ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofágica..pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    1/17

    1

    Subjetividade Antropofgica1

    Suely Rolnik

    Mundo hoje: oceano infinito, agitado por ondas turbilhonares fluxos variveis sem

    totalizao possvel em territrios demarcveis, sem fronteiras estveis, em constantes

    rearranjos. De acordo com alguns, um segundo dilvio2 s que desta vez as guas nunca

    mais iro baixar, nunca mais haver terra vista, as arcas so muitas e flutuam para

    sempre, lotadas de nos tambm muitos e de toda espcie. Nunca mais os ps pousaro na

    paisagem estvel de uma terra firme: habituar-se a navegar preciso3, sem um norte fixo,

    como ponto de vista geral sobre esta superfcie tumultuada e movente. No h mais apenasuma forma de realidade com seu respectivo mapa de possveis. Os possveis agora se

    reinventam e se redistribuem o tempo todo, ao sabor de ondas de fluxos, que desmancham

    formas de realidade e geram outras, que acabam igualmente dispersando-se no oceano,

    levadas pelo movimento de novas ondas.

    Subjetividades hoje: arrancadas do solo, elas tem o dom da ubiqidade flutuam ao

    sabor das conexes mutveis do desejo com fluxos de todos os lugares e todos os tempos,

    que transitam simultneos pelas ondas eletrnicas. Filtro singular e fluido deste imenso

    oceano tambm fluido. Sem nome ou endereo fixo, sem identidade: modulaes

    metamorfoseantes num processo sem fim, que se administra dia a dia, incansavelmente.

    O estranhamento toma conta da cena, impossvel domestic-lo: desestabilizados,

    desacomodados, desaconchegados, desorientados, perdidos no tempo e no espao como

    se fssemos todos homeless, sem casa. No sem a casa concreta (grau zero da

    sobrevivncia em que se encontra um contingente cada vez maior de humanos), mas sem o

    em casa de um sentimento de si, ou seja sem uma consistncia subjetiva palpvel

    familiaridade de certas relaes com o mundo, certos modos de ser, certos sentidoscompartilhados, uma certa crena. Desta casa invisvel, mas no menos real, carece toda a

    humanidade globalizada.

    Vozes em todas as lnguas, de todos os cantos da terra, de todos os especialistas e

    tambm dos no especialistas, embaralham-se numa conversa infinita, entre aflita e

    excitada, em torno de uma mesma pergunta: nos tornamos de fato homeless, todos? a casa

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    2/17

    2

    subjetiva dissolveu-se, desmoronou, desapareceu? onde est a identidade? como recompor

    uma identidade neste mundo onde territrios nacionais, culturais, tnicos, religiosos,

    sociais, sexuais perderam sua aura de verdade, desnaturalizaram-se irreversivelmente,

    misturam-se de tudo quanto jeito, flutuam ou deixam de existir? Como reconstituir um

    territrio neste mundo movedio? Como se virar com esta desorientao? Como

    reorganizar algum sentido? Como fazer surgir zonas francas de serenidade? E este coro

    transnacional oscila em variaes sobre o tema compostas por posies afetivas que vo da

    deslumbrada apocalptica. Esperana ou desesperana, tanto faz: plos de uma posio

    moralista que naturaliza um sistema de valor e com ele interpreta, julga e prognostica o que

    se passa final feliz ou fim de tudo.

    Um outro tipo de voz, no entanto, destoa nitidamente deste tom teleolgico. Seu

    timbre no expressa julgamento nem drama, mas a vibrao dos movimentos do mundoonde ela entoada, transmitindo a sensao de que este mundo de agora no nem melhor,

    nem pior do que outros. Como qualquer outro, singular, com seus problemas prprios,

    suas maneiras de afirmar a vida e tambm de deterior-la, seus territrios em vias de

    desaparecimento, outros esboando-se, os quais pedem cartografias de sentido que os

    tornem inteligveis, fortalecendo sua tomada de consistncia. Nesta faixa de sintonia, pode-

    se captar uma voz que vem do Brasil, voz muito antiga na tradio desse pas, que em

    algum momento recebeu o nome de antropofgica.

    A inspirao da noo de antropofagia vem da prtica dos ndios tupis que consistia

    em devorar seus inimigos, mas no qualquer um, apenas os bravos guerreiros. Ritualizava-

    se assim uma certa relao com a alteridade: selecionar seus outros em funo da potncia

    vital que sua proximidade intensificaria; deixar-se afetar por estes outros desejados a ponto

    de absorv-los no corpo, para que partculas de sua virtude se integrassem qumica da

    alma e promovessem seu refinamento.

    Nos anos 30, a antropofagia ganha no Brasil um sentido que extrapola a literalidade

    do ato de devorao praticado pelos ndios. O assim chamado Movimento Antropofgico4

    extrai e reafirma a frmula tica da relao com o outro que preside este ritual, para faz-la

    migrar para o terreno da cultura. Neste movimento, ganha visibilidade a presena atuante

    desta frmula num modo de produo cultural que se pratica no Brasil desde sua fundao.

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    3/17

    3

    A cultura brasileira nasce sob o signo de uma multiplicidade varivel de referncias

    e sua mistura. No entanto, tambm desde o nascimento, muitas so as estratgias do desejo

    face mistura, distintos graus da exposio alteridade que esta situao intensifica.

    A elite fundadora, diferentemente de outros pases da Amrica, como

    fundamentalmente o caso dos Estados Unidos, tem seus interesses marcados pela

    persistncia de sua condio de europia e, por isso, tal elite no investe na construo de

    um em casa em terras brasileiras. O corpo como que separado da experincia,

    anestesiado aos efeitos do convvio de heterogneos e, portanto, surdo exigncia de

    criao de sentido para os problemas singulares que se delineiam nesta exposio. A

    tendncia que se mantm hegemnica desde ento a de consumir cultura europia,

    cartografias de sentido que, alm de terem sido produzidas no contexto de uma experincia

    de no mistura, so desencarnadas da experincia sensvel, porque forjadas sob a gide doracionalismo. Ora, em seu transplante para o Brasil, tais cartografias culturais so

    consumidas a-criticamente sem levar em conta as necessidades de sentido que se colocam

    no novo contexto, o que as torna duplamente desencarnadas. Puros jogos arrogantes de

    erudio e inteligncia resultando em repeties estreis e num em casa deselegante,

    porque vazio de sentido e desvitalizado. o tal lado doutor, o lado citaes, o lado autores

    conhecidos5 com seu tdio especulativo6, de que nos fala Oswald de Andrade uma

    espcie de superego bacharelesco agindo contra o pensamento.

    J a cultura popular se produz tradicionalmente a partir da exposio a este outro

    variado com o qual se cotidianamente confrontado, exposio forada pela necessidade de

    constituir no novo pas um territrio de existncia, um em casa feito da consistncia do

    que realmente vivido uma questo de sobrevivncia psquica. O resultado uma esttica

    viosa, irreverente e inventiva.Uma imagem conhecida o culto de Iemanj no reveillon

    das praias brasileiras. Devorada na mistura local, a deusa africana, como escreve Darcy

    Ribeiro,

    ...transformou-se totalmente e foi parar no 1ode janeiro substituindo o velhoe ridculo Papai Noel barbado comendo frutas europias secas, arrastado num carropuxado por veados, pela primeira santa que fode e para quem se pede no a curamas um amante carinhoso ou que o marido bata menos 7.

    Esta produo se faz totalmente margem da cultura oficial local, que a

    desqualifica ou, na melhor das hipteses, a folcloriza, evitando assim qualquer perigo de

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    4/17

    4

    contaminao disruptiva. A nica relao possvel enquanto patrocinador paternalista,

    figura que encobre o fechamento defensivo e permite livrar-se da m-conscincia.

    Uma terceira tradio, no entanto, insinua-se entre estes dois campos, na qual

    borra-se a fronteira discriminatria que os separa, promovendo uma contaminao geral

    no s entre erudito e popular, nacional e internacional, mas tambm entre arcaico e

    moderno, rural e urbano, artesanal e tecnolgico. Toma corpo um em casa que encarna

    toda a heterogeneidade dinmica da consistncia sensvel de que feita a subjetividade de

    qualquer brasileiro, a qual se cria e recria como efeito de uma mestiagem infinita nada a

    ver com uma identidade. O Movimento Antropofgico explicita esta posio, dando-lhe

    visibilidade retrospectiva, mas sobretudo dignidade para afirm-la no presente. Uma das

    principais palavras de ordem deste movimento, reiterada em seus doisManifestos, prope:

    contra o gabinetismo, a prtica culta da vida8; contra todos os importadores deconscincia enlatada, a existncia palpvel da vida9.

    Os criadores que se colocam nesta posio se do o direito de construir os prprios

    problemas. Para isso incorporam o banal sua maneira, e afirmam a exuberncia dessa

    esttica irreverente que impregna o cotidiano brasileiro no interior do sistema oficial da

    cultura. Eles no s injetam doses desta esttica na cena artstica, mas ainda intensificam

    sua irreverncia ao mistur-la com os mais atuais e sofisticados repertrios eruditos dos

    assim chamados centros hegemnicos, que tendem a reinar sozinhos na cultura

    dominante no Brasil, desvinculados de qualquer trabalho do pensamento. Hlio Oiticica

    assim refere-se a esta atitude:

    O QUE IMPORTA: a criao de uma linguagem. O destino da Modernidadedo Brasil, pede a criao desta linguagem, as relaes, degluties, toda afenomenologia deste processo (com inclusive as outras linguagens internacionais),pede e exige (sob pena de se consumir num academismo conservador, no o faa)essa linguagem: o conceitual deveria submeter-se ao fenmeno vivo, o deboche aosrio: quem ousar enfrentar o surrealismo brasileiro?

    Quem sou eu para determinar qual e como ser esta linguagem? Ou ser ounada (conservao-diluio)? Sei l. A diluio est a a convi-conivncia(doena tpica brasileira) parece consumir a maior parte das idias idias?Frgeis e perecveis, aspiraes ou idias? Assumir uma posio crtica: a aspirinaou a cura?

    Ou a curra ao paternalismo, inibio, culpa. 10

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    5/17

    5

    O banquete antropofgico feito de universos variados incorporados na ntegra ou

    somente em seus mais saborosos pedaos, misturados vontade num mesmo caldeiro, sem

    qualquer pudor de respeito por hierarquias a priori, sem qualquer adeso mistificadora. Mas

    no qualquer coisa que entra no cardpio desta ceia extravagante: a frmula tica da

    antropofagia que se usa para selecionar seus ingredientes deixando passar s as idias

    aliengenas que, absorvidas pela qumica da alma, possam revigor-la, trazendo-lhe

    linguagem para compor a cartografia singular de suas inquietaes. A estratgia

    antropofgica d lugar a pelo menos trs operaes que vale a pena destacar.

    A primeira consiste no abastardamento da cultura das elites e, indiretamente, da

    cultura europia como padro. Nem reposio submissa e estril, nem oposio que

    mantm aquela cultura como referncia: h um radical deslocamento da idia de centro.

    O suposto poder de generalizao deste ou de qualquer outro modelo ignorado, j quetodo e qualquer universo cultural investido como cogulo provisrio de linguagem,

    selecionado num processo experimental e singular de criao de sentido, da mesma forma

    alis que o prprio universo indgena ou africano.

    . Esta liberdade de investir apenas o que interessa num sistema de pensamento, foi

    provavelmente gerada no contexto mestio que marca o pas desde a fundao, o qual exige

    este tipo de liberdade para que territrios de existncia possam ganhar corpo. Outros dois

    fatores talvez tenham contribudo igualmente para isso. O fato de que a cultura europia

    consumida nos trpicos no funciona como cartografia de um territrio prprio, faz com

    que desenvest-la ou invest-la apenas em parte no traga um perigo de desterritorializao

    to brutal, como seria o caso para um europeu, sendo assim menos ameaador. Alm disso,

    no momento em que eclode o Movimento Antropofgico, a noo de cultura centrada na

    supremacia da Europa e do estilo de vida burgus j havia sofrido o choque da primeira

    guerra mundial e os efeitos da crtica efetuada pela intelectualidade europia, que buscou

    no primitivo uma sada de sentido. Isto prepara o terreno para as idias da antropofagia e

    legitima a crtica imitao bacharelesca da cultura francesa.

    Para alguns, oMovimento Antropofgicopersistiu na posio subalterna, pois nada

    mais fez do que assumir o primitivo idealizado, este Outro utpico que a crtica europia

    produziu naquele momento. O no europeu continuaria assim discriminado como

    extico, o nico que teria mudado que de desqualificado passa a enaltecido. Esta

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    6/17

    6

    interpretao parece ignorar que a fora da Antropofagia justamente a afirmao

    irreverente da mistura que no respeita qualquer espcie de hierarquia cultural a priori, j

    que para este modo de produo de cultura todos os repertrios so potencialmente

    equivalentes enquanto fornecedores de recursos para produzir sentido, e s isto o que

    conta. Como escreve Darcy Ribeiro:

    A colonizao no Brasil se fez como esforo persistente de implantar aquiuma europeidade adaptada nesses trpicos e encarnada nessas mestiagens. Masesbarrou, sempre, com a resistncia birrenta da natureza e com os caprichos dahistria, que nos fez a ns mesmos, apesar daqueles desgnios, tal qual somos, toopostos a branquitudes e civilidades, to interiorizadamente deseuropeus comodesndios e desafros.11

    Assim o ndio ou o negro no so investidos como humanidade boa, portadora de

    uma verdade, a ser engolida, contrapontos ao europeu, que seria a humanidade m, distante

    da verdade, a ser vomitada. Como escreve Darcy Ribeiro, os brasileiros so to

    deseuropeus, como desndios e desafros12, pois o critrio de seleo para o ritual

    antropofgico na cultura no o contedo de um sistema de valor tomado em si, mas o

    quanto funciona, com o que funciona, o quanto permite passar intensidades e produzir

    sentido. E isto nunca vale para um sistema como um todo, mas para alguns de seus

    elementos, que se articulam com elementos de outros sistemas, perdendo assim qualquerconotao identitria.

    Entrev-se aqui uma segunda operao que a estratgia antropofgica viabiliza: o

    exerccio de criao de cultura no tem a ver com significar, explicar ou interpretar para

    revelar verdades. A verdade, segundo o Manifesto Antropfago, mentira muitas vezes

    repetida. Fazer cultura antropofagicamente tem a ver com cartografar: traar um mapa de

    sentido que participa da construo do territrio que ele representa, da tomada de

    consistncia de uma nova figura de si, um novo em casa, um novo mundo. Roteiros.

    Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. insiste sete vezes seguidas o

    mesmo Manifesto. da vizinhana paradoxal entre heterogneos, feita de acordos no

    resolvidos e no remetidos a uma totalidade, que emana o sentido: roteiro, cartografia dos

    movimentos sociais reais, efeito crtico. Qualquer experimentao pragmtica, seja ela

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    7/17

    7

    mais ou menos bem sucedida, vale mais do que a imitao estril de modelos. De novo,

    Hlio Oiticica:

    No existe arte experimental mas o experimental, que no s assume a

    idia de modernidade e vanguarda, mas tambm a transformao radical no campodos conceitos-valores vigentes: algo que prope transformaes nocomportamento-contexto, que deglute e dissolve a coni-convivncia. No Brasil,portanto, uma posio crtica universal permanente e o experimentalso elementosconstrutivos. Tudo o mais diluio na diarria.13

    Uma terceira operao resulta das duas anteriores: o desmanchamento, j nos anos

    20, da diviso do mundo entre colonizados e colonizadores. Se naquele momento este

    desmanchamento mal comeava a se esboar, hoje, na era do neoliberalismo globalizado,

    definitivamente tais figuras no cabem mais. O eixo de relaes de fora deslocou-se de

    terreno e mudou suas figuras. Os pares que definiam o conflito poltico na modernidade se

    embaralharam. J no se trata mais de uma soberania do tipo colonial: a potncia

    hegemnica no enfrenta mais seu Outro, no h mais exterioridade, pois ela estende

    progressivamente suas fronteiras at abarcar o conjunto do planeta.

    Uma quarta operao ainda que a cultura produzida no Brasil torna-se uma linha

    de fuga da cultura europia e no mais reposio submissa e estril, nem simples oposio

    que mantm aquela cultura como referncia. A rvore do saber ocidental transplantada para

    a Amrica tropical deixa de ser rvore, no sentido de ter sua estrutura e sua evoluopreviamente definidas por um programa transcendental. Investida no em sua totalidade,

    mas como elemento de um processo infinito de criao, no qual conectada a universos de

    referncia aliengenas, ela passa a integrar uma evoluo imprevisvel, imanente ao prprio

    processo, no qual a estrutura se redefine permanentemente.

    Esta estratgia do desejo definida pela justaposio irreverente que cria uma tenso

    entre mundos que no se roam no mapa oficial da existncia, que desmistifica todo e

    qualquer valor a priori, que descentraliza e torna tudo igualmente bastardo esta estratgia

    do desejo pe em funcionamento um modo de subjetivao que chamarei de

    antropofgico.

    Numa primeira aproximao, restrita ao visvel, a subjetividade antropofgica

    define-se por jamais aderir absolutamente a qualquer sistema de referncia, por uma

    plasticidade para misturar vontade toda espcie de repertrio e por uma liberdade de

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    8/17

    8

    improvisao de linguagem a partir de tais misturas. No entanto, para um olhar mais arguto,

    que capta o invisvel, a antropofagia atualiza-se segundo diferentes estratgias do desejo,

    movidas por diferentes vetores de fora, que vo de uma maior ou menor afirmao da vida

    at sua quase total negao. Eles se distinguem basicamente pelo modo como a

    subjetividade conhece e rastreia o mundo, por aquilo que move sua busca de sentido e pelo

    critrio de que se utiliza para selecionar o que ser absorvido para produzir este sentido.

    Atualizado em seu vetor mais ativo, o modo antropofgico de subjetivao em sua face

    invisvel funciona segundo algumas caractersticas essenciais.

    Antes de mais nada, este modo depende de um grau significativo de exposio

    alteridade: enxergar e querer a singularidade do outro, sem vergonha de enxergar e de

    querer, sem vergonha de expressar este querer, sem medo de se contaminar, pois nesta

    contaminao que a potncia vital se expande, carregam-se as baterias do desejo,encarnam-se devires da subjetividade: a frmula tupi. Este tipo de relao com a alteridade

    produz no corpo uma alegria a prova dos nove, segundo afirma duas vezes oManifesto

    Antropfago14, prova da pulsao de uma vitalidade.

    Esta capacidade depende de uma segunda caracterstica do modo antropofgico de

    subjetivao atualizado em seu vetor mais ativo: um certo estado do corpo, em que suas

    cordas nervosas vibram a msica dos universos conectados pelo desejo; uma certa sintonia

    com as modulaes afetivas provocadas por esta vibrao; uma tolerncia presso que tais

    afetos inusitados exercem sobre a subjetividade para que esta os encarne, recriando-se,

    tornando-se outra. provavelmente isto que Lygia Clark chamava de estado de arte sem

    arte e Hlio Oiticica de estado de inveno15.

    Este tipo de relao com a alteridade distingue-se de outros bastante comuns nas

    subjetividades contemporneas, que correspondem a diferentes formas de narcisismo. Para

    ficar apenas num exemplo, lembremos da sexualidade politicamente correta inventada pelo

    calvinismo norte-americano contemporneo: liberao de uma diversidade de formas de

    relao ertica, sendo porm cada uma tomada como identidade, catalogada como novo

    direito civil, com carimbo do Estado que a empalha, breca os devires que ela provocaria,

    impede a inveno de novos mundos em suma, deserotiza. Embora o respeito civil pelo

    outro seja o mnimo que se espera numa sociedade democrtica, ficar apenas nisso por

    pudor de querer a alteridade, de expressar este querer e se deixar afetar, redunda numa

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    9/17

    9

    reiterada reafirmao de si mesmo: um narcisismo cidado. Nesta estratgia de relao

    com o outro, o corpo tem grandes chances de ser reprovado na prova dos nove da alegria.

    Uma terceira caracterstica do modo antropofgico exercido em seu vetor mais ativo

    que aquilo que d liga para formar um em casa, isto aquilo que funciona como

    operador da consistncia subjetiva, a errancia do desejo que vai fazendo suas conexes

    guiado predominantemente pelo ponto de vista da vibratibilidade do corpo e sua vontade de

    potncia. Um critrio tico de seleo das escolhas de novo, a frmula tupi.No seria isso

    o que Oswald de Andrade chamou de sentimento rfico, ou sentimento religioso sem

    transcendncia ou atesmo com Deus? Num dos Manifestos, Oswald escreve que a

    Antropofagia governada pela lei de um deus de caravana metamorfoseado em deus de

    caravela, que esta seria a nica lei do mundo 16, segundo outro participante do

    movimento, a menos transcendental das leis17.A lei antropofgica do deus da caravana errante imanente ao movimento do

    desejo. J a lei do deus da caravela, lei das potncias catlicas que colonizaram o pas, um

    deus sedentrio que transcende a errancia do desejo duplamente: em sua origem e, de novo,

    em sua transplantao no problematizada para um contexto totalmente diverso.

    A diferena entre os dois tipos de lei reside na estratgia a que obedece a construo

    da casa subjetiva: quando comandada por uma lei que lhe imanente, a construo se

    orientar pelas intensidades produzidas no corpo vibrtil, ou seja a configurao do mundo

    tal como se apresenta no corpo um conhecimento por vibrao e contaminao. J quando

    regida por uma lei transcendente, esta impe ao desejo imagens extrnsecas a seu

    movimento, como programa a priori a ser obedecido um conhecimento por representao

    e imitao.

    Por baixo do rosto oficial de uma subjetividade comandada pela lei de um deus de

    caravela, que mimetiza o rosto branco europeu fora de contexto, afirma-se aqui o rosto

    quente e cambiante de uma subjetividade mestia nascida da exuberante variedade de

    universos que compem as condies locais.

    Quando uma lei transcendente que rege a formatao da subjetividade, o

    operador de consistncia a mente, guiada pelo ponto de vista do ego e sua vontade de

    completude, estabilidade, eternidade. Alucinao de uma transcendncia que arranca o

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    10/17

    10

    desejo de sua imanncia produtiva e o submete falta, a qual passa a ser o motor de seu

    movimento. Um critrio narcsico rege as escolhas.

    Uma quarta caracterstica o tipo de subjetividade que assim se constitui:

    singularidade impessoal, todo aberto disperso nas mltiplas conexes do desejo no campo

    social e que emerge entre os mundos agenciados. Enquanto que a subjetividade regida por

    um princpio identitrio-figurativo consiste na pessoalidade de um eu, individualidade

    murada, presa a suas vivncias psquicas e comandada pelo medo de se perder de si.

    Uma quinta caracterstica ainda o modo em que emerge este tipo de subjetividade:

    sua gnese se faz por alianas e contgios, um rizoma infinito que muda de natureza e rumo

    ao sabor das mestiarias que se operam na grande usina de nossa antropofagia cultural.

    Gnese distinta daquela de uma subjetividade identitrio-figurativa que se faz por filiao,

    promovendo a fantasia de uma evoluo linear e o compromisso aprisionador com umsistema de valores assumido como essncia a ser perpetuada e reverenciada.

    No entanto, a mesma no adeso absoluta a qualquer sistema de referncia, seja ele

    qual for, a mesma plasticidade para mistur-los vontade, a mesma liberdade de

    improvisao de linguagem a partir das misturas no adeso, plasticidade e liberdade de

    improvisao que definem o modo antropofgico de subjetivao em sua face visvel

    podem constituir um tipo de subjetividade em que, no invisvel, no esteja presente

    nenhuma das caractersticas anteriormente evocadas. Quando isto acontece estamos diante

    de uma antropogafia atualizada em seu vetor mais reativo. Esta se diferencia

    fundamentalmente pela ausncia do critrio tico comandando as conexes do desejo e a

    criao de sentido, substitudo neste caso por um critrio narcsico. a frmula que se

    deturpa, sobrando a carcaa de certos procedimentos sem o recheio do corpo como bssola,

    corpo que conhece por vibrao e contaminao e no apenas por representao, corpo

    cujas escolhas so comandadas pela vida em sua vontade de afirmao. No ser este vetor

    que um dos Manifestos chama de baixa antropofagia, a definindo como peste dos

    chamados povos cultos e cristianizados e declarando ser exatamente contra ela que

    estamos agindo, ns, antropfagos?18 So fartos no cenrio nacional os exemplos deste

    tipo de atualizao do modo antropofgico no cenrio brasileiro, este vale-tudo em funo

    dos interesses do ego e no das urgncias de criao de sentido colocadas pelo corpo em

    sua vivncia coletiva, corpo em devir, marcado pela alteridade: a construo de edifcios

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    11/17

    11

    com areia do mar, que como era de se prever, desabam com seus moradores19; a

    apropriao por um presidente da repblica de todas as poupanas do pas para os cofres do

    Estado20; as telenovelas, etc. Examinemos este ltimo exemplo, to integrado ao cotidiano

    da maioria dos brasileiros.

    O enredo da mais prestigiada das telenovelas, que acontece todos os dias s oito da

    noite na Globo, uma cartografia bastante fiel dos movimentos polticos, econmicos,

    sociais, comportamentais que convulsionam o cotidiano da vida coletiva, mas para reinjetar

    uma promessa de transcendncia apaziguadora. como se todos passassem o dia

    desesperando-se com as turbulncias para acalmar-se noite, quando a novela coloca em

    cena estas experincias desetabilizadoras, porm anestesiando o desconforto, domesticando

    o estranhamento, apagando seu fogo problematizador, fazendo com que tudo parea voltar

    ao mesmo. Baixa antropofagia que devora em sua linguagem as mais atualizadastecnologias de televiso, que tem a liberdade e a inteligncia de improvisao para compor

    uma cena com tudo que se movimenta na ordem do dia, s que sem passar pelo crivo do

    corpo vibrtil e pelo critrio tico para detectar e comprometer-se com aquilo que pede

    passagem na vida coletiva no encaminhamento do enredo. Este laboratrio high tech de

    modos de ser prt--porter, idealizados de acordo com cada nova situao do mercado,

    tende a mobilizar uma igual anestesia dos corpos vibrteis dos espectadores e a

    desmobilizar a fora que seu desconforto impulsionaria na direo de criar sentido para os

    impasses vividos naquele momento da vida social. Isto notrio no modo como so

    encaminhados os dilemas das relaes amorosas no contemporneo, quase sempre tema

    privilegiado das novelas. surpreendente a atualidade da cartografia que a novela traa dos

    terremotos que tem agitado este campo. No entanto, isto sempre se acompanha de uma

    reinjeo de doses cavalares de amor romntico que legitima a insistncia teimosa neste

    modelo e adia o processo coletivo de elaborao e reinveno das relaes amorosas que se

    faz to urgente. Os personagens da novela das oito formam uma espcie de famlia-prtese

    plugada nos lares brasileiros que os contamina diariamente de antropofagia reativa. O

    nmero de viciados nesta droga chega a atingir mais da metade da populao do pas nos

    captulos que prometem doses extras de acomodao e final feliz.

    Poderamos considerar que a baixa antropofagia insere-se na tradio desencaranada

    da elite brasileira, a qual no responde s urgncias de criao de sentido colocadas pelo

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    12/17

    12

    corpo em sua experincia coletiva, o que implica na negao da alteridade a qual encontra

    na escravatura sua mxima expresso. Nesta tradio, a prtica antropofgica, prpria da

    frmula tupi, que parte do reconhecimento do outro em sua diferena virtuosa, esvazia-se

    de seu contedo tico e torna-se perversa: trata-se aqui de reificar o outro que, esvaziado de

    sua singularidade, ser instrumentalizado a servio dos interesses de quem o incorpora.

    preciso lembrar que esta marca histrica escravocrata encontra-se inscrita na subjetividade

    de todo brasileiro.

    A forte presena desta marca, acrescida do fato de sermos sujeitos modernos como

    qualquer outro homem ocidental do mesmo perodo histrico, fazem com que estejamos

    sempre correndo o risco de perder a sintonia fina com o corpo vibrtil, perder a imanncia

    da errancia do desejo como operador de consistncia subjetiva e recair na submisso a uma

    transcendncia ao processo. E mais, este risco aumenta quando o modo dominante de seconstituir um em casa em todo o planeta o legitima e o convoca, como acontece na

    atualidade.

    Na verdade, entre o plo mais ativo da antropofagia, em sua atualizao tica, e o

    plo mais reativo, em sua atualizao narcsica, muitos so os matizes em que estas

    posies se combinam em diferentes propores. No se trata de um dualismo ontolgico,

    nem axiolgico, e muito menos psicolgico. O que h uma diversidade de modos de

    afirmao da antropofagia: do mais tico ao menos tico, do vale-tudo em funo dos

    interesses da vida ao vale-tudo em funo dos interesses do ego. Estes modos nunca so

    definitivos, pois dependem da fora dominante em cada contexto da existncia individual e

    coletiva.

    da subjetividade antropofgica em seu vetor mais ativo, a voz do Brasil que se

    ouve no debate contemporneo que se agita em torno da crise da identidade. Como se os

    brasileiros fossem desde sempre este povo de sangue misto e bastardo que est se

    constituindo agora por toda Terra21, e por isso trouxessem para esta conversa globalizada

    um know how para navegar por este oceano infinito, agitado por ondas turbilhonares de

    uma profuso varivel de fluxos de que feito o mundo hoje. Basicamente o que a voz

    antropofgica traz de singular para este impasse que ela aponta no s teoricamente, mas

    sobretudo, pragmaticamente, que a questo que se coloca no a reconstituio de uma

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    13/17

    13

    identidade, horizonte alucinado que divide os homens em esperanosos e desesperanados.

    A questo descolar a sensao de consistncia subjetiva do modelo da identidade;

    deslocar-se do princpio identitrio-figurativo na construo de um em casa.

    Se viver sem uma casa concreta difcil, no h vida humana possvel sem um

    modo de ser no qual se possa sentir-se em casa. No nos tornamos todos homeless: no

    verdade que a casa subjetiva desapareceu, ela apenas est sofrendo uma mudana radical no

    princpio de sua construo, o que no deixa de ser perturbador. Construir um em casa

    depende agora de algumas operaes que embora bastante inativas na subjetividade do

    ocidente moderno, so familiares ao modo antropofgico em sua atualizao mais ativa:

    sintonizar as transfiguraes no corpo, efeitos de novas conexes de fluxos; pegar a onda

    dos acontecimentos que tais transfiguraes desencadeiam; desenvolver uma prtica

    experimental de arranjos concretos de existncia que encarnem estas mutaes sensveis;inventar novas possibilidades de vida. Tais operaes dependem, por sua vez, do exerccio

    de potncias do corpo igualmente inativas na subjetividade contempornea: expandir-se

    para alm da representao, conquistar uma intimidade com o corpo como superfcie

    vibrtil que detecta as ondas antes mesmo de eclodirem, aprender a pegar onda, forjar zonas

    de familiaridade no prprio movimento ou seja, navegar preciso, seno o destino ser

    muito provavelmente o naufrgio. Um em casa feito de totalidades parciais, singulares,

    provisrias, flutuantes, em devir, que cada um (indivduo ou grupo) constri a partir dos

    fluxos que tocam o corpo e sua filtragem seletiva operada pelo desejo.

    Contudo, apesar da experincia subjetiva ter mudado a este ponto, a tendncia

    predominante manter-se sob o regime que at h pouco vigorava: um em casa

    identitrio. Isto evidente nos entricheiramentos em que se colocam grupos tnicos, raciais,

    religiosos, sexuais ou mesmo naes inteiras que insistem em existir como identidades,

    cortadas do oceano de fluxos mutveis de que feita hoje a consistncia subjetiva de todos

    os habitantes da Terra.

    Porque no se consegue parar de choramingar de saudade da casa enraizada apesar

    desta evidente e irreversvel mudana? Com certeza por fora do hbito, inscrito em nosso

    desejo; mas tambm, e talvez principalmente, por fora do modo hegemnico de

    subjetivao no neoliberalismo mundial integrado, que precisa do regime identitrio para

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    14/17

    14

    funcionar e que mobiliza este hbito em nosso desejo, como dispositivo essencial para sua

    efetuao.

    Se o mercado, por um lado, constri e destri territrios de existncia como a

    prpria condio de seu funcionamento, pois necessita de estar sempre criando novas

    rbitas de produo e consumo, por outro lado, para entrar em qualquer uma destas rbitas

    necessrio que esta subjetividade desterritorializada encarne identidades prt--porter,

    produzidas como perfil subjetivo das performances requeridas por cada rbita. Tais

    identidades definem-se no s por certas competncias, mas tambm por uma certa

    aparncia, um estilo de corpo, roupa e comportamento ditado pelas tendncias do

    mercado do momento. Mantm-se, portanto, o princpio identitrio, com a nica diferena

    que as figuras a partir das quais a subjetividade se formata deixam de serem fixas e locais,

    para serem flexveis e globalizadas. Assim para entrar no jogo indispensvel ser portadorde um certo capital subjetivo: ser um atleta da flexibilidade, o must da temporada

    empresarial que tomou conta do planeta. Mas, ateno, uma flexibilidade a servio da

    qualidade total da produo, que requer uma subjetividade investida de corpo e alma no

    mercado. Nesta estratgia do desejo, ter um bom desempenho no surf das mudanas

    implica em ser capaz de consumir o novo e no de cri-lo a partir do que indica a

    vibratibilidade do corpo. uma subjetividade desligada do corpo sensvel, anestesiada a

    seus estranhamentos, sem qualquer liberdade de criao de sentido, totalmente destituda

    de singularidade.

    A alta antropofagia nos coloca em posio privilegiada para quebrar o crculo

    infernal da escravido a este modo hegemnico de subjetivao e resistir ao apelo de

    tornar-se atleta da flexibilidade a servio dos interesses exclusivos do mercado. que ela

    nos permite suportar melhor a falta de sentido que acontece quando misturas de mundo em

    nosso corpo nos impem mudanas de linguagem; improvisar mais facilmente linguagens

    incomuns para expressar tais mudanas; e, sobretudo, usar nesta criao o que tivermos

    mo, desde que favorea a expanso da vida individual e coletiva. Isto nos torna mais aptos

    para alcanar uma consistncia subjetiva deslocada do princpio identitrio, o que nos

    permite recusar mais facilmente a figura do atleta da flexibilidade sem medo de ficar

    inteiramente fora de rbita. Talvez este know how singular de resistncia explique a

    especial ateno que a cultura brasileira tem despertado no planeta como o caso das

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    15/17

    15

    importantes retrospectivas das obras de Hlio Oiticica e Lygia Clark que andaram

    circulando por grandes museus europeus, ou a presena indispensvel de obras desses

    artistas nas mostras mais significativas de arte contempornea na cena internacional; ou

    ainda, o reconhecimento de um trabalho como o de Tunga, artista vivo e relativamente

    jovem, para ficar apenas em exemplos nas artes plsticas.

    No entanto, se a alta antropofagia fornece um know howde resistncia subjetiva a

    tudo aquilo que tem efeito nefasto para a vida individual e coletiva no contemporneo, a

    baixa antropofagia, ao contrrio, fornece um know howque coloca os brasileiros entre os

    melhores atletas da flexibilidade do mundo. que quando no est em funcionamento uma

    avaliao do que bom para o corpo e, portanto, para a vida, a facilidade que tem o

    brasileiro para desaderir de modelos vigentes de comportamento e deixar-se contaminar

    por tudo aquilo que se apresenta, o torna mais vulnervel para engolir qualquer coisa, semmedo de desterritorializar, e portanto sem conflito. certamente isto o que deixa o

    brasileiro to vontade na cena neoliberal contempornea, mais do que ocorre em outros

    pases com um nvel semelhante de desenvolvimento econmico. talvez isto igualmente o

    que faz com que as telenovelas da Globo, este laboratrio high techde identidadesprt--

    porter, sejam exportadas para mais de cem pases e alcancem um sucesso internacional to

    significativo.

    Combater a baixa antropofagia e afirmar o modo antropofgico de subjetivao em

    seu vetor tico uma responsabilidade que temos no s em escala nacional, mas tambm e

    sobretudo em escala global, pois livrar-se do princpio identitrio-figurativo uma urgncia

    que se faz sentir por todo o planeta. Somos portadores da frmula de uma vacina que

    permite resistir a este vcio: a vacina antropofgica, como a designa um dosManifestos22,

    prescrita para o esprito que se recusa a conceber o esprito sem o corpo. Oswald chegou

    a defender a tese de que a Antropofagia constituiria uma teraputica social para o mundo

    contemporneo23.

    De fato, a vacina antropofgica parece ter se tornado indispensvel para uma

    ecologia da alma (ou do desejo?) neste incio de milnio.

    1Publicado em : Subjetividade Antropofgica / Anthropophagic Subjectivity. In: HERKENHOFF, Paulo ePEDROSA, Adriano (Edit.). Arte Contempornea Brasileira: Um e/entre Outro/s, XXIVa BienalInternacional de So Paulo. So Paulo: Fundao Bienal de So Paulo, 1998. P. 128-147. Edio bilnge

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    16/17

    16

    (portugus/ingls); Beyond the Identity Principle: the Anthropophagy Formula / Jenseits desidentuttsprinzips. Die Anthrophagie formel. Parkett, Zrich, New York, Frankfurt, no55, p. 186-190 e 191-195, june 1999. Edio bilnge (ingls/alemo); Anthropophagic Vaccine / Vacina Antropofgica. In:MANCEBO, Felipe e PAULO da CUNHA, Rosana (Edit.)Balaio Brasil. So Paulo: Sesc So Paulo,agosto/dezembro 2000. S/p. Edio bilnge (portugus/ingls); La vacuna Antropofagica. Barcelona Art

    Report 2001 Experiences, Barcelona, p.9-11; 39-41; 53-55, 2001. Edio trilnge (ingls, espanhol, catalo);Ms all del principio de identidad: la vacuna antropofgica. Teatro al Sur. Revista Latinoamericana, BuenosAires, no20, p. 32-39, octubre de 2001. Caderno 4, p.5; Beyond the Identity Principles. The AnthropophagyFormula. In: FISHER STERLING, Susan, SICHEL, Berta e ESPATH PEDROSO, Franklin (Edit.). VirginTerritory. Women, Gender and History in Contemporary Brazilian Art. Washington D.C.: National Museumof Women in the Arts e Associao Brasil + 500, 2001. P.138-145; Beyond the Identity Principle: theAnthropophagy Formula e Jenseits des identuttsprinzips. Die Anthrophagie formel. The Parkett Series withContemporary Artists/Die Parkett-Reihe mit Gegenwartsknstlern (catalogue raisonn de Parkett srie de120 edies). New York: MoMa, mai/june 2001, Publisher & Ali Subotnick, Special Editions, US.Edio

    bilnge (ingls/alemo); Subjetividade antropofgica. In: DOMINGUES MACHADO, Leila; CAMPELLOLAVRADOR, Maria Cristina; BARROS DE BARROS, Maria Elizabeth (Org.). Texturas da Psicologia.Subjetividade e Poltica no contemporneo.So Paulo: Casa do Psiclogo, 2002. P. 11-28.2Pierre Lvy, conferncia na Universidade do Vale dos Sinos. Porto Alegre, 1999.3Fernando Pessoa,Livro do Desassossego, Vol. II, no495. tica, Lisboa, 1982; p.241.4OMovimento Antropofgicofoi uma importante tendncia do Modernismo no Brasil nos anos 20. Com umamatriz dadasta e uma prtica construtivista transfiguradas, tal movimento marca uma diferena no cenriointernacional do Modernismo, mesmo que desconhecida. Entre seus criadores destaca-se a figura de Oswaldde Andrade.5Manifesto da Poesia Pau-brasil [1924], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald deAndrade. Globo So Paulo, 1990.6Manifesto Antropfago [1928], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald de Andrade.Globo, So Paulo, 1990.7Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. A formao e o sentido do Brasil.Companhia das Letras, So Paulo,1995.8Manifesto da Poesia Pau-brasil [1924], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald deAndrade. Globo, So Paulo, 1990.9Manifesto Antropfago [1928], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald de Andrade.

    Globo, So Paulo, 1990.10Brasil Diarria [1973], inHlio Oiticica, Galerie Nationale du Jeu de Paume. Runion des MusesNationaux, Editions du Jeu de Paume, Paris, 1992.11Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. A formao e o sentido do Brasil.Companhia das Letras, So Paulo,1995.12Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. A formao e o sentido do Brasil.Companhia das Letras, So Paulo,1995.13Brasil Diarria [1973], inHlio Oiticica, Galerie Nationale du Jeu de Paume. Runion des MusesNationaux, Editions du Jeu de Paume, Paris, 1992.14Manifesto Antropfago [1928], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald de Andrade.Globo, So Paulo, 1990.15Expresses usadas respectivamente em A propsito da magia do objeto [1965] (inLygia Clark, col. ArteBrasileira Contempornea. Funarte, Rio de Janeiro, 1980) e Eden [1969] (inHlio Oiticica, Galerie

    Nationale du Jeu de Paume, Runion des Muses Nationaux. Editions du Jeu de Paume, Paris, 1992).16Manifesto Antropfago [1928], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald de Andrade.Globo, So Paulo, 1990.17Acquilles Vivacqua, A propsito do homem antropfago, in Revista de Antropofagia,Dirio de SoPaulo, 08/05/29.18Manifesto Antropfago [1928], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald de Andrade.Globo, So Paulo, 1990.19Dois edifcios construdos no Rio de Janeiro pelo deputado carioca Srgio Naya, que usou deliberadamenteareia do mar para baratear os custos da construo. Um dos edifcios desabou no Carnaval de 1998,

    provocando a morte de oito moradores. O segundo edifcio foi demolido aps o acidente, por deciso da

  • 8/10/2019 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofgica..pdf

    17/17

    17

    justia. O deputado teve seu mandato poltico cassado e o engenheiro responsvel foi condenado pela justiacivil.20Ato realizado na gesto de Fernando Collor de Melo que, em 1990, transferiu para o Estado as poupanasde todos os brasileiros, numa espcie de emprstimo sem o acordo dos interessados, nem aviso prvio; algumtempo depois descobriu-se sua ligao com uma das redes de corrupo mais escandalosas da histria do pas,

    o que levou sua destituio da presidncia e a cassao de seus direitos a recandidatar-se a cargos polticos.21Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. A formao e o sentido do Brasil.Companhia das Letras, So Paulo,1995.22Manifesto Antropfago [1928], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas de Oswald de Andrade.Globo, So Paulo, 1990.23Oswald de Andrade, A marcha das utopias [1953], inA Utopia Antropofgica, Obras Completas deOswald de Andrade. Globo, So Paulo, 1990.