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Revista on-line da ABRATES Ano 2 – Número 8 Drops Abrates – Saúde – Tecnologia – Literatura IX Congresso da Abrates: o “Call for Papers ” já está no ar. ESPECIAL “OS MAIS BEM VOTADOS” Reunimos as apresentações mais bem-votadas do VIII Congresso: Currículo visual Tradução literária para o inglês As armadilhas da interpretação E muito mais

rs “OS MAIS BEM VOTADOS”...Participou da elaboração e executou o primeiro edital do Programa de Residência de Tradutores Estrangeiros no Brasil, da Fundação Biblioteca nacional

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Revista on-line da ABRATES Ano 2 – Número 8

Drops Abrates – Saúde – Tecnologia – Literatura

IX Congresso da Abrates: o “Call for Papers” já está no ar.ESPECIAL “OS MAIS BEM VOTADOS”

Reunimos as apresentações mais bem-votadas do VIII Congresso:

Currículo visualTradução literária para o inglêsAs armadilhas da interpretação

E muito mais

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

NestA ediçãoCARtA do PResideNte

dRoPs AbRAtes

NA eRA dos “memes”, PRosPeCte ClieNtes Com CuRRíCulos visuAis

sAúde e quAlidAde de vidA

tRAdução liteRáRiA PARA o iNglês? mAy the foRCe be with you!

AiNdA há esPAço PARA tRAdutoRes No meRCAdo AudiovisuAl de eNtReteNimeNto?

ARmAdilhAs de CAbiNe

ComuNiCAR é PReCiso: o ComPlexo tRAbAlho dA legeNdAgem e Como Podemos melhoRá-lotRAdução e teCNologiA: A hoRA de disCutiR A RelAção

bits

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Estamos encerrando um ano de grandes conquistas para todos os associados da Abrates! Consolidamos uma posição de grande destaque entre as associações profissionais de nossa área, com muitos programas e serviços sendo elogiados por outras entidades que nos consultam com frequência para tentar implementar novidades para seus associados. Não posso deixar de destacar algumas destas conquistas aqui, na Metáfrase, uma publicação que se firmou durante este ano, amadureceu, e está cada dia mais gostosa de ler. Nossa divulgação tem sido cada vez maior entre profissionais e estudantes de tradução e interpretação. Aproveito para pedir a vocês que nos ajudem a divulgá-la, é grátis e todas as edições estão disponíveis em nosso site. É muito importante divulgarmos não só as matérias tão bem-escritas de nossa revista, mas também o nome da Abrates como promotora ativa de assuntos da nossa profissão. Profissionais bem-informados são profissionais mais bem-preparados, e todos ganhamos com isto.

Durante o ano de 2017, conseguimos finalmente oferecer a possibilidade de um seguro-saúde para nossos associados, um dos pedidos mais frequentes que nos faziam há muito tempo. Essa conquista é fruto de negociações de mais de três anos, iniciada na diretoria anterior, e que já beneficia muitos associados, que agora podem contar com um plano de saúde de alto nível com valores mais acessíveis. Também está disponível o plano de tratamento odontológico, ambos pela SulAmérica.

Estamos finalizando as negociações de um seguro que deve agradar muito aos intérpretes e àqueles que precisam trabalhar fora do home office: um seguro para computadores e telefones celulares. Queremos anunciar este seguro antes do fim do ano.

Em termos de promoções, mais uma vez, nossa diretora Paula Ianelli se desdobrou e conseguiu ótimos descontos para nossos associados em diversas ferramentas que facilitam o nosso dia a dia.

Nosso congresso foi novamente um grande sucesso, com avaliação geral de 4,4 estrelas em um total de cinco! E já estamos recebendo propostas de palestras para o congresso de 2018, que será no Rio de Janeiro, de 15 a 17 de junho. Que tal nos ajudar a fazer mais um evento de sucesso? As propostas de palestras devem ser enviadas por nosso site. O tema para este ano é “Tradução e Interpretação: inclusão de palavra em palavra”. Uma novidade: a venda de ingressos para o próximo ano será aberta inicialmente apenas para associados, e serão apenas 700 ingressos. Se você não é associado e não quer perder este que é um dos maiores e melhores congressos de nossa área no mundo, que tal se associar? Associados pagam menos no ingresso e terão algumas vantagens, que estamos elaborando, durante o congresso.

A Abrates tem expandido sua participação em eventos fora do eixo Rio-São Paulo, com nosso diretor Ricardo Souza participando do evento Poliglotar, em Fortaleza, e nossa diretora Val Ivonica, nos representando em Porto Alegre, na Semana dos Estudos da Tradução, da UFRGS. Temos também uma nova Representante Regional para a Região Sul: Luciana Bonancio. Com base em Curitiba, Luciana nos ajudará a ser mais presentes e a participar mais ativamente na região. Seja bem-vinda, Luciana!

Outra novidade que conseguimos implementar este ano, e que beneficia muitos associados, foi a mudança de idade para que o associado seja considerado da categoria sênior, passando a pagar 50% menos em sua anuidade: esta mudança acontecia aos 65 anos completos, agora, ela é válida a partir dos 60 anos. O que possibilitou tal mudança foi a boa gestão administrativa e financeira dos últimos anos, realizada por nossa ex-tesoureira, Dayse Boechat, pelos atuais tesoureiros, Ricardo Souza e Manuela Sampaio, e por nossa gerente administrativa, Daniele Liberal.

No campo da representatividade e divulgação da importância de nossa categoria, iniciamos conversações com a CBL, a Câmara Brasileira do Livro, para que possamos unir forças e ter uma representação da Abrates junto às editoras. Também estamos acertando detalhes com o SEBRAE, para participarmos em eventos para importadores e exportadores, e mostrar a importância da tradução e interpretação profissional em negociações com o exterior. Esta iniciativa é parte do movimento de conscientização do mercado sobre nossa categoria e dá sequência ao projeto iniciado quando fomos ao Google Campus palestrar para criadores de startups. Se você souber de algum evento no qual a tradução e a interpretação possam ser divulgadas para futuros compradores, fique à vontade para nos informar e nos ajudar a viabilizar a participação da Abrates. O contato junto ao SEBRAE-SP foi viabilizado por nossa associada Giovana Boselli. Obrigado, Giovana!

Voltando à Metáfrase, aproveitem as matérias que temos nesta edição. São assuntos interessantíssimos, como a matéria sobre currículos visuais, de Carolina Walliter, palestrante mais bem-avaliada de nosso último Congresso; informações sobre o mercado audiovisual de entretenimento, com Leilane Papa e Carolina Selvatici; Ulisses Wehby falando sobre o “jogo de cintura” que um intérprete precisa ter; dicas de aplicativos, tecnologia e produtividade, com Ricardo Souza, Sidney Barros e Cris Tribst... Enfim, é garantia de leitura agradável, informativa e fundamental.

Encerro com um agradecimento especial a todos que têm nos ajudado a aprimorar a Abrates, a oferecer mais e mais aos associados, à equipe que cuida com tanto carinho da Metáfrase, ao Comitê de Mentoria, aos mentores e mentorados deste programa que ajuda a melhorarmos o mercado para todos nós, aos diretores da Abrates, que se dedicam incessantemente para permitir os avanços, e a vocês, nossos associados, pela confiança que depositam em nós. Saibam que muito nos recompensa sentir a aprovação de nossa gestão em cada contato que temos com vocês.

Um grande abraço, boas festas e que 2018 nos traga muitas conquistas!

CARTA DO PRESIDENTE

Diretoria

William Cassemiro – PresidenteRenato Beninatto – Vice-presidentePaula Ianelli – Primeira SecretáriaVal Ivonica – Segunda Secretária

Ricardo Souza – Primeiro TesoureiroManuela Sampaio – Segunda Tesoureira

Equipe Metáfrase

Petê Rissatti – Editor-chefeCarolina Caires Coelho – Editora adjunta

Camila Fernandes – RevisoraDener Costa – Designer e diagramador

A revista digital Metáfrase é publicada seis vezes ao ano em formato digital (PDF) pela Associação Brasileira de Tradutores e Intépretes (Abrates).

Somos a Abrates, Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes, associação sem fins lucrativos e administrada por tradutores/intérpretes voluntários, fundada no Rio de Janeiro, nos anos de 1970. Promovemos cursos, eventos e fomentamos a troca de conhecimento e contatos entre colegas e/ou instituições e agências. Através da ponte que estabelecemos flui o conhecimento e é feito o networking, mudando carreiras e vidas. Cada vez mais presente e atuante, a Abrates oferece vários benefícios para os associados. Veja mais aqui no site e associe-se!

As informações dos artigos constantes da Metáfrase são de inteira responsabilidade de seus autores, salvo disposto em contrário. Em caso de dúvidas, sugestões, críticas ou reclamações, envie um e-mail para [email protected]

Entre em contato com a Abrates pelo e-mail [email protected] números anteriores da Metáfrase, acesse: www.abrates.com.br/revista-metafrase

Esta publicação está licenciada sob a Licença Internacional Creative Commons de Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações 4.0.

Para visualizar uma cópia dessa licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR

CaRTa Do PRESiDEnTE

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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Colaboradores desta ediçãoAlzira Leite Vieira Allegro é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo; é tradutora juramentada e literária, foi professora na extinta Faculdade ibero-americana/Unibero durante cerca de 20 anos, atualmente é professora de Tradução e de Literaturas de Língua inglesa na Pontifícia Universidade Católica/PUC-São Paulo e de Tradução Literária/Prosa do Programa Formativo para Tradutores Literários da Casa Guilherme de almeida. Traduziu várias obras para o português; em coautoria publicou Whatchamacallit?, Happy Couples e Glossário de Termos

acadêmicos e de Educação.

Carolina Selvatici é bacharel em Comunicação Social — Jornalismo pela UFRJ e mestre em Letras — Estudos da Linguagem pela PUC-Rio. Completou o curso de formação de tradutores Português/inglês em 2007. Desde então, traduz para diversas editoras e produtoras do país e do exterior. Participou da Fabrique des Traducteurs Português/Francês, realizada em arles, França, pelo Colégio internacional de Tradutores Literários (CiTL). Participou da elaboração e executou o primeiro edital do Programa de Residência de Tradutores Estrangeiros no Brasil, da

Fundação Biblioteca nacional.

Carolina Walliter é intérprete e tradutora profissional desde 2010, com especialidade em marketing, e-commerce, comunicação criativa e corporativa, turismo e localização. nas horas nem tão vagas assim, reflete sobre os desafios das suas profissões em seu blog, o Pronoia Tradutória. Entusiasta do coworking na comunidade dos linguistas, gosta de labradores, futebol e carnaval mais que o recomendado pela oMS. Sites: http://carolinawalliter.com/ e http://pronoiatradutoria.com/

Cristiane Tribst é engenheira que virou tradutora técnica há mais de 20 anos. Casada, mãe das gêmeas Estela e Geórgia, tenta conciliar a vida de tradutora em home office, a constante falta de tempo, com a luta para vencer a preguiça e o sedentarismo. Meio nerd, extremamente curiosa, adora pesquisar, ler e mexer com tecnologia, além de não recusar uma boa série de televisão. E-mail: [email protected]

Karla Lima foi publicitária por 16 anos em agências de São Paulo e Lisboa. Formou-se em jornalismo, trabalha como tradutora, ghost writer e preparadora de texto. Lê em média 80 livros por ano e tem cinco publicados.

Leilane Papa é bacharel em Letras — inglês/Português pela PUC-RJ. antes de fundar a Dispositiva, passou por grandes empresas da indústria audiovisual e acumulou mais de uma década de experiência na área de tradução e legendagem, participando de diversos projetos e treinando novos profissionais. Cofundadora da Dispositiva, atua na área de seleção, treinamento e certificação da equipe de tradução e de revisão, com foco no direcionamento dos serviços, na padronização do produto e na qualidade final do material.

natural de Curitiba, Luciana Bonancio é tradutora e professora de inglês há 20 anos. Extremamente comunicativa, não pensa em deixar a sala de aula, local de interação e troca com seus alunos, mas é na tradução que deixa aflorar seu lado mais criativo, traduzindo principalmente nas áreas de marketing, treinamento corporativo e sua grande paixão, a literatura. Formada em Medicina Veterinária pela UFPR, traduz também artigos e livros da área da saúde. É pós-graduada em Tradução pela PUC-PR. Desde 2014 trabalha também com versão literária..

Luiz Fernando Alves, desde cedo atraído por idiomas e as portas que eles abrem, é tradutor do par inglês-português. Pendendo para o lado abstrato e orgânico da tradução, sempre prefere trabalhar com material criativo. a maior parte de sua experiência profissional está na legendagem e localização de games, áreas pelas quais é apaixonado. Formado em Design Gráfico pela UFPR, largou tudo depois de alguns anos para ser tradutor em tempo integral.

Ricardo Souza é tradutor profissional desde 2000, professor de cursos de tradução da Brasillis e da PUC-RJ e membro da diretoria da aBRaTES (associação Brasileira de Tradutores e intérpretes). atualmente se dedica a estudar a evolução das tecnologias de tradução e suas implicações para os tradutores e para as Humanidades Digitais.

nascida em Curitiba, formada em Letras-inglês pela UFPR e pós-graduada em Tradução pela PUC-PR, Samantha Santos é professora de inglês, tradutora e revisora há quase 20 anos no par inglês-português. na tradução, dedica-se especialmente às áreas de marketing, RH e treinamento corporativo. Perfeccionista e incansável nas pesquisas de terminologia, desde 2014 trabalha também com tradução editorial..

Sidney Barros Junior é tradutor técnico (desde 1999) e intérprete de acompanhamento (desde 2012) especializado em ferrovias, engenharias (mecânica e elétrica), Ti, internet, entre outras áreas. atua como mentor no Projeto de Mentoria da aBRaTES, além de manter o grupo Tecnologia e Tradução no Facebook e o site sbj.trd.br.

Ulisses Wehby de Carvalho é intérprete de conferência há 24 anos e tem mais de 2.000 dias de trabalho em cabine. Foi professor de interpretação de conferência da associação alumni, da Unibero, do EPiCourse, em São Paulo, e do Middlebury institute of international Studies at Monterey (MiiS), na Califórnia. Ulisses é membro da aBRaTES e foi presidente da aPiC, associação Profissional de intérpretes de Conferência, de 2009 a 2011. Ele é autor de quatro livros: aprenda inglês com Humor e o inglês na Marca do Pênalti, ambos pela Disal Editora, além do

Dicionário das Palavras que Enganam em inglês e do Dicionário dos Erros Mais Comuns em inglês, lançados pela Editora Campus/Elsevier. É responsável pelo site educacional www.teclasap.com.br desde sua criação em 1997..

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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A luta da febrapils Com a crescente demanda por intérpretes, guia-intérpretes e tradutores da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), que se fazem necessários para uma maior inclusão social de surdos e surdos-

cegos, a Febrapils (Federação Brasileira das Associações dos

Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de Sinais)

apresentou proposta em Brasília para a regulamentação da profissão de intérprete de Libras e de todos os profissionais que atuam na área para que parâmetros mínimos de qualidade e confiabilidade sejam oferecidos àqueles que necessitam desses profissionais. Por meio dessa regulamentação, serão criados também o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Tradução e Interpretação de Libras/Língua Portuguesa. A Abrates apoia a Febrapils e torce para que o reconhecimento e a regulamentação tragam o devido valor que esses profissionais merecem. Conheça a proposta da Febrapils aqui.

vice-presidente da Abrates lança livro em parceria sobre o setor

Renato Beninatto e Tucker Johnson acabam de lançar The General Theory of the Translation Company, um compilado de décadas de experiência no setor de tradução em nível internacional. Renato, que

já atuou em praticamente todas as áreas da tradução e localização e

tem sólida experiência internacional, traz, junto com o colega Tucker Johnson,

uma visão bem-humorada e certeira de como o mercado de tradução é composto, quais são seus problemas e como devemos questionar antigas práticas do setor. O livro, em inglês, está disponível em cópia física de capa dura, mas também em formato digital para Kindle, da Amazon. Saiba mais aqui.

droPs abratesDrops Abrates é a seção da Metáfrase que traz notícias sobre a Abrates e seus associados. É também uma seção aberta, ou seja, se você que nos lê tiver alguma notícia de sua cidade, estado ou região relacionada

à tradução e quiser contribuir com a gente, mande um e-mail para [email protected].

Programa formativo para tradutores literários da Casa guilherme de AlmeidaLançado em agosto de 2013 pelo Centro de Estudos de Tradução Literária da Casa Guilherme de Almeida, o Programa Formativo para Tradutores Literários reúne diversos cursos e atividades que auxiliam na preparação do profissional para ingressar na área de tradução literária. Com abertura anual de ciclos e vagas limitadas, o Programa Formativo é composto por cursos de teoria da tradução, história da tradução literária e oficinas de tradução de poesia e prosa (inglês e espanhol), além de cursos e palestras sobre temas correlatos. As inscrições estão abertas e vão até dia 18 de fevereiro de 2018. Alunos de cursos de Letras, tradutores sindicalizados e associados à Abrates têm 20% de desconto na taxa única de matrícula para todo o programa, que é de R$ 300,00. O curso acontece na cidade de São Paulo, no bairro do Pacaembu. Saiba mais aqui.

Prêmios Jabuti e bN para tradução anunciadosForam anunciados os títulos na categoria tradução dos maiores prêmios literários do Brasil, o Prêmio Jabuti, agraciado pela CBL, e o Prêmio Paulo Rónai, agraciado pela Fundação Biblioteca Nacional. O primeiro lugar do Jabuti foi para Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida: 1823-1832, traduzido por Mário Luiz Frungillo para a Editora Unesp; o segundo lugar foi para Romeu e Julieta, traduzido por José Francisco Botelho para a Companhia das Letras/Clássicos Penguin; e o terceiro foi para Ouça a canção do vento/Pinball, 1973, traduzido por Rita Kohl para a Companhia das Letras/Alfaguara. Já o Prêmio Paulo Rónai, batizado com o nome de um dos fundadores da Abrates, foi para Jaqueta branca, de Hermann Melville, traduzido por Rogério Bettoni para a editora Carambaia. Parabéns a todos os vencedores!

DRoPS aBRaTES

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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Hoje em dia, com o volume de conteúdo

que consumimos em diferentes mídias,

fica cada vez mais difícil reter informações

escritas. Quem nunca parou de ler a postagem de

algum amigo porque ela era longa demais? Quem

nunca lutou contra os próprios devaneios ao assistir

a uma palestra com blocos de texto distribuídos

em uma infinidade de tópicos, em slides repletos

de informações importantes, prontas para serem

descartadas pelo nosso cérebro simplesmente por

Na era dos “memes”, ProsPeCte ClieNtes Com CurríCulos visuais

PaPo DE iniCianTE

Por Carolina Walliter

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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estarem apresentadas em um formato desfavorável?

E o que isso tem a ver com a minha carreira de

tradutor?

Tudo.

O mesmo bombardeio de informações ao qual

estamos sujeitos no dia a dia também acomete a

indústria de prestação de serviços linguísticos,

especialmente em uma de suas portas de entrada:

as agências de tradução, verdadeiros laboratórios

do ofício e muito procuradas por profissionais

iniciantes. Uma agência recebe inúmeros

currículos por dia, em sua maioria sem o foco

apropriado para a função que reivindicam, e não

é de se espantar que muitos desses currículos se

percam em meio às tarefas dos projetos que uma

agência de tradução absorve simultaneamente.

A verdade é que as mulheres e os homens do

século XXI estão mais visuais do que nunca — o

alcance dos famosos “memes” e imagens com

palavras-chaves é muito maior que o dos textos

corridos. Outra verdade é que todos sabemos disso,

mas insistimos em fazer as coisas do mesmo jeito.

Que tal inovar?

Apostei em fazer diferente quando me vi

autônoma, trabalhando em casa, em busca

dos primeiros contatos para montar minha

cartela de clientes. À época, uma coisa eu tinha

como certa para mim: não enviaria aqueles

currículos “uó” feitos em Word nem para o meu

pior inimigo. Assim, com uma rápida busca no

Google, descobri todo um universo colorido

e visualmente atraente dos currículos de

profissionais liberais de outras áreas. Fotógrafos,

arquitetos, designers, todos com um currículo

mais descolado que o outro. Logo bateu aquele

pensamento besta: “Se eu fosse designer, faria

um currículo nesse estilo”. E precisa mudar de

profissão para ter um desses?

Foi assim que percebi que ninguém (ou

pouquíssima gente) estava brincando de

currículo visual no parquinho da tradução.

Mesmo sem parâmetros de sucesso ou fracasso

na minha área, resolvi arriscar pelo simples

fato de que, ao que tudo indicava, um currículo

visual de tradutor faria a diferença e chamaria

a atenção em meio a um mar de currículos

esteticamente enfadonhos.

O currículo visual é uma expressão estética

das suas competências profissionais e deve ser

inteligível para o seu leitor-alvo (cliente). Ele deve

refletir a sua persona profissional e ser condizente

com as suas áreas de especialização para que

você não seja mal interpretado por quem o lê.

E, para atingir esses objetivos, preocupe-se em

desenvolver uma identidade visual para todo o

seu negócio tradutório. Assim, você já mata dois

coelhos com uma cajadada só, desenvolvendo

um material que pode ser aproveitado no seu site

ou portfólio virtual, no cartão de visitas, papel

timbrado e afins.

Ao contrário do que alguns podem estar

pensando, o currículo visual não segue a premissa

“enfeita que vai”, mas, sim, “enfeita que vai até certo

ponto”. A competência de qualquer profissional se

comprova no cotidiano de trabalho, portanto, não

se preocupe, currículos bonitos não vão roubar

trabalho de ninguém. As máscaras caem em algum

momento, não é mesmo?

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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Por outro lado, os currículos visuais podem ser,

sim, muito úteis para quem está começando na

profissão e ainda não tem tantas horas de voo para

mostrar para possíveis clientes. Com um currículo

visual, um novato tem a chance de se destacar

por demonstrar o esforço investido em montar

um currículo diferente, e isso já diz muito sobre

como ele encara a profissão. Quem gasta tempo

tentando elaborar um desses sozinho, ou gasta

dinheiro contratando um designer, definitivamente

não leva a tradução como um bico.

Além disso, como todo currículo, os visuais

precisam ser atualizados de tempos em tempos

para refletir os avanços profissionais que

conquistamos. Tenha uma matriz do seu currículo

que norteie o desenvolvimento de outras versões

com facilidade, para evitar ter que refazê-lo do

zero a cada atualização ou nova prospecção —

sim, vale a pena ter vários currículos, um para

cada tipo de cliente! O Canva é uma ferramenta

ótima tanto para montar quanto para atualizar

currículos com rapidez, pois é intuitivo e fácil de

ser usado por não designers.

Ainda no embalo da ideia de ter mais de um

currículo na manga, ao montar o seu, tenha em

mente o grau de relevância das informações que

você incluirá em relação ao leitor-alvo. Quando

o destinatário é o gerente de fornecedores de

uma agência de tradução, não deixe de colocar

seu par de idiomas de trabalho, especialidades,

formação pertinente à função pretendida, CATs

e credenciais da profissão. Já em se tratando

de um cliente direto, gastar espaço no currículo

especificando as ferramentas CAT que você

usa talvez não valha tanto a pena. Cada caso é

um caso, pondere sempre e, na dúvida, peça a

opinião de um colega tradutor mais experiente.

E, por falar em economia de espaço no

currículo, minha última dica é: use e abuse dos

elementos gráficos e estéticos, como hiperlinks e

gráficos. Além de poupar espaço, esses recursos

aproveitam a leitura virtual do seu currículo,

afinal, ninguém vai imprimi-lo, mas sim ler tudo

direto na tela. Com hiperlinks e gráficos, fica

muito mais fácil direcionar o leitor-alvo para o seu

site, para o seu perfil em alguma associação e,

por que não, para aquela tradução disponível em

domínio público que você fez e serve lindamente

como amostra do seu trabalho.

Por fim, os currículos visuais funcionam porque

exploram o processo cognitivo-comunicativo

contemporâneo. Somos seres visuais desde os

tempos das cavernas. E hoje, em uma realidade

virtual regida por visualizações, curtidas e fotos

estrategicamente tiradas para aparentar

espontaneidade, chamar a atenção para um

negócio não poderia ser diferente. Para mim,

enxergo (um pouco surpresa!) o sucesso

inesperado da palestra sobre currículos visuais

como um sinal de que nós, tradutores e intérpretes,

estamos cada vez mais cientes da necessidade de

mudança no nosso comportamento empreendedor.

Torço para que continuemos assim, em constante

revolução profissional, hoje abarrotando o mercado

com currículos visuais até a próxima solução

disruptiva surgir.

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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soNo

Assim como a alimentação, o sono é

um comportamento ancestral e primitivo,

compartilhado por todos diariamente. Além de

ser um momento extremamente relaxante, é um

processo vital para nosso organismo. Sem ele,

passaríamos a apresentar problemas graves,

como prejuízos à capacidade mental, cognição

e desempenho motor, além de irritabilidade,

cansaço, dores de cabeça, visão turva e

alterações no metabolismo. Estima-se que, a

cada 24 horas sem dormir, uma pessoa tenha

SaÚDE

saúde e qualidade de vida

Por Cris Tribst

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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uma diminuição de 25% de sua capacidade de

realizar trabalho mental.

Há estudos* mostrando que o sono melhora

a “capacidade de memória de trabalho”. Esta

forma de memória está associada à resolução

de problemas, ao vocabulário, à tomada de

decisões e à compreensão de leitura, essenciais

para a execução do trabalho de um tradutor

no dia a dia. Precisamos dormir bem, não só

pelos benefícios à saúde em geral, mas também

porque a qualidade do nosso trabalho depende

diretamente disso.

Também como a alimentação, o sono está

sofrendo as consequências da vida moderna, em

termos de qualidade e quantidade. É impossível

abordar a questão do sono sem tratar de sua

contrapartida, a insônia.

Nosso trabalho nos força, às vezes, a avançar

noite adentro. Todos passamos por isso, mas

estamos falando aqui de uma boa noite de sono

quando decidimos, ou podemos, ir para a cama.

Nada pior do que ficar se remexendo, em busca

do sono perdido. Nem sempre estar cansado e

com sono é garantia de uma boa noite de repouso.

Alguns hábitos podem nos ajudar a adormecer e

garantir que o sono seja ininterrupto.

Excetuando patologias que causam insônia, há

vários procedimentos para melhorar o sono.

diCAs PARA doRmiR melhoR

Procure fixar um horário. Dormir e acordar

todos os dias no mesmo horário. Como pessoas

de hábito, temos dificuldades para nos adaptar

às diferentes mudanças nos padrões de sono.

Dormir até mais tarde nos fins de semana não

compensa plenamente a falta de sono durante a

semana e tornará mais difícil acordar cedo nas

manhãs de segunda.

exercício é recomendável, mas cuidado com

o horário. Uma vida sedentária pode prejudicar a

qualidade do sono. Exercícios ajudam a fazer com

que você caia no sono mais rapidamente e durma de

forma mais profunda, mas para que isso aconteça

você precisa praticá-los no horário certo. Uma das

boas dicas para dormir bem é finalizar os exercícios

pelo menos três horas antes de ir para a cama ou

se exercitar na parte da manhã, para que você não

fique agitado na hora de dormir.

Cuidado com o que come ou bebe antes

de dormir. Nunca vá para a cama com fome ou

logo depois de comer muito. Seu desconforto

com a comida pode mantê-lo acordado. Tente

se alimentar algumas horas antes de dormir para

evitar que o jantar não cause indigestão. Se ficar

com fome durante a noite, coma algo leve (o

que seja melhor para você), que não vá causar

distúrbios de sono.

Preste atenção também na quantidade de

líquido ingerido antes de deitar, para evitar ter que

acordar no meio da noite para ir ao banheiro ou

beber água.

Nicotina, cafeína e álcool também merecem

atenção. O efeito estimulante da cafeína e da nicotina

pode demorar horas para passar. E embora o álcool

possa te deixar relaxado no primeiro momento, seus

efeitos podem interromper seu sono.

Procure não dormir à tarde. O cochilo da tarde

pode ajudar a recuperar o sono perdido, mas se

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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dormimos no fim da tarde, sem dúvida será mais

difícil conciliar o sono noturno.

relaxe antes de ir dormir. Programe seu dia

de modo que sobre tempo para relaxar antes de

dormir. Atividades relaxantes, como ler ou ouvir

música, devem fazer parte de seu ritual antes de

dormir. Há vários aplicativos para celulares que

podem ajudar nesse processo. Veja algumas

sugestões no próximo tópico.

tome um banho morno. A queda da temperatura

corporal após o banho pode ajudar você a se sentir

sonolento. O banho tem efeito relaxante, e se tiver

algum aroma de lavanda no sabonete ou creme

hidratante, melhor ainda.

Prepare um bom ambiente para dormir. Em seu

quarto, retire e evite qualquer coisa que possa tirar

seu sono, como objetos barulhentos, luzes muito

brilhantes, uma cama incômoda ou temperaturas

muito altas; dormimos melhor se a temperatura

do quarto se mantiver fresca. Além disso, se o

colchão e o travesseiro forem confortáveis, já será

uma grande ajuda para desfrutar de uma noite de

sono reparadora.

APliCAtivos

Inúmeros aplicativos podem ajudar no processo

de conciliação do sono, desde aqueles que auxiliam

no processo de relaxamento, com músicas, sons

da natureza ou ruído branco, até outros com dicas

de meditação simples e os que ajudam a monitorar

os ciclos do sono, informando sobre a qualidade

do repouso.

Como a quantidade oferecida é imensa, vale

uma pesquisa e teste daqueles que se adaptam

melhor a cada um. Ficam aqui duas dicas: o Calm

(um dos meus preferidos), com meditação para

iniciantes, programas completos de relaxamento,

músicas e histórias especialmente preparadas

para induzir o sono e o dormir melhor com

runtastic, que acompanha os ciclos e calcula a

eficiência do seu sono, além de analisar dados

adicionais, como consumo de cafeína e álcool,

hábitos de exercício físico e níveis de estresse,

sonhos e pesadelos.

é imPoRtANte lembRAR

O sono, além de beneficiar o corpo e prevenir

doenças, é fator relevante quando se trata de

concentração e assimilação. Durante o sono, as

memórias do dia são consolidadas, as antigas

são reafirmadas e tanto o corpo quanto a mente

se preparam para um novo dia.

No sono, há diferentes etapas. Em cada uma

delas uma parte da memória é processada. Nas

fases mais leves, as informações relativas à

música e ao esporte são armazenadas. Depois

disso, a memória espacial é armazenada para,

posteriormente, as novas informações serem

fixadas. Para a maioria das pessoas, o sono ideal

dura cerca de 8 horas ininterruptas.

Mesmo que esteja trabalhando muito, nunca

prive seu organismo de uma boa noite de

descanso. Não deixe que a agitação e o estresse

do dia a dia roubem esse período tão importante

para sua concentração e qualidade de vida.

(*) Academia Brasileira do Sono.

www.absono.com.br

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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traduzir para qualquer língua que não

fosse sua língua-mãe foi, por muitos

anos, considerado um “pecado mortal”.

Entretanto, por uma exigência do mercado,

acabamos aceitando esse enorme desafio. O

primeiro livro parecia impossível e a insegurança foi

enorme, o segundo foi um pouco mais rápido e nos

sentimos mais seguras para negociar com o cliente,

a partir do terceiro formamos uma equipe em que

tradutores e revisores trabalham em sintonia durante

todo o processo.

Como tudo começou

Assim como muitos que se tornaram tradutores,

nossa trajetória começou em sala de aula lecionando

inglês. A tradução veio com um abstract aqui, um

tRAdução liteRáRiA PARA o iNglês? mAy the foRCe be with you!

Por Luciana Bonancio

LiTERaTURa

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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abstract lá, alguns currículos, um indica para o

outro, e mais outro e de repente notamos que era

possível ganhar dinheiro com a tradução! Fomos

então buscar nossa profissionalização como

tradutoras e nos encontramos na mesma turma

de especialização em Metodologia de Ensino da

Língua Inglesa e Tradução da PUC-PR. A partir daí

estabelecemos uma parceria nos trabalhos e assim

continuamos até hoje.

Porém, depois de mais de 15 anos de profissão,

traduzindo principalmente textos técnicos e

acadêmicos, eis que nos surge a oportunidade de

realizar o sonho de muitos tradutores, a tradução

de um livro. Uma proposta nova, mas aterrorizante,

pois era uma tradução para o inglês. Embora já

trabalhássemos com traduções do português para o

inglês, traduzir um livro em prosa seria uma aventura e

tanto e não tínhamos certeza de estarmos preparadas.

O autor procurava alguém para traduzir seus

livros para o espanhol e para o inglês. O que mais nos

incentivou foi que ele fazia questão que o livro fosse

traduzido por falantes nativos do português, pois já

havia trabalhado com tradutores nativos do inglês e

achou que eles não haviam captado a essência de

sua obra, mudando seu estilo de escrita, que fazia

questão de manter. Além disso, ele queria trabalhar

com uma tradutora, pois, na cabeça dele, a mulher

entenderia melhor as sutilezas de seu texto.

o primogênito

O primeiro livro, aquele que você nunca esquece

e espera que nenhum colega leia por medo de

ser criticado, narra a história de uma pedra e sua

trajetória do alto do morro ao fundo do mar, suas

paixões e aventuras ao longo desse caminho. O

texto, que pela sinopse nos pareceu simples e

juvenil, revelou-se de cunho altamente filosófico,

pois o pequeno ser aventureiro questionava sua

existência e o mundo que o rodeava, numa mistura

de realismo fantástico com filosofia.

Foram muitos os desafios enfrentados nesse

trabalho, a insegurança por ser o primeiro e por

não ser em nossa língua-mãe, a inexperiência para

fazermos o orçamento e estabelecermos o prazo de

entrega e, principalmente, a ingenuidade de não

exigir do autor um revisor profissional. O texto voltou

para as nossas mãos cheio de correções onde não

havia erros e tivemos que explicar e convencer

o autor que a revisão teria que ser feita por um

profissional da área. A partir do segundo livro,

incluímos a revisão em nosso orçamento.

outros desafios

Cada trabalho nos trazia um novo desafio e fomos

aprendendo com cada um deles. Desde a escolha

de traduzir ou não os nomes das personagens,

domesticar ou estrangeirizar o texto, até as grandes

dificuldades em traduzir poesias, piadas, trocadilhos

e regionalismos, tudo isso sempre foi feito com muita

pesquisa e discussão.

modus operandi

Depois de um certo tempo, entre erros e

acertos, acabamos organizando nosso trabalho nas

seguintes etapas:

Leitura do livro

Assim que recebemos o arquivo, fazemos uma

leitura para antecipar quais serão as dificuldades na

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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tradução. Esse passo é muito importante, pois é nele

que estabeleceremos nossa previsão de entrega.

orçamento

No mercado editorial costuma-se cobrar por

lauda. Porém, pela nossa origem na tradução

técnica, nos habituamos a cobrar por palavra

e continuamos da mesma maneira na tradução

literária. Temos um valor mínimo por palavra e a

partir daí o prazo e a complexidade do texto vão

delimitar o valor exato. Quando possível, optamos

por cobrar menos e ter mais prazo, pois temos que

continuar atendendo os outros clientes que nos

enviam trabalhos menores e com prazo mais curto.

Como trabalhamos em uma equipe de três pessoas

(duas tradutoras e um revisor), o valor do livro é

dividido igualmente.

Considerando que o cliente direto normalmente vai

pagar a tradução do próprio bolso, o valor, a princípio,

assusta. Porém, faz parte da função do tradutor educar

o cliente, que não faz a mínima ideia de tudo que

envolve o processo da tradução de um livro.

divisão do texto

Aprovado o orçamento, fazemos a divisão do

texto, que pode ser por capítulos, por contos, por

número de palavras, de acordo com o gênero textual.

Traduzir um livro a quatro mãos exige muita sintonia

entre os tradutores. Todos os dias trocamos ideias

sobre o estilo de cada personagem, terminologia,

entre outros. Os mais de 15 anos trabalhando em

dupla, revisando uma o trabalho da outra, nos deram

embasamento para que os textos sejam muito

parecidos e sigam sempre o mesmo estilo.

CronogramaQuando se trabalha com projetos grandes,

como um livro de 200 mil palavras, e em equipe, é

essencial estabelecer um cronograma de trabalho

com entregas semanais para evitar a procrastinação.

Ao fazer o planejamento, precisamos ser realistas,

pois não podemos deixar de atender os outros

clientes. Nossa equipe estabeleceu uma meta de 10

mil palavras de tradução editorial por semana, por

tradutor. A função do gerente de projeto — que é

uma das tradutoras, geralmente quem conseguiu o

trabalho — é essencial nesse caso, pois é ele que

ficará atento às datas de entrega, será o contato com

o cliente para dirimir dúvidas e cobrará em caso de

atraso nos prazos e pagamentos.

tradução e pesquisa

Antes de tudo, o tradutor precisa ser um excelente

pesquisador, curioso, desconfiado e incansável. Ao

começar a tradução, vamos elaborando um glossário,

trabalhando juntas, online ou presencialmente, para

sempre manter a coesão e coerência do texto. Cada

tradutor escolhe sua forma de traduzir, usando ou

não CAT tools, suas próprias fontes de pesquisa e

validação de terminologia, tudo isso depende da

rotina de trabalho de cada um. O importante é que

se descubra como trabalhar de forma eficiente, de

acordo com a sua demanda.

Revisão

A revisão é a etapa mais importante ao traduzir

para um idioma não nativo. Nossa revisão é dividida

em três fases. Na revisão prévia, uma tradutora revisa

o texto da outra, fazendo correções gramaticais,

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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ortográficas e de terminologia. Quando a dúvida

persiste, deixamos a palavra ou expressão destacada

no texto para chamar a atenção do revisor.

A segunda etapa é o proofreading feito pelo

revisor. Há muita discussão sobre se é essencial

ou não que ele seja nativo. Para nós, o importante

é que seja qualificado. O revisor precisa ser de

confiança, estar sempre acessível e conhecer

bem o trabalho do tradutor. Além da revisão

gramatical, a principal função do revisor, nesse

caso, é dar ao texto a naturalidade que é tão

difícil de alcançar quando não somos nativos.

Para isso, ele tem carta branca para fazer

todas as alterações que julgue necessárias,

deixando marcas de revisão que serão validadas

posteriormente pelas tradutoras.

A última etapa é a revisão final. Depois de anos

de experiência, chegamos à conclusão de que

a melhor forma de fazer a revisão final é através

da leitura do texto em voz alta. Pode parecer

uma etapa cansativa, considerando o número de

palavras, mas ouvir o texto faz muita diferença na

busca pela naturalidade. Enquanto uma pessoa lê o

texto, a outra vai fazendo as alterações e aceitando

as correções do revisor. É importante enfatizar

que normalmente aceitamos todas as alterações

do nosso revisor e aprendemos muito com ele. No

caso de divergências, buscamos outras fontes, até

chegarmos a um consenso.

o cliente direto

Hoje em dia, com a facilidade de publicar um

livro digital de forma independente, alguns autores

estão procurando diretamente o tradutor. No início,

muitos questionam o valor, mas, depois de uma breve

pesquisa e outros orçamentos, os que entendem

a necessidade de um especialista voltam a nos

procurar.

Há vantagens e desvantagens de trabalhar

diretamente com o autor. Fazer o orçamento sem

intermediários, por exemplo, faz com que seja

possível chegar a um valor atraente para ambas as

partes. Além disso, trabalhando em equipe, podemos

vender o pacote completo, incluindo outras etapas,

como revisão do texto original e revisão do texto

final. Com o cliente direto também conseguimos uma

melhor negociação de prazo. Essa proximidade nos

proporciona a possibilidade da aprovação prévia

do autor em relação às mudanças e adaptações

necessárias ao longo da tradução.

Por outro lado, a linha direta com o autor faz

com que ele se sinta mais à vontade para mandar

e-mails a qualquer hora, pedir alterações no

original, fazer sinopses, mudar todo o planejamento

de um trabalho pois quer colocar outro livro na

frente, bagunçando nosso planejamento. Mas entre

vantagens e desvantagens sempre conseguimos

chegar a um equilíbrio.

A força está com você!

Traduzir para uma língua estrangeira é uma

exigência do nosso mercado. Não há como fugir

disso. Mais cedo ou mais tarde todos se depararão

com um desafio como esse. Mas acreditamos que,

com profissionalismo, boas técnicas, confiança e

sempre com um revisor que tenha capacitação

para trazer a naturalidade necessária ao texto, é

possível apresentar um excelente trabalho.

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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u ma das coisas que mais ouvimos hoje é

que o mercado de tradução audiovisual

voltado para o entretenimento está saturado

e que já existem profissionais demais trabalhando na

área. No entanto, um dos maiores players do setor,

a Netflix, acabou de realizar uma seleção enorme,

em busca de novos profissionais de tradução para

trabalhar com seu material. Parece incongruente,

não é? A questão é que a expansão cada vez maior

do audiovisual no Brasil é uma realidade e isso

BiZ

AiNdA há esPAço PARA tRAdutoRes No meRCAdo AudiovisuAl de eNtReteNimeNto?

Por Carolina e Leilane

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foi comprovado recentemente por uma pesquisa

realizada por importantes órgãos do setor.

Em 2016, o SEBRAE e a APRO, Associação

Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais,

lançaram, com a ajuda da Fundação Dom Cabral,

o primeiro Mapeamento e Impacto Econômico do

Setor Audiovisual no Brasil. (O documento está

disponível para download no endereço aqui). Nele,

estão incluídas algumas informações importantes

que destacamos aqui:

— Em 2014, o mercado audiovisual recebeu um

investimento de 356 milhões de reais em recursos

públicos federais, um crescimento de 138,7% em

relação a 2009. Isso resultou num grande aumento

da produção audiovisual brasileira. O número de

filmes lançados por ano no país, por exemplo,

passou de 79 para 129, um aumento de 63%. Além

disso, no mesmo período, houve um crescimento de

318% na produção de obras seriadas para TV.

— Todo esse aumento no investimento tem se

revertido em um público maior. O público no cinema

cresceu 53% entre 2009 e 2015. No mesmo período,

o valor do faturamento bruto com bilheteria chegou

a 2,3 bilhões de reais. Já o número de assinantes de

TV a cabo cresceu 211% entre 2008 e 2014.

— Um novo serviço, o VOD (video on demand),

vem também ganhando espaço no mercado

brasileiro. Apesar de ainda não termos muitos

dados disponíveis sobre ele e de o serviço ser

considerado suplementar à TV a cabo, estima-se

que o mercado de VOD no mundo vá dobrar de

tamanho até 2018 e chegar a 34,4 bilhões de euros.

Já para outra tecnologia nova, o OTT (a base da

Netflix, da Amazon Prime e do próprio YouTube),

estima-se que, no Brasil, as receitas aumentarão

33% por ano até 2018.

Mas por que tudo isso é interessante para os

tradutores? Bom, se o mercado está em alta, o

número de produções nacionais, que muitas vezes

são vertidas para outras línguas em busca de

novos mercados, também aumenta. Logo, mais

profissionais são necessários para vertê-las. Além

disso, quanto mais plataformas de streaming,

canais a cabo e serviços OTT e VOD entrarem no

mercado, mais haverá a necessidade de traduzir

seus conteúdos, tanto para a dublagem quanto para

a legendagem — sem falar na questão dos serviços

de acessibilidade.

Então o que realmente falta? Por que ainda existe

essa sensação de que não há trabalho para todo

mundo ou de que mesmo as pessoas que entram no

mercado não conseguem se manter? Para nós, a falta

de profissionais realmente qualificados é o motivo

principal. A tradução audiovisual tem exigências

específicas. Além de, obviamente, dominar a língua

de partida e de chegada de um material, como todo

bom tradutor, o profissional tem que saber as regras

de cada tipo de serviço, seja ele de legendagem,

dublagem ou qualquer outro. E não é difícil aprender

essas regras. Existem cursos excelentes no Brasil,

presenciais e online, para quem quer se especializar

em um desses tipos de tradução. E todos com

certeza facilitam a vida do profissional que quer

entrar (e ficar) no mercado, já que apresentam os

softwares usados, as preferências de vários clientes

e, sobretudo, alguns outros colegas da cadeia

produtiva, que podem dar ao tradutor insights sobre

a evolução do mercado.

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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Além disso, é importante entender o processo

de tradução de conteúdos audiovisuais. Os prazos,

especialmente quando se trabalha com entretenimento,

costumam ser muito curtos. Para se ter uma ideia, em

geral, um programa de TV de uma hora de duração

costuma ser traduzido, revisado, legendado e

devolvido ao cliente em apenas uma semana. Logo,

profissionais que não respeitam prazos ou entregam

traduções fracas, que dão muito mais trabalho aos

seus revisores, atrapalham muito o processo todo e

acabam sendo substituídos. O mesmo acontece com

pessoas que não consultam manuais, geralmente

bastante rígidos nessa área, ou instruções específicas

para determinados materiais. E não precisamos nem

falar de pessoas que usam legendas de internet —

coisa que, infelizmente, acontece, mas, ao contrário do

que muita gente imagina, é bem fácil de se constatar.

Resumindo, o que qualquer cliente busca é criar

um laço de confiança com o seu prestador de

serviço. Não importa se você trabalha para um

cliente direto ou para uma empresa intermediária,

um tradutor profissional precisa saber se relacionar

com eles, entender as demandas deles e (por que

não?) tentar ampliar gradualmente o seu leque de

serviços e procurar oferecer algum tipo de diferencial.

Mantenha um canal de comunicação aberto. Seja

ético e respeite prazos e regras estabelecidas.

Renove-se, aprenda a usar novas ferramentas,

descubra quais sãos os nichos que poucos estão

explorando. Quando foi a última vez que você

investiu em um curso novo? Quando foi sua última

reciclagem de português? Afinal, não adianta culpar

o mercado, pois ele precisa de você. Mas você está

pronto para ele?

tRAdos/ReAlity soluçÕes seguramente a ferramenta de memória de tradução mais requisitada

no mercado, com mais de duzentas mil licenças vendidas em todo o mundo, o sdl trados studio

oferece um ambiente de tradução completo para edição, revisão e tradução, além de administração

de terminologia e projetos. Agora, na compra da ferramenta, os associados da AbRAtes contam com

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Por que pressa?

“Vai! Vai! Traduz logo! O orador acabou de dizer

o pronome I e você sabe muito bem que I significa

‘eu’. O que você está esperando para traduzir?”

Em alguns milésimos de segundo, seu cérebro

envia esses comandos para o aparelho fonador.

O palestrante continua e a segunda palavra que

se ouve é was. Nesse instante o cérebro muda de

ideia e dispara outra mensagem: “É melhor esperar

um pouco porque I was pode ser “eu era” ou “eu

estava”. Em seguida, chegam supposed e to e ele

comemora todo convencido: “Não avisei?”.

armadilHas de CabiNeTécnicas e Soluções Práticas

inTERPRETacao

Por Ulisses Wehby de Carvalho

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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A afobação é a primeira armadilha a ser evitada em

cabine. Embora essa ânsia seja mais observada entre os

iniciantes, o problema pode eventualmente prejudicar até

a produção de intérpretes mais experientes. É inegável

o incômodo causado pela perspectiva de ficarmos

com um volume muito grande de informações e não

processarmos tudo a tempo de despachar o produto

final. A consequência natural é darmos início a uma

oração sem termos noção de como ela será concluída.

Não é raro, portanto, sermos obrigados a reformular a

tentativa inicial, o que chamamos de false starts. Em

outras palavras, o produto entregue ao consumidor não

atende às especificações do controle de qualidade da

própria fábrica e precisa passar por reparos.

Esse retrabalho não chega a ser exatamente o fim

do mundo, mas acaba consumindo ainda mais tempo

e capacidade de processamento. Adicione-se à carga

de trabalho do conserto os seguintes agravantes: não é

possível suspender o fornecimento de matéria-prima nem

parar a linha de produção, ou seja, nem o orador para de

falar nem o intérprete, de traduzir. Vale a pena, portanto,

esperar um pouco mais antes de sair repetindo no idioma

de destino exatamente aquilo que disse o orador.

mantenha distância segura entre veículos

A recomendação para contornar o problema é,

portanto, ter calma para esperar um pouco mais antes

de se decidir sobre qual rota seguir. Esse sangue frio

decorre, em parte, de experiência e autoconfiança, mas,

sobretudo, de exercícios que desenvolvam o recul ou

décalage, termos em francês que designam a distância

mantida entre a fala do orador e a do intérprete.

A prática de se traduzir mantendo a maior distância

possível entre o texto original e o texto traduzido faz

com que gradualmente o intérprete consiga aumentar

sua capacidade de armazenar informações ainda

não processadas. Dessa maneira, evita-se o risco de

colisões traseiras (false starts) pelo fato de os intérpretes

não dirigirem muito próximos do veículo à frente.

Vale notar que décalage é recurso que deve ser

usado em situações específicas. Não se trata de estilo de

tradução a ser empregado indistintamente. Por exemplo,

nos momentos em que o orador faz uso de estruturas

enredadas, algo perfeitamente normal e aceitável em

português, é necessário maior recuo na produção dos

intérpretes em inglês. Recomenda-se a reconstrução

das ideias em sentenças mais curtas e em ordem direta,

características da língua inglesa. O resultado será,

portanto, mais palatável ao público anglófono.

Por outro lado, uma distância menor entre orador

e intérprete é ideal naquelas situações em que, por

exemplo, são listados dados factuais, como números e

nomes. Por não terem, em tese, relação lógica entre si, é

muito mais difícil resgatar esses dados de memória. Em

outras palavras, uma história tortuosa pode ser refeita,

sem maiores dificuldades, alguns segundos depois,

seguindo um ordenamento mais retilíneo. Porém, se o

recuo for exagerado, é quase impossível reproduzirmos

uma sucessão de números desconexos. Em resumo,

é primordial sabermos ajustar a distância entre o texto

original e a enunciação do texto traduzido, levando-se

em conta o conforto de intérpretes e de ouvintes.

desgoogletradutorizar-se é preciso!

Reproduzir sem tratamento no idioma de destino

palavras e estruturas do idioma de origem é armadilha

frequente. Quem de fato se preocupa com a qualidade

de seu trabalho deve tomar medidas práticas para

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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não se deixar acomodar. Não há dúvida de que

desverbalizar é um processo bem mais trabalhoso do

que simplesmente papaguear. Reformular orações e

fazer ajustes aparentemente desnecessários podem

nem trazer o reconhecimento imediato de clientes e

ouvintes, mas não há como negar que o resultado de

seu trabalho será mais natural na língua de destino.

Uma maneira de desenvolvermos a capacidade

de desverbalizar é, durante a realização de exercícios

práticos, não usarmos cognatos, fazermos alterações

da ordem dos elementos da oração, transformarmos

frases afirmativas em um idioma em frases negativas

na língua de chegada usando palavras antônimas,

passarmos a voz passiva para voz ativa e vice-versa

etc. Evite traduzir palavras recorrentes sempre do

mesmo jeito, em especial, aquelas que têm mais de

um significado, como business, farm, often, power,

this, it, entre outras.

Deixe a criatividade aflorar e explore as mais

diferentes alternativas. Não hesite! Em suma, essa

prática consciente fará com que você comece a

desenvolver o desapego pela forma do texto original

e passe a recriar a mesma história com as suas

próprias palavras.

Como no exercício para aumentar o recuo, a

intenção é usar a técnica com exagero na atividade

prática para que o recurso seja assimilado por

completo. Em uma situação real de trabalho, cabe

ao intérprete fazer uso dessa estratégia na dose

ideal e nos momentos que julgar propícios.

“haverão” erros de concordância!

Achar que vamos voltar da guerra sem nenhum

arranhão, físico ou psicológico, é mera ilusão.

Haverá tropeços em um dia normal de trabalho em

cabine de tradução simultânea. É evidente que me

refiro exclusivamente a pequenos deslizes inerentes

ao trabalho profissional.

A própria natureza da interpretação de conferência

pressupõe riscos de toda sorte. A velocidade da

fala de quem tem, por exemplo, a língua inglesa

como idioma nativo, os mais variados sotaques dos

oradores que têm o inglês como segunda língua, o

grau de especificidade da palestra, o conhecimento

prévio do intérprete sobre o tema, a falta de tempo

de preparo para a conferência, a qualidade do áudio

recebido, entre outras variáveis, fazem com que seja

muito difícil termos um dia de trabalho imaculado.

É imprescindível, portanto, impedir que o sentimento

de culpa causado por eventuais imperfeições

contamine nossa produção futura. Essa aflição,

mesmo que seja quase imperceptível, prejudica nosso

desempenho. O problema é ainda mais frequente

entre os profissionais que têm experiência na tradução

escrita e dão os primeiros passos na interpretação

de conferência. É nítida a inquietação causada pelo

fato de não poderem usar o backspace e reformular

uma escolha feita poucos segundos antes. Esses

profissionais requerem, em geral, mais tempo para

usar a primeira opção que vem à mente, aceitá-la sem

ressalvas e seguir adiante, sem olhar para trás. Não

é fácil se conscientizar de que o rigor tradutório da

escrita não tem lugar na cabine.

Em suma, resiliência é característica indispensável

para o intérprete profissional. Como bons pugilistas,

devemos assimilar os quase inevitáveis golpes

recebidos e, mesmo que atordoados, convencer-

nos de que nada aconteceu.

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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i am the greatest!

Na hora em que seu microfone estiver ligado,

não há no mundo intérprete melhor do que você!

Suponhamos que exista em algum lugar alguém

que tem mais e melhores qualificações para

esse determinado evento, mas, por uma ou outra

razão, essa pessoa não faz parte da equipe, faz?

Escolheram quem para realizar o trabalho? Você!

Logo, estufe o peito e se orgulhe de ser o/a melhor

intérprete do mundo para o evento.

A afirmação do parágrafo anterior não é feita no

vácuo, é evidente. Partimos do pressuposto de que

você reúne as condições necessárias para ocupar

uma das cadeiras da cabine, ou seja, concluiu seu

curso de formação de intérpretes de conferência

satisfatoriamente, procura desenvolver com

regularidade seus conhecimentos linguísticos dos

idiomas de trabalho, se empenha constantemente

para ampliar seus conhecimentos gerais, tem

conhecimento específico sobre o assunto do evento,

teve uma boa noite de sono, em suma, se preparou

a fundo para estar ali. Ligar o microfone não foi,

portanto, obra do acaso.

Autoconfiança em excesso, é claro, se transforma

em veneno. Por outro lado, começar o dia com

muitas dúvidas sobre seu desempenho, apenas se

concentrando no que pode dar errado, não costuma

trazer benefício nenhum. É óbvio que o equilíbrio é

sempre a solução ideal, mas encontrá-lo nunca é

tarefa simples.

Se estiver em dúvida se você deve ser mais ou

menos otimista, escolha ser pessimista naqueles

dias em que você não estiver na cabine. Aproveite

para estudar tudo o que tiver para estudar, leia o

que puder ler, em resumo, prepare-se como se

fosse principiante.

Em dia de evento, no entanto, o pensamento deve

mudar por completo. Uma postura mais confiante

trará resultados benéficos à sua produção. Desde

que, é claro, você tenha aceitado o convite depois de

ter feito um trabalho consciente para evitar as

armadilhas descritas neste artigo. Com esse nível de

preparo, não há razão para existirem preocupações

exageradas. Afinal de contas, eu realmente não

conheço ninguém melhor do que você.

Decidiu fazer um curso diferente de interpretação de conferências? A nossa parceria com a i2B oferece ótimos descontos aos nossos associados: – 10% para o percurso regular;– 5% para pacotes de dez aulas no percurso personalizado.

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Comunicação é vital. Fosse na minha infância,

usando as palavras recém-aprendidas dos

quadrinhos para passar uma conversa nos

pais e me livrar de encrencas em casa, fosse na minha

formação em Design Gráfico, tendo contato teórico

e prático com a relação entre emissor, mensagem e

receptor. Comunicação esclarece, instrui, une.

Por amar comunicação e transmissão de ideias,

hoje sou tradutor em tempo integral, tendo trabalhado

bastante com legendagem. E acho seguro afirmar

que, de todas as modalidades de tradução, essa é a

mais atacada pelo grande público: por seu alcance,

por seu vínculo com indústrias poderosas como a do

entretenimento e pelo fato de andar lado a lado com

a fonte — no caso, o áudio original.

Por uma possível falta de comunicação entre a

indústria e o grande público, que não imagina o

que se passa nos bastidores, consumidores leigos

cometem equívocos honestos (alguns, nem tanto)

e passam julgamentos pesados sobre legendas

e legendadores. Traduções de livros? Bem

aceitas, na maioria das vezes. Manuais técnicos

e documentos jurídicos? Seu acesso é restrito a

poucas pessoas, para começo de conversa. Mas

falou em legenda? Todo mundo vira especialista e

aponta o dedo.

Por Luiz Fernando Alves

na TELa

ComuNiCAR é PReCiso: o ComPlexo tRAbAlho dA legeNdAgem e Como Podemos melhoRá-lo

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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Foi nesse contexto, de apresentar esse universo

de forma palatável, que nasceu Diz a Legenda.

Montada em 2013 a convite de uma amiga, foi

ministrada numa sessão de 50 minutos para os

alunos de Letras da PUC do Paraná, que me ouviram

falar sobre regras técnicas, aspectos linguísticos e

mercadológicos. Desde então várias apresentações

se seguiram, em cursos, em universidades e no

nosso Barcamp em Curitiba. A cada nova sessão

mais conteúdo era acrescentado, estendendo a

duração para uma hora e meia e, em sua versão

mais recente, duas horas e meia.

Uma das versões mais completas foi dividida em

dois volumes, o primeiro entrando na programação

do VII Congresso da Abrates, no Rio, em 2016. Diz

a Legenda vol. 1 expôs a história da técnica, desde

os experimentos conduzidos na época do cinema

mudo até as tecnologias atuais. As regras também

estavam lá, incluindo marcação, segmentação,

limites de caracteres, síntese de texto, formatação

— o pacote todo. Depois, falamos sobre o lado

artístico. Comunicação. Transmissão da mensagem

intacta do emissor para o receptor. Invisibilidade,

adaptações, localização, ritmo, naturalidade. Ufa.

Muito assunto, pouco tempo. E muitas coisas

importantes ainda a ser discutidas.

Então, vem o VII Congresso em 2017, São Paulo,

com Diz a Legenda part deux na grade Audiovisual.

Depois de um apanhado superintensivo do que foi visto

na edição anterior, as coisas tomam um rumo um tanto

sombrio — chega a hora de falar sobre o mercado.

Para muita gente alheia ao funcionamento da

indústria, legendadores são pessoas comuns que

passam o dia de pijama em casa vendo seriados

e escrevendo as falas de seus personagens

preferidos. Por mais que a parte do pijama possa

ser verdade, veja bem: legendas, em seu estado

final, devidamente traduzidas e sincronizadas com

vídeo — aquelas presentes em milhões de lares no

país e na cultura diária da nação — são só a ponta

do iceberg. O mercado é composto de diversas

camadas envolvendo produtores e criadores de

conteúdo, distribuidores, profissionais de marketing,

agências, freelancers. Muita gente dando ideias,

ditando regras, impondo limites.

E assim, começa o desfile de “especialistas”

apontando dedos escarnecedores e criticando

decisões como títulos de filmes (que na maioria

quase absoluta não são obra de tradutores, mas de

publicitários), adaptações de nomes de personagens e

o uso (ou ausência) de gírias e palavrões. O profissional

da legendagem passa por incompetente, para dizer o

mínimo. E a falta de esclarecimento e informação faz

mais uma vítima e perpetua um preconceito crescente.

Diversos fatores podem resultar em uma legenda

ruim, a maioria nem chegando a ser culpa do tradutor.

Ele pode receber roteiro sem vídeo, muitas vezes por

questões de confidencialidade, ou vídeo sem roteiro,

tendo que depender da clareza do áudio e de sua

própria bagagem cultural para preencher lacunas;

ele pode receber um sem-fim de instruções de estilo

e glossários que limitam sua capacidade criativa e o

forçam a construir um texto que acaba engessado e

artificial aos olhos do público; pode ser submetido a

prazos desumanos e fluxos de trabalho truncados e

mal otimizados... a lista é grande. Mas, claro, pode

ser que o legendador seja mesmo despreparado ou

desqualificado para a função.

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Mesmo assim, seria cabível apontar os dedos

para esse profissional? Ora, estamos falando de um

humano exercendo um trabalho como qualquer outro,

cumprindo ordens e sendo devidamente pago pelo

que produz. A parte de baixo do iceberg é profunda a

perder de vista na escuridão do mar, e o legendador,

mero bloco de gelo, só desponta acima da superfície,

exposto, em evidência, por conta dessa base. Se,

apesar das instruções e condições, ele executa um

serviço que é entregue no prazo, (supostamente)

revisado, aprovado e pago, o legendador está

cumprindo seu papel de profissional pagador de

contas. Não nos cabe responsabilizá-lo.

Seria, então, o caso de apontar os dedos para quem

aprova e paga por um trabalho de baixa de qualidade?

Aquele que impõe limites, prazos e condições

prejudiciais à liberdade criativa? Deveríamos apontar

os dedos para os executivos, donos de produtoras,

distribuidoras e agências? Ora, estamos falando de

profissionais cujo objetivo é vender seu produto e obter

o melhor lucro. Se o público consome esse material

e paga por ele, os executivos estão cumprindo seu

papel, no fim das contas.

Cabe a cada um de nós, portanto, nos enxergar

como parte do público consumidor e assumir a

responsabilidade desse nosso papel. Um papel que

também depende de boa comunicação. Não adianta

xingar muito no Twitter, escrever textões furiosos ou

fazer memes zombando de traduções ruins, pois a

mensagem não será transmitida ao receptor certo. Ora,

se usamos nosso dinheiro para comprar um produto

com defeito (tradução ruim em mídia física ou streaming)

e não levamos nossa indignação aos canais corretos

(serviços de atendimento das diversas distribuidoras),

não estamos estabelecendo comunicação. Para os

executivos, se as pessoas estiverem comprando, as

vendas continuarão bem e não haverá motivo justificável

para aprimorar condições de trabalho, estender prazos

ou contratar tradutores melhores, pois isso reduziria a

margem de lucro a troco de nada.

Pegue aquela postagem de rede social em que

alguém faz uma chacota sagaz de uma legenda ruim.

Veja o número de compartilhamentos e depoimentos

revoltados engrossando o coro. Quantas dessas

pessoas estão entrando em contato com as empresas

responsáveis? Imagine o pesadelo de relações

públicas para uma distribuidora com nome a zelar

se de repente 20 mil pessoas aparecessem em seu

SAC reclamando de um erro de tradução, ou mesmo

de gramática. Aqui teria acontecido comunicação:

a empresa saberia que seu público pagante está

insatisfeito, o que pode afetar as vendas. Assim,

ela criariam estratégias para melhorar a qualidade

do serviço — o que acabaria envolvendo (e

beneficiando) o tradutor. O fato de praticamente

todas as grandes distribuidoras e agências terem

presença online através de redes sociais só torna

esse cenário ideal ainda mais plausível.

Já que a legendagem é, provavelmente, a

modalidade de tradução mais atacada pelo grande

público, nossa visão como profissionais deve ser

esclarecer e instruir sobre o funcionamento do

mercado, colaborando para blindar e prestigiar

o trabalho do legendador, além da indispensável

postura ética para com os colegas; e, como

consumidores, unir forças para nos posicionar e

exigir qualidade dos os receptores certos.

Comunicação é vital.

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Objetivo do programa e pré-requisitosO programa tem por objetivo orientar profissionais com até dois anos de experiência ou estudantes do último ano dos cursos de Tradução, Interpretação ou Letras, sobre aspectos práticos do mercado, durante um período de seis meses, por um mínimo de doze horas no total.

Criado a partir de programas semelhantes pelo mundo, o “Caminho das Pedras” veio para atender a antiga demanda do ofício, onde várias perguntas ficaram muito tempo sem resposta e muitos levaram um bom tempo até entender certas nuanças profissionais.

Acompanhe nas redes sociais:

facebook.com/mentoriaAbrates

Twitter: @AbratesMentoria

Como ingressar no programaA admissão se dá por processo seletivo, com ficha de inscrição, pedidos de dados dos candidatos, além de redação. Lembrando que é obrigatório que os candidatos sejam associados da ABRATES, estejam com suas obrigações em dia e não tenham experiência profissional superior a dois anos.

As fichas serão analisadas pelo Comitê de Coordenação da Mentoria, e os pares são formados mediante o aceite dos mentores disponíveis. O programa é o resultado do esforço dos diversos profissionais altamente experientes nas áreas de tradução e/ou de interpretação, que estão sempre dispostos a ajudar no que for possível para o aprimoramento daqueles que desejam abraçar a profissão.

Se você se encaixa nos pré-requisitos de admissão, associe-se à ABRATES e inscreva-se para a seleção do Programa de Mentoria “Caminho das Pedras”.

programa de MENTORIA caminho das pedras

COMO FUNCIONA O PROGRAMA DE MENTORIA DA ABRATES?

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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o assunto deste artigo é o mesmo de

uma contribuição recente em forma

de palestra que dei para um evento de

poliglotas e que acho interessante retomar aqui.

Embora não fosse algo voltado especificamente

para tradutores, havia ali muita gente cuja meta

era ser tradutor e viver de tradução. Por isso, na

ocasião, achei relevante falar de um assunto que

hoje seguramente é o mais crucial para o presente

e o futuro da tradução como ofício ou objeto de

estudo. É coisa que ultrapassa meras questões

de usar ou não certos tipos de implementos

tecnológicos para traduzir mais, melhor e em

menos tempo e diz respeito à própria natureza

de o que o tradutor faz, o que torna a tradução

uma atividade profissional singular e o que está

Por Ricardo Souza

tRAdução e teCNologiA: A hoRA de disCutiR A RelAção

TRaDUTECH

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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reservado para ela daqui para diante. Nada mais

justo, pensei, do que apresentar àquelas pessoas

interessadas em serem tradutores o nó mal

desatado da relação entre tradução e tecnologia.

Um nó, aliás, cuja existência se deve em grande

parte àquela porção considerável da população

de tradutores profissionais em todo o mundo que

vê na tecnologia um estorvo inevitável e lhe nega

qualquer poder de ditar caminhos para a atividade

tradutória. É atitude de quem vê na tecnologia

uma ameaça. Para mim, um tradutor pensar desse

modo faz tanto sentido quanto um marinheiro amar

o oceano e não ter interesse por barcos, ou até

mesmo temê-los. Já explico. Antes disso, porém,

é preciso falar da natureza da tecnologia para

entendermos a relação simples da tradução com

ela e que nós, tradutores, com nossos medos e

ignorâncias, quase sempre complicamos.

Para início de conversa, o que é Tecnologia?

Tecnologia é um termo banalizado pela

frequência com que é empregado, mas que

pode assumir diferentes significados conforme

contextos e expectativas, como mostra uma rápida

consulta a um dicionário, neste caso, o Houaiss.

Os destaques são meus:

tecnologia

Substantivo feminino

1. teoria geral e/ou estudo sistemático sobre

técnicas, processos, métodos, meios e

instrumentos de um ou mais ofícios ou

domínios da atividade humana (p.ex.,

indústria, ciência etc.)

2 Derivação: por metonímia.

Técnica ou conjunto de técnicas de um

domínio particular

Ex.: a tecnologia nutricional

3 Derivação: por extensão de sentido.

Qualquer técnica moderna e complexa

Naturalmente, a definição do dicionário é

simplificadora, mas já é um começo para tentarmos

entender o que é Tecnologia e o que significa para a

tradução. Isso fica ainda mais evidente quando nos

referimos a trabalhos de quem estuda a Tecnologia

a fundo, como Andy Lane, membro do corpo

docente de Matemática, Computação e Tecnologia

da The Open University. O professor Lane ressalta

quatro pontos fundamentais da Tecnologia em

qualquer um de seus aspectos. Novamente, os

destaques são meus:

a. Tecnologia é uma disciplina voltada

para a aplicação do conhecimento

de forma criativa a tarefas metódicas

envolvendo pessoas e máquinas, a fim

de obter resultados definidos.

b. Tecnologia é ação para superar

limitações humanas e não a

investigação daquilo que faz o mundo

funcionar, que é o objeto da ciência,

sendo que a ciência expande sua

capacidade de investigar conforme

a ação tecnológica supera as

limitações humanas (p. ex.: o

microscópio foi inventado para

explorar um mundo pequeno demais

para os limites da visão humana,

o que, por sua vez, levou a um

melhor entendimento do mundo e à

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necessidade do desenvolvimento de

outros recursos tecnológicos).

c. Tecnologia vai além do

conhecimento científico e inclui

a criação de valor (p. ex.: um

smartphone é o resultado de

diferentes conhecimentos aplicados

na fabricação de um implemento

tecnológico que, conjugado a um

design criativo, crie, ao mesmo tempo,

um facilitador de comunicação e

tarefas diversas e um objeto de desejo

na forma de um acessório icônico).

d. Tecnologia envolve interações

intencionais e não intencionais

entre pessoas e produtos (máquinas

e artefatos) e os sistemas que os

fabricam usam, ou são afetados

por eles (p. ex: o café servido em

um bar vem de plantações que

dependem de implementos agrícolas

fabricados em outros lugares e,

depois de colhido, precisará ser

transportado para embalagem e

distribuição em outro local, e depois

de consumido, digamos, em um

copinho de polímero, esse copinho

precisará ser descartado, e toda essa

atividade envolve um amplo número

de outras interações com causas e

consequências em diferentes níveis).

A esses quatro pontos, eu somaria um quinto,

o de a Tecnologia ser transformadora de todos

os processos, métodos e ambientes que integra,

uma característica que tem muito a ver com o

segundo e o terceiro pontos propostos por Lane.

Por exemplo, uma tecnologia que incremente a

produção de um determinado bem aumentará a

disponibilidade desse bem no mercado e facilitará,

por conseguinte, o seu consumo, criando ou

modificando expectativas de disponibilidade

do bem por parte de quem o consome. Esses

consumidores, por sua vez, passarão a exigir dos

produtores que empreguem a tecnologia como

forma de atender expectativas de disponibilidade

do bem, obrigando os produtores a incorporar a

tecnologia em sua atividade sob pena de, em não o

fazendo, serem alijados do mercado.

Se percebemos, dessa forma, a Tecnologia

como disciplina de estudo, superação de limites,

criação de valor, meio de interação e integração

transformadora, fica simples de entender que a

relação entre Tecnologia e tradução é profunda e

marcada pela determinação, seja direta (através

dos meios de confecção) ou indireta (através dos

meios de disseminação), por parte da primeira

dos rumos tomados pela segunda. É o que

argumento a seguir.

A tecnologia é mãe da tradução

Em 2008, o cineasta alemão Roland Emerich

lançou o filme "10,000 BC", que no Brasil e em

Portugal se chamou "10.000 a.C.", uma narrativa

ficcional sobre o caçador D'Leh, cuja tribo fora

capturada em sua ausência para ser vendida

como escrava. D'Leh parte à procura de sua tribo

para libertá-la. Em sua jornada, encontra outra

tribo, os Naku, que o acolhe, mas com a qual não

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consegue se comunicar por não falarem a mesma

língua. É nesse impasse que Nakudu, chefe dos

Naku, revela que aprendera a falar a língua da

tribo de D'Leh com ninguém menos do que o pai

do caçador. Dali para frente, Nakudu, apesar de

não ser o herói da saga, passa a ser fundamental

para que D'Leh se comunique com os Naku,

consiga aliados e salve sua própria tribo, inclusive

sua amada Evolet. Nakudu não é o protagonista,

mas sem ele o empreendimento do herói não

teria sucesso. É uma situação com a qual todo

intérprete pode se relacionar.

Na história de D'Leh e Nakudu, a barreira

linguística entre suas tribos só pode ser rompida

porque houve uma transmissão oral de um falante

de uma das línguas para um falante de outra.

Nakudu foi o intérprete de D'Leh porque não poderia

ser coisa diferente, já que não havia a escrita. Se

tivesse nascido uns cinco ou seis mil anos depois,

talvez Nakudu pudesse ter sido tradutor, pois foi

mais ou menos nessa época que surgiu a escrita

alfabética. As origens desses sistemas de escrita

não são precisas. Há quem atribua sua criação aos

egípcios, aos fenícios ou a povos mesopotâmicos

ou ancestrais dos judeus, em algum momento entre

5.000 e 2.000 a.C, dependendo do que se entenda

como, de fato, um alfabeto. Uma coisa, contudo, é

certa: para que a escrita surgisse, foi imprescindível

a existência de ferramentas que justificassem

esse surgimento. Afinal, como escrever sem um

instrumento que permitisse a criação de símbolos

refinados o suficiente para tentar reproduzir as

filigranas distintivas características das próprias

línguas, tanto internamente a cada uma quanto

entre si? Logo, foi somente depois do advento

da escrita que os "descendentes do Nakudu", os

intérpretes, viraram tradutores, quando passaram

a aplicar seus talentos multilinguísticos à língua

registrada em textos não orais. É lógico, então,

dizer que se a escrita dependeu de implementos

tecnológicos (penas adaptadas ou estiletes)

para existir e entre escrita e tradução existe um

relacionamento causal, podemos afirmar, sem

receio de erro, que tradução sem tecnologia não

existe. Nesse sentido, a tecnologia é tão mãe da

tradução quanto a curiosidade sobre o mundo e

a necessidade de comunicação inerentes ao ser

humano como espécie.

A ligação entre tradução e tecnologia, contudo,

não se restringe aos instrumentos de escrita

propriamente ditos. Vários desenvolvimentos

tecnológicos fomentaram mudanças culturais e

sociais tão radicais que acabariam por refletir na

relação entre os públicos consumidores de textos

e as traduções e os tradutores. A relevância de

alguns desses desenvolvimentos para a tradução

é óbvia. A de outros, nem tanto, e pode até mesmo

surpreender quando prestamos maior atenção.

Como tecnologia que obviamente mudaria para

sempre o trabalho do tradutor, podemos citar

a prensa de tipos móveis. Até o século XV, a

preparação e distribuição de uma dezena de

cópias manuscritas de um livro poderia tomar anos

e demandar um pequeno exército de copiadores.

Em 1455, Gutemberg conseguiu com sua invenção,

em menos de um ano, a proeza de imprimir 180

exemplares daquela que hoje é conhecida como

a Bíblia Mazarin, tendo ajuda de pouco mais de 20

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auxiliares. A facilidade de produzir mais cópias de

textos através da impressão aumentaria a circulação

de livros e, é razoável deduzir, de traduções. Já uma

tecnologia cujo impacto marcante sobre a produção

de textos não é tão óbvio é o humilde e muitas

vezes subestimado lápis. Embora já conhecido

em formatos diversos desde a antiguidade e como

algo bem parecido ao lápis moderno desde o

século XVI, seu uso foi popularizado somente na

década de 1820 graças ao poeta Henry Thoreau,

que desenvolveu um lápis com alma de grafite de

baixo custo. A partir dali o lápis se tornou o que

pode ter sido o primeiro implemento tecnológico

a dar mobilidade de fato aos criadores de textos,

notadamente jornalistas e cronistas, permitindo a

produção de textos em qualquer lugar, em qualquer

momento, em qualquer condição. Novamente, mais

textos em circulação, mais demanda por tradução,

sem falar da agilidade que a possibilidade de

refazimento inerente à escrita com lápis introduziu

nos processos de produção de textos, nem que

fossem como rascunho de textos finais.

Um desenvolvimento tecnológico que normalmente

não é pensado como transformador para a tradução e

o tradutor, embora tenha sido e muito, é o do transporte

a vapor. Máquinas a vapor já eram conhecidas e

empregadas desde meados do século XVIII, mas

foi no início do século XIX que a propulsão a vapor

começou a tomar o lugar das formas de propulsão

tradicionais nos trens e embarcações, os meios de

transporte mais importantes da época. A maior rapidez

de transporte proporcionada pelo vapor repercutiu de

forma sensível na distribuição de textos, pois o tempo

que estes levavam para ir do local de sua produção

até o local de seu consumo encurtou, e muito. Não é

à toa que, por volta dessa época, um tipo de literatura

se tornou bastante popular entre os leitores: o folhetim,

produzido e consumido em capítulos. Mais uma vez,

aumenta a demanda por textos e tudo o que lhes diga

respeito, inclusive traduções. É importante notar que

a distribuição maior e mais rápida permitiu que livros

começassem a ser vistos como objetos de consumo

e sua tradução como parte de meios de produção. Os

tradutores podem sentir os efeitos dessa visão até hoje.

Da máquina de escrever como tecnologia que

mudou a face da tradução profissional, não há

muito o que dizer, é algo que dificilmente escapa

mesmo ao tradutor mais desatento. Contudo, nesta

nossa resumidíssima conversa sobre tecnologias

transformadoras para a tradução e o tradutor, há

uma que merece um olhar especial não por estar

oculta e sim por ser tão óbvia, mas tão óbvia,

que se insere na categoria das obviedades

perigosas, aquelas que nos levam a não prestar

atenção em certos fatos. Estou falando, é claro, do

processamento de traduções por computador. Até

o surgimento do primeiro computador eletrônico,

o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and

Computer), em 1946, as implicações dos

desenvolvimentos tecnológicos para a tradução

tiveram mais a ver com transformações causadas

pela disponibilidade de textos e agilidades de

novos meios para traduzir do que com a tradução

propriamente dita como processo. A tradução

continuava exclusivamente um produto humano,

somente possível com o envolvimento de pessoas

em todas as etapas de sua elaboração. Com o

computador eletrônico, entretanto, o antigo sonho

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de ter uma máquina de traduzir, que já vinha sendo

aventada seriamente desde o século XVII por gente

como Descartes e Leibniz, parecia estar finalmente

ao alcance. Tanto foi assim que tão logo o ENIAC

entrou em operação, começaram imediatamente

as pesquisas para tornar as traduções totalmente

automatizadas e produzidas com o mínimo de

interferência humana, até nenhuma.

Não deu certo. Limitações tecnológicas

existentes nas décadas de 1950 e 1960 impediram

a construção de máquinas capazes de executar

os intricados processos que a tradução de

textos envolve e o projeto da tradução total por

computador foi posto de lado, pelo menos por

um tempo. Porém, mesmo no momento em que

a tecnologia se mostrou incapaz de reproduzir a

tradução humana, ela foi providencial para, em

sua incapacidade, evidenciar a complexidade

da tradução como ato. É justamente naquelas

décadas que surgem as primeiras reivindicações

acadêmicas para que a tradução se torne objeto

de uma disciplina exclusivamente dedicada a

ela, os Estudos da Tradução. Há quem fale em

coincidência. Pode ser. Contudo, teríamos de

aceitar que também foi coincidência o fato de

a grande explosão dos Estudos da Tradução

ter acontecido na década de 1980, ao redor da

mesma época de uma das maiores revoluções

tecnológicas no âmbito da computação, a criação

do computador pessoal ou PC (Personal Computer).

É muito sincronismo aleatório para o gosto de

qualquer um. O computador pessoal, aliás, com

sua alta capacidade de processamento e seus

processadores de texto, se tornaria um instrumento

imprescindível para o tradutor profissional e abriria

caminho para o desenvolvimento de recursos

informatizados voltados especificamente para

a tradução, como a memória de tradução, além

de possibilitar a retomada do esforço em prol da

tradução de máquina.

o marinheiro temeroso

Concluindo, portanto, nosso papo rápido sobre

a relação entre tradução e tecnologia e como ela

vai muito além de uma simples parceria – a

tecnologia não "ajuda" a tradução, ela está em sua

origem e promove sua existência, voltemos à

imagem inicial do marinheiro que ama tudo o que

diz respeito ao oceano e navegar por ele, mas não

é muito chegado a barcos, e façamos uma

comparação com o tradutor que se diz apaixonado

pelo mundo das línguas, dos textos, da

comunicação, da arte de escrever, mas não dá a

mínima para aquilo que torna possível a realização

dessa paixão. Como o marinheiro que somente se

importa em navegar sem dar muita importância ao

modo como o barco proporciona a navegação,

assim é o tradutor que trata a tecnologia como

algo incidental à tradução, uma inconveniência a

que tem de se submeter em prol do deleite de

traduzir. A hora de discutir a relação mencionada

no título não é agora, foi ontem, mas ainda dá

tempo de iniciá-la com nós mesmos e entrar

naquelas que outros iniciaram e estão rolando

antes de nós. É trabalhoso e pode ser assustador,

mas é necessário. Alguém duvida que o destino

do metafórico marinheiro é o naufrágio ou ficar

navegando em círculos?

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recentemente, a gigante Google lançou

um modelo de fones de ouvido com

capacidade de traduzir simultaneamente em

40 idiomas, o que tem gerado muitos comentários,

alguns preocupados com o futuro dos profissionais de

interpretação e de tradução, outros preocupados com

os problemas que esse tipo de dispositivo pode trazer

(no caso de traduções incorretas, inconsistentes ou

mesmo improváveis).

Talvez, o primeiro ponto a ser levado em

consideração é que os fones foram pensados para

turistas que viajam para países de línguas diferentes.

Funciona como dispositivo auxiliar usando o Google

Translate como base, para comunicação básica, por

bitsOs fones de ouvido que traduzem.

TECnoLoGia

Por Sidney Barros Jr.

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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exemplo, na tradução de uma simples informação,

número ou código, o nome de um prato em um

restaurante, talvez ajude a resolver algum problema

com a reserva de uma unidade habitacional em um

hotel ou de um carro na locadora.

É claro que do mesmo modo que uma grande

empresa, que não faça uso de linguagem controlada

ou de outro método de controle linguístico, não usará

ferramentas gratuitas de tradução automática, grandes

corporações muito provavelmente não farão uso deste

tipo de dispositivo em reuniões, conferências, palestras,

apresentações etc., que envolvam informações

sigilosas e linguagem corporativa. Novamente, é

um dispositivo que leva aos ouvidos o que faz a

dupla Google Translate + Internet (por meio de uma

comunicação Bluetooth entre fones e smartphone) ao

buscar, em tempo real, a tradução do que é ouvido.

Depende, totalmente, de conexões rápidas, o que não

é algo tão comum por aqui e, principalmente, com as

pegadinhas das línguas de partida e chegada.

Mas tem seu mérito por ser uma invenção que

ajudará muita gente “perdida” mundo afora, com

boa conexão e um smartphone bem esperto para

fazer com que a barreira linguística seja bem menor.

Alguns anos atrás os smartphones e seus

predecessores, como os PDAs, passaram pela

mesma situação de reprovação e medo. Talvez seja

parte da nossa velha e doce neofobia. Ou não...

Lembrando que a tradução simultânea (nem tão

simultânea assim, afinal, depende de verificação

online que leva uns bons segundos) é apenas uma

das funções do dispositivo. Outras incluem envio de

mensagens, aviso de notificações e informação de

rotas! Como é conectado ao Google Assistant (antigo

Google Now), certamente tem e terá muitas outras

funções. Basta lembrar que o comando “OK, Google”

conta com mais de cem funções para Android!

Novidades no campo da transcrição de áudios

Desde a época do lançamento do (maravilhoso)

Dragon Speech da Nuance, que um dia teve versão

em português, foram lançados diversos programas/

apps lançados pela concorrência. Alguns sumiram

rapidamente, outros ainda estão no mercado, ainda

que tendo sido comprados pelas grandes empresas de

computação. Quando se fala em transcrição de áudio

em português, nos dias de hoje, logo somos lembrados

do Dictate no MacOS (mas nem todo mundo tem

um Mac ou o Hackintosh – a versão do MacOS para

Windows e que não roda decentemente o programa).

Voltando aos mortais usuários de PC, há pela Internet

bons comentários sobre o Speech, que se trata de um

recurso dentro do Google Docs. É preciso lembrar, no

entanto, que esses programas/apps/serviços não são

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perfeitos, principalmente na língua de Camões e, mais

ainda, por serem serviços online e gratuitos.

Por outro lado, temos o Whatsapp, o famoso app

de comunicação que funciona em praticamente

todas as plataformas móveis, que também ganhou

um recurso de digitação por voz, que é vinculado ao

teclado do Google (padrão nas instalações Android).

O que parece ter melhor desempenho, dizem,

é a Digitação por voz do Google Docs (Speech).

Há testes e mais testes pelos sites de reviews e

de vídeos.

Um novo programa chegou ao mercado prometendo

até 92% de acertos na transcrição em português do

Brasil. Trata-se do Parli. Segundo seu fabricante, o

programa funciona com toda a suíte Office, bem como

outros programas dentro do ambiente Windows.

ferramentas de produtividade

O novo ano está chegando e, com ele, um

novo momento para organizar a vida profissional.

Pensando nisso, apresentamos algumas dicas

ligadas à produtividade.

Há diversos programas/sites/serviços/apps

que ajudam a manter o foco no trabalho, bem

como na organização do próprio trabalho, da

vida administrativa, enfim, colocar cada coisa em

seu lugar e deixar o profissional fazer o que deve

(em geral, trabalhando de forma a produzir mais,

gastando menos energia, em menos tempo e com

maior eficiência).

Programas como Skype, para comunicação,

Dropbox, para compartilhamento de arquivos e

backup “na nuvem”, serviços como Team Viewer,

para comunicação e trabalho em equipe dentro

do mesmo ambiente, ferramentas como o Rescue

Time, que bloqueia certos sites, diminuindo a

distração, são úteis no cotidiano dos profissionais

de tradução.

Durante o trabalho, nada como manter uma

“rotina” controlada, como indica o método

Pomodoro ou o Get Things Done (GTD), onde

o profissional trabalha por determinado período

de tempo, descansa um tempo

e assim segue até completar

as horas programadas para o

dia, a famosa cota de serviço.

Talvez algo a se pensar (e fazer)

no novo ano e, assim, produzir

mais em menos tempo. Boa

ideia, não?

Bem, mais um ano está no

fim. Muita coisa aconteceu e as

previsões tecnológicas para

2018, envolvendo MT, MNT, além de uma grande

sopa de letrinhas, indicam que há muito mais

adiante. Estaremos juntos, acompanhando estas

novidades com vocês. Obrigado pela companhia!

Até 2018

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

36

Pouco mais, pouco menos, esta edição de

Metáfrase cobre o período que vai do Dia

de Finados às primeiras semanas do novo

ano — um arco temporal que cobre da morte ao

renascimento, uma ótica sem dúvida mais animadora

do que a tradicional do berço ao túmulo.

Novembro tem muitas datas comemorativas

famosas e outras das quais pouco se ouve falar: Dia

Nacional do Riso (6) e do Trigo (10), Dia Mundial da

Gentileza (13) e do Doador de Sangue (25), o que

equivale a dizer que o penúltimo mês do ano celebra

a diversão, o alimento para a matéria e o nutriente

para o imaterial, além da solidariedade para com o

próximo. Haveria melhor forma de nos prepararmos

para a virada?

Em dezembro, costumam ser o Natal, as

leituras que valem a PeNaAdeus, olá

LEiTURaS qUE VaLEM a PEna

Por Karla Lima

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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inevitáveis compras e os trocadilhos envolvendo

tortas retas e pavês comestíveis que eclipsam

o Dia da Astronomia (2), dos Voluntários pelo

Desenvolvimento Econômico e Social (5), do

Alcoólico Recuperado (9) e da Lembrança (26).

Aos que desde o início do ano prestigiaram a

coluna e a quem me suceder neste espaço, deixo

para 2018 votos de trabalho com alegria, compaixão

nas relações, muita prosperidade e saúde.

Tim-tim!

Criação imperfeitaMarcelo GleiserRecord

O mais surpreendente neste livro não é a

compreensibilidade de um texto que tinha tudo para

ser hermeticamente proibido a não iniciados. Afinal,

Gleiser, professor de Filosofia Natural e de Física e

Astronomia no Dartmouth College, foi articulista de

jornal, estrelou programa de TV e foi duas vezes

agraciado com o Prêmio Jabuti. É, portanto, um

experiente autor de textos científicos em linguagem

para leigos. Tampouco causa espanto a quantidade

de dados curiosos, interessantes e até divertidos

que encontramos em todas as páginas, embora essa

seja uma vantagem extra que os leitores vão ganhar

para competir com o tio sabichão no concurso de

curiosidades gerais da ceia.

O ponto alto da obra é sem dúvida o apanhado

histórico-sócio-psicológico que o professor faz das

“certezas” que há 25 séculos norteiam a busca

humana por respostas — e a original proposição

decorrente da análise: a procura tem sido

equivocada. Não se trata de comprovar a teoria

unificadora segundo a qual as coisas mínimas e

máximas partilham da mesma estrutura intrínseca,

e sim de aceitar que nosso conhecimento sempre

terá limites, que isso não nos diminui como espécie

e que a existência só se tornou possível graças ao

acaso de um glorioso caos.

“Talvez não sejamos a medida de todas as

coisas, como propôs o grego Protágoras em torno

de 450 a.C., mas somos as coisas que podem medir.

[...] Se civilizações alienígenas existirem — a busca

por vida extraterrestre inteligente continua —, estão

tão afastadas de nós que, na prática (e descontando

especulações um tanto fantasiosas), é como se não

existissem. Enquanto estivermos sozinhos, produtos

de acidentes ou não, nós somos a consciência

cósmica, nós somos como o Universo reflete sobre

si mesmo.”

Elogio da leituraMario Vargas LlosaTradução de Larry FernandesEditora Simonsen

Este livro é um delicioso perfume em minúsculo

frasco de 12 x 18 cm e 48 páginas. Nas seis iniciais,

temos a reprodução da conversa telefônica entre o

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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ganhador do Nobel de Literatura de 2010 e o membro

da Academia Sueca que entrou em contato para dar a

notícia sobre o prêmio. Nas trinta restantes, o que lemos

é o discurso que Vargas Llosa proferiu em Estocolmo

por ocasião do recebimento. E que discurso!

Se você é do tipo que interage fisicamente com

o texto, compre um grande pacote de marcadores

adesivos ou aponte os lápis e prepare-se para

sublinhar em grande escala, pois raríssimo será o

parágrafo que não mereça algum tipo de destaque.

Sempre relacionando o tópico à literatura e à sua

paixão por ela, o autor relembra a ocasião em que

aprendeu a ler, o que isso significou e por quê; conta

sobre o período que morou em Paris e em Barcelona

e o modo como viver longe do Peru o aproximou

da terra natal; critica o nacionalismo, a religião, a

política, os regimes tirânicos, os conflitos armados

e outros vilões costumeiros, mas com verve rara. No

centro de tudo está a prosa de ficção. Ela é refúgio,

inspiração, ferramenta e antídoto — “ler é protestar

contra as insuficiências da vida”.

TintaFernando Trías de BesTradução de Cristina AntunesEditora Autêntica

Tinta está para a literatura como “It’s only

rock’n’roll, but I like it” está para os roqueiros: é o

homenageador, a homenagem e o homenageado.

Os personagens deste romance encantador são um

autor, um revisor, um impressor, um editor, um livreiro

e cada um de nós, leitores, que contribuímos para

que o círculo se complete.

A história se passa entre maio de 1900 e junho

de 1910 em Mainz, a cidade alemã onde, cerca

de quinhentos anos antes, Gutenberg havia pela

primeira vez produzido um exemplar da Bíblia

usando a revolucionária prensa de tipos móveis.

Neste local histórico, conta-nos Tinta, ocorre a

cerimônia descrita na abertura do livro: lá, “todo mês

de junho, celebra-se a festa de São João. O momento

culminante dos festejos acontece no dia 21, com o

batismo dos novos impressores. Em plena rua, eles

juram lealdade à sua profissão e são batizados,

mergulhando completamente numa grande tina de

água do Rio Reno”.

Personagens desesperançados e perdidos

de angústia vagam pela narrativa em busca de

explicações para seus problemas existenciais: o

livreiro é traído pela mulher que ama, o editor se

tornou incapaz de amar, o impressor ama o irmão, o

revisor perdeu a amada e o autor perdeu um grande

amor. Um livro (claro!) os une em um abraço coletivo

do qual o leitor é o par de braços fundamental.

Livro adorável para adoradores de livros sobre

livros.

Beethoven era 1/16 negro e outros contosNadine GordimerTradução de Beth VieiraCompanhia das Letras

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Há quem se considere cidadão do mundo e

por isso sem vínculo especial com lugar nenhum,

ou com todos ao mesmo tempo. Algumas pessoas

nascem antes dos respectivos países — na

literatura contemporânea, o caso mais famoso é

provavelmente o de Mia Couto, que veio ao mundo

no território que apenas vinte anos depois viria a ser a

nação autônoma de Moçambique. Algumas pessoas

chegam ao mundo em enclaves étnicos, como Herta

Müller, romena de origem alemã. Há quem tenha

uma nacionalidade formal e outra, ou várias outras,

afetivas — Edward Said, cristão palestino, nasceu

em Jerusalém, criou-se no Egito e se firmou como

intelectual nos EUA. Identidade e pertença na África

do Sul pós-apartheid são os temas que Nadine

aborda nesta coletânea de 14 contos.

O tecido social, esgarçado por décadas de

racismo de estado, vai lentamente se reconstituindo:

há novos parâmetros de comportamento, novas leis,

novos códigos morais, uma política de reparação.

Porém, enquanto o coletivo se estrutura e avança

na velocidade possível, como se estabelece, ou

se reconstrói, a existência individual? Ser negro

deixou de significar sofrer discriminação. Ou não?

Ser branco já não é vantagem automática. Ou é, e

sempre será?

Não apenas o ex-opressor e o ex-oprimido,

mas também imigrantes em geral e mulheres em

particular tateiam a vida em busca de pistas que

levem a um nível, mínimo que seja, de entendimento

de si, do outro e da realidade em volta.

Quais são as oportunidades? Como tomar

decisões? O que fazer com tanta liberdade?

Ninguém sabe onde está pisando, ninguém

consegue prever as consequências de seus atos e,

aliás, nem de suas omissões. De algum modo, são

todos ou desenraizados ou recém-chegados,

nativos da terra e estrangeiros da língua ou vice-

versa, mas irmanados numa solidão que parece

insuperável.

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Para nós, tradutores, discutir tradução é —

quase automaticamente — pensar na língua

estrangeira como ponto de partida e em nosso

vernáculo como ponto de chegada. E se pensássemos

na questão de modo inverso? Por que não refletir

um pouco sobre ela e analisar alguns aspectos do

ato tradutório? Por que não examinar alguns contos

de autores brasileiros e ver em que medida os

“sabores” estilísticos de nossos grandes escritores são

preservados nas versões, ou se nelas poderíamos ver

— e sentir — alguns dissabores?

Foi a partir dessas questões que decidi comentar

aqui, de forma bastante breve, alguns exemplos

coligidos de contos brasileiros que ganharam versão

para o inglês.

Para início de conversa, quero destacar o fato

altamente estimulante de que nossos grandes

escritores vêm sendo divulgados no exterior graças

quem CoNta um CoNtoSabores (e dissabores) em versões de contos brasileiros para o inglês: algumas reflexões.

Por Alzira Leite Vieira Allegro

aBRaTES ConViDa

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

42

a versões publicadas em diferentes línguas, o que,

sem dúvida, atesta a relevância da tradução como

ponte entre culturas e saberes.

Antes de discutir os exemplos que escolhi, quero

também destacar alguns aspectos e argumentos

levantados por estudiosos do gênero conto que,

indiretamente, apontam, acredito, para o próprio

processo tradutório, quando sugerem que na

criação literária há elementos que são fundamentais

e podem fazer a diferença – tanto na criação, como

na difícil arte da recriação, ou seja, na tradução.

Em seu On Writing Short Stories (2000), Tom

Bailey fala de alguns desses elementos:

As palavras que usamos em nossos textos

devem ser as palavras certas – as palavras

exatas. Há uma enorme diferença entre “andou/

caminhou”, “pulou” ou “saltou” e “arremessou-

se/deu uma estocada”. Somente uma delas

é a correta, dependendo do tom e do objetivo

específico da ação particular que precisa ser

descrita. É tarefa do escritor ter a certeza de que

usa a palavra adequada. [...] Nada em um conto

é aleatório [...] (grifos do autor, tradução minha).

Bailey afirma também que “as sentenças e as

palavras que as constituem são tudo para o escritor”;

e eu aproveitaria esta oportunidade para acrescentar:

elas são (quase) tudo também para o tradutor.

Então, uma pergunta: o que leva um autor

a dizer algo de uma maneira e não de outra, a

utilizar uma palavra e não outra? Minha resposta:

acredito que cada escritor tenha suas razões, que

podem, por vezes, parecer estranhas, incoerentes

ou inusitadas. Entretanto, se tal foi a escolha feita

por ele, por que razão nós, tradutores, teríamos a

liberdade de substituí-la por outra, tornando-a mais

simples ou mais sofisticada, mais genérica ou mais

específica, e, com isso, descaracterizar o sentido

(supostamente) sugerido no original? É necessário,

pois, pesar criteriosamente cada escolha.

Nos procedimentos tradutórios que adotamos

diante de um texto literário, são as escolhas

lexicais, as palavras de “conteúdo” que,

semanticamente carregadas, conduzem o texto,

sobretudo no gênero conto, em que a precisão

vocabular e a concisão são traços marcantes.

Não ficam, entretanto, muito atrás as escolhas

sintáticas, retóricas, estilísticas e de pontuação,

para não mencionar as questões de registro —

tudo isso e muito mais faz a diferença em uma

tradução ou versão; porém, o espaço de que

dispomos não nos permite alongar a questão.

A título de reflexão, portanto, quero mostrar e

comentar aqui alguns exemplos extraídos de versões

de contos de alguns respeitados autores brasileiros

para a língua inglesa.

Edith Grossman (2003), tradutora de García

Márquez, entre outros autores latino-americanos, ao

discutir versões de espanhol para o inglês, diz que a

obrigação do tradutor literário é “recriar para o leitor,

em inglês, a experiência do leitor em espanhol”;

convido, portanto, os leitores a refletirem comigo

acerca de alguns fragmentos que extraí de contos

que ganharam versão em língua inglesa (os grifos

são meus).

Começo com um fragmento do conto “Um

Ladrão” (“A Thief”), de Graciliano Ramos:

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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Original: [...] andou noutras peças, arrecadou

objetos miúdos.

Versão: [...] he went into some of the rooms and

took various small objects of little value.

Original: [...] Afinal aquilo não tinha importância.

Agora temia encontrar um conhecido. O que mais o

aperreava era o diabo da tremura nas mãos.

Versão: It really wasn’t important... He worried

for a moment about the possibility of running into

someone who knew him. The trembling of his hands

tormented him.

Com relação ao primeiro fragmento, retomo

Bailey, notando que “arrecadou” foi

traduzido por “took”, termo bastante genérico que

não parece fazer justiça à tão sutil e irônica escolha de

Graciliano e que acaba por enfraquecer o potencial

semântico sugerido em “arrecadou”, conferindo à

situação um olhar comum e rotineiro, que não se

coaduna com aquele ladrão em especial, um desastrado

principiante. Seriam, a título de sugestão, “collected”, ou

“appropriated”, escolhas mais adequadas? No segundo

fragmento, considerando que Graciliano — um pouco

à moda Hemingway — é escritor lacônico, conciso, de

estilo árido e palavras certeiras, causa certo incômodo

o uso das reticências nessa versão. Lembro-me do que

disse com muita pertinência o grande escritor e tradutor

russo Isaac Babel: “Nenhum ferro consegue perfurar

com tanta força quanto um ponto-final colocado no

momento exato”. Aí está: a pontuação é elemento crucial

em qualquer texto e em qualquer tradução. Quanto a

“o que mais o aperreava era o diabo da tremura nas

mãos,” que pode também sugerir discurso indireto livre

— estratégia valiosa e muito utilizada em contos —, não

teria o fragmento perdido sua força ao ecoar apenas a

voz narrativa? Ademais, não teria a inversão na ordem

da oração afetado o rico efeito estilístico que lança luz

potente sobre as mãos trêmulas? Estariam aqui outros

“dissabores”?

Passo para um exemplo extraído de “Feliz

Aniversário” (“Happy Birthday”), de Clarice Lispector:

Original: [...] e como Zilda — a única mulher

entre os seis irmãos homens e a única que, estava

decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para

alojar a aniversariante. [...]

Versão: [...] And since Zilda — the only daughter

in that large family where the other five were male,

and the only one, it was decided years ago, who had

the time and space to look after the old woman. [...]

A escolha “look after” tem implicações importantes

para a coerência da narrativa no que diz respeito à

construção da personagem. Ao leitor de língua inglesa,

pode parecer que Zilda, a quem “sobrou” o encargo

de cuidar da mãe idosa, aceita essa incumbência de

bom grado; isso, porém, não se sustenta no decorrer

da narrativa e das atitudes por ela demonstradas.

Retomo Bailey: vejo aqui uma escolha equivocada:

“look after” (= cuidar) é bem diferente de “alojar”.

Na constituição da personagem, a voz narrativa,

inequivocamente, é crítica mordaz de Zilda; portanto,

“look after” não parece uma escolha pertinente – e

tampouco coerente. Seriam, por exemplo, “lodge” ou

“install” melhores opções, visto que denotam menos

sensibilidade, maior distanciamento, atitudes que se

ajustam bem à fria personagem Zilda?

Na sequência, Machado de Assis e seu “Singular

Ocorrência” (“A Strange Thing”):

Original: [...] Pegou-lhe na cabeça com ambas as

mãos e paternalmente pingou-lhe o beijo na testa.

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

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Versão: [...] He gently cupped her face in his

hands and gave her a paternal kiss on the forehead.

Novamente, uma escolha bastante genérica,

que, embora não deturpe a ideia do original, retira-

lhe a sutileza; entre “pingou-lhe o beijo na testa” e

“gave her a paternal kiss on the forehead”, todo um

tesouro estilístico se foi...

Por fim, proponho dois exemplos extraídos

de “A Terceira Margem do Rio” (“The Third Bank

of the River”), de Guimarães Rosa. Do conto

conheço três versões e delas destaco dois

fragmentos, o primeiro dos quais é a instigante (e

iluminada) frase:

“Meu pai nada não dizia.”

Em duas das versões a frase resultou em “Father

said nothing”, e na outra “My father didn’t say

anything”, opções rigorosamente dentro dos ditames

da gramática inglesa, que, via de regra, não admite

duas negações na mesma oração. Não haveria na

língua inglesa uma forma de recriar essa criativa —

e inusitada — escolha de Guimarães, entre tantas

outras de sua lavra?

Levanto outro fragmento das versões publicadas

do conto: trata-se do momento em que, diante da

decisão do marido, a mulher o adverte:

Original: “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”

Versão 1: “Go or stay; but if you go, don’t you ever

come back!”

Versão 2: “If you go away, stay away. Don’t ever

come back.”

Versão 3: “You’re going,” she said. “You’re

stopping there. You’re never coming back.”

Considero o enunciado “Cê vai, ocê fique,

você nunca volte!” altamente significativo, pois

mostra, já em termos de registro, o início (e o

possível fim) do processo de distanciamento

que se desenha entre os membros da família

— cujo centro encontra-se na mãe — e o pai,

que toma a inarredável decisão de partir: ao

enunciado “cê vai”, que poderíamos considerar

subpadrão, segue-se uma pequena “melhoria” —

“ocê fique”, em que emerge um subjuntivo, até

chegarmos a um claro distanciamento, registrado

em norma culta bastante formal, expressa que

é no enunciado absolutamente correto atrelado

ao subjuntivo: “você nunca volte!”. Teriam os

tradutores negligenciado essa nuance que tanto

enriquece o belo conto de Guimarães Rosa?

Inúmeros outros casos poderiam ser discutidos,

mas fiquemos por aqui. Minha intenção foi

apenas a de mostrar o outro lado da moeda da

tradução e convidar os falantes de português

familiarizados com a língua inglesa a “sentir na

pele” as implicações das escolhas que fazemos em

tradução; elas envolvem questões de interpretação,

de sensibilidade, de semântica, de conhecimentos

linguísticos profundos... e muito mais. E, por sua

vez, os falantes de inglês que conhecem nosso

vernáculo também devem sentir, suponho, ao

lado dos sabores, os (pequenos?) dissabores das

traduções de textos de sua própria língua para a

nossa, quando as cotejam com o original.

Concluo, convocando o grande Mark Twain

para dar sua contribuição a essas reflexões: “A

diferença entre a palavra quase exata e a palavra

exata é realmente um tópico importante — é a

diferença entre o vagalume e o relâmpago”. Food

for thought.

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NúMERO 8 • DEZEMBRO/2017

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ANOTE NA AGENDA

DEZEMBRO6 — 8 online educa berlin ICWE GmbH Berlim, Alemanha

6 Cocktails & Context san Francisco Smartling São Francisco, Califórnia, EUA

7 — 8 Nd Focus — elia's focus on Project management

Elia (European Language Industry Association) Praga, República Tcheca

Fique por dentro das datas de alguns dos eventos da área nos próximos meses.

EVEnToS

JANEIRO23 — 25 translation studies: New directions Savitribai Phule Pune University Pune, Índia

29 — 30 translation technology round table The Localization Institute Menlo Park, Califórnia, EUA

Fonte: Multilingual Events

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METÁFRASE – REVISTA DA ABRATES

46

DEZEMBROLuciana Janson Vaz dos Santos 01-12

Priscila França de Andrade 01-12

Patricia Lima Pederiva 02-12

Davidson Gregorio Oliveira Fatima 03-12

Thais Diehl Bresolin 03-12

Richard Laver 05-12

Priscila Ramires da Cruz Corrêa 06-12

Sonia Frederico Augusto 06-12

Bárbara Contarini Bernardes 07-12

Maria da Conceição Alves 07-12

Amauri Alves da Silva 08-12

Catia Franco de Santana 09-12

Fernanda Wermelinger Rocha 09-12

Renata Maria Tomaz de Almeida Santiago 11-12

Denise Lopes Rodrigues 13-12

Fabiane Ariello 13-12

Luis Carlos Santos Batista 13-12

Ana Paula Carvalho Viegas 14-12

Marilia de Araujo Correia 14-12

Flavia Maria Souza Morsa 15-12

Verônica Câmara Machado 15-12

Abner Dmitruk Carrazzoni 16-12

Fábio Fonseca de Melo 16-12

Jane Paiva de Rezende 16-12

Renata Collaboni Manzano 16-12

Julia Maria Dias 17-12

Marina Araújo Vieira 17-12

Claudia Muller 18-12

Izabel Emília Telles de Vasconcellos Souza 18-12

Luzia Aparecida Alves 18-12

Carla Pastorisa Dalzochio 19-12

Daniel Pereira Maciel 20-12

Renato Beninatto 21-12

Ana Maria Furlanetto Pacheco 23-12

Mônica Borges Lopes 23-12

Suzana de Morais Castelo 23-12

Marina Hion de Castilho 24-12

Camila Bernardo Lobo 24-12

Gabriela Kishi Cristofani 26-12

Casandra Gabriela Dias Ramos Vidal 27-12

Danilo Nogueira 29-12

Iara Aurelia de Macedo 29-12

Ingrid Edelgado Orglmeister 29-12

Celina Cantidiano de Miranda 30-12

JANEIROLiam Alexander Gallagher 01-01

Joyce Kobayashi 03-01

José Luiz Corrêa da Silva 04-01

Diego Hermínio Toniato 05-01

Kelly Elizeu Silva 06-01

Andrea Yuriko Gonçalves Yoshida 07-01

Giannina Greco 07-01

João Marcelo Benevides de Abreu 07-01

Luciane Camargo Karabachian Cayres 07-01

Mônica Schreiner 07-01

Caroline Luiza Alberoni 08-01

Poliana Guimarães Rezende 08-01

Raquel Mendonça Sikl 09-01

Ryan Elliott Green 09-01

Denise Bobadilha Maciel de Oliveira 10-01

Jeanne Monique Andrée Gieulles 11-01

Rominy Novaes Stefani 11-01

Luana R. D. Pagin 12-01

Neyf Fróes de Almeida Junior 12-01

Pedro Barbosa Mendes 12-01

Fabio Alves Oliveira 13-01

Fernanda Meyer Pereira Azevedo 13-01

Kleber Nunes Medeiros 14-01

Nathalia Lessa Constancio 14-01

Patrizia Cavallo 15-01

Alice Xavier de Lima 16-01

Carolina Fonseca Ribeiro 16-01

Elena Toral Bertolin 16-01

Anna Olga Prudente de Oliveira 17-01

Luiz Carlos Amariz 17-01

Marcos Cunha Aquino  17-01

Vanessa Aluizio Cunha 17-01

Renato Ramalho Geraldes 18-01

Andrea Gonçalves Pinto 19-01

Érico Gonçalves de Assis 19-01

Giselle Maria Paula e Silva Soffiatti 19-01

Celia Regina Ribeiro Dantas Kfouri 20-01

Carlos Prudêncio Alonso 21-01

Sílvia Beatriz de Carvalho Rocha Figueiras 21-01

Tatiane Bomfim Bertoni 23-01

Viviane Ribeiro 24-01

Diego Laje Martínez 25-01

Karina Saraiva Schröder 27-01

Carlos Leonardo de Assis Pinto 29-01

Fatima das Graças de Stigliani 29-01

Cibele Alves Lopes Mehmood 30-01

Mateus Roberto Biz 30-01

Maria do Rosário Gateira Lavadinho 30-01

Fernanda Bahadian Bardy 31-01

Welka Kristine Bruscatto 31-01

aniVERSáRioS

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atualizado no site da ABRATES.

Page 47: rs “OS MAIS BEM VOTADOS”...Participou da elaboração e executou o primeiro edital do Programa de Residência de Tradutores Estrangeiros no Brasil, da Fundação Biblioteca nacional

Somos a ABRATES, Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes, associação sem fins lucrativos e administrada por tradutores/intérpretes voluntários, fundada no Rio de Janeiro, nos anos 70. Promovemos cursos, eventos e fomentamos a troca de conhecimento e contatos entre colegas e/ou instituições e agências. Através da ponte que estabelecemos flui o conhecimento e é feito o networking, mudando carreiras e vidas. Cada vez mais presente e atuante, a ABRATES oferece vários benefícios para os associados. Veja mais no site e associe-se!

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