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Notas em favor de un programa de pesquisa da antropología no direito em contextos de jusdiversidade Ronaldo Lobão Publicación de la Red Universitaria sobre Derechos Humanos y Democratización para América Latina. Año 3, Nº 5. Mayo de 2014. Buenos Aires, Argentina 43 NOTAS EM FAVOR DE UM PROGRAMA DE PESQUISA DE ANTROPOLOGIA NO DIREITO EM CONTEXTOS DE JUSDIVERSIDADE Por Ronaldo Lobão 1 Resumo: Neste artigo apresento alguns argumentos em favor da constituição de um programa de pesquisa que produza uma nova orientação nos estudos da antropologia no direito, a partir de dois conceitos chave, a saber: a jusdiversidade e um acordo poscolonialista. O primeiro diz respeito a processos em curso em algumas localidades brasileiras nas quais o direito local indígena define um modelo de controle social com foco na sociedade local e não no estado. O segundo procura ampliar as dimensões cognitivas em contextos poscoloniais latinoamericanos, a partir do reconhecimento do conceito de cultura como englobando as dimensões cognitivas, afetivas e de ação. Abstract: In this article I present some arguments in favor of the establishment of a research program that produces a new direction in the study of anthropology in law from two key concepts, namely: just diversidade and poscolonialismo agreement. The first concerns the processes ongoing in some places in Brazil where the local indigenous law defines a model of social control with a focus on local society and not the state. The second seeks to expand the cognitive dimensions in postcolonial Latin American contexts, from the recognition of the concept of culture as encompassing the cognitive, affective and action dimensions. 1. INTRODUÇÃO Neste artigo tenho como objetivo central propor uma das vertentes de um campo acadêmico que denomino “Antropologia no Direito”. A mudança da preposição ‘do’ por ‘no’ aparentemente 1 INEAC/UFF. Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos; professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito PPGSD/UFF. [email protected] * Completamente dedicado a Vicente Matalone. Agradezco las colaboraciones de inestimable valor de Emiliano A. Senes, Leandro A. Dias y de una las personas más influyentes en mi formación académica: Natalia Luterstein.

Ronaldo Lobão - Notas Em Favor de Um Programa de Pesquisa de Antropologia No Direito Em Contextos de Jusdiversidade

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Antropologia no direito

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  • Notas em favor de un programa de pesquisa da antropologa no direito em contextos de

    jusdiversidade

    Ronaldo Lobo

    Publicacin de la Red Universitaria sobre Derechos Humanos y Democratizacin para Amrica Latina.

    Ao 3, N 5. Mayo de 2014. Buenos Aires, Argentina 43

    NOTAS EM FAVOR DE UM PROGRAMA DE PESQUISA DE ANTROPOLOGIA NO DIREITO EM CONTEXTOS DE JUSDIVERSIDADE

    Por Ronaldo Lobo1

    Resumo:

    Neste artigo apresento alguns argumentos em favor da constituio de um programa de pesquisa

    que produza uma nova orientao nos estudos da antropologia no direito, a partir de dois

    conceitos chave, a saber: a jusdiversidade e um acordo poscolonialista. O primeiro diz respeito a

    processos em curso em algumas localidades brasileiras nas quais o direito local indgena define

    um modelo de controle social com foco na sociedade local e no no estado. O segundo procura

    ampliar as dimenses cognitivas em contextos poscoloniais latinoamericanos, a partir do

    reconhecimento do conceito de cultura como englobando as dimenses cognitivas, afetivas e de

    ao.

    Abstract:

    In this article I present some arguments in favor of the establishment of a research program that

    produces a new direction in the study of anthropology in law from two key concepts, namely: just

    diversidade and poscolonialismo agreement. The first concerns the processes ongoing in some

    places in Brazil where the local indigenous law defines a model of social control with a focus on

    local society and not the state. The second seeks to expand the cognitive dimensions in

    postcolonial Latin American contexts, from the recognition of the concept of culture as

    encompassing the cognitive, affective and action dimensions.

    1. INTRODUO Neste artigo tenho como objetivo central propor uma das vertentes de um campo acadmico que

    denomino Antropologia no Direito. A mudana da preposio do por no aparentemente

    1 INEAC/UFF. Instituto de Estudos Comparados em Administrao Institucional de Conflitos; professor do Programa de Ps-Graduao

    em Sociologia e Direito PPGSD/UFF. [email protected] * Completamente dedicado a Vicente Matalone. Agradezco las colaboraciones de inestimable valor de Emiliano A. Senes, Leandro A.

    Dias y de una las personas ms influyentes en mi formacin acadmica: Natalia Luterstein.

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    simples, procura produzir um deslocamento no encontro de duas disciplinas, fazeres, tcnicas ou

    cincias, que penso ser mais produtivo do que o que se produziu at o momento em ambos

    campos, em nome da interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, complementaridade,

    interlocuo, etc.

    No se trata de produzir uma Antropologia do Direito Aplicada, mas certamente procuro fugir da

    construo de um campo disciplinar sem resultados no mundo emprico, ou conformar uma rede

    de seguidores (Bourdieu, 2004) e refutadores (como os debates na antropologia norte americana

    entre Gananath Obeyesekere e Marshall Sahlins, ou entre Arjun Appadurai e Louis Dumont2, por

    exemplo) que, por sua vez, buscam seguidores, sem a necessidade de produzir um trabalho

    original...

    O encontro que proponho entre a Antropologia e o Direito tem como marco minha prpria insero

    tanto no campo da Antropologia do Direito, onde trabalhei em meu mestrado e em meu doutorado

    em Antropologia com os dois professores com mais destaque neste campo no Brasil

    contemporneo, Roberto Kant de Lima e Lus Roberto Cardoso de Oliveira, na UFF e na UnB,

    respectivamente, quanto minha atuao no campo do Direito, curso onde sou professor.

    Desde 2006, logo aps a defesa de minha tese de doutorado, estou como professor na Faculdade

    de Direito da Universidade Federal Fluminense. Sou o nico professor no bacharel em Direito do

    Curso de Direito. E parece que serei o nico, pois, aps meu concurso, o Departamento de Direito

    Pblico - no qual estou lotado -, deliberou que todos os concursos para professor deveriam exigir

    o bacharelado em Direito como critrio obrigatrio.

    At 2010, foram quatro anos de intenso aprendizado, uma vez que, mesmo depois da reforma

    curricular - que se efetivou neste ano - continuei ministrando disciplinas como Teoria do Estado,

    Hermenutica e Argumentao Jurdica, Sociologia Jurdica. Isto porque o professor Roberto Kant

    de Lima passara em concurso para a Faculdade e assumira a disciplina Antropologia do Direito.

    Esta trajetria e a relao com os alunos fizeram com que a turma que concluiu o curso no

    primeiro semestre de 2012, me indicasse como Paraninfo - apesar de eu achar que nenhum de

    ns sabia bem o que isso significava.

    2 Os debates travaram-se a partir do livro de Marshall Sahlins, Ilhas de Histria, criticado por Obeyesekere em The Apotheosis of

    Captain Cook, e do livro de Dumont, Homo Hierarchicus, contestado por Arjun Appadurai em, entre outros textos, Putting Hierarchy in its Place, publicado em Cultural Anthropology.

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    Mas esse aprendizado no tinha reflexos apenas na Universidade. Alguns conflitos e processos

    sociais que eu comeara a acompanhar desde o mestrado, e outros iniciados quando eu j estava

    professor, tiveram desdobramentos que seriam impensveis (ou impossveis) sem o aporte das

    duas disciplinas: a Antropologia e o Direito. Tive a oportunidade de trabalhar com o conceito de

    Conflitos Intratveis (Lewicki et al., 2003), ou seja, conflitos de longa durao, que resistem a

    uma soluo, em algumas disputas que chegam a bom termo, eclodem em novos episdios

    conflitivos logo em seguida. Os atores podem mudar ao longo do tempo e, principalmente, no h

    um consenso sobre o significado do objeto da disputa.

    Para vislumbrar alguma possibilidade de administrao desses conflitos, trabalhei com o conceito

    de Tecnologias Sociais, que compreendo como correspondendo a produtos, tcnicas,

    metodologias reaplicveis e desenvolvidas em interao com as comunidades que representam

    efetivas solues de transformao social. Os contextos destes conflitos pertencem ao campo dos

    Conflitos Socioambientais, que entendo serem conflitos que envolvem diferentes vises sobre os

    significados e direitos sobre espaos naturais e/ou necessrios para a reproduo material,

    cultural e simblica de grupos culturalmente diferenciados.

    A materializao de tais Tecnologias Sociais pode ser alcanada com os aportes tericos de uma

    corrente que defende que apenas atravs da ressignificao compartilhada do objeto da disputa

    que se alcana a possibilidade de construo de novos instrumentos legais, jurdicos e

    administrativos que respondam de forma mais adequada aos significados construdos em comum.

    Alguns contextos empricos que tive a oportunidade de trabalhar com a construo de novas

    tecnologias sociais foram:

    a construo de um Termo de Compromisso Socioambiental (TAS) para a permanncia da

    comunidade tradicional do Morro das Andorinhas no interior do Parque Estadual da Serra

    da Tiririca;

    aprovao pela Cmara de Vereadores do Rio de Janeiro da introduo no Plano Diretor

    da Cidade de um novo instrumento de poltica urbana para contemplar o processo de

    titulao de comunidades remanescentes de quilombo - as reas de Especial Interesse

    Cultural (AEIC) - e em seguida a afetao do Quilombo do Sacop como rea de Especial

    Interesse Cultural do Quilombo do Sacop;

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    a criao da Reserva Extrativista Marinha Estadual de Itaipu, pelo governo do Estado do

    Rio de Janeiro, culminando uma luta de mais de 17 anos levada a cabo pelos pescadores

    artesanais tradicionais de Itaipu;

    o Estudo Etnoecolgico sobre os impactos do Gasoduto Cacimbas Catu sobre as aldeias

    patax que integram a Terra Indgena de Barra Velha do Monte Pascoal (TIBVMP) , no

    extremo Sul da Bahia, que foi ressignificado na direo de apoiar o processo de reviso

    dos limites da TIBVMP; e

    o Estudo do Componente Indgena do licenciamento ambiental do Terminal Porturio da

    Nutripetro, localizado no municpio de Aracruz e que incide sobre a Terra Indgena

    Comboios, da etnia Tupiniquim.

    Em todos estes contextos, alm do conhecimento antropolgico produzido pelo trabalho de

    campo, o conhecimento de vrios campos do Direito, como constitucional, cultural, ambiental,

    urbanstico, administrativo foram decisivos para a construo de tecnologias sociais que

    produziram arranjos que foram capazes de administrar conflitos intratveis.

    A sntese dessa trajetria me levou a considerar a proposta de um programa de pesquisa para

    uma Antropologia no Direito, que ao propor uma sntese de dispositivos cognitivos e positivos

    (leis, teorias, etnografias, jurisprudncias, regulamentos e etc.) pode ampliar o potencial das

    Tecnologias Sociais como mecanismo de administrao de conflitos intratveis, como so, por

    excelncia, os conflitos que eclodem nos contatos intertnicos cada vez mais frequentes nas

    sociedades ps-coloniais.

    2. SOBRE O PROGRAMA DE PESQUISA E O CONTEXTO DE JUSDIVERSIDADE

    Uma breve aproximao com o contexto das relaes intertnicas derivadas do encontro de

    diversas sensibilidades jurdicas (Geertz, 1999) no Estado de Roraima, regio norte do Brasil,

    atraiu minha ateno de forma decisiva. Os processos judiciais paradigmticos de interlegalidade,

    em contexto s de jusdiversidade, representados, entre outros, pelo Caso Baslio e pelo Caso

    Denlson, despertaram no s as dimenses cognitivas clssicas do antroplogo, mas a

    perspectiva zettica de um professor na faculdade de Direito.

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    O Caso Baslio refere-se a um processo levado a cabo no Tribunal do Juri Federal em Roraima,

    no qual Baslio, Tuxaua3 de uma comunidade Macuxi foi inocentado da acusao de homicdio,

    por j ter sido julgado, condenado e cumprido pena de acordo com o Direito Macuxi. O instituto

    jurdico do nosso Direito que presidiu tal deciso foi o de bis in idem, que protege a dupla punio

    pelo mesmo ilcito. Nas palavras do Juiz Helder Giro Barreto, que presidiu o Jri, A Justia, em

    seu sentido mais puro, foi feira. A Justia dos ndios. Esperamos que se faa Justia para os

    ndios. (Barreto, 2003:120).

    O Caso Denlson, julgado em 2012, transitou no judicirio estadual de Roraima, na comarca de

    Bonfim, onde Denilsonm um ndio macuxi, acusado por crime de homicdio praticado contra seu

    irmo dentro de terra indgena teve a sentena do Juiz de Direito Aluzio Ferreira Vieira conclusa

    nos seguintes termos: deixo de apreciar o mrito da denncia do rgo Ministerial, representante

    do Estado, para declarar a ausncia in casu do direito de punir estatal, em face do julgamento do

    fato por comunidade indgena. O fundamento de Direito acionado pelo juiz foi, segundo suas

    palavras, um instituto novo, ou seja, a vedao de Duplo Jus Puniendi.

    O conjunto de sanes aplicado a Denilson por seu povo foi a seguinte:

    1. O ndio Denilson dever sair da Comunidade do Mano e cumprir pena na Regio Wai Wai por

    mais 5 (cinco) anos, com possibilidade de reduo conforme seu comportamento;

    2. Cumprir o Regimento Interno do Povo Wai Wai, respeitando a convivncia, o costume, a

    tradio e moradia junto ao povo Wai Wai;

    3. Participar de trabalho comunitrio;

    4. Participar de reunies e demais eventos desenvolvido pela comunidade;

    5. No comercializar nenhum tipo de produto, peixe ou coisas existentes na comunidade sem

    permisso da comunidade juntamente com tuxaua;

    6. No desautorizar o tuxaua, cometendo coisas s escondidas sem conhecimento do tuxaua;

    7. Ter terra para trabalhar, sempre com conhecimento e na companhia do tuxaua;

    8. Aprender a cultura e a lngua Wai Wai.

    9. Se no cumprir o regimento ser feita outra reunio e tomar outra deciso (Processo Poder

    Judicirio Roraima, no. 0090.10.000302-0, fls. 185-187)

    3 Denominao do chefe da comunidade indgena, escolhido pelos demais.

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    2.1. O Contexto do Olhar, Ouvir e Escrever dos antroplogos4

    Os antroplogos tm se preocupado desde a inveno da disciplina, no sculo XIX, com o

    problema da ordem nas sociedades simples, enquanto, a partir de uma diviso do trabalho

    acadmico implcita, cabia aos socilogos o estudo da ordem nas sociedades complexas. Em uma

    imagem proposta por Roberto Kant de Lima, no final do sculo XIX os psicanalistas desvendavam

    o Eu, os socilogos estudavam o Ns e os antroplogos descreviam o Eles (Kant de Lima,

    2008).

    No contexto do evolucionismo dominante no perodo, vrios autores procuraram conceituar os

    elementos distintivos entre as sociedades para definir a diviso de trabalho proposta e, tomando

    por base o Eu-ropeu, e classificaram o Outro em uma escala civilizacional, definida por uma

    distncia temporal, e definiram um gradiente de exotismo, determinado por um afastamento

    espacial.

    No mesmo contexto histrico, juristas e socilogos procuram estabelecer e consolidar a passagem

    de uma sociedade simples para uma sociedade complexa tomando por base relaes sociais

    existentes nos dois modelos de sociedade: o direito e a solidariedade.

    Henry Maine, jurista ingls publicou, em 1861, seu livro O Direito Antigo, no qual faz um relato

    das transformaes do direito pretrito em direo ao direito moderno (Maine, 1936). Para Maine,

    o Direito Antigo est relacionado sociedade de status, ou o antigo regime, onde cada pessoa

    ocupava um lugar predefinido e esttico na sociedade e a cada grupo de status correspondia um

    conjunto de direitos. O Direito corresponderia, ento, administrao institucional desse conjunto

    de direitos. Para Maine, o Direito Moderno corresponderia a um conjunto de direitos que estaria

    disponvel a todos os indivduos que participaram de um contrato social, ativamente ou por

    adeso. A evoluo no Direito correspondeu, assim, passagem do Direito com base no status

    para o Direito com base no contrato social.

    4 A vinculao ao texto de Roberto Cardoso de Oliveira, O Trabalho do Antroplogo: Olhar, Ouvir e Escrever, intencional. Os

    equvocos e incompreenses, acidentais.

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    A figura que segue ilustra o modelo do evolucionismo social do sculo XIX5, que informou a

    construo da Antropologia Moderna.

    Figura 1: Evolucionismo Sculo XIX (Fonte: Morgan, 1980)

    mile Durkheim, alguns anos depois, desenvolveu suas teorias sobre a sociedade e o Direito

    atribuindo dois sistemas de solidariedade que correspondiam a dois sistemas de direitos

    (Durkheim, 1973). O primeiro correspondia solidariedade mecnica, tpicas das sociedades

    simples, onde cada um ocupava um lugar na sociedade de acordo com um arranjo mecnico

    predeterminado. Este arranjo seria imutvel, para manter-se funcional, e cada desvio deveria ser

    punido rigorosamente, para que no voltasse a se repetir. O Direito associado a este modelo de

    sociedade seria o direito repressivo, pois a ordem predeterminada no deveria ser alterada. O

    segundo sistema corresponderia sociedade almejada por Durkheim, baseada no modelo da

    solidariedade orgnica, onde os grupamentos sociais estariam arranjados de forma a garantir o

    melhor funcionamento da sociedade. Neste modelo a mobilidade social possvel, desde que

    represente uma melhor funcionalidade para o sistema. Por outro lado, o desvio, o ilcito deve ser

    reparado, para que o sistema, a sociedade volte a funcionar adequadamente. Temos o Direito

    Restitutivo como o correspondente a este tipo de sociedade. claro que Durkheim sabia que na

    sociedade de seu tempo os dois modelos de reciprocidade coexistiam e, por conseguinte,

    propunha que os dois modelos de direito tambm fossem aplicados.

    5 Os principais autores desta corrente foram Lewis Henry Morgan, Edward Burnett Tylor e James George Fraser. Inegvel a inspirao

    destes autores nos escritos de Charles Darwin.

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    Na primeira metade do sculo XX encontramos os antroplogos ocupados em apoiar os imprios

    coloniais de seu tempo. Em certa medida foi feita uma negao ao evolucionismo, no que toca

    sua taxinomia temporal, mas mantida a classificao em funo da distncia espacial. No campo

    da Antropologia, tivemos autores como Marcel Mauss que afirmou que o Direito corresponde uma

    das dimenses da fisiologia social, em conjunto com a Religio e a Cincia (Mauss, 1972). As

    etnografias nas sociedades exticas contemplavam a descrio e classificao das diferentes

    formas de controle da sociedade, suas leis e seu desenvolvimento.

    Entretanto, no contexto geral da disciplina, a classificao evolucionista foi substituda por uma

    classificao das sociedades exticas por ausncia: sociedades sem Estado, sociedades sem

    Propriedade, sociedades sem Direito (Kant de Lima, 2008).

    O perodo que se seguiu Segunda Guerra Mundial pautou a atuao dos antroplogos na

    direo da evitao de novos genocdios, identificados por alguns autores como decorrentes do

    problema das minorias tnicas no interior dos Estados Nao (Inis, 1955). Textos como Raa e

    Histria, de Claude Lvi-Strauss apresentaram categorias importantes como o etnocentrismo na

    busca da efetivao da Carta de Direitos Humanos acordada em 1948 (Levi-Strauss, 1975).

    Nesse contexto, foi aprovada na Organizao Internacional do Trabalho (OIT) a Conveno 107

    de 1957 que propunha a integrao/assimilao s sociedades nacionais dos povos indgenas ou

    tribais que representassem tais minorias.

    A Conveno 107 produziu efeitos importantes nos pases ps-coloniais, principalmente na

    Amrica do Sul. Nos pases andinos, a OIT em conjunto com outros organismos internacionais

    como a Organizao Mundial da Sade (OMS), UNESCO, desenvolveu ao longo da dcada de

    sessenta, o que foi denominado Projeto Andino. Este projeto tinha como objetivo a integrao /

    assimilao dos grupos indgenas andinos aos respectivos pases. Tal projeto teve como rea de

    abrangncia o Chile, Bolvia, Peru, Equador e Colmbia. No Brasil, o efeito mais evidente da

    Conveno 107 foi o Estatuto do ndio, lei 6.001, aprovada em 1973, que se articula integral e

    nominalmente com a conveno e com o paradigma nela contido.

    Entretanto, alguns antroplogos, desde o final da dcada de sessenta, comearam a questionar o

    lugar da disciplina na sua relao com o Outro. Uma crtica relevante afirmava que os paradigmas

    intelectuais, incluindo as tradies antropolgicas seriam mediados culturalmente, isto ,

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    contextualizados e relativos. A busca pelo estatuto cientfico para a disciplina produzira uma

    emancipao do Outro etnocntrica, com um carter proftico auto-centrado e auto-realizado, que

    reflete os valores utilitrios, tecnolgicos, racionalistas do Eu-ropeu.

    Bob Scholte sugeriu que nem a possibilidade, nem o desejo de uma atividade dos antroplogos

    transcendente, puramente cientfica, seria possvel, ou adequada (Scholte, 1972). O trabalho do

    antroplogo deve ser submetido ele mesmo descrio etnogrfica e compreenso etnolgica

    para se tentar determinar o grau em que ele estaria envolvido ou determinado pelos diversos

    contextos culturais onde exercido. A partir de uma atividade antropolgica contextualizada,

    eminentemente dialtica, comparativa e enfaticamente motivada temos um antroplogo

    reflexivo.

    Mas o autor afirmou que isto s no basta. O antroplogo deve descrever os efeitos da mediao

    cultural em sua pesquisa antropolgica, desvendar a natureza da atividade antropolgica

    propriamente dita e compreender os estilos de vida dos povos exticos ou dos nativos, ou

    ainda dos outros com quem o antroplogo trabalha. Este trabalho deve ter carter emancipatrio

    e normativo, isto , deve permitir a avaliao e a liberao, enfim, criar as condies de existncia

    de um antroplogo crtico.

    Por fim, Bob Scholte indicou uma definio e implementao de uma prtica antropolgica

    concreta que considere as limitaes distintivas e possibilidades prticas de qualquer atividade

    culturalmente mediada e intencionalmente motivada. Este programa de pesquisa deve atentar

    tanto ao dado como ao possvel, isto , deve consistir em uma prtica concreta e transformadora

    prprias de um antroplogo dialtico.

    inegvel que este programa de pesquisa se articulou de forma indelvel para produzir as

    condies de construo de uma nova conveno no mbito da OIT sobre o lugar dos povos

    indgenas e tribais no interior dos Estados Nao, pautada no sentido da autonomia e

    autodeterminao dos povos originrios - a Conveno 169 de 1989.

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    2.2. Reflexes a partir dos Antroplogos do Direito

    Uma discusso relevante para o projeto sobre o prprio conceito de Direito, como visto pelos

    antroplogos. Um bom comeo pode ser a afirmao, feita por Morgan, que o primeiro grande

    clssico escrito sob um ponto de vista sociolgico sobre o direito seria Ancient Law6, de Henry

    Maine. Segundo a introduo de Morgan edio de 1917, o livro de Maine foi o primeiro a

    postular que nossas concepes sobre o direito - usando este termo em seu sentido mais amplo

    possvel, de forma a incluir instituies polticas e sociais - so produto do desenvolvimento

    histrico das sociedades, assim como os organismos biolgicos so produto da evoluo natural

    (Morgan, 1917, p. vii)7

    Assim, o livro de Maine rompia com a ideia que o Direito seria um produto da racionalidade de um

    homem, ou grupo de homens, capaz de captar um sentido supremo de ordem e organiz-lo na

    forma de leis e cdigos, ou mesmo um contrato. Maine demonstrou que a ideia de contato

    corresponde a uma categoria que surge na vida em sociedade muito depois do seu prprio

    estabelecimento e que nas sociedades primitivas o Direito comeava no grupo, no no indivduo,

    no existindo, portanto, um direito natural do homem.

    Mesmo com este grande salto, o estudo do Direito, por ser pensado como um produto

    historicamente determinado, foi tratado como uma categoria local e particular, sem a busca por

    um sentido geral, abstrato, que definisse o conceito. No existia o Direito e sim o direito romano, o

    direito cannico, o direito primitivo, o direito moderno. Foi mile Durkheim, em seu livro Da Diviso

    do Trabalho Social, quem elaborou uma definio para o Direito em uma concepo abstrata,

    aplicvel a qualquer sociedade, em qualquer tempo. Tambm sustentou a posio que o Direito

    decorria da vida em sociedade e no estava adstrito ao nvel individual. Ao oferecer uma definio

    para o direito e vincula-o ao processo de solidariedade social que se estabelecia atravs da

    diviso do trabalho, Durkheim afirmou que a vida social, em todas as partes onde ela existe de

    uma maneira durvel, tende a inevitavelmente a tomar uma forma definida e a organizar-se; o

    direito no outra coisa seno esta organizao mesma, no que ela tem de mais estvel e

    preciso. A vida geral da sociedade no pode se desenvolver num ponto sem que a vida jurdica se

    estenda ao mesmo tempo e na mesma proporo. (Durkheim, 1973: 334)

    6 A primeira edio de Ancient Law data de 1861.

    7 Os textos em lngua estrangeira foram por mim traduzidos para maior compreenso das idias que esto sendo comparadas.

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    Marcel Mauss, em seu Ensaio sobre a Ddiva, ampliou o conceito de solidariedade, descrevendo-

    o como um processo de trocas recprocas obrigatrias, conformado pela sequncia dar, receber,

    retribuir. Outros elementos integram o sistema de reciprocidade, notadamente religiosos e morais,

    exemplificados pelo esprito da coisa dada, o mana ou o hau. Estas so propriedades de

    alguns objetos que os impelem de volta a quem os deu e garantem, em alguma medida, a coeso

    e estabilidade social. Assim, as trocas desses objetos, ou seu consumo agonstico, so fatos

    sociais totais, que na formulao de Mauss, encarnam no s aspectos do Direito, mas tambm

    polticos, econmicos e de moral.

    Bronislaw Malinowski, em Crime e Castigo na Sociedade Selvagem, indicou a existncia do

    Direito na sociedade selvagem, bem como a presena de um conjunto de processos sociais que

    no pertenceriam ao campo do Direito, situando-se no campo dos hbitos e costumes. Como

    denominou as leis positivas que regem a vida das comunidades dos povos primitivos da

    Melansia, de Direito Civil, Malinowski o definiu este direito como ... um corpo de obrigaes

    forosas consideradas como justas por uns e reconhecidas como um dever por outros, cujo

    cumprimento se assegura por um mecanismo especfico de reciprocidade e publicidade inerentes

    estrutura da sociedade. (Malinowski, 1971: 74)

    Cultivando o debate intelectual da poca, A. Radcliffe-Brown apresentou outra viso para o campo

    do Direito e da Antropologia Jurdica. Para ele, o Direito correspondia ao exerccio da autoridade

    coercitiva atravs da possibilidade do uso de fora fsica por instituies estatais, no sentido da

    manuteno ou estabelecimento da ordem social. Assim, o Direito no existiria em sociedades

    sem Estado, pois como no h a possibilidade de institucionalizao da coero, os processos

    sociais que ocorrem nas sociedades primitivas seriam pertinentes apenas ao campo dos

    costumes e das tradies, no se consolidando como um corpo de prticas sociais que

    merecesse ser chamado de Direito (Radcliffe-Brown, 2013).

    Sally Falk Moore (1978) vrios anos depois afirmou que se abandonou o evolucionismo unilinear,

    adotou-se o funcionalismo, contestou-se com o estruturalismo, mesclaram-se as ideias no

    estrutural-funcionalismo, surgiram os interacionistas simblicos, os evolucionistas multilineares,

    mas a definio bsica para o Direito, elaborada a partir de Durkheim permanecia vlida: o Direito

    visto como um reflexo da vida social.

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    claro que esta posio possua vrios matizes. Adamson Hoebel, na dcada de cinquenta

    apresentara definio cunhada especificamente no campo da antropologia para a antropologia, o

    Direito apenas um aspecto de nossa cultura - aquele que emprega a fora da sociedade

    organizada para regular a vida individual e a conduta dos grupos, e prevenir, retificar, ou punir

    desvios das normas sociais prescritas. (Hoebel, 1968: 4)

    Esta definio muito se aproximava daquela elaborada por A.R. Radcliffe-Brown, qual Hoebel

    acrescentara algumas caractersticas. A primeira delas que somente certos tipos de fora fsica

    so considerados como emanados das estruturas do Direito. So somente aquelas aceitas pela

    sociedade como legtimas e praticadas por instituies reconhecidas como responsveis por sua

    utilizao por parte da sociedade. Para Hoebel, era atravs deste mecanismo - seguindo uma

    vinculao estrutural-funcionalista - que cada sociedade estabelecia as diferenas entre as

    sanes legais e outros tipos de sanes sociais.

    Uma terceira caracterstica apontada por Hoebel era a regularidade necessria ao campo do

    Direito para que ele operasse. Ressalte-se que no se deve confundir esta regularidade com

    estabilidade. O Direito, como outros produtos culturais deve ser visto como dinmico,

    incorporando precedentes, criando jurisprudncia e se ajustando a situaes novas. Em sntese,

    para Hoebel, o Direito, e seus elementos constitutivos, poderiam ser definidos da seguinte forma:

    Uma norma social pertence ao campo do direito se, ao ser negligenciada ou infringida provoca,

    em base regular, uma reao, de fato ou potencial, atravs de aplicao de fora fsica, por parte

    de um indivduo, ou grupo, que detm o privilgio socialmente reconhecido de agir de tal forma.

    (Hoebel, 1968: 28)

    Nesta definio j no so estruturas inerentes sociedade, como a reciprocidade e a

    publicidade, que garantiriam o cumprimento das normas sociais. Hoebel considerava importante

    uma especializao estrutural para o exerccio do controle social. Se no chegava ao ponto de

    adotar a perspectiva de Radcliffe-Brown, para quem esta estrutura seria obrigatoriamente o

    Estado, no a depositava, em todo, no tecido social, como o fazia Malinowski.

    Outro antroplogo norte americano, Paul Bohannan, se contraps definio de Malinowski,

    porm se filiou de forma mais explcita concepo original de Radcliffe-Brown. Para Bohannan o

    costume seria formado por normas ou regras (mais ou menos especficas, suportadas por

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    coero moral, tica, ou fsica, em maior ou menor grau) de comportamento que devem ser

    seguidas para que as instituies sociais funcionem de forma adequada e a sociedade perdure

    (Bohannan, 1965: 35). O direito, por outro lado, seria como havia descrito Malinowski, mas tal

    corpo de obrigaes forosas foi reinstitucionalizado dentro de instituies legais, de forma que a

    sociedade pode continuar a funcionar de forma ordenada, com base nas regras assim mantidas

    (Bohannan, p. 36).

    Esse corpo de obrigaes forosas, dentro do campo do direito, corresponderia aos cdigos e s

    leis. Assim, a grande caracterstica do Direito para Bohannan seria sua dupla institucionalizao,

    ou seja, o fato de que as regras necessrias s instituies sociais so garantidas por outras

    instituies sociais especializadas. O processo legislativo se daria a partir de reivindicaes de

    integrantes de instituies sociais, ou de parte deles, que teriam por objetivo garantir uma ordem

    institucional vigente. Bohannan vislumbrava um processo de reafirmao realizado por toda a

    comunidade ou seus representantes, devendo ficar claro, entretanto, que nem todas as

    reivindicaes chegam a ser transformadas em lei ou fazem parte dos cdigos.

    Bohannan chamou a ateno para o fato que, em tese, o Direito est sempre defasado da

    sociedade (p. 37), pois h um lapso de tempo entre o processo de reivindicao e sua posterior

    confirmao, lembrando, ainda, que ambos ocorrem no mbito de instituies socais

    especializadas. Visto desta forma o Direito no poderia ser um reflexo do costume, na verdade

    uma construo especfica de algumas estruturas sociais.

    Em fins da dcada de 70, Robert Shirley, em um pequeno manual de Antropologia do Direito,

    props a diminuio do peso da institucionalizao para que uma sano social fosse considerada

    como pertencente ao campo do Direito (Shirley, 1987). Para Shirley, mesmo em sociedades com

    baixo grau de institucionalizao, existem mecanismos de controle social que fazem com que as

    condutas desaprovadas sejam controladas ou punidas. Assim, refutava-se a concepo de

    Radcliffe-Brown e estendia-se o campo do direito para todas as sociedades, mesmo aquelas sem

    Estado. Mesmo aceitando o fator institucional como importante para a caracterizao do Direito,

    como proposto por Bohannan, Shirley ampliou de forma bastante elstica este universo

    institucional.

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    A partir das ideias de Herbert L. A. Hart, Robert Shirley identificou a existncia de regras

    primrias, que seriam aquelas dirigidas diretamente ao comportamento dos indivduos, e de

    regras secundrias, que seriam mecanismos atravs dos quais a sociedade puniria aqueles que

    infringem as normas primrias. Nesta concepo, as instituies estatais so apenas um tipo de

    instituio responsvel pela aplicao das regras secundrias. Em outras sociedades esta

    responsabilidade pode recair sobre outras instituies sociais, como a famlia, o cl, ou a prpria

    sociedade como um todo. A figura 2, abaixo, o modelo proposto por Shirley a partir das ideias de

    Herbert Hart, acrescido das observaes de Bohannan.

    Figura 2: O Conceito de Direito (Fonte: Shirley, 1987)

    Outro antroplogo norte-americano, Shelton Davis, em seu livro Antropologia do Direito, no qual

    reuniu uma srie de ensaios de autores como Paul Bohannan, Max Gluckman, Edmond Leach,

    compilou um conjunto de proposies sobre o Direito que pareciam ser consensualmente aceitas

    pelos antroplogos:

    a) em toda sociedade existe um corpo de categorias culturais, de regras ou cdigos que

    definem os direitos e deveres legais entre os homens;

    b) em toda sociedade disputas e conflitos surgem quando essas regras so rompidas;

    c) em toda sociedade existem meios institucionalizados atravs dos quais esses conflitos so

    resolvidos e atravs dos quais as regras jurdicas so reafirmadas e/ou definidas (Davis,

    1973:10)

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    Entretanto, a partir deste consenso, surgiram novos dissensos. Com os antroplogos

    construindo seus objetos no interior das sociedades complexas, essas definies careciam ser

    melhor explicitadas. Quais categorias representariam os direitos e deveres legais de outros

    direitos e deveres sociais; como identificar os rompimentos de regras que so pertinentes esfera

    do Direito de regras que pertencem a outros setores da vida em sociedade? Estas respostas, bem

    como uma definio para o Direito que inclusse as sociedades complexas, no podiam prescindir

    da identificao e da descrio das instituies que comporiam o prprio Direito.

    Foi nesse sentido que Sally Falk Moore escreveu o Direito como um Processo, no qual discute

    uma viso mais precisa para uma definio para o Direito (Moore, 1978). Se os quatro

    ingredientes sugeridos anteriormente para conformarem o universo do Direito, a saber,

    autoridade, inteno de aplicao universal das normas, obrigao e sano, forem aplicados s

    sociedades contemporneas, identificaramos no s as normas do Direito, como tambm vrias

    outras regras de comportamento de um sem nmero de corporaes que compem outras esferas

    da vida social. Moore props um conceito diferenciador para o que poderia ser considerado como

    uma lei, a saber, sua origem. Assim, pertenceriam ao Direito aquelas regras que emanassem das

    esferas governamentais especializadas, enquanto os regulamentos seriam seus correspondentes

    nos processos internos de quaisquer grupos sociais organizados. Entretanto, nesta perspectiva

    voltava-se definio de direito atravs da delimitao de sua pertinncia ao campo institucional,

    apesar de nesta formulao ele estar submetido a um componente dinmico, ou mais

    precisamente, processual.

    Quem rompeu radicalmente com o conceito antropolgico do Direito, desde a proposio inicial de

    Henry Maine - o Direito como reflexivo da vida social - foi Clifford Geertz. Com total propriedade

    apontou o debate - aqui parcialmente retratado - que marcou a Antropologia do Direito no sculo

    passado. Seria o Direito constitudo de instituies ou de regulamentos, de procedimentos ou de

    conceitos, de decises ou de cdigos, de processos ou de formas (Geertz, 1999: 250), ou no?

    Estaria presente em todas as sociedades, ou no? A resposta de Geertz partiu do pressuposto

    que o Direito seria uma forma diferente de imaginar o real. Haveria uma diferena de natureza

    entre o fato e a lei. Cada sociedade trabalharia esta dimenso arbitrria de sua prpria

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    maneira, o que levou ao primeiro postulado de Geertz, ao afirmar que o Direito seria saber local.

    E, neste sentido, local deve ser pensado como algo mais que lugar, que tempo, que classe

    social. Para Geertz, local corresponderia esfera de predomnio de uma sensibilidade jurdica

    especfica. Segue-se outro postulado, ou seja, que o Direito, mesmo um tipo de direito to

    tecnocrata como o nosso, em uma palavra construtivo, em outra, constitutivo e em uma terceira,

    formacional... Essas noes so parte daquilo que a ordem significa; so pontos de vista da

    comunidade, e no seus ecos. (Geertz, 1999: 329).

    Essa seria uma definio totalmente diversa das demais. O Direito deixaria de ser um produto do

    desenvolvimento histrico das sociedades, deixaria de ser um espelho da organizao da

    sociedade, no que ela tem de mais estvel e preciso, deixaria de ser um reflexo da vida social,

    para ser construtivo, constitutivo e formacional da vida em sociedade. Esta nova concepo teria

    fortes influncias, no s no terreno das teorias como em aspectos metodolgicos como se ver

    mais adiante.

    Consequentemente, ocorre uma guinada no olhar antropolgico. Vrios autores, como relatam

    June Starr e Jane Colier, passaram a tratar o Direito como uma forma de dominao simblica,

    efetuada por grupos especficos, principalmente aqueles no poder. Neste sentido, o Direito e as

    formas legais so consideradas como resultantes de negociaes histricas particulares entre e

    de dentro de grupos, ou como resultante de sistemas hierrquicos particulares e de dominao

    (Starr & Colier, 1989: 24). O direito foi reconhecido como dotado de uma tendncia de se imiscuir

    em todas as formas de relaes sociais, efetivamente representando um papel importante no

    processo de dominao ideolgica. Foi explicitado o componente dinmico da produo das

    relaes de poder dentro do campo do direito, o que, mais do que nunca, refora seu aspecto de

    processo social construtivo, no reflexivo de relaes sociais.

    Outro aspecto a ser destacado na formulao de Geertz que no haveria defasagem temporal

    do Direito em relao s prticas sociais, como apontara Bohannan. Na verdade o Direito,

    entendido como processo, seria fruto das interaes ideolgicas na sociedade, dirigiria, atravs de

    sensibilidades jurdicas especficas, o processo de mudana social, onde o aspecto

    institucionalizado seria apenas um dos seus aspectos, no correspondendo, de forma alguma,

    sua totalidade.

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    Um ponto central na proposta de Geertz diz respeito s sensibilidades jurdicas elemento central

    de um Direito constitutivo, construtivo e formacional da vida em sociedade. Por sua vez, o

    conceito de sensibilidade jurdica equiparado por Geertz ao conceito de discurso normal,

    proposto por Richard Rorty, como sendo o discurso que opera entre os limites de um discurso

    normal, aquele que conduzido dentro de um conjunto combinado de convenes e um discurso

    anormal, que ignorante a respeito dessas normas ou as [... coloca] de lado (Rorty, 1994: 316).

    A figura 3 ilustra, para fins de comparao com a figura 2, um modelo de Direito reflexivo da vida

    social, e como se poderia pensar, a partir da Antropologia do Direito, em um Direito constitutivo,

    construtivo e formacional da vida em sociedade, e ao mesmo tempo identificar esse Direito em

    contextos de direito plural em um mesmo espao estatal.

    Figura 3: Um modelo para um contexto de direito plural

    2.3 Reflexes a partir de um Antroplogo no Direito

    O maior dficit cognitivo que minha trajetria no Direito identificou foi a pequena, ou quase

    inexistente, abertura do universo jurdico para a dimenso emprica dos conflitos que so levados

    s instncias judicirias. A Filosofia do Direito sequer reconhece a existncia da realidade. A

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    dimenso ftica , to somente, aquela que est nos autos do processo. A soluo da lide no

    tem como objetivo a pacificao da sociedade ou a restaurao da ordem, mas apenas o fim dela

    mesma.

    Algumas imagens falam mais que muitas palavras. A Figura 4 apresenta em forma esquemtica

    um desenho pintado na sala do antigo Supremo Tribunal Federal, hoje Centro Cultural da Justia

    Federal, localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro.

    Figura 4: Esquema pintado no teto do antigo STF

    A posio das palavras latinas Lix (conflito) e Pax (paz) so emblemticas: o conflito est na

    entrada, vindo da rua, enquanto a paz est localizada perto das cadeiras dos ministros do antigo

    Supremo Tribunal Federal. O caminho que transforma o conflito em paz, conformado pela Lex

    (lei) e pela Jus (Justia). Por outro lado, a paz no necessita voltar rua, ela produzida dentro

    do sistema e a ele e somente a ele deve satisfazer.

    Para trazer a empiria para dentro do Direito - tarefa maior da Antropologia no Direito, penso eu -

    os esquemas at aqui apresentados no oferecem grandes possibilidades (Lobo, 2012). O

    modelo da figura 2 baseado em Hans Kelsen e Herbert Hart, ou o modelo da figura 3, com base

    nas propostas de Geertz, no trazem o mundo emprico, nem produzem uma associao dele

    com as bases cognitivas dos operadores do Direito. Faz-se necessrio pensar em um modelo

    mais amplo que d conta ligar Direito, Cultura, F e o Indivduo.

    Bruno Latour em A Esperana de Pandora,apresentou um dilogo que teria travado com um

    colega psiclogo sobre a crena na realidade, nossa capacidade de aprender cada vez mais

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    (Latour, 2001). Ambas questes foram respondidas afirmativamente por Latour prontamente e

    uma terceira questo, corolrio das anteriores, sobre a cincia ser cumulativa, no teve resposta

    afirmativa to prontamente.

    A partir da dvida estabelecida pela terceira questo, Latour construiu um modelo para

    representar a realidade que denominou Acordo Modernista, com quatro elementos bsicos

    Deus, Natureza, Mente e Sociedade e 5 relaes entre estes elementos teologia; ontologia;

    poltica/moralidade; psicologia; e epistemologia.

    possvel, segundo Latour, mudar a posio dos elementos e estabelecer nfases distintas nas

    relaes. Se mudarmos, a guisa de facilitar meu argumento neste projeto, o nome dos elementos

    por F - no lugar de Deus -, Direito - no lugar da Natureza -, Narrador - no lugar da Mente - e

    Cultura - no lugar da Sociedade, e modificar as relaes para Dogmtica, Justia, Poltica,

    Moral, Justia e Ethos, Pathos e Eidos, podemos redesenhar o quadro de Latour no

    seguinte modelo, que proponho chamar de Acordo Ps-Colonial.

    Figura 5: Proposta de um Acordo Ps-Colonial, a partir de Bruno Latour

    Os elementos F, Direito, Cultura e Narrador so auto explicveis, penso eu. As relaes nem

    tanto. Nesse sentido, entendo Pathos como as emoes que movimentam um pesquisador,

    agora Narrador, a partir de suas crenas e paixes, impressas em seus pressupostos, pr-noes

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    ou nos paradigmas que segue. O Pathos corresponde ao elemento de ligao do Narrador com

    sua F.

    O Eidos diz respeito aos potenciais cognitivos que o Narrador dispe, impressos em sua mente ao

    longo de sua socializao secundria, em um movimento que foi denominado de construo

    social da realidade (Berger & Luckman, 1985). Na imagem construda por Clifford Geertz ao

    discutir o impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem e associar o conceito de

    cultura a um programa de computador(Geertz,1989), o Eidos corresponderia ao sistema

    operacional, ou seja, um outro programa de computador que liga o comportamento cultural da

    mente ao ambiente no qual ele opera.

    Mas, no fundo, um Ethos emprico que permitiria a ligao entre a Antropologia e o Direito.

    Essa relao diz respeito s prticas e posies que o Narrador ocupa e pratica em seu campo

    disciplinar. Tratei em outro lugar do movimento em direes polares que bilogos marinhos e

    antroplogos realizaram em uma pesquisa multidisciplinar (Lobo, 2010). Nos relatrios que se

    seguiram aos trabalhos de campo, no qual cada equipe realizou seus procedimentos de pesquisa,

    vimos que o enunciado antropolgico contemplava as representaes, as vises de mundo, as

    cosmologias, as ideologias que, destacadas do mundo sensvel aquilo que fora ouvido ou visto

    passaram a fazer parte do mundo das ideias. O relato dos bilogos correspondia aos elementos

    que estavam fora do mundo sensvel quando coletados no campo. Eram reais no campo apenas

    em escalas sensveis a instrumentos e procedimentos laboratoriais.

    O dilogo entre estes Ethos de pesquisa estava fundado em duas representaes com naturezas

    distintas. Uma da esfera do invisvel, pois remontava a expresses que necessitavam ser

    reconstrudas nas mentes dos participantes. A outra se apresentava como visvel, pois expressava

    graficamente o que no havia sido percebido pela cognio em campo, apenas pelos

    instrumentos ou pela quantificao. Sries de produo de pescado; nveis de poluio ao longo

    de longos perodos; graus de proximidade de parentesco entre recursos marinhos no nvel

    mitocondrial.

    Pode-se acreditar ou no nestas representaes, mas elas estavam l, nos grficos e anlises

    laboratoriais. Tinham se tornado visveis. O sentido que precisaria ser ativado para uma discusso

    no seria a memria ou a imaginao, mas a viso. Do lado dos antroplogos no existiam

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    dados para serem confrontados e, assim, no havia possibilidade de uma fuso de horizontes

    (Gadamer, 2011). No era uma questo de certo ou errado. O resultado da interlocuo era

    compatvel com um conjunto vazio.

    No se tratava, entretanto, de uma incomensurabilidade (Bernstein, 1991). A fuso no se atingia

    uma densidade que permitisse o dilogo, no por falta de interesse. Simplesmente os

    enunciados no resultavam de atividades pautadas pelo mesmo Ethos, nem estavam na mesma

    ordem cognitiva. Ambos falavam do (re) conhecimento de regularidades, mas que tinham no

    tempo a marca de sua distino e comensurabilidade.

    As demais relaes, prprias do campo do Direito, me parecem um tanto evidentes. Que a

    Dogmtica que liga a F e o Direito inquestionvel. Que o conceito de Justia que

    corresponde ligao entre o Direito e a Cultura - mesmo que a tomemos em uma dimenso

    global, cosmopolita, ocidental, ou local. Moral e Poltica me parecem ser os elos que so

    estabelecidos entre a F e a Cultura. o que permite entender tantas prticas plurais e

    contraditrias validadas no mesmo tempo e lugar.

    Em sntese, o que me interessa neste projeto apresentar uma proposta de como transformar

    alguns fundamentos da epistemologia moderna para conformar um Ethos de pesquisa que

    permita uma perspectiva de observao emprica que no fique refm da Epistemologia ou do

    Mtodo da Cincia Moderna e produza/ligue as dimenses cognitivas da Antropologia e do Direito.

    3. SNTESES SOBRE JUSDIVERSIDADE, JUSALTERIDADE E ACORDO POSCOLONIAL

    Estas notas no comportam um conjunto de objetivos fechado. Alm dos diversos aspectos de

    interesse que foram levantados ao longo da proposta, gostaria de destacar brevemente duas

    dimenses objetivas adicionais.

    A primeira diz respeito ao lugar do desenvolvimento, ou do progresso, nos contextos ps-

    coloniais, ou o que a Conveno 169 prometeu e que no se consegue concretizar. Na figura 1

    vemos as posies relativas entre a Civilizao Europeia e os Povos Exticos em uma dimenso

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    esttica. As distncias temporais e espaciais esto fixas e determinadas. Podemos pensar que a

    Conveno 107 e seu mote integracionista inverteria a seta da distncia temporal de um

    afastamento da Civilizao em direo a Selvageria, para buscar gradativamente incorporar,

    assimilar estes povos a Civilizao. A distncia espacial permaneceria a mesma. A Figura 6 ilustra

    o movimento proposto pelo contexto cultural do Ocidente que produziu a Conveno 107.

    Uma pequena digresso pode ser feita para destacar o porque tais processos aconteceram no

    mbito da Organizao Internacional do Trabalho, e no em um organismo como a Organizao

    das Naes Unidas (ONU). Por um lado foroso reconhecer que a estrutura tripartite da OIT -

    representaes dos Estados membros, dos representantes dos trabalhadores e dos

    empregadores produz um espao plural onde o novo tem mais facilidade de entrar. Por outro

    lado, podemos pensar que o modelo civilizacional do colonialismo moderno passou a ser a

    aptido ao trabalho assalariado e no mais a converso ao cristianismo, como o Estatuto do

    Indigenato portugus sugere - e que vigiu at 1962 (Vera Cruz, 2005).

    Figura 6: A inverso do modelo assimilacionista proposto pela Conveno 107 da OIT

    Entretanto, deve ficar claro que esta ideologia do assimilacionismo e do integracionismo no

    representou um ideal de igualdade entre todos. Isto porque o Eu-ropeu procurou manter sua

    distino atravs da noo de progresso, de desenvolvimento das condies da vida material. Um

    novo eixo foi criado para manter a distncia - no mais apenas civilizacional nem espacial, mas

    agora fundamentalmente focada no acesso aos bens e servios da vida moderna.

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    Porm, no contexto de um ciclo de descolonizao que se completou na dcada de setenta e com

    os prenncios do fim do mundo bipolar, os povos exticos expressaram uma dupla recusa. A

    primeira o sentido da cultura e da civilizao ocidental como expresso hegemnica da unidade

    do gnero humano. A segunda a ruptura com o isolamento e a fixidez provocada pela distncia

    espacial. A imagem criada por Arjun Appadurai para as ethnoscapes (Appadurai, 1990), indica um

    mundo onde o Outro pode estar ao nosso lado, sem deixar de ser Outro, ou ser o Eu e o Outro ao

    mesmo tempo.

    No contexto de um mundo equnime, onde todos devem ser tratados com igual dignidade e

    respeito (Cardoso de Oliveira, 2004), as demandas por autodeterminao, livre convencimento

    informado, formam um conjunto de direitos que devem contemplar no um conjunto de direitos de

    cidadania diferenciado e sim o acesso diferenciado ao conjunto de direitos universais. E a

    discusso das condies de possibilidade desse arranjo o verdadeiro objetivo do convite

    apresentado nestas notas.

  • Notas em favor de un programa de pesquisa da antropologa no direito em contextos de

    jusdiversidade

    Ronaldo Lobo

    Publicacin de la Red Universitaria sobre Derechos Humanos y Democratizacin para Amrica Latina.

    Ao 3, N 5. Mayo de 2014. Buenos Aires, Argentina 66

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    Palavras Chave Palabras clave Key words

    Antropologia no direito Antropologa en el derecho Anthropology within law

    Jusdiversidade Jus diversidad Legal diversity

    Jusalteridade Jus alteridad Legal otherness

    Acordo ps-colonial Acuerdo pos colonial Postcolonial settlement