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Quinta Turma

RSTJ 230 TOMO 2 · 2013. 6. 27. · 2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102,

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HABEAS CORPUS N. 169.994-PE (2010/0072861-7)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Homero Junger Mafra e outro

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 5ª Região

Paciente: Francisco de Jesus Penha

EMENTA

Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso

ordinário. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto na

Carta Magna. Não conhecimento.

1. De acordo com o disposto no artigo 105, inciso II, alínea a,

da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça é competente

para julgar, mediante recurso ordinário, os habeas corpus decididos em

única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais e pelos

Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a

decisão for denegatória.

2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento

do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas previstas

no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e nos artigos

30 a 32 da Lei n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo

do habeas corpus originário perante aquela Corte em substituição ao

recurso ordinário cabível, entendimento que deve ser adotado por este

Superior Tribunal de Justiça, a fi m de que restabelecida a organicidade

da prestação jurisdicional que envolve a tutela do direito de locomoção.

3. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão

de habeas corpus de ofício.

Sonegação de contribuições previdenciárias (artigo 337-A do Código

Penal). Inquérito policial. Ausência de constituição defi nitiva das exações

no âmbito administrativo. Falta de justa causa para a persecução penal.

Adesão a programa de parcelamento. Desistência dos recursos na esfera

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administrativa. Sobrestamento da investigação policial. Constrangimento

ilegal evidenciado. Concessão da ordem de ofício.

1. Segundo entendimento adotado por esta Corte Superior de

Justiça, o crime de sonegação de contribuição previdenciária, por se

tratar de delito material, somente se confi gura após a constituição

defi nitiva, no âmbito administrativo, das exações que são objeto das

condutas (Precedentes).

2. No caso dos autos, a investigação policial em detrimento

do paciente iniciou-se mesmo sem a comprovação da constituição

definitiva da contribuição previdenciária tida por sonegada,

circunstância que, por si só, evidenciaria o constrangimento ilegal

apontado na impetração.

3. Embora o Tribunal de origem tenha consignado que o

referido óbice já não se encontraria mais presente na hipótese, em

razão da desistência por parte da empresa gerenciada pelo paciente

dos recursos administrativos interpostos contra os lançamentos que

são alvo da investigação em apreço, é certo que tal providência é

pressuposto essencial para se aderir ao parcelamento previsto na Lei

n. 11.941/2009, conforme o disposto no artigo 13, caput e § 3º, da

Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6, de 22 de julho de 2009, a qual

regulamenta o aludido diploma legal.

4. Depreende-se, portanto, que sem a desistência dos recursos

interpostos no âmbito administrativo, os quais eram aptos a postergar

a constituição defi nitiva das contribuições tidas por sonegadas, o

pedido de parcelamento feito não poderia ser acatado, em razão do

que preceitua o citado comando normativo.

5. Não se mostra razoável aceitar que a desistência dos recursos

administrativos interpostos na presente hipótese legitime o Estado

a continuar os atos investigativos para a colheita de elementos de

informação para posterior ação penal, já que existe um pedido de

parcelamento perante a autoridade fazendária, o qual foi acolhido,

consoante noticiado pela Secretaria de Receita Federal, circunstância

que impõe a suspensão do inquérito policial instaurado na origem,

que só poderá ser retomado caso a empresa da qual o paciente é

diretor seja excluída do programa de parcelamento previsto na Lei n.

11.941/2009.

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6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício

para sobrestar o andamento do inquérito policial instaurado contra o

paciente, até que haja a quitação ou eventual exclusão do programa de

parcelamento previsto na Lei n. 11.941/2009.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador

convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 9 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 24.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

impetrado em favor de Francisco de Jesus Penha, apontando como autoridade

coatora o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que denegou a ordem

pleiteada no HC n. 3.879-PE.

Noticiam os autos que foi instaurado inquérito policial para apurar a

suposta prática de crime de apropriação indébita previdenciária por parte da

Companhia Brasileira de Equipamento - CBE, da qual o paciente é diretor.

Sustentam os impetrantes que o paciente seria vítima de constrangimento

ilegal, sob o argumento de que não haveria justa causa para o prosseguimento

do inquérito policial, pois o débito previdenciário já teria sido objeto de

parcelamento.

Argumenta que os autos estariam instruídos com certidão positiva com

efeitos negativos de débitos referentes às contribuições previdenciárias e às de

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terceiros, o que teria o condão de demonstrar que os débitos da empresa da qual

o paciente é sócio estariam com exigibilidade suspensa.

Requer a concessão da ordem para que seja trancado o inquérito policial

em apreço.

A liminar foi deferida, nos termos da decisão de fl s. 141-142.

Prestadas as informações (e-STJ fl s. 146-148, 159 e 190-191), o Ministério

Público Federal, em parecer de fl s. 176-182, manifestou-se pela denegação da

ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, o trancamento do inquérito policial instaurado

para apurar a suposta prática do crime de apropriação indébita previdenciária

por parte da Companhia Brasileira de Equipamento - CBE, da qual o paciente

é diretor.

Cumpre analisar, preliminarmente, a adequação da via eleita para a

manifestação da irresignação do impetrante contra o acórdão proferido pelo

Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este

Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma

originária, os habeas corpus impetrados contra ato de Tribunal sujeito à sua

jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou

da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na

alínea a do mesmo dispositivo constitucional.

Por outro lado, prevê a alínea a do inciso II do artigo 105 que o Superior

Tribunal de Justiça é competente para julgar, mediante recurso ordinário, os

habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais

Federais o pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios,

quando a decisão for denegatória.

Do cotejo dos aludidos dispositivos, percebe-se que o Poder Constituinte

Originário, prevendo situações distintas envolvendo a tutela do direito de

locomoção, atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça competências também

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diferenciadas, atento à sua peculiar função de uniformizar a interpretação da

legislação infraconstitucional.

Com efeito, tratando-se de coação ao direito ambulatório do indivíduo

atribuível a quaisquer das autoridades elencadas nas alíneas a e c do inciso I do

artigo 105, autoriza-se o manejo do writ de forma originária perante esta Corte

Superior de Justiça. Em se tratando de coação perpetrada por qualquer outra

autoridade, deve-se buscar na legislação pátria a competência originária para

analisar o pedido de habeas corpus, em observância às normas atinentes ao devido

processo legal.

Entretanto, nas últimas décadas os operadores do direito têm incluído na

acepção do termo “coação” a manutenção pelos Tribunais locais ou regionais de

atos praticados por juízes que atuam no primeiro grau de jurisdição, ou pelas

demais autoridades submetidas às suas jurisdições, quando denegam os habeas

corpus originariamente ali impetrados.

Institucionalizou-se o entendimento no sentido de que, mantendo a

decisão objurgada, os Tribunais locais encampariam o alegado constrangimento

ilegal, passando, então, a fi gurarem como autoridades coatoras. Tal interpretação

passou a comportar o chamado habeas corpus substitutivo do recurso ordinário

cabível, que veio a colocar em desuso a referida insurgência expressamente

prevista no ordenamento constitucional.

Esta espécie de writ vem sendo utilizado em larga escala, tendo em vista as

fl agrantes vantagens frente ao recurso ordinário, especialmente pela ausência de

maiores formalidades, já que dispensável até mesmo a capacidade postulatória.

Essa prática passou a ser chancelada pelos Tribunais Superiores,

principalmente no fi nal da década de 1980 e no decorrer da de 1990, quando a

sociedade brasileira se viu ávida pela tutela de direitos que lhe foram tolhidos no

período ditatorial.

Nesse diapasão, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas previstas

no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e nos artigos 30 a 32

da Lei n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus

originário perante aquela Corte em substituição ao recurso ordinário cabível,

entendimento que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fi m

de que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que envolve a

tutela do direito de locomoção.

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Tal conclusão evidencia que, na hipótese, insurgindo-se o impetrante

contra acórdão do Tribunal de origem que denegou a ordem pleiteada no

prévio writ, mostra-se incabível o manejo do habeas corpus originário, já que não

confi gurada nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 105, inciso I, alínea c,

da Constituição Federal, razão pela qual não merece conhecimento.

Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da

alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal

será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de

habeas corpus de ofício.

Segundo consta dos autos, iniciou-se investigação para averiguar a possível

prática do delito previsto no artigo 337-A, incisos II e III, tendo a autoridade

policial relatado que não teria ocorrido a constituição defi nitiva do crédito

tributário (e-STJ fl s. 26-27).

Sobreveio manifestação do Ministério Público Federal, na qual se alegou

que o exaurimento da via administrativa não seria necessário para a consumação

do crime de apropriação indébita previdenciária (e-STJ fl . 29).

Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus na origem, tendo a ordem

sido denegada em aresto que restou assim ementado:

Constitucional. Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Ato de procurador da

república. Competência do TRF. Sonegação de contribuição previdenciária (art.

337-A do CP). Justa causa. Inquérito policial. Ausência de constituição defi nitiva

do crédito. Recurso administrativo. Desistência. Pedido de adesão a parcelamento.

Suspensão da pretensão punitiva. Inocorrência. Ordem denegada.

1. A competência para o processo e julgamento de ação constitucional de

Habeas Corpus contra ato de autoridade deve ser atribuída ao órgão jurisdicional

competente para julgar os crimes a ela porventura imputados. Assim, compete

a este Tribunal Regional Federal processar e julgar habeas corpus em que fi gure

como coator membro do Ministério Público da União, com atuação na Seção

Judiciária de Pernambuco, por interpretação sistemática do art. 108, I, a, da

CF/1988. Precedentes do STF: RE n. 377.356 e RE n. 467.923.

2. Cuida-se de habeas corpus impetrado contra promoção do dominus litis para

prosseguimento de investigação criminal defl agrada com o objetivo de investigar

suposto crime de sonegação de contribuição previdenciária.

3. A constituição definitiva do crédito tributário, no que tange ao delito

tipifi cado no art. 337-A do CP, é condição objetiva de procedibilidade, inexistindo,

portanto, justa causa para a persecução criminal antes do exaurimento dos meios

de impugnação na seara administrativa.

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 759

4. No caso, o inquérito policial foi iniciado antes do requerimento formal de

desistência de recurso administrativo pelo contribuinte.

5. Todavia, inexistindo, presentemente, qualquer óbice ao prosseguimento

das investigações, o trancamento do inquérito policial se mostraria despiciendo e

contrário aos ditames da celeridade e economia processual, porquanto um novo

procedimento investigativo poderia ser iniciado, a qualquer tempo, pelo titular da

ação penal.

6. A comprovação do pedido, via internet, de adesão ao parcelamento previsto

na Lei n. 11.941/2009, bem assim, dos pagamentos das parcelas iniciais no valor

de R$ 100,00 (cem reais), antes mesmo do deferimento pela Administração

Pública e da indicação pelo contribuinte dos débitos a serem parcelados, na fase

de consolidação, não têm o condão de suspender a pretensão punitiva do Estado.

- Ordem denegada. (e-STJ fl . 116).

Compulsando-se os autos, conclui-se que a impetração merece acolhida.

No que diz respeito aos crimes contra a ordem tributária, notadamente

o previsto no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990, fi rmou-se na jurisprudência o

entendimento de que, em razão do seu caráter material, a sua consumação

só ocorre após a constituição definitiva do tributo sonegado, situação

entendida como aquela na qual não seja cabível mais nenhum recurso na esfera

administrativa para se discutir o lançamento.

O entendimento, aliás, virou o objeto da Súmula Vinculante n. 24 do

Supremo Tribunal Federal, cuja observância, como se depreende do próprio

nome dado ao instituto, vincula a atuação dos demais órgãos do Poder Judiciário

e da administração pública direta e indireta de todos os entes federados. Confi ra-

se, a propósito, a sua redação:

Não se tipifi ca crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,

inciso I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento defi nitivo do tributo.

O mesmo entendimento vem sendo aplicado pela jurisprudência dos

Tribunais Superiores com relação à fi gura típica imputada ao paciente, qual seja,

o crime de sonegação de contribuição previdenciária, previsto no artigo 337-A

do Código Penal, cuja caracterização, também em razão do seu caráter material,

depende da constituição defi nitiva do montante sonegado.

A propósito, confi ram-se os seguintes precedentes:

Penal e Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Art. 337-A,

incisos II e III, do Código Penal. Trancamento da ação penal em razão da ausência

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de justa causa. Necessidade de prévio esgotamento da via administrativa.

Condição objetiva de punibilidade. Não comprovação da ausência de constituição

do crédito tributário.

I - Esta Corte, em outras oportunidades, destacando a mudança de

entendimento do Pretório Excelso em relação a existência de justa causa para a

apuração do delito de apropriação indébita previdenciária, que só se verifi caria

após o esgotamento da via administrativa com a constituição defi nitiva do crédito

tributário, passou a adotar o mesmo raciocínio em relação ao delito de sonegação

de contribuição previdenciária previsto no art. 337-A do Código Penal.

(...)

Recurso desprovido.

(RHC n. 26.174-MG, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em

13.8.2009, DJe 28.9.2009).

Habeas corpus. Art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal. Necessidade de prévio

esgotamento da via administrativa. Condição de procedibilidade.

1. “Consoante recente orientação do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de

apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária,

o procedimento administrativo de apuração de débitos se constitui em condição

de procedibilidade para a instauração da ação penal.” (REsp n. 875.897-CE, Relator

para acórdão o Ministro Paulo Gallotti, DJ de 15.12.2008).

2. No caso, consta das informações prestadas pelo Juízo de origem que ainda

se encontra em tramitação o processo administrativo no qual se questiona a

Notifi cação Fiscal de Lançamento de Débito (NFLD). Assim, forçoso reconhecer

que não se tem por preenchida a condição de procedibilidade.

3. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal.

(HC n. 164.864-RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em

15.6.2010, DJe 9.8.2010).

Aliás, o caráter material do crime de sonegação de contribuição

previdenciária e a sua similitude com o ilícito previsto no artigo 1º da Lei

n. 8.137/1990 já era sustentada pela doutrina, conforme se depreende das

seguintes lições:

Da mesma forma como ocorre com o crime de sonegação fi scal, trata-se de

crime de dano ou crime material. Não basta que o agente realize as condutas

omissivas ou comissivas previstas nos incisos o art. 337-A do Código Penal,

para que se tenha o crime. Há necessidade ainda de que a tais condutas se siga

supressão ou redução de contribuição previdenciária. Suprimir a contribuição

previdenciária, tal como ocorre com suprimir (qualquer outro) tributo, signifi ca

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 761

nada pagar do valor devido. Reduzir a contribuição previdenciária significa

efetuar seu pagamento apenas parcial. (DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra

a ordem tributária. 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 342).

A adoção da Lei n. 8.137/1990 como modelo para a criminalização da

sonegação de contribuição previdenciária: Salta aos olhos que o legislador, para

estabelecer as fi guras penais de sonegação de contribuição previdenciária no art.

337-A do Código Penal, inspirou-se, felizmente, nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de

27.12.1990, que defi ne os crimes contra a ordem tributária.

Abandonou, defi nitivamente, a previsão de condutas erigidas à condição de

fi guras delituosas, construindo crimes de mera conduta, em que a só manifestação

do comportamento previsto na lei já caracterizava o delito, independentemente

da ocorrência de um resultado no mundo físico, como ocorria com as fi guras

estabelecidas no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24.7.1991, agora expressamente

revogada pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000. Esta, além de prever fi guras típicas de

sonegação fi scal, em que não basta a conduta, exigindo-se intenção e resultado,

pulverizou as demais figuras do revogado art. 95 da lei anterior e inúmeras

normas autônomas, disseminadas no Código Penal (arts. 313-A, 313-B, 168-A e

outros acréscimos em normas já existentes).

(...)

Consumação: Cuidando-se de crime material, consuma-se com a efetiva

supressão ou redução de contribuição previdenciária e não apenas com a

realização das condutas omissivas descritas nos incisos I a III. Aliás, como antes

observado, a conduta omissiva é apenas meio e modo para se obter o fim

buscado, ou seja a sonegação. A conduta omissiva existe apenas para a realização

do tipo. (STOCO, Rui e STOCO; Tatiana de O. Dos crimes contra a administração

pública. In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código penal e sua

interpretação, Doutrina e Jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007. p. 1.597-1.604).

No caso dos autos, conforme salientado pela própria autoridade coatora

no acórdão objurgado, a investigação policial em detrimento do paciente

iniciou-se mesmo sem a comprovação da constituição defi nitiva da contribuição

previdenciária tida por sonegada, circunstância que, por si só, evidenciaria o

constrangimento ilegal apontado na impetração, de acordo com o entendimento

mais recente desta Corte.

No entanto, embora o Tribunal de origem tenha consignado que o referido

óbice já não se encontraria mais presente na hipótese, em razão da desistência

por parte da empresa gerenciada pelo paciente dos recursos administrativos

interpostos contra os lançamentos que são alvo da investigação em apreço, é

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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certo que tal providência é pressuposto essencial para se aderir ao parcelamento

previsto na Lei n. 11.941/2009, conforme o disposto no artigo 13, caput e §

3º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6, de 22 de julho de 2009, a qual

regulamenta o aludido diploma legal.

Confi ra-se, a propósito, o teor o aludido dispositivo regulamentar:

Art. 13. Para aproveitar as condições de que trata esta Portaria, em ralação

aos débitos que se encontram com a exigibilidade suspensa, o sujeito passivo

deverá desistir, expressamente e de forma irrevogável, da impugnação ou

do recurso administrativos ou da ação judicial proposta e, cumulativamente,

renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam os processos

administrativos e as ações judiciais, até 30 (trinta) dias após o prazo fi nal previsto

para efetuar o pagamento à vista ou opção pelos parcelamentos de débitos de

que trata esta Portaria. (Redação dada pela Portaria PGFN/RFB n. 11, de 11 de

novembro de 2009).

Depreende-se, assim, que sem a desistência dos recursos interpostos no

âmbito administrativo, os quais eram aptos a postergar a constituição defi nitiva

das contribuições tidas por sonegadas, o pedido de parcelamento feito não

poderia ser acatado, em razão do que preceitua o citado comando normativo.

Todavia, não se mostra razoável aceitar que a desistência dos recursos

administrativos interpostos na presente hipótese legitime o Estado a continuar

os atos investigativos para a colheita de elementos de informação para posterior

ação penal, já que existe um pedido de parcelamento perante a autoridade

fazendária, o qual foi acolhido, estando a Companhia Brasileira de Equipamento

- CBE devidamente incluída no programa instituído pela Lei n. 11.941/2009,

consoante noticiado pela Secretaria de Receita Federal (e-STJ fl . 190).

E, nos termos dos artigos 68 e 69 do mencionado diploma legal, fi ca suspensa

a pretensão punitiva estatal enquanto não forem rescindidos os parcelamentos

nela disciplinados, extinguindo-se a punibilidade do agente quando efetuado o

pagamento integral dos débitos correspondentes à persecução penal.

Confi ra-se:

Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes

previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos

arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código

Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de

parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam

os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 763

Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de

suspensão da pretensão punitiva.

Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando

a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos

débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que

tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física

prevista no § 15 do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o

pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.

Conclui-se, assim, pela ilegalidade da continuidade do inquérito policial

instaurado na origem, que só poderá ser retomado caso a empresa da qual o

paciente é diretor for excluída do programa de parcelamento previsto na Lei n.

11.941/2009.

Ante o exposto, por se afi gurar manifestamente incabível, não se conhece do

writ, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654,

§ 2º, do Código de Processo Penal, para sobrestar o andamento do inquérito

policial instaurado contra o paciente, até que haja a quitação dos débitos

previdenciários a que se refere, ou até que a empresa da qual é diretor seja

excluída do programa de parcelamento previsto na Lei n. 11.941/2009.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 179.927-RJ (2010/0133024-0)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: Katia Varela Mello - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Guilherme Rosa Lima Junior

EMENTA

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de

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entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.

Exame excepcional que visa privilegiar a ampla defesa e o devido

processo legal. 2. Roubo e receptação. Impossibilidade de o autor do

roubo responder por receptação. Utilização do bem. Mero exaurimento. 3.

Dúvidas quanto à conduta praticada. Roubo ou receptação. Inviabilidade

de denúncia alternativa. Ofensa à ampla defesa e ao contraditório. 4.

Denúncia por roubo. Ausência de prova de autoria. Condenação por

receptação. Soldado de reserva. Não ocorrência. 5. Nova defi nição jurídica.

Circunstâncias trazidas durante a instrução. Mutatio libelli. Disciplina

do art. 384 do CPP. Não observância. Constrangimento ilegal. Nulidade

parcial da sentença. 6. Dosimetria relativa aos demais roubos. Violação

ao Verbete n. 444-STJ. Réu que não estuda nem trabalha. Fator que,

por si só, não se presta a desabonar a conduta social. 7. Consequências do

crime. Trauma sofrido. Situação comum às vítimas de crimes. Ausência de

elementos concretos. Inviabilidade. 8. Habeas corpus não conhecido.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a

racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema

recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de ser

imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às

hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal

Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo

substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes.

Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial, no

afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal evidente, a ser

sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se

prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. Não é possível cumular na denúncia a prática de roubo e de

receptação da mesma coisa. De fato, acaso o bem tenha sido roubado

pelo paciente, não pode responder pela receptação dele, porquanto o

uso do bem roubado pelo próprio agente nada mais é que post factum

impunível, ou seja, mero exaurimento, razão pela qual não pode

responder também pelo delito do art. 180 do Código Penal.

3. Não se mostra consentânea com o processo penal constitucional

a possibilidade de o promotor, em caso de dúvida, formular duas

narrativas, de maneira alternativa, para que ao fi m da instrução, possa

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 765

o Juiz escolher uma ou outra infração, porquanto fi caria sua defesa

prejudicada, haja vista a imprecisão da denúncia.

4. É patente, também, que a descrição do delito de receptação não

tem como se encaixar no tipo penal de roubo, pois, não obstante este

ser crime complexo, a não comprovação de todos os seus elementos

pode ensejar a desclassifi cação para o delito de furto, de lesão corporal

ou de constrangimento ilegal, e não para o descrito no art. 180 do

Código Penal. Com efeito, não há entre referidos fatos típicos relação

de subsidiariedade, portanto, não há se falar na fi gura do soldado de

reserva.

5. Tendo o parquet denunciado o paciente pelo roubo do bem,

haja vista ter considerado existirem indícios mínimos da mencionada

conduta, não pode ao fi nal, à míngua de conseguir provar a imputação

primeva, pedir a condenação pelo crime de receptação, sem se franquear

ao paciente o procedimento do art. 384 do Código de Processo Penal.

6. Quanto à dosimetria dos demais roubos, tem-se que não

é possível considerar como conduta social negativa a existência de

anotação constante da folha de antecedentes, pois contraria o Verbete

Sumular n. 444 da Súmula desta Corte. Da mesma forma, o fato de

o paciente não estudar nem ter emprego, não pode, por si só, levar à

conclusão de ser sua conduta social negativa e tendente à prática de

crimes.

7. A humilhação e o trauma psicológico sofrido pelas vítimas não

podem ser considerados como consequências negativas, pois não se

declinou na decisão nada que fi zesse referidos fatores destoarem das

consequências naturais sofridas por alguém que é vítima de um crime

de roubo circunstanciado.

8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para

afastar a condenação do paciente pelo crime de receptação. Concedo,

ainda, a ordem de ofício, para, com relação à dosimetria dos crimes

de roubo, decotar as circunstâncias relativas à conduta social e às

consequências do delito, redimensionando a reprimenda total do

paciente para 15 (quinze) anos, 3 (três) meses e 20 (vinte) dias de

reclusão, mantidos os demais termos da condenação.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ-SE), Laurita Vaz e

Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 11 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 18.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus

impetrado em favor de Guilherme Rosa Lima Junior, condenado como incurso

nos seguintes artigos do Código Penal: - 180, caput, à pena de 2 (dois) anos e 6

(seis) meses de reclusão; 157, § 2º, I e II, por duas vezes, em concurso formal,

à pena de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão; e 157, § 2º,

I e II, por quatro vezes, em continuidade delitiva, à pena de 9 (nove) anos e 2

(dois) meses de reclusão -, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro, que negou provimento ao recurso de apelação da

defesa.

Insurge-se, o impetrante, em síntese, contra a condenação do paciente pelo

delito de receptação pois, a seu ver, foi descrito um crime de roubo, não estando

presentes na inicial as elementares do delito de receptação. Entende não ter

sido observado o devido processo legal, pois não poderia o parquet requerer a

condenação pelo delito de receptação apenas em razão de não ter conseguido

provar o crime de roubo, porquanto não estava aquele narrado na inicial.

Assevera que a descrição do delito de roubo duplamente circunstanciado

não abrange a do delito de receptação. Portanto, inaplicável o princípio da

subsidiariedade. A seu ver, deveria ter sido aplicado o regramento trazido no

art. 384 do Código de Processo Penal, haja vista se cuidar de verdadeira mutatio

libelli, sem que se tenha observado seu requisitos legais.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 767

Conclui, assim, que não se pode admitir a criação de imputação implícita,

pois viola a ampla defesa, devendo, dessa forma, ser o réu absolvido pelo crime

descrito na denúncia, porém não provado (roubo), não podendo, ademais, ser

condenado por delito que não foi descrito na inicial acusatória (receptação).

Por fi m, insurge-se, também, contra a dosimetria das penas aplicadas

aos delitos de roubo, pois entende que foram considerados, na primeira fase,

elementos constitutivos do próprio tipo penal, além de considerações genéricas

e desprovidas de fundamentação objetiva.

Pleiteia, assim, a absolvição pelo delito de receptação e a redução das

penas-base pelos crimes de roubo ao mínimo legal.

A liminar foi indeferida às fl s. 82-115. As informações foram prestadas às

fl s. 82-115 e o Ministério Público Federal manifestou-se, às fl s. 119-128, pela

denegação da ordem, nos seguintes termos:

Processual Penal. Habeas corpus. Réu denunciado pela prática de 7 roubos

majorados (concurso de pessoas e emprego de arma de fogo). Emendatio libelli

realizada na sentença para absolver o paciente da prática de um dos crimes de

roubo e condená-lo pelo crime de receptação. Possibilidade. Réu que se defende

dos fatos e não da capitulação realizada pelo órgão acusatório. Fixação da pena-

base. Fundamentação sufi ciente. Reprimenda imposta segundo o critério trifásico.

Circunstâncias judiciais desfavoráveis: afastamento de tal qualidade demandaria

a análise de provas. Impossibilidade. Parecer pela denegação do pedido.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): O remédio constitucional

do habeas corpus nasceu historicamente como uma necessidade de contenção do

poder e do arbítrio do Estado. A Carta Magna de 1988 manteve a garantia

constitucional, prevista, sabemos todos, desde a Constituição Republicana,

destacando no inciso LXVIII do art. 5º que “conceder-se-á habeas corpus sempre

que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O Código de

Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe no art. 647, que “dar-se-á habeas

corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou

coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”.

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Enquanto não encontre eu, nos dispositivos mencionados acima,

argumentos para elastecer o cabimento do remédio constitucional a questões

que não envolvem diretamente o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

talvez como refl exo da redemocratização do país depois de mais de vinte anos

de ditadura militar, na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos

poucos, o cabimento do habeas corpus a fi m de salvaguardar direitos que apenas

indiretamente poderiam refl etir na liberdade de locomoção.

No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito

fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem

por Juno; passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na

Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas

corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta

e imediata ao direito de ir, fi car e vir, inviabilizando, consequentemente, a

proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefi nida do processo

compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, “na

medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos

estatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª

Edição. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 100.)

Em razão disso, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior

Tribunal de Justiça, a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento

do remédio constitucional, destacando-se que o habeas corpus é antídoto de

prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente,

incontroverso, indisfarçável e que, portanto, se mostra de plano comprovável

e perceptível ao julgador. Logo, não se destina à correção de equívocos ou

situações as quais, ainda que eventualmente existentes, demandam, para sua

identifi cação e correção, o exame de matéria de fato ou da prova que sustentou o

ato ou a decisão impugnada.

Mais que isso, observou a jurisprudência desta Corte ser o habeas corpus

remédio constitucional voltado ao combate de constrangimento ilegal específi co,

de ato ou decisão que afete, potencial ou efetivamente, direito líquido e certo do

cidadão, com refl exo direto em sua liberdade. Assim, não se presta à correção

de decisão sujeita a recurso próprio, previsto no sistema processual penal, não

sendo, pois, substituto de recursos ordinários, especial ou extraordinário (AgRg

no HC n. 239.957-TO, Relatora a Ministra Maria Th ereza de Assis Moura,

DJe de 11.6.2011 e HC n. 201.483-SP, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJe de

27.10.2011).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 769

O Supremo Tribunal Federal, atento a essa evolução hermenêutica, passou

a proferir decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por

objetivo substituir o recurso ordinário constitucional. A mudança jurisprudencial

consolidou-se a partir dos seguintes julgamentos: Habeas Corpus n. 109.956-PR,

Relator o Ministro Marco Aurélio; Habeas Corpus n. 104.045-RJ, Relatora a

Ministra Rosa Weber; Habeas Corpus n. 114.550-AC, Relator o Ministro Luiz

Fux e Habeas Corpus n. 114.924-RJ, Relator o Ministro Dias Toff oli.

Entendo que boa razão têm os Ministros do Supremo Tribunal Federal

quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas

na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias recursais

ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de dedução

de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem sido

esquecidas, sobrecarregando os Tribunais, desvirtuando a racionalidade do

ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a

mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo

a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal

de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal

brasileira.

No entanto, apesar de não se ter utilizado, na espécie, do recurso previsto

na legislação ordinária para a impugnação da decisão, em homenagem

à garantia constitucional constante do art. 5º, LXVIII, passo à análise das

questões suscitadas na inicial para verifi car a existência de constrangimento

ilegal evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,

evitando-se, desse modo, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

No presente mandamus, insurge o impetrante, inicialmente, contra a

condenação do paciente pela receptação de um veículo, sem que se tenha

procedido à mutatio libelli, porquanto denunciado apenas pelo roubo do referido

automóvel. No mais, questiona a dosimetria das penas.

No que concerne ao primeiro pedido, relativo à impossibilidade de

condenação pelo delito de receptação, em virtude de ter sido denunciado apenas

pelo roubo do referido bem, entendo prudente, num primeiro momento, analisar

a narrativa trazida na denúncia, no que interessa, ao deslinde da controvérsia (fl .

24-25):

No dia 16 de outubro de 2008, por volta das 21:00h, na Rua Teixeira júnior, na

altura do n. 191, bairro São Cristóvão, nesta comarca, os denunciados, forma livre

e consciente e em união de ações e desígnios criminosos, subtraíram para si e

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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para outrem, mediante grave ameaça consistente no aponte de 2 (duas) armas

de fogo contra a vítima Luiz Carlos Pereira Barbosa, um veículo marca Fiat Siena,

cor vinho, Placa LQF 2168-RJ, de sua propriedade (fl s. 22, 24 e 61-62). A vítima

foi abordada no momento em que reduzia a velocidade para estacionar o seu

veículo, ocasião em que os denunciados lhe apontaram cada um uma arma de

fogo, forçando-lhe a sair do automóvel, que teve a direção assumida por um dos

meliantes, evadindo-se ambos do local. (...). Os crimes seguintes à subtração do

veículo Fiat Siena, Placa LQF 2168-RJ, foram perpetrados com a utilização deste

automóvel, sendo que o denunciado Welington assumia a direção do veículo,

enquanto o denunciado Guilherme permanecia no banco do carona, até a escolha

das vítimas, ocasião em que Guilherme descia do veículo e, mediante o aponte

de arma de fogo, subtraía os bens das vítimas, sendo aguardado por Welington,

colocando-se ambos em direção a uma nova vítima. Após consulta, verifi cou-se

que o veículo Fiat Siena, Placa LQF 2168-RJ/ apreendido havia sido objeto de roubo,

praticado no dia 16.10.2008, por dois elementos, tendo como vítima Luiz Carlos

Ribeiro Barbosa (fl s. 631-62), sendo que os denunciados, livre e conscientemente e

em união de ações e desígnios criminosos, conduziam o automóvel e sabiam sê-lo

produto de crime.

Da leitura da peça inicial, constata-se ser assente que o veículo Fiat Siena

era produto de crime, tendo sido, inclusive, atribuído ao paciente o seu roubo.

Importante consignar, de plano, não ser possível cumular na denúncia a prática

de roubo e de receptação do mesmo bem. De fato, acaso o carro em questão

tivesse sido roubado pelo paciente, não poderia responder pela receptação

dele, porquanto o uso do bem roubado pelo próprio agente nada mais é que

post factum impunível, ou seja, mero exaurimento, razão pela qual não pode

responder também pelo delito do art. 180 do Código Penal.

Com efeito, ao subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, tem-se

verdadeiro assenhoramento do bem. Assim, adquire-se, ainda que por meio de

atos de violência, poderes inerentes à propriedade (art. 1.228 do CC), referentes

ao uso, gozo e disposição, os quais tornam o réu possuidor de fato, haja vista ter

o exercício, pleno ou não, de algum desses poderes (art. 1.196 do CC). Portanto,

o uso ou a disposição do bem não podem ser imputados ao réu que o subtraiu.

Por oportuno, confi ra-se a lição de Juarez Cirino dos Santos:

A apropriação, o consumo ou a destruição da coisa furtada não constitui

apropriação indébita ou dano, mas pós-fato punido no furto, porque representa

realização da vantagem objeto do elemento subjetivo especial do furto, tipo

consumidor; igualmente, a venda da coisa furtada a terceiro de boa-fé não

constitui estelionato punível, - mas fato posterior punido em conjunto com o

furto – ainda que lesione novo bem jurídico: a pena do furto abrange os ato

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 771

próprios de apropriação, inclusive a venda da coisa furtada e, portanto, punir pela

realização da intenção especial do furto, elemento subjetivo determinante do

tipo de injusto, signifi caria dupla punição pelo mesmo fato. (Direito Penal: parte

geral. 2. ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007. p. 423).

Elucida, ainda, Rogério Greco:

Não pode, entretanto, ser considerado sujeito ativo do delito de receptação

aquele que, de alguma forma, participou do cometimento do delito anterior,

sendo que, posteriormente, adquiriu a res, pagando aos demais agentes a quantia

que lhes correspondia, pois, nesse caso, será considerado um pós-fato impunível.

Assim, imagine-se a hipótese daquele que, tendo juntamente com mais dois

agentes, praticado um roubo em uma joalheria, depois da divisão em partes

iguais daquilo que fora subtraído, resolva adquirir, mediante pagamento em

dinheiro, a parte que coube aos outros companheiros de empresa criminosa.

Nesse caso, conforme afi rmamos, o seu comportamento deverá ser considerado

um pós-fato impunível, não podendo ser responsabilizado penalmente pela

receptação”. (Curso de Direito Penal: parte especial. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus,

2011. p. 335.)

Nesse sentido, confi ra-se o seguinte precedente desta Corte:

Processo Penal. Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Roubo. Receptação.

Anulação de sentença condenatória. Bis in idem. Circunstâncias fático-probatórias

prontamente delineadas. Possibilidade de apreciação em sede de habeas corpus.

I - Sendo o paciente condenado por crime de receptação, tendo por objeto um

bem por ele mesmo subtraído, e vindo a ser condenado em outro feito pelo delito

de roubo do mesmo bem, é de se anular, nesse aspecto, sob pena de afronta ao

princípio do non bis in idem, o primeiro processo. II - A posse do produto do roubo

não confi gura o delito de receptação, porquanto é apenas exaurimento da primeira

infração, pela qual, na espécie, já houvera sido condenado o paciente. III - Restando

demonstrado nos autos, por meio das informações prestadas pelo MM. Juízo de

primeiro grau de jurisdição e dos documentos acostados ao feito, a ocorrência da

indevida dupla apenação imposta ao paciente, afi gura-se viável a via do habeas

corpus para a resolução da controvérsia. Recurso provido. (RHC n. 13.372-RJ,

Relator o Ministro Felix Fischer, DJ 28.10.2003).

Ademais, mister registrar nesse ponto que, acaso não se saiba ao certo se

o réu roubou ou apenas receptou o bem, não é possível a produção de denúncia

alternativa. Com efeito, não se mostra consentânea com o processo penal

constitucional a possibilidade de o promotor, em caso de dúvida, formular duas

narrativas, de maneira alternativa, para que ao fi m da instrução possa o Juiz

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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escolher uma ou outra infração, porquanto fi caria sua defesa prejudicada, haja

vista a imprecisão da denúncia.

Assim, não seria possível ao Ministério Público narrar tanto o roubo do

carro quanto a receptação do mesmo carro, imputando ao paciente a prática

de roubo ou de receptação, ante a impossibilidade de responder por ambos.

Ademais, fi cariam ofendidos os princípios da ampla defesa e do contraditório,

não sabendo o réu ao certo por qual fato responde. Referido artifício impede

o paciente de saber ao menos a que título está sendo processado, o que causa

efetivo prejuízo ao devido processo legal.

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio

Scarance Fernandes afirmam que “o oferecimento de denúncia alternativa

contraria, em regra, o preceito de que deve ela se referir com precisão a fato

certo e determinado”. Citam, ainda, na mesma linha, o Enunciado n. 1 da

Súmula das Mesas de Processo Penal: “em princípio, não se deve admitir

denúncia alternativa, ainda quando houver compatibilidade lógica entre os fatos

imputados, pois seu oferecimento quase sempre acarreta difi culdade ao exercício

do direito de defesa.” (As nulidades no processo penal. 12. ed. rev. e atual. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 93-94.)

No escólio de Antônio Scarance Fernandes:

Pela relevância, a imputação estrita, que submete o imputado ao processo

criminal, além de escorar-se em base suficiente a respeito da probabilidade

de autoria, deve ser formulada de forma clara, precisa, para eficiente reação

defensiva. Por isso, deve manifestar-se em ato formal: a denúncia ou a queixa.

(...). É na denúncia do promotor ou queixa do querelante que se encontram

especifi cados os elementos essenciais da imputação: a descrição de um fato, a sua

qualifi cação como crime e a atribuição desse fato ao acusado”. (Reação defensiva

à imputação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 157.)

Da mesma forma, Guilherme de Souza Nucci entende ser inviável a

denúncia alternativa, pois, “se o órgão acusador está em dúvida quanto a

determinado fato ou quanto à classifi cação jurídica que mereça, deve fazer sua

opção antes do oferecimento, mas jamais apresentar ao juiz duas versões contra o

mesmo réu, deixando que uma delas prevaleça ao fi nal. Tal medida impossibilita

a ideal e ampla defesa pelo acusado, que seria obrigado a apresentar argumentos

em vários sentidos, sem saber, afi nal, contra qual conduta efetivamente se volta

o Estado-acusação”. (Código de Processo Penal comentado. 11. ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 164.)

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 773

Por oportuno, veja-se o precedente a seguir transcrito:

Processo Penal. Habeas corpus. Corrupção passiva circunstanciada. Quadrilha.

Denúncia. (1) inépcia formal. (a) narrativa dos fatos. Generalidade. Não

reconhecimento. (b) caráter alternativo. Não ocorrência. Ampla defesa. Violação.

Ausência. (2) carência de justa causa. Não demonstração da materialidade

delitiva. Necessidade de revolvimento fático probatório. Inviabilidade. Impetração

defi cientemente instruída. (...). 3. Não há falar em denúncia alternativa quando se

descreve a prática de comportamentos que, ao longo do tempo, se alternavam. O

vício que conduziria à nulidade da incoativa diz respeito à narração de uma conduta

que poderia se constituir em um ou outro tipo penal, o que não ocorre na hipótese.

(...). 5. Ordem denegada. (HC n. 135.283-PA, Relatora a Ministra Maria Thereza de

Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 16.11.2010, DJe 29.11.2010).

A impossibilidade de se oferecer denúncia alternativa decorre ainda da

necessidade de observância ao princípio da correlação entre acusação e sentença,

haja vista se tratar de decorrência do princípio do contraditório. Assim, é

imperativo ao réu ter a garantia que o juiz não pode condená-lo com base em

fato que não lhe foi imputado.

Ao ensejo, mostra-se pertinente ainda a doutrina de Ada Pellegrini

Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado da

congruência da condenação com a imputação, ou, ainda, da correspondência

entre o objeto da ação e o objeto da sentença, liga-se ao princípio da inércia

da jurisdição e, no processo penal, constitui efetiva garantia do réu, dando-lhe

certeza de que não poderá ser condenado sem que tenha tido oportunidade

de se defender da acusação. No processo penal condenatório é fundamental

a identificação da causa petendi, consubstanciada no fato imputado ao réu,

chamado pela doutrina de evento naturalístico. É o acontecimento histórico

transportado para o processo porque corresponde a um tipo penal. (As nulidades

no processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2011. p. 209.)

Não sabendo ao certo pelo que se está sendo processado, não há como

saber do que se defender. Assim, tendo escolhido o parquet denunciar o paciente

pelo roubo do referido carro, haja vista ter considerado existirem indícios

mínimos da mencionada conduta, não pode ao fi nal, à míngua de conseguir

provar a imputação primeva, pedir a condenação pelo crime de receptação, sem

se franquear ao paciente o procedimento do art. 384 do Código de Processo

Penal.

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Note-se que o caso dos autos encaixa-se perfeitamente na disciplina da

mutatio libelli, conforme se verifi ca da leitura da seguinte lição doutrinária:

Quando, após encerrada a instrução probatória, for cabível nova defi nição

jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou

circunstância da infração penal não contida na acusação, como há alteração do

fato, por imposição do princípio acusatório exige-se que o Ministério Público

adite a denúncia ou queixa (...). Menciona o art. 383 a diversa defi nição jurídica,

que ocorrerá quando o fato naturalístico for o mesmo, tendo existido tão somente

sua errônea classifi cação. Diferentemente, o art. 384 refere uma nova defi nição

jurídica do fato, a qual decorre de alteração no fato da imputação, em virtude

de elemento ou circunstância não descrita na inicial acusatória. (Grinover, Ada

Pellegrini; Gomes Filho, Antônio Magalhães; e Fernandes, Antônio Scarance. As

nulidades no processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2011. p. 211.)

Com efeito, só é possível falar em emendatio libelli, instituto trazido no

art. 383 do Diploma Processual, quando puder dar qualifi cação jurídica diversa

ao fato imputado, pois, como é cediço, o réu se defende da imputação relativa

a determinado fato descrito e não da sua capitulação jurídica. Contudo, o fato

deve estar devidamente narrado e imputado ao paciente, o que não se verifi ca

quanto ao crime de receptação.

Não se admite, como no caso dos autos, que se descreva o roubo e a

utilização do bem roubado, imputando-se ao réu, no entanto, a prática do delito

constante no art. 157 do Código Penal, para ao fi nal situar a mesma conduta no

delito de receptação, pois, ao se instruir o processo visando provar a prática do

crime de roubo, certamente não se demonstrou a conduta descrita no art. 180

do Diploma Repressivo, nem o respectivo elemento subjetivo, não tendo sido

viabilizada ao paciente a possibilidade de infi rmar referida acusação.

É patente que a descrição do delito de receptação não tem como se

encaixar no tipo penal de roubo, pois, não obstante este ser crime complexo,

a não comprovação de todos os seus elementos pode ensejar a desclassifi cação

para o delito de furto, de lesão corporal ou de constrangimento ilegal, e não para

o descrito no art. 180 do Código Penal. Com efeito, não existe entre referidos

fatos típicos relação de subsidiariedade, portanto, não há se falar na fi gura do

soldado de reserva, como pretenderam as instâncias ordinárias.

Por oportuno, veja-se a lição de Rogério Sanches:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 775

O crime de roubo é um crime complexo, unidade jurídica que se completa com

pela reunião de dois tipos penais: furto (art. 155 do CP) e constrangimento ilegal

(art. 146 do CP). Tutela-se, a um só tempo, o patrimônio e a liberdade individual

da vítima. (Curso de Direito Penal: parte especial. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus,

2011. p. 53.)

No mesmo sentido, o seguinte precedente:

Penal. Recurso especial. Condenação por tentativa de roubo simples.

Impossibilidade. Denúncia que narra o emprego de violência após a subtração da

res. Princípio da insignifi cância. Furto simples. Afastamento. I - Se os fatos narrados

na denúncia não se amoldam ao crime de roubo simples e não sendo possível a

mutatio libelli em segunda instância a teor da Súmula n. 453 do STF, incabível a

condenação do réu por infração ao art. 157, caput, c.c. o art. 14, inciso II, ambos do

CP, em virtude de circunstância elementar não contida na denúncia. II - In casu, o

Parquet denunciou o recorrido pela prática do crime de roubo impróprio tentado,

narrando na exordial que a violência foi perpetrada após a subtração da res

furtiva e para garantir a sua posse. Contudo, estando incontroverso no v. acórdão

objurgado que a violência, ao contrário, foi empregada contra a vítima desde

o início, para viabilizar a subtração de seu patrimônio, incabível a condenação

do recorrido por tentativa de roubo simples, ante o óbice da Súmula n. 453 do

STF. III - Destarte, irretocável o acórdão que afastou a condenação do recorrido

pelo crime de tentativa de roubo impróprio, porque não houve emprego de

violência para a manutenção da posse da res, circunstância elementar do tipo.

IV - Com efeito, no crime previsto no art. 157, § 1º, do Código Penal a violência

é empregada após o agente tornar-se possuidor da coisa, não se admitindo a

tentativa (Precedentes). V - Lado outro, no caso de furto, para efeito da aplicação

do princípio da insignifi cância, é imprescindível a distinção entre ínfi mo (ninharia)

e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado;

aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). VI - A interpretação

deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto. VII - Ainda que

se considere o delito como de pouca gravidade, tal não se identifica com o

indiferente penal se, como um todo, observado o binômio tipo de injusto/bem

jurídico, deixou de se caracterizar a sua insignifi cância. VIII - In casu, imputa-

se ao recorrido a tentativa de furto de relógio, não se podendo reconhecer a

irrelevância penal da conduta. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n.

1.155.927-RS, Relator o Ministro Felix Fischer, DJe 21.6.2010).

As circunstâncias que levaram à conclusão de eventual prática de crime

de receptação surgiram apenas ao longo da instrução processual, quando se

verifi cou não existirem provas do roubo do veículo. Dessa forma, não se pode

dizer que a receptação estava narrada na inicial, a uma porque não se insere

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no tipo penal de roubo, a duas porque não se poderia imputar o roubo e a

receptação do mesmo bem ao réu.

Evidente, portanto, que não foi preservado o princípio da correlação,

também chamado de princípio da congruência, uma das mais relevantes

garantias do direito de defesa, assegurando-se a não condenação do acusado

por fatos não descritos na peça acusatória. Assim, não tendo sido narrada

na denúncia a conduta caracterizadora do tipo penal de receptação, não teve

o paciente a oportunidade de refutar referido fato, exercendo plenamente o

contraditório e a ampla defesa, sendo, dessa forma, palpável o prejuízo sofrido

pela defesa.

Ao ensejo:

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crimes de roubo duplamente majorado,

porte ilegal de artefato explosivo e receptação. Sentença que condena o réu por

delito não-narrado na peça acusatória, seja implícita ou explicitamente. Ocorrência

de mutatio libelli. Constrangimento ilegal verificado. 1. Ocorre a mutatio libelli

quando há a condenação do réu por fato não descrito implícita ou explicitamente

na denúncia. 2. Tendo em vista a possibilidade de condenação do acusado por

fato não descrito na peça acusatória, deve o Magistrado possibilitar à Defesa a

produção de novas provas atinentes ao novo fato delitivo. 3. Ordem concedida

para anular a sentença condenatória e o acórdão que a manteve, na parte em

que condenou o Paciente como incurso nas sanções do art. 180, caput, do

Código Penal, determinando que outra seja proferida após a efetivação dos atos

processuais a que se referem o artigo 384, do Código de Processo Penal. (HC n.

95.531-RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe 28.4.2008).

Dessarte, deve ser declarado o equívoco parcial da sentença condenatória,

no que concerne à condenação pelo delito de receptação, haja vista não ter sido

observada a disciplina do art. 384 do Código de Processo Penal. Consigno, por

oportuno, que não há se falar, no caso dos autos, em retorno do processo ao

Juízo de origem para que aplique corretamente o instituto da mutatio libelli,

porquanto estar-se-ia prejudicando o paciente em sede mandamental, o que

não se coaduna com a via eleita. Deve, portanto, ser afastada a condenação do

paciente pela suposta prática do delito descrito no art. 180 do Código Penal.

Quanto à dosimetria da pena restante, importante consignar, de plano, que

o meio recursal ordinariamente previsto no ordenamento jurídico para que esta

Corte analise eventual ofensa à legislação federal relativa à dosimetria é o recurso

especial, não podendo tal matéria ser submetida à apreciação deste Sodalício

pela via excepcional do habeas corpus, que se encontra atrelada, tão somente, às

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 777

hipóteses em que se tenha presente verdadeira violência, coação, ilegalidade ou

abuso direto e imediato à liberdade de locomoção. No entanto, passo à análise

das matérias ora enunciadas, apenas para aferir eventual existência de patente

ilegalidade.

Para melhor exame da questão, transcrevo a dosimetria realizada pelo Juízo

sentenciante, a qual foi mantida pelo Tribunal de origem, nos seguintes termos

(fl . 48-50):

Passo a calcular a pena:

(...).

2) Dos crimes de roubo praticados contra as vítimas Aline e Karina:

Considerando os critérios do art. 59 e 68 do Código Penal e buscando atender

ao caráter de prevenção geral e especial da reprimenda de se considerar que a

culpabilidade deste réu foi mais intensa pois foi quem liderou a ação criminosa,

inclusive, tendo sido o roubador que pessoalmente empunhava a arma de fogo

e abordou as vítimas que a conduta social do réu revela-se reprovável, em se

considerando a anotação constante em sua FAC, e não comprovou ocupação

lícita, não estuda nem trabalha, tudo a evidenciar propensão ao envolvimento

com ilícitos; que as consequências e circunstâncias dos crimes importam em

exasperação da resposta penal, pois a ação dos roubadores foi marcada por excessiva

covardia e violência desproporcional, pois as vítimas, mulheres indefesas que

aguardavam condução para irem para casa, foram abordadas pelo acusado, o qual

ainda debochou das mesmas. Por fi m, tem-se que as vítimas foram submetidas

a situação humilhante e trauma psicológico de difícil neutralização. Por tais

razões, fi xo a pena-base acima do mínimo, em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de

reclusão e multa de 20 (vinte) dias-multa. Não incidem agravantes, por não estar

confi gurada a reincidência, ou atenuantes, devendo ser mantida a pena-base. No

mais, verifi cam-se as causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos

I e II, do § 2º, do artigo 157, do CP - concurso de pessoas e emprego de arma de

fogo devendo ser o aumento da pena em 1/3 (um terço), alcançando a pena de

07 (sete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e multa de 26 (vinte e seis) dias-multa,

à razão unitária mínima. Por fi m, considerando-se o disposto no art. 70, do CP,

eis que reconhecido o crime formal in casu, de 1/6 (um sexto), chega-se à pena

defi nitiva de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e multa de 30

(trinta) dias-multa.

3) Quanto aos crimes de roubo praticados contra Thiago, Igor, Ramon, e Vivian:

Por terem sido os delitos praticados de forma semelhante em circunstâncias

iguais, calcula-se a pena de um deles, de modo que a exasperação concernente à

continuidade delitiva incida sobre o quantum fi nal a que se chegar. Considerando

os critérios do art. 59 e 68 do Código Penal e buscando atender ao caráter de

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prevenção geral e especial da reprimenda, mais uma vez é de se considerar

que a culpabilidade deste réu foi mais intensa, pois foi este quem, liderou a ação

criminosa, inclusive, tendo sido o roubador que pessoalmente empunhava a arma

de fogo e abordou as vítimas; que a conduta social do réu revela-se reprovável, em

se considerando a anotação constante em sua FAC, e não comprovou ocupação

lícita, não estuda nem trabalha, tudo a evidenciar propensão ao envolvimento

com ilícitos. Que as consequências e circunstâncias dos crimes importam em

exasperação da resposta penal, pois a ação dos roubadores foi marcada por excessiva

covardia e certeza da impunidade, sem se importar com a afronta e temibilidade

que crimes dessa natureza, praticados na via pública à frente de todos, podem

causar. Por fi m, tem-se que as vítimas foram submetidas a situação humilhante

e trauma psicológico de difícil neutralização. Por tais razões, fi xo a pena-base

acima do mínimo, em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa de 20

(vinte) dias-multa. Inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes. Tendo em

vista a incidência de duas causas de aumento de pena (incisos I e II do § 2º do

art. 157 do CP), elevo a pena em 1/3 (um terço), atingindo, assim, a pena de 07

(sete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e multa de 26 (vinte e seis) dias-multa, à

razão unitária mínima, que torno-a defi nitiva para cada roubo, à míngua de outras

circunstâncias que ensejem a sua modifi cação. Em consonância com a regra do

artigo 71 do Código Penal, e diante do signifi cativo número de delitos, vale dizer

04 (quatro) roubos, que isoladamente compõem a forma continuada, aumento a

pena de roubo em 1/4 (um quarto), alcançando, assim, a pena total de 09 (nove)

anos e 02 (dois) meses de reclusão e multa de 32 (trinta e dois) dias-multa estes

fi xados à razão do mínimo legal. Ex positis, condeno Guilherme Rosa Lima Júnior,

qualifi cado nos autos, a 08 (oito) anos e 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e

multa de 30 (trinta) dias-multa, como incurso nas penas do artigo 157, § 2o, incisos

I e II, duas vezes, na forma do art. 70 (roubos perpetrados no dia 17 de outubro de

2008 contra as vítimas Aline e Karina); a 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão

e multa de 32 (trinta e dois) dias-multa, como incurso no artigo 157, § 2o, incisos I

e II, quatro vezes, na forma ao artigo 71 (referente aos roubos praticados no dia

21 de outubro de 2008 contra as vítimas Thiago, Igor, Ramon e Vivian) e a 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa de 20 (vinte) dias-multa, como incurso

nas penas do artigo 180, caput, somando-se as penas na forma do artigo 69,

dispositivos estes do Código Penal.

Como é cediço, a aplicação da pena é o momento em que o juiz realiza,

em cada caso concreto, a força do Direito, impondo, após o édito condenatório,

a sanção jurídica ao condenado. Trata-se de poder discricionário dado ao

magistrado pela Constituição Federal e pela Lei - Código Penal. Mas, muito

embora discricionário, não é um poder arbitrário, na medida em que ao juiz cabe

aplicar a pena justa ao caso, com a necessária motivação e fundamentação, à luz

do método trifásico.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 779

Da leitura das referidas passagens, tem-se que a decisão condenatória

considerou, dentre as oito circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do

Código Penal, quatro delas desfavoráveis, para cada grupo de roubos, a saber:

culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime. Diante

disso, entendeu a instância de origem que a pena-base deveria ser fi xada em 5

(cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, quando a mínima, nesse caso, é de 4

(quatro) e a máxima é de 10 (dez) anos.

Entretanto, constato que algumas considerações feitas pelo Magistrado

a quo para fi xar a pena-base acima do mínimo legal mostraram-se impróprias,

tendo sido valoradas de forma equivocada a conduta social e as consequências

do crime. De fato, valeu-se o Juízo de primeiro grau de anotação constante

da folha de antecedentes do paciente, o que contraria o Verbete Sumular n.

444 da Súmula desta Corte. Referiu-se, ademais, ao fato de o paciente não

estudar nem ter emprego, o que, por si só, não pode levar à conclusão de ser sua

conduta social negativa e tendente à prática de crimes, bem como fi rmou como

consequência negativa a humilhação e o trauma gerado nas vítimas, sem agregar

nenhum dado concreto à referida afi rmação.

Com efeito, como é cediço, os inquéritos policiais e ações penais em

andamento não podem ser utilizados para agravar a pena-base, nos termos do

que dispõe o Enunciado n. 444 da Súmula deste Tribunal. Deve, portanto, ser

desconsiderado referido fator como conduta social negativa, porquanto valorado

de forma equivocada.

Nesse sentido:

Habeas corpus. Tráfi co de drogas. Causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei

de Drogas. Afastamento. Ausência de impugnação específi ca no recurso ministerial.

Desrespeito ao tantum devolutum quantum appellatum. Confi guração. Utilização

de ações penais em andamento para a valoração negativa das circunstâncias

judiciais. Impossibilidade. Súmula n. 444-STJ. 1. (...) 2. Ações penais em andamento

não podem ser utilizadas para valorar negativamente os antecedentes criminais

nem a personalidade ou a conduta social do paciente, sob pena de violação

do princípio da não culpabilidade (Súmula n. 444-STJ). 3. (...). (HC n. 227.266-RJ,

Relator o Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 19.11.2012).

Ainda no que concerne à conduta social, também não se mostra possível

considerá-la indevida apenas em razão de o paciente não ter comprovado

ocupação lícita, pois isso não quer dizer que efetivamente não a tenha. Ademais,

o fato de uma pessoa não estudar nem trabalhar não enseja a conclusão de que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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está propensa a delinquir, pois referida condição nem sempre pode ser atribuída

exclusivamente ao réu.

Nesse sentido:

Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Aplicação da causa especial

prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Possibilidade. Preenchimento dos

requisitos. Fração do redutor. Ausência de previsão legal. Circunstâncias judiciais

desfavoráveis. Relevância para a escolha do redutor. Aplicação do benefício em

1/6. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida. 1. O fato de o paciente

ter praticado o crime de tráfico de drogas não autoriza, por si só, afirmar que

ele se dedique a atividades delituosas, tampouco o justifica a situação de estar

desempregado e não ter comprovado o exercício de qualquer atividade lícita,

sobretudo em se considerando que, diante da realidade social brasileira, não ter

trabalho é infortúnio da maior parte da população, e não algo tencionado. 2. (...). (HC

n. 177.281-PI, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe 21.3.2011).

Por fim, verifico que as consequências do delito foram consideradas

negativas em razão da humilhação e do trauma psicológico sofrido pelas

vítimas. Contudo, referidos elementos foram sopesados de forma abstrata, pois

não se declinou na decisão nada que fi zesse referidos fatores destoarem das

consequências naturais sofridas por alguém que é vítima de um crime de roubo

circunstanciado. Deveras, não se agregou nenhum dado concreto, razão pela

qual não podem ser consideradas negativas as consequências do delito.

Por oportuno:

Direito Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Inadequação da

via eleita. Furto simples. Princípio da insignifi cância. Valor supostamente reduzido da

res furtiva (bicicleta avaliada em R$ 150,00). Dosimetria da pena. Fixação da pena

base. Fundamentação abstrata e genérica. Art. 59 do CP. 1. (...). 5. A jurisprudência

desta Corte Superior é fi rme no sentido de que a afi rmações como “a culpabilidade

foi intensa”, “a conduta social se apresenta indigna”, “a personalidade do agente é

voltada para o crime” ou “a circunstância é reprovável”, quando desacompanhadas

de maiores considerações, não se revelam sufi cientes a autorizar o aumento de pena

realizado na primeira etapa da dosimetria, uma vez que se tratam de argumentos

vagos, genéricos, desprovidos de qualquer elemento concreto que evidencie, de

fato, a elevada reprovação social que o crime e o seu autor merecem pela conduta

delituosa praticada. 6. (...). (HC n. 221.718-MG, Relatora a Ministra Alderita Ramos

de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-PE), DJe 1º.3.2013).

Assim, claro está que a motivação constante na sentença, relativamente à

conduta social e às consequências do crime, não se apresenta sufi cientemente

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 781

idônea para se apenar como ali se apenou - 1 (um) ano e 6 (seis) meses acima

do mínimo legal. Dessarte, entendo que a pena-base do paciente deve ser

redimensionada, mantendo-se apenas as circunstâncias judiciais devidamente

valoradas: culpabilidade e circunstâncias do crime.

Desse modo, reduzo a pena-base fixada para cada grupo de roubos,

proporcionalmente, para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão. Na

segunda fase, não há agravantes nem atenuantes a serem consideradas. Por fi m,

majora-se a pena em 1/3, em virtude das circunstâncias de aumento de pena,

resultando 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

Por fi m, mantenho a majoração da pena, relativa ao primeiro grupo de

roubos praticados em concurso formal, em 1/6, totalizando 7 (sete) anos, 4

(quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, bem como mantenho a fração de

aumento pela continuidade delitiva, referente ao segundo grupo de roubos, em

1/4, resultando 7 (sete) anos e 11 (onze) meses de reclusão.

Diante do concurso material reconhecido entre os dois grupos de roubos

realizados, estipulo a pena total defi nitivamente em 15 (quinze) anos, 3 (três)

meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mantidos os demais temas da sentença

condenatória.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo, no entanto, a

ordem de ofício, para afastar a condenação do paciente pelo crime de receptação.

Concedo, ainda, a ordem de ofício, para, com relação à dosimetria dos crimes

de roubo, decotar as circunstâncias relativas à conduta social e às consequências

do delito, redimensionando a reprimenda total do paciente para 15 (quinze)

anos, 3 (três) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mantidos os demais termos da

condenação.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 202.556-MG (2011/0074087-2)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Raphael Silva Pires e outro

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782

Advogado: Raphael Silva Pires e outro(s)

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Paciente: Carlos Alberto da Silva

EMENTA

Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso

ordinário. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto na

Carta Magna. Não conhecimento.

1. De acordo com o disposto no artigo 105, inciso II, alínea a,

da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça é competente

para julgar, mediante recurso ordinário, os habeas corpus decididos em

única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais e pelos

Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a

decisão for denegatória.

2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento

do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas previstas

no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e nos artigos

30 a 32 da Lei n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo

do habeas corpus originário perante aquela Corte em substituição ao

recurso ordinário cabível, entendimento que deve ser adotado por este

Superior Tribunal de Justiça, a fi m de que restabelecida a organicidade

da prestação jurisdicional que envolve a tutela do direito de locomoção.

3. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão

de habeas corpus de ofício.

Estelionato e crime contra a economia popular (artigo 171 do Código

Penal e artigo 2º, inciso IX, da Lei n. 1.521/1951). Inépcia da denúncia.

Peça que não descreve a conduta do paciente. Acusado que não detinha

poderes de gerência da pessoa jurídica. Ausência de descrição da forma

como teria praticado os ilícitos narrados. Responsabilidade objetiva.

Constrangimento ilegal caracterizado. Concessão da ordem de ofício.

1. Nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a

denúncia deve descrever a conduta típica, cuja autoria, de acordo com

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 783

os indícios colhidos na fase inquisitorial, deve ser atribuída ao acusado

devidamente qualifi cado, permitindo-lhe o exercício da ampla defesa

no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo

legal.

2. Conquanto se admita que nos delitos praticados por vários

agentes o órgão ministerial não descreva minuciosamente a atuação

de cada acusado, não há dúvidas de que a simples condição de sócio de

determinada pessoa jurídica supostamente benefi ciada com a conduta

delituosa não é sufi ciente para justifi car a defl agração de uma ação

penal, pois o Direito Penal pátrio repele a chamada responsabilidade

penal objetiva, demandando que o titular da ação penal demonstre

uma mínima relação de causa e efeito entre a conduta do réu e os fatos

narrados na denúncia, permitindo-lhe o exercício da ampla defesa e do

contraditório. Jurisprudência do STJ e do STF.

3. No caso dos autos, tendo a exordial acusatória imputado ao

paciente os crimes de estelionato e contra a economia popular sem

que este detivesse qualquer poder de gerência na pessoa jurídica no

âmbito da qual os ilícitos teriam sido cometidos, e não havendo na

vestibular a indicação de como ele teria colaborado com a prática

criminosa, imperioso o trancamento da ação penal, pois da análise dos

documentos acostados aos autos não se verifi ca qualquer elemento

mínimo e razoável a demonstrar a sua autoria capaz de legitimar a

continuidade do processo em tela, já que não existe um liame entre o

seu agir e os eventos apontados na exordial acusatória.

4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício

para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0079.09.991.472-7

apenas com relação ao paciente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

784

Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques

(Desembargador convocado do TJ-PR), Marilza Maynard (Desembargadora

convocada do TJ-SE) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 24.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

impetrado em favor de Carlos Alberto da Silva, apontando como autoridade

coatora a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais (HC n. 0682665-41.2010.8.13.0000).

Noticiam os autos que o paciente, juntamente com outro corréu, foi

denunciado pela suposta prática dos delitos previstos no artigo 171, combinado

com o artigo 71, ambos do Código Penal, e artigo 2º da Lei n. 1.521/1951.

Sustenta o impetrante que o paciente seria vítima de constrangimento

ilegal, uma vez que a denúncia contra ele ofertada seria inepta, pois não lhe teria

atribuído a prática de qualquer fato concreto, tampouco individualizado a sua

conduta ou descrito o modo como teria auxiliado o corréu no cometimento dos

ilícitos narrados.

Defende que o paciente teria sido incluído no pólo passivo da ação penal

apenas em razão do fato de ser sócio da empresa investigada, o que confi guraria

responsabilidade penal objetiva, vedada no ordenamento jurídico pátrio.

Alega que o acórdão impetrado teria violado os princípios da culpabilidade

e da personalidade da pena, salientando, ainda, que a gestão da empresa era

realizada somente pelo sócio majoritário Valério Lana Cardoso, tendo o paciente

pequena participação na sociedade (cinco por cento).

Requer a concessão da ordem para que seja trancada a ação penal em

comento.

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl s. 51-52.

Prestadas as informações (e-STJ fl s. 84-85), o Ministério Público Federal,

em parecer de fl s. 89-94, manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 785

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, o trancamento da ação penal instaurada contra o

paciente ante a alegada inépcia da denúncia contra ele formulada.

Cumpre analisar, preliminarmente, a adequação da via eleita para a

manifestação da irresignação do impetrante contra o acórdão proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este

Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma

originária, os habeas corpus impetrados contra ato de Tribunal sujeito à sua

jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou

da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na

alínea a do mesmo dispositivo constitucional.

Por outro lado, prevê a alínea a do inciso II do artigo 105 que o Superior

Tribunal de Justiça é competente para julgar, mediante recurso ordinário, os

habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais

Federais o pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios,

quando a decisão for denegatória.

Do cotejo dos aludidos dispositivos, percebe-se que o Poder Constituinte

Originário, prevendo situações distintas envolvendo a tutela do direito de

locomoção, atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça competências também

diferenciadas, atento à sua peculiar função de uniformizar a interpretação da

legislação infraconstitucional.

Com efeito, tratando-se de coação ao direito ambulatório do indivíduo

atribuível a quaisquer das autoridades elencadas nas alíneas a e c do inciso I do

artigo 105, autoriza-se o manejo do writ de forma originária perante esta Corte

Superior de Justiça. Em se tratando de coação perpetrada por qualquer outra

autoridade, deve-se buscar na legislação pátria a competência originária para

analisar o pedido de habeas corpus, em observância às normas atinentes ao devido

processo legal.

Entretanto, nas últimas décadas os operadores do direito têm incluído na

acepção do termo “coação” a manutenção pelos Tribunais locais ou regionais de

atos praticados por juízes que atuam no primeiro grau de jurisdição, ou pelas

demais autoridades submetidas às suas jurisdições, quando denegam os habeas

corpus originariamente ali impetrados.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Institucionalizou-se o entendimento no sentido de que, mantendo a

decisão objurgada, os Tribunais locais encampariam o alegado constrangimento

ilegal, passando, então, a fi gurarem como autoridades coatoras. Tal interpretação

passou a comportar o chamado habeas corpus substitutivo do recurso ordinário

cabível, que veio a colocar em desuso a referida insurgência expressamente

prevista no ordenamento constitucional.

Esta espécie de writ vem sendo utilizado em larga escala, tendo em vista as

fl agrantes vantagens frente ao recurso ordinário, especialmente pela ausência de

maiores formalidades, já que dispensável até mesmo a capacidade postulatória.

Essa prática passou a ser chancelada pelos Tribunais Superiores,

principalmente no fi nal da década de 1980 e no decorrer da de 1990, quando a

sociedade brasileira se viu ávida pela tutela de direitos que lhe foram tolhidos no

período ditatorial.

Nesse diapasão, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas previstas

no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e nos artigos 30 a 32

da Lei n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus

originário perante aquela Corte em substituição ao recurso ordinário cabível,

entendimento que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fi m

de que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que envolve a

tutela do direito de locomoção.

Tal conclusão evidencia que, na hipótese, insurgindo-se o impetrante

contra acórdão do Tribunal de origem que denegou a ordem pleiteada no

prévio writ, mostra-se incabível o manejo do habeas corpus originário, já que não

confi gurada nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 105, inciso I, alínea c,

da Constituição Federal, razão pela qual não merece conhecimento.

Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da

alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal

será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de

habeas corpus de ofício.

Segundo consta dos autos, o paciente, com outro corréu, foi acusado de

praticar os delitos de estelionato e contra a economia popular, extraindo-se da

denúncia as seguintes passagens:

Consta dos autos, verifica-se que a empresa Brasil Container Ltda. com

endereço na rua Porto, n. 50, bairro Santa Cruz Industrial - Cinco, CEP 32.340-590,

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 787

sediada em Contagem-MG, gerenciada por seus sócios Valério Lana Cardoso

e Carlos Alberto da Silva, qualifi cados acima, promoveu nos últimos anos um

verdadeiro engodo com o fi m de lesar o máximo possível de pessoas, através de

um pré-determinado esquema de fraudes. Senão vejamos.

O referido golpe foi inclusive noticiado em jornais de grande circulação,

conforme anexos de fls. 73-75 e 79-83. O esquema fraudulento perpetrado,

nesse caso, consistiu em promessas não cumpridas de alta lucratividade aos

investidores que fi rmaram contratos de compra e venda, locação ou pacto de

mútuo fi nanceiro com referida empresa que, por sua vez, ofereceu container´s

como garantia desses contratos.

Para oferecimento da proposta ludibriosa, os contratos eram semelhantes e se

resumiam em dois procedimetnos fraudulentos, quais sejam:

- Suposta venda de container´s usados ofertada a diversos clientes pelo

valor médio de R$ 5.500,00 cada e, ato contínuo, como uma venda casada, era

formado contrato de locação com o comprador que, para tanto, era remunerado

mensalmente mediante pagamento de R$ 330,00 por unidade locada, sendo que

o suposto container, por sua vez, era supostamente sub locado pela empresa.

- Em momento posterior, o interessado não mais comprava o container,

mas era convidado a investir dinheiro na empresa, através de “empréstimos”

cujos valores giravam em torno de R$ 5.000,00, com primiessa de remuneração

mensal de 5% em média, tendo os container´s como garantia e, ainda, com o

compromisso de devolução do valor total “investido” no máximo até um ano do

mútuo fi nanceiro.

De acordo com as informações acostadas neste caderno investigativo, houve

por parte dos representantes da Brasil Container a prática do famoso “golpe da

pirâmide”, esquema fraudulento movido a juros altos e alimentado com a ambição

de diversas pessoas em ganhar dinheiro rapidamente, com oferta de “pouco risco”

e “alta rentabilidade”.

É dos autos às fl s. 114-141 que os container´s sequer foram apresentados aos

investidores vitimados, o que reforça uma provável inexistência desses bens.

A alta lucratividade prometida e o efetivo pagamento realizado “durante

alguns meses”, atraiu centenas de cidadãos, todos lesados, ao fi nal, pelo calote

dado pelos empresários da Brasil Container Ltda., pois os rendimentos que alguns

clientes receberam inicialmente não demoraram a ser interrompidos e outros

clientes sequer receberam o que com eles fora pactuado. (e-STJ fl s. 23-24).

Acerca da participação dos acusados, eis o que narrou o órgão ministerial:

Ademais, consta dos autos o contrato social de fl s. 18-29 no qual se verifi ca

a função de sócio administrador da Brasil Container Ltda. incumbia ao acusado

Valério Lana Cardoso, o que vai de encontro às declarações prestadas pela ex

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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funcionária às fls. 114-116, quando informou perante autoridade da Polícia

Federal que Valério exerceu na empresa, centralizadamente, supervisão e direção,

possuindo, portanto, o comando fi nal dos atos praticados pela Brasil Container

Ltda., podendo, assim, responder pelos atos sob sua supervisão e direção.

Dessa forma, todo esse esquema que se revelou fraudatório, conforme consta

neste caderno investigatório, estava sob comando do sócio administrador Valério

Lana Cardoso que, ao supervisionar propostas de “alta lucratividade”, porém

falsas, induziu, com o fi m de obter vantagem ilícita, inúmeras pessoas a aceitarem

as propostas ludibriosas que, por não cumpridas, ocasionaram considerados

prejuízos para os aceitantes, bem como proporcionou aos dois denunciados a

obtenção de vantagens indevidas em detrimento dos prejudicados, violando os

acusados, dessa maneira, os preceitos proibitivos previstos no art. 171, caput, do

CPB.

(...)

Assim agindo, os denunciados obtiveram ganhos ilícitos em detrimento de

um número indeterminado de pessoas e obtiveram para eles, concretamente,

vantagem ilícita em prejuízo das vítimas diretas dos presentes autos mediante

meio fraudulento. (e-STJ fl s. 29-30).

Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus na origem, tendo a ordem

sido denegada em aresto que restou assim ementado:

Ementa: “Habeas corpus”. Trancamento da ação penal. Matéria de mérito.

Inviabilidade de enfrentamento. Ordem denegada. O trancamento de ação

penal em sede de habeas corpus é medida a ser tomada diante de hipóteses

excepcionalíssimas, quando evidente a inexistência de indícios de autoria, falta

de materialidade ou diante da atipicidade do fato. Ordem denegada. (e-STJ fl . 13).

Pois bem. De tudo quanto consta dos autos, tem-se que a impetração

merece acolhida.

O artigo 41 do Código de Processo Penal traça os requisitos que devem ser

observados na elaboração da peça vestibular:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com

todas as suas circunstâncias, a qualifi cação do acusado ou esclarecimentos pelos

quais se possa identifi cá-lo, a classifi cação do crime e, quando necessário, o rol

das testemunhas.

A respeito da matéria, veja-se ensinamento doutrinário, quanto aos

pressupostos da denúncia:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 789

Devem estar relatadas na denúncia todas as circunstâncias do fato que possam

interessar à apreciação do crime, sejam elas mencionadas expressamente em lei

como qualifi cadoras, agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição

de pena etc., como as que se referem ao tempo, lugar, meios e modos de

execução, causas, efeitos etc. Devem ser esclarecidas as questões mencionadas

nas seguintes expressões latinas: quis (o sujeito ativo do crime); quibus auxiliis

(os autores e meios empregados); quid (o mal produzido); ubi (o lugar do crime);

cur (os motivos do crime); quomodo (a maneira pelo qual foi praticado) e quando

(o tempo do fato). Mas, se a peça, ainda que concisa, contém os elementos

essenciais, a falta ou omissão de circunstância não a invalida [...] Isso porque

a defi ciência da denúncia que não impede a compreensão da acusação nela

formulada não enseja a nulidade do processo (MIRABETE, Julio. F. Código de

processo penal interpretado. São Paulo: Atlas, p. 128).

Vicente Greco Filho traz a seguinte lição quanto ao tema, leia-se:

A falta de descrição de uma elementar provoca a inépcia da denúncia,

porque a defesa não pode se defender de fato que não foi imputado. Denúncia

inepta deve ser rejeitada. (...) As circunstâncias identifi cadoras são as demais

circunstâncias de fato que individualizam a infração com relação a outras

infrações da mesma natureza. São as circunstâncias de tempo e lugar. O defeito,

ou a dúvida, quanto a circunstâncias individualizadoras, se não for de molde a

tornar impossível a identifi cação da infração, não conduz à inépcia da denúncia,

mas, ao contrário, facilita a defesa, porque pode dar azo à negativa da autoria

mediante, por exemplo, a alegação de um álibi. A defi ciência nas circunstâncias

individualizadoras não pode, contudo, ser tão grande a ponto de impedir

totalmente a identifi cação da infração. (Manual de processo penal. 3ª ed. São

Paulo: Saraiva, p. 114-5).

Quanto ao ponto, merece menção o fato de que nos crimes de autoria

coletiva, embora a denúncia não possa ser de todo genérica, é válida quando,

apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados,

demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo

a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso

em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de

Processo Penal.

Dessa maneira, viável que o Ministério Público, impossibilitado de descer

a minúcias quanto ao agir específi co de cada denunciado, possuindo, porém,

fundados indícios de que todos teriam de alguma forma concorrido para o

intento criminoso, ofereça a inicial destacando, em seu texto, os elementos que

os conectam ao delito.

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Guilherme de Souza Nucci, ao comentar a acusação genérica no concurso

de agentes, não destoa de tal entendimento:

Tem-se admitido ofereça o promotor uma denúncia genérica, em relação aos

co-autores e partícipes, quando não conseguir, por absoluta impossibilidade,

identifi car claramente a conduta de cada um no cometimento da infração penal.

(NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 9ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 154).

Por conseguinte, a ausência de individualização pormenorizada das

condutas nos casos de crimes de autoria coletiva, não é, por si só, motivo de

inépcia da denúncia, conforme, aliás, tem decidido este Superior Tribunal de

Justiça:

Recurso especial. Penal. Processo Penal. Apropriação indébita previdenciária.

Inépcia da denúncia. Inocorrência. Decreto condenatório. Fundamentação.

Possibilidade de agir em conformidade com a norma. (...).

1. Não se declara a inépcia da denúncia que, em crimes societários, descreve,

mesmo que minimamente, a conduta imputada ao denunciado, permitindo-lhe o

pleno exercício da ampla defesa e do contraditório.

(...)

5. Recurso desprovido.

(REsp n. 1.171.603-ES, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,

julgado em 19.11.2012, DJe 26.11.2012).

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento. Competência

das Cortes Superiores. Matéria de direito estrito. Modifi cação de entendimento do

STJ, em consonância com o STF.

Processual Penal. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Lavagem

de dinheiro e quadrilha. Crime de autoria coletiva. Desnecessidade de

individualização minuciosa das condutas. Nulidade da interceptação telefônica.

Presença de outros elementos indiciários. Inépcia da denúncia. Inexistência.

Ausência de ilegalidade flagrante que, eventualmente, pudesse ensejar a

concessão da ordem de ofício. Habeas corpus não conhecido.

(...)

3. Hipótese em que a denúncia descreve, com todos os elementos

indispensáveis, a existência dos crimes em tese, bem como a participação dos

Pacientes, com indícios suficientes para a deflagração da persecução penal,

possibilitando-lhe o pleno exercício do direito de defesa. Precedentes.

4. Nos crimes de autoria coletiva, é prescindível a descrição minuciosa e

individualizada da ação de cada acusado, bastando a narrativa das condutas

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 791

delituosas e da suposta autoria, com elementos sufi cientes para garantir o direito

à ampla defesa e ao contraditório, como verifi cado na hipótese. Precedentes

desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

5. No caso, a inicial acusatória descreve as condutas delituosas dos Pacientes

que, na condição de sócios gerentes de uma das empresas utilizadas no complexo

esquema criminoso, seriam também benefi ciários das fraudes perpetradas. E,

segundo a orientação do Pretório Excelso “é sufi ciente para a aptidão da denúncia

por crimes societários a indicação de que os denunciados seriam responsáveis,

de algum modo, na condução da sociedade, e que esse fato não fosse, de plano,

infi rmado pelo ato constitutivo da pessoa jurídica.” (HC n. 94.670-RN, 1ª Turma,

Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 24.4.2009.)

(..)

7. Ausência de ilegalidade fl agrante que, eventualmente, ensejasse a concessão

da ordem de ofício.

8. Habeas corpus não conhecido.

(HC n. 180.379-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

11.9.2012, DJe 20.9.2012).

Com igual orientação, merecem menção os julgados do Supremo Tribunal

Federal:

Ementa habeas corpus. Processual Penal. Apropriação indébita previdenciária.

Denúncia. Inépcia. Não ocorrência. Gestão compartilhada. Ausência de dolo.

Inadequação da via eleita. Ordem denegada. 1. Tratando-se de crimes societários,

não é inepta a denúncia em razão da mera ausência de indicação individualizada

da conduta de cada indiciado. 2. Configura condição de admissibilidade da

denúncia em crimes societários a indicação de que os acusados sejam de algum

modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram

supostamente praticados os delitos. Precedentes. 3. O debate acerca da ausência

de dolo, em sede de habeas corpus, é inadequado, pois demanda incursão no seio

da prova, análise vedada na via estreita do writ. 4. Habeas corpus denegado.

(HC n. 101.286, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em

14.6.2011, DJe-163 DIVULG 24.8.2011 PUBLIC 25.8.2011 EMENT VOL-02573-01

PP-00123).

Habeas corpus. Direito Penal e Processual Penal. Inépcia da denúncia. Conduta

sufi cientemente individualizada. Inexistência. Depósito em ação anulatória do débito

fi scal. Suspensão da ação penal. Impossibilidade. Existência de questão prejudicial.

Matéria não tratada nas instâncias anteriores. Não conhecimento. Ordem denegada.

1. Esta Suprema Corte tem admitido ser dispensável, nos crimes societários, a

descrição minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado, bastando

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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que a peça acusatória narre, no quanto possível, as condutas delituosas de

forma a possibilitar o exercício da ampla defesa. 2. A conduta do paciente foi

sufi cientemente individualizada, ao menos para o fi m de se concluir pelo do juízo

positivo de admissibilidade da imputação feita na denúncia. 3. O trancamento

de ação penal só se verifi ca nos casos em que há prova evidente da falta de

justa causa, seja pela atipicidade do fato, seja por absoluta carência de indício

de autoria, ou por outra circunstância qualquer que conduza, com segurança, à

conclusão fi rme da inviabilidade da ação penal. Precedentes. 4. Para se evitar o

jus puniendi estatal, o paciente deveria ter promovido o pagamento do tributo

devido antes do recebimento da denúncia, conforme estabelece o art. 34 da Lei

n. 9.249/1995. 5. A alegação de existência de questão prejudicial externa (art. 93

do CPP) decorrente da propositura de ação anulatória de débito fi scal não foi

apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, o que inviabiliza o seu conhecimento

por esta Suprema Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 6. Habeas

corpus parcialmente conhecido e denegado na parte conhecida.

(HC n. 101.754, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em

8.6.2010, DJe-116 DIVULG 24.6.2010 PUBLIC 25.6.2010 EMENT VOL-02407-03 PP-

00629 LEXSTF v. 32, n. 380, 2010, p. 417-425).

Contudo, conquanto se admita que nos crimes de autoria coletiva ou

societários o órgão ministerial não descreva minuciosamente a atuação de cada

acusado, não há dúvidas de que a simples condição de sócio de determinada

pessoa jurídica não é sufi ciente para justifi car a defl agração de uma ação penal

contra determinado indivíduo.

Nesse sentido orienta-se a jurisprudência deste Sodalício:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional.

Impossibilidade. Não conhecimento. Previsão constitucional expressa do recurso

ordinário como instrumento processual adequado ao reexame das decisões

de Tribunais denegatórias do writ. Art. 20 Lei n. 7.492/1986. Trancamento da

ação penal. Inépcia da denúncia. Peça acusatória que aponta a suposta

participação da empresa dirigida pelos ora pacientes em desvio de verbas

oriundas de fi nanciamento público sem, contudo, individualizar as condutas.

Responsabilização penal objetiva. Impossibilidade.

(...)

5. Na hipótese, a peça acusatória não descreve minimamente as condutas

atribuídas aos ora pacientes, limitando-se a apontar a participação da empresa

por eles dirigida em supostas fraudes voltadas à prática delitiva.

6. “O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma empresa, por

si só, não signifi ca que ela deva ser responsabilizada pelo crime ali praticado, sob

pena de consagração da responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo nosso

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direito penal” (HC n. 117.306-CE, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva,

DJ de 16.2.2009). Ademais, reconhecido pelo próprio agente fi nanceiro que o

contrato de fi nanciamento “foi concluído conforme a fi nalidade”.

7. Ordem não conhecida. Flagrante o constrangimento ilegal, concede-se

ordem de ofício para, reconhecendo a inépcia formal da denúncia, trancar a

Ação Penal n. 2004.61.02.007995-9 (6ª Vara Federal de São Paulo), sem prejuízo

de apuração de possíveis fraudes cometidas na execução do Contrato de

Financiamento n. 00.2.673.1.

(HC n. 156.263-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em

20.11.2012, DJe 7.12.2012).

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento. Crimes contra

a ordem tributária. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia confi gurada.

Necessidade de individualizar minimamente a conduta praticada pelos acusados.

Existência de constrangimento ilegal. Ordem concedida.

(...)

3. Nos crimes societários, de autoria coletiva, a doutrina e a jurisprudência

têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do Código de Processo

Penal, dada a natureza dessas infrações, quando nem sempre é possível, na

fase de formulação da peça acusatória, operar uma descrição detalhada da

atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, um relato mais generalizado

do comportamento que se tem como violador do regramento de regência.

4. Muito embora não seja necessária a descrição pormenorizada da conduta

de cada envolvido, nos crimes societários, não se pode conceber, pelo evidente

constrangimento que acarreta que o órgão acusatório deixe de estabelecer

qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada,

sem ao menos um breve detalhamento da sua atuação, vício que, por certo,

inviabiliza o exercício amplo do direito de defesa.

5. Na hipótese dos autos, tem-se que a imputação de autoria contida na

denúncia é absolutamente genérica, não se mencionando, na descrição

das condutas consideradas delituosas, o nome da paciente, que é apontada

unicamente como “detentora de poder administrativo” da empresa sonegadora,

sem que se indicasse o vínculo entre a conduta e a agente, não se mostrando

sufi ciente à imputação, por si só, o fato de fi gurar no contrato social como sócio-

administrador.

6. Habeas corpus não conhecido, por ser substitutivo do recurso cabível. Ordem

concedida, de ofício, para, reconhecendo a inépcia da denúncia, por ausência de

individualização da conduta, determinar o trancamento da ação penal em relação

à paciente.

(HC n. 161.113-PE, Rel. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado

do TJ-PR), Quinta Turma, julgado em 13.11.2012, DJe 20.11.2012).

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794

Trilhando idêntico rumo, veja-se o seguinte julgado da Suprema Corte:

“Ementa: ‘Habeas Corpus’. Crime de descaminho na sua forma tentada (CP, art.

334, ‘caput’, c.c. o art. 14, II). Responsabilidade penal dos sócios-administradores.

Denúncia que não atribui, ao paciente (sócio), comportamento específico

e individualizado que o vincule, com apoio em dados probatórios mínimos, ao

evento delituoso. Inépcia da denúncia. Pedido deferido, estendendo-se, de ofício,

por identidade de situações, os efeitos da decisão concessiva de ‘habeas corpus’

aos demais litisconsortes penais passivos. Processo Penal acusatório. Obrigação

de o Ministério Público formular denúncia juridicamente apta. - O sistema jurídico

vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal

acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente

democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado ‘reato

societario’, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e

individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa.

- O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre

outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal,

no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional

do ‘due process of law’ (com todos os consectários que dele resultam) - repudia

as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações

que não individualizam nem especifi cam, de maneira concreta, a conduta penal

atribuída ao denunciado. Precedentes. A pessoa sob investigação penal tem o

direito de não ser acusada com base em denúncia inepta. - A denúncia deve conter

a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com

todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta,

impõe-se, ao acusador, como exigência derivada do postulado constitucional

que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia

que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada

agente aos eventos delituosos qualifi ca-se como denúncia inepta. Precedentes.

Crime de descaminho - Peça acusatória que não descreve, quanto ao paciente, sócio-

administrador de sociedade empresária, qualquer conduta específi ca que o vincule,

concretamente, aos eventos delituosos - Inépcia da denúncia. - A mera invocação

da condição de sócio ou de administrador de sociedade empresária, sem a

correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que

o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator sufi ciente apto

a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto

judicial condenatório. - A circunstância objetiva de alguém ser meramente sócio

ou de exercer cargo de direção ou de administração em sociedade empresária

não se revela sufi ciente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa

(inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar,

como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente

persecução criminal. - Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que

se trate de práticas confi guradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras

de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da

responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como

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princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com

culpa (‘nullum crimen sine culpa’), absolutamente incompatível com a velha

concepção medieval do ‘versari in re illicita’, banida do domínio do direito penal

da culpa. Precedentes. As acusações penais não se presumem provadas: o ônus

da prova incumbe, exclusivamente, a quem acusa. - Nenhuma acusação penal se

presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao

contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de

qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em

nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do

processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor

que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua

própria inocência (Decreto-Lei n. 88, de 20.12.1937, art. 20, n. 5). Precedentes.

- Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se

indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos

estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se

devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que

é inocente. - Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo

constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples

presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu.

Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem

qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por

presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.

(HC n. 88.875, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em

7.12.2010, Acórdão eletrônico DJe-051 DIVULG 9.3.2012 PUBLIC 12.3.2012).

Com efeito, o Direito Penal pátrio repele a chamada responsabilidade

penal objetiva, demandando que o titular da ação penal demonstre uma mínima

relação de causa e efeito entre a conduta do acusado e os fatos narrados na

denúncia, permitindo-lhe o exercício da ampla defesa e do contraditório.

Por conseguinte, somente deve ser punido aquele que tem o poder de

direcionar a ação da pessoa jurídica e que tem responsabilidade pelos atos

praticados, sempre tendo como fundamento a existência de culpa e dolo.

No caso dos autos, a denúncia afi rma que de acordo com o contrato social

constante dos autos, o corréu Valério Lana Cardoso exercia a função de sócio

administrador da pessoa jurídica por meio da qual teriam sido cometidos os

ilícitos de estelionato e contra a economia popular, inexistindo qualquer menção

à prática de atos de gerência ou direção por parte do paciente.

Tal informação é corroborada pelas cópias das alterações do contrato social

de fl s. 43-45 e 46-48, nas quais consta que a administração da Brasil Container

Ltda. competia exclusivamente ao corréu Valério Lana Cardoso.

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Verifi ca-se, assim, que o paciente não detinha poderes de administração na

pessoa jurídica em questão, tratando-se de sócio minoritário, possuidor de 5%

(cinco por cento) das cotas que compunham o seu capital social.

Tal circunstância, por si só, já seria suficiente para se determinar o

trancamento da ação penal em apreço, já que no período em que teriam ocorrido

os crimes narrados na exordial, o paciente não tinha o poder de administrar,

gerenciar ou dirigir a empresa Brasil Container Ltda.

Mas não é só. Da leitura da exordial em apreço não se extrai qualquer

passagem que evidencie de que maneira o paciente teria participado das

infrações penais nela noticiadas, não tendo o órgão ministerial indicado a

conduta que teria sido por ele praticada, o que revela que, de fato, foi incluído

no pólo passivo da presente ação penal apenas por constar do quadro social da

Brasil Container Ltda.

Desse modo, tendo a exordial acusatória imputado ao paciente os crimes

de estelionato e contra a economia popular sem que este detivesse qualquer

poder de gerência na pessoa jurídica no âmbito da qual os ilícitos teriam sido

cometidos, e não havendo na vestibular a indicação de como ele teria colaborado

com a prática criminosa, imperioso o trancamento da ação penal, pois da

análise dos documentos acostados aos autos não se verifi ca qualquer elemento

mínimo e razoável a demonstrar a sua autoria capaz de legitimar a continuidade

do processo em tela, já que não existe um liame entre o seu agir e os eventos

apontados na exordial acusatória.

Ante o exposto, por se afi gurar manifestamente incabível, não se conhece do

writ, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654, §

2º, do Código de Processo Penal, para determinar o trancamento da Ação Penal

n. 0079.09.991.472-7 apenas com relação ao paciente.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 205.873-RS (2011/0102604-5)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Relatora para o acórdão: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora

convocada do TJ-SE)

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Impetrante: Eugenio Pedro Gomes de Oliveira Junior - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Paciente: Carlos de Souza Rodrigues (preso)

Advogado: Paulo Henriques de Menezes Bastos - Defensor Público da

União

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Descabimento.

Estupro e atentado violento ao pudor praticados antes da Lei

n. 12.015/2009. Aplicação retroativa da lei penal mais benéfica.

Possibilidade. Crimes cometidos no mesmo contexto fático.

Reconhecimento de crime único. Novo cálculo da pena-base limitado

a totalidade da pena imposta. Competência do juiz das execuções.

Art. 66 da LEP e Súmula n. 611-STF. Habeas corpus não conhecido.

Ordem concedida de ofício.

– Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento

fi rmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do

remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir

habeas corpus substitutivo de recurso ordinário/especial. Contudo, a luz

dos princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e

da ampla defesa, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a

fi m de se verifi car a existência de constrangimento ilegal para, se for o

caso, deferir-se a ordem de ofício.

– Pela aplicação retroativa da Lei n. 12.015/2009, é possível o

reconhecimento da ocorrência de um crime único, desde que os crimes

de estupro e ato diverso da conjunção carnal tenham sidos praticados

em um mesmo contexto fático.

– A dosimetria da pena, observados o art. 66 da Lei de Execuções

Penais e a Súmula n. 611 do Supremo Tribunal Federal, deverá ser

refeita por completo pelo Juiz das execuções, com a segunda conduta

delitiva (coito anal) considerada na valoração das circunstâncias

judiciais do art. 59 do Código Penal, estabelecendo-se como limite

para a nova dosimetria a totalidade da pena anteriormente imposta,

de forma a se evitar a reformatio in pejus.

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– Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para,

reconhecendo a ocorrência de crime único em relação aos crimes

sexuais, determinar que o Juízo das execuções aplique retroativamente

a lei penal mais benéfi ca, refazendo por completo a dosimetria da

pena, cujo limite não poderá ultrapassar a totalidade da pena antes

aplicada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no

julgamento, por maioria, não conhecer do pedido e conceder habeas corpus de

ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora

convocada do TJ-SE), que lavrará o acórdão. Votaram com a Sra. Ministra

Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE) os Srs. Ministros

Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Campos Marques (Desembargador

convocado do TJ-PR).

Votou parcialmente vencida a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 5 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE),

Relatora

DJe 19.4.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar,

impetrado em favor de Carlos de Souza Rodrigues, contra acórdão do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Consta dos autos que o ora Paciente foi condenado, por fatos ocorridos

em 13.3.1993, às penas de 13 anos e 04 meses de reclusão, em regime inicial

fechado, como incurso nos arts. 213 e 214, c.c. o art. 29, na forma do art. 71, e

no art. 157, § 2º, incisos I e II, todos do Código Penal (fl s. 28-31). A referida

sentença transitou em julgado para ambas as partes em 23.5.1995 (fl . 32).

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 799

Diante do advento da Lei n. 12.015/2009, a Defesa postulou a redução

das penas referentes aos arts. 213 e 214, do Código Penal, argumentando a

existência de crime único.

Por sua vez, o Juízo das Execuções, ao invés de limitar-se à análise da tese

arguida pela Defesa, rejeitou, de forma equivocada, tanto o reconhecimento do

crime único, quanto o de crime continuado, que já havia sido reconhecido no

título executivo judicial, isto é, na sentença condenatória transitada em julgado

(fl s. 37-40).

Irresignada, a Defesa interpôs agravo em execução. Contudo, o Tribunal

de origem, permanecendo no mesmo equívoco, manteve o decisum impugnado,

afi rmando ser aplicável a regra do concurso material, em evidente reformatio in

pejus.

Confi ra-se a ementa do referido julgado:

Agravo em execução. Crimes contra a dignidade sexual. Estupro e atentado

violento ao pudor. Lei n. 12.015/2009. Reconhecimento de crime único ou

continuidade delitiva. Impossibilidade. Precedente jurisprudenciais.

Em restando caracterizada a prática da conjunção carnal e do ato libidinoso

diverso da conjunção carnal, não há falar em crime único, tampouco de

continuidade delitiva, pois que a Lei n. 12.015/2009 apenas tipifi cou no mesmo

artigo o estupro e o atentado violento ao pudor sem, contudo, retirar a autonomia

de cada crime, que necessita de conduta diversa para a sua prática.

Agravo desprovido. (Fl. 41).

Nas razões do presente writ, o Impetrante alega, em suma, que “[...] em

face da nova defi nição do crime de estupro, nos termos da Lei n. 12.015, de 7

de agosto de 2009, cabe a aplicação do princípio da retroatividade da lei penal

benéfi ca aos casos de condenação criminal que tenha aplicado o concurso

material no cometimento dos antigos crimes de atentado violento ao pudor

(artigo 214 do CP, atualmente revogado) e estupro (213 do CP, com nova

redação)” (fl . 3).

Requer, em liminar e no mérito, a aplicação da Lei n. 12.015/2009,

reconhecendo-se a existência de crime único.

O pedido liminar foi indeferido nos termos da decisão de fl s. 53-54.

Por estarem os autos devidamente instruídos, foram dispensadas as

informações do Órgão Jurisdicional Impetrado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

800

O Ministério Público Federal manifestou-se às fl s. 62-63, opinando pela

concessão da ordem de habeas corpus.

É o relatório.

VOTO PARCIALMENTE VENCIDO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Conforme relatado, o ora Paciente

foi condenado, por fatos ocorridos em 13.3.1993, às penas de 13 anos e 04

meses de reclusão, em regime inicial fechado, como incurso nos arts. 213 e

214, c.c. o art. 29, na forma do art. 71, e no art. 157, § 2º, incisos I e II, todos do

Código Penal (fl s. 28-31). A referida sentença transitou em julgado para ambas

as partes em 23.5.1995 (fl . 32).

Diante do advento da Lei n. 12.015/2009, a Defesa postulou a redução

das penas referentes aos arts. 213 e 214, do Código Penal, argumentando a

existência de crime único.

No entanto, o Juízo das Execuções, de forma equivocada, rejeitou tanto

o reconhecimento da tese de crime único, quanto a de crime continuado,

que já havia sido reconhecida no título executivo judicial, isto é, na sentença

condenatória transitada em julgado.

Irresignada, a Defesa interpôs agravo em execução. Contudo, o Tribunal

de origem, permanecendo no mesmo equívoco, manteve o decisum impugnado,

afi rmando ser aplicável a regra do concurso material.

O acórdão impugnado encontra-se fundamentado nos seguintes termos, in

verbis:

[...]

Carlos foi condenado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao

pudor, bem como por roubo duplamente majorado à pena total de 13 anos e 04

meses de reclusão, sendo 08 anos para os crimes sexuais, considerando 06 anos

acrescido em 1/3 pelo concurso material do crime de estupro e ato libidinoso

diverso da conjunção carnal e 05 anos e 04 meses para o crime de roubo.

Com o advento da Lei n. 12.015 de 2009 os crimes de estupro e de atentado

violento ao pudor restaram tipificados em um único artigo sem, contudo,

confi gurarem crime único, tampouco continuidade delitiva, pois que perpetrados

de forma diversa, não obstante praticados contra a mesma vítima e na mesma

ocasião.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 801

Este é o entendimento já consolidado pela Quinta Turma do Superior de

Justiça, que sigo:

[...]

No presente caso Carlos, juntamente com outros dois indivíduos (um deles

menor de idade), como se vê da denúncia (fl s. 03-06), constrangeu a vítima a

manter conjunção carnal, bem como a submeter-se à prática de ato libidinoso

diverso da conjunção carnal (coito anal).

Deste modo, correta a decisão do magistrado a quo que indeferiu o pedido de

reconhecimento de crime único ou de continuidade delitiva, mantendo a soma

das penas em concurso material.

Ante o exposto, desprovejo o recurso.

É o voto. (Fls. 43-46).

Assim, diante da impropriedade cometida pelo Juízo das Execuções,

mantida pela Corte de origem, há de ser reconhecida a nulidade parcial dos

respectivos julgados, na parte em que afastam o reconhecimento do crime

continuado.

Feitas essas considerações, ressalvo meu entendimento pessoal no sentido de

que, tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo

do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade

delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal,

mesmo depois de o Legislador tê-las inserido num só artigo de lei.

Não obstante, tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quanto

nesta Corte, resta sedimentado que a Lei n. 12.015/2009 permite reconhecer a

continuidade delitiva entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor,

quando presentes os requisitos elencados no art. 71 do Código Penal.

Nesse sentido: STF, n. 94.636-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa,

DJe de 23.9.2010; STJ, HC n. 221.211-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp,

DJe de 20.6.2012; STJ, HC n. 134.642-DF, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz,

DJe de 13.2.2012; STJ, AgRg no REsp n. 942.981-RS, 5ª Turma, Rel. Min.

Jorge Mussi, DJe de 13.5.2011; REsp n. 565.430-RS, 6ª Turma, Rel. Min. Maria

Th ereza de Assis Moura, DJe de 7.12.2009.

No entanto, cumpre salientar que, na hipótese dos autos, essa discussão mostra-

se irrelevante, na medida em que a continuidade delitiva já foi reconhecida

na sentença condenatória transitada em julgado, conforme já consignado

anteriormente, pugnando-se, no presente writ, pelo reconhecimento da

existência de crime único.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

802

A súplica, todavia, não prospera.

Destaco, por oportuno, os seguintes trechos da peça acusatória, in verbis:

[...]

No dia 13 de março de 1993, por volta de 04h., na Rua Tiradentes, esquina com

a Rua Marechal Floriano, em Santo Ângelo, os denunciados Varlei Vieira de Oliveira

e Carlos de Souza Rodrigues, previamente concertados entre si e agindo em

concurso, em companhia do menor inimputável Derli de Souza Rodrigues, com

17 anos de idade, mediante grave ameaça, por isso que com o emprego de uma

faca (auto de apreensão de fl . ), constrangeram a vítima Alvanir da Silva Vargas a

com eles manter conjunção carnal, consoante demonstram os laudos de fl s.

2 - Em sequência, o denunciado Varlei Vieira de Oliveira, sempre mediante

grave ameaça (mediante uso de faca), e com o auxílio do co-denunciado Carlos de

Souza Rodrigues e do menor Derli de Souza Rodrigues, constrangeu a vítima Alvanir

da Silva Vargas a com ele praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal ou

seja o denominado coito anal, conforme evidencia o auto de exame pericial de fl .

Na oportunidade, a ofendida retirava-se da Boate Continental, ocasião em que

foi assediada pelos denunciados e pelo referido menor, sendo arrastada para um

terreno baldio, onde sofreu a violência sexual.

Releva notar que os denunciados e o aludido menor revezavam-se na prática

da conjunção carnal, sendo que Varlei encostava a faca no pescoço da vítima não

lhe permitindo qualquer reação.

3 - Após terem mantido as mencionadas relações com a vítima, os denunciados,

sempre agindo em concurso e em companhia do menor Derli, mediante grave

ameaça (emprego de arma branca), subtraíram, para si, da vítima Alvanir da Silva

Vargas, uma pulseira, uma gargantilha, três anéis e uma aliança, tudo em ouro.

Somente um dos anéis foi apreendido e entregue para a vítima. Todas as jóias

foram avaliadas em Cr$ 6.500.000,00, consoante autos de apreensão, avaliação e

entrega de fl s.

Ao derradeiro, a ofendida efetuou a pertinente representação.

Assim agindo, incorreram os denunciados nas penas dos artigos 213, 214,

e 157, § 2º, incisos I, e II, do Código Penal, e artigo 1º, da Lei n. 2.252/1954,

combinados com o artigo 29, caput, e 69, caput, do referido Estatuto Repressivo,

pelo que o Ministério Público oferece a presente denúncia, requerendo que seja

recebida e autuada [...]. (Fls. 25-27).

A questão de direito apresentada diz respeito a que modalidade de tipo

penal se refere o art. 213 do Estatuto Repressivo: se alternativo ou cumulativo.

O dispositivo analisado tem a seguinte redação, dada pela Lei n.

12.015/2009, in verbis:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 803

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter

conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato

libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é

menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Na hipótese do tipo misto cumulativo, as condutas acumuladas previstas no

tipo têm, cada uma, “uma autonomia funcional e respondem a distintas espécies

valorativas, com o que o delito se faz plural”, conforme lição de Jimenez de Asúa

(Tratado de Derecho Penal, Tomo III, Buenos Aires, Editorial Losada, 1963, p.

916).

No caso do tipo misto alternativo, Jimenez de Asúa leciona, litteris:

Nesse sentido, entendemos por tipo casuístico alternativo aquele em que as

hipóteses enunciadas se prevêem uma ou outra e são, enquanto ao seu valor,

totalmente equivalentes, como observa Beling (Gründzuge, p. 22).

Nisso estamos inteiramente de acordo com a maior parte dos autores que

falam de hipóteses alternativas, porque, para que a tipicidade exista, basta com

que se realize, ao menos, um dos casos [...] para que a subsunção se realize.

(Jimenez de Asúa, ob. cit., p. 916.).

Heleno Cláudio Fragoso, no mesmo sentido:

Os tipos mistos são aquêles que contemplam mais de uma modalidade

de fato. São alternativos, quando as ações são fungíveis e permutáveis, sendo

indiferente a realização de mais de uma, no que se refere à unidade do delito.

Temos exemplo no crime do art. 211 do Código Penal (“destruir, subtrair ou

ocultar”). A êsses NELSON HUNGRIA, com muita propriedade, chama de crimes de

conteúdo variável.

Mas há também os tipos mistos impropriamente chamados cumulativos, em

relação aos quais desaparece a fungibilidade, dando lugar ao concurso material.

Cada uma das modalidades do crime constitui uma fi gura autônoma de delito.

Veja-se sôbre êste problema nossa tese Conduta Punível, 1961, págs. 137.e 205, e

a bibliografi a ali citada.

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804

A distinção entre tipos mistos alternativos e cumulativos, remonta a BINDING,

Normen, voI. I, p. 205 (2.a edição, 1890). Embora haja certa imprecisão doutrinária

na formulação dos critérios para reconhecimento dos tipos cumulativos, não há

dúvida quanto à sua existência. Veja-se a seguríssima lição de MEZGER, Strafrecht,

ein Studienbuch, 1960, p. 104. No Código vigente, por exemplo, o art. 180,

apresenta, com a receptação própria e a receptação imprópria tipos cumulativos,

que dão lugar ao concurso material. (Heleno Cláudio Fragoso, A Reforma da

Legislação Penal, p. 57.)

Com essas considerações, verifi ca-se a inexistência de unidade de conduta

na espécie, uma vez que a prática cumulativa das ações descritas no tipo implica

um aumento qualitativo do tipo de injusto, e não meramente quantitativo. Trata-

se de outro modo de dizer que as condutas descritas no caput do art. 213 do

Código Penal não são fungíveis, ou seja, não são passíveis de serem substituídas

por outras de mesma espécie e valor.

Afi rmar que a submissão da vítima à realização de conjunção carnal tem

o mesmo conteúdo de injusto do constrangimento ao exercício da cópula anal,

por exemplo, é ignorar o fato de que tal prática é carregada de estigma social,

decorrente de sua associação com humilhação, submissão e rebaixamento moral.

Ademais, o coito anal ainda representa a imposição de grave risco de

contaminação pelo vírus HIV, pois, segundo o Ministério da Saúde, trata-se de

prática sexual de risco (Aids - Leia Antes de Escrever, publicado em 1º.1.2003,

disponível na página de internet http://www.aids.gov.br/). Evidencia-se, assim,

que entre a conjunção carnal e o ato libidinoso autônomo não há fungibilidade ou

equivalência.

Portanto, tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento

qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a existência

de crime único entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção

carnal, mesmo depois de o Legislador tê-los inserido num só artigo de lei.

Ou seja, a nova redação do art. 213 do Código Penal absorve o ato

libidinoso em progressão ao estupro – classifi cável como praeludia coiti – e não o

ato libidinoso autônomo, como verifi cado na hipótese dos autos.

Por oportuno, confi ra-se o seguinte trecho do artigo intitulado “Novo tipo

penal unifi cado de estupro comum e a fi gura do estupro de pessoa vulnerável”,

publicado na Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, da autoria de

João José Leal e Rodrigo José Leal, que bem elucida a questão, in litteris:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 805

[...]

Para a hipótese de estupro cometido por meio de duas ou mais ações

estupradoras contra mesma vítima - hipótese, aliás, comum na prática (coito

vaginal, anal e/ou oral, etc.) - parece-nos que deverá prevalecer a tese da

continuidade delitiva. Isso, é evidente, desde que as circunstâncias de tempo,

lugar e modo de execução apontarem para a ideia de uma ação delitiva

continuada, na forma prescrita pelo art. 71, caput, do CP. Se os atos de conjunção

carnal ou libidinosos forem praticados contra vítimas diferentes e nas mesmas

circunstâncias, poderá ser aplicada a regra do crime continuado especial (art. 71,

parágrafo único, do CP).

O crime será um só - o estupro -, mas a pena deverá ser aumentada por ocorrer,

no caso, a fi gura do crime continuado. No regime do direito anterior, o STJ já

decidiu que, se ocorrer a prática de três atos de conjunção carnal “em condições

idênticas contra uma única vítima”, a ação delituosa deve ser aglutinada para

se reconhecer a fi gura do crime continuado. Assim, com a mudança operada

no direito positivo, cremos que o mesmo entendimento jurisprudencial haverá

de prevalecer quando a continuidade ocorrer entre atos de conjunção carnal e

outros atos libidinosos antes incriminados de forma autônoma (atentado violento

ao pudor). (p. 27).

Portanto, não há como se acolher a alegada ocorrência de crime único.

Ante o exposto, concedo habeas corpus, de ofício, tão somente para declarar

a nulidade parcial do acórdão ora impugnado, bem como da decisão proferida

pelo Juízo das Execuções, na parte em que afastam o reconhecimento do crime

continuado.

Outrossim, denego a presente ordem de habeas corpus.

É o voto.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE): A hipótese é de habeas corpus deduzido em favor de C. de S. R. em que é

apontada como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 8 (oito) anos

de reclusão como incurso nos artigos 213 e 214, ambos do Código Penal,

reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes sexuais, mais 5 (cinco)

anos e 4 (quatro) meses, e multa, por ofensa art. 157, § 2º, I e II, do Estatuto

Repressor, totalizando um reprimenda de 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de

reclusão, em regime fechado, conforme sentença de fl s. 28-31.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Após a entrada em vigor da Lei n. 12.015/2009, foi requerido ao Juízo

das Execuções o reconhecimento da ocorrência de crime único em relação ao

estupro e ao atentado violento ao pudor.

O Magistrado das execuções, indeferiu o pedido de reconhecimento de

crime único consignando que:

Isto posto, indefiro o pedido de reconhecimento de crime único ou de

continuidade delitiva, mantendo a soma das penas em concurso material, como

já defi nido na sentença. (fl . 40)

Interposto agravo em execução, o Tribunal a quo manteve o provimento em

acórdão que fi cou assim resumido:

Agravo em execução. Crimes contra a dignidade sexual. Estupro e atentado

violento ao pudor. Lei n. 12.015/2009. Reconhecimento de crime único ou

continuidade delitiva. Impossibilidade. Precedentes jurisprudenciais.

Em restando caracterizada a prática da conjunção carnal e do ato libidinoso

diverso da conjunção carnal, não há falar em crime único, tampouco de

continuidade delitiva, pois que e a Lei n. 12.015/2009 apenas tipifi cou no mesmo

artigo o estupro e o atentado violento ao pudor sem, contudo, retirar a autonomia

de cada crime, que necessita de conduta diversa para a sua prática.

Agravo desprovido. (fl . 41).

Daí o presente habeas corpus em que se pretende a concessão da ordem

para, “aplicando a novel Lei n. 12.015/2009, reconhecendo-se a fi gura delitiva

única” (fl . 15).

A Ministra Laurita Vaz, denega a ordem, mas concede habeas corpus de

ofício para “declarar a nulidade parcial do acórdão ora impugnado, bem como

da decisão proferida pelo Juízo da Execuções, na parte em que afastam o

reconhecimento do crime continuado”.

Para melhor exame da matéria, pedi vista dos autos.

Inicialmente, verifi co a inadequação da via eleita.

Segundo dispõe o art. 105 da Constituição Federal, compete ao Superior

Tribunal de Justiça tão-somente julgar, originariamente, o habeas corpus

quando o coator ou paciente for Governadores dos Estados e do Distrito

Federal, desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito

Federal, membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal,

dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 807

Trabalho, membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e

do Ministério Público da União que ofi ciem perante Tribunais, ou quando o

coator for Tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante

da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça

Eleitoral.

No entanto, possivelmente com a intenção de proteger o cidadão contra

abusos e arbitrariedades do Estado, o cabimento do habeas corpus foi sendo,

paulatinamente, ampliado pela jurisprudência, passando a substituir outros

recursos constitucionais.

Assim, notadamente por se tratar de um remédio heróico despido de

quaisquer requisitos processuais, a impetração do habeas corpus como substitutivo

do recurso ordinário e do recurso especial passou a ser a regra.

Ocorre que, recentemente, o e. Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira

Turma, visando combater o excessivo alargamento da admissibilidade da ação

constitucional do habeas corpus pelos Tribunais, passou a adotar orientação

no sentido de não mais admiti-lo quando substitutivo de recurso ordinário.

Confi ra-se:

Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do

disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,

proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão

da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do

substitutivo do habeas corpus. Processo-crime. Diligências. Inadequação. Uma

vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na

condução do processo, indeferi-las (HC n. 109.956-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe

de 11.9.2012).

Em seqüência, no julgamento do HC n. 104.045-RJ, na sessão do dia

28.8.2012, da relatoria da Exma. Ministra Rosa Weber, a aludida Turma

julgadora foi além entendendo não mais ser cabível habeas corpus “como

substitutivo de recurso no processo penal”. Por oportuno, transcrevo os seguintes

excertos do julgado, in verbis:

A preservação da racionalidade do sistema processual e recursal, bem como

a necessidade de atacar a sobrecarga dos Tribunais Recursais e Superiores, desta

forma reduzindo a morosidade processual e assegurando uma melhor prestação

jurisdicional e a razoável duração do processo, aconselham seja retomada a

função constitucional do habeas corpus, sem o seu emprego como substitutivo de

recurso no processo penal.

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Sobre os feitos já ajuizados destacou, litteris:

Como a não admissão do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário

constitucional representa guinada da jurisprudência desta Corte, entendo que,

quanto os habeas corpus já impetrados, impõem-se o exame da questão de

fundo, uma vez que possível o concessão de habeas corpus de ofício diante de

fl agrante ilegalidade ou arbitrariedade.

A ementa do aresto restou assim sintetizada:

Ementa habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e

desvirtuamento. Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade

ou arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 809

6. Habeas corpus rejeitado (HC n. 104.045-RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de

6.9.2012).

Assim, seguindo esta nova orientação da e. Suprema Corte, verifi co que,

in casu, trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, razão pela qual

deixo de conhecer o presente writ.

Por outra vertente, considerando que o presente writ foi interposto antes da

mudança de orientação acima mencionada, passo à análise do pedido deduzido

na impetração.

Penso que razão assiste à Ministra Laurita Vaz no ponto em que concede

a ordem de ofício para afastar o concurso material em relação aos crimes

sexuais, pois como bem destacado em seu voto, a sentença condenatória já havia

reconhecido a continuidade delitiva entre eles, provimento confi rmado em sede

de apelação criminal e que já havia transitado em julgado para ambas as partes.

Dessa forma, não poderia o Juiz das execuções ter reconhecido a ocorrência

de concurso material e determinado a soma das penas, devendo ser concedido

habeas corpus de ofício para afastar o concurso material de crimes indevidamente

aplicado pelo Juiz das execuções e mantido pelo Tribunal de origem, exatamente

como feito pela ilustre Ministra Laurita Vaz em seu voto.

Todavia, penso que a ordem deve ser concedida em maior extensão.

Ocorre que o pedido da Defensoria Pública é o de reconhecimento da

ocorrência de um crime único sustentando que, após o advento da Lei n.

12.015/2009, não há mais falar em continuidade delitiva quando cometido

estupro e ato diverso da conjunção carnal em um mesmo contexto fático.

Nesse ponto, vale destacar a lição de Cezar Roberto Bitencourt, que assim

aborda a questão:

Aliás, as duas fi guras - conjunção carnal e ato libidinoso diverso - são espécies

do gênero atos de libidinagem.

O constrangimento ilegal objetiva a prática de atos de libidinagem (qualquer

das duas modalidades, ou ambas, isoladas, conjuntas ou simultaneamente). A

violência aliada ao dissenso da vítima - duas elementares típicas, uma expressa

(violência), e outra implícita (dissenso) - devem ser longamente demonstradas,

nas duas figuras típicas. Por outro lado, tratando-se de crime de ação múltipla

(ou de conteúdo variado) não há que se falar em concurso de crimes, material ou

formal, quando praticados no mesmo contexto. Supera-se, assim, aquela enorme

dificuldade da jurisprudência majoritária que insistia interpretar, no mesmo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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contexto, a confi guração de concurso material de crimes, ainda que se trata-se de

meros atos preliminares ou até vestibulares. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado

de direito penal 4, parte especial. 6ª ed. rev. ampl, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 50,

g. n.).

No mesmo sentido é o pensamento de Rogério Sanches:

A prática de conjunção carnal seguida de atos libidinosos (sexo anal, por

exemplo) gerava concurso material dos crimes de estupro e atentado violento

ao pudor (JSTF 301/461 e RSTJ 93/384). Entendia-se que o agente, nesse caso,

pratica duas condutas (impedindo reconhecer-se o concurso formal) gerando

dois resultados de espécies diferentes (incompatível com a continuidade delitiva).

Com a Lei n. 12.015/2009 o crime de estupro passou a ser de conduta múltipla ou de

conteúdo variado. Praticando o agente mais de um núcleo, dentro de um mesmo

contexto fático, não desnatura a unidade do crime (dinâmica que, no entanto, não

pode passar imune na oportunidade da análise do art. 59 do CP). A mudança é

benéfi ca para o acusado, devendo retroagir para alcançar os fato pretéritos (art. 2º,

paragrafo único, do CP). (CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal, parte especial, 3ª

ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 252, g. n.).

Ao tratar do tema Rogério Greco leciona que:

Anteriormente à edição da Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009, que revogou

o delito de atentado violento ao pudor, tipifi cado no art. 214 do Código Penal,

quando o agente, que tinha por fi nalidade levar a efeito a conjunção carnal com a

vítima, viesse, também, a praticar outros atos libidinosos, a exemplo do sexo anal

e da felação, deveria responder por ambas infrações penais, aplicando-se a regra

do concurso de crimes.

Hoje, após a referida modifi cação, nessa hipótese, a lei veio a benefi ciar o agente,

razão pela qual se, durante a prática violenta do ato sexual, o agente, além da

penetração vaginal, vier a também fazer sexo anal com a vítima, os fatos deverão

ser entendidos como crime único, haja vista que os comportamentos se encontram

previstos na mesma fi gura típica, devendo ser entendida a infração como de ação

múltipla, aplicando-se somente a pena cominada no art. 213 do Código Penal, por

uma única vez, afastando, dessa forma, o concurso de crimes. (GRECO, Rogério. Dos

crimes contra a dignidade sexual. Rio de Janeiro: Impetus, p. 40, g. n.).

Nucci também enfrentou o tema, oportunidade em que escreveu o seguinte:

É inequívoca a unifi cação de condutas criminosas, referentes aos anteriores

estupro e atentado violento ao pudor, sob um mesmo tipo penal alternativo.

Portanto, o agente que “constranger alguém, mediante violência ou grave

ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 811

outro ato libidinoso” responderá por um só delito: estupro (art. 213, CP). É pacífi co

o entendimento em relação aos tipos alternativos: a prática de uma só conduta

descrita no tipo ou o cometimento de mais de uma, quando expostas as práticas num

mesmo cenário, mormente contra idêntica vítima, resulta na concretização de uma

só infração penal.

Anteriormente, havendo dois tipos penais distintos (arts. 213 e 214, CP), o

cometimento de ambas as condutas neles previstas, embora no mesmo contexto

contra idêntica vítima, permitia a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca

da aplicação da pena. Tratava-se do cometimento de duas infrações penais,

porém, voltava-se o magistrado para a avaliação do concurso de crimes. Poder-

se-ia sustentar, conforme a situação concreta, concurso material, concurso formal

ou crime continuado. Na maior parte dos casos, situava-se a jurisprudência

entre o concurso material e o crime continuado. Os adeptos desta última tese

sustentavam a existência de crimes da mesma espécie, nos termos do art. 71 do

Código Penal, enquanto os defensores da primeira apegavam-se na idéia de que

as condutas estavam inseridas em tipos separados, logo, não seriam da mesma

espécie, aplicando-se o disposto no art. 69 do Código Penal.

Os Tribunais pátrios, em sua maioria, inclinavam-se pela posição segundo

qual a prática de estupro e de atentado violento ao pudor, por se tratarem

de diferentes tipos penais, logo, crimes de espécies diferentes, implicava em

concurso material. Assim considerando, aplicava-se o mínimo de 12 anos de

reclusão quando ambos eram cometidos.

Ora, o art. 214 foi revogado. Não há mais atentado violento ao pudor como

crime autônomo. Tornou-se a conduta, portanto, modalidade de estupro, embora

não tenha havido descriminalização. Cuida-se, na situação concretizada pela Lei n.

12.015/2009, de norma penal benéfi ca, visto que, hoje, quem cometa a conjunção

carnal e outro ato libidinoso qualquer contra a mesma vítima, no mesmo cenário,

pratica um delito de estupro, cuja pena mínima é de 6 anos de reclusão.

Há de se considerar benéfi ca a alteração legislativa. Se antes havia dois delitos

autônomos, com penalidades igualmente independentes (embora do mesmo

nível), atualmente existe um único crime, em formato alternativo. Inexiste palco

para considerar necessária a aplicação do concurso de crimes. Nem mais é preciso

debater se estupro e atentado violento ao pudor são delitos da mesma espécie.

Cessou o concurso de infrações penais; exterminou-se o atentado violento ao

pudor. Subsiste apenas o crime de estupro: duas condutas alternativas e uma

sanção penal variável entre 6 e 10 anos de reclusão.

Nem se diga ser o tipo penal do art. 213 numa fi gura cumulativa, ou seja, duas

condutas criminosas distintas, previstas num único artigo. Para que assim fosse

considerado seria indispensável haver duas condutas diferenciadas, com verbos

seguidos de objetos diversos, o que não ocorre nesse caso. O núcleo do tipo - fi gura

principal a atrair os verbos-complementos-é “constranger”. O objeto é “alguém”. O

mais é o remate do tipo penal para a compreensão da espécie de constrangimento:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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“ter conjunção carnal”; “praticar outro ato libidinoso”; “permitir que com ele

se pratique outro ato libidinoso”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a

dignidade sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 63-5, g.n.).

Também é esse o entendimento da Sexta Turma deste Superior Tribunal

de Justiça:

Habeas corpus. Artigos 213 e 214 do Código Penal. Condenação confi rmada

em grau de apelação. Via indevidamente utilizada em substituição a recurso

especial. Ilegalidade manifesta. Ocorrência. Lei n. 12.015/2009. Crime único. Não

conhecimento. Concessão de ofício.

1. Mostra-se inadequado e descabido o manejo de habeas corpus em

substituição ao recurso especial cabível.

2. É imperiosa a necessidade de racionalização do writ, a bem de se prestigiar

a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função constitucional,

de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou ameaça à

liberdade de locomoção.

3. “O habeas corpus é garantia fundamental que não pode ser vulgarizada, sob

pena de sua descaracterização como remédio heróico, e seu emprego não pode

servir a escamotear o instituto recursal previsto no texto da Constituição” (STF, HC

n. 104.045-RJ).

4. Hipótese em que há fl agrante constrangimento ilegal. Com o advento da Lei n.

12.015/2009, as práticas de conjunção carnal e de ato libidinoso diverso passaram a

ser tipifi cadas no mesmo dispositivo legal, deixando de confi gurar crimes diversos,

de estupro e de atentado violento ao pudor, para constituir crime único, desde

que praticados no mesmo contexto. Tal compreensão, por ser mais benéfi ca, deve

retroagir para alcançar os fatos anteriores. Com isso, a dosimetria da reprimenda

deve ser refeita, não fi cando o magistrado da execução vinculado às penas-bases

fi xadas anteriormente, pois agora deverá avaliar a maior reprovabilidade da prática

de conjunção carnal e de ato libidinoso diverso em um mesmo momento.

5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar

que o Juízo das Execuções proceda à nova dosimetria da pena, nos termos da Lei n.

12.015/2009, devendo ser refeita a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do

Código Penal. (HC n. 133.349-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta

Turma, DJe de 17.9.2012).

Agravo regimental. Recurso especial. Direito Penal. Crimes contra a dignidade

sexual. Estupro e atentado violento ao pudor. Arts. 213 e 214 do CP. Tribunal de

origem entendeu pela prática de crime único. Delitos praticados nas mesmas

circunstâncias. Modificações trazidas pela Lei n. 12.015/2009. Lei penal mais

favorável ao réu. Retroatividade. Condutas praticadas contra a mesma vítima e no

mesmo contexto. Superveniência de norma benéfi ca. Aplicação.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 813

1. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, a conduta do crime de atentado

violento ao pudor, anteriormente prevista no art. 214 do Código Penal, foi inserida

naquela do art. 213, constituindo, assim, quando praticadas contra a mesma vítima e

num mesmo contexto fático, crime único de estupro.

2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas

na insurgência são incapazes de infi rmar o entendimento assentado na decisão

agravada.

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.127.455-AC, Rel. Min.

Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 17.9.2012).

Habeas corpus. Estupro e atentado violento ao pudor. Crime continuado.

Concurso material. Inovações trazidas pela Lei n. 12.015/2009. Modifi cação no

panorama. Condutas que, a partir de agora, caso sejam praticadas contra a

mesma vítima, num mesmo contexto, constituem único delito. Norma penal mais

benéfi ca. Aplicação retroativa. Possibilidade.

1. A Lei n. 12.015/2009 alterou o Código Penal, chamando os antigos Crimes

contra os Costumes de Crimes contra a Dignidade Sexual.

2. Essas inovações provocaram um recrudescimento de reprimendas, criação de

novos delitos e também unifi caram as condutas de estupro e atentado violento ao

pudor em um único tipo penal. Nesse ponto, a norma penal é mais benéfi ca.

3. Por força da aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais favorável,

as modifi cações tidas como favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da

Lei n. 12.015/2009.

4. No caso, o paciente foi condenado pela prática de estupro e atentado violento

ao pudor cometidos contra a mesma vítima.

5. Aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apenamento referente ao

atentado violento ao pudor não há de subsistir.

6. Ordem concedida, a fi m de, reconhecendo a prática de estupro e atentado

violento ao pudor como crime único, anular o acórdão no que tange à dosimetria

da pena, determinando que nova reprimenda seja fi xada pelo Tribunal. (HC n.

178.051-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe de 5.10.2011).

Na Quinta Turma, existem precedentes do Ministro Gilson Dipp e do

Ministro Marco Aurélio Bellizze, no sentido de se reconhecer a existência de

crime único. Os julgados receberam as seguintes ementas:

Penal. Estupro e atentado violento ao pudor. Delitos da mesma espécie. Lei n.

12.015/2009. Possibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva. Crime

único. Retroatividade da lei penal mais benéfi ca. Ordem parcialmente concedida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

814

I. Crimes cometidos sob a vigência da redação anterior dos arts. 213 e 214 do

Código Penal.

II. A vigência da Lei n. 12.015, de 2009, em sua nova redação dada ao art. 213

(revogado o art. 214), unifi cou as fi guras típicas do estupro e atentado violento ao

pudor.

III. Caso o agente pratique, num mesmo contexto contra a mesma vítima, os

crimes previstos no art. 213 e 214 do Código Penal, responderá apenas e tão somente

por um crime de estupro, haja vista que os comportamentos encontram-se previstos

na mesma fi gura típica, devendo ser entendida a infração como de ação múltipla,

aplicando-se somente a pena cominada no art. 213 do Código Penal, por uma única

vez.

IV. Ordem parcialmente concedida para determinar que o Juízo das Execuções

Penais redimensione a pena do paciente a fi m de que seja reconhecida a fi gura do

crime único, cabendo ao Magistrado valorar a culpabilidade do agente quanto à

pluralidade de atos/condutas na fi xação da pena-base (HC n. 242.925-RS, Rel. Min.

Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 14.8.2012).

Habeas corpus impetrado em substituição ao instrumento processual previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de entendimento

jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional. Medida imprescindível à sua

otimização. Efetiva proteção ao direito de ir, vir e fi car. 2. Alteração jurisprudencial

posterior à impetração do presente writ. Possibilidade de exame que visa

privilegiar a ampla defesa e o devido processo legal. Imprescindibilidade de

devida instrução e de prévia submissão à instância de origem. 3. Dosimetria

da pena. Tema não submetido ao crivo da Corte a quo. Inviabilidade da análise

direta pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Impugnação do édito condenatório.

Crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo cometidos em 1991.

Sentença proferida em 1994 com trânsito em 1995. Impetração manejada como

sucedâneo de revisão criminal. Não cabimento. 5. Exame do acervo fático-

probatório. Inviabilidade na via exígua do mandamus. 6. Paciente condenado

por estupro e atentado violento ao pudor em concurso material. Superveniência

da Lei n. 12.015/2009. Condutas praticadas contra a mesma vítima e no mesmo

contexto. Reconhecimento de crime único. Necessidade de redimensionamento

da pena nesse ponto. Competência do juízo das execuções. Súmula n. 611-STF.

7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para aplicar a Lei n.

12.015/2009 e reconhecer a existência de crime único.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade

do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, já vinha

se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do

cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição

Federal e no Código de Processo Penal. Louvando o entendimento de que o

Direito é dinâmico, sendo que a definição do alcance de institutos previstos

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 815

na Constituição Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as

mudanças de relevo que se verificam na tábua de valores sociais, esta Corte

passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do habeas corpus a um

novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de remédio constitucional tão caro

ao Estado Democrático de Direito. Precedentes.

2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou

a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por

objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes.

Contudo, considerando que a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se após a

impetração do presente mandamus, mostra-se possível a análise das questões

suscitadas na inicial, a fi m de evitar-se prejuízos à ampla defesa e ao devido

processo legal, desde que a impetração encontre-se devidamente instruída e que

os temas tenham sido efetivamente submetidos ao crivo prévio das instâncias

ordinárias.

3. A insurgência contra a dosimetria da pena não foi enfrentada pelo Tribunal

de origem, o que impede de se verifi car a existência de fl agrante constrangimento

ilegal apto a ensejar, até mesmo, a concessão da ordem de ofício. Destaque-se

que admitir a análise direta por esta Corte de eventual ilegalidade não submetida

ao crivo do Tribunal de origem denotaria patente desprestígio às instâncias

ordinárias e inequívoco intento de desvirtuamento do ordenamento recursal

ordinário, o que efetivamente tem se buscado coibir.

4. Quanto à insurgência contra a longíqua condenação, a qual data de 1994,

verifi ca-se que, não obstante a matéria tenha efetivamente sido submetida ao

prévio crivo da Corte a quo, visa o impetrante/paciente valer-se do remédio

heroico como verdadeira revisão criminal, o que não se mostra cabível e apenas

confi rma o desvirtuamento dos institutos do processo penal.

5. Mostra-se inviável, na via eleita, avaliar se as provas constantes dos autos

são sufi cientes para embasar o édito condenatório, porquanto cabe às instâncias

ordinárias o exame detido do acervo fático-probatório carreado aos autos,

procedimento que não se coaduna com o processamento do habeas corpus, que

demanda a demonstração do constrangimento ilegal de forma patente.

6. Cuidando-se de condenação pelos delitos de estupro e de atentado violento

ao pudor, em concurso material, verifica-se que a nova disciplina trazida pela

Lei n. 12.015/2009 se mostra mais benéfica, haja vista tratar como crime único

referidas condutas, desde que cometidas contra a mesma vítima e no mesmo

contexto. Regramento que deve retroagir, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do

Código Penal, para benefi ciar o réu. Necessidade de readequação da reprimenda,

possibilitando-se a valoração da pluralidade de condutas na primeira fase da

dosimetria da pena, o que deve ser realizado pelo Juízo das Execuções, nos termos do

Verbete n. 611 da Súmula do Pretório Excelso.

7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para reconhecer a

ocorrência de crime único, nos termos da alteração trazida pela Lei n. 12.015/2009,

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devendo o Juízo das Execuções readequar a dosimetria neste ponto (HC n.

179.273-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 26.11.2012).

Dessa forma, pedindo vênia à ilustre Ministra Laurita Vaz e buscando

atender o função constitucional do Superior Tribunal de Justiça de unifi car a

jurisprudência nacional, penso que, diante das peculiaridades do caso concreto,

em que vítima foi submetida a conjunção carnal e após a coito anal, porém dentro

de um mesmo contexto fático, deve ser concedida a ordem para reconhecer a

ocorrência de crime único.

No que diz respeito a dosimetria da pena, observados o art. 66 da Lei de

Execuções Penais e a Súmula n. 611 do Supremo Tribunal Federal, deverá ser

refeita por completo pelo Juiz das execuções, com a segunda conduta delitiva

(coito anal) considerada na valoração das circunstâncias judiciais do art. 59 do

Código Penal, estabelecendo-se como limite para a nova dosimetria a totalidade

da pena anteriormente aplicada, de forma a se evitar a reformatio in pejus.

Diante do exposto, pedindo vênia à Ministra Laurita Vaz, não conheço

da impetração, mas concedo a habeas corpus de ofício para, reconhecendo a

ocorrência de crime único em relação aos crimes sexuais, determinar que o Juízo

das execuções aplique retroativamente a lei penal mais benéfi ca, refazendo a

dosimetria da pena desse crime, cujo limite máximo não poderá ultrapassar a

totalidade da pena anteriormente imposta, ou seja, oito anos de reclusão.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 222.405-DF (2011/0251483-4)

Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)

Impetrante: Cleber Lopes e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Paciente: Vanderlei Batista Silva

EMENTA

Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário.

Descabimento. Recente orientação do Supremo Tribunal Federal.

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 817

Prisão preventiva. Desnecessidade da manutenção da prisão. Advento

da Lei n. 12.403/2011, que estabeleceu a possibilidade de adoção de

medidas cautelares distintas da prisão carcerária. Medidas cautelares

aplicadas cumulativamente, na forma do disposto no art. 282 do CPP.

Compromisso de comparecimento aos atos judiciais, proibição de

ausentar-se da comarca e recolhimento domiciliar. Art. 319, incisos

I, IV e V, do Diploma Processual Penal. Recolhimento de passaporte

conforme o estatuído no art. 320 do mesmo diploma legal. Concessão

parcial da ordem de ofício.

1. Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102,

inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos

da Lei n. 8.038/1990, a mais recente jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus

em substituição a recursos ordinários (apelação, agravo em execução,

recurso especial), tampouco como sucedâneo de revisão criminal.

2. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova

jurisprudência da Colenda Corte, passou também a restringir as

hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio

constitucional seja utilizado em substituição do recurso cabível.

3. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial citado, a alegação de constrangimento

ilegal será enfrentada para que se examine a possibilidade de eventual

concessão de habeas corpus de ofício.

4. Esta Turma, por ocasião do julgamento do HC n. 201.817-DF,

relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado

do TJ-RJ), concedeu, em parte, a ordem para outro corréu da Ação

Penal n. 2002.07.1.000644-9, e substituiu a prisão preventiva por

medidas cautelares alternativas, tidas como sufi cientes para assegurar

o julgamento da causa e a futura aplicação da lei penal.

5. O mesmo fato - suposta tentativa de homicídio contra corréu

de crime praticado em 2001 que estava prestes a ser interrogado -

fundamentou a decretação da prisão preventiva na referida ação penal.

6. Por envolver idêntico contexto fático jurídico, aplica-se o

mesmo raciocínio desenvolvido no julgamento do citado Habeas

Corpus, pois a prisão naquela oportunidade teve como fundamento

fato inidôneo por esta Corte para justifi car a medida excepcional.

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7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, em

parte, apenas para substituir a prisão processual por medidas cautelares

alternativas previstas na Lei n. 12.403/2011.]

8. Determinação, a pedido do Ministério Público Federal, para

que se ofi cie o Juízo do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária

de Taguatinga-DF, com recomendação para que envide esforços

no sentido de julgar o mais brevemente possível a Ação Penal n.

2002.07.1.000.644-9, evitando, assim, uma possível ocorrência da

prescrição.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior

Tribunal de Justiça, por unanimidade, em conceder parcialmente a ordem, com

recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), Jorge Mussi e

Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedida a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Sustentaram oralmente: Dr. Cleber Lopes de Oliveira (p/pacte) e

Ministério Público Federal.

Brasília (DF), 6 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR),

Relator

DJe 9.11.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR):

Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor

de Vanderlei Batista Silva, que teve a prisão preventiva decretada nos autos da

Ação Penal n. 2002.07.1.000.644-9, por conta de uma tentativa homicídio,

apontando como autoridade coatora a 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 819

do Distrito Federal e Territórios, que denegou outro writ, em acórdão assim

ementado:

Habeas corpus. Revogação de prisão preventiva. Inquérito da comarca de

Águas Lindas de Goiás não concluído. Ausência de fato novo. Ordem denegado.

I. Não houve alteração fática capaz de afastar os fundamentos do decreto

cautelar, confirmado pelo Tribunal. As peculiaridades do caso concreto

recomendam a manutenção da custódia ante tempus.

II. Embora o inquérito tenha sido relatado, não há notícias de que o Ministério

Público de Goiás, titular da ação penal, ou o Judiciário tenham se manifestado.

De qualquer sorte, a prisão do acusado não está vinculada exclusivamente ao

resultado do inquérito goiano. Outros elementos indicam que o paciente tentou

corromper a prova, o que demanda maior rigor do Estado.

III. Writ denegado (fl . 197).

Narram os impetrantes que João Marques dos Santos, acusado de

ter participado de um homicídio praticado em 12.10.2001, às vésperas do

interrogatório que iria prestar acerca do crime que lhe foi imputado, foi vítima

de uma tentativa de homicídio na cidade de Águas Lindas-GO, e imputou ao

paciente e a Constantino de Oliveira o respectivo mando.

Aduzem que, por força dessa acusação, o Juiz do Tribunal do Júri de

Taguatinga-DF, entendeu por bem decretar a prisão preventiva (fl s. 116-121)

dos dois indiciados.

Relatam, ainda, que ele foi levado, em princípio, ao cárcere, mas teve a

prisão convertida em domiciliar por conta de sua saúde debilitada. Sustentam,

desde a decretação da prisão preventiva, que não há indícios sufi cientes de

autoria em relação a tentativa de homicídio, porém o Tribunal de Justiça do

Distrito Federal denegou o habeas corpus ali impetrado.

Afi rmam que a Polícia Civil de Águas Lindas-GO, após a realização de

várias diligências, concluiu que não havia elementos para indiciar o paciente,

fato este que levou a defesa a pedir, novamente, a revogação da prisão preventiva,

indeferida pelo Juízo do Tribunal do Júri. Novo habeas corpus foi pedido ao

Tribunal local, sendo a ordem denegada.

Daí a presente postulação, visando a revogação da medida constritiva, sob

o fundamento de que o inquérito policial instaurado, para apurar a tentativa de

homicídio, concluiu que a versão apresentada por João Marques do Santos, de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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que o paciente participou do crime, não se confi rmou, ou seja, era inverídica,

de modo que restam apenas meras suspeitas contra ele, estas insufi cientes para

justifi car a manutenção da prisão cautelar.

Pugna pela revogação da prisão preventiva.

Informações recebidas (fl s. 217-232).

O Ministério Público Federal, em parecer lançado pelo em. Sub-

Procurador-Geral da República Dr. Jair Brandão de Souza Meira, opinou pela

denegação da ordem (fl s. 236-239).

O impetrante, na petição de fl s. 243-252, noticiou a ordem concedida

ao corréu Constantino de Oliveira, no julgamento do HC n. 201.817-DF, e

requereu a concessão de idêntica medida.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR) (Relator): De início, é importante destacar que o habeas corpus, conforme

reiterada jurisprudência desta Corte, presta-se a sanar coação ou ameaça ao

direito de locomoção, sendo restrito às hipóteses de ilegalidade evidente,

incontroversa, relativa a matéria de direito, cuja constatação independa de

qualquer análise probatória.

Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102, inciso II, alínea

a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos da Lei n. 8.038/1990,

a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a não

mais admitir o manejo do habeas corpus em substituição a recursos ordinários

(apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco como sucedâneo de

revisão criminal.

Essa orientação foi aplicada pela Primeira Turma da Corte Suprema, no

julgamento do HC n. 109.956-PR, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, e

do HC n. 114.550-AC, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Destaco, ainda, o

HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber:

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 821

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado.

O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da

Colenda Corte, passou também a restringir as hipóteses de cabimento do

habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em

substituição do recurso cabível.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:

Habeas corpus. Extorsão mediante sequestro. Condenação. Apelação julgada.

Writ substitutivo de recurso especial. Inviabilidade. Dosimetria da pena. Incidência

de agravante. Teses não alegadas na apelação. Supressão de instância. Não

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conhecimento. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus,

a bem de se prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do

writ são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado

em substituição ao recurso cabível, vale dizer, o especial. 2. Para o enfrentamento

de teses jurídicas na via restrita, imprescindível que haja ilegalidade manifesta,

relativa a matéria de direito, cuja constatação seja evidente e independa de

qualquer análise probatória, sendo de rigor a observância do devido processo

legal, 3. Hipótese em que as teses arguidas sequer foram objeto da apelação,

razão pela qual não foras enfrentadas pelo Tribunal de origem, o que impede seu

exame por esta Corte, sob pena de supressão de instância. 4. Habeas corpus não

conhecido. (HC n. 131.970, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Julgamento

realizado em 28.8.2012, DJe 5.9.2012).

No entanto, considerando que este remédio constitucional foi impetrado

antes da alteração do entendimento jurisprudencial, a fi m de evitar prejuízos à

ampla defesa e ao devido processo legal, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se examine a possibilidade de eventual concessão de habeas

corpus de ofício.

O presente writ, substitutivo de recurso ordinário, visa a concessão

de ordem para a revogação da prisão preventiva de Vanderlei Batista Silva,

decretada junto com a do corréu Constantino de Oliveira, nos autos da

Ação Penal n. 2002.07.1.000644-9, em que ambos foram denunciados como

incursos no artigo 121, § 2º, inciso I e IV, e art. 343, parágrafo único, do

Código Penal.

O Juízo de Direito do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de

Taguatinga decretou a segregação cautelar dos citados corréus, sustentando, em

síntese, que a medida se justifi ca na garantia da ordem pública, uma vez que

eles foram os mandantes de uma tentativa de homicídio contra João Marques,

que integrava o polo passivo do processo acima referido, e que seria interrogado

judicialmente naqueles dias e “vinha dando mostras de que iria delatar os demais

réus, daí advindo, naturalmente, com um pouco de raciocínio, em um primeiro

momento, a ligação direta dessa tentativa de homicídio com o andamento da

presente ação penal” (fl s. 118 - STJ).

Houve pedido de habeas corpus para o Tribunal de Justiça local, autoridade

apontada como coatora neste pedido, para revogar a prisão preventiva de

Vanderlei Batista Silva, tendo a ordem sido denegada, baseada nos argumentos

acima, oferecidos pelo juízo de primeiro grau.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 823

Os fundamentos trazidos pela instância ordinária, em um primeiro

momento, se mostram, então, sufi cientes para manter a segregação cautelar do

ora paciente. Ocorre, no entanto, que o mesmo decreto de prisão foi impugnado,

nesta Corte, por meio de habeas corpus, impetrado em favor do outro envolvido,

e a ordem foi concedida, no julgamento do HC n. 210.817-DF, da relatoria

do então Ministro Adilson Vieira Macabu, que acabou por substituir a prisão

preventiva por medidas cautelares.

Os argumentos apresentados nesta ação constitucional se mostram

relevantes e têm total pertinência com o presente caso, pois, como já disse, a

hipótese é absolutamente a mesma, e se cuida, por igual, de acusado com idade

avançada e “com condições de saúde reconhecidamente debilitadas”.

Assim, o raciocínio desenvolvido no julgamento supracitado (HC n.

210.817-DF), que, repita-se, examinou o mesmo decreto prisional, e acabou por

substituir a prisão do corréu Constantino de Oliveira por medidas cautelares,

deve ser aplicado no presente caso.

Diante dessas considerações, não conheço da impetração.

No entanto, concedo parcialmente a ordem, de ofício, para revogar a prisão

preventiva decretada nos autos de Ação Penal n. 2002.07.1.000644-9, em

relação ao ora paciente, aplicando a ele as seguintes medidas cautelares:

I - proibição de ausentar-se da Comarca de sua residência sem autorização

judicial (art. 319, inciso IV, do CPP);

II - recolhimento de passaporte porventura emitido em seu nome (art. 320

do CPP);

III - compromisso de comparecimento aos atos judiciais para os quais seja

intimado, a fi m de garantir o bom andamento processual (art. 319, I, do CPP).

IV - recolhimento domiciliar no período noturno e nos fi nais de semana,

na forma a ser fi xada pelo Juiz da causa, nos termos do art. 319, V, do Diploma

Processual, já que possui trabalho e residência fi xos.

Por fi m, atendendo pedido do em. Subprocurador-Geral da República que

funcionou neste julgamento, determino que se ofi cie o Juízo do Tribunal do Júri

da Circunscrição Judiciária de Taguatinga-DF para envide esforços no sentido

de julgar o mais brevemente possível a Ação Penal n. 2002.07.1.000644-9,

evitando, assim, uma possível ocorrência da prescrição.

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

824

HABEAS CORPUS N. 230.522-PE (2012/0002578-9)

Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do

TJ-SE)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Pernambuco

Advogado: Marianna Granja de Oliveira Lima - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

Paciente: C P da S S (internado)

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento.

Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional equiparado a

tráfi co ilícito de entorpecentes. Medida socioeducativa de internação.

Gravidade concreta do delito e exposição do menor a grave situação

de risco. Inaplicabilidade da Súmula n. 492 do STJ. Habeas corpus não

conhecido.

– Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento

fi rmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do

remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir

habeas corpus substitutivo de recurso ordinário/especial. Contudo, a luz

dos princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e

da ampla defesa, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a

fi m de se verifi car a existência de constrangimento ilegal para, se for o

caso, deferir-se a ordem de ofício.

– A medida socioeducativa de internação foi aplicada em razão

das peculiaridades do caso concreto, tendo sido destacada a razoável

quantidade de droga apreendida com o adolescente - 317 porções

de maconha -, que denota maior envolvimento no meio criminoso,

destacando, ainda, que ele não vinha frequentando a escola e que era

viciado em maconha a mais de 1 ano, circunstâncias que evidenciam a

exposição do menor a grave situação de risco.

– Em que pese ser a primeira passagem do menor perante a Vara

da Infância, justifi ca-se a imposição da medida excepcional, uma vez

que fi cou demonstrada a gravidade concreta do delito praticado e

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 825

o risco a que o adolescente está submetido. Nesse contexto, tem-se

que nenhuma outra medida socioeducativa mostra sufi ciente para

recuperar o menor e afastá-lo do envolvimento com o meio criminoso.

– Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não

conhecer do pedido. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi, Marco Aurélio

Bellizze e Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) votaram

com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 4 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE),

Relatora

DJe 12.4.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado pela

Defensoria Pública em benefício de C. P. da S. S., em face de acórdão proferido

pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

Depreende-se dos autos que o paciente foi submetido à medida

socioeducativa de internação, em razão da prática do ato infracional análogo ao

crime de tráfi co de entorpecentes.

Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem,

que denegou a ordem nos termos da seguinte ementa (fl s. 67):

Processual Penal. Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Prática

de ato infracional assemelhado ao delito descrito no art. 33, da Lei n. 11.343/2006.

Aplicação da medida socioeducativa de internação. Alegação de constrangimento

ilegal. Não confi guração. Ordem denegada. Decisão unânime.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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No presente mandamus, sustenta-se a ilegalidade da aplicação da medida

socioeducativa de internação ao adolescente, por não estar confi gurada qualquer

das hipóteses do art. 122 do ECA.

Requer a fi xação de medida mais branda, por ser mais adequada ao caso.

Liminar indeferida às fl s. 88-89.

Informações prestadas às fl s. 101-132.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem

(fl s. 136-138).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) (Relatora): Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento

firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do

remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas

corpus substitutivo de recurso no processo penal. Contudo, à luz de princípios

constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa, tem-se

analisado as questões suscitadas na exordial a fi m de se verifi car a existência de

constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício.

A propósito, confi ra-se:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento. Competência

das Cortes Superiores. Matéria de direito estrito. Modifi cação de entendimento

do STJ, em consonância com o STF. Violência doméstica contra a mulher.

Medida protetiva de urgência. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública.

Fundamentação idônea. Ausência de ilegalidade fl agrante que, eventualmente,

pudesse ensejar a concessão da ordem de ofício. Habeas corpus não conhecido.

1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta

para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas

corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR, Primeira

Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 7.8.2012, publicado no DJe de

11.9.2012; HC n. 104.045-RJ, Primeira Turma, Rel. Ministra Rosa Weber, julgado

em 28.8.2012, publicado no DJe de 6.9.2012; HC n. 108.181-RS, Primeira Turma,

Relator Min. Luiz Fux, julgado em 21.8.2012, publicado no DJe de 6.9.2012.

Decisões monocráticas dos ministros Luiz Fux e Dias Tóff oli, respectivamente,

nos autos do HC n. 114.550-AC (DJe de 27.8.2012) e HC n. 114.924-RJ (DJe de

27.8.2012).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 827

2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro Marco

Aurélio, no sentido de que, “no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da

substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente,

ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício.”

3. Hipótese em que o Paciente teve a prisão preventiva decretada a fi m de

assegurar a execução de medida protetiva de urgência, porque, “usuário de

drogas, já se envolveu em outras situações de violência doméstica contra a

mulher, estando, inclusive, respondendo por tentativa de homicídio de [sua

esposa], de onde se infere que a sua custódia é necessária para a garantia da

ordem pública e, sobretudo, da segurança da ofendida”.

4. Ausência de ilegalidade fl agrante que, eventualmente, ensejasse a concessão

da ordem de ofício.

5. Habeas corpus não conhecido (HC n. 221.200-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta

Turma, DJe 19.9.2012).

Assim, deixo de conhecer o presente writ por se cuidar de substitutivo de

recurso próprio.

Todavia, considerando que o presente writ foi impetrado antes da mudança

de entendimento acima mencionada, passo à análise do pedido deduzido na

impetração ante a possibilidade de existência de fl agrante constrangimento que

justifi que a concessão de habeas corpus de ofício.

O Juiz de primeiro grau, ao impor a medida socioeducativa de internação,

disse (fl s. 109-111):

Assim, feitas tais considerações, observo que o representado, embora não

responda a outros atos infracionais, estreou trilhando conduta extremamente

grave e danosa para a sociedade, posto que foi apreendido, juntamente com o

outro representado, portando, para fi ns de tráfi co, uma quantidade considerável

da substância entorpecente descrita na perícia de fls. 46-52, não vinha

frequentando escola regularmente, bem como é viciado na substância conhecida

como maconha mais de 01 ano, fatos estes que o colocam, indiscutivelmente, em

risco pessoal e social e que abala a ordem pública, sem a devida observância de

seus familiares.

Resta, tão somente, analisar qual a medida educativa que melhor se adequa ao

caso concreto.

O Órgão Ministerial pediu a aplicação da MSE de Internação para a

Representado.

Por seu turno, a Defesa não apresentou qualquer elemento novo que viesse a

se contrapor à robusta prova carreada pelo Ministério Publico.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

828

Registro, inicialmente, que a internação é medida de caráter extremo que

somente deverá ser imposta quando configuradas as hipóteses previstas no

artigo 122, da Lei n. 8.069/1990, ou seja: se tratar de ato infracional cometido

mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de

outras infrações graves ou, ainda, por descumprimento reiterado e injustifi cável

de medida anteriormente aplicada.

Não há como olvidar, por oportuno, o fato de que o tráfi co de drogas é uma

conduta das mais preocupantes e reprováveis, e o seu crescimento vertiginoso é

assustador para a sociedade, porque é certo que o tráfi co de entorpecente é hoje

responsável pela dependência e morte prematura da fl or de nossa juventude e de

indivíduos maiores, de tal sorte que o nosso legislador já o elegeu a categoria de

hediondo.

Ao meu pensar, analogicamente, o tráfico de drogas é um câncer do tipo

devastador, que vai se enraizando rapidamente por todo o tecido social,

esfacelando familiares, corrompendo profi ssionais em todos os extratos da vida

pública, além de um dos principais fomentadores da violência da qual somos

todos vítimas.

Ressalto, também, que o ato infracional em tela, pela escalada vertiginosa

no número de ocorrências desta natureza praticadas por adolescentes, deixa

a sociedade preocupada e estarrecida, dado o potencial lesivo desses tipos

de substâncias sobre nossos jovens, suas ramifi cações com quadrilhas de alta

periculosidade, degenerando todo o tecido social pela facilidade com que os seus

degenerando todo o tecido social pela facilidade com que os seus integrantes

saem a corromper autoridades em todas as esferas de poder do Estado, o que

levou nosso legislador a elevá-la á categoria de crime hediondo.

O lamentável e assustador é observar cotidianamente os adolescentes cada

mais envolvidos e enredados pelo no tráfico de drogas sem que os pais ou

responsáveis se apercebam ou fi scalizem as atividades dos seus fi lhos e seus

ingressos no caminho ora trilhado pelo representado destes autos.

Penso que a desagregação familiar é um dos fatores preponderantes para se

compreender a conduta infracional de que se cuida. Há de forma generalizada

não só nas camadas socialmente menos abastardas um total descompromisso

com os valores fundamentais da família e suas benéfi cas conseqüências para o

progresso social.

Diante do acima exposto, está este juízo plenamente autorizado a aplicar a

Medida Sócio-Educativa de internação ao Representado Cleiton Pablo da Silva

Santos.

A Corte Estadual, por sua vez, manteve a sentença de primeiro grau sob a

seguinte fundamentação, litteris (fl s. 72-74):

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 829

Ora, pelo que se depreende dos excertos da supracitada sentença, tenho que

a irresignação do impetrante não merece prosperar, pois, em que pese o caráter

de excepcional idade da internação, essa parece ser a medida mais adequada ao

presente caso.

De fato, o art. 122, do ECA dispõe que a medida socioeducativa de internação

só pode ser aplicada quando se tratar de ato infracional cometido mediante

grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras

infrações graves ou por descumprimento reiterado e injustifi cável da medida

anteriormente imposta.

Todavia, entendo que as hipóteses previstas no art. 122, do ECA devem ser

interpretadas com certa fl exibilidade tendo em vista a fi nalidade e a natureza das

medidas socioeducativas. Nesse sentido vejamos o entendimento deste Tribunal

de Justiça:

[...]

Como se sabe, em se tratando de menor inimputável, não há propriamente a

pretensão punitiva estatal, mas sim a função educativa.

É exatamente com base nesse caráter pedagógico que as medidas

socioeducativas devem ser aplicadas, visando primordialmente à formação e à

reeducação do adolescente infrator.

No caso em apreço, a imposição da medida socioeducativa aplicada mostra-se

necessária para benefi ciar o próprio paciente, um jovem de 17 anos, apreendido,

na companhia de um adulto, com 317 “dolares” de maconha.

Ademais, a medida de internação, afastará a possibilidade de agravamento

da situação pessoal do paciente, retirando-o do meio inadequado em que vive,

possibilitando sua ressocialização, bem como a dos seus familiares.

Desse modo, visando primordialmente à proteção e à reeducação, tenho que

a internação é a medida mais adequada para recuperação do adolescente, sendo

inócua qualquer outra medida socioeducativa.

Como visto, a medida socioeducativa de internação foi aplicada em razão

das peculiaridades do caso concreto, tendo sido destacada a razoável quantidade

de droga apreendida - 317 porções de maconha -, que denota maior envolvimento

no meio criminoso, destacando, ainda, que ele não vinha frequentando a escola

e que era viciado em maconha a mais de 1 ano, circunstâncias que evidenciam a

exposição do menor a grave situação de risco e justifi cam a imposição da medida

excepcional.

Não se desconhece o posicionamento manifestado no Enunciado n. 492

da Súmula desta Corte Superior que prescreve que “o ato infracional análogo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

830

ao tráfi co de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de

medida socioeducativa de internação do adolescente”, todavia tenho que não

é essa a hipótese dos autos, uma vez que diante das peculiaridades do caso,

fi cou demonstrada a gravidade concreta do delito praticado e o risco a que

o adolescente está submetido. Nesse contexto, tem-se que nenhuma outra

medida socioeducativa mostra sufi ciente para recuperar o menor e afastá-lo do

envolvimento com o meio criminoso.

Sobre a possibilidade da aplicação da medida de internação diante da

gravidade concreta do ato infracional temos os seguintes precedentes:

Habeas corpus. ECA. Atos infracionais equiparados aos crimes de

homicídio qualificado e homicídio qualificado tentado. 1. Ausência do juízo

de retratação. Nulidade. Não ocorrência. Mera irregularidade. 2. Imposição da

medida socioeducativa de internação. Fundamentação idônea. Situação de

vulnerabilidade. Ordem denegada.

1. A ausência do juízo de retratação, previsto no art. 198, inciso VII, do E.C.A.,

consiste em mera irregularidade, incapaz de afetar a essência do processo,

que tem em vista a breve solução dos interesses de menores. Ademais, se no

momento processual de exercer o juízo de retratação o magistrado remete

os autos à instância superior, é de se considerar, por evidente, que manteve a

decisão impugnada.

2. Nos termos do inciso I do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

é possível a aplicação da medida socioeducativa de internação na hipótese de ato

cometido com grave ameaça ou violência a pessoa. Portanto, in casu, não há

qualquer ilegalidade na aplicação da medida mais gravosa ao ora paciente.

3. Por outro lado, mostra-se devidamente fundamentada a aplicação da

medida socioeducativa de internação, tendo o magistrado, a par da gravidade do

ato infracional, relatado as condições pessoais e sociais do paciente, ressaltando a

ausência de apoio dos genitores, o abandono dos estudos, o seu efetivo envolvimento

com o tráfi co de entorpecentes, a sua predisposição para andar envolto em más

companhias e a tendência que daí resulta no cometimento de ilícitos, motivo pelo

qual não se vislumbra o alegado constrangimento ilegal.

4. Habeas corpus denegado. (HC n. 181.294-MG, Rel. Min. Marco Aurélio

Bellizze, DJe 22.11.2011).

Ato infracional. Alegação de constrangimento ilegal. Pleito por medida

socioeducativa mais branda. Presença dos requisitos necessários para justifi car a

aplicação da providência imposta. Precedentes.

1. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que a imposição

da medida socioeducativa constitui instrumento útil para o fortalecimento dos

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 831

vínculos familiares e comunitários, servindo como balizamento, para a sua fi xação,

a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

2. A decisão fundamentada e com base em elementos concretos, impondo medida

socioeducativa proporcional até posterior reavaliação, constitui motivação idônea,

em conformidade com o art. 113, da Lei n. 8.069/1990, não merecendo reparos.

3. Ordem denegada. (HC n. 173.875-SP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu –

Desembargador convocado do TJRJ, DJe 14.10.2011).

Criminal. Habeas corpus. Ato infracional análogo ao delito de roubo duplamente

qualifi cado. Ausência de apreensão e perícia da arma de fogo. Desnecessidade.

Utilização do artefato demonstrada no conjunto fático-comprobatório. Internação

por prazo indeterminado. Emprego de violência contra pessoa. Gravidade

concreta do ato infracional. Personalidade do adolescente. Ausência de respaldo

familiar. Fundamentação sufi ciente. Constrangimento ilegal não confi gurado.

Ordem denegada.

I. Não obstante a ausência de apreensão e de perícia na arma de fogo, as

instâncias ordinárias observaram a existência de um conjunto probatório que

lhes permitiram formar convicção no sentido do efetivo emprego do artefato,

considerando os depoimentos prestados durante a fase instrutória e em juízo.

II. O Estatuto da Criança e do Adolescente permite a aplicação da medida

socioeducativa da internação por prazo indeterminado quando se tratar de

ato infracional praticado com grave ameaça ou violência contra pessoa, porém

ressalva que em nenhuma hipótese será ela aplicada se houver outra medida

adequada do ato infracional.

III. Magistrado de 1º grau, que ao impor a medida excepcional ao adolescente,

sopesou a gravidade concreta do ato infracional, as características desfavoráveis do

meio familiar e a sua personalidade, não se vislumbrando o constrangimento ilegal

indigitado pelo impetrante.

IV. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. (HC n. 195.852-SP, Rel.

Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 28.4.2011).

Dessa forma, diante das peculiaridades do caso concreto, deve ser mantida

a medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado imposta pelo

Juiz de primeiro grau e mantida no acórdão atacado, inexistindo, a meu ver,

fl agrante constrangimento ilegal que autorize a concessão da habeas corpus de

ofício.

Ante do exposto, não conheço do writ.

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

832

HABEAS CORPUS N. 240.715-RS (2012/0085956-9)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Impetrante: Maria de Fátima Záchia Paludo - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Paciente: Alexandre Demartini

EMENTA

Habeas corpus. Execução penal. Regime aberto. Pleito de prisão

domiciliar. Não cabimento. Art. 117 da Lei de Execuções Penais.

Precedentes. Ordem denegada.

1. A teor do entendimento desta Corte, admite-se a concessão

da prisão domiciliar ao apenado submetido ao regime aberto que

se enquadre nas situações do art. 117 da Lei de Execução Penal ou,

excepcionalmente, quando o sentenciado se encontrar cumprindo

pena em estabelecimento destinado ao regime mais gravoso, por

inexistência de vaga, situações essas não verifi cadas no caso dos autos.

2. Os argumentos de superlotação e de precárias condições da

casa de albergado não permitem, por si sós, a concessão do benefício

pleiteado, mormente quando tais situações não foram reconhecidas

pelo Tribunal de origem.

3. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no julgamento, por unanimidade,

denegar a ordem. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze,

Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard

(Desembargadora convocada do TJ-SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Sustentou oralmente na sessão de 12.3.2013: Dr. Rafael Raphaelli (p/

pacte).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 833

Brasília (DF), 23 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 2.5.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar,

impetrado em favor de Alexandre Demartini, em face de acórdão proferido pelo

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos do

Agravo em Execução Penal n. 70048125512.

Consta dos autos que o MM. Juiz de Direito da Vara de Execuções

Criminais da Comarca de Porto Alegre-RS deferiu ao Paciente a progressão

para o regime aberto e, tendo em vista a superlotação carcerária e a precariedade

da casa de albergado local, concedeu-lhe prisão domiciliar.

Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs o Agravo em

Execução Penal n. 70048125512, sustentando que o apenado, condenado a 15

(quinze) anos de reclusão, pelo crime de homicídio qualifi cado, não faz jus à

prisão domiciliar, uma vez que o rol constante do art. 117 da LEP é taxativo,

não admitindo interpretação elástica. Aduziu não haver previsão legal para

o deferimento do benefício da prisão domiciliar em casos de superlotação

carcerária. Na espécie, o apenado ainda possui mais de 10 anos de pena a

cumprir, sendo que cometeu crime considerado hediondo.

Na Corte a quo, a Desembargadora Relatora, por meio de decisão

monocrática, deu provimento ao recurso ministerial nos seguintes termos:

Agravo em execução. Crimes dolosos e culposos contra pessoa. Homicídio

duplamente qualificado. Prática de tortura. Regime aberto. Inexistência de

local compatível. Prisão domiciliar. Incompatibilidade do crime praticado com a

benesse deferida.

Existência de óbice para o cumprimento da pena nas condições da prisão

domiciliar, pois não obstante as hipóteses do art. 117 da LEP não serem taxativas,

devem ser interpretadas de acordo com a realidade do Sistema Carcerário

do Estado. Devem ser levados em consideração os princípios norteadores

da execução da pena, bem como ponderada a possibilidade, adequação e

proporcionalidade frente ao apenamento do crime praticado pelo reeducando e

o deferimento da benesse.

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834

Decisão reformada. Indeferimento da prisão domiciliar.

Agravo em execução provido. (fl . 119)

Contra essa decisão, foi impetrado o presente writ, sustentando-se sua

ilegalidade, ao cassar o benefício da prisão domiciliar ao Paciente, ante a falta de

vaga em unidade prisional própria ao cumprimento de pena no regime prisional

aberto. Requer a Defesa, inclusive liminarmente, o restabelecimento da decisão

exarada pelo Juízo das Execuções.

Indeferida a liminar, foram solicitadas as informações do Tribunal a quo,

prestadas às fl s. 142-154.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fl s. 167-170, opinando pela

concessão da ordem, consoante parece assim ementado:

Penal. Execução penal. Cumprimento da pena em regime aberto. Inefi ciência

do Estado em assegurar instituições em condições de abrigar os presos em regime

aberto. Licitude do cumprimento da pena em regime domiciliar. Precedentes.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A decisão monocrática que deu

provimento ao recurso ministerial foi fundamentada nos seguintes termos:

[...] A insurgência do Ministério Público é contra o deferimento da prisão

domiciliar ao apenado Alexandre Demartini, por não haver estabelecimento

prisional compatível com o cumprimento da pena em regime aberto.

Não obstante admitir a possibilidade de prisão domiciliar, quando inexistente

casa prisional compatível com o cumprimento do regime aberto ou semiaberto,

tenho-a, contudo, concedido em situações em que o delito praticado pelo

reeducando não se mostra de gravidade extremada, como no caso dos autos –

homicídio qualifi cado.

Sem desconsiderar o fato de a progressão do regime carcerário ser um direito

do apenado, não desconsidero, igualmente, que a determinados crimes, a

concessão do regime domiciliar se mostra incompatível, diante da gravidade do

delito cometido e a pena aplicada.

Desta forma, no caso, há óbice para o cumprimento da pena nas condições

da prisão domiciliar, pois não obstante as hipóteses do art. 117 da LEP não

serem taxativas, devem ser interpretadas de acordo com a realidade do Sistema

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 835

Carcerário do Estado, levando em consideração os princípios norteadores

da execução da pena, bem como ponderada a possibilidade, adequação e

proporcionalidade frente ao apenamento do crime praticado pelo reeducando e

o deferimento da benesse.

Neste sentido, precedente deste Tribunal: [...]

Assim, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil, aplicável

subsidiariamente conforme o disposto no art. 3º do Código de Processo Penal

e art. 169, XI, do Regimento Interno do TJRS, dou provimento ao Agravo em

Execução, e indefiro o benefício da prisão domiciliar ao apenado Alexandre

Demartini. (fl s. 119-123).

A teor do entendimento desta Corte, admite-se a concessão da prisão

domiciliar ao apenado submetido ao regime aberto que se enquadre nas

situações do art. 117 da Lei de Execução Penal ou, excepcionalmente, quando

o sentenciado se encontrar cumprindo pena em estabelecimento destinado ao

regime mais gravoso, por inexistência de vaga, situações essas não verifi cadas no

caso dos autos.

Confi ra-se, por oportuno, o teor do mencionado dispositivo:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do benefi ciário de regime aberto

em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

II - condenado acometido de doença grave;

III - condenada com fi lho menor ou defi ciente físico ou mental;

IV - condenada gestante.

Na hipótese dos autos, não se verificam as referidas situações. Os

argumentos aduzidos na impetração de superlotação e de precárias condições da

casa de albergado não permitem, por si sós, a concessão do benefício pleiteado,

conforme tem reiteradamente decidido esta Corte.

Nesse sentido:

[...] Execução penal. Prisão domiciliar. Negativa. Ausência de ilegalidade

manifesta. Decisão monocrática confi rmada. Recurso improvido.

1. Na esteira da jurisprudência consolidada no âmbito do STJ, inexistindo

vaga em estabelecimento compatível com o regime aberto, é legítima a prisão

domiciliar do constrito, que não pode cumprir a pena em local mais severo que o

determinado na decisão executória.

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2. Contudo, na hipótese dos autos, o condenado já se encontrava cumprindo

pena em estabelecimento compatível com o modo aberto, sendo certo que “a

precariedade do sistema prisional não autoriza, por si só, a concessão da prisão

domiciliar” (HC n. 215.378-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

14.2.2012, DJe 28.2.2012).

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 258.638-RS, Rel. Ministro Jorge

Mussi, Quinta Turma, julgado em 19.2.2013, DJe de 1º.3.2013.)

Habeas corpus. Execução penal. Regime semiaberto. Pleito de prisão domiciliar.

Descabimento na hipótese. Art. 117 da Lei de Execuções Penais. Precedentes.

1. A teor do entendimento desta Corte, admite-se a concessão da prisão

domiciliar ao apenado submetido ao regime aberto que se enquadre nas

situações do art. 117 da Lei de Execução Penal ou, excepcionalmente, quando

o sentenciado se encontrar cumprindo pena em estabelecimento destinado ao

regime mais gravoso, por inexistência de vaga, situações essas não verifi cadas no

caso dos autos.

2. Os argumentos aduzidos na impetração, de superlotação e de precárias

condições da casa de albergado, não permitem, por si sós, a concessão do

benefício pleiteado.

3. Ordem denegada. (HC n. 153.498-RS, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe

de 26.4.2010.)

Habeas corpus. Agravo em execução. Prisão domiciliar. Indeferimento. Paciente

em regime aberto. Casa do albergado destinada a presos em regime aberto e

semi-aberto. Estabelecimento penal compatível. Precariedade das instalações.

Ausência de prova. Writ denegado e pedido de reconsideração da decisão

indeferitória da liminar prejudicado.

1. Se o apenado em regime aberto encontra-se recolhido em estabelecimento

penal compatível - albergue estadual destinado tão-somente aos presos em

regime aberto e semi-aberto - a assertiva isolada de precariedade das instalações

da casa prisional é insufi ciente para a concessão da prisão domiciliar, que exige

o reconhecimento de uma das hipóteses do art. 117 da LEP (condenado maior

de 70 anos ou acometido de doença grave; condenada com filho menor ou

defi ciente físico ou mental ou gestante).

2. Fora das hipóteses do art. 117 da LEP, somente se admite a prisão domiciliar

se inexistir estabelecimento adequado, obrigando o apenado a permanecer em

regime mais gravoso, fato que não ocorre na hipótese dos autos.

3. A via exígua do Habeas Corpus não permite dilação probatória, sendo

inviável a concessão da ordem sob o fundamento de que o albergue não possui

instalações adequadas. O que há, de concreto, são as informações prestadas

pelo Tribunal a quo, que noticiou a existência de inexpressivo número de presos

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 837

acima da capacidade da casa prisional (aproximadamente 15), bem como que

foram tomadas providências concretas para a melhoria das condições físicas do

estabelecimento.

4. Denega-se a ordem, em consonância com o parecer do MPF, julgando-se

prejudicado o pedido de reconsideração da decisão que denegou a liminar. (HC

n. 89.116-RS, 5ª Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 3.12.2007.)

Ante o exposto, denego a ordem.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Conforme relatado pela eminente Ministra

Laurita Vaz, trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de

Alexandre Demartini, contra decisão monocrática proferida por Desembargador

componente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que

deu provimento ao Agravo em Execução n. 70048125512, interposto pelo

Parquet, cassando o benefício de prisão domiciliar concedido ao paciente pelo

magistrado de primeiro grau.

Noticiam os autos que o apenado foi condenado ao cumprimento de 15

(quinze) anos de reclusão pela prática do crime de homicídio qualifi cado, com

término da pena previsto para 6.5.2022, resgatando a reprimenda, atualmente,

no regime aberto (fl s. 166).

Sustentou o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal, sob o

argumento de que a prisão domiciliar, excepcionalmente, poderia ser concedida

aos condenados que cumprem suas reprimendas no regime aberto, quando não

houver vaga em estabelecimento prisional adequado, situação que ocorreria na

espécie.

Salientou que o Estado tem o dever de proporcionar aos apenados todos

os meios e recursos sufi cientes e necessários ao cumprimento da sanção imposta,

razão pela qual entende que o paciente não pode ser compelido a cumprir a

pena em local mais severo que o determinado na decisão executória.

Requereu, liminarmente e no mérito, o restabelecimento da decisão de

primeiro grau que deferiu a prisão domiciliar.

Documentação juntada.

Liminar indeferida (fl . 131).

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838

Informações prestadas.

A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela concessão do

writ (fl s. 167 a 170).

No seu voto, a eminente Relatora denegou a ordem de habeas corpus,

fundamentando a sua decisão no fato de que a precariedade do sistema prisional

não autoriza, por si só, a concessão da prisão domiciliar.

Para melhor análise da questão, pedi vista dos autos.

Compulsando a documentação que acompanha a impetração, fi lio-me à

conclusão da eminente Relatora.

O magistrado de primeiro grau, após conceder ao paciente a progressão

ao regime aberto, deferiu o benefício da prisão domiciliar com fundamento

na superlotação e precariedade da casa de albergado, consoante se infere do

seguinte excerto:

Segundo a LEP, a Casa do Albergado deve consistir em prédio localizado em

centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela

ausência de obstáculos físicos contra a fuga, e conter, além dos aposentos para

acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras.

[...]

Todavia, à margem da lei, os estabelecimentos prisionais destinados

ao cumprimento da pena em regime aberto, sob jurisdição deste juízo

da VEC de Porto Alegre, há muito apresentam superlotação, prejudicando o

desenvolvimento do interno. Além disso, em razão da falta de vagas no regime

semiaberto, a administração prisional passou a colocar os presos daqueles regime

nos estabelecimentos destinados aos do regime aberto, gerando mistura de

presos, o que culmina por gerar descontrole interno, com trânsito de drogas,

celulares e armas entre os detentos, além de condições insalubres e anti-

higiênicas para o convívio.

[...]

Ante o exposto, defiro a Alexandre Demartini a progressão de regime ao

aberto, que terá as condições da prisão domiciliar, quais sejam:

a) Poderá o apenado pernoitar em sua residência, recolhendo-se ao lar a partir

das 19h até às 6h do dia seguinte;

b) Poderá ausentar-se de sua residência apenas para desenvolver atividade

laborativa, estudo, tratamento médico seu e de seus filhos, devendo nela

permanecer nos horários e dias de folga;

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 839

c) Não poderá mudar de residência sem prévia comunicação a este Juízo,

devendo obter autorização na hipótese de transferência para outra Comarca;

d) Deverá se apresentar trimestralmente ao Juízo da Execução durante o

período do benefício, informando suas atividades laborativas, estudantis ou

tratamento médico;

e) Por fi m, o apenado deverá se apresentar, em 48h, à Vepma, para indicar seu

endereço e comprometer-se com as condições. (fl s. 75 a 83).

Inconformado, o Ministério Público interpôs Agravo em Execução, o qual

restou provido, monocraticamente, pelos fundamentos a seguir transcritos:

A insurgência do Ministério Público é contra o deferimento da prisão domiciliar

ao apenado Alexandre Demartini, por não haver estabelecimento prisional

compatível com o cumprimento da pena em regime aberto.

Não obstante admitir a possibilidade de prisão domiciliar, quando inexistente

casa prisional compatível com o cumprimento do regime aberto ou semiaberto,

tenho-a, contudo, concedido em situações em que o delito praticado pelo

reeducando não se mostra de gravidade extremada, como no caso dos autos –

homicídio qualifi cado.

Sem desconsiderar o fato de a progressão do regime carcerário ser um direito

do apenado, não desconsidero, igualmente, que a determinados crimes, a

concessão do regime domiciliar se mostra incompatível, diante da gravidade do

delito cometido e a pena aplicada.

Desta forma, no caso, há óbice para o cumprimento da pena nas condições

da prisão domiciliar, pois não obstante as hipóteses do art. 117 da LEP não

serem taxativas, devem ser interpretadas de acordo com a realidade do Sistema

Carcerário do Estado, levando em consideração os princípios norteadores

da execução da pena, bem como ponderada a possibilidade, adequação e

proporcionalidade frente ao apenamento do crime praticado pelo reeducando e

o deferimento da benesse.

[...]

Assim, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil, aplicável

subsidiariamente conforme o disposto no art. 3º do Código de Processo Penal

e art. 169, XI, do Regimento Interno do TJRS, dou provimento ao Agravo em

Execução, e indefiro o benefício da prisão domiciliar ao apenado Alexandre

Demartini.

É certo que, na esteira da jurisprudência consolidada no âmbito do STJ,

inexistindo vaga em estabelecimento compatível com o regime aberto, é legítima

a prisão domiciliar do constrito, que não pode cumprir a pena em local mais

severo que o determinado na decisão executória.

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840

Contudo, observa-se que o fundamento utilizado pelo Juízo singular - e

que aqui se busca restabelecer -, é relativo à superlotação e precariedade da

casa de albergado, orientação que está em descompasso com o entendimento

desta Quinta Turma, no sentido de que o estado precário do estabelecimento

prisional, bem como o excesso de lotação, não seriam sufi cientes, por si sós, para

justifi car a concessão da referida benesse.

Nesse vértice:

Habeas corpus. Execução penal. Progressão para o regime prisional aberto.

Alegação de inexistência de estabelecimento adequado na comarca. Pleito de

prisão domiciliar. Casa de albergado em cidade da mesma região metropolitana.

Constrangimento ilegal inexistente. Habeas corpus denegado.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, na falta de

vagas em estabelecimento compatível ao regime fi xado na condenação, confi gura

constrangimento ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais

gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão

domiciliar, diante da inexistência de Casa de Albergado no local de cumprimento da

pena.

2. Na hipótese dos autos, contudo, ao contrário do alegado na inicial, o fato

de o apenado morar em Belford Roxo não impede o apenado cumprir o restante

de sua pena em casa de albergado localizada na cidade do Rio de Janeiro, pois as

Comarcas integram a mesma região metropolitana.

3. Habeas Corpus denegado.

(HC n. 261.207-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 5.3.2013,

DJe 12.3.2013).

Habeas corpus. Execução penal. Regime aberto. Fuga do sistema prisional.

Suspensão do mandado de prisão pelo juízo das execuções penais. Precariedade

do sistema prisional. Decisum cassado pela Corte de Justiça. Pleito de concessão

de prisão domiciliar. Descabimento na hipótese. Ordem denegada.

1. Esta Corte Superior, em situações excepcionais, tem abrandado o rigor

legislativa para admitir a temporária inclusão de condenado em prisão albergue

domiciliar, quando constatada a ausência de vaga no estabelecimento penal

adequado ao regime aberto.

2. A precariedade do sistema prisional não autoriza, por si só, a concessão da

prisão domiciliar. Ademais, a Apenada cumpria pena no regime aberto e evadiu-se

do estabelecimento prisional, o que demonstra a sua inaptidão para o gozo do

benefício pleiteado.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 841

3. Ordem denegada. (HC n. 215.378-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma,

julgado em 14.2.2012, DJe 28.2.2012).

Criminal. Habeas corpus. Homicídio. Progressão ao regime semiaberto.

Concessão de prisão domiciliar. Requisitos do art. 117 da LEP não preenchidos.

Cumprimento da pena em regime mais gravoso não evidenciado. Superlotação

carcerária e condições precárias. Argumentação inidônea. Ordem denegada.

I. Esta Corte firmou jurisprudência no sentido de que, na falta de vagas

em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação, configura

constrangimento ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime

mais gravoso.

II. Hipótese na qual a concessão da prisão domiciliar restou fundamentada

na superlotação carcerária e nas condições precárias dos estabelecimentos

prisionais, tanto que o acusado já vinha cumprindo pena no regime intermediário

desde 2007, tendo, inclusive, sido benefi ciado com saídas temporárias e trabalho

externo, denotando situação diversa da exceção firmada por este Superior

Tribunal de Justiça.

III. Evidenciado que o paciente não preenche os requisitos contidos no art. 117

da Lei de Execução Penal e não restando confi gurada a situação excepcionada

por esta Corte, de submissão do réu a regime mais gravoso que o disposto

na sentença condenatória, não se mostra adequada a concessão da prisão

domiciliar, sob o argumento de superlotação carcerária e de condições precárias dos

estabelecimentos prisionais. Precedentes deste STJ.

IV. Ordem denegada. (HC n. 187.918-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma,

julgado em 6.10.2011, DJe 17.10.2011).

Com estas considerações, acompanho o voto da Ministra Relatora para

denegar a ordem de habeas corpus.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 248.762-ES (2012/0147957-5)

Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)

Impetrante: Tatiana Mascarenhas Karninke e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

Paciente: Eduardo Gomes de Matos (preso)

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EMENTA

Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário.

Descabimento. Recente orientação do Supremo Tribunal Federal.

Anterior arquivamento de termo circunstanciado. Novas provas

surgidas com a deflagração de uma operação policial. Ausência

de justa causa para a ação penal. Inocorrência. Prisão preventiva.

Requisitos autorizadores presentes. Temor às testemunhas. Reiteração

criminosa. Constrangimento ilegal não confi gurado. Habeas corpus não

conhecido.

1. Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102,

inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos

da Lei n. 8.038/1990, a mais recente jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus

em substituição a recursos ordinários (apelação, agravo em execução,

recurso especial), tampouco como sucedâneo de revisão criminal.

2. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova

jurisprudência da Colenda Corte, passou também a restringir as

hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio

constitucional seja utilizado em substituição do recurso cabível.

3. A jurisprudência desta Corte tem orientação fi rme no sentido

de admitir a retomada da persecução penal quando surgirem provas

substancialmente inovadoras, aptas a ensejar o início da ação penal.

Precedentes.

4. As Turmas componentes da Terceira Seção do Superior Tribunal

de Justiça já cristalizaram o entendimento de inexistir constrangimento

ilegal quando a prisão, suficientemente fundamentada, retratar a

necessidade da medida, na forma do art. 312 do Código de Processo

Penal.

5. No caso concreto, a prisão do paciente encontra-se fundamentada

na reiteração delitiva e no temor causado às testemunhas, de sorte que

encontra amparo nos requisitos da garantia da ordem pública e na

conveniência da instrução criminal.

6. Habeas corpus não conhecido, por ser substitutivo do recurso

cabível.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 843

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em não conhecer do pedido.

Os Srs. Ministros Marilza Maynard (Desembargadora convocada do

TJ-SE), Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Sustentaram oralmente: Dra. Tatiana Mascarenhas Karninke (p/pacte) e

Ministério Público Federal.

Brasília (DF), 13 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR),

Relator

DJe 20.11.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR):

Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor

de Eduardo Gomes de Matos, acusado da prática dos crimes previstos no art.

158, § 1º, c.c. os arts. 29 e 71, todos do Código Penal, art. 4º, alíneas a e b, §

2º, incisos II, III e IV, alíneas a e b, da Lei n. 1.521/1951 e art. 16 da Lei n.

7.492/1986, em concurso material (art. 69 do CP), sustentando que o paciente

sofre constrangimento ilegal, decorrente de decisão da 2ª Câmara Criminal

do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que manteve a prisão

preventiva decretada contra ele pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de

Iúna-ES.

Os impetrantes alegam a ausência de justa causa, para instauração da ação

penal, uma vez que, promovido o arquivamento do “termo circunstanciado”,

como ocorreu na espécie, por atipicidade da conduta, não poderia, absolutamente,

ter havido a reabertura do inquérito e, na sequência, o oferecimento da denúncia.

Sustentam, ainda, que o despacho de segregação provisória está

desfundamentado, uma vez que não apresenta fato concreto a ampará-lo, de

modo que estão ausentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de

Processo Penal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

844

Pugnam pela concessão da ordem para que o paciente possa aguardar em

liberdade o julgamento deste writ.

A liminar foi indeferida pela Presidência desta Corte (fl s. 483-487).

Informações recebidas (fl s. 495-498).

O Ministério Público Federal, em parecer lavrado pelo em. Subprocurador-

Geral da República Dr. Pedro Henrique Távora Niess, opinou pela denegação

da ordem (fl s. 502-510).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR) (Relator): De início, é importante destacar que o habeas corpus, conforme

reiterada jurisprudência desta Corte, presta-se a sanar coação ou ameaça ao

direito de locomoção, sendo restrito às hipóteses de ilegalidade evidente,

incontroversa, relativa a matéria de direito, cuja constatação independa de

qualquer análise probatória.

Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102, inciso II, alínea

a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos da Lei n. 8.038/1990,

a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a não

mais admitir o manejo do habeas corpus em substituição a recursos ordinários

(apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco como sucedâneo de

revisão criminal.

Essa orientação foi aplicada pela Primeira Turma da Corte Suprema, no

julgamento do HC n. 109.956-PR, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, e

do HC n. 114.550-AC, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Destaco, ainda, o

HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber:

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 845

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado.

O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da

Colenda Corte, passou também a restringir as hipóteses de cabimento do

habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em

substituição do recurso cabível.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:

Habeas corpus. Extorsão mediante sequestro. Condenação. Apelação julgada.

Writ substitutivo de recurso especial. Inviabilidade. Dosimetria da pena. Incidência

de agravante. Teses não alegadas na apelação. Supressão de instância. Não

conhecimento. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus,

a bem de se prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do

writ são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado

em substituição ao recurso cabível, vale dizer, o especial. 2. Para o enfrentamento

de teses jurídicas na via restrita, imprescindível que haja ilegalidade manifesta,

relativa a matéria de direito, cuja constatação seja evidente e independa de

qualquer análise probatória, sendo de rigor a observância do devido processo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

846

legal, 3. Hipótese em que as teses arguidas sequer foram objeto da apelação,

razão pela qual não foras enfrentadas pelo Tribunal de origem, o que impede seu

exame por esta Corte, sob pena de supressão de instância. 4. Habeas corpus não

conhecido. (HC n. 131.970, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Julgamento

realizado em 28.8.2012, DJe 5.9.2012).

No entanto, considerando que este remédio constitucional foi impetrado

antes da alteração do entendimento jurisprudencial, a fi m de evitar prejuízos à

ampla defesa e ao devido processo legal, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se examine a possibilidade de eventual concessão de habeas

corpus de ofício.

Os autos revelam, de fato, que o paciente, preso preventivamente, responde

a ação penal como incurso nas disposições legais indicadas no relatório.

O pedido inicial, em síntese, expõe a tese da ausência de justa causa para a

ação penal e da falta dos requisitos da prisão preventiva.

Todavia, não assiste razão aos impetrantes, pelos fundamentos a seguir.

Narram os autos que Gessi Lúcio, pequeno agricultor do Município de

Iúna-Es, contraiu um empréstimo de dinheiro com o Sr. Eduardo Gomes de

Matos, ora paciente, empresário do ramo do café, para ser quitada com idêntico

produto, mas acabou não efetuando o pagamento, nem de principal e nem dos

juros.

Revelam, ainda, os autos que o referido agricultor, em 20.2.2010, foi a

Delegacia de Polícia local e narrou que procurou o Sr. Eduardo, para quitar a

dívida, porém não houve acordo e foi ameaçado de morte, caso não pagasse

integralmente a dívida. Na ocasião, foi lavrado um termo circunstanciado

(TC n. 38/2010, fl s. 155-166), que posteriormente foi arquivado, a pedido do

Ministério Público local, que sustentou que o fato era atípico, já que não existia

ameaça condicional no ordenamento jurídico (fl . 166).

Posteriormente a este arquivamento, verifi ca-se que o ora paciente foi

denunciado, juntamente com os irmãos Sérgio e Márcio Costa Florindo, pelos

crimes de extorsão, em continuidade delitiva, e contra a economia popular e

contra o sistema fi nanceiro, com base num inquérito policial (IP n. 1/2012 -

fl s. 55-235), originado da defl agração de uma complexa operação chamada de

“Magog”, que, segundo noticiam os autos, geraram outros inquéritos.

A instância ordinária, no julgamento do habeas corpus lá impetrado (HC n.

0001597-88.2012.8.08.0000), não acolheu a alegação de ausência de justa causa

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 847

para a ação penal, louvando-se nas seguintes informações prestadas pelo Juízo

de 1º grau:

“[...] A principio, portanto, a conduta narrada era atípica, pois o TC [termo

circunstanciado] omitia que a divida cobrada seria indevida por já ter sido pago

o capital e estarem sendo cobrados juros exorbitantes, durante longo lapso

temporal.

Sendo assim, os fatos narrados no TC, ainda que de forma incompleta e

ainda que não pudessem ser novamente objeto de persecução criminal, fatos

estes ocorridos em 20 de fevereiro de 2010, são apenas a ‘gota d’água’, ‘a ponta

do iceberg’ de uma série de fatos que constituem, em tese, crimes isolados e

prolongados no tempo em verdadeira continuidade delitiva (artigo 71 do CP).

Portanto, é falsa a idéia de que a denúncia apenas reproduz os fatos narrados

no TC, mas ao contrário, relata uma série de fatos capitulados como crimes

de extorsão (pois a cobrança de juros inconstitucionais se perfaz mês a mês e

ultrapassa o valor devido, com pagamento obtido através de grave ameaça). A

obtenção de vantagem indevida seria obtida mediante coação à prática de atos

de pagamento e a omissões de pagar a quantia que a vitima entendia devida.

Ao contrário do alegado no Habeas Corpus impetrado, a denúncia não foi

embasada apenas no TC anterior, mas em um Inquérito (n. 1/2012), instruído

a partir de uma enorme e complexa Operação Policial denominada ‘Magog’,

com apreensões de documentos e escutas telefônicas, além de uma série de

depoimentos testemunhais e de inúmeras vitimas de fatos semelhantes em seu

contexto, variando apenas em pequenos detalhes (fl s. 285).

O Ministério Público Estadual, sobre o tema, assim se manifestou:

Não obstante as considerações articuladas na impetração, os fundamentos

para as novas investigações e consequente Ação Penal, em que pese envolverem

fatos correlatos aos submetidos a arquivamento preteritamente determinado pelo

Parquet, não possuem a mesma base probatória e tampouco se restrigem a uma

conduta criminosa isolada.

Conforme os documentos referentes ao mencionado Termo Circunstanciado

(fl s. 133-146), o registro, então efetivado por uma das supostas vítimas, dava

conta de um alegado desacordo quanto ao pagamento de uma dívida existente

entre aquela e o Paciente, havendo menção tão somente a uma suposta ameaça

e não à origem da dívida, a cobrança de juros abusivos e à série de interpelações

feitas pelo Paciente, por interpostas pessoas, rectius, por seus capangas.

[...]

Diante da vasta documentação arrecada pelas buscas concedidas pela

autoridade judicial (fl s. 174-207), face ao depoimento de diversas pessoas dando

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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conta do envolvimento do Paciente nos ilícitos, como descrito pela Denúncia (fl s.

271-284), revela-se inócua e pueril a pretensão de trancamento da ação penal, eis

que seu lastro probatório é amplo e substancialmente diverso do conteúdo do

multicitado Termo Circunstanciado. (fl s. 451-452).

Observa-se, então, que arquivado o referido termo circunstanciado, que

imputava ao paciente, como já disse, o crime de ameaça, instaurou-se, na

continuação, um inquérito policial, decorrente, não desta notícia crime, mas de

uma complexa operação policial, denominada de “Magog”, em que se promoveu

diversos atos investigativos, como interceptações telefônicas, buscas e apreensões,

inclusive de armas e munições, e colheita de depoimentos, culminando por

indiciá-lo pelos crimes antes indicados.

Assim, considerando também os documentos que instruem os autos

(fl s. 55-235), não vislumbro a ocorrência de qualquer ilegalidade na presente

persecução penal, onde se apura a ocorrência do crime de extorsão, além de

outros, porque ela foi defl agrada a partir da colheita de provas substancialmente

novas e mais amplas do que do fato primitivamente apontado, que permitiram

uma contundente modificação no cenário probatório, dentro do qual fora

acolhido o pedido de arquivamento, sendo que na atual, a vítima Gesse Lúcio,

aquele do termo circunstanciado arquivado em 2010, é apenas uma das vítimas

nos crimes supostamente atribuídos ao paciente.

Ressalto, por oportuno, que a jurisprudência desta Corte tem orientação

fi rme, no sentido de admitir a retomada da persecução penal, quando surgirem

provas substancialmente inovadoras, aptas a ensejar o início da ação penal.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

Recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio culposo na direção de veículo

automotor. Inépcia da denúncia. Despacho de recebimento da exordial acusatória

imotivado. Supressão de instância. Desarquivamento do feito. Surgimento

de novas provas. Súmula n. 524 do STF. Possibilidade. Trancamento da ação

penal. Justa causa. Ausência de provas. Negativa de autoria. Necessidade de

dilação probatória. Via inadequada. Inexistência de coação ilegal a ser sanada na

oportunidade.

[...]

2. Nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal, “depois de ordenado

o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base

para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se

de outras provas tiver notícia”, isto é, o artigo prevê que o desarquivamento

do procedimento inquisitivo pode ser realizado se surgirem novas provas

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 849

posteriormente, porquanto a decisão de arquivamento cuja fundamentação

contemple a hipótese de insufi ciência de base para a denúncia não gera coisa

julgada material.

3. Na hipótese vertente, após o pedido do desarquivamento do procedimento

feito pelos pais da vítima, foram ouvidas duas novas testemunhas, cujos

depoimentos foram relevantes à formação de opinius delicti diversa do Órgão

Ministerial, que na qualidade de titular da ação penal entendeu por denunciar o

recorrente. Dessa forma, verifi ca-se que as novas provas surgidas são capazes de

autorizar o desarquivamento do inquérito com o consequente início da persecutio

criminis, já que substancialmente inovadoras.

4. O exame da inexistência de prova da materialidade e da negativa de autoria

demanda aprofundada discussão probatória, enquanto que para o trancamento

da ação penal é necessário que exsurja, à primeira vista, sem exigência de dilação

do contexto de provas, a ausência de justa causa para a sua defl agração e/ou

continuidade.

5. Em sede de habeas corpus somente deve ser obstado o feito se restar

comprovada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da

punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do

delito, e ainda, a atipicidade da conduta.

6. Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, improvido (RHC n.

25.278-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Julgamento realizado em 9.3.2010, DJe de

24.5.2010).

Recurso ordinário em habeas corpus. Lesão corporal culposa na direção

de veículo automotor. Termo circunstanciado. Arquivamento dos autos por

atipicidade do fato. Superveniência de prova nova substancialmente inovadora.

Possibilidade de desarquivamento pelo surgimento de novos fatos. Parecer do

MPF pelo provimento do recurso. Recurso desprovido, no entanto.

1. O trancamento de Inquérito Policial, de Ação Penal ou de Termo

Circunstanciado (Lei n. 9.099/1995) por meio de Habeas Corpus é medida

excepcional, somente admissível quando transparece dos autos, de forma

inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da

punibilidade.

2. Admite-se o desarquivamento de Inquérito Policial quando surgirem provas

substancialmente inovadoras aptas a ensejar o início da Ação Penal.

3. Parecer do MPF pelo provimento do recurso.

4. Recurso desprovido (RHC n. 25.205-RJ, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

Julgamento realizado em 29.4.2009, DJe de 3.8.2009).

Habeas corpus. Prefeito. Decreto-Lei n. 201/1967. Desarquivamento de

inquérito. Provas novas. Inocorrência. Nulidade do feito. Ordem concedida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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1. Segundo o Enunciado n. 524 da Súmula de jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a

requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem

novas provas.”

2. “Novas provas capazes de autorizar início da ação penal, segundo a Súmula

n. 524, serão somente aquelas que produzem alteração no panorama probatório

dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito.

A nova prova há de ser substancialmente inovadora, e não formalmente nova” (RT

540/393), nela não se incluindo, por certo, a simples mudança de entendimento

jurisprudencial.

3. Ordem concedida para anular a ação penal. (HC n. 24.028-PR, Rel. Ministro

Hamilton Carvalhido, DJe de 16.2.2004).

De outra parte, no que tange à presença de fundamentos que autorizou

a prisão cautelar, consignou o acórdão que a prisão preventiva em destaque

se encontra fundamentada na garantia da ordem pública e na conveniência

da instrução criminal, haja vista a reiteração na prática criminosa e no temor

causado às testemunhas, como se verifi ca do acórdão às fl s. 468-469.

Ademais, do decreto de prisão preventiva do paciente (fls. 238-240),

datado de 10.5.2012, taxado pela impetrante de ilegal, assim fundamentou o

Juízo a quo, no que interessa, a necessidade da custódia cautelar:

Portanto, nas peças que instruem a inicial há elementos de convicção

sufi cientes para demonstrar a aparência do bom direito e o perigo na demora

sufi cientes à cautela mais rigorosa de prisão preventiva dos três acusados, tanto

do suposto mandante quanto dos supostos executores das conduta delituosa

mais grave e intimidadora, cuja pena ultrapassa, em tese, quatro anos.

Tem-se ainda a necessidade de garantia da ordem pública, eis que consta nos

autos que as condutas vem se arrastando há longos anos por parte de Eduardo e

nunca tiveram uma ação contundente que as coibissem, dando-se a aparência de

impotência por parte das vítimas, mais fracas fi nanceiramente e culturalmente.

Isso sem se falar na garantia da instrução processual, eis que, principalmente

os irmãos Florindo, apresentam histórico de absolvição no júri julgada pelo TJ-

ES como contrária à prova dos autos, após uma primeira condenação superior a

vinte anos, tendo ainda um pedido de desaforamento junto ao TJ-ES oferecido

tanto pelo MP como pela defesa, o que demonstra o potencial intimidador,

mormente considerando-se os atos concretos noticiados nos autos de IP.

Finalmente, consta que ambos os irmãos Paulo Márcio e Sérgio encontram-se

foragidos, o que torna a prisão necessária para garantia da aplicação da lei penal.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 851

Decreto, pois, as prisões preventivas de Eduardo Gomes de Matos, Sérgio

da Costa Florindo e Márcio da Costa Florindo, para garantia da ordem pública,

instrução processual e aplicação da lei penal (fl s. 239-240, grifo nosso).

A transcrição supracitada revela que o decreto prisional lastreou-se em

comportamentos concretos, perpetrados pelo paciente e seus colaboradores,

notadamente porque os crimes se alastraram no tempo e causaram temor às

testemunhas. Assim, diversamente do alegado pelos impetrantes, os argumento

apresentados pelo magistrado singular atendem os requisitos exigidos na lei.

No mais, o já mencionado parecer do Ministério Público local, trouxe

outros elementos sólidos, que justifi cam a necessidade da segregação cautelar do

paciente, senão vejamos:

As apurações revelaram a existência, em tese, de um grupo numeroso de pessoas

envolvidas com a agiotagem, atuante na região de Iúna e adjacências por longo

período, cujo modus atuanti consistia, como rotineiramente se constata em casos

tais, na cobrança de juros abusivos, ameaças voltadas não só ao recebimento dos

valores ilicitamente cobrados, mas também no intuito de silenciar as vítimas quanto

às manobras arbitrárias dos infratores.

O receio das testemunhas face aos integrantes do suposto grupo é facilmente

percebível nos depoimentos tomados durante a investigação, os quais certamente

não representam a totalidade das pessoas extorquidas, eis que as centenas de recibos

e notas promissórias, estas somente assinadas pelos tomadores de empréstimo junto

ao grupo, permitem concluir que muitas outras pessoas foram vítimas dos ataques (fl .

452, grifo nosso).

Deve-se prestigar, então, a decisão do Juízo de 1º grau e levar

em consideração os argumentos apresentados pelo Parquet local, também

considerados pelo Tribunal de origem (fl . 468), porque estão próximos do local

dos fatos e descrevem detidamente a necessidade da custódia preventiva do

paciente, com especial realce ao temor das testemunhas e vítimas, a quantidade

destas e a continuidade delitiva.

Assim, está sufi cientemente fundamentada e justifi cada, a meu sentir, com

elementos concretos, na garantia da ordem pública, a necessidade da custódia

preventiva em análise, de modo que não vislumbro, também, no ponto, a

existência de constrangimento ilegal. Confi ra-se a jurisprudência desta Corte

em hipóteses semelhantes:

Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.

Prisão preventiva. Manutenção em sede de pronúncia. Notícias de ameaças a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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testemunhas. Modus operandi. Periculosidade. Garantia da ordem pública, da

instrução criminal e aplicação da lei penal. Decreto fundamentado. Custódia

necessária. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Constrangimento ilegal

ausente.

1. Estando a mantença da prisão cautelar fundada na necessidade concreta de

assegurar-se a ordem pública, em razão da periculosidade do paciente, revelada

pelas circunstâncias e motivos pelos quais ocorreram os delitos, reveladores da

periculosidade do agente, resta plenamente justifi cado o acórdão que conservou

a constrição antecipada.

2. Havendo notícias de que o réu causa temor às testemunhas do processo,

necessária a mantença da prisão também para a conveniência da instrução

criminal que, na hipótese dos processos afetos ao Tribunal do Júri, ocorre em duas

etapas - judicium acusationis (já vencido) e judicium causae (a ocorrer).

3. Condições pessoais, mesmo que realmente favoráveis, em princípio não têm

o condão de, por si sós, garantirem a revogação da preventiva, se há nos autos

elementos sufi cientes a demonstrar a necessidade da sua continuação.

[...]

Ordem denegada” (HC n. 153.684-PE, Rel. Ministro Jorge Mussi, Julgamento

realizado em 5.5.2011, DJe de 11.5.2011).

Habeas corpus. Processual Penal. “Operação Piraíba”. Crimes de formação

de quadrilha, furto e concussão. Clonagem de cartões. Policiais civis. Prisão

preventiva decretada pelo Tribunal a quo satisfatoriamente fundamentada na

garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Magnitude da

lesão que exige pronta atuação do poder judiciário. Precedentes do STJ.

[...]

2. Restou evidenciada no decisum impugnado, a necessidade da segregação

dos Pacientes como garantia da instrução criminal, em virtude do temor das

testemunhas que prestaram depoimentos no inquérito policial.

3. Ao contrário do afi rmado pelos Impetrantes, não se trata de argumentação

abstrata e sem vinculação com os elementos dos autos, vez que se demonstrou

no decreto prisional os pressupostos e motivos autorizadores da medida,

elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, com a devida indicação dos

fatos concretos justifi cadores de sua imposição, nos termos do art. 93, inciso IX, da

Constituição Federal.

[...]

5. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

6. Ordem denegada. (HC n. 79.802-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Julgamento

realizado em 28.6.2007, DJ 13.8.2007).

[...]

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 853

1 - Revela-se devidamente justificada a custódia provisória fundada na

necessidade de garantia da ordem pública e por conveniência da instrução

criminal, em razão da periculosidade concreta do paciente e de sua grande

infl uência política e econômica, bem como pelo real temor que provoca nas

testemunhas e nos co-réus, estes, inclusive, inseridos no programa estatal de

proteção.

2 - Habeas corpus denegado. (HC n. 66.235-GO, Rel. Ministro Paulo Gallotti, DJ

18.6.2007).

Habeas corpus. Homicídio. Agente inicialmente detido sem a existência de

mandado de prisão. Fato que não interfere na custódia cautelar. Pressupostos da

cautela. Gravidade concreta. Periculosidade do acusado. Temor às testemunhas.

Conforme bem asseverou a Corte de origem, os excessos cometidos

anteriormente à custódia cautelar, atinentes à condução e detenção do Paciente,

deverão ser averiguados em sindicância iniciada perante os órgãos censores

das autoridades envolvidas na persecução, restando para análise dos autos os

requisitos cautelares da medida extrema.

A prisão preventiva se mostra adequadamente decretada quando o Juiz

demonstrar o temor das testemunhas em relação do acusado, pessoa de índole

perigosa. Ordem denegada (HC n. 101.581-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis

Moura, Julgamento realizado em 17.2.2009, DJe de 2.3.2009).

Assim sendo, tomando por orientação o entendimento reiterado deste

Colegiado, o ato ora impugnado, ao reconhecer a necessidade da manutenção

da prisão preventiva, bem como a existência de justa causa para a ação penal

centrada em investigação policial, não pode receber a pecha de ilegal.

Diante do exposto, tendo em conta o descabimento do habeas corpus

como substitutivo de recurso ordinário, nos termos do argumento inicialmente

apresentado, e considerando a inocorrência de constrangimento ilegal, não

conheço do presente habeas corpus.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 261.353-GO (2012/0263432-2)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: Pedro Paulo Guerra de Medeiros e outros

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

854

Advogado: Pedro Paulo Guerra de Medeiros e outro(s)

Advogada: Daniela Maroccolo Arcuri

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

Paciente: Adair Henriques da Silva

EMENTA

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de

entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.

Exame excepcional que visa privilegiar a ampla defesa e o devido

processo legal. 2. Crime de responsabilidade de prefeito. Denúncia

oferecida com base em elementos coletados em inquérito civil. Possibilidade.

Manifesta justa causa para a instauração do procedimento administrativo.

Ausência de constrangimento ilegal evidente. 3. Pena-base fi xada acima

do mínimo legal. Fundamentação inidônea. Elementos inerentes ao tipo

penal. 4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a

racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema

recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de ser

imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às

hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Nessa mesma linha de evolução hermenêutica, o Supremo

Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha

por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie.

Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas

na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal

evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,

evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. A Constituição atribui ao Ministério Público a função

institucional de promover o inquérito civil público. Assim, o

mencionado órgão possui atribuição constitucional expressa para

instaurar procedimento administrativo à proteção do patrimônio

público. Dessa forma, o poder de investigar compõe o complexo de

funções institucionais do Ministério Público, sendo a autorização para

tanto proveniente da natureza dos bens jurídicos cuja proteção a Carta

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 855

Política expressamente confi ou ao Parquet. Em conclusão, se o fato

diz respeito a interesse difuso ou coletivo, o Ministério Público pode

instaurar procedimento administrativo, com fulcro no art. 129, III, da

Constituição Federal. Precedentes.

3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça caracteriza manifesto constrangimento ilegal, justifi cando a

concessão de habeas corpus de ofício, o aumento da pena-base com

fundamento em elementos inerentes ao tipo penal, bem como no fato

de ser o réu imputável. Precedentes.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício

para reduzir a pena do crime descrito no art. 1º, II, do Decreto-Lei n.

201/1967, a 2 (dois) anos, 1 (um) mês, e 15 (quinze) dias de reclusão.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz e

Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 9 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 16.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado

em favor de Adair Henriques da Silva, apontando-se como autoridade coatora o

Tribunal de Justiça de Goiás.

Depreende-se dos autos que o paciente - Prefeito do Município de Bom

Jesus - foi denunciado pela suposta prática da conduta descrita no art. 1º, I e II,

do Decreto-Lei n. 201/1967, c.c. o art. 69 do Código Penal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

856

Conforme delineado pelo Promotor de Justiça, no início do mês de

fevereiro de 2003, o paciente, prevalecendo-se do cargo público, apropriou-se

de lote de terras do “Loteamento Manoel Vicente Rosa”, pertencente ao Estado

de Goiás, mediante anexação dele ao terreno de sua propriedade, bem como

organizou e patrocinou a invasão de outros 19 (dezenove) lotes, na mesma área,

em proveito de pessoas de suas relações políticas, de amizade e de familiares,

mediante a utilização de bens e serviços públicos da Prefeitura de Bom Jesus,

para abertura de ruas e demarcação dos lotes ocupados.

O Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Bom Jesus julgou

procedente a denúncia para condenar o paciente, pela prática dos crimes

previstos no art. 1º, I e II, do Decreto-Lei n. 201/1967, em concurso material,

à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime

semiaberto, além da perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco)

anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem

prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público.

O Tribunal de Justiça de Goiás, por sua vez, em tema de apelação, à

unanimidade de votos, julgou parcialmente procedente o recurso para absolver

o réu da conduta prevista no inciso I do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967,

mantida, todavia, a condenação em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão pelo

inciso II do referido dispositivo legal, modifi cando-se o regime de cumprimento

de pena para o aberto, bem como substituindo-se a pena privativa de liberdade

por medidas restritivas de direitos.

Recebeu o acórdão a seguinte ementa:

Apelação criminal. Preliminar de nulidade da sentença. Rejeição. Art. 1º, inciso

I, do DL n. 201/1967. Ausência e elementar. Absoluta impropriedade do objeto.

Atipicidade. Absolvição. Art. 1º, inciso II, do DL n. 201/1967. Autoria e materialidade

comprovadas. Condenação mantida. Não padece de nulidade estrutural por falta

de fundamentação, sentença que discorre sobre os motivos da condenação,

invocando a prova testemunhal produzida. Por constatado que a conduta do

réu, sobre não se conter no âmbito das funções executivas de governo local,

elementar exigida para a confi guração do delito capitulado no art. 1º, inciso I,

do DL n. 201/1967, seria inidônea para lograr a transferência da propriedade

do bem público para o patrimônio privado do agente, por ser insuscetível de

usucapião, sua absolvição, relativamente àquele delito, é providência que se

impõe. Imerece prosperar o pleito absolutório, quando comprovada, de forma

satisfatória, pelos elementos probatórios produzidos sob o crivo do contraditório,

a indevida utilização, pelo réu, no exercício de funções executivas de governo,

de bens e serviços públicos municipais, em seu proveito político e em proveito

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 857

econômico de terceiros, incidindo na violação da norma penal especial do inciso II

do art. 1º do DL n. 201/1967, em que denunciado e condenado. Apelo conhecido e

provido. Sentença parcialmente reformada.

Contra o referido decisum, foram opostos embargos de declaração, os quais

foram rejeitados (fl s. 811-816).

Ainda inconformado, interpôs o paciente recurso especial e a Quinta

Turma desta Corte deu parcial provimento à irresignação para afastar da

condenação a perda do cargo público, assim como a inabilitação para o exercício

de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo prazo de 5 (cinco)

anos.

A defesa do paciente impetrou, ainda, habeas corpus no Tribunal de

Justiça de Goiás. Na oportunidade, buscou a nulidade da ação penal, a partir

do requisitório ministerial, por inobservância da regra constitucional de

competência originária, bem como a redução da pena-base ao mínimo legal.

A Segunda Câmara Criminal, à unanimidade de votos, conheceu

parcialmente do mandamus e, nessa extensão, denegou a ordem.

Confi ra-se a ementa do julgado (fl s. 864-878):

Habeas corpus. Sentença condenatória. Nulidade. Ex prefeito municipal. Foro

por prerrogativa de função. Prova colhida em inquérito civil. Pena redução.

Matéria apreciada em apelação criminal e recurso especial. Não conhecimento.

I - Não se reconhece nulidade da ação penal proposta contra ex-prefeito

municipal por inobservância da regra da competência originária do Tribunal do

Justiça do Estado, não distinguido com o foro privativo, além de legítimas as

provas decorrentes da atividade investigativa do representante do Ministério

Público, acolhida constitucionalmente, como uma das funções institucionais,

conferindo-lhe instrumento para a implementação das suas atribuições (art. 129,

inciso VII, da Constituição da República).

II - A ação penal de habeas corpus não se presta a reavaliar pena fi xada em

resposta penal desfavorável, objeto de consideração em recurso apelatório,

julgado pela Corte, Recurso Especial, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,

ainda não transitada em julgado, não sendo da competência do colegiado

estadual rediscutir a matéria, faltando-lhe limite de jurisdição para o desate.

Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

No presente mandamus, sustenta o impetrante que tanto a denúncia como a

decisão que recebeu a inicial e determinou a instauração da ação penal basearam-

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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se “em Inquérito Civil Público levado a efeito sob a condução única e exclusiva

do Ministério Público do Estado de Goiás, o que se mostra inconstitucional, pois

deveria o mesmo ter sido elaborado por aquele [...] ou mesmo pela Polícia Civil,

sob prévia autorização e posterior subordinação ao eminente Desembargador

Relator designado perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,

uma vez que o paciente exerceu mandato como Prefeito do Município de Bom

Jesus, de 1997 até 2004, sendo novamente eleito para o mandato de 2009 a 2012,

e reeleito para o mandato de 2013 a 2016” (fl . 8).

Pondera que, “ainda que o foro por prerrogativa de função não se aplique

a ações cíveis, e por consequência ao Inquérito Civil Público, na seara criminal

é cogente sua observância, sob pena de - afrontando a regra do Juiz Natural

e da vedação ao Juízo de Exceção, maculando o Devido Processo Legal - se

produzirem e utilizarem provas ilícitas” (fl . 8).

Diante dessas considerações, entende a defesa que, ao se aceitar

a instauração de ação penal contra Prefeito Municipal, tendo como lastro

probatório para o recebimento da denúncia investigação que não fora conduzida

pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, estar-se-ia subvertendo a previsão

constitucional.

No particular, assere que “somente se colhem elementos para investigar e

acusar pessoas portadoras de prerrogativa de função com prévia autorização da

autoridade competente, in casu, algum membro do Egrégio Tribunal de Justiça

do Estado de Goiás, que possui competência originária para tal fi m” (fl . 9).

Sublinha, outrossim, que “a pena-base foi fi xada muito acima do mínimo

legal com inequívoca ofensa aos critérios legais do art. 59 do Código Penal,

que regem a dosimetria da resposta penal. É que a douta sentença de primeiro

grau em primeira instância considerou que as circunstâncias e consequências do

delito confi gurariam circunstâncias judiciais desfavoráveis, fundamentando o

aumento em fatos inerentes ao tipo penal, bem como em ilações, conjecturas e

suposições” (fl . 11).

No ponto, salienta que a sentença vinculou “as circunstâncias do delito

à condição então vigente de Prefeito Municipal”, desconsiderando “que o

delito é próprio, de modo que sem a condição de agente político, impossível

a condenação por qualquer dos artigos do Decreto-Lei n. 201/1967, sem esta

condição inocorrente o delito pelo qual foi o paciente denunciado” (fl . 14).

Diante dessas considerações, pede, em tema liminar, sejam suspensos os

efeitos da sentença condenatória até o julgamento defi nitivo deste habeas corpus.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 859

No mérito, busca seja declarado nulo o processo, considerando-

se imprestáveis os elementos de prova coletados a fim de embasa-lo ou,

subsidiariamente, reduzida a pena privativa de liberdade imposta ao paciente.

O pedido liminar foi deferido “para suspender os efeitos da condenação

proferida em desfavor do paciente nos autos da Ação Penal n. 20063743360,

Autos n. 1.702/06, até o julgamento defi nitivo deste habeas corpus” (fl s. 905-908).

Dispensadas as informações, foram os autos encaminhados ao Ministério

Público Federal, que opinou pela concessão parcial da ordem” (fl s. 925-929).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): O remédio constitucional

do habeas corpus nasceu historicamente como uma necessidade de contenção do

poder e do arbítrio do Estado. A Carta Magna de 1988 manteve a garantia

constitucional, prevista, sabemos todos, desde a Constituição Republicana,

destacando no inciso LXVIII do art. 5º que “conceder-se-á habeas corpus sempre

que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O Código de

Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe no art. 647, que “dar-se-á habeas

corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou

coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”.

Enquanto não encontre eu, nos dispositivos mencionados acima,

argumentos para elastecer o cabimento do remédio constitucional a questões

que não envolvem diretamente o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

talvez como refl exo da redemocratização do país depois de mais de vinte anos

de ditadura militar, na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos

poucos, o cabimento do habeas corpus a fi m de salvaguardar direitos que apenas

indiretamente poderiam refl etir na liberdade de locomoção.

No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito

fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem

por Juno Passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na

Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas

corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta

e imediata ao direito de ir, fi car e vir, inviabilizando, consequentemente, a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

860

proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefi nida do processo

compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, “na

medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos

estatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª

Edição. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 100.)

Em razão disso, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior

Tribunal de Justiça, a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento

do remédio constitucional, destacando-se que o habeas corpus é antídoto de

prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente,

incontroverso, indisfarçável e que, portanto, se mostra de plano comprovável

e perceptível ao julgador. Logo, não se destina à correção de equívocos ou

situações as quais, ainda que eventualmente existentes, demandam, para sua

identifi cação e correção, o exame de matéria de fato ou da prova que sustentou o

ato ou a decisão impugnada.

Mais que isso, observou a jurisprudência desta Corte ser o habeas corpus

remédio constitucional voltado ao combate de constrangimento ilegal específi co,

de ato ou decisão que afete, potencial ou efetivamente, direito líquido e certo do

cidadão, com refl exo direto em sua liberdade. Assim, não se presta à correção

de decisão sujeita a recurso próprio, previsto no sistema processual penal, não

sendo, pois, substituto de recursos ordinários, especial ou extraordinário (AgRg

no HC n. 239.957-TO, Relatora a Ministra Maria Th ereza de Assis Moura,

DJe de 11.6.2011 e HC n. 201.483-SP, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJe de

27.10.2011).

O Supremo Tribunal Federal, atento a essa evolução hermenêutica, passou

a proferir decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por

objetivo substituir o recurso ordinário constitucional. A mudança jurisprudencial

consolidou-se a partir dos seguintes julgamentos: Habeas Corpus n. 109.956-PR,

Relator o Ministro Marco Aurélio; Habeas Corpus n. 104.045-RJ Relatora a

Ministra Rosa Weber; Habeas Corpus n. 114.550-AC, Relator o Ministro Luiz

Fux e Habeas Corpus n. 114.924-RJ, Relator o Ministro Dias Toff oli.

Entendo que boa razão têm os Ministros do Supremo Tribunal Federal

quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas

na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias recursais

ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de dedução

de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem sido

esquecidas, sobrecarregando os Tribunais, desvirtuando a racionalidade do

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 861

ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a

mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo

a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal

de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal

brasileira.

No entanto, apesar de não se ter utilizado, na espécie, do recurso previsto

na legislação ordinária para a impugnação da decisão, em homenagem à garantia

constitucional constante do art. 5º, inciso LXVIII, passo à análise das questões

suscitadas na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal

evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-

se, desse modo, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

Como vimos do relatório, insurge a impetração, como primeira tese, contra

o fato de que teria o Ministério Público investigado, em inquérito civil público,

Prefeito Municipal - detentor de foro por prerrogativa de função -, bem como

utilizado os elementos amealhados durante esse procedimento para oferecer

denúncia contra o paciente, residindo aí a alegada ilicitude. Argumenta-se que,

tratando-se aqui de paciente detentor de foro por prerrogativa de função, não se

poderia, então, investigar sem a autorização do Tribunal de Justiça do Estado.

De fato, no processo, são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos.

Acontece que a Segunda Câmara Criminal, ao analisar o habeas corpus ali

manejado, enfatizou o seguinte:

Relativamente à nulidade da ação penal por inobservância da regra

constitucional da competência originária e ilegalidade das provas colhidas pelo

representante ministerial, o paciente exerceu mandato de Prefeito do Município

de Bom Jesus de Goiás de 1º.1.1997 a 31.12.2000 e 1º.1.2001 a 31.12.2004, reeleito

para o de 1º.1.2009 a 31.12.2012, sendo denunciado em 10.4.2006, quando não

ocupava o cargo público, não lhe reservando o foro por prerrogativa de função

perante a Corte, o mesmo ocorrendo quando da sentença condenatória, datada

31.8.2007, ausente malferimento à regra do limite de jurisdição.

[...]

Demais disso, a sustentação de que a investigação deveria ter sido conduzida

pela Corte, não envolvendo hipótese de competência originária, legítima a utilização

dos elementos probatórios extraídos de inquérito civil público para instruir a ação

penal, já que o representante ministerial pode atuar na colheita das informações

para a opinio delicti, no exercício da função institucional, e, também, no poder

do controle externo da atividade policial, outorgado pelo art. 129, inciso VII, da

Constituição Federal, conforme entendimento assentado pelo Supremo Tribunal

Federal, no julgamento do HC n. 94.173-BA.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

862

Vejam que a denúncia foi oferecida com alicerce em inquérito civil público

instaurado pelo Ministério Público de Goiás com o objetivo de apurar ocupação

irregular de áreas públicas de propriedade do Estado, que estariam sendo

alienadas sem a obediência dos procedimentos legais (fl s. 55-58).

No âmbito do procedimento administrativo foram “tomadas as

providências legais cabíveis, dentre elas a propositura de Notifi cação Judicial

em desfavor dos invasores, bem como a Notifi cação do Estado de Goiás para

intentar a cabível ação de reintegração de posse” (fl . 308).

Aos 28 de junho de 2005, o Ministério Público Estadual decidiu

pela propositura de ação civil pública, pela prática de atos de improbidade

administrativa, em desfavor do paciente, nos termos dos arts. 9º, IV, XI e XII,

10, I, e 11, caput, da Lei n. 8.429/1992 (fl . 297-316).

Concluído o procedimento administrativo, o órgão de acusação encarregado

de sua condução entendeu que os fatos apurados, apesar de ensejarem a

propositura de ação civil pública, enquadravam-se, também, nos tipos descritos

no art. 1º, I e II, do Decreto-Lei n. 201/1967 (fl . 336).

Atentemos para o seguinte aspecto: quando do oferecimento da denúncia

- 10 de abril de 2006 - o paciente não ocupava o cargo de Prefeito do Município,

pois exerceu o mandato de 1997 até 2004, sendo novamente eleito para o

período de 2009 a 2012, e reeleito para o exercício de 2013 a 2016. Em razão

disso, o Promotor de Justiça ofereceu denúncia ao Juiz de Direito da Vara Única

da Comarca de Bom Jesus.

Aos 31 de agosto de 2007, o paciente foi condenado à pena de 5 (cinco) anos

de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, além da perda

do cargo e inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo

ou função pública, eletivo ou de nomeação (fl s. 646-666).

Ante essas datas, estou convencido de que se apresenta legal o processo que,

ao fi nal, culminou na condenação de Adair Henriques da Silva, ora paciente.

Nesse aspecto, o meu entendimento é o de que quando o processo se inicia

e se desenvolve perante juiz incompetente e, em grau recursal, é reconhecida

a incompetência, a ação penal deve ser anulada ab initio, com a repetição

de todos os atos. Situação completamente diversa ocorre quando surge uma

causa modificadora da competência - na espécie, o início do mandato de

Prefeito Municipal. Nesses casos, os atos praticados são válidos e podem ser

aproveitados. No momento em que os atos foram praticados o juiz era o

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 863

competente, e a posterior ocorrência de causa modifi cadora, sabemos todos, não

possui efeito retroativo.

Essa mesma percepção foi registrada por Ada Pellegrini Grinover:

(...) Quando, porém, o processo já contém sentença de primeiro grau, o Tribunal

limita-se a julgar a apelação, não anulando os atos anteriormente praticados (HC

n. 67.891, 2” Turma do STF, j. 13.3.1990, DJU 18.5.1990): consideramos essa posição

a correta, porquanto os atos, mesmo decisórios, foram realizados pelo juiz natural,

constitucionalmente competente à época do processo. (As Nulidades no Processo

Penal, 6ª edição, Revista dos Tribunais, p. 54).

A validade dos atos antecedentes à alteração da situação de fato, por força

da eleição do paciente, há de ser aferida segundo o estado de coisas anterior

ao advento da modifi cação. Noutras palavras: os atos processuais praticados

considerando-se a situação fática existente à época não podem ser modifi cados

pela posterior posse em cargo político. Ora, tendo em vista que a denúncia foi

oferecida perante o Juízo Natural e a sentença prolatada pelo órgão competente

à época, a posterior eleição do acusado, a meu ver, não tem o condão de tornar

inválidos os atos praticados segundo as regras processuais.

Isso já me bastaria para rejeitar a primeira tese da defesa, não fosse outro

ponto, talvez mais relevante, a saber, o fato de não ter o denunciante instaurado

ou dirigido inquérito policial. Todas as peças de investigação foram autuadas

para averiguar possível dano ao patrimônio público, no âmbito das atribuições

constitucionais do Parquet - art. 129, III, da Constituição Federal.

Observem que, ao concluir as investigações no âmbito cível, o representante

do Ministério Público, percebendo a possibilidade de as condutas apuradas

também confi gurarem crimes, decidiu pela propositura, em desfavor do paciente,

de ação penal perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Bom Jesus.

Lembremo-nos, no pormenor, que a Constituição atribui ao Ministério

Público a função institucional de promover o inquérito civil público. É dizer,

o mencionado órgão possui atribuição constitucional expressa para instaurar

procedimento administrativo à proteção do patrimônio público. Dessa forma, o

poder de investigar compõe o complexo de funções institucionais do Ministério

Público, sendo a autorização para tanto proveniente da natureza dos bens

jurídicos cuja proteção a Carta Política expressamente confi ou ao Parquet. Em

conclusão, se o fato diz respeito a interesse difuso ou coletivo, o Ministério

Público pode instaurar procedimento administrativo, com fulcro no art. 129, III,

da Constituição Federal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

864

É preciso anotar, no particular, que inexiste diferença ontológica entre

ilícitos administrativo, civil e penal. A distinção entre eles é realizada pelo

legislador ordinário, ao conferir diferentes sanções para cada ato jurídico.

Assim, a investigação se legitima pelo fato investigado, e não pela avaliação

subjetiva acerca da responsabilidade do agente ou da natureza da ação a ser

eventualmente ajuizada.

Irrecusável que certas condutas administrativas produzem refl exos também

na seara penal. Porém, impedir a instauração da mencionada investigação com

fundamento no fato de que os atos ali noticiados podem ter, também, refl exos

no cenário criminal, conduziria “a uma teratologia ímpar: antes de levantar os

indícios, o Ministério Público deveria optar pela requisição de instauração de

inquérito policial, sujeitando a uma investigação de caráter criminal aquele que

pode ter praticado unicamente um ilícito civil, com risco de sujeitar pessoas a

um constrangimento ilegal. E, o que é pior, sob pena de, não assim procedendo,

ser impedido de utilizar no oferecimento da denúncia criminal os indícios

apurados no inquérito civil” (AP n. 531-MT, Relator o Ministro Francisco

Falcao, Corte especial, DJe de 14.5.2012.)

Isso posto, diante de elementos que possam acarretar tanto responsabilidade

penal quanto civil ou administrativa, parece-me válida a instauração de inquérito

civil público, bem assim, caso presentes indícios sufi cientes da prática de crimes,

com fundamento naqueles, de denúncia penal. Ao ensejo:

Penal e Processo Penal. Peculato, lavagem de dinheiro e quadrilha. Conselheiro

do Tribunal de Contas. Instauração de processo criminal com base em inquérito

civil. Possibilidade. Excesso prazal na investigação. Irregularidade que não

contamina a ação penal. Inquérito civil presidido por promotor de justiça.

Possibilidade. Denúncia que não descreve adequadamente o crime de quadrilha.

Rejeição. Quanto às demais condutas, a peça inaugural preenche os requisitos

do art. 41 do CPP. Afastamento do cargo. Possibilidade. Precedentes. Denúncia

parcialmente recebida.

I - Mostra-se cabível o oferecimento de denúncia criminal com escólio em inquérito

civil. Precedentes do STF e do STJ.

[...]

III - Compete ao Promotor de Justiça a instauração e presidência do inquérito civil,

não se podendo falar em nulidade da investigação em face do foro por prerrogativa

de função do denunciado. Uma vez presentes os indícios de prática delitiva, foram

os autos encaminhados para o Procurador-Geral de Justiça, que em âmbito

criminal adotou as medidas que entendeu pertinentes, restando respeitado o

foro por prerrogativa de função do agente. Precedentes do STJ.

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 865

[...]

IX - Denúncia parcialmente recebida, afastando-se a imputação pelo crime de

quadrilha, e também afastando-se preventivamente o denunciado das funções

que exerce, pelo prazo de um ano, prorrogável por igual período. (APn n. 531-MT,

Relator o Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, DJe de 14.5.2012.)

Nem se diga, entretanto, que a atuação do Parquet foi discricionária, em

manifesto desvio de fi nalidade, com o intuito exclusivo de obter maior liberdade

de ação e ludibriar a necessária supervisão judicial. Isso porque, na espécie,

à luz dos documentos que instruem a impetração, a investigação culminou,

efetivamente, com o ajuizamento de ação civil pública, o que demonstra, de

forma patente, a existência de justa causa para o manejo do procedimento

administrativo.

Ora, a investigação em momento algum desviou-se de seu objetivo

principal, qual seja, a proteção do patrimônio público. Em todo momento o que

se buscou averiguar foi a invasão dos lotes públicos pertencentes ao Estado de

Goiás. Em razão disso, não diviso indícios de desvio de fi nalidade por parte do

Ministério Público ao determinar a instauração do inquérito civil.

Busca o impetrante, subsidiariamente, rever a primeira fase da dosimetria

da pena - redução da pena-base ao mínimo legal - relativa à condenação do

paciente pelo crime descrito no art. 1º, II, do Decreto-Lei n. 201/1967.

Para melhor exame da questão, faz-se necessário transcrever o cálculo da

pena elaborado pelas instâncias ordinárias. Colhe-se da sentença (fl s. 646-666):

Quanto à dosimetria do crime de responsabilidade previsto no inciso II, do

Decreto-Lei n. 201/1967, passo a analisar:

Considerando a culpabilidade do acusado, que lhe é desfavorável, pois agiu

com plena consciência da ilicitude de sua conduta, sendo exigível que tivesse

agido de modo diverso, presentes, portanto, os requisitos integradores do

pressuposto da punibilidade.

Considerando seus antecedentes, que são favoráveis, visto que não consta em

seu desfavor qualquer tipo de condenação, conforme certidão de fl s. 252.

Considerando as circunstâncias em que ocorreu o crime, são desfavoráveis,

tendo em vista ter sido o crime praticado em razão de seu cargo político.

Considerando a conduta social, que são favoráveis, visto que não existem

nos autos elementos que comprometam sua personalidade e nenhum fato que

desabone sua conduta.

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Considerando os motivos, que são desfavoráveis, tendo em vista que teve o

intuito de se benefi ciar indevidamente de bens públicos, o que é comum neste

tipo de infração penal.

Considerando as consequências do crime, que são desfavoráveis, vez que

houve prejuízos ao erário, face a utilização indevida de bens da Prefeitura

Municipal em seu proveito próprio.

Considerando que a vítima, no caso o Estado de Goiás, em nada contribuiu

para o crime, fi xo-lhe a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão,

pena que torno defi nitiva, por não haver circunstâncias atenuantes, agravantes e

causas especiais de diminuição ou de aumento de pena.

Ao ensejo da leitura das referidas passagens, tem-se que a sentença

condenatória, confi rmada, no particular, pelo acórdão estadual, considerou,

dentre as oito circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal,

quatro delas desfavoráveis ao paciente, a saber: culpabilidade, circunstâncias,

motivos e consequências do crime. Diante disso, entendeu a instância de origem

que a pena-base deveria ser fi xada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão,

quando a mínima, nesse caso, nos termos do art. 1º, § 1º, do Decreto-Lei n.

201/1967, é de 2 (dois) e a máxima é de 12 (doze) anos de reclusão.

Tenho sustentado em meus votos que a aplicação da pena é o momento

em que o juiz realiza, em cada caso concreto, a força do Direito, impondo, após

o édito condenatório, a sanção jurídica ao condenado. Trata-se de poder com

limitada carga de discricionariedade conferida ao magistrado pela Constituição

Federal e pela Lei - Código Penal. Entretanto, embora discricionário, não é um

poder arbitrário, na medida em que ao magistrado cabe aplicar a pena justa à

espécie, com a necessária motivação e fundamentação, à luz do método trifásico.

É cediço que a culpabilidade, no Direito Penal brasileiro, possui a função

de limitar a responsabilização criminal, pois apenas será censurado o indivíduo

que praticar um injusto penal, possuindo a capacidade – ainda que genérica – de

querer e de entender e a possibilidade de, nas circunstâncias do momento, agir

de outra forma. Mais do que isso: a pena a ele aplicada fi cará limitada ao grau de

sua culpabilidade.

É dizer, em um primeiro momento, defronta-se o magistrado com a

verifi cação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para concluir se

houve ou não prática delitiva. Após, quando da dosimetria da pena, necessita,

mais uma vez, recorrer ao exame da culpabilidade, agora, como circunstância

judicial. Nessa oportunidade, a análise exige maior esforço do julgador, tendo

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 867

em vista não se tratar mais de um estudo de constatação e, sim, de um exame de

valoração.

Portanto, deve o juiz, durante o cálculo da pena-base, dimensionar a

culpabilidade pelo grau de intensidade da reprovação penal, expondo sempre os

fundamentos que lhe formaram o convencimento.

Isso não ocorreu.

Observem que a análise da mencionada circunstância judicial, na espécie,

não ultrapassou o conceito elementar, tomado stricto senso, porquanto o que se

abordou foi a capacidade do réu de ser imputável, e não as circunstâncias que, à

luz das condições pessoais, poderiam traduzir maior reprovabilidade social (HC

n. 117.424-MG, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 18.5.2009).

Vejam, outrossim, que os motivos apontados no édito condenatório -

intuito de se benefi ciar indevidamente de bens públicos -, na minha visão, são

comuns ao tipo e não podem, portanto, produzir juízo negativo. No ponto,

rememoro que, no exame dessa circunstância judicial, o magistrado deve avaliar

se a qualidade do agir do acusado merece maior ou menor reprovação, o que

não aconteceu no exame realizado pelo Juiz da Vara Única da Comarca de Bom

Jesus. No mesmo sentido: HC n. 234.861-SP, Relator o Ministro Jorge Mussi,

DJe de 9.10.2012.

As circunstâncias do delito, por sua vez, foram consideradas desfavoráveis

em razão do cargo político ocupado pelo paciente. Essa referência, contudo,

é própria do tipo e já serviu para a instituição da pena aplicável ao crime

de responsabilidade de Prefeito. Não poderia, portanto, justifi car o aumento

na primeira etapa da dosimetria, sendo manifesto o constrangimento ilegal

ocasionado ao paciente.

Relativamente às consequências, no entanto, parece-me sufi ciente o que

delineado pelo magistrado singular, pois a conduta do paciente causou enorme

prejuízo ao erário, tendo em vista que grande área de propriedade do Estado

de Goiás - cuja ocupação deveria ser norteada em consonância com o interesse

público -, de localização privilegiada e de acentuado valor de mercado, encontra-

se ocupada irregularmente pelo denunciado e por outras pessoas com ele

relacionadas politicamente, inexistindo, desse modo, manifesta ilegalidade apta a

ensejar a concessão de habeas corpus de ofício.

Nesse sentido:

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A - Habeas corpus. Direito Penal. Crime de responsabilidade dos prefeitos

e vereadores. Decreto-Lei n. 201/1967. Art. 1º, inciso I. Apropriação ou desvio

de bens ou rendas públicas, em proveito próprio ou alheio (peculato-desvio).

Condenação. Dosimetria da pena. Pena-base fixada acima do mínimo legal.

Ausência de fundamentação idônea apta a justifi car, na hipótese, as circunstâncias

desfavoráveis referentes à personalidade delitiva, à conduta social e aos motivos

do delito. Ilegalidade. Consequências do crime. Sentença que aponta elementos

concretos que extrapolam aqueles normais à espécie. Ordem parcialmente

concedida.

(...)

7. Por outro lado, mantém-se válida a fundamentação quanto às consequências

do delito. A sentença apontou elementos concretos circundantes da conduta

criminosa que notoriamente extrapolam aqueles normais à espécie, tendo em vista

o elevado prejuízo suportado pelas vítimas e pelo próprio município. Consigna

que “o município até a presente data, não se recuperou fi nanceiramente” e “vários

pequenos empreiteiros e comerciantes foram lesados e vieram a falir em razão do não

pagamento de seus serviços.”

8. Ordem parcialmente concedida para, mantida a condenação e a pena-base

acima do mínimo legal, reduzir a reprimenda imposta ao Paciente para 05 (cinco)

anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime semiaberto.

(HC n. 122.996-RS, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 27.10.2011)

B - (...)

Dosimetria. Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Culpabilidade em

sentido estrito. Inadmissibilidade. Motivos do crime negativados com base

em elementos inerentes ao tipo penal supostamente infringido. Redução da

reprimenda básica. Discricionariedade vinculada. Presença de circunstâncias

judiciais desfavoráveis. Sufi ciência para a prevenção e repressão do delito.

1. Mostra-se inviável considerar como desfavorável ao agente circunstância

inerente à culpabilidade em sentido estrito, a qual é elemento integrante da

estrutura do crime, em sua concepção tripartida.

2. Não é dado ao juiz sentenciante se utilizar de elementares do tipo para

considerar desfavoráveis ao paciente os motivos do crime, que, no caso, visaria à

obtenção de vantagem pessoal.

3. Impossível infi rmar a conclusão de que as circunstâncias e consequências do

crime seriam graves, diante da quantidade de ilegalidades cometidas e dos elevados

prejuízos causados ao erário.

(...)

(HC n. 220.612-MG, Relator o Ministro Jorge Mussi DJe de 27.11.2012).

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 869

Assim, claro está que a motivação constante na sentença, relativamente à

culpabilidade, circunstâncias e motivos do crime, não se apresenta idônea para se

apenar tal como ali se apenou, mostrando-se razoável a redução proporcional da

pena-base a 2 (dois) anos, 1 (um) mês, e 15 (quinze) dias de reclusão.

Por consequência, considerada a nova pena aplicada - 2 (dois) anos, 1

(um) mês, e 15 (quinze) dias de reclusão - e contado o transcurso de tempo

entre a publicação da sentença (3 de setembro de 2007) e a impetração deste

habeas corpus (17 de dezembro de 2012), não há que se falar em extinção da

punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva - art. 109, inciso IV, do

Código Penal.

Analisado o mérito do mandamus, exauridos se encontram os efeitos da

liminar inicialmente deferida para suspender os efeitos da condenação.

Diante dessas considerações, não conheço da impetração.

No entanto, concedo habeas corpus de ofício para reduzir a pena do crime

descrito no art. 1º, II, do Decreto-Lei n. 201/1967, a 2 (dois) anos, 1 (um) mês,

e 15 (quinze) dias de reclusão.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.082.631-RS (2008/0182631-6)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Recorrente: Nelson Domingues Pinto

Advogado: Daisson Silva Portanova e outro(s)

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Procurador: Sulanita Santos Rosário e outro(s)

EMENTA

Previdenciário. Pensão por morte. Arts. 16, inciso II e § 4º, 74 e

75 da Lei n. 8.213/1991. Dependência econômica dos genitores em

relação ao fi lho instituidor do benefício. Necessidade de comprovação,

ainda que apenas por meio de prova testemunhal. Pai nomeado

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curador do fi lho no processo de interdição. Condição que, cumpridas

as exigências prescritas nas normas previdenciárias, não tem o condão

de ilidir o direito ao benefício. Recurso especial conhecido e provido.

1. A pensão por morte é devida ao conjunto de dependentes do

Segurado que falecer e, não havendo integrantes da classe precedente

– companheira/esposa ou fi lhos menores de 21 anos não emancipados

–, os genitores são, para o Regime Geral da Previdência Social, os

detentores do direito ao recebimento do benefício.

2. Além da relação de parentesco, é preciso que os pais comprovem

a dependência econômica em relação ao fi lho, sendo certo que essa não

é presumida, isto é, deverá ser corroborada, seja na via administrativa,

seja perante o Poder Judiciário, ainda que apenas por meio de prova

testemunhal.

3. Na hipótese, são incontroversos: (i) o recebimento de

aposentadoria por invalidez pelo de cujus; (ii) o grau de parentesco

entre este e o Autor; e (iii) a inexistência de possíveis benefi ciários/

dependentes na classe imediatamente anterior à dos genitores.

4. Na instância primeva, por intermédio de prova testemunhal,

restou comprovada a dependência econômica do pai em relação ao

fi lho.

5. O fato de o Autor ter sido nomeado “curador provisório” de

seu falecido fi lho, no processo de interdição deste, não tem o condão

de, cumpridas todas as condições impostas pelas regras de direito

previdenciário atinentes à espécie, afastar-lhe o direito à pensão por

morte pleiteada.

6. In casu, é de ser observada a vetusta regra de hermenêutica,

segundo a qual “onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete

restringir” e, portanto, não havendo, nas normas que regem a matéria,

a restrição imposta pelo Tribunal a quo, não subsiste o óbice imposto

ao direito à pensão por morte.

7. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

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notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar

provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros

Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador

convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 26.3.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto por

Nelson Domingues Pinto, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo

constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim

ementado:

Pensão por morte. Curador. Dependência econômica do curatelado.

Não tem direito à pensão por morte o curador do falecido segurado, a pretexto

de que dependia economicamente dos proventos de aposentadoria por invalidez

do curatelado. (fl . 209)

Sustenta o Recorrente, além de divergência jurisprudencial, violação ao art.

16, inciso II, e §§ 1º e 4º, da Lei n. 8.213/1991, aduzindo que:

a) “[...] o fato do Pai ser o Curador do fi lho, não exclui nenhum direito,

nem mesmo a relação previdenciária; nem mesmo, por si, dita esta condição.” (fl .

214);

b) “Naturezas jurídicas diversas, não podem se confundir, nem mesmo

tratar de restringir direitos onde a Lei não restringe, eis que não há uma linha

sequer, seja na ordem previdenciária, civil, tributária ou outra qualquer que

estabeleça tal limitação.” (fl . 214);

c) “[...] os dependentes de segunda classe, os pais, passam a ter direito a

habilitarem-se à pensão, desde que comprovada a dependência econômica.” (fl .

215);

d) laborou em equívoco o Tribunal de origem ao não verifi car “[...] a

qualidade de dependente, simplesmente atentando ao fato de ser o pai curador,

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e por isso, impossível a comprovação de dependência econômica, confundindo

institutos jurídicos distintos [...]” (fl . 216);

e) “[...] havida e comprovada a dependência econômica do pai com relação

ao fi lho falecido, devidamente produzida por prova testemunhal, deve ser gerado

o direito ao benefi cio de pensão.” (fl . 226).

Não apresentadas contrarrazões (fl . 235), e admitido o apelo nobre na

origem (fl . 236), ascenderam os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): O Autor, ora Recorrente, requereu

administrativamente que lhe fosse concedida pensão por morte em razão do

falecimento de seu fi lho (fl . 12) – que percebia aposentadoria por invalidez (fl .

10-11) –, alegando depender economicamente do de cujus.

O citado requerimento foi indeferido pelo Instituto Previdenciário e,

nessas condições, o Recorrente ajuizou ação ordinária com o fi to de obter a

concessão e manutenção do indigitado benefício.

Depreende-se da inicial que o falecido Segurado sofria de esquizofrenia

paranoide, residia com os genitores e esses, conquanto recebessem suas

respectivas aposentadorias, utilizavam o valor do benefício daquele para, somado

aos demais auferidos pelo grupo familiar, fazer frente às despesas necessárias e

inafastáveis à manutenção da família.

Vale ressaltar que o Segurado falecido foi submetido a processo de

interdição, tendo sido nomeado “curador provisório” o ora Recorrente (fl s. 56-

57).

O magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido. Entretanto o

Tribunal a quo, dando provimento à apelação do Instituto Nacional do Seguro

Social – INSS e à remessa necessária, reformou integralmente a sentença.

Daí a interposição do presente apelo nobre.

Feita essa breve resenha fática, passo ao exame da controvérsia.

Pois bem. A Lei n. 8.213/1991, ao regulamentar a vexata quaestio, está

posta nos seguintes termos, in verbis:

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 873

Art. 16. São benefi ciários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de

dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o fi lho não emancipado, de

qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha

defi ciência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz,

assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei n. 12.470, de 2011).

II - os pais;

[...]

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do

direito às prestações os das classes seguintes.

[...]

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e

a das demais deve ser comprovada. (grifei).

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do

segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:” (gr ifei).

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da

aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse

aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no

art. 33 desta lei.

Como se vê, a pensão por morte é devida ao conjunto de dependentes

do Segurado que falecer e, não havendo integrantes da classe precedente

– companheira/esposa ou filhos menores de 21 anos não emancipados –,

como ocorre na hipótese dos autos, os genitores são, para o Regime Geral da

Previdência Social, em princípio, os detentores do direito ao recebimento do

citado benefício.

Todavia, para alcançarem tal desiderato, os pais, além da relação de

parentesco, devem preencher outra condição inarredável, qual seja, a dependência

econômica em relação ao fi lho instituidor do benefício, sendo certo que essa

não é presumida, isto é, deverá ser corroborada seja na via administrativa, seja

perante o Poder Judiciário, ainda que apenas por meio de prova testemunhal.

Nesse sentido:

Previdenciário. Pensão por morte. Dependentes. Pais. Comprovação de

dependência econômica. Lei n. 8.213/1991.

1. Conforme fi rme jurisprudência desta Corte, a dependência econômica da

mãe do segurado falecido, para fi ns de percepção de pensão por morte, não é

presumida, devendo ser comprovada.

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2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 136.451-MG, Rel. Ministro

Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19.6.2012, DJe de 3.8.2012.)

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Benefício previdenciário.

Pensão por morte. Dependência econômica. Comprovação.

1. Nos termos da consolidada jurisprudência da Terceira Seção deste Superior

Tribunal de Justiça, a comprovação da dependência econômica dos pais em

relação aos fi lhos pode se dar por prova testemunhal.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp n. 38.149-PR,

Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 20.3.2012, DJe de 11.4.2012.)

Recurso especial. Direito Previdenciário e Direito Processual Civil. Dependência

econômica. Prova exclusivamente testemunhal. Admissibilidade.

1. A jurisprudência desta Corte é fi rme em que a legislação previdenciária não

exige início de prova material para a comprovação de dependência econômica

dos pais em relação aos fi lhos, sendo bastante para tanto a prova testemunhal.

Precedentes.

2. Recurso provido. (REsp n. 543.423-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,

Sexta Turma, julgado em 23.8.2005, DJ de 14.11.2005, p. 410.)

Na hipótese, são incontroversos o recebimento de aposentadoria por

invalidez pelo de cujus, o grau de parentesco entre este e o ora Recorrente,

bem como a inexistência de possíveis beneficiários/dependentes na classe

imediatamente anterior à dos genitores.

Ademais, na instância primeva, por intermédio de prova testemunhal,

restou comprovada a dependência econômica do pai em relação ao fi lho e, por

via de consequência, a sentença foi prolatada no sentido de reconhecer o direito

vindicado, litteris:

[...]

Em relação ao benefi cio de pensão por morte, a Lei n. 8.213/1991 estabelece,

entre outras, as seguintes normas:

[...]

O segurado falecido era aposentado por invalidez (fl . 9) desde 19.6.1999, sendo

seu procurador junto ao órgão previdenciário o próprio pai, aqui autor (fl . 21), o

qual também havia requerido a interdição do fi lho (fl . 56-7), tendo sido nomeado

curador provisório. Não há nos autos o resultado do processo de interdição.

Todavia, está demonstrado que o segurado falecido sofria de esquizofrenia paranóide

(fl. 25) e vivia sob os cuidados do seu genitor, o qual também administrava seus

proventos.

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RSTJ, a. 25, (230): 751-879, abril/junho 2013 875

De acordo com a testemunha Pedro Roque dos Santos, que foi vizinho do autor

por cerca de nove anos, “a renda da família provinha da aposentadoria do fi lho.

Que a família do autor vivia com difi culdades fi nanceiras. Que o próprio depoente

emprestou dinheiro ao autor, por diversas vezes. Que o imóvel em que a família

morava era próprio. Que o imóvel foi vendido quando foram para Porto Alegre.

Que venderam o imóvel para pagar dívidas. Que inclusive o depoente recebeu R$

4.000,00 de um empréstimo que fi zera ao autor.” (fl . 118).

O pagamento citado pela testemunha consta do recibo juntado à fl . 20, no

valor de R$ 4.500,00, datado de 15 de agosto de 2003.

A testemunha Lorines Aparecida de Andrade afi rmou que “o autor morou em

Santa Rosa, onde foi vizinho da testemunha por 11 anos. O autor deixou a cidade

em 2003. Conheceu Francisco Costa Pinto, fi lho do autor, que residia com o autor

e sua esposa. Francisco sempre morou com os pais, tinha problemas psiquiátricos.

Quando não estava internado, Francisco não tinha condições de morar sozinho.

O autor e sua esposa ganham salário mínimo, aposentados, sem outra fonte de

renda. A casa que tinham em Santa Rosa foi vendida. Aqui em Porto Alegre o

autor e sua esposa pagam aluguel. Não tinham outros bens imóveis ou automóveis.

A casa de Santa Rosa era pequena, de material. Francisco não tinha fi lhos. Somente

Francisco morava com os pais, que tinham outros fi lhos, acha que 09, mas nenhum

mora com os pais. Francisco não tinha outra atividade, vivendo sempre com os

pais. Desde quando conheceu a família do autor Francisco já era doente. Os

pais acompanhavam Francisco nos hospitais. Desconhece se os outros filhos

ajudavam os pais.”

Suzane Pinto Santetti, filha do autor, afirmou que “o irmão da testemunha

Francisco tinha esquizofrenia há 23 anos e morava com os pais, sem condições de

morar sozinho. Ao falecer, Francisco residia há um mês com os pais em Porto

Alegre, pois em Santa Rosa não havia hospitais com área psiquiátrica. Francisco

era o único fi lho a residir com os pais. Eram 09 irmãos, incluindo Francisco. A

fonte de renda do pai da autora é o salário mínimo, aposentado do DAER e a mãe

é costureira aposentada, sem condições de enxergar e caminhar bem. Também

ganha salário mínimo. Não há outra fonte de renda. A testemunha fornece auxílio

fi nanceiro aos pais desde a morte de Francisco e os outros irmãos não têm condições

de ajudar. Pagam aluguel em Porto Alegre. Em Santa Rosa tinham casa, que foi

vendida, situada em loteamento popular. Não tinham automóvel ou outros bens

imóveis. A aposentadoria de Francisco era recebida pelo autor, que efetuava

o controle de todo o dinheiro auferido pela família. A testemunha custeia a

medicação dos pais, prótese dentária, etc. Antes do falecimento de Francisco viviam

com difi culdades mas necessitavam de menos ajuda. Francisco ganhava cerca de

600 reais ao falecer, pouco menos. O pai é aposentado antes dos 50 anos, por

doença. E a mãe aos 65 anos, hoje tem 72 anos. Viveram da aposentadoria do

irmão por 13 ou 14 anos. O irmão era dependente do pai pelo IPERGS, mas havia

despesas não cobertas pelo convênio. Os pais moram em Porto Alegre desde o

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falecimento de Francisco, em casa situada no mesmo terreno de uma fi lha, na rua

Dorival Castilhos, perto da Hípica. Pagam aluguel ao marido desta fi lha.”

Por fi m, Rui Luís Trucolo Filho, genro do autor, disse que “é casado com fi lha

do autor há 18 anos. Francisco residia com o autor desde quando fi cou doente, isto

aos 18 ou 19 anos de idade, tendo falecido aos 32 ou 33 anos. A aposentadoria de

Francisco era recebida pelo autor. Residiram em Santa Rosa. A fonte de renda do

autor e sua esposa provinha unicamente de suas aposentadorias. Não tinham

bens imóveis ou outras rendas. Em Porto Alegre alugam uma casa pertencente ao

depoente. Antes de Francisco falecer os outros fi lhos não ajudavam o autor, a não

ser uma das fi lhas eventualmente. Francisco passava muito tempo hospitalizado,

dependia da atenção do autor e sua esposa. Não administrava seu dinheiro. O

aluguel pago pelo autor ao depoente é de 280 reais.

Pelo que se conclui desses depoimentos, a aposentadoria por invalidez

percebida pelo fi lho do autor era a maior fonte de renda da família, sendo

essencial para o atendimento das despesas básicas mínimas do autor e de

sua esposa. Ambos já estão velhos e sem possibilidade de auferirem outros

rendimentos além de suas aposentadorias, de valor mínimo ou próximo disso.

Também não contam com ajuda substancial dos demais fi lhos.

Portanto, comprovada a dependência econômica, mesmo que parcial, é

devido o benefi cio de pensão por morte ao autor. (fl s. 187-190; sem grifos no

original).

Entretanto, o Tribunal a quo reformou a sentença de primeiro grau com

base, na parte que interessa, nos seguintes fundamentos, in verbis:

[...]

A controvérsia resume-se na questão de dependência econômica do autor ao

falecido segurado, seu fi lho.

De início, observo que o autor é aposentado como funcionário público

estadual, ganhando pouco mais de um salário-mínimo (fl s. 13). Sua esposa, mãe

do falecido segurado, é aposentada por invalidez pelo INSS, ganhando benefício

de valor mínimo (fl s. 31). O falecido, a seu turno, era aposentado por invalidez

pelo INSS, ganhando cerca de dois salários-mínimos (fl s. 9 e 106).

Fato relevante é que o falecido segurado, filho do autor, era portador de

doença mental (esquizofrenia), fi cando sob a guarda do pai desde 1995 (fl s. 23), e,

a partir de 1999, sob a curatela deste (fl s. 55-57). Nessa condição, o autor recebia

os proventos de aposentadoria do falecido segurado (fl s. 21), administrando-os.

Ora, os bens, rendas e proventos do curatelado são sagrados, indisponíveis e

intocáveis, só podendo servir à própria manutenção deste, e nunca à do curador, que

simplesmente exerce as funções de administrador e tem o dever legal de prestar

contas (Código Civil, artigos 1.741, 1.755 e 1.781). Assim, é jurídica e eticamente

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infundada a alegação do autor de que dependia economicamente do curatelado,

pois ela importa em alcance, o qual gera somente a obrigação de ressarcimento para

o curador, e nunca qualquer direito para este.

De fato, o Direito é sistema, pelo que suas regras e princípios não podem ser

interpretados isoladamente. Se o Direito Civil pune o alcance do curador, que usa as

rendas (ou parte delas) do curatelado em proveito próprio, o Direito Previdenciário

não pode conceder pensão por morte àquele, a pretexto de que dependia

economicamente do curatelado. Aplica-se, aqui, o princípio geral do Direito nemo

de improbitate sua consequitur actionem, sobre o qual discorre o jusfi lósofo Ronald

DWORKIN, no item 3 – “Normas, princípios e diretrizes” - do segundo capítulo

de uma de suas mais conhecidas obras (Los derechos em Serio. Trad. de Marta

Guastavino. Barcelona: Ariel, 1984. p. 73), valendo para o caso dos autos, mutatis

mutandis, o que ali está escrito.

Impõe-se, pois, julgar improcedente a demanda, condenando-se o autor ao

pagamento das custas e honorários advocatícios arbitrados eqüitativamente

em R$ 380,00, observado o disposto no art. 12 da Lei n. 1.060, de 1950, por ser

benefi ciário da Gratuidade de Justiça.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS e à remessa

ofi cial. (fl s. 206-207; sem grifos no original.)

A partir da leitura das razões de decidir do aresto atacado acima

colacionadas, verifi ca-se que a Corte de origem não emprestou à lide solução

condizente com o melhor direito.

Isso porque, à toda evidência, a hipótese dos autos subsume-se às normas

do direito previdenciário positivo que regulam a matéria ora posta ao crivo

do Poder Judiciário. Explico: o Autor, ora Recorrente, preencheu todos os

requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado, quais sejam: (i) o

recebimento de aposentadoria por invalidez pelo falecido fi lho do Autor; (ii) o

grau de parentesco; (iii) a inexistência de benefi ciários/dependentes na classe

imediatamente anterior à dos genitores; e (iv) a dependência econômica em

relação ao de cujus.

Nessa linha de raciocínio, o fato de o Autor ter sido nomeado “curador

provisório” de seu falecido fi lho, no processo de interdição deste, ao contrário do

entendimento esposado pela Corte de origem, não tem o condão de, cumpridas

todas as condições impostas pelas normas de direito previdenciário atinentes à

espécie, afastar-lhe o direito à pensão por morte pleiteada.

Ademais, é de ser observada a vetusta regra de hermenêutica, segundo

a qual “onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir”. Portanto,

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inexistindo dentre as normas que regem a matéria a restrição imposta pelo

Tribunal a quo, não subsiste o óbice imposto ao direito perseguido pelo Autor.

A propósito:

Agravo regimental. Recurso especial. Administrativo e Previdenciário. Pensão.

Ex-combatente. Defi nição.

1. O integrante da Marinha Mercante faz jus à pensão especial estabelecida

pelo art. 53, II, do ADCT desde que tenha participado de, no mínimo, duas viagens

em zonas de ataques submarinos.

2. A legislação de regência não faz distinção quanto ao porte da embarcação

utilizada pelo ex-combatente para fins de concessão da pensão especial em

evidência; desse modo, não cabe ao intérprete fazê-lo, aplicando-se o brocardo

ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 768.419-SC, Rel. Ministro

Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em 14.2.2006, DJ de 6.3.2006, p. 485.)

Previdenciário. Embargos declaratórios no recurso especial. Inexistência de

omissão ou contrariedade. Pretensão de rejulgamento da causa.

[...]

3. O fato do contrato de parceria agrícola ter sido celebrado a menos de dois

meses da data do parto, em nada obsta o direito da parte à concessão do salário-

maternidade, na medida em que a lei não impôs tal restrição. Assim, onde o

legislador não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo.

[...]

5. Embargos rejeitados. (EDcl no REsp n. 658.634-RS, Rel. Ministra Laurita

Vaz, Quinta Turma, julgado em 26.4.2005, DJ de 30.5.2005, p. 407; sem grifos no

original.)

Recurso especial. Previdenciário. Lei n. 8.213/1991. Concessão. Auxílio-doença.

Incapacidade. Total. Parcial.

A Lei n. 8.213/1991 não faz distinção quanto à incapacidade, se deve ser total

ou parcial; assim, não é possível restringir o benefício ao segurado, deferindo-o,

tão-somente, quando a desventurada incapacidade for parcial.

Recurso desprovido. (REsp n. 699.920-SP, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca,

Quinta Turma, julgado em 17.2.2005, DJ de 14.3.2005, p. 423.)

Auxílio-doença. Prova da incapacidade total e permanente. Ofensa à lei.

Inexistência.

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1 – O artigo 59 da Lei n. 8.213/1991 não especifi ca se a incapacidade deve

ser total ou parcial para a concessão do auxílio-doença, apenas diz “ficar

incapacitado”, assim, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.

Precedente.

2 - Recurso não conhecido. (REsp n. 272.270-SP, Rel. Ministro Fernando

Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 14.8.2001, DJ de 17.9.2001, p. 202.)

Nessas condições, a procedência do pedido veiculado na peça exordial –

concessão da pensão por morte nos termos do que disciplinam os arts. 16, inciso

II e § 4º, 74 e 75 da Lei n. 8.213/1991 – é medida que se impõe.

Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso especial para, cassando

o acórdão recorrido, restabelecer a sentença de primeiro grau.

É como voto.

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