.4 DESENHO DESTA PESQUISA .............................................................................................. 52
6.5 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ................................................................................... 54
7. DIAGNSTICO DA COOPCAMATE ............................................................................ 60
7.1 DADOS DO EMPREENDIMENTO .......................................................................................... 60
7.2 FINANAS, TRABALHO E RENDA ....................................................................................... 62
10
7.3 RELAES INTERPESSOAIS ............................................................................................... 66
7.4 O PROCESSO DE TOMADA DE DECISO .............................................................................. 70
8 A INTERVENO: ETAPAS DESCRITIVA E ANALTICA ..................................... 75
8.1 ETAPA DESCRITIVA DA INTERVENO NA COOPCAMATE ............................................ 75
8.2 ETAPA ANALTICA DA INTERVENO NA COOPCAMATE ............................................ 105
8.2.1 As relaes ............................................................................................................. 105
8.2.1.1 As relaes institucionais com a COOPCAMATE ......................................... 106
8.2.1.2 relaes interpessoais da e na COOPCAMATE.............................................. 108
8.2.1.3 Privilgios da Coordenao ............................................................................. 112
8.2.2 A autogesto ........................................................................................................... 114
8.2.2.1 O Tesoureiro e a autocracia ............................................................................. 114
8.2.2.2 Credibilidade da gesto financeira .................................................................. 118
8.2.2.3 Omisso da presidenta ..................................................................................... 120
8.2.2.4 Tomada de deciso como ritual ....................................................................... 121
8.2.2.5 A prxis ........................................................................................................... 123
8.2.3 O trabalho na COOPCAMATE.............................................................................. 126
8.2.3.1 A renda ............................................................................................................ 126
8.2.3.2 Organizao do trabalho .................................................................................. 128
8.2.3.3 O valor do trabalho na cooperativa.................................................................. 130
8.2.4 O dilogo ................................................................................................................ 132
8.2.4.1 Dialogar ........................................................................................................... 132
8.2.4.2 A menina e o vestido dos sonhos .................................................................... 137
8.3 AVALIAO DA PESQUISA .............................................................................................. 141
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 150
REFERNCIAS ................................................................................................................... 159
APNDICE 1 ........................................................................................................................ 164
APNDICE 2 ........................................................................................................................ 165
APNDICE 3 ........................................................................................................................ 166
ANEXO A .............................................................................................................................. 167
11
1 INTRODUO
A economia solidria surgiu na Frana no sculo XIX, quando a solidariedade foi
estabelecida como fundamento de amparo s consequncias do abalo causado pelo
desenvolvimento da economia de mercado (CHANIAL; LAVILLE, 2006). Mas, foi na
Inglaterra que a primeira cooperativa se constitui por organizao popular. Foi em 1844, na
cidade de Manchester, denominada Cooperativa dos Probos Pioneiros Equitativos de
Rochdale com 28 operrios de diferentes ofcios. Era uma cooperativa de consumo que alm
de comrcio de seus produtos, tinha tambm como objetivos proporcionar educao e
formao aos seus cooperados, consolidao de um grupo autossustentvel e promover
habitao e emprego a quem necessitasse. Alm disso, no possua funcionrios, os prprios
cooperados de dividiam entre as atividades da cooperativa (CANADO, 2004). A prtica da
diviso de atividades uma prtica comum em cooperativas, sendo esta uma prtica
indicativa da autogesto. Paul Singer, economista, socilogo e Secretrio Nacional da
Economia Solidria no Brasil, desde a sua fundao em 2003, menciona que a economia
solidria chegou neste pas, como uma resposta defensiva de pessoas vitimadas da crise do
trabalho, que adotaram estratgias de sobrevivncia. A economia solidria caracteriza-se pelo
agrupamento de trabalhadores por iniciativas de produo, autogeridas democraticamente, nas
quais os ganhos so repartidos proporcionalmente ao trabalho realizado individualmente pelos
integrantes do grupo (SINGER, 2013).
O Brasil possua 19.708 Empreendimentos Econmicos Solidrios - EES cadastrados
no Sistema Nacional de Informaes em Economia Solidria SIES. Este nmero foi
divulgado em 2013, aps um levantamento realizado entre os anos de 2010 e 2012. Nesses
EES esto 1.423.631 trabalhadores e trabalhadoras que buscam uma alternativa de trabalho e
gerao de renda.
Atrelado ao desenvolvimento da Economia Solidria, a prtica autogestionria
ressurge como relao de trabalho em EES (ANDRADA; SATO, 2014). De forma
simplificada, na autogesto no h separao entre a compreenso e a prtica do trabalho, pois
o trabalho coletivo; trata-se de uma estrutura de trabalho que deve ser acompanhado de um
processo educacional contnuo no EES (CANADO, 2008). Portanto, o processo de
desenvolvimento da autogesto tem como base a educao, considerada agente indispensvel
12
de tal processo. A educao, nesses casos, atua como condutora de um processo de formao
e conscientizao (MOTA, 1981).
Para melhor compreender a orientao geral desta dissertao, inicialmente ser
apresentada a trajetria pessoal de insero no campo de pesquisa da economia solidria, para,
em seguida, proceder delimitao do tema e objetivos. Na sequncia, se apresentar a
fundamentao terica que abordar a economia solidria discorrendo sobre a sua origem,
caractersticas e princpios, e, tambm, sobre autogesto. Ainda, se realizar uma abordagem
sobre os seguintes temas: nveis de conscincia, dilogo e prxis. Encerrando esta seo, uma
discusso sobre a relao da autogesto e os nveis de conscincia ser realizada, e, por fim,
uma sntese do referencial terico abordado. Na seo seguinte, denominada Contexto de
Pesquisa, uma breve exposio da coleta seletiva de Canoas e, em seguida, da
COOPCAMATE.
Na prxima seo, ser apresentado o percurso metodolgico, constitudo das
seguintes subsees: tipo de pesquisa, pesquisa participante, aspectos terico-metodolgicos
da pesquisa participante, participantes da pesquisa. Na fase exploratria so apresentadas as
seguintes subsees: tcnicas de coleta de dados para o diagnstico interno, delineamento e
anlise de dados, desenho da pesquisa e desenvolvimento da pesquisa. A prxima seo
contempla o diagnstico da pesquisa, apresentado em quatro subsees: dados do
empreendimento, finanas, trabalho e renda, relaes interpessoais e o processo de tomada de
deciso.
A ltima seo dedica-se apresentao da interveno, primeiro a parte descritiva do
processo e em seguida a parte analtica que se subdivide ainda em quatro categorias: as
relaes, a autogesto, o trabalho na COOPCAMATE e o dilogo. Finalizando, uma seo
sobre a avaliao da pesquisadora pelos cooperados e outra seo sobre os desafios da
pesquisa participante. As consideraes finais encerram a presente dissertao.
1.1 Minha insero1 na Economia Solidria: uma narrativa pessoal
Durante o perodo da realizao do Trabalho de Concluso de Curso da
Administrao, a fim de dedicar-me ao trabalho de monografia, com as atividades de
1 Nesta subseo utilizo a primeira pessoa do singular para contar como foi a minha entrada no campo de
estudo desde o ano de 2012.
13
aplicao da pesquisa e posterior anlise dos dados, reduzi a jornada laboral para meio turno
na empresa onde trabalhava. Dessa forma, tambm obtive maior tempo disponvel para
conhecer outros projetos que at ento, devido ao trabalho em turno integral e ao estudo na
graduao no turno da noite, no me permitiam conhecer, tal como a Sinergia Consultoria
Jnior, a Empresa Jnior do Unilasalle, na qual ingressei em abril de 2012.
Por meio da Empresa Jnior, conheci mais o trabalho das Cooperativas de Reciclagem
de Resduos Slidos Urbanos de Canoas, e, consequentemente, o envolvente trabalho da
Economia Solidria. Salienta-se que a Empresa Jnior possui um vis de assessoria nesta rea
em parceria com a Incubadora de Empreendimentos Solidrios do Tecnosocial/Unilasalle,
vinculada ao Tecnosocial Unilasalle (doravante denominada Incubadora/Tecnosocial). A
Incubadora/Tecnosocial tem como objetivo contribuir para a consolidao de EES de Canoas
e regio na perspectiva de construir tecnologias sociais apropriadas para fortalecer a
capacidade empreendedora e a dinmica solidria desses empreendimentos, potencializando
sua atuao sustentvel e autogestionria nos territrios onde atuam. Em outubro de 2012,
uma oportunidade de estgio (20 horas semanais) na Incubadora/Tecnosocial despertou-me o
interesse em conhecer melhor o trabalho desenvolvido na economia solidria. Ento, ingressei
na equipe de trabalho da Incubadora. Mas no poderia antever que esse trabalho me faria
mudar a direo da minha carreira profissional.
Ainda em 2012, decidi me desvincular da empresa onde trabalhava e me dedicar ao
estgio e Iniciao Cientfica. Assim, fui selecionada como bolsista de Iniciao Cientfica
do Professor Robinson Henrique Scholz que desenvolvia uma pesquisa sobre o
desenvolvimento da inovao social atravs das prticas de lideranas em EES na cidade de
Canoas e Regio. Observa-se que o Professor Robinson tambm era o Coordenador da
Incubadora/Tecnosocial e da Agncia P&D do Unilasalle. Desde julho de 2013, desvinculei-
me do estgio e me dedico ao Projeto da Empresa Jnior, onde sou a presidenta da associao
na gesto 2014/2015.
Posso afirmar que uma experincia vivida durante o estgio realizado na
Incubadora/Tecnosocial do Unilasalle a motivadora da minha pesquisa, conforme ser
explicitado a seguir. Um dos sete empreendimentos incubados, denominado Cooperativa de
Catadores de Material Reciclvel da Mathias Velho - COOPCAMATE, estava passando por
uma crise financeira e, consequentemente, organizacional no perodo em que atuei na
Incubadora (2011-2012). Esse grupo, que iniciou seu trabalho em 1986, est localizado no
14
Bairro Mathias na Cidade Canoas, atua na coleta e triagem de resduos slidos urbanos. No
perodo referido, contava com 20 cooperados aproximadamente. Entre as minhas atividades a
serem desenvolvidas, estava a de auxiliar os empreendimentos nos seus processos de gesto.
A COOPCAMATE passou a ser acompanhada por mim e uma psicloga (eu me dedicava aos
trabalhos tcnicos em gesto para o empreendimento e a psicloga me dava suporte quanto
abordagem metodolgica das atividades desenvolvidas com o grupo) to logo iniciou meu
trabalho na Incubadora.
Diante da crise, o grupo encontrava-se em nmero reduzido, apresentando-se
desmotivado, uma vez que a renda mensal estava baixa e havia excesso de material
armazenado no galpo e no ptio da Cooperativa. Segundo os prprios cooperados, o material
foi sendo armazenado em funo da falta de mo de obra (motivada pela crise financeira),
estimavam que houvesse material acumulado h mais de dois anos. Com o passar do tempo,
alguns materiais foram se deteriorando atraindo abelhas, moscas e outros insetos. O galpo
teve quase 50% do espao ocupado pelo material acumulado, dificultando at mesmo a
luminosidade do local. A Fotografia 1 demonstra a situao de acmulo de material na
Cooperativa:
Fotografia 1- Material acumulado na cooperativa (e - parte interna / d parte externa).
Fonte: Arquivos da Sinergia Consultoria Jnior.
Aps reunies internas na Incubadora, refletimos (a colega psicloga, o nosso
coordenador e Eu) que to importante quanto reorganizar a situao financeira, tnhamos que
trabalhar a motivao do grupo para tal processo. Assim, organizamos um cronograma com
encontros semanais com o grupo, que foram realizados na prpria Cooperativa. A seguir,
15
sero narradas algumas tcnicas grupais realizadas nas atividades, por mim e pela colega
mencionada, que se tornaram referncias fundamentais no processo de reorganizao do
empreendimento. No primeiro encontro, propusemos uma reflexo sobre sonhos atravs do
refro da msica Preldio do Raul Seixas. Houve a audio da msica e tnhamos um cartaz
com a sua letra: Sonho que se sonha s. s um sonho que se sonha s. Mas sonho que se
sonha junto realidade. A partir da vivncia provocamos o grupo a iniciar uma reflexo do
que estas frases da msica tinham a ver com a realidade da Cooperativa. Todos os cooperados
tiveram uma boa compreenso das frases; destacamos algumas falas como: Sim, eu entendi.
Temos que sonhar juntos, porque sozinho a coisa no rende. A partir do que disseram,
fizemos uma associao com o resultado que tiveram na partilha de dezembro, que foi fruto
do trabalho conjunto at ento. E, como tema de casa, a tarefa de pensarem em um sonho
que tivessem e o que precisariam para realiz-lo. Um sonho... Para realizar preciso... Essa
tarefa ficou colada em um cartaz na parede.
Para o segundo encontro, realizado uma semana depois do primeiro, levamos flores
desenhadas e recortadas em papel branco, lpis de cor, giz de cera, canetinhas coloridas e
pedimos que cada um do grupo escrevesse (no grupo havia analfabetos, para esses ajudamos
na escrita) o seu sonho. Alguns dos sonhos relacionados foram: Encaminhar meus filhos, ter
um companheiro, trocar de casa, ter sade; que a cooperativa vire uma micro empresa; paz,
amor, ser feliz, sade para os filhos, aposentadoria; que a minha nora se acalme; vida,
cooperao do grupo, dignidade; ter uma casa, ter um filho, casar de novo; curar minha me
da artrose; levar os quatro filhos, neto e nora para Fortaleza. Depois, coletivamente,
utilizando materiais reciclveis, o grupo confeccionou um jardim (utilizaram uma caixa de
isopor, colocaram areia, folhas verdes naturais e alguns outros acessrios para decorar a
caixa). E, chegou o momento de plantar as flores, ou seja, plantarem os seus sonhos. Cada
cooperado falou do sonho descrito na sua flor papel e, em seguida, plantou-a no jardim, assim,
este foi denominado Jardim dos Sonhos. Deixamos como tarefa para a semana seguinte que
cada um pensasse qual seria o valor necessrio receber por ms para a realizao do seu sonho
(e para os que no descreveram sonho material, solicitamos que pensassem num valor
necessrio mensal para viver).
No terceiro encontro, a proposta era Regar os Sonhos, levamos gotas de gua
recortadas em papel branco e novamente levamos lpis de cor, giz de cera, canetinhas
coloridas. Torna-se importante destacar que os cooperados tiveram grande envolvimento na
16
atividade de pintura, permaneceram por um tempo significativo colorindo suas flores e gotas
de gua. Depois que coloriram as gotas de gua, pedimos que cada um descrevesse o valor
que tnhamos pedido para pensar no encontro anterior e cada um regou o jardim com a sua
gota de gua. Os valores sugeridos foram sistematizados por ns. Salienta-se que, ao final do
nosso encontro, o grupo fez uma reunio para decidirem se trabalhariam no feriado de Nossa
Senhora dos Navegantes e no Carnaval. Assim que iniciou o assunto, uma cooperada falou:
se ficar sem trabalhar em todos os feriados, no vamos realizar nossos sonhos. Isto
demonstra um exemplo de tomada de conscincia do problema que o galpo estava
enfrentando, o caso do acmulo de material.
Para o quarto encontro, organizamos uma planilha que constava o valor mdio
mensal de renda desejada (R$ 1.000,00) calculado a partir dos valores indicados na atividade
do segundo encontro. Na planilha, tambm constava uma listagem dos produtos triados e
vendidos no ltimo ms de produo. Fizemos um clculo proporcional para apresent-los
quanto de material precisariam triar e vender para atingir a renda mdia de R$ 1.000,00 por
cooperado ms. Torna-se importante destacar que utilizamos o mesmo formato de planilha
que o grupo utilizava para o controle de vendas por produto, objetivando sua melhor
compreenso. To logo, projetamos a planilha na parede do refeitrio, onde todos estavam
reunidos, uma cooperada que pouco se expressava nas atividades mencionou temos que
produzir o dobro.... E ela estava certa, pois a renda do ms anterior que tomamos como base
de clculo se apresentava prxima dos R$ 500,00. Isso fez com que o grupo percebesse a
necessidade de aumentar a produo para que pudessem aumentar seus ganhos. Assim,
tomaram como meta de produo os pesos dos materiais descritos na planilha apresentada,
esta ficou fixada na parede do refeitrio a partir do quarto encontro (este foi o local escolhido
porque os cooperados circulavam bastante e poderiam visualizar diariamente as metas).
Os encontros seguintes foram agendados para uma periodicidade de 14 dias, pois o
combinado foi acompanhar a produo e as vendas para que fizssemos encontros de
avaliao. No primeiro encontro de avaliao, aps um ms, o grupo ainda no havia atingido
a meta de produo, a renda continuava baixa e uma grande quantidade de material estava
armazenada no galpo. Mesmo no atingindo a meta de produo, nesse primeiro encontro, o
grupo mostrava-se otimista quanto ao trabalho, pois demonstravam acreditar em sua
capacidade, apesar de ser um trabalho rduo. Tambm nos apresentaram algumas estratgias
desenvolvidas pelo grupo para o aumento da produo, tais como: dividiram o grupo, alguns
17
trabalhavam no material acumulado da parte externa galpo e outros trabalhavam no material
acumulado na parte interna galpo; tambm estenderam uma hora na jornada diria de
trabalho e fizeram mutires aos sbados.
Sentindo-me sem respostas para tal situao, pois ainda havia muito material
acumulado e a renda mantinha-se baixa, levei a problemtica ao o grupo da Sinergia
Consultoria Jnior da Unilasalle. A questo era a baixa renda versus grande quantidade de
material armazenado. A partir desse contato/pedido, o grupo da Sinergia realizou trs visitas
ao empreendimento e, aps a confeco de um diagnstico, propuseram a implementao de
um Programa 5S. Segundo Rebello (2005), o Programa 5S consiste no conjunto de cinco
conceitos simples de organizao. Sua origem japonesa, no Brasil foi traduzido da seguinte
forma: Seiri - Senso de utilizao e descarte; Seiton - Senso de Arrumao e Ordenao; Seiso
- Senso de Limpeza; Seiketsu - Senso de Sade e Higiene (asseio); Shitsuke - Senso de
Autodisciplina. Quando aplicados, esses cinco conceitos tornam-se capazes de melhorar o
ambiente de trabalho, a maneira de os trabalhadores conduzirem suas atividades rotineiras e
as suas atitudes, agregando valor de forma efetiva aos colaboradores.
O grupo da Sinergia realizou um encontro com os cooperados para a apresentao do
Programa 5S, e, ao final do encontro, os cooperados aceitaram o desafio. A principal ao
era limpar o espao, triar o material armazenado h mais de dois anos no galpo e no ptio.
Assim, a parceria da Incubadora e da Sinergia colaborou na resoluo de uma problemtica
antiga na cooperativa. Em paralelo implantao do Programa 5S e o acompanhamento das
Metas de Produo, comeamos realizar reunies de planejamento financeiro com a
coordenao da Cooperativa, construmos (tesoureiro, secretria e Eu) um fluxo de caixa para
organizao do caixa da Cooperativa, tambm foram realizadas reunies sobre processos,
avaliao e controle. Aps quatro meses de reunies e formaes, o empreendimento
apresentava-se com 90% de suas dvidas quitadas e iniciando um processo de reorganizao
em sua estrutura fsica e organizacional.
Durante o ano de 2013 e tambm 2014, realizei e realizo visitas peridicas
COOPCAMATE juntamente com o grupo da Sinergia Consultoria Jnior, que, em 2014,
reimplantou o Programa 5S a fim de reorganizar os processos operacionais da Cooperativa.
Estas vivncias me fizeram refletir que organizaes, independente do porte, ramo de
atividade ou modelo, buscam continuamente o aumento de produtividade e reduo de custos
dentro de um ambiente adequado ao trabalho com o objetivo de otimizar seus ganhos. Para
18
isso, as organizaes tradicionais contratam mo de obra especializada ou mesmo softwares
que ajudam a otimizar o trabalho. Mas o que fazer em um EES? Tais empreendimentos
enfrentam um grande desafio no que tange a prtica da autogesto, justificado pela falta de
vivncia dos cooperados na prtica de gesto.
A experincia citada gerou alguns trabalhos acadmicos, tais como:
a) A Ferramenta 5S Como Instrumento de Gesto na Reciclagem de Resduos
Slidos Urbanos. In: XX Mostra UNISINOS de Iniciao Cientfica 2013,
So Leopoldo/RS.
b) A Ferramenta 5S como Instrumento de Gesto na Reciclagem de Resduos
Slidos Urbanos O Caso COOPCAMATE. In: IX Semana Cientfica
Unilasalle - SEFIC, 2013, Canoas/RS.
c) A relao da produo e da partilha: planejamento de metas de produo e
um Empreendimento de Economia Solidria de Canoas/RS. In: Feira de
Iniciao Cientfica Feevale - 2013, Novo Hamburgo/RS.
d) A Implantao do Programa 5S na Cooperativa dos Catadores de Material
Reciclvel de Canoas - COOPCAMATE. In: Robinson Henrique Scholz.
(Org.). Economia Solidria e Incubao: uma construo coletiva de saberes,
2014.
e) Projeto 5S: Inovando na Gesto de um empreendimento econmico solidrio
no Campo da Reciclagem. In: EmprendeSUR, 2014, So Paulo/SP.
Dessa forma, esta pesquisa poder contribuir para a disseminao do tema,
fortalecendo os conceitos de Economia Solidria e Autogesto nos meios acadmicos e para a
sociedade. Tambm contribuir para o desenvolvimento da cooperativa e para a formao da
cultura autogestora. Canado (2008) relata que h uma escassez de produes bibliogrficas
no que tange construo da autogesto em EES. Muitas delas, como j foram
exemplificadas acima, exploram o tema autogesto considerando apenas as necessidades de
um empreendimento para ser autogestionrio ou os identificam em estudos de casos. No
existe um foco em estudos que identifiquem ou se preocupem com a construo do processo
de autogesto, ou seja, como acontece a formao para a autogesto. Isto reafirma a
originalidade desta pesquisa com enfoque nos temas Economia Solidria e Autogesto.
19
2 CONTEXTUALIZAO DA ECONOMIA SOLIDRIA
O Brasil possui 19.708 EES cadastrados no SIES, este nmero foi divulgado em
2013, aps um levantamento realizado entre os anos de 2010 e 2012. Nesses EES, esto
1.423.631 trabalhadores e trabalhadoras que buscam uma alternativa de trabalho e gerao de
renda.
A criao da Secretaria de Economia Solidria - SENAES no Ministrio do Trabalho
e Emprego - MTE, em 2003, possibilitou mudanas nas polticas pblicas de trabalho e
emprego e a garantia de direitos de cidadania, quando o trabalho associado ganhou
reconhecimento junto s demais polticas pblicas de gerao de trabalho.
A Economia Solidria de grande importncia para a sociedade brasileira atual, uma
vez que o trabalho representa uma forma de crescimento e amadurecimento do indivduo.
Alm disso, a Economia Solidria proporciona este tipo de oportunidade igualmente a todos
que nela esto inseridos (SINGER, 2008).
A SENAES possui um Sistema Nacional de Informaes em Economia Solidria, o
SIES, cujo principal objetivo a constituio de uma base nacional de informaes em
Economia Solidria, e, desde a sua implantao, em 2004, consolida informaes sobre EES
em todo o Brasil. Um primeiro levantamento realizado em 2005 identificou 14.954
Empreendimentos, o segundo levantamento, que foi feito em 2007 encontrou mais 6.905,
totalizando 21.859 EES. J o terceiro levantamento ocorreu entre os anos de 2010 e 2012, e
mapeou mais 11.663 novos Empreendimentos no Brasil. Portanto, entre 2005 e 2012, sendo
33.522 EES foram identificados no Brasil.
No terceiro mapeamento, alm de identificar novos EES, o SIES revisitou os EES j
cadastrados no sistema, sendo que dos 21.859 constantes no sistema, apenas 7.839 EES foram
atualizados e includos na nova base de dados 2010-2012, pois os demais no foram
localizados, deixaram de existir ou no atendem aos critrios do SIES uma vez que assumiram
outras formas organizacionais. Assim, a nova base de dados do SIES, denominado Mapa da
Economia Solidria no Brasil, possui 19.708 EES cadastrados.
O resultado do Mapa a aplicao de um questionrio de 171 questes que abordam a
identificao e caracterstica do ESS e dos scios, tipo de atividade, investimento e gesto.
A seguir, apresentam-se alguns dados do Mapa da Economia Solidria no Brasil
embasado no SIES.
20
Figura 1 - Mapa da economia solidria no Brasil
Fonte: Autora desta pesquisa.
Conforme apresenta Figura 1, a maior parte do EES so associaes (60%),
cooperativas (8,8%) e sociedades mercantis (0,6%). Observa-se que o nmero de grupos
informais relativamente alto (30,5%), mas isto tambm significa dizer que 70% dos EES do
pas so formalizados.
Entre os 19.708 EES esto 1.423.631 associados, o que apresenta uma mdia de 72
associados por Empreendimento, sendo que 56,4% (803.373) so homens e 43,6% (620.258)
so mulheres.
Referente categoria social dos scios dos EES do Brasil, a maioria dos scios so
agricultores familiares (55%), seguido por artesos, com (18%), entre outros. Cabe aqui
destacar os catadores de material reciclvel que representam (3%) na categoria social dos
scios no pas.
Entre outras informaes que o mapa apresenta, destaca-se que dos 19.708 EES do
Brasil, 331 atuam na coleta de materiais reciclveis e 315 na triagem de matrias reciclveis.
Ainda, 3.292 (16,7%) dos 19708 EES esto localizados na Regio Sul.
Tais dados no so frutos do acaso, pois Adams e Santos (2013) relatam que, quando
as pessoas se envolvem no processo de economia solidria, experimentam a sua prtica,
acabam se percebendo como educadores da base popular, no sentido de replicar os valores
construdos atravs do trabalho coletivo. Ainda os autores destacam que a economia solidria
um lugar de prerrogativa Educao Popular.
21
3 PROBLEMA DE PESQUISA
Nesse contexto, o que me instigou foi a possibilidade de compreender o trabalho
iniciado no aqui denominado Jardim dos Sonhos a fim de contribuir ainda mais no
desenvolvimento da Cooperativa. Utilizou-se o termo compreender porque enxerguei no
desenvolvimento desta dissertao a possibilidade de analisar a continuidade do trabalho
iniciado durante o estgio na Incubadora. Ou seja, enxerguei a possibilidade futura de
ampliao e fortalecimento do jardim, por meio do entendimento dos complexos processos
sociais e tcnicos que envolvem o dia-a-dia da cooperativa e seus resultados. O trabalho
narrado na primeira seo foi uma atividade que, com base apenas no senso-comum, j
propiciou um processo de transformao na Cooperativa. Busquei, ento, nas bases tericas
da Economia Solidria e da Autogesto, compreender mais profundamente a realidade
encontrada na COOPCAMATE em seus aspectos de autogesto e suas consequncias.
Levando em considerao que a Economia Solidria uma alternativa no modo de
produo (SINGER, 2008, 2011) e que tem como uma de suas caractersticas a autogesto
(MTE, 2014) e acredita-se que a educao atue como condutora do processo de formao de
conscincia para a autogesto em um EES (CANADO, 2008). A Figura 2 simboliza a
relao entre Economia Solidria, Autogesto e Educao.
Figura 2 - Interseo entre os elementos tericos da dissertao
Fonte: Autora desta pesquisa.
Enfim, o que me estimulou foi a possibilidade de compreender como uma construo
coletiva se concretiza, o que contribuiu para o meu crescimento profissional e como pessoa
integrante da sociedade.
22
O contexto desta pesquisa foi a COOPCAMATE, este um EES que atua no campo
da reciclagem de resduos slidos urbanos, est localizado no Bairro Mathias Velho na Cidade
de Canoas. Constituiu-se em 1986 com cinco catadores e, atualmente, possui estrutura fsica
adequada ao trabalho de coleta e triagem, contando com aproximadamente 30 cooperados.
Portanto, esta dissertao se props a responder ao seguinte problema de pesquisa:
Como estimular o desenvolvimento da autogesto, por meio de uma interveno, em
uma Cooperativa de Resduos Slidos Urbanos de Canoas, com base terica em Paulo Freire?
Para responder a esta questo, adotou-se o mtodo qualitativo e, como abordagem
central, a pesquisa participante, definida nesta pesquisa como uma investigao, atravs de
um processo educacional para gerar transformao em um grupo popular. Nesse sentido,
quanto aos participantes desta pesquisa, torna-se importante mencionar a respeito do nosso
posicionamento ontolgico. O posicionamento ontolgico significa a compreenso da
constituio da realidade, o entendimento sobre o mundo e o ser humano (ACCORSSI, 2014).
Para esta pesquisa, partiu-se de um posicionamento ontolgico onde os cooperados no foram
meramente informantes, mas foram os condutores do trabalho. Assim, foram os protagonistas
de sua prpria histria dentro de um processo educacional pautado pela humanizao. O fato
de existir define o ser humano como um ser em construo contnua, dono de um processo
sem fim (TROMBETTA; TROMBETTA, 2008) e assim que os participantes desta pesquisa
so percebidos, como seres humanos capazes de se (re) construrem permanentemente,
capazes de se transformarem e transformarem o seu mundo. Tal posicionamento coerente
com o entendimento de Freire (1999), o qual serve como base terica para esta interveno.
3.1 Objetivo Geral
Estimular o desenvolvimento da autogesto, por meio de uma interveno, em uma
Cooperativa de Resduos Slidos Urbanos de Canoas, com base terica em Paulo Freire.
3.2 Objetivos especficos da pesquisa
a) Descrever a maneira como ocorre o atual processo de autogesto da
Cooperativa de Reciclagem de Resduos Slidos Urbanos de Canoas.
23
b) Analisar o processo de autogesto da Cooperativa de Reciclagem de Resduos
Slidos Urbanos de Canoas, discutindo as contribuies tericas de Paulo
Freire.
c) Desenvolver e analisar uma interveno, visando o desenvolvimento do
processo de autogesto a partir das demandas dos participantes de uma
Cooperativa de Resduos Slidos Urbanos de Canoas com base terica em
Paulo Freire.
3.3 Justificativa
3.3.1 Estudos sobre Economia Solidria
So relevantes e crescentes os estudos realizados sobre o tema Economia Solidria
nos ltimos anos. Por se tratar de uma nova realidade social acabou por despertar o interesse
da pesquisa, principalmente em estudantes de mestrados e doutorados que, com diferentes
focos de estudo, ajudaram a influenciar o estado da arte. Pesquisadores experientes tambm se
interessaram por este foco de estudos, o que gerou uma crescente nas pesquisas de mestrado e
doutorado (GAIGER, 2012). A Tabela 1 apresenta os nmeros:
Tabela1 - Dissertaes e teses no Brasil sobre Economia Solidria
Quinqunios Dissertaes Teses Totais
Mdias Anuais
(teses e
dissertaes)
1996-2000 30 6 36 7,2
2001-2005 160 35 195 39,0
2006-2010 307 97 404 80,8
Totais 497 138 635 _
Fonte: Gaiger (2012, p.20).
A Tabela 1 demonstra um relevante crescimento na realizao de pesquisas sobre o
tema Economia Solidria em teses e dissertaes entre 1996 e 2010. No quinqunio (1996-
2000) 36 pesquisas (teses e dissertaes) foram defendidas. Entre (2001-2005) 195 defesas,
foram 159 pesquisas a mais que no perodo anterior. E no perodo de (2006-2010) foram 404
trabalhos defendidos, mais que o dobro dos quinqunios anteriores. Verificando a mdia
anual, passou de 7,2 trabalhos em (1996-200) para 80,8 em (2006-2010).
24
Tambm, numa pesquisa realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertaes BDTD, usando o filtro Economia Solidria como parte do ttulo, no perodo
de 12 anos (2003 2015), somente para dissertaes, foram encontradas 62 pesquisas. Este
um dado representativo, pois h um grande nmero de pessoas envolvidas nesse contexto no
Brasil, mais de um milho e 400 mil pessoas.
Nas 62 dissertaes encontradas na BDTD com o tema Economia Solidria como
parte do ttulo, um novo filtro foi feito para identificar quantas delas abordavam tambm o
tema autogesto. O Quadro 1 apresenta os achados:
Quadro 1- Estudos sobre Economia Solidria e Autogesto
N
Autor /
Instituio /
Ano
Objetivo do estudo
1
Edir Antonia de Almeida
Universidade de So Paulo
2006
Compreender e analisar a dimenso contbil nos processos de autogesto
dos empreendimentos solidrios, levantando desafios e demandas contbeis
suscitadas nesse processo.
2
Lucas Rodrigues Azambuja
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
UFRGS
2007
Compreender o sentido do trabalho autogerido como uma construo
reflexiva do sujeito a partir de princpios e conhecimentos de natureza
diversa, que se sedimentaram no seu estoque subjetivo de conhecimento ao
longo de sua biografia de socializao.
3
Edemar Luiz Balbinot
Universidade Federal de
Santa Maria
2007
Avaliar a existncia de particularidades especficas no modelo de gesto
aplicado em um empreendimento econmico solidrio.
4
Vanessa Moreira Sgolo
Universidade de So Paulo
USP
2007
Analisar a formao de movimentos sociais de economia solidria nos
pases Brasil e Argentina, partindo do pensamento de Hannah Arendt,
especialmente de sua concepo sobre poltica e sua centralidade, e de
Edward Palmer Thompson, no que se refere construo histrica das
coletividades.
5
Anderson Rafael Barros do
Nascimento
Universidade Metodista de
So Paulo
2008
Analisar o processo de escolhas e decises em uma organizao da
Economia Solidria (empresa recuperada) em So Bernardo do Campo.
6
Geanderson Lcio de Souza
Silva
Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro UFRRJ
2009
Levantar informaes a respeito das prticas sociais autogestionrias luz
da teoria e obtendo como resultado um novo modelo caracterstico para as
organizaes autogestionrias.
7
Kelci Anne Pereira
Universidade Federal de
So Carlos
2009
Identificar quais fatores so obstculos e quais fatores so transformadores
na construo de um empreendimento econmico solidrio a partir da
incubao, com foco na autogesto e na participao.
8
Aline Suelen Pires
Universidade Federal de
So Carlos UFSCAR
2010
Verificar como o (as) Trabalhadores (as) cooperados (as) compreendem o
significado da autogesto, em que medida interiorizam o iderio proposto
pelo movimento da Economia Solidria e analisar as relaes de gnero nas
cooperativas formadas majoritariamente por mulheres.
9
Andressa Nunes Amorim
Universidade Federal do
Esprito Santo
Analisar se as relaes sociais atpicas da economia solidria convergem
para a estruturao de um novo modo de produo no capitalista.
25
2010
10
Thais da Silva Mascarenhas
Universidade de So Paulo
2010
Examinar como os processos educativos presentes nas experincias de
economia solidria, que se baseiam em princpios e prticas da educao
popular, influenciam o desenvolvimento, entendido como a expanso das
liberdades de uma cooperativa de 122 mulheres que trabalham com
artesanato em sisal e outras fibras naturais do semirido baiano, a
Cooperafis.
11
Felipe Vella Pateo
Universidade de So Paulo
2012
Indagar se a formao de empreendimentos econmicos solidrios tem as
caractersticas de um vir a ser que indica caminhos para fora do sistema
capitalista.
Fonte: BDTD.
No universo de 62 pesquisas encontradas no BCTD contendo no ttulo Economia
Solidria, entre os anos de 2003 e 2015, 11 abordaram tambm, em seus estudos, o tema
autogesto. Destaco o estudo sinalizado com o nmero cinco no quadro de autoria de
Anderson Rafael Barros do Nascimento da Universidade Metodista de So Paulo, 2008. O
trabalho teve como objetivo analisar os processos de escolhas e decises em uma organizao
da Economia Solidria (uma empresa recuperada) em So Bernardo do Campo atravs de um
estudo de caso por meio da metodologia pesquisa-ao, cuja concepo foi um processo de
formao, com foco na autogesto, de funcionrios para futuros cooperados.
26
4 FUNDAMENTAO TERICA
4.1 Economia Solidria
4.1.1 A origem
Na Inglaterra foi onde a primeira cooperativa se constituiu fundamentada na
organizao popular. Foi em 1844, na cidade de Manchester, denominada Cooperativa dos
Probos Pioneiros Equitativos de Rochdale com 28 operrios de diferentes ofcios. Era uma
cooperativa de consumo que alm de comrcio de seus produtos, tinham tambm como
objetivos: proporcionar educao e formao aos seus cooperados, consolidao de um grupo
autossustentvel e promover habitao e emprego a quem necessitasse. Alm disso, no
possuam funcionrios, os prprios cooperados de dividiam entre as atividades da cooperativa
(CANADO, 2004). Na Frana, a economia solidria surgiu no sculo XIX, quando a
solidariedade foi estabelecida como fundamento de amparo s consequncias do abalo
causado pelo desenvolvimento da economia de mercado (CHANIAL; LAVILLE, 2006).
Segundo o MTE, no Brasil a economia solidria chegou no XX, como soluo aos
trabalhadores vitimados pelas mudanas organizacionais, no mbito financeiro e social, que
enfraqueceram a relao capitalista do trabalho. Sua difuso aconteceu nos meios rurais e
urbanos com experimentos de trabalho coletivo. Fortaleceu-se atravs de aes de
desenvolvimento local, tais como: associaes comunitrias, cooperativas populares, redes de
produo e comercializao.
A economia solidria caracteriza-se pelo agrupamento de trabalhadores por iniciativas
de produo, autogeridas democraticamente, nas quais os ganhos so repartidos
proporcionalmente ao trabalho realizado individualmente pelos integrantes do grupo
(SINGER, 2013). A autogesto, como princpio da economia solidria, pressupe a
participao de todos, porm, sabe-se do desafio da participao de todos no processo
autogestionrio.
Com o fortalecimento da economia solidria, como alternativa de combate pobreza,
promovendo o desenvolvimento econmico e social (SINGER, 2011), os governos federal,
estadual e municipal passaram a reconhecer esta outra forma de organizao do trabalho. Em
2003, foi criada a SENAES, vinculada ao MTE, cujo objetivo viabilizar e coordenar
27
atividades de apoio economia solidria em todo o territrio nacional, visando gerao de
trabalho e renda, incluso social e promoo do desenvolvimento justo e solidrio (MTE,
2014). Tambm, h uma articulao da economia solidria atravs de fruns estaduais e
municipais, alm do Frum Brasileiro de Economia Solidria FBES que nasceu da 3
Plenria no Frum Social Mundial em 2003 e, atualmente, envolve mais de 3000
empreendimentos de economia solidria em todo o pas. Singer (2014) entende que a
economia solidria no Brasil j vista como uma escolha de seus participantes, uma
alternativa ao modelo de emprego caracterstico das empresas tradicionais.
4.1.2 O que economia solidria? Caractersticas e Princpios
Na economia solidria, trabalhadores se organizam de maneira coletiva com o objetivo
de garantirem seu prprio sustento. So homens e mulheres buscando no trabalho coletivo
uma alternativa para a gerao de trabalho e renda. Assim, a economia solidria promove o
desenvolvimento econmico e social sem gerar exageradas dissociaes (SINGER, 2011).
Para Arruda, a Economia Solidria:
um sistema socioeconmico aberto, fundado nos valores da cooperao, da
partilha, da reciprocidade e da solidariedade, e organizado de forma autogestionria
a partir das necessidades, desejos e aspiraes da pessoa, comunidade, sociedade e
espcie. (2003, p. 237).
uma maneira diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que necessrio
para viver, atravs do trabalho cooperativo e igualitrio. Trata-se de uma opo de gerao de
renda e uma soluo para a incluso social. So diversas prticas econmicas e sociais que se
estruturam de forma coletiva, formando uma rede, desde a produo at a comercializao,
bem como o fomento financeiro (MTE, 2014). Alm disso, Singer (2008) menciona que na
economia solidria se faz uma produo com bases na igualdade, pois a posse do trabalho
coletiva. Ou seja, indivduos organizados cooperam para o trabalho, sem que haja competio
ou diferenciao.
O MTE (2014) define a economia solidria como o agrupamento de aes
estruturadas pela autogesto voltadas para produo, distribuio, consumo, poupana e
crdito. A partir desta compreenso, cita quatro caractersticas da economia solidria:
cooperao, autogesto, dimenso econmica e solidariedade, as quais so apresentadas
abaixo:
28
a) Cooperao: haver empenho, aliana e competncias para propsito comuns,
bem como distribuir responsabilidades e resultados.
b) Autogesto: exerccio de papel participativo nas aes rotineiras e nas e aes
estratgicas, promovendo o verdadeiro processo de gesto desempenhado por
seus legtimos atores.
c) Dimenso Econmica: princpio motivador para o empenho de recursos
pessoais, produo e consumo.
d) Solidariedade: envolve um conjunto de aspectos que fortalecem tal
caracterstica: partilha igualitria dos resultados; valorizao e
desenvolvimento para os participantes; retorno comunidade, preservao do
ambiente e, entre outros, o respeito ao trabalhador.
Nesse contexto, a economia solidria pode ser vista como uma nova forma de
desenvolvimento sustentvel, podendo, tambm, reverter os preceitos do capitalismo. E,
talvez, minimizar a distino de raa, gnero, idade, compartilhando os resultados
econmicos, polticos e culturais com igualdade.
J o desenvolvimento prtico da economia solidria pressupe ser regido por oito
princpios: democracia, participao, igualitarismo, autossustentao, desenvolvimento
humano, responsabilidade social, cooperao e autogesto (GAIGER, 2004). Atravs da
democracia, os cooperados exercem a autoridade moral. Com a participao individual,
tornam-se parte da coletividade. O igualitarismo permite as relaes iguais. A
autossustentao desenvolve a autonomia no trabalho coletivo. No que tange ao
desenvolvimento humano, os processos e as interaes no trabalho coletivo propiciam o
crescimento como indivduo. Tambm, como parte dos princpios, a responsabilidade social
promove a compreenso das obrigaes como parte de uma sociedade. E, por fim, a
cooperao e a autogesto, que, segundo Gaiger (2004), so o foco de diferenciao da
economia solidria. Na cooperao, desenvolvem-se as prticas colaborativas e a autogesto
oportuniza que o prprio cooperado/trabalhador faa a gesto do empreendimento,
promovendo maior significao da sua participao nesse contexto da economia solidria.
Assim, estes princpios reforam os objetivos pelos quais a economia solidria se desenvolve,
ou seja, majoritariamente pela necessidade de gerao de trabalho e renda.
Em suma, conforme a literatura apresentada, Arruda (2003) entende a economia
solidria como um modo de vida, onde se constroem valores que podem ir alm dos valores
29
da sociedade capitalista. Para Gaiger (2004), a economia solidria um modo de
sobrevivncia ao neoliberalismo. Alm do mais, Singer (2008, 2011) diz que a economia
solidria uma alternativa no modo de produo. Contudo, a alternativa pode ser uma
necessidade, e, nesse caso, a necessidade pode ser um limitador para a compreenso real da
economia solidria. Tambm, observa-se que, na vida cotidiana de uma cooperativa, nem
sempre as coisas acontecem como os autores idealizam em seus conceitos, nem tudo acontece
como se supe na literatura.
O tema autogesto um dos temas norteadores desta pesquisa, portanto, se faz
necessrio um maior aprofundamento sobre o assunto, como segue na prxima subseo.
4.1.3 Autogesto
A autogesto foi reconhecida como conceito em 1950, na Iugoslvia, pelo partido
comunista que, na tentativa de modernizar o sistema econmico do pas, atraiu a participao
de cidados detentores de conhecimento tcnico e profissional das empresas que o governo
possua o poder (MOTH, 2009).
Porm, segundo Canado (2008), existem relatos mais antigos sobre o nascimento da
autogesto, conforme apresenta em seus estudos, demonstrado no Quadro 2.
Quadro 2 - Histrico da Autogesto
Autores citados por
Canado (2008) Histricos
Mandell (1977)
Cita a primeira experincia autogestionria, em 1819, aps 11 semanas de
greve, trabalhadores ingleses do tabaco ordenaram seus prprios trabalhos. E,
em 1833, depois de organizarem o trabalho como associativo, alfaiates
franceses dispensaram a necessidade de patres.
Motta (1981)
Cita Proudhon como pai da autogesto, este acreditava que a autogesto poderia
atingir nveis macros, como uma nao, por exemplo, e que esta era a forma
ideal para organizar uma sociedade.
Fonte: Canado (2008)
Entende-se que a autogesto parte de iniciativas de organizao com gesto do tipo
tradicional, e que, por algum motivo, tiveram que se reorganizar para adequar-se a um novo
contexto, tornando-se, desta forma, a autogesto um princpio de organizao para a gerao
de trabalho e renda (MANDELL, 1977 apud CANADO, 2008). Alguns autores indicam
Proudhon como o criador da autogesto e acreditava nesse processo como forma de
organizao de uma sociedade, para que o ser humano deixasse de ser controlado pelo prprio
ser humano (MOTTA, 1981; CANADO, 2008). Assim, a ideologia de um novo formato de
30
sociedade permitiria que o ser humano no fosse mais controlado por ele mesmo. Nesse novo
formato prevaleceria a igualdade, e ningum mais seria controlado, o ser humano trabalharia
de igual para igual fazendo sua prpria gesto, ou seja, sua autogesto. Aproximando-se da
viso da economia solidria, a autogesto um componente singular do cooperativismo, e
considerada um sistema em movimento, dada a relao com seres humanos (CARNEIRO,
1983 apud CANADO, 2008). No mbito da economia solidria, a autogesto deve ser um
elemento essencial, de caracterstica nica e dinmica, pois uma relao entre seres
humanos onde acontecem aes e interaes.
No Brasil, atrelado ao desenvolvimento da Economia Solidria nos anos 90, a prtica
autogestionria ressurge como relao de trabalho em EES (ANDRADA; SATO, 2014).
Em uma entrevista concedida Revista Estudos Avanados em 2008, Paul Singer
relata como iniciou a experincia da autogesto no Brasil. Singer (2008) diz que um caso
relevante foi tese de doutorado da professora Lorena da Silva, na USP em 1980. O caso
aconteceu em So Paulo, quando uma fbrica de foges chamada Wallig, a maior do Brasil na
poca, empregava cerca quatro mil pessoas e teve que fechar suas portas. Com tantas pessoas
desempregadas, o municpio e o estado se mobilizaram para reabrir a empresa, porm sem
sucesso. Assim, os ex-empregados se mobilizaram para arrendar a empresa falida, mas no
tinham noo de como geri-la e nem como operacion-la coletivamente. Ao buscarem bases
legais para tal processo, encontram uma cooperativa de calados no interior do Rio Grande do
Sul e, depois de consultarem seu estatuto, descobriram que o formato de cooperativa era a
melhor forma jurdica para seu contexto. Eles praticamente reinventaram a economia
solidria, por pura necessidade (SINGER, 2008, p.294). Mas o caso no foi muito
disseminado na poca. Esta cooperativa ainda existe.
Em 1992, segundo Singer (2008), que outro caso de empresa falida se tornou notrio
em todo pas, a empresa de calados Makerli, em So Paulo. Nesse caso, o sindicato da
categoria mobilizou os ex-funcionrios, tcnicos do Departamento Intersindical de Estatstica
e Estudos Socioeconmicos - DIEESE e fundaram a Associao dos Trabalhadores em
Autogesto e Participao Acionria - ANTEAG. A associao tomou como base um modelo
americano e adaptaram a realidade brasileira. O caso tornou-se conhecido como a fbrica
sem patres. E, desde ento, vrias empresas falidas passaram a ser geridas por ex-
funcionrios, ou seja, passaram a ser autogeridas.
31
Porm, o processo de autogesto mais complexo do que simplesmente uma empresa
ser gerenciada pelos empregados. A autogesto uma forma de gerir democraticamente, um
trabalho conjunto, e isso o que difere a economia solidria do capitalismo, mas no um
trabalho fcil. Nesse modelo, pressupe-se que todas as pessoas trabalham juntas,
autoadministram e trabalham ao mesmo tempo. Por mais difcil que possa parecer, as prprias
prticas de autogesto so formativas de cultura autogestionria, pois h aprendizado com a
prxis. O processo de autogesto se torna automaticamente formativo para a construo da
cultura autogestionria, pois acontece a formao durante a prtica constante no dia a dia.
Dessa forma, possvel dizer que h ligao da educao com o processo de formao de
autogesto. A autogesto deve acontecer para as comunidades, sendo esta a frmula de
introduzir a democracia no mundo econmico (SINGER, 2011).
A prtica autogestionria vai alm da gesto e produo coletiva. Para tal, necessrio
que haja amadurecimento e um resgate da singularidade do cooperado. Amadurecimento, pois
os trabalhadores/cooperados carregam consigo a cultura do modelo capitalista de trabalho nas
figuras do patro e do empregado. E o resgate de singularidade, visto que imprescindvel
que o cooperado manifeste sua subjetividade, como caracterstica nica de cada ser, fazendo
parte integrante da coletividade (LIMA, 2013).
Como definio, optou-se pelo entendimento de autogesto para Canado; Canado
(2009) que :
Um modo de organizao do trabalho, onde todos os envolvidos participam da
concepo e execuo, os meios de produo e/ou agregao de valor so coletivos,
caracterizando-se ainda pela presena de um processo de educao em constante (re)
construo na organizao. (CANADO; CANADO, 2009, p.105).
Portanto, a autogesto em EES uma maneira de composio do trabalho, em que o
modo de produo seja coletivo, sem discernir o trabalho entre a sua concepo e execuo.
Pode-se questionar se na prtica de uma cooperativa, por exemplo, sero todos os envolvidos
que participaro do processo, ou se, uma maioria se engajando no processo, resultaria no que
se pode chamar de autogesto. Ou seja, no deve haver separao entre a compreenso e a
prtica do trabalho, o trabalho deve ser coletivo; trata-se de uma estrutura de trabalho que
deve ser acompanhado de um processo educacional contnuo no EES (CANADO, 2008).
Esse conceito fundamental para a presente dissertao, pois entende a autogesto
como uma das principais caractersticas da Economia Solidria e atribui um processo
32
educacional como condio para a sua formao, considerando as limitaes inerentes sua
aplicabilidade prtica.
O processo de desenvolvimento da autogesto, segundo Mota (1981), tem como base a
educao, considerada agente indispensvel de tal processo. A educao, nesses casos, atua
como condutora de um processo de formao e conscientizao. A implementao da
autogesto no deve acontecer sem que exista uma formao de conscincia do trabalhador,
pois, esta falta formao aumenta o risco de desfazerem-se experincias, podendo regredir ao
meio capitalista (CANADO, 2008). Na verdade, por mais que agentes externos desejassem
que a autogesto fosse praticada em dada situao, ela no acontece sem a formao de
conscincia do trabalhador, que depende de um processo educativo.
Para Adams (2010) a educao um sistema que abrange diversas conexes sociais.
Assim sendo, existem diferentes ambientes, alm do espao escolar, passveis de
aprendizagem. Nesse contexto, a cultura popular que d origem construo destes
diferentes ambientes em que os saberes individuais ou coletivos se reproduzem (BRANDO;
ASSUMPO, 2009).
Em vista disso que a economia solidria pode ser entendida como um ambiente
favorvel educao popular. Para Adams e Santos (2013) a organizao prtica de um grupo
para o trabalho associado propcio constituio do que pode ser chamado de pedagogia da
autogesto. O desenvolvimento da autogesto a partir da reproduo dos saberes, por
exemplo, pode significar a reinveno de metodologias participativas (ADAMS; SANTOS,
2013).
Com base em Singer (2011), Canado (2008) e Canado e Canado (2009), observa-se
que a autogesto necessita de um processo formativo, educacional, para que possa existir de
fato como organizao do trabalho sob as premissas do trabalho colaborativo. Portanto, a
partir desses autores e conceitos, esta pesquisa buscou o fortalecimento da autogesto atravs
de um processo educacional.
4.2 Nveis de Conscincia: dilogo e prxis
A definio do autor Paulo Freire como norteador deste captulo se d pela coerncia
de alguns temas abordados em sua obra e que faro parte tambm desta pesquisa, dentre eles:
nveis de conscincia, dilogo, reflexo-ao e prxis.
33
4.2.1 Nveis de Conscincia
Os nveis de conscincia so discutidos por Paulo Freire no livro Ao cultural para a
liberdade e outros escritos (1977). Sua compreenso parte do entendimento que o ser
humano possui da sua prpria realidade e est dividida em trs nveis: a conscincia semi-
intransitiva, a conscincia transitiva ingnua e a conscincia crtica.
A conscincia semi-intransitiva o nvel em que o ser humano est mergulhado em
sua realidade e isso o impossibilita de perceber oportunidades de mudanas ao seu redor. O
ser humano que se encontra nesse nvel tende a encontrar as justificativas fora do seu
contexto, fora da sua realidade concreta, acreditando, por exemplo, apenas no destino. Esse
nvel tambm possui como caracterstica a cultura do silncio, onde raramente as classes
populares so questionadas e o silncio seja, talvez, uma medida de sobrevivncia (FREIRE,
1977). Para Kronbauer (2008), este o nvel em que o ser humano no se compreende como
um ser biogrfico, apenas como um ser biolgico. Ou seja, no se percebe como um ser
humano capaz transformar e/ou transformar-se, compreende-se como um ser vivo, apenas
mais um que existe no planeta. No h previso de transformao nesse nvel, o ser humano
se acha incapaz de mudar, ou melhor, mudar seu destino, que acredita ser s seu
(CANADO, 2008; CANADO; CANADO, 2009).
O nvel transitivo ingnuo considera uma transio. O ser humano capaz de
compreender a necessidade de uma mudana, mas pode ainda no se sentir capaz para tal, a
conformidade o limita ao novo. A cultura do silncio passa a ser substituda pela percepo da
realidade. o dilogo que impulsiona a transio para este nvel, que motiva a mudana, pois
o dilogo apresenta desafios ao ser humano. (FREIRE, 1977). Nesse nvel, o ser humano no
possui pensamento independente, a negao pela mudana o impede de buscar a origem dos
problemas (KRONBAUER, 2008). Para Canado (2008), nesse nvel que o ser humano
comea fazer novas leituras de sua realidade, perceber que nem tudo est ao acaso do destino,
se d conta de que pode haver mudanas, mas ainda no sabe o que mudar. Freire (1977)
destaca que, ainda nesse nvel, dois caminhos podem ser tomados, a transio para o
pensamento crtico, atravs de uma prxis, ou seja, a percepo da realidade e sua presena
nela como agente de mudana; ou uma deturpao de maneira no racional ou desvairada da
realidade, e nesse caso, no se percebe a possibilidade de mudana, to pouco ser um agente
de mudana.
34
O terceiro nvel, chamado de conscincia crtica, segundo Freire (1977) composto
pela prxis. quando o ser humano, ainda no segundo nvel, o transitivo ingnuo, consegue
promover uma mudana e refletir sobre ela. na capacidade de desenvolvimento de dilogo
que o ser humano progride para a conscincia crtica (KRONBAUER, 2008). Nesse nvel, o
ser humano capaz de refletir sobre suas aes e seus resultados, assim, desenvolvendo-se e
promovendo sua prpria histria. Compreende ser o responsvel pelo seu passado, presente e
futuro (CANADO, 2008; CANADO; CANADO, 2009). Importante destacar que: no
h fronteiras rgidas entre uma modalidade e outra de conscincia (FREIRE, 1977, p.75).
Assim, um ser humano pode transitar entre os nveis de conscincia, ou ainda, algumas
caractersticas permanecerem presentes entre os nveis.
Em sntese, os nveis de conscincia compem um processo de formao de
conscincia crtica, impulsionado pelo dilogo e efetivado pela prxis.
4.2.2 Dilogo
Paulo Freire (1987) aborda o tema dilogo no livro Pedagogia do Oprimido
enfatizando-o como a proposta de uma educao dialgica, diferenciando-a da educao
bancria. A educao bancria refere-se quela que o educador o detentor do conhecimento
e o deposita no educando. Assim, o educando apenas recebe o contedo, no h interao,
trocas de saberes e conhecimentos entre o educador e o educando, no h dilogo. J a
educao dialgica construda por uma conexo entre educador e educando, h uma troca de
saberes e conhecimentos. Nesta, existe uma relao de partilha entre educador e educando,
ambos igualmente podem aprender e educar atravs do dilogo. O dilogo um requisito para
existir e deve ser usado como mtodo de reflexo para a transformao e a humanizao. O
dilogo potencializa as relaes, promove a unio entre seres humanos. a conjuno dos
homens comunicados pelo mundo, logo, a relao eu-tu no se esgota (FREIRE, 1987).
Assim, o dilogo entendido como condio de existncia do ser humano, servindo para uni-
los, transform-los e humaniz-los.
O dilogo, desta maneira, participa na construo do mundo comum, pois nele h a
descoberta do outro e a descoberta de si no outro. A palavra viva dilogo existencial.
(FIORI, 1987, p.11). Ainda Fiori (1987) diz que o dilogo uma forma de declarar-se e
declarar o mundo, comunicao, expresso do mundo para o mundo. Por meio do dilogo,
35
possvel observar o mundo e a sua existncia nele, tambm o dilogo permite enxergar o
processo em construo do ser humano na sociedade (ZITKOSKI, 2008). Dessa forma,
entende-se o dilogo como uma forma de expresso, permitindo ao ser humano existir e
construir-se no mundo.
Canado (2008) e Canado; Canado (2009) se referem educao dialgica como
uma forma de valorizao dos saberes e conhecimento de um educando e do um educador,
destaca, ainda, que o ser humano possui habilidades e competncias, bem como acumula
experincias ao longo de sua vida. Os saberes e os conhecimentos tm origem nas
experincias e as vivncias acumuladas ao longo de uma vida. O dilogo permite que o ser
humano se reconhea capaz de debater, formar juzo e modificar, ou seja, capaz de formar
suas opinies, ser original, autntico, e, acima de tudo, transformar e/ou transformar-se.
Em suma, o dilogo uma ferramenta no processo existencial do ser humano,
permitindo a reflexo para a construo de um mundo comum e a valorizao dos saberes.
4.2.3 Prxis
A prxis o resultado de um processo de conscientizao formado pelo dilogo, a
ao e a reflexo (FREIRE, 1987). A Figura 3 simboliza o processo que tem como resultado a
prxis:
Figura 3 - Processo que resulta prxis
Fonte: Embasada em Freire (1987).
A Figura 5 representa a prxis como resultado de um processo contnuo formado pelo
dilogo, maneira de conjuno dos seres humanos, a ao como inteno de transformao e a
reflexo voltada ao pensamento crtico. Ou seja, atravs do dilogo se constri uma ao que
promove a reflexo para a formao da conscincia crtica.
a prxis que transforma a conscincia, segundo Freire (1977), no h possibilidade
de transformao da conscincia sem prxis. A prxis capaz de transformar o mundo, assim
Dilogo Ao Reflexo Prxis
36
como transforma o ser humano, e dessa forma, o trabalho recebe a marca de seu criador.
(FREIRE, 1977). Sendo assim, a prxis um pressuposto para a formao de conscincia
crtica, pois atravs dela que acontece a transformao, seja do ser humano, seja do mundo.
Esclarea-se ainda que, tomada de conscincia e conscientizao se diferem. Para que
se propague a conscientizao preciso mais do que perceber a realidade tomada de
conscincia, necessrio que o ser humano realize uma anlise profunda sobre a sua realidade
refletindo sua natureza como conhecimento. Entende-se a conscientizao como um processo
contnuo, pois sempre que ela ocorre o ser humano se modifica incitando a uma nova tomada
de conscincia e posterior conscientizao (FREIRE, 1980). Assim, apenas conhecer a
realidade no significa refletir sobre ela, a reflexo sobre a ao que permite o
desenvolvimento da conscientizao.
Prxis um conceito que acompanha a obra de Paulo Freire, possui forte relao com
os conceitos de dilogo, ao-reflexo, autonomia, educao libertadora, entre outros.
Entende-se prxis pela ntima relao da maneira como se enxerga a realidade e a vida, e
como a prtica se estabelece enquanto ao transformadora a partir desta compreenso
(ROSSATO, 2008). O que torna a prxis efetiva a compreenso sobre ela mesma, a
percepo da transformao no contexto real e para a vida.
Para Canado (2008) e Canado; Canado (2009) a prxis acontece quando o ser
humano compreende o efeito de suas prprias aes no mundo, aprendendo e progredindo
com isto. Ou seja, quando o ser humano torna-se capaz de perceber que suas aes podem
transformar o mundo, de fato quando acontece a prxis, a transformao para a conscincia
crtica. Assim, atravs da prxis, ele se desenvolve enquanto ser humano dotado de saberes e
experincias.
Condensando, a prxis o resultado de um processo que envolve o dilogo e a ao-
reflexo. A prxis permite que o ser humano compreenda suas prprias aes.
4.2.4 Conexes tericas entre autogesto e nveis de conscincia
Compreendida como alternativa de um modo de produo (SINGER, 2008, 2011), a
economia solidria, tema geral desta pesquisa, entende a autogesto como um de seus
princpios no desenvolvimento prtico de um EES (GAIGER, 2004). Nesta seo, propem-se
uma reflexo terica acerca do desenvolvimento da autogesto com base terica em Paulo
37
Freire. Alm disso, esta pesquisa tem inspirao nos estudos de Canado (2008) e Canado e
Canado (2009), os quais tem por base o trabalho de Paulo Freire sobre os nveis de
conscincia. Os autores prope uma operacionalizao da construo de autogesto para um
EES.
Os nveis de conscincia compem um processo de formao de conscincia crtica,
impulsionado pelo dilogo e efetivado pela prxis (FREIRE, 1977; CANADO; CANADO,
2009). A Figura 4 apresenta as conexes tericas para a operacionalizao da autogesto,
conforme Canado e Canado (2009):
Figura 4 - Conexes tericas para a operacionalizao da autogesto
Fonte: Canado; Canado (2009, p.67).
A representao apresentada na Figura 4 demonstra que a construo da autogesto
tem a educao dialgica e a prxis como parte de um processo educacional, atravs da
progresso entre os nveis de conscincia. Ou seja, a educao como processo para o
desenvolvimento da autogesto, transitando nos nveis de conscincia, por meio do dilogo e
da prxis.
Como forma de operacionalizao da construo da autogesto em um EES, Canado
e Canado (2009) sinalizam aspectos relevantes para a construo do processo, como segue:
a) A evoluo dos nveis de conscincia dos cooperados membros do EES que
determinam a evoluo do processo de construo da autogesto;
b) necessrio que se faa a identificao dos nveis de conscincia tambm dos
membros dos rgos de apoio, visto que, na maioria dos casos, as equipes de
apoio tambm trabalham na construo da autogesto, mas de fato, nunca a
vivenciaram. Este no um fato limitador para a construo da autogesto,
38
mas deve ser avaliado e refletido. Dessa forma, os nveis de conscincias
estariam balizados sob o conhecimento e discutidos por todos.
c) Dado o objetivo dos rgos de apoio trabalhar, na maioria das vezes, no
formato capacitao-acompanhamento, utilizam a educao dialgica como
ferramenta? A no utilizao da educao dialgica pode inibir a progresso
nos nveis de conscincia e a construo da autogesto.
d) Os membros dos rgos devem construir o processo com cooperados e no
para os cooperados. O trabalho do tcnico deve ser desenvolvido atravs da
educao dialgica, jamais pela educao bancria.
e) Sobre o desenvolvimento da prxis, sugere-se que sejam utilizados meios
ldicos juntamente com a educao dialgica, permitindo que os membros,
tanto os tcnicos, como os cooperados, compreendam as suas aes e o porqu
das no aes.
f) Educao dialgica e prxis se completam, porm, possuem estmulos
diferentes. Para a educao dialgica, o estmulo externo, o tcnico, nesse
caso, que incita ao dilogo. J a prxis um sistema interno, autognose,
individual, no h controle por parte do tcnico e outros.
g) Necessidade de aportes financeiros que proporcionem o fortalecimento do
EES. Os rgos de apoio devem ser parceiros na construo de projetos para
captao de recursos financeiros, e estes devem ser discutidas no sentido de
compreender a verdadeira necessidade do empreendimento.
h) Um importante posicionamento dos tcnicos deve haver quanto construo
coletiva, com e no para o EES, pois, um dia, precisaro caminhar sozinhos e
sabero como fazer, j que participaram do processo de construo.
i) Um enfoque transparncia nas relaes construdas entre os tcnicos e os
cooperados pode ser mais importante que o prprio mtodo de trabalho.
j) E, por fim, a possibilidade de validao dos aportes tericos atravs da prtica,
ou seja, a experimentao em um EES.
Portanto, para que o objetivo desta pesquisa fosse alcanado, tomou-se por base
terica Paulo Freire e a inspirao no trabalho de Canado (2008) e Canado; Canado
(2009).
39
4.3 Sntese do Referencial Terico
Retoma-se, neste momento, os principais conceitos tericos abordados anteriormente
no referencial terico e que sero os conceitos norteadores do trabalho, sintetizados no
Quadro 3:
Quadro 3 - Sntese dos conceitos norteadores da pesquisa
Fonte: A autora desta pesquisa.
Sendo este estudo especfico para o contexto econmico solidrio, visando o
desenvolvimento da autogesto para um EES, atravs de um processo educacional com base
nos estudos de Paulo Freire sobre os nveis de conscincia, o dilogo e a prxis, sugere-se a
Figura 5 como uma representao que pretende condensar os principais elementos tericos
desta dissertao.
Figura 5- Processo educacional para o desenvolvimento da autogesto em EES
Fonte: Autora com base em Canado, Canado (2009).
Conceito Autor/ano Descrio
Economia
Solidria
Singer (2008,
2011) Alternativa de modo de produo
Autogesto Canado;
Canado (2009)
No h separao entre a compreenso e a prtica do trabalho, o trabalho
coletivo; trata-se de uma estrutura de trabalho que deve ser acompanhado
de um processo educacional contnuo no EES.
Nveis de
Conscincia Freire (1977)
Entendimento que o ser humano tem da sua realidade, esto divididos em
trs nveis: a conscincia semi-intransitiva, a conscincia transitiva ingnua
e a conscincia transitiva crtica.
Dilogo Freire (1987) a conjuno do ser humano comunicados pelo mundo, logo, a relao eu-
tu no se esgota.
Prxis Freire (1987) o resultado de um processo de conscientizao formado pelo dilogo, a
ao e a reflexo.
40
Conforme a Figura 5, a dissertao desenvolvida a partir do referencial terico
apresentado nesta seo centrou-se em um processo educacional para o desenvolvimento da
autogesto em uma EES. A base terica em Paulo Freire corroborou com o desenvolvimento
da pesquisa, uma vez que, o dilogo e prxis podem estimular a formao de conscincia
crtica. Assim, utilizou-se o dilogo e a prxis como ferramentas estimuladoras para a tomada
da conscincia crtica em prol do desenvolvimento da autogesto em um EES. Destaca-se
ainda, conforme Freire (1977), que uma pessoa pode transitar entre os nveis de conscincia,
bem como, no conseguir avanar entre eles, estagnando-se, ou ainda, identificar-se em um
determinado nvel, mas possuir caractersticas de outro. A representao da seta apontando
direo para direita e para a esquerda simboliza esta ideia. Entende-se que as singularidades
das caractersticas humanas possam explicar este movimento entre os nveis de conscincia.
41
5 CONTEXTO DE PESQUISA
5.1 Coleta Seletiva em Canoas
A cidade de Canoas possui 323.827 habitantes segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatstica - IBGE de 2010. So gerados aproximadamente 0,86 kg de resduos
por hab/dia. Diariamente, so recolhidos em torno de 280 toneladas de resduos na cidade,
atendendo 98,9% da populao (Programa Cidades Sustentveis, 2014).
Desde 2010, atravs da Lei Municipal n 5.485 de 25 de janeiro de 2010, institu-se
que "o servio pblico de coleta seletiva de resduos reciclveis ser prestado por
cooperativas ou associaes populares de coleta seletiva" (Programa Cidades Sustentveis,
2014). Assim, a coleta seletiva de resduos slidos realizada por quatro cooperativas que
recebem verba pblica mensal para a realizao do servio pblico. Entre elas, a
COOPCAMATE, contexto desta pesquisa.
5.2 COOPCAMATE
A COOPCAMATE um EES, atua no campo da reciclagem de resduos slidos
urbanos e est localizada no Bairro Mathias Velho na Cidade de Canoas. A cidade de Canoas
possui 323.827 habitantes segundo dados do IBGE de 2010, sendo que no Bairro Mathias
Velho esto 27% da populao de Canoas, isto o faz o Bairro mais populoso da cidade.
A Cooperativa de Catadores de Material Reciclvel da Mathias Velho
COOPCAMATE iniciou suas atividades de coleta e triagem no ano de 1986 com cinco
moradores do bairro Mathias Velho na cidade de Canoas/RS. Em 1995, o grupo se formalizou
como associao. Receberam ento em comodato um terreno de 1449 m com um pequeno
prdio construdo onde se encontra atualmente. O prdio recebido, que hoje utilizado como
refeitrio, vestirios, escritrios e banheiro da associao de moradores do bairro Mathias
Velho. Alguns anos mais tarde (a cooperativa no possui o registro da data), uma empresa
Alem doou e construiu o galpo para a realizao do trabalho de triagem, totalizando uma
rea construda de 601,85m. No ano de 2003, o grupo se formalizou como cooperativa. Sete
anos mais tarde, em 2010, a COOPCAMATE passou a integrar a coleta seletiva de Canoas,
sendo o trabalho regido por um contrato de prestao de servios com pagamento de verba
42
mensal cooperativa pelo servio prestado. Porm, a receita que tinha como objetivo, custear
o servio contratado, contribuir para a estruturao da cooperativa, despertou interesses
ilcitos na coordenao que atuava na poca. Como resultado em 2011, a cooperativa entra em
crise financeira, ocasionando, inclusive, a perda do contrato com a prefeitura por trs meses
durante o ano de 2012. A cooperativa estava fadada extino, quando a secretaria do Meio
Ambiente, que ainda responde pelo servio de coleta na cidade, interviu junto ao grupo em
favor de uma troca de coordenao. Em fevereiro de 2012, uma nova diretoria assumiu e,
alguns meses depois, a cooperativa recuperava o contrato com a prefeitura. No final do
mesmo ano, a situao financeira do grupo comeou a se estabilizar, permitindo
investimentos na cooperativa. Os investimentos incluam, reforma do banheiro, reforma do
refeitrio, reforma do escritrio, todos os cooperados fazem trs refeies dirias na
cooperativa (caf da m