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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS - MESTRADO EM SOCIOLOGIA ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES: Uma análise dos julgamentos no Tribunal do Júri de Aracaju de 2003 a 2007 São Cristóvão 2009

ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA - NSEPR · ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES: Uma análise dos julgamentos no Tribunal

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM

CIÊNCIAS SOCIAIS - MESTRADO EM SOCIOLOGIA

ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA

JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE

HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES:

Uma análise dos julgamentos no Tribunal do Júri de

Aracaju de 2003 a 2007

São Cristóvão

2009

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ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA

JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE

HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES:

Uma análise dos julgamentos no Tribunal do Júri de

Aracaju de 2003 a 2007

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Sociologia – NPPCS – do Departamento de Ciências

Sociais da Universidade Federal de Sergipe, como parte

dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre

em Ciências Sociais (Sociologia).

ORIENTADOR: Professor Doutor MARCUS EUGÊNIO OLIVEIRA LIMA

São Cristóvão

2009

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ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA

JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE

HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES:

Uma análise dos julgamentos no Tribunal do Júri de

Aracaju de 2003 a 2007

Dissertação como exigência parcial para a obtenção do

título de Mestre em Ciências Sociais (Sociologia), à

Comissão Julgadora – NPPCS – do Departamento de

Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe.

Aprovada em: ____/__________/____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. MARCUS EUGÊNIO OLIVEIRA LIMA

Universidade Federal de Sergipe

Prof. Dr. JOSÉ RODOVAL RAMALHO

Universidade Federal de Sergipe

Prof. Dr. JOSELI BASTOS DA COSTA

Universidade Federal da Paraíba

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Dedico o fruto desse trabalho ao meu filho,

muito especial, Renato Sanches Santos Silva,

para quem todos obstáculos impostos pela

vida, parecerão grandes, mas poderão se tornar

pequenos, dependendo se você é grande ou

pequeno. Na nossa vida devemos dar carinho e

amor para aquelas pessoas especiais, tais como

você que é a pessoa mais especial na minha

vida. Do seu pai que muito te ama.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente a Deus pela minha existência, pela minha dedicação e perseverança.

Aos meus saudosos pais Maria José Ferreira da Silva e Maximino Nobre da Silva, por sempre

terem me conduzido ao caminho de um resultado feliz, em vida material ou espiritual. Apesar

de terem sido pessoas de poucas letras, souberam deixar, aos seus filhos a educação como

grande herança. À minha esposa Paula Cecília Soares Primo Ferreira da Silva, que soube ser

compreensiva, ao seu modo, e ainda sempre ter me incentivado com a intensidade necessária

para concluir com êxito mais essa etapa da minha vida. À minha irmã Rosemere Ferreira da

Silva pelo apoio, principalmente, na fase inicial da execução desse projeto e também em razão

das orientações necessárias para tornar essa caminhada menos árdua

À Universidade Federal de Sergipe instituição que sempre me acolheu, permitindo dar os

primeiros passos rumo a minha formação profissional, quando concluí o Curso de

Bacharelado em Direito, ao meu aperfeiçoamento profissional quando concluí a Pós-

Graduação e agora ao buscar o título de Mestre em Sociologia.

Ao Núcleo de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais pela acolhida durante todo o

curso.

Ao meu orientador Professor Marcus Eugênio Oliveira Lima pela paciência, compreensão e a

capacidade de transmitir as informações necessárias, para que, um estreante no ramo do

conhecimento da Sociologia, tivesse a confiança essencial para realizar essa tarefa acadêmica.

Tenho a consciência que o eventual êxito desse trabalho deve muito a sua pessoa. De fato,

meu muito obrigado.

Aos Professores que ao longo de todo o Mestrado contribuíram com seus conhecimentos, de

forma direta ou indireta, para o meu crescimento intelectual. Não poderia deixa de lançar

especial agradecimento à Prof. Dr.ª Mônica Cristina Silva Santana que durante a fase em que

cursávamos o Mestrado, ainda na qualidade de aluno especial, nos incentivou de forma

contagiante a prosseguir rumo a esse momento.

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Aos funcionários do Núcleo de Pós Graduação em Ciências Sociais que sempre muito

atenciosos e prestativos sempre nos brindaram com as informações necessárias para adquirir a

desenvoltura que é peculiar ao longo do curso. Faço meu agradecimento a todos na pessoa de

Angeline Nardelli Fonseca.

Ao promotor de justiça Deijaniro Jonas Filho, mais que um amigo, companheiro de trabalho

que também ocupa a tribuna do 1º Tribunal do Júri, pela compreensão e pela cobertura

profissional que nunca foi negada.

A magistrada Iolanda Santos Guimarães que preside o 1º Tribunal do Júri, pela cordialidade,

gentileza e presteza dispensadas quando da realização do trabalho de campo, junto aos jurados

que integram esse Tribunal.

A minha assessora na Promotoria de Justiça Helen Martha Dias Salviano pessoa que foi

responsável pela aplicação de todos os questionários junto aos jurados que atuam no 1º

Tribunal do Júri, e que com a sua simpatia, eficiência e boa vontade muito contribuiu para a

conclusão dessa pesquisa.

Aos funcionários que integram o corpo administrativo da 5ª Vara Criminal (1º Tribunal do

Júri) pela atenção e paciência com que sempre nos ajudaram a localizar os processos julgados,

cuja consulta era necessária para a formação do banco de dados dessa pesquisa.

Aos servidores do Arquivo Judiciário de Sergipe local onde trabalhei por cerca de três meses,

realizando as consultas necessárias para a formação do banco de dados que deram sustentação

a esse trabalho. Quero agradecer a todos que ali exercem suas profissões, em nome da sua

diretora Eugênia Andrade e da serventuária Ana Izabel Moura Santos.

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Epígrafe

A guerra é o maior dos crimes, mas não existe

agressor que não disfarce seu crime com

pretexto de justiça.

Voltaire

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RESUMO

Essa dissertação de Mestrado desenvolveu um estudo sobre todos os julgamentos realizados

no 1° Tribunal do Júri da cidade de Aracaju/Se ao longo dos anos de 2003 a 2007. O principal

objetivo do trabalho foi investigar as articulações de poder que poderiam restar estabelecidas

a partir da cor da pele, da classe social e do gênero. Buscou-se perceber se as decisões

tomadas por esse Tribunal, nos julgamentos sociais que realiza, são influenciadas por valores

culturais e sociais, estes adquiridos através de processos culturais de formação de identidade

ou, simplesmente, a partir de experiências particularizadas e vivenciadas dia a dia, no

ambiente da rua, do trabalho, da família, etc. A composição do Tribunal do Júri, da forma

como ela é estabelecida na prática, admite a possibilidade de interferência direta no modo

como as interpretações são realizadas e materializadas no imaginário social e individual do

julgador. É controversa a afirmativa de que a composição fática do Tribunal do Júri, tal como

ela opera, de fato alcança a representatividade social que a lei idealizou, ao estabelecer que os

acusados de crimes dolosos contra a vida deveriam ser julgados pelos seus próprios pares.

Compreender o Tribunal do Júri a partir dessas especificidades, permite notar a lógica da

avaliação e do julgamento, que os cidadãos integrantes da sociedade fazem daqueles que

praticam incivilidades sociais rotuladas, dentro da hierarquia do Direito, como crimes de

homicídio. Essas decisões poderão se aproximar da lógica do sistema normativo do Direito,

alcançadas a partir de uma construção essencialmente jurídica ou percorrer o caminho de uma

análise sociológica, através da qual é possível substituir a rigidez do sistema jurídico por uma

concepção mais ampla da normatividade, podendo, inclusive, estabelecer uma grande

distância entre a declaração jurídica punitiva e a sua efetiva aplicação.

PALAVRAS CHAVE: TRIBUNAL DO JÚRI; JULGAMENTO SOCIAL; ESTEREÓTIPOS;

VARIÁVEIS; DECISÃO.

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ABSTRACT

This dissertation of Master's degree developed a study on all the judgments carried out in the

1 ° Court of the Jury of Aracaju city in Sergipe along the years from 2003 to 2007. The

principal objective of the work is to investigate the articulations of power that might remain

established from skin color, social class and gender. It was looked to realize if the decisions

taken for this Court, the social judgments that it carries out are influenced by cultural and

social values. And also, if these values are acquired through cultural processes of formation of

identity or, simply, from experiences specified when they were survived day by day, in the

environment of the street, at work, in family relationship and etc. The composition of the

Court of the Jury, as it is established in practice, it admits the possibility of straight

interference in the way like the interpretations they are carried out and materialized in the

social and individual imaginary of people responsible to judge. The affirmative is

controversial that the factical composition of the Court of the Jury, such as it operates; in fact

it reaches the social representativeness idealized by the law, while establishing that his

partners themselves should judge the accused of crimes against life. To understand the Court

of the Jury from these specificities, it allows noticing the logic of the evaluation and the

judgement, which citizens of the society do from individuals who practice social labeled

rudenesses, inside the hierarchy of the Law, like crimes of murder. These decisions will be

able to be brought near the logic of the prescriptive system of the Law, reached from an

essentially legal construction or to follow the way of a sociological analysis, through which it

is possible to substitute the rigidity of the legal system for a conception more spacious of the

normativity, being able to establish, inclusive, a great distance between the legal punitive

declaration and his effective application.

KEY WORDS: COURT OF THE JURY; SOCIAL JUDGMENT;

STEREOTYPES,VARIATIONS AND DECISION

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Número e percentual da participação de homens e mulheres na composição da

lista geral de jurados referente ao período pesquisado.......................................107

Tabela 02 – Número e percentual da participação de homens e mulheres com 10 anos ou mais

de idade na composição geral da população do município de Aracaju/Se.........107

Tabela 03 – Número e percentual de atuações efetivas de homens e mulheres na composição

do Conselho de Sentença referente ao período pesquisado................................109

Tabela 04 – Número de julgamentos realizados em cada Tribunal do Júri da Comarca de

Aracaju/Se..........................................................................................................125

Tabela 05 – Número de jurados existentes por ano pesquisado, nas listagens gerais do 1º

Tribunal do Júri da Comarca de Aracaju/Se......................................................133

Tabela 06 – Percentual de questionários aplicados em relação aos jurados listados no 1º

Tribunal do Júri em cada ano pesquisado..........................................................133

Tabela 07 – Tipo de crime apontado pelo Ministério Público, em plenário, em todos os

julgamentos realizados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado..........................................................................................................138

Tabela 08 – Tipos de qualificadoras manejadas pelo Ministério Público, em todos os

julgamentos realizados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado..........................................................................................................140

Tabela 09 – Local da ocorrência de todos os crimes julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado; local declarado das residências dos réus e das vítimas..................142

Tabela 10 – Resultado de todos os julgamentos realizados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado..........................................................................................................145

Tabela 11 – Dados estatísticos dos patrocinadores das defesas dos réus referentes aos casos

julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado..........................................................................................................147

Tabela 12 – Dados estatísticos do desempenho das defesas dos réus referentes aos resultados

obtidos nos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado..........................................................................................................148

Tabela 13 – Dados estatísticos das teses de defesa utilizadas pelos defensores e advogados dos

réus referentes aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado..........................................................................................................149

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Tabela 14 – Dados estatísticos dos recursos de apelação interpostos com o objetivo de anular

a sessão de julgamento, referentes a cinqüenta e dois casos julgados no 1º

Tribunal do Júri no período pesquisado.............................................................151

Tabela 15 – Sexo dos réus e vítimas referentes aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no

período pesquisado.............................................................................................153

Tabela 16 – Idade dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no

período pesquisado.............................................................................................155

Tabela 17 – Cor da pele dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri

no período pesquisado........................................................................................157

Tabela 18 – Nível de escolaridade dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º

Tribunal do Júri no período pesquisado.............................................................158

Tabela 19 – Profissão dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri

no período pesquisado, de acordo com a CBO 2002..........................................161

Tabela 20 – Estado civil dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri

no período pesquisado........................................................................................163

Tabela 21 – Antecedentes criminais dos réus e vítimas referentes aos casos julgados no 1º

Tribunal do Júri no período pesquisado..............................................................165

Tabela 21A – Qualidade dos antecedentes criminais dos réus e vítimas referentes aos casos

julgados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado......................................165

Tabela 22 – Religião dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no

período pesquisado.............................................................................................166

Tabela 23 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto ao sexo.......................................167

Tabela 24 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto à idade.......................................167

Tabela 25 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto à profissão.................................167

Tabela 26 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto à escolaridade............................167

Tabela 27 – Dados sócio demográficos dos jurados referente à cor........................................168

Tabela 28 – Dados sócio demográficos dos jurados referente à renda....................................168

Tabela 29 – Dados sócio demográficos dos jurados referente ao estado civil........................168

Tabela 30 – Tempo de atuação como jurado no Tribunal do Júri...........................................168

Tabela 31– Número de sessões em que participou como jurado no Tribunal do Júri.............168

Tabela 32 – Nível de satisfação em atuar como jurado no Tribunal do Júri...........................168

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Tabela 33 – Concordância com o aumento das penas para os crimes violentos.....................178

Tabela 34 – Concordância com a instituição da pena de morte..............................................179

Tabela 35 – Avaliação da intervenção popular no Tribunal do Júri........................................179

Tabela 36 – Avaliação da capacidade de julgamento, de um modo geral, dos jurados

selecionados para atuar como jurado no Tribunal do Júri..................................180

Tabela 37 – Se as condições de primariedade e de bons antecedentes do réu influenciam na

decisão no Tribunal do Júri.................................................................................182

Tabela 38 – Se a reincidência na prática de crimes violentos ou a presença de maus

antecedentes são relevantes para a decisão no Tribunal do Júri.........................182

Tabela 39 – Se o atual estado do sistema penitenciário nacional interfere na decisão em

condenar o réu no Tribunal do Júri.....................................................................184

Tabela 40 – Se pedidos do réu ou familiar podem direcionar o voto a favor de uma

absolvição...........................................................................................................186

Tabela 40A – Se o jurado já foi alvo desses pedidos..............................................................186

Tabela 41 – Se ameaças do réu ou de terceiros influenciam de alguma foram à decisão do

Tribunal do Júri...................................................................................................188

Tabela 41A – Se os jurados já foram alvo dessas ameaças.....................................................188

Tabela 42 – Se a existência de um grande lapso de tempo entre a data do crime e a data do

julgamento exerce influência no julgamento do Tribunal do Júri......................189

Tabela 43 – Se a orientação sexual do réu é uma variável que exerce influência no julgamento

do Tribunal do Júri..............................................................................................190

Tabela 44 – Se a cor da pele do réu é uma variável que exerce influência no julgamento do

Tribunal do Júri...................................................................................................191

Tabela 45 – Se a classe social do réu é uma variável que exerce influência no julgamento do

Tribunal do Júri...................................................................................................193

Tabela 46 – Se a chegada do réu preso ao julgamento, pelo crime que vai ser julgado, motiva a

decisão do Jurado no sentido de uma condenação..............................................194

Tabela 47 – Se as informações que recebe antes do julgamento, por meio de terceiros ou pela

imprensa, colabora para formar algum julgamento prévio sobre o caso............195

Tabela 48 – Condenação anterior da vítima............................................................................198

Tabela 49 – Maus antecedentes da vítima...............................................................................199

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Tabela 50 – Mau comportamento social da vítima..................................................................200

Tabela 51 – Idade avançada da vítima.....................................................................................200

Tabela 52 – Pouca idade da vítima..........................................................................................200

Tabela 53 – Idade avançada do acusado..................................................................................201

Tabela 54 – Pouca idade do acusado.......................................................................................201

Tabela 55 – Popularidade ou notoriedade da vítima na sociedade..........................................202

Tabela 56 – Popularidade ou notoriedade do acusado na sociedade.......................................202

Tabela 57 – Presença de familiares da vítima no julgamento.................................................203

Tabela 58 – A presença de familiares do acusado no julgamento...........................................203

Tabela 59 – Qualidade do discurso do promotor.....................................................................204

Tabela 60 – Qualidade do discurso do advogado....................................................................204

Tabela 61 – Demonstração de arrependimento do acusado.....................................................206

Tabela 62 – Estado de saúde do acusado.................................................................................207

Tabela 63 – Choro do réu........................................................................................................207

Tabela 64– Frequência e percentagens dos locais de residência de réus, vítimas e jurados...209

Tabela 65– Relação entre a cor do réu e da vítima nos julgamentos de homicídio no realizados

no 1º Tribunal do Júri de Aracaju/Se no período de 2003 a 2007.......................210

Tabela 66 - Matriz de correlação Pearson das variáveis com a incidência condenatória (n =

127)......................................................................................................................213

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................15

CAPÍTULO I: O Tribunal do Júri.............................................................................................20

1.1 Contextualização histórica do Tribunal do Júri..............................................................21

1.2 Relato do primeiro julgamento realizado pelo Tribunal do Júri em Aracaju/Se...........33

1.3 Princípios norteadores do Tribunal do Júri....................................................................38

1.4 Caminhos para formação do Tribunal do Júri................................................................41

1.5 Aspectos procedimentais do Tribunal do Júri................................................................44

CAPÍTULO II: Crime e Castigo: Análise Sociológica e Julgamentos Sociais.........................59

2.1 A dogmática jurídica e a sociologia jurídica sob o enfoque da reação social ao

comportamento desviante..............................................................................................60

2.2 Sociologia do crime........................................................................................................74

2.3 A criminalidade moderna e a exclusão social como potencial variável nos julgamentos

sociais............................................................................................................................80

2.4 Dos julgamentos sociais.................................................................................................89

2.5 Classe, cor, gênero e perversões nos julgamentos sociais..............................................99

CAPÍTULO III: Aspectos metodológicos...............................................................................121

3.1 Estudo 1: Dos julgamentos realizados entre os anos de 2003 a 2007..........................124

3.2 Estudo 2: As visões dos jurados sobre o processo de avaliação de condutas..............127

CAPÍTULO IV: Dos resultados e das discussões sobre o trabalho de campo........................135

4.1 Sobre os resultados coletados nos processos julgados.................................................136

4.2 Sobre os resultados coletados nas entrevistas..............................................................166

CONCLUSÃO........................................................................................................................215

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................222

ANEXOS................................................................................................................................229

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INTRODUÇÃO

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Apresentação

O tema escolhido para desenvolver essa dissertação foi o Tribunal do Júri. Um tema que

é frequentemente abordado sob o enfoque do direito, contudo, muito pouco explorado através

da peculiar visão das ciências sociais, que visa alcançar o sentido e compreender o crime de

homicídio, bem como o seu julgamento. Esse trabalho busca investigar algumas questões

fundamentais cuja compreensão é necessária para se entender o exercício do poder de punir

que é praticado por um grupo de indivíduos, por vontade própria e soberana, porém

representativa de toda a sociedade que vive em certa faixa de tempo e de espaço, e sob os

desígnios de normas comuns.

Os crimes dolosos contra a vida, e em especial o crime de homicídio, sempre são

julgados por um grupo de cidadãos, que integram um tribunal popular, designado de Tribunal

do Júri. É essa instituição que tem a atribuição de realizar todos os julgamentos sociais

referentes a esses crimes. Integram esse Tribunal pessoas que são recrutadas do grupo social,

sem qualquer vinculação com as agências estatais de controle da criminalidade, mas que tem

o extraordinário compromisso de dizer o direito e ditar as regras de justiça social. É sobre

esse cenário, onde se desenvolve uma verdadeira reconstituição de uma ação dramática

anteriormente realizada sobre as pessoas que protagonizaram essa ação e sobre todas as

circunstâncias jurídicas e sociais que se ligam aos fatos é que vai ser desenvolvido esse

trabalho.

O presente tema foi objeto de escolha em virtude de algumas inquietudes que surgiram

durante mais de quatro anos da minha atuação profissional junto a uma das quatro

Promotorias de Justiça do Tribunal do Júri de Aracaju/Se, a partir de maio de 2003. Durante

o período que se estende até a elaboração dessa pesquisa, tive a oportunidade de vivenciar

dezenas de julgamentos populares, sempre envolvendo a prática de crimes dolosos contra a

vida (consumados ou tentados), figurando na qualidade de réus e vítimas pessoas do sexo

masculino ou feminino, pertencentes a classes sociais diversas, possuidora de cor da pele

distinta, com formação cultural heterogênea e possuidora de valores culturais diferenciados.

Além desse somatório de experiências profissionais, vale destacar a vontade de

aprimorar reflexões sobre o tema, especialmente, pelo fascínio de desvendar os caminhos

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percorridos pela mente humana, entre a apresentação de um fato social definido como crime

e uma decisão sobre esse mesmo fato. O julgamento realizado pelo Tribunal do Júri foge a

lógica jurídica que envolve as decisões judiciais comuns. No Júri existe um contexto que

permite a convivência e a interação de múltiplas significações, daí emerge a sua natureza

polissêmica. É por isso que o seu estudo é dominado pelo encantamento.

Meu desafio como pesquisador, além de conduzir a um amadurecimento intelectual,

busca entender qual o sentido da reprovação social diante da ocorrência de um crime, não

somente levando em consideração os aspectos jurídicos que envolvem o caso, mas também as

relações de poder que circundam toda a sociedade, da qual fazem parte: réu, vítima e jurados.

Geralmente os réus são julgados por pessoas da sociedade que não possuem formação

jurídica, embora esse não seja um pré-requisito essencial para que se realize um bom

julgamento. Mas, é sempre possível que representações tomadas com base em aspectos

diretamente relacionados com o gênero, com a cor da pele, com a classe social e com as

comprovadas experiências de vida dos atores diretamente envolvidos no processo de

julgamento interfiram na formação da opinião dos jurados. Essa eventual interferência pode

se materializar nas suas ações que apontam a necessidade ou não de reprovação pelo ato

praticado, culminando, assim, com decisões pertinentes a julgamentos com base em aspectos

diferenciados.

A pesquisa que será descrita e discutida em seguida ultrapassa considerações

relacionadas aos aspectos jurídicos, destina-se a investigar as hierarquias de poder presentes

na sociedade e que podem ser representativas nos julgamentos pelo Tribunal do Júri. As duas

investigações realizadas têm como meta descortinar as narrativas que o Júri faz da sociedade,

do seu papel nos julgamentos, bem como entender aspectos específicos ocorridos nos

julgamentos realizados no período compreendido entre o ano de 2003 e 2007, no 1º Tribunal

do Júri em Aracaju/Se.

Considerando que as pessoas escolhidas para compor o Júri Popular não fundamentam

as suas posições em determinações jurídicas, até porque este Júri não tem caráter de

formação verticalizado no direito, interessa investigar em que elementos esses julgamentos se

apoiam, e se seria ele influenciado por hierarquias socialmente reconhecidas, tais como: as

relações de gênero, a cor da pele e a classe social dos atores envolvidos no processo de

julgamento. De modo específico, interessa-se perceber o sentido do quê influencia um

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julgamento, levando em consideração as características do réu, da vítima, a composição do

Conselho de Sentença e o contexto do crime.

A literatura consultada e a nossa experiência profissional no campo da pesquisa nos

informam que muitas vezes tais hierarquias podem servir como parâmetros para julgamentos

que, mormente, extrapolam as evidências das provas dos fatos, recaindo sobre uma relação

complexa e ambígua para a formulação de resultados que se pretendem articulados de forma

objetiva, de acordo com as argumentações apresentadas.

Entretanto, esses julgamentos podem refletir, diante do confronto entre o poder de matar

do indivíduo e o poder do Estado em controlar esses atos de violência, a legitimação do poder

de matar. Essa legitimação ocorre através da contextualização da morte dentro do significado

que o grupo representativo da sociedade, silenciosamente, atribui para as relações sociais

materializadas por meio do voto secreto.

O espaço físico do Tribunal do Júri é por excelência um espaço público, onde são

tomadas decisões importantes e que interferem diretamente com o exercício da cidadania dos

indivíduos, mas ali também é um espaço de poder e de autoridade. É nele que um grupo de

pessoas numericamente pequeno, porém, com considerável representatividade social,

interagem a fim de permitir ao Estado formular respostas para o conflito social que fora

analisado. Por isso, consideramos pertinente aprofundar, de forma detalhada, a análise das

representações sociais que os grupos identificados como representantes da sociedade fazem

dos fatos sociais conflituosos, quando confrontados com as hierarquias relacionadas à cor da

pele, ao gênero, à classe social e a aspectos culturais.

Para tanto, é relevante investigar esses fatos dentro da área de conhecimento da

Sociologia associada aos estudos das Teorias da Etnicidade, das Teorias de Representação e

dos Estudos sobre Crime e Julgamentos Sociais.

Esse trabalho está estruturado, a partir do primeiro capítulo, de forma a permitir que

inicialmente o leitor tenha uma visão bastante ampla de como funciona o Tribunal do Júri.

Começa com a apresentação do panorama histórico da instituição do Tribunal do Júri. Na

sequência busca-se situar o leitor sobre a competência do Tribunal do Júri, ou seja, quais os

crimes que ele pode julgar e quais os princípios constitucionais e legais que se aplicam à

instituição. Não passou despercebida a maneira através da qual esse tribunal é formado, de

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que forma os seus integrantes são selecionados, como se dá a sua composição e quais são os

seus impedimentos. Foram também situados para o leitor os aspectos procedimentais do

Tribunal do Júri, expondo toda a processualística necessária para uma boa compreensão dos

trabalhos que nesse espaço público são realizados. Nítida foi a preocupação em não permear

a obra de termos jurídicos para não dificultar a compreensão e promover o afastamento do

objetivo central.

Diante da necessidade de expor as bases metodológicas e os caminhos a serem

percorridos nessa área do conhecimento, foi inserido no capítulo seguinte a “explicação” do

crime e das formas de controle social desse desvio. A partir desse comportamento desviante,

foi traçado um enfoque do ponto de vista da dogmática jurídica e da sociologia jurídica, a

primeira quando realiza julgamentos jurídicos, dando ênfase à verticalidade da norma

jurídica, e a segunda, quando se presta a realizar julgamentos sociais. Para entender os

julgamentos sociais, foi feita a apresentação de uma sequência de potenciais variáveis,

entendidas com fundamentais, para perceber qual a lógica desses julgamentos.

Essas variáveis foram destacadas a partir da necessidade sentida diante do trabalho de

campo realizado. Esse trabalho é salientado no capítulo terceiro, onde foram coletados dados

referentes aos aspectos percebidos como relevantes para a pesquisa, em relação ao corpo de

processos julgados entre os anos de 2003 e 2007. Nesses processos, foram coletados dados

relativos aos acusados do crime de homicídio, de suas vítimas e dados inerentes aos próprios

processos. Objetivando entender, de forma particularizada, as diferentes representações,

valores, motivações e atitudes, das pessoas que são chamadas a integrar um Conselho de

Sentença, diante de fatos sociais específicos e reconstituídos no plenário do Júri, foi

organizado um questionário, que fora aplicado a um significativo número de entrevistados.

O material coletado através dessas entrevistas, bem como os resultados obtidos através

da pesquisa de campo realizada nos processos julgados, foi submetido à criteriosa análise e

interpretação. Essa atividade produziu um conjunto de informações que permitirá melhor

compreender, como os membros do corpo social, quando colocados frente a frente com

diferentes situações sociais, põem em prática o processo de incriminação, essencial para

legitimar o direito de punir do Estado nos crimes de homicídio.

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CAPÍTULO I

O TRIBUNAL DO JÚRI

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1.1 Contextualização Histórica do Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri, tribunal popular, é o órgão responsável pelo julgamento de um ser

humano, pelos seus próprios “iguais”, ou seja, por alguém que pertença à mesma comunidade,

ao mesmo agrupamento humano ou ao mesmo grupo social. Por esse sistema o poder de

julgar é retirado da magistratura togada (juízes de direito) e entregue ao povo (jurados),

legítimo detentor do poder soberano. É uma verdadeira modalidade de atuação judicial

popular, estabelecida com base na laicidade e independência dos “juízes leigos”. A origem

histórica do Tribunal do Júri não é consensual, discutem os historiadores e estudiosos do

assunto se essa instituição milenar nasceu na Grécia Antiga ou em Roma.1 Entretanto, há

certo consenso de que suas bases modernas foram lançadas na Inglaterra e, a partir desse

momento, se tornou um modelo para as legislações ocidentais modernas, tanto na Europa

quanto na América.

Para Guilherme Nucci, as primeiras notícias do Tribunal do Júri podem ser encontradas

na Palestina, a partir da identificação de um tribunal específico, o Tribunal dos Vinte e Três,

nas vilas em que a população ultrapassasse cento e vinte famílias (NUCCI, 1999, p. 33-34).

Reconhecido formalmente este Tribunal, cada Vila tinha uma representação do mesmo. Esse

Tribunal tinha a competência para julgar os processos criminais referentes a crimes que

fossem punidos com a pena de morte. Ainda segundo Guilherme Nucci, esta mesma forma de

identificação do Tribunal do Júri pode ser percebida na constituição do sistema judicial da

Grécia, desde o século IV a. C, através da constatação da existência do Tribunal dos Heliastas,

composto por cidadãos e cujas reuniões ocorriam em praça pública. Da mesma forma, em

Roma, durante a República, encontra-se a representação da instituição do Tribunal do Júri nos

tribunais conhecidos por quoestiones perpetuoe (tribunal composto por um pretor e simples

cidadãos com mais de 30 anos de idade, com aptidão legal e com condições de renda).2

Nucci assegura que a propagação do Tribunal Popular3 pelo mundo ocidental, com sua

adoção por diversas nações européias e pelos Estados Unidos, somente vai ocorrer após a

1Ver a respeito TUCCI, 1999, p. 11-31; STRECK, 2001, p. 75-186; NUCCI, 1999, p. 30-36.

2 Os jurados eram identificados como judices jurati e selecionados a partir de simples cidadãos que compunham

a ordem dos senadores, a ordem dos cavaleiros e a ordem dos tribunos do tesouro. 3 De agora em diante passo a tratar a expressão Tribunal Popular como sinônima da expressão Tribunal do Júri,

com o objetivo de tornar a leitura menos cansativa e evitar um número exagerado de suas repetições.

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edição da Magna Carta em 1215, na Inglaterra.4 O art. 48 da Magna Carta informa que

“ninguém pode ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em

virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país”. Observa-se aqui a preocupação

de submeter o cidadão a um julgamento pelos seus semelhantes, tendo como critérios

norteadores o bom senso e o costume do lugar onde se realiza o julgamento. Esse julgamento

deveria ser realizado dentro de uma concepção, com base na qual o costume do lugar deveria

ter relevância ante à aplicação inflexível da letra fria da lei. Seja a partir dos indícios de sua

identificação ou do que se considera como marco histórico (Magna Carta), a instituição do

Júri sofreu significativas modificações.

A esse respeito, preleciona Lenio Streck que, sem desprezar a existência do Tribunal do

Júri na antiguidade, destaca ser o paradigma inglês, surgido com a Magna Carta, que vai

servir de modelo normativo para diversos países, seja na Europa ou fora dela. Na França, ao

ano em que se seguiu a Revolução Francesa, foi introduzido o Tribunal do Júri para funcionar

nas causas criminais. Tinha como objetivo retirar da magistratura o poder de julgar,

repassando-o ao povo, em razão da desconfiança e falta de fé, que os revolucionários

franceses nutriam em relação aos juízes, pois os consideram como subservientes ao monarca

absoluto (STRECK, 2001, p. 75).

Paulo Rangel ao fazer uma análise histórica do Júri no Brasil, também toma como ponto

de partida a Inglaterra, que ele considera como sendo o berço dos direitos e das garantias

individuais no mundo.

Na Inglaterra, o júri aparece como um conjunto de medidas destinadas a lutar contra

os ordálios (no direito germânico antigo, dizia-se do juízo ou do julgamento de

Deus. Era qualquer tipo de prova, da mais variada sorte baseada na crença de que

Deus não deixaria de socorrer o inocente, o qual sairia incólume delas) durante o

governo do Rei Henrique II (1154-1189) em que, em 1166, institui o Writ (ordem,

mandado, intimação) chamado novel disseisin (novo esbulho possessório) pelo qual

encarregava o sheriff de reunir doze homens da vizinhança para dizerem se o

detentor de uma terra desapossou, efetivamente, o queixoso, eliminando, assim, um

possível duelo judiciário praticado até aí.

Nesse conjunto de medidas, a acusação pública, que até então era feita por um

funcionário, espécie de Ministério Público, passou a ser feita pela comunidade local

4 A Magna Carta, cujo nome completo é Magna Carta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at

barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou Concórdia

entre o Rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), foi outorgada pelo Rei

João Sem Terra, em Runnymede, perto de Windsor, no ano de 1215. O documento garantia certas liberdades

políticas inglesas e de igual maneira continha disposições que tornavam a igreja livre da ingerência da

monarquia, reformavam o direito, e de igual maneira a justiça. O documento compõe-se de 63 artigos ou

cláusulas. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao

surgimento do constitucionalismo.

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quando se tratava de crimes graves (homicídios, roubos, etc.), surgindo assim o júri

que, como era formado por um número grande de pessoas (23 jurados no condado),

foi chamado de Grand jury (Grande Júri). Por isso era chamado de Júri de acusação.

Os jurados (pessoas do povo daquela comunidade onde ocorreu o crime) deviam

decidir segundo o que sabiam e com base no que dizia, independentemente de

provas, já que estas eram de responsabilidade de outros doze homens de bem,

recrutados entre os vizinhos formando assim um pequeno júri (Petit jury) que

decidia se o réu era culpado (guilty) ou inocente (innocent) (RANGEL, 2003, p.

478-79).

Observa-se que a prática do Júri, no seu nascedouro, segundo Paulo Rangel, estava

envolvida por uma mística religiosa, tanto na essência de suas deliberações quanto no número

de jurados destinados a decidir sobre a liberdade de um cidadão. A crença era a de que doze

pessoas de bem (número de apóstolos que seguiam Cristo), reunidas com o melhor dos

propósitos, seriam certamente levadas a decidir de forma correta e justa, independentemente

das provas existentes. Por isso, se o acusado fosse de fato inocente, jamais seria condenado

em razão dessa crença. O resultado do julgamento simbolizava a verdade emanada de Deus.

Embalado pelos ventos revolucionários franceses e pelo exemplo de manifestação

democrática que veio da Inglaterra, Portugal não resistiu e também cedeu a essas inovações

jurídicas e prontamente transmitiu a então colônia, as suas experiências legislativas e

institucionais. É dessa forma que explicamos a inserção do sistema do Júri no Brasil e a sua

manutenção como instituição jurídica até hoje, sem nunca ter deixado de ter aplicabilidade no

país. Todavia, ao longo de quase duzentos anos de história sofreu algumas modificações, seja

quanto a sua forma de organização e funcionamento, às suas garantias, e principalmente

quanto a sua competência para julgar determinados delitos.

É reconhecida a influência inglesa no modelo de Tribunal do Júri instituído no Brasil.

Como diz Nucci, a instituição do Tribunal do Júri nasceu de forma autêntica na Inglaterra em

1215, como um direito fundamental, pois era uma garantia de julgamento imparcial feita pela

própria sociedade contra o absolutismo do soberano (NUCCI, 1999, p. 36). Espalhou-se pela

Europa pelo mesmo critério, dando ares de direito individual do homem contra o abuso do

Estado. Chegou ao Brasil pela mesma via, já que o colonialismo restou por impor ao Príncipe

Regente D. Pedro as mesmas orientações que Portugal estava vivenciando, e como Portugal

sofria forte dominação da Inglaterra, naturalmente o Tribunal do Júri chegou a terras

brasileiras.

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ALMEIDA JÚNIOR apud MOREIRA-LEITE (2006, p. 47), ao discorrer sobre o

processo de estabelecimento do sistema jurídico no Brasil destaca:

Com o crescimento da população e a complexidade de problemas que já não se

circunscreviam à situação de uma simples colônia, foi sendo criada no Brasil uma

justiça própria desligada da justiça portuguesa. O processo foi se desenrolando, de

forma que em 1815, quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino, “já estava de

facto estabelecida a mais completa autonomia das justiças”.

Dentro do contexto judicial da época e ainda do atual, o Tribunal do Júri é a única forma

prevista no nosso ordenamento jurídico que permite ao cidadão participar de forma ativa e

direta da administração da Justiça. No Brasil, buscando inspiração nos ares democráticos dos

liberais franceses, o Tribunal do Júri foi instituído pela Lei n.º 18, de julho de 1822, antes da

proclamação da nossa independência e até mesmo da primeira constituição. Na oportunidade

foi estabelecido para julgar somente os crimes de imprensa. No seu nascedouro, a lei previa

uma composição diversa da que é observada atualmente. Assim declarou o Príncipe Regente:

... procurando “ligar a bondade, a justiça e a salvação publica (sic!), sem offender à

liberdade bem entendida da imprensa, que desejo sustentar e conservar, e que tantos

bens tem feito á causa sagrada da liberdade brazilica”, creava (sic!) um tribunal de

juizes de facto composto de vinte e quatro cidadãos, “homens bons, honrados,

intelligentes e patriotas”, nomeados pelo Corregedor do Crime da Corte e Casa, que

por esse Decreto era nomeado juiz de direito nas causas de abuso de liberdade de

imprensa (ALMEIDA JÚNIOR apud MOREIRA-LEITE, 2006, p. 47).

O Tribunal Popular5 era composto por vinte e quatro jurados selecionados dentre

homens “bons, honrados, inteligentes e patriotas”, os quais seriam designados juízes de fato,

para conhecerem e examinarem os fatos sobre a criminalidade resultante de escritos

considerados abusivos. Por esta constatação, observa-se que desde o seu surgimento já havia

uma limitação quanto à ampla participação popular nesse modelo de administração da Justiça.

Sobre esse aspecto, Lenio Streck destaca que o caráter de representatividade passou a ser

questionado, na medida em que, numa sociedade escravocrata, só admitia serem jurados os

cidadãos que podiam ser eleitos, ou seja, os chamados ‘”homens bons” (STRECK, 2001, p.

87). Essa eleição, padecia da necessidade de que eles detivessem uma determinada renda,

assim, por consequência, os jurados só seriam recrutados dentre àqueles que integrassem as

camadas dominantes.

5 As expressões Tribunal do Júri e Tribunal Popular são empregadas no texto como sinônimas, com o objetivo de

evitar constantes repetições.

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Essa sistemática de julgamento ganhou destaque e relevância, por isso, foi alçada ao

plano constitucional pela Carta Imperial de 1824. Carta esta inspirada no constitucionalismo

inglês e outorgada, em 25 de março de 1824, por Dom Pedro I. Marcou o início da

institucionalização da monarquia constitucional no Brasil. No título 6°, tratava do Poder

Judicial, como era denominado na época. Ficou estabelecido no art. 151 que: O Poder

Judicial é independente e será composto por Juízes e Jurados, os quais terão lugar assim no

Cível, como no Crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem. No art. 152

ficou expressa a atribuição de cada integrante, nos seguintes termos: Os Jurados pronunciam

sobre o fato, e os Juízes aplicam a Lei. Quanto à competência para julgamento de causas

cíveis, não há registros da realização desse tipo de julgamento pelo Tribunal do Júri.

Ao pretender ser mais específica na sua organização, a Lei de 20 de setembro de 1830

estabeleceu o Júri de Acusação e o Júri de Julgação ou de Sentença. O primeiro, também

conhecido como Grande Júri, era composto de vinte e três membros e tinha por atribuição

julgar a admissibilidade da acusação. Após ouvir a acusação e a defesa, as testemunhas, tomar

ciência das provas, o Conselho de Jurados reunia-se, a portas fechadas, com o objetivo de

deliberar se existia matéria para a acusação. Noutro passo, o Júri de Julgamento ou de

Sentença, denominado de Pequeno Júri, composto por doze jurados, depois de apreciar todas

as provas colhidas, deliberava em sala secreta, por maioria absoluta, sobre a culpa do acusado,

após responder os quesitos do juiz de direito. Se o Grande Júri não admitisse a acusação, o

juiz a julgava improcedente.

O Código de Processo Criminal Imperial, de 29 de novembro de 1832, conferiu amplas

atribuições a essa instituição, restringindo o poder do juiz à presidência das sessões de

julgamento, à orientação dos jurados e à aplicação das penas, nos casos em que o acusado

fosse condenado. Esse Código impunha algumas restrições para o exercício da função de

julgar. Limitava essa função às pessoas que não só pudessem ser eleitora mas também

possuíssem reconhecido bom senso e probidade art. 23 do CPCI:6

Das pessoas encarregadas da administração da justiça nos termos

Dos jurados.

Art. 23. São aptos para serem jurados todos os cidadãos que podem ser eleitores,

sendo de reconhecido bom senso e probidade. Exceptuão-se os senadores,

deputados, conselheiros e ministros de Estado, bispos, magistrados, officiaes de

justiça, juizes ecclesiasticos, vigarios, presidentes, secretarios dos governos das

provincias, commandantes das armas e dos corpos de 1ª linha. (sic!)

6 Abreviatura que serve para identificar o Código de Processo Criminal Imperial.

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Nesse passo a especial situação de eleitor não era conferida a todas as pessoas da

sociedade da época, sendo privilégios de poucos. Só poderiam ser jurados as pessoas que de

igual forma também preenchiam os requisitos para serem eleitoras. Apenas as pessoas que

gozassem de boa situação econômica podiam exercer o direito ao voto, nos termos do art. 92,

V, da Constituição Política do Império, outorgada em 1824:

Art. 92: São excluídos de votar nas Assembléias Paroquiais:

V – Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bem de raiz

indústria, comércio ou empregos.

Por imposição do Código de Processo Penal do Império (CPPI), a lista de jurados era

organizada e conferida pelo juiz de paz, pelo pároco e pelo presidente da Câmara Municipal.

Apesar de todas essas limitações impostas para a escolha dos integrantes do Júri e com a

constatação de um real distanciamento entre jurados e acusados, foi com a adoção desse

modelo de Grande Júri e Pequeno Júri, com uma semelhança muito grande com o modelo do

júri inglês, que se observou uma maior legitimidade das decisões, e deliberações

verdadeiramente democráticas, posto que a sociedade refletia duas vezes, através de pessoas

distintas, sobre a mesma causa.

Nos primeiros dias do ano de 1831, as ruas viviam momentos de grande inquietação,

grupos exaltados passaram a defender a necessidade de um Governo republicano. Na

madrugada do dia 7 de abril de 1831, não conseguindo contornar a crise, D. Pedro I

apresentou o ato de abdicação ao trono. Após a abdicação de D. Pedro I, instalou-se o período

conhecido por Regência Única. Essa fase foi marcada por várias rebeliões e revoltas

provinciais. Diante dessa realidade, o governo adotou uma política mais dura e centralizadora.

Através de legislações futuras, uma parcela do poder que era atribuída à sociedade

acabou sendo restringida. Tal limitação a esse tipo de liberdade social pode ser explicada

através da deflagração de movimentos sociais lançados à época, com o objetivo de implantar a

República, portanto, indo de encontro aos interesses da Monarquia. Por essa razão, o poder

central limitou a participação popular na administração da Justiça, uma vez que a sociedade

tinha sido legitimada a julgar inúmeros tipos de infrações, podendo essa participação tornar-se

perigosa aos interesses do governo Imperial.

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Por isso, as ampliações de atribuições experimentadas pelo Júri não se sustentaram por

muito tempo. Modificações foram inseridas pela Lei n.º 261, de 03 de dezembro de 1841 e

pelo Regulamento n.° 120, de 31 de janeiro de 1842. Dentre as principais modificações,

merece destaque a que extinguiu o Júri de Acusação ou Grande Júri, passando a atribuição de

julgar a admissibilidade da acusação para as autoridades policiais (delegados e subdelegados

com atribuições judiciárias) e juízes municipais,7 todos escolhidos pelo Imperador. Os jurados

passaram a ser escolhidos pelos delegados de polícia, deixando nítida a intenção de que as

pessoas escolhidas para integrarem o Júri deveriam ser de confiança da Corte.

Nesse sentido, a Lei n.º 261 de 1841 também promoveu alteração nos quoruns de

deliberação. O Júri que até então para condenar um cidadão à pena de morte deveria deliberar

de forma unânime, passou a poder decidir por esta mesma pena, contando apenas com duas

terças partes de votos de um total de doze votos. Para todas as demais decisões exigia-se

apenas maioria absoluta, e em havendo empate era adotada a decisão que melhor favorecesse

o acusado. A tarefa de condenar ou absolver os acusados, vinculada aos interesses políticos da

época, tornou-se duplamente facilitada, seja em razão da forma de escolha dos jurados,

através dos delegados de polícia, ou em razão dos quoruns exigidos para as decisões.

Além das limitações já informadas e que foram promovidas pela Lei n.º 261, de 03 de

dezembro de 1841, outras também trouxeram consequências importantes para a instituição do

Júri. A mencionada lei também passou a exigir diversos requisitos para o exercício da função

de jurado, quais sejam: ser eleitor, saber ler e escrever e possuir rendimento anual de bens e

raiz, ou emprego público, cuja remuneração mínima alcançasse duzentos mil réis, dependendo

do termo ao qual o jurado pertencesse. Esse aspecto mereceu a seguinte consideração de

Angelo Ansanelli:

7 O Código do Processo Criminal de 1832, nos artigos 33 a 35, tratou pela primeira vez dos Juízes Municipais.

Eram indicados em lista tríplice formada pela Câmara Municipal para escolha pelo Presidente da Província,

dentre os seus habitantes formados em Direito, ou advogados hábeis, ou outras quaisquer pessoas bem

conceituadas ou instruídas. Tinham mandato de três anos e competia-lhes substituir o Juiz de Direito, e dentre

outras atribuições, deveriam executar suas sentenças e mandados, estabelecer fiança aos réus que pronunciassem

ou prendessem, bem como exercitar, cumulativamente, a jurisdição policial. A Lei 261, de 3 de dezembro de

1841, reformou o Código de Processo Criminal e, nos artigos 13 a 21, dispôs sobre as atribuições dos juízes

municipais, fortalecendo-as. Passou-se a exigir que fossem bacharéis em Direito e a nomeação passou a ser do

Imperador. Atuavam por quatro anos, substituíam os juízes de Direito, e passaram a ter suplentes. A Lei 2.033,

de 20 de setembro de 1871, no artigo 1º, § 4º, declarou incompatível o cargo de Juiz Municipal com o de

qualquer autoridade policial. Até então estas atribuições eram mescladas. A partir da Constituição Republicana

de 1891 não mais se dispôs sobre os Juízes Municipais (FILGUEIRAS JUNIOR, 1874, p. 26-28).

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Desta forma, vemos que, além da inevitável violação da parcialidade, em face do

controle exercido pela magistratura pelo Imperador, a Lei n. 261 passou a exigir do

jurado, para o exercício da função, dentre outros requisitos, o que possuísse

determinada renda, transformando o Tribunal do Júri (à maneira das quaestio

romanas) em um Tribunal elitista, censitário e, portanto, antidemocrático

(ANSANELLI, 2005, p. 29).

Com o passar do tempo nova reforma se impôs. A Lei. n.º 2.033, de 20 de setembro de

1871, extinguiu a possibilidade das autoridades policiais participarem da formação da culpa

(compreende um conjunto de atos processuais realizados com a finalidade de produzir a prova

necessária para demonstrar a seriedade da acusação, de forma a resguardar o cidadão de

acusações levianas, absurdas e sem nenhuma plausibilidade) e para pronunciarem (a sentença

de pronúncia é a decisão que admite a seriedade e a razoabilidade da acusação, e determina

que o réu seja julgado por um júri popular) os acusados por crimes comuns. Essa atribuição

foi transferida para os juízes de direito das comarcas. Analisando essas reformas, Paulo

Rangel destaca a separação das atribuições policiais e judiciárias e o surgimento do inquérito

policial:

Tal reforma, dentre outras coisas que fogem ao estudo do júri, visava separar as

funções da polícia das do poder judiciário, extinguindo a jurisdição dos Chefes de

Polícia, Delegados e Subdelegados no que respeitava ao julgamento dos crimes,

criando para tanto a figura do hoje falido e famigerado inquérito policial. Aí está a

origem, no Brasil, do cunho inquisitorial e condenador (sic!) do inquérito policial

(RANGEL, 2003, p. 490).

Vencida a fase imperial, o Tribunal do Júri ingressa na sua fase republicana. Após a

proclamação da República em 15 de novembro de 1889 e consequente queda da Monarquia,

ocorreu um natural distanciamento da Inglaterra e uma aproximação com os Estados Unidos.

Logo, novos ideais políticos e libertários irão ser observados nas leis brasileiras.

Com a proclamação da República o Júri, foi mantido no Brasil. Logo a seguir, em 11 de

outubro 1890, o Decreto n.° 848, organizando a Justiça Federal, cria o Júri federal com doze

jurados, escolhidos dentre trinta e seis cidadãos, qualificados na capital do Estado onde

houver de funcionar o tribunal e segundo as prescrições e regulamentos estabelecidos pela

legislação local, sob a presidência do juiz da respectiva secção (art. 41). As deliberações

seriam tomadas por maioria de votos e o empate seria entendido como sendo a favor do

acusado (art. 42). A Constituição Republicana promulgada em 24 de fevereiro de 1891, com a

decisiva interferência em favor da instituição, feita por Rui Barbosa, manteve inserida no

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texto constitucional o Tribunal do Júri, em breve conjunto de palavras: “É mantida a

instituição do júri” (art. 72, § 31). Contudo, deslocou a sua previsão do capítulo que tratava

do Poder Judicial para o que tratava da Declaração de Direitos.

Já a Constituição Federal de 16 de julho de 1934, inspirada no modelo alemão de

Weimar (cidade onde a Constituição alemã foi elaborada), manteve a mesma previsão

constitucional, e voltou a inserir novamente o Tribunal do Júri no capítulo que tratava do

Poder Judiciário, com a seguinte redação: “É mantida a instituição do júri, com a

organização e as atribuições que lhe der a lei” (art. 72). Nesse período, nenhuma mudança

significativa foi observada em relação à instituição do Júri.

Entretanto, com o advento do Estado Novo, inspirado nos ventos ditatoriais e totalitários

europeus, protagonizados por Benito Mussolini, Josef Stalin, Adolph Hitler e Francisco

Franco, Getúlio Vargas vai implantar um modelo político no Brasil, a partir de 1937, que

suprime várias garantias constitucionais e fortalece sobremaneira o governo central. O

Tribunal do Júri é entendido historicamente como uma das formas mais sublimes de

manifestação democrática. Certamente não poderia conviver de forma harmônica dentro de

um sistema político ditatorial, que tem como uma de suas marcas a centralização e o controle

das suas decisões, inclusive as judiciais, nas mãos de poucos.

É em meio a essa agitação política que a Constituição Federal de 10 de novembro de

1937 silencia a respeito do Tribunal Popular. Diante da inexistência de previsão

constitucional, o pensamento inicial convergiu para o entendimento de que o Tribunal do Júri

havia sido extinto no país. Coube a Magarino Torres a defesa da manutenção do Júri, mesmo

diante da omissão da Constituição de 1937, que deixou assentado que o “democratismo,

liminarmente expresso de que o poder político emana do povo e é exercido em nome dele”

seria o bastante para justificar a manutenção da participação popular no Tribunal do Júri

(ANSANELLI, 2005, p. 35).

Evidentemente, em face disso, tal opinião foi logo repelida com a promulgação, em 5 de

janeiro de 1938, do Decreto-lei n. 167, chamada de a primeira lei do Júri, que regulou a

instituição, de forma uniforme, em todo o território brasileiro, demonstrando explicitamente

sua existência. Contudo, um aspecto negativo foi observado. Posso dizer, como, Paulo

Rangel, que nesse período a soberania do Tribunal Popular deixou de existir (RANGEL,

2003, p. 495). A quebra dessa garantia na prática significou que o Tribunal de Apelação,

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revendo a decisão do Tribunal do Júri, poderia concluir que, diante da reanálise das provas, a

decisão teria sido tomada sem apoio nos autos. Por isso, poderia rever a decisão popular e

alterá-la, seja para absolver um acusado condenado ou condenar um acusado inicialmente

absolvido.

No período do Estado Novo, o Tribunal do Júri passou a ser composto por um juiz de

direito, seu presidente, e mais vinte e um jurados, sorteados dentre os alistados. Dentre esses,

sete seriam escolhidos para compor o conselho de sentença em cada sessão de julgamento

(art. 2º).8 Atribuiu a responsabilidade pela escolha dos jurados ao juiz presidente do júri,

mediante escolha através de conhecimento pessoal e informação fidedigna (art. 10). Esses

jurados deveriam ser escolhidos dentre os cidadãos que oferecessem garantias de firmeza,

probidade e inteligência no desempenho da função (art. 7º).

Além de reduzir o número de jurados de doze para sete, o Decreto-lei n. 167, ainda

impôs a proibição da comunicação entre os jurados, impossibilitando, assim, a discussão da

causa entre o corpo votante, na sala secreta, antes da deliberação final. Rangel destaca ainda

que a incomunicabilidade, o silêncio imposto antes da votação é uma das formas de se

controlar as ideias de um povo, e que a retirada da soberania dos veredictos dos jurados foi

um golpe de morte no Tribunal do Júri, pois passou a permitir que o Tribunal de Apelação

modificasse as suas decisões (RANGEL, 2003, p. 498). O Júri nesse momento histórico tinha

a atribuição de julgar os crimes de homicídio, atentado contra a vida de uma pessoa por

envenenamento, o infanticídio, o suicídio, a morte ou lesão corporal seguida de morte por

duelo, o latrocínio e a tentativa de roubo.

Paulo Rangel destaca que com a redução de doze para sete jurados, a decisão por

maioria de votos tornou-se mais fácil ainda de ser alcançada (RANGEL, 2003, p. 497). Pelo

quórum anterior seriam necessários, no mínimo, sete votos a favor de uma condenação contra

cinco votos a favor da absolvição, exigia-se, portanto, uma diferença mínima de dois votos.

Pelo quórum estabelecido após a alteração, o qual se impõe ainda na atualidade, alcança-se

uma condenação quando se obtém no mínimo quatro votos a favor dessa decisão. Tendo

apenas sete jurados a votarem, logo a diferença mínima estabelecida entre condenação e

absolvição foi reduzida de dois para apenas de um voto. Nesse sentido, quando confrontado

os dois sistemas de votação, é nitidamente constatado que aumentou a possibilidade dos

8 Os artigos citados nesse parágrafo se referem ao Decreto-lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938.

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acusados serem condenados nos julgamentos populares, e na mesma proporção tornou as

absolvições mais árduas e penosas.

O atual Código de Processo Penal entrou em execução prática em 3 de outubro de 1941,

ainda sob o mesmo clima político. Isto justifica a manutenção da mesma estrutura do Tribunal

do Júri prevista pelo Decreto-lei n. 167, de 05 de janeiro de 1938. Getúlio Vargas foi deposto

em 29 de outubro de 1945 e em seu lugar assumiu o poder em janeiro de 1946 o Gen. Eurico

Gaspar Dutra, com promessas para redemocratizar o país.

A quarta Constituição da República, de 18 de setembro de 1946, concebida num

ambiente político que imaginava democratizar o país, fez com que o Júri ressurgisse com mais

forças e estruturado por maiores garantias. Recuperou as perdas sofridas em momentos

políticos, onde a sociedade esteve submetida a governos ditatoriais. Foi mais uma vez inserido

no Capítulo dos Direitos e das Garantias Individuais. Pela redação do art. 141, § 28, o

Tribunal do Júri ganhou os contornos atuais, assegurando o funcionamento da instituição com

um número ímpar de jurados, garantindo o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu,

restabeleceu a soberania dos veredictos e tornou obrigatória a participação dos jurados no

julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Guilherme Nucci destaca que o retorno mais

fortalecido da instituição do Júri deveu-se ao foco democrático da Constituição de 1946:

Por um lado, pode-se ver nessa avaliação que o Tribunal do Júri teria voltado a

figurar o contexto constitucional por ser uma instituição que se revelou útil, mas, em

verdade, o que parece ter movido o legislador de 1946 a trazer de volta o tribunal

popular ao texto da Constituição, inclusive com maiores garantias, foi o fato de o

júri sempre ter representado um foco de democracia, uma tribuna livre onde as

causas são debatidas e apreciadas diretamente pelo povo. Justamente porque a Carta

de 1937 o omitiu de seu texto sentiu o constituinte de 46 o dever “democrático” de

restaurá-lo expressamente, em que pese nunca ter deixado de existir no Brasil. Fê-lo,

no entanto, com maiores garantias, especialmente a da soberania dos veredictos,

para que a lei ordinária não o extinguisse na prática, como muitos acusaram o

Decreto n.º 167, de 1938, ter feito (NUCCI, 1999, p. 41).

Na arena política daquela época, coube ao constituinte Ataliba Nogueira a veemente

defesa da inserção da instituição do Júri no texto constitucional, dizendo:

(...) o Tribunal do Júri era índice de democracia, expressão da liberdade e sempre

realizou, dentro da justiça penal, notável trabalho de individualização da pena. E

disse mais: “das instituições humanas de todos os tempos é a que mais tem resistido

aos contratempos e contra-ataques, aquela que mais se entranhou no espírito

democrático dos povos; é uma instituição necessária à democracia, como

complemento do regime democrático. Mesmo na concepção moderna de

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democracia, não podemos afastar o cidadão da função de julgar, uma vez que

colabora no governo elegendo seus dirigentes;colabora na confecção da lei elegendo

os parlamentares; colabora na distribuição da justiça julgando seus semelhantes.”

(NUCCI, 1999, p. 42).

A Constituição de 24 de janeiro de 1967, pensada no período em que o Estado se

encontrava sob o domínio dos ideais militares, manteve a instituição do Júri no capítulo que

tratou Dos Direitos e Garantias Individuais, informou no art. 150, § 18: “São mantidas a

instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos

contra a vida”. A Emenda Constitucional n.° 1, de 17 de outubro de 1969, quando fez

referência a instituição do Júri, promoveu o seu reposicionamento dentro do texto

constitucional, deslocando-a para o art. 153, § 18, com a seguinte redação: “É mantida a

instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Observa-se da nova redação, que a garantia da soberania do Júri foi, pela segunda vez,

retirada da instituição, acompanhando a tendência política da época. Esse assunto será

retomado no momento oportuno, quando se destacará a relevância das garantias da instituição

do Júri.

Vencido o ciclo do período militar brasileiro, instaurou-se em 1º de fevereiro de 1987, a

Assembléia Nacional Constituinte, composta por quinhentos e cinqüenta e nove congressistas.

Após os trabalhos desenvolvidos por dezoito meses, foi promulgada a nova Constituição da

República brasileira, em 5 de outubro de 1988. Mais uma vez ficou clara a intenção do

constituinte em resgatar as garantias constitucionais que foram limitadas no período político

anterior. Como consequência, é marcante, no texto constitucional, a valorização da cidadania

e da soberania popular. Atualmente a instituição do Júri está amparada por norma

constitucional, prevista no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, com a

seguinte redação: “É reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei,

assegurados: a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos; a

competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

É um direito do cidadão brasileiro de participar da administração da justiça do país

através do Tribunal do Júri. Essa atuação promove, de forma difusa, um esmerado sentimento

de responsabilidade, na qualidade de participante do Estado. A instituição do Júri também tem

por fim assegurar o direito a qualquer cidadão, de só ter a sua liberdade suprimida, ao cometer

um crime doloso contra a vida, quando sua conduta for julgada pelo Tribunal do Júri.

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O Tribunal Popular, como instituição judiciária, é o sistema que transfere a

responsabilidade de um julgamento da magistratura togada ou de carreira (juiz de direito) para

a magistratura “leiga” (jurados). Nesse espaço de discussão e de deliberação, os próprios

membros da sociedade são destinados a investigar, com escrúpulo, se o comportamento de um

indivíduo é conflitante com as normas vigentes, podendo recomendar a aplicação de uma

sanção de caráter expiatório, representando concretamente a norma jurídica. Contudo, ainda

que reconheçam esse conflito entre a conduta e a norma, é possível aos agentes da sociedade

não esboçarem nenhum tipo de reação contra essa conduta, inclusive, podem fazer adaptações

à ordem jurídica e até não aplicarem ao indivíduo as sanções por ela estabelecidas. É

importante abordar, antes de discorrer sobre a organização e os procedimentos do Tribunal do

Júri, quais são os seus princípios informadores.

1.2 Relato do primeiro julgamento realizado pelo Tribunal do Júri em Aracaju/Se

A intenção aqui é fornecer um panorama geral de como era formada a culpa e julgados

os réus com a instauração do Tribunal do Júri no Brasil Imperial. Foi levantada em fontes

históricas a documentação necessária para comprovar a realização do primeiro julgamento

pelo Tribunal do Júri em Aracaju/Se, pela prática de crime doloso contra a vida. As pesquisas

foram feitas através de registros9 do processo criminal, catalogado no banco de dados do

acervo pertencente existente no Arquivo Judiciário de Sergipe, onde a Justiça Pública

processou o réu Angelo Custodio Cassimiro pela prática do crime de tentativa de homicídio.

No dia 29 de outubro do ano de 1862, por volta das 10:00h da manhã, a rotina da

Companhia de Caçadores da Província de Sergipe foi alterada em função do alvoroço que ali

se estabeleceu. Em uma de suas celas, achava-se recluso o menor Manoel Joaquim de Sant'

Anna, recrutado para a Armada (Exército). Nesse local foram ouvidos gritos, acudindo aos

gritos foi o menor encontrado chorando, em razão de ter o preso Angelo Custodio Cassimiro,

9 Dados coletados a partir da transcrição documental do registro que tem como referência arquivista:

AJU/1ª.V.CRI. Cx.1 – 2556. Série: Penal. Subsérie: Homicídio/tentativa de homicídio. Arquivo Geral do

Judiciário. TJ/SE. Doc. 1.26-51863.

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ex-soldado de linha, sentenciado a seis anos de prisão, ferido o recruta do Exército no baixo

ventre e no peito esquerdo, com o garfo, que o acompanhava.

O réu Angelo Custodio Cassimiro, filho de Manoel Victorino, contava com 27 anos de

idade, era solteiro, nascido em Cappela de Japaratuba e não sabia ler nem escrever. O

processo criminal foi instaurado em 22 de maio de 1863, em razão do ofício do Doutor Chefe

de Polícia da cidade de Aracaju. Após a ouvida de cinco testemunhas e do seu próprio

interrogatório foi o réu pronunciado, em 10 de junho de 1863, pelo Delegado de Polícia

Suplente em exercício, Alferes Geminiano Paes de Azevedo, como incurso no art. 193 do

Código Criminal.10

Foi recomendado permanecer na prisão e teve o seu nome lançado no rol

dos culpados. Em 16 de junho de 1863, o Juiz Municipal Suplente em exercício, Guilherme

Pereira Rebello, sustentou o despacho da pronúncia. Desse despacho de sustentação tomou

ciência o Promotor Público, Doutor Manoel Pereira Guimarães, e o réu Angelo Custodio

Cassimiro, em 5 de julho de 1864.

O julgamento do acusado foi designado para o dia 16 de agosto de 1864. O sorteio dos

jurados, em número de quarenta e oito, foi realizado em 26 de julho de 1864. Desse sorteio o

único registro que foi encontrado nos autos é que todos são do sexo masculino. Diante da

relação nominal foi identificado que nove dos quarenta e oito jurados tinham antes de seus

respectivos nomes a abreviatura Dr., um possuía a patente de Tenente Coronel e outro, a de

Capitam. Esses dados podem ser indicativos da posição social que os jurados ocupavam a

época.

No dia ajustado, o processo foi apresentado pelo juiz municipal Doutor Candido

Augusto Pereira Franco e recebido pelo juiz de direito da comarca e presidente do Tribunal do

Júri, Doutor Angelo Francisco Ramos. No dia seguinte, na casa da Câmara Municipal de

Aracaju, lugar onde na época se realizou a reunião do Tribunal do Júri, foi aberta a sessão

pelo juiz presidente e certificado que se achavam presentes quarenta dos quarenta e oito

jurados sorteados. Foi também conferida a presença das partes e das testemunhas. Nessa

oportunidade o réu declarou ser miserável, de modo que não possuía advogado. Por essa

10

Art. 193. Se o homicídio não tiver sido revestido das referidas circumstancias aggravantes. (sic!)

Penas da tentativa e cumplicidade:

Maximo - 20 annos de galés. (sic!)

Médio - 8 annos de prisão com trabalho.

Mínimo - 4 annos, idem. (sic!)

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razão, o juiz presidente nomeou o Doutor Francisco da Silva Freire para ser o defensor do

acusado.

Após todos tomarem os seus respectivos lugares, o juiz presidente realizou o sorteio dos

doze jurados que deveriam formar o Conselho de Sentença, dentre os quarenta presentes.

Foram sorteados, nessa ordem: Antonio Corrêa Dantas, Manoel Sauterio de Meneses,

Maximiano Augusto Villas-boas, Tomé Argolo Guimarães Espinula, Oseas de Oliveira

Cardoso, Ignacio José de Sousa, Antonio Carneiro de Meneses, Aristides da Silva Rego,

Manoel Francisco de Argollo, José da Rocha Bastos, José Manoel da Silva Pantomino e

Antonio Manoel de Salles. Foram recusados por parte do réu Doutor Francisco Joaquim da

Silva e o Doutor Luis José Carneiro de Sousa Lacerda; e por parte do Doutor Promotor Pedro

Ribeiro Leal, Florencio de Araujo Gois, Joaquim José Alves Guimarães, e o Doutor

Guilherme Pereira Rebello.11

Concluído o sorteio o juiz de direito levantando-se e após ele todos os jurados e os

demais presentes, deferiu o Juramento aos doze juízes do fato, lendo o primeiro destes, como

presidente interino do Jury de Sentença, com a mão direita sobre o livro dos Santos

Evangelhos, e em alta vós a seguinte fórmula:

Juro pronunciar bem e sem ser somente nesta causa; haverem com franquesa e

verdade só tendo diante de meos olhos, Deos e a Lei e proferir o meo voto

segundo a minha consciencia: e depois disendo seis [ilegivel] os mais Juisis de

facto, com a mão direita sobre o mesmo livro e em alta vós: - Assim o Juro.

(sic!)

Na presença dos jurados o réu foi interrogado pelo juiz de direito sem interferência das

demais partes e dos jurados. Em seguida, foi realizada leitura do processo para os jurados, e

logo, o promotor realizou a acusação. Não há registro no processo do tempo destinado a essa

fala. Somente depois de proferida a acusação é que as testemunhas de acusação, já que não

existiam testemunhas indicadas pela defesa, foram ouvidas, em número de duas, pois duas

haviam falecido ao tempo do julgamento e uma não compareceu ao ato, por isso, foi naquele

momento, sumariamente, condenada a cinco dias de prisão. Depois de ouvidas as duas

testemunhas presentes, foi deduzida a defesa do acusado. Houve réplica e tréplica, de igual

forma sem registro de tempo.

11

Os nomes dos jurados estão redigidos de acordo com a grafia original encontrada nos autos do processo.

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36

Consultados os juízes do fato se estavam aptos a votarem e tendo respondido que sim,

foi entregue ao presidente interino do Júri, ou seja, o primeiro jurado sorteado, Antonio

Corrêa Dantas, o processo e o questionário com os quesitos. Todos foram levados para uma

sala secreta e ali trancados, sozinhos, e para garantir que não se comunicariam com ninguém,

permaneceram postados do lado de fora da sala dois oficiais de justiça. Dentro da sala secreta,

a comunicação era livre e o debate da causa seguia-se até que o presidente interino batesse na

porta e o juiz de direito a mandava abrir. Esse ato representava que os jurados haviam

chegado a um veredicto. Ao retornarem para o plenário do Júri, o presidente interino leu em

voz alta as respostas escritas.

Os quesitos estavam assim redigidos, com as peculiaridades da grafia da época e outros:

1º O réu Angelo Custodio Cassimiro, no dia 29 de Setembro de 1862, no xadres da

Companhia fixa desta Província, feriu ao recruta Manoel Joaquim de Sant’Anna

com um garfo, o qual recruta se achava no mesmo xadres?

2º Este ferimento produsiu no paciente grave incomodo de saúde?

3º Este ferimento produsiu no paciente inhabilitação de serviço por mais de um

mez?

4º O réu cometteu o facto criminoso com a circunstancia de haver temtado contra o

paciente para matal-o, isso manifestado por actos exteriores e principio de

execução, que não teve effeito por circunstancias independentes da vontade do

mesmo réu?

5º O réu cometteu o facto criminoso impellido por um motivo frivolo?

6º O réu cometteu o facto criminoso com superioridade em arma, de modo que o

offendido não pudera defender-se com probabilidade de repellir a offensa?

7º Existem circunstancias attenuantes a favor do réu? (sic!)

O Júri, depois de haver decidido dentre si, por escrutínio secreto e por maioria absoluta

de votos, o seu presidente interino realizou a leitura das respostas recomendada pela Lei, da

maneira seguinte:

Quanto ao primeiro quisito – sim – por unanimidade de votos.

Quanto ao segundo – sim – por seis votos e não – por seis votos.

Quanto ao terceiro - não – por unanimidade de votos.

Quanto ao quarto - não – por unanimidade de votos.

Quanto ao quinto – sim – por onze votos.

Quanto ao sexto – sim – por unanimidade de votos.

Quanto ao septimo – não – por dez votos. (sic!)

Cumprida essa formalidade, o juiz de direito recebeu o processo e as respostas escritas,

e iniciou a elaboração da sentença. Em conformidade com a decisão do Júri, o juiz de direito

condenou o réu Angelo Custodio Cassimiro, a um ano de prisão nos termos do art. 201 do

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Código Criminal.12

Não houve recurso das partes. Dessa forma, foi concluído o primeiro caso

de que se tem notícia da atuação do Tribunal do Júri na Comarca de Aracaju/Se.

Analisando essa fonte histórica, foi observado que embora esse processo não seja

demasiadamente longo, pois conta com apenas quarenta e duas folhas, com registro na frente

e no verso da folha, seus registros eram manuscritos, nem sempre legíveis, e contendo muitos

erros de ortografia, o que é possível notar a partir da repetição de palavras grafadas de

maneira diversa. Por isso, foi necessária a atuação de profissional especializado para realizar

uma leitura sistemática e catalogar as informações. A maioria dos dados referente ao

andamento do processo, tais como data e local do crime, data de início e do seu término, a

sentença final (com a condenação do réu), a tipificação do crime, a intensidade da pena

aplicada, a existência de recursos, estão registrados no processo.

Cabe ressaltar que não existiu tal preocupação em registrar os dados referentes ao

ofendido tais como: naturalidade, cor, condição social, estado civil, idade e alfabetização. Foi

apenas registrada a sua ocupação ou cargo, na condição de recruta da armada. Já em relação

ao réu, exceto sua cor, todos esses dados foram registrados. A respeito da vítima, mesmo

diante da informação de que ela permaneceu apenas um mês hospitalizada, não há registro da

sua ouvida no processo. Não há nenhuma passagem sobre a vítima, apenas o que fora dito

pelas testemunhas. Não há registro sequer de que a vítima tenha comparecido ao julgamento.

A partir da leitura desse documento e com as informações colhidas dos documentos

atuais, pretende-se utilizar suas informações para recuperar valores e estabelecer noções de

justiça que se revelam no entrejogo de forças que se antagonizam no interior do campo

judiciário e nas disputas que se abrem.

12

Art. 201. Ferir ou cortar qualquer parte do corpo humano, ou fazer qualquer outra offensa physica, com que se

cause dor ao ofendido.

Penas:

Máximo – 1 anno de prisão simples e multa correspondente á metade do tempo.

Médio – 6 meses e 15 dias, idem idem.

Mínimo 1 mez, idem idem. (sic!)

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1.3 Princípios norteadores do Tribunal do Júri

Ao longo da história do Tribunal do Júri no Brasil, pôde-se constatar que, apesar da

instituição do Júri ter sido constitucionalizada através da Carta Imperial de 1824, foi só com a

Constituição de1946 que a garantia da soberania dos veredictos em relação às decisões do

Tribunal do Júri foi inserida pela primeira vez, em texto constitucional. As Constituições de

1891 e 1934, apenas faziam referência à existência e manutenção da instituição do Júri. A

Constituição de 1937 foi omissa a esse respeito. A Constituição de 1967 fez constar

novamente no seu texto a garantia da soberania do Júri, após o abandono proposital detectado

através do exame da Carta Política de 1934. Contudo, mais uma vez, foi observado um

retrocesso nesse aspecto. A Emenda Constitucional, n.° I, de 1969, ocultou, mais uma vez, do

texto constitucional, qualquer referência à garantia da soberania dos veredictos. Por fim, a

Constituição de 1988 trouxe de volta a garantia,13

que de forma inegável se constitui no pilar

fundamental que dá sustentação a essa instituição. Enaltecendo essa característica assim falou

Viveiros de Castro:

A soberania dos veredictos do Júri é vista, portanto, como uma característica

inerente à própria natureza do tribunal popular. Aliás, como sempre consignou Rui

Barbosa, “garantir o júri, não pode ser garantir-lhe o nome. Há de se garantir-lhe a

substância, a realidade, o poder”. O preceito vincula inapelavelmente o legislador

ordinário e a todos os órgãos de justiças, que jamais podem negar cumprimento às

suas decisões a pretextos de simples erros ou injustiças (VIVEIROS. 2003, p. 24).

Em relação ao Júri, deve-se entender o conceito de soberania como a impossibilidade de

magistrados de carreira ter a capacidade de alterar o conteúdo da decisão dos jurados em

relação a uma causa específica. Essa garantia visa conferir total independência aos integrantes

da sociedade para decidirem de acordo com a forma mais adequada. Suas decisões não são

suscetíveis de modificação. A vontade popular deve sempre prevalecer.

Entretanto, os julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri estão propensos a certo

controle de suas decisões. Esse controle é realizado pelos Tribunais de Justiça e tem por

objetivo corrigir eventuais erros ou injustiças graves a que todas as decisões estão sempre

sujeitas. Esse Tribunal não poderá alterar ou modificar a decisão dos jurados, mas tão

somente apresentar como possível a realização de um novo julgamento e, assim, dar

13

Cf. art. 5º, Inc. XXXVIII, alínea c), da Constituição Federal de 1988

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oportunidade para uma segunda decisão, que também será tomada pelo mesmo Tribunal do

Júri, porém composto por outros representantes da sociedade. Esta será a última palavra sobre

a causa, pois descabe nova provocação por essa mesma razão.

O Júri é composto por juízes do fato, “leigos”, ou seja, em regra sem formação jurídica.

Só possuem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, conforme estabelecida

no texto constitucional. Esses crimes estão catalogados nos artigos 121, § 1º e 2º (Homicídios

simples e qualificados), 122 (Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio), 123 (Infanticídio)

e 124 (Aborto), todos do Código Penal Brasileiro,14

sejam eles tentados ou consumados. Por

isso, se diz que o Tribunal do Júri é o “juiz natural”15

para julgar os crimes dolosos contra a

vida. O júri é livre para manifestar sua opinião, decidindo pelo livre convencimento, sem o

dever de fundamentar suas conclusões. Merece destaque a apreciação das condutas geradoras

dos crimes de homicídio, sejam elas consumadas, em caso de morte da vítima ou tentadas,

quando a vítima não morre. Estes crimes constituem a maioria preponderante dos casos que

são levados à apreciação do Tribunal Popular, conforme adiante será constatado.

Embora a competência do Tribunal do Júri tenha sido estabelecida pela Constituição

Federal em relação aos crimes dolosos contra a vida, tomando por base o gênero dos delitos,

não há limitação ou impedimento para que o legislador amplie o número de crimes, incluindo

outros delitos ou delitos de outra natureza que possam ser julgados por esse Tribunal. Essa

decisão é meramente política.

Sobre a garantia constitucional da plenitude da defesa16

, deve-se entender a

possibilidade do acusado se defender de forma ampla e irrestrita, sem sofrer qualquer tipo de

limitação quanto à liberdade e iniciativa dos atos de defesa. Essa garantia ratifica o valor

inestimável que é atribuído, em um estado democrático, ao direito à liberdade, considerado

como indispensável à natureza humana.17

Esse direito é irrenunciável. No Tribunal do Júri as

decisões dos jurados não são fundamentadas, decidem sigilosamente, não têm motivação,

onde só prevalece à íntima convicção de cada jurado, por isso, é permitido ao acusado exercer

a sua defesa de modo pleno; de todo completo; buscando, inteiramente, todas as

possibilidades e oportunidades, sem restrição, para obter o convencimento dos jurados.

14

Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Parte geral com redação determinada pela Lei Federal n.º 7.209, de

11 de julho de 1984. 15

Cf. art. 5º, Inc. XXXVIII, alínea d), da Constituição Federal de 1988. 16

Cf. art. 5º, Inc. XXXVIII, alínea a), da Constituição Federal de 1988. 17

Nesse sentido ver os artigos 4°, 7° e 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

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A Constituição Federal de 1988 impõe ao Poder Judiciário que todos os seus

julgamentos sejam públicos (art. 92, IX).18

Esse princípio também alcança os julgamentos

realizados pelo Tribunal do Júri, como forma de torná-los transparentes. Por imposição legal,

esses julgamentos são públicos, mas tanto a votação quanto o voto são sigilosos.19

Um jurado

não pode revelar o conteúdo do seu voto a ninguém, aí incluídos os demais jurados, o

magistrado, o promotor, o defensor público, o advogado, ou qualquer servidor da Justiça. O

voto é sigiloso em relação aos jurados e ao público em geral. Entretanto, no modelo de

organização do Tribunal do Júri adotado no país, não há proibição no sentido de impedir que

os jurados divulguem o seu voto após o encerramento da votação. Portanto, encerrado o ato de

votar, a proibição de revelar o conteúdo do voto deixa de existir, porém, na prática é possível

observar que o jurado raramente revela o conteúdo do seu voto após a votação.

Esse sigilo tem por finalidade garantir que os jurados “leigos” estejam livres de

qualquer pressão no momento de julgar os seus pares. Se os jurados devessem revelar os seus

votos, poderiam estar sujeitos a muitos constrangimentos, inclusive, sujeitos a sofrer

retaliações por parte da acusado, da vítima (nos casos de tentativa de homicídio) e de seus

familiares. Devemos lembrar que os jurados não gozam das mesmas garantias constitucionais

da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos que são inerentes aos

magistrados de carreira.20

O momento da votação é o ato mais importante de todo o julgamento. É o instante em

que o destino do acusado é definido. Nessa ocasião, os jurados necessitam do máximo de

tranqüilidade e serenidade. Por isso, são recolhidos a uma sala reservada, onde só podem

permanecer os próprios jurados, o magistrado, o promotor de justiça, o defensor do acusado,

além do chefe da secretaria judiciária e de dois oficiais de justiça. O magistrado faz as

perguntas que devem ser respondidas pelos jurados e conduz a votação. O promotor e o

defensor ali permanecem, em locais específicos, na qualidade de fiscais do ato. O chefe da

secretaria é a pessoa responsável em anotar os resultados de acordo com as respostas

fornecidas pelos jurados, diante das perguntas realizadas e posteriormente tudo transcrever na

ata do julgamento. Já em relação aos oficiais de justiça, enquanto um realiza a coleta dos

votos válidos, após cada deliberação, o outro recolhe os votos não válidos, ou aqueles que

devem ser descartados ou desconsiderados para o resultado final da votação. Os jurados

18

Nesse sentido ver o artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. 19

Cf. art. 5º, Inc. XXXVIII, alínea b), da Constituição Federal de 1988. 20

Cf. art. 95, da Constituição Federal de 1988.

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apenas limitam-se a votar, porém, sem revelar o conteúdo do voto.21

Durante a prática desse

cerimonial, o acusado e todas as demais pessoas que estejam envolvidas no julgamento, a

destacar: familiares, assistentes, imprensa, curiosos, estudantes, dentre outros, devem

permanecer no salão destinado a sua realização à espera do resultado.

1.4 Caminhos para a formação do Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri é composto por um juiz de direito, que é a pessoa responsável em

presidir e conduzir o julgamento e vinte e cinco jurados, sorteados de uma relação geral de

alistados, desses apenas sete serão sorteados para compor o que os juristas denominam de

Conselho de Sentença. É esse conselho que de fato deliberará sobre o conteúdo da acusação

que será apresentada em plenário. Nesse sentido informa o Código de Processo Penal:

Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por

25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais

constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

Já falamos anteriormente sobre a existência de uma lista geral de jurados, mas não

discorremos sobre a sua organização e finalidade. Devemos esclarecer que esse é o primeiro

passo que deve ser realizado no sentido de se obter a composição final do Conselho de

Sentença. Inicialmente essa listagem será composta de tantos jurados quantos forem

necessários e de acordo com a população de cada cidade onde o Tribunal do Júri for

organizado.

O Código de Processo Penal dispõe que: “anualmente, serão alistados pelo presidente

do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas

de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas

comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas

21

Problema pode surgir quando for observado que os jurados deliberaram de forma unânime, condenando ou

absolvendo o acusado, o que implicitamente tornaria público o voto de cada um, já que representaria uma parte

do todo. Todavia, deixarei para abordar essa questão quando a seguir passar a explicar o procedimento a ser

observado durante a realização do julgamento.

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comarcas de menor população”. Para realizar esse alistamento preliminar “o juiz presidente

requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e

culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e

outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a

função de jurado” (art. 425).

Esta lista preliminar será tornada pública, mediante publicação pela imprensa e afixação

de editais à porta do Tribunal do Júri, e poderá ser alterada, seja por iniciativa do próprio juiz

ou mediante reclamação de qualquer pessoa do povo, até o dia 10 de novembro de cada ano,

data de sua publicação definitiva. O jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença e

participado de fato de algum julgamento, nos doze meses que antecederem à publicação da

lista geral, ficará dela excluído. Todos os nomes incluídos nessa relação e os seus respectivos

endereços permanecerão guardados em uma urna fechada à chave, sob a responsabilidade do

juiz presidente (art. 426). Geralmente essa urna é conservada em local reservado nas

dependências da secretaria judiciária do Tribunal do Júri correspondente.

O serviço do júri é obrigatório, tem o sentido de “ordem”, e caso o jurado não cumpra

essa determinação, nem apresente escusa legítima, poderá ser sancionado. Dois são os

requisitos a serem preenchidos para um cidadão ser alistado na qualidade de jurado: ser maior

de dezoito anos e possuir “notória idoneidade” (art. 436).

O primeiro requisito é objetivo e pode ser facilmente aferido, seja através da certidão de

nascimento ou qualquer outro documento de identificação válido no território nacional. Já

quanto ao segundo requisito, é totalmente subjetivo e não se constitui em uma praxe sua

aferição por parte do magistrado. Esse aspecto somente é tomado de importância, quando

qualquer das partes envolvidas no processo, ou quando o próprio magistrado, de ciência

própria, toma conhecimento de qualquer fato que venha a se opor ao caráter sublime da

idoneidade do alistado. Nesse caso a depender da gravidade do fato, este pode gerar a

exclusão do nome do jurado da lista anual.

Falamos anteriormente que esse serviço é obrigatório, portanto, diante de uma recusa

injustificável ou deixando de comparecer no dia marcado para a sessão de julgamento, é

cabível a imposição de uma multa, que pode variar de um a dez salários mínimos. Destaca-se

ainda que nenhum cidadão poderá ser excluído do serviço do júri ou mesmo deixar de ser

alistado, seja em razão: de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou

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econômica, origem ou grau de instrução (art. 436, § 1º). No entanto, sabemos que na prática

há um extrato da sociedade que predomina no Júri. Os iguais não julgam exatamente os

iguais, assim como a instituição praticada na Grécia não incluía todo o povo, mas somente os

cidadãos atenienses. O Júri não atinge a totalidade da população, o povo, o homem comum,

mas em regra a classe de funcionários públicos e profissionais liberais, o que será confirmado

quando verificada a forma través da qual é composto o Conselho de Sentença.

Contudo, nem todas as pessoas que tenham mais de dezoito anos e “notória idoneidade”

podem participar do serviço do júri. O Código de Processo Penal estabelece quais são os

casos, de forma objetiva, que inviabilizam o alistamento do cidadão para o serviço do júri, a

saber:

Art. 437. Estão isentos do serviço do júri:

I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;

II – os Governadores e seus respectivos Secretários;

III – os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das

Câmaras Distrital e Municipais;

IV – os Prefeitos Municipais;

V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública;

VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria

Pública;

VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública;

VIII – os militares em serviço ativo;

IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;

X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.

Além desse rol estabelecido em lei, o cidadão ainda poderá solicitar ao juiz presidente a

sua exclusão do serviço do júri, apresentando razões ou argumentos que se funda em

convicções religiosas, filosóficas ou políticas. Esses argumentos, se acatados, obrigarão ao

solicitante a prestar serviço alternativo, a ser fixado pelo juiz, atendendo aos princípios da

proporcionalidade e razoabilidade. Esses serviços consistem em atividades de caráter

administrativo, assistencial, filantrópico ou produtivo, junto ao Poder Judiciário, ao Ministério

Público, à Defensoria Pública ou qualquer entidade conveniada para esse fim. Em caso da não

prestação do serviço autorizado, os direitos políticos do cidadão permanecerão suspensos até

o adimplemento da obrigação assumida (art. 438).

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Como se verá adiante, em razão da prestação do serviço do júri, não existem somente

imposições para o cidadão. Constitui-se em um direito do jurado ter prisão especial22

em caso

de prática de crime comum, até o julgamento final da causa, desaparecendo tal privilégio em

caso de condenação definitiva, desde que participe de forma efetiva de um julgamento (art.

439). A participação efetiva será constatada se vier a compor o Conselho de Sentença, e assim

tiver se manifestado pela condenação ou absolvição do acusado. Outro direito que decorre do

exercício da função de jurado é ter preferência, se em igualdade de condições, nas licitações

públicas, e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública. Esse direito atinge

ainda a preferência nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (art. 440). Para

comprovar esse direito, cada jurado recebe um diploma que certifica a sua efetiva participação

ao final de cada sessão de julgamento.

O exercício da função de jurado não impõe ao Estado nenhuma obrigação a qualquer

tipo de remuneração. Noutro passo também não permite que seja realizado qualquer tipo de

desconto para aqueles que comparecerem à sessão do Tribunal do Júri (art. 441). Se

eventualmente surgir, para determinada sessão de julgamento, um impedimento eventual, é

legítimo ao jurado solicitar sua dispensa, de maneira fundamentada e devidamente

comprovada a razão do seu impedimento. Essa dispensa deverá ser apresentada até o

momento que antecede o sorteio do Conselho de Sentença, sob pena de imposição de multa

que pode variar entre um a dez salários mínimos (art. 443) vigentes no país.

1.5 Aspectos Procedimentais do Tribunal do Júri

Conforme já ficou esclarecido, as fontes legislativas do Tribunal do Júri são a

Constituição Federal de 1988 e o Decreto-lei n.° 3.689, de 03 de outubro de 1941, o Código

de Processo Penal (CPP). Esse código possui oitocentos e onze artigos e tem aplicação em

22

A prisão especial é o “privilégio” concedido a certas pessoas, de ficarem presas em cela ou estabelecimento

penal diverso do cárcere comum (quartéis), até o julgamento final ou o trânsito em julgado da decisão penal

condenatória. Essa deferência é concedida pelo art. 295 do Código de Processo Penal em razão da relevância do

cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade pelo cidadão, ou pelo grau de instrução que

possuir. Abrange autoridades civis e militares dos três poderes da República. Cf. o art. 295, X, do CPP.

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todo o território brasileiro, portanto, suas regras são de observância obrigatória por todos os

Tribunais do Júri instalados no Brasil. A partir do art. 406 e até o art. 497, esse código passa a

regular, no capítulo que trata dos crimes de competência do júri, toda a sua organização, a

forma de recrutamento dos jurados e sua função, o conjunto dos direitos, obrigações e

atribuições das partes envolvidas em sua atividade profissional específica, enfim, dispõe

pontual e suficientemente sobre todas as fases que devem ser observadas para a realização de

um julgamento propriamente dito.

Nesse momento tinha-se o propósito se destacar do Código de Processo Penal os pontos

relevantes, para melhor entendimento de todo esse ritual, que de fato tem sua origem com a

prática do crime. Entretanto, no intervalo de tempo em que estava sendo preparado o texto

dessa dissertação, entrou em vigor, em 09 de agosto de 2008, de igual forma, em todo o

território nacional, a Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, que alterou dispositivos do

Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao

Tribunal do Júri. Portanto, foi feita a mesma análise, mas sob a ótica do texto legislativo que

alterou em grande parte, e de forma significativa, o procedimento do Tribunal do Júri, bem

como de toda a sistemática para se chegar a um veredicto popular. Tais alterações visam

conferir celeridade, simplicidade e agilidade ao Tribunal Popular. Contudo, sempre que

houver necessidade será feita uma comparação entre as novas e a antigas regras, como forma

de melhor se entender a sua evolução.

Foge ao objeto desse trabalho realizar qualquer análise jurídica acerca do processo

referente aos crimes dolosos contra a vida. Por isso, não se pretende estender considerações

sobre o inquérito policial e nem tampouco sobre a fase de instrução processual, sob a

responsabilidade do juiz de direito, salvo quando for imperioso para que o leitor possa

entender as situações que aqui se venha discutir. Com esse propósito, destaca-se que a razão

onde se possibilita de fato a realização de um julgamento popular é a decisão de pronúncia,

elaborada de forma estruturada pelo juiz de direito. Antes, porém, de se iniciar a exposição,

deve-se lembrar que tudo começa com a prática de um daqueles crimes, genericamente

rotulados de crimes dolosos contra à vida (homicídios simples e qualificados; induzimento,

instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio; e aborto), todos catalogados no Código Penal

Brasileiro.

Após a prática do crime, a polícia judiciária (polícia civil) investiga o fato e reúne todas

as provas apuradas num auto denominado de inquérito policial. É com base nesse inquérito

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que o Ministério Público23

denuncia o autor do delito. Denunciar aqui significa apresentar,

com todas as suas circunstâncias, ao Poder Judiciário, o litígio que coloca de um lado o

Estado, representado pelo Ministério Público e do outro o indivíduo, assistido por um

advogado ou defensor público. Esse litígio gira em torno da atribuição ao cidadão da autoria

de um crime doloso contra a vida e da possibilidade de ser aplicada ao mesmo uma pena

correspondente ao delito, se confirmada tanto a sua prática quanto a sua autoria. Para

solucionar esse litígio, é necessário se observar certas regras procedimentais, ao conjunto das

quais os juristas intitulam de “princípio do devido processo legal”.24

Vencida a fase da acusação e da instrução preliminar, regulamentada pelo Código de

Processo Penal (arts. 406 a 412), compete ao juiz de direito determinar, com base nas provas

existentes, se o acusado será julgado pelo Júri Popular. Essa atribuição é semelhante a que era

desempenhada pelo Júri de Acusação, também conhecido como Grande Júri, na fase imperial

do Tribunal do Júri. Essa deliberação do magistrado corresponde a admitir a existência de

matéria para a acusação. Considera, para assim decidir, duas variantes: a prova da

materialidade ou a confirmação da realização do delito; a presença de indícios suficientes de

autoria ou de participação do acusado na prática do crime.25

Esse ato de decidir é denominado

pelos juristas de sentença ou decisão de pronúncia. Esclarece-se que daqui para frente, quando

for necessário fazer referência ao Código de Processo Penal (CPP), será utilizado o número do

artigo entre parênteses para informar em qual artigo de lei se encontra a citada passagem.

Logo após o juiz de direito lançar a decisão de pronúncia, o acusado é intimado do seu

conteúdo pelo cartório judicial. Não havendo, nesse momento, contestação junto ao Tribunal

de Justiça local, de forma a examinar a legalidade e a justiça dessa decisão, o que na técnica

jurídica se identifica tal possibilidade como o “princípio do duplo grau de jurisdição”, o

processo segue para julgamento. Na prática não é usual aos Tribunais de Justiça locais afastar

a possibilidade de o acusado ser julgado pelos seus pares, pois predomina a consciência

23

CF/88. Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. 24

Cf. art. 5°, LIV, da CF/88. 25

Cf. art. 413 da Lei Federal n.º 11.689/2008, que deu nova redação ao art. 408 do CPP.

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jurídica de que os crimes dolosos contra a vida devem ser julgados pelos Tribunais do Júri.

No linguajar jurídico é a afirmação do princípio constitucional do “juiz natural”.26

Em seguida o processo será preparado para o julgamento em plenário, que vem a ser o

local onde o tribunal se reúne em sessão solene, com todos os seus membros, para deliberar

sobre a causa. O Ministério Público e a defesa do acusado, seja ela pública ou privada, terão a

oportunidade de apresentar rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de

cinco. Nessa oportunidade, também poderão juntar documentos e requerer quaisquer

diligências (art. 422). Essas diligências se constituem em perícias, exames ou qualquer outro

tipo de informação que as partes, acusação e defesa, julguem ser necessário chegar ao

conhecimento dos jurados, a exemplo dos antecedentes criminais do acusado ou da vítima,

tudo com o objetivo de provar, diante dos mesmos, a violação ou inobservância duma regra de

conduta ou ainda a inocência do acusado. Após a implementação dessas providências, o juiz

de direito fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta para futura

reunião do Tribunal do Júri. (art. 423, II).

Deve ser observado pelo juiz de direito, para a organização da pauta de julgamento uma

seqüência preestabelecida em lei. Terão preferência para serem julgados em primeiro lugar os

acusados presos; dentre estes os que estiverem presos a mais tempo; dentre os em igualdade

de condições ou soltos terão preferência os que tiverem sido pronunciados em primeiro lugar

(art. 429).

Marcado dia e hora para a realização da sessão de julgamento, o juiz de direito

determinará que as partes envolvidas, promotor de justiça, advogado ou defensor público,

sejam intimados para acompanhar a realização do sorteio dos jurados que poderão atuar na

sessão de julgamento (art. 432). O sorteio é realizado a portas abertas e presidido pelo juiz de

direito. Nessa oportunidade, deverão ser retiradas vinte e cinco cédulas da relação geral de

alistados, contendo o nome de cada jurado, para a reunião já anteriormente designada (art.

433). Os jurados sorteados serão avisados (convocados), sob as penas da lei, para comparecer

no dia e hora designados à sessão de julgamento através do oficial de justiça, pelo correio ou

por qualquer outro meio hábil para efetivar o chamamento (art. 434). Todo esse procedimento

será certificado nos autos do processo pelo chefe da secretaria judiciária.

26

Princípio constitucional previsto no art. 5º LIII, da CF/88.

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A Resolução n.º 65, de 13 de dezembro de 2006, alterada posteriormente pelas

Resoluções n.º 43, 12 de novembro de 2007 e n.º 19, de 09 de agosto de 2008, regulamentou a

forma de sorteio eletrônico dos jurados no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Sergipe.

Essa resolução afastou a sistemática do sorteio dos jurados através do procedimento manual.

Ao fazer uso de soluções tecnológicas, procurou facilitar a composição da lista geral de

jurados e o sorteio dos jurados titulares e suplentes, com o objetivo de formar os futuros

Conselhos de Sentença. Criou uma base unificada de dados referentes aos jurados, inclusive

os voluntários, em todo o Estado de Sergipe, conferindo maior celeridade e eficiência a esse

ato processual.

A partir da resolução e suas alterações, os juízes presidentes de Tribunais do Júri são

obrigados a promover os respectivos sorteios de jurados dentro dessa sistemática. Também

inovou ao criar a figura do jurado voluntário, definindo como tal aquele que realiza de forma

individual o seu cadastramento pela internet, tendo posteriormente o seu alistamento sido

deferido pelo juiz.

No dia e hora aprazados, com a devida publicidade, é realizado o sorteio dos vinte e

cinco jurados titulares e sete suplentes. O juiz comandará a geração do sorteio a partir da lista

geral de jurados aptos para o ano do julgamento. O sistema de controle processual gerará uma

lista com os jurados sorteados de forma aleatória, bem como emitirá em seqüência a ata de

sorteio e o edital de sorteio de jurados. No dia do julgamento, no entanto, o sorteio do

Conselho de Sentença será efetuado manualmente.

No local, dia e hora ajustados antecipadamente, presente o juiz presidente, esse iniciará

uma série de procedimentos com o objetivo de instalar a sessão de julgamento. Inicialmente

verificará a presença no local do representante do Ministério Público (promotor de justiça),

responsável pela acusação. Se por motivos legítimos for constatada a sua ausência, a sessão

de julgamento será adiada para data futura. Se a ausência for injustificada, o juiz presidente

comunicará o fato ao Procurador-Geral de Justiça, para as providências cabíveis,

comunicando ainda a nova data para a realização do julgamento, para assegurar que nesse dia

um representante do Ministério Público se faça presente, com o devido preparo para a causa,

permitindo a realização do julgamento.

Em seguida, adotará igual procedimento em relação ao advogado de defesa ou defensor

público. O primeiro representa a advocacia privada, contratada, constituída pelo acusado para

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patrocinar a sua defesa. O segundo representa o advogado público, integrantes dos quadros da

Defensoria Pública, cuja organização é prevista na Constituição Federal.27

Essa instituição

tem por objetivo “prestar a assistência jurídica, judicial e extrajudicial gratuita aos

necessitados, compreendendo a orientação, postulação e a defesa de seus direitos e

interesses”.28

Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for

por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da

Ordem dos Advogados do Brasil, designando data para a nova sessão (art. 456).

Não havendo motivo razoável para a ausência do advogado de defesa na sessão de

julgamento, esse será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser obrigatoriamente

julgado quando chamado novamente. Nessa hipótese, o juiz intimará a Defensoria Pública

para o novo julgamento, oportunidade em que será o acusado defendido por qualquer

advogado, que ele mesmo indique, ou na ausência de advogado indicado, pelo defensor

público que já foi devidamente informado sobre a causa.

Antes da vigência da Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, que alterou o Código de

Processo Penal, exigia-se, como regra geral, a presença física do acusado na sessão de

julgamento, perante os jurados, sem a qual o julgamento não poderia se realizar. Com a

intenção de conferir maior celeridade aos julgamentos, como forma de combater a

“morosidade do judiciário”, a nova legislação agora permite julgar o acusado sem a sua

presença física em plenário. Nesse sentido, dispõe a lei que: “o julgamento não será adiado

pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que

tiver sido regularmente intimado” (art. 457). Se o acusado estiver preso ele deverá ser

conduzido ao julgamento pela escolta penitenciária.

Depois de certificadas as presenças do promotor de justiça, do advogado ou defensor

público e do acusado, será aferida as presenças das testemunhas indicadas, tanto pela

acusação quanto pela defesa do acusado. Antes de constituído o Conselho de Sentença, as

testemunhas presentes serão recolhidas a lugar específico, onde umas não possam ouvir os

depoimentos das outras (art. 460). Elas deverão aguardar o momento adequado para serem

ouvidas em salas separadas, ou seja, as testemunhas de acusação permanecem em uma sala e

as de defesa em outra sala distinta.

27

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. 28

Art. 2º da Lei Complementar Estadual n.º 15 de 20 de dezembro de 1994.

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Para a instalação da sessão de julgamento é necessário computar a presença de pelo

menos quinze jurados (art. 463). Não havendo número legal, o juiz presidente sorteará novos

jurados, denominados de suplentes, tantos quantos forem necessários, para completar o

número de vinte e cinco e designará nova sessão de julgamento, convocando todos os jurados,

inclusive os suplentes, para comparecem na data designada.

No Estado de Sergipe, o sorteio dos suplentes não ocorre no dia do julgamento, diante

da constatação de que um número inferior a quinze jurados compareceu para o julgamento.

Essa situação enseja a designação de uma outra data para a realização do mesmo.

Considerando que muitos são os processos que aguardam data para julgamento, tal medida

poderia gerar um atraso substancial no julgamento da causa. Por isso, conforme

regulamentado pelas resoluções acima informadas, no mesmo dia em que se sorteiam os vinte

e cinco jurados titulares, também são sorteados sete suplentes, e todos são chamados a

comparecer ao julgamento. Portanto, com um número maior de jurados convocados, menores

são as possibilidades de não se atingir o quórum mínimo para a instalação da sessão. Dessa

forma, busca-se evitar eventuais adiamentos dos julgamentos, e se impõe mais celeridade às

decisões judiciais.

Verificada a existência do número mínimo legal de jurados, a sessão é instalada pelo

juiz de direito, que anunciará o processo que vai ser submetido a julgamento. O próximo

passo é a realização do sorteio do Conselho de Sentença, ou seja, a escolha dos sete cidadãos,

dentre os vinte e cinco jurados e sete suplentes, previamente sorteados, e que se façam

presentes, esses os que de fato irão julgar a causa. Antes, contudo, o juiz deverá informar aos

jurados presentes sobre os impedimentos e incompatibilidades legais que impedem que eles

atuem naquele dia, em razão de parentesco com juiz de direito, com o promotor de justiça,

com o advogado de defesa ou defensor público, com o próprio acusado ou com a vítima.

Essas situações estão previstas no Código de Processo Penal:

Art. 448. São impedidos de servir no mesmo Conselho:

I – marido e mulher;

II – ascendente e descendente;

III – sogro e genro ou nora;

IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;

V – tio e sobrinho;

VI – padrasto, madrasta ou enteado.

§ 1o O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união

estável reconhecida como entidade familiar.

§ 2o Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as

incompatibilidades dos juízes togados.

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Art. 449. Não poderá servir o jurado que:

I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente

da causa determinante do julgamento posterior;

II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que

julgou o outro acusado;

III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.

O juiz também adverte aos jurados que ao serem sorteados, fica vedada tanto a

comunicação entre eles ou com outrem quanto a manifestação de sua opinião sobre o

processo, sob pena de exclusão do Conselho de Sentença e aplicação de multa pecuniária. É a

aplicação da garantia de que os jurados permanecerão incomunicáveis, sobre a causa, até o

final da sessão de julgamento.

Após todas as advertências, o juiz inicia a retirada da urna, de sete cédulas relativas aos

jurados presentes, para a formação do Conselho de Sentença. À medida que as cédulas forem

sendo retiradas, o juiz presidente as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público

poderão recusar os jurados sorteados, até três cada parte, sem motivar a recusa (art. 468). É o

que se chama de recusa peremptória, aleatória ou sem justificativa aparente. Esse aspecto será

debatido no próximo capítulo, exatamente por ser uma das estratégias, tanto da defesa quanto

do Ministério Público, para conseguir seus objetivos no julgamento. Sendo recusado qualquer

jurado, segue-se o sorteio com os remanescentes até atingir o número de sete sorteados. É

possível que na mesma sessão possam ser julgados dois ou mais acusados, nesse caso as

recusas poderão ser realizadas por apenas um defensor.

Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os

presentes, fará aos jurados a seguinte exortação (art. 472):

Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a

proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da

justiça.

Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:

Assim o prometo.

(grifo meu)

Prestado o compromisso, o jurado receberá, para leitura, cópia da pronúncia ou, se for o

caso, das decisões posteriores que julgaram admissíveis à acusação, bem como do relatório do

processo. Logo após, é iniciada a instrução processual com a inquirição oral das testemunhas.

Antes do seu início, contudo, a testemunha deve prestar, de forma solene, um juramento que

consiste na “promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado”. Após o

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compromisso são primeiramente ouvidas as testemunhas indicadas pela acusação e em

seguida as indicadas pela defesa. Terão oportunidade de inquirir cada testemunha o juiz de

direito, o promotor de justiça, o assistente,29

o advogado do réu ou o defensor público, nessa

ordem, de forma sucessiva e diretamente. Por último, os jurados poderão inquirir as

testemunhas.

A seguir será o acusado interrogado pelo juiz, se estiver presente. Antes, porém, de

responder as perguntas que lhe serão dirigidas, inicialmente pelo juiz, e posteriormente na

sequência acima estabelecida, sobre o fato criminoso, o acusado será qualificado,

respondendo perguntas sobre a sua pessoa (art. 187, § 1º). Após a qualificação, ao acusado

será dado conhecimento do inteiro teor da acusação e informado sobre o direito constitucional

que tem em permanecer calado e não responder a nenhuma pergunta que a si for formulada.30

Através do interrogatório, o juiz vai realizar perguntas sobre os fatos, desprezando a opinião

pessoal do depoente, visando buscar o máximo de exatidão e clareza possível na sua narrativa.

O acusado durante o seu interrogatório não está comprometido com a verdade como a

testemunha.

O registro dos depoimentos das testemunhas e do interrogatório do acusado será feito

pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar,

destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita desse tipo de prova. A transcrição

de todas as gravações será posteriormente anexada ao processo.

Com a conclusão do interrogatório, é declarada encerrada a instrução, e logo após, será

concedida a palavra ao Ministério Público, que fará oralmente a acusação. Se houver

assistente, esse falará depois do Ministério Público. Concluída a acusação, terá a palavra a

defesa. A acusação poderá retornar ao cenário dos debates para contra-argumentar em relação

ao raciocínio exposto pela defesa, na técnica jurídica esse momento se denomina de réplica. A

seguir será concedido igual direito à defesa, o que se nomeia de tréplica.

29

O ofendido ou seu representante legal, o cônjuge, o ascendente, o descendente ou irmão da vítima, podem

constituir um advogado assistente para ingressar na ação a qualquer momento, antes do trânsito em julgado da

sentença. Sua função é auxiliar o Ministério Público na acusação, com a finalidade de obter uma sentença

condenatória em desfavor do acusado, para em momento futuro ingressar com uma ação cívil para reparar os

danos causados pelo crime. Cf. art. 268 a 273 do CPP. 30

CF/88. Art. 5º, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-

lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

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Cada uma das partes (acusação e defesa) tem uma hora e meia para sustentar os seus

argumentos. Na réplica, a acusação terá a sua disposição mais uma hora, igual prazo terá a

defesa na tréplica. É de se observar que os tempos são rigorosamente iguais. Se no julgamento

estiver atuando mais de um acusador ou defensor, o tempo permanece inalterado, devendo

estes combinarem entre si a sua distribuição. Na ausência de acordo, caberá ao juiz presidente

a divisão do tempo, contudo, é vedada a sua ampliação, além do que é estabelecido em lei. Na

hipótese de haver mais de um acusado, o tempo inicial destinado à acusação e à defesa será

acrescido de uma hora, totalizando duas horas e meia. Se houver réplica e tréplica, o tempo

será acrescido de mais meia hora, totalizando uma hora e meia. Nenhuma das partes,

entretanto, está obrigada a fazer uso do tempo total destinado para a apresentação dos seus

argumentos, este controle é nitidamente pessoal e de acordo com as necessidades que cada

caso impõe (art. 477).

Durante o julgamento, tanto a acusação quanto a defesa, poderão exibir para os jurados

quaisquer documentos, escritos, fotografias, gravações, vídeos, etc., que tenham por

finalidade comprovar o conteúdo da sua argumentação. Todavia, não será permitida a leitura

de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a

antecedência mínima de três dias úteis, em cujo prazo o conteúdo do que se quer utilizar na

sessão de julgamento deve chegar ao conhecimento da outra parte (art. 479). Essa regra tem

por propósito evitar que uma das partes seja surpreendida pela outra, no momento do

julgamento, em razão da apresentação de provas inesperadas e inovadoras, às quais

desconheça e por isso, tenha dificuldades de contrariá-las.

No tempo dos debates, a acusação, a defesa e os próprios jurados poderão, a qualquer

momento, e por intermédio do juiz presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos

onde se encontra a peça por ele lida ou citada, facultando-se, ainda, aos jurados solicitar-lhe,

pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato por ele alegado (art. 480). Concluídas as

exposições das razões da acusação e da defesa, o juiz presidente indagará aos jurados se estão

habilitados a julgar a causa ou se ainda necessitam de quaisquer outros esclarecimentos.

Nesse momento, qualquer jurado pode solicitar ao juiz presidente esclarecimento, em relação

a qualquer dúvida, sobre questão de fato, que esteja relatada no processo. Os jurados podem

ainda ter acesso aos autos do processo e aos instrumentos utilizados para a prática do crime,

tudo mediante solicitação ao juiz presidente.

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Esclarecida qualquer dúvida eventualmente levantada ou vencida, essa fase sem

qualquer questionamento, o juiz presidente, ainda no plenário, na presença do público, lerá

para os jurados em sequência, um conjunto de perguntas (quesitos) que deverão ser

respondidas pelos jurados na sala especial. Esses quesitos seguem uma ordem estabelecida em

lei e deverão ser elaborados de acordo com as teses sustentadas em plenário, perante o

Conselho de Sentença, pelo Ministério Público e pela defesa. Após a leitura dos quesitos,

essas partes podem reclamar ou requerer que alguma modificação seja feita nos quesitos, de

forma a torná-los mais compreensíveis aos jurados ou ainda mais fiéis aos seus argumentos.

O questionário a ser apresentado aos jurados terá por base o conteúdo da pronúncia e as

teses argumentadas pelas partes em plenário. Nos termos da lei, “os quesitos serão redigidos

em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser

respondido com suficiente clareza e necessária precisão” (art. 482). Os quesitos devem

possuir redação de fácil compreensão e possibilitar respostas claras. Os jurados devem

responder a cada um dos quesitos apresentados de maneira sintética, de forma afirmativa ou

negativa. Para alcançar essa finalidade cada jurado, individualmente, recebe antes de cada

votação duas cédulas, uma escrita a palavra SIM e outra, a palavra NÃO. Essas cédulas,

quando entregues como resposta aos quesitos apresentados, vão retratar a opinião ou juízo de

valor de cada um dos jurados. É a forma encontrada para manifestar, sigilosamente, a intenção

de cada voto. Os jurados não se comunicam oralmente, quer através da linguagem falada ou

escrita, quer por meio de outros sinais, signos ou símbolos, quer por aparelhamento técnico

especializado, sonoro ou visual, apenas se limitam a depositar, em uma urna, uma ou outra

cédula, de acordo com as respostas que queiram admitir, diante dos quesitos propostos.

A função do Conselho de Sentença de avaliar, para considerar, os fatos e não matéria de

direito, foi mantida pela Lei Federal n.º 11.689, de 09 de junho de 2008, embora a forma de

elaboração dos quesitos tenha sofrido expressivas modificações. Nesse sentido, é denominado

de juiz do fato, enquanto o presidente da sessão de julgamento é o juiz de direito. Os

jurados, ao responderem sobre fatos, vão de forma indireta acolher ou repelir teses jurídicas. É

por essa razão que as proposições devem ser construídas da maneira mais simples possível e

permitir que os jurados tenham a plena consciência das respostas que apresentam.

A nova sistemática estabelecida para a elaboração dos quesitos traz como principal

inovação a redução do caminho a ser seguido para se encontrar a solução final ao caso

oferecido a julgamento. Pelo sistema anterior, o Conselho de Sentença se via obrigado a votar

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extensas e duvidosas séries de quesitos até o resultado final. As modificações introduzidas

não reduzem a votação a uma simples proposição a ser feita, que enseja uma única resposta,

CULPADO ou INOCENTE, como ocorre no Júri americano. Na realidade, não se extinguiu

a votação de vários quesitos, mas se abreviou essa votação, permitindo demonstrar, como

regra, qual foi o ponto acolhido ou não pelo Conselho de Sentença.

O questionário elaborado pelo juiz presidente, destinado aos jurados e para ser

respondido na sala especial, usualmente conhecida por sala secreta, deve conter perguntas

sobre as questões de fato e de direito expostas pelas partes em plenário. O primeiro quesito

elaborado e submetido à avaliação do Conselho de Sentença refere-se ao fato principal,

indagando sobre o resultado (materialidade do fato). O fato principal deve ser entendido como

o fato que indica um crime doloso contra à vida e a sua materialidade é a prova da existência

desse crime. Por exemplo, deve ser reconhecido pelos jurados que a vítima sofreu algum tipo

de lesão física e que essa lesão foi eficaz em levar a vítima a óbito (homicídio). O segundo

quesito diz respeito ao acusado que está sob julgamento. Através desse quesito deverá o

Conselho de Sentença ser indagado, de forma direta, sobre a autoria ou participação do

acusado no fato realizado.

Após a elaboração dos quesitos referente à materialidade do fato e sobre a autoria ou

participação do acusado, seguem-se os quesitos da defesa, de acordo com a(s) tese(s)

defendida(s) em plenário. Nesse instante, o juiz deverá indagar aos jurados se o acusado deve

ser absolvido. Esse quesito representa a mais significativa inovação inserida pelo legislador

no questionário que é submetido ao Conselho de Sentença. Da mesma forma que os quesitos

anteriores, esse também é obrigatório. Será sempre submetido à votação quando os jurados

afirmarem os dois primeiros quesitos. Nessa situação, os julgadores já admitiram que a vítima

morreu em razão das lesões sofridas e que o acusado foi o autor das agressões ou delas

participou. Lógico seria pensar que diante dessas duas conclusões o acusado já estivesse

condenado. Todavia, o legislador, com a intenção de conferir mais liberdade e autonomia ao

Conselho de Sentença, fez inserir o seguinte quesito obrigatório: O acusado deve ser

absolvido?

Exatamente nesse ponto consiste a grande inovação. Ao responder SIM a essa

indagação cada jurado poderá, individualmente, se apegar a qualquer argumento apresentado

pela defesa, votar pela não condenação do acusado, mesmo reconhecendo que foi ele sim que

lesionou e matou a vítima. Dentro da técnica jurídica isso não seria possível, mas como não

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está o Conselho de Sentença diretamente vinculado a letra da lei e como não precisa

fundamentar as suas decisões, pode admitir qualquer tese de defesa ou da promotoria.

Situação mais elástica pode ser observada diante da possibilidade dos jurados agirem

aparentemente de forma imotivada ou mesmo diante de uma mera convicção pessoal, fazendo

aflorar um genuíno sentimento de benevolência ou bondade. Pode agir assim quando a única

tese articulada pela defesa, em plenário, for a negativa de autoria. Ao responder

afirmativamente aos dois primeiros quesitos, os jurados reconhecem, a materialidade do fato,

a autoria ou participação do acusado, desconsiderando, portanto, a tese defensiva da negativa

da autoria. Mesmos diante da hipótese de não existir nenhuma outra tese de defesa a ser

apreciada, os jurados serão perguntados sob a possibilidade de absolvição do acusado, da

seguinte forma: O acusado deve ser absolvido? Note-se que respondendo SIM a essa

indagação os jurados absolverão o acusado, mesmo diante da ausência de tese de defesa. A

leitura que será feita dessa votação é que o Conselho de Sentença ao reconhecer que o

acusado agrediu e matou a vítima, sem tornar possível a sua condenação, nega completamente

a ordem jurídica vigente e a lógica de um sistema pré-concebido.

A seguir será questionado aos jurados, se forem alegadas pela defesa, todas as situações

que tenham por finalidade reduzir a pena do acusado. Essas reduções são realizadas pelo juiz

e em quantidades fixas (ex: um terço, de um a dois terços, da metade), de acordo com os

parâmetros estabelecidos pela lei. Essa indagação só será levada à apreciação dos jurados nos

casos em que o acusado já tiver sido condenado.

Nada impede que dentro de um cenário integral o fato principal esteja rodeado de outras

situações, de ordem variada, que provoquem um agravamento na pena, são as chamadas

circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. Esta obedece a mesma lógica

das causas de diminuição de pena, isto é, permite ao juiz aumentar a pena do acusado, mas em

limites fixados pela lei. Já para as qualificadoras não existem limites para a majoração,

permitindo ao juiz agravar a pena do acusado de acordo com seus próprios critérios, contudo,

deve fundamentar a sua decisão. Quando verificada a presença de qualquer dessas situações

nos casos submetidos a julgamento, deverá o juiz presidente formular para cada uma delas

quesitos autônomos e independentes, após os quesitos referentes às causas de diminuição de

pena.

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Em julgamentos que contém mais de um acusado, o juiz presidente deve elaborar séries

distintas de quesitos para cada um dos réus, de acordo com as teses apresentadas por cada um

em plenário. Nessa ótica, não há nenhum problema se as decisões tomadas também forem

distintas, pois não precisam guardar semelhança entre elas. Ambos podem ser absolvidos por

razões diferentes ou condenados em limites diversos. Podem ainda os jurados absolver apenas

um dos acusados e condenar o outro, logo, as decisões, não necessariamente, devem ser da

mesma natureza para ambos os acusados.

Resolvidas todas as questões que envolvem a elaboração dos quesitos, é realizada a

leitura dos mesmos aos jurados, e não havendo nenhuma dúvida sobre o significado de cada

quesito, o juiz presidente, condutor da votação, anuncia que vai proceder ao julgamento.

Solicita que os jurados, o Ministério Público, o assistente (se houver), o defensor do acusado,

o chefe da secretaria e os oficiais de justiça, o acompanhem até à sala especial de votação

(sala secreta). Nos locais onde não existir sala especial de votação, o juiz fará esvaziar o

plenário de julgamento, convidando todos os presentes a deixá-lo, com exceção feita às

pessoas necessárias para a votação, e realiza ali mesmo o ato de votar (art. 485).

Após advertir os presentes na sala especial sobre a impossibilidade de intervenção

durante a votação, de forma a não interferir na livre manifestação dos jurados, o juiz

presidente mandará distribuir duas cédulas dobráveis para cada jurado. A primeira com a

palavra SIM e a segunda com a palavra NÃO. São essas cédulas que serão utilizadas pelos

jurados para responderem aos quesitos, devendo as cédulas serem recolhidas em urnas

coletoras distintas. Um primeiro oficial de justiça recolherá as cédulas válidas, ou seja, as que

respondem ao quesito formulado. O segundo oficial de justiça recolherá as cédulas não

utilizadas, portanto, as que nenhum valor tem para a votação, servindo apenas para

conferência. Segue-se a cada rodada de votação a contagem dos votos dados como resposta

aos quesitos formulados e também a contagem das cédulas não utilizadas. O resultado é

registrado no termo de votação de cada quesito, pelo chefe da secretaria, prosseguindo a

votação até o resultado final do julgamento.

A reforma legislativa inovou na maneira de fazer a contagem e de divulgar o resultado

da votação. Pelo sistema anterior, o juiz presidente era obrigado a abrir todas as cédulas e

efetuar a contagem de todos os sete votos. Nesse passo, se qualquer veredicto fosse proferido

de forma unânime, restaria violado, por via indireta, o princípio do sigilo das votações, diante

da comprovação de que todos os votos dos integrantes do Conselho de Sentença foram

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proferidos no mesmo sentido. A reforma aprimorou o sistema de votação. Agora ao abrir as

cédulas após a votação e iniciar a contagem dos votos, o juiz presidente a interromperá ao

atingir o quarto voto a favor de qualquer das teses apresentadas, não sendo mais necessária a

realização da contagem de todos os votos. Portanto, somente em uma única hipótese será

necessário o cômputo de todas as cédulas, qual seja, se a apuração seguir equilibrada e restar

empatada em três votos contra três, nesse caso o sétimo voto será o definidor da tese escolhida

pelo Conselho de Sentença. Agora as decisões do Tribunal do Júri serão sempre tomadas por

maioria de votos e nunca por unanimidade (art. 489).

Uma vez abertas as cédulas e revelados os votos, está consagrada a votação. Encerrada a

votação na sala especial, o juiz informa aos jurados a suspensão da regra da

incomunicabilidade entre os mesmos. Ato contínuo será confeccionado um termo especial de

votação, onde serão registrados todos os escores. Submetido à apreciação das partes, será

assinado pelo juiz presidente, pelos jurados, pelo Ministério Público, pelo assistente se houver

e pelo defensor do acusado. Em seguida e de acordo com o resultado alcançado através da

votação, o juiz presidente se recolherá com a finalidade de elaborar a sua sentença, enquanto

todos os demais retornam ao plenário de julgamento. A sentença, devidamente fundamentada,

será lida pelo próprio juiz presidente à vista de todos os presentes. Após a leitura e dos

agradecimentos de praxe é declarada encerrada a sessão.

De cada sessão de julgamento deverá ser confeccionada pelo chefe da secretaria uma ata

de julgamento, que deverá ser assinada pelo juiz presidente e pelas partes. Nessa ata será

registrado tudo o que ocorrer na sessão de julgamento, a partir do momento em que os

trabalhos foram iniciados, deve conter o nome do magistrado, dos jurados presentes, do

promotor de justiça, do defensor do acusado, do assistente, se houver, das testemunhas

ouvidas e dispensadas, da formação do Conselho de Sentença, das teses sustentadas pelas

partes, do horário de início e de término de cada sustentação, inclusive se houver réplica e

tréplica, o resultado do julgamento, enfim, tudo o que for relevante deve ali ser registrado, até

o momento em que a sentença é lida em público.

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CAPÍTULO II

CRIME E CASTIGO: Análise Sociológica e

Julgamentos Sociais

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2.1 A dogmática jurídica e a sociologia jurídica sob o enfoque da reação social ao

comportamento desviante

A tipificação de uma conduta, a cominação de uma pena e a eventual imposição dessa

pena ao sujeito - considerado culpado, implica em uma ação essencialmente jurídica. É certo

que essa construção é essencialmente jurídica, mas isso não impede que tomando certa

distância de uma análise voltada para o universo jurídico, se percorra o caminho da análise

sociológica, através da qual é possível substituir a rigidez do sistema jurídico por uma

concepção mais ampla da normatividade, podendo estabelecer uma grande distância ou

mesmo um fosso intransponível, entre a declaração jurídica punitiva e a sua efetiva aplicação.

Essa concepção forma a base do julgamento social percebido no Tribunal do Júri, cujo

processo de construção da decisão não é formalizado, porém, também não é imperscrutável.

Esse julgamento social, de construção não necessariamente verticalizada no direito, vai ser

traduzido no seio do sistema jurídico, de acordo com a sua lógica e com a força necessária

para manter estáveis as relações sociais. Os julgamentos sociais das ações de incivilidade

rotulados como homicídio estão vinculados ao funcionamento de uma instituição

particularizada, qual seja o Tribunal do Júri, especializada nesse ofício e “supostamente”

habilitada para avaliar as situações concretas frente às normas abstratamente

institucionalizadas.

Não se trata de admitir um sistema penal totalmente desvinculado do Estado, mas ao

inverso o sistema penal é institucionalizado e genuinamente estatal. Cabendo ao Estado o

monopólio da punição, combatendo e repudiando todas as formas de violência que perpassem

ao seu controle. Ao contrário, há que se falar apenas em um exercício não exclusivo desse

poder, uma verdadeira delegação coletiva de soberania, porém, sem se constituir em um

sistema separado do Estado. Esse ente é o criador da norma penal, a qual depois de instituída

passa a penalizar o comportamento desviado, demarcando de forma semirígida o limite do seu

campo de incidência. Essa ausência de rigidez total se estabelece em razão das possíveis

interpretações que podem ser dadas pelos juízes e Tribunais, eis que aplicadores da norma

penal. Essas interpretações podem levar a norma para muito além do seu ponto de partida.

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Reconhecendo essa notabilidade do crime como objeto de estudo transdiciplinar, é

pertinente inserir uma roupagem nova a esse tema e analisar os julgamentos sociais tomados

pelo Tribunal do Júri, sem a preocupação em explicar o crime ou de defini-lo. Julien Freud

estabelece a distinção entre a dogmática jurídica e sociologia jurídica.

A primeira procura estabelecer teoricamente o sentido intrínseco visado por uma lei,

controlar-lhe a coerência lógica em relação a outras leis, ou mesmo em relação ao

conjunto de um código. A Sociologia Jurídica, ao invés, tem por objeto compreender

o comportamento significativo dos membros de um grupamento quanto as leis em

vigor e determinar o sentido da crença em sua validade ou na ordem em que elas

estabeleceram. Procura, pois, aprender até que ponto as regras de direito são

observadas, e como os indivíduos orientam de acordo elas a sua conduta. Para a

dogmática jurídica uma norma é válida desde que seja estabelecida ou figure em um

código; para a sociologia trata-se de controlar sua importância no curso da atividade

social dos indivíduos, pois não é sempre que uma lei estabelecida é respeitada.

(FREUND, 2006, p. 178-79).

Essa separação pode partir dos esclarecimentos formulados através dos conceitos que

caracterizam a Sociologia do Direito e a Ciência do Direito, sob o enfoque do pensamento de

Max Weber e a relação por ele estabelecida entre ambas. A síntese de tais ideias permite

colimar uma percepção analítica, de cunho interpretativo, sobre as relações estabelecidas entre

a Dogmática Jurídica e a Sociologia Jurídica no Tribunal do Júri, tanto a partir do pensamento

de Max Weber quanto do quadro geral de referência teórica percebido por Émile Durkheim.

Notadamente, sem dúvida, é reconhecida a importante contribuição que Max Weber, na

sua sociologia clássica, deixou para a compreensão do fenômeno jurídico moderno. Weber era

jurista de formação e se aprofundou no conhecimento das fases e dos fatores que contribuiram

para a racionalização do Direito moderno no contexto da racionalização peculiar à civilização

ocidental (FREUND, 2006, p. 178).

Weber estabelece uma discussão entre Sociologia Jurídica e Dogmática Jurídica no

contexto das suas obras Metodologia das Ciências Sociais e Economia e Sociedade, no

capítulo que trata dos conceitos sociológicos fundamentais. Encerra posições que evidenciam

o caráter autônomo de ambas as ciências, evitando sobrepor uma a outra, por entender que

ambas ocupam lugares distintos e promovem conceitos diversos, contudo, sob enfoques

diferenciados. Por isso, evita atribuir maior caráter valorativo às relações que surgem e se

reproduzem, especificamente, com base nas relações sociais, estabelecidas a partir da

convivência de diferentes pessoas ou grupos, organizados em uma sociedade mais ampla.

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Partindo das concepções sobre a “validade ideal” e “validade empírica” de uma norma,

sendo a primeira aferida frente ao conjunto de outras normas e a segunda frente a um grupo de

pessoas que orientam suas ações de acordo com uma norma ou um quadro normativo, Weber

vai destacar a distinção fundamental entre a Dogmática Jurídica e a Sociologia Jurídica. A

realidade constatada por Weber frente ao problema é que a Dogmática Jurídica se situa no

plano das ideias, no mundo do “dever ser” e procura compatibilizar um conjunto de normas

jurídicas abstratas. Já a Sociologia Jurídica se volta para o “plano do ser”, do mundo concreto,

da realidade, do cotidiano. Essa investiga o comportamento dos indivíduos frente a um

sistema de regras, abstratamente formuladas e impostas, com o objetivo de regular de forma

lógica e sistemática a conduta do grupo social, e por fim, controlar as ações da comunidade. A

primeira ciência serve-se do método lógiconormativo e a segunda faz uso do método empírico

causal.

O conceito de validade de uma norma não é o mesmo para ambas as ciências. Para a

Dogmática Jurídica, uma norma válida é uma norma inscrita. São as regras elaboradas pelos

seres humanos, lançadas sobre determinado papel, que preenchidos com sinais escritos,

tencionam alcançar determinados fins. Já para a Sociologia Jurídica, uma norma válida é

aquela que controla o curso das atividades sociais dos indivíduos, pois nem toda norma

jurídica é respeitada pelo conjunto da sociedade. Portanto, existe uma distância entre o caráter

formal da norma e a sua efetiva aplicação, isto pode ser afirmado, a partir da constatação de

que o processo de racionalização da norma não implica necessariamente em uma submissão

incondicional dos comportamentos observados à validade normativa. Esse afastamento vai ser

colocado em evidência pela Sociologia. O sentido que uma lei tem para o jurista não é

necessariamente o mesmo que tem para o sociólogo e para quem deva se submeter ao seu

império.

Os estudos sociológicos de Weber associados ao Direito conduziram-se a fazer algumas

distinções de relevo. Distinções entre o direito privado e o direito público; entre o direito

positivo e o direito natural; entre o direito objetivo e o direito subjetivo; entre o direito formal

e o direito material. Sobre essa última separação se detém, pois estabelece limites para a

racionalização do direito. Weber destacou que o direito formal consiste em um sistema puro e

fechado onde as normas apenas obdecem a lógica jurídica, sem admitir a intervenção de

considerações externas ao direito. Já o direito material, ao contrário, se deixa influenciar pelos

elementos externos à norma jurídica, consentindo nos seus julgamentos a interferência de

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valores econômicos, religiosos, políticos, étnicos, culturais, etc. Na sua visão, existem duas

maneiras de se conceber a justiça. Uma voltada exclusivamente para o interior das regras

estabelecidas pela norma jurídica. Julga-se conforme a letra da lei e a lógica do sistema. Outra

que leva em conta as intenções dos indivíduos e as condições gerais de sua existência.

Alerta contudo, para os riscos de uma eventual materialização do direito racional, diante

da possibilidade, já que nada impede, do magistrado togado não aplicar a lei verticalmente,

mas sim aplicá-la diante de uma análise consciente do que lhe parece ser mais justo. Logo, a

racionalização do direito pode ser formal ou material, isso importa em dizer, da sua

imperfeição. Admite que a justiça exclusivamene material é a própria negação do direito, mas

noutra via, entende que em tempo nenhum haverá justiça estritamente formal que possa

dispensar considerações externas ao direito.

A lógica do direito formal é a sistematização das normas jurídicas e a lógica do direito

material é o casuísmo das circunstâncias. É o caráter empírico do direito. É na instituição

penal constitucional do Tribunal do Júri que se vai encontrar, de forma mais marcante, essas

características. Todas as divergências de opiniões sobre a adequação ou inadequação do

Tribunal do Júri dentro da estrutura punitiva estatal, estabelecida para manter a ordem e punir

os seus trangressores, se voltam para o caráter irracional decorrente da materialidade que pode

ser constatada em muitas das suas decisões.

A Sociologia não se presta a explicar se uma maior racionalização do direito se constitui

numa evolução ou simplesmente num “aperfeiçoamento acomodativo” da técnica jurídica. De

fato, interessa-se mostrar o sentido da tendência que a decisão tomada nos julgamentos sociais

promove quando comparada com a decisão genuinamente jurídica. Essa marcha vai de um

extremo ao outro, dentro do campo da ciência do direito, de um lado representada pela

racionalidade e formalidade do direito e do outro, pela irracionalidade e materialidade do

direito.

Assim, segundo o pensamento de Weber, a Dogmática Jurídica vai estabelecer as

hipóteses em que uma norma será considerada violada. De outra ordem, é através da

Sociologia Jurídica, que se verificará a orientação do comportamento de indivíduos e grupos,

segundo a ordem jurídica em vigor. Essa construção teórica permite observar a realidade

social com enfoques distintos, um lançado em relação aos seus aspectos normativos e outro

sobre a realidade fática das pessoas participantes de uma comunidade. Essas duas realidades,

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isoláveis na análise de Weber, vão se encontrar, mais do que isso, vão se confundir, se

entremear no espaço público do Tribunal do Júri. É nesse ambiente que se vai encontrar um

terreno adequado para discussões e debates que visam confrontar essas duas lógicas, quais

sejam, a do plano ideal e a da realidade dos fatos sociais. Weber destaca com nitidez essas

duas realidades.

... há uma diferença lógica profunda entre a pergunta pela “verdade jurídica” in

concreto – o que deve ou deveria “ser válido”, mentalmente falando, de acordo com

os princípios “científicos” – e a pergunta que procura saber o que, de fato,

aconteceu, empiricamente, num caso concreto ou numa multiplicidade de casos

concretos, como “consequência” causal da “vigência” de um determinado

“parágrafo”. Num caso, a “regra do direito é uma norma ideal que pode ser

apreendida pelo raciocínio, e, no outro caso essa mesma regra é apenas uma máxima

de comportamento de homens concretos que pode ser detectada como regra que

empiricamente falando, muitas vezes, em menor ou maior grau, é observada. Neste

caso, uma “ordem jurídica” se organiza num sistema de pensamentos e de conceitos

do qual se utiliza o dogmático jurídico científico como média de avaliação para o

comportamento efetivo de determinadas pessoas humanas, como, por exemplo, do

“juiz”, do “advogado”, do “delinquente”, do “cidadão de um determinado Estado”,

etc., para rejeitar ou aceitar, de acordo com estas normas, o respectivo

comportamento. No segundo caso, esta mesma “ordem jurídica” se dissolve, na

cabeça de determinadas pessoas empíricas e concretas, num complexo de máximas

que influenciam efetivamente o seu agir e o agir de outras pessoas humanas

(WEBER, 2001, p. 252-53).

A visão da Sociologia Jurídica aponta para uma possível investigação do que de fato

acontece na sociedade e, o porquê de existir a real possibilidade de que seus integrantes,

mesmo acreditando na validade de uma ordem, possam permitir que condutas sociais sejam

adaptadas a esta mesma ordem.

No Tribunal do Júri, a função jurisdicional é transferida da magistratura togada (juiz de

direito) para a magistratura “leiga” (jurados). Nesse espaço de discussão e de deliberação, os

próprios membros da sociedade são destinados a investigar, com escrúpulo, se o

comportamento de um indivíduo é conflitante com as normas vigentes, podendo recomendar a

aplicação de uma sanção de caráter expiatório, representando concretamente a norma jurídica.

Contudo, ainda que reconheçam esse conflito entre a conduta e a norma, é possível aos

agentes da sociedade não esboçarem nenhum tipo de reação contra essa conduta, inclusive,

podem fazer adaptações à ordem jurídica e até não aplicarem ao indivíduo as sanções por ela

estabelecidas. A total autonomia da Sociologia Jurídica permite uma análise dos fatos sociais,

sob um prisma diferente da Dogmática Jurídica, no entanto, sem serem excludentes.

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Evidenciar o afastamento entre o caráter formal da norma jurídica e sua prática significa

admitir a discussão de que o próprio sentido objetivado pela norma pode ser contrariado,

através da percepção e influência de fatores externos ao direito, tais como: fatores políticos,

étnicos, religiosos, econômicos, etc. Na instituição do Tribunal do Júri, constata-se a marca

mais significativa da irracionalidade do direito, posto que considerações estranhas ao direito

podem ensejar a emissão de juízos de valor, com base em afirmações de experiências

emocionais, sentimentais e culturais. Entretanto, ao final, podem expressar um certo equilíbrio

entre a racionalidade da lei e o interesse social. O estudo da Sociologia Jurídica permite

alcançar a compreensão dessa diferença, dentro de um cenário que aproxima o “leigo” dos

problemas sociais que necessitam de soluções jurídicas. Essa realidade reteve a atenção de

Weber.

... ramos importantes das disciplinas empíricas sobre a vida cultural - sobretudo a

investigação econômica e a política – se servem de conceitos jurídicos, não apenas,

como já acentuamos teminologicamente, mas também, por assim dizer, como uma

pré-moldação de seu próprio material. Isso se explica, em primeiro lugar, pelo

desenvolvimento bastante elevado do pensamento jurídico, que faz com que se

empreste estes conceitos com a finalidade de por uma ordem provisória na

multiplicidade de relações sociais que nos circundam. Mas, exatamente por causa

disso, se faz necessário ter sempre bastante clareza que esta “pré-moldação” jurídica

será deixada de lado, em seguida, e na medida em que a reflexão política e

econômica começa a trabalhar com o material a partir dos seus “pontos de vista”, e,

com isso, efetivamente e necessariamente, modifica o significado dos termos

jurídicos (WEBER, 2001, p. 256).

A Sociologia, enquanto disciplina acadêmica, tem como objetivo compreender relações

sociais a partir de grupos sociais distintos em sua organização social, e ainda, questões

voltadas para as complexidades definidas por raça, etnicidade, classe, gênero e nacionalismos.

Além das estruturações proporcionadas por instituições, tais como: a família, o casamento, o

divórcio, o crime, etc. Para Max Weber a Sociologia é uma ciência que procura compreender

a ação social, colocando o indivíduo e suas ações como ponto central da investigação

sociológica, buscando a percepção do sentido que a pessoa atribui à sua conduta. A ação

identificada como um comportamento humano interior ou exterior, voltada para ação ou

abstenção, só é considerada ação social quando o ator atribui à sua conduta um significado ou

sentido próprio, relacionado com o comportamento de outras pessoas, entendendo as

intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais.

Segundo Weber, a Sociologia tem como tarefa a captação do sentido da conexão de

sentido. Nesse contexto, procura interpretar a ação, levando em consideração que os conceitos

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utilizados pelos juristas são representações de algo que, de fato, parcialmente existe e,

parcialmente pertence ao mundo do “dever ser” existente na mente dos cidadãos (WEBER,

2001, p. 407). Essas representações vão servir de paradigmas para as suas ações concretas,

exercendo, assim, forte influência no comportamento humano. A Sociologia pode

compreender o comportamento dos indivíduos que fazem parte de um todo, podendo

interpretar e explicar as suas ações reais a partir desse todo. A ação social orienta-se pelas

ações dos outros, sejam elas passadas, presentes ou futuras, como por exemplo: vingança por

ataques anteriores, réplica a ataques presentes, medidas de defesa diante de ataques futuros.

Esses outros podem tanto ser indivíduos conhecidos ou indivíduos totalmente desconhecidos

(WEBER, 2001, p. 415).

Na conceituação de Weber, ação social deve sempre estar orientada pelas ações dos

outros, sem bastar-se que seja externa. Ao transferir o conceito de Weber para a realidade do

Tribunal do Júri, pode-se perceber que as ações que ali são discutidas, compreendidas e

decididas sob o ponto de vista da sua “reprovabilidade” social e correspondente sanção,

devem ser consideradas ações sociais, já que sempre são voltadas para o outro e orientadas

pelas ações do outro. O Tribunal do Júri julga majoritriamente as ações sociais que, na forma

de expressão dos juristas, são identificadas como homicídio (ação de matar alguém), seja

quando ela se completa na plenitude e o destinatário da ação morre, ou quando não se

completa plenamente e o destinatário da ação não morre.

Dentro da definição de tipos de ação social adotados por Weber, percebe-se que a

definição de ação social, com relação a fins e a ação social afetiva, se afina com o modelo de

condutas majoriatariamente analisadas pelo Tribunal do Júri. A primeira é identificada

quando o autor da conduta orienta sua ação de forma racional e, de acordo com o fim

pretendido, avaliando os meios necessários para atingir o fim planejado, bem como as

consequências implicadas em relação ao seu ato. Dentro da lógica das regras do direito, esse

tipo de ação é identificada como ações dolosas ou intencionais. Já a ação social afetiva se

traduz numa resposta do sujeito a um estado sentimental, geralmente situada na linha limítrofe

entre a racionalidade e a irracionalidade (WEBER, 2001, p. 417-18).

O principal objetivo de Weber é enfatizar o sentido que cada pessoa dá a sua conduta e

perceber assim a sua estrutura inteligível e não, a análise das instituições sociais como diz

Durkheim. Weber propõe a compreensão, interpretação e explicação, nesta ordem respectiva

ao significado de organização e de sentido, evidenciando irregularidades das condutas. Esse

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modelo teórico privilegia o indivíduo, destacando a intenção dos sujeitos em detrimento das

regras da ordem jurídica e a lógica de um sistema pré-concebido.

Modelo teórico diverso foi o desenvolvido por Émile Durkheim. A importância da sua

obra deve, em grande parte, ao fato de ter compreendido a relação existente entre crime e

sociedade. Ele compreendeu que a sociedade não era somente o produto da ação e da

consciência individual, pelo contrário, vislumbrou que o pensamento e as ações coletivas têm

uma realidade exterior aos indivíduos. Durkheim demostrou a permanência do crime em toda

a sociedade e tratou o crime como um fato social, de caráter normal e inevitável, pois o

entende como fruto da “incorrigível maldade dos homens”. Na sua visão, uma sociedade

isenta de crime é impensável. Para que a prática de atos criminosos deixasse de ser observada,

seria necessário que um determinado nível de consciência individual se espalhasse por toda a

coletividade em igual intensidade e o respeito pela dignidade individual fosse observado por

todos. Procurou demonstrar que a prática de um crime não só depende do indivíduo mas,

adversamente, poderá encontrar amplas e profundas raízes de imputação social.

Émile Durkheim, considerado como um dos precursores da sociologia moderna,

teorizou a afirmação: "os fatos sociais devem ser tratados como coisas" (DURKHEIM, 2007,

p. 3). Ele pensou o fato social como a maneira de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao

indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se

impõem a ele. Nesse modelo teórico, a sociedade prepondera sobre o indivíduo. Os

fenômenos sociais são considerados destacados dos sujeitos, que de maneira consciente

formulam representações sobre esses fenômenos.

Na sociologia clássica de Durkheim, observada na obra A divisão do trabalho social, o

Direito é colocado numa posição central do desenvolvimento social, é destacado como

elemento formador da estrutura normativa da sociedade. Nas sociedades ditas “mecânicas”

(tipo de sociedade na qual a pessoa tem sua individualidade anulada em relação ao

pensamento coletivo, ocasionando uma dependência que torna o homem um objeto à

disposição da sociedade) prevalecem as sanções punitivas. Nas “orgânicas” (tipo de sociedade

onde no exercício da prática comum, resultante da especialização e divisão do trabalho, o

indivíduo consciente de seu papel possui uma esfera de ação que lhe é própria, adquirindo

personalidade). Nesse tipo de sociedade, o indivíduo tem movimentos próprios, adquire mais

liberdade), nelas prevalecem as sanções restitutivas (DURKHEIM. 1999, p. 87, 131). A

primeira procura preservar a estabilidade social através de um laço de solidariedade, baseada

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na consciência coletiva de respeito e autoridade às normas jurídicas consideradas

fundamentais. A segunda, com base na consciência particular do indivíduo, regula as relações

entre as partes restritas da sociedade que se ligam entre si.

Segundo o autor, para manter a estabilidade social e garantir as condições fundamentais

de vida coletiva, é necessário criar um laço de solidariedade, através da qual a ofensa, um

estado definido da consciência comum ou coletiva, será rotulada como crime. Em

contrapartida a essa ofensa, a sociedade pode esboçar uma reação, impondo ao autor da

conduta uma reprovação, representada por uma sanção com o fim exemplar. Segundo

Durkheim, “a pena consiste pois essencialmente em uma reação passional, de intensidade

graduada, que a sociedade exerce através de um corpo constituído sobre aqueles dos seus

membros que violaram certas normas de conduta” (DURKHEIM, 1999, p. 116). Contudo, a

simples ofensa aos interesses individuais determinará uma simples reposição das coisas, sem

caráter expiatório, com forte vinculação com o direito civil.

O laço de solidariedade ao qual o autor se refere (solidariedade mecânica) é aquele que

confere legitimidade à norma penal para se limitar apenas a prescrever sanções, sem sequer

informar quais são as obrigações que uma vez não satisfeitas ensejariam tais sanções. Logo a

ação passa a ser punida por ser contrária a uma norma de caráter obrigatório, contudo, esta

norma não está expressamente formulada. É em nome desse pacto social que é possível

aplicar o axioma jurídico: “A ninguém é dado ignorar a lei, sob pena de ser sancionado pela

conduta realizada”.

A definição de crime em Durkheim não foi alcançada a partir da localização de traços

comuns encontrados em variadas condutas universalmente catalogadas como crime, ainda que

em diferentes tipos sociais, mas definida a partir do conflito gerado entre as ações individuais

e os grandes interesses sociais. Para o adequado funcionamento da justiça repressiva, é

fundamental que as normas que asseguram a sua observação estejam difundidas e gravadas

em todas as consciências médias dos membros de uma sociedade. Se o direito repressor visa

dar sustentação à estrutura normativa da sociedade, é necessário que tenha um caráter difuso.

Essa consciência coletiva ou comum não vai atingir somente uma classe específica

(magistrados), mas também os indivíduos que se encontram colocados em posições diferentes

e em condições específicas dentro do estrato social. A esses indivíduos eventualmente é

delegado o exercício das funções desta classe específica. E isto ocorre quando são chamados a

representar a sociedade nos julgamentos realizados no Tribunal do Júri.

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Na Sociologia de Weber existe a possibilidade dessa lei não ser aplicada ou tolerada

quanto a sua não incidência, sem causar nenhum abalo à ordem social ou aos laços de

solidariedade, os quais fazem referência a Durkheim. Weber defende a aplicabilidade da

norma levando em consideração elementos externos ao direito, considerando a intenção dos

sujeitos, sem se ater exclusivamente às regras da ordem jurídica e à lógica de um sistema pré-

concebido. Esse posicionamento ambíguo quanto à aplicação da norma cria uma lacuna entre

a formalidade do direito e a materialidade do direito. Essa mesma forma de análise e

entendimento do fato criminoso não poderia ser utilizada pelo magistrado, pois suas decisões

devem assegurar que o direito será aplicado de forma racional e dentro de uma lógica formal.

De acordo com essa lógica, a lei e os julgamentos devem ser estabelecidos com base em

conceitos abstratamente sistematizados através de normas jurídicas.

De resto, o que se percebe é que o ato que ofende severamente a consciência comum,

por isso é considerado como crime, aqui particularmente tratado por homicídio, deveria ser

reprimido pelo poder judiciário, de forma proporcional à gravidade do crime, como forma de

manter coesa a consciência coletiva e de paralisar outras ações. Mas levando em consideração

a forma como esse tipo de crime é julgado, é possível se alcançar um novo

redimensionamento para o sentido de reprovação social. Esses julgamentos, todavia, podem

refletir diante do confronto entre o poder de matar do indivíduo e o poder do Estado em

controlar esses atos de violência, a legitimação do poder de matar. Este poder de matar,

através da contextualização da morte dentro do significado que o grupo representativo da

sociedade silenciosamente atribui, para as relações sociais, acaba sendo materializado por

meio do voto secreto. Portanto, nítida é a possibilidade de distinção quanto à reação por parte

da sociedade ao crime, seja essa reação protagonizada pela sociedade de forma direta

(Tribunal do Júri) em cada grupo social ou por suas elites (Magistrados).

Por essa possibilidade de fragilização da realidade de uma reação passional, que a

sociedade exerce sobre os seus membros que violam regras de conduta, a instituição do Júri é

alvo de alguns ataques que vêem nele um instrumento de manobra e ensejador de decisões

juridicamente injustas. Por alguns é considerada uma organização anacrônica e pautada por

um comportamento anômico que desafia a racionalidade do direito. As relações sociais

analisadas pelo Júri podem ser vistas através da ótica das intenções que nelas são colocadas

pelo ser humano, pelos interesses que se encontram embutidos nas ações e pelos diferentes

sentidos que lhes podem ser atribuídos. É a compreensão do individual, sem que isso redunde

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na intolerância ou na negação total da explicação da ação realizada pelo indivíduo. O

desenrolar dessa atividade social que busca tanto a explicação quanto à compreensão para

determinados comportamentos significativos do homem, uns em relação aos outros, desperta

o interesse da Sociologia.

Tanto Durkheim quanto Weber contribuíram com a Sociologia do Direito lançando

teorias sobre o crime. O primeiro, ao enfocar um realismo normativo que o aproxima da

Dogmática Jurídica. O segundo, por enfatizar o subjetivismo do sentido que está mais voltado

para a Sociologia Jurídica. Historicamente a relação entre a Dogmática Jurídica e a Sociologia

nunca foi muito consistente e baseada em uma perfeita sintonia, exatamente pela formação

tecnicista, formal e fechada que é dada aos futuros profissionais vinculados a esse ramo da

ciência (juiz, promotor, advogado). São esses profissionais que mais tarde serão os futuros

operadores da norma e nessa qualidade precisam interpretá-la e aplicá-la. Entretanto, com

essa formação “ingênua” e meramente conceitual eles procuram seguir, de forma rigorosa,

uma suposta “intenção do legislador”, que geralmente age com uma “racionalidade

conscientemente justa”. Essa alienação do jurista exige do cidadão o pagamento de um preço,

às vezes, demasiadamente alto, quando é alvo da aplicação da norma.

Uma lei penal contém um forte caráter de abstração de generalidade, por ser o seu

elaborador incapaz de prever todas as possibilidades reais de situações que ensejariam a sua

aplicação. Por isso, uma lei ao ser confrontada com uma determinada realidade social, pode se

mostrar uma lei injusta, excessivamente rigorosa ou inadequada, surgindo, então, a

necessidade de uma melhor adequação ou correção, através de um processo de interpretação

condicionado pela realidade do meio social.

A ciência jurídica lida com o direito dentro de uma realidade simbólica. Condição

social, realidade social, causas e efeitos implicados, excepcionalmente são relevantes para as

decisões jurídicas. Diferente da Sociologia, a Ciência Jurídica é uma ciência de decisão.

Nesse contexto, em regra, as decisões jurídicas não devem se apoiar na Sociologia. No

Tribunal do Júri existe a possibilidade de ser intermediado um diálogo entre a Sociologia e a

Ciência do Direito. Esse diálogo é estabelecido na base de uma relação de orientação,

resultante de uma reflexão e compreensão das suas próprias decisões que procuram promover

um alargamento dos horizontes no seu entendimento.

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Segundo Niklas Luhmann, a relação de proximidade que permite associar estudos de

Direito a estudos de Sociologia é frágil, já que esses estudos, quando desenvolvidos por

sociólogos, se restringem essencialmente aos anseios dos juristas, com a finalidade de auxiliar

na aplicação da lei e facilitar as suas fundamentações. O questionamento que o teórico abre

recorre à pertinência de uma Sociologia do Direito que questione a convivência social, a partir

de critérios práticos problematizados pelos sociólogos. Defende a proximidade e o

entrelaçamento das ciências.

Toda convivência humana é cunhada direta ou indiretamente pelo direito. Como no

caso do saber, o direito é um fato social em que tudo se insinua, e do qual é

impossível se abstrair. Sem o direito, nenhuma esfera da vida encontra um

ordenamento social duradouro; nem a família ou a comunidade religiosa, nem a

pesquisa científica ou a organização partidária de orientações políticas. A

convivência social sempre está pré-sujeitada a regras normativas que excluem outros

possíveis ordenamentos, e que pretendem ser impositivos, de forma suficientemente

efetiva. Sempre é imprescindível um mínimo de orientação através do direito, se

bem que possam variar o grau de explicitação das normas do direito, e a sua

efetividade em termos de determinação comportamental (LUHMANN. 1983, p. 07).

Deve ficar bem claro que o entrelaçamento teórico aqui proposto pode ajudar a

esclarecer o comportamento desses pequenos grupos (jurados) que dotados de legitimidade

realizam julgamentos sociais, ao qual o direito empresta o caráter de obrigatoriedade. No

Tribunal do Júri, direito e sociedade se interpermeiam de forma concreta, visto que a própria

sociedade é que vai permitir, ou não, o reconhecimento de uma determinada orientação

normativa, em favor da sociedade, ou a relativização dessa orientação, em favor do indivíduo.

Essa postura ocorre em razão do reconhecimento da existência de elementos que estejam fora

do direito ou estranhos ao direito, e que dão sentido a negação da norma, por vezes,

provocando verdadeiras rachaduras no sistema normativo. Essa conduta que impede o

exercício do poder de justiça, na visão de Michel Foucault, é tida como uma contra justiça

(FOUCAULT, 1979, p. 67).

Se considerarmos essas ideias desenvolvidas por Weber e Durkheim na esfera

específica da decisão, dentro do modelo estabelecido para o Tribunal do Júri, pode-se

constatar que as decisões são fruto da vontade genuína e individual do cidadão comum

(jurado), dotado de representatividade coletiva. Esse modelo compreende uma reação penal

não uniforme em todos os casos, pois as emoções determinantes e os sentimentos ofendidos

não são os mesmos. É de fato um desafio entender o processo de tomada de decisões lançadas

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nessa esfera judicial, a partir de um processo decisório para o qual concorre apenas cidadãos

comuns.

Partindo da distinção entre comunidade e o direito, Alessandro Baratta faz uma

destacada exposição de alguns pontos que ligam ambas as ciências:

... pode-se dizer que o objeto da sociologia jurídica é, por um lado, os mecanismos

de ordenação do direito e da comunidade, e por outro lado, a relação entre o direito e

os outros setores da ordem social. Portanto, a sociologia jurídica tem a ver tanto com

as estruturas normativas da comunidade, em geral, como também com as condições

e efeitos das normas jurídicas, em especial. Ela se ocupa com modos de ação e de

comportamento (a) que têm como consequência normas jurídicas (o costume como

fonte do direito, os modos de ação e de comportamento normativos do legislador e

as instâncias institucionais de aplicação do direito), ou (b) que serão percebidos

como efeitos das normas jurídicas (o problema do controle social através do direito,

o problema da efetividade, do conhecimento e da aceitação do direito), ou (c) que

serão postos em relação com modelos de ação e de comportamento, que tem como

consequências normas jurídicas no sentido de (a) e (b) (BARATTA, 2002, p. 21).

Em relação ao terceiro ponto de vista abordado, ingressa no campo da sociologia

jurídica o estudo da reação social ao comportamento desviante, como forma de controle social

não vinculado a nenhuma agência institucionalizada de controle penal. Uma pausa para

reflexão poderá dar conta de quão vasto pode ser, para além das pesquisas empíricas, o

concurso interdisciplinar de métodos e a integração de disciplinas diversas no estudo e no

encaminhamento de soluções a vários dos problemas estabelecidos pela sociologia jurídica. A

fecunda relação interdisciplinar entre a sociologia jurídica e a ciência do direito pode ser

estabelecida a partir do objeto. Essa estuda as normas e as estruturas normativas, enquanto

aquela se volta para os modos de ação e as estruturas sociais.

Segundo a concepção de Alessandro Baratta, o objeto da sociologia jurídico-penal se

restringe a três categorias de comportamentos objeto da sociologia jurídica em geral. Primeiro

estudará as ações e os comportamentos normativos que consistem na formação e na aplicação

de um determinado sistema penal. Em segundo lugar, estudará os efeitos do sistema

entendidos como aspecto “institucional” da reação ao comportamento desviante e do

correspondente controle social. Por fim, se deterá sobre as reações não institucionais ao

comportamento desviante, como aspecto integrante ao controle social do desvio, em

concorrência com as reações institucionais (BARATTA, 2002, p. 23).

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Sem a preocupação de estabelecer limites acadêmicos rígidos entre as disciplinas da

sociologia criminal e a jurídico-penal, é pertinente estabelecer uma superficial distinção entre

ambas. A sociologia criminal é o ramo da sociologia geral que estuda o comportamento

desviante com relevância penal, a sua gênese e a sua função no interior da estrutura social. A

sociologia jurídico-penal, no sentido inverso, estuda, de forma pontual, os comportamentos

que representam uma reação ante o comportamento desviante, os fatores condicionantes e os

efeitos dessa reação, bem como suas implicações com estrutura social global. A sociologia

jurídico-penal estuda tanto as reações institucionais, derivadas dos órgãos oficiais de

repressão penal, quanto as reações não institucionais. Sobre esse tipo de reação enquanto tal, é

que se vai examinar o conhecimento empírico mais a fundo (BARATTA, 2002, p. 23).

Como se observa acima, um ponto de confluência entre a sociologia criminal e a

sociologia jurídico-penal varia progressivamente sobre os aspectos da noção do desvio, da sua

constituição e da repressão social a esse desvio. Uma questão de grande interesse teórico que

se instala, proveniente da variabilidade da reação ao comportamento desviante, reação

institucional ou não institucionalizada, é a que deriva particularmente do conceito de desvio e

do status de desviante assumido por determinados indivíduos, cujos comportamentos tornam-

se objeto da ação dos órgãos de repressão penal. Tanto o desvio quanto o status social do

desviante não são uma realidade totalmente preconstituída, de natureza fixa, em relação às

reações institucionais e às não institucionais.

Localizadas no interior da sociologia jurídica contemporânea, a sociologia criminal e a

sociologia jurídico-penal permitem resgatar, através de um processo de recuperação da

dimensão da interpretação dos fenômenos sociológicos, os impulsos mais decisivos para o

estudo de ambas, cujos mecanismos, para as devidas considerações, vão-se encontrar no corpo

do conhecimento do pensamento sociológico clássico.

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2.2 Sociologia do Crime

A despeito de outros temas de relevância social serem sempre realçados nos estudos em

Sociologia, também possui muita significância o estudo do crime e seus aspectos. O crime

invariavelmente assume papel de destaque, seja pela brutalidade com que é realizado,

merecendo uma atenção maior dos meios midiáticos, seja em razão das discussões sobre o

avanço da criminalidade e a reavaliação da eficácia das políticas públicas criminais em uso. A

criação de novos métodos de combate à criminalidade e à constatação de cada vez maior

precocidade dos agentes do crime, sempre o colocam como prioridade na ordem do debate

público, estabelecido nos diversos segmentos da sociedade e entre esses e o governo. De

forma concreta, tanto a “macro criminalidade” quanto a “micro criminalidade” é de fato um

dos aspectos sociais que mais geram preocupações na atualidade, pois coloca em risco a

segurança pública, a integridade física das pessoas, a propriedade dos bens de todos os

cidadãos e contamina com vícios o meio social.

Voltando-se para o crime de homicídio, único que vai interessar ao nosso objeto de

estudo, constata-se que a morte de um cidadão viola o princípio constitucional maior, que é o

direito à vida. Sem vida nenhum outro direito, mesmo que significativo, pode ser

reconhecido: direito à liberdade, à propriedade, à liberdade de escolha, à saúde, ao trabalho,

etc. Logo, uma morte nos induz ao ápice da desordem social. Esse ato de violência não

representa tão somente uma morte em família, de um amigo, de um ente querido, mas,

sobretudo uma verdadeira e implacável morte social. Essa desordem, em pequenas ou em

grandes proporções, das relações sociais patrocinadas pelo crime se constitui em tema de

especial relevância para a Sociologia (ROBERT, 2007, p. 07).

De acordo com a época ou com a sociedade estudada várias teorias sociológicas,

procuraram explicar o crime. Philippe Robert, de forma singular, (ROBERT, 2007, p. 89-123)

faz um passeio muito produtivo sobre as mais significativas dessas teorias mais recentes.

Destacou que no final do século XIX, Henry Joly (1889), estudando a cartografia da

criminalidade, por região, desenvolveu a teoria da mobilidade geográfica como um fator que

exercia verdadeiro reforço à criminalidade, fundamentando a sua teoria no “corte de todas as

raízes e do rompimento dos vínculos de solidariedade territorial” (ROBERT, 2007, p. 91).

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Expoentes da Escola Sociológica de Chicago, Clifford R. Shaw e Henry McKay (1942)

se basearam no conceito de desorganização social para explicarem a formação de gangues e a

delinquência juvenil. Essa percepção leva a uma reflexão sobre a concentração e estabilidade

de crimes em determinados bairros da cidade e a renovação rápida de suas populações, aliado

à perda do poder de influência da norma sobre o comportamento individual, sobretudo em

relação ao segmento da população mais jovem. Esses autores destacaram em seus estudos que

“a miséria em si não engendra a violência e sim a desordem normativa que a acompanha nas

áreas onde a renovação perpétua da população impede a estabilização das relações sociais”

(ROBERT, 2007, p. 97). Essa teoria se tornou um dos “clássicos” da sociologia americana

para a explicação do crime.

Referenciado como o mais célebre sociólogo do crime, Edwin Sutherland, também da

Escola de Chicago, que exerceu grande influência nas décadas de trinta e quarenta do século

passado, considerava o crime como um comportamento aprendido, sendo adequada a

expressão “a ocasião faz o ladrão”. Para esse autor, o crime estava associado a elementos de

cultura, cujos modelos necessitavam ser interiorizados e socializados dentro de um grupo,

contrário ao respeito às leis. Essa diversidade cultural reconhecida permitia ao cidadão uma

aprendizagem social distinta das normas e dos procedimentos, gerando organizações sociais

diferentes. A partir desses estudos desenvolveu a teoria da associação diferencial.

A preocupação central do autor foi procurar afastar a Sociologia do Crime das

explicações biológica e raciais, tanto que não direcionou seus trabalhos de pesquisa para a

criminalidade das classes populares, mas sim para a classe que tem acesso à prática e aos

benefícios trazidos pela consumação dos “crimes do colarinho branco”. Na construção da

teoria da associação diferencial, destacam-se os seguintes enunciados: a) o comportamento

criminoso é aprendido pelo contato com outras pessoas, em especial pelo exemplo; b) esse

aprendizado se desenvolve dentro de um grupo restrito de relações pessoais, sem grande

interferência da mídia; c) a transmissão dos conhecimentos sobre o crime aborda as

motivações, as tendências impulsivas, os raciocínios e as atitudes; d) a orientação para o

crime ocorre quando as interpretações desfavoráveis ao respeito às leis se sobrepõem às

interpretações favoráveis; o comportamento criminoso não é explicado a partir das

necessidades e valores dos criminosos, pois há pessoas com as mesmas necessidades e valores

e não são adeptas à prática de crimes (ROBERT, 2007, p. 102-03).

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Ainda nos anos 1930, mas posteriormente a fase que sucedeu a grande depressão norte-

americana, e com o deslocamento dos estudos sobre problemática urbana, do nível regional ou

local para o nível nacional, outros nichos de estudos sociológicos foram abertos pela

Sociologia americana. Foi sob essas influências que Robert K. Merton, em 1938, construiu a

teoria da anomia, percebida por Merton “como a consequência inesperada e paradoxal da

conjunção duma ideologia igualitária com uma estrutura social que mantém silentes

desigualdades de acesso aos meios de concretização desse ideal” (ROBERT, 2007, p. 108). A

imputação da responsabilidade, pela manutenção desse estado de anomia, à sociedade exterior

aos grupos desfavorecidos, estaria na raiz da aceitação da ação delinquente, principalmente

pelos adolescentes.

Já nos anos de 1950, mereceu destaque outra teoria, não mais preocupada com o estudo

do comportamento do delinquente, das suas condições de vida ou do seu ambiente social, mas

sim com os estudos que vão procurar avaliar todo o conjunto de relações travadas entre todas

as partes envolvidas no crime, seja de forma mediata ou imediata. A teoria interacionista não

se preocupava em explicar o ato criminoso, este só ganhava especial interesse quando não se

constituía em ato isolado, e era observado que o agente do crime fazia dessa situação uma

forma rotineira de conduzir sua vida. Por se deter mais sobre as formas de justificação ou de

neutralização da ação, os adeptos dessa teoria foram classificados como “sociólogos da

sanção”.

Em 1990, Travis Hirschi e Michael R. Gottefredson partilharam estudos para elaboração

de uma teoria geral do crime sob o enfoque da precariedade ou insuficiência do autocontrole,

com base assentada na carência educacional na juventude. Essa teoria confere aos pais papel

fundamental para uma boa socialização dos filhos a ser alcançada através de um processo

educativo-disciplinar. Mas, o que marcou o final do século XX quanto ao estudo da sociologia

do crime foi a mudança na forma particular de ver o crime. A atenção então, focada no crime

e no criminoso, foi desviada para a vítima. A fragilização das bases do pacto social do

“Estado providência” veio com a precariedade do trabalho assalariado e com o

enfraquecimento das redes de proteção social. Esses fatores sociais são vistos como uma

consequência diante do crescente processo de globalização, do alargamento das fronteiras

nacionais e da atividade econômica, que passaram a fomentar o desemprego em massa,

criando também imensos bolsões de pobreza e zonas de exclusão social. Nesse contexto,

cresce mundo afora as preocupações com a segurança. Assim, passa-se a pensar mais nas

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pessoas “inocentes” e supostas vítimas das ações criminosas do que no crime e nos seus

autores. A vitimização passa a integrar as teorias explicativas do crime.

Percebe-se que a construção de várias teorias sociológicas, com o escopo de explicar o

crime, transitou pelo crime, pelas condições sociais, pelo autor e pela vítima. Contudo, é

possível tabular uma construção intelectual que permita direcionar a pesquisa para uma

análise sociológica da criminalização secundária – o processo que pode proporcionar a

aplicação de uma pena – de uma forma mais integrada, onde o crime não seja analisado

isoladamente, mas dentro de um contexto social que também alcance o fato, o autor, a vítima,

a lei que tipifica o fato, o comportamento tipificado e a Justiça que vai buscar a punição,

reafirmando a lei ou negando a sua aplicação.

O crime pode ser estudado de longe, dentro de um contexto macro-social. O crime pode

ser analisado de perto, permitindo a análise de suas particularidades diante de uma situação

específica. O crime pode ser alvo de análise através do seu processo punitivo, mas também é

possível voltar os holofotes do estudo sociológico à reação social ao crime, seja de forma

genérica ou apontá-la para uma situação específica, dentro de seus próprios limites. Nesse

sentido, é preciso separar a transgressão da norma, da repressão criminal. A primeira, não

induz automaticamente à segunda. Entre ambas, existe a necessidade da ação desenvolvida ser

declarada uma ação delinquente, uma ação criminosa, uma ação antisocial e injustificada.

Esse reconhecimento é fruto de um processo bem sucedido, através do qual o autor do fato é

reconhecido como o responsável pelo ato de incivilidade e por isso, em resposta é afirmada a

necessidade da aplicação de uma sanção. A aplicação dessa sanção, em reconhecimento ao ato

criminoso, é um ato singelo, contudo, o processo de reconhecimento da necessidade de

aplicação dessa pena é muito complexo e pode variar de acordo com o crime praticado.

A sociologia do crime em estudo pode ser direcionada para a explicação da repressão

penal e a eventual sanção através da aplicação de uma pena, que, ao mesmo tempo, funciona

como resposta ao ato praticado, mas sem perder o seu interesse pela prevenção de novos

delitos e a evitação da prática da reincidência. Como ponto extremo dessa construção

sociológica, com uma perspectiva menos voltada para o crime e a avaliação das práticas

jurídicas, permitir-se-ia uma descrição da dinâmica dos atores sociais em torno de toda a

estrutura penal montada para aquela finalidade. Nos casos de violência intencional com

vítimas diretas, mortais ou não-mortais, o único ator investido do poder constitucional de

decidir se uma determinada situação concreta vem a se adequar perfeitamente as prescrições

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normativas penais é o “juiz leigo”, que põe em prática um julgamento não obrigatoriamente

verticalizado nas normas jurídicas, e que eventualmente pode até abjurar a lei penal. Essa

forma de atuação representa o paroxismo dos julgamentos sociais.

A pesquisa que se propõe permite uma análise concreta do papel de um dos principais

atores do processo penal. Um ator não profissional e não pertencente a nenhuma das agências

institucionalizadas e voltadas para a repressão penal, atua de forma “leiga” no processo de

incriminação secundária31

(momento da repressão penal), nas situações que expõe vítimas

eliminadas ou ainda nos casos em que essa eliminação seja tão somente tentada. Essa mesma

análise, ainda vai, certamente, revelar aspectos intrínsecos a esse processo que as instituições

penais oficiais desconhecem ou simplesmente ignoram. Esses dados que se localizam em uma

zona cinzenta da face do crime, pode revelar aspectos peculiares a determinadas populações,

locais onde se concentram determinados atos de violência, perfis dos condenados e das

vítimas, perfil dos tomadores de decisões, maneiras de viver, as influências culturais, a força

dos estereótipos, etc. Esses dados, dentro de uma perspectiva mais ambiciosa, podem figurar

como ferramentas preciosas para o processo de construção do entendimento desses

julgamentos sociais e do valor dissuasivo da lei penal e das penas que a mesma prevê para os

seus violadores.

A Sociologia quando entra na cena do crime vai procurar explicar a desordem reinante,

os desvios e as causas do descontrole social momentâneo. Entretanto, além de investigar a

razão pela qual o agente do crime (homicídio voluntário) agiu de determinada forma, outro

viés pode ser vislumbrado quando se busca analisar a gênese dos julgamentos sociais sobre

esse aspecto particular do comportamento humano. O crime é um comportamento valorado e

tipificado pelo Direito, que supostamente impõe ao seu autor (comportamento tipificado) uma

sanção específica. Mas em que situações o comportamento do autor ensejaria uma punição?

Existe homogeneidade comportamental no Direito legislado? O Direito penaliza classe de

comportamentos?

O Direito não penaliza todo tipo de violência, mas certas formas de violência e sob

determinadas condições. Essa referência ao Direito vai permitir estabelecer limites específicos

31

O processo de incriminação primária ocorre quando o juiz, diante da constatação de indícios de autoria e prova

da materialidade, prolata uma sentença de pronúncia e remete o acusado para ser julgado pelo Tribunal do Júri.

No Tribunal é necessário que o Conselho de Sentença reconheça o evento como uma transgressão à lei e atribua

ao acusado a sua responsabilidade, permitindo assim que o magistrado possa aplicar uma pena privativa de sua

liberdade.

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e critérios rígidos para fixar que tipo de conduta deva ser analisada ou julgada pela Sociedade.

Noutro passo, pode-se pensar se o Tribunal do Júri ao realizar um julgamento social pode

transpor os limites das definições jurídicas? Quando essa transposição é possível? Quais os

critérios utilizados para essa transposição? Quais seus limites? Essa possibilidade de se evitar

a incidência de uma norma jurídica obedece a algum tipo de lógica? O crime é de fato um

comportamento, contudo, um julgamento social não vai apenas levar em consideração a

definição de crime a partir da valoração feita pela norma penal, mas essencialmente o

comportamento desse ator social, assim como de sua eventual vítima, estendendo-se,

inclusive, ao comportamento dos profissionais do Direito Penal. Esse conjunto de

possibilidades vai afastar a influência exclusiva da norma jurídica penal na análise da ação

social.

É comum a Sociologia do Crime se estabelecer sobre um objeto que valorize o crime, o

autor, a vítima, as instituições penais e seus castelos da desordem civil com suas tecnologias,

mas é possível abrir uma avenida diferente e transitar sobre os julgamentos sociais desses

fatos. A estatização política dissipou a vingança e consolidou o sistema de penas como forma

de controlar os atos de violência. Foi atribuído ao Estado-juiz, poder público autônomo e

legítimo monopolizador da força repressiva dentro de um território, a incumbência de analisar

e decidir sobre a aplicação de penalidades, depois de cessado o confronto entre o poder

público e o causador da ação (processo). Esse processo é organizado de acordo com certas

formalidades e funciona como elemento diferenciador entre a pena e a simples e pura

violência.

Todavia, não só os aspectos legais e formais vão influenciar no processo de tomada de

decisões. Também não é possível acreditar que esse processo seja idêntico em todas as

sociedades do mundo moderno. De acordo com o tempo e o lugar, esse processo pode sofrer

variação, principalmente por que recebe influência dos elementos culturais percebidos e

colocados em práticas por um determinado grupo social. A realidade local deve ser levada em

consideração para essa análise.

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2.3 A criminalidade moderna e a exclusão social como potencial variável nos

julgamentos sociais

Os estudos de Jock Young sobre exclusão abordam o fenômeno em três níveis: exclusão

econômica e dos mercados de trabalho, exclusão social e exclusão do sistema de justiça

criminal. Esses estudos permitiram que concluísse que a vida moderna recente causa um

estado de “insegurança ontológica”. “Devido a essa insegurança ontológica, há tentativas

repetidas de criar uma base segura, isto é, de reafirmar valores como absolutos morais,

declarar que outros grupos não têm valores, estabelecer limites distintos do que é virtude ou

vício, ser rígido em vez de flexível ao julgar, ser punitivo e excludente em vez de permeável e

assimilativo” (YOUNG, 2002, p. 34-35).

Esse fenômeno também foi percebido por Anthony Giddens quando estudou os perigos

que os riscos específicos causam à modernidade.

De que maneira este elenco de riscos interfere na confiança leiga em sistemas peritos

e nos sentimentos de segurança ontológica? A linha de base para a análise tem que

ser a inevitabilidade de viver com perigos que estão longe do controle não apenas

por parte de indivíduos, mas também de grandes organizações, incluindo os estados;

e que são de alta intensidade e contêm ameaça de vida para milhões de seres

humanos e potencialmente para toda a humanidade. (GIDDENS. 1991, p. 133).

O aumento das taxas de criminalidade, com raízes deitadas no aumento das privações

por recursos econômicos e no crescente individualismo, vai levar a uma mudança de atitude

por parte do poder público, tanto no desenvolvimento do aparato de controle ao crime quanto

nos níveis de tolerância em relação à prática de desvios de conduta. Essa tendência moderna,

segundo o pensamento de Young, vai alimentar o que ele chama de “medo público do crime”,

passando a gerar padrões de evitação. O crime gera exclusão, cujo impacto vai variar de

acordo com a idade, classe, gênero, etnia (YOUNG, 2002, p. 37).

A emergência de uma modernidade recente trouxe consigo a precariedade do emprego,

fragilizou a estrutura familiar, disseminou a influência de outras culturas, produziu mudanças

significativas no crime e nas suas formas de controle. Certamente, estabeleceu conexões do

crime com o trabalho, com o lazer, com a utilização de espaços públicos e privados, com as

relações familiares, com as relações de gênero e as relações étnicas. É significativa a

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constatação da alteração da densidade do crime. O crime deixou de ser um fenômeno

invulgar, para se constituir num fato marcante e recorrente que se incorporou à vida cotidiana

moderna. O crime preocupa a todos e se estende a todas as áreas da cidade, marginalizadas ou

não, excluídas socialmente ou não e, provoca o medo e o consequente confinamento.

O Estado para tentar minimizar os efeitos do avanço da criminalidade, aumentou as

privações de liberdade e aperfeiçoando técnicas para impor maior controle aos cidadãos. Tais

medidas têm se mostrado anódinas em conferir a tranquilidade social desejada. A coerção

estatal torna-se uma necessidade da vida cotidiana. Os investimentos cada vez mais crescentes

de recursos públicos não foram eficazes para impedir o avanço do crescimento das taxas de

criminalidade. A busca pela solução para o problema do controle da criminalidade atingiu a

sociedade de forma direta, que passou a perceber a criminalidade como uma realidade

bastante viva e apta a alcançar suas vidas, a qualquer momento e em qualquer lugar, e não

mais como algo distante que só a atingia de forma incidental. Nesse sentido, aumentam-se os

gastos com segurança pessoal, trancas, cercas elétricas, muros, blindagens, grades, etc. Até o

próprio poder público vira refém dessa forma de combate à criminalidade. Finalmente,

destaca-se que a criminalidade passa a ser uma questão central de interesse social.

A disseminação da criminalidade, cujos números reais sempre superam as cifras

oficiais, fez surgir o fenômeno da “cotidianização” do crime, cuja experiência passou a ser um

evento normal, em vez de se constituir num evento excepcional na vida das pessoas, levando

o crime quão distante ele possa ir. O crime chegou à família e ao ambiente doméstico, mas

quanto mais íntimo o local escolhido para a sua prática e quanto menos a visibilidade social

da vítima, mais este crime permanece oculto e invisível. O perigo não mais vem

exclusivamente de fora da família e o criminoso deixou de ser visto apenas como um

forasteiro, um intruso. A contabilidade oficial não o alcança e a repressão penal também não.

Portanto, a criminalidade é muito mais comum e abrangente do que se possa comprovar.

A discussão dessas várias questões sobre a criminalidade com a Criminologia e também

com integrantes de movimentos sociais externos à Criminologia, com destaque para grupos

feministas, ajudaram com suas pesquisas e conclusões, a entender e situar melhor a

criminalidade, a partir da revelação de aspectos até então ocultos da vitimização das mulheres

em toda a estrutura de classes. O fruto dessas discussões levou Young a outro estágio da

problematização do crime. Passou a questionar o que é um “fato criminoso” e como é

construída nossa noção de crime (YOUNG, 2002).

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Observou que, a noção de crime para o modernismo era óbvia. Entendia o crime como

um fato objetivo, descrito de modo mais ou menos preciso, e com dimensões especificamente

estabelecidas para o seu proporcional avanço. Exemplificou: “uma casa arrombada, uma

pessoa atacada, um caro roubado”. A objetivação do crime passou a ser questionada, por

teóricos rotulacionistas, a partir da década de 1960. Para os teóricos rotulacionistas:

... a quantidade de crime, o tipo de pessoa e de infração selecionados para serem

criminalizados, e as categorias usadas para descrever e explicar os desviantes são

construções sociais. O crime, ou desvio, não é uma coisa “objetiva” que lá está, mas

um produto de definições socialmente criadas: o desvio não é inerente num item de

comportamento, mas é aplicado a ele pela avaliação humana. Para tomar dois

exemplos, matar alguém pode ser um ato de heroísmo se cometido por policiais ao

enfrentar ladrões armados, ou pode ser um ato de extrema imoralidade se cometido

pelos ladrões. Injetar morfina pode ser um ato legal de ditosa necessidade se

empreendido por doentes terminais, e pode ser um ato evocador de, todos os poderes

proibitivos do Estado se cometido por um viciado de rua. Mas estes são contrastes

extremos; a realidade, na verdade, consiste de uma série de gradações definidas.

Assim, as definições sociais do que é criminalmente violento consistirá de um

gradiente indo do gravemente violento ao não violento e irá mudar, com o tempo, à

medida que mude a sensibilidade do público com a violência. Por isso, determinar

qual é a taxa “real” de violência na sociedade envolverá duas questões: que

mudanças de comportamento podem ser consideradas violentas, e que mudanças há

na tolerância do público à violência? (YOUNG. 2002, p. 68).

Esse reconhecimento que o autor chama de natureza diádica da criminalidade passa a

ser o centro da problematização da criminalidade, pois vai se afastar da distinção crime/não

crime e se aproximar da percepção de um comportamento tolerado e um comportamento

criminalizado. Assegura que o ponto de corte vai variar entre grupos sociais diferentes e

tempos diversos. Fornece como exemplos. Qual a intensidade de um tapa que deve provocar

sanções criminais? Em que ponto apropriar-se do patrimônio de uma pessoa se torna roubo?

Em conformidade com a situação exposta, o conceito formal de crime passou a ser contestado

e foi submetido a um debate público. Esse estágio no desenvolvimento do conhecimento vai

permitir a aplicação dos princípios da sociologia jurídico-penal sobre os aspectos da noção do

desvio e a necessidade de sua repressão social.

O projeto social democrático de estender cidadania plena à crescente população

brasileira não atingiu os objetivos propostos, embora tenham sido inseridos na atual carta

constitucional, pelos legisladores, direitos de ordem política, legais e sociais em uma extensão

e profundidade jamais vistos. Todavia, os direitos sociais catalogados no art. 6º da

Constituição Federal de 1988, que confere a qualquer cidadão brasileiro direito à saúde, ao

trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à

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infância e a assistência aos desamparados, jamais foram efetivamente conquistados. Esses

direitos que formam a base de sustentação da noção de cidadania só existem formalmente e

ainda não foram incorporados substantivamente à sociedade.

Nas economias mais fragilizadas do mundo globalizado, onde prevalecem a escassez de

emprego e as constantes reestruturações dos postos de trabalho, a má distribuição de renda, a

especulação econômica do capital e os riscos eminentes de recessões, constata-se a existência

de intermináveis bolsões de pobreza, marcando significativamente as desigualdades sociais.

Não é possível fechar os olhos para a realidade de que existe uma relação de causa e

consequência entre cidadania e criminalidade. O observador que alcança a ordem social como

justa e que está integrado às instituições sociais do trabalho, da família, do sistema legal, do

sistema econômico, percebe o outro, o indivíduo desviante, como alguém a quem faltam os

valores e os atributos sociais mínimos que permitam uma adequada socialização ou

civilização.

Ao comentar a transição da modernidade para a modernidade recente, Jock Young

destaca que a sociedade que era baseada na tônica da assimilação e incorporação, cedeu

espaço para a separação e exclusão, de forma a tornar possível a produção de consequências

tanto na esfera da comunidade (crescimento do individualismo) quanto na esfera do trabalho

(transformações do mercado de trabalho). Esses aspectos vão influenciar nas concepções de

cidadania, no desenvolvimento da criminalidade e nas formas de seu controle (YOUNG,

2002). Os mercados de trabalho cada vez mais limitam a participação do trabalhador e ao

mesmo tempo exercem um poder fantástico que implica no aumento das necessidades de

consumo. Cada vez mais um segmento maior da população ingressa no grupo onde

prevalecem as privações relativas, as disparidades sociais, a pobreza em massa, a ausência de

uma rede adequada de proteção social e o peso do desemprego só aumenta. Alarga-se a

distância entre a base e o topo da nossa estrutura de classe.

No mundo material, esse sentimento de “privação relativa” identifica a percepção de

discriminação e de injustiça social e reflete o baixo nível de bem estar pessoal em virtude de

uma avaliação negativa da particular situação do indivíduo ou do grupo dentro do contexto

social. Portanto, “a Privação é uma resposta avaliativa, cognitiva e emocional de um

indivíduo que acredita que os recursos por ele recebidos, não são compatíveis com o que o é

percebido como justo receber”. De igual forma, “a privação relativa pode ser destacada,

inclusive em relação aos salários, assim entendida como a comparação entre aquilo que o

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exogrupo recebe ao nível dos salários com aquilo que o endogrupo recebe” (LIMA; VALA,

2003, p. 51-76).

Por isso, esse sentimento vai se tornar uma poderosa fonte de desvios comportamentais.

O descontentamento com a fragilidade da situação social, a frustração das aspirações,

configurada pela desigualdade no mercado de trabalho e pela percepção de uma cultura de

privilégios e recompensas sem correspondente justificativa ou mérito e o desejo de consumo,

pode levar a uma diversidade de respostas, dentre as quais, respostas de natureza criminosa.

As privações relativas vão atingir com mais força os desempregados e os trabalhadores

desqualificados e aqueles que deveriam ingressar nesse mercado. Homens jovens, diante

dessa ausência de reconhecimento e em presença de uma total falta de destino, se unem e

criam culturas próprias, baseadas na força física, para a defesa de seus próprios interesses, de

forma a permitir visibilidade e respeito (YOUNG, 2002). Esses excluídos formam grupos e

chegam a criar divisões de acordo com interesses específicos, local de atuação, times de

futebol de preferência. Esses grupos são excluídos, mas por sua vez também são excludentes.

As mudanças na esfera da produção e do consumo vão influenciar nas causas da

criminalidade e nas reações operadas sobre ela. O estado de insegurança ontológica do qual se

fala, conduz a diminuição do nível de tolerância com o desvio, derivando numa maior rigidez

no ato de julgar. O aumento da criminalidade gera toda uma série de preocupações e cria

obstáculos para administrar o controle do crime. Algumas medidas merecem destaque, tais

como: privatização de espaços públicos, fortificação de residências e prédios comerciais,

ampliação do exército da segurança privada, intensificação das rondas públicas, instalação de

câmeras de vigilância nas vias públicas, blindagem de veículos, dentre outras. Esses sistemas

de exclusão são utilizados pelo Estado e pelos cidadãos, ricos e pobres, como forma de impor

limites à violência que avança com muita rapidez, ao mesmo tempo em que apontam para a

ineficiência das redes de controle social.

Assim, dentro da mesma cidade, são levantadas barreiras e obstáculos, são estabelecidos

limites, enfim, criam-se áreas nitidamente demarcadas por fronteiras que não são físicas, mas

sim morais, a partir do poder econômico e do status do grupo nuclear. Os limites são

claramente perceptíveis, pela falta de pavimentação nas ruas, falta de esgotamento sanitário,

serviços deficitários de energia e água, ausência do serviço público de coleta de lixo, precária

iluminação pública, ausência de espaços públicos de lazer ou a constatação do estado de ruína

desses espaços, ausência de patrulhamento ostensivo de segurança regular, faltam escolas em

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quantidade e qualidade, faltam serviços públicos de saúde; logo, prevalece um estado de

desordem social. Esses grupos que se encontram na periferia das cidades organizadas, passam

a ser estigmatizados e responsabilizados pelos problemas sociais existentes. Nessa subclasse

supostamente prevalecem o ócio e o crime.

Essas áreas, até a pouco identificada como áreas “marginalizadas”, hoje são entendidas

como áreas de “exclusão social”, passam a abrigar os mais pobres da cidade, com suas mães

solteiras, com seus pais alcoólatras, suas famílias desajustadas, jovens ociosos, comércio de

drogas e objetos provenientes de furto e roubo. Do lado de dentro dessas fronteiras, a

igualdade social e a cidadania não são observadas. Funciona como se fosse uma espécie de

seleção social, separando os indivíduos “vitoriosos dos vencidos”. Ao longo do tempo, são

lançados estereótipos e criados estigmas sobre esses grupos, que passam a ser assediados

pelas agências de controle da violência. É a segregação espacial e social das pessoas

economicamente marginalizadas.

Assim, a exclusão e a estigmatização são mecanismos poderosos que permitem afirmar

a superioridade entre pessoas e entre grupos. A estigmatização no plano individual é

classificada como preconceito. A estigmatização grupal não leva em consideração as

qualidades individuais do cidadão, mas tão somente a sua condição de pertencimento a um

determinado grupo coletivamente considerado. Esse grupo estigmatizado é visto como

diferente e inferior ao próprio grupo estigmatizante. Sobre esses grupos, recai o estigma de ser

mais apto ao desrespeito às leis e às normas.

Essa “sociodinâmica da estigmatização”, promovida por grupos bem estalados em

posições de poder, foi descrita por Norbert Elias e John L. Scotson sob o rótulo de

estabelecidos e outsiders. O descrédito coletivo, que é atribuído a grupos minoritários por

outros mais poderosos, tem raízes profundas nas estruturas da personalidade dos seus

integrantes que passam a fazer parte da sua personalidade individual, portanto, difícil de

serem dissipadas. É possível que pelo simples fato de morar em determinado bairro um

indivíduo possa ser tratado, entendido e julgado de acordo com a imagem que os outros façam

do bairro. A imagem do grupo ao qual pertence passa a ser uma espécie de capital social

pessoal para o próprio indivíduo. O processo de atribuição de falhas e qualidades positivas a

indivíduos, ainda que nada façam para merecê-los, pelo simples fato do seu estado de

pertencimento a determinado grupo é um fenômeno universal (ELIAS, 2000, p. 131-32).

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Será mostrado mais adiante, comprovando que a maior incidência da criminalidade de

homicídio abrange as zonas onde se concentram os “bairros problema” ou “periféricos”. Um

único bairro, sozinho responde por 17,5% dos crimes ocorridos na Capital no período

compreendido pela pesquisa. A identificação do indivíduo com o bairro, sua origem, suas

relações de pertencimento, quando aliado a outros aspectos que evidenciam desníveis sociais,

certamente, produzirá um efeito impactante nos julgamentos sociais.

É utópico pensar em uma sociedade que se estabeleça sobre bases sólidas de igualdade

plena, mesmo nas sociedades ditas “democráticas”, só é possível afirmar que o nível de

desigualdade é menor ou o nível de igualdade é maior. Dentro de uma realidade social podem

conviver, nem sempre em harmonia, grupos ou classes sociais muitos longe de serem iguais.

Alguns parecem que pertencem a mundos diferentes e mantêm certa distância social. A

delinquência social, a violência urbana e os múltiplos distúrbios são atribuídos aos integrantes

dos “bairros sensíveis”, que funcionam como pólos de irradiação, cujas principais vítimas e

primeiros culpados presumem ser seus habitantes. Na tentativa de conter o avanço dessa

violência, o estado adota políticas públicas, cujo objetivo é “civilizar a cidade”, a partir da

ideia base de que a “desordem” é oriunda das classes pobres e que é nesse meio que prolifera

o crime, promovendo, portanto, o isolamento desse segmento social. Assim, certamente, se

inicia um processo de “evitação” e se fragiliza a coesão social.

Com efeito, esse isolamento, que Jock Young chama de “cordão sanitário”, vai se

mostrar incapaz de proteger o cidadão “honesto” contra os atos de incivilidade e de desordem.

A ideia de que o crime é cometido por um estranho não é acertada, pois o crime está mais

próximo do que se imagina, às vezes ele está dentro de casa, está na própria família. Nesse

sentido, serve como exemplo os casos de violência doméstica e os casos de abusos sexuais.

Merecem registro os crimes do colarinho branco, criminalidade essa que vai se alastrar no

lado mais civilizado da sociedade. A criminalidade deixou de ser observada, exclusivamente,

nas classes mais baixas. A violência está amplamente difundida em toda a estrutura de

classes, tornando-se extensiva e normal.

De Nova York, surgiu para o mundo, e para ele se alastrou rapidamente a doutrina da

“tolerância zero”, como instrumento legitimador da gestão policial e atuação judiciária da

pobreza que incomoda, que causa incidentes e desordens nos espaços públicos, que alimenta

uma profunda sensação de insegurança (WACQUANT, 2001). Em contrapartida, se resguarda

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os interesses e a “qualidade de vida” daqueles que sabem se comportar em público, não são

pobres, não vivem em desordem, portanto, não são fomentadores do crime.

Ao mesmo tempo, adota certa “cultura da indulgência”, que desresponsabiliza os

indivíduos que atuam na criminalidade do colarinho branco. Essa criminalidade de

predominância econômica é realizada por ocupantes de cargos e posições sociais de prestígio

e elevado status. Esse segmento da população, de comportamento amplamente desviante,

pertencente a grupos economicamente fortes e poderosos, é timidamente perseguido. Nesses

casos, as poucas e mínimas sanções aplicadas causam pouco ou quase nenhum efeito

estigmatizante. Ainda não se observa a formação de nenhum estereótipo típico dos infratores,

que norteie o funcionamento da ação das agências de controle da criminalidade.

As estatísticas oficiais induzem a uma falsa percepção de que a criminalidade é um

fenômeno que se concentra principalmente nos estratos mais inferiores, nas consideradas

ruínas sociais, em detrimento de uma subrepresentação dos estratos superiores. Se o desviante

possuir uma condição social que o aproxime das camadas inferiores da população ou

pertencer a uma família socialmente desajustada, o seu comportamento tem maior

probabilidade de ser definido como desviante ou criminoso, por parte daqueles que não

pertencem a esse estrato social, e de igual forma pelas agências constitucionais de controle da

criminalidade do que se o mesmo comportamento fosse tomado por outra pessoa que

pertencesse a outra classe social.

Nesse aspecto, concorda-se com Michel Misse quando afirma que entre as classes e os

indivíduos existe uma “distância social”, que funciona mais como uma forma de se praticar,

operar e representar as relações de poder de uma determinada sociedade do que um aspecto

simplesmente cultural. A identificação e a indiferença em relação ao outro vai se constituir em

aspecto importante dos julgamentos sociais. Merecem destaque os seguintes aspectos

característicos:

Distância social desregulada e práticas crimináveis recorrentes constituirão, por sua

vez, o principal núcleo de mobilização para a incriminação dos indivíduos acusados

e para a constituição da sujeição criminal da modernidade. A autodemanda subjetiva

de incriminação torna plenamente justificável, de um ponto de vista público, a

mobilização interna para efetuar a denúncia, diferentemente do que se passa entre

atores que partilham um mesmo ambiente privado ou de vizinhança, onde outros

fatores podem intervir para atenuar ou modificar essa mobilização. Quando a

transgressão, cuja criminação é socialmente justificável, desliza para a subjetividade

do transgressor e para sua individualidade, reificando-se socialmente como caráter

ou enquadrando-o num tipo social negativo, constitui-se o que propomos chamar de

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sujeição criminal. Essa noção parece-me tanto mais interessante quanto maior for a

capacidade do poder de definição de antecipar (ou prever) a adequação da

incriminação a um indivíduo e de construí-lo como pertencente a um tipo social.

Amplia-se a sujeição criminal como uma potencialidade de todos os indivíduos que

possuam atributos próximos ou afins ao tipo social acusado. (MISSE, 1995, p. 06).

O processo de incriminação de um suposto autor de um comportamento desviante

adquire condições mais eficientes para remoção dos obstáculos a essa incriminação, de forma

a permitir a sua sujeição criminal, na proporção em que se aumenta o grau de exclusão e

segregação social. O que torna esse fenômeno possível é a maior separação ou distanciamento

entre o observador e o desviante. Uma maior proximidade social entre ambos permitiria

deixar falar alguns aspectos da cultura e da realidade social local, comum aos dois,

funcionando assim como um colchão amortecedor do processo de sujeição criminal.

Certamente, uma maior distância entre ambos dificulta a percepção e compreensão dessa

diversidade social.

O pensamento de Michel Misse, discutido em artigo intitulado as cinco teses

equivocadas sobre a criminalidade urbana no Brasil, registra essa preocupação. Faz uma

crítica à tese de que a pobreza é causa da criminalidade ou do aumento da violência urbana.

Embora destaque a ingenuidade dessa tese, admite que ela se generalizou no imaginário

social.

A representação social dominante revela uma expectativa racional, amplamente

difundida, de que privação relativa e pobreza extrema podem conduzir ao crime.

Essa representação social não é exclusiva dos não-pobres e parece como um account

perseverante, direta ou indiretamente, nas pesquisas qualitativas (MISSE, 1995, p.

05).

No imaginário, segundo Misse, a ruptura entre as pequenas incivilidades e desvios “que

todos fazem” e ninguém pune e o que é “violência”, “crime”, é marcado por uma

extraordinária sinalização em direção às “minorias pobres”, a tal ponto que é legítimo se

perguntar (no próprio plano da representação social) por que a maioria dos pobres não se

transforma em criminosos.

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2.4 Dos julgamentos sociais

Para a penalização de qualquer protagonista de um crime de homicídio, é necessário que

a eventualidade da norma seja reconhecida de forma direta. Esse processo de “justicialização”

é confiado a uma instituição especializada em sua aplicação, mas que é formada, no seu

núcleo de poder, por pessoas não profissionalizadas dentro de qualquer hierarquia repressiva

penal. São esses agentes alheios às formalidades e regras jurídicas que são os responsáveis por

fazer surgir a necessidade de uma penalização. A dinâmica em torno da fonte desses

julgamentos sociais percorre alguns elementos intrínsecos a esses atores sempre presentes em

tais situações. O autor geralmente procura afastar a criminalização da sua conduta. Conta

como principal estratégia afastar a visibilidade do seu ato. Não sendo possível vai procurar se

servir de outras estratégias para impedir a penalização ou para atenuar os seus efeitos. Age

assim, quando procura dividir, com a vítima, as responsabilidades pelo ato.

Uma das técnicas utilizadas para a justificação do comportamento desviante é a “técnica

da neutralização”, descritas por Gresham M. Sykes e David Matza (citados em BARATTA,

2002), através da qual se procura afastar a eficácia do controle social sobre o comportamento

avaliado. Essa técnica se compõe de alguns tipos fundamentais. Em primeiro lugar, a exclusão

da própria responsabilidade, através da qual o autor do comportamento desviante procura

justificar sua ação em razão de fatores situacionais, com isso procura esquivar-se do sistema

normativo. Em segundo lugar, procura negar a ilicitude do fato, o desviante interpreta suas

ações de forma a relativizar o seu comportamento, não nega o ato, mas sustenta que aquela

ação não tinha a intenção de atingir tal objetivo e sim outro de intensidade e gravidade menor.

Em terceiro lugar, nega a possibilidade do processo de vitimização, através do qual vai

sustentar que a vítima mereceu o tratamento sofrido e que na realidade a ação não representa

uma injustiça contra ela e sim uma punição justa. Em quarto lugar, adota a postura de

condenar aqueles que procuram a sua condenação, lançando críticas às instituições oficiais

destinadas à repressão ao crime ou aos seus integrantes, alega que a Polícia é corrupta e

excessivamente violenta, que o Ministério Público é silente diante de determinadas situações e

só tem preocupação com a condenação (BARATTA, 2002, p. 78-79). No sentido oposto, a

vítima ou quem aja em seu nome, entendendo que o comportamento corresponde às

adequações do Direito Penal, procura protagonizar a viabilização do processo de

“justicialização”, que tem como consequência a aplicação de uma sanção.

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Nessas situações de conflito estabelecido entre a penalização e a inimputação, a questão

central do poder é de definição. É a questão de quem, com que recursos legais e intelectuais,

passa a decidir o que conta como “conduta ilegal”, o que conta como “conduta legítima”, e o

que deve contar como “pena”. A questão se volta para determinar quem é responsável pelo

comportamento julgado e quem tem que carregar o fardo de pagar pelos danos constatados.

Essa batalha sobre as regras de evidência e as leis de responsabilidade, no fundo instala um

verdadeiro duelo que se estabelece e se consolida entre a ideia de que alguém é responsável e

a ideia de que outrem é responsável. Nesse momento crucial é a comunidade democrática,

representada pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que assume a responsabilidade

coletiva, porém diante de um silêncio individual, de chegar a um pronunciamento definitivo

sobre um acontecimento, mas da forma como ela o vivencia e o percebe. É a soberania do

júri. É o seu julgamento social.

Na base dos julgamentos jurídicos está a lei e a sua perfeita adequação ao fato. Na base

dos julgamentos sociais, de maneira diversa, está a forma como o fato é percebido e como o

comportamento avaliado é explicado. Nos casos levados a julgamento no Tribunal do Júri a

forma como o ato de matar alguém é explicado pode ensejar a conclusões diversas, tais como:

homicídio doloso, homicídio culposo, legítima defesa, estrito cumprimento de um dever legal,

dentre outras formas. Portanto, a explicação dos motivos que ensejaram determinado

comportamento pode ser a chave da explicação para determinadas reações e decisões em

relação às pessoas julgadas.

Maria Perpétua Socorro Dantas Jordão partindo das experiências vivenciadas no

Tribunal do Júri de Caruaru/Pe, procura explicar de que forma a teoria minimalista da

democracia é utilizada para produzir o que ela chama de “vontade manufaturada das

decisões”. Para tanto, transfere elementos presentes na teoria minimalista da democracia para

as decisões do Tribunal do Júri, procurando mostrar que existe uma espécie de “minimalismo

jurídico” nesse Tribunal, se assemelhando a ideia schumpeteriana da democracia (DANTAS

PERPÉTUA, 2006, p. 40).

Destaca de forma negativa a ausência de iniciativa do corpo de jurados em fazer valer as

prerrogativas de buscar examinar as provas do processo com maior cuidado e a inexistência

de interesse em se produzir um voto com base na vontade genuína (baseada em provas

processuais), em detrimento de um voto exteriorizado com base na vontade artificial

(produzidas pelo discurso e outros fatores processuais). Assegura “que o discurso bem

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construído em plenário, torna-se um fator primordial para moldar o convencimento dos

jurados de modo que não hajam dúvidas a serem tiradas, questionamentos a serem levantados

ou provas a serem abertas nos autos, pois tudo já foi dito e não há controvérsia a serem

esclarecidas”. Vislumbra nesse modelo de julgamento um impasse que rotula de problema.

O grande problema do júri, assim como Schumpeter assinalou do ponto de vista das

massas, em se tratando da escolha política, é que não havendo uma vontade

unicamente determinada, deveria haver pelo menos uma vontade individual, um

animus genuíno que fizesse o cidadão escolher entre duas plataformas distintas,

entre duas teses. E repousa justamente aí um dos principais problemas, tanto na

escolha política quanto na escolha pelo veredicto, a incapacidade do cidadão comum

formar sua própria opinião, refletir e deliberar sobre questões de natureza tão

complexa e distantes do seu cotidiano, de forma que a expressão de sua vontade

política ou de sua vontade jurídica (do ponto de vista do seu voto como jurado),

sejam baseadas não numa reflexão lógica e articulada com a realidade das situações

que lhes são colocadas, mas baseadas na propaganda e no discurso que lhes parecer

mais “palatável”. Esse resultado final de sua ação é o que Schumpeter chamou de

vontade manufaturada. (DANTAS PERPÉTUA, 2006, p. 44-5).

Entendemos como imprecisa a abordagem que traduz a afirmação de que os jurados são

incapacitados a se prestarem a uma reflexão lógica dos fatos, e dessa reflexão possam extrair

uma posição coerente e que represente a sua vontade individual. Acredito ser cabível, uma

discussão mais aprofundada, sobre a afirmação de que as questões discutidas nos julgamentos

populares sejam questões “de natureza tão complexas e distantes do cotidiano” dos

julgadores, que os impeçam de formar um juízo de valor baseado na coerência e na lógica. A

aludida complexidade pode ser articulada de duas formas distintas: uma que pode estar

distante da realidade dos julgadores, que é a realidade jurídica, eis que eles não precisam ter

formação jurídica, como pré-requisito à função de jurado; e outra que pode estar muito mais

próxima do que se imagina do julgador social. A morte violenta é um dos principais dramas

da vida humana e não passa despercebida da cultura diária do cidadão médio. Esse verdadeiro

ato de perturbação social está, ao contrário do articulado, muito próximo do julgador social.

Pode estar dentro da sua família, na sua vizinhança, no seu trabalho, na sua coletividade,

enfim, pode estar presente em qualquer lugar, pois atinge todo o meio social. Esta “norma”

que regula o comportamento dos indivíduos de maneira empírica é reconhecida

genericamente como uma “norma” válida para a regulação dos relacionamentos dos cidadãos

entre si.

O crime de homicídio faz parte da realidade cotidiana dos membros ordinários de uma

sociedade, pois subjetivamente essa conduta é dotada de um sentido de reprovação social. De

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acordo com Peter Berger e Thomas Luckmann a “vida cotidiana divide-se em setores que são

aprendidos rotineiramente e outros que se apresentam a mim com problemas desta ou daquela

espécie” (BERGER; LUCKMANN, 2004, p. 41). E quando isso acontece, o observador

procura transportar esse “outro mundo” para a sua realidade da vida cotidiana dotada

subjetivamente de sentido. Talvez a questão central seja saber como o conhecimento teórico e

as construções intelectuais dos operadores do direito podem influenciar a realidade do senso

comum do observador social.

A realidade social é formada por várias interações concretas entre os indivíduos. Essa

realidade não é algo que se possa conhecer sobre o plano objetivo, mas é o produto de uma

“construção social”, alcançada através de um processo de definição e tipificação, por parte de

indivíduos e grupos variados, para o qual concorre a linguagem. Perceber essa realidade social

significa perceber, a partir dos simples comportamentos, as mais complexas construções

sociais. Para o direito penal e para os juristas, a definição de um comportamento criminoso é

aquele que pode ser mensurado de forma objetiva. É qualquer ofensa ao sistema de normas e

valores sociais previamente estabelecidos, que qualquer pessoa pode transgredir, e que é

definido como crime a partir da crença, universalmente partilhada, que deve se fazer presente

na consciência de todos os indivíduos, e de forma imutável. A transgressão ou o desvio dessa

norma ou regra de conduta deve ensejar uma punição.

O Estado monopoliza o exercício legítimo da violência e atribui ao Poder Judiciário

essa função. No entanto, para a aplicação de uma sanção de natureza expiatória, quando a

incivilidade se constituir em crime de homicídio, é necessário uma divisão de atribuições

entre o Estado Juiz e a Sociedade. O caminho que deve ser percorrido para a efetiva reação

social ao desvio praticado, foi muito bem posto e explicado por Michel Misse, o qual

denominou de “processos sociais que materializam a criminalização”, ou seja, a construção

social do crime. Para essa compreensão propõe quatro níveis analíticos interconectados:

1) a criminalização de um curso de ação típico-idealmente definido como “crime”

(através da reação moral à generalidade que define tal curso de ação e o põe nos

códigos, institucionalizando sua sanção); 2) a criminação de um evento, pelas

sucessivas interpretações que encaixam um curso de ação local e singular na

classificação criminalizadora; 3) a incriminação do suposto sujeito autor do evento,

em virtude de testemunhos ou evidências intersubjetivamente partilhadas; 4) a

sujeição criminal, através da qual são selecionados preventivamente os supostos

sujeitos que irão compor um tipo social cujo caráter é socialmente considerado

como “propenso a cometer um crime”. Atravessando todos esses níveis, a

construção social do crime começa e termina com base em algum tipo de acusação

social. (MISSE, 2008, p. 14).

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A primeira fase desse processo é de atribuição do Poder Legislativo. As fases

posteriores são de atribuição exclusiva do Poder Judiciário, com a ressalva feita aos casos de

julgamento dos crimes de homicídio e dos demais crimes dolosos contra a vida. Nesses

acontecimentos é estabelecida uma parceria legal entre Poder Judiciário e a Sociedade. Esta

assume a responsabilidade pela 2ª e 3ª fases, cabendo ao Magistrado tão somente a última fase

do processo de incriminação. Por processo de criminação, entende o autor, o encaixamento do

fato na lei. É o júri que vai avaliar se uma determinada norma geral é válida e aceitável, e se

pode ser ajustada a uma determinada situação específica. Já o processo de incriminação é uma

forma de atribuição de responsabilidades a um determinado sujeito da relação social. “É um

processo-filtro de acusações sociais”, baseados em dispositivos que visam “neutralizar” os

operadores de poder nas ações acusatórias. O autor elenca vários filtros previstos em lei, tais

como: flagrantes, indícios materiais, testemunhos, reconstituições técnicas, e no caso

específico do júri, a dramaturgia do tribunal do júri. Nesse momento, o acusado e seus

representantes, o Estado e a Sociedade reconstroem dramaticamente a transgressão, levando

em conta o comportamento do acusado.

Conforme se viu linhas atrás, a sociologia jurídico-penal estuda os comportamentos que

representam uma reação ante o comportamento desviante, mas também se importa com a

noção do desvio, da sua constituição e da repressão social a esse desvio. Para a percepção de

um comportamento como desvio social, o observador vai aplicar normas gerais, sejam de

natureza ética ou jurídica, em relação a uma situação específica, mas a partir de práticas

interpretativas específicas. Essas práticas estão na base do processo de imputação de

responsabilidade, ou na linguagem de Alessandro Baratta, processo de “atribuição de

etiquetas de criminalidade” (BARATTA, 2002, p. 89), atuando lado a lado com as regras

estabelecidas pelos códigos oficiais.

Para nossas imediatas considerações, atendendo à atuação da instância não oficial de

controle social, pode-se conceber que o fator onde se desencadeia uma reação contra um

comportamento desviante não é o comportamento por si mesmo, mas a interpretação tomada

de sentido e provida de significado por ela realizada. Nesse sentido, ganha relevância o modo

como o comportamento é explicado, conforme destacado por David G. Myers no capítulo que

discute as Convicções e Julgamentos Sociais (MYERS, 2000, p. 41). Por consequência, a

maneira através da qual os membros da sociedade definem um determinado comportamento

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como sendo um comportamento desviante ou criminoso, interessa a Sociologia, e deve

preceder o exame da reação social ao comportamento desviante. Essa reação vai ser

desencadeada quando o comportamento provocar indignação moral, irritação, repugnância,

aversão, asco ou outros sentimentos de rejeição. Esse comportamento deve ser percebido

como antagônico ao comportamento percebido como “normal”, este predeterminado pelas

estruturas sociais, segundo certos modelos de comportamentos, e vinculados ao papel e à

posição de quem atua.

Em suma, a análise do processo de estigmatização de acordo com o senso comum, para

que um comportamento desviante seja imputado a um autor e esse seja considerado como

violador da norma, não é suficiente o simples desvio objetivo, e sim a atribuição de uma

responsabilidade pelo comportamento que se afastou daquele considerado como “normal”.

Esse desvio anormal, para o senso comum, é considerado como crime. Como regra geral, o

desvio será considerado anormal quando: o comportamento avaliado infringir o modelo das

regras socialmente estabelecidas; quando o autor não estava impedido de agir de acordo com

essas normas; quando o autor tinha a perfeita cognição do ato praticado. Analisando essas três

situações que influenciam na atribuição da responsabilidade de desvio criminal, vai-se

encontrar os seus correspondentes, por definição construída pela ciência jurídica, de acordo

com o seguinte paralelo: violação da norma; consciência da ilicitude; dolo.

Neste contexto, a aplicação da teoria “vontade manufaturada das decisões” de forma

incondicional não seria bastante para explicar de forma criteriosa os casos em que o Conselho

de Sentença delibera de uma forma completamente independente. Essa independência pode

ser aferida quando os jurados não se filiam a nenhuma das teses apresentadas em plenário e

deliberam de forma distinta. Restaria-se, ainda, insuficiente para explicar a tomada de posição

baseada em ambas as argumentações evoluídas em plenário. Funcionam como exemplo os

casos em que o Ministério Público articula a condenação do acusado por homicídio

qualificado, por sua vez a Defesa sustenta a tese da negativa de autoria. Diante dessas duas

teses o Conselho de Sentença admite a condenação, mas por homicídio simples. Acolhe a

prática do homicídio, conforme parcialmente vaticinado pelo Ministério Público e acolhe a

negativa da prática da qualificadora, conforme parcialmente profetizado pela Defesa. Formou

sua decisão a partir da aglutinação das duas teses.

Acredita-se que o problema seja outro. Nem sempre os argumentos tomados para

explicar o comportamento são confiáveis ou podem ser comprovados, podendo conduzir, de

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forma quase sempre intencional, a uma interpretação equivocada. É o que a Psicologia Social

denomina de erro de atribuição. A teoria da atribuição, proposta em 1958 pelo psicólogo Fritz

Heider, é processo através do qual se busca encontrar razões e explicações para o

comportamento dos outros. Através dela foi detectado, dentro de um senso comum, que as

pessoas tendem a explicar os eventos rotineiros a partir de duas lógicas. A atribuição de um

comportamento a alguém pode ter como origem causas internas (provocada pela disposição

do próprio indivíduo – lógica disposicional) ou causas externas (ação ou situação que

pressiona para o interior da pessoa – lógica situacional). Interessa à Sociologia essa

metodologia particular, à Psicologia, como a qualquer outra ciência. A Psicologia de forma

concreta pode prestar significativos subsídios para a explicação sociológica do processo de

tomada de decisão no Tribunal do Júri.

A atribuição é considerada disposicional quando atribuímos as ações das pessoas às suas

características pessoais, motivos e intenções próprios. A explicação para o comportamento vai

recair sobre os traços de personalidade. Também pode ser chamada de atribuição causal

interna, processo pelo qual o comportamento de uma pessoa é visto como dependendo de

causas ou fatores que são interiores ao próprio indivíduo, mantendo uma relação direta com

traços de personalidade, humor, atitudes, caráter, etc.

De outro modo, entende-se por atribuição situacional quando atribuímos às ações das

pessoas as demandas situacionais, as pressões ambientais, as condições externas como a

economia do país, a infraestrutura do bairro que mora, ameaça externa, etc. Também é

chamada de atribuição causal externa, que é o processo pelo qual o comportamento de uma

pessoa, assim como o das outras, é assumido como dependendo de causas ou fatores

situacionais, externos à pessoa.

Quando não se faz atribuições precisas, comete-se o “erro fundamental de atribuição”. É

possível observar a ocorrência de erro fundamental de atribuição, quando no julgamento do

comportamento das pessoas são focalizados os fatores disposicionais em vez da própria

situação (fatores situacionais). Em algumas situações, é mais fácil e adequado atribuir

comportamentos à personalidade das pessoas, já que é mais difícil avaliar os fatores

situacionais. Ex.: “É mais fácil chamar uma pessoa de que cometeu um furto de “marginal” do

que considerar os fatores que a levaram a realizar tal ação” (ARONSON; WILSON; AKERT,

2002, p. 75). Quando se explica o nosso próprio comportamento, tende-se a favorecer as

atribuições pessoais internas em favor do sucesso e as atribuições ambientais externas para

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justificar o mau êxito. Essa situação visa a favorecer a nossa autoestima. Ex.: “Se o aluno sai-

se bem na avaliação é porque ele é inteligente e capaz, contudo, se malograr é porque o

professor não ensinou a matéria corretamente ou é muito exigente”. Esses “erros de

atribuição” estão na base das decisões judiciais e se manifestam exponencialmente nas

deliberações do Tribunal do Júri.

Um dos aspectos que levam uma pessoa a ser induzida ao erro de atribuição, por isso

interferindo nos julgamentos sociais, é influência que sofre dos seus elementos de cultura, ao

deixar prevalecer seus dogmas, tendenciosidades, estereótipos e rótulos culturais. A partir do

momento em que uma pessoa afirma uma convicção, essa passa a influenciar a maneira como

ela percebe todas as demais coisas que ocorrem ao seu redor. O erro de atribuição é

fundamental porque direciona a natureza das nossas explicações para o comportamento

observado. Um comportamento negativo ao ser avaliado tende a provocar uma reação mais

compreensiva por parte do observador, quando é explicado pelo viés dos fatores situacionais,

todavia essa reação será mais desfavorável quando a explicação estiver baseada em fatores

disposicionais. Acrescente-se ainda o fato de que o valor da conduta julgada, muitas vezes,

depende do grupo de pertencimento do autor, ser igual ou diferente do grupo do avaliador. Na

verdade, com essas projeções, é possível discutir como raciocina o observador social quando

investiga e avalia um comportamento de outra pessoa.

O julgamento social envolve um processo de informação eficiente, muito embora seja

falível. Também envolve sentimentos como o ânimo do julgador. O ânimo influencia no

modo como vemos o mundo e influencia a interpretação de experiências atuais, podendo

conduzir a julgamentos apressados e baseados em estereótipos. De igual forma, podemos ser

influenciados por exemplos vividos e a partir desses exemplos inferirmos uma verdade geral.

Falsas impressões e falsas convicções podem gerar julgamentos equivocados e estabelecer

graves consequências.

O Tribunal do Júri pode ser pensado como um mundo social de pequenas proporções.

Nesse mundo, são reproduzidas algumas situações que encontramos no mundo real e que são

pertencentes ao nosso cotidiano. As decisões originadas pelas deliberações desse Tribunal

implicam em graves consequências para os envolvidos. Por isso, a dinâmica social observada

no Tribunal do Júri tem destacada importância. David G. Myers ressalta no capítulo que

discute a Psicologia Social no Tribunal que dois conjuntos de fatores têm sido muito

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pesquisados: a) os aspectos do drama no tribunal que têm influenciado os jurados; b)

características dos jurados e suas deliberações (MYERS, 2000, p. 329).

O autor analisou várias etapas observadas nos julgamentos populares de acordo com o

modelo americano e destacou o resultado de diversas pesquisas realizadas em várias

Universidades dos Estados Unidos. Destacou a frequência e o poder persuasivo que os

testemunhos oculares influenciam a mente dos jurados. Enfatizou que os processos com essas

características são mais propensos a produzir condenações, ainda que os jurados possam

atribuir crédito a depoimentos errôneos. Outros estudos também apontam para essa realidade.

“Experimentos sistemáticos têm confirmado que os jurados confiam muito em depoimentos

de testemunhas oculares quando decidem se alguém é culpado ou inocente” (ARONSON;

WILSON; AKERT, 2002, p. 359). Essa forma do julgador perceber a realidade é muito

importante, também para o nosso modelo de julgamento popular, já que a absoluta maioria

dos casos que aqui são julgados todos os anos depende de depoimentos de testemunhas.

Quanto mais confiante for a testemunha, mais credibilidade gera para o julgador.

Contudo, diversas variáveis interferem no processo de percepção de uma realidade e,

portanto vão influenciar tanto na quantidade quanto na qualidade da informação que uma

testemunha poderá memorizar diante de um caso concreto. Logo, não é algo incomum uma

testemunha se equivocar quanto a uma determinada realidade. Difícil é medir o grau de sua

confiabilidade. Em uma última análise não é o juiz, o promotor ou o advogado que vai decidir

se a testemunha informa a verdade. Essa tarefa é atribuída ao júri. Por isso, os jurados e a

maneira como chegam aos seus veredictos despertam o interesse das ciências sociais.

Embora seja o Tribunal do Júri uma instituição tradicional no nosso sistema normativo,

sempre provoca reações adversas, principalmente nos casos que despertam a atenção dos

meios midiáticos, e se questiona o acerto de suas decisões, certamente não menos que os

juízes togados. Naturalmente o sistema do júri não é perfeito, mas poderia indagar. O sistema

judiciário é perfeito? O juiz togado não erra? Problemas podem surgir em qualquer uma das

modalidades de julgamentos, tanto nos genuinamente jurídicos quanto nos julgamentos

sociais com força jurídica.

Elliot Aronson, Timothy D. Wilson, Robin M. Akert destacaram que os problemas que

eventualmente conduz a um mau funcionamento do Tribunal do Júri podem surgir em cada

uma das três fases do julgamento realizado pelo júri: a maneira como os jurados usam

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informações que obtêm antes do julgamento; a maneira como processam informações durante

o julgamento e a maneira como deliberam na sala secreta, depois de apresentada toda a prova

(ARONSON; WILSON; AKERT, 2002, p. 368).

O volume de publicidade de um determinado caso pode conduzir o julgador a um pré-

julgamento. A publicidade emocional pode aumentar a tendenciosidade dos julgadores. Os

advogados e promotores não dispõem de recursos para afastar esse problema. A Constituição

Federal garante a liberdade do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual. No

nosso sistema judiciário não é permitido que o promotor ou o advogado interrogue o jurado

antes do início do julgamento, para permitir a escolha do melhor observador para a sua causa.

A mera instrução do juiz presidente do Tribunal do Júri, de que os jurados devem desprezar

qualquer tipo de informação que não esteja registrada nos autos do processo não confere

garantia de eficácia, pois é impossível aferir que os jurados não farão uso dessas informações

para definir a sua posição quando desencadeado, o processo de tomada de decisão, já que não

existe obrigatoriedade de que essas decisões sejam fundamentadas, como são as dos juízes

togados.

Durante o julgamento, todas as informações passadas aos julgadores são interpretadas

por cada um de acordo com a maneira com que, individualmente, percebem o mundo. Os

jurados vão procurar decidir a questão de acordo com a versão que, para ele, melhor explica

as provas. Ao acabar de ver e ouvir as provas, bem como os argumentos favoráveis à

condenação ou absolvição, o júri se recolhe a uma sala reservada e ali, sem discutir a causa

entre si, vota o destino do acusado. Considerando que antes da votação não há a possibilidade

de cada opinião ser externada e cada posição ser discutida, não há como tornar possível uma

mudança da opinião inicial com base em argumentos levantados por outros julgadores. Assim

sendo, a opinião do jurado não é formada na sala reservada e sim no plenário de julgamento.

Noutro passo, as decisões não são unânimes, o que desobriga a uma análise mais minuciosa

da prova por parte dos jurados, no sentido de rever a impressão inicial.

Ângela Moreira-Leite, analisando a forma como os processos de

incriminação/criminação e sujeição criminal, citada por Michel Misse (MISSE, 2008), são

atualizados no momento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que ocorrem no

Tribunal do Júri, percebeu que:

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99

O Júri não pode ser entendido só pelo que acontece naqueles momentos, mesmo que

sejam horas a fio. Ele é o resultado primeiro de um contexto que precede seu

acontecimento gerador, já que foi interpretado como um delito transgressor de uma

regra social – não matar – e enquadrado em uma norma jurídica – artigos do Código

Penal – no processo de criminação, como descrito por Misse. Além disso, representa

a finalização do uso de uma máquina estatal e particular extensas, que envolve

pessoas, instituições, segmentos os mais variados da sociedade, símbolos e

significados, que lida com valores do campo jurídico, porém adaptados aos vários

parâmetros, inclusive econômicos, vigentes na sociedade abrangente (MISSE, 2008,

p. 230-31).

No curso desse processo de tomada de decisão, os jurados estão suscetíveis a

tendenciosidades e pressões sociais, que podem exercer influência negativa nas suas decisões.

Também é importante examinar como essas pessoas percebem o sistema legal e até que ponto

elas se deixam influenciar pelos aspectos jurídicos nos seus julgamentos. É o começo da

busca pelo caminho da compreensão da maneira de pensar e agir dos cidadãos julgadores.

2.5 Classe, cor, gênero e perversões nos julgamentos sociais

A ambivalência na construção da realidade social brasileira sofre influências de

clivagens diversas: níveis de escolaridade, situação de emprego e renda, gênero, raça, etc. A

exclusão social ganha força pelas lentes do preconceito e da estigmatização. Como já visto, as

classes mais pobres e menos favorecidas são vistas como fomentadoras da violência e das

desordens sociais. Essa categoria estereotipada recebe reforço dos cidadãos negros e pardos,

que são admitidos pelo senso comum, como àqueles que estão mais sujeitos à criminalidade e

por isso, são os que mais contribuem para a formação da população carcerária. Alberto Carlos

Almeida destaca que no Brasil se reproduz um “preconceito de marca”, ou seja, baseado no

aspecto físico de cada um e não na origem ou ascendência racial (ALMEIDA, 2007, p. 215).

Na Pesquisa Social Brasileira32

coordenada por esse autor, ao buscar a percepção da

população brasileira quanto ao preconceito de cor ou raça, verificou-se que a maioria da

32

ALMEIDA, Alberto Carlos; SCHROEDER, Andréia; CHEIBUB, Zairo (orgs.). PESB: Pesquisa Social

Brasileira, 2002 (Banco de dados). Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense (UFF). In: Consórcio de

Informações Sociais, 2004. Disponível em: <http://www.cis.org.br>. Acesso em dd/mm/aaaa. Cf. na obra a

Cabeça do brasileiro, 2007, p. 218.

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100

população brasileira associa atributos positivos, como inteligência, honestidade, possibilidade

de possuir mais estudo e educação a pessoas brancas. Noutro passo, para os atributos

negativos tais como pobreza, menos possibilidades de oportunidades, malandragem, aptidão

para jeitinhos, preguiça e crime a percepção muda de pólo. Especialmente em relação ao

estereótipo de criminoso há uma predominância associativa com os pardos, inclusive

prevalecendo em relação aos negros. Nesse aspecto, a nossa pesquisa é reveladora da

realidade do crime de homicídio quando analisado sobre o viés da cor do réu e da vítima. Esse

aspecto será ressaltado no capítulo seguinte.

O referido autor procurou ainda demonstrar a existência de preconceitos através da

associação da aparência física a um tipo profissional. Obteve como resultado a constatação de

que as profissões de prestígio mais elevado são atribuídas aos brancos e à proporção que o

prestígio profissional diminui aumenta a vinculação com pardos e negros. Na dimensão que o

status profissional diminui, a profissão sofre um processo de escurecimento. Segundo os

resultados coletados, o autor concluiu que o preconceito baseado na cor existe, é muito

difundido e está enraizado entre nós. Contudo, destacou que os pardos são mais malvistos do

que os negros, pois são eles que receberam os menores percentuais nos atributos positivos e a

eles foram atribuídas mais características negativas. Esses resultados alcançados pelo autor,

eventualmente, podem ser objeto de críticas e de discordância doutrinária. (ALMEIDA, 2007,

p. 227-31).

Esse tema também foi objeto de estudo por Marcus Lima e Jorge Vala. Esses autores

chamaram a atenção para dois aspectos: a) necessidade de serem desenvolvidas técnicas de

estudo do racismo que não inibam os respondentes e nem tampouco insinue o entrevistado a

responder de forma “politicamente correta”; b) a ampliação do conceito de racismo para além

do processo de discriminação e segregação racial, abrangendo a segregação simbólica. Ao

estudarem o branqueamento e racismo no Brasil, destacaram que “o racismo no Brasil

manifesta-se, entre outros aspectos, pelo branqueamento dos indivíduos que fazem sucesso e

o enegrecimento ou empardecimento dos que fracassam” (LIMA; VALA, 2004).

Merece destaque ainda a conclusão a qual os autores chegaram de que no Brasil, o

branqueamento tem papel fundamental no processo de atribuição do racismo.

Diferentemente da Europa, onde os grupos vítimas de racismo (imigrantes) são

percebidos como exógenos àquela formação cultural, no Brasil brancos e negros são

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todos brasileiros, ainda que não tenham direito igual à cidadania. De modo que, o

racismo “à brasileira” possui especificidades. Graças ao caleidoscópio de cores que

compõem a sociedade brasileira, desenvolve-se uma forma de representação que

associa o fracasso à cor negra e o sucesso à cor branca, e que pode mudar

subjetivamente a cor de um indivíduo, a fim de manter intactas as crenças coletivas e

as atitudes negativas associadas à categoria de pertença desse indivíduo. Neste

sentido, o branqueamento dos negros bem sucedidos permite que os participantes

brancos realizem uma maior atribuição de traços positivos na descrição deste grupo

e que lhes atribua mais traços de cultura (LIMA; VALA, 2004, p.18).

Sérgio Adorno também não desconsiderou certa tendência ao “empardecimento” da

população de indiciados e réus. Destacou que a tendência ao enegrecimento ou

embranquecimento se dava de acordo com o andamento do processo penal. Na medida em

que a responsabilidade pelo crime se aproxima do acusado, a tendência é ocorrer um processo

de clareamento, noutro sentido, quando as provas aproximam o acusado do crime, ocorre o

seu escurecimento (ADORNO, 1996, p. 268).

Nesse sentido, Loic Wacquant fala em uma política de “ação afirmativa carcerária”,

quando destaca a ação das agências de controle da criminalidade nos Estados Unidos:

Se a hiperinflação carcerária é acompanhada por uma extensão “lateral” do sistema

penal e, portanto, de uma duplicação de suas capacidades de arregimentação e de

neutralização, e é certo que essas capacidades se exercem prioritariamente sobre as

famílias e os bairros deserdados, particularmente os enclaves negros das metrópoles.

Como prova da quinta tendência-chave da evolução penitenciária norte-americana,

temos o “escurecimento” contínuo da população detida, que faz com que, desde

1989 e pela primeira vez na história, os afro-americanos sejam majoritários entre os

novos admitidos nas prisões estaduais, embora representem apenas 12% da

população do país (WACQUANT, 2001, p. 93).

Alerta o autor que essa “desproporção racial” é mais significativa quando são

contabilizados dados sobre os jovens entre 18 e 29 anos, oportunidade em que se observa a

construção de uma verdadeira política de penalização da miséria. A representação de negros e

de pardos no status de processados e condenados, dentro do sistema judicial, também será

objeto de discussão no capítulo seguinte. Um maior número de cidadãos pardos e negros

processados ou presos representam que eles têm maior propensão a cometer infrações ou

significa que eles são vítimas de um tratamento diferenciado dado pelas autoridades do

Estado?

Faz parte do senso comum e da mentalidade política dos governos que os negros têm

um potencial criminoso maior do que os brancos. Contudo, não existe pesquisa científica

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102

sólida o suficiente, para provar que essa realidade social é de fato verídica, ou se apenas é

fruto de uma construção social. Várias pesquisas abordam a discussão sobre a existência ou

não de uma tendência maior para os negros cometerem crimes; se as sanções criminais

impostas aos negros são mais intensas do que as sanções impostas aos brancos; na realidade, o

que importa examinar é se o preconceito racial e a diversidade cultural conduzem a uma

parcialidade nos julgamentos sociais, acobertados pelo manto da judicialidade.

Na atualidade onde os temas criminalidade e segurança ganham destaque social, é

válido resgatar os estudos realizados por Boris Fausto sobre a criminalidade em São Paulo no

período compreendido entre 1880 e 1924. Naquela época, o autor inferiu conclusões de que os

processos criminais tendiam para desfechos diferentes, segundo a cor dos acusados. As

absolvições e os arquivamentos eram as soluções majoritárias quando se tratasse de acusado

branco, noutra ordem, quando os acusados fossem negros ou mulatos esse conjunto era

minoritário. Atribui a constatação de um índice maior de condenações conferidas aos não-

brancos, não como fruto da ocasionalidade, mas sim, fruto de um tratamento discriminatório,

com ampla aceitação social, para o qual concorre um conjunto de circunstâncias. Não é

apenas fruto de uma “má vontade de julgadores leigos e togados”, defendidos apenas

formalmente por advogados de circunstâncias (FAUSTO, 2001, p. 259).

O estudo baseado nos dados coletados dos processos criminais, referente à cor da pele

de acusados e vítimas, não pode deixar de registrar as impropriedades e deficiências quanto a

essa base de dados, o que se impede de conferir uma maior fidelidade aos resultados

alcançados, inclusive, porque tais dados eram lançados por funcionários pertencentes às

agências de controle da criminalidade, sem um padrão rígido. É indispensável ao pesquisador

ter acesso confiável a informações que possam ser individualizadas, como forma de construir

uma base de dados sólida. Ver-se-á que os altos índices de réus e vítimas cuja cor da pele não

pode ser identificada é maior que todos os índices referentes à cor negra ou branca. Diante

dessa má classificação, é impossível saber com precisão o percentual de réus e vítimas pardos,

negros e brancos. Entretanto, a base de dados coletada foi significativa, logo permite apontar,

de forma confiável para uma tendência e ainda torna possível uma comparação com os dados

referentes à população de Aracaju/Se.

De todos os réus julgados 94,5% eram do sexo masculino e apenas 5,5% do sexo

feminino. Quanto às vítimas, 91,7% pertenciam ao sexo masculino e 8,3% ao sexo feminino.

A cor predominante entre os acusados foi a parda com 48,8% de representatividade, a cor

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negra contribuiu com 11,8%, enquanto os brancos, com apenas 8,7%. O percentual de réus

que não foi possível identificar com o mínimo de certeza a sua cor foi na ordem de 30,7%. Já

em relação às vítimas, os índices não foram muito discrepantes, sofrendo apenas algumas

variações, mas mantendo a mesma ordem de preferência. Desse universo, 39,1% eram da cor

parda, 15,0% pertenciam à cor negra e 10,8% à cor branca. Em relação a esse conjunto,

35,0% não tiveram a sua cor registrada.

A composição da população geral de Aracaju/Se33

, incluindo ambos os sexos, tem na

sua base 55,4% de cidadãos pardos, 36,1% de brancos, 7,2% de negros, aparecendo

insignificantes índices para indígenas, cor ignorada e amarela. Pela análise dos números

acima, quando confrontados com a composição da população geral de Aracaju/Se, percebe-se

uma pequena subrepresentação de réus pardos e uma expressiva subrepresentação de réus

brancos. Quanto aos réus negros, nota-se ao longe que o percentual de participação nos crimes

é ligeiramente superior a sua participação no conjunto populacional. Essa diferença tende a se

agravar se contabilizados os casos onde a cor não foi declarada e não estava registrada nos

autos dos processos. Os percentuais demonstram que os réus pardos e negros estão próximos a

um equilíbrio proporcional, quando confrontados com o percentual da população da cidade. Já

em relação aos réus brancos, observa-se que se existe uma elevada disparidade quanto ao

percentual entre os acusados de cor branca e a participação dessa cor no percentual geral da

população.

Dos pardos acusados e submetidos a julgamento popular 76,7% foram condenados e

23,3% foram absolvidos; dos negros submetidos ao mesmo procedimento 93,3% foram

condenados e 6,7% foram absolvidos; já em relação aos brancos, 66,7% foram condenados e

33,4% foram absolvidos; quanto àqueles que não declararam a cor, 73,7% foram condenados

e 26,3 foram absolvidos; por fim, apenas um único réu declarou ser da cor parda escura e o

resultado do seu julgamento foi a condenação. Portanto, observa-se que o maior índice de

absolvição ou de improcedência da acusação foi encontrado entre os réus brancos. Esse

cruzamento diz respeito às decisões do Conselho de Sentença no julgamento final no plenário

do Tribunal do Júri.

33

Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 - Malha municipal digital do Brasil:

situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. NOTA : Informações de acordo com a Divisão Territorial

vigente em 01.01.2001. http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1.

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Os dados acima não permitem indicar que existe desigualdade racial nos julgamentos

realizados pelo Tribunal do Júri, tomado pelo viés da representatividade populacional, no

entanto, pelo menos em um ponto há nítida distinção, ou seja, nos índices que sinalizam os

resultados dos julgamentos. O número de absolvições de réus brancos e de condenações de

réus negros é bastante destoante. Será necessário agregar outras características dos acusados

ou das vítimas para que, diante de novos filtros, seja possível chegar a uma conclusão mais

efetiva.

Carlos Antonio Costa Ribeiro elaborou laborioso estudo sobre a cor e a criminalidade,

frente aos julgamentos realizados no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, nas décadas iniciais

do século XX, com o objetivo de demonstrar a representação de réus e vítimas nos processos

criminais com enfoque na cor da pele. Buscou mostrar como a literatura do início do século

vinculava a criminalidade a aspectos biológicos culturais.

Nina Rodrigues (1884) afirmava que as pessoas da raça preta e da mestiça eram

mais afeitas ao crime do que as pessoas da raça branca. Não teriam alcançado a

evolução racial, moral e jurídica dos “povos civilizados europeus”. Nina Rodrigues

costumava lançar mão de estatísticas para corroborar suas hipóteses sobre as causas

do crime, interpretava-as como confirmação da propensão biológica dos pretos e

mestiços ao crime. Euclides da Cunha (1936), seguindo Nina Rodrigues, também

afirmava que os pretos e os mestiços tinham uma inclinação fisiológica para o crime,

mas advertia que determinadas condições mesológicas também condicionavam a

predisposição para o crime.

Posteriormente Nelson Hungria (1956a) interpretava as estatísticas criminais oficiais

que mostram a sobre-representação dos pretos como criminosos, contestando tanto

Nina Rodrigues quanto Euclides da Cunha ao afirmar que não havia nada na

constituição racial dos pretos que os levasse ao crime, mas que as piores condições

de vida dos não-brancos os tornava mais propensos ao crime. Nelson Hungria

(1956a) vale-se das contribuições de Arthur Ramos (1937) para afirmar que os

“homens de cor” no Brasil encontrar-se-iam num estágio de “atraso cultural”, ou

seja, depois da abolição da escravidão os negros teriam sido lançados a uma nova

ordem social competitiva, republicana e capitalista sem qualquer assistência ou

preparação. Não teriam sido preparados para competir com os brancos na nova

ordem social que começava a vigorar. Segundo Arthur Ramos (1937), os negros

padeciam de uma “crise de ajustamento”. Não teriam alcançado o estágio

civilizatório dos brancos e estariam num estágio de atraso cultural que favorecia o

surgimento de comportamentos criminosos. Pode-se dizer que Nelson Hungria

(1956a) e Arthur Ramos (1937) apenas substituem a determinação racial pela

cultural. Ou seja, atribuem a criminalidade dos “homens de cor” não a fatores de

inferioridade racial, mas, digamos assim, a fatores de “inferioridade cultural”

(RIBEIRO, 1993, p. 77-8).

Tal certificação, com a ressalva dos argumentos, seja de ordem biológica ou cultural,

mas é certo que aproximam os negros e afastam os brancos da criminalidade. Outra certeza é

que a maioria absoluta dos processos criminais submetidos a julgamentos, no Tribunal do

Júri, respeitantes a réus não-brancos é da ordem de 60,6%, enquanto a réus brancos é de

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apenas e tão somente de 8,7%. Destaca-se que 30,7% dos casos a cor dos acusados não foi

registrada. Mas esse fenômeno não alcança somente os réus, pois as vítimas não-brancas

somaram 54,2% do total de pessoas feridas de forma letal ou não letal, enquanto somente

10,8% eram brancas. Mais uma vez o percentual de cor não declarada permanece alto, na

ordem de 35%. Fato incontestável é que seja na qualidade de réu ou de vítima os não-brancos

estão mais próximos do crime de homicídio do que as pessoas brancas. Esses dados se

referem aos crimes de homicídio e tentativa de homicídio efetivamente julgados, pois não

foram considerados todos os crimes apurados que não chegaram a julgamento, nem tampouco

os não apurados, logo integrantes da cifra negra da criminalidade.

Ao fazer a opção em estudar o Tribunal do Júri, buscava um alargamento da visão com

a qual os operadores do Direito o observam, imaginando o envolvimento com outras

disciplinas. Dentro dessa perspectiva transdiciplinar, procura-se debater essa prática histórica

do Direito relacionada com elementos de cultura, que envolve os operadores do direito e seus

usuários na interpretação das realidades sócio-jurídicas e suas relações com as questões de

gênero. Objetivamos aprofundar a discussão sobre as relações de gênero que ocorrem nesse

espaço público e perceber a existência de imaginários envolvidos por forte presença de

estigmas.

Muitas pesquisas são desenvolvidas a partir da análise da posição da mulher enquanto

vítima de crimes, em especial aqueles que ocorrem em detrimento de desajustes nas relações

afetivas (crimes passionais). Esse enfoque não foi pensado inicialmente, e posteriormente

houve o convencimento de que, de fato, não é possível estudar a relação de gênero dentro do

viés da prática de crime de homicídio, a partir da proposta de pesquisa, em razão da ausência

de representatividade, seja analisando a circunstância da mulher como autora ou como vítima

de crime. Quando os dados dos processos judiciais julgados foram computados, constatou-se

que o número total de rés julgadas no 1º Tribunal do Júri como autoras de crime de

homicídio, no período compreendido entre os anos de 2003 e 2007, foi de apenas 5,5%, ou

sete casos. Quando colocadas na qualidade de vítima, os números não foram muito diferentes.

Foram contabilizadas dez vítimas, que representam 8,3% dos casos totais. Diante dos números

apresentados e acreditando que melhor se integra a perspectiva da discussão, voltei os olhos

para a participação feminina como cidadã, admitida nessa esfera, dentro do processo de

tomada de decisão.

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O Júri é dotado de encantamento, exatamente porque o crime de homicídio atrai, de

forma significativa, a atenção de todos. Exerce atração seja pelas pessoas que nele se

envolvem, pela forma como é praticado, pelo lugar onde é realizado, pelas causas e

consequências que o ato gera. Talvez seja porque envolto nesse ambiente de mistério e

sedução, é que instiga a curiosidade humana, o homicídio seja, de forma recorrente, tema

central de filmes, novelas, escritos, e inclusive é capaz, como poucos assuntos o são, de

prender a atenção do telespectador, por semanas ou meses em matérias que, exibidas nos

telejornais, alcançam a maior parte do território nacional e são percebidas por todas as

camadas da sociedade. Sempre que ocorre um crime de homicídio, todos se colocam a

perguntar: Quem foi o autor do crime? Qual a razão de tanta violência? Por que o autor foi

capaz de praticar tal ato?

Dentro desse enfoque, várias questões passam a ser discutidas, tais como: família,

relações conjugais, religião, classe social, mundo das drogas, relações sociais, relações de

trabalho, relações étnicas, relações de gênero, ou seja, os valores que estão sendo dia a dia

confrontados dentro das várias teias das relações sociais que movimentam e dinamizam a

sociedade. Todavia, um aspecto se reveste de especial importância, todos desejam saber quem

foi o autor do crime e de que forma ele aconteceu, para, individualmente, chegarem ao

veredicto final.

Esse mesmo telespectador que procura desvendar os crimes nos programas de ficção vai

muitas vezes, por dever constitucional, julgar os crimes na vida real. A realidade os remete ao

Tribunal do Júri, espaço público onde são julgados um dos mais significativos dramas da vida

humana. É nesse espaço que as experiências de vida e a vivência social de pessoas,

aparentemente “leigas”, vão ser confrontadas com conceitos jurídicos que passam pela

imparcialidade e pela racionalidade do direito. Nessa ótica, é que se vai procurar destacar o

papel da mulher como integrante do Conselho de Sentença. Investigar se a presença da mulher

no Conselho de Sentença gera alguma expectativa quanto a sua atuação. Investigar se a

condição de ser mulher atrai a preferência dos operadores do direito quando se espera um

determinado tipo de decisão. Enfim, investigar se existe qualquer tipo de clivagem de gênero

quanto à sua atuação como jurada e coresponsável por uma decisão judicial. O vocábulo

gênero aqui está sendo empregado para referir às diferenças de crenças, de valores,

ideologias, aspirações e padrões de comportamento que refletem as diferenciações sociais

impostas pela cultura e que definem os papéis sociais masculinos e femininos.

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A participação feminina no 1º Tribunal do Júri, tomando por base o corpo de jurados

referente ao ano de 2008, é muito significativa, inclusive, está aquém da sua

representatividade geral junto ao conjunto populacional da cidade de Aracaju/Se.

Tabela 01 – Número e percentual da participação de homens e mulheres na composição da lista geral de

jurados referente ao período pesquisado.

ANOS HOMENS MULHERES TOTAL

NÚMERO PERCENTUAL NÚMERO PERCENTUAL NÚMERO PERCENTUAL

2003 242 53,9% 207 46,1% 449 100%

2004 491 56,6% 377 43,4% 868 100%

2005 322 59,2% 222 40,8% 544 100%

2006 581 64,9% 313 35,1% 894 100%

2007 531 63,9% 300 36,1% 831 100%

2008 723 50,9% 695 49,1% 1.418 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri.

A Contagem da População, com data de referência em 1º de abril de 2007, realizada nos

municípios brasileiros que foram objetos desse levantamento censitário, estimou um total

populacional para a cidade de Aracaju/Se, em quinhentos e vinte mil trezentos e três

habitantes,34

todavia, essa contagem não fornece parâmetros para análise de uma das

características da população municipal que nos interessa. Por isso, buscou-se no censo

populacional realizado em 200035

a fonte de informação sobre a realidade local da população

no município, sob o enfoque de gênero. A Tabela abaixo que informa a participação de

homens e mulheres na composição da população de Aracaju/Se, só leva em consideração as

pessoas com mais de dez anos de idade. Nessa amostragem, a população total somou

quatrocentos e sessenta e um mil quinhentos e trinta e quatro habitantes.

Tabela 02 – Número e percentual da participação de homens e mulheres com 10 anos ou mais de idade na

composição da população geral do município de Aracaju/Se.

CENSO HOMENS MULHERES TOTAL

NÚMERO PERCENTUAL NÚMERO PERCENTUAL NÚMERO PERCENTUAL

2000 174.331 45,9% 205.310 54,1% 379.641 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri.

Comparando ambas as Tabelas, observa-se que a representatividade feminina sempre

esteve abaixo da sua participação real na composição da população municipal. Através dessa

análise, comprova-se uma pretensa desigualdade quantitativa entre os cidadãos do sexo

masculino e feminino que integram a lista geral de jurados para o 1º Tribunal do Júri, ainda

34

Fonte: IBGE, Contagem da População 2007. (1) Inclusive a população estimada nos domicílios fechados.

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/contagem_final/tabela1_1_15.pdf. 35

Cf. Nota de rodapé n. 33.

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que essa desigualdade tenha sido atenuada no último ano. Sob o enfoque da

representatividade, percebe-se que ocorre uma dominação masculina na esfera de participação

nesse tipo de decisão pública, embora seja fato que a presença feminina tem sido significativa.

Todavia, nem sempre foi assim. Essa realidade é muito diversa daquela informada por Tania

Regina Fontolan, quando discorre sobre a resistência à inclusão das mulheres entre os jurados,

noticiando que a primeira tentativa nesse sentido ocorreu na cidade de Bariri/SP, ainda em

1931, mas o ato foi revogado pelo Tribunal de Justiça do Estado (FONTOLAN, 1994, p. 53).

Essa inserção feminina no espaço público do Tribunal do Júri era denegada pelo

legislador, inclusive, por fazer constar no não mais em vigor art. 436 do CPP, regra de

exclusão da participação feminina, declarando isenção ao serviço do júri para “as mulheres

que não exerçam função pública e provem que, em virtude de ocupações domésticas, o

serviço do júri lhes é particularmente difícil”. Em boa hora, o atual texto normativo que

passou a regular a matéria a contar de 09 de agosto de 2008, pois que alterou o CPP, 36

retirou

essa disposição sobre a possibilidade da mulher servir como jurada. Nítida era a posição do

legislador em fazer uma clara distinção entre o espaço público e o espaço doméstico, e

entendendo que esse espaço era exclusivo das mulheres e não deveria ser ameaçado pela

participação da mulher naquela específica esfera pública. Não obstante seja verdade que

muitos dos conflitos sociais levados à decisão de um Tribunal Popular se desenrolem dentro

do espaço doméstico, tendo ou não a mulher como um dos atores do crime.

A democratização do Tribunal do Júri só alcança algumas categorias de pessoas em

razão da sua ocupação e também não abrange as pessoas que não possuem um ofício formal

fora do lar. A atual lista geral, válida para o ano de 2008, conta com seiscentas e noventa e

cinco mulheres cadastradas, entretanto, não encontramos uma única pessoa vinculada somente

aos serviços domésticos. Nessa relação, verifica-se que as profissões mais representativas são

em primeiro lugar as bancárias, contribuindo com expressivos 74% do total. Essa profissão

como bem observa Liliana Segnini que em seu estudo destacou que: “os dados referentes à

feminização do trabalho bancário em São Paulo, assim como no banco estatal pesquisado,

expressam uma tendência mundial” (BRUSSCHINI e SORJ (org.), 1994, p. 56). Concluiu que

algumas habilidades natas ou características adquiridas no espaço privado, tais como: não ter

a emoção bloqueada, ter mais percepção do outro, mais sensibilidade, ter facilidade de lidar

com diversos tipos de personalidade, têm delineado contornos da competência e a preferência

36

Lei Federal n.º 11.689, de 09 de junho de 2008. Altera dispositivos do Código de Processo Penal, relativos ao

Tribunal do Júri, e dá outras providências.

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para o exercício da função. Seguem-se as funcionárias públicas, com 11,5% e as

administradoras e auxiliares de administração com 5,6%. As demais profissões, a exemplo das

pesquisadoras, analistas de informática, professoras, engenheiras civis, dentre outras, têm

reles representação no contexto geral.

O Tribunal do Júri, como instância jurídica cujas decisões são fruto da efetiva

participação social, não expressa uma representação adequada da sociedade aracajuana

através da listagem geral, fazendo crer que somente algumas categorias de pessoas possuem

os requisitos necessários para servirem na qualidade de jurado. Essa seleção, que é feita a

partir de consultas a vários órgãos e entidades públicos e privados, deve buscar,

analogicamente, assim como o faz em relação ao sexo, uma abertura maior também quanto às

profissões. Toma-se como exemplo a constatação feita em relação aos trabalhadores da

construção civil, onde os integrantes dessa categoria de trabalho representam 22,8% do total

de réus presentes nos julgamentos. Nesse sentido, na relação de jurados era necessário conter

o nome de pessoas que exercessem atividades voltadas para o ramo da construção civil.

Procurando retornar ao ponto central da discussão, ou seja, sobre a efetiva participação

da mulher no Conselho de Sentença, constata-se que em cada ano analisado a participação

feminina nos julgamentos realizados sempre esteve abaixo da sua representatividade da lista

geral de jurados, conforme mostra a Tabela abaixo. Destaca-se que deixaram de ser

contabilizados cinco nomes de jurados, dois em relação ao ano de 2003, um em relação ao

ano de 2004 e dois em relação ao ano de 2005, em virtude de seus nomes não constarem nos

respectivos termos de audiência, não sendo, assim, possível aferir qual o seu sexo. Contudo,

essa omissão em nada compromete o levantamento estatístico em razão da sua

inexpressividade.

Tabela 03 – Número e percentual de atuações efetivas de homens e mulheres na composição do Conselho

de Sentença referente ao período pesquisado.

ANOS HOMENS MULHERES TOTAL

NÚMERO PERCENTUAL NÚMERO PERCENTUAL NÚMERO PERCENTUAL

2003 100 58,0% 73 42,0% 173 100%

2004 108 70,4% 45 29,6% 153 100%

2005 108 67,9% 51 32,1% 159 100%

2006 103 73,6% 37 26,4% 140 100%

2007 141 74,6% 48 25,4% 189 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri.

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110

No entanto, um dos questionamentos feitos é no sentido de verificar se a presença da

mulher no Conselho de Sentença é alvo de preconceitos ou discriminações. O fato do número

de juradas efetivas ser significativamente menor do que o de homens na mesma situação, e

ainda não corresponder a sua representatividade da lista geral de jurados a cada ano de

julgamento, é fruto de mera casualidade ou existe uma lógica pautada na intencionalidade dos

operadores do direito que têm o poder de recusar, de forma imotivada, até três jurados

sorteados em cada sessão de julgamento.

Seria possível verificar o número de recusas e o sexo dos recusados em cada sessão de

julgamento, mas essa simples contabilidade não seria suficiente para explicar a lógica das

recusas. Essas recusas podem ocorrer seja em razão de uma tática pensada pela acusação ou

pela defesa, portanto, agindo por impulso próprio, exatamente por acreditar que o gênero

predominante no Conselho de Sentença seria capaz de influenciar na forma como o crime

seria julgado, mas também pode ser fruto do atendimento à solicitação do jurado que não

deseja participar da sessão de julgamento, por razões diversas, situação essa que é observada

em demasia. Ás vezes, a simples postura corporal do jurado, ao ouvir seu nome anunciado,

faz com que a defesa ou a acusação lhe recuse, para não correr o risco de ver selecionado para

o Júri quem aparentemente se mostra totalmente desinteressado e até com má vontade para

apreciar a causa.

Existe uma cultura entre operadores do direito que atuam no Tribunal do Júri de

associar o gênero feminino com a emoção e o masculino com a racionalidade, dividindo

biologicamente o papel do macho e da fêmea nessa via institucionalizada. Por isso, de acordo

com a situação real do fato, procuram trabalhar essas recusas dentro de estratégias

formuladas, com o objetivo de ser mais capaz de convencer as pessoas e ver sua intenção

absolutória ou condenatória triunfar diante da sociedade. Quanto mais intensamente a carga

emocional do crime puder ser utilizada em favor do réu, mais interessante será, para a defesa,

a presença feminina no Conselho de Sentença, pois assim será possível que a jurada se

sensibilize com a situação do réu e procure absolvê-lo. Noutro passo, quando o mesmo fator

for favorável à vítima, a sensibilização muda de pólo e a acusação acredita que a condenação

torna-se mais certa.

Na base dos estereótipos de gênero, pode-se localizar as relações de poder, que

historicamente estabeleceram relações desiguais entre homens e mulheres. Tem, portanto, no

componente cultural o seu grande sustentáculo e fator de perpetuação, ainda que na ordem

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jurídica nacional, o princípio constitucional que está contemplado no art. 5º, I, da CF/88, que

trata dos direitos e garantias fundamentais, tenha estabelecido igualdade entre homens e

mulheres, com reflexos imediatos no âmbito das relações sociais, domésticas e

intrafamiliares. No entanto, essa suposta igualdade jurídica ainda não foi capaz de afastar as

exigências comportamentais feitas às mulheres, já que o comportamento feminino ainda é

avaliado, embora hoje de forma mais atenuada, em função de uma adequação a determinados

padrões sociais, em que pesos distintos são atribuídos às atitudes praticadas por homens e

mulheres.

Os estereótipos observados no Tribunal do Júri podem conduzir, ainda que de forma

sutil, a preconceitos implícitos. Essa discussão pode contribuir para melhorar a percepção das

diferenças e semelhanças de gênero a partir da identificação e compreensão das diversidades

dos costumes e dos comportamentos identificados na base de cada cultura. No desempenho de

papéis sociais, como o de jurado, são as diferenças que despertam o interesse e chamam a

atenção. Todavia, a descoberta de diferenças não deve servir tão somente de reforço para

estereótipos, mas principalmente para explicar formas de comportamento observadas no

desempenho de determinado papel social.

Constata-se que não existe base científica para afirmar que as mulheres absolvem mais

que os homens nos julgamentos que realizam. Verifica-se que os trinta e quatro casos de

absolvições constatados ao longo do período, conforme demonstra a Tabela 7, foram

conseguidos em trinta julgamentos distintos, já que em três julgamentos foram julgados dois

réus e em um julgamento o mesmo réu foi julgado por dois crimes de homicídio, porém em

relação a duas vítimas distintas. Nessas trinta e quatro absolvições, estavam em jogo duzentos

e trinta e oito votos, considerando que em cada sessão participaram sete jurados, dos quais

somente cento e três votos eram do gênero feminino. Essa realidade foi verificada a partir de

identificação de quantas mulheres se fizeram presentes em cada sessão de julgamento. Em

três dessas sessões, o Conselho de Sentença foi formado exclusivamente por homens, sendo

que em uma a deliberação ocorreu de forma unânime.

Noutro sentido, em apenas uma sessão, o Conselho de Sentença foi formado

exclusivamente por mulheres, com essa composição a deliberação deu-se por seis votos a

favor da absolvição. Em apenas nove dos trinta e quatro julgamentos, as mulheres eram

maioria no Conselho de Sentença, portanto, capazes de sozinhas produzirem um resultado. Ao

todo foram computados cento e setenta e um votos pela teses de absolvição. Se todas as

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mulheres votassem pela absolvição em todos os julgamentos, só seriam possíveis cento e três

votos. Dentro dessa lógica e ainda considerando que nos quatro julgamentos em que os réus

foram absolvidos por unanimidade, somente em um desses casos o Conselho era

majoritariamente feminino, não é possível afirmar, com base em dados quantitativos, que as

mulheres contribuem mais com as absolvições por serem mais emocionais do que os homens,

tidos como mais racionais. Mas o enfoque merece atenção criteriosa, cabe distinguir os

diferentes caminhos percorridos por homens e mulheres, no processo de construção das suas

convicções, verificando se a avaliação feminina das provas é racional ou emocional.

Nesse espaço destinado à administração dos conflitos sociais, onde a sociedade assume

papel de destaque, a lógica jurídica é explorada de forma a resgatar valores e características

da sociedade presente. No entanto, a sociedade interage dentro de vários recortes culturais e a

partir dos muitos códigos e padrões de comportamento observados dentro dos espaços

construídos. Os jurados são selecionados de variados segmentos sociais e ali chegam para

representar a sociedade com perspectivas muito diversificadas a partir da incorporação de

influências ambientais diversas. Como bem observa Moema Viezzer, para entender as

relações de gênero é fundamental saber que elas são “montadas em papéis femininos e

masculinos socialmente construídos de acordo com a ideologia patriarcal e assumidos pelo

capitalismo” (VIEZZER, 1989, p. 117).

No plenário, nesse espaço público dominado pelos interesses dos vivos, os jurados vão

conhecer de forma solene um fato social, do qual os protagonistas são o réu e a vítima, mas o

foco principal é a morte. Diante desses fatos, a sociedade deve emitir uma clara mensagem,

sob o invólucro de uma decisão, que tem por intuito tanto estabelecer seus próprios limites,

quanto regular as emoções e comportamentos. Ainda nessa linha, é possível afirmar que o Júri

coloca em contraste a morte, o morto e o matador. Nesse sentido Roberto da Matta destaca:

Que todas as sociedades têm que dar conta da morte e dos mortos, mas há um padrão

visível quando se lança os olhos sobre a questão. De um lado há sistemas que se

preocupam com a morte, de outro, há sistemas que se preocupam como o morto (DA

MATTA, 1997, p. 135).

Mas qual a tendência que prevalece no Tribunal do Júri? Do lado da defesa é comum

externar a preocupação em abrandar a morte e seus efeitos para destacar negativamente o

morto e nele encontrar as razões para o crime. Já a acusação não descarta o morto, mas

procura evidenciar a morte, atribuindo como causa imediata um inadequado comportamento

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anterior, que é fruto do rompimento de um consentido pacto social, e por isso o seu

protagonista merece ser castigado. A primeira situação procura valorizar o indivíduo, mesmo

que essa valorização seja através da demonstração de que o outro, no caso o morto, tem

menos atributos que o indivíduo que se quer valorizar, qual seja, o réu. A segunda situação, ao

se afastar do sujeito lógico, vai se procurar valorizar as relações travadas entre indivíduos ou

grupos humanos em sociedade.

Essa dialética estabelecida entre indivíduos e relações sociais, sob a força de

argumentações antagônicas, e com um excepcional emprego de sutilezas, perpassa tanto pelo

detalhamento de argumentos jurídicos quanto pelos explosivos apelos emocionais. Esse

contraste vai assumir contornos mais nítidos na visão da sociedade que julga o caso ou o

indivíduo em questão. Essa tentativa de procurar explicar a realidade a partir de seus próprios

desejos e aspirações já tinha chamado a atenção de Fritz Heider, citado por Lígia Amâncio,

que identificou como “erros de atribuição” (AMÂNCIO, 1994, p. 95). O modo como os

motivos geradores de um comportamento são explicados se reveste de importância, pois

determina nossas reações e decisões sobre essas pessoas. A “teoria da atribuição” analisa o

comportamento das pessoas a partir da constatação da existência de forças externas ou

situacionais que pressionam para o interior das pessoas e forças internas ou pessoais que

exercem pressão para o exterior.

Os preconceitos e os prejulgamentos influenciam enormemente os julgamentos

sociais. Há uma tendência em reagir à realidade não como ela é, mas sim como se percebe. A

percepção não é universal e depende muito dos olhos do observador, da sua forma de viver a

vida, do seu modo de vida, portanto, um simples estímulo pode ser compreendido de maneira

muito diferente por duas pessoas. As convicções pessoais influenciam a maneira como o

observador percebe todas as informações que lhe são enviadas. O julgamento social envolve

um processamento de informações; envolve nossos sentimentos e nossos ânimos. Tudo

influencia no julgamento. O cidadão não é uma máquina fria, mas sim um sujeito cheio de

emoções. As convicções e julgamentos sociais são importantes porque têm efeitos práticos,

podendo gerar uma realidade concreta. Falsas impressões, interpretações e convicções podem

acarretar graves consequências. É fácil formar e sustentar falsas convicções levadas por

nossos preconceitos e persuadidas por episódios vividos.

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Dentro desse quadro analítico, em que lógicas são confrontadas e vários atores disputam

a legitimidade de diferentes versões para a verdade, é possível lançar mão da seguinte

descrição de Da Matta:

Digo, então, que fazer sociologia não é estudar motivações individuais ou interações

de trajetórias pessoais que se tocam num cenário artificial e passivo: a cultura de

uma sociedade. Não. Fazer sociologia é estudar o peso e o valor das relações e das

teias de relações que ligam os indivíduos entre si, fazendo com que vivam num

mundo pleno de lógicas. Há a lógica individual de cada um; há a lógica da

moralidade social que orienta a ação de todos; e há a lógica das relações que todos

estabelecem entre si e com a ideologia como um todo. É a partir deste quadro

complexo que as sociedades dão ênfase às relações ou aos indivíduos. (DA

MATTA, 1997, p. 135).

A proposta de Da Matta para analisar as múltiplas situações sociais que rompem com a

teia de relações e que são passíveis de correções, passa pela possibilidade de leituras ou

construções diferenciadas, dependendo do lugar onde se vive, partindo do ponto de vista da

casa ou da perspectiva da rua. Destaca ainda que:

Leituras pelo ângulo da casa ressaltam a pessoa. São discursos arrematadores de

processos ou situações. Sua intensidade emocional é alta”... “Leituras pelo ângulo da

rua são discursos muito mais rígidos e instauradores de novos processos sociais. É o

idioma do decreto, da letra dura da lei, da emoção disciplinada que, por isso mesmo,

permite a exclusão, o banimento, a condenação” (DA MATTA, 1997, p. 19).

O mundo da casa é marcadamente um espaço dominado pelo universo feminino onde

predominam as relações pessoais, o repouso, a hospitalidade, as relações harmoniosas, o lugar

seguro dos perigos da rua, lugar onde as contradições devem ser afastadas, enquanto no

mundo da rua há um predomínio do sexo masculino, esfera de ação das relações impessoais,

lugar dos riscos, do perigo, das incertezas, lugar das brigas e das confusões, lugar de

movimento e que admite contradições.

Pierre Bourdieu também destaca essa divisão quando analisa a ordem social e as suas

relações sociais de dominação e de exploração:

Cabe aos homens, situados do lado exterior, do oficial, do público, do direito, do

seco, do alto, do descontínuo, realizar todos os atos ao mesmo tempo breves,

perigosos, espetaculares, como matar o boi, a lavoura ou a colheita, sem falar do

homicídio e da guerra, que marcam rupturas no curso ordinário da vida. As

mulheres, pelo contrário, estando situadas do lado úmido, do baixo, do curvo, do

contínuo, veem ser-lhes atribuídos todos os trabalhos domésticos, ou seja, privados e

escondidos ou até mesmo invisíveis e vergonhosos, como o cuidado das crianças e

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dos animais, bem como os trabalhos exteriores que lhe são destinados por razão

mítica, isto é, os que levam a lidar com água, a erva, o verde (como arrancar as ervas

daninhas ou fazer a jardinagem), com o leite, com a madeira e, sobretudo, os mais

sujos, os mais monótonos e mais humildes. (BOURDIEU, 2005, p. 41).

No Tribunal do Júri as dinâmicas sociais observadas no mundo são ampliadas, com

implicações específicas para os envolvidos. Esse processo permite a conversão de vários

códigos de interpretação de condutas, com suas visões de mundo e suas influências. Ali,

pessoas que representam o corpo social se reúnem, em um único momento, num mesmo local,

para efetuar uma leitura, sob várias óticas, e deliberar sobre uma mesma realidade. Essa

diversidade de enfoques, marcados por códigos diferentes e repletos de significação social,

pode levar homens e mulheres, dentro de um contexto específico, a percorrerem caminhos

distintos dentro do processo de tomada de decisões, e chegarem a conclusões diversas sobre a

necessidade de regular ou corrigir determinadas formas de comportamento social.

A possibilidade da “leitura” da sociedade pela sociedade é de fato um processo

extremamente rico e pode levar a conclusões muito diferentes sobre suas ações e seus

caminhos. As expectativas geradas para uma decisão não podem ser rigorosamente iguais para

homens e mulheres, pois o modo como cada um internaliza as normas e características de

comportamento social são singulares também a sua identidade de gênero. Isso explica as

diferenças entre ambos nas suas percepções e avaliações de uma dada realidade social e

igualmente em relação a seus comportamentos frente a essa realidade. É nesse sentido que

Célia Amaral destaca que o processo de construção da identidade de gênero, que permite

distinguir o que é “ser homem” e o que é “ser mulher”, é fruto da incorporação de

significados das relações pessoais cotidianas, travadas no espaço público ou privado, e que no

futuro vai refletir na forma como essa pessoa interage com o mundo, no seu comportamento,

nas suas atitudes e representações (AMARAL, 2005, p. 19).

No estudo das diferenças entre sexos, segundo Lígia Amâncio, tanto na Psicologia

quanto em outras áreas das Ciências Sociais, foi ultrapassada a fase em que se acreditava que

essas diferenças eram biológicas ou estavam associadas ao tamanho do cérebro, para chegar

aos estudos de cultura como elemento de análise para explicar a realidade social de ambos os

sexos. É desse modo que Lígia Amâncio destaca um modelo de análise de atitudes

relacionado a três dimensões:

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A cognitiva, que envolve as crenças e o conhecimento associado ao objeto da

atitude; a avaliativa, que se refere aos sentimentos de favorabilidade e

desfavorabilidade em relação ao mesmo objeto; e a predisposição comportamental,

combinando as duas anteriores (AMÂNCIO, 1994, p.17-19).

Um estudo sobre o Tribunal do Júri, voltado à identificação de modelos de atitudes,

deve compreender a análise da relação existente entre o processo de caracterização e o

processo de avaliação. O modelo de atitude envolve a análise do comportamento social dos

indivíduos a partir das experiências pessoais do julgador e dos aspectos de cultura peculiar ao

seu processo de civilização. A cultura de forma inexorável influencia pessoas e dá contornos

para o desempenho de seus papéis.

Uma investigação empírica sobre a atuação da mulher no Tribunal do Júri, que esta à

mostra no trabalho realizado por Tânia Fontolan junto à comunidade jurídica da cidade de

Americana/SP, explicita o pensamento de advogados, promotores, juízes e jurados do sexo

masculino sobre essa participação:

Como vimos anteriormente, os profissionais da justiça, quando comentam as

características dos integrantes do corpo de jurados, revelam uma serie de

classificações e combinações de variáveis, que estabelecem uma desigualdade na

forma como um crime seria julgado, e que envolvem a profissão, a posição social, as

influências religiosas, a ideologia política de quem atua.

Há nas falas da grande maioria desses profissionais, no entanto, uma diferença que

antecede e suplanta todas as outras: a de gênero. Homens e mulheres são tidos como

portadores de características naturais que, necessariamente determinam o seu modo

de apreensão da realidade e, no caso específico dos crimes que estão sendo julgados.

A “cultura”, a profissão, a inserção no mercado de trabalho, que essas mulheres

juradas possuem – por força dos critérios de seleção – não são suficientes, no

entender desses agentes, para alterar aquilo com que a natureza as aquinhoou: a

emoção, tão apreciada no espaço privado, mas que pode embaçar sua isenção e

objetividade, características fundamentais da esfera judiciária. (FONTOLAN, 1994,

p. 153).

Essa afirmação não perde a sua propriedade quando confrontada para além do local

daquela pesquisa. O estudo que aqui se refere é atual e pode ser utilizado para compreender o

papel do estereótipo social lançado sobre o gênero feminino, com forte vinculação ao

comportamento afetivo, e que é amplamente partilhado entre os nossos operadores do direito.

Sua ampla difusão vai repercutir na forma de escolha para a constituição do Conselho de

Sentença, exatamente porque vincula a mulher a modelos de comportamento e ações

socialmente valorizados. A mulher está mais sujeita ao processo de “empatia”, sendo mais

capaz de sentir a alegria dos outros e chorar com aqueles que choram. Está mais sujeita ao

processo de decodificação de situações emocionais, essas influências subjetivas pessoais da

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mulher podem mascarar a objetividade de uma avaliação supostamente racional. Essa

dimensão da expressão do estereótipo feminino é vista como um fator negativo quando

contraposta à racionalidade masculina, contribuindo, assim, para a negação ou o

abrandamento na aplicação da norma jurídica.

O Tribunal do Júri adota procedimentos de avaliação de condutas, destinando

importância estratégica aos procedimentos formais. Existe a sensação de que elementos

subjetivos pessoais e procedimentos informais tendem a alcançar mais as mulheres, que com

o seu “sexto sentido”, acaba por turvejar a objetividade e a racionalidade de um julgamento. É

nesse instante que os operadores do direito, defensores público, advogados, promotores de

justiça, juízes de direito, estabelecem um processo de colagem de rótulo ou estigma, sempre

vinculado ao gênero do julgador, quanto ao caráter emocional do julgamento feminino, dando

ênfase à sensibilidade e estabelecendo um confronto entre emoção X razão.

O atributo “emotivo” imputado ao gênero feminino, quando confrontado com o

atribuído “racional” rogado ao gênero masculino, é interpretado socialmente dentro de uma

visão que Célia Amaral identificou como sendo dicotômica (AMARAL, 2005, p. 51),

consolidada como representação social e referendada no senso comum como um sinal de

fragilidade, fraqueza, covardia. A discussão articulada dentro desse viés não sofre uma

atenuação nem quando a mulher passa a desempenhar uma profissão para além do espaço

privado da casa, muitas das quais ainda são vistas como extensão das tarefas do lar. A sua

entrada no mercado de trabalho mantém firme a presença do estereótipo. Até mesmo a

presença da mulher na esfera pública do trabalho não contribuiu para uma mudança de

pensamento, porque as mulheres, apesar de terem assumido tais encargos, não se

desvincularam das tarefas domésticas e do cuidado com o lar. Destacam-se no exercício das

funções de mãe, supervisionam a atividades escolares, sobressaem no trato com os idosos, nas

atividades unificadoras da família, não esquecem os aniversários dos parentes e amigos,

manifestam-se nas situações que necessitam de apoio, dentre outras. Apesar da crescente

ocupação de espaços pela mulher no mercado de trabalho e a ampliação do número de

famílias por elas chefiadas, ainda permanecem consolidados, porém atenuados, fatores nas

relações que visam hierarquizar os sexos e ressaltar as diferenças.

Um estudo experimental sobre o processo de tomada de decisão dentro de um contexto

organizacional, conduzido por Lígia Amâncio, analisou a forma da decisão tomada por um

grupo de pessoas às quais foram apresentadas a um problema disciplinar, caracterizado como

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um roubo cometido por um funcionário dentro de uma organização formal (AMÂNCIO,

1994, p. 76-88). Este estudo encaixa-se perfeitamente no nosso objeto de análise. No caso

estudado foram operacionalizados dois tipos de decisão. Uma formal, caracterizada pelo

desencadeamento de um processo que poderia levar o funcionário à demissão. Outra

interpessoal, baseada na ajuda ao funcionário para repor o dinheiro. A primeira decisão

procurava traduzir a orientação comportamental masculina, independentemente do interesse

do outro, por ser baseada em interesses “universais”. A segunda, fundada nos interesses do

outro, procura traduzir o comportamento feminino.

O resultado dessa experiência, em face de um processo de tomada de decisão, diante de

um comportamento desviante e dentro de um contexto organizacional, concluiu que não existe

um comportamento tipicamente masculino, mas existe um tipicamente feminino. Ambos os

estereótipos foram associados tanto a decisão formal quanto a interpessoal, mas o único que

caracteriza um comportamento é o estereótipo feminino. Para a autora, já era esperado que os

traços da decisão interpessoal fossem percebidos, ainda que não exclusivamente, como uma

orientação comportamental feminina. Nessas condições concluiu que:

... os juízos dos homens revelam uma aparente racionalidade no contexto

operacional que estudamos, porque independente das especificidades dos

comportamentos e dos actores, excepto no caso de um actor mulher. Pelo contrário,

os juízos das mulheres revelam uma aparente dependência em relação à

especificidade das situações, que não é senão o resultado da necessidade de negociar

contextualmente as expectativas sobre o modo de ser feminino, uma vez situado

num contexto que não lhe é próprio. (sic!) (AMÂNCIO, 1994, p. 87).

Portanto, diante dessas constatações é possível projetar que a lógica que persiste na

aceitação ou na recusa da mulher para atuar no Conselho de Sentença é a possibilidade de um

julgamento diferenciado em relação aos homens que atuam na mesma função. Isto se deve

porque suas decisões, ainda que aparentemente, estão vinculadas com as explicações que

encontram para os juízos e comportamentos de uma dada realidade social, passando pela

análise dos fatores estruturantes do processo de percepção, reconhecidos de acordo com as

particularidades do seu sexo. A despeito da lógica de que os julgamentos femininos são

simplesmente emocionais, não foram evidenciados argumentos quantitativos nem qualitativos

para sustentar tal afirmativa. O número de absolvições não é maior quando o Conselho de

Sentença é formado exclusivamente por jurados do sexo feminino ou quando essa categoria

de gênero predomina. Constatou-se que, dos trinta e quatro casos de absolvições ao longo do

período, em vinte e um deles o Conselho era formado majoritariamente por homens e em três

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exclusivamente por eles. Noutro passo, somente em nove casos o Conselho tinha a maioria

feminina e em apenas um era restrito a esse gênero, inclusive, nesse caso a deliberação pela

absolvição não foi unânime.

Do total global de julgamentos realizados foi constatada que a participação feminina foi

inferior à masculina. A forma da composição do Conselho de Sentença, tomando como

paradigma a presença da mulher foi a seguinte: em 30,8% dos julgamentos tinha apenas uma

mulher no Conselho (trinta e seis casos); em 29,1% deles tinham apenas duas mulheres (trinta

e quatro casos); em 17,9% deles tinham três mulheres (vinte e um casos); em 4,3% deles

tinham quatro mulheres (cinco casos); esse percentual se repete quando cinco mulheres

participaram do Conselho (cinco casos); em 2,5% deles tinham seis mulheres (três casos); em

1,7% o Conselho foi formado exclusivamente por mulheres (dois casos) e em 9,4% deles só

por homens (onze casos). Assim sendo, percebe-se que somente em 12,8% do total de

julgados a mulher foi maioria no Conselho de Sentença (quinze casos).

Ao percorrer o processo de construção de uma convicção adquire-se a certeza de que

homens e mulheres não julgam de maneira igual. Não se pretende afirmar quem julga melhor,

se a mulher na sua suposta “emocionalidade” ou o homem fundado na sua “racionalidade”,

mas tão somente buscar identificar “princípios universais de comportamento”. Certo é que

ambos podem afastar as tendenciosidades, principalmente quando a qualidade da prova é

inequívoca, nessa situação, são levados a decidir pela versão que melhor a explica, permitindo

decisões conscientes e pautadas exclusivamente no fato posto a julgamento (ARONSON,

WILSON, AKERT, 2002, p. 369). Mas essas decisões também sofrem influências dos

elementos de cultura, das características individuais e do espaço de convivência de cada um.

As influências existem, mas não serão preponderantes, na proporção que as ambiguidades das

provas são eliminadas, pois só assim o jurado pode elaborar a sua própria história, a partir das

narrativas percebidas, dando sentido lógico explicativo às provas. Por isso, deve ser

descartada qualquer possibilidade de tentativa no sentido de estabelecer tipos de hierarquias

entre o gênero masculino e feminino no Tribunal do Júri. Também é descabido qualquer tipo

de “misoginia” implícita ou explícita, com a sugestão de que nesse local onde se exerce de

forma plena, uma parcela do poder do Estado é mais adequado para homens.

Tanto para homens quanto para mulheres a maneira de ver o mundo e de se posicionar

dentro dele é fruto das relações socialmente construídas, que não são fixas, mas moldadas

dentro de cada modelo cultural encontrado nos diferentes tipos de sociedade, portanto, essa

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análise deve ser cuidadosa e não pode ser construída isoladamente. Isso implica em não deixar

à parte outras relações sociais como as relações de classe e as relações étnicas, que, junto com

as relações de gênero, vão permitir uma melhor compreensão dos princípios que norteiam a

atuação dos jurados no Tribunal do Júri, as seguranças e as incertezas de suas decisões, estas

notadamente assimétricas.

Esse tipo de investigação, voltada para as discussões sobre gênero, etnia e classe social

presentes no Tribunal do Júri, pode ser benéfica na medida em que vai procurar compreender

melhor o comportamento e as atitudes dos jurados, quando confrontados com algumas

situações que são marcadas pela presença de clivagens diversas. Nas linhas que se seguem

procura-se identificar se classe social e etnia também são fatores que exercem influência

central na compreensão das decisões do Tribunal do Júri. Para tanto, proceder-se-á

primeiramente a uma revisão da literatura sociológica sobre o tema.

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CAPÍTULO III

ASPECTOS METODOLÓGICOS

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Aspectos Metodológicos

O paradigma predominante a ser utilizado neste trabalho é o da investigação multi-

métodos. Essa investigação é composta parcialmente de análises mais qualitativas,

constituindo-se em um modelo aberto a análise e a interpretação, que ontologicamente se

caracteriza por uma realidade que será investigada sob o ponto de vista da sua construção,

mas a partir de contextos sociais concretos. Noutra parte adota recursos mais quantitativos,

quando se tratar da análise das relações entre crime, júri, réu, vítima e pena.

Fator preponderante para o êxito dessa investigação social é a metodologia aplicada, de

forma a permitir uma profunda e mais completa análise da realidade que aproxima os diversos

grupos sociais que integram o Tribunal do Júri da cidade de Aracaju/Se. Sem essa perfeita

identificação do nosso público alvo, não será possível estabelecer uma caixa de ressonância

entre os fatos sociais (crimes) e os seus veredictos.

Não é possível esquecer que a função de jurado é uma função obrigatória, logo não é

uma tarefa pensada e desejada pela maioria daqueles que integram uma relação de jurados. Na

realidade essa função, na maioria das vezes, não é ambicionada pelos escolhidos. Assim

sendo, foi calculada a necessidade de vencer eventual resistência que poderia distanciar o

interesse do jurado em colaborar com o projeto, com o nosso interesse em realizar a pesquisa.

Inicialmente, na fase de entrada em campo, foram selecionados os casos para análise.

Esse “corpus” foi estabelecido a partir da universalidade dos casos concretos (processos) que

foram analisados e julgados pelo 1º Tribunal do Júri da Comarca de Aracaju/Se, no período

compreendido entre o mês de abril de 2003 e dezembro 2007.

Depois de selecionados o “corpus”, foi identificado para cada caso o modelo da

acusação a que o réu fora submetido quando da realização do júri popular, qual seja, a

acusação foi separada por tipos, homicídio simples, homicídio com uma qualificadora, com

duas qualificadoras, etc. Friso, que há previsão legal para cinco qualificadoras, sendo também

observadas as suas combinações específicas. Igualmente, os crimes de homicídio tentado

foram agrupados em outro “corpus” utilizando-se os mesmos critérios.

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Somente após a obtenção e interpretação desses dados numéricos preliminares é que

foram organizados questionários em profundidade, com questões adequadas, aplicados aos

jurados previamente selecionados, com o objetivo de compreender os esquemas

interpretativos dos respondentes sobre os resultados até então alcançados. O objetivo é

entender de forma detalhada as diferentes representações, valores, motivações e atitudes, das

pessoas que fazem parte do Conselho de Sentença, diante de fatos sociais (crimes) específicos

e reconstituídos no plenário do júri, de forma a constatar as diferentes posições tomadas pelos

membros do meio social.

O número de questionários aplicados, para posterior análise secundária, foi determinado

levando-se em consideração o número de jurados listados no 1º Tribunal do Júri para o ano de

2007, último ano pesquisado, em número que permite conferir representatividade à pesquisa.

A análise e a interpretação dos dados inicialmente investigados buscarão encontrar

padrões de comportamentos e mesmo racionalizações, em razão das variadas conexões que

poderão ser identificadas entre a cor da pele, o gênero e a classe social quando da análise de

um crime pelo Conselho de Sentença.

A análise das respostas foi de extrema importância para o desenvolvimento da pesquisa,

uma vez que ela proporcionou, além de rever algumas hipóteses, obter significativos dados

suplementares que permitiram auxiliar na interpretação dos resultados inicialmente obtidos.

Foi utilizado o método de análise de conteúdo. Essa análise tanto visa aferir a Frequência das

características presentes na mensagem com extrema rigorosidade científica quanto aferir as

características ausentes da mensagem (RICHARDSON, 1999, p. 221).

Dessa forma, a análise de conteúdo evidenciou através das características presentes e

“ausentes na mensagem”, obter uma real delimitação do poder de representação do Conselho

de Sentença diante do processo de avaliação dos conflitos sociais e seus recorrentes

imbricamentos com as relações de gênero, cor da pele e classe social. Esse processo conduz a

uma certificação da necessidade ou não da aplicação de uma sanção. Assim sendo, foi

permitido interpretar os dados, através dos quais é possível compreender as características, as

estruturas e os modelos das mensagens que são levadas ao público com as decisões tomadas

pelos Julgadores Sociais.

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Foram realizados dois estudos. O primeiro envolvendo os processos julgados entre os

anos de 2003 a 2007 no 1º Tribunal do Júri em Aracaju/Se. O segundo realizado por meio de

entrevistas estruturadas com os jurados.

3.1. Estudo 1: Dos julgamentos realizados entre os anos de 2003 a 2007

O objetivo desse estudo foi lançar um olhar, com vertente sociológica, sobre a atuação e

a possibilidade do Tribunal do Júri de Aracaju/Se, julgar com base em um poder de

representação estereotipado e definido por impressões das relações sociais simplificadas pela

articulação de gênero, cor da pele e classe social. Com essa análise, a Sociedade poderia

considerar legítimo ou ilegítimo o poder individual de matar.

O júri popular é um verdadeiro instrumento para o exercício da democracia, sendo o

local onde o cidadão se investe de forma legítima do poder jurisdicional para solucionar

alguns casos (crimes dolosos contra a vida) envolvendo os próprios integrantes da sociedade.

Vários papéis específicos são representados nesse cenário. O de promotor, de advogado, de

juiz, de réu, de vítima, de testemunhas e dos juízes do fato (jurados).

Nesse cenário, é preciso procurar descortinar os caminhos que levam os jurados a

acolherem, como mais adequado, o discurso da acusação ou da defesa. Tentar encontrar

respostas para explicar o motivo pelo qual, o jurado eventualmente se inclina para decidir fora

dos limites da prova dos autos, em evidente contradição com a lei. Não é menos importante

entender a ocorrência do “fenômeno” que proporciona uma identificação, tanto com a causa

da vítima quanto com a causa do réu, ensejando em uma decisão final, muitas vezes em

descompasso com os elementos de prova. Esse é o objetivo dessa pesquisa.

Ao lançar esses questionamentos que, é importante pensar na identificação de quais

fatores endógenos podem interferir nos julgamentos realizados, procurou-se, na tentativa de

alcançar pontos de convergência, partir de dois pólos opostos, um identificado com os

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elementos que são oferecidos pelos réus e vítimas e o outro percebido através do pensamento,

das atitudes e do comportamento dos jurados.

Nesse sentido, limita-se o “corpus” do primeiro estudo ao universo de todos os

processos julgados entre maio de 2003 e dezembro de 2007, no 1º Tribunal do Júri da

Comarca de Aracaju/Se, que funciona junto ao juízo da 5ª Vara Criminal, localizado nas

dependências do Fórum Gumersindo Bessa. Nesse período foram contabilizados cento e vinte

e sete julgamentos populares, distribuídos da forma seguinte.37

Tabela 04 – Número de julgamentos realizados em cada Tribunal do Júri da Comarca de Aracaju/Se.

ANO 2003 2004 2005 2006 2007 TOTAL

1º TRIBUNAL DO JÚRI 27 24 26 21 29 127

2º TRIBUNAL DO JÚRI - - 11 47 30 88 Fonte: Poder Judiciário. 1º e 2º Tribunais do Júri.

Analisando as informações acima, é de se observar que não se fez referência aos

processos julgados nos anos de 2003 e 2004 no 2º Tribunal do Júri. Essa omissão é justificada

porque até o ano de 2004, o 2º Tribunal do Júri estava vinculado a 10ª Vara Criminal, que foi

extinta. Foi criada em seu lugar a 8ª Vara Criminal. Com essa mudança, os dados referentes

aos processos julgados antes da criação não podem ser acessados através do setor de

estatísticas do Tribunal de Justiça, já que a antiga 10ª Vara Criminal está desabilitada no

sistema informatizado. Contudo, observa-se que existe uma paridade numérica entre a atuação

de ambos os Tribunais quando somados os julgamentos realizados nos demais anos. Nesse

sentido, é possível afirmar que existe uma representação equilibrada dos casos julgados na

cidade de Aracaju/Se entre ambos os Tribunais.

De todos os julgamentos realizados no período estudado, a totalidade refere-se à prática

de crimes de homicídios consumados (com a morte da vítima) ou tentados (sem a morte da

vítima). Nesse período não foi identificado nenhum outro julgamento referente a qualquer

outro tipo de crime da competência do Tribunal do Júri. Analisei cento e dezessete processos

criminais de um total de cento e vinte e sete processos julgados no 1º Tribunal do Júri.

Durante cinco meses, entre março e julho de 2008, buscou-se localizar o destino de todos os

cento e vinte e sete processos julgados. Foi pesquisado junto à Secretaria da 5ª Vara Criminal

(1º Tribunal do Júri) e foi encontrado os processos que já haviam sido julgados, mas que em

37

Os dados referentes ao 2º Tribunal do Júri, foram colhidos junto a Diretoria de Planejamento e

Desenvolvimento da Secretaria de Planejamento e Administração do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

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razão da interposição de recurso de apelação para o Tribunal de Justiça, questionando o

resultado do julgamento, ali se encontravam para os procedimentos adequados à tramitação

dos recursos. Ali também foram detectados os processos que já haviam sido julgados pelo

Tribunal de Justiça, em razão de recurso interposto, através do qual restou anulado o primeiro

julgamento, e naquele momento estavam aguardando a designação de pauta para um novo

julgamento.

Na seqüência, localizou-se junto ao Arquivo Geral do Judiciário do Estado de Sergipe

os processos julgados, cujos acusados já haviam cumprido as suas respectivas penas e

também os processos onde os acusados haviam sido absolvidos. Junto à Vara das Execuções

Criminais de Aracaju/Se, buscou-se localizar os processos julgados, através dos quais os

condenados ainda estavam cumprindo as suas penas. Por fim, junto aos Gabinetes dos

Desembargadores, que integram a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de

Sergipe, localizou-se os processos que ali estavam por força da interposição de recurso de

apelação. O que ensejou a interposição desses recursos foi a discordância, seja do Ministério

Público ou da defesa, em razão do resultado do julgamento realizado. Naquela oportunidade

ainda estavam pendentes de decisão por aquela Corte de Justiça.

Não se pode deixar de reconhecer que minha condição singular, por ser Promotor de

Justiça, me permitiu acesso privilegiado aos autos dos processos pesquisados e as

dependências onde os mesmos se localizavam, sendo sempre recebido com cortesia e notada

uma extraordinária boa vontade de todas as pessoas as quais necessitei me dirigir. Essa

situação tornou possível imprimir maior celeridade e dinamismo ao trabalho, com substancial

economia de tempo. Nesse ritmo, ainda tive a liberdade de buscar com diligência o que fosse

necessário e no momento mais adequado para a pesquisa.

Essa busca não resultou em êxito total, já que não foi localizado, para catalogar, dez dos

cento e vinte e sete processos julgados. Desses, um não foi localizado junto à Secretaria da 5ª

Vara Criminal, três não foram localizados junto à Vara das Execuções Criminais, três se

encontravam nos Gabinetes dos Desembargadores, porém, com carga para os advogados dos

condenados, por fim, três se encontravam no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em

Brasília/DF, por força de recursos interpostos para essa Corte de Justiça. Portanto, foram

analisados e catalogados cento e dezessete processos do total de julgados no período,

correspondendo a 92,12% dos processos julgados.

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Depois de realizada a seleção do “corpus”, foi catalogada para cada caso a data e o local

do crime, a data e o tempo levado para julgamento da causa, o modelo da acusação a que o

réu fora submetido quando da realização do júri popular, separando-se a acusação por tipos,

homicídio simples, homicídio com uma qualificadora, com duas qualificadoras, etc. Frisa-se,

que há previsão legal para cinco qualificadoras, sendo também observadas as suas

combinações específicas. Também foram catalogados os crimes conexos julgados pelo júri,

dados pessoais dos réus e das vítimas, as teses apresentadas pela defesa em plenário, os dados

referentes ao resultado do julgamento, a existência de recursos e a relação completa dos

jurados participantes de cada sessão de julgamento.

3.2 Estudo 2: As visões dos jurados sobre o processo de avaliação de condutas

O objetivo geral dessa pesquisa é investigar como se articula o poder de Representação

do Tribunal do Júri em Aracaju/Se, em relação à organização social estabelecida pelas

articulações das relações de gênero, cor da pele e classe social. De que forma as decisões são

tomadas nos julgamentos. Avaliar o impacto dessas relações no comportamento de homens e

mulheres frente aos diversos conflitos sociais que ali são dirimidos. O objetivo é identificar se

os elementos de racionalidade e imparcialidade, que possuem presença marcante nas decisões

judiciais ordinárias, permanecem prevalentes ou são enfraquecidos ou desconsiderados diante,

da evidência das relações de gênero, cor da pele e classe social. Neste sentido, devemos

procurar identificar e melhor trabalhar com a dinâmica de determinadas construções sociais

que venham a interferir no processo de julgamento.

Especificamente também é importante analisar como a identidade que não é algo rígido

e nem vinculado a uma suposta sedimentação da cultura, mas, sim fruto de um processo

contínuo de constituição. Este que se inicia com o nascimento e nunca é concluído, pois está

sempre em formação, cria uma identificação pessoal com a causa a ser julgada, identificando,

inclusive, possíveis distorções que podem redundar em injustiças, por conta da formação de

juízos de valor distanciados da realidade jurídica.

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Procurar identificar se a realidade jurídica de igual forma pode sofrer interferência

diante da interpretação da representação de condutas, situações e ações a partir da comparação

com experiências pessoais vividas no ambiente da rua que é por excelência o ambiente da

luta, da malandragem, da individualização ou até da formação de grupos hierarquizados com

objetivos definidos (DA MATTA, 1997, p. 55). Enfim, demonstrar se a verdadeira “intenção”

do Tribunal do Júri, é de proferir julgamentos justos a partir do reforço de uma lógica jurídica

ou demonstrar através de estereótipos um processo de dominação.

A investigação sobre o Tribunal do Júri em Aracaju/Se busca verificar se as hipóteses

supostas para a pesquisa podem ser confirmadas ou se novos caminhos podem ser construídos

para a ampliação da discussão. Especificamente, se busca verificar se de fato o Tribunal do

Júri está aberto a uma análise mais democrática do seu poder de representação. Se o Tribunal

do Júri de Aracaju/Se exerce seu poder de representação sem critérios de análise e de

definição sobre a pertinência de certos aspectos sociais relevantes para a interpretação de fatos

de um dado processo criminal. Se a formação do Tribunal interfere diretamente no modo

como as interpretações são realizadas e na materialização do imaginário social. Se o

preconceito e a discriminação são elementos que motivam um poder de representação preso a

um caráter estático das relações sociais.

Somente após a obtenção e interpretação dos dados numéricos preliminares é que foram

organizados questionários padronizados em profundidade, codificados de forma coerente e

simples, com questões adequadas, a partir de um referencial teórico que incorpora o objetivo

da pesquisa. As perguntas foram sistematizadas de forma a permitir respostas alternativas

fixas, mas também deixando certa margem de liberdade para permitir respostas de acordo

com as palavras de cada respondente. Foram aplicados aos jurados, selecionados

aleatoriamente, com o objetivo de compreender os esquemas interpretativos dos respondentes

sobre os resultados até então alcançados.

O objetivo é entender de forma detalhada as diferentes representações, valores,

motivações e atitudes, das pessoas que potencialmente podem fazer parte de um Conselho de

Sentença, diante de fatos sociais (crimes) específicos e reconstituídos no plenário do Júri.

Pretende-se ainda constatar as diferentes posições assumidas pelos membros do meio social.

Inicialmente foi observado dois dilemas. Como selecionar os jurados para responderem

os questionários e o número de questionários que deveriam ser aplicados para conferir

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credibilidade à pesquisa. No começo não se tinha à disposição uma listagem única, pois a

relação geral de jurados é anual, portanto, suscetível de alterações. Nessa perspectiva deveria

trabalhar com cinco listas diferentes e ainda contaria com um inconveniente, a

impossibilidade de localizar os endereços dos jurados que já foram excluídos da listagem

geral, já que esses dados não são prioritários para o controle exercido pela administração

judiciária. Por isso, foi feita a opção de trabalhar com a listagem atualizada em relação ao ano

da pesquisa, ou seja, referente ao ano de 2008, pois esta aglutinava jurados de relações

anteriores e novos jurados.

Dentro dessa visão poderia obter informações tanto de jurados experimentados, quanto

de jurados com pouca ou nenhuma experiência em julgar seus semelhantes. Decidido onde

buscar o nome dos entrevistados, restou descobrir a forma mais adequada para ir até os

jurados. Não se chegou a cogitar a possibilidade de encaminhar os questionários pessoalmente

para os jurados, pois queria evitar que houvesse qualquer tipo de compartilhamento na

produção das respostas, procurando manter o mesmo sistema observado no julgamento real,

qual seja, a íntima convicção do jurado. Vale destacar que seria difícil e demandaria muito

tempo encaminhar o questionário para residência ou para o trabalho dos jurados, mesmo

porque a lista geral referente ao ano de 2008 contava com exatos mil quatrocentos e dezoito

jurados. Outro aspecto que foi reputado negativo dentro dessa sistemática era a total ausência

de controle sobre a quantidade e o momento em que as respostas seriam devolvidas ao

pesquisador.

O interesse maior era colher dados que conferissem credibilidade à pesquisa. Com esse

objetivo, mantive contato com a magistrada, presidenta do 1º Tribunal do Júri, e manifestei o

meu interesse em realizar as entrevistas no próprio plenário do Tribunal e nos dias designados

para julgamentos. Para tanto, me vali das intimações oficiais que foram encaminhadas aos

jurados no sentido de comparecerem às sessões de julgamentos previstas para se realizarem

nos meses de setembro a novembro de 2008, sempre às segundas, quartas e sextas-feiras.

Como já informado,38

o número total de jurados sorteados para cada sessão periódica de

julgamento é de vinte e cinco jurados titulares, acrescido de sete jurados suplentes. É

relevante informar que, no período da realização das entrevistas, foram convocadas doze

sessões periódicas para, em dias distintos, realizarem vinte e dois julgamentos. Considerando

que para cada sessão são convocados vinte e cinco jurados titulares e sete suplentes, ao longo 38

Cf. informação contida na p. 28.

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do tempo, foram convocados trezentos e oitenta e quatro jurados, dos quais foram

entrevistados cento e trinta e seis jurados.

A base numérica da amostragem foi a relação geral de jurados válida para o ano de

2007, onde constava um total de oitocentos e trinta e um jurados. Dessa base, definiu-se um

número necessário para conferir segurança estatística e representatividade aos dados colhidos.

Os jurados foram contactados no próprio Tribunal e o processo foi totalmente aleatório, uma

vez que só foram entrevistados, dentre os jurados que compareceram à sessão de julgamento,

os que não foram sorteados para integrarem o Conselho de Sentença naquele dia. Portanto,

por essa razão, alguns jurados deixaram de responder ao questionário. Também não

colaboraram para a pesquisa os jurados que por qualquer motivo, apesar de convocados,

foram dispensados ou não compareceram ao Fórum no dia designado.

As entrevistas ocorriam após a realização do sorteio, apenas com os jurados dispensados

daquela sessão, como forma de não interferir nos trabalhos do Tribunal do Júri. Nesse sentido,

se teve a inestimável colaboração da magistrada, que de forma muito democrática e receptiva,

foi permitida a realização desse trabalho, inclusive, por alcançar a precisa noção da

originalidade e relevância da pesquisa, para todos aqueles que estão direta ou indiretamente

envolvidos com as ações desenvolvidas no próprio Tribunal do Júri. Contei também com a

colaboração do representante do Ministério Público e da Defensoria Pública, que

antecipadamente, da mesma forma que a magistrada, receberam cópias dos questionários

aplicados.

No período em que foi realizada a aplicação direta e coletiva dos questionários eu me

encontrava afastado das funções, junto ao Tribunal do Júri, com dedicação exclusiva a

elaboração dessa dissertação. Portanto, a aplicação não foi por mim conduzida, em razão

daquele ser o meu ambiente de trabalho, mas sim por pessoa qualificada e que tinha perfeito

conhecimento do objeto da pesquisa. Com essa postura, procurei resguardar a minha posição

de Promotor de Justiça, e também evitar o desaparecimento da espontaneidade dos

respondentes, necessária para a obtenção de um resultado íntegro.

É passível de reflexão a análise das implicações de estudar o Tribunal do Júri, mesmo

ocupando uma posição definida e de destaque nesse cenário. Refleti a respeito e verifiquei que

é possível estranhar o que parece familiar e se familiarizar com o estranho. Por isso, procurei

me manter o mais afastado possível no momento das entrevistas com os jurados, inclusive,

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não fazendo referência a minha função profissional junto ao Tribunal do Júri, como forma de

não interferir nas respostas colhidas.

Como ato de preparação para a aplicação do questionário foi apenas informado aos

jurados sobre a realização da pesquisa, explicado o seu conteúdo e dado ênfase a sua

importância, conscientizando-os de que para se atingir o objetivo da investigação era

imprescindível a cooperação dos respondentes. Nos questionários não existia nenhuma forma

de identificação, garantindo, assim, o anonimato das respostas, como forma de conferir maior

liberdade na expressão das opiniões.

O questionário aplicado aos jurados foi elaborado de forma a respeitar o entrevistado

como ser humano e com a preocupação de manter a sua colaboração após iniciada a sessão de

respostas. Foi dividido em dois blocos. O primeiro formado por um conjunto de vinte e oito

perguntas, formuladas em simples proposições, que procurou estabelecer as bases para uma

ampla análise da visão dos jurados em relação a todas as variáveis cogitadas e levantadas

através do primeiro passo da pesquisa. Combinaram-se perguntas fechadas e abertas. Nas

fechadas foi colocada a disposição dos respondentes um leque de duas a cinco opções, de

acordo com a pergunta, procurando ajustar a resposta às características, ideias e sentimentos

de cada entrevistado. Algumas perguntas fechadas permitiam que os entrevistados

desenvolvessem, em curtas orações, justificativas para a resposta anteriormente fornecida.

Dessa forma, o entrevistado podia aprofundar a sua opinião. No segundo bloco foram

formuladas perguntas com o objetivo de obter informações sociodemográficas do próprio

entrevistado. Um modelo do questionário aplicado segue em anexo.

Foi feita a opção pelo método direto de aplicação. No momento da mesma não foi feita

qualquer alusão à pessoa do pesquisador. Todavia, cada jurado recebeu um Termo de

Consentimento, onde em linhas gerais traz informações sobre a pesquisa, o nome do

pesquisador e o do seu orientador. Em relação a esse, ainda foram fornecidos os meios através

dos quais poderia ser localizado para dirimir eventuais dúvidas quanto ao conteúdo da

pesquisa. Foi ressaltado também que o questionário deveria ser respondido de forma

voluntária.39

Também segue em anexo um modelo do Termo de Consentimento fornecido.

39

Foram colocadas à disposição, dos jurados, para eventual consulta, as Resoluções n.º 196/2006 e 304/2000 do

Conselho Nacional de Saúde.

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Trabalhando dessa forma, acredita-se ter colhido as respostas dos jurados em ambiente

favorável, ou seja, no próprio plenário do Tribunal do Júri, logo, no mesmo ambiente em que

ele, na qualidade de integrante do Conselho de Sentença deveria votar. As respostas foram

dadas sem a interferência de terceiros, portanto, exatamente da forma como o jurado deve se

comportar na sala reservada, onde deve proferir seu voto em total silêncio e atendendo,

exclusivamente, a sua íntima convicção. Nenhuma resposta foi preparada ou pensada com

antecedência, já que os jurados só passaram a ter conhecimento da entrevista no momento da

abordagem que acontecia no dia da sessão de julgamento para a qual foram convocados.

Apesar de não terem sido avisados com antecedência sobre a aplicação do questionário, foi

destinado tempo suficiente para que cada um considerasse cuidadosamente cada aspecto antes

de responder as perguntas.

Observado de outro ângulo, o fator tempo pode exercer uma influência negativa nesse

método de observação. Em razão do excessivo número de tarefas que assumimos ao longo do

dia, sempre é muito complicado achar tempo disponível para responder a uma pesquisa, seja

ela simples ou complexa. Nesse caso e considerando que já existia para o jurado a

possibilidade de ser sorteado para compor o Conselho de Sentença, e nessa condição ser

compelido a passar algumas horas envolvido com a sessão de julgamento, acredita-se que

diante da realidade de não ter sido sorteado, e por conseguinte, convidado a responder um

questionário, com duração média de trinta e dois minutos, o fator tempo não deve ter exercido

influência negativa nas respostas dadas.

Definida a forma, restava definir a quantidade de questionários a serem aplicados.

Inicialmente pensou-se na quantidade total de jurados relacionados em cada uma das listagens

anuais, referente ao período estudado, conforme os valores abaixo registrados. A média de

jurados foi de setecentos e dezessete jurados. Contudo, posteriormente, foi observado que a

renovação anual dos integrantes de cada uma das relações é pequena, portanto, diante da

possibilidade de trabalhar com apenas uma relação, contendo jurados que tinham participado

de julgamentos ocorridos em anos anteriores, foi conduzido a cogitar pela relação referente ao

último ano de julgamento analisado na pesquisa.

Em outro momento, considerou-se a possibilidade de se utilizar a quantidade numérica

de jurados que efetivamente participaram nos cento e vinte e sete julgamentos, no período que

compreende a pesquisa, como parâmetro para estabelecer o número de questionários a aplicar.

Dentro dessa lógica, teria-se um universo de oitocentos e oitenta e nove jurados. Todavia, esse

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133

número não representava o número total de pessoas que atuaram nos julgamentos. Nesse

passo, deveria considerar que vários jurados teriam participado de diversos julgamentos

distintos nesse período, portanto, conclui-se que melhor seria trabalhar com a situação

anteriormente exposta.

Tabela 05 – Número de jurados existentes, por ano pesquisado, nas listagens gerais do 1º Tribunal do Júri

da Comarca de Aracaju/Se.

ANO 2003 2004 2005 2006 2007

NÚMERO DE JURADOS 449 868 544 894 831 Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri.

Diante da impossibilidade de se conseguir as listagens mais antigas, referentes aos cinco

últimos anos, junto à secretaria judiciária do 1º Tribunal do Júri, houve a sugestão de se

pesquisar no site do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, onde realizou-se a consulta ao

diário da justiça eletrônico, e ali, sem nenhuma dificuldade foram localizadas as publicações

referentes a todas as listas anuais de jurados com os dados acima registrados.40

Amparado nesse raciocínio, foram aplicados cento e trinta e seis questionários. Esse

número corresponde a 16,4% do número total jurados alistados para o ano de 2007, sendo

uma amostra representativa dos oitocentos e trinta e um jurados alistados no 1º Tribunal do

Júri naquele ano. A margem de erro trabalhada foi de 9,0%.

Esse número ainda representa 15,3% se cotejado em relação ao universo numérico total

de jurados utilizados nos julgamentos realizados durante o período pesquisado. Por fim, a

proporção dos questionários aplicados, considerados cada ano isoladamente, pode ser

visualizada na tabela abaixo:

Tabela 06 – Percentual de questionários aplicados em relação aos jurados listados no 1º Tribunal do Júri

em cada ano pesquisado.

ANO 2003 2004 2005 2006 2007

NÚMERO DE JURADOS 449 868 544 894 831

PERCENTUAL 30,3% 15,7% 25,0% 15,2% 16,4% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri.

40

Listagem para o ano de 2003, publicada no Diário da Justiça, de 02 de dezembro de 2002; listagem para o ano

de 2004, publicada no Diário da Justiça, de 21 de novembro de 2003; listagem para o ano de 2005, publicada no

Diário da Justiça, de 17 de novembro de 2004; listagem para o ano de 2006, publicada no Diário da Justiça, de

25 de novembro de 2005; listagem para o ano de 2007, publicada no Diário da Justiça, de 16 de novembro de

2006; listagem para o ano de 2008, publicada no Diário da Justiça, de 30 de novembro de 2007.

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134

Posteriormente, os dados coletados foram cruzados com as variantes de gênero, cor da

pele e classe social através de programa de análise estatística, apoiada pelo SPSS (Statistical

Packhage For Social Sciences). A análise e a interpretação desses dados investigados

buscarão encontrar padrões de comportamentos e mesmo racionalizações, em razão das

variadas conexões que poderão ser identificadas entre a cor da pele, o gênero e a classe social

quando da análise de um crime pelo Conselho de Sentença.

Através desse trabalho acadêmico não se pretende encontrar soluções para problemas

teóricos que se apresentam no Tribunal do Júri, discutir aspectos jurídicos, analisar

argumentos que sejam promanutenção ou proextinção da Instituição do Júri, a manutenção,

redução ou ampliação da sua competência ou a maneira mais adequada para selecionar um

Conselho de Sentença. Espera-se que essa dissertação sirva para lançar um novo olhar sobre o

Tribunal do Júri e sua atuação, e que a partir de uma visão sociológica, tanto do ponto de vista

dos operadores do Direito41

quanto daqueles que de fato constroem as decisões ali tomadas

(jurados), reste evidenciado, que por trás de todo ritual jurídico, existe uma forma peculiar de

controle social que reflete a diversidade cultural de uma sociedade.

41

Assim entendidos como: advogados, defensores públicos, promotores de justiça, juízes de direito,

procuradores de justiça, desembargadores e ministros.

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135

CAPÍTULO IV

DOS RESULTADOS E DAS DISCUSSÕES SOBRE O

TRABALHO DE CAMPO

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136

4.1 Sobre os dados coletados nos processos julgados

O trabalho de campo realizado foi divido em duas etapas distintas: a primeira consistiu

em recolher os dados constantes nos processos criminais julgados e a segunda referente à

coleta de informações junto aos jurados que atuam perante o 1º Tribunal do Júri. No período

destinado à coleta dos dados referentes à primeira etapa, ocorrida entre os meses de março e

julho de 2008, foram investigados cento e vinte e sete julgamentos realizados. O objetivo era

uma máxima aproximação do número total de julgamentos realizados no período, mas diante

da impossibilidade, pelos motivos já informados, de levantar os dados da totalidade dos

julgamentos, foram catalogadas informações concernentes a cento e dezessete julgamentos

realizados. Esse número equivale a 92,1% de todo o universo julgado no período escolhido

para a pesquisa.

O conjunto dos dados coletados a partir da análise dos processos julgados foi

catalogado, e passou a fazer parte da problemática enfrentada pela dissertação, servindo para

orientar as estratégias empregadas para a realização da segunda parte da coleta de dados. Cada

processo contém algumas informações que precedem ao julgamento e outras que foram

registradas em razão do julgamento. Estabeleceu-se uma relação de dezesseis campos de ação

que, uma vez pesquisados, poderiam ser muito relevantes e esclarecedores na pesquisa. Nesse

momento do trabalho foi necessário esquadrinhar cada processo separadamente, com o

objetivo de colher todos os dados inicialmente pensados.

Os julgamentos foram sistematizados em ordem e com base na data da sua realização.

Cada processo julgado é apresentado pelo seu número de identificação, através do qual ele

pode ser consultado pelo sistema informatizado do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

Primeiro considerou-se relevante colher informações sobre a data do fato e a data de

julgamento, esses dados permitiram calcular o tempo decorrido entre a data da prática do

crime e o dia em que a sociedade foi chamada para se pronunciar sobre o fato, julgando a

pessoa do réu. De posse dessa informação, foi possível constatar o quanto a justiça tem sido

morosa para julgar os processos de atribuição do Tribunal do Júri.

Observando com maior rigor foram identificados julgamentos que foram realizados

cento e noventa e quatro meses após a data do fato, ou seja, a justiça levou aproximadamente

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dezesseis anos e dois meses para julgar o caso. Na média geral, estabelecida a partir de todos

os dados colhidos, foi constatado que o tempo médio gasto entre a data do crime e o

julgamento do acusado, em plenário, foi de aproximadamente sessenta e nove meses ou cinco

anos e oito meses. Tempo demais para uma justiça que deve primar pela celeridade. Por isso,

é importante perceber se o fator tempo, entendido aqui como o tempo de duração de um

processo, pode se constituir em uma variável relevante e que exerce influência no resultado do

julgamento.

Da análise dos homicídios ocorridos na cidade de Aracaju/Se de 2003 a 2007, período

da pesquisa, mostra que na mesma quadra foram julgados, pelo 1º Tribunal do Júri, 16,8% do

total de crimes registrados. No ano de 2003 foram catalogados cento e oitenta e seis

homicídios, durante o ano de 2004 foram registrados cento e quarenta e cinco homicídios, em

2005 foram relacionados cento e trinta e seis homicídios, já no ano de 2006 foram

classificados cento e sessenta e quatro, e finalmente em 2007 foram verificados cento e vinte

e cinco homicídios. O total geral de crimes letais ocorridos no período soma setecentos e

cinqüenta e seis casos42

. Acredita-se que esses números referentes aos crimes de homicídio

estejam bem mais próximos da realidade quando comparados com qualquer outro tipo de

infração. Seja em razão da sua gravidade, seja em razão da presença material de um corpo que

repousa no local do crime, geralmente aos olhos de muitos, portanto o fato não passa

despercebido, ou até mesmo pela maior frequência com que inquéritos policiais são

instaurados para apurar esse tipo de delito, demonstrando, inclusive, maior empenho das

autoridades de segurança.

A seguir, procurou-se constatar o tipo de crime, com suas características que mais

prevaleceram nos julgamentos realizados no 1º Tribunal do Júri, os números obtidos podem

ser verificados na Tabela abaixo.

42

Dados coletados junto à Coordenadoria de Estudos, Pesquisa e Estatísticas da Superintendência da Polícia

Civil, da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Estado de Sergipe.

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Tabela 07 – Tipos de crime apontado pelo Ministério Público, em plenário, em todos os julgamentos

realizados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado.

TIPO DE CRIME TOTAL DE

CRIMES

PERCENTUAL TOTAL DE

QUALIFICADO

RAS

Homicídio Duplamente Qualificado 49 39,2% 98

Homicídio Qualificado 24 19,2% 24

Homicídio Simples 22 17,6% -

Homicídio Tentado Duplamente Qualificado 8 6,4% 16

Homicídio Tentado Qualificado 8 6,4% 8

Homicídio Tentado Simples 7 5,6% -

Homicídio Triplamente Qualificado 5 4,0% 15

Homicídio Tentado Triplamente Qualificado 1 0,8% 3

Homicídio Privilegiado 1 0,8% -

Total 125 100% 164 Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Conforme se pode perceber na Tabela 7, buscou-se catalogar a forma como o Ministério

Público atuou no plenário do 1º Tribunal do Júri em todos os julgamentos realizados. Foi

constatado que no período estudado somente foram julgados crimes de homicídio, seja da

forma consumada ou tentada. Não se registrou nenhum julgamento pela prática de crime

induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122 CPB),43

infanticídio (art. 123 do CPB)

44 ou aborto (arts. 124 a 127 do CPB),

45 já que somente esses, originariamente, são da

43

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da

tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único - A pena é duplicada:

Aumento de pena

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. 44

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 45

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é

alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do

aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são

duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de

seu representante legal.

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competência do Tribunal do Júri. Dos casos de homicídio apenas 19,2% referiam-se à

tentativa de homicídio, enquanto a maioria absoluta dos julgamentos, o equivalente a 80,8%

dizia respeito a casos de homicídio consumado.

A segunda constatação que pode ser extraída desses dados é que a proporção de

acusados por homicídio, agregada a uma ou mais qualificadoras é muito significativa. Nessa

situação a existência de qualificadoras significa que o crime se reveste de maior gravidade,

por isso, necessita da aplicação de uma sanção mais severa. Observa-se que em 76% dos

casos a acusação agregou qualquer tipo de qualificadora ao crime de homicídio; e em apenas

23,2% dos casos acusou o réu apenas pelo crime base, sem a presença de nenhuma

qualificadora; por fim, em apenas 0,8% dos casos postulou a condenação do acusado por

crime privilegiado.

Segundo Damásio Evangelhista de Jesus, “as qualificadoras são circunstâncias legais

especiais ou específicas previstas no Código Penal46

que, agregadas à figura típica

fundamental, têm função de aumentar a pena” (JESUS, 2005, p. 580). A pena prevista para o

crime de homicídio consumado simples é de seis a vinte anos de reclusão. Se for agregada

qualquer qualificadora a pena a ser aplicada passa a ser calculada entre um mínimo de doze e

um máximo de trinta anos de reclusão. Se o crime for apenas tentado, o juiz deverá promover

uma redução da ordem de um a dois terços da pena aplicada. Por fim, se for considerado pelo

Conselho de Sentença que o crime foi praticado por motivo de relevante valor social ou

moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima

(homicídio privilegiado), o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

46

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de

violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um

terço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa

resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a

defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

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Cabe destacar, ainda em relação aos dados representados na Tabela 7, que em seis

julgamentos o Ministério Público retrocedeu total ou parcialmente a acusação, durante o

julgamento e diante do Conselho de Sentença. Em dois desses casos, o Ministério Público

postulou pela desclassificação do crime de homicídio para lesões corporais e em quatro deles

justificou a necessidade de absolvição do acusado. Em todos esses seis julgamentos, os

acusados foram absolvidos. É oportuno esclarecer ainda que o número de crimes catalogados

nessa Tabela, cento e vinte e cinco, é divergente do número total de julgamentos, cento e

dezessete, porque em oito julgamentos distintos, o réu foi acusado por dois crimes dolosos

contra a vida, em razão da existência de mais de uma vítima.

Como se pode perceber através da leitura das informações contidas na Tabela 8,

procurou-se identificar, de forma objetiva, todo o universo de qualificadoras utilizadas pelo

Ministério Público nas suas acusações. Na Tabela 7, informa-se que foi utilizado um total de

cento e sessenta e quatro qualificadoras. Essas são identificadas na Tabela que se segue.

Tabela 08 – Tipos de qualificadoras manejadas pelo Ministério Público, em todos os julgamentos

realizados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado.

QUALIFICADORAS QUANTIDADE PERCENTUAL (%)

Impossibilidade de defesa 74 45,1%

Motivo torpe 43 26,2%

Motivo fútil 31 19,0%

Meio cruel 7 4,3%

Paga ou promessa de recompensa 4 2,4%

Assegurar a vantagem de outro crime 3 1,8%

Assegurar a impunidade 1 0,6%

Dissimulação 1 0,6%

Total 164 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

É pertinente explicar, ainda que de forma sumária, o que significa cada uma dessas

qualificadoras. A impossibilidade de defesa pode ser aplicada quando se constata que o autor

do crime agiu de forma a impedir ou dificultar a defesa da vítima. Assim, deve-se entender

quando age de forma sorrateira, inesperada, quando a vítima distraída é surpreendida pelo

ataque. Ex.: atirar pelas costas da vítima. Motivo torpe é o motivo repugnante, vil, imoral, que

ofende a consciência média do cidadão. Como exemplo mais marcante podemos citar a

vingança. Já motivo fútil é aquele motivo totalmente insignificante, banal, desproporcional.

Ex.: matar a vítima porque esta pisou no seu pé. E o meio cruel é aquele que causa imenso

sofrimento e dor à vítima. Utilizando um meio cruel o autor do crime age sem piedade, age

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com sadismo, sua intenção é martirizar a vítima. Como exemplo a ser citado, o uso de fogo

para queimar a vítima.

Seguem ainda outras formas de qualificar o crime. A paga ou promessa de recompensa

é o crime mercenário. É uma modalidade do crime torpe. Na paga, o autor do crime recebe

para praticar o crime e na promessa, ocorre somente uma expectativa de pagamento. Age para

assegurar a vantagem de outro crime aquele que comete o homicídio para garantir o sucesso

de outro crime. E age para assegurar a impunidade aquele que comete o crime com o objetivo

de evitar que outro crime seja descoberto, destruindo as suas provas. Como exemplo, posso

citar aquele que mata a testemunha de um crime anterior, “queima de arquivo”, para não ser

reconhecido e permanecer impune. Finalmente a dissimulação é identificada quando o autor

do crime age de forma a esconder da vítima o seu real propósito ou sua verdadeira intenção, a

vítima é iludida pelo sujeito que se apresenta como amigo, mas de fato deseja a sua morte.

Aspecto muito relevante que foi alvo de criteriosa observação foi a verificação do local

da ocorrência dos delitos, como forma de mapear a violência no espaço territorial

correspondente ao município de Aracaju/Se, e ainda como forma de estabelecer comparações

entre o local da ocorrência do crime, o local de residência dos acusados e das vítimas. Em tais

levantamentos constatou-se áreas de grande incidência desse tipo de crime na cidade de

Aracaju/Se. Na Tabela baixo estão listados todos os bairros da cidade de Aracaju/Se onde

ocorreram mais de dois crimes, sendo que os bairros onde ocorreu apenas um crime estão

grupados no item outros bairros. No item outras cidades estão inseridas as cidades onde

ocorreram crimes, mas cujo julgamento foi realizado na cidade de Aracaju/Se. Adotamos essa

sistemática em razão da Tabela completa ter ficado muito extensa.

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Tabela 09 – Local da ocorrência de todos os crimes julgados pelo 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado; local declarado das residências dos réus e das vítimas.

ENDEREÇOS AGRUPADOS LOCAL DO CRIME ENDEREÇO DOS

RÉUS

ENDEREÇO DAS

VÍTIMAS

QTDADE % QTDADE % QTDADE %

Santos Dumont 15 12,8% 21 16,5% 21 17,5%

Atalaia 13 11,1% 2 1,6% 7 5,8%

Cidade Nova 9 7,7% 8 6,4% 7 5,8%

Siqueira Campos 8 6,8% 4 3,1% 5 4,2%

Olaria 7 6,0% 5 3,9% 4 3,4%

Bairro América 6 5,1% 4 3,1% 2 1,7%

Santa Maria 6 5,1% 7 5,6% 6 5,0%

Capucho 5 4,3% 5 3,9% 1 0,8%

Farolândia 5 4,3% 9 7,1% 5 4,2%

Bugio 4 3,4% 5 3,9% 5 4,2%

Jardim Centenário 4 3,4% 3 2,4% 6 5,0%

Ponto Novo 3 2,6% 4 3,1% 1 0,8%

Centro 2 1,7% 2 1,6% 1 0,8%

Getúlio Vargas 2 1,7% 3 2,4% 0 -

Inácio Barbosa 2 1,7% 0 - 1 0,8%

Lamarão 3 2,6% 1 0,8% 2 1,7%

Mosqueiro 2 1,7% 3 2,4% 1 0,8%

Santo Antônio 2 1,7% 0 - 0 -

São Conrado 2 1,7% 4 3,1% 5 4,2%

Soledade 2 1,7% 1 0,8% 0 -

Endereço não declarado 0 - 2 1,6% 15 12,5%

Outros bairros da Cidade 10 8,6% 13 10,2% 13 10,8%

Outras cidades do Estado 5 4,3% 21 16,5% 12 10,0%

Total 117 100% 127 100% 120 100%

Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Dos cento e dezessete julgamentos analisados, restou comprovado que do total de

bairros existentes na cidade de Aracaju/Se, os onze bairros mais recorrentes, concentraram um

número considerável de oitenta crimes, que representa 68,4% de todos os crimes julgados no

período. Quando foi analisada a divisão territorial da cidade, agora sob o enfoque da

residência dos réus e das vítimas, é observado que o elenco dos onze bairros que

centralizaram a maioria dos crimes julgados, também se repete com significância nessa ótica.

Ficou constatado que a época do crime setenta e três dos réus julgados residiam nesses

bairros, esses números equivalem a um universo de 57, 5% do total de réus julgados. Já entre

as vítimas, sessenta e nove residam nesses bairros, representando 57,5% do total de vítimas.

Merece ênfase a constatação de que o Bairro Santos Dumont foi destaque nas três análises

realizadas, concentrando 12,8% (15 casos) dos crimes, 16,5% (21 casos) das residências dos

réus e 17,5% (21 casos) das residências das vítimas. O alto grau de concentração de crimes,

de réus e de vítimas nessa comunidade pode servir de referência, em situações apropriadas,

para investigar se existem problemas coletivos que justificam esses números.

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Convém ressaltar que a pesquisa não direcionou esforços no sentido de mapear as

relações entre agressores e vítimas. Contudo, pelo equilíbrio constatado entre o local do

crime, a residência dos acusados e das vítimas, é possível intuir que em regra os acusados e

vítimas já se conheciam ao tempo do crime, sejam na qualidade de parentes, amigos, ex-

amigos, vizinhos, colegas de trabalho, etc. O trabalho de Boris Fausto aponta para esse

entendimento. Em seus estudos realizados sobre a correlação entre crescimento urbano e

criminalidade em São Paulo, entre os anos 1880 a 1924, destacou que apenas 14% dos crimes

de homicídio ocorriam entre estranhos (FAUSTO, 2001, p. 112).

Na amostra coletada junto aos processos julgados no 1º Tribunal do Júri, constata-se

que 71,8% dos crimes julgados ocorreram em bairros periféricos e no centro da cidade onde

predominam a moradia das classes mais pobres. Nesses mesmos bairros residiam 66,1% dos

réus e 71,0% das vítimas, ensejando certo “localismo” quanto à moradia nas mesmas áreas da

periferia da Capital. Esses dados informam que há uma coincidência entre o local de

residência de réus e vítimas e o local do crime. Portanto, observa-se um equilíbrio muito

grande no percentual que indica o local e os agentes envolvidos no crime. Não é possível

afirmar que essas áreas concentram os maiores índices de criminalidade da cidade, até porque

só esta-se analisando os crimes dolosos contra a vida, bem como os crimes julgados, não

sendo então levados em consideração os crimes não apurados e aqueles cuja apuração não foi

suficiente para ensejar um julgamento social.

O senso comum induz a pensar que o centro da cidade e as áreas periféricas são as mais

violentas, e considerando que essas áreas não são as mais prestigiadas pela ação permanente

da força policial estatal, tenha-se que a realidade está muito próxima do senso comum. Para

comprovar essa realidade, foi buscado, junto aos dados oficiais computados pelo setor de

estatísticas da Polícia Civil do Estado de Sergipe, o número contabilizado de crimes de

homicídio que ocorreram na cidade de Aracaju/Se, nos anos de 2003 a 2007. Nesse período,

que é o mesmo compreendido pela pesquisa, ocorreram setecentos e cinquenta e seis crimes

de homicídios, assim distribuídos: cento e oitenta e seis em 2003; cento e quarenta e cinco em

2004; cento e trinta e seis em 2005; cento e sessenta e quatro em 2006 e cento e vinte e cinco

em 2007.

A fonte de onde os dados foram coletados, em relação ao ano de 2003, não discrimina o

local das ocorrências. Por isso, para conferir quais são os bairros mais violentos da cidade, o

ano de 2003 foi substituído pelo ano de 2008 (ano não abrangido pela pesquisa, no qual

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ocorreram cento e trinta e quatro crimes de homicídio), mas que serve para trazer os índices

para mais próximo possível da nossa realidade atual. Nessa situação, constata-se através da

mesma fonte utilizada anteriormente, que ocorreram setecentos e quatro crimes de homicídio

no período 2003-2008, na cidade de Aracaju/Se.

A cidade de Aracaju/Se foi dividida em três zonas geográficas, para melhor esclarecer o

propósito de comprovar que a maior incidência da criminalidade (crime de homicídio)

abrange as zonas onde se concentram os “bairros problema” ou “periféricos”. Considerando a

cidade de Aracaju/Se no seu sentido norte/sul, teria-se a Zona Norte, a Zona Central e a Zona

Sul da capital. Estabelece-se como linha divisória entre a Zona Norte e a Zona Central através

de uma linha imaginária, traçada no sentido leste-oeste, tendo a leste o seu nascedouro no Rio

Sergipe, avançado pela região do mercado central de Aracaju/Se, Bairro 18 do Forte, Siqueira

Campos, José Conrado de Araújo, Bairro Olaria e seguindo em direção ao Município de

Nossa Senhora do Socorro/SE. Já a divisão entre a Zona Central e a Zona Sul foi projetada a

partir de uma linha imaginária traçada sobre o Rio Poxim, que no sentido leste-oeste separa o

Bairro Inácio Barbosa, na Zona Central, dos Bairros Farolândia e São Conrado, que marcam o

início da Zona Sul.

Na Zona Norte da Capital, se concentraram 47,1% de todos os crimes de homicídio

ocorridos no período. Essa Zona reúne sete dos quinze bairros mais violentos da cidade.

Merece destaque o Bairro Santos Dumont, onde no período ocorreram 7,5% dos crimes

computados. Na Zona Sul da Capital, a segunda mais violenta da cidade, se concentraram

32,0% dos crimes de homicídio e cinco dos quinze bairros mais violentos. Destaca-se que é

nessa Zona que está localizado o Bairro Santa Maria que sozinho responde por 17,5% dos

crimes ocorridos na Capital, no período compreendido.

Para melhor compreender o mapa do crime dividimos a Zona Central em duas partes.

Uma que pode-se chamar de Centro velho, cuja região abrange o centro da cidade

propriamente dito e mais três bairros, o Bairro Cirurgia, Getúlio Vargas, Siqueira Campos e

Bairro América. A outra é a região mais nobre da cidade, onde estão situados os bairros mais

modernos, com melhor infraestrutura, onde residem as pessoas com melhor poder aquisitivo,

onde os serviços prestados pelo Estado são de melhor qualidade, onde se concentram as

melhores escolas e os hospitais mais bem aparelhados e com melhor atendimento ao público.

Na parte mais velha se concentraram 12,6% dos crimes. Dos quatro bairros que compõe essa

região, três deles estão inseridos no rol dos quinze mais violentos. Merece destaque o Bairro

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145

Siqueira Campos que concentrou 4,3% do total de crimes registrados. Já na parte nova foram

registrados apenas 6,3% do total de crimes. Nenhum dos bairros que integram essa área está

inserido no rol dos bairros mais violentos. Mas, apenas para registro, verifica-se que o Bairro

Jabotiana foi o mais violento dessa região, registrando 0,9% do total geral de crimes de

homicídio no período. É perceptível que nas áreas da cidade, onde a renda média e outros os

indicadores sócio-econômicos são elevados, o crime de homicídio apresenta baixos índices de

incidência.

Ainda segundo o Relatório de Estatísticas da Polícia Civil, no período, ficou registrado

que 2,0% dos crimes ocorreram nas dependências do Hospital Governador João Alves Filho

(hospital público), sem o registro do local exato do crime e ainda outros em local não

identificado. Esse, portanto, é o mapa da criminalidade referente ao crime de homicídio,

montado através das estatísticas oficiais dos últimos cinco anos, concernente aos crimes

ocorridos na cidade de Aracaju/Se.

Todo esse quadro de violência mostra que o homicídio, que é visto pela maioria das

pessoas como algo imprevisível, na realidade faz parte de um fenômeno social cuja percepção

pode ser claramente definida e cujo controle não é algo surreal. Vê-se então, que o homicídio

atinge a cada ano os mesmos bairros, as áreas mais violentas se repetem, sofrendo pequena

variação. Tudo isso facilita a realização concreta de ações no sentido de controlar essas

condutas violentas, tomadas a partir de estatísticas confiáveis.

A presente pesquisa constatou que o Conselho de Sentença da cidade de Aracaju/Se,

majoritariamente tem se manifestado pela condenação dos acusados que se apresentam para

julgamento.

Tabela 10 – Resultados de todos os julgamentos realizados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado.

VEREDICTO QUANTIDADE PERCENTUAL

Condenados 93 73,2%

Absolvidos 34 26,8%

Total 127 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Visualizando a tabela acima, é de ser observado que o percentual de condenação é

bastante significativo. O objetivo desse levantamento foi constatar como a sociedade delibera

em relação aos casos que lhe são apresentados para julgamentos. Os jurados componentes do

Conselho de Sentença têm sido rigorosos nas decisões tomadas, deliberando pela condenação

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em 73,2% dos casos e apenas em 26,8% dos casos fez a opção em absolver o acusado. Outra

constatação feita é que em todos os casos nos quais o réu foi acusado de crime de homicídio

com ao menos uma qualificadora, independente de ser consumado ou tentado, ele foi

condenado de qualquer forma em 81,7% dos casos e absolvido em 18,3% deles. Já quando o

réu foi acusado de crime simples foi condenado em 58,8% dos casos e absolvido em 41,2%

deles. Portanto, percebe-se que pelos dados apresentados, a sociedade tem adotado a posição

de chancelar o trabalho realizado pela polícia e pelo Ministério Público, inclusive, tornando a

possibilidade de absolvição do acusado mais difícil quando ele é julgado por crime

qualificado.

Esses dados indicam que são impróprias as críticas que são lançadas sobre o Júri, em

especial de que concentra uma tendência absolutória e que conduz a impunidade de

criminosos. Podemos assim concluir, que o Corpo de Jurados não é timorato, não atua com

receio de condenar, não se apresenta como sendo sujeitos a pressões ou traga o rótulo de

desonestos. Fica assim bastante claro que o Júri se firma como uma instituição que merece

destaque pela sua soberania e que das suas deliberações não floresce a impunidade de

criminosos. Certamente, nem sempre os jurados julgam de acordo com o entendimento

dominante da opinião pública, entretanto, tal prática não revela uma marca de injustiça nos

seus julgamentos, embora eventualmente ela possa ocorrer, como o pode em qualquer decisão

judicial lançada por um agente técnico estatal.

A ênfase dada ao fluxo de sujeições criminais, de qualquer forma, demonstra não a

ânsia social por condenações, mas talvez a uma melhora qualidade técnica no funcionamento

dos filtros do Estado no controle da criminalidade. Esse raciocínio se estabelece através do

corte que mostra uma melhor elaboração dos inquéritos policiais, um maior controle das ações

criminais por parte do Ministério Público e da discricionariedade nas decisões judiciais que

permitem que um cidadão seja levado até a fase do júri popular.

Quando esses resultados são vinculados ao gênero, observa-se que os índices de

condenação sofrem uma interessante variação. Tomado em um primeiro conjunto quando, de

acordo com os dados constantes da Tabela 15, somente sete mulheres sentaram-se no banco

dos réus. Nessa situação duas foram absolvidas (28,6%), uma das quais a pedido do

Ministério Público, uma foi condenada por homicídio privilegiado (14,2%) e quatro foram

condenadas conforme a acusação do Ministério Público (57,2%). Constata-se que não se

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percebe um tratamento benigno, por parte do Conselho de Sentença, quando a autora do crime

é do sexo feminino. Em todos esses casos a vítima era do sexo masculino.

Entretanto, o desfecho dos julgamentos dos crimes praticados contra as mulheres levou

a observação de um maior índice de condenações. Os dados mostram que nos dez casos em

que as vítimas eram do sexo feminino, não foi registrada nenhuma absolvição, apenas uma

condenação pelo homicídio privilegiado (10,0%) e nove condenações conforme a acusação

inicial (90,0%). Nesses casos, todos os agressores eram do sexo masculino e foi observado um

rigor maior dos jurados quando do julgamento. Nítida é a constatação que não é dispensado

tratamento mais benevolente a mulher que mata, mas é flagrante o maior rigor com que essas

questões são tratadas em relação aos agressores homens de vítimas mulheres. Percebe-se

assim a fragilidade do conceito de “honra afetiva”, tão invocada nos crimes passionais,

mormente, quando em 60,0% dos casos a defesa lançou, para apreciação, a tese do homicídio

privilegiado e só obteve êxito em um único caso.

Registra-se, por ser pertinente, que do total dos casos julgados os réus foram defendidos

no plenário do júri, por advogados, por eles ou por seus familiares constituídos, em quarenta e

três julgamentos, números que equivalem a 33,9% por cento dos casos julgados. Por outro

lado, em oitenta e quatro julgamentos, equivalente a 66,1% por cento dos casos julgados, os

réus foram defendidos pela Defensoria Pública, como se pode perceber pelo conteúdo das

informações da Tabela 11 que se segue.

Tabela 11 – Dados estatísticos dos patrocinadores das defesas dos réus referentes aos casos julgados no 1º

Tribunal do Júri no período pesquisado.

DEFESA DO RÉU QUANTIDADE PERCENTUAL

Defensor Público 84 66,1%

Advogado de defesa 43 33,9%

Total 127 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

De todas as defesas realizadas em plenário procurou-se verificar o grau de seu

desempenho em plenário, sempre tendo como ponto de observação a obtenção de um

resultado favorável ao acusado. Assim, constatou-se que dos noventa e três casos onde os réus

restaram condenados, em sessenta e quatro casos os réus foram defendidos por defensores

públicos, ou em 68,8% dos julgamentos, e em vinte e nove casos ou 31,2% deles, os réus

foram defendidos por advogados. Por outro lado, nos trinta e quatro casos que foram

concluídos com absolvições, o acusado foi defendido por defensor público em vinte deles ou

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58,8% dos casos, enquanto em quatorze desses julgamentos, equivalente a 41,2% dos casos

julgados, os réus foram defendidos por advogados. Todos esses dados estão registrados na

Tabela 12 que se segue.

Esses índices confirmam a desigualdade de acesso ao sistema judicial, que na verdade

reflete a desigualdade que grassa no meio social. Os autos custos que são necessários para se

patrocinar uma defesa privada, ou empurram os acusados para o serviço público ou fazem

com que desestruturem suas já combalidas economias à procura de um serviço que lhe confira

maior crença em um resultado eficaz. Não é incomum ouvir estórias de que pessoas

extremamentes humildes são obrigadas a vender seu único bem, no qual residem com a

família, para poder custear honorários advocatícios. Resta evidenciar que as pessoas que estão

mais distantes dos serviços sociais fornecidos pelo Estado são as mesmas que mais necessitam

de um acesso mais amplo aos serviços da justiça.

Tabela 12 – Dados estatísticos do desempenho das defesas dos réus referentes aos resultados obtidos nos

casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado.

DEFESAS EM PLENÁRIO RESULTADO JÚRI RESULTADO JÚRI

CONDENADOS PERCENTUAL ABSOLVIDOS PERCENTUAL

Defensor Público 64 68,8% 20 58,8%

Advogados 29 31,2% 14 41,2%

Total 93 100% 34 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Esses profissionais da defesa, sejam como advogados ou como defensores públicos,

manejaram diversas teses no plenário do júri para conseguir captar a adesão do Conselho de

Sentença e a simpatia à tese por eles sustentada. A investigação realizada constatou que

dezessete teses foram utilizadas em todos os julgamentos, entretanto quatro delas se destacam,

pois foram utilizadas em cento e treze casos, alcançando 83,8% do total de teses. A tese da

negativa de autoria foi a preferida entre os defensores e advogados, ao ser utilizada em

quarenta e nove casos, revelando um percentual de 36,3%; em seguida aparece a tese da

legítima defesa, aplicada em vinte e quatro situações, registrando um percentual de 17,8% dos

casos; a terceira tese mais utilizada foi a tese do homicídio simples, observada em 15,5% dos

casos, esta foi utilizada nos julgamentos onde o Ministério Público acusou o réu pela prática

de homicídio qualificado, e a defesa postulou tão somente o afastamento ou retirada das

qualificadoras, nesse sentido, a condenação do réu lhe renderia uma pena em menor

proporção; por fim, a quarta tese, que merece destaque, é a do homicídio privilegiado, essa foi

submetida à apreciação do Conselho de Sentença em dezenove casos, ou em 14,1% deles.

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149

Todas as demais teses somadas, argumentadas em vinte e duas oportunidades distintas,

correspondem a 16,3% dos casos submetidos a julgamento.

Tabela 13 – Dados estatísticos das teses de defesa utilizadas pelos defensores e advogados dos réus

referentes aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado.

TESES DE DEFESA QUANTIDADE PERCENTUAL

Negativa de autoria 49 36,3%

Legítima defesa 24 17,8%

Homicídio simples 21 15,5%

Homicídio privilegiado 19 14,1%

Outras teses 22 16,3%

Total 135 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Como forma de buscar as respostas dadas pelo Conselho de Sentença a essas teses em

destaque, verifica-se que das quarenta e nove vezes que a tese da negativa de autoria foi

lançada, ela somente foi acolhida em dezesseis casos ou em 32,6% deles e rejeitadas em trinta

e três casos ou 67,4% deles. Esses números demonstram que o Conselho de Sentença não

atribui total confiabilidade à palavra dos réus. Já quando são apreciados os números referentes

à tese de legítima defesa, existe uma tendência de se atribuir maior credibilidade ao réu,

principalmente porque ele confessa o crime, todavia, alega em seu favor essa causa que exclui

a obrigatoriedade da aplicação de uma pena, dos vinte e quatro casos onde essa tese foi

utilizada, o réu restou condenado em treze deles e absolvido em onze, em percentuais de

54,2% e 45,8%, o que demonstra um maior equilíbrio entre acusação e defesa.

A tese do homicídio simples é observada quando o Ministério Público imputa ao

acusado a prática de crime qualificado e o réu se defende alegando que de fato cometeu o

crime, mas suplica ao Conselho de Sentença que afaste eventuais qualificadoras presentes. Ao

invocar essa tese, o réu confessa o crime, mas postula a aplicação de uma pena menor, já que

a presença de uma qualificadora tem por objetivo agravar a pena. Foi constatado que dos vinte

e um casos em que essa tese foi argumentada, em doze deles ou em 57,1% dos casos

prevaleceu a tese da acusação e em nove deles ou em 42,9% prevaleceu a tese da defesa.

Todavia, é de se registrar que em sete desses, nove casos o Ministério Público retrocedeu na

sua acusação inicial e também, em plenário, postulou pela condenação do réu pelo homicídio

simples, portanto, em não ocorrendo confronto de teses, o Conselho de Sentença, optando

pela tese do homicídio simples, passava a considerar ambas as teses.

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150

Já em relação à tese do homicídio privilegiado, essa foi utilizada pela defesa em

dezenove casos, como forma de favorecer o acusado, que é condenado, mas a uma pena

bastante reduzida. Em dez dessas situações ou em 52,6% dos casos, o réu restou sendo

condenado da forma como postulado pelo Ministério Público, e em nove casos ou em 47,4%

deles, a defesa conseguiu convencer o Conselho de Sentença da presença do privilégio.

Entretanto, em três desses casos, o Ministério Público também retrocedeu na sua acusação

inicial e sustentou em plenário a mesma tese da defesa.

Pesquisamos ainda os casos de interposição de recurso, visando anular a decisão do

Conselho de Sentença, seja por parte do Ministério Público ou da defesa. Esses recursos

interpostos, que no meio jurídico recebem o nome de apelação, são dirigidos ao Tribunal de

Justiça do Estado ao qual o Tribunal do Júri esteja vinculado. Na prática, o que se pretende

com o recurso é desconstituir a decisão declarada pelo Tribunal do Júri, permitindo que o réu

seja submetido a novo julgamento. Sempre que uma das partes tiver em mente que o resultado

do julgamento foi injusto, contrariou as provas do processo, acreditando que a decisão deveria

ser diferente, pode se utilizar do recurso de apelação para submeter a decisão popular à

apreciação do Tribunal de Justiça local. Esse Tribunal pode manter o resultado do julgamento

ou anular o julgamento questionado, porém nunca pode modificar a decisão do Júri, em

homenagem à sua soberania.

Quando no primeiro julgamento o réu é absolvido, o recurso é interposto pelo

Ministério Público e quando o réu é condenado, o recurso é interposto pela defesa. Através do

levantamento realizado ficou constatado que das decisões decorrentes dos cento e dezessete

julgamentos, houve recursos em cinquenta e nove casos ou em 50,4% deles. Já em cinquenta

e oito casos não houve interposição de recurso ou em 49,6% dos casos. Nem sempre esse

recurso visa desconstituir ou anular a sessão de julgamento realizada, pois é possível, através

do recurso de apelação se questionar a pena aplicada pelo juiz, após a decisão do Conselho de

Sentença. Os recursos protocolados com essa finalidade, em número de sete não foram

objetos de análise, exatamente por não ir de encontro à decisão dos jurados. Nesse sentido,

vamos trabalhar com um universo de cinquenta e dois recursos, equivalente a 44,4% das

decisões anunciadas.

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151

Tabela 14 – Dados estatísticos dos recursos de apelação interpostos com o objetivo de anular a sessão de

julgamento, referentes a cinqüenta e dois casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período pesquisado47

.

ORIGEM PROVIDOS IMPROVIDOS PENDENTES TOTAL

TOTAL (%) TOTAL (%) TOTAL (%) TOTAL (%)

Defesa 1 1,9% 31 59,6% 6 11,6% 38 73,1%

Ministério Público 8 15,4% 2 3,8% 3 5,8% 13 25,0%

Assistente - - 1 1,9% - - 1 1,9%

Total 9 17,3% 34 65,3% 9 17,4% 52 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Verifica-se pela análise dos dados acima, que, com o objetivo de anular o primeiro

julgamento, foram interpostos cinquenta e dois recursos de apelação. Desses, trinta e oito

formam interpostos pela defesa, números equivalentes a 73,1% do total; treze foram

protocolados pelo Ministério Público, representando 25% do total e apenas um pelo assistente

de acusação 1,9% do total. De todos os recursos interpostos pelo Ministério Público, dez já

foram apreciados pelo Tribunal de Justiça, sendo que em 80% desses casos foi alcançado

êxito, ensejando a anulação do primeiro julgamento. Já em relação à defesa, dos trinta e oito

recursos interpostos, trinta e dois já tinham sido julgados pelo Tribunal de Justiça e seis ainda

pendiam de julgamento à época da coleta dessas informações. De todos os julgados, em

apenas um caso foi obtido sucesso para anular o julgamento, em percentual encontrado na

ordem de 3,1%. Por fim, em relação ao assistente de acusação, o único recurso proposto foi

julgado e não se anulou o julgamento primeiro.

Não houve limitação a simples coleta desses dados, mas também em verificar se os

julgamentos anulados pelo Tribunal de Justiça já tinham sido novamente realizados, nessa

oportunidade com outro Conselho de Sentença. Vale ressaltar que sempre que um acusado é

julgado mais de uma vez, independentemente do motivo, não é possível a participação de

nenhum jurado que tenha tomado parte em anterior julgamento, logo, a composição do

Conselho de Sentença sempre deve ser diversa da anterior.

No momento da coleta final desses dados, identifica-se apenas que quatro casos dos

nove que tiveram o seu primeiro julgamento anulado, já tinham sido novamente julgados, três

deles em razão de recurso do Ministério Público e um em razão de recurso da defesa. Em

todos esses julgamentos os réus foram condenados. Foi percebido que, mesmo diante de uma

absolvição anterior (anulada), o Conselho alterou a sua decisão e condenou o réu no segundo

julgamento, mas essa lógica não foi aplicada no único julgamento realizado em razão de o réu

47

Os dados finais referente à tramitação dos recursos foram coletados junto ao site do Tribunal de Justiça em 16

de outubro de 2008.

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152

ter sido condenado em um primeiro momento, e conseguido a anulação do seu julgamento

para ser novamente julgado. Esse fator não pesou a seu favor, pois no segundo julgamento foi

novamente condenado, inclusive, a uma pena mais severa.

A pesquisa também colheu dados em relação aos crimes conexos que foram submetidos

à apreciação do Conselho de Sentença, juntamente com o crime principal. É necessário

esclarecer o que significa um crime conexo. O Tribunal do Júri, conforme já informado, só

tem a atribuição ou competência originária para julgar os crimes dolosos contra a vida, quais

sejam: o homicídio (art. 121 CPB), o induzimento ao suicídio (art. 122 do CPB), o

infanticídio (art. 123 do CPB), e o aborto (arts. 124 a 127 do CPB). No entanto, quando além

do crime principal, outro é praticado nas mesmas circunstâncias, quando houver um

entrelaçamento entre os dois crimes, quando existir um forte vínculo, um verdadeiro nexo, a

lei processual penal determina que esses fatos sejam reunidos em um só processo e seja

propiciado um único julgamento. O objetivo do legislador é permitir ao julgador ter uma visão

mais abrangente de todos os fatos e assim decidir de forma mais adequada.

O desdobramento dessa questão mostra que em trinta e seis casos, além do crime de

homicídio, o acusado também foi acusado da prática de outro crime, que originariamente não

seria julgado pelo Tribunal do Júri, mas que devido às circunstâncias do caso (praticado

juntamente com o homicídio), passou a ser julgado por esse Tribunal. Foram identificados

oito crimes distintos, mas apenas merece destaque o crime de porte ilegal de arma de fogo.

Este crime esteve presente em vinte e oito julgamentos, representado 77,8% dos casos. De

uma maneira geral também constatamos que em todos os julgamentos onde os réus foram

julgados por outro crime, além do crime de homicídio, eles foram condenados em trinta e dois

casos, equivalente em 88,9% e absolvidos apenas em quatro casos ou 11,1% deles. Será

preciso constatar se a presença de outra acusação funciona como reforço implícito para a

acusação principal e exerce qualquer tipo de influência no corpo de jurados quando do

julgamento do caso.

Foram coletados dados a respeito do perfil tanto das vítimas quanto dos seus agressores,

estes os protagonistas dos acontecimentos que vão atingir o seu desfecho final no Tribunal do

Júri. O conjunto de fatores observados visa alcançar um perfil mais completo dos réus e das

vítimas. A pesquisa também estabeleceu um foco que permitiu a comparação entre o perfil

social de réus condenados e absolvidos com o perfil das vítimas referente a esses julgamentos,

como forma de procurar identificar fatores extralegais que possam intervir nas decisões

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153

judiciais como forma de controle social. Nesse sentido, procuramos coletar dados sócio-

demográficos para réus e vítimas. Esses dados consistiram no sexo, na cor, na idade, no

estado civil, no registro do bairro onde residiam à época do crime, na religião que declararam

possuir, na escolaridade, na profissão e se ao tempo do julgamento possuíam antecedentes ou

não e se esses antecedentes se configuravam na existência de outros processos ou inquéritos

policiais em andamento ou em comprovadas condenações anteriores.

Quanto ao primeiro aspecto, a pesquisa constatou que do número total de réus julgados

no 1º Tribunal do Júri, no período compreendido entre os anos de 2003 e 2007, apontam para

a comprovação de que a maior parte dos réus e das vítimas era do sexo masculino, estimativas

que correspondem a 94,5% e 91,7%, respectivamente.

Tabela 15 – Sexo dos réus e vítimas referentes aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado.

SEXO RÉUS PERCENTUAL VÍTIMAS PERCENTUAL

Masculino 120 94,5% 110 91,7%

Feminino 7 5,5% 10 8,3%

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

No âmbito de todo o Estado de Sergipe, no período compreendido entre o ano de 2003 e

2008, ficou constatado que os crimes de homicídio, enfocando o viés da autoria, foram

praticados da seguinte forma: em 2003, 94,1% por homens e 5,9% por mulheres; em 2004,

94,0% por homens e 6,0% por mulheres; em 2005, 93,0% por homens e 7,0% por mulheres;

em 2006, 94,0% por homens e 6,0% por mulheres; em 2007, 93,0% por homens e 7,0% por

mulheres e em 2008, 95,0% por homens e 5,0% por mulheres48

.

Contudo, quando se compara esses dados com os coletados pelo IBGE, através do

Censo Demográfico realizado em 200049

, constata-se que a população de Aracaju/Se é

composta na proporção de 45,9% de pessoas do sexo masculino e 54,1% do sexo feminino,

demonstrando que os homens são os grandes responsáveis pela variação da curva da

violência, seja na qualidade de vítimas ou de réus. Certamente, os índices que apontam para

essa pequena constatação da delinqüência feminina, poderiam ser colocados em dúvida se

confrontados com uma realidade que aponta para o não registro e apuração dos crimes de

aborto e infanticídio.

48

Cf. Nota de rodapé n.° 43. 49

Cf. Nota de rodapé n.º 33.

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154

O primeiro envolve não só a mulher, mas também profissionais da área de saúde,

parteiras, curandeiros, dentre outros. O segundo, exclusivo da mulher, é figura inexistente

dentro da realidade prática da justiça criminal. Ambos são crimes graves, porém, menos

suscetíveis de registros, seja pela tolerância social, seja pela dificuldade de sua apuração. Não

é possível afirmar como restariam configuradas as taxas de criminalidade masculina e

feminina, se fossem catalogados, de fato, todos os crimes dolosos contra a vida, ocorridos e

cometidos por ambos os sexos. Tanto o aborto quanto o infanticídio são crimes mais ligados

ao sexo feminino, logo, o adequado registro desses crimes mudaria o quadro de sub-

representação feminina nesse tipo de criminalidade.

Os dados informados na Tabela 15 destacam um acentuado desequilíbrio entre

agressores masculinos e agressores femininos, vítimas masculinas e vítimas femininas. Esse

fenômeno geral pode ser explicado a partir da análise do papel que a mulher exerce na

sociedade, a sua forma de inserção e ocupação dos espaços públicos, a sua ainda forte

vinculação com o espaço doméstico, este mais voltado para a família. Noutro passo, a

presença marcante do sexo masculino com a criminalidade cotidiana, resulta de conflitos

gerados entre familiares, entre amigos, entre pessoas que ocupam os mesmos espaços

públicos de lazer, entre pessoas que se cruzam em vias públicas, em decorrência da disputa

pela posse ou domínio de algum bem, em razão da falta de cumprimento de acordos

realizados, sejam esses legais ou ilegais, por conflitos gerados a partir de relações de

comércio, pela intolerância observada em festas ou eventos populares de grande concentração,

enfim, os conflitos ocorrem com maior Frequência em ambientes públicos, como bares e ruas,

mas também ocorrem nos lares, principalmente quando a motivação do crime está vinculada a

desajustes amorosos ou infidelidades.

Boris Fausto, analisando o homicídio feminino em São Paulo, no período considerado

entre 1880 e 1924, constatou:

Tanto no levantamento de dados obtidos na imprensa como através dos processos

judiciais, avultam do ponto de vista da temática as questões ligadas à família e a

vida afetiva. Raramente as mulheres agem contra pessoas do mesmo sexo, e sua

posição na agressão aos homens configura na maioria dos casos um crime

“precipitado pela vítima”, como resposta ao assédio sexual, a maus tratos, a ofensas

físicas ou verbais à sua honra. Segundo os dados dos processos judiciais, as

mulheres não estão envolvidas em latrocínio, não matam nunca por questões de

serviço, de negócio, de dívidas, e nem figuram em brigas explosivas sem uma

temática clara, que acaba resultando em morte. (...) Na maioria dos casos as

mulheres não agem sozinhas, mas são coadjuvantes ou coadjuvadas por duas figuras

básicas de protetores, o marido ou o irmão. (...)

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155

Uma breve referência o reverso da medalha, ou seja, as situações em que as

mulheres figuram como vítimas podem ser também elucidativa. Em termos globais,

enquanto as mulheres figuram como indiciadas (excluídos os infanticídios) em 5,5%

dos homicídios segundo os dados dos processos, e em 4,5% dos casos segundo os

dados da imprensa, aparecem como vítimas em respectivamente em uma

porcentagem de 18,6% e 24,4% (FAUSTO, 2001, p. 90-1).

A maior parte dos réus e vítimas, com predominância para o sexo masculino, era jovem.

Inicialmente deve-se esclarecer que nenhum réu julgado poderia contar ao tempo do crime

com idade inferior a dezoito anos. Essa impossibilidade ocorre em razão de o nosso sistema

jurídico não permitir que o menor, aqui considerado aquele que na data do crime tem idade

inferior a dezoito anos, seja processado criminalmente.

Tabela 16 – Idade dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado.

IDADE RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Até 17 anos - - 7 5,8%

De 18 a 25 anos 65 51,2% 48 40,0%

De 26 a 35 anos 39 30,7% 28 23,4%

De 36 a 45 anos 16 12,6% 19 15,8%

De 46 a 55 anos 4 3,1% 12 10,0%

De 56 a 65 anos 2 1,6% 2 1,7%

Acima de 65 1 0,8% - -

Idade não declarada nos autos - - 4 3,3%

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Dos dados contidos na Tabela 16, observa-se que a maior parte tanto de réus quanto de

vítimas se concentra na faixa etária que vai dos dezoito aos vinte e cinco anos. São os jovens

adultos que apresentam as taxas mais elevadas, sejam como vítimas ou acusados. Nessa faixa

estão incluídos 51,2% dos réus e 40% das vítimas, e na faixa seguinte se encontram 30,7%

dos réus e 23,3% das vítimas. Nesse passo, também pode ser constatado que o ato de

violência praticado e sofrido tem uma significativa redução a partir da faixa etária que se

inicia aos trinta e seis anos e na proporção que a faixa etária aumenta, acentua-se ainda mais a

queda nos índices observados. Até aqui, os dados colhidos permitem traçar o mesmo perfil

para réus e vítimas. Para ambos predomina o sexo masculino e a baixa faixa etária.

Nos Estados Unidos, por exemplo, O'Brien e outros (1999), examinando as taxas de

homicídio de 1960 a 1995, mostraram que a taxa de autoria de homicídios dos mais jovens

aumentou, ao passo que a dos mais maduros diminuiu. Durante anos, a relação entre idade e

homicídio foi estável naquele país e dez anos mais tarde havia triplicado. A taxa da população

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de 14-17 anos, que era de 6,2 por 100 mil habitantes em 1984, saltou para 19,1 (SOARES,

2008, p. 95). Outros criminólogos apontam como justificativas para essa explosão de

criminalidade entre os jovens o efeito da disseminação das drogas e a proliferação do uso de

armas de fogo.

Gláucio Soares, ao tentar encontrar explicações para a tragédia social, constatada

através do significativo número de jovens que matam e morrem em nossa sociedade, destaca

que:

Uma das vias principais de acesso ao crime é a quebra da estrutura familiar. Essa

afirmação se baseia na íntima associação entre criminalidade e filhos que crescem

com pais e mães solteiros. Há uma ampla e crescente literatura que trata

empiricamente dessa quebra e uma fértil gama de trabalhos teóricos que ligam a

criação deficiente de crianças e adolescentes com níveis baixos de autocontrole e

adoção de respostas comportamentais criminosas. Outro tipo de teorização

concentra-se em crianças e adolescentes do sexo masculino e enfatiza a presença

paterna, que ditaria limites e impediria a formação da masculinidade compulsiva,

especialmente aquela que se expressa em atos agressivos (SOARES, 2008, p. 97).

Outro aspecto que contribui de forma significativa para estabelecer o perfil dos réus e

vítimas é a cor da pele. No processo penal essa informação, em relação aos réus, está contida

na ficha de identificação criminal ou é obtida diante das informações prestadas pelo próprio

réu ao ser interrogado pelo delegado de polícia, ainda na fase do inquérito policial. O

interrogatório judicial não traz essa informação, pois não é costume do juiz lançar atenção

sobre esse tipo de notícia. Nesse aspecto, é relevante considerar que essa variável formadora

do perfil não é totalmente confiável. Essa informação vem ao processo através do

preenchimento de um formulário de dados por funcionários da burocracia estatal, que faz o

registro que acha ser o mais adequado, a partir do aspecto físico de cada um. Também é

comum a retransmissão dessa informação, em razão da simples repetição de dados contidos

em fichas cadastrais já existentes, ou a partir do relato de vítimas e testemunhas, e ainda

diante das declarações dos próprios réus.

Já em relação às vítimas, esses dados foram coletados a partir da pesquisa em

documentos inseridos nos autos, tais como: laudo pericial cadavérico, certidão de óbito e

laudo pericial realizado no local do crime. O laudo cadavérico é firmado por médico legista.

O laudo do local do crime é subscrito por peritos, que se fazem presentes na cena do crime, os

quais procuram relatar em documento tudo que encontraram no cenário do crime. É comum,

em casos de homicídio, os peritos ilustrarem os laudos com fotografias tanto do local do

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157

crime quanto do cadáver. A informação contida na certidão de óbito é registrada por

funcionário de um cartório de registro civil a partir das informações contidas na guia de

exame de morto ou de informações coletadas de familiares no momento da confecção do

documento.

Tabela 17 – Cor da pele dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado.

COR DA PELE RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Cor parda 61 48,0% 47 39,2%

Cor não registrada 39 30,7% 42 35,0%

Cor negra 15 11,8% 18 15,0%

Cor branca 11 8,7% 13 10,8%

Cor parda escura 1 0,8% - -

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

À primeira vista, constata-se pelos dados inseridos na Tabela 17, que a cor parda é

predominante no universo global dos réus e das vítimas do crime de homicídio, representando

48% dos réus julgados e 39,2% das vítimas. Quando comparamos esses dados com os

coletados pelo IBGE, através do Censo Demográfico realizado em 200050

, onde se constata

que as pessoas consideradas pardas contribuem com 55,4% da população de Aracaju/Se,

verifica-se que não é possível constatar que os pardos predominam na qualidade de réus e

vítimas. Mas como também existe uma forte concentração nos casos onde a cor da pele não

pode ser constatada, pela ausência de dados nos documentos informados, e estes números

alcançam um percentual expressivo de 30,7% para os réus e 35% para as vítimas, conclui-se

que essa realidade pode sofrer alterações significativas.

Quanto à cor branca, verifica-se que os índices apresentados são 8,7% para réus e

10,8% para vítimas, não são muito significativos para o universo total dos réus e vítimas

envolvidos nos julgamentos. Os brancos são responsáveis por 36,1% da população da cidade,

portanto, é altamente relevante a informação de que as pessoas da cor branca são levadas ao

Tribunal do Júri com uma Frequência muito menor que as pessoas da cor parda. Já os negros

respondem por 11,8% dos réus e 15% das vítimas, mas somente contribuem com 7,2% da

população geral da cidade.

50

Cf. Nota de rodapé n.° 33.

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158

O resultado deixa claro que o crime de homicídio está mais associado a pessoas de cor

parda e negra. Foi importante confrontar esses dados com os dados demográficos da

população da cidade de Aracaju/Se, e com os índices de condenação e absolvição dos réus

julgados. Mais adiante, será possível discutir se a cor é uma variante que se transforma em um

instrumento de discriminação penal. É relevante lembrar que essa variável não é totalmente

confiável. Do perfil até aqui encontrado para réus e vítimas, ou seja, com predomínio para o

sexo masculino, com baixa faixa etária e agora com significativa incidência da cor parda.

O estudo do homicídio e dos fatores determinantes de suas taxas nos leva a notar que

sua distribuição não depende de fatores incertos, ou seja, não é casual na sociedade estudada.

Essas taxas se concentram na população masculina, jovem, residentes em determinadas áreas

da cidade, os “bairros problemas”, não brancos e pobres.

Ao lado desses atributos, outros foram aglutinados, com o objetivo de afunilar esse

perfil. Foi pesquisado o nível de instrução de réus e vítimas. Contudo, ficou constatado que

essa informação não costuma ser coletada em relação às vítimas, pois não há sinais

indicativos da realização de uma regular coleta desses dados. Um percentual

consideravelmente elevado, na proporção de 90% das vítimas, não tinha a sua escolaridade

registrada nos autos dos processos, portanto, nesse aspecto a pesquisa não coletou dados

suficientes para uma simples análise.

Tabela 18 – Nível de escolaridade dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no

período pesquisado.

NÍVEL DE ESCOLARIDADE RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Analfabeto 9 7,1% - -

Alfabetizado 15 11,8% 8 6,7%

1º Grau incompleto 47 37,0% 2 1,7%

1º Grau completo 10 7,9% 1 0,8%

2º Grau incompleto 12 9,5% - -

2º Grau completo 13 10,2% 1 0,8%

3º Grau completo 1 0,8% - -

Escolaridade não declarada 20 15,7% 108 90,0%

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

No entanto, esses números apontam para uma baixa escolaridade dos réus julgados.

Dentre esses, 55,9% não completaram o ensino fundamental; destaco que em 15,7% dos casos

não foi possível identificar o nível de instrução. Tais informações serão ratificadas quando

forem analisados os dados que vão apontar para a predominância de ocupação em profissões

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que possuem níveis de status menos valorizados e ainda a ocupação em profissões mal

definidas.

Associar o homicídio à falta de educação formal e a pobreza, apenas se permite concluir

que o homicida está inserido no contexto global da população brasileira. Certamente não é

possível afirmar que o homicídio é crime de pobre e iletrado, mas essa circunstância favorece

o homicídio. Deve-se ainda considerar que é possível haver variação no processo

classificatório feito pelas autoridades policiais e judiciárias, pois o conceito de analfabeto e

alfabetizado pode variar. É fato que, dentre os autores de crime de homicídio, há uma

predominância de pessoas com poucos anos de estudo. Essa informação está em perfeita

sintonia com taxa média de escolaridade da cidade de Aracaju/Se. O aumento da taxa de

alfabetização e de escolaridade da população, pode contribuir com redução da taxa de

violência, operando a transformação de um potencial criminoso em real cidadão.

Em pesquisa realizada pelo IBGE, através do Resultado da Amostra do Censo

Demográfico 200051

, os dados demográficos apontam que a cidade de Aracaju/Se possuía

461.534 mil habitantes. Contudo, considerando apenas as pessoas que tinham dez ou mais

anos de idade a cidade tinha apenas 379.641 mil habitantes. Essa mesma pesquisa apontou

que 265.470 mil habitantes tinham menos de dez anos de estudo, considerando o universo

total, dentre as pessoas com dez anos ou mais de idade. Esses números representam que

69,9% da população, com mais de dez anos de idade tinham a época da pesquisa menos de

dez anos de estudo. Os que não tinham nenhuma ou apenas um ano de instrução

representavam 7,0% da população; de um a três anos de instrução 16,2% da população; de

quatro a sete anos de instrução 29,8% da população e oito a dez anos de instrução 16,9% da

população. Portanto, os resultados encontrados pela nossa pesquisa mostram que não existe

surpresa de que o crime de homicídio se concentre nessas camadas da população, não

distinguindo os autores de crime de homicídio da massa populacional.

Na pesquisa da variável ocupação ou profissão, o resultado causou impacto, por revelar

que a profissão que mais contribui para a ocorrência de crimes é exatamente a profissão que

tem por dever constitucional e moral promover a defesa da sociedade e dos seus cidadãos.

Dentre todas as profissões levantadas, ficou claro pelos dados, que a profissão de policial

militar respondeu por doze casos, correspondendo 9,5% do total, enquanto os policiais civis

foram responsabilizados em nove casos, correspondendo a 7,1% do total. Tomando-se os 51

Conferir nota de rodapé n.° 33.

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160

dados por maioria percentual, constata-se que as profissões com menor status social têm

absoluta predominância dentre os réus julgados na qualidade de autores de crimes de

homicídio, definindo um claro padrão de classificação profissional.

Já em relação ao padrão profissional das vítimas, pode ser destacada a impossibilidade de

se identificar a sua profissão para trinta e dois casos ou 26,7% do total de vítimas. Manteve da

mesma forma que o estudo realizado com os réus o mesmo padrão de classificação

profissional, prevalecendo às profissões de baixo status social. Apenas, deve ser enfatizado

que a categoria estudante também aparece de forma marcante, em segundo lugar na tabela de

profissões, contribuindo em doze casos ou 10% do total.

Quanto às ocupações, de um modo geral, demonstram que tanto réus quanto vítimas

desempenham atividades ou realizam serviços que são indicativos de inferioridade

socioeconômica, inclusive, muitas dessas ocupações sequer são regulamentadas por um

contrato de trabalho. Ao todo catalogamos cinquenta e cinco atividades diferenciadas, em

relação aos réus e trinta e cinco em relação às vítimas, muitas delas sem nenhum rigor técnico

e diversidade classificatória. Diante da dificuldade de listar as profissões catalogadas, houve a

necessidade de se ser mais sintético, por isso, se trouxe à lembrança a Classificação Brasileira

de Ocupações (CBO).52

52

Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações (2002).

http://www.mtecbo.gov.br/buscaGrupo.asp.

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161

Tabela 19 – Profissão dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado, de acordo com a CBO 2002. 53

(*) Esse grupo não consta da CBO, apenas foi inserido como

forma de acomodar um grande número de réus e vítimas que se enquadravam naquelas situações.

CBO 2002 – GRANDES GRUPOS RÉUS VÍTIMAS

QUANTI

DADE

PERCEN

TUAL

QUANTI

DADE

PERCEN

TUAL

0 Forças Armadas, Policiais e Bombeiros

Militares

12 9,4% 2 1,7%

1 Membros superiores do poder público,

dirigentes de organizações de interesse público e

de empresas e gerentes

3 2,4% 10 8,3%

2 Profissionais das ciências e das artes - - 3 2,6%

3 Técnicos de nível médio 11 8,7% 4 3,4%

4 Trabalhadores de serviços administrativos 2 1,6%

5 Trabalhadores dos serviços, vendedores do

comércio em lojas e mercados

24 18,9% 15 12,5%

6 Trabalhadores agropecuários, florestais, da

caça e pesca

5 3,9% 1 0,8%

7 Trabalhadores da produção de bens e serviços

industriais

47 37,0% 31 25,8%

8 Trabalhadores da produção de bens e serviços

industriais

1 0,8% 2 1,6%

9 Trabalhadores de manutenção e reparação 8 6,3% 7 5,8%

Sem profissão declarada/aposentados/estudantes

(*)

14 11,0% 45 37,5%

Total 127 100% 120 100% Fonte n.º 1: Ministério do Trabalho e Emprego.

Fonte n.º 2: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Destaca-se que dentre os dados coletados dos réus é importante salientar que do número

total de réus, doze eram policiais militares, incluídos no GG 0 e nove eram policiais civis

inseridos no GG 3, respondendo, respectivamente, por 9,5% e 7,1% do total de réus. Na

análise realizada também é marcante a contribuição dada pelos trabalhadores da construção

civil, incluídos no GG 7, distribuídos dentre outras ocupações, tais como: serventes, serventes

de pedreiros, pedreiro, ajudante de pedreiro, pintor, armador. Essas atividades vinculadas à

indústria da construção civil contribuíram com 22,8% do total de réus.

Já em relação aos dados coletados em relação às vítimas, identifica-se uma

predominância muito significativa em relação a pessoas cujas profissões não foram

declaradas, num total de trinta e duas, além de doze estudantes e apenas um aposentado. Esse

grupo colaborou com 37,5% do universo total das vítimas. Ainda verifica-se exatamente

como nos dados referentes aos réus que a construção civil agrega profissões que acabam por

53

A estrutura básica da CBO foi elaborada em 1977, resultado do convênio firmado entre o Brasil e a

Organização das Nações Unidas – ONU. A atual CBO, cujos trabalhos foram concluídos em 2002, é o

documento que reconhece, nomeia e codifica as ocupações do mercado de trabalho brasileiro. Nessa estrutura

não é catalogada a atividade de estudante nem tampouco a ausência de profissão. Diante dessa situação, inseri no

último item da tabela esses dados com a finalidade de encaixar os dados coletados dos processos.

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se envolver diretamente com o crime. Nesse sentido, foram catalogadas vinte e uma vítimas

exercendo profissões como: servente, ajudante de pedreiro, pedreiro, pintor, carpinteiro e

servente de pedreiro, representando 17,5% do total geral de vítimas.

O acesso a esses dados nos revelou uma situação que pode não ser real. Esses índices

podem não revelar de forma precisa a situação sócio-econômica dos atores envolvidos com o

crime de homicídio. Entre os acusados somente observamos um único caso em que o

criminado se declarou não ter ocupação ou profissão definida, revelando um percentual de

0,78% do total. Em nove casos não foi declarada a profissão, num total de 7,0% dos casos.

Em relação às vítimas nenhum caso foi registrado. Sabemos que essa não é a realidade sócio-

econômica do país. Efetivamente é impossível saber se naquele momento da coleta dos dados

e após a prática do crime, tanto réus quanto vítimas exerciam as suas ocupações, ou mesmo se

de fato as possuíam. Percebe-se nitidamente no curso dos processos, quando do interrogatório

dos réus, que talvez, a indicação de uma profissão, em relação aos acusados, servisse como

um “cartão de apresentação” à Justiça, de forma a demonstrar que aquela pessoa de fato

exercia uma atividade laboral e dali recolhia o seu sustento. Com isso vai procurar melhorar a

sua imagem perante os agentes do Estado e da Sociedade.

Mas a outra conclusão também se pode chegar diante da análise dessa realidade. O fato

de somente em apenas dez casos não ter sido registrada a ocupação ou profissão do acusado

ou não ter sido registrada a ausência de profissão, significa a inexistência de qualquer tipo de

estereótipo formado pela polícia, não rotulando de “sem profissão” qualquer pessoa, ainda

que sujeitos a trabalhos não formais ou regulares. Esses dados também evidenciam que o

crime de homicídio está mais próximo das classes onde a pobreza se faz mais presente.

É possível afirmar que o aumento da desigualdade e a proliferação do desemprego,

principalmente quando associados a outros indicadores sócio-econômicos, afetam as taxas de

criminalidade de homicídio, embora não sejam suficientes para ensejar uma teoria do crime e

do homicídio. Na realidade não se percebe que o aumento dessas taxas está vinculado à

possibilidade de obtenção de lucros, recorrendo-se à via dos crimes violentos, praticados

pelos mais pobres contra os mais ricos. Os crimes de homicídio, em regra, não possuem

natureza econômica, essa, portanto, não é a sua lógica. O desemprego contribui diretamente

para a proliferação de crimes de natureza patrimonial. Num sentido amplo, estudos empíricos

podem correlacionar a incidência de algum tipo de delito aos índices de desigualdade e

pobreza, da mesma forma que se pode associar o crime do “colarinho branco” a um melhor

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nível sócio-cultural do grupo praticante. Esse tipo de delito, mais lucrativo, menos arriscado e

menos sujeito às perseguições das agências de controle da criminalidade, frequentemente tem

o acesso vedado aos mais pobres e humildes.

É dado como certo que aspectos econômicos e fatores estruturais são covariatas que

contribuem para a explicação do crime. No entanto, quando os dados coletados são

confrontados, não se observa que os pobres pratiquem crimes de homicídios contra os

indivíduos ricos e opulentos. Em sentido inverso, os pobres matam os pobres. Igual

constatação é vista ao longe, quando se observa que os não brancos não matam os brancos,

mas sim os pardos e negros. Logo, não se percebe nenhum tipo de oposicionismo, entre ricos

e pobres, entre não brancos e brancos.

Finalmente, tomando por base os dados coletados na pesquisa, adquire-se o

conhecimento de que o homicídio é um fenômeno que atinge extraordinariamente as classes

mais pobres. Os mais pobres e os menos instruídos matam e morrem mais através desse tipo

de violência.

Os dados levantados a partir da pesquisa do estado civil dos acusados e vítimas

apontaram para uma ampla predominância, numa proporção muito semelhante, para o

envolvimento de pessoas solteiras em crimes de homicídio. No caso dos réus esse percentual é

mais do que o dobro quando aferidas as pessoas que se declararam casadas. Nesse sentido, é

útil destacar que essas informações estão dissociadas das coletadas através do Censo

Demográfico realizado em 2000, 54

que aponta para uma composição na ordem de 49,3% e

25,7% de pessoas, respectivamente, casadas e solteiras, integrantes da população geral

existente no local da pesquisa.

Tabela 20 – Estado civil dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado.

ESTADO CIVIL RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Solteiro 70 55,1% 63 52,5%

Casado 33 26,0% 33 27,5%

União estável 15 11,8% 1 0,8%

Estado civil não declarado 4 3,1% 22 18,4%

Divorciado 2 1,6% - -

Viúvo 2 1,6% - -

Separado judicialmente 1 0,8% 1 0,8%

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

54

Conferir nota de rodapé n.° 33.

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164

De acordo com o levantado enxergado pela análise da Tabela 20, a maioria dos réus, na

ordem de 55,1% se declarou solteiro e nessa mesma situação se encontram 52,5% das vítimas.

Os registros apontam que 37,8% dos réus e 28,3% das vítimas foram identificados como

casados ou como pessoas que viviam em estado de união estável, situação essa que a

Constituição Federal confere status de casado. É relevante destacar que em 18,3% dos casos

não foi possível fazer essa identificação em relação às vítimas.

Após a apresentação dos dados até aqui colhidos em relação a réus e vítimas, tomando

por base seis fatores diferentes, é possível constatar que o perfil para réus e vítimas segue o

mesmo caminho, qual seja, com predomínio para o sexo masculino, com baixa faixa etária,

com significativa incidência da cor parda, com baixo nível de escolaridade, prevalecendo a

ocupação em profissões de status profissional inferior e majoritariamente solteiros.

A presença mais marcante do homicídio entre os mais jovens e solteiros aproxima o

crime da fase das intensas disputas, da ausência de maturidade, da formação de grupos. A fase

do “marido exemplar”, que é definida pelo desempenho frente às reais necessidades de

proteção e assistência, que chegam com o casamento e a formação da prole. Essa fase conduz

o jovem ao trabalho, e eis que passa a adotar posturas públicas mais responsáveis, inclusive,

porque sabe que as consequências dos seus atos não irão recair somente sobre sua pessoa, mas

acabam por alcançar a sua família, seja de forma direta, nos casos de vingança ou de forma

indireta, diante do aumento das necessidades básicas de sobrevivência e sustento do lar.

O cumprimento dos deveres do casamento e das expectativas de proteção e assistência

familiar reforça a imagem de bom marido e pai responsável perante o órgão julgador. O

casamento representa para a sociedade o ingresso de uma pessoa na “vida séria”. É comum

ouvir a expressão “sou um homem sério”, resposta exatamente dada para demonstrar que a

pessoa não pode realizar determinado comportamento, pois é casado.

O último aspecto pesquisado e que vai ajudar a formar um perfil mais completo de réus

e vítimas é a verificação da existência de antecedentes criminais quando da realização do

julgamento popular. Por antecedentes criminais devem ser considerados todos os fatos

anteriores da vida do agente. Esses fatos podem ser positivos ou negativos. São levados em

consideração condenações criminais anteriores, a existência de processos criminais em

andamento, a existência de inquéritos policiais, passagens por delegacias de polícia, dentre

outros. Esses dados, no Tribunal do Júri, podem ser objeto de argumentação tanto pela

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165

acusação quanto pela defesa, na tentativa de induzir à persuasão os integrantes do Conselho

de Sentença para formarem um perfil em relação aos réus ou vítimas, de forma a facilitar a

aceitação dos seus argumentos.

Tabela 21 – Antecedentes criminais dos réus e vítimas referentes aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri

no período pesquisado.

ANTECEDENTES RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Sem antecedentes 76 59,8% 115 95,8%

Com antecedentes 51 40,2% 5 4,2%

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Tabela 21A – Qualidade dos antecedentes criminais dos réus e vítimas referentes aos casos julgados no 1º

Tribunal do Júri no período pesquisado.

CONDENAÇÃO RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Sem condenação 41 80,4% 4 80,0%

Com condenação 10 19,6% 1 20,0%

Total 51 100% 5 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Pelos dados inseridos na Tabela 21 e 21A, foi pesquisada a existência de antecedentes

criminais genéricos em relação a réus e vítimas. Num segundo momento, esses dados foram

separados de acordo com o tipo de antecedente, se daqueles que se constituíam em

verdadeiras condenações (com condenação) ou se esses antecedentes informavam apenas a

existência de processos criminais ou inquéritos policiais em andamento (sem condenação).

Dentre esse universo não foram catalogados nem a existência de processos nem de

condenações por crimes de menor potencial ofensivo. São assim considerados as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, com

algumas regras de exceção previstas em lei. Diante do pequeno reflexo social, esses crimes

são processados e julgados em Juizados Especiais Criminais55

criados para essa finalidade.

Esse campo pesquisado foi o único em que o perfil de réus e vítimas não foi semelhante.

Parcela significativa dos réus, 59,8% do total, possuía antecedentes criminais ao tempo do seu

julgamento, contudo, esses antecedentes na maioria dos casos, em 80,4% do total, não eram

materializados em condenações anteriores, mas sim, em processos criminais pendentes de

julgamento ou inquéritos policiais em andamento. Já em relação às vítimas, apenas 4,2%

55

Os crimes e o procedimento para a sua apuração estão regulamentados na Lei Federal n.º 9.099, de 26 de

setembro de 1995.

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166

possuíam qualquer tipo de antecedente ao tempo do julgamento, números pouco significativos

para os estudos realizados.

Foi pesquisada ainda a religião dos réus e vítimas, entretanto, o resultado foi pouco

significativo. Em relação às vítimas, em nenhum processo foi encontrada qualquer informação

nesse sentido. Já em relação aos réus, somente em 42,5% dos casos foi identificada a religião,

e, mesmo assim, só foi encontrado registro de apenas uma religião. Esses dados

demonstraram ser muito inconsistentes e, portanto, os precários dados colhidos não serão

utilizados nos estudos do objeto desta pesquisa. Segue abaixo a Tabela 22 com as informações

colhidas.

Tabela 22 – Religião dos réus e vítimas referente aos casos julgados no 1º Tribunal do Júri no período

pesquisado.

RELIGIÃO RÉUS VÍTIMAS

QUANTIDADE PERCENTUAL QUANTIDADE PERCENTUAL

Não declarada 73 57,5% 120 100%

Católica 54 42,5% - -

Total 127 100% 120 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

4.2 Sobre os dados coletados através das entrevistas com os jurados

Na seqüência, passa-se à análise que inclui o material obtido através da pesquisa

realizada junto aos jurados, em número necessário para conferir segurança estatística e

representatividade aos dados colhidos. O questionário foi dividido em dois blocos. O

primeiro, formado por um conjunto de vinte e oito perguntas. No segundo encontra-se

perguntas com o objetivo de obter informações sociodemográficas do próprio entrevistado.

Foram combinadas perguntas fechadas e abertas.

Foram aplicados cento e trinta e seis questionários. Esse número corresponde a 16,4%

do número total jurados alistados para o ano de 2007, sendo uma amostra representativa dos

oitocentos e trinta e um jurados alistados no 1º Tribunal do Júri naquele ano. A margem de

erro trabalhada foi de 9,0%.

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167

Procurou-se ter cuidado no estudo que examinou com minúcia as possíveis variantes e

suas interferências nos resultados dos julgamentos. Todas as análises estatísticas foram

construídas a partir da utilização do programa SPSS (Statistical Packhage For Social

Sciences). A análise e a interpretação desses dados investigados buscarão encontrar padrões

de comportamentos e mesmo racionalizações, em razão das variadas conexões que poderão

ser identificadas.

Foi entendido ser importante para a pesquisa aferir algumas características concernentes

aos cidadãos que integram a relação de jurados do 1º Tribunal do Júri. A caracterização dos

jurados, com vistas à obtenção de um perfil, buscou alcançar as variáveis que, numa relação

determinada ou em uma questão específica, poderiam implicar em repercussão no

comportamento e nas deliberações que são lançadas nesse espaço público de decisões. Além

de coletar informações pessoais dos jurados como forma de estabelecer a descrição desse

Tribunal, foram buscadas informações sobre o tempo de atuação como jurado e o número

efetivo de sessões de julgamento em que cada um já tinha participado ao tempo da pesquisa,

assim, permitindo atestar a sua experiência nesse tipo de julgamento social. As próximas

Tabelas que se seguem apresentam os dados coletados.

Tabela 23 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto ao sexo.

Sexo Masculino Feminino Não Respondeu TOTAL

Frequência 55 65 16 136

Percentual 40,4% 47,8% 11,8% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 24 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto à idade.

Idade 18 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 Mais de 60 Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 22 25 51 21 2 15 136

Percentual 16,2% 18,4% 37,5% 15,4% 1,5% 11,0% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 25 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto à profissão.

Funcionário Público Privado Não Respondeu TOTAL

Frequência 91 11 34 136

Percentual 66,9% 8,1% 25,0% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 26 – Dados sócio demográficos dos jurados quanto à escolaridade.

Nível Fundam.

Completo

Médio

Completo

Sup.Incom

pleto

Superior

Completo

Pós

graduado

Não

Respondeu

TOTAL

Frequência - 9 16 47 48 16 136

Percentual - 6,6% 11,8% 34,5% 35,3% 11,8% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

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168

Tabela 27 – Dados sócio demográficos dos jurados referente à cor.

Cor da

pele

Moren

a clara

Branca Amare

la

Parda Morena Clara Negra Mula

ta

Não

Respon

deu

TOTAL

Frequê

ncia

5 59 3 21 23 3 3 1 18 136

Percen

tual

3,7% 43,4% 2,2% 15,4% 16,9% 2,2% 2,2% 0,7% 13,2% 100%

Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 28 – Dados sócio demográficos dos jurados referente à renda.

Em mil

Reais

Até 1.000 Até 2.000 Até 3.000 Até 4.000 Até 5.000 Acima

de 5000

Não

Respondeu

TOTAL

Frequên

cia

2 28 32 19 9 29 17 136

Percent

ual

1,5% 20,6% 23,5% 14,0% 6,6% 21,3% 12,5% 100%

Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 29 – Dados sócio demográficos dos jurados referente ao estado civil.

ESTADO CIVIL QUANTIDADE PERCENTUAL

Casado 69 50,7%

Solteiro 34 25,0%

Separado/Divorciado 14 10,3%

Viúvo 2 1,5%

Não responderam 17 12,5%

Total 136 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 30 – Tempo de atuação como jurado no Tribunal do Júri.

1 ANO 2 ANOS 3 ANOS 4 ANOS 5 ANOS (+) 5

ANOS

EM

BRANCO

TOTAL

Frequên

cia

32 11 6 2 5 13 67 136

Percentu

al

23,5% 8,1% 4,4% 1,5% 3,7 9,5% 49,3% 100%

Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 31– Número de sessões em que participou como jurado no Tribunal do Júri.

ZERO UMA DUAS TRÊS QUATRO CINCO (+)

CINCO

BRANC

O

TOTAL

Frequê

ncia

53 26 15 8 8 3 15 8 136

Percent

ual

39,0% 19,1% 11,0% 5,9% 5,9 2,2% 11,0% 5,9% 100,0%

Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 32 – Nível de satisfação em atuar como jurado no Tribunal do Júri.

Muito

Satisfeito

Satisfeito Mais ou

menos

Satisfeito

Insatisfeito Muito

Insatisfeito

Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 9 37 50 18 15 7 136

Percentual 6,6% 27,2% 36,8% 13,2% 11,0% 5,1% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

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169

Foi selecionado para a obtenção do perfil dos jurados as seguintes variáveis: sexo,

idade, profissão, nível de escolaridade, cor da pele, estado civil e renda mensal. O primeiro

questionamento revelou que 40,4% dos respondentes são do sexo masculino e 47,8% são do

sexo feminino. Deixaram de responder a essa indagação 11,8% do total.

Se esses dados forem comparados com os levantados na Tabela 02 que indicam que a

população de Aracaju/Se, considerando apenas as pessoas com mais de 10 anos de idade, é

formada por 54,1% de mulheres e 45,9% de homens, percebe-se que a existência de uma

perfeita paridade na representação de homens e mulheres no Conselho de Sentença é apenas

aparente.

Na busca de outras comparações, é possível observar que as respostas apresentadas a

esse questionamento, pela maioria das mulheres que prevalecem na formação do Conselho de

Sentença, não encontram apoio nos dados apresentados pela Tabela 01, já que em todos os

anos abrangidos pela pesquisa, de 2003 até 2007, e inclusive em relação ao ano de 2008,

nunca as mulheres superaram os homens na relação geral de jurados. Nesse período, o ano de

2008 foi o de maior representatividade do sexo feminino, com 49,0% de participação e o ano

de 2006 foi o que apresentou o menor índice de participação, na ordem de 35,0%. Logo, os

homens sempre tiveram maior participação do que as mulheres, embora atualmente, esteja

bastante equilibrada, mas ainda não reflete a representatividade que cada sexo tem na

população geral da cidade.

Essa subrepresentação feminina ainda é mais acentuada quando se lança um olhar sobre

a efetiva participação nos julgamentos realizados. Em nenhum dos anos pesquisados a

participação feminina superou a masculina nos julgamentos realizados. Em 2003, as mulheres

contribuíram com 46,1% do número de total de integrantes da lista geral de jurados, mas

quando se observa a efetiva participação feminina em julgamentos realizados, esse índice cai

para 42,0%. Em 2004, a lista geral era composta por 43,4% de mulheres, mas a efetiva

participação foi de 29,6%. Em 2005, a lista geral era composta por 40,8%, mas a participação

feminina nos julgamentos foi de 32,1%. Já em 2006, as mulheres contribuíram com 35,0% do

total de jurados listados, mas a participação feminina se resumiu a 26,4%. Por fim em 2007,

último ano pesquisado, o percentual feminino na listagem geral foi de 36,1% e mais uma vez

a sua efetiva participação em julgamentos foi de 25,4%.

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170

Essa série de informações, sob o aspecto quantitativo, deixa claro que a cada ano tem

ocorrido uma pequena, mas constante redução da participação feminina nos julgamentos

realizados pelo Tribunal do Júri.

Seguindo em busca de um perfil do jurado do 1º Tribunal do Júri, foi coletada

informação sobre a idade dos respondentes. Como se pode perceber pelo conteúdo das

informações da Tabela 24, existe um relativo equilíbrio entre as faixas de idades apresentadas,

com ressalva para a faixa que se estende dos 41 aos 50 anos, que concentra a maioria dos

jurados. O resultado geral indica que 16,2% pertencem à faixa de idade de 18 aos 30 anos;

18,4% pertencem à faixa de 31 a 40 anos; 37,5% pertencem à faixa de 41 a 50 anos; 15,4%

estão inseridos na faixa que vai de 51 a 60 anos; e apenas dois jurados ou 1,5% tinham mais

de 60 anos na data da pesquisa; 11,0% não apresentaram resposta a esse quesito.

Esses dados podem ser comparados com os dados coletados pela Tabela 16, nessa se

observa que réus e vítimas se situam nas faixas de idade mais baixas e ocorre um sensível

decréscimo quantitativo na proporção que a idade aumenta. A faixa que vai dos 18 aos 25

anos concentra o percentual de 51,2% e 40,0%, de réus e vítimas, respectivamente. Já em

relação aos jurados, a maior concentração se dá exatamente na faixa intermediária que vai dos

41 aos 50 anos.

A perspectiva diante da coleta dos dados das Tabelas 35 e 26, em relação à profissão era

tão somente aferir se o jurado exercia a sua atividade laboral junto ao setor público ou

privado, sem nutrir preocupação em formar um catálogo de profissões, a exemplo do que fora

feito para réus e vítimas e que pode ser constatado através da Tabela 19. Já em relação ao

nível cultural do jurado, faz-se necessário aferir se o nível de instrução individual de cada

participante consiste num atributo, que permite uma aproximação adequada no sentido da

compreensão de todo o ritual que se desenvolve em torno de um julgamento social. Por não

ser necessariamente bacharel em direito, é necessário que o jurado apresente um nível de

entendimento adequado para não prejudicar, por equívoco, os interesses do acusado ou da

vítima e familiares.

A maior parte dos respondentes, na ordem de 66,9%, afirmou que exerce suas atividades

junto ao setor público. Já 8,1% desempenham suas funções junto ao setor privado;

significativa parcela de 25,0% não apresentou resposta a esse quesito. Observou-se ainda que

nenhum dos jurados que participaram da pesquisa tinham nível de instrução aquém do ensino

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171

médio. Nesse campo, 6,6% responderam que possuía ensino médio completo; 11,8%

informaram que iniciaram o curso superior e não concluíram; mas 34,5% iniciaram e

concluíram o ensino superior; contudo o maior índice foi atribuído para os pós-graduados, na

ordem de 35,3% dos respondentes; sendo que 11,8% nada responderam a essa indagação.

Como era de se esperar, a constatação dos elevados estágios de ensino dos jurados

reflete o desnível entre o padrão cultural de réus e vítimas e o dos seus julgadores. A somação

dos percentuais que abrangem o nível de escolaridade superior completo e pós-graduado

atinge a expressiva marca de 69,9% dos respondentes. Se a esses valores for adicionado os

percentuais daqueles que iniciaram e não concluíram o ensino superior será alcançado o

percentual de 81,7% dos jurados.

Diante de uma análise das áreas de formação dos respondentes, destaca-se que dentre

aqueles que responderam possuir nível superior ou pós-graduação, 39,2% estão qualificados

na área de Ciências Sociais e Aplicadas; 33,0% na área de Educação e Ciências Humanas;

24,7% na área de Ciências Exatas e Tecnológicas e 3,1% na área de Ciências Biológicas e da

Saúde.

Dentre as profissões, foi observado que aqueles que são capacitados em Administração

somam 14,4% do total; em Contabilidade e Ciência da Computação e Informática 11,3%,

respectivamente; em Pedagogia 10,3%; em Economia 9,3%; em Direito 7,2%; em Agronomia

6,2%; os 30% restantes estão distribuídos em outras dezessete profissões. É necessário

informar que a qualificação acadêmica do jurado em determinado ramo do conhecimento não

significa dizer que ele desempenha essa atividade profissional.

O campo nível de escolaridade, em relação às vítimas, foi prejudicado na pesquisa pelas

razões já argumentadas. Já em relação aos acusados foi possível coletar dados que se prestam

a uma análise comparativa. Enquanto 69,9% dos jurados possuem nível superior ou são pós-

graduados, apenas 0,79% dos réus possui o terceiro grau e nenhum era pós-graduado ao

tempo do julgamento.56

Noutro passo, 56,0% dos acusados sequer tinham alcançado

completar o primeiro grau. Nenhum jurado foi inserido nesse nível educacional. Percebe-se

que existe uma verdadeira seletividade no recrutamento para a função de jurado quanto ao

grau de instrução.

56

Cf. Tabela n.º 18.

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172

Na hipótese de ser levada em consideração a relação de jurados referente ao ano de

2007, é possível contabilizar que 64,7% dos relacionados são funcionários do governo, 29,3%

são bancários, mas somente estão envolvidos nesse processo de seleção os funcionários dos

bancos públicos e 5,9% são funcionários da Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS, cujo

monopólio pertence ao poder público. Portanto, não existe nenhum jurado vinculado à

iniciativa privada e nem tampouco desvinculado do poder público. O Código de Processo

Penal, alterado que foi em junho de 200857

, durante o andamento da pesquisa, criou a

obrigatoriedade para o juiz presidente do Tribunal do Júri, de formar a relação de jurados não

só a partir de requisições feitas às autoridades locais, mas também, devendo buscar selecionar

os participantes através de associações de classe, de bairros, entidades associativas e culturais,

instituições de ensino em geral e universitárias, sindicatos, núcleos comunitários e ainda por

pessoas que sejam indicadas ao juiz, embora não estejam vinculadas a nenhuma dessas

instituições.

A distribuição dos jurados também foi examinada em função da cor da pele. As

respostas não foram induzidas e foram lançadas as cores que efetivamente os jurados

responderam. Também não foi utilizada nenhuma forma de classificação ou tabela. As

respostas foram livres. Do total de entrevistados 43,4% responderam ser da cor branca; 16,9%

da cor morena; 15,4% da cor parda; 3,7% responderam pertencer à cor morena clara;

enquanto 2,2% responderam ser da cor clara; igual percentual deve ser aplicado às cores

amarela e negra; por fim, 0,7% responderam ser da cor mulata e 13,2% nada responderam a

esse quesito.

Quando linhas atrás os dados da Tabela 17 foram analisados, restou constatado que a

cor parda é a que predomina no universo de réus e de vítimas do crime de homicídio. Esse

universo representa 48% dos réus julgados e 39,2% das vítimas. Os brancos somaram 8,7%

do total de réus e 10,8% do total de vítimas. Aqui foi percebido que os jurados brancos

prevalecem na relação geral, na ordem de 49,3% do total, se somadas às cores branca, clara e

morena clara, todas conferidas por autoatribuição. Essa desproporção é muito significativa, da

mesma forma que é flagrante o desnível entre réus e vítimas pardas, quando comparado com o

percentual de jurados pardos.

Esses dados informaram que se somados àqueles que se atribuíram à cor parda ou

morena, será atingido um percentual de 32,3% do total de jurados entrevistados. Esse número 57

Alteração promovida pela Lei Federal n.º 11.689, de 09 de junho de 2008.

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173

se aproxima do percentual de vítimas, mas fica muito distante do percentual de réus julgados.

Por fim, somente 2,2% dos respondentes se declararam negros, enquanto que as pessoas dessa

cor representam 11,8% dos réus julgados e 15,0% das vítimas. Mas a desconformidade tem

uma real tendência de aumento, já que não podemos desprezar a grande incidência de réus e

vítimas que não tiveram a cor da pele registrada nos autos do processo, respectivamente, na

ordem, de 30,71% e 35,0%.

Das comparações acima é notório que a desproporção referente ao número de jurados

brancos contamina todas as possibilidades de igualdade em relação às demais etnias, já que

ela se revela com muita intensidade. Quando esses dados são comparados com os coletados

pelo IBGE, através do Censo Demográfico realizado em 200058

, constata-se que as pessoas

consideradas brancas contribuem com 36,1% da população da cidade e com 49,3% do total de

jurados. Os pardos contribuem com 55,4% da população de Aracaju/Se, mas somente com

32,3% do total de jurados. Já os negros somente contribuem com 7,2% da população geral da

cidade e apenas com 2,2% do total de jurados. Somente em relação aos negros a desproporção

alcança 327% de defasagem.

O resultado obtido quando foi analisada a variável cor, em relação a réus e vítimas,

deixou claro que o crime de homicídio está mais associado a pessoas de cor parda e negra.

Agora quando é feita a mesma análise, sob o prisma do julgador, chega-se à conclusão

inversa, ou seja, que existe uma forte tendência do Conselho de Sentença ser formado

majoritariamente por pessoas da cor branca ou diversa da cor do acusado. O crime é para

pardos e negros e o julgamento é para os brancos.

A última variável analisada foi a renda econômica dos jurados. Essas informações serão

aglutinadas junto com as demais e permitiram indicar, ainda que não com total exatidão, a

classe social a qual o jurado pertence. Os índices foram coletados tendo como base os valores

percebidos com a remuneração mensal em reais. A primeira faixa abrange aqueles que

recebem remuneração até R$ 1.000,00 (mil reais) e a última para aqueles que recebem mais

que R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais. As demais faixas se situam dentro desse limite.

Foi percebido que 23,5% dos respondentes, a maioria, informou que recebe mais de dois

e menos de três mil reais de salários; 21,3% têm renda superior a cinco mil reais; 20,6%

percebem entre um e dois mil reais de rendimentos mensais; 14,0% recebem mais de três e

58

Cf. Nota de rodapé n.° 33.

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174

menos de quatro mil reais de salários; 6,6% ganham entre quatro e cinco mil reais de salários;

por fim, 1,5% recebem até mil reais de salários e 12,5% não responderam a esse

questionamento.

A análise do estado civil dos respondentes informa que mais da metade daqueles que

forneceram a informação solicitada, na ordem de 50,7%, se declararam casados; 25,0%

informaram que são solteiros; 10,3% informaram que são separados ou divorciados; enquanto

1,5% são viúvos e 12,5% não responderam ao questionamento.

Pelo perfil que pode ser formado, através das informações até aqui catalogadas, é

possível perceber que o Conselho de Sentença é constituído a partir de uma listagem geral de

jurados com representação equilibrada entre homens e mulheres, embora essa não se confirme

nos índices que apuram a real participação feminina nos julgamentos. Quanto à idade, o corpo

de jurados é formado na sua maioria absoluta por pessoas que se situam na faixa etária

compreendida entre 31 a 50 anos de idade. Ocupam cargos e desempenham funções

majoritariamente no serviço público. A maioria incontestável possui nível superior completo

ou é pós-graduado, isso significa dizer que possuem no mínimo quinze ou mais anos de

estudo. Predomina a cor branca e com uma renda média mensal muito acima do teto mínimo

estabelecido para a remuneração do trabalhador brasileiro, por isso, é possível afirmar que os

jurados se inserem num extrato social médio que em muito se afasta da realidade social de

réus e vítimas. Também em relação ao estado civil, réus, vítimas se encontram em relativa

condição de igualdade, prevalecendo em relação a esses atores o estado civil solteiro, mas em

relação aos jurados predomina o estado civil de casado. Portanto, é possível afirmar que a

legalidade da conduta dos réus não é aferida por seus pares.

A situação típica dos jurados frente à realidade social desse conjunto de parâmetros

pesquisados permite destacar que o Tribunal do Júri é um espaço público de deliberações,

cuja conformação está baseada no prestígio social dos seus membros, aos quais é conferida

reconhecida distinção. É nesse grupo de pessoas que está concentrado o poder dessa agência

social de controle da criminalidade, que detém o direito de deliberar, de agir e de mandar

distribuir sanções penais em nome do Estado.

Outro tipo de preocupação foi elaborar uma abordagem sobre o tempo de atuação de

cada jurado nessa condição, essa situação poderia ser percebida como uma espécie de

maturidade do Conselho de Sentença. O primeiro questionamento, observável através da

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175

Tabela n.º 30, pretendeu então colher informação sobre o tempo de atuação de cada no

desempenho da função de jurado. Destaca-se o alto índice de ausência de resposta a essa

pergunta. Não há uma explicação lógica para esse índice. Os questionados deram as seguintes

respostas; 23,5% dos entrevistados responderam que atuavam no Tribunal do Júri a menos de

um ano; 8,1% dos entrevistados responderam que atuavam a menos de dois anos; 4,4%

responderam que atuavam a menos de três anos; 1,5% responderam que atuavam a menos de

quatro anos; 3,7% a menos de cinco anos; 9,5% dos entrevistados responderam que atuavam

no Tribunal do Júri a mais de cinco anos e 43,3% não apresentaram resposta a essa indagação.

Das respostas colhidas, foi possível constatar que a maioria dos jurados possui muito

pouco tempo de atuação como Conselheiro do Tribunal do Júri. Essa constatação vai de

encontro à afirmação de que a existência de jurados mais experientes, em tese, favorece o

trabalho da acusação, seria a prefalada “profissionalização” dos jurados. Atualmente, a

legislação que regulamenta a matéria determina a obrigatoriedade do jurado que tiver

integrado o Conselho de Sentença nos doze meses que antecederem a publicação da lista

geral, fique dela excluído. Anualmente, a lista geral de jurados será, obrigatoriamente,

completada59

. Essa imposição legal visa exatamente evitar esse caráter profissionalizante do

Tribunal do Júri.

Na proporção que o tempo de permanência no serviço do Júri aumenta a uma nítida

tendência para a diminuição do número de jurados. Encontramos sete jurados que estão

atuando no Tribunal do Júri há dez anos, representando um total de 5,1%. Apenas um jurado

informou que já atua nesse Tribunal há exatos quinze anos, portanto, esse é o jurado mais

longevo, dentre os respondentes da pesquisa.

Os dados listados na Tabela 31 trazem as informações sobre o questionamento feito aos

respondentes sobre o número de sessões em que cada um já tinha atuado na qualidade de

jurado. As informações sobre o tempo de atuação do jurado no Tribunal do Júri são

confirmadas pelo pequeno número de sessões, das quais cada um dos respondentes já tinha

participado ao tempo da pesquisa. O número de jurados que nunca tinham passado pela

experiência de participar de um julgamento dessa natureza foi surpreendentemente grande. A

possibilidade de se identificar um Conselho de Sentença formado, na sua maioria, por jurados

totalmente inexperientes não é incomum.

59

Art. 426, § 4º e 5º do CPP.

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176

Como se pode perceber, 39,0% dos jurados nunca tinham participado de nenhuma

sessão do Tribunal do Júri; 19,1% tinham participado apenas de uma sessão; 11,0% de duas

sessões; 5,9% de três e quatro sessões; 2,2% de cinco sessões; e somente apenas 11,0%

informaram que já tinham participado de mais de cinco sessões e 5,9% não responderam a

esse questionamento.

Os indicadores apontam que a relação entre jurado e tempo de atuação perde em

intensidade com o passar do tempo. Impressionantes índices de 30,1% dos jurados

entrevistados só tinham participado de até duas sessões de julgamento ao tempo da entrevista.

Mas o maior percentual foi observado dentre aqueles que, apesar de integrarem a listagem

geral de jurados, nunca tinha sido sorteado ou escolhido, para tomar parte de fato, de uma

única sessão de julgamento. Portanto, esses, num percentual de 39,0% do total de

entrevistados jamais passaram por tal experiência.

Percebe-se claramente que a realidade do universo pesquisado não fornece indicativos

de que aqui se opera o fenômeno da “longevidade do serviço do júri” encontrado por Roberto

Arriada quando pesquisou o Conselho de Sentença de Porto Alegre/RS (LOREA, 2003, p.

55). Não se observa jurados, em grande quantidade, exercendo essa atividade durante muito

tempo e tendo participado de um número muito elevado de sessões de julgamento. Esse não

pode ser um argumento utilizado para demonstrar certa tendência condenatória.

Nota-se que a experiência dos jurados não pode ser medida pelo número de anos que ele

possui como integrante desse Conselho. Essa constatação pode ser justificada pelos índices de

adiamento de julgamentos e pelo número muito alto de jurados integrantes da relação geral. A

lista anual em uma cidade como Aracaju/Se, deve contar com trezentos a setecentos jurados

alistados, já que a comarca possui mais de cem mil e menos de um milhão de habitantes. Na

atualidade, ou seja, nesse ano de 2009 foi constatada a presença de mil duzentos e oito jurados

inscritos na listagem geral, ou seja, 42% a mais do que o necessário60

. A lei prevê que nas

comarcas onde for necessário poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada

lista de suplentes61

. Contudo, a nossa realidade não aponta para essa necessidade.

Através da análise dos resultados obtidos e inseridos na Tabela 32, permite-se averiguar

o nível de satisfação do cidadão em integrar a lista geral de jurados e de participar dos

60

Informação contida no Diário da Justiça n. 2721 de 10 de outubro de 2008. 61

Art. 425, § 1º do CPP.

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julgamentos sociais. Ao ser perguntado como se sentia atuando como jurado 6,6% dos

respondentes afirmaram que se sentiam muito satisfeitos; 27,2% sentiam-se satisfeitos; 36,8%

sentiam-se mais ou menos satisfeitos; 13,2% sentiam-se insatisfeitos; 11,0% sentiam-se muito

insatisfeitos e 5,1% não responderam.

O alistamento dos jurados é anual. A formação da lista geral se consolida a partir das

requisições previstas em lei, que partem do juiz presidente às autoridades locais, associações

de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral,

universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários, bem como pela

indicação à pessoa do juiz de cidadãos que reúnam as condições para exercer a função de

jurado62

.

O serviço do júri é obrigatório. Prevê a lei que diante da recusa injustificada ao serviço

do júri, pode ser aplicada multa no valor de um a dez salários mínimos, a critério do juiz, de

acordo com a condição econômica do jurado63

. A recusa ao serviço do júri fundada em

convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo,

sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto 64

. Ao

jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado para a sessão ou retirar-

se antes de ser dispensado pelo juiz presidente será aplicada multa de um a dez salários

mínimos, a critério do juiz, de acordo com a sua condição econômica65

.

O nível de exigência é elevado para o desempenho de uma função não remunerada e de

alta responsabilidade. A título de vantagem em razão da efetiva prática da função de jurado,

esse recebe apenas o reconhecimento do exercício de serviço público relevante, estabelece em

seu favor a presunção de idoneidade moral e lhe é assegurado prisão especial, em caso de

crime comum, até o julgamento definitivo66

. Constitui também direito do jurado, ter

preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante

concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou

remoção voluntária67

.

62

Art. 425, § 2º do CPP. 63

Art. 436 do CPP. 64

Art. 438 do CPP. 65

Art. 442 do CPP. 66

Art. 439 do CPP. 67

Art. 440 do CPP.

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Diante de tantas exigências, é surpreendente que 70,6% dos respondentes apresentem

qualquer nível de satisfação pessoal em atuar na condição de jurado e que apenas 24,2%

rejeitem essa condição. De fato, isso demonstra a existência de algum compromisso social

tomado pelos integrantes da sociedade quando chamados a decidir sobre os conflitos sociais.

Esses resultados, que demonstram a satisfação pelo serviço, também podem ser

encaixados na visão que os jurados têm da seriedade com que os operadores do direito

trabalham cada causa que é levada a julgamento. Talvez, o mais importante, seja a garantia de

que o acusado terá a sua causa apreciada com respeito e responsabilidade. Logo, apesar da

obrigatoriedade da função, não se observa um nível elevado de resistência a esse tipo de

serviço. A pesquisa proporcionou a coleta de dados que mostram que existe alguma

motivação, creio de ordem pessoal, para o exercício dessa atividade.

Tabela 33 – Concordância com o aumento das penas para os crimes violentos.

SIM NÃO NÃO

RESPONDEU

TOTAL

Frequência 113 20 3 136

Percentual 83,1% 14,7% 2,2% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Os dados da Tabela 33 apresentam o resultado para a pergunta submetida à apreciação

dos respondentes, no sentido de informar se eram favoráveis ao aumento das penas para os

crimes violentos. Ficou evidenciado que a ampla maioria, 83,1% foi favorável a esse

aumento, enquanto 14,7% se manifestaram de forma desfavorável. Apenas 2,2% não

responderam esse quesito. No julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, a função de graduar

a intensidade da pena é do magistrado togado, atendendo a alguns parâmetros previstos no

Código Penal. Assim sendo, a função do jurado é tão somente a de efetuar a incriminação do

acusado.

Essa tendência marcante em se admitir como razoável a atribuição de uma pena mais

elevada para os crimes violentos, e em se tratando de homicídio, todos o são, mas mesmo

dentro dessa categoria de crimes é possível observar, com muita nitidez, casos onde o nível de

violência empregado para a prática do crime, seja pelas dimensões ou pelas formas, ultrapassa

o nível necessário ou ordinário. Certamente, a sensação de insegurança social e a intensa

divulgação de cenas de violência pelos meios midiáticos exercem influência nesse

posicionamento. Como resultado, o “cidadão de bem” é levado a acreditar que os espaços

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públicos seguros estão sendo drasticamente reduzidos e cada vez mais deve ficar confinado a

determinadas áreas da cidade.

Tabela 34 – Concordância com a instituição da pena de morte.

SIM NÃO NÃO

RESPONDEU

TOTAL

Frequência 33 102 1 136

Percentual 24,3% 75,0% 0,7% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Mas o nível de rigor observado na aplicação das penas aos condenados não é o mesmo

observado quando questionados sobre a possibilidade de se admitir a aplicação da pena de

morte. Os resultados coletados na Tabela 34 apontam para uma ampla maioria de 75,0% que

rejeitam essa possibilidade. Noutro passo, ainda que em menor número, um percentual

elevado da sociedade que serve ao Tribunal do Júri, na ordem de 25,0% admite a

possibilidade de aplicação da pena de morte. Chamou a atenção que em relação a esse assunto

foi observado um dos menores índices de ausência de resposta, já que exatamente um único

entrevistado, representando 0,7% do total, deixou de manifestar a sua opinião.

A pena de morte, assim como as penas que tenham caráter perpétuo, as penas que

imponham trabalhos forçados, as penas de banimento e as cruéis, não tem aplicação no nosso

ordenamento jurídico, por expressa vedação constitucional. Em apenas um caso é admitida a

aplicação da pena de morte, como regra de exceção, prevista na própria Constituição Federal,

ou seja, nos caos de guerra declarada68

.

Tabela 35 – Avaliação da intervenção popular no Tribunal do Júri.

Concordo

Totalmente

Concordo Não sei

Avaliar

Discordo Discordo

Totalmente

Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 36 52 26 7 6 9 136

Percentual 26,5% 38,2% 19,1% 5,1% 4,4% 6,6% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Outra vertente da pesquisa foi mensurar como o jurado percebe a sua própria

participação nos negócios da Justiça. De acordo com os dados da Tabela 35, para 26,5% dos

entrevistados há uma ampla concordância com essa participação; 38,2% apenas concordaram;

19,1% não souberam avaliar; 5,1% discordaram do modelo de participação popular no

Tribunal do Júri; 4,4% discordaram totalmente; enquanto 6,6% não apresentaram nenhuma

68

Art. 5°, Inc., XLVII, alínea a), da Constituição Federal de 1988.

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resposta a esse questionamento. Portanto, 64,7% são concordantes com o atual modelo de

solução de conflitos diante da prática de crimes dolosos contra a vida.

Essa forma de manifestação contribuiu para o fortalecimento da democracia nacional,

inclusive se constitui numa forma de ação coletiva de natureza democrática. O modelo de

julgamento adotado aproxima o Judiciário da Sociedade e apesar do seu tecnicismo e

complexidade, admite a participação pública e a representação popular. São os crimes dolosos

contra a vida, únicos casos em que um julgamento social toma o lugar do julgamento

exclusivamente judicial, e no qual se admite a possibilidade de substituir a racionalidade do

técnico burocrático, operador do direito, pela suposta “irracionalidade” de um conjunto de

indivíduos que mantém relações sociais no local do julgamento.

Essa especial forma de organização do sistema judicial democrático, aplicado para

solucionar os conflitos rotulados de crimes dolosos contra a vida, cria as condições e confirma

que nessa esfera é possível o povo julgar, de forma participativa e direta, demonstrando o

conteúdo da vontade geral. Enseja a ideia de "justiça do povo", que corresponde em seu

significado etimológico ao legítimo exercício da isegoria, recebendo, inclusive, por meio da

letra do texto constitucional o atributo da soberania dentro do processo de tomada de decisões.

Tabela 36 – Avaliação da capacidade de julgamento, de um modo geral, dos jurados selecionados para

atuar como jurado no Tribunal do Júri.

Muito

Competentes

Compete

ntes

Não sei

avaliar

Incompet

entes

Muito

Incompetentes

Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 1 58 59 7 2 9 136

Percentual 0,7% 42,6% 43,4% 5,1% 1,5% 6,6% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Procurou-se verificar junto aos respondentes de que forma eles avaliam a sua

capacidade de compreensão, daquilo que é exposto no Tribunal do Júri pelas partes

processuais. Como já informado não é necessário ser bacharel em ciências jurídicas para estar

habilitado a fazer parte do Conselho de Sentença. Portanto, estando os jurados na condição de

cidadãos “leigos”, pretende-se saber como eles se percebem, sob o ponto de vista da

capacidade para o exercício dessa função. Esse questionamento, dirigido, exclusivamente,

para mensurar se jurados formam a sua convicção de voto de forma consciente, se de fato

conseguem compreender as informações que são transmitidas durante uma sessão de

julgamento.

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Na análise, a referência permanece positiva em relação àqueles que acreditam que têm

capacidade de realizar um bom julgamento nas condições em que geralmente são colocados

no Tribunal do Júri. A Tabela 29 apresenta resultados que indicam que 0,7% dos

entrevistados se acham muito competentes para julgar. Ao passo que 42,6% se acham apenas

competentes para o ato de julgar; 43,4% não souberam avaliar; 5,1% se acharam

incompetentes e 1,5% se acharam muito incompetentes. Deixaram de responder a essa

indagação 6,6% dos entrevistados.

Os índices registrados por aqueles que não souberam avaliar a sua capacidade de

julgamento não causou estranheza, pois ocorre uma relativa simbiose entre esses dados e os

registrados como resposta que apontaram para o nível de experiência dos jurados. Esses dados

coletados e mostrados na Tabela 31 indicam que 39,0% dos jurados nunca participaram de

uma única sessão de julgamento e 19,1% deles de apenas uma sessão. Esses índices são

indicativos que muitos respondentes, de fato, não tenham condições de escrever em resposta,

uma informação adequada a esse quesito, em decorrência de nunca terem vivenciado tal

experiência.

Essa visão da maioria, dentre os que se posicionaram, forma a ideia de que os jurados

acreditam que não é necessária formação jurídica para realizar um bom julgamento. Outros

atributos de fato são necessários, mas não é essencial entender de leis e da tramitação de um

processo judicial. Esses resultados permitem mais algumas constatações. Observa-se através

deles que os jurados compreendem, com adequação, as teses jurídicas que são argumentadas

pelos advogados, defensores públicos e promotores de justiça durante a fase dos debates orais

em plenário. A compreensão dessas teses faz crer que os julgadores sociais depositam cada

voto na urna secreta com a convicção de que estão julgando da forma mais coerente.

Outra constatação é que a linguagem jurídica utilizada no plenário de julgamento, pelos

profissionais da oratória, não é excessivamente rebuscada, mas noutro sentido, caminha para

uma linguagem simples e que seja compreensível por todos. As teses tanto de acusação

quanto de defesa são desenvolvidas de forma acessível o suficiente, para permitir a perfeita

compreensão do Conselho de Sentença. Mesmo as regras jurídicas indispensáveis ao

desenvolvimento da causa, tendem a ser explicadas sem luxo de linguagem, aparato ou

ostentação. Nesse sentido, reforça essa compreensão o nível de qualificação intelectual dos

jurados que de fato é elevado, quando tomado pela média da sociedade local.

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Tabela 37 – Se as condições de primariedade e de bons antecedentes do réu influenciam na decisão no

Tribunal do Júri.

Nunca Raramente Às vezes Frequente

mente

Sempre Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 9 11 73 15 17 11 136

Percentual 6,6% 8,1% 53,7% 11,0% 12,5% 8,1% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 38 – Se a reincidência na prática de crimes violentos ou a presença de maus antecedentes são

relevantes para a decisão no Tribunal do Júri.

Nunca Raramente Às vezes Frequente

mente

Sempre Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 2 - 26 31 67 10 136

Percentual 1,5% - 19,1% 22,8% 49,3% 7,4% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

O objetivo das indagações acima é mensurar de que forma a constatação da

primariedade e a presença de bons antecedentes do acusado podem interferir de forma

positiva na decisão dos jurados. Em direção oposta interessa constatar se a reincidência e a

presença de maus antecedentes levam os jurados a adotarem uma postura condenatória.

Primeiramente foi perguntado se as condições de primariedade e de bons antecedentes do réu

influenciam a decisão no julgamento. Em seguida, foi perguntado se a reincidência do réu na

prática de crimes violentos ou os seus maus antecedentes são relevantes para a decisão.

O sentido que deve ser dado ao termo primariedade não é o significado jurídico e sim o

significado extraído do senso comum. Portanto, deve ser constatada a primariedade do

acusado diante da ausência de uma condenação anterior e imposta de forma definitiva.

Ao primeiro questionamento 6,6% dos respondentes disseram que nunca se sentiriam

influenciados pelas condições apresentadas como favoráveis ao acusado; 8,1% informaram

que raramente; 53,7% destacaram que às vezes poderiam ser influenciados; 11,0% assumiram

que frequentemente são influenciados; 12,5% disseram que sempre são influenciados e 8,1%

não responderam a esse questionamento. Tomadas as duas respostas mais extremadas, resta

evidenciado que a possibilidade do jurado ser influenciado por essa condição favorável ao

acusado é da ordem de 23,5%, portanto, bem maior do que a possibilidade de não ser

influenciado, que é de 14,7%. Mas, a maior incidência de respostas a esse quesito é a

possibilidade da associação dessa variável com outra, levando, assim, o julgador a optar por

uma determinada postura.

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O alto percentual de respondentes que disseram que poderiam ser influenciados por essa

variável demonstra com bastante nitidez que a oscilação da tendência dependerá das

características pessoais da vítima. A presença da condição de primariedade do acusado faz

com que o Conselho de Sentença seja mais tolerante com ele, pondere a sua responsabilidade

penal e seja mais aberto a lhe conceder uma nova chance, principalmente, quando lhes são

postas as condições dos estabelecimentos prisionais. Vamos constatar na seção seguinte que

40,5% dos respondentes admitem a possibilidade de levar em consideração essa variável antes

de decidir os destinos do acusado. A ausência de um comportamento social inadequado

facilita a percepção de que o fato avaliado foi fruto do “acaso”, foi consequência de uma

“fatalidade”. A constatação de que o acusado não é uma pessoa afeta ao crime, uma pessoa

que nunca cometeu um delito, torna mais real a possibilidade de uma absolvição.

Ao segundo questionamento, 1,5% dos entrevistados responderam que nunca se

deixariam influenciar pela reincidência ou pelos maus antecedentes do acusado; 19,1%

responderam que às vezes poderiam se deixar influenciar; 22,8% informaram que

frequentemente se deixam influenciar; um percentual muito elevado de 49,3% disse que

sempre leva em consideração a vida anterior do acusado; 7,4% não responderam ao

questionamento. Essa variável visa demonstrar o comportamento social do acusado, permite

conhecer o autor do crime e, estabelecer uma relação entre ele o seu passado e o crime, e, por

conseguinte, o que se pode esperar dele no futuro. Essa relação próxima com a prática ou

condenação por outros ilícitos penais vai exercer influência significativa na avaliação que

jurados fazem em relação à conduta do acusado.

A reincidência é vista pelos jurados como uma fraqueza do acusado e a sua

incapacidade de se curvar diante de uma condenação anterior. Essa insensibilidade faz o

jurado perceber que ele é um ser nocivo à sociedade. Nessa condição, a variável passa a

influenciar de forma negativa aos interesses do acusado.

A força dessa variável pode, contudo, ser utilizada por ambas as partes processuais.

Quando a vítima através dos seus antecedentes revela expressiva carreira criminosa, pautada

na prática de crimes graves, certamente a defesa vai utilizar essa realidade para criar um fosso

entre o comportamento social da vítima e o comportamento do acusado, desde que a realidade

social do acusado permita. Macular ou deslustrar a imagem da vítima em detrimento da

exaltação da imagem do acusado, vinculando-o a valores como: respeitador das regras sociais,

bom pai, bom filho, bom esposo, trabalhador, etc., é uma estratégia que procura revelar para o

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Conselho de Sentença a desnecessidade de uma condenação. Com esse discurso, tenta

estabelecer um elo entre a ação da acusado e a Justiça, rotulando sua conduta como necessária

e aprovada pelo corpo social.

Nos embates estabelecidos no Tribunal do Júri quando a mancha indelével na imagem

do acusado é confrontada com a limpidez e a retidão de caráter da vítima, o desfecho do

julgamento tende para a condenação do acusado. Quando as características pessoais são

invertidas, o rumo do desfecho do julgamento se desloca para o sentido inverso. Na realidade,

identifica-se aqui apenas uma tendência. Certamente, outros fatores poderão interagir noutro

sentido. Quando esses fatores se equivalem, de modo indubitável, o desenlace do julgamento

vai depender de outras variáveis presentes e atuantes.

Tabela 39 – Se o atual estado do sistema penitenciário nacional interfere na decisão em condenar o réu no

Tribunal do Júri.

Nunca Raramente Às vezes Frequente

mente

Sempre Não

Respondeu

TOTAL

Frequência 54 15 28 17 10 12 136

Percentual 39,7% 11,0% 20,6% 12,5% 7,4% 8,8% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

O objetivo desse questionamento foi mensurar quanto o apelo emocional, referente ao

real estado de miserabilidade das prisões, pode interferir na decisão de condenar o acusado.

Os entrevistados responderam na ordem de 39,7% que nunca levam esse fator em

consideração para decidir sobre uma condenação; 11,0% informaram que raramente

consideram esse fator; 20,6% responderam que às vezes são tocados por essa realidade;

12,5% responderam que frequentemente; enquanto 7,4% declararam que sempre são

influenciados; já 8,8% não responderam a esse questionamento.

Um percentual pequeno dos entrevistados admitiram que sempre existe a possibilidade

de um afrouxamento da severidade penal, tocados pelos sentimentos comoventes de uma dura

realidade do nosso sistema prisional. Noutro passo, uma parcela mais significativa, de 33,1%

em uma intensidade maior ou menor, questiona se a condenação é a medida social mais

adequada a ser tomada diante da incrédula realidade prisional. Esse elemento extrajurídico

funciona como um discurso científico, que entrelaçado com uma prática carcerária nociva aos

direitos humanos, serve para desqualificar o sistema penitenciário e postular por uma

suavização da pena.

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A sociedade é quem incrimina o infrator do homicídio e prepara o terreno para a

punição a ser imposta pelo magistrado, punição essa que se exerce com a participação direta

da sociedade. Com essa argumentação de cunho emocional, cria-se então um paradoxo

jurídico, que coloca de um lado a possibilidade de aceitação das leis da sociedade, e do outro

a imagem que se cria do “monstro”, pessoa cruel, desnaturada e horrenda que vai ser

vomitada pelo sistema prisional, após o cumprimento da pena. Assim, o problema central

passa a ser a medida e a necessidade da punição. Essa passa a ser discutida, quanto à

possibilidade do seu afastamento, não em razão do ato praticado, mas sim em função da

ausência de possibilidade da ressocialização do criminoso. Essa avaliação que o Tribunal do

Júri faz para além do nível do julgamento é uma forma de “prejulgar”.

A esperança da impunidade não pode se precipitar na situação precária do sistema

prisional. O elemento geral de certeza que deve dar eficácia ao sistema punitivo deve cair de

joelhos diante da comprovada inocência do acusado ou da falta de elementos mínimos e

suficientes para se estabelecer uma reação social ao crime. A semiótica penal não deve dar

azo ao chamado “direito de misericórdia”, já que a percepção por parte do autor do crime de

que pode ser perdoado, e que a sanção criminal não é a continuação necessária que se segue

ao delito, torna mais frágil o instrumento legal e cria o ambiente adequado para a crença na

impunidade.

Também não pode a esperança da impunidade se precipitar na falência do sistema

prisional. De fato esse sistema, quase na sua totalidade, não mais realiza a pedagogia

universal das relações sociais e do trabalho como faro de sua serventia. Mas noutro extremo, a

função da pena é tornar o crime um ato desvantajoso e sem atração, quebrando a mola

propulsora que estimula a realização do delito. Daí a necessidade não de tornar ausente a

punição, mas de reformular o modelo de gestão do sistema penitenciário, tornando-o mais

humano e mais eficaz no processo de transformação do comportamento e de isolamento de

hábitos antigos que sejam nocivos ao corpo social.

Os reformatórios penais devem ser vistos e de fato percebidos como ambientes que

sejam capazes de monitorar e afastar os vícios e as fraquezas humanas. Sua função não deve

ser a de apagar as marcas de um crime, mas a de evitar que o crime recomece naquele cidadão

e se alastre no meio social de forma nociva. Deve possuir mecanismos que identifique e

bloqueie a repetição do delito num futuro próximo ou remoto. Michel Foucault analisando o

instituto da prisão assim escreveu: “Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se

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que é perigosa quando não inútil. E entretanto não vemos o que por em seu lugar. Ela é a

detestável solução, de que não se pode abrir mão” (FOUCAULT, 1987, p. 196).

É fato que na atualidade a prisão não atende de forma eficaz aos seus dois principais

propósitos, quais sejam, manter a privação da liberdade e promover a transformação de

indivíduos, afastando-os do crime e promovendo a sua inserção social. Mas o que se vê é a

proliferação de vícios, o contágio pelos maus exemplos, a ociosidade e a organização de

novos crimes. Contribui para a não recuperação dos condenados a inesgotável fonte de

corrupção, que corrói a moral dos presídios e impede a regeneração dos condenados. Talvez

por isso, vários dos respondentes levem essa variável em consideração na hora de proferir seu

voto.

Tabela 40 – Se pedidos do réu ou familiar podem direcionar o voto a favor de uma absolvição.

Sim Não Não Respondeu TOTAL

Frequência 11 119 6 136

Percentual 8,1% 87,5% 4,4% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 40A – Se o jurado já foi alvo desses pedidos.

Sim Não Não Respondeu TOTAL

Frequência 5 125 6 136

Percentual 3,7% 91,9% 4,4% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

O objetivo do primeiro questionamento anterior foi identificar a possibilidade de que

“pedidos”, vindos do acusado ou de seus familiares, seriam capazes de direcionar o voto do

jurado a favor de uma absolvição. Já em relação ao segundo, procurou-se avaliar se de fato

esses pedidos ocorrem e com qual frequência. Não é novidade que logo após a publicação da

lista dos jurados que foram sorteados para participarem de determinado julgamento é sempre

possível que o acusado ou terceiros passe a tentar contato com alguns desses jurados. Esses

contatos visam interferir nas deliberações dos jurados nas sessões de julgamentos.

Ao quesito inicial, apenas 8,11% dos respondentes admitiram que ao receber um pedido

no sentido de absolver o acusado, poderiam pautar sua atuação sob a influência desse pedido.

Nesse sentido, poderiam votar pela absolvição do acusado. Todavia, a maioria incontestável

dos respondentes, ou seja, 87,5% dos entrevistados responderam que não admitiriam a

possibilidade de vir a absolver o acusado em função de um “pedido” formulado pelo réu ou

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187

seus familiares. Noutro passo, apenas 4,4% dos entrevistados não responderam a esse

questionamento.

A indagação seguinte tinha por objetivo aferir de fato se essa situação ocorre. Uma

inexpressiva minoria de 3,7% dos jurados respondeu que já foi alvo desses pedidos. Mas,

91,9% deles responderam que nunca foram alvos desse tipo de abordagem. E apenas 4,4% dos

entrevistados deixaram de responder a esse questionamento.

Um dos grandes argumentos dos críticos da instituição do Tribunal do Júri é a grande

possibilidade dos integrantes desse Tribunal se deixar sugestionar os seus votos, sobretudo

quando esse tipo de comportamento pode ser visto como uma forma de controlar o poder do

Júri. Essa forma de atuação levaria a impunidade de criminosos. A incoerência de critérios

nos julgamentos sempre levanta, em especial, por parte da mídia, a possibilidade de

“pressões” exercidas sobre os jurados ou até mesmo a possibilidade de corrupção.

Os bastidores do Tribunal do Júri ou a fase que antecede o julgamento, ou seja, o espaço

de tempo que vai da publicação da relação dos jurados até o dia da realização da sessão de

julgamento, pode ser revelador e nele se processar o resultado do julgamento, principalmente

quando o fato a ser julgado é notório, é alvo de muito interesse da mídia ou quando envolve

pessoas que ocupam posição de destaque dentro do contexto social. Todas essas eventuais

“manobras”, possíveis de serem realizadas nesse período, procuram direcionar o resultado do

julgamento, afastando assim, a imparcialidade dos jurados.

O resultado da pesquisa nesse item demonstrou que não existe a “cultura de pedidos” no

Tribunal do Júri de Aracaju/Se, conforme os dados constantes da Tabela 30A. Já os dados da

Tabela 30, informam que ainda que esses pedidos fossem uma prática corrente, eles não

seriam um fator influenciador nas decisões a serem tomadas. A resultados diferentes

chegaram as pesquisadoras Semira Adler e Ângela Simões quando pesquisaram o Tribunal do

Júri da Comarca do Recife/PE. Em pesquisa realizada junto aos jurados, 65,0% dos

entrevistados responderam que já sofreram pressões antes do julgamento para absolver o

acusado, enquanto 98,0% dos mesmos asseveraram não levar em conta tais pedidos

(VAINSENCHER, 1997, p.115).

Comparando as duas realidades, percebe-se que faz parte da cultura da sociedade do

Recife, envolvidas com a prática de crimes de homicídio, procurar uma solução mais

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188

adequada para a causa através da utilização de métodos não transparentes. Essa realidade não

é percebida em Aracaju/Se. No entanto, aqui existiria um terreno mais favorável a esse tipo de

comportamento. Acredita-se que essa maior possibilidade de aceitação dos “pedidos” ocorra

em razão da maior proximidade entre os integrantes da sociedade. Em uma sociedade menor é

muito comum a expressão “todo mundo se conhece” e sempre é possível conhecer alguém,

que conhece alguém, que conhece o jurado. Essa possibilidade de acesso, decerto facilitaria

uma maior aproximação e até a aceitação, por parte de alguns poucos, desses eventuais

“pedidos”.

Tabela 41 – Se ameaças do réu ou de terceiros influenciam de alguma foram à decisão do Tribunal do

Júri.

Sim Não Às vezes Não Respondeu TOTAL

Frequência 19 63 46 8 136

Percentual 14,0% 46,3% 33,8% 5,9% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 41A – Se os jurados já foram alvo dessas ameaças.

Sim Não Não Respondeu TOTAL

Frequência - 131 5 136

Percentual - 96,3% 3,7% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Através da primeira indagação anterior se procurou coletar informação junto ao corpo

de jurados, qual peso teria nas suas decisões, eventuais ameaças lançadas pelo acusado ou por

terceiros, no sentido de se ter um voto a favor da absolvição. Na seguinte tinha a ideia de

verificar se de fato essas ameaças ocorrem.

Através da leitura dos dados inseridos na Tabela 41, percebe-se que 14,0% dos

entrevistados de alguma forma seriam influenciados no sentido de absolver o acusado em

razão de ameaças. Para 46,3% deles, esse mecanismo não alcançaria o efeito desejado. Mas,

para uma parcela muito significativa, na ordem de 33,8% declararam que às vezes essa ilegal

tática poderia surtir efeito a favor do acusado. Somente 5,9% não responderam a essa

pergunta. Mais uma vez, foi constatado que essa forma de ação não faz parte da cultura, seja

de réus ou de seus familiares, que foram julgados no 1º Tribunal do Júri de Aracaju/Se. Os

dados da Tabela 41A mostram que nenhum dos respondentes foi alvo de ameaças; que 96,3%

nunca foram ameaçados; e que 3,7% não responderam.

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189

No tocante aos “pedidos”, está muito evidente que essa variável não surtiria o efeito

desejado, mas já em relação à ameaça existe uma significativa possibilidade desse fator

permitir que se alcance êxito quanto às intenções que visem beneficiar o acusado. É possível

acreditar que esses dados não sofreram nenhuma interferência em razão do grande número de

jurados que nunca aturam, de fato, em uma sessão de julgamento do Tribunal do Júri (39,0%),

conforme se pode constatar através da leitura dos dados inseridos na Tabela 31. Essa

afirmativa encontra respaldo em razão dos “pedidos” e as ameaças não ocorrerem durante a

sessão de julgamento, mas sim no período compreendido, após a publicação da relação de

jurados sorteados para o julgamento e o dia designado para a realização da sessão de

julgamento.

Portanto, ainda que não tenha sido sorteado para participar, de forma efetiva, de

determinada sessão de julgamento, sorteio esse que é realizado minutos antes da sessão ser

iniciada, o jurado já teria sido contactado, seja sob o rótulo de pedido ou de ameaça para

inclinar o seu voto a favor de uma absolvição.

Tabela 42 – Se a existência de um grande lapso de tempo entre a data do crime e a data do julgamento

exerce influencia no julgamento do Tribunal do Júri.

Sim Não Talvez Não Respondeu TOTAL

Frequência 30 66 34 6 136

Percentual 22,1% 48,5% 25,0% 4,4% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Segundo as informações coletadas junto aos processos julgados no primeiro Tribunal do

Júri, foi inserido dentre os aspectos da pesquisa o tempo de duração de cada processo.

Localiza-se um processo que foi julgado em 10 de junho de 2005, porém o fato ocorrera em

22 de maio de 1990. Esse é o processo que mais tempo levou para ser julgado quanto ao seu

mérito, foram exatos cento e oitenta e um meses para o desfecho final da causa. O acusado

restou condenado nesse julgamento. Já em relação à outra extremidade da variável, localiza-se

o processo que foi julgado em 29 de setembro de 2004, cujo fato ocorreu em 19 de fevereiro

do mesmo ano. Esse processo levou apenas sete meses para ser julgado. O resultado do

julgamento informa a condenação do acusado.

Esses são os extremos do problema, entretanto, a média geral do tempo de julgamento

dos processos é muito elevada. A média geral de todos os processos julgados no período da

pesquisa informa que foram necessários 68,9 meses ou 5,8 anos para se concluir um

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julgamento. O termo inicial tem como marco a data do crime e o termo final a data do

julgamento pelo Tribunal do Júri. Esses dados informam o quanto a Justiça é morosa na

solução desse tipo de lide. Certamente, vários são os fatores que contribuem para essa

morosidade, não sendo objeto da pesquisa procurar explicações para essa negativa realidade,

mas tão somente, aferir se ela interfere no julgamento dos jurados.

Assim sendo, indagou-se aos jurados se a constatação de um grande lapso de tempo

entre a data do fato e a data do julgamento, sem que o acusado nesse espaço tenha cometido

qualquer outro delito, seria um fator de influência no seu julgamento. Através das

informações coletadas e inseridas na Tabela 42 pode-se constatar que, 22,1% dos

respondentes levariam esse fator em consideração na hora de julgar o acusado; mas 48,5%

não se deixariam influenciar; enquanto 25% poderiam considerar essa possibilidade e 4,4%

nada responderam.

Tabela 43 – Se a orientação sexual do réu é uma variável que exerce influência no julgamento do Tribunal

do Júri.

Sim Não Talvez Não Respondeu TOTAL

Frequência 3 125 4 4 136

Percentual 2,2% 92,0% 2,9% 2,9% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela para justificativas apresentadas.

Especificação Frequência Percentual

Associa homossexualismo a crimes bárbaros 1 0,7%

Dignidade/direito/liberdade 25 18,4%

Força 1 0,7%

Só interessa o crime 27 19,9%

Resposta sem justificativa 65 47,8%

Crime não associado ao sexo 8 5,9%

Genética 1 0,7%

Má conduta social 1 0,7%

Vinculação com o crime 3 2,2%

Não responderam 4 2,9%

Total 136 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Com o objetivo de descobrir se aspectos da sexualidade de réus e vítimas, ainda na

atualidade, pode ser objeto de discriminação quando da realização dos julgamentos sociais,

foi questionado ao jurado se a orientação sexual do réu é uma variável que exerce influência

no julgamento do Tribunal do Júri. Conforme dados contidos na Tabela acima, a maioria dos

respondentes, na ordem de 92,0%, informou que não leva em consideração qualquer forma de

opção sexual antes de julgar o acusado; No sentido oposto, 2,2% informaram que levam esse

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191

aspecto em consideração; já 2,9% admitiram que poderiam levar essa variável em

consideração e igual percentual deixou de responder ao questionamento.

Foi buscada ainda a justificativa para as respostas apresentadas ao questionamento

formulado. Mereceu destaque a afirmação que a opção sexual se constitui em um direito, uma

liberalidade que é inerente à existência do cidadão. Outros admitiram que no momento do

julgamento só se interessam pelo crime, portanto, apenas se voltam para a análise das provas

dos autos do processo. Contudo, quase a metade dos respondentes, simplesmente, deixou de

justificar a sua opção de resposta. Essa omissão pode demonstrar a adoção apenas de um

comportamento “politicamente correto”, sem, no entanto, permitir que fosse aferida a real

percepção do julgador sobre o assunto. As demais justificativas argumentadas pelos

respondentes apresentaram pouca representatividade.

Também foi indagado aos respondentes se a orientação sexual da vítima era uma

variável de significativa influência no julgamento popular. De todo o universo que respondeu

a pesquisa, 79,4% informou que essa variável não impacta no julgamento realizado; 2,2%

admitiu que leva em consideração essa variável na hora de decidir; 4,4% admitiram essa

possibilidade; e uma significativa parcela dos respondentes, na ordem de 14,0% não

respondeu ao quesito.

Tabela 44 – Se a cor da pele do réu é uma variável que exerce influência no julgamento do Tribunal do

Júri.

Sim Não Talvez Não Respondeu TOTAL

Frequência 1 132 - 3 136

Percentual 0,7% 97,1% - 2,2% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela para justificativas apresentadas.

Especificação Frequência Percentual

Prejulgamento 1 0,7%

Igualdade (preconceito/racismo) 31 22,8%

Não traduz o caráter da pessoa 5 3,7%

Só interessa o crime 27 19,9%

Resposta sem justificativa 63 46,3%

Crime não associado ao sexo 6 4,4%

Não responderam 3 2,2%

Total 136 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Foi importante para a pesquisa buscar um resultado, que demonstrasse que a cor de

acusados e vítimas é um indicador que aponta para uma maneira diferente de julgar, baseado

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no efeito estereotipante da cor da pele. Verificado no seu conjunto, o efeito da cor da pele

sobre as decisões dos jurados não se mostrou de forma significativa. Os resultados mostraram

que 97,1% não admitiram qualquer possibilidade de que a cor da pele do acusado interferisse

no julgamento realizado; apenas 0,7% admitiu essa possibilidade; enquanto 2,2% dos

respondentes não responderam a pesquisa.

A seguir, foram buscadas justificativas para as respostas oferecidas. Mereceu destaque a

justificativa de que assumir um comportamento como esse, seria violar o princípio da

igualdade entre os cidadãos, uma verdadeira prática de racismo ou preconceito racial. O total

de respondentes que convergiram para esse entendimento foi de 22,8%. Já para 19,9% dos

entrevistados a justificativa para a resposta foi exatamente a necessidade de se levar em

consideração apenas as provas do processo. Esse grupo também exclui totalmente a

possibilidade de qualquer relação entre a cor da pele e o homicídio. Mais uma vez prevaleceu

a ausência de respostas justificadas. Nessa situação foram incluídos 46,3% dos respondentes.

Por isso, fica a impressão de que os respondentes não desejam externar de que forma

percebem a cor da pele nos julgamentos sociais.

A variável ainda foi testada em função da cor da pele da vítima. Os resultados

alcançados só divergiram do anterior em razão do aumento do número de entrevistados que

não deixaram de responder a pesquisa nesse quesito. Curiosamente, o único grupo que perdeu

adesões foi o daqueles que não admitiam a possibilidade de interferência. Para 81,6% a

variável cor da pele da vítima também não exerce nenhuma interferência no julgamento; já

para 0,7% dos respondentes a cor da pele da vítima interfere nas decisões; para 2,2 essa

variável é possível de interferência; finalmente para 15,4% não houve qualquer justificativa.

Tabela 45 – Se a classe social do réu é uma variável que exerce influência no julgamento do Tribunal do

Júri.

Sim Não Talvez Não Respondeu TOTAL

Frequência 5 115 13 3 136

Percentual 3,7% 84,5% 9,6% 2,2% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

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Tabela para justificativas apresentadas.

Especificação Frequência Percentual

Maior conhecimento da lei 5 3,7%

Igualdade 25 18,4%

Não traduz o caráter da pessoa 7 5,1%

Só interessa o crime 16 11,8%

Resposta sem justificativa 62 45,6%

Cuidado para não gerar impunidade 2 1,5%

Origem familiar 1 0,7%

Crime não associado à classe 8 5,9%

Benefício para o réu 4 2,9%

Tolerância 1 0,7

Degradação social 1 0,7

Não responderam 4 2,9%

Total 136 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Não menos importante é averiguar a percepção do corpo de jurados, encarregado da

tarefa de julgar, frente à classe social de réus e vítimas que se apresentam como protagonistas

nos julgamentos populares. Foi buscado averiguar, se a partir da variável classe social, os

jurados extraem razões para condenar ou absolver o acusado. Inicialmente, foram coletadas

respostas referentes à classe social dos acusados. Para 84,5% dos respondentes, a variável

classe social não interfere nas suas deliberações; para 9,3%, existe possibilidade de tal

interferência; mas para 3,7% não existe nenhuma possibilidade de que as decisões sejam

influenciadas pelo variável classe social; enquanto 2,2% deixaram de responder a esse

questionamento.

Duas justificativas apresentaram maior índice de significância. A primeira foi a que

percebeu a possibilidade da interferência dessa variável como uma violação ao princípio da

igualdade entre os cidadãos. Posicionaram-se nesse sentido 18,4% dos respondentes. A

segunda não admitiu a interferência da variável e justificou alegando que só o crime interessa.

Nesse sentido, foi observada a justificativa de 11,8% dos respondentes. Deixaram de

apresentar justificativa para a resposta ao quesito 45,6% dos entrevistados.

Sob o enfoque da vítima, os números não se mostraram muito diferentes. Do universo

total dos respondentes, 75,7% não admitiram a possibilidade de interferência da variável;

8,1% admitiram é possível que a variável exerça influência no julgamento; enquanto para

1,5% a variável de fato exerce influências nas suas decisões. Deixaram de responder a esse

quesito 14,7% dos entrevistados.

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Tabela 46 – Se a chegada do réu preso ao julgamento, pelo crime que vai ser julgado, motiva a decisão do

Jurado no sentido de uma condenação.

Sim, quando

preso pelo crime

de homicídio

Sim, quando preso

qualquer crime

Não Não Respondeu TOTAL

Frequência 4 12 98 22 136

Percentual 2,9% 8,8% 72,1% 16,2% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Em recente decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando reunido o

Tribunal Pleno, composto pelos seus onze ministros, para julgar o HC69

n.º 1952, em 07 de

agosto de 2008, restou decido que a utilização de algemas durante a realização da sessão de

julgamento pelo Tribunal do Júri implica em prejuízo para a defesa do acusado, e ainda atenta

contra o princípio da dignidade da pessoa humana e ofende a sua integridade física e moral.

Somente de forma excepcional, diante da periculosidade do acusado ou na presença de risco

real de fuga, resta justificada a medida de manter o acusado algemado durante o julgamento.

Essa condição coloca não só o acusado, mas também a sua defesa, em situação de

desequilíbrio com a acusação perante o Conselho de Sentença. O efeito negativo que a cena

tem a possibilidade de causar, pode inclusive, interferir na avaliação que o jurado faz do

acusado e certamente também pode intervir no resultado da votação. Outra situação que é

muito argumentada pelos defensores dos acusados é a apresentação dos mesmos, no plenário

de julgamento, trajando a farda do estabelecimento prisional. No Estado de Sergipe, os

estabelecimentos prisionais utilizam uma farda de coloração cor de cenoura, com inscrições

em preto. Essa tonalidade marcante é criticada pela Defesa no sentido de que produz uma má

impressão do acusado, além de ser humilhante e degradante.

Nesse propósito, é importante lançar questionamento no sentido de verificar se a

presença do acusado preso em plenário é um fator que exerce interferência no julgamento.

Essa situação será caracterizada, seja pela sua entrada algemado ou pelo traje utilizado, além

da permanência durante todo o julgamento de uma escolta ao seu lado, para impedir eventuais

fugas. Foi perguntado se a chegada do acusado preso ao julgamento, pelo crime que vai ser

julgado, motiva a decisão do jurado no sentido de uma condenação.

Respondendo a esse questionamento, 2,9% dos respondentes informaram que quando o

réu chega preso no plenário de julgamento, pelo crime que irá ser julgado, esse fator aproxima

a sua decisão de uma condenação; já 8,8% dos respondentes informaram que a chegada do

69

Habeas Corpus.

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acusado preso, por qualquer crime, ainda que não seja o crime pelo qual irá ser julgado,

exerce influência no sentido de uma sentença condenatória; noutro passo, 72,1% dos

entrevistados responderam que essa situação nenhuma influência exerce sobre o voto; 16,2%

não foram condescendentes em responder. A conclusão a que se chega é que a incontestável

maioria não se deixa influenciar pela apresentação do acusado, preso ou algemado, no

plenário de julgamento.

Tabela 47 – Se as informações que recebe antes do julgamento, por meio de terceiros ou pela imprensa,

colabora para formar algum julgamento prévio sobre o caso.

Sim Não Talvez Não Respondeu TOTAL

Frequência 23 43 55 15 136

Percentual 16,9% 31,6% 40,5% 11,0% 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

A regra geral nos julgamentos no Tribunal do Júri é que o jurado só irá tomar

conhecimento dos fatos no momento do julgamento. Após a realização do sorteio dos jurados

que define a composição do Tribunal do Júri, é expedido para cada jurado um comunicado

informando o local, dia e hora que será realizado o julgamento. Sobre o processo só é

informado o número do mesmo, o nome do acusado ou dos acusados, se houver mais de um e

o nome da vítima ou das vítimas. Afora essas informações, nada é informado sobre o fato.

No dia do julgamento os jurados, irão tomar conhecimento dos fatos a serem julgados

através da leitura da denúncia, da ouvida das testemunhas e da vítima, essa nos casos de

tentativa onde seja possível colher suas declarações, da leitura de peças do processo, do

interrogatório do acusado e das alegações das partes processuais. No entanto, há casos em que

o fato ganha notoriedade, seja pela qualidade da vítima, do acusado, pelas circunstâncias em

que o fato ocorreu, pelo local do crime, pelo prestígio social dos envolvidos, pelo nível

exagerado da violência empregada, enfim, por qualquer outra razão que desperte o interesse

dos meios midiáticos.

Seja quando da ocorrência do fato, nas diversas audiências realizadas, e principalmente

na oportunidade do julgamento, a mídia escrita, falada e televisiva sempre explora as várias

versões que são dadas para o caso. Geralmente, entrevistas são concedidas com o objetivo de

explicar o caso. Especialistas são consultados para dar a sua opinião. Logo, toda uma

expectativa é gerada em relação ao resultado do julgamento.

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Ao mesmo tempo, ainda sem saber que vai ser selecionado para esse julgamento o

jurado pode acompanhar, não nessa qualidade, mas como mero ouvinte, todas as informações

que são divulgadas. Após ter ciência de que foi escolhido, mediante sorteio, para participar

desse julgamento, certamente maior interesse terá esse cidadão sobre as informações que são

propaladas sobre o evento criminoso. Por isso, foi questionado aos entrevistados se as

informações que recebem antes de um julgamento, sejam por meio de terceiros ou pela

imprensa, ajudam a formar algum julgamento prévio sobre o caso.

Respondendo a essa indagação, 16,9% dos respondentes assinalaram que fazem um

julgamento prévio sobre o caso através das informações transmitidas através da imprensa ou

de terceiros; 31,6% disseram que não efetuam nenhum juízo de valor prévio; 40,5%

admitiram essa possibilidade e 11,0% simplesmente não responderam. O percentual

observado para aqueles que admitiram uma interferência, principalmente da mídia, sobre suas

decisões é muito significativo. Esse percentual pode ser reforçado por àqueles que

simplesmente admitem essa possibilidade.

O poder de informação da imprensa atinge praticamente todos os lugares, recantos e

cantos, por mais longínquos que sejam. Dependendo da forma como a notícia é passada para o

grande público, pode, de fato, ajudar a formar um juízo de valor e exercer influência, tanto em

magistrados togados quanto nos ditos “leigos”. Certamente, a maior exploração sobre o fato

ocorre logo após a sua realização. Com o passar do tempo, é natural que ocorra certo

desinteresse ou esquecimento sobre o assunto. Entretanto, é possível que pessoas interessadas

no fato sejam capazes de mobilizar a mídia para além daquele momento e consiga manter o

manifesto interesse até a ocasião do julgamento, desde que o fato seja tratado com celeridade.

É certo que, diante de um caso mais comentado, o jurado sente que a sua

responsabilidade aumenta, pois a sua decisão não ficará somente restrita à esfera do Tribunal,

onde somente o juiz, o advogado, o promotor, os serventuários da justiça, o acusado e os

próprios jurados estarão presentes e dela tomarão conhecimento. São frequentes alguns

poucos familiares do acusado e alguns curiosos aguardarem a leitura da sentença. De uma

forma menos intensa, os familiares da vítima comparecem ao Tribunal. Por essa razão,

geralmente o conteúdo das decisões da imensa maioria dos processos chegam ao

conhecimento de um número limitado de pessoas.

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De modo indubitável, o desfecho dos processos em relação aos quais existe maior

interesse da mídia, é sempre muito comentado, procurando-se sempre explicações e

justificativas para a deliberação. Conforme a recepção do resultado pela sociedade em geral,

em especial se a decisão contraria o senso comum de justiça, ainda que este seja forjado sob a

luz opaca da superficialidade das provas, a decisão tende a ser muito comentada e

possivelmente alvo de críticas. É por essa razão que o jurado tende a sentir um peso maior

quanto a sua responsabilidade nesse tipo de julgamento, já que sabe que a sua decisão será

objeto de discussão, de críticas ou de elogios pela sociedade em geral, pelo grupo de amigos e

ou familiares.

Além de todas as variáveis analisadas e que possuem potencial de interferência nos

julgamentos populares, outras situações foram disponibilizadas para os jurados respondentes,

para que pudessem mensurar em uma escala de zero a dez, o nível de influência de cada

situação na sua decisão pessoal de condenar ou absolver o acusado. Inicialmente procuramos

listar, de forma agrupada, um conjunto de oito situações vinculadas à vítima e posteriormente

num outro conjunto mais oito situações mais ligadas ao acusado. Por fim, foi questionado

sobre a existência de qualquer outro fator de interferência, de livre indicação por parte dos

respondentes.

No conjunto vinculado às vítimas foram lembradas as seguintes variáveis: condenação

anterior da vítima; maus antecedentes da vítima; mau comportamento social da vítima; a

idade avançada da vítima; a pouca idade da vítima; a popularidade ou notoriedade da vítima

na sociedade; a presença de familiares da vítima no julgamento; a qualidade do discurso do

Promotor de Justiça.

No conjunto ligado aos acusados foi mencionado: a qualidade do discurso do Advogado

de defesa; demonstração de arrependimento pelo réu; a presença de familiares do réu no

julgamento; a idade avançada do réu; a pouca idade do réu; o estado de saúde do réu; o choro

do réu; a popularidade ou notoriedade do réu na sociedade. Por fim, foi dada a oportunidade

dos respondentes de informar qualquer outro valor.

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Tabela 48 – Condenação anterior da vítima.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quatr

o

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

3 3 4 - 2 11 2 10 26 13 39 23 136

Percen

tual

2,2

%

2,2

%

2,9% - 1,5% 8,1% 1,5

%

7,4% 19,1

%

9,6% 28,7

%

16,9

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

A primeira situação posta aos respondentes foi a condenação anterior da vítima,

confo0rme dados coletados pela Tabela 48. Esses dados demonstram que a média de

relevância dessa variável é igual a oito. Os respondentes admitiram que essa situação é muito

relevante e é um fator que pode decidir o julgamento. O comportamento da vítima, nos

processos criminais, nunca passa despercebido. A legislação penal70

estabelece que, em caso

de condenação, o magistrado deverá fixar a pena do condenado com base em alguns critérios,

dentre os quais, fez inserir a análise do comportamento da vítima.

Dentro dessa análise, basicamente o que busca é conhecer se a vítima com seu

comportamento contribuiu de algum modo para a prática do crime, ou ainda se o crime

decorreu de culpa exclusiva da vítima. No Tribunal do Júri análise que é feita pelo Conselho

de Sentença é no sentido de aferir qual o tipo de comportamento da vítima. Será verificado se

a vítima tinha um bom comportamento social, se era afeta à prática de crimes, se tinha o

hábito de usar drogas ilícitas, se tinha o costume de portar arma de fogo, considera-se

eventuais passagens pela polícia, a existência de processos criminais julgados ou não, a

existência de inquéritos policiais, a qualidade de baderneiro ou de provocador de conflitos,

dentre outras situações.

A pesquisa demonstra que alguns aspectos da vítima merecem notável atenção por parte

dos julgadores, sendo, portanto, poderoso instrumento de influência no resultado dos

julgamentos. A condenação anterior da vítima é uma variável de natureza jurídica que se

apresenta como um fator de influência nos julgamentos. Pela análise da Tabela 48, percebe-se

que a maioria dos respondentes, em índices de 64,8%, deu nota igual ou superior a sete para

essa variável. Sendo que quase um terço dos que responderam ao quesito, ou seja, 28,7%

atribuíram pontuação máxima, em grau de importância, a esse quesito. Por outro, lado

somente 8,8% dos que responderam atribuíram nota igual ou inferior a quatro, em grau de

relevância a essa variável.

70

Art. 59 do Código Penal Brasileiro.

Page 199: ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA - NSEPR · ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES: Uma análise dos julgamentos no Tribunal

199

O significativo índice de entrevistados que informou atribuir muita atenção a essa

informação, demonstra que a presença de condenação em desfavor da vítima, é recepcionada

pelo Conselho de Sentença como um fator que beneficia a defesa do acusado. Quanto maior o

índice de nocividade que a vítima represente ao meio social, maior será o benefício do

acusado. Essa constatação leva a uma dedução de que no plenário do Tribunal do Júri não só

o acusado é julgado, mas também as vítimas têm ali o seu segundo julgamento, considerando

que o primeiro julgamento foi realizado pelo acusado.

Tabela 49 – Maus antecedentes da vítima.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

1 - 5 - 2 12 3 8 16 26 39 24 136

Percen

tual

0,7

%

- 3,7% - 1,5% 8,8% 2,2

%

5,9% 11,8

%

19,1

%

28,7

%

17,6

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

A segunda situação posta aos respondentes foi a simples existência de maus

antecedentes, ou seja, sem condenação anterior da vítima. Essa variável também é de natureza

jurídica. São considerados maus antecedentes a simples existência de processos criminais não

julgados e a tramitação de inquéritos policiais. Os dados pela Tabela 49 demonstram que a

média de relevância dessa variável é igual a nove, portanto, é mais significativa do que a

anterior. Os respondentes admitiram que é suficiente a existência de antecedentes criminais

em desfavor da vítima, ainda que não dê ensejo uma real condenação. Essa situação é muito

relevante e é um fator que também pode decidir o julgamento em prol do acusado. Uma

proporção realmente expressiva dos respondentes, na ordem de 65,5%, atribuiu nota igual ou

superior a sete ao grau de importância dessa variável. No sentido oposto, insignificantes

índices de 5,9% foi registrado, em escala igual ou inferior a quatro, no sentido de não se

atribuir relevância a essa variável.

A existência de maus antecedentes leva o julgador a acreditar que a provocação partiu

da própria vítima, que a motivação do crime tivesse sido gerada em razão de um

comportamento inadequado da vítima. A existência desses maus antecedentes torna mais

verossímil a versão do acusado, quando afirma que agrediu a vítima para se defender. A

constatação de uma “ficha suja” pesa de forma considerável em desfavor de uma condenação.

Essa justificativa ou aprovação da legitimação do poder de matar importa em dizer que a

Page 200: ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA - NSEPR · ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES: Uma análise dos julgamentos no Tribunal

200

vítima recebe no plenário uma “segunda condenação”, já que aos olhos do julgador ela foi

considerada nociva ao meio social.

Tabela 50 – Mau comportamento social da vítima.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

2 1 - 5 3 12 5 15 20 23 26 24 136

Percen

tual

1,5

%

0,7

%

- 3,7% 2,2% 8,8% 3,7

%

11,0

%

14,7

%

16,9

%

19,1

%

17,6

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

A terceira situação posta aos respondentes complementa as duas anteriores. Dentro

dessa situação é observado todo o comportamento anterior da vítima no conjunto da

sociedade, o seu potencial provocativo, a qualidade de ameaçadora, se é desrespeitadora das

normas morais, a percepção da sua ausência de utilidade para o meio social, se recebe o

estigma de arruaceiro, briguento, bagunceiro, dentre outras qualidades negativas.

Os dados coletados pela Tabela 50 informam que, guardada uma extremada coerência

entre os dois questionamentos anteriores, foi atribuída uma média de relevância igual a oito.

Os respondentes admitiram que essa situação é muito relevante e é um fator que, diga-se de

passagem, também pode decidir o julgamento. Do total de respondentes, 61,7% atribuíram

nota igual ou superior a sete a essa indagação e 8,1% atribuíram nota igual ou inferior a

quatro em grau de importância da variável.

Tabela 51 – Idade avançada da vítima.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

18 4 5 8 3 19 7 14 19 9 7 23 136

Percen

tual

13,2

%

2,9

%

3,7% 5,9% 2,2% 14,0

%

5,1

%

10,3

%

14,0

%

6,6% 5,1% 16,9

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 52 – Pouca idade da vítima.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

15 6 2 9 2 20 8 13 25 3 9 24 136

Percen

tual

11,0

%

4,4

%

1,5% 6,6% 1,5% 14,7

%

5,9

%

9,6% 18,4

%

2,2% 6,6% 17,6

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Page 201: ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA - NSEPR · ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES: Uma análise dos julgamentos no Tribunal

201

As situações presentes visam comprovar junto aos entrevistados se a idade da vítima,

seja na qualidade de idoso ou de criança ou adolescente, tem peso para influenciar o voto. A

Tabela 51 apresenta dados que comprovam que para os 36,9%, que atribuíram nota igual ou

superior a sete, a idade avançada da vítima exerce alguma influência no sentido contrário aos

interesses do acusado, noutro passo para 25,7% daqueles que atribuíram nota igual ou inferior

a quatro, a possibilidade de influência é diminuta, indicando uma completa neutralidade dessa

variável. A média de relevância dessa variável é igual a cinco, portanto bastante equilibrada.

A situação seguinte procura identificar se a pouca idade da vítima, por ser criança ou

adolescente, e a possibilidade de um apelo emocional, é visto como fator de influência no

julgamento. A Tabela 52 expõe dados que demonstram que 36,8% dos respondentes

atribuíram nota igual ou superior a sete e 25,0% atribuíram nota igual ou inferior a quatro.

Esses dados destacam que a média de relevância dessa variável é igual a seis. Portanto, pode

de forma muito sutil sugestionar o voto do Conselho de Sentença.

Tabela 53 – Idade avançada do acusado.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

26 7 7 9 6 21 7 9 5 8 4 27 136

Percen

tual

19,1

%

5,1

%

5,1% 6,6% 4,4% 15,4

%

5,1

%

6,6% 3,7% 5,9% 2,9% 19,9

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 54 – Pouca idade do acusado.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

28 7 5 10 4 25 9 11 3 5 2 27 136

Percen

tual

20,6

%

5,1

%

3,7% 7,4% 2,9% 18,4

%

6,6

%

8,1% 2,2% 3,7% 1,5% 19,9

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Quando esses mesmos aspectos são analisados sob o enfoque do acusado, é perceptível

a alteração quanto aos resultados obtidos. A variação é significativa. A Tabela a 53 mostra

que 19,1% dos respondentes atribuíram nota igual ou superior a sete e 41,1% atribuíram nota

igual ou inferior a quatro. Esses dados destacam que a média de relevância dessa variável é

igual a quatro. Portanto, são pequenas as possibilidades da idade avançada do acusado

sugestionar o voto do Conselho de Sentença.

Page 202: ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA - NSEPR · ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA JULGAMENTOS SOCIAIS DOS CRIMES DE HOMICÍDIO E SUAS VARIÁVEIS IMPACTANTES: Uma análise dos julgamentos no Tribunal

202

Já os dados da Tabela 54 que afere o significado que a jovialidade do acusado

representa perante os julgadores, apresenta registros de que somente 15,5% dos respondentes

atribuem alguma importância a essa variável, ao valorizarem-na numa escala de sete a dez. De

forma oposta à grande maioria de 39,7% informaram que a essa variável não é atribuída

nenhuma ou apenas pouca importância, dentro de uma escala de zero a quatro. A média de

relevância dessa variável foi cinco.

Tabela 55 – Popularidade ou notoriedade da vítima na sociedade.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

39 15 4 7 2 10 15 6 6 5 3 24 136

Percen

tual

28,7

%

11,0

%

2,9% 5,1% 1,5% 7,4% 11,0

%

4,4% 4,4% 3,7% 2,2% 17,6

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 56 – Popularidade ou notoriedade do acusado na sociedade.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

51 13 5 10 4 13 3 2 3 3 2 27 136

Percen

tual

37,5

%

9,6

%

3,7% 7,4% 2,9% 9,6% 2,2

%

1,5% 2,2% 2,2% 1,5% 19,9

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

A presente situação quando colocada para os respondentes coletou dados que apontam

que apenas 14,7% dão algum valor à posição notória ou à popularidade que a vítima possui

perante a sociedade. De maneira diversa, 47,7% informaram que essa variável não é

significativa para o processo de tomada de decisão. Esses resultados estão estampados na

Tabela 54. A média de relevância dessa variável é igual a dois, portanto, muito inexpressiva.

Essa mesma variável quando atribuída ao acusado limitou ainda mais a sua relevância

na opinião do julgador, conforme dados extraídos da Tabela 56. Dentro de uma escala de

valor entre sete e dez, apenas 7,4% dos respondentes atribuíram algum significado a essa

variável. Todavia, 61,1% nenhum ou pouco valor atribuíram a essa variável, atribuindo grau

de importância entre zero e quatro. A média de relevância dessa variável é igual a um.

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203

Tabela 57 – Presença de familiares da vítima no julgamento.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

47 15 7 3 2 19 5 4 4 2 4 24 136

Percen

tual

34,6

%

11,0

%

5,1% 2,2 1,5% 14,0

%

3,7

%

2,9% 2,9% 1,5% 2,9% 17,6

%

100,

0% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 58 – A presença de familiares do acusado no julgamento.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

45 13 9 3 4 5 7 5 6 4 1 25 136

Percen

tual

33,1

%

9,6

%

6,6% 2,2% 2,9% 10,3

%

5,1

%

3,7% 4,4% 2,9% 0,7% 18,4

%

100,

0% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Na grande maioria dos julgamentos realizados é sempre bastante escassa ou inexistente

a presença de familiares da vítima no plenário do tribunal. Essa situação se contrasta quando

comparada com a assiduidade dos familiares do acusado nas mesmas circunstâncias. Essas

ausências são eventualmente exploradas como uma espécie de rejeição. A presença é

percebida como uma espécie de aceitação, acolhimento, apoio, acima de tudo esperança de

que o resultado buscado será favorável aos interesses do acusado. Comumente esses aspectos

são ressaltados pelos debatedores no Tribunal do Júri. Assim, é importante buscar respostas

para essas deduções.

A presença da família reunida em torno da memória da vítima, ali no plenário,

esperançosa por uma condenação do acusado, traduz o instinto de unidade familiar e do

sentimento de dor pela ausência da pessoa querida. Essa corrente familiar visa demonstrar

para os julgadores, quão importante era a vítima e a falta que a mesma faz no grupo familiar.

A família pode, veladamente ou através de atitudes, participar do julgamento. Isso acontece,

por exemplo, quando a família, de forma silenciosa, simboliza o seu luto, estampando no

peito a imagem da vítima, ou ainda quando reage a alguma colocação feita pelo acusado ou

por alguma testemunha, manifestando o sentimento de reprovação ou de aceitação. Essas

sensações poderiam, eventualmente, comover o Conselho de Sentença e produzir interferência

na votação.

Já em relação aos acusados, a presença de familiares tanto pode ser percebida como

uma forma de pressão ou de apelo à sensibilidade do julgador. A presença de todos no

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204

plenário é uma forma de dar apoio ao acusado e de demonstrar que a sua presença é

importante no seio da família.

Porém, os dados coletados na Tabela 57 informam que 10,2% dos entrevistados,

atribuindo notas de sete a dez, dão alguma importância à presença física de parentes e amigos

da vítima no plenário de julgamento. Os dados constantes da amostra também demonstram

que 54,4% dos entrevistados, atribuindo notas de zero a quatro, não acham ser relevante essa

presença física para o desfecho final do julgamento. A média de relevância dessa variável é

igual a um.

Já a Tabela 58 que apresenta dados em relação aos acusados, é quase que uma repetição

dos dados anteriores. Informa que 11,7% dos entrevistados, atribuindo notas de sete a dez,

dão alguma importância à presença física de familiares do acusado no plenário de julgamento.

Os dados constantes da amostra também demonstram que os mesmos 54,4% dos

entrevistados, que assim opinaram em relação à vítima, atribuindo notas de zero a quatro, aqui

também não acharam ser relevante a presença física para o desfecho final do julgamento. A

média de relevância dessa variável é igualmente um.

Tabela 59 – Qualidade do discurso do promotor.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

8 4 7 6 3 27 4 13 17 9 14 24 136

Percen

tual

5,9

%

2,9

%

5,1% 4,4% 2,2% 19,9

%

2,9

%

9,6% 12,5

%

6,6% 10,3

%

17,6

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Tabela 60 – Qualidade do discurso do advogado.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

7 3 7 4 4 24 4 15 20 10 14 24 136

Percen

tual

5,1

%

2,2

%

5,1% 2,9% 2,9% 17,6

%

2,9

%

11,0

%

14,7

%

7,4% 10,3

%

17,6

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

Os debates orais são para muitos o ponto alto do julgamento. Eles são estabelecidos

entre o promotor de justiça, integrante da instituição do Ministério Público e o advogado

privado ou defensor público, este integrante dos quadros da Defensoria Pública. Outra

presença que pode ser eventualmente notada é a do assistente à acusação, personagem que é

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205

representado por um advogado contratado, pela vítima ou por seus familiares, para auxiliar na

tarefa da acusação.

Em plenário, o promotor de justiça comparece perante os jurados para convencê-los a

condenar o acusado, em regra, em nome dos interesses da sociedade. Também é possível que

o promotor de justiça direcione seus argumentos no sentido de uma absolvição. Atuando de

uma forma ou de outra, protagoniza um discurso que explica o crime, para o qual espera

receber adeptos. Essa adesão deve ser convertida em votos de apoio a sua tese jurídica, no

sentido de legitimar o efetivo direito de punir do Estado. O advogado atua dentro da mesma

lógica, contudo, sempre buscando a absolvição do acusado ou quando esta reste irrealizável,

vai procurar de qualquer forma melhorar a situação jurídica do defendido. Toda a controvérsia

pública que é estabelecida entre promotores e defensores visa estabelecer uma ordem de

prestígio para suas teses. É esse o objetivo o qual se visa alcançar com a disputa verbal.

Toda a retórica utilizada pelo promotor ou pelo defensor é de capital importância, pois

são eles que vão iniciar os jurados nas possíveis versões para o fato. O trabalho desses

profissionais é reunir em um só discurso, cada um ao seu modo, tudo aquilo que foi dito pelo

acusado, pela vítima, quando eventualmente presente, pelas testemunhas de acusação e defesa

e, finalmente, traduzir em uma linguagem acessível aos julgadores todas as informações que

chegaram ao processo através dos variados documentos que ali podem existir. Às vezes, as

informações são passadas de forma que não se constituem numa seqüência lógica e ordenada

dos acontecimentos, por isso, tem o orador a responsabilidade de transformar essas

informações, que se acham pulverizadas, em meios aos vários depoimentos e testemunhos, em

uma história adequadamente contada e capaz de convencer o julgador. Tudo se resume ao

empenho de conquistar uma suposta “autoridade jurídica” de dizer o direito e ditar as regras

de justiça perante o corpo social.

Ao discurso do promotor de justiça os respondentes atribuíram média de relevância

igual a seis. Os dados coletados e inseridos na Tabela 59 apontam que 39,0% dos

respondentes, na escala de sete a dez, acreditam que esse momento do julgamento exerce

grande influência na qualidade do voto que será ofertado na sala secreta. Já para 20,5% dos

entrevistados, numa escala de zero a quatro, chegar ao veredicto não depende dessa

interferência. É importante frisar que a fase dos debates orais é a última fase do julgamento

que antecede a votação na sala secreta. É nessa fase que diante dos discursos articulados os

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206

julgadores vão reconhecendo ou reafirmando seus próprios valores que impulsionam o

resultado do julgamento.

A partir dos mesmos parâmetros, os entrevistados na Tabela 60 atribuíram ao discurso

da defesa pontuação ligeiramente maior, porém dentro da margem de erro, com média de

relevância igual a sete. Do total de entrevistados 43,4% atribuíram maior significado ao

discurso da defesa, enquanto 18,2% do total de respondentes informaram que essa variável

não exerce influência na formação das convicções que constroem ou desconstroem veredictos.

Quanto maior a possibilidade de se construir um cenário adequado para o julgamento, maior

será a viabilidade da habilidade do profissional da defesa ser percebida e recepcionada.

Afora às pequenas variações nos índices observados para ambas as atuações em

plenário, percebe-se que de fato esse momento se reveste de especial relevância, pois é a

última oportunidade que o jurado tem, para retirar suas dúvidas e formar o seu

convencimento, antes de ingressar na sala secreta e decretar o seu voto. É nesse instante que

todas essas potenciais variáveis serão trabalhadas, de forma isolada ou conjuntamente, com o

objetivo de conquistar o voto do julgador.

Tabela 61 – Demonstração de arrependimento do acusado.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

16 8 6 4 6 29 11 15 10 6 2 23 136

Percen

tual

11,8

%

5,9

%

4,4% 2,9% 4,4% 21,3

%

8,1

%

11,0

%

7,4% 4,4% 1,5% 16,9

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

O processo de admissão de culpa significa assumir a responsabilidade pelo ato praticado

e é uma forma de dizer ao Estado que assume o compromisso de não voltar a praticá-lo. O

questionamento visa identificar o nível de eficácia que a variável gera na tarefa de pedir

humildemente, em forma de súplica para que a sociedade reconheça o ato como um ato

cristão e contenha o seu poder de reação que se materializa com o voto.

Através dos dados lançados na Tabela 61 é possível constatar que 24,3% dos

entrevistados, na escala de sete a dez, informou que essa forma de comportamento dos

acusados em plenário pode influenciar para uma absolvição em um julgamento de homicídio.

Para 29,4% dos que responderam a indagação, numa escala de zero a quatro, essa variável não

pesaria na decisão dos julgadores. A média da relevância dessa variável é igual a cinco.

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207

Tabela 62 – Estado de saúde do acusado.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

24 6 11 11 6 13 13 13 7 4 3 25 136

Percen

tual

17,6

%

4,4

%

8,1% 8,1% 4,4% 9,6% 9,6

%

9,6% 5,1% 2,9% 2,2% 18,4

%

100

% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

O Código Penal71

admite a possibilidade de que circunstâncias não previstas

expressamente em lei, por isso, chamadas de supralegais, ocorridas anterior ou posteriormente

ao crime possam interferir na atenuação da pena. O Conselho de Sentença eventualmente

pode tomar para si uma causa supralegal, não para reduzir a pena, mas sim para isentar o

acusado de pena. Dentre essas causas se encontra a situação precária da saúde do acusado.

É possível que à época do julgamento, o acusado se apresente perante os julgadores

acometido de mal comprovadamente grave. Esse estado pode sensibilizar o jurado no sentido

de entender que diante de tal situação não é necessária uma condenação, pois o acusado já foi

suficientemente condenado não pelas leis dos homens, mas pela lei de Deus.

O questionamento visa aferir se a aceitação dessa variável encontra terreno fértil à sua

proliferação ou não. Em resposta a ser conferida na Tabela 62 é possível constatar que

19,83% dos entrevistados, na escala de sete a dez, declarou que a simples apresentação do

acusado em plenário, em comprovado estado de precariedade quanto à saúde, pode influenciar

no sentido de uma sentença absolutória. No entanto, para 42,6% dos que apresentaram

resposta, numa escala de zero a quatro, essa variável não pesaria na decisão dos julgadores. A

média da relevância dessa variável é igual a quatro.

Tabela 63 – Choro do réu.

Escala Zer

o

Um Dois Três Quat

ro

Cinco Seis Sete Oito Nove Dez NR Total

Frequ

ência

61 12 7 11 3 9 - 3 1 2 - 27 136

Percen

tual

44,9

%

8,8

%

5,1% 8,1% 2,2% 6,6% -% 2,2% 0,7% 1,5% -% 19,9

%

100,

0% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Pesquisa Jurados.

A última variável avaliada demonstra a total impossibilidade do resultado do

julgamento ser influenciado através da emoção. O choro do acusado em plenário é recebido 71

Art. 66 do CPB.

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208

pelo julgador como algo que é fruto de uma encenação orientada. A média de relevância dessa

variável foi igual a zero. Somente para 4,4% dos entrevistados, sempre tendo por base a

escala de sete a dez, se mostraram abertos a alguma possibilidade de eficácia através dessa

forma de apresentação. Já para 69,1% do total de respondentes, dentro da variação de zero a

quatro, a possibilidade de influência é diminuta. Quase a metade dos entrevistados, na ordem

de 44,9%, disseram não existe nenhuma possibilidade do choro do réu em plenário produzir o

resultado por ele esperado.

Através das informações obtidas por meio da pesquisa realizada junto aos processos

julgados no 1º Tribunal do Júri, e através das entrevistas efetivadas com os jurados que atuam

nesse Tribunal, foi possível coletar uma substancial gama de informações, que permite

começar a entender a relação entre sociedade, atores do processo criminal de homicídio e as

sentenças condenatórias e absolutórias lançadas pelos representantes da sociedade.

Diferentes clivagens contribuíram para esse cenário: a classe social, o sexo, o gênero, a

idade, o nível de escolaridade, a vida social dos envolvidos, as hierarquias sociais,

marcadamente presentes na sociedade brasileira, dentre outras. Os números dessa pesquisa

reforçam a teoria de que negros e brancos, ricos e pobres, instruídos e analfabetos, homens e

mulheres, contribuem de forma extremamente desigual para a criminalidade, voltada para o

crime de homicídio. Certamente, que o crime não é um privilégio dos homens pobres, mal

instruídos, jovens e solteiros e igualmente dos pardos e negros. Noutro passo, o julgamento é

um privilégio dos brancos instruídos e pertencentes à classe média.

Essa investigação científica foi atrás de identificar e conhecer o processo através do

qual a agência não estatal de controle da criminalidade de homicídio, Conselho de Sentença,

percebe e avalia essas diferenças. Esse grupo formado por cidadãos oriundos da classe média,

majoritariamente vinculados ao Estado, e distantes geograficamente dos chamados “bairros

problemas”, local tanto de predileção para a prática de crimes de homicídio quanto de

moradia para acusados e vítimas, é colocado no interior do problema e passa a ser o objeto

central da pesquisa.

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209

Tabela 64 – Frequência e percentagens dos locais de residência de réus, vítimas e jurados.

ÁREA

RESIDENCIAL

RÉU VÍTIMA JURADOS

Frequência Percentual Frequência Percentual Frequência Percentual

Zona Norte 55 49,5% 56 58,3% 9 8,1%

Zona Sul 24 21,6% 16 16,7% 23 20,7%

Zona Central

Velha

11 9,9% 10 10,4% 6 5,4%

Zona Central

Nova

9 8,1% 6 6,2% 73 65,8%

Cidades do

Interior

12 10,8% 8 8,3% - -

Total 111 100% 96 100% 111 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados. Pesquisa Jurados.

Obs: Percentual válido para os jurados a partir do total de respondentes. Deixaram de responder a pesquisa 25 jurados (18,4%) do total de

entrevistados.

Pela análise da Tabela acima, é possível observar que a Zona Norte que é a Zona mais

violenta da cidade, onde residiam de forma concentrada 49,5% dos réus, 58,3% das vítimas e

onde reside apenas 8,1% dos jurados; a Zona Sul, segunda zona mais violenta da cidade,

concentra 21,6% dos réus e 16,7% das vítimas e 20,7% dos jurados; a Zona Central Velha

concentra 9,9% dos réus, 10,4% das vítimas e 5,4% dos jurados; por fim, a Zona Central

Nova concentra 8,1% dos réus, 6,2% das vítimas e 65,8% dos jurados, dentre os respondentes

da pesquisa. Sob o rótulo de cidades do interior estão registrados os réus e vítimas que ao

tempo do crime residiam em cidades do interior do Estado de Sergipe. Nenhum jurado que

atua no 1º Tribunal do Júri tem endereço residencial fora dos limites territoriais da cidade de

Aracaju/Se.

Como se pode observar pelos dados acima, a maior parte dos réus e das vítimas morava

na Zona Norte, sendo ligeiramente mais comum encontrar mais réus do que vítimas na Zona

Sul. Já em relação à Zona Central Nova, há relativo equilíbrio entre acusados e vítimas, mas

um total desequilíbrio em relação aos jurados. Cabe referir que nesses dados nem todos os

réus e vítimas tiveram seus endereços catalogados, por falta de informação no processo,

portanto, não foram registrados dados dos cento e vinte e sete processos.

Para atingir o objetivo proposto, foi necessária uma análise interacionista, de uma

sequência de variáveis, que busca identificar o sentido da reprovação social, e em que nível as

experiências pessoais e as representações sociais com suas múltiplas significações, são

percebidas e relacionadas com aspectos voltados para o gênero, a cor da pele e à classe social.

Como essa interação pode influenciar no processo de formação de opinião dos jurados.

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210

Nesse contexto, busca-se identificar se existe alguma relação aproximativa entre

determinadas variáveis com a sentença condenatória. Na análise foram integrados dados da

pesquisa, voltados para as seguintes variáveis: a) cor da pele da vítima e do réu classificada

em dois níveis brancos e negros (nessa categoria se encontram os classificados como pardos e

pretos); b) antecedentes criminais do réu e da vítima (possui ou não possui antecedentes); c)

sexo do réu e da vítima; d) idade do réu e da vítima; e) escolaridade do réu e da vítima; f)

estado civil do réu e da vítima; g) tempo de duração do processo penal.

Esperava-se que haveria maior tendência condenatória contra réus negros, sobretudo

quando a vítima fosse branca. Os resultados obtidos indicam primeiramente que há muito

mais julgamentos envolvendo réus e vítimas negros do que brancos. Foram observados apenas

dois crimes envolvendo réu e vítima brancos e, em contraste, cento e cinco crimes envolvendo

réu e vítima negros, o que equivale a 83% dos casos.

Tabela 65 – Relação entre a cor do réu e da vítima nos julgamentos de homicídio no realizados no 1º

Tribunal do Júri de Aracaju/Se no período de 2003 a 2007.

COR DO RÉU COR DA VÍTIMA TOTAL

BRANCA NEGRA NÚMERO PERCENTUAL

Branco 2 1,6% 9 7,1% 11 8,7%

Negro 11 8,7% 105 82,7% 116 91,3

Total 13 10,2% 114 89,8% 127 100% Fonte: Poder Judiciário. 1º Tribunal do Júri. Processos Julgados.

Em outro momento já foi destacado que nos julgamentos realizados os negros obtiveram

maiores índices de condenação (93,3%) e o menor índice de absolvição (6,7%); os pardos

obtiveram (76,7%) para condenação e (23,3%) para absolvição; mas foram os brancos os que

tiveram menor índice de condenação (66,7%) e o maior índice de absolvição (26,3%).

A composição da população geral de Aracaju/Se72

, incluindo ambos os sexos, tem na

sua base 55,4% de cidadãos pardos, 36,1% de brancos, 7,2% de negros, aparecendo

insignificantes índices para indígenas, cor ignorada e amarela.

Considerando somente o universo dos réus, os da cor negra estiveram envolvidos em

11,8% dos casos, os pardos em 48,8% deles, portanto essas cores juntas contribuíram com

60,6% do total de réus. Já os brancos, contribuíram com apenas 8,7%. O percentual de réus

72

Cf. Nota de rodapé n.º 33.

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211

que não foi possível identificar, com o mínimo de certeza a sua cor, foram na ordem de

30,7%.

Já em relação às vítimas, isoladamente, os índices não foram muito diferentes dos

anteriores. Desse universo, 39,1% eram da cor parda, 15,0% pertenciam à cor negra e 10,8% à

cor branca. Em relação a esse conjunto, 35,0% não tiveram a sua cor registrada.

Porém, é surpreendente constatar que negros e pardos que contribuem juntos com

61,6% da população geral de Aracaju/Se, estiveram envolvidos nos conflitos de homicídios,

uns contra os outros, em 91,3% do total de casos e quando somados os conflitos com os

brancos o percentual estabelecido é de 98,4% dos casos, somente estiveram excluídos desse

conflito em 1,6% dos casos.

Em outra direção aponta os resultados dessa mesma análise para os brancos. Eles que

somam 36,1% da população da cidade, somente estiveram envolvidos em conflitos de

homicídios, uns contra os outros em 1,6% dos casos totais e se considerado os conflitos com

os negros, o percentual é elevado apenas para 8,7% do total dos casos.

Os resultados alcançados indicam que em quase a totalidade dos crimes de homicídio os

negros (negros e pardos) estão envolvidos, sejam entre si ou em confronto com os brancos, na

qualidade de vítima ou de autor. A constatação de uma proporção maior de réus negros

(pardos e negros) condenados do que réus brancos e um favorecimento à absolvição

preferencialmente para os réus brancos quando comparado aos negros, pode conduzir a uma

percepção de que somente a cor dos acusados aponta a decisão para a condenação. É também

notável a constatação de que a cor da vítima também pode estar associada à decisão

condenatória.

Numa direção contrária à que se esperava, verifica-se uma relação significativa entre a

cor do réu e da vítima e a condenação (categorizada em “condenado” ou “absolvido”), X2

=

10,51, GL = 3, p < .05. Como se pode ver na Figura 1, há mais condenação do réu branco com

a vítima negra do que do réu negro com a vítima branca. Todavia, a maior incidência

condenatória ocorre para o réu negro quando a vítima é negra.

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Figura 1:

50

37,5

63,6

20,8

50

62,5

36,4

79,2

0102030405060708090

réu branco e vítima branca

réu branco e vítima negra

réu negro e vítima branca

réu negro e vítima negra

absolvido

condenado

Quando o réu é branco e agride a vítima da mesma cor, existe um equilíbrio na

situação apresentada entre condenação (50,0%) e absolvição (50,0%). Quando o agressor é

branco e a vítima é negra a proporção de condenados se estabelece na ordem de (62,5%) e de

absolvidos na ordem de (37,5%). Já quando o réu é negro (negros e pardos) e a vítima é

branca a condenação se impõe na ordem de (36,4%) e a absolvição em (63,6%). Finalmente,

quando réu e vítima são negros (negros e pardos) o percentual de condenação é de (79,2%) e

o de absolvição de (20,8%). Portanto, ao que tudo indica, cor da pele é de fato uma variável

de significativa relevância nas decisões sociais tomadas no Tribunal do Júri.

A fim de analisar a relação das outras variáveis com a incidência condenatória,

realizamos uma matriz de correlações. Os resultados indicam que réus com antecedentes são

mais condenados que os sem antecedentes; vítimas mais escuras produzem mais condenação

dos réus; réus mais jovens e solteiros são mais condenados que os mais velhos e casados.

Observa-se ainda uma correlação negativa da incidência condenatória com o tempo de

duração transcorrido entre o crime e o julgamento, que indica que quanto mais célere o

processo maior a probabilidade de condenar o réu. A condenação é maior também quando a

vítima era casada e não separada.

Em relação aos anos de condenação do réu, que variou de zero (sem condenação ou

absolvido) a 37 anos (Média = 9,2 anos), observa-se correlações positivas com os

antecedentes do réu, o sexo da vítima, a escolaridade da vítima e a cor da pele do réu; e uma

correlação negativa com a duração ou tempo do processo. Assim, réu com antecedentes

criminais, de cor mais escura que mataram vítimas mulheres e de escolaridade mais elevada

recebem mais anos de pena que os réus de pele mais clara. Por outro lado, quanto mais rápido

o processo mais anos de prisão o réu receberá se condenado (ver Tabela 66).

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Tabela 66: Matriz de correlação Pearson das variáveis com a incidência condenatória (n = 127)

INCIDÊNCIA

CONDENATÓRIA

TEMPO DO

PROCESSO

ANOS DE PENA

Tempo do processo -.19** -- -.18**

Antecedentes do réu .37*** -.09 .40***

Antecedentes da vítima .02 -.05 .08

Sexo do réu .04 .03 -.05

Sexo da vítima .14 -.06 .21**

Cor do réu .12 -.06 .25**

Cor da vítima .32*** .01 .17

Idade do réu -.17** .06 -.10

Idade da vítima .00 -.14 .13

Escolaridade do réu .06 -.09 .01

Escolaridade da vítima -.02 .04 .39*

Réu solteiro .15* .05 .13

Vítima solteira -.10 -.11 -.06

Réu casado -.16* -.02 -.12

Vítima casada .21** -.04 .27**

Réu separado .07 -.06 -.06

Vítima separada -.16* -.05 -.10

Nota: * p < .10; ** = p< .05; *** = p< .01

Esse resultado caminha na direção das nossas hipóteses, em que pese o fato de quase

não se ter réus brancos nos processos, observa-se que a cor do réu e a classe social da vítima,

nesse caso indicada ainda que de modo tímido pela escolaridade influem nos anos de prisão

que ele receberá como pena. Chama a atenção o fato de que, se a cor da pele do réu não teve

forte impacto na decisão de condená-lo ou não, talvez porque essa decisão seja contingente de

modo objetivo e incontornável às evidências do processo, a cor da pele tem impacto nos anos

de cadeia, decisão mais “subjetiva” e, portanto, influenciável por outros elementos.

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CONCLUSÃO

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Conclusão

A complexa e intrigante atividade desenvolvida no sentido de entender a lógica do

Tribunal do Júri revela um pouco do modo de funcionamento dessa instituição observável

sob diferentes aspectos. Ali, se acham reunidas um conjunto de representações ou ideias

estruturadas, caracterizadas por forte impregnação emocional, total ou parcialmente

reveladas, e que determinam as atitudes de um indivíduo (jurado), seu comportamento, mas

que revelam a forma de pensar e agir do grupo social.

Esse desafio começa por entender como os integrantes da amostra representativa da

sociedade, tão heterogênea e plural, copiosamente distante daqueles que devem julgar,

pensam e agem diante dos conflitos sociais, em relação aos quais são chamados a atuar.

Inicialmente, essa amostra se mostrou majoritariamente vinculada ao serviço público, com

elevado padrão cultural, esse consolidado através da constatação dos elevados estágios de

ensino, possuindo a maioria, nível superior completo ou pós-graduação.

Esse universo foi recrutado de forma adequadamente equilibrada entre homens e

mulheres, com ligeira vantagem numérica para o sexo feminino, na fase do recrutamento,

entretanto, essa situação é invertida, e constatada uma presença mais marcante do sexo

masculino nos julgamentos efetivos. A faixa etária desse grupo revelou-se mais próxima da

maturidade, afastando-se de um perfil muito jovem. São majoritariamente brancos e

pertencentes ao estrato social mais próximo da classe média. Residem principalmente nos

bairros da cidade onde são registrados os menores índices de violência, voltados para o crime

de homicídio, portanto, os julgadores estão geograficamente distantes da realidade dos

bairros onde esses conflitos sociais ocorrem com mais Frequência. Também foi revelada a

ausência de maturidade nesse tipo de julgamento, seja pelo pouco tempo de experiência ou

pelo número reduzido de sessões de julgamentos das quais participaram.

Ainda que sustentado sob o pilar de uma questionada representatividade social do corpo

de jurados, é esse grupo que, concretamente, vai fazer funcionar essa agência de controle

social, encarregada de promover a incriminação do autor do evento criminoso e abrir

caminho à materialização de um processo de sujeição criminal, este promovido por uma das

agências oficiais de controle da criminalidade, o Poder Judiciário.

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O julgamento realizado nesse Tribunal não é jurídico, não está necessariamente

verticalizado no direito, portanto, é factível admitir a possibilidade de um julgamento que

promova o afastamento da submissão incondicional de um determinado comportamento

social à validade e aplicabilidade de uma norma jurídica. Dessa forma, o sentido de validade

da lei tem possibilidade de ganhar contornos diferentes, pode ser escrito em novas cores, a

partir das potenciais variáveis que pode, de forma isolada ou interagindo com outras, exercer

influências que caminham no sentido de suavizar a aplicação da norma jurídica ou mesmo

negar totalmente a sua existência.

A conduta avaliada no Tribunal do Júri é atribuída a um protagonista que geralmente é

identificado como sendo alguém do sexo masculino, pois é marcante a desproporção de

agressores masculinos e femininos. Os primeiros respondem quase pela totalidade dos crimes

de homicídio. A presença da mulher, nas raras oportunidades em que foi observada, sempre se

fez presente junto com alguém do sexo masculino. Quanto às vítimas também prepondera o

sexo masculino. Os acusados ou vítimas são majoritariamente muito jovens. Alavanca a

presença marcante dos jovens no crime de homicídio, a facilidade de ter acesso à arma de

fogo, o envolvimento no mundo das drogas, a ausência de uma base familiar sólida. Possuem

ainda baixo nível de escolaridade, que obriga a ocupação de postos de trabalho com pouca ou

nenhuma capacitação profissional ou até mesmo profissões não regulamentadas. As pessoas

não possuem baixa escolaridade porque são criminosos, mas apenas porque estão dentro do

contexto que a nossa realidade social apresenta. Em relação ao estado civil é ampla a maioria

de pessoas solteiras envolvidas com o crime de homicídio. Certamente, esse fator está aliado a

pouca idade desses atores, demonstrando falta de tempo para constituir uma família através de

uniões formais. Foi ainda observado que tanto acusados quanto vítimas residem,

preferencialmente, áreas específicas da cidade, as chamadas áreas periféricas ou os “bairros

problemas”, local onde ocorrem a maioria dos crimes de homicídio.

Dentro do universo de todas as variáveis pesquisadas, algumas exercem maior

influência, enquanto outras não afetam de maneira significativa ou ainda nada representam

para os julgadores sociais. O impacto que cada variável causa não foi tomada a partir da

distinção do sexo dos jurados, mas tão somente verificado o seu efeito em todo o grupo.

Após a análise de todas as variáveis pesquisadas, constata-se que a inexistência de

antecedentes criminais em desfavor do acusado é um fator muito observado pelo Conselho de

Sentença para formar o seu juízo de valor frente aos fatos apreciados. A constatação dessa

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217

situação leva o Conselho a adotar uma posição mais tolerante em relação ao acusado, estando

mais aberto a dar ao mesmo uma segunda chance ou nova oportunidade. Essa foi uma

tendência observada. Mas também foi observado que essa variável não age de forma isolada,

ela, na maioria dos casos, será mensurada a partir de outros fatores, estes, tomados a partir do

referencial da vítima.

Essa mesma variável quando emprestada à vítima também é de singular relevância e

pode contribuir de forma decisiva para o resultado do julgamento. Nesse sentido, o jurado

visa aferir qual o grau de responsabilidade da vítima no evento criminoso. Uma vez observado

que a vítima contribuiu de forma decisiva para o evento ou que esse aconteceu em razão de

sua culpa exclusiva, certamente, a sentença absolutória passa a ser a decisão mais plausível.

Portanto, os antecedentes criminais, de ambas as partes, bem como a constatação de que a

vítima ou o acusado é possuidor de maus antecedentes sociais, é um instrumento de poderosa

influência nos resultados dos julgamentos.

Ao pensar nessa situação, é possível voltar à “teoria da atribuição”, proposta pelo

psicólogo Fritz Heider. Entendida como o processo através do qual se busca encontrar razões

e explicações para o comportamento dos outros, onde as pessoas, dentro de um senso comum,

procuram explicar os eventos rotineiros a partir de duas lógicas e que tem como origem

causas internas ou causas externas. A primeira considerada disposicional, porque atribui as

ações das pessoas às suas características pessoais, motivos e intenções próprios. A segunda,

considerada situacional em razão de atribuir as ações das pessoas às demandas situacionais, às

pressões ambientais, às condições externas.

Quando não se faz atribuições precisas, comete-se o “erro fundamental de atribuição”

(ARONSON; WILSON; AKERT, 2002, p. 75). Quando o nosso próprio comportamento é

explicado, há uma tendência ao favorecimento das atribuições pessoais internas em favor do

sucesso e as atribuições ambientais externas para justificar o mau êxito. Esses “erros de

atribuição” estão na base das decisões judiciais e se manifestam exponencialmente nas

deliberações do Tribunal do Júri.

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Noutro passo, a constatação de antecedentes criminais desfavoráveis ao acusado

aproxima o Conselho de Sentença de uma condenação, deixando perceber a sua

insensibilidade e a completa impossibilidade de conviver em sociedade.

Embora para a maioria dos entrevistados a variável tempo de duração do processo não

se constitui um fator de interferência nos julgamentos, foi observado um equilíbrio muito

grande entre aqueles que a admitem e os que eventualmente podem admiti-la. Na análise

correlacional das variáveis foi constatado que a condenação tem uma correlação negativa com

essa variável. Assim, quanto maior o tempo para a conclusão do processo mais difícil é a

condenação do acusado, e nessa circunstância, quando esta se impõe ocorre uma redução na

pena aplicada.

Em relação à orientação sexual de réus e vítimas, os entrevistados não ofereceram

respostas capazes de concluir pela presença de qualquer tipo de estigma nesse sentido. É

interessante observar, no entanto, que em relação à cor da pele de acusados e vítimas, embora

os entrevistados quase que de forma unânime tenham admitido a impossibilidade de

interferência dessa variável, foi visto que, sob essa perspectiva, não só a cor da pele dos

acusados, mas também a das vítimas exerce influência na decisão. Curiosamente, nos casos

em que foi constatada a presença de vítima negra (pardos e pretos), o índice de condenação

foi maior do que o índice de absolvição. Já nos casos em que os negros figuram na qualidade

de autor do crime, também foi constatado maior índice de condenação. Não se pode

desconsiderar que os negros (pardos e pretos) estiveram envolvidos, seja na qualidade de réu

ou vítima, em 98,4% de todos os processos julgados.

O crime não pode ser entendido como privilégio da população negra, mas dentro dessa

análise cidadãos negros podem ser percebidos como potenciais perturbadores da ordem social,

já que esse estudo mostra que os negros contribuem majoritariamente para esse tipo de

criminalidade, seja como autores ou como vítimas. Todavia, não se pode observar qualquer

forma de conflito de classes, pois quase a totalidade dos crimes ocorre entre pessoas com

origem na mesma etnia. Ao que parece, a cor é um instrumento que produz grande efeito na

distribuição da justiça. Como destacado por Sérgio Adorno “o princípio da equidade de todos

perante as leis, independente das diferenças e desigualdades sociais” não é respeitado

(ADORNO, 1996, p.3).

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Essa variável deve ser analisada como estando em perfeita sintonia com a variável

classe social. A maioria incontestável não admitiu a interferência dessa variável. Pelos

resultados coletados em relação a indicadores sociais, ficou evidenciado que o crime de

homicídio atinge significativamente as pessoas que integram os segmentos sociais mais

pobres, mais desprovidos de acesso aos meios de cultura, e que residem nas áreas periféricas

da cidade. Sob esse ponto de vista, e diante da maior inserção de cidadãos pardos e pretos nos

estratos sócio-econômicos mais desprivilegiados, é possível justificar a sua presença maciça

no crime de homicídio. Assim, não é possível atribuir essa desproporção a uma suposta

“tendência” das estatísticas oficiais, já que o crime de homicídio é um crime de difícil

ocultação, pois deixa a olhos nus, para toda a sociedade ver, a sua marca indelével, qual seja o

cadáver exposto da vítima.

Quanto às informações recebidas antes do julgamento, principalmente através dos meios

midiáticos, é uma realidade bastante possível de acontecer. Nessa situação o jurado já

chegaria ao Tribunal do Júri com certa predisposição de voto, inclusive, porque sente um peso

maior na sua responsabilidade. Não é incomum tentar reproduzir no seu voto o sentimento

geral de justiça evidenciado pela sociedade.

A idade avançada da vítima ou a sua precocidade também é um fator que exerce alguma

influência no julgamento. Nessa situação, sempre sobram argumentos para se destacar no

discurso aspectos de natureza emocional, que eventualmente podem tocar na sensibilidade do

julgador. Já em relação à idade do acusado, a pesquisa mostrou que são pequenas as chances

de uma influência positiva a favor de uma absolvição.

Aspectos como a popularidade do acusado ou da vítima, a presença de familiares na

sessão de julgamento e o choro do acusado, não repercutem de forma positiva na decisão dos

julgadores. Mas, ainda que de forma tímida, a demonstração de arrependimento do acusado é

vista positivamente pelo julgador, como uma forma de admitir a sua responsabilidade perante

o Estado. Da mesma forma o estado precário da saúde do acusado pode, não para a maioria,

exercer alguma influência positiva para o acusado.

É nesse ambiente que é travada a disputa pelo direito à liberdade e a valorização da

vida, que se procurou levantar os aspectos que aproximam os jurados de uma decisão

absolutória ou condenatória, num momento muito especial, que é a sessão de julgamento pelo

Tribunal do Júri. A disputa pelo poder de dizer o direito, se afasta da dimensão exclusiva da

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técnica jurídica e avança para além das normas sociais não escritas e informais, para àqueles

que julgam. Esse Conselho de Sentença, cujo perfil pode influenciar o julgamento social,

indica que os acusados, efetivamente não são julgados pelos seus pares. Nesses julgamentos,

opera-se uma ordem oposicionista, onde um segmento da sociedade não afeto ao crime de

homicídio, analisa e julga outro segmento social que é responsável pela desordem reinante.

O estudo, baseado na “teoria da desorganização social”, destacado por Philippe Robert

(ROBERT, 2007, p. 94-100), visa explicar o crime a partir das condições sócio-econômicas

dos bairros e a ausência de influência das normas sobre o comportamento dos indivíduos,

especialmente dos mais jovens, prima por uma análise de natureza territorial, onde os mais

ricos se afastam dos centros das cidades e passam a ocupar zonas mais nobres e valorizadas,

enquanto os mais pobres se amontoam em áreas periféricas, mal cuidadas, sem segurança, às

vezes confinantes com a zona central, mas, sobretudo, carentes da presença do Estado. Nessas

áreas os padrões convencionais ou as regras que permitem conferir estabilidade social não

conseguem regular o comportamento individual de forma satisfatória. A rua, espaço social

onde reina a miséria e grassa a delinquência, é o reflexo da desordem normativa. No Tribunal

do Júri, essas duas ordens se encontram e aqueles que possuem certo padrão convencional

avaliam a conduta daqueles que encarnam a desordem normativa.

As regras do Direito são rígidas e com limites definidos. No Tribunal do Júri há mais

que um espaço para flexibilizar essas leis aos fatos sociais, há verdadeira possibilidade de

acomodação da lei em relação ao fato. Ali, a lei não é interpretada através do entendimento

técnico do burocrata, mas passa a ser vista e sentida como necessária pelo corpo social. Essa

análise e interpretação podem levar até mesmo para uma total negação da norma jurídica.

Nessa atividade que visa combinar norma jurídica e regra social não existe uma fórmula

rígida, mas apenas tendências, que se alteram a cada julgamento. É a aplicação das

concepções sobre a “validade ideal” e “validade empírica” de uma norma, através da qual

Weber vai destacar a distinção fundamental entre a Dogmática Jurídica e a Sociologia

Jurídica. Essa realidade constatada por Weber vai colocar em planos opostos o mundo do

“dever ser” e o “plano do ser”, quando é realizada a tarefa de interpretar uma ação (WEBER,

201, p. 408). Esse trabalho é apenas um começo para o entendimento dessas questões.

A convicção da condenação ou da absolvição só é possível após a abertura dos votos

contabilizados na sala de votação, que em tese deve representar o entendimento consciente do

jurado sobre o fato social julgado. Entretanto, nunca será possível aferir com absoluta certeza

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221

quais outros fatores, além dos fatores processuais inseridos nos autos, foram preponderantes

para encaminhar uma decisão, nos julgamentos sociais em razão da prática de um crime de

homicídio, esse que é um dos maiores dramas da humanidade.

Certamente, diante de alguns questionamentos que foram lançados aos jurados

entrevistados, em questões que tinham por objeto alcançar a sua compreensão do que ocorre

acerca dos outros, como se fosse uma forma de tentar imaginar e analisar como os jurados

pensam e percebem determinadas situações, foi constatado um grande índice de abstenção nas

respostas, fruto, talvez, da ausência de um contato direto, de uma interação face a face, que

pudesse proporcionar uma melhor resposta nas suas definições. É possível que diante de

entrevistas não estruturadas, o ato de ver e perceber as suas opiniões, suas atitudes, suas

motivações tivesse permitido chegar a resultados mais sutis.

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229

ANEXOS

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230

ÍNDICE DOS ANEXOS:

A. Termo de consentimento entregue aos jurados respondentes do questionário;

B. Modelo de questionário aplicado aos jurados do 1° Tribunal do Júri;

C. Croqui do plenário do Tribunal do Júri, localizado no Fórum Gumerssindo Bessa, em

Aracaju/Se;

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231

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS – NPPCS

PROJETO DE PESQUISA: A DINÂMICA DAS RELAÇÕES DE PODER NO TRIBUNAL

DO JÚRI EM ARACAJU – SERGIPE

OBJETIVO DA PESQUISA

Analisar os aspectos sociais e psicológicos envolvidos nos julgamentos realizados pelo

Tribunal do Júri em Aracaju

COORDENADORES DA PESQUISA: ROGÉRIO FERREIRA DA SILVA (Mestrando em Sociologia)

__________________________________________

Dr. MARCUS EUGÊNIO OLIVEIRA LIMA (Orientador)

_______________________________________________

PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA PESQUISA

Serão realizadas entrevistas, a partir destes questionários, com duração média aproximada de 20 minutos, através

das quais os entrevistados responderão a perguntas sobre procedimentos adotados em julgamentos e direcionados

à tomada de decisões pelo Júri.

TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO De acordo com o presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos da pesquisa, que me

foram apresentados pelo responsável da pesquisa, e conduzida no Mestrado de Sociologia da Universidade

Federal de Sergipe.

Estou informado(a) de que, se houver qualquer dúvida a respeito dos procedimentos

adotados durante a condução da pesquisa, terei total liberdade para questionar ou mesmo me recusar a continuar

participando da investigação.

Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações apresentadas

serão respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições:

a) Não serei obrigado(a) a realizar nenhuma atividade para a qual não me sinta disposto e capaz;

b) Não participarei de qualquer atividade que possa vir a trazer qualquer prejuízo;

c) O meu nome e dos demais participantes da pesquisa não serão divulgados;

d) Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial;

e) Os pesquisadores estão obrigados a me fornecer, quando solicitado, as informações coletadas;

f) Posso, a qualquer momento, requerer dos pesquisadores que os meus dados sejam excluídos da

pesquisa;

g) A pesquisa será suspensa imediatamente caso venha a gerar conflitos ou qualquer mal-estar dentro do

local onde ocorre.

Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os

fins a que se destina, salvaguardando as diretrizes das Resoluções 196/96 e 304/2000 do Conselho Nacional de

Saúde, desde que sejam respeitadas as restrições acima enumeradas.

O responsável por este projeto de pesquisa é o mestrando Rogério Ferreira da Silva,

sob a orientação do Prof. Dr. Marcus Eugênio Oliveira Lima, que poderá ser contatado pelo e-mail

[email protected], telefone: 3042-6500. Endereço: Rua A, casa 10, Cond. San Diego, Aruana, Aracaju/SE.

Aracaju/SE.......... de .............................. de 2008

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QUESTIONÁRIO:

Estamos fazendo um estudo sobre a dinâmica das relações de poder no Tribunal do

Júri em Aracaju-Sergipe. Sendo assim, solicitamos a sua colaboração. Gostaríamos ainda que,

objetivando conferir credibilidade à pesquisa, você pudesse responder as perguntas

formuladas com fidelidade às informações.

Não existem respostas certas ou erradas, interessa-nos saber as suas percepções e

opiniões pessoais sobre o tema em questão.

Obrigado pela colaboração!

Instruções Gerais:

a) Responda atentamente às perguntas, marcando um X na alternativa que melhor traduzir sua

opinião;

b) Caso tenha qualquer dúvida solicite esclarecimento ao aplicador;

c) Você não precisa se identificar;

d) A sua escolha para colaborar neste estudo deve-se ao fato de você já ter atuado ou constar

na lista geral como jurado no Tribunal do Júri.

1) Há quanto tempo atua como jurado no Tribunal do Júri?____________________________

2) Em quantas sessões do Tribunal do Júri, aproximadamente, já participou?______________

3) Como se sente em atuar como jurado?

Muito

satisfeito

Satisfeito Mais ou

menos

satisfeito

Insatisfeito Muito

insatisfeito

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

Por quê? Justifique sua resposta

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4) Você é favorável ao aumento das penas para os crimes violentos?

Sim ( ) Não ( )

Por quê? ____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5) Você é favorável à pena de morte?

Sim ( ) Não ( )

Por quê? ____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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233

6) Como avalia a intervenção popular dos jurados no Tribunal do Júri?

Concordo

totalmente

Concordo Não sei

avaliar

Discordo Discordo

Totalmente

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

7) Como avalia a capacidade de julgamento, de um modo geral, dos jurados selecionados para

atuarem no Tribunal do Júri? Eles são:

Muito

competentes

Competentes Não sei

avaliar

Incompetentes Muito

incompetentes

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

8) As condições de primariedade e de bons antecedentes do réu influenciam na sua decisão no

julgamento?

Nunca Raramente Às vezes Frequentemente Sempre

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

9) A reincidência do réu na prática de crimes violentos ou os seus maus antecedentes são

relevantes para a sua decisão?

Nunca Raramente Às vezes Frequentemente Sempre

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

10) O atual estado de decadência do sistema penitenciário nacional interfere na sua decisão

em condenar o réu?

Nunca Raramente Às vezes Frequentemente Sempre

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

11) Dê notas de 0 (zero) a 10 (dez) para os fatores listados abaixo em função do quanto eles

influenciam no seu julgamento. Atribua notas mais altas para fatores que tenham mais

influência.

( ) Condenação anterior da vítima

( ) Maus antecedentes da vítima

( ) Mau comportamento social da vítima

( ) A idade avançada da vítima

( ) A pouca idade da vítima

( ) A popularidade ou notoriedade da vítima

na sociedade

( ) A presença de familiares da vítima no

( ) A qualidade do discurso do Advogado de defesa

( ) Demonstração de arrependimento pelo réu

( ) A presença de familiares do réu no julgamento

( ) A idade avançada do réu

( ) A pouca idade do réu

( ) O estado de saúde do réu

( ) O choro do réu

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234

julgamento

( ) A qualidade do discurso do Promotor de

Justiça

( ) A popularidade ou notoriedade do réu na sociedade

( ) Outro fator?____________________________

12) Você acha que é possível que “pedidos” do réu ou de seus familiares possam direcionar o

seu voto a favor de uma absolvição?

( ) Sim ( ) Não

13) Você já foi alvo desses pedidos?

( ) Sim ( ) Não

14) Ameaças do réu ou de terceiros influenciam de alguma maneira nas decisões do Tribunal

do Júri?

( ) Sim ( ) Não ( ) Às vezes

15) Alguma vez você já foi alvo de ameaças por atuar como jurado?

( ) Sim ( ) Não

16) Caso você recebesse uma ameaça desse tipo. Como

reagiria?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

17) Na hipótese de ser constatado que o réu cometeu crime de homicídio sob o efeito do

álcool (embriaguez) ou de substância entorpecente, isto teria algum impacto no seu

julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

18) Quando ocorre um grande lapso de tempo entre a data do crime e a data do julgamento,

sem que o acusado nesse espaço, venha a cometer qualquer outro delito, isto influi no seu

julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

19) A orientação sexual do réu (homossexualismo masculino, feminino e outros) é uma

variável que influencia sua decisão no julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

20) A cor da pele do réu influencia na sua decisão no julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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235

21) A classe social do réu influencia na sua decisão no julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

22) A orientação sexual da vítima (homossexualismo masculino, feminino e outros) é uma

variável que influencia sua decisão no julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

23) A cor da pele da vítima influencia na sua decisão no julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

24) A classe social da vítima influencia na sua decisão no julgamento?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

Por quê?____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

25) A chegada do réu preso ao julgamento, pelo crime que vai ser julgado, motiva sua decisão

no sentido de uma condenação?

( ) Sim, somente quando está preso pelo crime que será julgado.

( ) Sim, quando está preso pelo crime que será julgado ou qualquer outro crime.

( ) Não.

26) As informações que recebe antes de um julgamento, seja por meio de terceiros ou pela

imprensa, lhe ajudam a formar algum julgamento prévio sobre o caso?

( ) Sim ( ) Não ( ) Talvez

27) Como se sente quando é recusado de forma imotivada pelo Promotor ou pelo Advogado

ou Defensor? ________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

28) Como você caracterizaria um bom jurado? Qual o perfil ideal para ser um bom

jurado?_____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Dados sócio demográficos do jurado

Sexo:

( ) Masculino

( ) Feminino

Idade:

( ) 18 a 30

( ) 31 a 40

( ) 41 a 50

( ) 51 a 60

( ) mais de 60 anos

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236

Qual a sua profissão?__________________

____________________________________

É funcionário público ( ) ou privado ( )

Qual seu nível de escolaridade?

( ) Fundamental Incompleto

( ) Fundamental Completo

( ) Médio Incompleto

( ) Médio Completo

( ) Superior Incompleto

( ) Superior Completo

( ) Pós-graduado

Caso possua nível superior, qual sua área de formação?_______________________________

Na condição de pós-graduado, qual a sua área de formação?___________________________

Qual a cor da sua pele? ________________________________________________________

Qual seu estado civil?_________________________________________________________

Qual a sua renda mensal pessoal (se for solteiro) ou familiar (se for casado/união estável)?

( ) Menos de R$ 1.000,00

( ) Entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00

( ) Entre R$ 2.000,00 e R$ 3.000,00

( ) Entre R$ 3.000,00 e R$ 4.000,00

( ) Entre R$ 4.000,00 e R$ 5.000,00

( ) Acima de R$ 5.000,00

Em que bairro reside?_________________________________________________________

Possui religião? Sim ( ) Não ( )

Em caso afirmativo, qual a sua religião? __________________________________________

Com que Frequência participa de cultos ou rituais da sua religião?

Todos os dias Duas vezes

por semana

Uma vez por

semana

Uma ou duas

vezes por

mês

Raramente

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

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Plenário do Tribunal do Júri – Fórum Gumerssindo Bessa – Aracaju/Se