ROSANE AVANI RODRIGUES - Biblioteca Digital de Teses e … · À leitura de produções escritas de alguns colegas, que foram altamente inspiradoras , como as ... Foi minha companheira

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES

    ROSANE AVANI RODRIGUES

    O TEATRO DE REPRISE: CONCEITUAO E SISTEMATIZAO DE

    UMA PRTICA BRASILEIRA DE SOCIOPSICODRAMA.

    So Paulo

    2013

  • ROSANE AVANI RODRIGUES

    O TEATRO DE REPRISE: CONCEITUAO E SISTEMATIZAO DE UMA

    PRTICA BRASILEIRA DE SOCIOPSICODRAMA.

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Artes Cnicas de Escola de

    Comunicaes e Artes da USP, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Doutora em Artes

    Cnicas. rea de concentrao: Pedagogia do Teatro

    Orientador: Prof. Dr. Flvio Augusto Desgranges de

    Carvalho

    SO PAULO

    2013

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    FICHA CATALOGRFICA

    Catalogao na Publicao

    Servio de Biblioteca e Documentao Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo

    Dados fornecidos pela autora

    Rodrigues, Rosane Avani O TEATRO DE REPRISE: CONCEITUAO E SISTEMATIZAO DE

    UMA PRTICA BRASILEIRA DE SOCIOPSICODRAMA. / Rosane Avani

    Rodrigues. -- So Paulo: R. Rodrigues, 2013.

    281 p.: il. + vdeo.

    Tese (Doutorado) - Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas - Escola de Comunicaes e Artes / Universidade de

    So Paulo.

    Orientador: Flvio Augusto Desgranges de Carvalho

    Bibliografia

    1. Improvisao 2. Grupo 3. Psicodrama 4. Teatro de Reprise 5. Teatro Interativo I. Carvalho, Flvio Augusto

    Desgranges de II. Ttulo.

    CDD 21.ed. 792

  • FOLHA DE APROVAO

    ROSANE AVANI RODRIGUES

    O TEATRO DE REPRISE: CONCEITUAO E SISTEMATIZAO DE UMA

    PRTICA BRASILEIRA DE SOCIOPSICODRAMA.

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Artes Cnicas de Escola de

    Comunicaes e Artes da USP, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Doutora em Artes

    Cnicas. rea de concentrao: Pedagogia do Teatro

    Aprovado em So Paulo, de de 2013

    BANCA EXAMINADORA

    Orientador Prof. Dr. Flvio Augusto Desgranges de Carvalho

    Assinatura_________________________________

    Prof(a). Dr. Luiz Contro

    Assinatura_________________________________

    Prof(a). Dra. Laura Villares de Freitas

    Assinatura_________________________________

    Prof(a). Dr Fbio Cintra

    Assinatura_________________________________

    Prof(a). Dra. Elizabeth Azevedo

    Assinatura_________________________________

  • A todos os narradores pretritos e futuros, que ousam abrir caminho para seus pares

    com parte de suas prprias vidas.

    A Clvis Garcia, meu primeiro orientador, modelo e grande inspirador para sempre.

    Aos grupos de Teatro de Reprise que passaram pela minha vida e especialmente ao

    Grupo Improvise, que veio para ficar nela.

    minha ainda grande paixo, aps 25 anos:

    Edu Coutinho, grande companheiro e um dos homens mais inteiros e

    coerentes que conheo.

    Aos meus queridos filhos Flvio e Helena, pessoas

    lindas de quem me orgulho de ser me e amo mais

    do que conseguiria expressar.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo em primeiro lugar ao meu orientador Flvio Desgranges por ter sido,

    na acepo da palavra, orientador, me permitindo autonomia, opinies, mas com mo

    firme conduzindo o trabalho escrito para que eu me expressasse cada vez com maior

    preciso e identificando questes fundameitais a serem desenvolvidas. A Antnio

    Gonzalez, em Lisboa, que como coorientador estrangeiro, me facilitou, com

    disponibilidade e carinho a papelada para a bolsa sanduche da Capes e a mediao com

    o ISPA- Instituto Universitrio em Lisboa.

    querida Luzia Mara, que em Portugal foi mais que amiga. Foi minha mentora,

    aprendiz, cicerone e me permitiu a convivncia deliciosa com sua linda famlia, Mel e

    David. Ainda de meu perodo em Portugal, incrvel e frtil conversa com Gabriela

    Moita no Porto, no Caf Majestic, junto com minha filha Helena.

    Aos meus orientadores extraoficiais, Laura Freitas e Eduardo Coutinho, sem a

    fora dos quais penso que no teria conseguido fazer um doutorado aos 57 anos. Laura,

    me dando confiana em mim mesma e no trabalho e Edu, sempre pronto a debater

    ideias, corrigir meus textos e principalmente segurar toda a barra para que eu p udesse

    fazer terminar a empreitada. Tambm ao olhar atento e as dicas na qualificao de

    Laura e Beth Azevedo, as quais ouvi (em gravao) vrias vezes para tentar que nada

    escapasse do que me alertaram nesse rito passagem/iniciao.

    Nesse sentido de segurar a barra est tambm minha filha Helena, que

    aguentou a falta da me em alguns momentos, sem nenhuma reclamao. Meu filho

    Flvio, mesmo distncia, pois mora em outro estado, deu fora e se props a ler

    criticamente o trabalho. Sou muito privilegiada por ter a famlia e os amigos que tenho,

    como Vnia Coutinho, Humberto Tavolaro, Neide Neves e Cida Vilhena, que ajudaram

    com a filha, correram com pareceres e cuidados com meu espao de consultrio. No

    sei como agradecer o carinho e disponibilidade.

    Agradeo muito ao Grupo Improvise, principalmente Rina Nemenz, Gisele

    Jorgetti, Be Petrilli, Paty Franco, Janana Bara, Gabi Forte e Luciana Sousa por tocar o

    funcionamento da equipe enquanto fiz a bolsa sanduche e por toda pesquisa e

    contribuies s minhas ideias contidas nesse trabalho, e tambm aos que j passaram

    pelo grupo, assim como os agregados que ajudam sempre na produo e palpites.

  • Tambm a todos os narradores que atravessaram nosso caminho e nos brindaram com

    suas cenas. Agradeo especialmente a Alexandre Aguiar por ter ficado perto quando o

    Grupo Reprise se desfez e ser a presena firme e amiga que continua a desenvolver o

    projeto musical do grupo e, claro, a Edu, que por razes bvias ficou comigo, e um

    elemento chave na equipe.

    Agradeo a Helosa Fleury pela enorme ajuda para os contatos de minha ida a

    Portugal, assim como ter conversado comigo sobre as primeiras ideias da tese e me

    dado um monte de livros, que foram muito teis, alm de sua leitura carinhosa do

    primeiro captulo para que eu tivesse segurana de que havia realizado uma boa

    pesquisa da nossa rea.

    Gostaria de agradecer postumamente a Clvis Garcia, que me inspirou por todo

    o percurso, mesmo sem estar presente, mas com seus inmeros ensinamentos e seu

    exemplo de vida, vivida do jeito que acredito.

    Aos colegas do DPSedes, docentes como eu, que aguentaram minhas ausncias e

    que, durante o trabalho e a qualquer pedido de ajuda, se prontificavam imediatamente

    com artigos, ideias e outras colaboraes, alm de me inspirarem co m uma conversa

    eletrnica muito profcua realizada em 2006 sobre Teatro de Reprise.

    Tambm equipe do suspsicodrama, que gere os sociopsicodramas pblicos do

    Centro Cultural So Paulo e que tocam o projeto do espao em que a interveno

    demonstrativa do trabalho da tese ocorreu, e por terem me substitudo na minha

    ausncia, quando em Portugal.

    Ao grupo Eras Uma Vez, que me recebeu de braos, ouvidos e olhos abertos e

    me ajudou a refletir sobre Teatro de Reprise. Tambm a Antnio Vicente, playbacker

    portugus, por se encontrar comigo em Telheiras, onde trocamos muitas ideias sobre

    Playback, alm de me dar dois trabalhos importantes para esta tese.

    leitura de produes escritas de alguns colegas, que foram altamente

    inspiradoras, como as de Milene Fo, Anna Maria Knobel, Helosa Fleury, Moyses

    Aguiar, Alexandre Aguiar, Laura Freitas, Luiz Contro, Terezinha Tom, Cida Davoli,

    Mrcia Irio, entre outros. Quero agradecer, enfim, ao movimento sociopsicodramtico,

    pelo acolhimento de ideias novas e pela enorme quantidade de material de boa

    qualidade que encontrei para ler. Parabns a quem publica, especialmente no Brasil.

  • Agradeo minha me, a plateia de torcida pela minha carreira profissional e ao

    meu pai, j falecido h dez anos, que me viciou em livros, filmes e msica. minha

    sogra, pelo imenso carinho de se importar se comi ou se estou bem de sade,

    respeitando sempre as vezes nas quais faltei aos eventos sociais por estar enfurnada,

    escrevendo. minha cunhada Meire e ao meu irmo Ronaldo, que adminis traram os

    assuntos de minha me quando estive fora. Tambm ao querido sogro e segundo pai,

    que faleceu no ano que ingressei no doutorado, mas que torcia muito por mim e

    brincava que incluiria em seu currculo uma nora com doutorado, e de quem sinto

    enorme falta como interlocutor atento e bem humorado.

    Agradeo aos meus clientes, que aguentaram principalmente no perodo em que

    fiquei em Portugal, e especialmente aos que toparam os atendimentos pelo computador,

    que me inspiraram e me acompanharam em vrios sentidos. Aos meus ex-alunos de

    todos os tempos, que me ensinaram tanto sobre sociopsicodrama com inquietaes e seu

    desejo de saber mais.

    A Martim que fez a reviso ortogrfica, com muito carinho e pacincia comigo e

    a Gisele Jorgetti pela edio do vdeo e a tolerncia de amiga, com minhas idas e vindas

    nas resolues de imagens, por no entender do processo. Tambm a Wilson Brando

    pela filmagem e a primeira edio.

    minha gatinha Cacau, que quando parti para Lisboa ficou doente co m um

    sarcoma, que foi operado, mas que no momento voltou e me condena a ficar sem ela

    brevemente. Foi minha companheira de escrita em muitos finais de semana, como um

    co de guarda ao meu lado. Obrigada, Cacau!

    Aos autores Moreno, Fox e Salas, por pensarem e criarem o caminho que

    percorro com referncia, entusiasmo e alegria. Ao Grupo Reprise, que, mesmo fora de

    minha vida, como as relaes que se acabam, nem sempre da maneira e altura do que

    produziram de fertilizao em ns, meu grande agradecimento por termos iniciado esse

    percurso juntos, desvelando os primeiros e fundamentais vus do Teatro de Reprise.

    Finalmente, a mim mesma, que dei meu melhor, principalmente depois de um

    mestrado penoso, difcil, com mquina eltrica e gravidez, h 24 anos, tendo conseguido

    amadurecer para realizar esse trabalho e me divertindo muito ao poder estudar,

    descobrir, pensar e registrar os meus 20 anos de convivncia com a metodologia.

  • Cada verdadeira segunda vez uma verdadeira libertao da primeira.

    Libertar uma expresso idealizada, porque uma repetio completa torna

    seu objetivo ridculo...

    A primeira vez torna-se mediante a segunda, visvel.

    MORENO

  • RESUMO

    A autora conceitua e sistematiza a metodologia brasileira de sociopsicodrama Teatro de

    Reprise, criada em 1993 pelo Grupo Reprise, do qual era integrante. Diferencia a prtica

    de seu mtodo inspirador, o Playback Theatre (1975) americano, criado por Jonathan

    Fox, principalmente pelo acento na grupalidade, apresentando-a como

    facilitadora/mediadora de interao e aprendizagem para pblico adulto. Para tanto,

    define seus fundamentos baseado na abordagem sociopsicodramtica de Jacob L.

    Moreno (1889-1974), na qual h um homem moreniano aludido, que possui um alto

    grau de espontaneidade, que cria sempre e que se orienta para a busca de uma utopia de

    sade mental e social, que escape da doena social da cristalizao e das conservas

    culturais. O trabalho descreve as inovaes prticas e tericas brasileiras do

    sociopsicodrama, especialmente quanto s noes de coconsciente, coinconsciente e de

    campo tlico, e mostra as especificidades da modalidade Teatro de Reprise como uma

    interseco entre o individual e o coletivo pela ressonncia esttica de seus ego-atores e

    ego-msicos. A partir dessa fundamentao, a autora constri a conceituao e as

    diversas etapas do Teatro de Reprise, e exemplifica o impacto da

    transformao/aprendizagem grupal, resultante da utilizao do mtodo em

    organizaes, polticas pblicas, instituies etc. Alm disso, uma interveno

    demonstrativa com o uso do Teatro de Reprise e com um grande grupo, no espao de

    um centro cultural em So Paulo, relatada e processada pela leitura do fenme no, no

    vis da sociodinmica grupal.

    Palavras-chave Teatro de Reprise; Playback Theatre; Improvisao; Grupo;

    Psicodrama; Sociopsicodrama; Encenao; Teatro Interativo.

  • ABSTRACTS

    The author defines and systematizes the Brazilian methodology of socio-psychodrama:

    Reprise Theatre, created in 1993 by the Reprise Group, of which she was a member.

    She distinguishes the practice from its motivational method, the American Playback

    Theatre (1975), created by Jonathan Fox, mainly due to the emphasis on groupality,

    presenting it as facilitator/mediator of interaction and learning for adult audiences. In

    order to do so, she defines its foundations based on the sociopsychodramatic approach

    of Jacob L. Moreno (1889-1974), in which there is a Morenian man alluded to, who

    has a high degree of spontaneity, who always creates and who is oriented towards the

    search for a utopia of mental and social health, who gets away from the social disease of

    crystallization and from the cultural preserves. This paper describes the Brazilian

    practical and theoretical innovations on sociopsychodrama, especially regarding the

    notions of co-conscious and co-unconscious states and of telic field. It shows the

    particularities of the modality Reprise Theatre as an intersection between the individual

    and the collective, by the aesthetic resonance of its ego-actors and ego-musicians. From

    this grounding, the author builds up the concepts and the various stages of the Reprise

    Theatre and exemplifies the impact of the group transformation/learning, resulting from

    the use of the method in organizations, public policies, institutions, etc. In addition, a

    demonstrative intervention with the use of the Reprise Theatre and with a large group in

    the space of a cultural center in So Paulo is reported and processed by reading the

    phenomenon, in bias of the group sociodynamics.

    Keywords Reprise Theatre; Playback Theatre; Improvisation; Group; Psychodrama;

    Sociopsychodrama; Acting; Interactive Theatre.

  • LISTA DE ILUSTRAES (todas as fotos pertencem ou ao acervo pessoal da

    autora ou ao acervo do Grupo Improvise)

    Figura 1 GRUPO REPRISE EM 1988, NO TEATRO MUNICIPAL DE ASSIS/SP, POR OCASIO DA TURN DE COMEMORAO DOS 10 ANOS

    DO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE.

    Figura 2 GRUPO REPRISE NUM ESPAO ALTERNATIVO NA R. IBIAT/SP. EDUARDO COUTINHO E ROSANE RODRIGUES.

    Figura 3 ARNALDO LIBERMAN, FALECIDO MEMBRO DO GRUPO REPRISE, DIRIGINDO UMA INTERVENO DE TR NO CURSO DE

    PSICODRAMA NA PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO

    PAULO, NUM AUDITRIO DA R. CAIO PRADO.

    Figura 4 TEATRO DE REPRISE, UMA MODALIDADE BRASILEIRA

    DE SOCIOPSICODRAMA COM NFASE NO ESTTICO.

    Figura 5 AQUECIMENTO CORPORAL DA EQUIPE, ANTES DA ENTRADA DO PBLICO. GRUPO IMPROVISE NO CENTRO CULTURAL

    SO PAULO, SALA ADONIRAN BARBOSA, 10/06/2007.

    Figura 6 - AQUECIMENTO VINCULAR DA EQUIPE VOCAL. GRUPO

    IMPROVISE NA PRAA DA LUZ/SP, 26/06/2010.

    Figura 7 - AQUECIMENTO VINCULAR DA EQUIPE. RITUAL. GRUPO IMPROVISE NO DPSEDES, AUDITRIO, 01/04/2011.

    Figura 8 - RESERVA DE LUGAR PARA O NARRADOR . GRUPO IMRPOVISE NO CCSP, SALA ADONIRAN BARBOSA, 23/10/2010.

    Figura 9 - RECEPO: voluntria senta-se na poltrona de ser Rei do

    Mundo na interveno chamada de "90 anos de poltrona", em homenagem ao

    primeiro Teatro da Espontaneidade de J. L. Moreno. GRUPO IMPROVISE NO

    DPSEDES, AUDITRIO, 01/04/2011.

    Figura 10 - APRESENTAO DA EQUIPE PARA A PLATEIA. GRUPO

    IMPROVISE NO DPSEDES, AUDITRIO, 01/04/2011.

    Figura 11 PERFORMANCE NOVENTA ANOS DE POLTRONA.

    GRUPO IMPROVISE NO DPSEDES, AUDITRIO, 01/04/2011.

    Figura 12 CAMARIM VIVO 1. GRUPO IMPROVISE NO CCSP,

    SALA ADONIRAN BARBOSA, 10/06/2007.

    Figura 13 CAMARIM VIVO 2. GRUPO IMPROVISE NO CCSP, SALA ADONIRAN BARBOSA, 10/06/2007.

    Figura 14 CAMARIM VIVO 3. GRUPO IMPROVISE NO CCSP, SALA ADONIRAN BARBOSA, 10/06/2007.

    Figura 15 CAMARIM VIVO 4. GRUPO IMPROVISE NO CCSP, SALA ADONIRAN BARBOSA, 10/06/2007.

  • Figura 16 ESCULTURA FLUIDA 1. Interveno exemplo da tese. GRUPO IMPROVISE NO CCSP, SALA TARSILA DO AMARAL, 05/11/2011.

    Figura 17 ESCULTURA FLUIDA 2. GRUPO IMPROVISE NO V WORKSHOP DO PET QUMICA. TEATRO: POR QUE SE EXPRESSAR

    UMA ARTE!!! AUDITRIO PAU-BRASIL ICMOC. INSTITUTO DE

    MATEMTICA USP, 06/11/2011.

    Figura 18 SEQUNCIA FLUIDA 1. GRUPO IMPROVISE,

    AUDITRIO DO COLGIO BANDEIRANTES, 08/10/2011

    Figura 19 - SEQUNCIA FLUIDA 2. GRUPO IMPROVISE, AUDITRIO

    DO COLGIO BANDEIRANTES, 08/10/2011

    Figura 20 - MOS DADAS COM O NARRADOR. GRUPO IMPROVISE

    NO CCSP, NA SALA ADONIRAN BARBOSA, 10/06/2007.

    Figura 21 - EQUIPE E PLATEIA ASSISTINDO NARRAO. GRUPO

    IMPROVISE SALA ADONIRAN BARBOSA, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 22 MSICA INSPIRADA NA CENA NARRADA, ENQUANTO

    ACONTECE A COMBINAO DA ENCENAO 1. GRUPO IMPROVISE, PRAA DA LUZ/SP, 26/06/2010.

    Figura 23 - COMBINAO DA ENCENAO 1. GRUPO IMPROVISE SALA ADONIRAN, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 24 - MSICA INSPIRADA NA CENA NARRADA, ENQUANTO ACONTECE A COMBINAO DA ENCENAO 2. GRUPO IMPROVISE

    SALA ADONIRAN, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 25 - COMBINAO DA ENCENAO 2. GRUPO IMPROVISE

    SALA ADONIRAN BARBOSA, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 26 - MSICA INSPIRADA NA NARRAO. GRUPO IMPROVISE, EVENTO DPSEDES, ANFITEATRO, INSTITUTO SEDES

    SAPIENTIAE, 2009.

    Figura 27 - CENA INSPIRADA NA NARRAO 1. GRUPO IMPROVISE

    SALA ADONIRAN, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 28 - CENA INSPIRADA NA NARRAO 2. GRUPO IMPROVISE

    SALA ADONIRAN BARBOSA, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 29 - CENA INSPIRADA NA NARRAO 3. GRUPO IMPROVISE,

    EVENTO DPSEDES, ANFITEATRO, INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE, 2009.

    Figura 30 - NARRADORA ASSISTE SUA CENA, COM SONS INCIDENTAIS. GRUPO IMPROVISE, PRAA DA LUZ/SP, 26/06/2010.

    Figura 31 - CENA INSPIRADA NA NARRAO 4. GRUPOIMPROVISE, NA PRAA DA LUZ/SP, 26/06/2010.

  • Figura 32 - CENA DE FILHO CONTANDO PARA OS PAIS QUE PASSOU NO VESTIBULAR E VAI MORAR EM OUTRA CIDADE, COMO A FAMLIA

    NO QUERIA. GRUPO IMPROVISE NO V WORKSHOP DO PET QUMICA.

    TEATRO: POR QUE SE EXPRESSAR UMA ARTE!!! AUDITRIO PAU-

    BRASIL ICMOC. INSTITUTO DE MATEMTICA USP, 06/11/2011.

    Figura 33 - ETAPA DE UM COMPARTILHAMENTO. GRUPO IMPROVISE SALA ADONIRAN BARBOSA, CCSP, 10/06/2007.

    Figura 34 METODOLOGIA DO TEATRO DE REPRISE.

    Figura 35 CONVITE ELETRNICO DO GRUPO IMPROVISE PARA O

    EVENTO DE 5.11.2022.

    Figura 36 RODA INDGENA: CONTAO DE CAUSOS . GRUPO

    IMPROVISE, CCSP, SALA TARSILA DO AMARAL, 05/11/2011.

    Figura 37 - IMAGEM INSPIRADORA PARA AS EMOES DAS

    ESCULTURAS FLUIDAS. GRUPO IMPROVISE, CCSP, SALA TARSILA DO

    AMARAL, 05/11/2011.

    Figura 38 - ESCULTURA FLUIDA: NOSTALGIA. GRUPO IMPROVISE,

    CCSP, SALA TARSILA DO AMARAL, 05/11/2011.

    Figura 39 - ESCULTURA FLUIDA: ALVIO. GRUPO IMPROVISE,

    CCSP, SALA TARSILA DO AMARAL, 05/11/2011.

    Figura 40 GRUPO LIGADO PELOS BARBANTES. GRUPO

    IMPROVISE, CCSP, SALA TARSILA DO AMARAL, 05/11/2011.

  • LISTA DE SIGLAS

    CAPES/MEC- Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel

    Superior/Ministrio da Educao e Cultura.

    IPTN International Playback Theatre Network.

    USP Universidade So Paulo.

    IPUSP Instituto de Psicologia da Universidade So Paulo.

    DPSedes Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae.

    ECA USP Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo.

    Febrap Federao Brasileira de Psicodrama.

    CCSP Centro Cultural So Paulo.

    PBT Playback Theatre.

    TR - Teatro de Reprise.

    CCS Coconsciente.

    CICS Coinconsciente.

    IAGP International Association for Group Psychotherapy.

    ABPS Associao Brasileira de Psicodrama e Sociodrama.

    ICS Inconsciente.

    CS Consciente.

    IC Inconsciente Coletivo.

    MCP memria sensorial de curto prazo.

    MLP memria sensorial de longo prazo.

    APAE Associao de pais e amigos dos excepcionais.

  • SUMRIO

    AQUECIMENTO VINCULAR: INTRODUO............................................. 1

    1 Captulo 1 AQUECIMENTO DRAMATRGICO: REFERENCIAIS

    HISTRICOS E TERICOS................................................................. 13

    1.1 O PSICODRAMA DE JACOB LEVY MORENO. QUEM

    SOBREVIVER? ...................................................................................... 14

    1.2 H LUGAR PARA UMA UTOPIA MORENIANA E SUA

    INCLUSO UNIVERSAL DAS DIFERENAS? A

    SUSTENTABILIDADE DO RISO........................................................... 37

    1.2.1 A utopia moreniana.................................................................................... 37

    1.2.2 A velha nova utopia O riso..................................................................... 45

    1.2.3 E a utopia? ................................................................................................. 49

    1.3 O PSICODRAMA NO BRASIL E CONTRIBUIES

    SOCIOPSICODRAMTICAS BRASILEIRAS....................................... 51

    1.3.1 O desenvolvimento do psicodrama brasileiro............................................ 51

    1.3.2 Contribuies e atualizaes brasileiras da teoria para pensar

    especificamente sobre o tema do Teatro de Reprise.................................. 58

    2 CAPTULO 2 AO DRAMTICA: TEATRO DE REPRISE..... 83

    2.1 PERSPECTIVA EM RELAO AO PLAYBACK THEATRE................. 84

    2.2 HISTRICO DO TEATRO DE REPRISE............................................... 94

    2.3 CONCEITUAO.................................................................................... 104

    2.3.1 A metodologia sociopsicodramtica, o teatro artstico e as fronteiras...... 104

    2.3.2 O Teatro de Reprise................................................................................... 108

    2.4 FUNCIONAMENTO DA METODOLOGIA........................................... 115

    2.4.1 Funcionamento geral.................................................................................. 115

    2.4.2 A interveno Ambiente......................................................................... 125

    2.4.3 Etapas detalhadas....................................................................................... 127

    2.4.4 Aplicaes.................................................................................................. 181

    2.4.5 Equipe, preparao e funes.................................................................... 183

  • 2.5 O COCONSCIENTE E O COINCONSCIENTE NO TEATRO DE

    REPRISE................................................................................................... 186

    3 CAPTULO 3 COMPARTILHAMENTO: UMA INTERVENO

    UTILIZANDO A METODOLOGIA DO TEATRO DE REPRISE.... 199

    3.1 PROCEDIMENTO DA INTERVENO................................................ 203

    3.1.1 Uma palavra sobre sociopsicodramas pblicos......................................... 203

    3.1.2 A interveno............................................................................................. 204

    3.2 REGISTRO DA INTERVENO A PARTIR DAS ETAPAS DO

    TEATRO DE REPRISE............................................................................ 206

    3.3 DEPOIMENTOS ESPONTNEOS Transcrio................................... 226

    3.4 PROCESSAMENTO DA INTERVENO DEMONSTRATIVA A

    PARTIR DE EPISDIOS CRITICOS..................................................... 228

    3.4.1 Quanto ao Grupo...................................................................................... 228

    3.4.2 Quanto a Ressonncia Esttica................................................................ 236

    3.4.3 Depoimentos.............................................................................................. 238

    4 Captulo 4 PROCESSAMENTO: CONSIDERAES FINAIS........ 243

    BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 249

    ANEXO.................................................................................................................... 260

  • 1

    AQUECIMENTO VINCULAR: INTRODUO

    O POETA

    Vo dizer que no existo propriamente dito.

    Que sou um ente de slabas.

    Vo dizer que eu tenho vocao pra ningum.

    Meu pai costumava me alertar:

    Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som das palavras

    Ou ningum ou zor.

    Eu teria treze anos.

    De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que se perdia nos longes

    da Bolvia

    E veio uma iluminura.

    Da botei meu primeiro verso:

    Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.

    Mostrei a obra pra minha me.

    A me falou:

    Agora voc vai ter que assumir as suas irresponsabilidades.

    Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

    MANOEL DE BARROS

  • 2

    Em 1993, quando surgiu o Teatro de Reprise brasileiro, na cidade de So Paulo,

    inspirado no Playback Theatre americano (1975) de Jonathan Fox, o Grupo Reprise, do

    qual eu fazia parte, estabeleceu uma relevante inovao no cenrio sociopsicodramtico

    brasileiro. O momento do sociopsicodrama era o de busca de entendimento da

    linguagem cnica por parte dos psicodramatistas e aceitao da potncia esttica contida

    nas intervenes sociais, com foco nos grupos e sua sociodinmica. Naquela altura, no

    se poderia descortinar como esse acontecimento isolado poderia se desenvolver e

    coadjuvar com vrios movimentos de pesquisadores brasileiros, colocando o

    sociopsicodrama brasileiro na relevncia poltica e cientfica que hoje desfruta

    internacionalmente.

    Eu mesma no poderia imaginar a importncia que essa metodologia viria a ter

    na minha vida profissional e que reflexos prticos e tericos se produziriam. Durante

    minha convivncia e prtica com Teatro de Reprise, ensaiei algumas vezes parar para

    estudar e escrever sobre ele, e agora tal chance surgiu por intermdio da universidade.

    Parte desse trabalho foi escrita em Lisboa, na vigncia de uma viagem de bolsa-

    sanduche, possibilitada pelo governo brasileiro, atravs da CAPES/MEC

    (Coordenao de aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior/Ministrio da Educao

    e Cultura) e o acolhimento portugus por intermdio de duas instituies: o ISPA

    Instituto Universitrio e o Instituto Piaget. Durante essa viagem, pude constatar o que j

    observava das minhas participaes e de outros colegas em congressos internacionais de

    sociopsicodrama: o desenvolvimento, respeito e relevncia do Brasil nessa rea de

    estudo.

    Em Lisboa, em um quarto alugado para pensar no Teatro de Reprise, que se

    um dos trabalhos profissionais mais definidores de minha vida, tambm pude distanciar-

    me do dia-a-dia por quase quatro meses e mergulhar no assunto, inspirada pelos sons e

    imagens lusitanos, em poca de primavera e vero. Entre as contribuies dessa viagem,

    consta, por exemplo, ter encontrado um playbacker portugus que me deu um trabalho

    brasileiro de Florianpolis, de Clarice Siewart, sobre Playback Theatre, alm de um

    trabalho portugus sobre o assunto escrito por Cludia Antunes Vau1. Tambm pude

    encontrar e ter a honra de dirigir uma equipe luso-brasileira que se inspirou diretamente

    na metodologia do Teatro de Reprise para seu Grupo, o Eras Uma Vez.

    1 Ttulo - Teatro Imediato e Mediao Cultural

  • 3

    Capturando meu percurso profissional, em suas possveis origens, constato uma

    infncia marcada por um enorme interesse em livros e palco. O primeiro interesse foi

    acolhido pela famlia como desejvel e respeitvel e o outro como muito perigoso e

    desencaminhador. O meu palco era o da dana, do ballet clssico, e ocasionalmente me

    apresentei para a famlia condescendente, com a imaturidade e amadorismo da idade e

    da falta de mestres, coreografando ou declamando poesias. Um Brasil muito retrgrado,

    em uma So Paulo sempre a criticar os maus costumes avanados do Rio de Janeiro 2,

    alimentara uma busca de tentar aliar o profundo ao leve. Essa uma busca que

    identifico ao longo de toda a minha vida, de algo que garantisse s pessoas um mundo

    tico e srio, como meus pais ensinaram, como boas pessoas pretendiam que os filhos

    fossem, porm um mundo menos sisudo e rgido, com boa dose de alegria. Um mundo

    em que o corpo pudesse ter status de tanta importncia quanto a mente e o intelecto, em

    que se pudesse pensar poltica e exercit- la, criticando o abuso de poder de alguns sobre

    outros e transformando as vtimas em iguais.

    A psicologia, portanto, pareceu uma resposta boa para uma graduao que me

    levasse aos meus objetivos. Porm, a Universidade de So Paulo (USP) dos anos 1970

    se mostrou bem austera tanto pela questo do momento de regime militar que vivamos

    quanto pelo contedo essencialmente verbal, analtico ou comportamental/behaviorista

    em vigncia no Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo (IPUSP) quela

    altura. Praticamente no havia disciplinas que abordassem o corpo e muito menos a

    ao. Os professores/psiclogos, at meu quarto ano de faculdade, em geral, tinham

    uma concha ao peito, com as costas envergadas a receber as angstias de seus pacientes

    e nunca se levantando de suas poltronas da sabedoria analtica. Srios e ticos, porm

    com pouca abertura para outras abordagens e alguns at para acolherem a opinio

    divergente dos alunos. Seus corpos j me contavam isso nessa ocasio, ta lvez pelo olhar

    mais atento da breve formao na dana e que, convivendo com o marido mmico,

    consegui tardiamente nomear.

    No mundo cultural do Brasil e especificamente de So Paulo, fiz parte da

    gerao que ajudou a mudar a sisudez para o que temos hoje. Parece que fomos

    vitoriosos e conquistamos a democracia, que ainda tenta se afirmar. Como os

    movimentos sociais funcionam em ondas, infelizmente o padro que se estabelece hoje

    o da evitao da dor, a qualquer custo, consumindo muito e evitando o vazio e

    2 Sou filha de uma carioca de Copacabana e de um paulistano da Moca.

  • 4

    angstia ao mximo. Evidentemente, minha gerao no previa esse resultado, como

    nunca movimentos radicais e revolucionrios de massa podem prever. Entre um e

    outro momento, o psicodrama surgiu como uma possvel resposta para a minha questo

    e para o meu prprio desenvolvimento. O movimento psicodramtico estava tambm

    desabrochando no cenrio brasileiro, o que ser detalhado na terceira parte do captulo I.

    No quinto ano da faculdade, uma brisa soprou nos ltimos tempos da ditadura

    (1978). Alguns professores de uma nova gerao propunham atendimentos grupais, sob

    abordagens como Gestalt e psicodrama. Os alunos tinham, inclusive, a oportunidade de

    se trabalharem como pessoas, alm de atenderem sob superviso. Para mim, foi a

    resposta para poder escolher um caminho nem to corporal, nem to verbal, o caminho

    da ao (dramtica). A formao de nvel I em psicodrama clnico de quatro anos pelo

    Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae (DPSedes) e depois o

    chamado, na poca, de psicodrama pedaggico3 no mestrado em Artes na Escola de

    Comunicaes e Artes da USP (ECA-USP), por dois anos, me levou aos palcos

    novamente e me devolveu aos livros de uma maneira inteiramente nova.

    Essa trajetria, que se parece com a de tantas pessoas, especificamente mulheres

    de minha gerao, conta de uma necessidade de buscar respostas que integrassem o

    conhecimento terico a partir de prticas encarnadas numa vertente tica e no

    moralista. Meu trabalho, desde esse momento, tanto na psicologia clnica, no ens ino,

    como nas organizaes, tem sido pautado por essa busca.

    O criador do psicodrama, Jacob Levy Moreno (1889-1974) e seus seguidores,

    ofereciam nesse tempo uma metodologia que colocava em cena qualquer tipo de

    assunto, privado, conceitual, comunitrio, com o objetivo de investigao e

    transformao ao mesmo tempo. Um indivduo, chamado de protagonista 4 por

    inspirao do teatro, leva ao palco sua cena, ou um esboo de cena, como um

    representante de um grupo interessado em certa questo. Um diretor psicodramatista

    conduz esse autor pelos caminhos de sua cena, que de fato de todo o grupo presente.

    Acrescentando ao autor, o ator de sua cena a desdobra, aprofunda, modifica, cria nova

    partitura a partir dela, com a ajuda dos auxiliares da equipe e tambm de atores

    espontneos, chamados egos-auxiliares. Esse diretor usa tcnicas durante o

    3 No Brasil, dentro do movimento psicodramtico, esse nome da poca descrita acima. Depois passou a

    ser chamado de psicodrama aplicado e nos dias de hoje vem sendo denominado psicodrama

    socioeducacional. 4 O conceito de protagonista vem sofrendo vrias inovaes, mas nesse momento ao qual me refiro era

    assim.

  • 5

    desenvolvimento da cena tais como inverso de papis, espelho, interpolao de

    resistncia, duplo e solilquio (definidas no captulo 2). Essas so tcnicas

    clssicas criadas por Moreno para ajudar esse autor/ator em sua busca, no que em

    sociopsicodrama chamado de dramatizao. A dramatizao tanto uma etapa da

    sesso de sociopsicodrama quanto um procedimento que vai construindo o enredo da

    cena aos poucos, ali mesmo, naquele momento. No h, como no teatro artstico (ou no

    deveria haver), uma ideia que se queira passar para a plateia. No mximo, um tema j

    bem estudado pela equipe, porm a verdade sobre o tema a do grupo, de forma

    harmoniosa ou dissonante.

    A ao dramtica se desdobra at que esse autor/ator/protagonista/personagem

    de si mesmo sofra uma brusca transformao em sua maneira de ver a questo em pauta.

    Algo que mais do que uma percepo da situao, que produz um efeito emocional

    intenso e que torna esse autor mais potente e menos ressentido. Esse grupo, igualmente,

    se torna mais potente e menos ressentido. Esse algo poderia ser chamado de insight

    dramtico ou, em grau mais extenso, uma catarse de integrao. Numa linguagem

    coloquial: uma grande sacada. Esse um momento em que contedos incoerentes,

    paradoxais, inaceitveis, que tornavam a situao inatingvel, imutvel ou ainda

    esvaziada, se transformam. Tambm se transformam os indivduos envolvidos, de

    fracos, passivos, descontrolados ou excludos, em uma nova integrao que pode

    produzir atitudes estranhas e originais. bvio que a ao dramtica no a vida real, no

    sentido de consequncias, mas no mnimo prepararia esse autor e seus pares para ela,

    a partir dessa nova viso da questo/conflito.

    Essa poderia ser uma descrio de um sociopsicodrama clssico moreniano, num

    relato que intencionalmente evita variaes, excees e novas contribuies

    metodologia. O importante e relevante aqui que esse autor descrito volta do palco para

    o contexto grupal renovado, e encontra seus companheiros de trajetria de certa forma

    agradecidos por todos os caminhos abertos em cada um. O grupo tambm sofre com o

    autor/ator a catarse de integrao e ao final compartilha com ele as peculiaridades de

    cada caminho trilhado, ajudando-o a sentir-se menos s em sua solitria estrada. O

    caminho de aprofundamento na questo/conflito pode ser um medo de avio, pode ser

    desvendar o conceito de homeostase ou a compreenso de um fato histrico. Pode ser

    uma dificuldade de violncia na comunidade ou as razes de certa desmotivao num

    setor de uma empresa.

  • 6

    Esse foi o Moreno e o sociopsicodrama que encontrei em meus cursos e contatos

    iniciais com a abordagem. O desenvolvimento dos trabalhos sociopsicodramticos

    tambm foi mostrando que, mais e mais, ferramentas precisariam ser desenvolvidas,

    pois o que Moreno inventou era potente, transformador, inovador, mas precisaria ser

    atualizado, principalmente para intervenes com grandes grupos. O movimento

    sociopsicodramtico tambm havia se afastado muito das praas nas quais Moreno

    atuava no principio do sculo passado. Felizmente, sua proposta era aberta para acolher

    muitas das contribuies de seus seguidores, especialmente os brasileiros, como mostro

    na terceira parte do captulo 1.

    Seguindo como psicoterapeuta psicodramatista, professora de psicodrama e atriz

    amadora, me deparei ento com o Playback Theatre (PBT) em 1993. Criado por

    Jonathan Fox em 1975, a metodologia americana colocava em cena histrias reais da

    plateia, por meio de atores, para que o autor assistisse. Novamente encontro resposta

    para os dois mundos dos meus interesses, o grupal e o palco, o psicodrama e o teatro

    artstico. Contudo, como a notcia da metodologia do PBT vinha do meio

    psicodramtico, por muito tempo achei que partilhassem do mesmo olhar. Ao

    batizarmos de Teatro de Reprise (TR), eu e a equipe que comeou essa metodologia no

    Brasil, o Grupo Reprise, supnhamos que seria uma traduo, com algumas diferenas.

    Aos poucos, fomos notando vrias especificidades de procedimentos, como ser visto

    no captulo 2. Porm, na verdade, somente nesse trabalho de aprofundamento e estudo

    que ficou mais ntida para mim a especificidade mais expressiva: o ponto de vista

    fundamentalmente pela via da grupalidade do sociopsicodrama e, portanto do TR. J o

    PBT, por sua vez, chega ao grupo e trabalha com a comunidade, mas encara o narrador

    individualmente como algum que beneficia a plateia e beneficiado por ela. Essa

    ideia desenvolvida no captulo 2 e discutida comparativamente entre os dois mtodos

    tambm nas consideraes finais.

    Importante salientar que o PBT original se constitui na matriz de referncia para

    o presente trabalho e que a base para meu conhecimento do mtodo principalmente a

    dissertao de Siewart, o livro da cocriadora Salas, um encontro pessoalmente com ela

    h cerca de dezessete anos e algumas cartas trocadas com ela em 2006, quando havia

    uma inteno de ambas as partes para uma tutoria, oriunda de nova regulamentao da

    International Playback Theatre Network (IPTN). Vale dizer que, como havia muitos

    pontos nos quais ela no conseguia compreender e aceitar as especificidades do TR

    brasileiro, ela fez um convite formal a qualquer membro do Grupo Improvise, que

  • 7

    equipe que dirijo desde 2001, para um encontro em seus cursos, o que nunca aconteceu.

    A comunicao foi ento interrompida e no retomada. Em sua maioria, seus

    estranhamentos diziam respeito nossa combinao de cenas, ao narrador no ser

    colocado no palco para ser assistido em suas reaes pela plateia, ao nosso aquecimento

    inicial com a plateia no palco e nossa fase de compartilhamento. Claro que apenas viu

    um vdeo caseiro que enviamos, com algumas explicaes faladas em ingls. Havia

    vrios procedimentos que ela no poderia entender, pois no era legendado, alm de

    questes culturais que ela nos disse ter dificultado sua compreenso, como abraos ao

    receber o pblico, por exemplo.

    A histria de como surgiu o TR em minha vida profissional se confunde com a

    histria da metodologia no Brasil e, portanto, opto por detalh- la em captulo especfico.

    O que importante que se diga aqui que, depois de fazer o psicodrama clnico, fiz o

    mestrado em artes e, de uma perspectiva muito especial, pude observar as seme lhanas

    e especificidades entre teatro e o sociopsicodrama. Observava naquele perodo de

    pesquisa que o grupo de psicodramatistas, assim como os artistas cnicos, pouco ou

    nada sabiam sobre os estudos uns dos outros. De ambos, notava fundamentalmente

    preconceito e, mais frequentemente, desinformao. Minha ambio desde ento tem

    sido facilitar o acesso ao conhecimento de um grupo pelo outro e mediar os campos de

    estudos de ambos e suas descobertas. Isso aconteceu por ter adquirido certo

    conhecimento em teatro, atravs do mestrado, e tambm meu estudo de psicodrama

    como professora e supervisora. Percebi e percebo que ambos muito se beneficiariam, e

    mesmo o quanto lhes falta por no ocorrer essa troca.

    No TR, encontrei essa integrao entre esttica e a possibilidade de intervir no

    pblico de tal maneira que ele tivesse voz e pudesse alterar seus prprios destinos. A

    tica e a esttica, o profundo e a metfora, o denso e a alegria. Alm disso, pude

    associar meu grande interesse em educao, principalmente de adultos. H muitos anos,

    a metodologia tem permitido, na prtica, essa integrao. Tenho militado no meio

    sociopsicodramtico pelo conhecimento do teatro artstico, tentando facilitar o acesso

    dos colegas psicodramatistas quantidade de aes semelhantes que temos com

    professores de educao artstica, atores, dramaturgos e diretores teatrais.

    Penso que, atualmente, um expressivo nmero de psicodramatistas j valoriza a

    importncia do conhecimento teatral para o estudo mais aprofundado das intervenes

    que envolvem a psique humana, assim como as redes grupais. O preconceito ainda

    existe, porm em grau muito menor. Entretanto, no teatro, so sempre os mesmos

  • 8

    poucos a buscar no estudo da obra de Moreno e seus seguidores, solues tericas e

    prticas para vrias questes da demanda artstica. Por exemplo, vejo grupos talentosos

    se juntando e acabando por falta de conhecimento dos seus membros e lderes, de

    sociodinmica grupal. Quando tentam resolver problemas grupais ou individuais de um

    ator ou da equipe tcnica, acabam por misturar perigosamente o que privado com o

    coletivo, colocando em risco a sade mental do membro e/ou da trupe toda. Tambm

    no vejo ser chamado um especialista em grupos, que poderia, com suas leituras, ajudar

    a equipe. Nem, tampouco, para entender melhor o fenmeno grupal que a plateia.

    Vejo tambm diretores teatrais que, em nome de certo resultado pretendido,

    expem seus atores a experimentaes irresponsveis, ainda que bem intencionadas,

    com pouco conhecimento, ao estilo dos anos 1970. Depois que obtm o tal resultado,

    no oferecem a retaguarda para que a pessoa do ator ou o grupo de teatro saiba o que

    fazer com o que foi dissecado, e pode at vir a comprometer a vida pessoal e

    profissional de alguns. Isso sem falar da grande atrao do momento por improvisaes

    de todos os tipos, desde os stand-ups at trupes que improvisam com jogos

    competitivos, poesias, temas etc. Cada vez mais, o teatro se aproxima do

    sociopsicodrama, o que at seria desejvel. Porm, com pouco ou nenhum

    conhecimento, principalmente dos fenmenos grupais, no pode usufruir do que

    potencializaria o trabalho artstico, por meio de um aquecimento adequado do pblico

    ou fechamento coletivo, de tal forma que todos pudessem viver o trabalho de maneira

    emocionante, intensa e igualmente segura, sustentada e sustentvel.

    Tudo isso me levou novamente academia, aps 20 anos longe dela, para

    realizar o doutorado, como uma maneira de estudar esses caminhos quase paralelos:

    teatro e sociopsicodrama. E, por meio do TR e seu estudo mais aprofundado, principiar

    um dilogo, que pretendo frtil, entre essas duas maravilhosas tribos, de certa forma

    dando continuidade imensa contribuio de Augusto Boal com seu Teatro do

    Oprimido, que, usando uma perspectiva relacional e essencialmente poltica, produziu

    um teatro libertador.

    A metodologia do TR uma modalidade relativamente pouco estudada no

    sociopsicodrama e tem sua bibliografia reduzida a algumas poucas publicaes. A

    maioria sobre PBT, e mesmo assim no representam o nmero expressivo de grupos

    utilizando esse mtodo pelo mundo. O que existe publicado tem ficado restrito ao meio

    sociopsicodramtico, assim como o prprio Moreno e sua obra.

  • 9

    H menes ao TR brasileiro em algumas novas publicaes, ao ressaltar as

    inovaes metodolgicas do sociopsicodrama. Em algumas, ainda h uma confuso

    entre o que seria TR, Playback Theatre e os modos do Teatro do Oprimido de Boal,

    teatro frum, teatro imagem, arco- ris do desejo etc. A metodologia ainda precisa de

    estudos minuciosos, como neste trabalho de conceituao e sistematizao, assim como

    dos processos de transformao em suas especficas etapas e seu grande potencial

    transformador pela potncia esttica.

    O objeto da pesquisa , portanto, essa conceituao e sistematizao, com o

    detalhamento de suas etapas para que possa ser mais amplamente utilizado. Tambm

    oferece a possibilidade de leitura e interveno grupal que a metodologia permite,

    explanada de modo compreensivo das foras que atravessam o grupo, seus atores,

    msicos, direo e principalmente a plateia e seu narrador pico. Esse estudo no

    pretende esgotar o assunto, muito pelo contrrio. A proposta despertar mais estudos

    sobre o TR, em vista de seu potencial transformador.

    Trabalho com a metodologia do TR h vinte anos e observo que os

    grupos/plateia que participam de atividades em que ela usada podem integrar

    conceitos de maneira duradoura e eficiente, partilhando um conhecimento adquirido

    pela comunidade ou simplesmente saindo mais potentes e menos ressentidos,

    valorizando seus relacionamentos e a si mesmos como um ser histrico. Percebo ainda

    que os mtodos interativos ampliam e multiplicam os sentidos e as verdades,

    flexibilizando e articulando conceitos muito rgidos, notadamente no mundo

    corporativo. Tambm no contexto de trabalho comunitrio e busca de cidadania, os

    mtodos vivenciais e interativos produzem efeitos de significao e integrao de

    atitudes importantes para a cultura de uma determinada comunidade.

    A presente pesquisa , portanto, uma apresentao, conceituao e

    sistematizao da modalidade sociopsicodramtica Teatro de Reprise. tambm uma

    reflexo sobre como acontece o processo de transformao, aprofundamento de temas e

    at aprendizagem mtua, na coconstruo e corresponsabilizao propiciada pela

    metodologia, por meio da mobilizao do coconsciente e do coinconsciente grupais. O

    levantamento bibliogrfico terico da metodologia mais geral, a sociopsicodramtica,

    est delineado no captulo 1, para permitir sua utilizao e acompanhamento ao nos

    debruarmos posteriormente sobre o TR. A primeira parte do captulo 1 apresenta a base

    da teoria entremeada vida e obra de Jacob Levy Moreno, seu criador. Na segunda

    parte, uma viso da complexidade que hoje ocupa, no cenrio principalmente brasileiro,

  • 10

    ligando a busca da utopia moreniana da incluso total e a sociatria sua grande

    contribuio pesquisa, principalmente qualitativa e arte. Uma ideia de um riso

    sustentvel proposta nessa parte, como forma revolucionria da sobrevivncia dos

    grupos humanos. J os desdobramentos e inovaes, notadamente as brasileiras, que o

    sociopsicodrama vem sofrendo aps sua criao, encontram-se na terceira e ltima parte

    do captulo 1, enfatizando a elaborao e desenvolvimento para a ampliao de

    conceitos como campo tlico, coconsciente e coinconsciente. Tambm nessa parte,

    vemos o ganho esttico, social e educacional que o sociopsicodrama vem tendo por

    meio do estudo, aprofundamento e ousadias das teorias e prticas de seus seguidores.

    Aos moldes das etapas de um sociopsicodrama, essa introduo apresentada

    como um aquecimento vincular do texto com o leitor e o captulo 1 como um longo

    aquecimento, preparando o olhar sociopsicodramtico para a compreenso da

    metodologia do TR, apresentado no captulo 2. Haja vista ser uma metodologia que,

    embora inspirada no norte americano PBT, foi desenvolvida e consolidada na cultura

    brasileira e tambm no cenrio do movimento e desenvolvimento sociopsicodramtico

    brasileiro, portanto possui esse desenho cultural, que fornece a base da metodologia.

    O termo aquecimento, usado em sentido metafrico do captulo 1, tal como o

    aquecimento concebido por Moreno, pretende criar dispositivos ou iniciadores mentais,

    sociais e psicoqumicos de arranque para favorecer a ampla compreenso do objetivo

    principal desse trabalho, que se encontra no captulo seguinte.

    No captulo 2, a pesquisa apresenta a modalidade sociopsicodramtica TR como

    uma ferramenta inovadora nas intervenes sociais e educacionais para uma ao em

    que se pretenda buscar transformao intencional e aprendizagem do coletivo. Para

    tanto, h um detalhamento histrico do PBT e consideraes sobre as diferenas em

    relao metodologia do TR que justificam seu estudo diferenc ial. H tambm o

    histrico do surgimento do TR no cenrio brasileiro, com os vrios atores envolvidos,

    incluindo seu mtodo inspirador. A partir desse mesmo quadro histrico de definies

    anteriores, uma atualizao da conceituao da metodologia elaborada passo a passo

    at atingir o conceito, ainda aberto, porm mais prximo do que o define.

    Delineada a conceituao, o trabalho passa para o funcionamento propriamente

    dito da metodologia: suas etapas, desde a pr- interveno at o processamento do

    trabalho feito pela equipe responsvel ps- interveno, passando pelo aquecimento

    vincular com a plateia, cenas, msica e objetivos. H um detalhamento do preparo da

    equipe e tambm um panorama sobre as aplicaes prticas possveis, abordadas com

  • 11

    alguns exemplos. Dentro dessa viso mais tcnica, so feitas algumas aproximaes do

    TR com o PBT, assim como com o teatro artstico. Como ltima parte do captulo 2, h

    uma proposta de explicao terica, baseada em todo esse estudo anterior de como se d

    o processo de transformao individual e grupal no TR. Portanto, o trabalho retoma a

    teoria lanada no primeiro captulo, assim como a busca da utopia de incluso total, e

    passa a ser a fundamentao de como poderia ocorrer o fenmeno intersubjetivo do

    coconsciente (CCS) e do coinconsciente (CICS), especificamente nas intervenes de

    TR. Os conceitos, tais como foram desenvolvidos por Moreno e Knobel, e apresentados

    respectivamente na primeira e terceira parte do captulo 1, apontam para sua expresso

    em grupos que possuem grande convivncia, baseada em reiteradas oportunidades de

    relacionamento com as mesmas pessoas, seus segredos, seus conflitos e suas histrias

    comuns. Porm, dado que a metodologia do TR realizada em ato nico, podendo ou

    no contar com participantes que se conheam, a convivncia entre as pessoas, em

    alguns casos, pode ser nenhuma. Mesmo assim, o pblico relata certas coincidncias

    na ressonncia esttica da equipe do que no foi revelado pelos narradores, mas fazia

    parte da cena original. Assim, proponho, nessa parte, uma reflexo e explicao de

    como entendo o atravessamento dos estados CCS e CICS, partilhados pelos

    participantes da interveno, e de como poderamos entender esse fenmeno de

    transmisso entre inconscientes, o fenmeno do funcionamento do CCS e CICS, que

    necessita de uma ampliao tal que abarque tais situaes.

    Essa ampliao terica realizada por meio de uma fundamentao do

    fenmeno na cultura comum de grupos, advinda, entre outros fatores, da herana, das

    tradies e arqutipos do denominado Inconsciente Coletivo, como definido por C. J.

    Jung. Portanto, em alguma medida, a metodologia do TR tratada como um ritual.

    Nessa mesma parte, mostra-se relevante abordar a importncia dos rituais desse tipo nos

    dias de hoje, para que a comunidade reconhea seus referencias culturais e adote

    maneiras corresponsveis de lidar com seus grupos de referncias. Nesse momento,

    alguns autores contemporneos da Psicologia Analtica de Jung foram trazidos como

    um dilogo alinhado com a maneira visionria de Moreno e Jung e de seus seguidores,

    antecipando o momento de afastamento, ocasionado pelo desenvolvimento das

    tecnologias e maneiras do grupo humano encaminhar os efeitos da cultura urbana e suas

    abstraes estatsticas.

    O captulo da ao dramtica, assim metaforicamente chamado, em que a minha

    transformao como pesquisadora ocorreu, pois explodiram a meus mais suados

  • 12

    insights dramticos (poderia at fazer um trocadilho da palavra dramtico, nesse caso),

    sucedido pela metfora do compartilhamento, tambm aos moldes sociopsicodramticos

    de uma interveno com TR. Para que a metodologia fosse compreendida

    exemplarmente, uma interveno especialmente realizada para constar dessa pesquisa

    foi filmada e relatada como demonstrativa, assim como os depoimentos colhidos

    espontaneamente aps o evento (tambm filmados). Essa interveno foi lida luz dos

    conceitos sociopsicodramticos detalhados no primeiro captulo e no desenvolvimento

    especfico do TR do captulo 2.

    A leitura da interveno escolhida ento realizada com o olhar da pesquisa

    qualitativa. A escolha de trabalhar com pesquisa qualitativa foi se impondo aos poucos

    durante o desenvolvimento das ideias que geraram esse trabalho. A intimidade da

    relao entre pesquisa-ao crtica e a metodologia sociopsicodramtica parece hoje em

    dia ser um caminho pertinente para pesquisas que se baseiem em intervenes ou que a

    as utilizem como ilustrao das prticas e compreenso dos procedimentos, como o

    nosso caso. Nessa perspectiva, foi realizada uma leitura de momentos marcantes da

    interveno selecionada e dos depoimentos espontneos. Alm disso, possvel para o

    leitor apreciar por si mesmo parte da interveno na edio do evento em vdeo que

    integra o trabalho. Obviamente, a linguagem de vdeo diferente da linguagem teatral e

    sociopsicodramtica usada, mas nesse caso a tecnologia tornou possvel a leitura, a

    memria objetiva, alm da subjetiva, e o compartilhamento com os leitores.

    Finalmente, no captulo 4, em Consideraes Finais/Processamento, recapitulo

    as especificidades do TR e do PBT, ampliando essa discusso, fertilizando-a pela

    reflexo que o psicodramatista e homem de teatro Clvis Garcia j propunha para o

    sociopsicodrama em 1984. Tambm discuto a importncia de metodologias ldicas

    como o TR para aprendizagem de adultos, de como direcionar suas prprias referncias

    de vida, valorizando-as. O teatro poderia se beneficiar desse trabalho para valorizar a

    busca de manejo de grupos como fator importante para quem lida com plateia, que

    obviamente um grupo. Tambm se beneficiaria da reflexo de que se relacionar de

    maneira intensa, de entrega e corresponsabilidade dentro de condies que respeitem as

    pessoas e promovam vivncias grupais significativas pode ser a ltamente transformador.

    Isso ocorre mais ainda quando falamos de arte teatral, que pode produzir e h sculos

    produz potncia esttica que potencializa a comunidade a pensar sobre suas condutas,

    desenvolvendo uma crtica que mova para a ao e no para a passividade deprimida,

    que s busca consumir para suprir a falta de objetivos.

  • 13

    Captulo 1 - AQUECIMENTO DRAMATRGICO: REFERENCIAIS HISTRICOS E TERICOS

    PROCURA DA POESIA

    Penetra surdamente no reino das palavras.

    L esto os poemas que esperam ser escritos.

    Esto paralisados, mas no h desespero,

    h calma e frescura na superfcie intata.

    Ei-los ss e mudos, em estado de dicionrio.

    Convive com teus poemas, antes de escrev-los.

    Tem pacincia, se obscuros. Calma, se te provocam.

    Espera que cada um se realize e consume

    com seu poder de palavra

    e seu poder de silncio.

    No forces o poema a desprender-se do limbo.

    No colhas no cho o poema que se perdeu.

    No adules o poema. Aceita-o

    como ele aceitar sua forma definitiva e concentrada

    no espao.

    Chega mais perto e contempla as palavras.

    Cada uma

    tem mil faces secretas sob a face neutra

    e te pergunta, sem interesse pela resposta,

    pobre ou terrvel, que lhe deres:

    Trouxeste a chave?

    CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

  • 14

    1.1 O PSICODRAMA DE JACOB LEVY MORENO. QUEM SOBREVIVER?

    O psicodrama costuma despertar nos iniciantes e at nos iniciados um acender

    apaixonante de seus idealismos. Parece que certo perfil de sonhadores quixotescos

    comum entre os que, como eu, elejo essa abordagem como referencial. Quem teve

    contato pessoal com seu criador, Jacob Levy Moreno (1889-1974) ou l alguns trechos

    em que ele nos arregimenta para as fileiras do tratamento da humanidade, a sociatria 5,

    dificilmente no ser arrebatado por um convite ao, liberdade, espontaneidade,

    incluso e ao respeito s diferenas na convivncia coletiva.

    A trajetria de Moreno, seus conhecimentos teatrais e suas ideias vanguardistas,

    ousadas e revolucionrias criaram as bases no s da psicoterapia de grupo, o

    psicodrama e a sociometria6, como tambm de uma teoria que tem como perspectiva o

    homem em relao. Este, por sua vez, ser chamado pelos seus seguidores de homem

    moreniano.

    Uma personalidade marcante, carismtica e inquieta torna superlativas todas as

    descries de quem o conheceu ou o estudou. 20 de maio de 1892. Num navio no

    identificado, no Mar Negro, nasceu Jacob Levy Moreno. o que diz a lenda...

    (MARINEAU, 1992, p. 17). O bigrafo de Moreno, Ren Marineau abre seu primeiro

    captulo sobre a vida e obra de Moreno com essa frase anedtica sobre o que este chama

    de verdade potica ou psicodramtica, quando faz sua autobiografia (idem, p. 22), ou o

    que mais tarde vai definir como realidade suplementar. Por anos, seus seguidores

    acreditaram que isso havia acontecido de fato.

    As pesquisas de Marineau revelam que Moreno no nasceu no canal de Bsforo

    a bordo de um navio e Bustos nos conta que nem sequer de atividades na gua gostava

    (AGUIAR, 1990, p.26). Nasce de fato, em 1889, na Romnia, onde vive por cerca de

    seis anos, mudando-se ento para Viena, ustria. Encontra-se, portanto, num cenrio de

    grande ebulio da psicologia, da filosofia, das artes etc. Viena era tambm um local de

    grande tenso poltica mundial, envolvendo todos os movimentos anteriores e

    posteriores primeira Grande Guerra (1914-1918) e Revoluo Russa de 1917.

    5 Trata-se de uma proposta utpica de Moreno, na qual se poderia fazer um tratamento que abarcasse a

    humanidade inteira. Sociatria (do grego iatreia = teraputica) a cincia do tratamento dos s istemas

    sociais. (MORENO, 1999, p.33) 6 Conjunto de tcnicas para medir e estudar os processos vinculares (vnculos ou relacionamentos entre

    pessoas) que se manifestam nos grupo humanos (MENEGAZZO, TOMASINI, ZURETTI, 1995, p.199).

    Sociometria (do grego metrein = medir) a cincia da medida do relacionamento. O socius recebe aqui

    uma importncia maior do que o metrum. (idem, ibidem)

  • 15

    Em 1925, vai definitivamente morar nos Estados Unidos, onde encontra

    contexto mais receptivo para suas teorias e finalmente reconhecido. L, em seus

    ltimos anos, escreve, entre outras coisas, sua autobiografia (MORENO, 1985). Na

    hiptese de Marineau:

    Os registros na Europa indicam que Jacob Levy (Moreno) sempre usou seu

    verdadeiro lugar e data de nascimento em documentos oficiais naquele

    continente, como, por exemplo, na Universidade de Viena. Assim, no

    obstante conhecesse os fatos histricos, sentia claramente a necessidade de

    criar uma nova histria quando chegou a Nova York. (1992, p.22)

    Entretanto, em sua tardia autobiografia, que no terminada em vida e

    publicada por sua esposa Zerka e seu filho com ela, Moreno por si mesmo nos diz:

    Minha me nunca validou essa fantasia do meu nascimento; ela fazia alguns

    comentrios e modificaes... Voc estava viajando num navio, mas o navio

    era o meu corpo, que pariu voc. Assim a histria do meu nascimento passou

    ao domn io do mito. (CUSCHNIR, 1997, p. 22)

    Seu nascimento controvertido se confunde com a histria do nascimento do

    psicodrama.

    Espero que isto no parea imodstia, mas como o psicodrama foi minha

    criao mais pessoal, o seu bero em minha autobiografia pode projetar mais

    luz sobre o seu nascimento. Esta exceo ao hbito intelectual de sobriedade

    pode ser particularmente desculpvel em virtude do modo como se

    desenvolveu o psicodrama. (MORENO, 1987, p.50)

    Moreno destaca quatro momentos, ainda como cidado europeu, que formam o

    bero do psicodrama (idem, ibidem) e que sero determinantes, pelo olhar dele, para os

    caminhos que a abordagem seguiu. Destaco aqui os quatro e os amplio a partir de

    pesquisa bibliogrfica adicional.

    O primeiro sua inusitada brincadeira de ser Deus aos quatro anos de idade.

    Ele mesmo relata que considera essa como sua primeira direo psicodramtica, em que

    tambm desempenha o papel de ator. Ele e vrias crianas brincam de um hipottico cu

    divino, onde o pequeno Jacob, no papel de Deus, sobe no alto de vrias cadeiras

    empilhadas, enquanto as outras crianas, como anjos, voam abaixo com seus braos

    estendidos em volta da pilha. Uma das crianas questiona em dado momento porque ele

    como Deus no voa. E ele, sem hesitao alguma, voa - diretamente para o cho,

    descobrindo atravs de seu brao quebrado uma importante diferena entre realidade e

    fantasia: as consequncias de ambas. A busca de definies, contornos e integrao

    entre essas instncias vo inspirar vrios de seus escritos posteriores. Destaco o conceito

    de realidade suplementar que est na base de quase toda sua teoria. O conceito confere a

    toda ao dramtica realizada no palco do psicodrama, uma experincia nova e

  • 16

    alargada da realidade, que ele considera no caso da realidade suplementar,

    pluridimensional (MORENO, 1999, p.104).

    Esse acontecimento , segundo Moreno (1987, p. 51), pode tambm ter

    determinado fortemente suas pesquisas posteriores, como, por exemplo, sobre o

    processo de aquecimento para estados espontneos, e a reflexo de que at o ser mais

    alto depende de outros, a qual vai definir, mais tarde, como egos auxiliares.

    O segundo momento, em ordem cronolgica, sua juventude vivida em uma

    Europa de virada de sculo e um Moreno, que por vrios motivos familiares, passa a

    morar s, muito cedo, e vai criando seus parmetros polticos, espirituais e econmicos

    de maneira bastante peculiar. Ele mesmo relata um momento em que, ainda adolescente,

    logo aps a separao dos pais, sob a luz do luar e diante de uma esttua de Jesus, esse

    judeu sefaradita7 teria entrado num estado do que ele chamou de megalomania normal

    (KNOBEL, 2004, p.38). Segundo Moreno, ele teria optado nesse momento pela crena

    de si mesmo como um ser extraordinrio, e optado pela humanidade como sendo seus

    irmos, e no mais por uma famlia. Deveria tomar o caminho do universal e csmico.

    Da por diante, suas aes de deixar crescer a barba, usar um manto esverdeado, no

    usar mais seu nome e sim incorporar esse personagem que cria de olhos azuis

    cativantes, vo culminar mais adiante no inquietante livro As Palavras Do Pai, onde

    criador e criado a um s tempo (MORENO, 1992).

    Nessa etapa jovem, ele mesmo destaca vrias aes como embrionrias do

    psicodrama.

    O jovem Moreno como estudante de medicina, entre 1908 e 1911, promove o

    que chamou de psicoterapia para deuses cados (MORENO, 1987, p.52). Sua

    brincadeira de Deus e muitas outras so propostas para crianas nos jardins de Viena.

    Conhecia Rousseau, Pestalozzi e Froebel. Mas isso era um novo enfoque. Era

    um Jardim de in fncia em escala csmica, uma revoluo criativa entre as

    crianas. No se tratava de uma cruzada filantrpica de adultos em prol de

    crianas, mas uma cruzada de crianas em favor de si mesmas, em prol de

    uma sociedade de sua prpria idade e com seus prprios direitos. (idem, p.

    51)

    Ele permite e estimula que crianas reconstruam seu cotidiano com os adultos,

    atuando de improviso. J a se v o improviso como base de uma preocupao com a

    7 Descendentes dos judeus que viveram em Portugal e Espanha por cerca de 500 anos, at 1492, quando

    foram expulsos pelos reis catlicos Fernando e Izabel, espalhando-se pela Europa, pelo Oriente Mdio e

    pelas Amricas (idem, 2004, p.35)

  • 17

    quebra de esteretipos sociais e o incio de sua guerra contra os robs8 e o que chama

    de conserva cultural9: a revoluo criadora (idem, p.94). O sucesso dessas

    intervenes com crianas lhe rende uma sugesto de pais e professores para que abra

    um teatro para crianas. Uma das crianas sob seus cuidados Elisabeth Berner 10, que

    descobre seu talento para o teatro nas mos de Moreno depois de apresentar

    comportamentos infantis considerados pelos pais e professores como inadequados

    (MARINEAU, 1992, p. 51). O resultado do tratamento de Moreno a motiva na escola,

    na convivncia com outras crianas e em relao sua prpria imaginao, assim como

    outras crianas tambm se transformam atravs de seus jogos. A continuidade desse

    trabalho com crianas, no entanto, comprometida em funo da administrao das

    escolas e de pais que mobilizam at a polcia para verificar quem o homem que mora

    na rvore, que veste um manto esverdeado e que exerce tanta influncia sobre as

    crianas do parque (idem, p.52).

    Nessa poca, Moreno funda com alguns amigos uma espcie de religio centrada

    na criatividade, com encontros para discutir questes filosficas e teolgicas, alm de

    um culto ao anonimato. A regra do anonimato determina, por quase toda sua vida, que

    lute para que suas obras sejam patrimnio da humanidade e no de um nico homem.

    Tambm atua com um grupo vienense de mulheres profissionais do sexo, no qual

    promove uma ajuda mtua entre elas mesmas, a ponto de chegarem a contratar

    advogado e mdico para atend- las e se constiturem como uma pioneira associao em

    1913 para batalhar pelos seus direitos.

    Nessa fase de intervenes comunitrias, Moreno tambm atua junto a

    refugiados tiroleses do sul, dado que tinha um trabalho como mdico infantil num

    hospital do campo que os abrigava. Em meio guerra, Moreno, que no pudera servir

    por possuir dupla nacionalidade (romeno e turco 11), ajuda na melhoria da situao

    precria dos que tiveram que abandonar suas casas por conta da invaso do seu territrio

    pelos italianos (idem, p.55). Ele intercede junto administrao do campo para que as

    pessoas sejam colocadas mais prximas de quem tm mais afinidade religiosa,

    econmica ou de estilo de vida. Assim, as famlias podem entrar menos em conflito 8 Ideia desenvolvida por Moreno ligada ao avano da tecnologia e aos apetrechos produzidos pelo homem

    para substituir a ao humana direta. 9 O conceito de conserva cultural, que muito central em sua teoria, comea sendo visto por Moreno

    como comportamentos clichs e estereotipados, porm, seus seguidores desenvolveram d istines entre

    uma conserva cultural esvaziada e repetitiva, de uma que fert iliza a humanidade com a cultura da qual

    faz parte. Veremos isso adiante de maneira mais pormenorizada. 10

    Famosa atriz alem na poca. 11

    Herana paterna.

  • 18

    numa situao j de muita dificuldade, em um pas estranho e em condies precrias,

    como a de viverem em barracas improvisadas etc.

    O que se percebe nessas aes pblicas seu grande interesse pelo coletivo, por

    grupos, e suas escolhas, que sero mais tarde a base para sua teoria de papis e

    sociometria. Tambm se revela seu carisma junto aos rebeldes desvalidos e grande

    atrao por apoiar e potencializar minorias.

    Em 1918 tambm se envolve com a edio de um jornal: Daimon, por conta do

    qual se relaciona com artistas, intelectuais e mdicos contrrios obra de Freud, como

    Adler. Marineau nos conta sobre essa publicao:

    Durante o perodo de sua existncia, conseguiu obter contribuies dos mais

    conhecidos escritores da ustria e da Europa. A lista impressionante e

    inclui Max Brod, Gtersloh, Emil Rheinhardt, Friedrich Schnack, Jacob

    Wassermann, Franz Werfel, Franz Biel, Pau l Claudel, Blaise Pascal, Ivan

    Goll, Egon Wellesz, Andr Suares, Martin Buber, Ernest Bloch, Fritz Lampl,

    Ernst Weiss, Oscar Kokoschka, Henrich Mann. (idem, p. 67)

    Em 1919 passa um perodo em uma cidade prxima a Viena, Bad Vslau,

    contratado como mdico de uma indstria txtil. Isso lhe possibilita manter um

    consultrio gratuito na cidade e visitar principalmente os pobres, atuando como um

    mdico de famlia. Segundo Marineau, pessoas de lugares distantes vinham para ver o

    Wunderdoctor (o mdico maravilhoso), que tinha fama de fazer milagres. , portanto,

    conhecido como um mdico que se importava com os pacientes e que usava uma

    abordagem original. Nesse mesmo perodo, apaixona-se pela catlica e professora

    Marianne Lrnitzo, que rompe seu noivado e vai viver com Moreno na casa dele.

    Juntos, iniciam vrias experincias, inclusive msticas, alm de arriscados tratamentos,

    como o de um suicida, simulando sua morte para salv-lo. Novamente, a sociedade se

    vira contra Moreno, pois difcil compreender estas aes inovadoras, porm

    extremamente diferentes do comportamento moral vigente.

    Moreno era uma figura perturbadora e podemos imaginar quo complicada

    deve ter sido, para as pessoas de uma cidade pequena, tentar entender um

    homem que falava palavras de Deus, que roubou uma jovem de um noivo e

    tinha amigos como Peter Altenberg ou Elizabeth Berger. Os cidados

    burgueses de Bad Vslau, muitos dos quais ativistas de grupos pr-nazistas

    devem ter achado inquietante o jovem mdico. Seus aliados naturais eram os

    trabalhadores, especialmente comunistas. Seu judasmo agravava a situao...

    (idem, p.77)

    O terceiro momento destacado por Moreno e que marca oficialmente o

    nascimento do psicodrama a exibio de Moreno em primeiro de abril de 1921, dia

    internacional da mentira, no que ele mesmo considera a primeira sesso psicodramtica

    oficial. Voltamos ao tema da realidade suplementar, do teatro e da mentira.

  • 19

    Essa sesso tem lugar no Komoediaen Haus de Viena (MORENO, 1987, p.52) e

    indica uma inteno de grande impacto, de tratar em tom sarcstico da falta de lidera na

    poltica da poca12: uma poltrona de pelcia vermelha no palco, um manto prpura e

    uma coroa dourada constituem o cenrio que surge na abertura das cortinas. O prprio

    Moreno, sozinho, vestido de bobo da corte, se apresenta para uma plateia de cerca de

    mil pessoas, entre curiosos, representantes de estado europeus e no europeus, de

    organizaes religiosas, polticas e culturais, mdicos, militares, ministros e advogados.

    Todos so convidados a subir ao palco e dizer que ideias um lder deveria ter para se

    candidatar a rei do mundo. A plateia decidiria quais propostas aprovar. Na realidade, o

    pblico que permanece aps o impacto, que leva pessoas a sarem indignadas, no

    aprova nenhuma proposta e consequentemente nenhum rei. Vrios sobem ao palco e

    opinies sobre o evento, discrepantes entre si, estampam jornais do dia seguinte.

    Moreno declara que queria curar o pblico de uma doena, que nomeia como

    sndrome cultural patolgica. Essa interveno artstico/social continha a ideia de que a

    humanidade necessitava de uma forte liderana para se organizar, como um grupo social

    qualquer, e de que, pelo menos naquele momento, no havia organizao suficiente para

    evitar que esse lder no funcionasse como um messias. Moreno, atravs dessa ao

    pblica, denuncia e escancara satiricamente o retrato dessa doena social.

    Nesse tempo, do ponto de vista poltico, a Alemanha derrotada ficara

    extremamente restrita e pressionada pelo tratado de Versalhes (CARLOS I..., 2011), o

    que alimenta sua vingana posterior. Ironicamente, j vemos aqui anunciada a vaga para

    um lder que surgisse com ambio de reger a humanidade. Vamos acompanhar esse

    raciocnio com a pontuao de que Hitler e Moreno nasceram no mesmo ano e essa

    experincia de Moreno acontece pouco aps Hitler ter se rvido na primeira guerra

    mundial como cabo - ele formaria a liderana nazista tempos depois.

    A apresentao de Moreno aplaudida por parte do pblico, mas muitas

    autoridades saem antes do trmino, indignadas. Marineau acha que Moreno, nesse

    momento, ainda no est maduro como diretor de sociodrama para conduzir uma

    multido to grande e to heterognea (1992, p. 81) e ressalta que, em sua opinio,

    12

    Tudo isso se passa em um contexto ps -guerra e aps a longa monarquia de Francisco Carlos, morto

    em meio a guerra e sua substituio por Carlo I, que deposto em 1918, juntamente com a monarquia.

    Carlos I ainda tenta restabelecer a monarquia em 1921, mas morre no ano seguinte, coincidentemente no

    dia primeiro de abril (CARLOS I..., 2011)

  • 20

    somente em 1931, nos Estados Unidos, no Carnegie Hall, que se pode considerar que

    tenha atingido esse objetivo.

    Em seu livro Teatro da Espontaneidade, Moreno reproduz vrias publicaes

    da imprensa europeia e norte-americana a respeito de suas apresentaes de teatro da

    espontaneidade em 1921 e posteriores, que ele e seus amigos de teatro promoviam.

    Algumas dessas publicaes (MORENO, 1984, pp.121-129):

    O dramaturgo apresenta-se audincia como Bobo da Corte, o qual est em

    busca do Rei do Mundo, do Rei que no pode ser escolhido, mas que deve ser

    reconhecido porque existe enquanto ideia e tem por verdadeiro habitat o

    corao da humanidade. A apresentao foi recebida pelo pblico com

    aplausos irnicos que por vezes atrapalhavam a produo. Mas tambm

    houve pessoas que pertenciam aos seguidores de Werfel e que defenderam

    vigorosamente o misterioso poeta. Wiener Mittagszeitung, 2 de abril de

    1921.(ib idem, p.121)

    Viena tem uma trupe, sob a direo de J.L.Moreno, a qual ao invs de

    reproduzir linhas escritas, improvisa-as no momento. Asseguro-lhes que isto

    pode ser mais divertido e impressionante do que o trabalho de todos os

    nossos clssicos, Strindberg. Paul Stefan, Die Stunde, Viena, 5 de maio de

    1924. (ib idem, p. 121)

    No impossvel, se guiarmo-nos pelo que sabemos da histria de nossa

    evoluo espiritual, que o Teatro do Improviso seja o teatro do futuro.

    Leipziger Neueste Nachrichten, Leiipzig , 21 de dezembro de 1924. (ib idem,

    p. 122)

    Do ponto de vista artstico e cultural, ainda que no estivesse maduro, Moreno

    est muito bem acompanhado por uma virada de sculo riqussima em propostas de

    transformaes. Clvis Garcia13 rene uma lista interessante de nomes e fatos relativos

    virada do sculo e afirma que, frequentemente, nessas viradas de sculo esto as

    maiores transformaes humanas. S para citar alguns: na Filosofia, Nietzsche e

    Bergson; na msica, Dbussy e Stravinsky; na literatura, Kafka e Proust; nas artes o

    aparecimento do cinema, com Chaplin e da fotografia; na fsica, Einstein; na mecnica,

    a inveno do automvel e do avio; aparecimento da indstria; na arquitetura, Antonio

    Gaudi; na pintura, Rodin; na dana Nijinsky e Isadora Duncan, que danou Afrodite

    vestida com uma tnica e sandlias de tiras (BERTHOLD, 2006, pp.469-470); na

    psicologia, Freud e Jung.

    Especificamente no teatro, a transformao dessa poca radical, com a

    extino das cortinas; a criao de palcos giratrios; as mudanas geradas pela

    utilizao cada vez maior da luz eltrica e pela possibilidade de deixar o pblico no

    escuro, atravs da inovao de Richard Wagner (HISTRIA DA ILUMINAO...,

    2011.); o cenrio interligado com o enredo; o palco por vezes completamente nu.

    13

    (1925-2012) Foi p rofessor do Departamento de Artes Cnicas da ECA-USP e psicodramat ista.

  • 21

    Nomes como Stanislvski (1863-1938), Brecht (1898-1956), Meyerhold (1874-1940),

    Gordon Craig (1872-1966), Appia (1862-1928), Ibsen (1828-1906), Jacques Copeau

    (1879-1949), Jean-Louis Barrault (1910-1994) e Reinhardt (1873-1943) inovaram

    profundamente o teatro burgus vigente. No trecho a seguir, podemos ver a semelhana

    com o choque que Moreno provocou:

    Reinhardt, porm foi ainda mais longe. O pblico precisava tomar parte no

    apenas de modo passivo, mas ativamente. E ele produziu ento o seu famoso

    e notrio Danton, de Romain Rolland. Foi no Grosses Schauspielhaus em

    Berlim, em 1920. Sentados entre o pblico, mais ou menos cem atores

    lanavam aos gritos sucessivos apartes durante a assembleia revolucionria,

    saltando da cadeira com gestos selvagens... A plateia conservadora interps

    seu veto. O teatro total, que menos de meio sculo mais tarde se tornou a

    divisa comum de todos os experimentadores, nasceu na Alemanha com o

    grandioso fracasso de Max Reinhardt no Grosses Schauspielhaus, em Berlim.

    (idem, p.488)

    O descontentamento com o teatro era geral e a rebeldia de Moreno est de fato

    alinhada com o pensamento do movimento vanguardista da poca.

    Moreno, em seus textos, critica muito o teatro pela ausncia de espontaneidade

    dos atores e ataca violentamente o clich teatral. No entanto, devemos relativizar a

    crtica, contextualizando a qual teatro ele se referia. Ou seja, um teatro igualmente

    criticado por inquietos artistas teatrais do perodo. Mais um trecho que ilustra o esprito

    da poca (acerca do espetculo Ubu Rei, escrito por Alfred Iarry):

    Firmin Gmier fazia o papel de Ubu, e sua primeirssima palavra Merdre

    estilhaou o conforto ps-prandial das plateias. As poltronas ocupadas pela

    elite do cu lto simbolista da beleza. Ali estavam Mallarm e Henri Ghon,

    W.B.Yeats e Arthur Symonds e diante de seus olhos nascia o teatro de

    vanguarda do sculo vindouro. (idem, p. 469)

    O trecho mostra a busca de vrios artistas por uma quebra do paradigma da

    beleza, do arrumadinho da aristocracia, do artificialismo, por meio do teatro

    experimental.

    Retomando a vida de Moreno, a apresentao de 1921 abre espao para que ele

    crie, junto com seus amigos artistas Frans Werfel, Oskar Kokoschka, Franz Biel, Anna

    Hllering (Brbara), George Kulka, Robert Muller e Peter Lorre, entre outros

    (MARINEAU, 1992, p.81), seu Teatro da Espontaneidade. Em apresentaes que

    passam a serem frequentadas por atores amadores, poetas e pblico em geral, faz muitas

    de suas experincias que sero mais plenamente desenvolvidas em sua fase americana, a

    partir de 1925.

    Que experincias so essas? Moreno aluga um espao na Maysedergasse, em

    Viena, onde pode colocar, a cada sesso de Teatro da Espontaneidade, entre cinquenta e

  • 22

    setenta e cinco espectadores, e um grupo de atores que apresenta peas espontneas,

    conforme proposio do pblico presente. Nesse tempo a vanguarda teatral j comeava

    a valorizar a figura do diretor de teatro, que nesse caso especfico inova por colocar-se

    no palco para mediar a passagem das propostas, concretizando-as em cenas realizadas

    pelos atores-espontneos. Segundo Marineau, o auditrio est sempre lotado e o pblico

    vai aprendendo a se envolver com a proposta. Isso ainda no era chamado de

    psicodrama, mas os mtodos bsicos j estavam colocados. A eliminao do texto

    escrito, a pesquisa de estados espontneos, as histrias relatadas e inventadas, que

    surgiam da vida privada ou da comunitria, configuram o que Moreno nomeia de

    criaturgia.

    Opera em um nvel que no se preocupa com a separao entre esttico e

    vivencial, entre atores e espectadores, entre individual e grupal, pois cada

    personagem dramtica criadora de si mes ma e o poeta aquele que as

    combina dentro de um todo unificado (MORENO, 1984, p. 89)

    O quarto e ltimo momento destacado por Moreno como bero do psicodrama e

    que tem lugar em suas prticas no Teatro da Espontaneidade o famoso, entre os

    psicodramatistas, caso de Brbara. A situao ocorrida e as intervenes de Moreno

    nesse caso mudam muito os destinos que ele dar s suas descobertas com o

    psicodrama.

    Brbara (Anna Hllering) uma atriz amadora que frequenta as sesses de

    Teatro da Espontaneidade e que se dispe, assim como tambm chamada pelo pblico,

    a desempenhar personagens ingnuos, heroicos e romnticos. Parece que esses papis

    so interpretados com muita veracidade por ela no improviso das cenas. Um jovem

    frequentador, um poeta e dramaturgo chamado Georg, se apaixona por Brbara e com

    ela se casa. Contudo, um dia, Georg desabafa com Moreno seu desejo de se separar de

    Brbara, pois ela no seria a meiga Brbara que todos pensam. Conta que ela muito

    agressiva com ele e que j chegou a trat- lo com grosserias e violncia fsica.

    Nessa poca, havia dois tipos de crticas ao trabalho de Moreno, dependendo do

    olhar do pblico. Por um lado, suspeitas de que as cenas no fossem improvisadas, pois

    davam certo demais. Por outro, afirmaes de que as interpretaes eram muito

    imperfeitas esteticamente, pois os atores espontneos se distanciavam muito do padro

    burgus vigente.

    Reagindo crtica de tudo ser ensaiado, Moreno cria uma nova modalidade de

    Teatro da Espontaneidade a qual batiza como Jornal Vivo ou Jornal Dramatizado. A

    caracterstica principal que a notcia do dia de algum jornal dirio que dramatizada.

  • 23

    Isso garante a impossibilidade de grandes ensaios para que se obtenha um resultado

    cnico perfeito. Essa modalidade justamente a que Moreno utilizar para curar o

    casal Brbara e Georg, e que, como veremos adiante, determinar sua resposta social

    segunda crtica, a de falta de perfeio na composio dos personagens.

    Moreno convida Brbara para interpretar, no palco do Teatro da Espontaneidade,

    a personagem de uma profissional do sexo das ruas, que teria sido morta por um

    estranho, usando a argumentao de que ela poderia explorar outras possibilidades

    menos ingnuas e mais vulgares. Ela o faz com o prazer de uma nova busca e se sai

    muito bem no papel, surpreendendo o pblico com sua habilidade agressiva. A partir

    da, ela passa a desempenhar esse tipo de papel com maior frequncia. Georg procura

    Moreno para dizer- lhe que Brbara mudou muito e que at riu durante uma de suas

    brigas com ele, recordando que estava parecida com a personagem que interpretava no

    palco,assim desmobilizando sua violncia imediatamente. Georg tambm relata sua

    compreenso da esposa assistindo-a interpretar papis como de (...) domsticas,

    solteironas solitrias, esposas vingativas, noivas rancorosas, empregadas de bar e

    companheiras de marginais (MORENO, 1987, p.53). O casal chamado ao palco

    psicodramtico e passa a trazer, em sucessivas apresentaes, as cenas reais deles e

    cenas familiares de ambos. Essa a primeira psicoterapia de casal de que se tem notcia.

    Moreno chama esse procedimento de teatro recproco. Segundo Marineau (1992, p.78)

    baseia-se em teorias sistmicas, e um precursor da terapia familiar e comunitria,

    tendo conexo com a religio do encontro14 de Moreno15.

    Pronto: Moreno descobre a ao psicoterpica do seu Teatro da Espontaneidade

    e a metodologia passa a ser chamada de teatro teraputico ou psicodrama. Mais tarde,

    seus seguidores iro lamentar que ele no a tivesse chamado de socionomia16, nome

    mais abrangente, por abarcar tambm seus estudos de sociodinmica, sociatria e

    sociometria desenvolvidos na sua fase americana. Porm, o nome psicodrama, como

    genrico da metodologia, consagrou-se e se imps. Embora exprima uma parte mais

    ligada ao psico do que ao socio, historicamente marca sua descoberta da ao

    psquica da potente metodologia de descristalizao de sistemas estereotipados, mesmo

    quando se trata de grupos sociais ou de aprendizagem. A descoberta de uma

    14

    Uma espcie de relig io fundada no relacionamento entre as pessoas, que fundou com alguns amigos,

    na qual se pregava entre outras coisas o anonimato das criaes cientficas e artsticas. 15

    O casal Brbara e Georg depois de algum tempo se separa e cinco anos mais tarde Georg se suicida.

    Esta uma informao que s foi revelada na biografia de Moreno feita por Marineau em 1992, e um

    verdadeiro choque para a comunidade psicodramtica. 16

    Definida por Moreno como a cincia das leis sociais (MORENO, 1999, p.33)

  • 24

    interveno que coloca oponentes em conflito, um no lugar do outro, atravs da

    inverso de papis, que abre espao para que se expresse a fria e a dor, evitando-se

    assim que aes destrutivas tenham consequncias irreversveis. As consequncias da

    realidade ou a suspenso delas marca o mtodo e permite a abertura para a busca da

    sade mental por meio dele.

    Moreno, ento, reorienta o recm-nascido psicodrama para os domnios da

    psicoterapia, ficando a abordagem por muito tempo quase que indissolvel e

    exclusivamente ligada rea da sade, afastando-se cada vez mais da rea da educao

    e do campo social, ainda que ele tenha ressaltado que a psicoterapia seria tambm um

    processo de aprendizagem. Esse afastamento acontece porque a esttica improvisada,

    ligada tica e ao resultado emocional de pacientes e de seus problemas confere ao

    psicodrama solidariedade e, segundo o prprio Moreno, identificao imediata. Isto, na

    poca, o isenta de crticas muito fortes sobre a qualidade de seu teatro.

    O Teatro para a Espontaneidade converteu-se num lugar de reunio dos

    descontentes e rebeldes psic