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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
CURSO DE HISTÓRIA
ROBERTA LOBÃO CARVALHO
ENTRE A EXPERIÊNCIA E A RETÓRICA: a idéia de História na escrita do padre José de Moraes no Maranhão do século XVIII
São Luís
2008
ROBERTA LOBÃO CARVALHO
ENTRE A EXPERIÊNCIA E A RETÓRICA: a idéia de História na escrita do padre José de Moraes no Maranhão do século XVIII
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão para a obtenção do grau de licenciada em História.
Orientador: Profº. Ms. Alírio Carvalho Cardozo
São Luís
2008
ENTRE A EXPERIÊNCIA E A RETÓRICA: a idéia de História na escrita do padre José de Moraes no Maranhão do século XVIII
ROBERTA LOBÃO CARVALHO
Aprovado em __/__/____
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profº. Ms. Alírio Carvalho Cardozo
(Orientador)
____________________________________________
1° Examinador
____________________________________________
2º Examinador
Em memória de Hesdras Thiago. Que em vida esteve sempre ao meu lado, e hoje a lembrança de seu amor e carinho me acompanham em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela força, coragem e disposição pra enfrentar os percalços deste longo
caminho e por, ao longo dele, ter colocado pessoas que me ajudaram. Sem Ele, nada
seria possível.
À minha mãe, Zilma Lobão, presente em todos os momentos.
À minha vozinha e ao meu avô, Maria das Mercês e Mário Lobão, a quem devo
minha educação, meu caráter, e tudo o que sou hoje.
A meu tio e minhas tias, Silma, Cárita, Regina e Rodolfo, que estão comigo
desde o início da minha vida.
A meus primos e primas, Ana Carolina, Mário Victor, Renata, Beatriz,
Guilherme e Lucas, aos quais vi crescer, e que mais certa do que tudo, sei que serão
meu orgulho.
A meu amor, Roosewelt Lins, que mesmo quando ainda não estávamos junros
muito me ajudou pelo msn com conversas recofortantes de quem sempre acreditou em
mim.
A meus mestres, sem os quais o caminho para o conhecimento seria impossível.
Em especial ao Prof.º Ms. Alírio Cardozo, por ter ajudado a continuar e finalizar esta
parte da minha jornada, com paciência, atenção e dedicação; à Profª. Ms. Helidacy
Muniz, que me iniciou no mundo da pesquisa e me ensinou a dar os primeiros passos,
com a paciência de quem sabe e tem muito a ensinar; ao Prof.º Ms. Marcelo Cheche,
que para mim é um exemplo, e por quem possuo um imenso carinho e respeito; ao
Prof.º Ms. Henrique Borralho, que fez das aulas viagens agraváveis; à Prof.ª Drª.
Adriana Zierer, pelos conselhos importantes; à Prof.ª Ms. Milena Galdez, que muito me
ajudou nos últimos meses de aula; ao Prof.º Fábio Monteiro, que alegrou o estágio o
qual tanto temia, ao Prof. Ms. Alan Kardec, pelas conversas durante as coronas que de
bom grado me deu e à minha queria Prof.ª Ms. Marivânia Furtado, que mais que uma
professora se tornou uma amiga muito querida.
Aos meus amigos, o melhor que levo da graduação. Os amigos de turma, Laiane,
com seu jeito único, Desne, carinhosa e meiga e Fred, nosso pop star. Aos amigos que
fiz fora da sala: Luciana e Flávia. Aos amigos que estiveram comigo na alegria e na
tristeza: Arlin, Dayse, Mírian, Renata e Bárbara (minhas irmãs), Clenilson, Fernando,
Jorge, Paulo e Rafael. (meus irmãos). À Neila, que durante um bom tempo esteve
sempre ao meu lado. À Nahiamy, minha baixinha. Aos amigos, Heron e Lilah, que
nunca deixarei sair de minha vida. À Hesdras Thiago, ontem, hoje e sempre meu melhor
amigo.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste
trabalho, cuja caminhada foi longa e demorada, e somente quem a percorreu junto a
mim, sabe de seus sabores e dissabores.
Carvalho, Roberta Lobão.
Entre a experiência e a retórica: a idéia de história na escrita do
Padre José de Moraes no Maranhão do século XVIII/ Roberta Lobão
Carvalho. – São Luís, 2008.
---f.: il.
Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade
Estadual do Maranhão, 2008.
Orientador: Prof. Msc. Alírio Carvalho Cardoso
RESUMO
No século XVIII está se construindo uma nova concepção de História, a Iluminista.
Porém, há outra concepção vigente, pouco estudada ainda, esta seria a concepção
religiosa, que tem em seu melhor exemplo a Companhia de Jesus na construção de uma
História particular de suas missões, desse modo, os jesuítas concebem a História como
parte da Providência. Neste trabalho buscamos analisar a idéia de História para a
Companhia de Jesus através da obra do padre jesuíta José de Moraes História da
Companhia de Jesus na Extinta província do Maranhão e Pará [1759]. Para esta
análise, estudamos a estrutura formal que a narrativa de um jesuíta deveria possuir e
também o cenário em que a produção desta obra estava inserida, buscando perceber até
que ponto este influenciaria àquela. Para a melhor compreensão dessa concepção,
estudamos também as obras de jesuítas famosos, como o padre Antonio Vieira e
Serafim Leite, além de um antijesuíta famoso por se opor aos jesuítas antes da época
pombalina, Bernardo Pereira de Berredo.
Palavras - chave: Século XVIII; Maranhão Colonial; Companhia de Jesus; José de
Moraes; História.
ABSTRACT
In the eighteenth century it is building a new conception of History, the Illuminist. But
there is another conception, yet little study, this would be the religion conception, which
has the best example in the Society of Jesus, in the construction of a private History of
their missions, in this way the Jesuits think the History like part of Providence. This
study sought to analyze the idea of History for the Society of Jesus through the work of
the Jesuit priest José de Moraes História da Companhia de Jesus na Extinta província
do Maranhão e Pará [1759]. This research studied the formal structure of the narrative
of a Jesuit should have and also the scenario in which production this was inserted,
seeking realize how far this influence that. For better understanding of this conception,
we also studied the works of famous as Jesuits, Father Antonio Vieira and Serafim
Leite, plus a famous antijesuíta to oppose the Jesuits before the Pombal age, Bernardo
Pereira de Berredo.
Keywords: Eighteenth Century; Maranhão Colonial; Society of Jesus; José de Moraes;
History.
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................... 10
1 CAPÍTULO I: ENTRE A TRADIÇÃO E A EXPERIÊNCIA........................... 14
1.1 Narrativa exemplar........................................................................................... 15
1.2 A forma da retórica........................................................................................... 20
1.3 O cenário............................................................................................................ 25 1.4 Resposta ao cenário........................................................................................... 29
2 CAPÍTULO II: HISTÓRIA E MISSÃO............................................................... 32
2.1 Várias Histórias................................................................................................. 32 2.2 Termos da História ou Histórias dos termos.................................................. 39 2.3 Cotidiano e missão............................................................................................ 42 2.3.1 Jesuítas e colonos........................................................................................... 43 2.3.2 O índio do jesuíta.......................................................................................... 46 2.3.3 Os jesuítas segundo um jesuíta.................................................................... 49
3 CAPÍTULO III: OS GRANDES TEMAS DA COMPANHIA DE JESUS
........................................................................................................................ 52
3.1 Antagonismos de poderes: jesuítas, Câmara, moradores e Coroa.............. 52 3.1.1 Século XVII................................................................................................... 52 3.1.2 Século XVIII.................................................................................................. 58 3.2 Marcos da História da Companhia de Jesus................................................. 62 3.3 Tópicas recorrentes........................................................................................... 65 3.3.1 Liberdade indígena........................................................................................ 65 3. 3.2 A riqueza das missões....................................................................................68 3.3.3 A natureza...................................................................................................... 69 3.3.4 A unidade da ordem...................................................................................... 70
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 73
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 75
10
Introdução
No século XVIII, está se construindo uma nova concepção de História, a chamada
Iluminista. No entanto, há outra concepção vigente, pouco estudada ainda, esta seria a concepção
religiosa de História, cujo melhor exemplo é o da Companhia de Jesus na idealização de uma
história particular de suas missões e de seus feitos pelo mundo. Para os padres da Companhia de
Jesus, o conceito de História se afasta sistematicamente da simples narrativa do real e relativiza a
noção de verdade. Portanto, ao construírem seus relatos, suas crônicas, cartas, tratados, ou qualquer
outro tipo de narrativa, os jesuítas organizam os acontecimentos de modo a tornar os expostos
edificantes para seus leitores, sem se ater à ordem dos acontecimentos, à cronologia dos fatos.
Adolfo Hansen, ao falar da História do Futuro, escrita pelo padre Vieira, aborda esta questão da
visão de História e de temporalidade para Companhia de Jesus:
Da mesma maneira, a interpretação figural da história feita por Vieira, estabelece especularidade entre eventos bíblicos e eventos de seu tempo, por exemplo, as guerras holandesas e a política dos Bragança, a descoberta da América, a missão jesuítica e a catequese dos índios, afirmando a destinação essencial da história portuguesa. 1
Vemos estas características nas obras dos padres jesuítas, que não possuíam nenhum
problema em relacionar acontecimentos bíblicos com eventos de seu tempo, por acreditar que Deus
é a causa de tudo e, por isso, a História sempre se repete em todos os diferentes tempos, sendo para
a Companhia de Jesus providencialista e tendo na vontade de Deus a sua causa primeira,
relacionando o passado e a expectativa do futuro.
Neste trabalho, observamos como estes conceitos são empregados pelo padre José de
Moraes, antigo teólogo da Junta das Missões, em sua obra História da Companhia de Jesus no
Antigo Estado do Maranhão e Pará2. A edição que trabalhamos foi publicada no ano de 1987, pela
editora Alhambra. A primeira edição seria de 1759. Esta obra foi escrita no século XVIII, século
conturbado para as relações da Companhia de Jesus, tanto no Maranhão quanto na Europa. Neste
período surge o mais implacável inimigo da Companhia de Jesus, o primeiro ministro de D. José I,
rei de Portugal, o futuro Marquês de Pombal.
As narrativas jesuíticas eram norteadas por uma tratadística rigorosa, a forma da sua obra era
tão ou mais importante que o seu conteúdo, sendo este até mesmo adequado à narrativa. Diante
deste rigor, buscamos observar o cenário em que a obra do padre Moraes estava inserida, se a sua
1 HANSEN, João Adolfo. Ler & Ver: pressupostos da representação colonial. Disponível em www.geocities.com 2 Doravante História da Companhia de Jesus no Maranhão.
11
narrativa fora escrita seguindo todo o rigor erudito que informava outras obras jesuíticas, ou se fora
influenciada pelos acontecimentos em que estava envolvida a Companhia de Jesus no século XVIII.
Entendemos, portanto, que a narrativa que se tece em torno de um objeto é resultado do que a cerca,
não apenas dos acontecimentos, mas das teias de relações estabelecidas ao redor desta.
Para melhor compreender a forma que a narrativa de um inaciano deveria seguir, no
primeiro capítulo intitulado Entre a Narrativa e a Experiência, estudamos a narrativa construída em
torno da morte do padre Francisco Pinto, que envolve uma série de fatores importantes para a
construção da História da Companhia de Jesus no Maranhão, como o aparecimento do primeiro
mártir jesuíta do Maranhão, o padre Pinto, e o futuro fundador da missão no Estado, o padre Luís
Figueira.
A partir desta narrativa estudamos pontos importantes para a escrita da História da
Companhia, como, por exemplo, quando o padre Moraes relaciona a entrada dos jesuítas no
Maranhão com o início da conquista deste território, nomeando, portanto o padre Pinto e o padre
Figueira como primeiros “descobridores do Maranhão”. Analisando como esta história é contada,
percebemos a relação entre a utilização de invenções retóricas e os acontecimentos do século XVIII.
Para a melhor compreensão deste estudo dividimos o capítulo em quatro tópicos. No
primeiro, intitulado A Narrativa Exemplar, contamos a História da missão dos padres Pinto e
Figueira, até a morte do primeiro, segundo a visão do padre José de Moraes. Observando o modo
como os fatos são dispostos pelo padre, notamos que a narrativa fora feita de forma a edificar o
leitor que a ela tivesse acesso, podendo ser, por isso, classificada enquanto uma narrativa exemplar,
pois o martírio passado pelo padre Pinto, não somente na hora de sua morte, mas em toda a sua
missão, seria recompensado pelas almas salvas em tão grande seara. João Adolfo Hansen afirma
que: “o terceiro objetivo (das narrativas jesuíticas) é o reforço do entusiasmo catequético”. E coloca
ainda que: “Enquanto ouvem as notícias, os padres choram de júbilo, desejando para si mesmos o
destino dos irmãos martirizados”. 3 Observamos que esta narrativa é utilizada no esforço de servir
de exemplo e de servir de consolo aos jesuítas diante do cenário em que estavam inseridos no
século XVIII.
No segundo tópico, optamos por estudar a arte da retórica empregada pela Companhia de
Jesus, este é intitulado A Forma da Retórica. Aqui buscamos entender o que esta seria, de que
forma aparece na obra de Moraes e como está empregada numa narrativa exemplar. Fizemos uma
3 HANSEN, João Adolfo. A escrita da Conversão. In: COSTIGAN, Lúcia Helena (org.). Diálogos da Conversão. Campinas: Editora da UNICAMP, 2005, pp.15-44, p.17.
12
breve análise da epistolografia jesuítica para entendermos qual o papel desempenhado por ela na
construção desta História, não procuramos distinguir o que seria “real”, mas entender de que forma
a utilização da retórica ajuda na construção do gênero História, para Ordem dos Inacianos.
No terceiro tópico intitulado O Cenário, estudamos o contexto em que a obra foi escrita. No
século XVIII, os jesuítas sofriam intensa perseguição no Maranhão e na Europa. Na década de 1750
surgem várias obras, panfletos e libelos nos quais se encontravam acusações contra os padres da
Companhia. Essa campanha de alcance internacional tinha como cabeça o Marquês de Pombal.
Construído este cenário, pensamos se é possível que toda a narrativa estabelecida na obra do padre
José de Moraes seja apenas retórica, buscando perceber se esse cenário não influenciaria na
construção desta.
Para encerrar o primeiro capítulo, no quarto tópico intitulado Resposta ao Cenário, tentamos
compreender a relação existente entre a narrativa da morte do padre Pinto e os acontecimentos que
cercavam a escrita da obra. O padre Moraes, ao relatar a missão do padre Pinto, destaca o
sofrimento que esse padre passa, fala do caráter exemplar de sua morte e de como os jesuítas se
portavam diante de suas obrigações. É notório, assim, o caráter encontrado nas narrativas jesuíticas
de consolação, ânimo e exemplo a outros missionários de como deveriam viver em fé, mesmo
diante das provações que passavam, e para que todos que tivessem acesso à sua obra pudessem
observar quão virtuosos seriam os padres da Companhia.
Neste tópico observamos que, devido à agitação do ano de 1758, há a necessidade de
sustentação da missão jesuítica. Talvez a obra do padre Moraes tivesse como missão construir a
História da Companhia, mas uma história edificante e, portanto, nada melhor que relatar fatos não
ocorridos na Europa que mostrassem o quanto os jesuítas foram importantes no processo de
conquista, alargamento e consolidação destes territórios, construindo um quadro temático a partir de
situações reais.
No segundo capítulo, História e Missão, buscamos identificar como os jesuítas concebiam o
conceito de História, e como este era diferente do conceito Iluminista do século XVIII. Para tanto,
estudamos obras de jesuítas célebres, como os padres Antônio Vieira, Jacinto de Carvalho e João
Felipe Bettendorff, e as comparamos com a obra do padre Moraes, para percebermos desta forma
como a História enquanto gênero, para esta Ordem, possuía um conceito particular, utilizado no
ideal da escrita de uma História Jesuítica.
Além do conceito de História empregado pela Companhia, estudamos também neste
capítulo, no tópico Termos da História, ou História dos Termos, as palavras empregadas na obra de
13
José de Moraes, como: religião, colônia, jesuítas e História. Fizemos este estudo por entendermos
que alguns termos são particularmente importantes para compreendermos as narrativas, não apenas
dos jesuítas, mas escritas nos séculos XVII e XVIII. Portanto, os termos constituem uma história à
parte nesta História jesuíta do Maranhão, parte interessante da lógica e da natureza do próprio texto
de Moraes, e que nos ajuda a compreender as especificidades do período.
Discutimos ainda, no terceiro tópico intitulado Cotidiano e Missão, assuntos que se mostram
na obra do padre Moraes, relacionados tanto ao modo que os jesuítas tinham de escrever sua
História quanto aos relatos do cotidiano de suas missões. Para um jesuíta, História, cotidiano e
missão faziam parte da composição do cenário de suas narrativas.
No terceiro capítulo, Os Grandes Temas da Companhia de Jesus, estudamos como o padre
José de Moraes representa temas recorrentes nas obras dos jesuítas. Temas como os conflitos entre
jesuítas e colonos, a liberdade indígena, a relação entre riqueza e pobreza, entre outros.
Examinamos as relações de poder que se estabeleceram no Maranhão, analisando como as disputas
travadas ao longo século XVII aparecem na obra História da Companhia de Jesus, e como as
travadas no século XVIII influenciam na forma da narrativa que José de Moraes emprega na escrita
da obra.
Neste capítulo observamos ainda como a chegada do padre Antônio Vieira é representada na
obra e de que forma Moraes ajuda a construir a importância que a passagem do padre Vieira vai
tomar para a História do Maranhão. Estudamos ainda a forma com que as duas expulsões da
Companhia de Jesus do Maranhão são tratadas por Moraes, e versamos sobre as Tópicas
Recorrentes na obra, como a Liberdade Indígena, A riqueza das Missões, e a Natureza. Estes temas
aparecem nas obras jesuíticas como personagens destas, tamanha a importância que adquirem não
somente na obra do padre Moraes, mas para a narrativa jesuítica de forma geral.
Esperamos que o resultado, aqui apresentado, agrade aos leitores.
14
1 Capítulo I: ENTRE A TRADIÇÃO E A EXPERIÊNCIA.
As narrativas produzidas por missionários vêm permeadas de relatos sobre a natureza e sua
abundância, sobre suas viagens longas rumo ao novo, ao desconhecido, a serviço de Deus e do
Reino, permitindo o contato com “uma multiplicidade de costumes nunca antes imaginados”. 4 Os
relatos escritos sobre os objetivos e o cotidiano das missões possuíam um caráter informativo e
edificante, devendo relatar o que ocorria em diferentes pontos e servir de exemplo a outros
missionários. Castelnau-L’Estoile afirma que:
A correspondência desempenhava um papel maior na difusão do “modo de fazer” jesuíta, fundamento de sua identidade. Um dos objetivos destas trocas de informações era de fazer saber a uns, o que se passava com os outros, permitindo aos jesuítas isolados reafirmar por meio da leitura das cartas e das obras seu pertencimento a Ordem. 5
Dessa forma, percebemos que as narrativas jesuíticas não são, absolutamente, uma tábua em
branco, impressionadas por acontecimentos vividos pelos missionários. Estas narrativas possuíam
um caráter específico segundo as tradições letradas e teológicas da Ordem. Alcir Pécora nos diz que
as narrativas missionárias “possuíam três aspectos decisivos: o da informação, o da reunião de todos
em um, e, enfim, o da experiência mística ou devocional”. 6
Neste primeiro capítulo discutiremos a narrativa da morte do primeiro mártir da Companhia
de Jesus no Antigo Estado do Maranhão7, o Padre Francisco Pinto. Para a devida compreensão
desse relato específico é importante mencionarmos que um dos recursos utilizados pelos padres
jesuítas em suas obras é fazer constante menção ao passado bíblico relacionando-o ao ocorrido nas
missões. Alírio Cardozo nos lembra que ao estudarmos uma obra jesuítica devemos observar que:
[...] as histórias que podemos ler em Crônicas, Cartas e Relações quinhentistas e seiscentistas foram, muitas vezes, produzidas tempos depois do suposto ocorrido. [...] As informações produzidas nestes textos deveriam ser ordenadas segundo padrões retóricos e dogmáticos, confundido naturalmente passado e presente. Assim, o texto jesuítico
4 RAMINELLI, RONALD. Império da fé: Ensaio sobre os portugueses no Congo, Brasil e Japão. In. FRAGOSO, João; Bicalho, Maria Fernanda Baptista; Gouveia, Maria de Fátima; (org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica Imperial portuguesa (séc. XVI-XVII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2001, p.227.
5 CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlote de. Operários de uma Vinha estéril: Os jesuítas e a conversão dos índios no Brasil- 1580-1620. Bauru: Edusc, 2006, p.72.
6 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001, pp. 18 e 28. 7 Quando nos referimos ao Maranhão, estamos falando do imenso território que começa a noroeste da capitania do
Ceará, onde encontrava termo a ocupação efetiva do espaço pelo Império português, e vai até a desconhecida divisa com o Vice-Reinado do Peru. (...) Em dias de hoje, o Maranhão corresponderia aos Estados que compõem a chamada Amazônia legal (Amazonas, Pará, Amapá, Rondônia, Roraima, Acre, Tocantins) e mais os atuais Piauí, Maranhão e, por vezes, o Ceará, muito embora essa transposição para dias atuais seja bastante pobre em termos descritivos. Na prática, o Maranhão terminava até onde alcançavam os interesses privados dos grupos lusos pernambucanos que fizeram a conquista. (CARDOZO, Alíro Carvalho. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). Dissertação/ UNICAMP, 2002, p.13-14.)
15
relaciona, sem problemas, o Amazonas, o Tejo, o Nilo; da mesma forma, confunde: o Pará, Portugal, o Egito; e ainda: o Governador, o Rei, o Faraó.
8
Percebemos, deste modo, que ao analisarmos este relato devemos atentar para a forma como
os jesuítas constroem sua História, observando que estes, de certa forma, acabam teatralizando os
acontecimentos ao utilizar os artifícios da arte retórica (bastante cultivada entre os padres da
Companhia de Jesus entre os séculos XVI a XVIII). O relato sobre a morte do Padre Francisco
Pinto parece-nos um estudo de caso relevante para pensarmos, a partir dele, a relação entre a
invenção retórica e a experiência vivida por aquele padre. Lembrando sempre que o “historiador
que pretende construir uma versão minimamente verossímil da narrativa sobre as viagens e
travessias jesuíticas, a partir das próprias fontes missionárias, deve estar atento a tais conversões”. 9
A partir de agora, em vez de somente explicar a narrativa sobre a morte do padre Francisco
Pinto, iremos contá-la de acordo com o relato de outro jesuíta, o padre José de Moraes, pois
percebemos que uma História ou uma simples narrativa pode nos ajudar a compreender como os
padres da Companhia entendem a própria noção de Crônica e a idéia de narrativa, para assim
repensarmos o conceito de História entre os jesuítas.
1.1 Narrativa Exemplar
Na obra História da Companhia de Jesus no Maranhão e Pará escrita em 1759 pelo Padre
José de Moraes, encontra-se a narrativa sobre a morte do Padre Francisco Pinto. Moraes conta que
ainda nas primeiras tentativas de “colonização” das terras do Maranhão os Padres Francisco Pinto e
Luis Figueira foram nomeados como primeiros missionários e descobridores destes territórios, o
primeiro, glorioso mártir, e o segundo, primeiro fundador da missão do Maranhão. Moraes sempre
identifica a conquista do Maranhão com o esforço de missionação jesuítica, portanto, para ele, o
início da missão fora também o início da colonização do Maranhão.
O padre Pinto, segundo se dizia, era um homem conhecedor das línguas indígenas, devido à
experiência que já havia adquirido nas aldeias de Pernambuco, e sabia tratar dos gentios com rara
paciência. Quando os padres Pinto e Figueira saíram do Colégio para suas missões, partiram em
uma embarcação que levava sal a Jaguaribe.10 O relato conta a passagem dos jesuítas do Ceará para
8 CARDOZO, Alírio. História como espetáculo: A missão da Companhia nas águas do Xingu. 1636. In: MARTINS, César. História do Xing. Belém: Editora da UFPA, 2008. (no prelo).
9 CARDOZO, idem. 10 Atualmente se localiza na Micro-Região do médio Jaguaribe no Ceará
16
o Maranhão, onde havia estado Martim Soares Moreno, o famoso capitão que comandou a
conquista do Maranhão em 1615. O objetivo desta passagem era temperar os ânimos dos indígenas
daquela região, notadamente azedos com as ações de Pedro Coelho, capitão pernambucano, que
juntamente com Martins Soares Moreno iniciou a empreitada da conquista das terras do Maranhão.
Referimo-nos aqui ao ocorrido anteriormente, quando Pedro Coelho, de acordo com José de Moraes
levado por sua ganância, iludiu e depois aprisionou vários indígenas, forçando-os a trabalhar em
suas obras particulares. Os jesuítas viriam para acalmar os ânimos desses indígenas, que agora se
encontravam arredios e desconfiados com os portugueses. Para melhor fazerem, os missionários
vieram acompanhados de alguns dos indígenas que foram:
[...] amarrados no Ceará, assim tabajaras como tupinambás, vindos do Maranhão a serra, e da serra ao injusto cativeiro dos pernambucanos, que posto já na sua liberdade pelo mesmo governador Gaspar de Sousa, viviam contentes em nossas aldeias, e agora acompanhavam gostosos aos nossos padres. 11
Vemos que os padres, devido à suas alegadas experiências no trato como os indígenas, são
utilizados como apaziguadores de uma perigosa situação criada pelos colonos portugueses. Os
jesuítas acalmaram os ânimos dos indígenas enganados por Pedro Coelho, e logo estes se
ofereceram aos padres para formarem uma nova missão. Fundada a missão, Moraes relata que os
padres começaram a trabalhar pela conversão dos indígenas, ensinando os primeiros mistérios da fé
aos meninos e meninas, e catequizando os pais e mães. Esta forma de catequese é a chamada via
amorosa, que segundo Pécora:
[...] supõe entre outras práticas a visita e a pregação desarmada dos padres nas aldeias, o exemplo da vida dos missionários, [...] a pregação sistemática aos adultos, o ensino de leitura e escrita do português aos adultos, além de doutrina religiosa aos pequenos. 12
Depois de acalmar e reduzir os tabajara à fé católica, o padre Francisco Pinto resolveu partir
para o Maranhão. José de Moraes mostra em seu relato o desejo que o padre tinha de ficar no
aldeamento, enfatizando o grande apego dos indígenas pelos padres, e dos padres pelos indígenas.
Produz desta forma, todo um panorama que ressalta a boa relação entre os missionários e os
indígenas, criando um cenário favorável à ação dos jesuítas. Segundo ainda o padre Moraes: “entre
muitas lágrimas e sentimentos se despediram dos seus potiguaras, e estes de seus amantíssimos
padres, tomando todos a sua bênção e acompanhados já de uma filial e amorosa saudade”. 13
Notamos nesta passagem que os jesuítas não cumpriam sua vontade pessoal, mas a obediência
11 MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará (1759).
Editora Alhambra, Rio de Janeiro, 1987, p. 27. 12 PÉCORA, 2001, p.47. 13 MORAES, Op. Cit., p.31.
17
devida aos Superiores da Ordem. Na verdade, segundo o ideal de obediência jesuítica, um padre
deveria confundir a vontade dos superiores com a sua própria.
Os padres seguiram seu caminho, acompanhados de alguns tabajaras da serra, dos
tupinambás do Maranhão e de um potiguara que não os quis largar. Chegaram ao rio Paranamirim,
onde saíram da orla e buscaram passagem pelo sertão, no qual devido a quase inexistência de trilha,
abriam o caminho com as forças de seus braços.
O caminho percorrido pelos padres foi muito difícil, era tempo de chuva e devido a este fato
muitas vezes tinham que continuar sua jornada molhados, pois não possuíam roupas para mudar
nem local para se abrigar e faltavam-lhes também alimentos. Na orla havia peixes e mariscos,
porém, no serrado, faltava-lhes opções. O leitor pode perceber que as dificuldades passadas pelos
missionários são ressaltadas durante toda a narrativa, no entanto, elas sempre são recompensadas.
Desta forma temos o exemplo do que Cristina Pompa chama de “relato edificante”, 14 ou seja,
Moraes utiliza-se de: “uma descrição ou composição de quadro temático, em que os acontecimentos
selecionados atuam no conjunto como exemplos de situações repetidas”. 15 Outro exemplo deste
relato edificante encontra-se no seguinte trecho:
Mas nem as grandes dificuldades que nas passagens dos rios encontrariam, nem a grande falta do que comer que padeciam entibiava os ânimos, ou enfraquecia a força daqueles agigantados campeões; lutando continuamente com os perigos, e com a mesma morte, a que se faziam superiores com sua constância e sofrimento.
16
Passados sete meses de sua partida de Pernambuco, alcançaram os missionários a Serra de
Ibiapaba. Francisco Pinto e Luis Figueira foram os primeiros missionários que pisaram estas terras,
vistas como terra da promissão e consideradas fronteira natural entre o Estado do Brasil e a região
do Maranhão.
Na narrativa da chegada dos missionários à serra, percebemos que Moraes pretende mostrar
que os indígenas dali possuíam bom ânimo para recebê-los, tanto que, ao chegarem à serra, os
missionários enviam os tabajara que os acompanhavam para dar notícia de sua chegada e “não
sendo necessário maior aviso, correram, todos juntos a buscá-lo, e como os achavam em força
debilitados os levaram em braços para uma das três populosas aldeias”.17
Quando recuperaram suas forças, os padres começaram logo as suas tarefas de conversão
dos gentios, tarefa essa que pela boa disposição dos indígenas para com os missionários, e bom
14 POMPA, Cristina. Religião como Tradução: missionários, Tupi e Tapuias no Brasil colonial. São Paulo:
EDUSC. 2003, p. 83. 15 PÉCORA, 2001, p.40. 16 MORAES, Op. Cit., p.31. 17 Idem, ibidem, p.32
18
ânimo para se tornarem cristãos, não se revelou tão difícil. Os padres passaram cinco meses
catequizando os indígenas e edificando uma igreja para seus trabalhos espirituais. Depois disso,
antes de partir ao Maranhão - que era o objetivo último de sua missão - resolveu o padre Pinto
enviar embaixadores das nações convertidas para darem testemunho às nações vizinhas das
benesses trazidas pelos missionários e de seu bom exemplo de vida. Tudo isto feito para preservar o
trabalho que até então tinham realizado. Entre essas nações vizinhas encontram-se os tacariju,
“nações dentre todas as mais bárbara, e por isso do venerável padre a mais apetecida para universal
concórdia de todo aquele distrito”.18 Enviaram embaixadores para tratar com essa nação e, como
tardaram a retornar, resolveram os missionários partirem para o Maranhão, acompanhados por
alguns tupinambá, tabajara e potiguar.
Passados dois dias de sua partida os padres foram cercados pelos tacariju, que já haviam
matado os embaixadores enviados anteriormente, deixando apenas um com vida para que os guiasse
até os missionários, que foram atacados ao amanhecer, sem ter forma alguma para sua defesa.
Alguns indígenas levaram o padre Figueira para se esconder na mata que, segundo Moraes, fora
poupado, pois havia de lançar depois os primeiros fundamentos da missão jesuítica no Maranhão.
O padre Francisco Pinto não desfrutou da mesma sorte do padre Figueira, que foi morto
nessa empreitada a golpes de pau -de – jucá, um pedaço de madeira utilizado pelos tacariju para
matar seus inimigos. A morte do padre Pinto teria sido aos 11 de janeiro de 1608. Na narrativa da
morte do padre, sempre é destacada a santidade e grandeza de espírito deste missionário disposto a
morrer por sua missão, que não reagindo ao ataque dos indígenas, pôs-se ainda a rezar a Deus
mostrando tamanha fé e coragem, segundo Moraes.
Destaca-se ainda, o fato de morrerem três indígenas na defesa do padre, representantes das
três grandes nações pelas quais Francisco Pinto havia trabalhado. O primeiro pertencia à nação
potiguara e chamava-se Pedro, o segundo era Antônio da nação tupinambá, e o terceiro um tabajara
chamado de Iguaçumirim (água pouco quente). A morte destes três indígenas fora representada
como sinal do amor e da fidelidade que os indígenas possuíam pelos missionários jesuítas, como
veremos a seguir.
A morte do padre Pinto não encerra sua participação na crônica do padre José de Moraes,
nem na História da missão jesuítica no Maranhão, pois ele ainda será muitas vezes lembrado como
exemplo de conduta e como forma de consolo e alívio a outros missionários. Além disso, seriam
atribuídos milagres aos restos mortais do padre, que seria mesmo depois de morto, responsável pela
18 MORAES. Op. Cit., p.34
19
conversão de diversos indígenas. Assim constrói-se a idéia de que sendo homem santo e dedicado
ao serviço de Deus, em morte continuou com a obra que com amor e exemplo iniciou e realizou em
vida.
A narrativa que acabamos de expor nos mostra pontos importantes da História da
Companhia de Jesus, não apenas a respeito da missão dos jesuítas, mas sobre o fundamento erudito
de sua escrita. Ao relatar esses acontecimentos, o padre Moraes busca construir uma narrativa que
possua um caráter devocional, que crie um sentimento edificante ao leitor da obra, jesuítas ou não.
A escrita missionária abordava aspectos que transcendiam o caráter informativo. Pécora nos
diz que as principais funções das cartas jesuíticas eram edificar, dar notícias dos frutos das missões,
instruírem os missionários enviados em missões e unir os ânimos. Percebemos este caráter múltiplo
na história da morte do padre Pinto.
Dessa forma, temos claro que o relato espistolográfico jesuítico não tem unicamente um caráter informativo, mas também uma mensagem que se pretende ao mesmo tempo devocional, doutrinária e persuasiva.19
Ao relatar as dificuldades da missão do Maranhão, Padre Moraes sempre reforça o sentido
da benção e dos frutos que ela proporcionava aos missionários, e até mesmo a morte do padre Pinto
é considerada como abençoada, pois nada seria mais honroso a um missionário jesuíta que morrer
em missão, ou como afirma Inácio Strieder, morrer como verdadeiro soldado da “milícia de Cristo,
que combate pelo reino de Deus”. 20 Observa-se aqui que Moraes traz para o primeiro plano de sua
narrativa as dificuldades da missão, “reinterpretando-a como fezes cálix da salvação do gentio, em
que a fé se traduz, por vezes, não apenas como aceitação voluntária da morte, mas como intenso
desejo do martírio”. 21 As narrativas jesuíticas são entendidas como lugar no qual se podem
compartilhar as alegrias e tristezas vividas isoladamente nas missões. “Acentuando o seu caráter de
participação afetiva e experiência mística, constitui-se como estreitamento amoroso dos membros
da Companhia”.22
1.1 A Forma da Retórica.
19 CARDOZO, Alíro Carvalho. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). Dissertação de Mestrado/UNICAMP, 2002, p.21.
20 STRIEDER, Inácio Reinaldo, Os Jesuítas e suas matrizes utópicas. IN: BRANDÃO, Silva (organizadora),
História das Religiões no Brasil, Volume 3. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2004, p.28. 21
PÉCORA, Alcir & CARDOZO, Alírio. Da Língua a Escrita: a epistolografia jesuítica na Amazônia (séc. XVII-XVIII). IN: FIGUEREDO, Aldri. Enciclopédia Cultural da Amazônia. Vol. I. Belém: Fundação da Amazônia. 2008 (no Prelo).
22 Idem, ibidem.
20
Para melhor compreender a função desempenhada pelo relato edificante na narrativa
inaciana, iremos fazer uma breve análise da epistolografia jesuítica para entendermos qual o papel
desempenhado por ela na construção desta História. Não intentamos distinguir o que há de real nela,
mas para entendermos os princípios norteadores do que o padre Moraes chama de História.
Os jesuítas não deveriam agir somente sobre ordens diretas de um superior presente, cada
qual deveria ser capaz de tomar decisões. Esperava-se que um jesuíta fosse capaz de agir por conta
própria, mas a sua atividade epistolar era tão importante que “diferentemente de outras atividades
deixadas à iniciativa individual era regulada por prescrições rígidas, que distinguiam gêneros
epistolares conforme os conteúdos e destinatários”. 23
A epistolografia jesuítica e parte da arte da escrita eram regidas pela Ars Dictamines24
medieval e moderna. Essa arte de época favoreceu também o conhecimento de obras como o relato
de José de Moraes. Classicamente, a carta erudita é assim dividida: salutatio, captatio
benevolentiae, narratio, petitio e conclusio.25 Esse modelo é estudado por Alcir Pécora, que afirma
que:
[...] as cartas não testemunham, nem significam nada que sua própria tradição e dinâmica formal não possam acomodar. Bem ao contrario, os seus conteúdos mais complexos, como o índio ou o jesuíta, ou ainda melhor, o índio do jesuíta são funções estritas dessa acomodação histórica do gênero.26
Pécora desenvolveu um estudo da Ars Dictaminis ao longo da tradição epistolar moderna.
Na mesma direção Guilherme Luz afirma que:
[...] destacando o profundo interesse que esta arte despertou no século XVI, no seio da Companhia de Jesus, em especial no seu próprio fundador, Santo Inácio de Loyola. A companhia não aplicou simplesmente as técnicas disponíveis para confecção de cartas adaptando-as a sua necessidade práticas. Mais profundamente, ela as aperfeiçoou, incorporando-as às práticas adequadas à atividade missionárias.27
23 POMPA, Op. Cit. p. 81. 24 A Ars Dictaminis é uma arte que ensina a escrever uma carta erudita segundo normas já previamente
estabelecidas por tradições e tratados clássicos e medievais. 25 A salutio é a primeira parte do exórdio da carta. Trata-se de uma breve saudação, entendida como aplicação de
uma fórmula piedosa, com poucas variações notáveis, seja qual for o lugar hierárquico do destinatário; A capitatio
benevoletiae, segunda parte do exórdio, busca disposição favorável do leitor para o que há de ler em seguida; A narratio é basicamente a composição de um quadro temático em que os acontecimentos selecionados, atuam como exemplo de situações repetidas, que referem menos ocorrências únicas do que cenas exemplares, típicas, relativas à práticas longamente estabelecidas; A petitio é as várias solicitações feitas à autoridade competente; A conclusion, lugar devocional que acentua a malha hierárquica e mística constituída pela Sociedade de Jesus. Apud. PÉCORA, Alcir & CARDOZO, Alírio. Da Língua à Escrita: a epistolografia jesuítica na Amazônia (séc. XVII-XVIII). In: FIGUEREDO, Aldri. Enciclopédia Cultural da Amazônia. vol.; I. Belém: Fundação da Amazônia. 2008 (no Prelo).
26 PÉCORA, 2001, p.18. 27 LUZ, Guilherme Amaral. Carne Humana: a retórica do canibalismo na América portuguesa quinhentista.
Campinas: [s/n.]. Dissertação/ UNICAMP, 2003, p. 34.
21
Para Pécora, da mesma forma, o principal texto da Companhia de Jesus que trata das cartas
como instrumento útil à fé católica são as Constituiciones Inacianas, do qual se retirou as três
funções básicas das correspondências: informar, reunir todos em um e gerar uma experiência
mística ou devocional. “A Ars Dictaminis, portanto, tornar-se-ia, na sua versão inaciana, algo
comparável às fábulas místicas dos séculos XVI e XVII, [...] Nas suas formas particulares, a ‘carta
jesuítica’ atualiza a própria mística inaciana”. 28
As cartas jesuíticas, mais do que relatos do espanto dos jesuítas sobre o novo mundo,
possuíam uma expressão maior, e seu conteúdo se modificava de acordo com sua maior ou menor
circulação. Para Cícero as cartas nasceram do:
[...] desejo de informar aos ausentes, quando era interessante para eles ou para nós que eles fossem informados de qualquer coisa [...], as carta se dividiam em pelo menos três gêneros: cartas de informação; cartas familiares ou jocosas (ou privadas), cartas severas e graves (ou pública). 29
A obra do padre José de Moraes é classificada como uma crônica, podendo ser analisada
enquanto uma espécie de carta pública ou negocial, que “trata de assuntos de interesse geral, por
isso admite a dissertação, a erudição, a doutrina, os ornamentos e a polêmica [...]. Diferente da
carta familiar que, de preferência, é breve”. 30 A carta negocial possuía um caráter edificante e
qualquer um poderia ler seu conteúdo, incluindo autoridades portuguesas. Semelhante às cartas, a
crônica jesuítica comporta três níveis básicos de intervenção sobre a realidade:
1° Informação da situação específica das missões, dos lugares e dos homens; 2° Reforço no sentido de solidariedade da Ordem, a partir de práticas e métodos compartilhados; 3º Construção de uma mensagem devota, acomodando as circunstâncias ao padrão retórico e preceitos escolásticos do período. 31
Portanto, ao analisarmos a constituição das cartas jesuíticas estamos também analisando a
crônica, que se estabelece como um dos gêneros pertencentes à epistolografia jesuítica, no caso
específico, à carta negocial.
Ao relatar a história da morte do padre Pinto, devemos analisar também os recursos da
retórica empregados na narrativa, já que estes se assemelham à carta pública jesuítica, que possui
28 LUZ, Op. Cit., p.34. 29 TIN, Emerson. Família Del Universo: Arte epistolar e lugar comum nas cartas familiares (1664) de D.
Francisco Manuel de Melos. Campinas, [S.N]. Dissertação/ UNICAMP, 2003, p.31. 30 HANSEN, João Adolfo (org.). Pe. Antônio Vieira: Cartas do Brasil (1626-1697) Estado do Brasil e Estado
do Maranhão e Grão-Pará. São Paulo: Hedra, 2003, p.18. 31 PÉCORA, 2001, p.28.
22
ornatos de elocução com “a função de fazer com que o público fique atento, dócil e bem disposto”. 32
Para que a história narrada adquira um caráter devocional, Moraes utiliza-se de alegorias
históricas que, de acordo com Peter Burke, são: “a percepção e representação de um evento ou de
um indivíduo do passado em forma de outro evento ou indivíduo”. 33 Exemplo da utilização destas
alegorias é igualar exemplos do passado com ações e episódios do presente, e esses exemplos, na
sua maioria, são de passagens bíblicas.
Um exemplo claro do uso deste artifício na narrativa da morte do padre Pinto é quando ao
chegarem a Serra de Ibiapaba, Moraes afirma que: “os missionários pisaram esta serra, que para
eles se podia chamar agora terra de promissão”. 34 Percebemos deste modo a comparação
estabelecida entre a jornada do padre Pinto para chegar a Serra do Ibiapaba com a dos israelitas que,
de acordo com as escrituras bíblicas, passaram 40 anos no deserto. A Serra seria a terra prometida
na qual emanavam leite e mel, e os missionários seriam comparados aos israelitas, povo escolhido
por Deus para habitar a tal terra prometida. Vemos então que na utilização de uma alegoria histórica
edificante os jesuítas não encontravam problema algum em relacionar o passado bíblico com os
acontecimentos por eles narrados. Outro artifício retórico utilizado por Moraes para tornar sua
narrativa edificante é a suposta docilidade e fidelidade do indígena aos jesuítas.
Ao longo do esforço de conquista espiritual, existe a necessidade de demonstrar o controle e o reconhecimento que os missionários teriam junto aos nativos. Tal artifício é capaz de mobilizar, com eficiência, a boa recepção do leitor. 35
Observamos a utilização deste artifício em várias passagens da narrativa da morte do padre
Pinto, porém, vamos destacar apenas duas que consideramos bastante sugestivas. A primeira trata
da chegada dos padres à serra de Ibiapaba. Esta passagem mostra o bom ânimo dos indígenas para
com os padres:
Chegando ao alto da serra os nossos descobridores, mandaram diante alguns tabajaras de sua comitiva, para noticiarem aos parentes, que eram chegados às suas terras os pais abunas, antigos benfeitores da sua nação; e não sendo necessário maior aviso, correram todos juntos a buscá-los, e como os acharam tão debilitados de forças os levaram em braços para uma das três populosas aldeias36 (Grifo nosso).
32 Idem, ibidem, p.19. 33 BURKE, Peter. História como Alegoria. In: Estudos Avançados. Volume 9, 1995, p.197. 34 MORAES, Op. Cit. p. 32. 35 CARDOZO, 2008. (no prelo). 36 MORAES, Op. Cit. P. 32.
23
Vemos a utilização da tópica37 da boa disposição dos indígenas para com os jesuítas, onde é
mostrada uma impressão favorável por parte dos índios da região, mesmo sem conhecerem os
padres que eram chamados de pais abunas, antigos benfeitores da sua nação, mostrando desta
forma que a fama das boas obras dos jesuítas era anterior a chegada dos padres a serra.
Em outras obras de jesuítas, encontramos relatos que enfocam o ânimo favorável dos índios
em relação ao trabalho missionário, como, por exemplo, o relato do padre Figueira de sua viagem
ao Xingu, o relato do Padre Fernão Cardim, e ainda o relato do próprio padre Francisco Pinto. Desta
forma temos a percepção que esse tipo de narrativa não é incomum.
A segunda narrativa se dá no momento da morte do padre Pinto. Aqui Moraes destaca como
evento notável o fato de três indígenas terem sacrificado suas vidas em defesa do padre.
Uma circunstância fez ainda mais notável a morte deste esclarecido varão, que bem dá a conhecer a grande estimação que os índios faziam de sua preciosa vida: porque empenhados a defendê-lo três das três nações, em cujo serviço tinha saído de Pernambuco o fervoroso missionário, todos foram mortos, e deram não pequeno testemunho de sua lealdade, oferecendo-se como primícias em nome dos seus nacionais junto ao mesmo corpo, que havia sido altar de uma alma tão santa, e de um espírito tão virtuoso38 (Grifo Nosso)
Destaca-se a fidelidade e a lealdade dos indígenas pelos seus missionários, a ponto de darem
a própria vida por eles. “Na verdade, o grande objetivo desse tipo de construção é captar o ânimo do
leitor, via de regra, outro padre da Companhia”. 39 Encontramos também a recorrência de tópicas
que tratam da relação dos colonos proprietários com os indígenas, representando-os como maus
cristãos e maus exemplos aos índios, tanto que os padres Pinto e Figueira, antes de iniciarem sua
jornada ao Maranhão, têm que passar no Ceará para acalmar os ânimos dos indígenas que foram
aprisionados e escravizados por Pedro Coelho, destacando-se, mais uma vez, o papel central dos
jesuítas na conversão e redução dos indígenas.
Segundo Pompa, “na segunda metade do século XVII, os debates sobre a natureza dos
índios, sua humanidade, sua possibilidade de conversão estavam, para os jesuítas e os missionários
em geral, encerrados”. 40 O índio é caracterizado agora como o próximo, aquele que necessita dos
jesuítas para se converter de seus maus hábitos, e inclinado a receber os preceitos cristãos. Ainda
segundo Pécora e Cardozo: “Práticas más, porém, não são o mesmo que má natureza. Nesta
37 Tópicas ou lugar comum são fontes de argumento, a serviço da arte da palavra. Apud: CEIA Carlos, Lugar Comum. In: Dicionário de Termos Literários: Disponivel em www. fcsh. unl.pl
38 MORAES, Op. Cit. p. 35. 39 CARDOZO, 2008. (No prelo). 40 POMPA, Op. Cit., p. 84.
24
diferença reside o fundamento teológico da conversão e da interação jesuítica”.41 O índio visível nas
cartas é um índio na história da conversão, e não descontextualizado dessa história.
Já dissemos que o objetivo fundamental das cartas, crônicas ou qualquer outro tipo de
documento produzido pelos jesuítas era a união dos ânimos em torno da procura da vontade de
Deus. Dever-se-ia produzir uma imagem da Companhia através das letras, e qualquer notícia
deveria primeiro edificar e, para conseguir a consolação, nada melhor que mostrar os avanços da
glória divina nas obras e ações apostólicas dos padres e irmãos. O que quero dizer aqui é que as
narrativas produzidas pelos jesuítas não eram fruto do acaso, mas seguiam um direcionamento para
a produção de uma imagem da Ordem, ou seja, para uma construção de uma História jesuítica:
A narrativa jesuítica não é nunca apenas relato de fatos passados ou diagnósticos de uma situação inalterável, mas é sobretudo relato de expectativa de uma história futura, quer dizer, narração de práticas ou projetos de intervenção da companhia de Jesus nas coisas do Brasil .42.
A questão da construção de uma História jesuítica nos induz a pensar qual seria o conceito
de História utilizado por estes padres, em nosso caso, damos destaque à figura de Moraes. Este
missionário escreve sua crônica de maneira a tornar os fatos edificantes para seus leitores, tendo
ciência de que “escrevendo para serem lidos por muitos outros, os padres deveriam ter a consciência
de que estavam produzindo um texto para ser interpretado e lembrado”. 43 Dessa forma, o próprio
Moraes afirma que escreve para fazer referências às ações que “se façam recomendáveis à
posteridade dos tempos, de modo que nem seus membros hão de sair tão grandes, que passem a ser
disformes, nem tão diminutos, que pareçam defeituosos por pequenos”. 44
Os jesuítas escreviam sua narrativa, “organizavam sua escrita de modo a dar veracidade ao
tema”. Dispunham dos acontecimentos do modo que melhor lhes parecesse, não que
desqualificassem o conceito de “verdade”, mas escolhiam a “disposição dos argumentos, dentre os
vários elencos de argumentos”, 45 pouco se prendendo a fatos que não pareçam edificantes. Outra
característica da narrativa do padre Moraes era que pouco se prendia a cronologia dos
acontecimentos e, no decorrer de sua obra, percebemos que dá maior ênfase aos seus significados.
Voltaremos ao tema posteriormente. Ao pensarmos a escrita missionária jesuítica, temos que
41 PÉCORA, Alcir & CARDOZO, Alírio. Da Língua à Escrita: a epistolografia jesuítica na Amazônia (séc. XVII-XVIII). IN: FIGUEREDO, Aldri. Enciclopédia Cultural da Amazônia. Vol. I, SP. Fundação da Amazônia. 2008 (no Prelo).
42 PÉCORA, 2001. p. 18. 43 TORRES-LODOÑO, Fernando. Escrevendo Cartas Jesuítas, Escrita e Missão no Século XVI. IN: Revista
Brasileira de História. V.22, n.43, São Paulo, 2002. Disponível em: www.scielo.br. 44 MORAES, Op. Cit., p.15. 45 HANSEN, 2003, pp. 20 e21
25
entendê-la para além de relatos etnográficos, de espanto diante uma nova realidade, e sim como a
verdadeira chave de todo o sistema missionário jesuítico.
1.3 O cenário.
A narrativa de Moraes não pode ser deslocada do período específico em que foi produzida.
A História da Companhia de Jesus do padre Moraes foi publicada no ano de 1758, ano de extrema
tensão para os membros da Companhia de Jesus.
O antijesuitismo internacional constitui um fenômeno e um movimento religioso, cultural e
sociopolítico, tão antigo quanto a própria Companhia de Jesus. “A história do antijesuitismo
encontra suas primeiras germinações no momento embrionário, nos primeiros passos que
conduziram à criação de uma das mais influentes instituições católicas”. 46No entanto, esse
movimento ganha mais força em 1750, quando se institui como primeiro ministro de D. José I,
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal. O Marquês
movimenta uma série de medidas que tornavam os jesuítas cada vez mais impopulares não somente
em Portugal, mas em toda a Europa, porém:
Uma tal reviravolta não poderia ter por causa única a subida ao poder de um homem, mesmo tão notável como Sebastião de Carvalho, mais tarde marquês de Pombal. A causa antiga e profunda foi à situação conflituosa entre jesuítas fundadores das missões guaranis e os colonos portugueses. 47
A situação dos jesuítas há muito já vinha sendo agravada devido aos conflitos travados por
estes no Novo Mundo em defesa dos indígenas. Esses conflitos influenciavam diretamente suas
relações na Corte, e seu desfecho foi a expulsão da Ordem de Portugal e de todas as terras
pertencentes a este Reino, como o Maranhão. Segundo Cavalcanti Filho:
De um relacionamento difícil, acirrado ao alongo dos anos, passou-se a um estado de tensão, onde duas forças agora opostas –Estado português e Companhia de Jesus- procuravam garantir suas conquistas, o que significava criar uma área de atrito, visto que os interesses de ambas eram conflitantes. 48
Como dissemos anteriormente, o movimento contra os jesuítas se intensifica com a ascensão
de Sebastião Carvalho como Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Em 1750,
46 FRANCO, José Eduardo. O mito dos jesuítas em Portugal, séculos XVI-XX. In: Revista Lusófona de Ciência das religiões - Ano V, 2006, n°9/10, pp. 303-314, p. 304.
47 LACOUTURE, Jean. Os Jesuítas, A Conquista, Tradução: Maria Fernandes Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Editora Estampa. 1ª Ed, 1993, p. 482-483.
48 CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A Questão Jesuítica no Maranhão Colonial (1655-1759), São
Luís: SIOGE, 1990, p.53.
26
inicia-se uma campanha contra os jesuítas, fazendo circular uma extraordinária produção de
documentos antijesuíticos, formando o que José Eduardo Franco chama de “catecismo
antijesuítico”. 49
Mesmo que Pombal não tenha escrito todas as obras contra os jesuítas ele foi sem dúvida o
seu modelador. Estas obras paradigmáticas têm o timbre de Carvalho e Melo, pois foram redigidas
ou sua redação foi orientada por ele. A finalidade retórica desta produção era criar impacto
convincente no leitor de modo a formar um conceito negativo sobre as obras dos inacianos.
Lacouture afirma que em 1757, fazendo circular libelos intitulados Novidades Interessantes
(Nouvelles interessantes), o ministro inicia sua campanha contra os jesuítas. Ainda segundo este
autor, nestes libelos eram: “denunciadas a ganância dos missionários jesuítas cujos redutos viviam
apenas da exploração sínica dos pobres índios, da sua riqueza e da sua força de trabalho”. 50 Sobre
este assunto Ovídio Lobo da Gama afirma que o marquês de Pombal escrevia que: “os jesuítas eram
indignos filhos da santa religião, e que pareciam antes mercadores, soldados ou tiranos do que
religiosos”. 51
Vários acontecimentos serviram para criar todo um cenário para as acusações levantadas
contra os jesuítas como, por exemplo, a troca da colônia de S. Sacramento pelas reduções do
Uruguai. Essa foi a ocasião para que Pombal denunciasse ao mundo que os jesuítas eram rebeldes,
“inventou-se que eles tinham querido fazer das reduções pequenas monarquias, tendo cada jesuíta
em seu trono, e que reunidos todos em um grande império, esses reis se sujeitariam a um imperador
que se intitularia Nicolau I.” 52
José Eduardo Franco em seu artigo Os catecismos antijesuíticos pombalinos, relaciona as
principais obras produzidas por Pombal em seu catecismo antijesuítico. A primeira foi Relação
abreviada da República que os Religiosos Jesuítas das Províncias de Portugal, e Espanha,
estabeleceram nos Domínios Ultramarinos duas Monarquias, e da guerra, que eles têm movido, e
sustentado contra os Exércitos Hespanhoes, e Portugueses; formada pelos registros das secretárias
dos dous respectivos Principaes Comissarios, e Plenipotenciarios; e por outros documentos
autênticos. Esse libelo foi amplamente distribuído em Portugal entre suas grandes personalidades e,
49 FRANCO, José Eduardo. Os catecismos antijesuíticos pombalinos: As obras fundadoras do antijesuitismo do Marquês de Pombal. In: Revista Lusófona de ciência das religiões - Ano IV, 2005/ nº 7/8, pp.247-268, p. 248.
50 LACOUTURE. Op. Cit., p.483. 51 LOBO, Ovídio da Gama: Os jesuítas perante a História. Ed TYP. Constitucional, 1860, p.49. 52 Idem, ibidem, p.65.
27
ao mesmo tempo, o ministro ordenou que fosse difundido pelos canais diplomáticos e chegasse a
todas as nações européias.
Outra obra foi Erros ímpios, e sediciosos que os Religiosos da Companhia de Jesus
ensinarão ao Reos, que forão justiçados, e pretenderão Espalhar nos Póvos destes Reynos. Este
texto emerge no âmbito da campanha antijesuítica como um documento paradigmático de
construção da imagem do sistema moral dos jesuítas:
Neste são apontados quatro conjunto de erros sediciosos, na qual a moral jesuíta é dada como uma forma moderna agravada e refinada de maquiavelismo. O primeiro erro é a plausibilidade de se poder, através dos mais capciosos artifícios, caluniar e difamar o monarca e seus ministros, [...]. O segundo erro consiste na fundamentação da prática do homicídio em proveito próprio de quem executa, [...]. A possibilidade de usar “anfibiolidade” mental para ocultar, omitir, distorcer a verdade dos fatos, para proteger a saúde corporal, a honra e o patrimônio, constitui o terceiro erro [...]. E como quarto erro a Companhia de Jesus é acusada de possuir uma dimensão secreta, orientada por “constituições particulares” e “ocultas”. 53
Dedução cronológica e analítica foi outra obra relacionada por Franco. A chamaremos
apenas por seu título principal. Esta obra foi publicada em três tomos e foi redigida para sustentar a
campanha, principalmente internacional, que o governo português levava a cabo para alcançar a
extinção da Companhia de Jesus, pretendendo justificar e sustentar:
Por um lado o acerto da medida pioneira da expulsão daquela Ordem de Portugal, que, entretanto, tinha sido seguida por outras importantes monarquias européias, e, por outro, mostrar, de forma exaustiva, as altas razões que motivaram tal medida de modo a inculcar a convicção política da necessidade de lhe dar uma aplicação de extensão universal. 54
Temos ainda o Compêndio Histórico, patrocinado e supervisionado pelo Marquês de
Pombal, sendo uma obra que criaria uma imagem negativa do ensino jesuítico, e o Regimento
pombalino do Santo Ofício, que atribuía aos jesuítas toda a responsabilidade pela criação da
legislação judicial e estilos deste tribunal, um símbolo de terror e de inibição da vitalidade do
Reino. Notamos a criação de toda uma rede de publicações que buscava enfraquecer a Companhia
de Jesus, não apenas em Portugal, mas em toda a Europa.
A perseguição aos jesuítas não permaneceu apenas no campo diplomático. Em 03 de
setembro de 1758 ocorre um atentado contra a vida de D. José I. Este crime é atribuído ao marquês
de Távora, que buscava defender sua honra devido ao caso que D. José I teria com sua esposa, no
entanto, Pombal envolve os jesuítas neste crime. Ovídio da Gama Lobo afirma que: “está aí à ponte
que passava cutelo do algoz da nobreza para a cabeça jesuíta”. 55 Sabia-se que os jesuítas não eram
53 FRANCO.2005, pp.253-254. 54 Idem, ibidem, p.258. 55 GAMA. Op. Cit., p.87.
28
os autores deste atentado, tanto que a nobreza do Reino foi presa julgada e condenada em pouco
tempo, enquanto os padres jesuítas foram aferrolhados no cárcere e só depois de alguns anos
entregues como conspiradores ao Santo Ofício.
Essa campanha movida contra os jesuítas também possuía representantes no Maranhão.
Pombal, após conseguir o cargo de Ministro junto ao Rei, consegue também a nomeação de seu
irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para Governador do Estado do Grão-Pará e
Maranhão, onde, sob sua direção, a campanha contra os inacianos se fará bastante incisiva, pois a
liberdade de ação destes missionários causava prejuízos aos planos de Pombal. Segundo Keneth
Maxwell:
A política jesuítica em relação aos índios ia de encontro ao desejo de povoar e europeizar o interior através da assimilação, e o índio, segundo acreditavam Mendonça Furtado e Pombal, devia ser levado a constituir a força e a riqueza principal para a defesa das fronteiras. 56
Em resposta à resistência jesuíta no Maranhão, Pombal cria a Companhia de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão, “confirmada pelo alvará régio de 7 de junho de 1755- com o objetivo de
cercear o comércio dos missionários, principalmente dos jesuítas- e a Lei de 6 de junho, que restitui
aos índios de Grão-Pará e Maranhão a liberdade das suas pessoas e bens”.57
Estabelecida a Companhia de Comércio e a relativa liberdade do indígena, os jesuítas
perderam o seu ponto de apoio e a partir de então não teriam o vigor suficiente para resistir às
investidas pombalinas, as quais redundariam na saída forçada dos inacianos não só do Estado do
Maranhão, como também do Estado do Brasil e de todos os domínios de Portugal.
Construído este cenário, pensamos se é possível que toda a narrativa estabelecida na obra do
padre José de Moraes seja apenas retórica, e buscamos perceber se esse cenário não influencia na
construção da narrativa, pois de acordo com Luis Lima:
Por narrativa entendemos o estabelecimento de uma organização temporal, através de que o diverso, irregular e acidental entra em uma ordem, ordem que não é anterior ao ato da escrita, mas coincidente com ela, que é, pois constitutiva de seu objeto.58
O que queremos aqui pensar é se, como afirma Pécora, o conteúdo das narrativas jesuíticas é
função estrita da operação e de ajuste da tradição epistolográfica à situação histórica específica, no
qual a forma não se altera diante das situações diversas; ou se como afirma Pompa, é a
especificidade de cada época e região que informa o conteúdo e o estilo das narrativas. Não
56 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Tradução: Antônio de Paula Danesi. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1996, p.72. 57 CAVALCANTI. Op. Cit., p.55. 58 LIMA, Luis Costa. A Aguarrás do Tempo: Estudo sobre a narrativa. Rio de Janeito: Rocco, 1989, p.17.
29
esperamos respostas definitivas, mas começar uma reflexão sobre os limites do conceito setecentista
de História, francamente articulado pelos padres da Companhia de Jesus.
Na década de 1750, as exigências que circulam em torno da Companhia de Jesus estão
sendo construídas dentro de um quadro temático que busca o relato de ocorrências que dão
sustentação à permanência da Companhia nos territórios pertencentes à Coroa portuguesa. No
prólogo da obra o próprio padre José de Moraes deixa claros seus medos e ressalvas em relação à
escrita da obra: “Bem desejava eu que os tempos corressem seguros, as ocasiões mais favoráveis”. 59 É possível, então, pensar o relato de Moraes como uma resposta ao cenário político que acabamos
de traçar?
1.4 Respostas ao cenário.
Utilizamos a narrativa da morte do padre Francisco Pinto como exemplo do valor
devocional encontrado na crônica jesuítica. Este tipo de narrativa é comum na espistolografia
jesuítica, porém, ressaltamos seu valor na obra do padre Moraes devido à conjuntura em que a obra
foi publicada.
Demonstramos na construção do cenário a situação em que se encontravam os jesuítas na
década de 50 do século XVIII, quando se intensifica a perseguição a esta Ordem por parte de
Pombal, primeiro ministro do rei D. José I. Portanto, percebemos a necessidade que se tinha de
escrever uma obra que ressaltasse o caráter e o valor dos missionários da Companhia de Jesus.
O padre Moraes, ao relatar a missão do padre Pinto, destaca o sofrimento que esse padre
passa, fala do caráter exemplar de sua morte, de como os jesuítas se portavam diante de suas
obrigações, aponta que o padre Pinto “sendo humilde por virtude, foi prudente por estudo, e afável e
criativo com os índios [...], morreu conquistando, por que viveu conquistando”. 60 É notório, assim,
o caráter que se encontra nas cartas jesuíticas de consolação, ânimo e exemplo a outros
missionários, de como deveriam viver em fé mesmo diante das provações que passavam, e para que
todos que tivessem acesso a sua obra pudessem observar quão virtuosos eram os padres da
Companhia.
Existem diversos relatos de ações dos inacianos mostrando a virtude e o comportamento
exemplar que possuíam, além da sua participação em diversos conflitos a favor dos portugueses,
59 MORAES, Op. Cit., p.9. 60 Idem, ibidem, p.38
30
como, por exemplo, a ocupação francesa e holandesa, nas quais os jesuítas são retratados como
personagens importantes na reconquista pelos portugueses do território ocupado. Mas destacamos a
história do padre Francisco Pinto por encontrarmos pontos que favorecem a análise da utilização da
retórica na narrativa.
O ano de 1758 é muito agitado no cenário da colônia e da Corte em relação aos jesuítas,
portanto há a necessidade de se justificar e sustentar a missão dos inacianos. Talvez a obra do padre
Moraes tivesse como missão, por ser uma crônica, ou obra pública, construir a História da
Companhia, mas uma História edificante e, portanto, nada melhor que relatar fatos não ocorridos na
Europa que mostrassem o quanto os jesuítas foram importante no processo de conquista,
alargamento e consolidação destes territórios, construindo um quadro temático, a partir de situações
reais.
Queremos destacar como os jesuítas observavam os fatos e sua disposição e como os
utilizavam na construção de sua História, como José de Moraes tenta organizar fatos reais da forma
que acha mais adequada. Em várias passagens de sua obra o próprio padre afirma “alteremos em
parte a precisa e rigorosa cronologia dos anos”, 61 por preferir dar ênfase ao sentido das ações.
Os jesuítas não desqualificavam um conceito de verdade, porém, pouco se prendiam a
acontecimentos que não conservassem uma dimensão edificante. O conceito seiscentista e
setecentista de História, tal como é utilizado pelos Padres da Companhia de Jesus, se afasta
sistematicamente da simples narrativa do real e relativiza a noção de verdade. João Adolfo Hansen
afirma que:
A temporalidade neste período acaba sendo concebida como emanação ou figura de Deus que incluiu a história como projeto providencialista. Para católicos do século XVII vivendo no Brasil, no Maranhão e Grão-Pará, em Angola, em Goa e em Portugal, Deus é a causa primeira de tudo quanto É. 62
A concepção de temporalidade e História para a Companhia de Jesus é providencialista,
relacionando o passado e a expectativa do futuro. Por acreditar que Deus é a causa de tudo, a
História sempre se repete em todos os diferentes tempos. Essa concepção de História é
perfeitamente percebida nas obras de Vieira, como exemplo nós temos a História do Futuro, onde
na concepção teleológica vieiriana o futuro é e será uma imagem da repetição da identidade entre
homem e o Ser, recorrente em momentos anteriores. Pompa afirma também que para Vieira:
61 Idem, ibidem, p. 147. 62
HANSEN, João Adolfo. Ler & Ver: pressupostos da representação colonial. Disponível em www.geocities.com.
31
[...] a identidade de passado e futuro no presente, conforme Santo Agostinho vem da unidade do conceito de Deus: todos os momentos do tempo são idênticos porque Deus é idêntico a si mesmo. Por isso a história é a realização da profecia e a profecia já é história. 63
A seguir, tentaremos perceber como os jesuítas se relacionavam com o conceito de História,
e como este conceito é utilizado por eles no século XVIII. A partir dessa concepção de História
observaremos como os inacianos pensavam problemas como a relação entre a Ordem, os colonos
portugueses, e os naturais da terra.
63 POMPA. Op. Cit., p. 63.
32
2 Capítulo II: HISTÓRIA E MISSÃO
2.1 Várias Histórias
Padres jesuítas de diferentes épocas definiram o conjunto descritivo de informações sobre
um determinado lugar e suas mudanças no tempo como Crônicas. De outro modo, outros
preferiram usar o termo sugestivo de História para definí-lo. Neste tópico estudaremos algumas
obras importantes para percebermos o debate que ocorre em torno desta definição da escrita jesuíta.
Os jesuítas possuíam uma concepção de História diferenciada da Iluminista do século
XVIII, de que a História é um processo apenas humano que subordina o tempo quantitativamente,
como o contínuo processo progressista rumo à realização final da razão. Na concepção de História
para a Companhia de Jesus, segundo Adolfo Hansen:
[...], não se encontrando em nenhum momento as noções iluministas de “progresso”, “evolução”, “crítica”, “revolução”, nem as idéias de “estética”, “originalidade” “ruptura”, “autonomia estética”. 64
Um dos mais célebres jesuítas é o Padre Antonio Vieira, que escreveu obras como História
do Futuro. Sendo também um exímio sermonista escrevendo, entre muitos outros sermões, o
Sermão da Sexagésima. Na narrativa destas obras encontraremos exemplos da concepção de
História e de temporalidade possuída pela Companhia de Jesus que nos possibilitaram começar este
debate. Viera facilmente faz comparações entre o Faraó do Egito e o Governador do Maranhão,
relaciona regiões separadas geográfica e cronologicamente como se estas compartilhassem da
mesma função histórica, ou da mesma razão da providência divina. Adolfo Hansen afirma que: “em
Antônio Viera, o tempo subordina a natureza e a história a si como figuras ou alegorias do divino
porque o tempo é teologicamente qualificado”. 65
Na obra História do Futuro, Vieira mostra sua concepção de temporalidade. Para este
famoso sermonista: “todos os tempos prefiguram o eterno e, em todos os tempos o eterno é o atual”. 66 Assim, observamos que para ele seria possível escrever uma História do Futuro, já que ele
concebia a temporalidade como emanação da figura de Deus. Em sua narrativa o padre apresenta a
64 HANSEN, João Adolfo. Ler & Ver: Pressupostos da Representação Colonial. Disponível em
www.geocities.com. 65 HANSEN. João Adolfo. Metafísica contra-reformada do teólogo subordina a história ao tempo: O Profeta da Luz. Disponível em www.folha.uol.com.br 66 Idem, ibidem.
33
fórmula que as obras jesuíticas deveriam seguir para possuírem um caráter histórico, posto que a
Companhia de Jesus intentava escrever uma História jesuítica.
Tanto suas obras quanto suas cartas eram escritas com um caráter teológico-político, tendo a
intenção de fazer com que os vários padres espalhados pelo mundo pudessem compartilhar da
mesma experiência mística, usando a História como exemplo moral. A narrativa jesuítica deveria
produzir uma imagem da Companhia com a finalidade de provocar edificação e apoio. A escrita era
encarada como uma montagem definida pelos fins e destinatários. Para Vieira a escrita jesuítica
deveria está organizada de modo:
[...] a observar religiosa, e pontualmente todas as leis da história, seguindo em estilo claro, e que todos possam perceber, a ordem, e sucessão das coisas, não nua, e secamente, se não vestidas, e acompanhadas de suas circunstancias: e porque havemos de distinguir tempos, e anos, sinalar Províncias e cidades, nomear nações, e ainda pessoas. 67
As representações jesuíticas concebem a temporalidade e a História providencialmente,
podendo desta forma relacionar experiências do passado a expectativas do futuro. Como Deus seria
para os inacianos a Causa primeira, os eventos se repetiriam por serem estes espelhados na ação
Divina, como a retórica e a tradição bíblica.
Na obra História do Futuro, Vieira compara a narrativa encontrada no Velho Testamento,
sobre as profecias feitas para os cativos da Babilônia, com a grandeza de Portugal disposta na tese
sobre o Quinto Império do mundo. 68
Boa esperança para um cativo, ainda que não fosse muito velho. De que me serve a esperança da liberdade, se primeiro se há de acabar a vida? Os mesmos podem argüi os que hoje vivem com estas esperanças de Portugal; mas quando há de ver Portugal estas esperanças. 69
Vemos a utilização do mesmo recurso empregado no Sermão da Sexagésima, na qual Vieira
compara as dificuldades enfrentadas pelos jesuítas com a Parábola do Semeador do Novo
Testamento, afirmando que as dificuldades passadas pelos jesuítas na missão do Maranhão foram
semelhantes ao que ocorreu com as sementes espalhadas pelo semeador.
Mas ainda a do semeador do nosso Evangelho não foi maior. A maior he a que se tem experimentado a seara aonde eu fui, e para onde venho. Tudo o que aqui padeceu o trigo, padecerão lá os semeadores. Se bem advertides, houve aqui trigo mirrado, trigo afogado,
67 VIEIRA, Padre Antonio. História do Futuro: livro anteprimeyro prolongamento a toda história do futuro, em que se declara o fim, & se provão os fundamentos della; matéria, verdade, ET utilidade da história do futuro. Belém: SECULT/IOE/PRODEPA, 1998. Fac-símile, p.12e13.
68 Essa tese se pautaria na idéia de que houve quatro grandes Impérios, o Império da China, o dos Tártaros, o Persa e dos Mongóis. O Quinto Império seria o Império de Cristo e dos cristãos, comandados por Portugal e seu ressurreto rei D. João IV.
69 VIEIRA. História do Futuro. p.20.
34
trigo comido e trigo pisado. [...]. Tudo isso padecerão os semeadores do Evangelicos na Missão do Maranhão de doze annos a esta parte. Houve missionários afogados, porque uns se afogarão na grande boca do Rio das Amazônas; houve Missionários comidos, porque outros comerão os bárbaros na ilha dos Aroans; houve missionários mirrados, porque tais tornarão da jornada ao Tocantins, mirrados da fome e da doença, onde tal houve que andando vinte e dois dias perdidos nas brenhas matou somente a sede com orvalho que lambia das folhas. [...], e que sobre mirrados, sobre afogados, sobre comidos, ainda se vejam pisados e perseguidos dos homens. 70
Encontra-se também neste Sermão certo caráter edificador. Neste sentido, os sacrifícios que
os padres faziam pela missão eram percebidos como grande honra “Não me queixo nem digo,
Senhor, pelos semeadores; só pela seara o sinto. Para os semeadores isso são glórias”. 71
Nas obras dos padres Jacinto de Carvalho e João Felipe Bettendorff, Crônica da Companhia
de Jesus no Maranhão, e Crônica dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão,
respectivamente, encontramos referências a acontecimentos do Maranhão. Estas obras estruturam-
se de forma semelhante à obra do padre Moraes, e são classificadas por seus autores como crônicas,
possuem relatos das atividades dos missionários, acontecimentos dos primeiros anos da colonização
e episódios do cotidiano das missões.
As narrativas jesuíticas ajudaram na construção do cenário que demonstra o cotidiano das
missões no Brasil e em outras partes do mundo. Escrever sobre esta, seus sucessos e suas
dificuldades, seria tão importante para estes missionários quanto o próprio ato de evangelizar.
Londoño nos dá um exemplo da importância da escrita para os missionários, e de como produziram
um cenário dos acontecimentos ao relatar a chegada de Nóbrega na Bahia em 10 de abril de 1549:
Menos de quinze dias se tinham passado e o superior da pequena missão que se iniciava já escrevia para seu superior contando-lhe como tinha sido recebido, onde estavam alojados, o que tinham encontrado na terra o estado de pecado e abandono moral em que viviam os portugueses, os primeiros contatos com os índios e o interesse que estes demonstravam em adotar a fé, os avanços da comunicação com estes e o planos de catequese e de ir a outras regiões. Como ele outros padres e irmãos escreveram para Portugal e hoje contamos com três grossos volumes de cartas dos primeiros jesuítas entre 1549 e 1563. 72
Podemos inferir que uma boa parte da narrativa jesuítica teria sido produzida com o
propósito claro de edificar, o que apontava as ações que serviam para manifestar a presença divina e
estimular a fé do próximo. Esta narrativa construiu um imaginário sobre as Missões da Companhia
que se fez presente na Europa. Na análise destas obras encontramos como recurso a utilização da
arte da retórica e da representação. Os jesuítas utilizam várias metáforas para evidenciar a presença
70 VIEIRA. Padre Antonio. Sermão da Sexagésima. Sermões Selectos do Padre Antonio Vieira. Tomo I, Lisboa: Editora Rolland e Semiond, 1872, pp . 6-7
71 Idem, ibidem, p.7 72 TORRES-LODOÑO, 2002. Disponível em: www.scielo.br
35
de Deus em seus textos e em seu cotidiano, desta forma, legitima-se a utilização das
representações73 como linguagem própria da Ordem.
Usaremos como mais um exemplo desta utilização a passagem da obra do padre Jacinto de
Carvalho, em que compara as lágrimas derramadas pelo padre Francisco Pinto a se despedir dos
índios do Ceará, com as lágrimas de Cristo ao encontrar Madalena, quando da morte de Lázaro,
presente no Novo Testamento, e com passagens do Velho Testamento ao citar Isaías:
Choravam os índios ao ficarem sem os padres e choravam também os padres por verem chorar os índios, que até Cristo vendo chorar Madalena, deixou correr as lágrimas de seus divinos olhos. A disposição que viam nestes pobres índios para serem bons cristãos, e havendo de deixá-los, lhes partia os corações, e como se Isaías lhes disse plangite super
regionem desidebilem, super vieneam fertilem, (Batei no peito por causa dos campos aprazíveis e por causa das vinhas frutíferas), multiplicaram sua lágrimas sobre as lágrimas dos índios 74 (Grifo Nosso).
Nas obras de Bettendorff e de Jacinto de Carvalho, entre o final do século XVII e início do
XVIII, encontramos a narrativa de uma série de passagens que relatam episódios cotidianos. Esses
episódios prendem atenção por sua narrativa sobre a natureza, típico da história natural usada nas
Literaturas de Viagens, que ressaltam especificidades sobre o clima e a boa terra, assim como a
ingenuidade e docilidade dos originários da terra. Para Fernando Cristovão:
O papel desempenhado pela História Natural nos Literatura de Viagens é verdadeiramente notável. Não só porque viajar é observar coisas diversas e nessa diversidade o que imediatamente solta à vista é a paisagem natural, sobretudo quando é diferente, mas também porque uma tradição quase congênita associou a descrição à narração, e nela a circunstância, natural ou social, teve sempre lugar. 75
Na obra de Bettendorff encontramos características acentuadas pela arte medieval de escrita
de cartas, a Ars Dictaminis, principalmente quando se trata de buscar a disposição favorável do
leitor a partir da capitatio benevoletiae, recurso que torna o ânimo do leitor favorável ao relato. Este
se auto-humilha para que os leitores fiquem bem dispostos a receber sua obra afirmando que:
73 Com Norbert Elias, Michel de Certeau, Pierre Bourdieu, Louis Marin e Roger Chatier, podemos entender como representação basicamente quatro coisas: 1. O uso de imagens exteriores no lugar das imagens da substância espiritual da alma participada na substancia metafísica de Deus; 2. a aparência ou a presença da ausência dessa substância que é produzida na substituição; 3. A forma retórica da presença dessa ausência; 4. A posição hierárquica encenada nessa forma, ou seja, os conflitos das representações ou a história. Apud: HANSEN: Ler e Ver: pressupostos da representação colonial. Disponível em: www.geocites.com
74 CARVALHO, Jacinto de, S.J. Crônica da Companhia de Jesus no Maranhão. São Luís: ALUMAR, 1995, p. 61
75 CRISTÓVÃO, Fernando (coord.) Condicionantes Culturais da Literatura de Viagens: Estudos e Bibliografias. Almedina, Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa da Universidade de Lisboa, L3. FCT. Coimbra, 2002, p. 185.
36
“nunca me passou por pensamento que esta chronica me viria cahir às costas, a mim o mais inepto
de todos, e o mais inútil de toda a missão”. 76
Os padres da Companhia escreviam de maneira a tornar o exposto mais verossímil possível,
de tal modo que sempre escreveriam escolhendo uma só matéria, e dispondo os fatos de acordo com
que achassem mais apropriados. Os leitores de suas narrativas não receberiam apenas os temas
representados, mas também os preceitos doutrinários aplicados para representá-los e interpretá-los,
“sendo composta como função de reconhecimento da preceptiva retórica e da doutrina teológico-
política que dão forma a matéria”. 77
Em contraposição às Crônicas jesuíticas escritas naquele período, Bernardo Pereira de
Berredo escrevera Anais Históricos do Estado do Maranhão, que abrange do “descobrimento” do
Maranhão até tudo que haveria transcorrido em 1718. Ao contrário das obras jesuíticas, que falavam
de detalhes do dia-a-dia das suas missões, Berredo ocupou-se de relatos militares, religiosos e
políticos, seguindo à risca a cronologia dos acontecimentos.
Para Décio de Alencar Gusman: “o panorama exposto na obra do historiador justifica a
política ultramarina portuguesa”. 78 Sendo escrita no intuito de restringir a influência jesuítica no
antigo Estado do Maranhão, principalmente quando se tratava dos indígenas.
Como já dissemos, a obra de Berredo foi uma contraposição às obras escritas pelos jesuítas.
As obras destes missionários já eram conhecidas no Reino e apontavam justificativas para as ações
dos padres nas missões, o que acabava se tornando um empecilho aos planos de utilização dos
indígenas para trabalharem nas obras dos colonos, entre eles o próprio Berredo. Segundo Décio
Gusman:
A defesa em favor dos índios das aldeias missionárias é o tema constante destas crônicas jesuíticas; tema central para Berredo também, pois lhe interessa a submissão dos povos nativos da área para melhor difusão da ‘sociedade civil’, ou da ‘verdadeira civilização’, termo que usa freqüentemente nos texto dos Anais. 79
Na obra de Moraes encontramos uma passagem na qual o jesuíta contesta claramente
informações oferecidas por Bernardo Pereira de Berredo. Na ocasião, Berredo afirma que os padres
da Companhia tinham por repetidas vezes tentado entrar na capitania do Pará. Moraes, por outro
lado, afirma não saber “de onde esse erudito fundou a legalidade desta notícia sendo totalmente
76 BETTENDORFF, Pe. João Felipe. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. 2ª Ed. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves. Secretaria de Estado da Cultura, 1990, p.04
77 HANSEN, 2003, p.18. 78 GUSMAN, Décio. Bernardo Pereira de Berredo: historiador da Amazônia. In: NETO, José Maia Bezerra e
OLIVEIRA, Fontes (ORGS). Diálogo Entre história, literatura e memória. Belém: Paka-Tatu, 2007, p.189. 79 GUSMAN. Op. Cit., p.190
37
oposta aos documentos e indisputáveis memórias dos nossos cartórios”, 80 ou seja, os arquivos
inacianos.
Para José de Moraes, os documentos são textos que possuem autoridade capaz de sustentar
uma informação como verdade. Esses documentos tratam da cronologia da entrada da Companhia e
demais religiões que atuaram no Maranhão: “não sendo já tão fracos os documentos, que além de
provar, não deixam, de autorizar nossos escritos”. 81
O padre conclui que Berredo fora influenciado por Paulo Silva Nunes, inimigo dos jesuítas.
Charles Boxer nos apresenta devidamente essa última personagem: “o mais perigoso inimigo dos
jesuítas foi um tal colono do Maranhão chamado Paulo da Silveira Nunes”.82 Podemos perceber
desta maneira que Padre Moraes tenta fazer sua obra parecer mais verossímil, ou mesmo mais
confiável que a de Berredo, pois contesta a capacidade deste erudito e militar português de conhecer
prontamente a ação da Companhia de Jesus no tempo.
Na obra História da Companhia de Jesus encontramos a estrutura de uma Crônica, assim
como nas outras obras jesuíticas estudadas. José de Moraes relata acontecimento do dia-a-dia, com
minuciosas informações de modo a tornar suas informações edificantes e instrutivas aos leitores,
que poderiam ser outros padres ou autoridades do reino. Essa edificação se faz ao relatar o cotidiano
das missões jesuíticas, destacando-se como os jesuítas venciam as dificuldades e organizavam as
suas missões de modo a se fazer uma melhor catequese dos indígenas.
O melhor exemplo deste caráter apostólico é o relato detalhado do estilo de catequese
utilizado pelo padre Francisco Pinto, que antes de qualquer entrada informava-se, com os indígenas
que o acompanhava, sobre as nações que havia naquele sertão. Procurava saber de seus costumes e
ânimo, se viviam junto a povoações ou se eram “gente de corso e vagabunda”,83 se eram inimigos
dos portugueses, se havia entre eles disposição para o aldeamento, para que soubesse que meios
seriam mais eficazes a sua redução.
Depois de se informar, o padre mandava embaixadores, que seriam alguns indígenas
parentes ou vizinhos daquela nação que pretendia reduzir. Estes eram instruídos a levarem presentes
para buscar a boa disposição do principal da aldeia. Os indígenas, seguindo ordens do padre Pinto,
não falavam que ele os iria visitar, para que não ficassem desconfiados e fugissem. Somente depois
80 Idem, ibidem, p.84. 81 MORAES. Op. Cit., p.98. 82 BOXER, C. R. Idade de Ouro no Brasil. TRD. Nair de Lacerda. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
2ªEd., 1963, p. 246. 83 MORAES. Op. Cit., p. 69
38
de terem conquistado a confiança da nação é que os embaixadores deveriam mencionar que o padre
mandava lembranças e nada mais diziam, esperando que os índios da nação, movidos pela
curiosidade, perguntassem sobre o missionário, para que nas respostas pudessem despertar neles a
vontade de conhecer e receber o padre Pinto.
Dessa forma o padre conseguia mover o coração dos indígenas a seu favor, de modo que
Moraes afirma ser inexplicável o carinho e o afago que os indígenas possuíam pelo padre desde a
primeira vez que o encontravam. É pelo sucesso dos descimentos do padre Pinto que Moraes utiliza
de seu método como exemplo para outros jesuítas, dizendo: “quero aqui juntar para ensino dos
nossos missionários que se ocupem em tirar as almas do sertão, o método que ele (o padre Pinto),
usava quando fazia descimentos”. 84
A obra não deixou de passar pelas sucessivas correções que uma crônica ou carta jesuítica
deveriam passar. Em um trecho da narrativa, ao justificar o atraso para a conclusão desta, Moraes
nos faz perceber o trajeto da construção de uma narrativa jesuítica, que antes de ser publicada,
deveria passar pela censura:
[...] se a invernada presente passar, e do Maranhão chegar o teólogo, que esta quase acabando os seus estudos, e avisado para me ajudar com sua boa letra, poderei ainda por limpo estes borrões, e com mais vagar ir aperfeiçoando para ficar menos má a obra. 85
Porém, apesar da obra seguir os preceitos rigorosos da arte medieval de escrita de cartas
(Ars Dictaminis), ela sofreu influência do período em que estava sendo escrita. De acordo com José
Coelho de Souza, S.J, José de Moraes começara a redigir sua História: “não, porém inconsciente do
perigo que o ameaçava”. 86 O próprio Moraes relata que ao escolher o recorte de sua obra o fez
pensando na conjuntura em que estava envolvido:
Mas pudera dizer se não receara embaraçar-me com notícias que poderão dar algum trabalho ao historiador, que as quiser fazer públicas pelo benefício da estampa, porque a mim só me basta tratar de tempos totalmente despidos de receio como causas menos sujeitas pela sua antiguidade aos morsos da inveja, e à rigorosa crítica dos aristarcos 87 (Grifo Nosso).
Sabemos, pois que a concepção de tempo para os jesuítas é providencialista, em relação ao
passado e ao futuro, porém notamos nesta citação que Moraes fala de tempos antigos, da relação
entre passado e presente, e de como, para o padre, este presente pode prejudicar a fidelidade do
historiador ao relatar os fatos. Para Jacques Le Goff: “A dialética da história parece resumir-se
84 Idem, ibidem, p.68. 85 Idem, ibidem, p.11 86 SOUZA, José Coelho de, S. J. Os Jesuítas no Maranhão. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1977,
p.47. 87 MORAES. Op. Cit., p.138.
39
numa oposição -ou num diálogo- passado/presente (e/ou presente/passado). Em geral, esta oposição
não é neutra, mas subtende, ou exprime um sistema de atribuição de valores” este afirma ainda que:
“A concepção entre passado e presente é um elemento essencial da concepção de tempo”. 88
Observamos, assim, que o sistema de atribuição de valores encontrado na narrativa de
Moraes seria o contexto de insegurança e perseguição que estava formado em torno da Companhia
de Jesus, não somente no Maranhão, mas também na Europa, com os ideais pombalinos, desta
forma influenciando e modificando a escrita dessa obra.
2.2 Termos da História ou a História dos termos.
Algumas palavras são fundamentais para uma dada historiografia sobre a Companhia de
Jesus. Algumas têm seu significado e seu emprego alterado com o passar do tempo, muitas das que
utilizamos hoje em dia não possuía a mesma definição quando eram utilizadas no passado. A
discussão sobre o sentido das palavras ou dos signos é feita de forma apropriada por Michel
Foucault em As Palavras e as Coisas. Sobre a mudança que ocorre no significado dos signos, das
palavras, ele afirma que a partir da Idade Clássica os signos mudaram e são definidos por três
variáveis:
A origem da ligação: um signo pode ser natural (como um reflexo no espelho designa o que ele reflete) ou de conversão (como uma palavra, para um grupo de homens pode significar uma idéia). O tipo de ligação: um signo pode pertencer ao conjunto que ele designa (como a boa fisionomia que ele faz parte da saúde que ela manifesta) ou ser dele separado (como as figuras do antigo testamento são os signos longínquos da encarnação e do Resgate). A certeza da ligação: um signo pode ser tão constante que estamos seguros de sua fidelidade (é assim que a respiração designa a vida); mas ele pode ser simplesmente provável (como a palidez para a gravidez). (...). Essas três variáveis substituem a semelhança para definir a eficácia do signo no domínio dos conhecimentos empíricos. 89
A partir desta visão sobre a modificação do sentido das palavras buscaremos observar de que
forma alguns termos como religião, colônia, jesuítas e História foram empregados na obra do padre
Moraes.
RELIGIÃO. Rafael Bluteau em seu Vocábulo Português e Latino, fala que no nome
Religião “geralmente se encerram os cultos, com que os homens, ainda que diferentes na doutrina, e
costumes adoram a Deus”. 90 Porém, quando este termo é empregado por Moraes, ganha um
sentindo diferente.
88 LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4ªed. Campinas: Editora UNICAMP, 1996, pp.7, 8 e 203. 89 FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 73 e 74. 90 BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino, p. 220. Disponível em www.ieb.usp.br
40
Na obra deste jesuíta e em outros documentos e textos da época colonial, 91 o termo é
empregado para falar das diversas Ordens que atuavam naquela época, para destacar valores morais
e senso de conduta e o senso cooperativo em uma comunidade. No título do capítulo XII do Livro I,
Moraes assim escreve Notícias Cronológicas do tempo em que a Companhia e mais Religiões
Sagradas Entraram no Estado do Maranhão, ao se referir a essas Religiões Sagradas, ele fala das
demais Ordens que estiveram no Maranhão, como os babardinhos, os Franciscanos, a própria
Companhia entre outras.
COLÔNIA. Outra palavra importante é colônia, que aparece em várias obras históricas.
Esse não era um termo utilizado com freqüência no século XVIII, poucos jesuítas da época a
utilizavam, a exemplo do padre Vieira que prefere usar conquista em suas cartas e sermões. Para
Blutaeu este termo se refere a: “Gente que se manda para uma terra novamente descoberta, ou
conquistada, para povoar” e ainda como terra que: “Foi povoada por antiga, e nobre gente, que
chegou com o domínio”. 92 Para o erudito Covarrubias Orozco em seu Tesoro de la Lengua
Castellana o Española, quer dizer “termo de terra que se povoou de gente estrangeira, retirada da
cidade que é senhora daquele território, ou levada de outra parte”. 93 Percebemos que para estes dois
autores esta é uma palavra ligada à exterioridade. Alírio Cardozo afirma ainda que: “colônia se
coloca numa relação de exterioridade, de origem diversa, a partir de um vínculo apenas migratório,
sem mais implicações ou obrigações entre as partes”. 94
Já em relação ao termo conquista, Orozco se refere como: “ato de pretender por armas
algum reino ou Estado”. 95 O que para Cardozo significa: “uma situação inacabada de domínio de
determinado território, de onde se deriva ‘conquista’ e ‘conquistado’”. 96 Maria Fernanda Bicalho
faz uma discussão interessante sobre o ponto que diferenciaria conquista de colônia. Em sua tese a
autora fala que a nobreza de Pernambuco afirmava que a terra por eles restaurada do domínio
holandês lhes pertenceria, e que por isso não possuíram nem um vínculo com a Coroa:
[...] ‘a maior parte da nobreza de Pernambuco’ tinha-se na conta de ‘únicos conquistadores daquelas capitanias’, proclamando que, devido ao fato de tê-las restaurado do domínio
91 Como exemplo destes documentos, temos o “Translado autentico dos papeis que se escreveram entre o Bispo
do Maranhão D. Gregório dos Anjos, e os padres missionários da Companhia de Jesus, sobre a controversa da
administração das Igrejas”. Datado de 1680 e 1681. Disposto no Arquivo Público do Maranhão. 92 BLUTEAU, Op. Cit, p. 379. 93 COVARRUBIAS OROZCO, Sebastán de. Tesoro de la lengua Castellana o Española. Editorial castalia/Nueva Biblioteca de erudición y crítica, 1995. 94 CARDOZO, 2002, p.25. 95 OROZCO, Op. Cit, p. 345. 96 CARDOZO, 2002, p.25.
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holandês, elas lhe ficaram pertencendo ‘por direito de conquista’, não devendo por sua posse ‘nada, nem ao reino nem ao Rei. 97
Em contrapartida, para Alfredo Bosi a palavra colônia esta ligada a culto e cultura, por
possuir uma raiz comum: “As palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino
colo, cujo particípio passado é cultos e o particípio futuro é culturus”. 98 O que significaria que os
agentes da colonização não viabilizaram apenas suas ações econômicas, mas trouxeram consigo
seus símbolos e ritos, os portugueses visavam povoar e europeizar as novas terras, estas não seriam
apenas um espaço de controle português, mas um espaço que constituiria lugar de recomeço.
Na História da Companhia de Jesus, a palavra colônia aparece poucas vezes, e apenas
quando trata da ocupação estrangeira no território do Maranhão ou do início da ocupação do Grão-
Pará. A primeira vez que esta é citada na obra é na narrativa sobre a ocupação francesa, afirmando
que na ilha de Santana os franceses já haviam feito “sua primeira entrada e fundação daquela
colônia” 99 (Grifo Nosso).
O termo é outra vez empregado quando Moraes relata o discurso proferido por Jerônimo de
Albuquerque aos seus soldados durante a preparação da batalha contra os franceses:
Obra será digna da história, se em número tão pequeno tirarmos das mãos a inimigos tão poderosos uma colônia, na qual tem despendido tantos cabedais, sem mais lucro que as futuras esperanças que o nosso valor pretende hoje totalmente desmentir, arrancando por uma vez as raízes de uma tão insaciável cobiça100 (Grifo Nosso).
E aparece, ainda, quando se trata da ocupação do Grão-Pará, ao relatar que Francisco
Caldeira, mandado pelo Capitão-Mor Alexandre de Moura para descobrir a boca do rio Amazonas,
tentar criar uma povoação: “com vantagens muito conhecidas lhe brindava o gosto de tão dificultosa
empresa, não lhe sendo fácil sustentar terreno que possuía, nem adiantar sem risco a função da sua
nova colônia” 101 (Grifo Nosso). Vemos que o termo colônia, ao menos na obra de Moraes, se
referia a povoações, a conquistas iniciais, estando também ligado ao sentido de exterioridade.
Talvez, esse emprego que os jesuítas fazem do termo colônia viesse do fato de possuírem
uma visão diferenciada destas novas terras e da política que deveria se empregar a ela,
principalmente quando se tratava de seus naturais. Para Kenneth Maxwell: “A política dos jesuítas
com relação aos índios, além de tudo, ia de encontro ao desejo de povoar e europeizar o interior
97 BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império: o Rio de Janeiro no séc. XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 384.
98 BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.11 99 MORAES, Op. Cit., p.134 100 Idem, ibidem, p. 47 101 Idem, ibidem, p. 134.
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através da assimilação”. 102 Os jesuítas pretendiam criar o Reino de Deus na terra, não um Reino
que fosse a semelhança da Europa.
JESUÍTAS. Devemos destacar também que Moraes, ao fazer referência aos padres da
Companhia de Jesus, geralmente utiliza os termos Soldados de Cristo, Filhos da Companhia, ou
então padres ou missionários, na obra, ele não os chama de jesuítas. Este termo possui uma história,
surge na segunda metade do século XVIII e só é utilizado sistematicamente depois da política
pombalina, sendo remetida ao antijesuitismo. José Eduardo Franco afirma que: “sobre os jesuítas
cairá também o labéu extremo de terem usurpado o nome supremo de companheiro de Jesus para de
forma disfarçada e ardilosa se colocar no lugar de Deus e subverterem o Cristianismo, arruinarem a
sociedade dos homens e dominarem aterra.” 103 Entre outros aspectos, esse é um termo que
diferencia a obra de Moraes de outras Histórias do período, sobretudo de orientação pombalina
HISTÓRIA. Finalmente, o padre Moraes prefere o termo História a Crônica. Ele está
escrevendo uma obra histórica, pela importância que esta possuiria diante do contexto de
perseguição em que está sendo escrita na metade do século XVIII. Utilizar-se da palavra História
para se referir a sua obra seria uma forma de sustentar sua narrativa diante dos leitores desta. Como
dissemos no primeiro capítulo, a situação em que se encontravam os jesuítas na década de 50 do
século XVIII era muito delicada, neste período se intensifica a perseguição a esta Ordem por parte
de Pombal, primeiro ministro do rei D. José I. Fazendo nascer deste contexto a necessidade de se
escrever uma obra que ressaltasse o caráter e o valor dos missionários da Companhia de Jesus.
Os temos constituem uma História a parte nesta História jesuíta do Maranhão. Parte
interessante da lógica e natureza do próprio texto de Moraes, e que nos ajuda a compreender as
especificidades do período.
2.3 Cotidiano e missão.
Na obra do padre Moraes há informações importantes para entendermos o cotidiano das
missões jesuíticas. Encontramos relatos sobre a forma de ação dos inacianos, sobre como
entenderiam seu ideal de missão e sua relação com os colonos e com os indígenas. Encontramos
102 MAXWELL. Op. Cit., p.72 103 FRANCO. 2006, p.309.
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também as principais dificuldades para posse e consolidação portuguesa do território do Maranhão.
Lodonõ afirma que:
Sin embardgo el avance portugués em dirección al norte, y particularmente al Maranhão y al Pará, se veia obstaculizado por la existencia de numerosos pueblos hostiles de diferente lenguas. También La precencia de ingleses y holandeses em La desemborcadura Del Amazonas desde El final de XVI y de franceses, que em 1612 toman San Luis, representa uma continua amenaza para La hegemonia portuguesa em la región. 104
Estudaremos através da narrativa de Moraes as tópicas referentes à salvação da alma do
gentio e dos colonos e de como esta ação seria entendida pelos jesuítas como bem universal
presente nas crônicas e nas diversas narrativas sobre as missões. Além disso, é importante discutir a
forma pela qual Moraes compreende a participação de cada individuo no projeto geral da
Companhia de Jesus.
2.3.1 Jesuítas e colonos.
A relação entre jesuítas e colonos foi conflituosa desde o início da colonização portuguesa
nas Américas. Na obra do padre José de Moraes a tópica sobre o mau comportamento dos colonos é
abordada desde as primeiras páginas. Relacionada a essa tópica encontramos outras como “o quadro
inteiro de virtualidades positivas que se desenha e articula para favorecer o cristão - desde o lugar
de implantação da nova cidade, à disposição dos índios para ajudar”. 105
Para estudarmos tal relação, cabe analisarmos quem seriam esses colonos. Rafael
Chambouleyron em sua tese de doutorado trata do número de soldados que estariam em São Luís e,
com base nas estatísticas, percebe que o número da população aumenta, entre os anos de 1640 até
1680, porém, o número de soldados permanece praticamente igual. Desta forma chega a conclusão
de que:
If one compares the figures mentioned above with the number of inhabitants, that most likely only included male and ‘white’ settler, one can have an idea of the importance of the troops in the general figures. At the same time, it seems that the number of soldiers remained practically the same, from the 1640s until the 1680s, while the population increased considerably during the second half of the seventeenth century.106
104 TORRES-LONDOÑO, Fernando. “La experiencia religiosa jesuíta y la crónica misionera de Pará y Maranhão en El siglo XVII”. In: Marzal, M. M, SJ, (ed.). Un reino de la frontera: las misiones jesuíticas en la América colonial. Lima: Abya-Ayala/Pontificia Católica Del Perú, 1999, p. 19.
105 PÉCORA, 2001, p. 40. 106 CHAMBOULEYRON, Rafael. Portuguese Colonization of Amazon Region, 1640-1706. Tese de Doutorado
(História) /Universidade Cambridge, 2005, p. 29.
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Alírio Cardozo afirma ainda que: “É necessário reconhecer, entretanto, a ambigüidade dos
termos utilizados para contar a população na época: ‘moradores’, ‘portugueses’, ‘vizinhos’, que
corresponderiam, supostamente, à população considerada localmente branca”.107 Destarte, quando
estivermos estudando a relação entre jesuítas e colonos, quando nos referirmos a estes últimos
estaremos falando dos portugueses do sexo masculinos e brancos.
Iremos analisar a representação feita por José de Moraes dos moradores cristãos desta terra.
Desde o início de sua narrativa Moraes menciona que os portugueses buscavam conquistar as terras
do Norte mais por riqueza rápida e para capturarem os índios:
[...] a ambição a que por então abriu caminho a tão dificultosa conquista [...] foi o desejo da fazenda o que estimulou a alguns homens de Pernambuco, com pretexto de descobridores da terra do Maranhão, a fazerem uma grande captura de índios que habitavam aqueles sertões. 108
Esses luso-pernambucanos eram Pedro Coelho e Martins Soares Moreno, que Moraes
chamava de “roubadores da liberdade”. 109 Logo, percebemos que os conflitos entre jesuítas e
colonos pela liberdade indígena, encontra-se imbricado desde as primeiras tentativas de
colonização do Maranhão e Pará. Eduardo Hoonaert em sua obra História da Igreja no Brasil, ao
se referir ao sistema missionário jesuítico no Maranhão e seus conflitos com os colonos nos fala
que: “A grandeza na atitude dos jesuítas consistia em defender a ‘liberdade dos índios’ contra
praticamente todos os moradores de São Luís”. 110
Esse conflito também é relatado por João Francisco Lisboa. Para ele, a história colonial do
Maranhão é basicamente formada pelos embates entre forças civilizatórias e a barbárie, a
expressão dos embates na construção do império português e o projeto e ação dos jesuítas. Lisboa
nos diz que: “havia de um lado os portugueses atolados nos vícios; e do outro os naturais esquivos,
rudes, ferozes e cruéis”, mostrando desta forma que os jesuítas estariam cercados não somente
pela fereza dos indígenas, mas também pelos vícios e pecados dos portugueses. Em outra
passagem, fala da chegada do padre Figueira ao Maranhão, que haveria causado alvoroço entre os
moradores: “o povo [...], receando a sua intervenção na questão da escravidão dos índios,
começou a alvoroçar-se, e exigiu por intermédio do senado a imediata expulsão dos padres”. 111
107 CARDOZO, Alírio. Poderes Internos: a cidade de São Luís e o discurso da Câmara no século XVII. Ciências Humanas em Revista. V.5, n°2 (dezembro, 2007), pp.125-142.
108 MORAES. Op. Cit., 23 109 Idem, ibidem, p.23. 110 HOONAERT, Op. Cit., p. 88 111 LISBOA, João Francisco. Jornal de Tímon II: Apontamentos, Notícias e Observações para servirem à
História do Maranhão. 1º Volume, pp. 158 e 172.
45
O trabalho dos padres jesuítas na salvação das almas não se resumia aos indígenas, mas
visava também moradores portugueses que viviam de forma considerada não adequada ao bom
cristão: “Os padres se dividiam no cuidado das aldeias e dos moradores portugueses” 112 (Grifo
Nosso).
Para Moraes, os moradores portugueses do Maranhão são os típicos maus cristãos. Em
alguns trechos as ações dos colonos são narradas como semelhantes ao comportamento dos
indígenas. Os moradores portugueses seriam orgulhosos, injustos e de fraca fé. Tanto que quando se
trata dos colonos e dos indígenas, as tópicas recorrentes não apenas na narrativa de Moraes, mas de
outros padres jesuítas são, a falta de fé, a sensualidade, alcoolismo, brutalidade e vida em discórdia.
Na perspectiva de Moraes, os moradores cristãos não prejudicam apenas a sua própria
salvação, mas acabam se tornando um empecilho à salvação dos gentios. Desta forma, os jesuítas
acabam possuindo a sustentação da relevância da pregação missionária, pois, para os padres, o índio
não é mau por natureza, apenas é afastado de Deus devido a suas práticas. E como estes se
convertiam mais pelo ver do que pelo ouvir, a presença dos portugueses enquanto maus cristãos,
com seu comportamento, os afastavam do processo de conversão.
Moraes relata que os jesuítas eram bem recebidos pelos índios, pois para eles os padres
seriam quem os defenderiam dos maus tratos dos portugueses, que os aprisionavam e os forçavam a
trabalhar em suas obras particulares:
Aqui toparam a um índio principal da nação potiguara, chamado Amanaí, que vendo aos pobres missionários sem mais armas que os seus bordões, sem mais soldados nem comitiva que os poucos índios tupinambá e potiguara, seus parentes, que os acompanhavam; pasmados de verem os padres tão humildes no hábito, e tão penitentes no semblante, batendo palmas e cheios de alegria, sem temor que os acobardasse, nem receio que os reprimissem, entrou a abraçá-los dando-lhas ao seu modo os parabéns da chegada às suas terras, por terem já quem os defendesse da violência dos brancos (assim chamavam os portugueses), que não faziam mais que maltratá-los, e rouba-lhes a liberdade. 113
Percebemos então que, para Moraes, os jesuítas necessitavam afastar os índios do convívio
dos portugueses, justificando-se o sistema de aldeamento que os jesuítas adotaram na catequese dos
índios. Este acabou se tornando o maior problema entre jesuítas e colonos. Isto é relatado de forma
clara durante a narrativa da obra, na qual sempre se destaca as perseguições que os colonos fizeram
aos missionários por causa dos índios. Moraes relata de forma contundente sua visão sobre os
moradores portugueses que aqui se encontravam, e mostra ainda que os índios só poderiam recorrer
aos missionários jesuítas para sua proteção, para ele:
112 Idem, ibidem, p. 58. 113 MORAES. Op. Cit., p. 28
46
Eram os moradores do Maranhão naquele tempo a maior parte gente baixa, aquém faltavam espíritos para obrar ações dignas de honra e limpas de todo gênero de cobiça; que era por então cômoda sensualidade, o pecado a que estavam mais inclinados com evidente prejuízo de suas almas, e horrorosos escândalos dos miseráveis índios, que eram todo o alvo de suas desordens, porque instigado do mesmo demônio, a uns roubava a honra, tirando-lhes com abominável violência suas mulheres e filhas; a outros, a liberdade no contínuo exercício de um quotidiano cativeiro sem mais paga que a mesma infelicidade em que ordinariamente viviam e acabavam.114
Porém, quando se trata de abordar outros aspectos dos portugueses que ocupavam o
Maranhão, Moraes mostra o que seria para ele as virtudes particulares do povo português. Trata de
alguns sujeitos históricos como, por exemplo, Jerônimo de Albuquerque, que seria “cavalheiro e
bom católico”. Outro exemplo que podemos citar é D. Diogo de Meneses governador e capitão-
general de todo Brasil, “Era D. Diogo de Meneses fidalgo a quem, além das mais virtudes,
acompanhava um grande zelo da conversão daquelas gentilidades”. 115
2.3.2 O índio do jesuíta.
O índio do jesuíta possui várias representações nas narrativas, sendo abordado por diversos
vieses. São representados segundo Pécora por tópicas:
Contra natura: canibalismo, nudez, poligamia; tópicas políticas: continuo estado de beligerância, a vida em discórdia, ausência de lei comum e rei único; tópicas doutrinárias: falta fé, ignorância de Deus, desconhecimento da glória da salvação e da condenação ao inferno; e tópica de pecado e da fraqueza: sensualidade, brutalidade, alcoolismo, preguiça, inconstância nas crenças e nomadismo. 116
Porém, todas estas tópicas não estão relacionadas à natureza do índio, mas ao seu
comportamento, aos seus costumes. Ao tratar dos costumes indígenas, percebemos que os jesuítas
já não duvidavam de sua humanidade, de sua inclinação para ser cristão. O que os impediria de
serem bons cristãos, “era a sua natural barbaridade, ou ingênua preguiça, vícios inseparáveis da
inércia e rudeza de seu gênio, e desordem de seus costumes”. 117
Encontramos também na literatura jesuíta, tópicas que visam demonstrar a disposição
favorável do indígena à adoção da fé católica, como o fato de guardarem obediência aos padres,
serem fáceis de senhorear, dóceis e desejosos de aprender, têm admiração e curiosidade pelos
ofícios e cantos sacros, seus pecados são veniais, e não conhecem e nem adoram Deus contrário ao
cristão. O índio para o jesuíta seria, como afirma Alcir Pécora, um papel em branco:
114 Idem, ibidem, p. 74 115 Idem, ibidem, p.24 e 27. 116 PÉCORA, 2001, p. 44. 117 Idem, ibidem, p. 45.
47
[...] o que o papel em branco da alma do índio revela é que não se pode concebê-lo como ‘outro’, categoria excludente aqui, mas sim com o ‘próximo’, bastando para o reconhecimento disto que se remova dessa alma as camadas de maus costumes que dificultam a visão de sua brancura original, naturalmente disposta aos caracteres cristãos. 118
Observaremos algumas tópicas que aparecem na obra de Moraes, como a pouca disposição
dos indígenas para o trabalho. Com a finalidade de ressaltar esta natural indisponibilidade, o padre
afirma que os indígenas: “pela sua natural preguiça são de pouco afeto a qualquer trabalho”. 119
Porém, quando se tratava de trabalhar nas obras juntamente com os jesuítas, mostravam-se
dispostos e trabalhavam de bom grado, o que revela a disposição favorável que possuíam quando se
tratava dos missionários que, para eles, segundo José de Moraes, eram como pais e protetores.
Outra tópica destacada é a da barbaridade de seus costumes e cultura. Para os missionários,
as manifestações culturais e religiosas dos índios, mesmo quando se tratava de manifestações a
favor da fé católica, não passavam de manifestações bárbaras, ao tratar do batismo de um indígena,
o Principal Camarão, que tem certo destaque na obra, Moraes diz que:
Recolhidos os padres a povoação, era já chegado o dia do soleníssimo batismo do Principal Camarão, que foi a dominga da Qüinquagésima do ano de 1612. Ao sábado à tarde se deu princípio com muitas danças e mascaradas ao seu modo, que embora bárbaro, não deixava também, sendo como era de parecer ridículo. [...] Acabada essa bárbara cerimônia se sentavam todos, [...]. 120
Temos também o destaque da inconstância dos ânimos dos indígenas. Moraes relata esse
fato ao falar da ocupação holandesa no território do Maranhão:
[...] pela fraqueza própria da natureza e pela natural inclinação que tinham à liberdade de consciência, na comunicação de tão perigoso trato, iam dando de beber o veneno dos mesmos dogmas que lhes praticavam, com notável prejuízo daquelas almas, que pela rusticidade eram fáceis de enganar. 121
Já que abordamos a ocupação holandesa, iremos aqui tratar do papel do indígena nas lutas
dos portugueses para expulsar os estrangeiros do Norte. Os indígenas são representados como
aliados valorosos e decisivos na batalha travada contra os ‘invasores’ franceses e holandeses. Este
fato é acentuado ao se mostrar a fidelidade dos indígenas em relação aos missionários, pois seria o
trabalho destes, junto aos índios, que fazia com que lutassem ao lado dos portugueses. Essa
disposição favorável para ajudar o Império português está ligada à tópica que afirma que eles eram
fáceis de senhorear.
118 Idem, ibidem, p.46 119 MORAES, Op. Cit., p. 58 120 Idem, ibidem, pp. 64 e 71 121 Idem, ibidem, p. 108
48
Os indígenas possuíam um grande valor na guerra, pois eram “uma das melhores partes dos
socorros nas guerras do Brasil”. 122 No encontro das armas portuguesas com as armas francesas,
Moraes relata que os índios lutaram em favor dos portugueses mediante a promessa, e a confiança
que possuiriam de que os missionários, Manuel Gomes e Diogo Nunes, viveriam entre eles nas
aldeias. Estes missionários foram enviados por ser, de acordo com Moraes, notório que só os
jesuítas seriam capazes de reduzir os indígenas à obediência.
Na luta contra os holandeses os índios também tiveram valorosa participação, porém, mais
uma vez por terem sido convencidos pelos jesuítas. Nesta guerra destacasse a figura dos padres
Lopo do Couto e Benedito Amodei. Ao relatar os acontecimentos desta ocupação, Moraes carrega
nas tintas, pois, ao contrário dos franceses, que eram caracterizados como inimigos valorosos e
preocupados com a alma dos gentios, tanto que trouxeram os capuchinhos para tratar da alma
destes, os holandeses são caracterizados como hereges, que estariam dando maus exemplos aos
indígenas que, por sua natureza inconstante, se deixavam levar por seus exemplos. O padre
Benedito Amodei era o único jesuíta que se achava no Maranhão após a expulsão dos holandeses, e
de acordo com Moraes, cuidou especialmente dos seus “amados índios; a quem os esforços da
grande paciência e brandura, procurou logo desviar de alguns erros, em que os tinha metido os
hereges, aproveitando-se de sua natural rudeza”. 123
O indígena, como já dissemos, possuía muitas representações na escrita missionária jesuíta,
mas cabe ressaltarmos mais uma vez que este já não era visto pelos padres missionários jesuítas
como o “outro”, mas como o “próximo”, que precisava apenas ser introduzido no mundo da fé
católica e civil. Para Ronald Raminelli: “A idéia de Império dependia da construção de uma
lealdade política e estrita obediência as leis religiosa” dessa forma “a conversão tornou-se parte da
política destinada a criar uma homogeneidade, uma unidade por intermédio da fé”. 124
A missão jesuíta girava em torno da salvação das almas, tanto do indígena quanto do colono
português, mas principalmente dos indígenas, motivo maior dos problemas enfrentados pelos
missionários. Neste sentido Londoño afirma que:
Para los misioneros del siglo XVII, y principalmente para los de Maranhão-Pará, los índios deberían ser salvos de su gentilidade, de su barbaridade, de los errores em que vivían y del abandono em que muchos de ellos permanecían después de haber mantenido contacto com los cristianos. 125
122 Idem, ibidem. .p.50 123 Idem, ibidem, p. 128 124 RAMINELLI, Op. Cit., p. 228. 125 TORRES- LODOÑO. 1999, p.21
49
No próximo tópico iremos abordar a visão de Moraes sobre os jesuítas dentro da missão,
observando o papel que estes possuiriam na construção do cenário do Maranhão e Grão-Pará. Para
desta forma, percebemos como Moraes demonstra a atuação dos padres da Companhia de Jesus em
diversas frentes, na pregação para os portugueses, evangelização para os indígenas e consolidação e
alargamento das fronteiras do Império português.
2.3.3 Os jesuítas segundo um jesuíta.
Ao estudarmos a obra do padre José de Moraes, um aspecto que nos chama a atenção é o da
construção do cenário que compõe a narrativa da ocupação, expansão e consolidação do território
do Maranhão e Pará. O padre relaciona as etapas do processo colonizador desta região com a efetiva
presença e participação dos padres da Companhia de Jesus. Essa idéia é compartilhada por outros
jesuítas, por exemplo, o padre Serafim Leite que afirma em sua obra, História da Companhia de
Jesus no Brasil, que: “Os jesuítas chegaram ao Maranhão no próprio dia da conquista”. 126
A narrativa da obra dá a idéia de que os jesuítas estão presentes desde o início do processo
colonizador do Maranhão, podendo até terem sido os primeiros descobridores deste Estado. Ao
tratar da missão empreendida pelo padre Francisco Pinto e Luís Figueira (1607), Moraes afirma que
“abraçando com gosto a proposta foram nomeados como primeiros missionários e descobridores do
Maranhão”. 127
Os missionários da Companhia de Jesus conquistavam os indígenas por sua forma de tratá-
los, pois de acordo com as narrativas jesuíticas, os tratavam com amor e estavam sempre bem
preparados. Esse preparo se reflete, principalmente, na importância que os padres davam a aprender
a língua dos indígenas e ao observarem seus costumes para assim praticarem o ato da missionação,
sendo este fato um dos dispositivos mais eficazes para dominação dos gentios.
Os jesuítas são representados como desbravadores das fronteiras do Império português,
assim como ativos participantes na colonização e consolidação deste território. Este último aspecto
se destaca quando padre Moraes narra a ocupação do território tanto pelos franceses quanto pelos
holandeses, deixando claro que os jesuítas foram um ponto fundamental na vitória portuguesa, pois,
por saberem lidar com os indígenas puderam convencê-los a lutar ao lado dos portugueses. Na
ocupação francesa, de início, os índios colocaram-se ao lado dos franceses, mas devido aos jesuítas,
126 LEITE, S.J, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil III. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,.1943, p.99.
127 MORAES. Op. Cit., p.26
50
foram convencidos a lutar pela Coroa portuguesa ajudando na vitória lusa. Vemos assim, que
Moraes atribui a ocupação e consolidação das terras e fronteiras do Maranhão aos esforços dos
padres jesuítas, e atrelado a esta questão está à receptividade dos indígenas aos missionários.
Além da exaltação do caráter milagroso da reconquista do território, da bravura dos soldados
portugueses, da utilização dos indígenas e da importância dos jesuítas como instrumentos de
redução dos índios à fé católica e a obediência, Moraes destaca também o papel dos missionários
após a reconquista. Os jesuítas eram o exemplo de conduta virtuosa que os portugueses precisavam,
estes exerciam diversos papéis: “consolava a uns, animava a outros, e a todos socorria ou na vida ou
na morte com os meios mais convenientes, e com as assistências mais próprias de sua grande
caridade”. 128 Os missionários possuíam o papel de médicos, professores, missionários, sacerdotes
entre outros. Os poucos padres se dividiriam no cuidado das aldeias e dos moradores portugueses.
Na empreitada espiritual, Moraes relata que os jesuítas possuíam um grande número de
almas a serem cuidadas, porém, os missionários estavam sempre em pequeno número. Ele utiliza-se
da carta que o Padre Superior Manuel Gomes escreveu ao padre provincial do Brasil, para mostrar o
esforço dos jesuítas mediante a tão grande quantidade de almas para cuidar e dos poucos jesuítas
para o trabalho: “e vendo eu tanta multidão de peixes peço a todos os reverendos padres e
caríssimos irmãos e companheiros nossos, que deixando o descanso do colégio, ponham os olhos no
sangue e chagas de Jesus Cristo, e nos venham ajudar, etc.” 129
No livro II da obra, intitulado Progresso da Companhia no Maranhão, há recorrência da
tópica que trata sobre a participação dos jesuítas como efetivos combatentes em mais uma ocupação
estrangeira no Maranhão, a ocupação holandesa. Os jesuítas são representados como verdadeiros
incentivadores do movimento de reconquista das terras do Maranhão.
Por fim, na narrativa da luta contra a ocupação holandesa, o padre José de Moraes discorre
sobre o comportamento holandês, diz que estes eram movidos pela ambição, eram saqueadores,
suas atitudes eram de sacrilégio, barbaridade e tirania, eram homens sem fé, que se constituíam em
más influências para os indígenas, mostrando desta forma, como os índios eram facilmente
influenciáveis, e se estivessem fora da proteção dos missionários, se perderiam em pecados.
Ao narrar a participação dos jesuítas em momentos decisivos da ocupação do Maranhão,
percebemos que Moraes visa construir o lugar que ocupam tanto entre os indígenas, no papel de
pais, médicos e defensores, quanto no dos portugueses, por apresentar os jesuítas como exemplo de
128 Idem, ibidem, p. 59 129 Idem, ibidem, p. 62
51
força e resistência e de homens de comportamento pio. Desta forma, a obra do padre Moraes ajuda
a construir a idéia de que os jesuítas seriam importantes para a consolidação das fronteiras do
Maranhão e do Brasil.
52
3 Capítulo III: OS GRANDES TEMAS DA COMPANHIA DE JESUS
Neste terceiro capítulo nos propomos a discutir os grandes temas que aparecem nas
narrativas da Companhia de Jesus. Mas quais seriam estes grandes temas? Naquilo que diz
respeito à narrativa sobre o Maranhão do século XVII: o conflito jesuíta x colono; a chegada do
padre Vieira ao Estado; a liberdade do indígena; a relação entre riqueza e pobreza, entre outros.
Esses temas aparecem em várias formas como crônicas, cartas, requerimentos, tratados, sendo
abordados, muitas vezes, de acordo com as regras da Ars Dictamines. Estudaremos estes temas a
partir da obra do padre Moraes, para que possamos observar até que ponto o rigor da forma
retórica aplicada à narrativa jesuítica é seguido por este padre diante do cenário em que sua obra
foi produzida.
3.1 Antagonismos de poderes: jesuítas, Câmara, moradores e Coroa
3.1.1 Século XVII
Começaremos estas discussões abordando os conflitos que se organizavam em torno da
população e da política estabelecida no antigo Estado do Maranhão. Esses embates célebres na
História dividem a população em dois grandes grupos: moradores e religiosos. Sobre o assunto,
João Lúcio de Azevedo afirma que: “A luta entre elles (os jesuítas) e a população leiga é o facto
central, em torno de que todos os mais gravitam”. Os outros fatos, que Azevedo afirma gravitar
em torno desta luta, seriam justamente os conflitos políticos e econômicos que se estabeleceram
no Maranhão, tendo como personagens principais os jesuítas. Os itens principais desta História
são assim listados por Azevedo: “abusos dos governantes, insubordinação dos povos, introdução
de leis de fomento ou repressivas, descobertas, conquistas, escravidão, [...]; tudo se prende a
feitos, idéias e propósitos da Sociedade de Jesus”. 130 Percebemos que a luta pelo controle sobre os
indígenas é um ponto central na História do Maranhão. Desta maneira, procuraremos estudar
como estas relações são representadas pelo padre Moraes.
Os arrolamentos políticos do antigo Estado do Maranhão eram estabelecidos entre a
Câmara, a população e os jesuítas. Observando estas classes em um cenário mais amplo,
130 D’AZEVEDO, João Lucio. OS JESUÍTAS NO GRÃO-PARÁ: Suas Missões e a Colonização. Série Lendo o Pará, n.20-Belém: SECULT, 1999, p.13.
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percebemos que cada uma delas forma um núcleo de poder entre os quais há uma constante tensão
nas relações, estabelecendo-se, desta maneira o que Foucault chama: “práticas ou relações de
poderes”. 131 Estas relações são percebidas quando se tratava das leis sobre a liberdade indígena,
que geralmente estavam a favor dos jesuítas, e que eram desobedecidas constantemente pelos
moradores, se tornando muitas vezes letra morta.
Este ponto da História do Maranhão colonial parece ser tão importante para os jesuítas a
ponto de Moraes dedicar um capítulo de sua obra para falar das Leis sobre a liberdade indígena e
os conflitos que se estabeleceram entre esses poderes antagônicos. Moraes fala que: “como estas
lei de cativeiro, e sobre a justiça ou injustiça deles se trata de ordinário neste Estado sem distinção
de certa ab incertis, quero no último capítulo deste livro dar sucinta notícia aos leitores daquele
Estado”. 132
Os moradores do Maranhão, de acordo com Moraes, acreditavam que: “com as terras
receberam os primeiros povoadores o domínio das liberdades dos seus naturais”, afirma ainda que
os moradores criam que : “a restauração do estado das mãos dos franceses, e depois dos
holandeses, fora à custa de muito sangue de seus ascendentes, a quem em prêmio se concedam os
índios, e por conseguinte a todos os seus descendentes”.133 Percebemos, deste modo, que os
moradores se viam merecedores do indígena por herança das conquistas e feitos heróicos de seus
antepassados, não aceitando, portanto, que a Coroa e os jesuítas retirassem esse “direito” que os
assistia.
Para defesa deste direito, a população sempre se amotinava, segundo Alírio Cardozo, para:
“conservar ou conquistar novos espaços políticos, e ganhos econômicos.” É importante ressaltar
ainda que para Cardozo: “motim é conflito, mas motim também pressupõe aliança”.134 Logo, a
conquista desses espaços políticos e dos ganhos econômicos se constituía nas disputas e nas
alianças estabelecidas entre os moradores e a Câmara 135. Esta última, de acordo com as novas
discussões que vêm se estabelecendo, longe de ser apenas um instrumento pelo qual as leis da
Coroa eram posta em vigor ou não funcionava como um espaço “a partir do qual funcionava um
131 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 22ª edição. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979, p.XIV. 132 MORAES, Op. Cit., p. 251. 133 MORAES, Op. Cit., p.241 134 CARDOZO, 2002, p.122. 135 Sobre este assunto, ler: XIMENDES, Carlos Alberto. A Câmara de São Luís e o mundo do trabalho
(1641755). In: Revista Outros Tempos. Volume I, pp. 105-114. Disponível em www.outrostempos.uema.br
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discurso de intervenção local”. 136 O que quero dizer é que a Câmara muitas vezes adaptava as leis
da Coroa de forma a se adequarem melhor à condição local.
Para melhor discutirmos os conflitos que se estabeleciam, iremos estudar alguns casos
representativos. Primeiro o que trata da disputa pela vigaria-geral que ocorreu em 1649 com a
morte do Bispo D. Pedro da Silva. E o segundo é a Lei de 1652 sobre a liberdade indígena. Estes
episódios nos mostram como a Câmara, em virtude dos motins, acomodava: “regras gerais às
circunstâncias e necessidades locais”. 137
No ano de 1649 morre o Bispo D. Pedro da Silva. Seus poderes passariam ao Superior da
Companhia de Jesus no Maranhão, para que este pudesse nomear pessoas aptas e idôneas para
exercer o cargo de Vigário-Geral. Porém, neste tempo, já não havia padres jesuítas no Maranhão,
por terem morrido os últimos missionários nas mãos dos tapuias uruatis no Rio Itapicuru. Devido
a esta ausência de poderes os “letrados da terra” 138 resolveram eleger outro vigário-geral, visto
que o mandado do então atual Vigário-Geral havia expirado junto com a morte do Bispo.
O Vigário-Geral deposto não ficou satisfeito com esta decisão e partiu para a Corte
reclamando da manifesta violência que havia sofrido. Neste período chega ao Maranhão o padre
jesuíta Francisco Veloso, que recebeu a carta do cabido da Bahia, em virtude da qual, como
Superior que era, confirmou a nova eleição, atendendo aos desejos da população. Mas o deposto
conseguira junto a Sua Majestade uma ordem expressa, para que o capitão-mor e governador Luís
de Magalhães o repusesse de posse do seu antigo governo.
Nasce, assim, um conflito que opõe a vontade do Reino à vontade local. Logo no dia de
sua chegada, o antigo Vigário-Geral apresentou a decisão ao Capitão-Mor, que a colocou em vigor
apenas no dia seguinte. Porém, o Vigário-Geral eleito já havia feito devassa sobre o antigo vigário,
e assim o levou a cadeia local. Neste procedimento vemos o descumprimento de uma ordem Real,
esta desobediência ocorreu, de acordo com Moraes, pois o capitão-mor temia a força do “povo” 139:
[...] e ainda que o capitão-mor parecia desarrazoado, o procedimento e manifesta violência que se fazia ao seu afilhado, munido nada menos que a proteção real, que mandava ao governo o metesse logo de posse, este contudo se não atrevia a embaraçar com a força
136 CARDOZO, Alírio. PODERES INTERNOS: a cidade de São Luís e o discurso da Câmara no século XVII. Ciências Humanas em Revista. V.5, n°2 (dezembro, 2007), pp.125-142
137 Idem, ibidem 138 MORAES, Op. Cit., p.235 139 A noção de “povo” sofre modificações a partir do século XVII, ganha uma colocação pejorativa. Assim, parte
da população total de uma determinada cidade passaria a ser compreendida como ‘temível ou amotinável’ ameaça constante aos equilíbrios dos corpos políticos. (CARDOZO, Alírio. PODERES INTERNOS: a cidade de São Luís e o discurso da Câmara no século XVII. Ciências Humanas em Revista. V.5, n°2 (dezembro, 2007), pp.125-142.)
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outra maior força; porque temia a do povo já meio amotinado em acudir pelo seu vigário140 (Grifo Nosso) .
Percebemos neste episódio o que, segundo Maria Fernando Bicalho, 141 representava a
autonomia política e econômica da Câmara, ou seja, conflitos freqüentes com os representantes
diretos da Coroa, como o Capitão-Mor. Este não se lançava contra a população mesmo que fosse
para cumprir uma ordem real. Para resolver a situação, o Capitão-Mor se vê obrigado a: “convocar
uma junta, composta de um desembargador Sindicante e pelos Prelados das diversas Ordens”. 142
Moraes afirma que os componentes desta junta pediram ao padre Antonio Vieira, o qual há
este tempo já estava no Maranhão, para resolver a situação e, devido à gravidade desta, ele preferia
abster-se de tomar qualquer decisão, porém, havia de obedecer: “Por me livrar desta Cila de
Caribdes, procurei quanto pude não me achar na junta, mas foi força ir a ela.” O padre Viera, como
forma de melhor de solucionar a situação, resolve dividir o governo espiritual desta colônia, assim
como já estava dividido o temporal:
O expediente que tomei foi que ambos fossem vigários-gerais, o primeiro do Pará, onde tinha sua casa, e o segundo do Maranhão. Onde também tinha a sua, dividindo-se da mesma sorte o governo espiritual, assim como Sua Majestade o tinha já dividido no secular e político.143
Queremos mostrar com este debate, como as relações políticas estabelecidas no Maranhão
oscilavam em uma constante disputa, na qual o representante do rei, no caso o Capitão-Mor,
ressentia-se de colocar-se contra o povo e a Câmara, mesmo que fosse para cumprir uma ordem
Real. Além deste aspecto, Moraes ressalta ainda a importância política do padre Vieira. O que
aparenta neste caso, é que o padre Vieira seria um poder mediador diante deste impasse. Moraes é
um dos primeiros a compreender, ou a exagerar, a importância política do padre Vieira para o
Maranhão, o que vai ser ampliado pela historiografia dos séculos XIX e XX.
O segundo caso é o estabelecimento da Lei de liberdade Indígena de 1652. Esta teve muitas
conseqüências para os padres da Companhia de Jesus, e também para as relações de poder local.
Para Moraes: “o cativeiro dos índios era o pecado original e habitual dos moradores daquele Estado,
140 MORAES, Op. Cit., pp. 236-237. 141 BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003. 142 MEIRELES, Mário. História da Arquidiocese de São Luis no Maranhão, p. 41. 143 Carta escrita pelo padre Antonio Vieira, ao padre Provincial do Brasil em 22 de maio de 1653. Apud In:
Moraes, Op. Cit., p. 237
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querendo que os miseráveis fossem seus escravos”. 144 João Francisco Lisboa, sobre esta lei, ainda,
afirma que:
Em 1652, vindo Baltasar de Sousa Pereira por capitão-mor do Maranhão. Com regimento especial, e apartadas ordens para pôr em sua liberdade todos os índios que até então se tinham como escravos; e querendo dá-las à execução, excitou com isso tão declarada sedição no povo, que este veio em tumulto ocupar a praça da cidade. 145
Mais uma vez, observamos como os motins populares possuíam uma grande força quando se
tratava de se fazer obedecer a leis criadas pela Coroa que contrariassem suas intenções. Para lidar
com essa situação, a Câmara acabava muitas vezes por adaptar as Leis que vinham do Reino à
realidade local. Diante da penúria em que viviam os moradores, a retirada da mão-de-obra indígena
traria grandes prejuízos a eles e aos camarários. Sobre isto Cardozo fala que:
A autoridade do rei, através das suas Cartas Régias, passa sempre pelo crivo retórico dos interesses locais. Nessa relação entre poderes de dentro e autoridade Imperial deve sempre prevalecer o equilíbrio dos corpos. Assegurando pelo caráter particularista da justiça. 146
Ilustrando esse cenário de não cumprimento das leis de liberdade indígena, Moraes relata
outras leis que tratavam da mesma matéria e que não foram igualmente postas em prática. O que
para ele constituía-se em: “perder o respeito pela própria fidelidade”. Percebemos, deste modo, que
a autonomia local não era bem vista pelos jesuítas, tanto que a mesma é caracterizada como
anarquia, como: “inação dos governos, a quem o temor continha entre os limites da prudência,
vendo sem força para rebater os ímpetos de um povo indômito”.147 Desta forma, jesuítas como
Moraes consideravam que a interpretação “maranhense” das leis do Império era desfavorável à
conservação dos interesses das Ordens religiosas.
Demonstrando que a dissensão entre moradores e jesuítas sobre a liberdade indígena vinha
de longa data, Moraes relata alguns acontecimentos, como quando os padres Manuel Gomes e
Diogo Nunes foram “obrigados a ceder às violências do povo, e embarcar-se para a Índia de Castela
no ano de 1618 para 19, a buscar na Corte de Madri o remédio dos perseguidos índios”. E ainda,
que o cativeiro dos índios ocorreu livre até 1622, quando os padres Luís Figueira e Benedito
Amodei chegaram ao Maranhão e: “impediram pelas medidas do tempo as desmedidas inundações
das mesmas injustiças, até que, mortos pelos tapuias bravos os últimos padres no ano de 1649,
soltaram todos os diques à sua insaciável cobiça os moradores”. 148
144 Idem, ibidem, p.239. 145 LISBOA, Op. Cit., p. 174. 146 CARDOZO. Op. Cit., pp125-142 147 MORAES, Op. Cit., p.240. 148 MORAES, Op. Cit., p.241.
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Vemos a composição de um cenário para a narrativa dos acontecimentos que se formariam
com a lei de 1652. Quando esta foi publicada pelo capitão-mor Baltasar de Sousa Pereira, não foi
aceita nem pela Câmara e nem pelos moradores. Tendo como conseqüência um levante popular, que
possuía o intento de expulsar os jesuítas, que por sua longa disputa com o “povo” pelos indígenas,
são acusados de serem os incentivadores desta lei. Moraes assim expõe este acontecimento:
Esta lei mandou o mesmo senhor pôr em execução no Maranhão e Pará pelos mesmos dous capitães-mores que partiram a governar o Estado no mesmo navio em que foi a missão, alguns meses antes da partida para o mesmo Antônio Vieira; porém por motivo que ignoramos não publicou aquela até o décimo quinto dia da chegada do mesmo padre ao Maranhão, em que mandou ao som de caixas publicar a dita lei o capitão-mor Baltasar de Sousa Pereira, como sua Majestade lhe mandava, que foi o mesmo que tocar o rebate para que os moradores da cidade de São Luís se ajuntassem logo armados na casa e terreiro da câmara, seguindo a voz do procurador dela Jorge de Sampaio e Carvalho, onde se resolveu defender a injustiça da causa à custa das vidas, de sorte que não se cumprissem a lei, e se opusessem às ordens do Capitão Baltasar de Sousa, que a pretendia dar execução. A primeira cousa que fizeram foi arrancar a lei do lugar onde estava fixada. A segunda levantar uma voz do meio daquela amotinada turba , que se lançassem fora os padres da Companhia , por terem sido autores, e os que tinham procurado e conseguido adita lei”149 (Grifo Nosso) .
Neste trecho encontramos a oposição que havia entre a Câmara, o representante direto da
Coroa (o Capitão-Mor) e a Companhia de Jesus. A Câmara, na época, utiliza o discurso da pobreza
do Estado para a manutenção do cativeiro indígena, e tem em um de seus procuradores, Jorge
Sampaio e Carvalho, a voz que guia os moradores em sua revolta. Isto caracteriza o que Adolfo
Hansen Chama de “tópica da ruína” que: “é utilizada pelos oficiais da Câmara como justificativa
para as intervenções sobre a cidade, sem que correspondessem necessariamente a uma realidade
estabelecida”. 150
A oposição entre os representantes da Coroa e a Câmara estabelece um espaço de disputa
política e econômica, e ainda a superioridade da vontade local sobre as leis do Império. Por fim,
encontramos o conflito que se funda contra os jesuítas, que eram acusados pelos amotinados de
serem os criadores desta lei sobre o cativeiro indígena. Essa acusação não surge do nada, e sim das
situações enfrentadas pelos padres desde o início da colonização portuguesa em terras americanas,
que são exemplificadas por Moraes desde as primeiras páginas de sua obra.
Percebemos a partir do relato do padre Moraes, que a Câmara vislumbra seu projeto de
controle local limitado pelos jesuítas, à medida que não possui controle sobre as missões e os
aldeamentos jesuíticos. Sobre este controle, Nuno Gonçalves Monteiro diz que: “Os juízes da terra
149 Idem, ibidem, p. 243. 150 HANSEN, Adolfo João. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e Bahia do século XVII. São Paulo/Campinas: Ateliê Editorial/ Editora da Unicamp, 2001, pp158-159.
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e/ou as câmaras tinham em toda parte atribuições formais semelhantes, que compreendia a
jurisdição em primeira instância sobre (quase) todas as matérias.” 151Observamos que os inacianos
eram vistos como empecilhos tanto aos objetivos dos moradores, quanto ao projeto de controle da
Câmara.
3.1.2 Século XVIII.
Queremos aqui também discutir como estas relações se estabeleciam no ano de 1759, ano de
publicação da obra História da Companhia de Jesus, e ainda observar de que forma estas
influenciaram nas estratégias retóricas empregadas por Moraes. Sabemos que no século XVIII se
intensifica a perseguição sofrida pelos padres da Companhia de Jesus no Maranhão e na Europa. A
figura de maior destaque foi o Marquês de Pombal, ministro de D. José I e seu irmão Mendonça
furtado, governador do Maranhão.
No primeiro capítulo pontuamos o cenário em que estava inserida a obra do padre Moraes.
Agora iremos perceber de que forma este atuou na construção retórica da obra. Observando que
apesar das narrativas jesuíticas terem a construção da forma como elemento chave da narrativa
histórica, a narrativa de Moraes não deixa de ser influenciada pelo cenário, ocorrendo o que Pompa
afirma, ser “a especificidade da época e da região informa o conteúdo e o estilo da carta”. 152
No Século XVIII, Paulo Silva Nunes, protegido do então governador do Maranhão Bernardo
Pereira de Berredo, parte para Lisboa iniciando uma campanha que produzira uma série de
documentos contra a Companhia de Jesus, que seriam futuramente utilizados por Pombal. Sobre
estes, Moraes nos oferece notícia ao expor fatos que se encontravam na obra de Berredo, Anais
Históricos do Maranhão, e que em nada favoreciam a Companhia de Jesus, desta forma o padre
relata tais acontecimentos: “Mas a causa que, a meu ver, lhe fez passar a seus escritos tal oposição
foi, ao que parece valer-se das notícias de um Paulo Silva Nunes, acérrimo inimigo das religiões
daquele Estado, em especial da Companhia, contra as quais andava em requerimento na corte e
cidade de Lisboa”. 153 Antes de falarmos das ações de Paulo Silva Nunes, vamos estudar como o
caminho para tal ação se fez possível.
151 MONTEIRO, NUNO Gonçalves. Os Conselhos e as Comunidades, pp.303-3001, p.304. In: Hespanha, António Manuel (coord.). História de Portugal: O Antigo Regime (1620-1807). Vol.4. Lisboa: Estampa, 1993.
152 POMPA, Op. Cit., p.83. 153 MORAES, Op. Cit., pp. 210-211.
59
No ano de 1713, os moradores do Maranhão querendo tomar maiores providências sobre o
assunto da liberdade indígena, que não satisfazia toda a população, pediram a revitalização e
cumprimento da lei de 1688, que restabelece os cativeiros indígenas, “escravos seriam os índios que
estivessem legitimamente apresados; os que estivessem amarrados à corda para o suplicio; os que já
fossem escravos de outros índios”. Sobre este assunto João Lúcio de Azevedo nos conta que:
Representou a câmara sempre prompta nas reclamações, sobretudo quando estas podiam atingir os missionários, e exigiu o cumprimento da lei de 1688. Moveu-se o governador, chamando a obediência os da Companhia de Jesus. 154
Vemos que a Câmara e o governador se articulam, entorno de um “inimigo” comum, os
padres jesuítas. Entretanto, nem só de distanciamentos se dava a relação entre Governadores e
oficiais da Câmara. Segundo Cardozo:
[...] a oposição sistemática aos governadores nem sempre era a regra. Mesmo no século XVIII, a relação entre os oficiais da Câmara e os governadores poderia ser relativamente amistosa, na medida em que constituem interesses ou inimigos comuns. Foi o que ocorreu durante o governo de Cristovão da Costa Freire (1707-1718) e Bernardo Pereira de Berredo (1718-1722). 155
Esses inimigos comuns no século XVIII são os jesuítas. Foi no governo de Cristovão da
Costa que se mandou um representante a Corte para retomar a lei de 1688, porém, apenas no
governo de Berredo foi que este caso foi posto em maior evidência. De acordo com esta lei: “Os
índios poderiam descer-se de duas maneiras: voluntariamente, ou procedendo a ameaças e pela
força”. Porém, esta dizia respeito aos índios que viviam em estado, considerada por eles, selvagem.
Esse período é localizado na fase do Regimento das Missões (1686/1757), considerado por
Sebastião Barbosa Cavalcanti Filho: “a fase áurea das missões jesuíticas no Estado do Maranhão”. 156 Berredo procurou convocar a Junta das Missões para que: “ao invés de se descer os índios, como
determinava a lei, para as aldeias, se trouxessem logo para os engenhos e fazendas particulares”. 157
Porém, essa decisão não fora posta em prática, e fora adiada por 10 anos.
Desta forma acaba o mandato de Berredo, substituindo-o João da Maia Gama que, diferente
do último governador, era afeiçoado aos jesuítas. Com ele veio um desembargador sindicante para
averiguar os cativeiros ilegais e tirou-se devassa da qual alguns moradores saíram culpados.
Destarte, a população ficou sobressaltada e acusou os jesuítas de serem os articuladores da devassa,
154 D’AZEVEDO. Op. Cit. pp. 157 e 163. 155 CARDOZO, Alírio. PODERES INTERNOS: a cidade de São Luís e o discurso da Câmara no século
XVII. Ciências Humanas em Revista. V.5, n°2 (dezembro, 2007), pp.125-142. 156 CAVALCANTI FILHO. Op. Cit., p.48
157 D’AZEVEDO. Op. Cit. pp.164, 49 e 164.
60
assim: “Fizeram-se conciliabulos; espalharam-se pasquins contra os padres, aconselhando o povo a
expulsá-los”. 158
Diz-se que o cabeça do motim teria sido Paulo Silva Nunes, que teria apresentado na câmara
um extensa lista contra os jesuítas e a favor do cativeiro indígenas. O visitador da Companhia
denunciou Paulo Silva Nunes como cabeça do motim, sendo este preso por atos sediciosos, (único
punido). Azevedo nos fala que: “Este episódio da lucta entre os jesuítas e os colonos é pouco
conhecido. (...). Todavia, a influência destes factos foi decisiva no futuro desenlace da questão”. 159
Esta influência decisiva a que se refere Azevedo, diz respeito à campanha que Paulo Silva
Nunes fez contra os jesuítas no reino. Este, depois de ser posto em liberdade parte para o reino,
como procurador do Estado do Maranhão, levando o rol de queixas contra os jesuítas e o capitão
general. Foi acolhido por Berredo na Corte, seu protetor. Assim, travou uma imensa campanha
contra os jesuítas que durou anos e produziu uma série de documentos contra os padres da
Companhia. Essa documentação foi extensamente utilizada pelo Primeiro Ministro de D. José I,
Sebastião José Carvalho de Melo. Sobre isto Azevedo nos diz que:
Chegamos agora ao ponto culminante desta contenda secular. A balança, até ahi favorável aos jesuítas, começa a pender fracamente para o lado de seus antagonistas. E desenlace não foi imediato, graças à influencia preponderante da Companhia, ficava preparada a mina que em 1755 tinha de rebentar pela mão de Pombal. O procurador das câmaras, Paulo Silva Nunes, foi quem, no espaço de quinze anos, accumulou documentos e renovando queixas, forjou as armas mais terríveis que jamais appareceram contra a Companhia. Dellas se aproveitou o ministro de D.José I. 160
Vemos que, neste contexto de produção de libelos e de documentações que sustentaram a
campanha contra os jesuítas, é quase uma obrigação se produzir algo que rebatesse as acusações e
restabelecesse o prestígio da Companhia, abalado tanto na Corte quanto no Estado do Maranhão.
Moraes vê-se compelido a produzir tal obra, tanto que fala no prólogo que: “sempre receei fosse
esta história a Helena pelo respeito do qual se viria a abrasar esta miserável Tróia, vendo já arder à
casa do meu vizinho: Jam proximus ardet Ucalegon”. 161
Ele estabelece, em sua obra, uma campanha de apaziguamento em relação a Pombal e ao
governador do Estado, Mendonça Furtado. Este tece elogios às ações dos dois, que eram grandes
inimigos da Companhia e faziam uma campanha ferrenha contra os padres. Fala da novíssima lei de
liberdade indígena de 1757 desta forma:
158 Idem, ibidem, p.166 159 Idem, ibidem, p. 167 160 Idem, ibidem, p. 165 161 MORAES, op. Cit. p. 9
61
[...] saiba o mundo e saibam os vindouros que a inata clemência de Sua Majestade Fidelíssima o Sr. D. José I, por obviar de uma só vez tantos litígios de liberdade e cativeiros, foi o único que com a espada da sua inflexível inteireza cortou por uma vez este nó górdio, a que não pôde chegar a piedade de seu gloriosíssimo e sempre grande pai, não porque a este lhe faltasse poder e religião, mas sim porque para seu augustíssimo filho estava guardada esta, no meu limitado juízo, a maior de suas gloriosas e memoráveis ações, tendo a seu lado um ministro tão circunspecto e ativo como o excelentíssimo secretário de Estado Sebastião José de Carvalho e Melo, que foi o que promoveu esta tão piedosa mercê, digna sem dúvida de um monarca português.162
O padre compara ainda as ações de Sebastião José de Carvalho às ações de Moisés que:
“metendo o cetro na mão do fidelíssímo monarca, como na mão de Moisés a vara, em um só dia e
entre as margens de uma só lei deixou submergido o cativeiro”. Este fala ainda que:
[...] eu sempre estou firme, que esta lei foi justíssima, e a sua publicação uma das maiores glórias do nosso monarca que a assinou, do seu ministro de Estado, que a promoveu, e do capitão-general do Estado, que a pôs em execução, Ilustríssimo Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 163
Percebemos que Moraes faz um jogo político no qual tenta apaziguar a situação em que a
referida lei colocava os jesuítas. Tenta, ainda transmitir a idéia de que a relação dos jesuítas com o
rei, o seu ministro e o capitão-general eram harmoniosas. Porém, esta lei abolira a administração
temporal exercida pelos missionários sobre as aldeias, deixando claro que a relação entre a Coroa e
os jesuítas estava em declínio. À frente deste declínio estava Pombal, na Europa, e Mendonça
Furtado, no Maranhão. Segundo Cavalcante Filho:
[...] emancipados o indígena, os jesuítas perderam o seu ponto de apoio e, a partir de então, não tiveram mais vigor para resistir às investidas pombalinas, as quais redundarão na saída forçada dos inacianos não só do Estado do Maranhão, como também do estado do Brasil e de todos os domínios de Portugal. 164
Moraes, porém, deixa transparecer em sua obra a perseguição sofrida pelos jesuítas por parte
de Mendonça Furtado e Pombal, ao falar da execução da lei de 1757, e da forma como estes dois a
puseram em boa execução. O padre fala que: “Chama-se isto amor à verdade, de que se preza nossa
pena, amante da razão, por ser em tempo em que nos faltam motivos de ressentidos pelo
extraordinário rigor com que o dito governo nos trata com as suas obras.” 165 (Grifo Nosso). De fato,
um texto do século XVIII, produzido por um erudito como Moraes, tendo a obedecer a certo
decoro, mesmo ao falar de adversários ferrenhos.
3.2. Marcos da história da Companhia de Jesus.
162 Idem, ibidem, p. 219 163 Idem, ibidem, p.220 164 CAVALCANTI, Op. Cit., p. 56. 165 MORAES, Op. Cit., p. 253.
62
Neste tópico iremos observar como são representados os anos de 1653, 1661 e 1684. Estes
correspondem à chegada de Vieira ao Maranhão, à primeira, e à segunda expulsão dos jesuítas do
Maranhão, respectivamente. Iremos observar como estes eventos são abordados por Moraes, e se o
são. Lembraremos não apenas o exposto na obra, mas também seus silêncios. Podemos crer que as
escolhas dos objetos tratados nesta obra são anteriores a sua produção, concordando com o que
Michel de Certeau fala: “Os fatos históricos já são construídos pela introdução de um sentido na
‘objetividade’. Eles enunciam, na linguagem da análise, ‘escolhas que lhes são anteriores, que não
resulta, pois, da observação”. 166 E ainda para Luís Costa Lima, na produção de uma narrativa, de
um discurso há: “toda uma trajetória de conflitos e disputas que tornam possíveis determinadas
questões em um momento e não em outro. Isto é, beiram as relações de poder instituídas em todo
campo de saber”. 167
De início estudaremos a forma como Moraes representa a chegada do padre Antônio Vieira
ao Maranhão. Este foi um dos pontos mais marcantes da História colonial deste Estado, e fora
marcada por conflitos, como a primeira expulsão dos jesuítas do Maranhão em 1661. A passagem
do padre Vieira pelo Maranhão é demonstrada por vários autores como um marco da História deste
Estado. Para João Lúcio D’Azevedo: “a história da ocupação portuguesa nessa parte da América
não só se confunde com a história da missão jesuítica, mas a própria atividade pessoal do padre
Vieira”. 168 E ainda, Serafim Leite, em relação à passagem de Vieira ao Maranhão, afirma que: “em
vez de situar a sua atividade ao sabor dos acontecimentos, são os acontecimentos que gravitam à
roda do padre Vieira”. 169
Exageros à parte, era evidente a grande influência do padre Antonio Vieira na Corte,
conseguida por sua relação pessoal com D. João IV. Devido a esta relação, o padre Vieira consegue
mudar leis e ainda a administração política do Maranhão e do Grão-Pará. Sobre este fato, Mario
Meireles mostra as mudanças que o padre conseguiu em relação às leis de liberdade indígena, em
que consegue mais uma vez colocar a administração das aldeias nas mãos da Companhia, e ainda
fala de como conseguiu intervir no governo da colônia: “restabelecida então, por sugestão sua, a
unidade do estado (carta régia de 25/08/1654) e para dirigi-lo nomeado André Vidal de Negreiros
166 CERTEAU, Michel. A Escrita da História; Tradução de Maria Lourdes Menezes; 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.67. 167
LIMA, Luis Costa. A Aguarrás do Tempo: Estudo sobre a narrativa. RJ: Rocco. 1996, p.130. 168 AZEVEDO, Op. Cit., p.40 169 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/ Rio de Janeiro: Portugália/ INL. 1943,
vol. IV, p.3
63
(1655/1658) [...]. E assim pode ele sem maiores problemas, indeferir as constantes reclamações que
lhes foram formuladas”. 170
Porém, devido às adaptações, Moraes relata apenas situações que seriam edificantes,
seguindo o estilo do que era definido como uma carta aberta. Ao falar dos conflitos enfrentados por
Vieira, escolheu aqueles iniciais, em que o padre soube resolver com sabedoria. Moraes fala que:
No livro passado referimos algumas ações de virtudes, assim do padre Vieira, como de seus fervorosos súdito com a sua feliz chegada ao Maranhão na entrada do ano de 53, em que também entraram a trabalhar na seara com certas esperanças da colheita; e no presente livro, por não cortar o fio da história com as do Pará, e não adiantarmos os anos. Iremos continuando no Maranhão seus gloriosos serviços por todo o ano de 53 até a última partida, que aquele grande herói, e abrasado espírito na redução dos índios há de fazer para o Pará. 171
É certo que em sua obra Moraes dá maior atenção aos atos de Vieira em relação aos
aldeamentos e a instituição de escolas no Maranhão. Sobre tais acontecimentos fala que: “Nesta
mata brava, ou neste sertão e cidade entrara o Padre Vieira com tal fervor e zelo na sua cultura, que
em poucos meses se via no Maranhão mudada toda a cena”. Esta cena, a qual se refere o padre, diz
respeito à educação, pois uma das primeiras medidas de Vieira teria sido: “cuidar do ensino da
mocidade, mandando continuar com maior fervor a classe de latim para os estudantes”. 172
Além desta ênfase na educação dos moradores, Moraes fala das doutrinas que Vieira havia
estabelecido tanto aos portugueses quanto aos indígenas, e da divisão de tarefas entre os padres
jesuítas que lhe acompanhavam. Destacando ainda a vontade do padre em fazer missão nas margens
do rio Amazonas e de cuidar das nações indígenas que povoavam sua margem. Sobre a realização
do desejo do padre Vieira em missionar esta área, dedica o sexto livro de sua obra que intitula Da
Entrada do padre Vieira na Capitania do Pará, do Descobrimento Espiritual do rio da Amazonas,
e das Aldeias que nele Fundaram os Religiosos da Companhia.
Vieira organiza as missões da Companhia no Maranhão e depois no Pará, por compreender
que como Superior da Missão deveria zelar por estas, pois as cidades estavam muito débeis nas
questões da fé e do comportamento, e havia poucos missionários para assistí-los. Depois de
organizadas as missões partiu para a conquista do rio Tocantins e das aldeias que estavam a sua
margem. Sobre tal organização Arthur Cézar Ferreira Reis nos fala que:
Vieira como Luís Figueira, compreendera a Amazônia. Sentira seus problemas humanos, que eram, inicialmente, seus problemas espirituais. E das cogitações passando à ação, organizou as tarefas, distribuindo o pessoal, distribuindo instruções, que compreendia a
170 MEIRELES, Mário M, História da Arquidiocese de São Luís do Maranhão. SIOGE, São Luís, 1977, p. 50 171 MORAES, Op. Cit. p, 265. 172 Ibidem, idem, p. 267 e 265
64
educação dos colonos, a moralização da sociedade, a instrução especializada de teologia e filosofia de sacerdotes seculares e a conversão das tribos espalhadas à margem dos cursos fluviais. 173
Vê-se que Moraes omite a notícia de que o padre Vieira havia ido a Lisboa para resolver
problemas da missão, principalmente em relação à questão da liberdade, ou melhor, do trabalho
indígena. Para Viera, de acordo com Cardozo e Chambouleyron: “A verdadeira vocação da
Companhia eram as conquistas da fé, e as almas convertidas a Deus”. 174
Sobre os acontecimentos de 1661 e 1684, as expulsões dos jesuítas, Moraes oferece poucas
informações, e faz o comentário sobre estes acontecimentos demonstrando consternação. Este
assunto é bastante delicado para ser tratado nesta obra, ainda mais no período em que ela é escrita.
Vemos sobressair desta forma o caráter devocional da escrita jesuítica, aquele que busca demonstrar
fatos que edifiquem a outros jesuítas, em que a narrativa da obra, como afirma Luz: “mais se
aperfeiçoou e ‘moralizou’ em acordo com os objetivos religiosos e políticos da Companhia”. 175
Vemos a obra se adequando às Constituiciones Inacianas, que coloca como principal função
da narrativa jesuítica, informar, reunir todos em um e gerar uma experiência mística ou
devocional176. Desta forma, melhor seria o silêncio em relação a estes fatos. A única passagem em
que Moraes se refere a eles é quando analisa as Leis que até então se tinha redigido sobre a
liberdade indígena. O jesuíta fala que:
Destas leis e regimentos, ainda que breve e sucintamente, me pareceu dar a presente notícia, por se haver de faltar nelas muitas vezes nesta nossa história, e por cuja observância pugnaram sempre os nosso padres, não querendo nunca assentir, e menos concorrer para inobservância delas, não obstante que por salvar as consciências, que era o principal, se expusessem firmes os maiores trabalhos, experimentando desses povos os mais violentos e sacrílegos excessos, chegando por duas vezes os do Maranhão a lançarem-nos fora com inaudito e desusado atrevimento, sem ainda perdoarem ao grande respeito e virtude do grande padre Antônio Vieira, que foi um dos expulsos; e não deixou com tudo isso de mover a piedade e compaixão dos clementíssimos reis de Portugal, quando assim os viram tão maltratados por aquele povo, fazendo-os logo a restituir a seus antigos domicílios com crédito e honra dos padres, e com exemplar castigos dos mais insolentes e culpados em tão execrada sedição; o que tudo reservamos para segunda parte de nossa história177 (Grifo Nosso) .
173 REIS, Arthur Cézar Ferreira. A conquista espiritual da Amazônia. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, s.d. p.18
174 CARDOZO, Alírio & CHAMBOULEYRON, Rafael. “Fronteiras da Cristandade: Relatos Jesuíticos no Maranhão e Grão-Pará (século XVII)”. IN: DEL PRIORE, Mary & Flávio Gomes (Org.). Os Senhores dos Rios. São Paulo. Editora CAMPUS, pp. 33-60, p.47.
175 LUZ, Guilherme Amaral, Carne Humana: A retórica do canibalismo na América portuguesa quinhentista. Campinas: [s/n] 2003, p.34
176 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001. 177 MORAES, Op. Cit., p. 258-259.
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Nesta passagem, notamos que o padre interpreta este acontecimento como sacrifício para
salvação do gentio e em amor ao próximo. Guilherme Amaral Luz afirma que: “esse princípio
funciona como um anuncio: a promessa de que, daquele momento em diante, alguma mudança
estava para ocorrer no curso da conversão, levando ao aumento de seus frutos e superação de seus
estorvos”.178 Esta superação é caracterizada por Moraes, quando este narra que os padres voltam ao
Maranhão, e os moradores amotinados são punidos. Sobre estes acontecimentos vemos que o padre
prefere então o silêncio, talvez por não acreditar que este fosse edificante para circular entre os
padres, pois a História escrita por um jesuíta pretende desenvolver enredos que consolidem suas
pretensões. Podemos aqui utilizar o que Alcir Pécora afirma: “quase não há carta em que a tópica do
mau exemplo dos cristãos não apareça algumas vezes amplificada pelo recurso do silêncio, isto é,
pelo anúncio de casos tão abomináveis que o decoro próprio delas impediria de contar quais
fossem” 179
3.3 Tópicas recorrentes.
Tópicas,como já dissemos, são lugares comuns da erudição ocidental, sobretudo européia,
entre os séculos XVI e XVII. As obras jesuíticas que falam sobre a História do Maranhão e Grão
Pará abordam vários aspectos da História deste Estado. Algumas são bastante recorrentes, como as
constantes disputas entre colonos e jesuítas, as dificuldades de se estabelecer as missões, a
docilidade dos indígenas, assim como seus costumes. Iremos analisar algumas dessas tópicas, como
a da liberdade indígena, da noção de riqueza para a Companhia de Jesus e da Natureza.
Começaremos abordando a visão do padre Moraes sobre a tópica da liberdade Indígena.
3.3.1 Liberdade indígena
Para estudarmos a idéia de Moraes sobre a liberdade indígena temos que primeiro observar a
visão possuída pelos jesuítas sobre a humanidade destes, e nos perguntarmos por que os jesuítas se
colocavam contra a escravidão indígena, mas defendiam a africana. Sobre este ponto temos a idéia
defendida por Ronald Raminelle. Para ele, a diferenciação se pautava na idéia de que os negros
eram pagãos, considerados inimigos do nome de cristo e, portanto poderiam ser escravizados. Os
178 LUZ, Op. Cit., p. 44 179 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 42.
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negros eram descendentes de Cam, desta forma: “os descendentes de Japhet e Sem, os cristãos,
possuíam o direito de tomar terras e bens dos mouros, povoadores do território africano e
descendentes de Cam”. Enquanto os índios seriam gentios que se constituiriam enquanto: “homens
desprovidos de boa fé e doutrina”. 180
Para os missionários jesuítas, os índios possuiriam alma, sendo cristãos em potencial,
faltando-lhes apenas quem lhes desse tal direção. João Adolfo Hansen nos fala que para o padre
jesuíta Nóbrega: “o modo como os indígenas fazem uma flecha ou criam os filhos evidencia que
todos eles têm as três potências – intelecto, memória e vontade – da definição escolástica da alma,
revelando a presença da lei natural da graça inata neles”. Os padres precisariam apenas fazer a
correção do defeito da alma, como por exemplo, a nudez, que Hansen afirma ainda ser: “lido pelos
missionários como um vazio do sentido divino”.181 Observamos que para os missionários, diferente
dos africanos, que seriam descendentes de Cam e por isso poderiam ser escravizados, os índios
seriam como crianças perdidas esperando pela salvação, portanto, defendiam seus neófitos da
escravidão imposta pelos moradores.
Eduardo Hoonaert, que trata as fases da missão jesuítica por ciclos, afirma que: “o ciclo
maranhense é caracterizado pelo tema da liberdade indígena”. Este tema é o mais controverso em
todas as obras escritas a respeito da História do Maranhão, não somente por jesuítas. Ainda para
Hoonaert os jesuítas teriam que: “defender a liberdade dos índios contra praticamente todos os
moradores de São Luís, mesmo dos dois vigários-gerais e os superiores de diversas Ordens
religiosas”. 182
Quando Moraes relata alguma lei que seria publicada a favor da liberdade indígena, mostra
também que sempre se segue à publicação desta um motim dos moradores e da Câmara, que por
terem os índios como única mão-de-obra disponível para trabalhar em suas lavouras e buscar as
drogas do sertão, sentiam-se prejudicados por estas leis. Destarte, viam nos jesuítas os inimigos que
lhes roubariam tais trabalhadores.
Moraes dedica um capítulo do livro IV de sua obra a falar das leis que se estabeleceram no
Maranhão sobre a liberdade indígena. Analisa a cada uma delas, e afirma fazer essa análise por já
ter sido “teólogo de Sua Majestade na Junta das Missões”. O padre dá sua opinião sobre o cativeiro
180 RAMINELLE, Ronald. Império da Fé: Ensaio sobre os portugueses no Congo, Brasil e Japão. In: FRAGOSO, João (Et. AL). O antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, pp. 227- 247. P. 230
181 HANSEN, João Adolfo. A escrita da Conversão. IN: COSTIGAN, Lúcia Helena (org.). Diálogos da Conversão. Campinas: Editora da UNICAMP, 2005. PP.15-44, p.19 e 20.
182 HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil, Petrópolis: Vozes, 1992, pp-76 e 88.
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indígena. Para ele, estes cativeiros deveriam ser feitos mediante as guerras justas, porém, junto a
esses cativeiros justos viriam outros injustos: “assim pareceria e seria melhor mais conveniente, se à
sombra de um cativeiro justo não se fizessem milhares injustos”. 183 O padre não se mostra
contrário à utilização da força de trabalho dos indígenas, desde que fosse livre e que os indígenas
recebessem salários por seu trabalho. Ele assim se reporta a esta questão:
E para que aos ilustres moradores do Pará e Maranhão não pareça sou totalmente oposto aos interesses, saibam, que pelos muitos anos em que recebi neste Estado os seus favores, desejo, e com eficácia, se utilizem do serviço dos ditos índios, sem o qual é muito dificultoso passar nestas terras, cortadas universalmente por rios, e a que só ajudam mais os braços dos americanos que os dos africanos, porém seja tudo por meio de índios no estado livre184 (Grifo Nosso).
Moraes ainda revela preferir que os indígenas livres trabalhem com os moradores, devido ao
estado de necessidade destes, assim diz: “servindo-se deles pelos seus justos salários, sem que por
isso lhes prive sua ingênua liberdade, visto que aos índios a total independência de servirem os
poderá fazer insolentes por ociosos com grandes prejuízos ao Estado”. 185
Moraes segue ainda a idéia de que os indígenas são livres, ex natura, e que não podem ser
escravizados nem expulsos de sua terra, porém, esta afirmação entra em conflito com o projeto
colonizador português, que necessitava das terras da nova colônia para expandir seus territórios e da
mão-de-obra escrava indígena para sua consolidação, caracterizando o que Hoonaert chama de
processo de ida e volta. O projeto de aldeamento defendido pelos jesuítas caracterizava que os
índios estão ligados à terra e que não deveriam ser retirados dela. Esta contradição entre as missões
e o processo de colonização se caracteriza dentro da redação das leis propostas pela Coroa. Como
por exemplo, temos a lei de 1680 que afirmava que:
[...] os governadores assinem lugar e terras suficientes aos índios que descerem, ainda que para efeito da sua conveniência se hajam de retirar os moradores, dando-se-lhes em seu lugar outras terras, por deverem prevalecer os índios como legítimos senhores delas. 186
Encontramos também a posição dos jesuítas, que eram os “defensores” da liberdade destes,
mas esta liberdade estaria limitada à administração dos padres. Como demonstramos acima, Moraes
se mostra a favor da utilização dos indígenas como mão-de-obra, diante da penúria em que se
encontravam os moradores, porém esta utilização permaneceria sobre a administração dos jesuítas,
na forma de Fazendas Jesuítica.
183 MORAES. Op. Cit; p. 255 184 Idem, ibidem 221 185 Idem, ibidem, p. 222. 186 Idem, ibidem, p. 256
68
3.3.2 A riqueza das missões
Nos séculos XVII e XVIII, muito se falou da riqueza das missões jesuíticas. Afirmava-se
que esta riqueza se estabelecia em detrimento da população local, pois os jesuítas monopolizavam a
única mão-de-obra disponível, a indígena. Sobre esta questão Simão de Vasconcelos, nos mostra a
visão dos moradores afirmando que:
[...] cedo notaram os colonos que ao passo que definhava a sua lavoura por falta de braços, e finava-se o comercio pela escassez dos produtos agrícolas remetidos aos mercados, pingues e copiosas eram as safras dos jesuítas, sobravam-lhes trabalhadores, que com o nome de administrados, ou índios forros rateavam as matas e lavravam os campos diferenciando-se dos escravos apenas por não serem tratados por objetos. 187
A falta de recursos na colônia parecia crônica e o fato dos jesuítas possuírem o domínio
sobre os indígenas causava comentários sobre a conduta dos padres. Eram levantadas questões
sobre a suposta riqueza dos jesuítas e se estes poderiam estabelecer comércio utilizando-se da mão-
de-obra indígena. Sobre a questão do trabalho exercido pelos naturais demonstramos, no subtópico
anterior, que Moraes, assim como os outros jesuítas, não era contra a utilização do trabalho dos
naturais, principalmente devido à condição em que se encontrava o Maranhão na época.
A Companhia de Jesus era uma Ordem reformada, e o espírito contra-reformista dos
inacianos, juntamente com a concepção militar incutida por Loyola, fez com que os jesuítas não
separassem trabalho espiritual do trabalho manual. Além da concepção de trabalho como forma de
evitar que os índios fossem dominados pela natureza, os padres associavam a riqueza à eficiência
missionária. Sobre este aspecto, Cardozo e Chambuleyron afirmam que: “há necessidade de união
entre força militar portuguesa e missão apostólica e a compatibilidade entre estrutura material e
missão apostólica”. 188
Os padres eram instruídos pelas Constituiciones Inacianas a manterem boas relações com
instâncias de poderes, tanto do reino, quanto da colônia. Ao se referir à estrutura de uma fazenda
fundada pelo padre Luís Figueira, Moraes fala de sua auto-suficiência, conseguida com o trabalho
dos indígenas, juntamente com a dos missionários:
[...] nesta légua de terra fundou o padre Luís Figueira a primeira fazenda que teve o colégio para o benefício das lavouras dos seus religiosos; fabricando casa, e erigindo capela, que dedicou à Virgem Senhora da Luz, de quem era por extremo devoto, e situado nela os
187 VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus; introdução de Serafim Leite. 3º ed. Petrópolis, Vozes, Brasília, INL 1977, p. 42.
188 CARDOZO, Alírio & CHAMBOULEYRON, Rafael. O Advogado do Império. In: Ciências Humanas em Revista. V.4, n°1 (junho, 2006), pp.159-164, p. 161.
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índios que tinha trazido consigo de Pernambuco. Deram estes logo princípios às suas roças, de que eles e os padres se sustentavam 189 (Grifo Nosso).
Nesta citação, além da referência à autonomia das fazendas e ao trabalho indígena, o padre
deixa transparecer a estrutura que deveria haver nas missões, na qual compreendia o
estabelecimento de uma: “‘Fazenda’: local de produção de gênero de interesse comercial oceânico,
e um ‘Colégio’: local de produção de novos cristãos”. 190 Assim como o estabelecimento desta
fazenda no Maranhão, temos outros exemplos espalhados pelas colônias no Novo Mundo, “como a
fazenda de Santa Lucía, na Nova Espanha”,191 que consolidou uma rede comercial sustentada pelas
relações possuídas pelos missionários.
Moraes não deixa clara a relação estabelecida entre riqueza e a Companhia de Jesus, porém,
percebemos que os missionários jesuítas não confundiam a pobreza individual - ressaltada na
narrativa da obra, que ao falar da partida dos padres para as missões relata que estes não levavam
consigo: “mais virtualha que o altar portátil, que levam dous índios, algum vinho, hóstia, e cera, e
uma pouca de farinha-de-pau”, 192 - com falta de estrutura institucional, que prejudicaria a missão
apostólica dos jesuítas.
3.3.3 A natureza.
Nas obras jesuíticas, mais do que simples cenários para os acontecimentos, a natureza é
uma personagem da história contada pelos padres. Sua grandeza, generosidade, clima e influência
são esmiuçados nas narrativas de crônicas, cartas e obras históricas. A extensão das terras do Novo
Mundo é relacionada com fertilidade e potencialidade destas. Alcir Pécora, sobre este tema da
natureza, afirma que: “Neste aspecto, o quadro é invariavelmente figurado de maneira positiva;
aplicando-se ao caso a tópica lançada por Camainha, de que a nova terra é sempre fértil”. 193 José de
Moraes, sobre esta fertilidade, afirma ainda que embora a ilha fosse pequena era fértil: “E com ser
tão pequena, é extremamente fértil”. 194
O destaque que se dá à fertilidade da terra se estende aos mares e rios, representados por sua
grande extensão e a abundância dos peixes. “Eram os seus mares abundantíssimos de muitos e
189 MORAES, Op. Cit; p.95. 190 CARDOZO, Alírio & CHAMBOULEYRON, Rafael. O Advogado do Império. In: Ciências Humanas em
Revista. V.4, n°1 (junho, 2006), pp.159-164, p. 161. 191 Idem, Ibidem. 192 MORAES. Op. Cit., p.28. 193 PÉCORA, Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001, p.40 194 MORAES, Op.Cit; p. 16
70
deliciosos peixes de que se sustentava a maior parte da cidade, sem mais dispêndio que mandá-los
tirar às camboas de maré vazia”. Sobre a extensão, a principal referência é a que Moraes faz ao rio
Amazonas e, ao descrevê-lo, o padre atribui a sua grandeza uma multiplicidade de nomes: “A
grandeza deste celebrado rio lhe tem multiplicado os nomes pela multiplicidade dos
acontecimentos”. 195
A potencialidade positiva da terra é relacionada ao comportamento dos moradores cristãos
que nela habitam. Sobre este aspecto, Pécora afirma que:
[...] quando o quadro da potência da terra cruza com o dos costumes das gentes que nela vivem, o quadro positivo colapsa completamente; trata-se agora de marcar uma longa sucessão de enganos e vícios, de pecados mortais; e de prantos derramados sobre a terra originalmente boa. 196
A representação da natureza muda de acordo com o comportamento dos moradores, por
exemplo, quando Moraes se refere ao clima que inicialmente é tido como “o clima mais benigno,
que doentio e muito grato a natureza; porque nem as calmas são tantas, que afrontem, nem os frios
tão rijos, que molestem”. Porém, quando este clima é posto junto das necessidades e pecados do
povo, é tido como capaz de influenciar de forma negativa no comportamento dos colonos: “sendo o
mal que tocava a muitos, a sensualidade pelo clima, a ambição pela necessidade” (Grifo nosso).
Logo, tanto o comportamento dos portugueses quanto o dos naturais da terra seriam sensuais devido
ao clima do Novo Mundo, que estaria ligado à ambição dos moradores, que seriam “fatal
constituição e harmonia daquele corpo político”. 197
Vemos desta forma como um quadro que inicialmente era desenhado de modo a favorecer as
instalações de um corpo político e cristão: “desde o lugar de implantação da cidade, a disposição
dos índios para ajudar, a terra fértil, os bons ares, a extensão do território, o clima refrescante e
temperado, os bons peixes”, 198 se transforma em negativo pelo mau comportamento dos moradores
delas.
3.3.4 A unidade da ordem.
Como vimos há vários temas presentes na obra proposta pelo padre Moraes. Esse aspecto,
por outro lado, ganha certa unidade a partir do referencial retórico e da situação atual da Companhia
195 Idem, ibidem, p. 17 e 346. 196 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001, p.41. 197 MORAES, Op. CIt., pp. 16 e 211. 198 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001, p.40.
71
de Jesus. A unidade destes temas variados se encaixa quando pensamos na construção das
narrativas jesuíticas. O padre Moraes é o último, ou um dos últimos cronistas jesuítas do século
XVIII, portanto, deve demonstrar domínio sobre os aspectos políticos, sociais e da natureza. Alírio
Cardozo afirma ainda que:
As várias questões tratadas pelo missionário, o enfoque dado, o formato adotado, a ênfase referida, e a própria construção da narrativa parecem ter convencido muitos desses autores da representatividade do seu testemunho na compreensão dos problemas maranhenses. 199
Destarte, a organização retórica destes temas se encaixa, para os jesuítas, numa ordem
natural. Para eles a natureza era bem mais que o cenário que os cercavam, era a expressão do desejo
do Criador, e tinha reflexo na própria organização do Reino, visto como: “‘um corpo místico’”, e
ainda, “a ação retórica era a mesma que legitimava as instituições políticas como naturalidade da
hierarquia”. 200 Como, para os jesuítas, a história se escrevia de acordo com a vontade de Deus, as
coisas funcionariam dentro de uma ordem natural criada por Ele. Adolfo Hansen assim nos fala
desta questão: “Então, a postulação da Causa Primeira, Deus, faz ler a natureza e a história como
livros onde a Providência escreve a intenção secreta da sua Vontade”. 201
Devemos ter em mente que o padre Moraes escreve em um momento delicado para a
Companhia, talvez para este padre existisse uma ordem natural que guiaria a relação entre padres,
moradores e indígenas. Esta tal ordem teria sido modificada por Pombal. Em resposta a esta
ruptura, Moraes teria organizado sua obra abordando pontos importantes dessa pretensa ordem,
como a liberdade indígena, e a noção de riqueza e de pobreza. Para a Companhia, dessa forma,
segundo Almir Diniz: “A experiência imprimiu sua marca na ‘ordem do discurso’, rompendo o
equilíbrio”. 202 Deste modo, percebemos que a forma empregada pela Companhia de Jesus foi, de
certo modo, afetada pelo cenário em que a obra está inserida.
Por fim, decidimos encerrar nosso texto tratando da natureza, pois é como Moraes inicia e
termina a sua obra, no primeiro livro o padre se atém a fazer a descrição geográfica do Maranhão, e
no último livro dedica-se a fazer a descrição geográfica do rio Amazonas. Moraes termina seu livro
desta forma afirmando que escreverá uma segunda parte de sua História. Ele assim escreve:
199 CARDOZO, 2002, p.17. 200 HANSEN. João Adolfo. Metafísica contra-reformada do teólogo subordina a história ao tempo: O
Profeta da Luz. Disponível em www.folha.uol.com.br 201
HANSEN, João Adolfo. Ler & Ver: pressupostos da representação colonial. Disponível em www.geocities.com.
202 CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia portuguesa (1653-1769). Dissertação/UNICAMP, 2005, p.10.
72
[...] para pôr-nos expeditos para entrar logo a referir com menos embaraço, o muito que temos que dizer das conquistas e entradas (em que não poucos perderam a vida) dos nossos missionários, primeiros descobridores no espiritual do vasto império do formosíssimo rio das Amazonas.203
Moraes utiliza-se nesta passagem, de uma abordagem retórica, que é utilizada nas conclusio
das cartas jesuíticas. Essas conclusões geralmente prometem uma continuidade para que não haja
interrupção no tecido de sua história: “para que se dê conta da empresa catequética das terras novas,
exigisse uma ininterrupta serie de notícias a respeito delas e de suas principais personagens”. 204
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A obra História da Companhia de Jesus, escrita pelo padre José de Moraes, é uma obra
importante para a historiografia produzida sobre a Companhia de Jesus. O padre Moraes é um dos
últimos jesuítas que realiza uma crônica sistemática da presença da Companhia de Jesus no
Maranhão, seguindo o caminho de João Felipe Bettendorff e Jacinto de Caravalho. Uma das
principais conseqüências disso é que, talvez, ele tenha influenciado a escrita da História do
Maranhão no século XIX. Essa influência parece clara em obras como as de Serafim Leite e João
Lúcio de Azevedo.
Vemos que José de Moraes dá destaque à algumas personagens da História da Companhia
de Jesus no Maranhão, como por exemplo, o padre Antonio Vieira. Moraes é um dos primeiros a
validar ou exagerar a grande influência de certas personagens para a História do Maranhão. A de
maior importância para ele era o padre Vieira. Moraes exagera as atividades desenvolvidas por este
padre no Maranhão a ponto de afirmar que ele haveria em pouco tempo organizado as missões
jesuíticas, tanto no Maranhão quanto no Pará: “em poucos meses se via no Maranhão mudada toda
a cena”. 205
203 MORAES, OP. Cit., p. 381 204 PÉCORA, Alcir. Cartas à Segunda Escolástica. In: Adauto Novaes. A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das letras/ Minc. Funarte, 1999, pp. 372-414, p.409. 205 MORAES. Op. Cit., p. 267.
73
Sabemos da grande influência que padre Vieira possuía na Corte, e não estamos nos
colocando contra este fato. O que queremos aqui é apontar para a influência que a obra do padre
Moraes pode ter trazido para a avaliação que a historiografia posterior fez sobre Vieira. Talvez as
produções posteriores ao século XVIII tenham acreditado demais nas personagens apresentadas por
Moraes. Porém, deixaremos esta discussão em aberto para futuras pesquisas.
Os jesuítas tiveram grande participação na história do Maranhão, tanto na conquista do
território quanto na própria escrita sobre o mesmo. Os jesuítas, até sua expulsão, no Brasil e no
Maranhão e Pará, escreveram para os superiores de suas missões, padres e irmãos, criando um
acervo de cartas, informes, relatórios e crônicas em que se encontra a vida cotidiana das missões,
além dos acontecimentos políticos e sociais das colônias. “Esse acervo, mesmo espalhado, se
constituiu na referência para a recuperação da história dos jesuítas no Brasil”.206 Sendo assim, os
documentos e obras produzidas ajudaram na construção de versões sobre a História do Maranhão.
A História jesuítica do Maranhão é uma história que privilegia os acontecimentos à exata
cronologia dos fatos. Pois, para eles, seria um testemunho das ações e dos “frutos’ das missões
jesuíticas. A leitura de uma obra inaciana deve ser feita de forma criteriosa e tendo-se em mente que
há uma independência entre o que está escrito e o que realmente aconteceu. Exemplo deste fato é o
decoro que Moraes utiliza ao tratar das ações de Pombal e de Mendonça Furtado, citadas no terceiro
capítulo. A composição da narrativa desta obra foi ambientada segundo circunstâncias locais, e não
segue, portanto, uma ordem cronológica dos fatos, mas a ordem que a tornaria mais edificante que
factual.
O próprio Moraes, no decorrer de sua obra fala do objetivo desta, ele altera a ordem dos
acontecimentos para não perder o fim para o qual se destina. Portanto, a História da Companhia de
Jesus na extinta província do Maranhão e Pará [1759], pouco se prende a acontecimentos que não
sejam edificantes para a Companhia, não que estes desqualifiquem o conceito de “verdade”, mas
precisavam de uma obra que servisse de pilar à Companhia, que destacasse a importância das ações
passadas e atuais desta Ordem para a Coroa portuguesa, em um momento em que, para Moraes, a
ordem natural das coisas, (jesuíta no governo dos índios; moradores na defesa da terra) havia sido
rompida pela política antijesuítica de Pombal. De qualquer forma, o exemplo da História feita por
Moraes vai ecoar em parte da História produzida anos depois, construindo um famoso embate:
Jesuíta x Estado.
206 TORRES-LODOÑO, 2002. Disponível em: www.scielo.br.
74
BIBLIOGRAFIA
FONTES IMPRESSAS
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BETENDORFF, Felipe. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Maranhão. Belém: SECULT. 1990.
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