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Vitória, Laranjeiras, dia de vida e de morte, ano de 2012
lembranças...
Havia no meu bairro uma área com muitas árvores.
Árvores enormes, antigas, que foram preservadas quando o
bairro foi "construído", no final dos anos 70.
Eu passava todos os dias por elas. A sombra que
ofereciam era sempre muito refrescante para quem andava
sob o sol escaldante. Em muitas daquelas árvores havia
nomes de casais apaixonados, em corações ou não,
esculpidos em encontros de amor ou para registrar o amor
de quem nelas escrevia...havia, também, recadinhos de
pessoas que pensavam estar eternizando, no tronco moreno e
silencioso, o momento que estavam vivendo.
Dependendo da época do ano, a sombra serena abrigava
vendedores de abacaxi, de mexerica, móveis, canga de
praia, toalhas de time de futebol... A mesma sombra
macia acolhia carros e ambulâncias que vinham do
interior trazendo doentes ou parentes. Motoristas,
irmanados na situação, aguardavam em sonecas, em
conversas e em contação de causos, quem era atendido no
hospital Dório Silva - que fica pertinho do local.
De repente, em poucas horas, essas árvores foram abatidas
para dar lugar ao projeto de revitalização de Laranjeiras:
é necessário abrir espaços para circulação de pessoas e de
carros, num arranjo diferente do bucólico conjunto de
sombras, árvores, galhos ao vento...
E eu que continuo trançando com meu singular cotidiano,
pelo mesmo local, ao observar a reação das pessoas à
insólita mudança, puxo das lembranças os eucaliptos e
jequitibás de Rubem Alves, sentindo necessidade de dividir
com alguém meus sentimentos. E o faço escrevendo...
Já ouvi alguém dizendo: “tá estranho aqui...” Ouvi
também: “...parece que está faltando alguma coisa por
aqui, não é?” Os comentários precisam de um outro para
ganharem vida, realidade. Eu os alimento, surpresa:
“Cortaram as árvores que aqui viviam...” O alimento
parece pouco substancioso, a pessoa não dá muita
importância ao que ofereço. A resposta trata a morte das
árvores e do lugar criado por elas, vivido por nós, como se
fosse um fato insignificante ou natural: “Ah... é...”
Também já ouvi: “Que pena! Eram tão antigas! Há quem
comente: “Mas não é que ficou legal, arejado, mais
claro...”
Fico muda, murcha na falta do encanto roubado. Mas,
acho que pior mesmo é ver que, devido à pressa, à
correria, mesmo passando por ali todos os dias, moradores
do bairro nem notaram que as árvores foram cortadas...
Apenas reclamam do rebu das máquinas e dos tratores, do
barulho e da poeira que causam, bem como do batalhão de
trabalhadores, andando, falando no local.
E aí, nessas minhas idas e vindas, tecendo analogias entre
essa história de árvores que fizeram um lugar e a nossa
trajetória profissional como professoras, me pergunto: Por
quanto tempo, ainda, alguém vai lembrar-se daquelas
árvores? Por que ninguém questionou a necessidade ou não
de cortar aquelas árvores, tão indefesas diante do
progresso? Será que não haveria uma forma de inseri-las
no projeto de “revitalização” sem matá-las?
Enfim...eu que as conheci, vou sentir falta delas, vou
lembrar delas com saudades... mas que significado se
perdeu com sua retirada para as pessoas que só conhecerão
o espaço reconstruído, sem elas? O que deixam para o
mundo minhas amigas árvores que foram cortadas e
arrancadas? Um vazio de fotossíntese, mais chances de
aquecimento global? Uma falta sequer percebida por quem
as viu anos a fio? Uma falta volátil de quem viveu
transitoriamente sua sombra?
E nós, professoras, que nos vamos aposentando,
desistindo, mudando de profissão, arrancadas pelo
cansaço, pelo tempo vencido, pela busca de uma
(sobre)vivência mais digna? Será que se lembrarão de
nossos esforços em promover aprendizagens de melhoria da
vida, de harmonia de mundo? Será...???
É assim. E toca a vida...
Professora(sempre) Rita Freire Bastos