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Costas de Sonhos Escola Secundária Artística António Arroio Língua Portuguesa – Professora Elisabete Miguel Rita Camacho Diniz nº 25, 10ºF Ano letivo 2011/2012

Rita Diniz - Costas de Sonhos

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Rita Diniz, 10.º ano, n.º25, turma F, Escola Artística António Arroio - Disciplina de Português - Professora Eli

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Page 1: Rita Diniz - Costas de Sonhos

Costas de Sonhos

Escola Secundária Artística António Arroio

Língua Portuguesa – Professora Elisabete Miguel

Rita Camacho Diniz

nº 25, 10ºF

Ano letivo 2011/2012

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Índice

Introdução …………………………………..…………………… ………………. Página 5

Poemas de:

Fernando Pessoa …………………………………….…….…………. Páginas 6, 7 e 26

Pablo Neruda ………………………………………………….………… …………. Página 8

Álvaro de Campos ……………………………………….….… … ………………. Página 9

Agostinho da Silva ………………………………………… ….……………….. Página 10

António Feijó ………………………………………… …….… Páginas 12, 16, 17 e 18

E. E. Cummings ………………………………………………….… ………… …. Página 11

Francisco Bugalho ………………………………………………………… ……. Página 13

Pedro Homem de Mello ……………………………………………… ..……. Página 15

Vasco Graça Moura ………………………………………………… ….………. Página 14

Pedro Tamen ………………………………………………………… ……………. Página 19

Alexandre O’Neill …………………………………………….……… …………. Página 20

Antero de Quental ………………………………………………………………. Página 21

Alexander Search ………………………………………………………..………. Página 22

Camilo Pessanha …………………………………………….………. Páginas 23, 24, 25

Florbela Espanca ………………………………………………..………. Páginas 27 e 28

Jorge de Sena ………………………………………………………………………. Página 29

Poema escolhido e Ilustração ……………… ……..…… Páginas 30, 31 e 32

Conclusão ……………………………….…………. ……..…………… Páginas 33 e 34

Bibliografia ………………………………………………….......……………… Página 35

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Introdução

A tarefa proposta em aula foi a realização de um portefólio poético, que, no

mínimo, contivesse vinte poemas, cujos autores poderiam não ser portugueses (desde

que traduzidos).

O tema foi dado como livre – tendo em conta que os versos selecionados

deveriam corresponder a escolha própria e individual, com uma ordem e organização.

O tema deveria também ser representado de acordo com a nossa própria visão sobre

ele, ou seja, através de fotografias ou ilustrações de um dos poemas que mais dizem,

ou transmitem, à nossa pessoa.

A palavra-chave para a execução do meu trabalho foi “sonho”, que se subdividiu

noutros temas/sentimentos, a meu ver relacionados, como “ilusão”, “dor” e “morte”.

Assim, a escolha dos meus textos remete para esta temática, assim como a ilustração.

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Os poemas…

Sonho. Não Sei quem Sou

Sonho. Não sei quem sou neste momento.

Durmo sentindo-me. Na hora calma

Meu pensamento esquece o pensamento,

Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo

Parece que erro. Sinto que não sei.

Nada quero nem tenho nem recordo.

Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,

Fantasmas me limitam e me contêm.

Dorme insciente de alheios corações,

Coração de ninguém.

Fernando Pessoa, in Cancioneiro

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Entre o Sono e Sonho

Entre o sono e sonho,

Entre mim e o que em mim

É o quem eu me suponho

Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,

Diversas mais além,

Naquelas várias viagens

Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito

A casa que hoje sou.

Passa, se eu me medito;

Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre

No que me liga a mim

Dorme onde o rio corre —

Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa, in Cancioneiro

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Ilusão Perdida

Florida ilusão que em mim deixaste

a lentidão duma inquietude

vibrando em meu sentir tu juntaste

todos os sonhos da minha juventude.

Depois dum amargor tu afastaste-te,

e a princípio não percebi. Tu partiras

tal como chegaste uma tarde

para alentar meu coração mergulhado

na profundidade dum desencanto.

Depois perfumaste-te com meu pranto,

fiz-te doçura do meu coração,

agora tens aridez de nó,

um novo desencanto, árvore nua

que amanhã se tornará germinação.

Pablo Neruda, in Cadernos de Temuco

Tradução de Albano Martins

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Reticências

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.

Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;

Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Vou fazer as malas para o Definitivo,

Organizar Álvaro de Campos,

E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é

sempre...

Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.

Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...

Produtos românticos, nós todos...

E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.

Assim se faz a literatura...

Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,

Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,

Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,

Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,

Os outros também são eu.

Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,

Rodinha dentada na relojoaria da economia política,

Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,

A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...

Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,

Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,

E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.

Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,

Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,

E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,

E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...

Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

Álvaro de Campos, in Poemas

Heterónimo de Fernando Pessoa

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Sonho

Teria passado a vida

atormentado e sozinho

se os sonhos me não viessem

mostrar qual é o caminho

umas vezes são de noite

outras em pleno de sol

com relâmpagos saltados

ou vagar de caracol

quem os manda não sei eu

se o nada que é tudo à vida

ou se eu os finjo a mim mesmo

para ser sem que decida.

Agostinho da Silva, in Poemas

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Mergulha nos Sonhos

mergulha nos sonhos

ou um lema pode ser teu aluimento

(as árvores são as suas raízes

e o vento é o vento)

confia no teu coração

se os mares se incendeiam

(e vive pelo amor

embora as estrelas para trás andem)

honra o passado

mas acolhe o futuro

(e esgota no bailado

deste casamento a tua morte)

não te importes com o mundo

com quem faz a paz e a guerra

(pois deus gosta de raparigas

e do amanhã e da terra)

E. E. Cummings, in livrodepoemas

Tradução de Cecília Rego Pinheiro

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A Cidade do Sonho

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te

O caminho que leva à Cidade do Sonho...

De tão alta que está, vê-se de toda a parte,

Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

Vai por entre rosais, sinuoso e macio,

Como o caminho chão duma aldeia ao luar,

Todo branco a luzir numa noite de Estio,

Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,

Deves empreender essa jornada louca;

O Sonho é para nós a Terra Prometida:

Em beijos o maná chove na nossa boca...

Vistos dessa eminência, o mundo e as suas

[sombras,

Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol;

O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,

Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol.

Nela mora encantada a Ventura perfeita

Que no mundo jamais nos é dado sentir...

E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,

A própria Dor começa a cantar e a sorrir!

Que importa o despertar? Esse instante divino

Como recordação indelével persiste;

E neste amargo exílio, através do destino,

Ventura sem pesar só na memória existe...

António Feijó, in Sol de Inverno

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Tudo quanto Sonhei se Foi Perdido

O que sonhei e antes de vivido

Era perfeito e lúcido e divino,

Tudo quanto sonhei se foi perdido

Nas ondas caprichosas do destino.

Que os fados em mim mesmo depuseram

Razões de ser e de não ser, contrárias,

Nas emoções que, dentro em mim, cresceram

Tumultuosas, carinhosas, várias.

Naqueles seres que fui dentro de um ser,

Que viveram de mais para eu viver

A minha vida luminosa e calma,

Se desdobraram gestos de menino

E rudes arremedos de assassino.

Foram almas de mais numa só alma.

Francisco Bugalho, in Dispersos e Inéditos

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soneto do amor e da morte

quando eu morrer murmura esta canção

que escrevo para ti. quando eu morrer

fica junto de mim, não queiras ver

as aves pardas do anoitecer

a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,

põe os olhos nos meus se puder ser,

se inda neles a luz esmorecer,

e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,

sempre a doer de tanta perfeição

que ao deixar de bater-me o coração

fique por nós o teu inda a bater,

quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura, in Antologia dos Sessenta Anos

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Fui Pedir um Sonho ao Jardim dos Mortos

Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos.

Quis pedi-lo, aos vivos. Disseram-me que não.

Os mortos não sabem, lá onde é que estão,

Que neles se enfeitam os meus braços tortos.

Os mortos dormiam... Passei-lhes ao lado.

Arranquei-lhes tudo, tudo quanto pude;

Páginas intactas — um livro fechado

Em cada ataúde.

Ai as pedras raras! As pedras preciosas!

Relâmpagos verdes por baixo do mar!

A sombra, o perfume dos cravos, das rosas

Que os dedos, já hirtos, teimavam guardar!

Minha alma é um cadáver pálido, desfeito.

As suas ossadas

Quem sabe onde estão?

Trago as mãos cruzadas,

Pesam-me no peito.

Quem sabe se a lama onde hoje me deito

Dará flor aos vivos que dizem que não?

Pedro Homem de Mello, in Príncipe Perfeito

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Hino à Morte

Tenho às vezes sentido o chocar dos teus ossos

E o vento da tua asa os meus lábios roçar;

Mas da tua presença o rasto de destroços

Nunca de susto fez meu coração parar.

Nunca, espanto ou receio, ao meu ânimo trouxe

Esse aspecto de horror com que tudo apavoras,

Nas tuas mãos erguendo a inexorável Fouce

E a ampulheta em que vais pulverizando as horas.

Sei que andas, como sombra, a seguir os meus

[passos,

Tão próxima de mim que te respiro o alento,

— Prestes como uma noiva a estreitar-me em teus

[braços,

E a arrastar-me contigo ao teu leito sangrento...

Que importa? Do teu seio a noite que amedronta,

Para mim não é mais que o refluxo da Vida,

Noite da noite, donde esplêndida desponta

A aurora espiritual da Terra Prometida.

A Alma volta à Luz; sai desse hiato de sombra,

Como o insecto da larva. A Morte que me aterra,

Essa que tanta vez o meu ânimo assombra,

Não és tu, com a paz do teu oásis te terra!

Quantas vezes, na angústia, o sofrimento invoca

O teu suave dormir sob a leiva de flores!...

A Morte, que sem dó me tortura e sufoca,

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É outra, — essa que em nós cava sulcos de dores.

Morte que, sem piedade, uma a uma arrebata,

Como um tufão que passa, as nossas afeições,

E, deixando-nos sós, lentamente nos mata,

Abrindo-lhes a cova em nossos corações.

Parêntesis de sombra entre o poente e a alvorada,

Morrer é ter vivido, é renascer... O horror

Da Morte, o horror que gera a consciência do Nada,

Quem vive é que lhe sente o aflitivo travor.

Sangue do nosso sangue, almas que estremecemos,

Seres que um grande afecto à nossa vida enlaça,

— Somos nós que a sua morte implacável sofremos,

É em nós, é em nós que a sua morte se passa!

Só então, da tua asa a sombra formidável,

Anjo negro da Morte! aos meus olhos parece

Uma noite sem fim, uma noite insondável,

Noite de soledade em que nunca amanhece...

Só então, sucumbindo à dor que me fulmina,

A mim mesmo pergunto, entre espanto e receio,

Se a tua asa não é dum Anjo de rapina,

Se eu poderei em paz repoisar no teu seio!

Inflexível e cego, o poder do teu ceptro

Só então me desvaira em cruel agonia,

Ao ver com que presteza ele faz um espectro

De alguém, que há pouco ainda, ao pé de nós sorria.

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Mas se nessa tortura, exausto o pensamento,

Para ti, face a face, ergo os olhos contrito,

Passa diante de mim, como um deslumbramento

Constelando o teu manto, a visão do Infinito.

E de novo, ao sair dessa angústia demente,

Sinto bem que tu és, para toda a amargura,

A Eutanásia serena em cujo olhar clemente

Arde a chama em que toda a escória se depura.

É pela tua mão, feito um rasgão na treva,

Que a Alma se liberta, e de esplendor vestida

— Borboleta celeste, ébria de Deus, — se eleva

Para a luz imortal, Luz do Amor, Luz da Vida!

António Feijó, in Sol de Inverno

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Só dos Mortos Devemos Ter Ciúmes

Só dos mortos devemos ter ciúmes; acordar

de entre as pedras doentes dolorosos

que da beira das arribas nos atirem ao porto

onde enfim se encontre a nossa angústia.

Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço

em que já vertical erguemos nosso braço

em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles

nos retiram da cama de que por nós foi feita

a escolha: a macieza intensa que julgámos

eterna, que nos parecia tão cordatamente

entregue à nossa própria suma sumaúma.

Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem

paredes meias com os nossos dedos, logo afastam

os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens

por sobre o mar dos olhos: é bem feito,

dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos

a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz

encaminhados pelo que vamos querendo.

Só os mortos nos mordem, nos apontam

a dedo frio e tenso, entorpecem desejos

e, pois pior, só eles nos expulsam

do vero som dos sinos numa entrega

às palavras baldadas do comércio.

A luta clara que sonhada fosse

pela mão dada e limpa que nos dessem

tropeça, polvo, com misérias nossas

e enterra-te na pérfida, agoniada leira

onde dominam eles nossas bocas e o sangue

que nelas perpassasse. Só os mortos,

invisíveis, letais, pesados entes,

nos disputam a vida, e só por fim nos matam.

Pedro Tamen, in Agora, Estar

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Mesa dos Sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou

Meu corpo ao seu desejo violento

E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem

Todas as formas e começam

Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando

De novos sonhos a vida

Alexandre O'Neill, in No Reino da Dinamarca

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No Turbilhão

(A Jaime Batalha Reis)

No meu sonho desfilam as visões,

Espectros dos meus próprios pensamentos,

Como um bando levado pelos ventos,

Arrebatado em vastos turbilhões...

N'uma espiral, de estranhas contorsões,

E d'onde saem gritos e lamentos,

Vejo-os passar, em grupos nevoentos,

Distingo-lhes, a espaços, as feições...

— Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,

Que me fitais com formidável calma,

Levados na onda turva do escarcéu,

Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?

Quem sois, visões misérrimas e atrozes?

Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!...

Antero de Quental, in Sonetos

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Dor Suprema

Um amigo me disse: «O que tu crias

É sonho e pretensão, tudo fingido;

O pranto com que a mente sã desvias

É decerto forçado e pretendido!

Em toda a canção e conto que fazes

Porquê palavra dura, amargurada?

Por que ao vero e bom não te comprazes

E, jovem, a alegria é desdenhada?

Porque, amigo, embora seja a loucura

Ora doce, ora dor inominada,

Nunca a dor humana a dor atura

Da mente louca, da loucura ciente;

Porque a ciência ganha é completada

Com o saber dum mal sempre iminente.

Alexander Search, in Poesia

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Branco e Vermelho

A dor, forte e imprevista,

Ferindo-me, imprevista,

De branca e de imprevista

Foi um deslumbramento,

Que me endoidou a vista,

Fez-me perder a vista,

Fez-me fugir a vista,

Num doce esvaimento.

Como um deserto imenso,

Branco deserto imenso,

Resplandecente e imenso,

Fez-se em redor de mim.

Todo o meu ser, suspenso,

Não sinto já, não penso,

Pairo na luz, suspenso...

Que delícia sem fim!

Na inundação da luz

Banhando os céus a flux,

No êxtase da luz,

Vejo passar, desfila

(Seus pobres corpos nus

Que a distancia reduz,

Amesquinha e reduz

No fundo da pupila)

Na areia imensa e plana

Ao longe a caravana

Sem fim, a caravana

Na linha do horizonte

Da enorme dor humana,

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Da insigne dor humana...

A inútil dor humana!

Marcha, curvada a fronte.

Até o chão, curvados,

Exaustos e curvados,

Vão um a um, curvados,

Escravos condenados,

No poente recortados,

Em negro recortados,

Magros, mesquinhos, vis.

A cada golpe tremem

Os que de medo tremem,

E as pálpebras me tremem

Quando o açoite vibra.

Estala! e apenas gemem,

Palidamente gemem,

A cada golpe gemem,

Que os desequilibra.

Sob o açoite caem,

A cada golpe caem,

Erguem-se logo. Caem,

Soergue-os o terror...

Até que enfim desmaiem,

Por uma vez desmaiem!

Ei-los que enfim se esvaem,

Vencida, enfim, a dor...

E ali fiquem serenos,

De costas e serenos.

Beije-os a luz, serenos,

Nas amplas frontes calmas.

Ó céus claros e amenos,

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Doces jardins amenos,

Onde se sofre menos,

Onde dormem as almas!

A dor, deserto imenso,

Branco deserto imenso,

Resplandecente e imenso,

Foi um deslumbramento.

Todo o meu ser suspenso,

Não sinto já, não penso,

Pairo na luz, suspenso

Num doce esvaimento.

Ó morte, vem depressa,

Acorda, vem depressa,

Acode-me depressa,

Vem-me enxugar o suor,

Que o estertor começa.

É cumprir a promessa.

Já o sonho começa...

Tudo vermelho em flor...

Camilo Pessanha, in Clepsidra

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O que Me Dói não É

O que me dói não é

O que há no coração

Mas essas coisas lindas

Que nunca existirão...

São as formas sem forma

Que passam sem que a dor

As possa conhecer

Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza

Fosse árvore e, uma a uma,

Caíssem suas folhas

Entre o vestígio e a bruma.

Fernando Pessoa, in Cancioneiro

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Sem Remédio

Aqueles que me têm muito amor

Não sabem o que sinto e o que sou...

Não sabem que passou, um dia, a Dor

À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,

Este frio que anda em mim, e que gelou

O que de bom me deu Nosso Senhor!

Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência

Que é já tortura infinda, que é demência!

Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,

A mesma angústia funda, sem remédio,

Andando atrás de mim, sem me largar!

Florbela Espanca, in Livro de Mágoas

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As Minhas Ilusões

Hora sagrada dum entardecer

De Outono, à beira-mar, cor de safira,

Soa no ar uma invisível lira...

O sol é um doente a enlanguescer...

A vaga estende os braços a suster,

Numa dor de revolta cheia de ira,

A doirada cabeça que delira

Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu... e veste luto o mar...

E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,

À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,

Também as vi levar em urna de oiro,

No mar da Vida, assim... uma por uma...

Florbela Espanca, in Livro de Mágoas

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Desencontro

Só quem procura sabe como há dias

de imensa paz deserta; pelas ruas

a luz perpassa dividida em duas:

a luz que pousa nas paredes frias,

outra que oscila desenhando estrias

nos corpos ascendentes como luas

suspensas, vagas, deslizantes, nuas,

alheias, recortadas e sombrias.

E nada coexiste. Nenhum gesto

a um gesto corresponde; olhar nenhum

perfura a placidez, como de incesto,

de procurar em vão; em vão desponta

a solidão sem fim, sem nome algum -

- que mesmo o que se encontra não se encontra.

Jorge de Sena, in Post-Scriptum

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Ilustração e poema escolhido

Mesa dos Sonhos,

de Alexandre O'Neill, in No Reino da Dinamarca

Page 31: Rita Diniz - Costas de Sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou

Meu corpo ao seu desejo violento

E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem

Todas as formas e começam

Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando

De novos sonhos a vida

A minha ilustração decorre da leitura e interpretação que fiz d o poema “Mesa dos

Sonhos”, de Alexandre O’Neill.

Foi um poema que me agradou especialmente. Na minha opinião, retrata a vida de

um ser sonhador, que combate os infortúnios da vida vivendo o prazer de forma

intensa através dos sonhos que idealiza pois são eles que transportam este ser a

realidades ilusórias, a lugares desconhecidos que o enchem de um prazer acessível na

sua mente, é através da sua imaginação que vai lutando contra a morte. Morte esta,

que mesmo que o faça crescer ao longo da sua vida, nunca o farão desaparecer, pois

usa como “defesa” os sonhos da sua vida.

A minha ilustração é também inspirada num single do cantor David Bowie, Life on

Mars. Esta música fala sobre uma jovem de cabelos claros, despenteados, e sonhadora

que se estava a envolver numa relação que nada de bom traria para si – os seus pais

acabam por a abandonar – e ela, na sua ilusão,- vive uma imensa dor e perda, numa

vida que se torna em nada mais do que enganos, num “espectáculo assustador”, pois o

seu amado desaparece, simplesmente sem dar justificações. Assim a sua vida torna-se

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num “guião” que ela escreveu, e “já conhece”, vivendo-o e repetindo-o sempre, tudo

por causa das suas ilusões. A canção é também preenchida com frases aparentemente

“sem sentido”, e irrealistas, como sonhos.

Assim, a imagem é a minha leitura do poema de uma forma esperançosa e alegre

devido ao conjunto de cores que escorrem ao longo do corpo feminino representado,

simbolizando os sonhos e as aspirações de um ser que mostra desfrutar da vida

através da sua mente que a levam a viajar nos mais longínquos lugares, pelo que

apenas o corpo a prende ao mundo, a sua mente funciona como agente catártico e

libertador dos seus problemas. A sua “imagem” tenta aproximar-se da descrição na

música de David Bowie, e a sua nudez pretende transparecer uma sinceridade,

simplicidade e inocência – mas em contraste com a sua maquilhagem irreverente, a

“rebeldia” e “ambição” na concretização das suas aspirações.

David Bowie

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Conclusão O tema chave de todo este dossiê é a palavra “sonho” e o que ela transmite e

tem como influência. O bem, e o mal. A ilusão e a realidade, quer seja com momentos

de felicidade ou sofrimento, realistas ou utópicos.

A lista de poemas tem, em si, comuns variados aspetos: ora nos transportam para

um mundo sonhador onde a nossa mente nos leva a viajar por lugares risonhos,

fantasiosos, ilusórios enchendo-nos de ideias utópicas e tão alcançáveis no nosso

íntimo que as sentimos tingirem-nos o corpo de alegria, positivismo, como muitas são

as vezes que esses sonhos se transformam nas nossas maiores mágoas marcando-nos

com profundos desgostos, tristezas e nos deixam sem rumo, sem um caminho

percetível, o que leva ao sentimento de desorientação, incerteza, dúvida por parte do

sujeito poético – a criação de uma ilusão autodestrutiva que corrói este ser, e coloca

em dúvida a própria razão da sua existência.

São poemas como “Não Sei quem Sou”, “Entre o Sono e o Sonho” (ambos de

Fernando Pessoa) e “Sonho” (de Agostinho da Silva) que põe em causa quem é de

facto o “eu” poético, duvidam da razão da sua existência ou de quem pensavam que

seriam, e buscam sonhos ou objetivos que deem sentido à sua vida. E o sofrimento do

falhanço, quando esses mesmos sonhos ou ilusões não se concretizarem (ex. “Ilusão

Perdida” de Pablo Neruda), onde a esperança se perde, como a razão da sua

existência, pondo em causa as suas capacidades (ex. “Tudo quanto Sonhei se Foi

Perdendo” de Francisco Bugalho) – e onde os sonhos se confundem com a realidade.

Sonhos estes, que podem ser simples confusões, erros, turbilhão e mistura de

sentimentos “d’onde saem gritos e lamentos” como um grito de socorro – “No

Turbilhão” de Antero de Quental. Mais poemas são exemplos de uma dor evidente,

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que tentam ocultar realidades que consomem os sujeitos poéticos, frustração pode ser

mesmo a palavra-ligação. Exemplos são “Dor Suprema” (Alexander Search), “Branco e

Vermelho” (Camilo Pessanha), “O que Me Dói não É” (Fernando Pessoa) e “Sem

Remédio” e “As Minhas Ilusões”, ambos de Florbela Espanca. Mas, ainda assim, existe

um rasto de esperança, segurança e até alguma “fé”, de seguir em frente e ver

realizados os seus sonhos (“Mergulha nos Sonhos”, de E.E. Cummings).

Penso, para concluir, ter atingido os objetivos que me propus para a realização

deste trabalho, tendo-me empenhado na concretização do mesmo, sem dificuldades

ou observações dignas de registo, devendo, isso sim, salientar o inefável prazer que fui

tendo com as inúmeras novas leituras poéticas feitas.

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Webgrafia

Para a realização deste trabalho, os poemas selecionados foram retirados do

seguinte website:

http://www.citador.pt/