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SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996

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Nucleo central das representaciies

s o ci a i s e 0 terceiro l ivro de psico-

logos sociais brasile iros sobre 0

terna das representacoes sociais .

Ele apresenta, de forma sistematica

e historicamente circunstanciada, a

teoria do mic leo central, desde 0

seu surgimento ate a sua atual con-solidacao, como uma abordagem

complementar capaz de "tomar a

teoria geral das representacoes so-

ciais mais heurfs tica para a pratica

social e para a pesquisa". Alem de

evidenciar 0 louvave l carater cu-

mulativo e autocorretivo dessa

perspectiva teorica, uma enfase es-

pecial e conferida aos metodos e

tecnicas de pesquisa que dela se

der ivam. Inclui-se, nesse sentido,

o relato de uma pesquisa brasileira

informada pela teoria do nucleo

central e conduzida segundo a me-

todologia que the e especificamen-

te associ ada. Refletindo a orienta-

~lio da vertente psicossociologica

europeia, voltada para a constitui-

~liode "uma psicologia social mais

social", 0 l ivro pretende ser de uti-

lidade, nlio apenas para professores

e estudantes de psicologia, mas

tambem para aqueles que, no domi-

nio das demais ciencias humanas e

sociais, se ocupam do estudo do

"conhecimento do senso comum"

como continua e difusamente cria-

do e mobilizado na vida cotidiana.

N OC LE O C EN TR AL D AS

REPRESENTA< ; :OESSOC IA lS

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Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)

(Camara Brasileira do Livro, Sp,Brasil)

Sa, Celso Pereira de

N ucleo central das representacoes sociais /

Celso Pereira de s a . - Petr6polis, R] :Vozes, 1996.

Bibliografia.

ISBN 85-326-1617-8

1. Psicologia social I.Titulo.

96-0438 CDD-302.12

indices para catalogo sistematico:

1.Nucleo central : Teoria : Representacoes sociais :

Psicologia social 302.12

2. Representacoes sociais : Teoria do micleo central:

Psicologia social 302.12

Celso Pereira de Sa

NOCLEO CENTRAL DAS

REPRE S EN TA ~OES SOC IA lS

2a ed. revista

I h ED I TORA

Y VOlES

.~

Petropolls

2002

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© 1996, Editora Vozes Ltda.

Rua Frei Luis, 100

25689-900 Petr6polis, RJ

Internet: http://www.vozes.com.br

Brasil

S U M A R I O

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra po-dera ser reproduzida ou transmitida por qualqucr forma

e/ou quaisquer meios (eletronico ou mecanico, incluindo

fotoc6pia e gravac;;ao)ou arquivada em qualquer sistema ou

banco de dados sem permissao escrita da Editora.

Apresentacao da 2a edicao 7

Prefacio 9

Introducao 13

ISBN 85.326.1617-8 .

Capitulo 1 - 0 campo de estudos das representacoes sociais ... 29

1.1. Sobre 0 conceito de representacoes sociais e sua

definicao 30

1.2. Sobre 0campo de fenornenos de representacao social 36

1.3. Sobre a explicacao te6rica das representacoes sociais 43

E d it or ac do e m g . l it er dr ia : Maria Angelica A. de Mello Pisetta

Capitulo 2 - A teoria do nucleo central das representacoes

sociais 51

2.1. Os antecedentes exper imentais da teoria do nucleo

central 52

2.2. As proposicoes basicas da teoria do rnicleo central 62

2.2.1. Sobre 0conceito de nucleo central e suas funcoes 67

2.2.2. Sobre a organizacao interna de uma representacao

social 72

2.2.3. Sobre os aspectos perifericos das representacoes

sociais 78

2.3. A transformacao das representacoes a partir das praticas

sociais 88

Este livro foi composto e impresso pcla Eclitora Vozes Ltcla.

 

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Capftulo 3 - Metodos e tecnicas de pesquisa do nucleo

central 99

3.1. A constituicao do nucleo central como objeto de

pesquisa 100

3.2. Os principais metod os de levantamento do nucleo

central 114

3.2.1. Quanto a saliencia dos elementos de uma

representacao 115

3.2.2. Quanto a conexidade dos elementos de uma

representacao 123

3.3. Os principais metodos de identif icacio do micleo

central 131

3.3.1. Quanto ao valor simb6lico dos elementos do nucleo

central ' 132

3.3.2. Quanto ao poder associat ivo dos elementos do nucleo

central 138

A P R E S E N T A ~ A oD A 2 f ! ED I ~ A o

Bibliografia ......................................... 181

Esta segunda edicao do N ud eo c en tr al d as r ep re se nta eo essociai s surge cinco anos apos a primeira. Naquela ocasiao,

1996, a abordagem estrutural das representacoes sociais ape-

nas comecara a ultrapassar as fronteiras do Midi , onde havia

sido gestada. Sua trajetoria de expansao alcancou prontamen-

te 0 Brasil, devido, em boa parte, ao surgimento deste l ivro.

Ele desempenhou, assim, 0papel de contribuir para0ngres-

so de urn mimero maior de estudantes e de estudiosos brasileiros

no movimento de renovacao ternatica, teorica e metodologica

dapsicologia socialpelavia dasrepresentacoes sociais e, em espe-

cial, da pesquisa do nucleo central.

o que se pede noticiar na primeira edicao deste l ivro,

em termos da familiarizacao com a abordagem estruturaIate entao proporcionada no pais, foi a participacao dos

colegas de Aix-en-Provence e MontpeIIier na 2Q Conf tr enc i a

I nt er na c io n al s ob r e R e pr e se n ta io e s S o ci ai s, em 1994, no Rio de

Janeiro, e a existencia de uma pesquisa brasi leira envolven-

do esse referencial teorico e sua metodologia associada, des-

crita no capitulo 4. Desde entao, 0quadro mudou bastante.

As pesquisas ness a linha sao hoje nao apenas numerosas,

mas tambem de muito boa quaIidade, como 0atestam as

comunicacoes brasileiras em eventos cientfficos, nacionais e

internacionais, a publicacao de artigos e capitulos de livros, as

teses e dissertacoes elaboradas, tanto no ambito da psicologia

social quanto nos de diversos campos aplicados, em especiala saude e a educacao.

Nao obstante esse aumento da producao brasileira e a

disponibilizacao de outros textos introdutorios a abordagem

estrutural, bern como a recente ocorrencia na Franca de

alguns desenvolvimentos te6ricos e metodoI6gicos especffi-

7

Capitulo 4 - Socializacao do saber academico: uma pesquisa

sobre a representacio social da ciencia a luz da teoria do

nucleo central 147

4.1. Introducao , , , 147

4.2. 0 levantamento dos possfveis elementos do micleo

central 149

4.3. A identificacao dos nucleos centrais

das representacoes 153

4.4. Uma nota sobre a distincao entre consumidores e

nao-consumidores da vulgarizacao cientffica 157

4.5. Conclus6es 159

Conclusao 163

 

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cos, 0 livro continua a ser bastante procurado em todo 0 pafs.

a esgotamento da sua primeira edicao tern frustrado muitos

professores, em seu proposito de util iza-lo na iniciacao das

novas levas de estudantes - de psicologia e de areas afins -

que tern seu interesse despcrtado para esse campo de cstudos.

Continuar a desempenhar uma funcao educacional relevante

para 0 avanco da pesquisa cientffica e , pois, a razao para 0

surgimento desta segunda edicao.

Na oportunidade, cabe informar ejustificar algumas al-

teracoes feitas em relacao a edicao anterior. Na Introducao,

foram eliminadas algumas passagens que continham infor-

macoes muito datadas e que deixaram de ter importancia, face

aodesenvolvimento posterior do campo. No Capitulo 4, que

descreve urn estudo empirico comparativo entre as repre-

sentacoes da ciencia mantidas por dois conjuntos de sujeitos

diferenciados quanto ao consumo da vulgarizacao cientffica,

foi feita uma correciio dos resultados apresentados. Especifi-

camente, 0 elemento pesquisa passou a ser confirmado como

central tambem na representacao dos nao-consumidores, e

nao apenas na dos consumidores, como fora anteriormente

registrado. Esta foi uma falha lamentavel, ja noticiada em

outras publicacoes e cornunicacoes orais da pesquisa, massomente agora definitivamente corrigida.

PREFAc IO

C elso P er ei ra d e S a

Rio de Janeiro, outubro de 2001

A obra que Celso Pereira de Saconsagra a teoria do nucleocentral constitui uma grande honra para apequena equipe que

se dedica ao estudo e ao desenvolvimento dessa teoria. Alern

disso, ela e para mim uma fonte de emocao. Primeiramente,

porque aparece exatamente vinte anos depois da tese que eu

apresentei em 1976 e que introduzia entao a teoria. Em

seguida, porque foi redigida por urn colega que, desde 0nosso

primeiro encontro em Ravello, na 1a Conferencia Internacio-

nal sobre Representacoes Sociais, se tornou urn amigo e urn

propagador ativo e fidedigno da teoria das representacoes

sociais naArnerica Latina. Finalmente, porque e publicada emurn pais - 0Brasil- e em urn continente - aAmerica do SuI

- onde a nossaabordagem me parece ser particularmente uti l

para a analise, a cornpreensao e a intervencao sobre os grandes

problemas sociais atuais: a saude e a doenca e, em particular ,

a disserninacao daAids; a exclusao e os problemas de integra-

<;aodas minorias ou dos grupos sociais desviantes; a crise da

ideologia e 0desenvolvimento de crencas magicas ou religio-

sas; a crise econornica e aumento do desemprego; etc.

Isto porque, para alern das tomadas de posicao ideologi-

cas, a analise cientif tca das mentalidades e das praticas sociais

sera urn dos elementos indispensaveis a evolucao e ao pro-gresso social. E a teoria das representacoes sociais constitui

hoje urn sistema teorico particularmente importante para

atingir esse objetivo. E eu me faco explfcito: as representacoes

sociais, nao apenas a abordagem estrutural que nos defende-

mos atraves da teoria do micleo central, pois uma das vanta-

 

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r

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. . . . - ..

gens da perspectiva das representacoes sociais e que ela se

nutre de abordagens diversas e complementares: estruturais,

por certo, mas igualmente etnologicas e antropologicas, so-

ciologicas e historicas.

Saapresenta aqui de maneira exata e completa a aborda-

gem estrutural. E dela bern destaca as tres ideias essenciais:

-As representacoes sociais sao conjuntos sociocognitivos

organizados e estruturados.- Esta estrutura especifica e constituida de dois subsiste-

mas: urn sistema central e urn sistema periferico.

- 0 conhecimento do simples contetido de uma repre-

sentacao nao e suficiente para defini-la. E preciso idcntificar

os elementos centrais - 0 micleo central - que dao a repre-

sentacao sua significacao, que determinam os laces que unem

entre si os elementos do conteudo e que regem enfim sua

evolucao e sua transformacao,

Mas se a teoria do rnicleo central e agora bern conhecidae desenvolvida, como 0demonstra este l ivro, ela esta longe

de ser uma teoria completa, fechada e definit iva. Parece-me

que hoje tres grandes tipos de questoes esperam ainda por

uma resposta, para se completar a teoria.

1. 0 c on te ud o e 0f un cio na m en to d o n uc le o c en tr al . Os trabalhos

teoricos atuais se esforcam por analisar os processos que •

determinam a natureza do nucleo, Este e diretamente ligado

a memoria coletiva, a historia do grupo, ao seu sistema de

normas e valores, a natureza de seu envolvimento na siruacao

social. Nos pensamos - mas, ainda que osresultados de nossas

pesquisas sejam encorajadores, isto permanece ainda como

uma hipotese - que 0 micleo central de uma representacao e

e l e p ro p ri o um c o nj un to o r ga n iz ad o . Ele e constituido de dois tiposde elementos - normativos e funcionais - hierarquizados.

Haveria no nucleo central elementos principais e elementos

adjuntos - ou "estagnados", isto e , nd o ativos. A ativacao dos

elementos do micleo seria determinada pela natureza da re-

la~ao que 0 grupo entretern com 0 objeto da representacao.

2. As r e la fo e s e n tr e 0 siste ma ce ntr al e 0 s is t ema per ij fr i co .

Pode-se pensar que cada parte do sistema periferico seja

preferencialmente associada a urn ou alguns elementos parti-

culares do nucleo. A ideia de uma subestruturacao periferica

poderia ser compreendida neste sentido, mas atualmente esta

questao crucial permanece sem resposta.

3. As l ig a fo e s e n tr e r e pr e se n ta c oe s s oc ia is e p r dt ic a s s o ci a is . Por

exemplo, quais sao aspraticas determinadas pelo micleo cen-tral da representacao? E existem praticas submetidas unica-

mente ao sistema periferico? Mais genericamente, as duas

hipoteses que nos formulamos em 1994 precisam ainda ser

verificadas: a que propoe que as representacoes sociais deter-

minam as praticas nas situacoes em que a carga afetiva e fortee a referencia a memoria coletiva e necessaria; a que propoe

que 0ator deve dispor de uma certa autonomia - ainda que

relativa - em relacao as coercoes sociais, para que suas repre-

sentacoes ditem suas praticas.

Estas sao astres questoes teoricas que deveriam constituir

as linhas de forca das pesquisas e reflexoes futuras comrespeito a teoria do micleo central. Ve-se que se trata de

questoes essenciais para a teoria geral das representacoes

sociais, mas tambem de questoes diffceis e complexas. 0

campo de pesquisa e imenso. Esperamos que 0trabalho de

Celso Sa suscite vocacoes e gere pesquisas neste sentido.

J ea n- Cl au de A br ic

Aix-en-Provence, marco de 1996

 

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INTR ODU~AO

o campo de estudos das representacoes sociais configu-

ra-se hoje em dia como urn dos mais produtivos no ambito

da psicologia social de origem europeia, tanto em termos de

pesquisa empfrica quanto de elaboracao teorica. 0 presente

trabalho, desenvolvendo-se dentro desse campo, se prop6e a

apresentar e discutir as proposicoes basicas e a producao

empirica da abordagem conhecida como t eo r i a d o n u cl eo c e nt ra l,

bern como ilustrar 0 seu emprego em uma pesquisa sobre a

representacao social do conhecimento cientffico no Rio de

Janeiro conduzida pelo autor e colaboradores.

Visando proporcionar uma contextualizacao socio-histo-

rico-academica que permita uma melhor apreciacao crftica da

teoria e da pesquisa do rnicleo central, convern examinar

preliminarmente nesta introducao, conquanto nao de forma

exaustiva, os conjuntos institucionalizados sucessivamente

mais amplos em que tal abordagem se inclui: 0campo das

r e pr e se n ta d ie s s o ci a i s e a constituicao de uma p s ic o lo g ia s o ci al europeia.

Os fenomenos, 0conceito e a teoria das representacoes

sociais merecerao urn capitulo proprio, do qual se buscara

fazer emergir mais circunstanciadamente a variante teorica e

metodologica que constitui 0foco privilegiado deste trabalho.

Nao obstante, julga-se que uma avaliacao introdutoria do

papel das representacoes sociais na constituicao da vertente

 

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1415

II'

i!

europeia da psicologia social possa contribuir para a posterior

demonstracao da relevancia em sida teoria do micleo central.

A expressao "psicologia social europeia" ejustificada por

Jorge C.Jesufno (1993), nao entretanto sem refletir a hesita-

~ao com que a questao e tratada, a partir da consideracao de

que, a diferenca das ciencias exatas, "no dominic das ciencias

sociais, (...) as questoes episternologicas estao mais sujeitas as

influencias culturais e sociais" (p. 49). Trata-se, de qualquer

forma, segundo 0autor, de uma expressao nao apenas ja

consagrada pela pratica dos psicologos sociais europeus na

busca de uma identidade acadernica definida, mas que envol-

ve tambem urn certo grau de institucionalizacao, consubstan-

ciada por, pelo menos, uma associacao cientifica, a European

Associat ion ifE x pe r im e nt al S oc ia l P s yc ho lo g y, e uma revista espe-

cializada, 0E u ro pe a n] o u rn al ifSoc ia l Ps ycho logy .

A rigor, so faz sentido falar de uma psicologia social

europeia se0que seinclui sob esse rotulo chega a se diferen-

ciar, de alguma maneira significativa, da producao academica

que se apresenta tradicionalmente como constituindo a psi-cologia social . Esta tern, como e bern sabido, sua origem e seu

desenvolvimento continuo nos Estados Unidos da America,

a ponto de se ja a ter caracterizado como uma disciplina

tipicamente americana. Alem disso, a historia dessa disciplina

cientifica se encontraria inteiramente contida no seculo xx: ,apesar do longo passado da sua ternatica na historia das ideias

sobre 0homem e a sociedade. A psicologia social produzida

no resto do mundo, inclusive na Europa, fez pouco mais,

durante quase todo esse tempo, do que replicar asdescobertas

americanas ou aplicar os instrumentais teoricos e metodolo-

gicos atconsagrados avariacoes de uma mesma problernatica.

o surgimento de algumas diferencas, suficientemente

significativas para erigir a nova vertente europeia em uma

psicologia social alternativa em relacao aquela praticada nos

Estados Unidos, remonta a pouco mais de tres decadas. Je-

suino ( op . c i t. ) considera que tais diferencas, sem excluir uma

boa medida de coincidencias com a pratica americana, sao

encontradas originalmente nos trabalhos dos tres seguintes

autores: Henri Tajfel (1978, 1982, 1983, 1984),ja falecido, da

University of Bristol, Gra-Bretanha, sobre relacoes intergru-

pais e identidade social; Serge Moscovici (1976, 1979, 1982,

1984, 1988, 1989), da Ecole des Hautes Etudes en Sciences

Sociales, Paris, Franca, sobre minorias ativas e representacoes

sociais; Willem Doise (1986,1989,1990,1992), da Universite

de Geneve, Suica, sobre as mesmas questoes avancadas por

Tajfel e por Moscovici e sobre ascondicoes sociais do desen-

volvimento cognitivo. Obviamente, muitos outros pesquisa-

dores tern desde entao se associado a estes ou dado conti-

nuidade aos seus trabalhos, revendo-os, refinando-os, diver-

sificando-os, contribuindo enfim para tornar cada vez mais

conscientes e consistentes asdiferencas que fazem a marca de

uma psicologia social europeia.

Para dar conta das diferencas acima aludidas, considere-se

com Helmuth Kruger (1986) que a psicologia social america-na caracteriza-se extensamente pelos seguintes aspectos, den-

tre outros: individualismo, experimentalismo, microteorizacao,

cognitivismo e a-historicismo. A perspectiva europeia emer-

gente distancia-se do modelo americano dominante em todos

esses aspectos. Cabe, entretanto, ressalvar que nao se trata de

conjuntos inteiramente antitet icos, Muito do que se produz

como psicologia social na Europa continua a seguir a orien-

tacao tradicional, tanto em termos dos temas estudados quan-

to dos referenciais teoricos e da metodologia de pesquisa,

como 0atesta, por exemplo, 0levantamento realizado por

Jorge Vala(1993b) a partir dos trabalhos apresentados no XthGeneral Meeting da European Association of Experimental

Social Psychology.

Na verdade, nao se poderia esperar que a evolucao ocor-

resse de outra forma, dada a influencia macica historicamente

exercida pela perspectiva dominante, pelo menos ate 0mo-

 

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. . . . . . . .

mento em que esta veio a ser abalada pela critica intema

geradora da famosa "crise da psicologia social" dos anos se-

tenta. Nem sequer se pode considerar a chamada "altemativa

europeia" como uma tendencia quantitativamente bern defi-

nida. 0ue a faz realmente digna de nota e permite perspec-

tiva-la como urn promissor desenvolvimento e a disposicao

cri tica e inovadora que ela representa, ainda que em termos

academicamente minoritarios, frente as caracteristicas crista-

l izadas da pratica americana. Trata-se talvez, como sugere

jesuino ( op . c i t. ) , de uma "rninoria ativa" que podera, com sua

persistencia e consistcnte assertividade, chegar a influir mais

decisivamente nos destinos da psicologia social.

Dentre as caracteristicas listadas, 0 individualismo e a que

mais nit idamente opoe as duas vertentes, americana e euro-

peia. Rob Farr (1987, 1990, 1992, 1993a, 1993b, 1994), urn

dos criticos mais insistentes da "individualizacao do social na

hist6ria da psicologia social", a atribui de urn modo geral a

ideologia (ou a representacao colctiva, como prefere) do indi-

vidualismo, dominante nos Estados Unidos, e, em termos

academicos mais estritos, a ativa influencia dos irmaos Floyd

e Gordon Allport. Segundo Farr (1993b), Floyd Allport em

seu texto de 1924, Soc ia l ps y cho logy, propugnara nao ser neces-

sario mudar de modelo te6rico a medida que os estudos

passam do nivel individual para 0 nivel coletivo, a diferenca

de grandes te6ricos anteriores - como Wundt, Le Bon, Freud,

McDougall, dentre outros - que propunham a coexistencia

de uma psicologia do individuo e uma psicologia do coletivo.

o efeito disso veio a se tomar flagrante no tratamento que

Gordon Allport deu ao conceito de atitudes sociais no Hand-

book if s oc ia l p s y cho logy de 1935. Segundo Jaspars e Fraser

(1984), essa perspectiva sobre as ati tudes terminou por des-pi-las do carater de "face subjetiva dos valores culturais" que

elas tinham na "Chicago dos anos vinte", transformando-as

em algo que passava a existir apenas como fen6meno psico-

logico nos individuos e nao mais na sociedade.

De fato, Gordon Allport afirma, em seu capitulo sobre 0

"background hist6rico da modema psicologia social" nas edi-

c,;oesde 1954, 1968 e 1985 do Ha nd b oo k i fs oc ia l p sy ch ol og y , que

"com poucas excecoes, os psicologos sociais veem sua disci-

plina como uma tentativa de compreender e explicar como 0

pensamento, 0 sentimento e 0 comportamento de individuos

[grifo nosso]" sao influenciados por algo tao vaga e abstrata-

mente social quanta "apresenc,;areal, imaginaria ou implicita

de outros individuos" (1968: 3). Farr (1993b) vai mais alem e

acusa explicitamente os editores do Handbook , Gardner Lind-

zey e Elliot Aronson, de "criarem uma cisao entre 0 longo

passado da psicologia social na tradicao ocidental (principal-

mente europeia) do pensamento social e sua curta hist6ria

desde que setomou uma ciencia experimental na America".

A formula que talvez melhor sintetize acritica a psicologia

social americana, acentuando a positividade distintiva do mo-

. vimento europeu no que se refere a questao do individualis-

mo, e atribuida a Tajfel(1984) na proposicao de "uma psicologia

social mais social". Nesse sentido, Doise (1986) acredita que

"pode-se falar realisticamente de uma tendencia europeia na

psicologia social [na medida em que] sua caracterfstica distin-

t iva seria a introducao das analises de niveis II I e IV em suas

teorias e pesquisas experimentais" (p. 18).

Relernbre-se que Doise (op. ci t . ) propoe a distincao entre

quatro niveis de explicacao em psicologia social : (I) 0 nivel

intrapessoal, segundo 0 qual "a interacao entre 0 individuo e

o ambiente social nao e tratada diretamente, e apenas os

mecanismos pelos quais 0ndividuo organiza a sua experien-

cia sao analisados" (p. 11); (II) 0 nivel interpessoal, em que "0objeto de estudo e a dinarnica das relacoes estabelecidas em

determinado momenta por determinados individuos em uma

determinada situacao", nao sendo "as diferentes posicoes

sociais ocupadas pelos individuos fora dessa particular situa-

c,;aoo O . ) levadas em conta" (p. 12); (III) 0nivel posicional, que

. < 1 1

 

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18 19

"t: tornado explfcito em explicacoes que incluem asdiferencas

em posicao social que existem previamente a interacao entre

diferentes categorias de sujeitos" (p.13); (IV)0nivel ideolo-

gico, em que sao introduzidas na pesquisa e na explicacao "as

proprias ideologias, os sistemas de crencas e representacoes,

os valores e as normas, que toda sociedade desenvolve para

validar e manter a ordem social estabelecida" (p. 15).

Comumente, os experimentos realizados em psicologiasocial se atern apenas aos niveis intrapessoal e interpessoal de

analise. Para Doise, entretanto, a articulacao entre os diferen-

tes nfveis e possivel e desejavel. Embora uma tendencia nesse

sentido seja detectada tambem entre os psicologos sociais

americanos, e na Europa que ela tern sido mais abertamente

encorajada por autores da importancia e do prestfgio de Tajfel

e de Moscovici, 0que, segundo Doise, introduz uma diferen-

<;;adeterminante em termos historico-academicos.

E interessante observar que no seu estudo sobre os niveis

de explicacao em psicologia social Doise focaliza excIusiva-

mente trabalhos experimentais. Isto deve ser levado em con-

sideracao no exame comparativo das vertentes americana e

europeia quanto a segunda caracterfstica atribuida a psicologia

social, 0 experimental i smo. Aqui tarnbem - e mais do que no

caso da polaridade individual-social - nao ha uma oposicao

completa entre as duas vertentes. De fato, nao so Doise se

dedica extensamente a experimentacao, mas tambern 0fize-

ram, como observa Jesufno ( op . c it .) , Tajfel, em todo 0 seu

trabalho sobre as relacoes intergrupais, e Moscovici, no estu-

do da influencia das minorias sociais.

o que faz a diferenca e 0 recurso praticamente exclusivoa experimentacao por parte dos psicologos sociais americanos,

acompanhando sua valorizacao enquanto iinico metodo ca-

paz de detectar relacoes de causa e efeito. E nesse sentido que

sepode falar de uma orientacao "experimentalista". Enquanto

isso, entre os europeus a tendencia e para a utilizacao de

metodologias mais diversificadas e combinadas entre si das

quais nao se exclui 0proprio metodo experimental. Este foi,

e continua sendo, bastante empregado inclusive, embora com

uma enfase diversa quanta as variaveis manipuladas, nos

trabalhos sobre representacoes sociais conduzidos pelo Grupo

do M i d i, que originou e tern feito avancar a teoria do micleo

central.

A proposito, este parece urn born momento para intro-duzir a caracterizacao do c am p o d e e st ud o s d a s representacoes sociai s

no contexto da comparacao entre a psicologia social europeia

e aamericana, considerando os demais aspectos supostamente

distintivos da disciplina, ou seja, a microteorizacao, 0cogni-

tivismo e0a-historicismo. Na vertente americana, tais aspec-

tos se encontram relacionados, quando nao diretamente subor-

dinados, a preferencia pelo rnetodo experimental. Ao contra-

rio, como argumenta Farr (1993a), " e uma caracteristica sin-

gular da teoria [das representacoes sociais] que elanao privilegie

nenhum metodo particular de pesquisa" (p. 22). Isto tern

tambem uma influencia sobre a distintividade que a perspec-tiva psicossociologica europeia exibe quanto aquelas caracte-

risticas,

Em relacao a miao teor izao io como caracterfstica extensa da

psicologia social e interessante opor, no caso especffico das

representacoes sociais, 0seguinte depoimento de Doise:

"Com efeito, a teoria das representacoes pode ser considerada

como uma grande teoria, grande no sent ido de que sua finali -

dade e a de propor conceitos de base, como os de sistema e

metassistema, de objetivacao e de ancoragem, que devem atrair

a atencao dos pesquisadores sobre um conjunto de dinamicas

part iculares e suscitar ass im estudos mais detalhados sobre osmult iples processos especfficos. 0 papel de tais teorias e in-

substitufvel nas ciencias humanas" (Doise, 1990: 172).

Uma "grande teo r ia" , no sentido acima proposto, nao

pode ensejar senao uma pluralidade metodo16gica na cons-

 

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trucao de objetos especificos de pesquisa. : E conhecida a

resistencia de Moscovici (1988) em proporcionar uma defi-

nicao precisa de seus termos teorico-conceituais, com base no

argumento de que nao sepoderia esperar que ele "inaugurasse

urn campo de pesquisas como se soubesse de antemao a

maneira como as coisas evoluiriam" (p. 213). Isto parece ter

tido 0 salutar efeito de impedir a cristal izacao prematura de

conjuntos operacionalizados de conceitos, hipoteses e tecni-

cas de pesquisa que terminassem por constituir "microteo-rias" autonomas em relacao a "grande teoria".

A psicologia social americana, ao contrario, evoluiu pre-

cisamente no sentido da microteorizacao a part ir de aborda-

gens teoricas mais abrangentes, como as de Kurt Lewin e de

Fritz Heider. As diversas teorias da atribuicao diferencial de

causalidade e da coerencia ou consistencia cognitivas sao urn

born exemplo de tal processo de derivacao, na esteira da

proposicao lewiniana quanta a desejivel producao de teorias

de medic alcance. Nos dois casos, pode-se identif icar igual-

mente as exigencias do controle experimental de laboratorio

como urn dos fatores determinantes na formulacao de expli-

cacoes de aplicacao restr ita a uma gama bastante reduzida de

fenomenos,

Nao menos relacionadas ao problema metodologico sao

as versoes assumidas pelo cognitivismo na psicologia social'

americana, muito bern ilustrado pelas abordagens acima alu-

didas, e na europeia, onde as representacoes sociais consti-

tuem 0melhor exemplo de tal orientacao. 0ermo "cogni<_;ao

social", embora pareca em si mesmo suficientemente amplo

para abarcar todo e qualquer estudo psicossociologico que

envolva os processos cognitivos, designa tao-somente 0con-junto americano. Sua aparente abrangencia tern entretanto

alimentado a pretensao de que ele deva englobar 0proprio

estudo das representacoes, como chega a propor J ahoda (1988):"Considerando os processos psicologicos imbricados nas re-

presentacoes sociais seria mais realista ligi-las ao crescente

corpo de trabalhos sobre cognicao social do que damar pela

existencia nao verificada de urn dominic especial" (p. 207).

J a anteriormente, Moscovici (1982), na Fifth Summer

School organizada pela European Association ofExperimen-

tal Social Psychology, manifestara uma grande indignacao

contra essa estranha tentativa de cooptacao:

"Eu me encontro em uma situacao peculiar. Tenho advogado

uma psicologia social focalizada sobre os fen6menos cognitivos

e linguisticos por mais de vinte anos. E agora que essapsicologia

social esta tomando forma sob os nossos proprios olhos , eu sou

obrigado a explicar hoje 0que eu tinha em mente eque ria faze r

no passado. E isso e algo que eu tenho que fazer nao apenas

aqui, para voces , mas para outros que estao me desaf iando erne

instando a me lancar para dentro do trem "cognitivista" em

movimento. Como se eu tivesse antes sal tado daque le t rem!

Como se eu tivesse abandonado 0 que advogava e cessado minha

pesquisa na direcao que escolhi!" (Moscovici, 1982: 115).

Uma diferenca entre os campos da cognicao social e das

representacoes sociais se encontra na utilizacao preferencial,quase exdusiva, do metodo experimental pelo primeiro deles.

Embora participando da assim chamada "revolucao cogniti-

vista", tais estudos experimentais permanecem orientados por

urn flagrante "behaviorismo metodologico" (ver Skinner, 1974,

1982, para uma distincao em relacao ao "behaviorismo radi-

cal"). Ao tomar 0 behaviorismo indist intamente, Rob Farr

(1993a) considera-o como "antitetico a teoria das representacoes

sociais", acrescentando que "a oposicao entre as duas teorias

aparece, hoje, sob a forma altamente disfarcada de uma critica

metodologica a teoria das representacoes sociais" (p. 21). A

critica indui a exigencia de se ser mais explicito sobre os

metodos de pesquisa empregados, 0que Farr ve como "es-

treitamente ligado a nocao de replicacao da pesquisa" (ibid.).

Isto, que e moeda corrente no campo da cognicao social , por

sua propria natureza (microjteorica e experimental, simples-

 

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mente nao e aplicavel as representacoes sociais, que sao "es-

pecfficas de uma cultura particular e de urn particular momenta

na evolucao dessa cultura" (ibid.).

Nao se ve, portanto, como 0 campo das representacoes

sociais poderia ser englobado pelo da cognicao social , como

quer J ahoda, senao atraves de sua desfiguracao. Por outro

lado, os resultados dos estudos de cognicao social, em especial

aqueles sobre atribuicao de causalidade, podem ser interpre-

tados como simples demonstracoes do funcionamento das

representacoes, como argumenta Doise:

"Moscovici (1986) retem tres caracterfsticas do 'pensamento

ingenue' que foram evidenciadas pelas pesquisas sobre ascog-

nieces sociais: a impermeabilidade it informacao, 0 poder de

auto-realizacao, 0 erro de perspectiva conduzindo it arribuicao

interna. Todas as tres sao de fato caracterfsticas de representacoes

sociais que os especialistas das cognicoes sociais estudam parcial-

mente e por ass im dizer sem 0saber" (Doise, 1990: 119).

N essesentido - e isto nos remete ao exame de uma ultima

caracteristica atribuida a psicologia social, 0a -h is to r ic is m o - 0

famoso vies s6cio-cognitivo da tendencia a atribuicao causal

interna ou disposicional, em detrimento da atribuicao externa

ou situacional, tao consistentemente demonstrado pelas pes-

quisas americanas, seria , segundo Farr (1993b), urn nit ido

produto da ideologia ou da representacio coletiva do individua- ,

lismo, onipresente na sociedade americana conternporanea,

Embora 0aborat6rio seja visto par muitos pesquisadores

como uma especie de vacuo cultural, capaz de permitir urn

controle rigoroso das variaveis envolvidas, nao ha como irn-

pedir que os sujei tos dos experimentos secomportem dentro

dele com base no conhecimento social que caracteriza acultura em que se encontram cotidianamente embebidos.

Ainda, nao ha como isso ser detectado por uma abordagem

a-hist6rica, como a da cognicao social, em que os fenomenos

investigados sao despidos de seus conteudos hist6ricos e

culturais por meio da pratica laboratorial, com vistas a uma

suposta apreensao de processos psicossociol6gicos basicos e

unrversais.

As representacoes sociais, por seu turno, sao reconhecidas

como fenomenos psicossociais hist6rica e cultural mente con-

dicionados. Sua explicacao deve se dar necessariamente aos

niveis de analise posicional e ideol6gico, alern de aos nfveis

intrapessoal e interpessoal, pois as representacoes, como diz

Farr (1992), "estao tanto na cultura quanto na cognicao" (p. 186),

circulam atraves da comunicacao social cotidiana e se diferen-

ciam de acordo com os conjuntos sociais que aselaboram e as

utilizam. Por tudo isso, a pesquisa ernpirica das representacoes

sociais nao produz resultados repliciveis ou generaliziveis para

outros contextos.

o campo de estudos das representacoes sociais parece,

hoje, corporificar asprincipais tendencias da psicologia social

europeia, em todos os aspectos pelos quais esta se distingue

da psicologia social americana. De fato, contra 0ndiv idual i smo

dominante nesta ultima, a teoria das reprcsentacocs sociais ja

foi caracterizada como uma especie de retro-revolucao, na

medida em que busca recuperar 0 carater "mais social" que a

disciplina tivera no passado. Ao flagrante experimental i smo da

vertente americana opoe-se a "tradicao de pesquisa altamente

heterogenea" ( Fa rr ,o p . c it .: 186) dessa psicologia social euro-

peia. Em contraste com a muroteot i zacdo a que historicamente

foi levada a psicologia social americana, 0 que surge como

mais caracteristico no cenario europeu e uma "grande teoria"

das representacoes sociais, como a entende Doise (1990), que

vern aser complementada par outras tearias como ado micleo

central. Embora 0 ogni t i v i smo seja uma orientacao comum as

duas vertentes, as diferentes acepcoes com que 0 adjetivo

social qualifica a "cognicao" e as "representacoes" conduzem

a producoes ernpfricas e a versoes explicativas bastante distin-

tas: 0conhecimento individual de objetos e relacoes sociais

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especfficas, de urn lado, c a socializacao do conhecimento,

sobre "0 ambiente social, material e ideal" (Iodelet, 1984: 361)

em urn dado conjunto social , do outro. Finalmente, contras-

tam-se 0 assumido a -h i s to nd smo da orientacao americana, "em

sua busca de processos tao basicos e universais que [possam]

abrigar quaisquer conteiidos espedficos" (Sa, 1993a: 20), e a

igualmente assumida historicidade dos fen6menos repre-

sentacionais, que obrigam a pesquisa dos conteiidos tanto quan-

to dos processos, sob0risco de seterminar nada compreendendo

dessa cambiante modalidade de pcnsamento social.

Algumas ultimas observacoes introdut6rias se fazem opor-

tunas parajustificar a focalizacao do presente trabalho sobre

a teoria do micleo central, que e uma abordagem especffica

no campo das representacoes sociais, e este, por sua vez,

tipifica urn conjunto de enfases e tendencias de origem euro-

peia ainda em processo de constituicao, Por que a escolha pelo

autor desse apenas emergente objeto socio-acadernico de

estudo para a sua tese de professor titular na UERJ, quando

a tradicao brasileira em psicologia social sempre acompanhouo aparentemente ja consolidado paradigma americano? A

primeira resposta 6bvia e: "Justamcnte por isso", ou seja, a

fim de contribuir para a participacao brasileira no movimento

de renovacao ternatica, te6rica e metodol6gica da psicologia

social que 0desenvolvimento desses campos representa hoje'

em dia.

Complementa essajustificativa 0fato de que ja se encon-

tra em curso no Brasil urn consistente movimento academico

de familiarizacao, crit ica e crescente producao cientff ica no

campo das representacoes sociais. Umajustificativa final, nao

menos importante, relaciona-se diretamente com 0oco prin-

cipal do presente trabalho. A Teoria do Niicleo Central,

inaugurada por Jean-Claude Abric em 1976, na Uni ve r si te d e

Provence, apresenta hoje, ao cabo de cerca de vinte anos de

evolucao continua e sistematica, urn alto grau de elaboracao

te6rico-conceitual e de refinamento metodol6gico, bern

como uma importante producao empirica, 0 que faz dela urn

dos mais efetivos desenvolvimentos no campo de estudos das

representacoes sociais.

Assim e que, nos primeiros tres capftulos deste livro, que

se seguem, sao apresentadas e discutidas as seguintes questoes,

de modo acompor 0corpo te6rico-conceitual e metodol6gico

do presente trabalho:

1)A caracterizacao do campo de estudos das representacoes

sociais, em termos do conceito, dos conjuntos de fen6menos

que tern sido objeto de pesquisa e da sua teoria explicativa

basica, como uma forma de dar conta do contexto academico

mais amplo em que se insere a teoria do micleo central.

2) As proposicoes complementares da teoria do rnicleo

central quanta a estrutura e a dinamica das representacoes

sociais, incluindo sua transformacao em fun<;;aodas praticas

sociais, na versao original dessa abordagem e como produto

de seu gradativo refinamento, tomando-se como referencia acontextualiza<;;aoprovidenciada no capitulo anterior.

3) A metodologia desenvolvida pelo G ru po d o M i di com

vistas ao levantamento e a idcntificacao dos elementos do

nucleo central e dos elementos perifericos que fazem a inter-

face das representacoes com a pratica cotidiana concreta dos

indivfduos e grupos.

Urn quarto capitulo ficou reservado para a apresentacao,

como uma ilustracao empfrica do emprego da teoria do rni-

cleo central, de uma sfntese da etapa final do que foi talvez a

primeira pesquisa brasileira orientada por esta abordagemcomplementar da teoria geral das representacoes sociais. Tra-

ta-se do trabalho de Sa, Souto e Moller (1993a, 1993b, 1994)

sobre a representacao social do conhecimento cientffico no

Rio deJaneiro, que se completou por uma comparacao entre

 

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as representacoes sociais mantidas por dois conjuntos de

sujeitos diferenciados em relacao ao consumo da vulgarizacao

cientffica atraves dos meios de cornunicacao de massa.

Finalmente, a conclusao do livro constitui uma articulacao

e uma discussao critica dasprincipais informacoes e argumentos

proporcionados nos capitulos precedentes, com vistas a pro-

ducao de urn convencimento final quanta a relevancia da

teoria e dapesquisa do micleo central para 0desenvolvimento

do campo das representacoes sociais e para a consolidacao de

uma psicologia social "mais social" e "plurimetodologica",

com vistas a, por meio de sua posterior publicacfo, ora con-

cretizada, proporcionar ao publico academico brasileiro, na

area das ciencias psicol6gicas e sociais, urn texto introdut6rio

razoavelmente claro e conciso, mas suficientemente critico e

abrangente, sobre 0 estado atual da teoria e da pesquisa do

rnicleo central.

Para terminar esta introducao, cabe ainda registrar alguns

esclarecimentos quanta aos seguintes aspectos formais assu-

midos pelo presente livro:

1) Sao feitas frequentes e extensas transcricoes de passa-

gens das obras que informam 0 desenvolvimento do trabalho.

Taistranscricoes obedecem a urn encadeamento com 0 corpo

basi co do texto, de tal modo que passam a fazer parte da

sequencia organizada das ideias que se quer transmitir. Essaestrategia visa evitar, tanto quanta possivel, as parafrases - que,

por mais cuidadosas que sejam, se mostram com frequencia

menos precisas que os textos originais - e levar ao lei tor 0que

sepoderia chamar de "0pensamento vivo" dos autores citados.,

2) Eventualmente essas transcricoes incluem citacoes de

terceiros. A s referencias bibliograficas do trabalho nao as

contemplam, mesmo quando nao ignoradas pelo seu autor,

senao se tiverem servido tambem a fundamentacao da orga-

nizacao e desenvolvimento do texto principal. Tal medida visa

dist inguir com a necessaria nit idez as fontes efetivamente

utilizadas, 0 que, de resto, e 0 que setorna tambem manifesto

com a estrategia das transcricoes extensas e frequentes.

3) Imprimiu-se propositalmente ao trabalho, desde 0

inicio, enquanto ainda tesede concurso, um certo estilo didatico,

 

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Capitulo 1

o C A M P O D E E S T U D O S D A S

RE PRE S ENTA ~ 6 E S S O C I A l S

o termo r epres en tacoes soci a is designa tanto urn conjunto

de fenornenos quanta 0 conceito que os engloba e a teoria

construfda para explica-los, identificando urn vasto campo de

estudos psicossociol6gicos. Foi inaugurado por Serge Mos-

covici, atraves da sua obra seminal, L a p sy ch an aly se , so n im ag e

e t so n pu blic (1961,1976), sobre a representacao social da

psicanalise mantida pela populacao parisiense em fins dos

anos cinqiienta. Proposto com 0objetivo declarado de "rede-finir os problemas e os conceitos da psicologia social a part ir

desse fenorneno [das representacoes sociais]" (Moscovici,

1976: 16),0 campo de estudos conta hoje com uma significa-

tiva quantidade de sfnteses historicas, resenhas te6rico-con-

ceituais e metodol6gicas, levantamentos de producoes empfricas

e discuss6es criticas, que proporcionam em seu conjunto uma

visao atualizada do estado do empreendimento.

Para os prop6sitos do presente capitulo - qual seja, 0 de

caracterizar 0 campo das representacoes sociais como 0 con-

texto academico mais amplo em que se insere a teoria do

micleo central- parece suficiente, pelo menos para ascarac-terizacoes mais consensuais, 0 recurso a seguinte duzia de

obras, que cobrem a terceira e 0 infcio da quarta decadas de

existencia do campo: Moscovici (1981,1984, 1988),Jode1et

(1984, 1989a),Ibanez (1988), Doise (1990,1993),v.lla (1993a), S a

(1993a),Abric (1994a),Wagner e Elejabarrieta (1994).

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Alguns de tais trabalhos sao de carater introdutorio, ou-

tros de cunho mais analitico, outros ainda proveern uma

cobertura extensa do campo, uns poucos fazem quase tudo

isso ao mesmo tempo, mas todos enfim proporcionam uma

contribuicao propria relevante para a compreensao da natu-

reza e do desenvolvimento dos estudos sobre representacoes

sociais.

o capitulo seorganiza em tres secoes, orientadas respec-

tivamente, conquanto de forma sequencialmente articulada,

para: (1) a discussao do conceito de representacoes sociais; (2)

a exploracao dos diversos criterios de delimitacao do campo

de fenomenos a que 0 conceito se aplica; (3) a elucidacao da

natureza e do alcance explicativo da teoria das representacoes

SOCialS.

1.1.Sobre 0conceito de representacoes sociais e sua

definicao

Em uma simples caracterizacao do campo, como preten-dido neste capitulo, faz sentido introduzir 0 conceito de

representacoes sociais atraves de algumas definicoes concisas.

A rigor, essa tarefa de conceituacao formal sintetica e tao diffcilque varies dos autores aqui citados nao comecaram suas

exposicoes dessa forma, preferindo fazer preceder a definicao-

por uma especie de preparacao indutiva do leitor. Isso sedeve

a propria complexidade da nocao de representacoes sociais,

que teria levado Moscovici (1976), na obra mesmo em que a

propoe, a com entar que "se a realidade das representacoes

sociais e fkil de captar, 0conceito nao 0e" (p. 39), para, apos

cerca de vinte paginas de exploracao da ideia, tomar a admitir

que "a nocao de representacoes ainda nos escapa" (p. 61).

Alern disso, Moscovici sempre resistiu a apresentar uma

definicao precisa das representacoes sociais, por julgar que

uma tentativa nesse sentido poderia acabar resultando na

reducao do seu alcance conceitual. Admitindo 0 problema,

30

Tomas Ibanez (1988) identifica como uma das dificuldades

para a definicao do conceito a "sua composicao polimorfa.ja

que recolhe e integra toda uma serie de conceitos que apre-

senta~, cada urn deles, urn alcance mais restrito que 0proprio

concerto de representacoes sociais" (p. 32). Realmente, em

urn de seus muitos comentarios, nao exatamente definicoes,

sobre 0 que sejam asrepresentacoes sociais, Moscovici (1981)

sugere uma tal coleta de variadas nocoes dos campos cognitivo

e cultural para cornpor 0 seu conceito ou proporcionar-Iheparentescos analogicos:

"Por representacoes sociais, entendemos urn conjunto de con-

ceitos, proposicoec e explicacoes origin ado navida cotidiana no

curso de comunica~6es interpessoais. Elas sao 0 equivalente,

em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crencas das socie-

dades tradicionais; podem tambern ser vistas como a versao

contempordn-., do senso comum" (Moscovici, 1981: 181).

A inclusividade da nocao de representacoes sociais fica

ainda mais patente quando se nota que ela pretende englobar

o proprio conceito com que mais e levada a rivalizar nas

analises crfticas do campo, 0 de atitudes, bern como 0 de

imagem. De fato, uma das primeiras proposicoes quanto aestrutura das representacoes (Moscovici, 1976) estabelece

que esta se configura ao longo de tres dimensoes: informacao,

atitude e campo de representacao ou imagem.

A iriformafiio "se refere a organizacao dos conhecimentos

que urn grupo possui a respeito de urn objeto social" (p. 66);

o c amp o d e r e pr e se n ta o io "remete a ideia de imagem, de modelosocial, ao conteudo concreto e limitado das proposicoes acerca

de urn aspecto preciso do objeto da representacao" (p. 67); "a

atiiude termina por focalizar a orienta~ao global em relacao ao

objeto da representacao social" (p. 69). A "unidade hierarqui-

zada dos elementos" implicada na dirnensao "campo de rep-

resentacao", que a torna a mais interessante e original para

Ibanez (op. cit.) , e , adiante-se, privilegiada tambern pela teoria

do rnicleo central. Moscovici, entretanto, ressalta urn outro

31

 

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aspecto que confere uma imporcincia crucial a dimensao da

"atitude" na formacao das representacoes:

"... a atitude e a mais frequente das t res dimens6es e, talvez ,

geneticamcnte a primeira. Por conseguinte, e razoavel concluirque as pessoas se informam e representam alguma coisa so-

mente depois de terem tornado uma posicao e em funcao da

posicao tomada" (Moscovici, 1976: 72).

Alern dessas inclus6es cognitiva, atitudinal e imageries,

de cunho psicol6gico, Ibanez alerta para a necessaria partici-pacao tambem de nocoes sociol6gicas na constituicao do

conceito:

"Com efeito, 0 tipo de realidade social para que aponta 0

conceito de representacao social esta f inamente tecido por urn

conjunto de elementos de natureza muito diversa: processos

cognitivos, insercoes sociais, fatores afetivos, sistemas de valo-

res . .. que devcm caber s imultaneamente no ins trumento con-

ceitual utilizado para elucida-lo" (Ibanez, 1988: 32-33).

Embora se trate de "urn conceito complexo, polifacetico,

diffcil de encerrar em uma expressao condensada e com a

ajuda de umas poucas palavras", como convern Ibanez (o p . c i t. :37), alguns autores tern proposto definicoes para as repre-

sentacoes sociais, que, pela generalidade dos termos e relacoes

empregados, nao parecem comprometer a integridade do

conceito. Assim e que Denise Jodelet (1989a), no cumpri-

mento de uma necessaria tarefa de sistematizacao do campo,

busca refletir 0que parece ser consensual entre os estudiosos

das representacoes sociais na seguinte f6rmula concisa: "uma

forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada,

que tern urn objetivo pratico e concorre para a construcao de

uma realidade comum a urn conjunto social" (p. 36).

Escandindo essa definicao, de modo a fazer justica a

complexidade do conceito, Jodelet ( op . c it .) acrescenta uma

quantidade de observacoes esclarecedoras. Em primeiro lu-

gar, considera que uma representacao social e uma forma de

saber pratico que liga urn sujeito a urn objeto. Com relacao

32

ao objeto, que pode ser de natureza social, material ou ideal ,

a representacao se encontra em uma relacao de simbolizacao

(esta no seu lugar) e de interpretacao (confere-lhe significa-

dos). A rcprescntacao e , por outro lado, uma construcao e

uma expressao do sujeito, que pode ser considerado do ponto

de vista epistemico (se se focalizam os processos cognitivos)

ou psicodinamico (se a enfase e sobre os mecanismos intrap-

sfquicos, motivacionais etc.), mas tambem social ou coletivo,

na medida em que sempre seha de integrar na analise daque-les processos 0 pertencimento e a participacao sociais e cultu-

rais do sujeito. Alern disso, enquanto uma forma de saber, a

representacao scaprcscnta como uma modelizacao do objeto,

que pode ser apreendida em diversos suportes l ingi.ifst icos,

comportamentais ou materiais. Finalmente, dando conta das

funcoes e da eficacia sociais das representacoes.jodelet escla-

rece que "qualificar esse saber como 'pratico' se refere a

experiencia a partir da qual ele e produzido, aos quadros e

condicoes nos quais 0 e , e sobrctudo ao fato de que a repre- I

sentacao serve para se agir sobre 0 mundo e sobre os outros"

(p.43-45).

Willem Doise (1990), por seu turno, privilegiando mais

explicitamente os niveis de analise posicional e ideo16gico por

ele propostos (ver introducao), apresenta a seguinte definicao:

"representacoes sociais sao prindpios geradores de tomadas

de posicao ligadas a insercoes espedficas em urn conjunto de

relacoes sociais e que organizam os process os simbolicos que

intervem nessas relacoes" (p. 125). 0autor adverte que "a

primeira parte dessa definicao (.. .) e tomada emprestada de

Bourdieu (1977), mas que 0conjunto da definicao pode ser

igualmente bern ilustrado por passagens do livro de referencia

de Moscovici" (ibid.). De fato, para fundamentar proposicoes

mais abrangentes sobre as relacoes entre processos sociais e

cognitivos, asquais tal definicao sesubordina, Doise serepor-

taa obra de Moscovici, aprop6sito das caracterfsticas comuns

ao pensamento cientff ico e ao chamado "pensamento natu-

ral":

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"...vemos em funcionamento dois sistemas cognitivos, urn que

procede as associacoes, inclus6es, discriminacces, deducoes,

ou seja, 0 sistema operat6rio, e outro que controla, ver if ica,

seleciona com a ajuda de regras, 16gicasou nao; trata-se de uma

especie de metassistema que retrabalha a materia produzida

pelo primeiro" (Moscovici, 1976: 254).

Segundo Moscovici, 0 metassistema e constitufdo por

regulacoes sociais que controlam, verificam e dirigem as

operacoes cognitivas.

Eesta relacao que Doise vern a privile-

giar no seu entendimento do que sejam as representacoes

sociais, condicionando-as a uma consideracao das insercoes

sociais de seus produtores e usuarios:

"E a analise das regulacoes efetuadas pelo metassistema social

no sistema cognitivo que constitui 0 estudo propriamente dito

das representacoes sociais, desde que suas ligacoes com posicoes

especif icas em urn conjunto de relacoes sociais sejam explici-

tadas . Segundo as posicoes , as exigencias do metass istema va-

riam; elas podem, por exemplo, implicar uma aplicacao

rigorosa de principios logicos, quando de urn trabalho cientffi-

co, ou visar sobretudo uma defesa da coesao do grupo, quando

de urn confl ito com outro grupo" (Doise, 1990: 115-116).

Alern da variabilidade das representacoes, em funcao das

exigencias metassisternicas globais de diferentes contextos

sociais, como argumentado na passagem acima, Doise (op. cit.)

destaca ainda "a pluralidade dos processos e funcionamentos

( ...) ao nfvel do individuo quando da elaboracao de suas

tomadas de posicao em funcao de uma insercao especffica em

urn campo social" (p. 127). Repudiando uma perspectiva

consensual, frequcnternente associada ao conceito de repre-

sentacoes sociais, 0autor considera que tal pluralidade per-

mite explicar a variedade das expressoes individuais de uma

representacao, questao que sera ainda retomada quando do

exame da teoria do micleo central:

"Uma tal concepcao consensual nao esta absolutamente pre-

sente em Moscovici, que nao considera 0consenso como uma

caracterfst ica essencial do funcionamento ou do produto das

34

representacoes sociais (...).Assim como asinsercoes e situacoes

sociais nao sao jamais completamente identicas , os mult iples

processos que intervern nas tomadas de posicao sao tambern

var iados. Essa dupla fonte de var iacao pode gerar uma multi-

plicidade aparente de tomadas de posicao que sao entretanto

produzidas a partir de principios organizadores comuns" (Doi-

se, 1990: 127).

Em uma importante irnplicacao desse modo de concei-

tuar as representacoes sociais, Doise (1993) considera que " ena segunda parte do livro de Moscovici (1976) sobre as

representacoes sociais da psicanalise que se encontra ( .. .) 0

melhor exemplo de urn estudo sobre a insercao de repre-

sentacoes na organizacao de relacoes simb6licas entre atores

sociais" (p. 159). Trata-se da distincao que Moscovici estabe-

lece entre os diferentes sistemas de cornunicacfio que carac-

terizavam as relacoes que tres distintas instancias da imprensa

francesa mantinham com seus leitores:

1) a difusclo, tfpica da imprensa de grande circulacao,

caracterizada por uma ausencia de diferenciacao entre a fonte

e osreceptores da comunicacao e cujo principal objetivo seriacriar urn interesse comum sobre urn dado assunto, como a

psicanalise, bern como adaptar-se aos interesses dos seusleitores;

2) a propagar,clo, identificada na imprensa ligada a Igreja

Cat61ica, que visaria expandir sua organizada visao de mundo,

acomodando seletivamente os conteudos de outras doutrinas,

como a psicanalise, ao seu pr6prio sistema;

3) a propaganda, localizada na imprensa comunista, cujo

objetivo seria 0de diferenciar antagonisticamente entre su-

postos conhecimentos verdadeiro e falso, representado 0pri-

meiro pelas suas pr6prias perspectivas e0falso, por exemplo,

pela psicanalise,

Moscovici propos corresponder-se tais relacoes de comu-

nicacao, termo a termo, a diferentes instancias de organizacao

cognitiva: a difusao a opiniao; a propagacao a atitude; a pro-

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paganda ao estereotipo. 1 3 nessa proposicao que Doise identi-

fica 0 carater distintivo das representacoes sociais de serem

intimamente vinculadas a insercoes sociais especfficas, como

bern ilustrado por essa art iculacao entre alguns de seus com-

ponentes - opini6es, atitudes, estereotipos - e certas praticas

comunicacionais socialmente bern definidas.

Ao mesmo tempo, constata a negligencia de outras ten-

dencias da psicologia social em pensar tais conceitos "mais

socialmente":

"Essa nova definicao de opinioes, atitudes e estere6tipos nao foi

infelizmente retida pelos psicologos sociais que trabalham nes-

ses campos . Isto cer tamente nao e uma coincidencia, porque

poucos pesquisadores trabalham na articulacao entre sistemas

de comunicacao e s is temas de organizacao cognitiva" (Doise,

1993: 160-161).

Finalmente, cabe registrar, com vistas a uma apreciacao

futura, a definicao que Jean-Claude Abric apresentara por

ocasiao da proposicao da teoria do micleo central, em 1976:

"0produto e 0processo de uma atividade mental pela qual

urn indivfduo ou urn grupo reconstitui 0real com que se

confronta e the atr ibui uma significacao especffica" (Abric,

1994a: 13).

1.2. Sobre 0campo de fenomenos de representacao

social

Uma outra forma de caracterizar 0 estudo das repre-

sentacoes sociais consiste no levantamento dos assUl;tos ou

objetos de representacao que tern sido investigados. E 0que

faz, por exemplo, Jorge Vala (1993a) ao listar "problemas taosalientes como" : a saude/doenca, a doenca mental , ajustica,

a violencia, 0 grupo e a amizade, 0 .trabalho, 0 desemprego,

os sistemas tecnologicos, os sistemas economicos e asrelacoes

economicas, os confli tos sociais e as relacoes intergrupais, e

ainda grupos ou categorias sociais como a crianca, a mulher,

36

os quadros organizacionais, os psicologos e a psicologia (p.

359). Valajustifica essa estrategia nos seguintes termos:

' ~o apresentar esta longa e incompleta l is ta de dominies, obje-

tos ou problemas, para a compreensao dos quais 0 conceito de

representacao social foi julgado uti l, v isa-se mostrar como se

esta em presenca de um campo de investiga~ao vivo e oricntado

para a interroga~ao das interrogacoes do nosso tempo" (Vala,1993a: 359).

Jodelet (1984), por seu turno, mapeia 0campo atraves da

enumeracao de seis diferentes perspectivas que presidem a

forrnulacao da maneira como se elaboram as representacoes

sociais: (1) enfase a atividade puramente cognitiva pela qual

o sujeito constroi sua representacao; (2) acentuac;:aodos as-

pectos significantes da atividade representativa; (3) tratamen-

to da representacao como uma forma de discurso; (4) con-

sideracao da pratica social do sujeito na construcao da repre-

sentacao; (5) deterrninacao da dinamica das representacoes pelo

jogo dasrelacoes intergrupais; (6)enfase sociologizante, fazendo

do sujeito urn portador das deterrninacoes sociais responsaveis

em ultima instancia pela producao das representac;:6es (p.365-366). Em urn texto posterior, Jodelet (1989a) esclarece que

"amultiplicidade de perspectivas delimita territories mais ou

menos autonomos pela enfase colocada sobre aspectos espe-

cfficos dos fenomenos representacionais", daf resultando "urn

espac;ode estudo multidimensional" (p. 42).

Wolfgang Wagner e Fran Elejabarrieta (1994), assim como

Wagner (1994), buscam sistematizar a descricao do contexto

fenomenal das representac;:6es sociais, distinguindo tres gran-

des campos de investigac;:ao,nos quais podem ser reagrupados

os diferentes problemas substantivos listados por Vala:

"0 primeiro e 0 que caracte riza a per spectiva original dasrepresentacoes como conhecimento vulgar, oufolk-knowledge,

de ideias cientif icas popular izadas . 0 segundo e 0extenso

campo dos objetos cultural mente construfdos atraves de uma

longa hist6ria e seus equivalentes modernos. 0 te rce iro e 0

campo das condicoes e acontecimentos sociais e politicos, onde

""- . .,

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as representacoes que prevalecem tern urn curto prazo de

significacao para a vida social. Estes tres campos constituem 0

que podemos denominar de topogra fia da mente moderna"

(Wagner &Elejabarrieta, 1994: 822)_

A diversidade de objetos de representacao que tern sido

alvo de pesquisas nos campos acima recortados vai certamente

alern das ilustracoes proporcionadas. Para uma visao mais

completa, conviria consultar a "Bibliografia geral sobre as

representacoes sociais" levantada por Jodelet e Ohana (emJodelet, 1984) e a "Caixa de ferramen tas bibliograficas sobre

as representacoes sociais" oferecida por Ibanez (1988)_ Alern

disso, para uma amostragem nao-exaustiva, porem refletindo

tendencias mais atuais, cabe noticiar a variedade de assuntos

que ensejaram a constituicao dos workshops e s p ec ial mee t in g s da

"2i!Conferencia Internacional sobre Representacoes Sociais",

no Rio de Janeiro, em 1994: processos te6ricos espedficos e

estudos comparativos de representacoes sociais; representacoes

na pesquisa sobre comunidade; nas questoes de saude, em

geral e especfficas aAids; relacoes com os process os cognitivos

e a linguagem; estudos empfricos envolvendo a cultura; apolftica e os movimentos sociais; a ciencia e a cornunicacao

de massa; a etnicidade e a nacionalidade; a ecologia; 0 trabalho

e as organizacoes; relacoes com a psicanalise; com os proces-

sos de exclusao social (genero, velhice, meninos de rua); com

o desenvolvimento, a educacao e a formacao pro fissionaL ,

As representacoes sociais comportam novas distincoes a

partir das respostas a interrogacao sobre as razoes para a sua

designacao como "sociais", e nao mais como "coletivas",

contrariando Durkheim, a fonte explicitamente assumida por

Moscovici quando da retomada daquele "conceito perdido".

A rigor, a proposicao das representacoes sociais nao revoga as

representacoes coletivas, mas acrescenta outros fenomenos ao

campo de estudos, Concebido assim de forma mais amp la, 0

campo pode ter seu contexto fenomenal mapeado ainda de

uma outra maneira, ou seja, pela dist incao entre diferentes

38

r

~po~ de rep~esentac,;aoem funcao de suas origens e respectivosambltos de msercao social,

Ness~ senti~o: Ibanez (1988) considerando que "as re-

prese~t~c,;oes sociais se constituem a partir de uma serie de

~a_tenals de procedencias muito diversas" (p_ 40), inclui

nitidamente entre elas 0 que antes se havia convencionado

chamar de representacoes coletivas:

",.. grande parte desses materiais provem do fundo cultura l

acumulado na sociedade ao longo de sua his toria. Esse fundo

cultural comum circula atraves de toda a sociedade sob a forma

de crencas amplamente compartilhadas, de valores considera-

dos como basicos e de referencias hi st6ricas e culturai s que

co~forma~ a mem6ria colet iva e a te a identidade da pr6priasocledade (Ibanez, 1988: 40)_

E esse ~es~o 0 entendimento de Moscovici (1988)

q~a~do, ao justificar a sua preferencia pelo adjetivo social,

dlS~!n~e e~ntr_e~'presenta~oes "hegemonicas", "emancipa-

das_~ polemlcas , todas vistas por ele como legitimamente

sociais. Note-se que tais distincoes, descritas extensamente aseguir, coincide~ em ~oa medida com a tipologia proposta

porWagner e Elejabarrieta (1994), com a unica diferenca de

que esses autores_fazem as represenracoes emancipadas cor-

responder excluslvamente a apropriacao do conhecimentocientffico.

"De _acor~o com _0 ponto de vista classico, representacoes

c~letl:as sao definidas por sua oposi<;J.oa representacoes indi-

vlduals._Na nossa perspectiva, essa oposicao e irrelevante. Hi

presurnivelmenre tres maneiras pelas quais as representacoes

podem se tornar sociais, dependendo das relacoes entre os

membros do grupo_ As representacoes podem ser partilhadas

por todos os membros de urn grupo altamente est ruturado _urn part ido, cidade ou nacao - sem terem sido produzidas pelo

grupo. Essas representacoes hegemonicas prevalecem implicita-

mente_em todas aspriticas simb61icas ou afetivas. Elas parecem

ser u?~formes e coercivas . E las ref letem a homogeneidade e a

estabi lidade que os soc iologos franceses tinham em mente

quando chamaram essas representacoes de coletivas.

39

 

r

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Outras representacoes sao a consequencia da circulacao

do conhecimento e das ideias pertencentes a subgrupos que

se encontram em contato mais ou menos estreito. Cada

subgrupo cria sua pr6pria versao e a parti lha com os outros.

Essas sao representacoes emancipadas com urn certo grau de

autonomia em relacao aos segrnentos interagentes da socie-

dade. Elas tern uma funcao complementar na medida em que

resultam do intercarnbio e parti lha de urn conjunto de inter-

pretacoes ou sfmbolos. Elas sao sociais em virtude da divisao

de funcoes e da informacao reunida e coordenada por seu

intermedio.

Finalmente, ha representacoes geradas no curso de cont1itos

sociais, de controversias sociais , e a sociedade como urn todo

nao ascompartilha. Elas sao determinadas por relacoes antago-

nis ticas entre seus membros e orientadas para serem mutua-

mente exclusivas. Essas representacoes polimicas devem ser

vistas no contexto de uma oposicao ou luta ent re grupos e sao

frequentemente expressas em termos de urn dia logo com urn

interlocutor imaginario" (Moscovici, 1988: 221-222).

Conduindo, Moscovici ( op . c it .) argumenta que "essas

distincoes enfatizam a transicao do conceito de representacao

coletiva como uma visao uniforme para uma visao diferencia-

da das representacoes sociais, que e mais proxima da nossa

realidade" (p. 222). Levando a questao urn pouco mais adian-

te, cabe ainda perguntar - e isso e frequenternente feito pelos

estudantes que seiniciam no estudo das representacoes sociais

_ se"tudo e representacao social", ou seja, se todos os objetos

do "ambiente social, material e ideal" sao objetos de repre-

sentacao social por parte de urn ou outro grupo, conjunto ou

segrnento social.

A resposta negativa, que admite a nao-existencia de "re-

presentacoes sociais de tudo", parece bern conforme ao espi-

r ito diferenciado ou relativista da nocao de representacoes

sociais, como ressaltado por Moscovici. A pergunta e explici-tamente respondida pelo seguinte comentario de Ibanez, 0

40

• o J <

qual, de resto, por sua pcrtinencia, devera ser retomado quan-

do do exame da teoria do micleo central:

"Certos autores insistem sobre 0 carater estruturado das repre-

sentacoes sociais.

(...)0 fato de que asrepresentacoes sociais estejam estruturadas

nos indica tambern que nao ha por que existir uma reprc-

sentacao social para cada objeto em que possamos pensar. Pode

ser que urn de terminado objeto tao so de lugar a uma serie de

opinioes e de imagens relativamente desconexas. Isto nos indi-

ca tambern que nem todos os grupos ou categorias sociais

tenham que participar de uma representacao social que lhes seja

propria. E possfvel, por exemplo, que urn grupo tenha uma

representacao social de certo objeto e que outro grupo se

caracterize tao-somente pelo fato de dispor de urn conjunto de

opini6es, de inforrnacoes ou de imagens acerca desse mesmo

objeto, sem que isso suponha a existencia de uma representacao

social" (Ibanez, 1988: 34-35).

Essas observacoes conduzem diretamente a questao de

quais sejam ascondicoes que afetam a ernergencia ou nao da

representacao social de urn dado objeto no ambito de urn

determinado grupo. Tais condicoes realfsticas de producaodos fen6menos das representacoes sociais, advertidas desde 0

infcio por Moscovici, sao resenhadas da seguinte mane ira por

Vala (1993a), que as ve, acompanhando Doise, como decor-

rentes da "enorme pluralidade das clivagens socio-econorni-

cas e dos quadros de referencia normativo-valorativos" e

diretamente responsaveis pela "pluralidade de representacoes

sobre urn mesmo objeto" (p. 363):

''A d i sp e rs i io da i n fo rma{ i io reenvia para urn defasamento quanti-

tat ivo e quali tativo entre a inforrnacao disponfvel e a inform a-

«ao necessaria para a cornpreensao salida de urn problema ou

de urn objeto. Mais, a informacao que circula nao e sempre

claramente definida, e na maioria dos casas ambigua, imprecisa.Este defasamento nao e independente das clivagens sociais: nao

so a informacao nao circula da mesma forma, como nao circula

o mesmo tipo de inforrnacao em todos osgrupos sociais, como

ainda a ambiguidade da inforrnacao nao semanifesta damesma

forma para todos;

41

 

r r

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A Jocalizafao: os recursos educativos, os interesses profissionais

ou ideologicos parametr izam a focalizacao dos indivfduos em

diferentes domfnios do meio e gerem a pertinencia daelabora-

~aode uma representacao ou de uma representacao mais solida

ou mais f luida acerca de urn dado objeto;

A pressdo Ii inftrencia: ent re a consta tacao de urn fenorneno e a

necessidade de tomada de posicao sobre ele vai urn lapso de

tempo mfnimo. A posicao a tomar nao e, contudo, uma qua l-

quer, deve servi r a obje tivos ind ividua is ou grupa is. Ta l fa to

exige que os indivfduos e osgrupos disponham de recursos que

lhes permitam produzir uma opiniao nao so rapida , mas tam-

bern conforme assuas estrategias, Esses recursos sao, em gran-

de parte, as representacoes a que 0 fenorneno em causa faz

apelo, e que refletem 0 posicionamento social dos indivfduos

na sua relacao com urn grupo ede urn grupo nasua relacao com

outros grupos" (Vala, 1993a: 363-364).

Para encerrar esta secao, vale a pena noticiar a possfvel

existencia de pseudofenomenos de representacao social, en-

gendrados "pela propria pratica especial izada da pesquisa,

dada a liberdade de provocacao de respostas que as tecnicas

de entrevistas ou questionarios detern" (Sa, 1994: 42). Comoassinalado por Ibanez, nem todos os objetos do ambiente

social chegam a se constituir em objetos de representacao de

algum grupo ou conjunto social. Mas, " e possfvel que urn

dado objeto social nao seja representado (...) por determinado

grupo ou segmento da sociedade e que, nao obstante, seus

membros Jalem sobre tal objeto" (ibid.), mormente se instados

a faze-lo por urn pesquisador. Assim, embora ascondicoes de

emergencia das representacoes acima discutidas nao sejam

minimamente cumpridas, a lga e "extraido" dos sujeitos e

pode, inadvertida ou (mal) intencionalmente, ser tornado

como indicador de uma representacao social mantida de

forma consistente pelo grupo ao qual eles pertencem. Obvia-

mente, esta nao e uma questao que afete a caracterizacao dos

(reais) fenomenos de representacao social ou sua conceitua-

<,;aoabstrata, mas tern importantes implicacoes na construcao

dos o b je to s d e p e sq u is a, para a qual contribuem decisivamente,

42

ao lado das estrategias metodologicas, as formula<,;oes teoricas,

que constituem 0 assunto da proxima secao,

1.3.Sobre a explicacao te6rica das representacoes sociais

Em uma de suas muitas "quase definicoes" das repre-

sentacoes sociais, Moscovici (1976) enfatiza 0carater distin-

tivo dadimensao funcional do fenomeno, argumentando quetanto a consideracao da genese social das representacoes quanta

o fato de elas serem socialmente comparti lhadas nao seriam

suficientes para dist ingui-las de outros sistemas de pensa-

mento coletivo, como a ciencia e a ideologia. 0 termo repre-

sen tacdo soc ial deveria ser, portanto, reservado para aquela "mo-

dalidade de conhecimento particular que tern por funcao

[exclusiva] a elaboracao de comportamentos e a comunicacao

entre indivfduos" (p. 26) no quadro da vida cotidiana. Mos-

covicijustifica essa especffica enfase funcional, convindo que

o mais importante na representacao social e que ela "produz

e determina comportamentos, visto que define ao mesmotempo a natureza dos estfrnulos que nos envolvem enos

provocam e a significacao das respostas a lhes dar" (ibid.).

Embora a funcionalidade das representacoes esteja muito

bem sintetizada na formula acima, parece interessante verifi-

car como eIa pode ser desmembrada para evidenciar uma serie

de outros aspectos valorizados no decorrer da historia do

campo de estudos. A razao para tal especificacao mais deta-

lhada das funcoes das representacoes sociais relaciona-se ao

esboco que se pretende aqui apresentar de sua teoria explica-

tiva. De fato, uma explicacao adequada dos fenornenos de

representacao social deve dar coma de suas origens, de seus

fins ou fun<,;oese das circunstancias de sua producao,

Assim, Abric (1994a) sistematiza a questao das finalidades

proprias das representacoes sociais, atribuindo-Ihes quatro

funcoes essenciais:

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" Fu nfo es d e s abe r: ela s p er mite m c om pr een de r e e xpl ica r a r eal id ad e.

Saber pratico do senso comum, ( .. .) elas permitem aos atores

socia is adqui rir conhecimentos e integra-los a urn quadro

assimilavel e compreensfvel para eles, em coerencia com seu

funcionamento cognit ivo e os valores aos qua is aderem. Por

outro lado, e las faci lit am - e sao mesmo condicao necessa ria

para - a c omun i ca c do so ci a l. Elas definem 0 quadro de referencia

comum que permite a troca socia l, a transrni ssao e a di fusao

desse saber 'ingenue'.

F lI nf oe s i de nt iu ir ia s: e la s d ef in em a i de nt id a de e p e rm i te m a s al va g ua rd a

d a e sp ec ifi ci da de d os g ru po s ( . .. ) . As representacoes tern tambern

par funcao situar os indivlduos e os grupos no campo social

(permitindo) a elaboracao de uma identidade social e pessoal

gratificante, ou seja, compatfvel com sistemas de normas e de

valores social e historicamente determinados (.. .). A referencia

as representacoes como definindo a identidade de urn grupo

vai por outro lade desempenhar um papel importante no controle

social exercido pela colet ividade sobre cada urn de seus mem-

bros, em particular nos process os de socializacao.

F l It lf oe s d e o r ie n ta d io : elas guiam os comportamentos e aspraticas.

A representacao intervem diretamente na d e fl ni fi io d a fi na li da d e d a

sittw§iio, determinando assim a pr ior i 0 tipo de relacoes pertinentes

para 0 sujeito (...).A representacao produz igualmente 11msis t ema

de ante cipa fOes e de expecta t ivas , constituindo portanto uma ac;:aoobre

a realidade: selecao e filtragem de informacoes, interpretacoes

visando tomar essa realidade conforme a representacao (.. .).En-

t im, enquanto ( .. .) ref letindo a natureza das regras e dos laces

sociais, a representacao e prescritiva de comportamentos ou de

praticas obrigatorias, Ela define 0que e lfcito, toleravel ou inacei-

tavel em urn dado contexte sociaL

F tm§oe s j u st i fi c at 6 ri a s: e l as p e rm i tem j ll s ti } ic a r a posteriori a s t omada s

d e p o si fi io e o s c om po rt am en to s ( . .. ) . A montante da ac;:aoas repre-

sentacoes desempenham urn papel. Mas elas intervern tam bern

ajusante da ac;:ao,permitindo assim aos atores explicar ejusti-

ficar suas condutas em uma situacao ou em relacao aos seus

participantes" (Abric, 1994a: 15-18).

A disponibilidade de uma explicacao dos fenomenos de

que se ocupa sob a forma de uma teoria - ou seja, de urn

44

conjunto minimamente organizado de proposicoes que de

conta de por que e como tais fenomenos se constituem e

funcionam - e uma exigencia para a caracterizacao cabal de

urn determinado campo de estudos. Trata-se de explicar por

que asorigens detectadas dos fenomenos sao efetivas na sua

producao e como estes servem as funcoes identificadas, bern

como estabelecer condicoes gerais que respondam pela in-

fluencia de toda sorte de circunstancias em tais processos de

constituicao e funcionamento.

No que se refere especif icamente ao fenorneno das rep-

resentacoes sociais, a exigencia explicativa de natureza psicos-

sociol6gica marca uma importante diferenca em relacao ao

tratamento sociol6gico anterior, durkheimiano, das repre-

sentacoes coletivas. Realmente, enquanto estas eram vistas

como entidades explicativas nelas mesrnas.ja que irredutfveis

por qualquer analise posterior, as representacoes sociais sao

tomadas como fenomenos que devem ser eles pr6prios expli-

cados. N esse caso, cabe a teoria penetrar nas representacoes -

ou provocar algo como uma "cisao do atomo", segundo a

imagem empregada por Moscovici - a fim de "descobrir" suaestrutura e seus mecanismos internos. Nao se trata, obvia-

mente, de uma descoberta, mas da proposicao de uma estru-

tura hipotet ica e de urn modelo de relacoes dinamicas que se

mostrem compativeis com as caracterfsticas sistematicamente

evidenciadas do fenorneno.

Possivelmente, 0primeiro passo para aelaboracao de uma

teoria das representacoes sociais ted sido a estrutura de dupla

natureza - conceptual efig ur ativa - que Moscovici the atribuiu

desde 0 infcio. Moscovici (1976) propos que se considerasse

a representacao como "urn processo que torna 0conceito e a

percepcao de algum modo intercambiaveis, visto que se en-gendram reciprocamente" (p. 55). A representacao seguiria,

por urn lado, a linha do pensamento conceptual, capaz de se

aplicar a urn objeto nao-presente, de concebe-lo, dar-lhe urn

sentido, simboliza-lo. Por outro lado, a maneira da atividade

perceptiva, trataria de recuperar esse objeto, dar-lhe uma

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concretude ic6nica, figura-lo, torna-lo "tangfvel". Supondo

que tal processo seja responsavel por significativas tr~nsfor-

macoes entre 0 que e "tornado" do real e 0 que e a e~e

"reenviado", 0 autor se faz mais explicito quanta a propria

natureza atualizada das representacoes:

"Representar uma coisa ( .. .) nao e com efeito s implesmente

duplica-la, repeti-la ou reproduzi-Ia; e reconstitui-Ia, retoca-la,

modificar-Ihe 0 texto. A comunicacao que se estabelece entre

o coneeito e a percep<;;ao,urn penetrando no outro, transfor-

mando a substancia concreta comum, cria a impressao de

'realismo' (.. .) Essas constelacoes intelectuais uma vez fixadas

nos fazem esquecer de que sao obra nossa, que tiveram urn

corneco e que terao urn f im, que sua existencia no exter ior leva

a marca de uma passagem pelo psiquismo individual e social"

(Moscovici, 1976: 56-57).

Assim, para Moscovici ( op . c it .) , "a estrutura de cada

representacao (...) tern duas faces tao pouco dissociaveis q~an-

to a frente e0verso de uma folha de papel: a face figuratlva e

a face simbolica", fazendo, portanto, compreender "em toda

figura urn sentido e em to do sentido uma figura" (p. 63).

Dessa configuracao estrutural das representacoes, pode-seextrair uma primeira caracterizacao de seus processos forma-

dores. A duplica<;ao de urn sentido por uma figura, pela qual

se da materialidade a urn objeto abstrato, e cumprida pelo

processo de objetivacao. A duplicacao de uma figura por ~m

sentido, pela qual se fomece urn contexto inteligfvel ao obje-

to, e cumprida pelo processo de ancoragem.

A ancoragem consiste na integracao cognitiva do objeto

representado a urn sistema de pensamento social pre-existen-

te e nas transforrnacoes implicadas em tal processo (lodelet,

1984), ou, dizendo de outra maneira, na "incorporacao ~e

novos elementos de saber em uma rede de categonas matsfamiliares" (Doise, 1990: 128). Segundo Moscovici (1984~,

ancorar e classificar e denominar: "coisas que nao sao classi-

f icadas nem denominadas sao estranhas, nao existentes e ao

mesmo tempo amea~adoras" (p. 30). E, dando prosseguimen-

to a essa argumentacao:

46

"Desde que possamos falar sobre alguma coisa, avalia-Ia e assim

cornunica-la, (. ..) entao podemos representar 0 nao-usual em

nosso mundo usual, reproduz i-Io como a repl ica de urn mo-

delo familiar. (...) a neutralidade e proibida pela pr6pria 16gica

do s is tema em que cada objeto e ser deve ter urn valor pos it ivo

ou negativo e assumir urn determinado lugar numa hierarquia

c1aramente graduada" (Moscovici, 1984: 128).

A objetivafiio consiste em uma "operacao imaginante e

estruturante", pela qual se da uma forma - ou figura - espe-

dfica ao conhecimento acerca do objeto, tornando concreto,

quase tangfvel,0conceito abstrato, como que "materializando

apalavra" (jodelet, 1984). Segundo Moscovici (1984), "obje-

tivar e descobrir a qualidade ic6nica de uma ideia ou ser

imprecisos, reproduzir urn conceito em uma imagem", por-

que, acrescenta, "desde que nos pressupomos que aspalavras

nao falam de nada , somos compelidos a liga-las a alguma coisa,

a encontrar equivalentes nao verbais" (p. 38). E, introduzindo

a importante nocao de micleo figurativo: .

'Aquelas [palavras] que, devido a sua capacidade para serem

representadas, tiverem sido selecionadas, (...) sao integradas ao

que eu chamei de u rn padrao de ntideo f igurativo, urn complexo

de imagens que reproduz vis ivelmente urn conjunto de ideias

( .. .) . Urna vez que a sociedade tenha adotado tal paradigma ou

micleo figurativo, fica mais facil falar sobre qualquer coisa que

possa ser associado ao paradigma e, por causa dessa facilidade,

as palavras referentes a ele sao usadas mais freqiientemente"

(Moscovici, 1984: 38-39).

Uma outra proposicao teorica.ja implfcita na formulacao

original da teoria mas admitida por Moscovici como de for-

malizacao definitiva posterior ados processos de objetivacao

e ancoragem, e a t ra n sj or m ad io d o n iio -f om i li ar e m f am i li ar . A

rigor, tal proposicao constitui 0proprio princfpio basico a queaqueles processos servem. Realmente, Moscovici (op. cit.)

considera que "para compreender 0fen6meno das repre-

sentacoes sociais devemos cornecar do corneco", perguntando

"por que criamos as representacoes?", Sua resposta, apresen-

tada sob a forma de uma intuicao e de uma conviccao basicas,

47

 

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e a de que "0 prop6sito de todas as representacoes e 0 de

transfonnar algo nao familiar, ou a propria nao-familiaridade,

em familiar" (p. 23-24). E, em termos mais globais e implica-

tivos:

"No todo, a dinarnicados relacionamentos e uma dinarnicade

familiarizacao,onde objetos, indivfduos e eventos saopercebi-

dos e eomprecndidos em relacao a cncontros ou paradigmas

previos. Como resultado, a memoria prevalcee sobre a dedu-

.;;ao,0 passadosobre 0 presente, a resposta sobre 0 estimulo, as

imagcns sobre a 'realidade" (Moseoviei, 1984: 23-24).

o esquema explicativo basico da teoria focaliza, portanto,

a genese das representacoes sociais atraves de urn principio

unico, bastante abrangente em sua simplicidade, e de dois

processes especfficos que procuram dar conta da estruturacao

das representacoes em seus componentes simb6lico e figura-

tivo. Nao e dificil conceber que desse esquema parcimonioso

se possa extrair a explicacao para a producao dos efeitos

funcionais de cornpreensao e explicacao da realidade, de

definicao da identidade grupal, de orientacao dos comporta-

mentos e das praticas e dejustificacao das tornadas de posicao,

Eles repousam em ultima analise sobre a dinamica da fami-

liarizacao que rege os processos formadores das representacoes,

Apenas de passagem, para ilustrar a diferenca anterior-

mente assinalada entre asenfases explicativas durkheimiana e

moscoviciana, comparem-se as consideracoes precedentes

com a seguinte, em que Durkheim descreve a constituicao

das representacoes coletivas enquanto "fatos sociais, coisas,

reais por clas mesmas":

" ... sao 0 produto de uma imensa cooperacao que se estende

nao apenasno espa.;;o,mas no tempo; para faze-las,uma mul-

tidao de espiritos diversos associaram, misturaram, combina-ramsuasideiasesentimentos;longasseriesdegera.;;oescumularam

aqui suaexperienciae saber" (Durkhcim, 1978: 216).

Cabe, entretanto, ressalvar que a teoria das representacoes

sociais, na versao original ora apresentada, foi elaborada para

48

dar conta de uma representacao emancipada, como era 0caso

da apropriacao da psicanalise pela populacao parisiense estu-

dada por Moscovici. Sua extensao asrepresentacoes hegerno-

nicas ou coletivas, considerando a genese historica rnais remota

e complexa, conforme a descricao proporcionada por Durk-

heim, pode ser bastante mais problernatica. Uma das dificul-

dades decorre do fato de que tais representacoes parecem

funcionar frequenternente como sistemas de acolhimento

para a ancoragem de novos saberes sociais.

Os respectivos ambitos de insercao socio-historica dos

diferentes tipos de representacoes tern implicacoes nao apenas

quanto a acessibilidade de seus processos geradores, mas

tambern no que se refere ao interesse que seu estudo possa

despertar no mundo moderno. Nesse sentido, Moscovici ebern explicito quanta ao que mais the parece valer a pena

estudar:

'1\s representacoes em que estou interessado nao sao as de

soeiedades prirnitivas, nem as rerniniscencias, no subsolo de

nossa cultura, de epocas remotas. Sao aquelas da nossasocie-

dade presente, do nosso solo polftico,eientfficoe humano, quenem sempre tiveram tempo suficiente para permitir asedimen-

ta.;;aoque as transformasse em tradicoes imutaveis, E sua im-

portancia continua a ereseer, em proporcao direta a heterogc-

neidade e flutuacao dos sistemas unifieadores - ciencias ofi-

ciais, religioes, ideologias - e as mudancas pelas quais eles

devem passar a fim de penetrar na vida cotidiana e se tomar

parte da realidade cornum" (Moscovici, 1984: 18-19).

Isto quer simples mente dizer que asrepresentacoes cole-

tivas nao constituem urn problema para a teoria das repre-

sentacoes sociais, que transfere 0foco privilegiado de estudo

para a forma modificada com que elas se apresentam comu-

mente no dia-a-dia das sociedades modernas. Nao obstante,

ateoria nao parece poder prescindir de sua consideracao como

sistemas de pensamento social pre-existentes capazes de pos-

sibilitar a ancoragem de novas representacoes sociais, De certo

modo, portanto, as representacoes coletivas ou hegemonicas

49

 

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fazem parte da teo ria geral das representacoes sociais, mesmo

que nao sejam por ela explicadas. Pode ser interessante assi-

nalar no momento, para consideracoes futuras mais extensas,

que a teoria do nucleo central parece reservar mais explicita-

mente em sua construcao hipotetica urn lugar para as repre-

sentacoes sociais de tipo hegemonico.

Deixando de lado os problemas da adequacao da teoria

original a casos especificos, pode ser suficiente concluir com

Doise (1993) que a teoria das representacoes sociais " e basi-camente uma teo ria geral sobre 0metassistema de regulacoes

sociais que intervern sobre 0 sistema de funcionamento cog-

nitivo" (p. 157). Sejam quais forem as instancias de repre-

sentacao social focalizadas, esta concepcao generica da teo ria

se mantern, embora deva eventualmente ser complementada

por proposicoes mais especificas, como, pode-se adiantar,

aquelas proporcionadas pela teoria do nucleo central . Este eo ambito explicativo das "grandes teorias", como convem

Doise:

"N 0 meu entender, grandes teorias nas ciencias human as sao

concepcoes gerais sobre 0 individuo e/ou 0 funcionamentosocietal que orientam 0esforco de pesquisa. Elas devem, nao

obstante, ser completadas por descricoes mais detalhadas de

processos que sejam compatfveis com a teoria geral, mas que

podem tambern as vezes ser compatfveis com outras teorias"

(Doise, 1993: 161).

50

Capitulo 2

A TE O R IA D O N OC LEO C EN TR AL

D AS R EP RE SE NT A~ OE S S OC IAlS

Aplicando 0 argumento de Doise (1993) com que se

encerrou 0 capitulo anterior , parece adequado considerar a

teoria das representacoes sociais proposta por Moscovici como

uma "grande teoria" psicossociol6gica, em relacao a qual a

teoria do micleo central constituiria uma abordagem comple-

mentar. Nesse sentido, esta ultima deve proporcionar descri-

<;6esmais detalhadas de certas estruturas hipoteticas, bern

como explicacoes de seu funcionamento, que se mostremcompatfveis com a teoria geral.

E isto 0que, no presente capitulo, sepretende demonstrar

que acontece.

Ressalve-se, desde logo, que a atr ibuicao de urn tal papel

descritivo e explicativo complementar a teoria do micleo

central nao implica considera-la como uma contribuicao me-

nor ao campo de estudos das representacoes sociais. 0 campo,

inaugurado e configurado de acordo com a g ra n de t e or ia , prove

o contexto global de surgimento e desenvolvimento dessa

nova abordagem. A teoria do micleo central nao pretende

substituir a abordagem te6rica prime ira, que seconfunde com

o espfrito acadernico do pr6prio campo, mas sim proporcio-

nar urn corpo de proposicoes que contribua, como diz Fla-

ment (1989), "para que a teoria das representacoes sociais se

tome mais heurfstica para a pratica social e para a pesquisa"

51

 

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(p. 204). Ela e , de fato, como nao poderia deixar de ser, uma

teoria menor do que a grande teoria, mas e tambem uma das

maiores contribuicoes atuais ao refinamento conceitual, teo-

rico e metodologico do estudo das representacoes sociais.

De resto, cabe observar que nao permanece qualquer

duvida quanta a posicao da teoria geral entre os autores

responsive is pela proposicao e evolucao da teoria do nucleo

central. Assim e que, no primeiro capitulo de uma das mais

recentes e significativas obras coletivas do G rupo do M id i -expressao que se uti liza aqui para designar 0conjunto dos

pesquisadores do SuI da Franca, da regiao do Mediterraneo,

especificamente de Aix-en-Provence e Montpellier, no cam-

po das representacoes sociais - Abric (1994a) afirma que "a

nocao de 'representacao social' a qual nos nos referimos nessa

obra corresponde a teoria elaborada em 1961 por S. Mosco-

vici" (p. 11).

Para cumprir 0 objetivo proposto para este capitulo, op-

tou-se por organizi-Io em tres secoes, que focalizarao, suces-

sivamente: (1) as condicoes de pesquisa antecedentes para a

ernergencia dateoria; (2) suas proposicoes basicas, bern comoos refinamentos e sisternatizacoes subseqiientes; (3) 0trata-

mento que concede as relacoes entre praticas e representacoes

sociais, como topico especialmente privilegiado pela teoria.

2.1.Os antecedentes experimentais da teoria do

nucleo central

A despeito de que uma parte da incompatibilidade entre

os campos das representacoes sociais e da cognicao social

possa ser associada a preferencia pela pesquisa experimental

de laboratorio por parte do ult imo, a tradicao metodologica

em que surge a teoriado nucleo central e tambem ela propria

experimental. Nao apenas antes do advento da teoria, mas

tambern nessa oportunidade e ensejando mesmo sua propo-

sicao, registram-se diversos experimentos de laboratorio con-

52

duzidos pelo nascente G ru po d o M id i c seus eventuais associa-

dos.

De fato, Abric (1989), embora reconhecendo que "nu-

merosas crfticas sao enderecadas a abordagem experimental

em psicologia social", defende que "os resultados obtidos pela

experimcntacao ( ... ) permanecem fundamentais na maior

parte dos temas centrais da nossa disciplina" (p. 187). Essa

disposicao para a testagem experimental e as situacoes de

laboratorio nao e , a rigor, uma caracterfstica exclusiva daabordagem "provencal", mas conta tarnbem com a aprovacao

de Moscovici , que a elas recorreu sempre que lhe pareceram

necessarias, como 0 atestam 0 estudo da influencia minorita-

ria e a sua participacao em urn dos trabalhos a que se referiu

o parigrafo anterior (Abric, Faucheux, Moscovici e PIon,

1967).

Ao contrario, entretanto, da pritica mais comum nos

estudos da tradicao estritamente "experimentalista", incluin-

do aqueles relativos a cognicao social, 0 espa~o experimental

nao e tornado pelos pesquisadores das representacoes sociais

como cumprindo a funcao de controlar ou eliminar a influen-

cia de variaveis socio-culturais sobre os processos psicologicos

que se queira eventualmente estudar. Ao inves disso, a in-

fluencia das representacoes nutridas pela participacao na cul-

tura sobre 0comportamento no laboratorio e ela propria

explici tamente testada por meio de urn design experimental.

Ao resenhar os trabalhos nesse sentido, Abric (1984a)

corneca por criticar a abordagem experimental classica a pro-

posito de uma pritica frequente nos estudos sobre cooperacao

e cornpeticao, denunciando a negligencia na consideracao da

variavel "definicao da situacao pclos proprios sujeitos", que

lhe parece crucial para uma adequada interpretacao dos resul-

tados:

"Essa pesquisa usa como suporte para a evidencia urn cenar io

de interacao que e chamado 'conflitivo': 0 jogo conhecido

como 0 'd ilema do prisioneiro ' ( .. .) .Essa s ituacao dejogo tern

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desfrutado de urn enorme sucesso na psicologia experimental,

porque te rn sido percebida como uma mane ira simples de se

identificar os fatores que levam os sujeitos a cooperar ou a

competi r. Mas a anal ise de centenas de pro jetos de pesquisa

conduzidos nessa area (especialmente nos Estados Unidos) esingularmente decepcionante: resultados contradit6rios abun-

dam e apesar de muitas tentativas ( ...) nenhuma teoria do

conflito interpessoal foi desenvolvida com sucesso. Ocorreu-

nos portanto que uma das razoes basicas para 0 impasse nesses

estudos poder ia estar no fato de que eles foram todos direcio-nados para uma analise dos componentes objetivos da situacao

dada (tipo de matriz, natureza das penalidades, tipo de oponen-

te etc.), sem nunca questionar 0 significado da situacao para os

sujeitos envolvidos no experimento" (Abric, 1984a:169-170).

A consideracao de tal variavel nos experimentos condu- .

zidos por Abric e seus colegas consiste basicamente em veri-

ficar a validade da seguinte hipotese geral: "os comporta-

mentos dos sujeitos ou dos grupos nao sao determinados pelas

caracterfsticas objetivas da situacao, mas pela representacao

dessa situacao" (Abric, 1989: 189). A nocao especifi.c:a__<!e

representacao utilizada nesses estudos e aquela proposta p()r

Abric em 1976, noticiada no capitulo anterior: "0 produto e

o processo de uma atividade mental pela qual urn indivf~uo

ou·umgrupo reconstitui 0real com que se confrontaeIhe

atribui uma significacao espedfica".

E interessante observar que essa definicao de representa-

<;:aoocial nao faz referencia explicita a genese social da repre-

sentacao, mas apenas a sua funcao pratica. Parece ter sido

formulada precisamente com vistas a urn emprego operacio-

nalizado na testagem experimental daquela hipotese, Com

efeito, como e bern sabido, 0tratamerito experimental das

variaveis, mormente se em situacao de laboratorio, exige uma

simplificacao dos termos em que estas sao definidas e, fre-

quenternente, uma colocacao em suspenso das suas condicoes

mais amp las de atualizacao ou de suas implicacoes no ambien-

te extralaboratorial. Isto porque tanto as condicoes previas

quanta asimplicacoes mais abrangentes, nao constituindo em

•54

si objetos da testagem experimental , escapam ao seu ambito

explicativo causal. De qualquer modo, portanto, nada haveria

a dizer sobre elas como conclusao do experimento; dai, se

considerar preferfvel ignora-las, pelo menos temporariamente.

Assim, na serie de experimentos considerada, a "repre-

sentacao" da situacao foi introduzida "quase artificialmente",

ou seja, foi induzida nos sujeitos atraves de instrucoes verbais

padronizadas. Abric, em diversas resenhas dos seus proprios

trabalhos (1984a, 1989, 1994a), da conta desses procedimen-tos e dos resultados entao obtidos. Face assupostas limitacoes

do metodo experimental para 0 estudo das representacoes

sociais, freqtientemente apontadas inclusive como uma espe-

cie de incompatibilidade absoluta, parece oportuna uma des-

cricao razoavelmente extensa dos designs utilizados e das res-

pectivas rationales, a fim de que se possa apreciar com mais

justeza 0 seu valor para 0 campo em geral, bern como sua

influencia no estabelecimento do carater distintivo da teoria

do micleo central dentro desse "espaco multidimensional".

Abric (1984a) proporciona alguns exemplos de tal estudo

dos papeis das representacoes na pesquisa experimental doprocesso de interacao. Dois desses exemplos, bastante inte-

ressantes para os fins i lustrativos pretendidos, focalizam a

influencia das representacoes do oponente e da tarefa em urn

'jogo de soma nao-nula" comumente empregado nos estudos

sobre cooperacao e competicao, Acompanhe-se, em primeiro

lugar, a pesquisa sobre 0 papel da representacao do oponente:

"(...0experimento envolve 40 sujeitos colocados na situacao

do jogo do 'Dilema do Prisioneiro', aos quais foram dadas

instrucoes nao-competitivas (fazer 0 ganho maximo para sisem

entretanto buscar veneer a outra pessoa). N a p rim eir a p ar te d o

exper imen to, metade dos sujei tos pensa que estajogando contra

urn oponente es tudan te como eles pr6prios, a outra metade

tendo sido levada a acreditar que esta jogando contra uma

maquina (as duas representacoes sendo induzidas pelo experi-

mentador). Na realidade, e sem 0 saber, todos os sujeitosjogam

contra urn oponente f icticio (que nao e outro senao 0 pr6prio

55

 

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experimentador) que em todas as situacoes adota a mesma

estrategia (conhecida como tit-:for-tat) [de repetir exatamente a

jogada anterior do sujeito]. Cada sujeito tern cinquenta ensaios

nessa fase inicial . Diz-se entao a ele que 0j ogo terminou e que

na segunda fase ele jogari contra outro oponente (ou urn

estudante ou uma maquina), Hi portanto quatro situacoes

experimentais. Na verdade 0jogo prossegue damesma maneira

na segunda fase (como na primeira) com 0 parceiro continuan-

do a usar a mesma estrategia de tit-:for-tat. Nas quatro situacoes

(de controle e experimentais) nenhuma mudanca real tern

lugar: 0 oponente efetivo continua 0 mesmo (is to e , ainda 0

experimentador) e sua estrategia continua sem modificacoes.

Apenas nos grupos experimentais a imagem do oponente muda

de uma fase para a outra" (Abric, 1984a: 171).

Os resultados dessa pesquisa mostram que hi mais coo-

peracao quando 0oponente e representado como "humane"

do que como uma "maquina"; e que a mudanca da repre-

sentacao induzida da natureza do oponente, seja ela num

sentido ou noutro, produz modificacoes significativas no

comportamento dos sujeitos. Abric assim comenta uma des-

sas modificacoes:"Em particular, quando a transformacao da representacao efei ta na direcao de uma 'desumanizacao' do oponente a queda

no nivel de cooperacao e espetacular . Em nossa opiniao essa

queda s6 pode ser explicada pelo fato de que a transforrnacao

na representacao do oponente muda os objet ivos e a estrategia

do sujeito: 0 nfvel muito alto de cooperacao obtido na situacao

durante a prime ira fase demonstra que de fato os sujeitos

adquiriram uma excelente cornpreensao cognitiva da situacao.

Essa aprendizagem e anulada pela transformacao da repre-

sentacao ou entao ela parece inaplicavel em uma situacao que

o sujei to percebe como sendo radicalmente diferente da ante-

rior" (Abric, 1984a: 172-173).

Essas relacocs entre representacoes e comportamento sao

esclarecidas pelos resultados de questionarios, aplicados aos

sujeitos antes e depois de cada fase do experimento, nos quais

se pedia que eles escolhessem os adjetivos que lhes pareciam

56 •

mais aplicaveis a cada urn dos tipos de oponente. 0 autor

discute as qualificacoes obtidas na seguinte passagem:

"0 parce iro humano seria entao cla ramente di fe renciado da

maquina pelo fato de que ele era 'flexfvel', 'adaptativo' e 'reati-

vo', enquanto a maquina foi percebida como 'rlgida', 'nao-

adaptativa' e ' insensfvel', Essas caracteristicas das represen-

tacoes nos permitem compreender asdiferencas no cornporta-

mento observado: as caracteristicas 'reativas' do oponente hu-

mana possibilitam e sustentam urn comportamento interativo

por parte do sujeito. Por outro lado, a imaginada insensibilidade

da maquina torna tal interacao impossfvel e produz portanto

urn tipo de comportamento defensive" (Abric, 1984a: 173-174).

E importantc ressaltar ainda nesse experimento, conside-

rando cada uma das fases de per si, que 0mesmo comporta-

mento e interpretado de formas diferentes pelos sujeitos, mas

consistentes com as respectivas representacoes induzidas. 0

comportamento de tipo ti t-for-tat do oponente e interpretadocomo reativo quando e realizado por urn oponente "humano"

e como nao-reativo quando exibido por uma "rnaquina".

Portanto, segundo Abric ( op . c it .) , "€ certamente a repre-

sentacao que determina 0significado do comportamento e da

interacao, e nao 0invcrso" (p. 174).

o segundo exemplo proporcionado por Abric (1984a)

acrescenta uma nova variavel ao dispositivo experimental do

estudo anterior: a representacao que os sujeitos formam da

tarefa que Ihes € solicitada. Considerando que os sujeitos de

experimentos, por mais definida e controlada que seja a

situacao de laboratorio, sempre cornccam por the atribuir urn

significado proprio, "que nao e necessariamente aquele do

experimentador" (p. 175), Abric tece os seguintes cementa-

rios, que justificam a pesquisa (Abric e Vacherot, 1975) sobre

o papel da representacao da tarefa:

"Apartir da f somos incapazes de interpretar os resultados obti-

dos, a nao ser nos provendo dos meios para l oc al iz ar e c he ca r 0

s ig ni fi ca d o d a s ii ua cd o e xp er im e nt al p ar a o s s u je it os ; em outras pala-

vras, a nao ser nos familiarizando com sua representacdo da

57

 

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situacdo e mais precisamente com suas representacoes da tarefa

que eles sao solicitados a desempenhar" (Abric, 1984a: 175).

o experimento em questao se valeu, para identif icar as

representacoes da tarefa, da tecnica de analise de similitude

desenvolvida por Flament (1986), que sera descrita em algum

detalhe no proximo capitulo deste trabalho.

Foram discriminadas duas diferentes representacoes da

tarefa implicada nojogo do "dilema do prisioneiro": (1) uma

representacao em termos de "jogo", em que a tarefa e associa-da nao apenas com as nocoes de distracao ou divert imento,

mas tambern com uma situacao vista como imprevisivel (aca-

so, sorte) e competi tiva; (2) uma representacao em termos de

"solucao de problema", em que a tarefa e associada com as

nocoes de dificuldade, esforco, rigor e complexidade. Na

segunda representacao, ha referencia a uma cogni<;aoda parte

do sujeito e portanto a possibilidade de que ele exerca urn

controle da situacao, 0 que nao e encontrado na representacao

"jogo".

Por outro lado, 0 aspecto competitivo presente na repre-

sentacao "jogo" esta de todo ausente da representacao "pro-

blema".

Os resultados confirmaram a previsao de que cada uma

dessas representacoes produziria comportamentos radical-

mente diferentes e, em especial, de que a representacao da

tarefa como "solucao de problema" facilitaria a cooperacao.

Abric ( op . c i t. ) aponta que "na situacao 'solucao de proble-

ma' a cooperacao e 0comportamento dominante" e que, ao

contrario, "na situacao )ogo' os comportamentos defensivos

sao significativamente mais frequentes" (p. 176).

Como sugerido anteriormente, e bastante comum entre

os estudiosos das representacoes sociais 0julgamento de que

o uso do metodo experimental de laboratorio nao e de qual-quervalia nesse campo. Argumenta-se que a propria natureza

dos fen6menos estudados e incompativel com tal aplicacao .

. .58

Segundo tais crfticos, somente a coleta, tratamento e interpre-

ta<;aodas expressoes verbais das representacoes, extraidas por

meio de entrevistas e questionarios ou presentes em docu-

mentos e vefculos de comunicacao de massa, bem como a

observacao sistematica das praticas que as representacoes ori-

ginam ou das que as ensejam, poderiam dar conta de tais

fen6menos.

Questiona-se inclusive que pesquisas experimentais, como

as que vern a ser descritas, possam ser de alguma formaconsideradas como estudos em representacoes sociais. Isto a

comecar pelo procedimento da "inducao da representacao",

que nao estaria de acordo com 0imperativo conceitual da sua

construcao sociaL Em segundo lugar, denuncia-se que 0

simples manejo de rotulos alternativos - homem ou maquina,

por exemplo - nao faria justica aos complexos conjuntos de

crencas, valores e atitudes implicados em suas supostas re-

presentacoes.

Outros autores, entretanto, como FaIT (1993a), embora

convindo que "as representacoes nao podem ser estudadas

exclusivamente no laboratorio usando metodos experimen-tais", consideram que as pesquisas experimentais conduzidas

em Aix-en-Provence ajudaram a estabelecer na experimenta-

<;aoa perspectiva da multiplicidade de significados inerente a

vida em sociedade, vindo a consti tuir "uma importante con-

tribuicao a me todologia da pesquisa em ciencias sociais" (p.

22). Essa introducao da cultura no laboratorio e apreciada

mais explicitamente, embora nao sem uma certa dose de

reserva, em urn texto anterior de Farr (1984):

"Muitos dos estudos experimentais da escola francesa sobre 0

papel das representacoes sociais no laborat6rio (...) dependem

para sua eficacia dessa cultura mais ampla que os experimenta-dares compartilham com os suje itos de suas pesquisas. Essa

cultura compartilhada esta mais obviamente presente na lingua

comum que eles falam. Nesses estudos, onde se assume que a

representacao de urn sujeito de algum aspecto do ambiente do

laborat6rio e a variavel independente, a/manipulacao experi-

59

 

mental e invariavelmente efetuada por meio de sutis variacoes pelos sujeitos, e nfio-manipuladas, ou seja, nao-desencadea-

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nas instrucoes experimentais" (Farr, 1984: 142).

Considerando criticamente que "nesses estudos experi-

mentais ainda hi uma separacao entre 0 mundo do observa-

dor e 0 mundo que ele observa", Farr proporciona, nao

obstante, algum esclarecimento sobre 0 problema metodolo-

gico da "inducao das representacoes":

"0 exper imentador , por meio de suas ins trucoes, introduz as

'representacoes' nas mentes dos indivfduos cuj o comporta-

mento ele entao observa. As 'representacoes' sao cognitivas/in-

dividuais mas seu modo de liberacao e social , na medida em

que sao mediadas pelas instrucoes experimentais. Elas estao

impl ici ta s na lingua que experimentadores e suj ei tos fa lam e

compreendem" (Farr, 1984: 143).

o que importa, portanto, nao e que a genese social das

representacoes nao seja considerada no planejamento experi-

mental, mas sim que essa inducao "quase artificial" pelo

experimentador desperta ou desencadeia verdadeiras repre-

sentacoes sociais, produtos evidentes que sao de urn legitima-

mente suposto processo de formacao social. "Homem" e

"maquina" nao podem ser vistos no contexto experimentalem questao como meras palavras, apenas porque sc acredite

que geralmente a experirnentacao simplifica os problemas a

ponto de descaracteriza-los. Nao se esta, no caso, frente a

simples categorias lexicas, mas a efetivas categorias sernanti-

cas, que tern por tras de sitoda a rede de significados e afetos,

de denotacoes e conotacoes, que a participacao cultural co-

mum do experimentador e de seus sujei tos assegura.

Observe-se, alern disso, que os significados das catcgorias

"homem" e "rnaquina" para os sujeitos do experimento foram

checados de forma independente, ou seja, atraves de urn

procedimento verbal (questionarios) extra-experimental. Mais

importante ainda, no exemplo do estudo sobre 0 papeI da

representacao da tarefa, as diferentes representacoes envolvi-

das - jogo ou solucao de problema - foram constatadas a priori,

em termos de categorizacoes espontaneamente assumidas

60

das por instrucoes do experimentador.

Concluindo aocupacao.ji talvez por demais extensa, com

questoes de cunho metodologico, que podem parecer inclu-

sive deslocadas em uma secao introdutoria a teoria do micleocentral, cabe justificar a pos te r io r i tal extensao e aparente des-

locamento. De fato, e esta ocupacao com a metodologia

experimental do estudo das representacoes sociais que cons-

titui 0 pano de fundo, nao so da ernergencia, mas tarnbem do

continuo desenvolvimento da teoria. Cabe, entre tanto, ape-

nas para prevenir possiveis simplificacoes e injustificadas dis-

posicoes polernicas, adiantar a ressalva de que os pesqui-

sadores do G ru po d o M i di estao plenamente de acordo quanto

a necessidade de "uma abordagem plurimetodologica das

representacoes" (Abric, 1994d: 60). Registre-se, por exemplo,

a posicao explicita de Abric quanta a utilizacao da entrevista:

"Considerada por muito tempo, com 0 questionario eventual-

mente, como 0pr incipal instrumento de levantamento das

representacoes, a entrevista em profundidade (mais precisa-

mente, a entrevista diret iva) constitui ainda, nos dias de hoje,

urn metodo indispensavel a todo estudo sobre as representa-~6es" (Abric, 1994d: 61).

Defende-se assim, neste trabalho, a ideia de que a teoria

do micleo central, como abordagem complementar a grande

teoria, deriva suas caracteristicas mais marc antes do envolvi-

mento sistematico com a pratica experimental, e, por isso

mesmo, the proporciona uma complcmentaridade mais pro-

veitosa do que se tivesse trazido para 0 campo de estudos

apenas 0que ja se configurava como 0habitual. A objetividade

que os crfticos negam a teoria original de Moscovici pode ser

encontrada na teoria que busca complernenta-la e, plausiveI-

mente, isto deve ter tido origem na disposicao para perscrutar

detalhes ou relacoes apenas sugeridas, como aquelas - de

demonstracao problernatica, atestada peIos estudos america-

nos no campo das atitudes sociais - entre 0conhecimento e

o comportamento sociais.

61

 

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Nao obstante, outros aspectos absolutamente fundamen-

tais na teoria geral das representacoes sociais, conquanto de

forrnulacao mais especulativa do que demonstrada, como os

processos de formacao social das representacoes, sao escassa-

mente privilegiados na teo ria do micleo central. Urn sintoma

disso e a ocupacao desta teoria com os processos de transfor-

macao das representacoes a partir de mudancas verificadas nas

praticas sociais, mas, pelo menos aparentemente, nao com a

genese das representacoes originais.

Espera-se que a apresentacao, na proxima secao deste

capitulo, da formulacao bdsica da hipotese do nucleo central

(em complementaridade as proposicoes basicas da teoria geral),

bern como dos refinamentos teorico-conceituais que se lhe

sucederam ate os dias de hoje, proporcionem os subsidies

necessaries para sustentacao dos julgamentos acima adianta-

dos quanto a sua localizacao especffica no campo de estudos

das representacoes sociais.

2.2. As proposicoes basicas da teoria do mrcleo central

A teoria do micleo central foi proposta pela primeira vez,

dentro do quadro de pesquisa experimental que vern ;ie ser

caracterizado, em 1976, atraves da tese de Doc to r at d 'E t at de

Jean-Claude Abric - J eu x, c on jl it s e t r ep re se n ta ti on s s oc ia le s - na

Universite de Provence, sob a forma de uma hipotese a

respeito da organizacao intema das representacoes sociais,

formulada nos seguintes termos:

''A organizacao de uma representacao apresenta uma caracterfs-

t ica par ticular: nao apenas os elementos da representacao sao

hierarquizados, mas alern disso toda representacao e organizada

em torno de urn nucleo central , constituido deurn ou dealgunselementos que dao a representacao 0 seu significado" (Abric,

1994a: 19).

Essa hipotese surge em estrei ta continuidade aos traba-

lhos conduzidos por Abric sobre as relacoes entre repre-

62

sentacoes sociais e comportamento, como ilustradas na secao

precedente quanta ao papel das representacoes do oponente

e da tarefa nas interacoes cooperativas e competitivas. Trata-

va-se, segundo depoimento de Abric (1984a), de urn "segun-

do objetivo (.. .) dir igido para a descoberta e analise experi-

mental das caracteristicas de uma representacao social" (p. 170).

N esse senti do, Abric ( op . c it .) declara ter sido possfvel

extrair do contexto das interacoes estudadas a evidencia de

que "a representacao do oponente era organizada em tomede urn componente central envolvendo uma caracterist ica

comportamental: reat i v idade" (p. 182). Sua importancia cen-

tralna representacao do oponente seria demonstrada pelo fato

deque "e apresenca ou ausencia desse elemento que constitui

para os sujeitos urn estado de coisas onde a cooperacao e

antevista e admitida (areatividade estando presente) ou nao-

admitida (a reatividade estando ausente)" (ibid.). 0 autor

assim manifesta sua conviccao quanta a relevancia desse pri-

meiro acesso experimental a estrutura das representacoes

SOCIalS:

"0 elemento de reatividade e certamente 0 nucleo da repre-

sentacao na medida em que ele torna a interacao signif icat iva,

e st ru tu ra c om o a s i t ua c do e representada e em consequencia determina

o compor tamento dos sujeitos. Entao, novamente, nossos resulta-

dos confirmam 0 fato de que este e 0 elemento m a is e st d ve l na

representacao resultante, ou seja, aquele que nao muda mesmo

que a informacao recebida 0 contradiga. A resistencia a mud an-~ado micleo e equivalente nos sujeitos ao processo de reinter-

pretacao da inforrnacao que recebem: a mesma informacao einterpre tada em coerenc ia com 0 nucleo. Por exemplo, os

suje itos que te rn uma representacao do oponente como nao-

reativo, ( isto e, aqueles com uma 'rnaquina' como oponente) e

que sao confrontados por urn comportamento que e de fatoreativo, conseqiientemente, interpretam esse comportamento

como rfgido e inflexfvel" (Abric, 1984a: 182).

Uma vez evidenciada a dependencia historico-acadernica

da formulacao inicial , da teoria em relacao a pratica da pes-

63

 

quisa experimental de Iaboratorio, pode-se passar agora a uma "0 que e para nos particularmente interessante nesses resulta-

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apresentacao mais formalizada de suas proposicoes, bern co-

mo das fontes externas - ao campo das representacoes sociais

e ao programa de pesquisa que vern sendo examinado - que

a inspiraram e daquelas que respondem por sua filiacao explf-

cita a teoria de Moscovici.

Abric (1994a) reconhece que "a ideia de centralidade,

como a de micleo, nao e nova" (p. 19) e a remete, no ambito

da psicologia social, a urn dos primeiros textos de Fritz Heider,de 1927, sobre 0 estudo dos fenomenos de atribuicao. Cabe

assinalar, de passagem, que as proposicoes mais gerais de

Heider (1958, 1970) quanta ao estudo da "psicologia inge-

nua", a diferenca do que acontece com seus desdobramentos

subsequentes na psicologia social americana, sao bastante

valorizados por todos os principais autores do campo das

representacoes sociais. Abric, particularmente, assimila de

Heider a identificacao de uma tendencia a se atribuir os

eventos percebidos no ambiente a micleos unitarios de signi-

f icado, que dariam urn sentido global a diversidade dos esti-

mulos imediatos. Sao as seguintes assuas conclusoes, que lhe

possibili taram partir para a sua propria versao no campo das

representacoes:

"Nesses processos de percepcao social aparecem portanto ele-

mentos centrais, aparentemente constitutivos do pensamento

soc ial , que Ihe permitem colocar em ordem e compreender a

realidade vivida pelos indivfduos ou grupos" (Abric, 1994a: 20).

o autor busca ainda reforco para essa ideia de organizacao

centralizada em urn outro estudo pioneiro sobre a percepcao

social, qual seja, 0 de Solomon Asch, em 1946, a proposito da

formacao de impressoes sobre as pessoas a partir de urn

conjunto de traces que lhes sejam atribufdos. Os resultadosdessa farnosa pesquisa sao apropriados por Abric como bas-

tante eselarecedores da constituicao de uma representacao

social, ou seja, da "imagem que alguem se faz do outro" a

partir do privilegio concedido a determinadas informacoes:

64

dos e a colocacao em evidencia de que ent re os sete traces de

carater propostos, urn dentre eles (caloroso-frio) desempenha

urn pape l de te rminante no sent ido de que e ele que engendra

a natureza da percepcao. Esse elemento, e somente ele, desem-

penha urn papel central ; ele determina a percepcao do perso-

nagem de maneira s ignificativamente mais importante do que

todos os outros. Constata-se ainda que a presen<;a de urn

elemento central determina 0 significado do objeto apresenta-

do - aqui urn outro indivfduo ( ... ). E a transformacao tao-so-

mente desse elemento central leva a uma modif icacao radical

da impressao" (Abric, 1994a: 20).

Alern dessas fontes remotas daproposicao basica da teoria

domicleo central, uma origem mais proxima e mais consen-

tanea com suas dernais proposicoes e implicacoes e encontra-da na propria teoria geral das representacoes sociais. Trata-se

da nocao de "nucleo figurativo", cuja constituicao e resultado

de urn dos processos de formacao das representacoes, a obje-

tivacao, Em linhas gerais, 0nucleo figurativo e uma estruturaimagetica em que se articulam, de uma forma mais concreta

ou visualizavel, os elementos do objeto de representacao que

tenham sido selecionados pelos indivfduos ou grupos em

funcao de criterios culturais e normativos. Assim descontex-

tualizados, reorganizados em uma nova estrutura de conjunto

e deles retidas apenas certas qualidades iconicas, tais elemen-

tos passam agozar de uma consideravel autonomia em relacao

a totalidadc do objeto original. Tal recriacao nuelear do objeto

pode ser entao amplamente uti lizada, como forma basica de

conhecimento, em uma variedade de situacoes e circunstan-

cias, em associacao com outros saberes e informacoes, defi-

nindo mesmo essas situacoes e intermediando 0 acolhimento

de novas informacoes,

Ao comentar as caracterfsticas - pregnancia, autonomia,

estabilidade etc. - atribufdas ao micleo figurativo no esforco

acadernico de consolidacao da teoria das representacoes so-

ciais, Abric da conta de algumas sernelhancas e diferencas

65

 

iniciais entre tal nocao e aquela que sua pr6pria abordagem

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privilegia:

"Nos vamos ver que a teoria do nucleo central retoma em

grande parte asanalises de S.Moscovici, mas nao limitando esse

nucleo imaginante ao seu papel genetico. Nos pensamos da

nossa parte que 0 nucleo central e 0 elemento essencial de toda

representacao constituida e que ele pode, de uma certa maneira,

superar 0 simples quadro do objeto da representacao para

cncontrar sua origem diretamente nos valores que 0 transcen-

dem e que nao exigem nem aspectos figura tivos, nem esque-matizacao, nem mesmo concretizacao" (Abric, 1994a: 21).

E importante ressaltar 0distanciamento conceitual entre

o micleo figurativo e 0 micleo central que e ora anunciado: 0

ultimo nao tern urn carater imagetico como necessariamente

ocorre com 0primeiro. Isto pode talvezfazer parte de algocomo

urn movimento em direcao a acentuacao dos aspectos valorati-

vos e cognitivos, em detrimento da estrutura de dupla natureza

_ figurativa e simb6lica - proposta por Moscovici , a qual , de

resto, semostra de dificil dernonstracao e problernatico manejo

na pesquisa empirica. A definicao de representacao por Doise

(ver capitulo 1) como "principio organizador de tomada deposicoes" parece caminhar nesse mesmo sentido de uma certa

negligencia para com os aspectos figurativos, pelo menos

como uma dimensao essencial das representacoes sociais. 0

que parece mais importante, segundo Flament (1987), e queas nocoes de nucleo central ou de principio organizador vern

a designar basicamente "uma estrutura que organiza os ele-

mentos da representacao e lhes da sentido" (p. 145).

As proposicoes da teoria do nucleo central em seu estado

mais atualizado, que proveern desdobramentos significativos

da f6rmula sintet ica acima, podem ser extrafdas em especial

dos textos de Abric e de Flament que integram duas seletascoletaneas, organizadas respectivamente por Abric e por Gui-

melli, publicadas em 1994.

Uma sintese de tais proposicoes sera apresentada a seguir,

procurando-se sisternatiza-las em relacao aos seguintes t6pi-

66

cos principais , cada urn dos quais merecendo constituir uma

subsecao especffica dentro da presente secao:

1) 0 conceito de micleo central e suas funcoes;

2) a organizacao interna da representacao em termos de

urn sistema central e urn sistema periferico;

3) 0 papel dos elementos perifericos no funcionamento

da representacao.

2 .2 .1 . S ab re a c on ce it o d e n ud eo c en tr al e s ua s fu nfo es

Segundo Abric (1994a), a ideia essencial da teoria, como

ja expressa em 1976, e a de que "toda representacao esta

organizada em torno de urn nucleo central ( .. .) , que determi-

na, ao mesmo tempo, sua significacao e sua organizacao

interna" (p. 73). Ainda segundo Abric, 0micleo central e "urnsubconjunto da representacao, composto de urn ou alguns

elementos cuja ausencia desestruturaria a representacao ou

lhe daria uma significacao completamente diferente" (ibid.).

Esta caracterizacao do nucleo central como urn subcon-junto da representacao implica que outras instancias estruru-

rais, com papeis funcionais complementares ao do micleo

central, devam ser reconhecidas. Uma perspectiva integrado-

ra nesse sentido e efetivamente proporcionada pela versao

mais recente da teoria e sera em breve exposta. No momento,

parece mais oportuno manter 0 foco das consideracoes sobre

o nucleo central, de modo a proporcionar uma primeira

ilustracao da complexificacao atual da teoria em funcao de

contribuicoes diferenciadas dos autores do Grupo doMidi.

De fato, Claude Flament - a quem Abric (1989) atribui

o merito de ter completado e matizado a teoria ao demonstrar

o papel decisivo dos elementos perifericos (nao-pertencentes

ao micleo central) no funcionamento da representacao -

introduz uma dist incao entre as representacoes sociais que

retira da teoria a sua elegante simplicidade inicial . Flament

67

 

(1987, 1989, 1994b) parte do "postulado cognitivista" segun- de que nao se deva considera-las em absoluto como repre-

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do 0qual 0conjunto de praticas e discursos sobre urn dado

objeto, por mais diversificado, divergente e contraditorio que

pare<;:a,e efetivamente coerente quando tornado em sua tota-

lidade, para propor uma distincao entre representa<;:oes "au-

t6nomas" e "nao-autonomas". Nas primeiras, 0"lugar de

coerencia" da representacao de urn dado objeto se encontra

ao nfvel mesmo desse objeto; nas ultimas, 0 lugar de coerencia

da representacao do objeto se encontra nas representa<;:oesde

outros objetos mais ou menos ligados a ele.

Deixando inicialmente de lado asrepresentacoes nao-au-

tonomas, Flament (1989) procede a identificacao do "Iugar de

coerencia de uma representacao autonorna" com 0"nucleo

central da representacao" (p. 206). Embora 0 autor convenha,

ainda nesse texto, que hi mais coisas a dizer sobre as repre-

sentacoes autonomas do que sobre asoutras e que seus objetos

sao normalmente objetos sociais muito importantes, perma-

nece a implicacao de que hi representacoes que possuem urn

micleo central e representacoes que nao 0possuem. Isto se

encontra nitidamente em desacordo com a formulacao origi-nal da teoria de que "toda representa<;:ao esta organizada em

tomo de urn nucleo central" .

Nao obstante, a elegancia e a parcimonia teoricas aparen-

temente perdidas podem ser retomadas em termos de uma

delimitacao mais precisa do ambito de aplicacao da teoria: as

representacoes aut6nomas. Dizendo de outra maneira, a teo-

ria do nucleo central se aplicaria as representacoes que pos-

suem urn micleo central , por circular que isso possa parecer.

Tratar de todas as formas de representacoes seria incumbencia

da teoria geral, nao daquela que a complementa.

Por outro lado, 0fato de ter partido dessa teoria mesmo

a iniciativa de se auto-restringir irnplica urn novo desafio, qual

seja, 0de explicar por que determinadas representacoes nao

possuem micleo central , ou seja, indicar como elas extraem

sua coerencia das representacoes de outros objetos, sob apena

68

sentacoes, mas como uma simples "serie de opinioes e de

imagens relativamente desconexas" (ver Ibafiez, no capitulo 1).

Na verdade, em urn texto posterior dedicado em grande

parte a discussao critica de uma quantidade de detalhes e

implicacoes problematicas da teoria do micleo central Fla-

ment (1994a) parece convincente na solucao do problema

conceitual que ele mesmo havia criado:

"N os propusemos (Flament , 1987) chamar de aut snoma umarepresentacao social cujo principio organizador e interno: eo

micleo central . Precisemos ( .. .) que a autonomia diz respeito

apenas ao principio organizador e que nos jamais pensamos que

uma representacao social autonoma seja um universo fechado.

Nos constatamos frequentemente que diversas represenracoes

sociais podem ser atravessadas pe!os mesmos valores gerais

(como diz Doise, 1992), Q.que nos preferimos chamar de temas

transversais (porque des nao sao sempre positivos) e insistir sobre

seu modo de insercao em tal ou qual representacio social: (.. .)

Alem disso, diversas representacoes soc ia is podem ter uma

inte rsecao nao vazia para caracte rizar um obje to cuja repre -

sentacao depende de varies temas independentes: nao hi entao

n u cl e o c e nt r al e fala-se de representacao social ndo-autbnoma.

Contrariamente asnossas primeiras intuicoes sobre esse assun-

to, cer tas rcpresentacoes sociais nao-autonornas pod em se re-

fer ir a 'grandes' objetos sociais ( .. .) . Pode-se portanto pensar

que esses dois objetos (aEuropa, a Aids) sejam representacoes

sociais nao-autonornas, mas ta lvez em vias de autonomizacao,

o que nos suger imos aqui e que e POSSIVe!que diversas repre-sentacoes sociais , de outro modo autonomas , possam ter cada

uma delas uma parte periferica (.. .)relativa aum mesmo objeto.

Portanto, para esse objeto, a representacao social e organizada

a partir de diversos temas exteriores, 0que nos denominamos:uma rcpresentacao social nao-autonorna" (Flament, 1994a:

113-115).

..

Retomando a forrnulacao basica da teoria, uma providen-

cia imediatamente exigfvel para a sua caracterizacao deve ser

69

 

a de dar conta do papel que 0 nucleo central desempenha na porta outras instancias estruturais e desdobramentos explica-

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estruturacao e no funcionamento das representacoes sociais.

Abric (1994a) afirma que ele assegura 0cumprimento de duas

funcoes essenciais:

" ll m af im { a o g e ra d or a : ele e 0 elemento pelo qual se cria, ou se

transforma, a significacao dos outros elementos constitutivos

da representa~ao. E por ele que esses elementos tomam urn

sentido, urn valor;

u m a f im { ii o o rg a ni za d or a: e 0nucleo central que determina anatureza dos Iacos que unem entre si os elementos da repre-

sentacao. Ele e nesse sentido 0elemento unificador e estabili-

zador da representacao" (Abric, 1994a: 22).

A tais funcoes - a rigor, delas decorrendo - Abric ( op . c i t. )

acrescenta a explicitacao da estabilidade como uma propriedade

do micleo central: "ele constitui 0elemento mais estavel da

representacao, aquele que the assegura a perenidade em con-

textos moveis e evolutivos" (p. 22). Essa propriedade e res-ponsavel pela possibilidade de identif icacao de diferencas

basicas entre as representacoes, como argumenta Abric em

seguida, e deixa antever importantes implicacoes para a pes-quisa empfrica de suas transforrnacoes:

"Ele sera na representacao 0 elemento que mais vai resistir amudanca. Com efeito, toda modificacao do nucleo central

conduz a uma transforrnacao completa da representacao. Nos

assumimos portanto que e 0 levantamento desse nucleo central

que permite 0 estudo comparativo das representacoes. Para que

duas representacoes sejam diferentes, elas devem serorganiza-

das em torno de dois nucleos centrais diferentes. A simples

descricao do conteudo de uma representacao nao e portanto

suficiente para reconhece-la e especifica-la. E a organizacao

desse conteudo que e essencial: duas representa~oes definidas

por urn mesmo conteudo podem ser radicalmente diferentes,se a organizacao desse conteudo, e portanto a centralidade de

certos elementos, for diferente" (Abric, 1994a: 22).

Concluindo essa ocupacao especffica com a nocao de

micleo central , dentro da teoria que leva tal rotulo mas com-

70

t ivos, cabe dar conta da constituicao em si desse micleo e das

dimensoes que ele atualiza face aos constrangimentos relati-

vos do objeto e da situacao, 0 micleo central e constitufdo,como ji adiantado, de "urn ou alguns elementos que ocupam

na estrutura da representacao uma posicao privilegiada". Se-

gundo Abric ( o p. c it .) , "ele e determinado de uma parte pela

natureza do objeto representado, de outra parte pela relacao

que 0 sujeito - ou 0 grupo - mantern com esse objeto" (p.

23). Assim, 0 micleo central pode assumir duas dimensoes

diferentes:

"Seja l im a d im e n sd o [ un c io n al , como por exemplo em situacoes

com uma finalidade operatoria: serao entao privilegiados na

representacao e constituindo 0 seu nucleo central os elementos

rnais importantes para a realizacao da tarefa (...).

Seja l im a d im e ns do n or m at iv a em todas as situacoes onde inter-

vern diretamente dimensoes socio-afetivas, sociais ou ideolo-

gicas.Nesse tipo de situacoes, pode-se pensar que uma norma,

urn estere6tipo, uma atitude fortemente marcada estarao no

centro da representacao" (Abric, 1994a: 23).

Nesse sentido, Abric conclui que 0levantamento do

micleo central e importante inclusive para conhecer 0proprio

objeto da representacao, ou seja, para saber 0 que afinal de

contas esta sendo representado. Isto porque 0 universo de

fen6menos com que 0pesquisador l ida esta - na maioria das

vezes, quando ele nao recorre a urn exame concomitante das

praticas sociais e de suas condicoes objetivas de atualizacao -

constitufdo tao-somente de representacoes. Abric ( op . c it .)

reforca tal conclusao citando uma comunicacao pessoal de

Flament: "uma das quest6es importantes nao e tanto a de

estudar a representacao de urn objeto quanta a de saber antes

de mais nada qual e 0objeto da representacao" (p. 24). E a

avaliado seguinte modo, ressaltando a possibilidade da "nao-

representacao":

"Observacao em nosso entendimento fundamental: poisqual-

quer objeto nao e necessariamente objeto de representacao.

71

 

Para que urn objeto seja objeto de representacao e necessario conquanto uma entidade unitaria, e regida por urn sistema

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que os elementos organizadores de sua representacao fa<;:am

parte ou sejam diretamente associados ao proprio objeto"

(Abric, 1994a: 24).

2 .2 .2 . So bre a o rg an iza fa o inte ma d e u ma representacdo social

Obviamente, 0 nucleo central, por mais importante que

seja 0 seu papel na definicao do significado de uma repre-

sentacao social e na organizacao dos seus demais elementos,chamados "perifericos", nao esgota 0conteudo e asformas de

funcionamento da representacao na vida cotidiana. Embora,

em uma sequencia puramente 16gica, este fosse 0 momento

para apresentar e discutir as caracterfst icas dos elementos

perifericos, parece mais conveniente verif icar antes como a

teoria, ap6s te-los negligenciado durante algum tempo, veio

finalmente a acornoda-Ios em relacao ao micleo central, tanto

em termos estruturais quanta funcionais. Isto porque, partin-

do da esquematizacao te6rica do carater mutuamente com-

plementar do centro e da periferia na organizacao interna da

representacao, pode ficar mais facil demonstrar de que tiposde reflex6es e testagens experimentais, nem sempre muito

simples ou 6bvias, decorreu 0reconhecimento da irnportan-

cia dos elementos perifericos,

Segundo Abric (1994b), duas caracteristicas aparente-

mente contradit6rias das representacoes sociais, cuja evocacao

e sempre desconcertante para os estudiosos do campo, resul-

tam na verdade das pr6prias caracteristicas estruturais das

representacoes e de seu modo de funcionamento. Sao os

seguintes tais aspectos amplamente constatados:

1)"asrepresentacoes sociais sao aomesmo tempo estaveis

e m6veis, rfgidas e flexiveis" (p. 77);2) "as representacoes sociais sao consensuais, mas tam-

bern marcadas por fortes diferencas interindividuais" (p. 78).

A teoria do micleo central procura dar conta dessas apa-

rentes contradicoes propondo que a representacao social,

72

interno duplo, em que cada parte tern urn papel especffico

mas complementar ao da outra. Haveria, assim, em primeiro

lugar, um s is tem a c e nt r al , constitufdo pelo rnicleo central da

representacao, ao qual Abric atribui as seguintes caracterfsticas:

"Ele e diretamente l igado e determinado pelas condicoes his-

toricas, sociologicas e ideologicas. Ele e nesse sentido forte-

mente marcado peia m em or ia c ol et iv a do grupo e pelo si stema de

normas ao qual ele se refere.

Ele constitui portanto a base comum, coletivamente partilhada

das representacoes sociais. Sua funcao e consensual. E por ele queserealiza e se def ine a homogeneidade de urn grupo social .

Ele e estavel, coerente, resistente a mudanca, assegurando

assim uma segunda funcao, ada con tinuidade e da permanenc ia

da ~epresenta<;:ao.

Enfim, ele e de uma certa maneira relativamente independente

do contexte social e material imediato no qual a representacao

e posta em evidencia" (Abric, 1994b: 78).

Em segundo lugar, como complemento indispensavel do

sistema central, haveria, segundo Abric (op. cit.) , urn "sistemaperiferico", constitufdo pelos elementos perifericos da repte-

sentacao, que, provendo a "interface entre a realidade concre-

ta e 0 sistema central" (p. 79), atualiza e contextualiza

constantemente as deterrninacoes normativas e de outra for-

ma consensuais deste ultimo, dai resultando a mobil idade a

flexibilidade e a expressao individualizada que igualme~te

caracterizam as representacoes sociais. Ou, nas pr6prias pala-

vras do autor: "se 0 sistema central e normatiuo, 0 sistema

periferico e funcional; quer dizer que e gra<;as a ele que a

representacao pode se ancorar na realidade do momento"

(ibid.). E, descrevendo mais extensamente asfuncoes do siste-

ma per ij er i£o , em complementaridade ao sistema central:

"Sua primeira funcao e portanto a conaetizacdo do sistema

central em termos de tomadas de posicoes ou de condutas.

Contrar iamente ao sistema central ele e po is mais sensivel e

determinado pelas caracteristicas do contexte imediato.

73

 

Ele e ( .. . ) mais flexfveI que os elementos centrais, assegurandoResistente a mudanca Evolutivo

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assim uma segunda funcao: a de regulafiio e de adaptacdo do

si stema cent ral aos constrangimentos e as carac teri st icas da

situacao concreta a qual 0 grupo se encontra confrontado. Ele

e urn elemento essencial nos mecanismos de defesa que visam

proteger a significacao central da representacao. E 0 sistema

periferico que vai inicialmente absorver as novas inforrnacoes

ou eventos suscetiveis de colocar em questao 0 nucleo central.

Por outro lado, e e essa sua terceira funcao, 0 sistema periferico

permite uma certa modulacao individual da representacao, Sua

flexibilidade e sua elasticidade permitem a integra 'Saona repre-

sentacao das variacoes individuais ligadas a historia propria do

sujeito, a suas experiencias pessoais, ao seu vivido. Ele permite

ass im a elaboracao de r ep re se nt ad ie s s od a i s individnalizadas orga-

nizadas nao obstante em tomo de urn nucleo central comum"

(Abric, 1994b: 79-80).

o quadro que sesegue, proporcionado por Abric (1994b:

80), bern sintetiza as caracterfsticas e funcoes diferenciais de

cada urn dos sistemas postulados na organizacao interna'das

representacoes sociais. Na proxima subsecao, este quadro

devera ser util para uma confrontacao com os diferentes tipos

de cognicoes - absolutas e condicionais, adiante-se - quecumprem, segundo Flament (1994a, 1994b), diferentes fun-

~oes e se localizam, portanto, em diferentes instancias estru-

turais - ou sistemas internos - da representacao.

S is te m a c en tr al S i st ema pe ri fe r ic o

Ligado a memoria coletiva

e a historia do grupo

Permite a integracao das

experiencias

e historias individuais

Consensual;

def ine a homogeneidade do

grupo

Suporta a heterogeneidade do

grupo

Estavel

Coerente

Rfgido

FlexfveI

Suporta as contradicoes

74

Pouco sensfvel ao contexto

imediato

Sensfvel ao contexto imediato

Funfoes:

Gera a significacao da

representacao

Determina sua organizacao

Pund i es :

Permite adaptacao

a realidade con creta

Permite a diferenciacao

do conteiido

Protege 0sistema central

Como testemunho da disposicao do Grupe doMidi para

uma contfnua elaboracao teorica, que se querera explorar

mais criticamente na conclusao do presente trabalho, cabe

registrar, ainda nesta secao,0ecente surgimento de uma nova

proposta de organizacao interna das representacoes sociais.

Trata-se da sugestao feita por Pascal Moliner (1995), a

partir de uma serie de primeiras evidencias experimentais,

quanta a uma possfvel revisao da teoria do micleo central, no

sentido de se distinguir duas dimens6es organizativas dos

elementos de uma representacao, A primeira dimensao seria

aquelaja suficientemente consagrada, pela qual se discrimina

entre elementos centrais e perifericos; a segunda envolveria a

discriminacao, ao longo de urn continuum, entre funcoes des-

cri tivas ou avaliatorias desempenhadas pelos diversos ele-

mentos, pertencentes ou nao ao nucleo central .

o argumento de Moliner parte, a rigor, da concepcao

original de Abric quanta ao funcionamento do nucleo central

segundo duas possfveis dimensoes, como reconhecido na

seguinte passagem:

'~ poss ibil idade de se dis tinguir entre diferentes t ipos de ele-

mentos centrai s foi apontada pe lo proprio autor da teoria do

micleo central , quando observou que 'pode-se dis tinguir duas

dimensoes fundamentais no rnicleo central' (Abric, 1987: 69).

Essas duas dirnensoes do nucleo foram tomadas como corres-

75

 

pondendo a aspectos funcionais e normativos da reprcsentacao.ganizadores para a tomada de posicoes , Doise (1990) propos

uma concepcao 'nao-consensual', enquanto Flament (1993) ve

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Pode-se dividir os elementos centrais segundo eles desempe-

nhem urn papel orientado para a a<;:ao(elementos funcionais)

ou urn papel orientado para a avaliacao oujulgamento (elemen-

tos normativos)" (Moliner, 1995: 29).

Para Moliner, entretanto, estes mesmos aspectos descri-

tivos e avaliatorios estariam igualmente presentes no sistema

periferico, permitindo distinguir os papeis desempenhados

pelos seus diversos elementos. 0 pertencimento ao nucleo

central ou a periferia, por seu turno, teria uma importante

influencia na determinacao da natureza espedfica das descri-

~oes e avaliacoes envolvidas. Assim, as cognicoes centrais

devem corresponder, no polo descrit ivo do continuum postu-

lado, ao campo das dif tnifoes, ou seja, as caracterfst icas que

definem todos os objetos processados atraves da repre-

sentacao; e, no polo avaliativo, ao campo das normas , isto e ,

aos criterios para a avaliacao dos objetos. Por outro lado, as

cognicoes perifericas proximas ao polo descritivo comporiam

ocampo das descrifoes das caracterfsticas mais frequentes e

provaveis do objeto; e aquelas do polo avaliativo, 0campo das

expectativas, ou seja, das caracterfsticas desejadas do objeto.

Admitindo que 0 modelo proposto precisa ser ainda

validado por uma quantidade maior de pesquisas, Moliner

( op . c i t. ) considera, nao obstante, que ele parece ser promissor,

"pois vai de encontro a concepcoes correntes ao mesmo

tempo em que levaa novas propostas te6ricas e ametodos que

sao ficeis de implementar" (p. 39). Nesse sentido, 0autor

sugere diversas vantagens e possibilidades de exploracao do

modelo:

"Por exemplo, ele pode integrar em urn todo unico e homoge-

neo discursos e cognicoes aparentemente discrepantes (e. g .,normas sociais e expectativas ou desejos) . Alem disso, parece

que esse modelo bidimensional pode reconciliar algumas re!a-

tivamente diferentes concepcoes da nocao de representacoes

sociais. Ao definir representacoes sociais como principios or-

76

asrepresentacoes sociais como compartilhadas e portanto con-

sensuais dentro de uma populacao hornogenea. Com 0modele

bidimensional , podemos ver como e possivel ter consenso

sobre definicoes ( ... ) mas desacordo quanta a normas (... ).

F inalmente, esse modelo bidimensional pode prover l inhas de

orientacao para abordagens qualitativas baseadas em entrevistas

(0que e 0 objeto?, 0 que e bom ou mau no objeto?, Quais

sao as suas caracterfsticas mais freqiientes?, 0que deveria

mudar?)" (Moliner, 1995: 39).

Retornando a Abric, para conduir: 0 sistema central eestavel, coerente, consensual e historicamente determinado;

o sistema periferico e, por seu turno, flexfvel, adaptativo e

relativamente heterogeneo quanto ao seu conteiido. Essa

proposicao de urn sistema dual na organizacao interna das

representacoes, bern como a bipart icao do modelo proposta

por Moliner, parecern efetivamente caminhar no sentido de

uma solucao te6rica para as aparentes contradicoes que sao

comumente detectadas no estudo dos fenomenos de repre-

sentacao social.Com relacao a dimensao vertical basica da "centralidade-

periferialidade", parece preciso ainda demonstrar que os ele-

mentos perifericos apresentam plausivelmente, com base em

algum criterio externo a postulacao te6rica em si, asmesmas

caracterfsticas que lhes sao atribuidas enquanto subsistema

explicativo da estrutura e funcionamento das representacoes.

Alern disso, parece preciso prover urn argumento consistente,

tambern com base em criterio externo, quanto ao que dist in-

gue os elementos de cada urn dos sistemas e ao por que das

relacoes entre eles terem 0carater de complementaridade que

a teoria lhes confere. A subsecao seguinte, ao focalizar osaspectos perifericos das representacoes, ocupa-se precisamente

dessas questoes, inc1uindo ainda a natureza substantiva do

nucleo central, sua diferenciacao em relacao a periferia e sua

interacao com ela.

77

 

2 .2 .3 . S ab re o s a sp ec to s p er ife ric os d as r ep re se nt ac oe s s oc ia is sua principal origem em urn reexame critico de diversas

pesquisas experimentais conduzidas pelo proprio Grupe do

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E plenamente admitido pelo C ru po d o M id i, em especial

por Flament (1994a), que a ideia de nucleo central- com sua

evidente conotacao de explicacao essencial e suficiente, am-

plamente part ilhada na cultura a proposito de outras nuclea-

ridades e centralidades - desviou por bastante tempo aatencao

dos pesquisadores em relacao aos demais elementos das re-

presentacoes sociais . Estes foram provavelmente tornados

como circunstanciais e acessorios, em contraste com os ele-mentos do micleo. Flament suspeita mesmo que sua desig-

nacao como "perifericos" ja implicasse urn certo desdern, que

se traduzia por sua consideracao generica como algo dispen-

savel ou urn mero pano de fundo, de bern menor importancia,

para 0 estudo das representacoes,

Aqui, a enfase experimental do Crupo , com sua seletivi-

dade e estrita delimitacao dos objetos de pesquisa, pode ter

desempenhado urn papel na exclusao inicial dos aspectos

perifericos do seu universo de preocupacoes.

Nao obstante, parece ter sido essa mesma disciplina ex-

perimental que, ao levar a constatacao de insuficiencias ou

incongruencias na interpretacao dos resultados de pesquisas

com base apenas no construe to de nucleo central , ensejou uma

crescente ocupacao com os elementos perifericos.

Flament, como reconhece Abric (passim), parece ter sido

o principal responsavel por essa correcao de rumos: a princi-

pio, com a consideracao do papel dos "esquemas perifericos"

na transformacao das representacoes (1987, 1989), que sera

objeto de exame na proxima secao; e, mais recentemente,

generalizando 0 t ratamento dos aspectos perifericos, com a

introducao da nocao de "condicionalidade" das cognicoes que

compoern uma representacao (1994a, 1994b).

A s reflexoes que culminaram com a proposicao desse

novo criterio conceitual, qual seja, 0 carater absoluto ou

condicional dos elementos das representa~oes sociais, tiveram

78

Midi . Este fato torna urn tanto problernatico dar conta de sua

genese nos limites do presente trabalho, visto que exigi ria

uma descricao bastante pormenorizada dos pressupostos,

procedimentos e implicacoes de tais pesquisas. Por outro

lado, tendo possibil itado uma nova concepcao da distincao

entre elementos centrais e perifericos, a hipotese geral da

condicionalidade conduziu ao delineamento de uma serie de

hipoteses especfficas acerca das relacoes entre 0nucleo centrale os aspectos perifericos, bern como da "gerencia" da repre-

sentacao por ambas asinstancias ou sistemas. Taisconsequen-

cias podem ser apresentadas e discutidas neste espaco de

forma concisa e, acredita-se, suficiente para permitir uma

adequada apreciacao da relevancia da nocao de condicionali-

dade, 'tanto para a teoria do micleo central em particular,

quanto para 0 campo das representacoes sociais como urn

todo.

Com esse objetivo, descrevem-se a seguir os dois princi-

pais argumentos de part ida propostos por Flament (1994b).

Cumpre, em primeiro lugar, acompanhar suas proposicoesquanta a conjuncao entre cognicoes descritivas e prescritivas

no ambito das representacoes sociais:

"Uma cognicao e prescritiva e/ou d e sc ri ti va .

A nocao de prescricao subsume a totalidade das modalidades

de que uma a~ao e suscetfvel de ser afetada: 'e preciso fazer...;

pode-se fazer...; e desejavel fazer...; pode-se nao fazer...; nao epreciso fazer...' etc. 0 aspecto prescritivo de uma cognicao e 0

lacofundamental entre a cognicao e ascondutas que sesup6e

lhes corresponder (...).

o aspecto descritivo de uma cognicao e mais habitual: com

efeito, os sujeitos, sobretudo nos estudos de representacoessociais, utilizam principalmente termos descritivos - que de-

pois 0 entrevistador retoma em seus questionarios sisternaticos.

Existem talvez cognicoes unicamente prescritivas (...), e outras

unicamente descritivas (...). Mas me parece que, no dominio

79

 

das representacocs sociai s, os doi s aspectos estao a cada vez

presentes , dis tingufveis ao nivel discursivo, mas nao ao nfvel

sentacoes sociais: ' 'As prescricoes tendem a aparecer, ao nivel

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cognitivo" (Flament, 1994b: 37-38).

Por este primeiro pressuposto, convcm-se que se pode

tratar 0 fenorneno das representacoes sociais basicamente em

termos das cognicoes prescritivas que ascornpoem, dado que,

como formas de pensamento social pratico que sao, suas

descricoes do objeto representado implicariam sistematica-

mente em prescricoes de algum tipo de a<;:aopor parte dos

individuos ou grupos detentores de tais conhecimentos com-

parti lhados. 0 seguinte exemplo, embora bastante simples e

nao muito evidentemente relacionado a questao das repre-

sentacoes sociais, pode bern ilustrar uma instancia de "quase

fusao" dos aspectos descritivos e prescritivos:

"A conj uncao entre os dois aspectos e ainda mais evidente

quando se recorda que a prescricao pode tomar aspectos nega-

tivos. '0 ceu esta cinzento' me prescreve pegar meu guarda-

chuva, e, pois, '0ceu esta azu l' me prescreve que eu posso nao

pegar meu guarda-chuva (exemplo devido a Guimell i)" (Fla-

ment, 1994b: 37-38).

Em segundo lugar, Flament distingue entre prescricoes

absolutas ou incondicionais e prescricoes condicionais, carac-

terizando estas ultimas nos seguintes termos familiares: "Mui-

tas prescricoes sao condicionais: em geral deve-se fazer isso,

mas, em certos casos (mais ou menos claramente identif ica-

dos), deve-se fazer outra coisa" (1994a: 91). Ou, como em

outro texto: "em tal condicao, e preciso fazer isso; em tal caso

particular, pode-se fazer aquilo" (1994b: 38).

Flament (1994b) apresenta, entao, 0 que ele chama diver-

tidamente de uma "inovacao quantitativa", qual seja: ''Ao

menos no dominio das representacoes sociais, as prescricoessao macicamente condieionais" (p. 38). A rigor, esta proposi-

<;:aoseria uma decorrencia de outra ideia, que 0autor consi-

dera realmente nova e que envolve uma especie de disjuncao

eognit ivo-discursiva no ambito da logica propria das repre-

80

nitivo, elas sao, em sua maioria, condicionais" (ibid.). Essa

ideia reeebe algum esclareeimento adicional na passagem

abaixo:

"Tratar-se-ia portanto de urn vies discursivo: espontaneamente

nossos sujeitos falam do que lhes parece importante - quer

dizer, 0 caso principal-, negligenciando 0 secundario (salvo se,

por excecao, urn sujei to se encontra muito ligado a urn tal caso

secundario)" (Flament, 1994b: 39).

Isto quer dizer que, quando aspessoas emitemjulgamen-

tos aparentemente absolutos, com frequencia ji seencontram

neles embutidos, embora nao de forma manifesta, diversas

alternativas eondieionais eonsideradas legftimas ou mesmo

algocomo uma condicionalidade generica ou "aberta", Assim,

na pesquisa das representacoes sociais, a quanti dade e diver-

sidade de discursos que sao coletados, as diferentes respostas

a situacoes padronizadas e mesmo asinumeras simples asso-

ciacao de ideias e evocacao de palavras seriam "rnacicamente

condicionais" em sua natureza eognitiva, conquanto nao ne-

cessariamente na aparencia discursiva.

E importante observar, entretanto, que, segundo Flament

( op . c i t. ) , "aafirmacao do carater macicarnente condicional das

prescricoes de uma representacao social nao exclui de modo

algum a ideia de que certas prescricoes sao absolutas, isto e , naoeondicionais" (p. 43). Em outras palavras, as representacoes

sociais comportam tanto elementos cognitivos - de natureza

descritiva e prescritiva - que funcionam em termos absolutos

quanto elementos que funcionam de forma condicional.

E essa distincao entre prescr icoes absolu tas e prescr icoes condi-

cionais que Flament toma como base conceitual (externa ateoria em si) para distinguir entre os poueos elementos que

cornpoern 0nucleo central de uma representacao, definindo-

a basicamente, e a bern maior quantidade de elementos que,

tarnbem de modo (condicional) significativo, ope ram aonfvel

81

 

da periferia provendo a interface com asquestoes ~ra:icas da"mapeamento" das cognicoes condicionais e de suas pr6prias

condicoes situacionais de atualizacao:

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vida cotidiana. 0 nucleo central e, portanto, consti tuido por

prescricoes absolutas ou incondicionais, enqua~t? q~e os

elementos perifericos envolvem prescri<;oes condlClonals.

Com isso, pretende-se justificar as caracteristicas e fun-

<;oesatr ibufdas a uma e a outra dessas instincias ou sistemas

complementares na organiza<;ao interna de uma rep~e-

sentacao. De fato, uma simples perscrutacao do quadro sin-

tetico proporcionado por Abric (ver subsecao precedente),com a preocupa<;ao de se buscar identificar que tipo~ de

cognicoes - absolutas ou condicionais - podcm plau~lvel-

mente ser tomadas como responsaveis pelas caracterfstlcas e

funcoes centrais ou perifericas, parece suficiente para prover

alguma confiabilidade as identifica<;oes propostas.

Ainda enfatizando a importancia dos elementos periferi-

cos no fu~cionamento das representacoes. antes inadvertida

em prove ito de urn investimento te6rico exclusivo na expli-

cacao que 0 nucleo central poderia proporcionar, Flament

(1994a) vale-se da observa<;ao de Michel Morin de que "~o

entanto, e na periferia que se vive uma representacae sO~l~1no cotidiano" (p. 85). Ao que acrescenta, igualando a parnci-

pa<;aoexplicativa das duas instancias:

"E 0 func ionamento do nucleo nao se compreende senao em

dialetica continua com a periferia" (.. .). E por contraste com a

condicionalidade periferica (.. .) que os esquemas incondicionais

aparecem como incontornaveis (Moscovici, 1992, fala de ele-

mentos niio-negociaveis) e constituindo 0nucleo central" (Fla-

ment, 1994a: 85-86).

Apresentam-se a seguir algumas das hip6teses especfficas

que podem ser sugeridas como decorrencia da ideia geral de

que, no dorninio das representacoes sociais, "as cognicoes saomaci<;amente condicionais", com a ressalva de que se trata

ainda de reflexoes admitidamente incipientes no estado atual

de desenvolvimento da teoria. Flament e explicito quanta a

isso ao alertar para aspresentes dificuldades metodo16gicas no

82

"Se se tern boas hip6teses sobre 0 sistema condicional de uma

cognicao, a verificacao e geralmente facil: pergunta-se aos su-

jei tos : 'Qual e a prescricao em tal caso par ticular? ' - e se obtern

respostas muito naturais (.. .). Mas atencao, no estado atual dos

nossos conhecimentos metodol6gicos, a pesquisa 'cega' de urn

sistema condicional sefaz por metodos brutal mente indutivos.

o desenvolvimento sistematico dessas pesquisas conduzira

scm duvida alguma a uma metodologia confiavel" (Flament,

1994a: 39).

Uma primeira hip6tese especffica que merece ser aqui

relatada focaliza urn dos problemas mais dificeis para qual-

quer abordagem cognitiva, qual seja, 0 da relacao entre cog-

ni<;aoe comportamento. Este parece, entretanto, poder rece-

ber urn tratamento convincente no campo das representacoes

sociais com a introducao do "paradigma" (se se pode chamar

assim) da condicionalidade, como argumentado por Flament:

"Suponhamos uma cognicao condicional do tipo: 'No caso

geral, prescricao A; em tal caso particular, prescricao B'. Se 0

vies discursivo [antes] mencionado funciona efetivamente, 0

discurso espontaneo dos sujeitos nao menciona senao a pres-

cricao A; mas uma observacao comportamental rigorosa mos-

trara os efeitos das prescricoes A e B (...). Segundo 0paradigma

habitual (.. .) deve-se concluir por urn desacordo entre cognicao

e condutas observadas . Se, ao contrar io , se aceita 0 meu para-

digma, 0 desacordo e entre cognicao e discurso, e ha adequacao

entre cognicao e condutas observadas" (Flament, 1994b: 39-40).

Uma segunda decorrencia da hip6tese da condicionalida-

de, em estreita afinidade com a precedente, diz respeito aconsideracao de uma conduta como "normal" a luz de uma

cognicao condicional. A adequada discussao dessa suposicao

exige, entretanto, a apresentacao previa de urn experimento,devido a Moliner (1989), hoje considerado basico para 0

desenvolvimento da teoria do nucleo central. Flament foi

capaz de relata-lo nos termos rna is sucintos possiveis na

passagem que se segue.

83

 

"Aprime ira sustentacao experim,ental ~a teoria do nucle,o cen-

tral e devida a Moliner (1988). E suficiente evocar urn grupooptaram pela primeira altemativa, enquanto apenas urn terce

considerou tal grupo pouco tipico ou algo bizarro, uma pro-

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amigivel' para que os sujei tos pensem (em uma frequencia de

95%) que setrata de urn 'grupo ideal ', 0 que i~plica p~ra.:sses

sujei tos a ausencia de hierarquia, convergenc~a de opm~o~s e

alguns outros traces (.. .). Depois fala-se de urn gr~po a~'u~avel

hierarquizado ' ou de urn 'grupo amigivel com divergencia de

opinioes'. E pergunta-se se se trata de urn '.grupo !deal'. A

resposta e macicarnente niio quando hi uma hiera rquia , e ma-

cicamente sim quando hi divergencia de opinioes. Deduz-se

daf que a ausencia de hie rarquia e urn e lemento do nucleocentral da representacao social de 'grupo ideal ' enquanto que a

convergencia de opinioes e urn elemento periferico" (Flament,

1994a: 87).

Cabe eselarecer que, no experimento acima, a "ausencia

de hierarquia" e a "convergencia de opinioes" foram amb.as

evocadas pelos sujeitos com uma mesma e elevada f~eqtienCla,

tratando-se portanto de elementos igualmente sahentes, em

termos quantitativos imediatos, na representacao de "gru~o

ideal". Urn segundo procedimento experimental f01 en_ta~

necessario para se evidenciar que 0 primeiro deles consutui

uma cognicao absoluta, central, acerca do objeto da .reP.re-

sentacao, e 0 segundo, uma cognicao condicional,. penfen~a.

Como seravisto no pr6ximo capitulo, essaestrategia - ou seJa,

questionar se a representacao se mantem quando .t: l.ou qual

elemento tern sua participacao negada por urn artificio expe-

rimental - tern sido incorporada a diversos metodos de pes-

quisa da constituicao do micleo central.

Voltando a questao antes proposta, interessa no momenta

discutir assutilezas das cognicoes condicionais que levaram a

que os sujeitos considerassem normal que. urn ~"g~upo

ideal" pudesse ser tambem urn "grupo com divergencia ~e

opinioes". Na pesquisa de Moliner, 75% dos sujeitos consi-

deraram que urn grupo com divergencia de opinioes era urn

grupo ideal.

Perguntados, nesse caso, se se tratava de "urn grupo ideal

tfpico" ou de "urn grupo ideal pouco tfpico", dois tercos deles

84

porcao contraria portanto ao que se esperava. Flament assim

comenta esses resultados:

"Ora, tudo se torna claro nesse ponto ( ... ). Admitamos que a

cognicao 'mesmas opini6es' seja condicional (...); mas a mani-

pulacao exper imental nao propunha nenhuma explicacao para

esse fenomeno excepeional, e deixava aos sujeitos a possibili-

dade de pensar: ' em geral , osmembros de urn grupo ideal estao

de aeordo; mas, em certos easos, eles podem nao esta r; ji queeles nao estao [como lhes foi dito], e que se esta em urn desses

casos particulares, e e portanto normal que af haja divergencia

de opini6es'. Donde os resul tados, adrni tindo-se que para os

sujeitos a resposta 'tipico' e a mais proxima do que teria sido a

boa resposta: 'normal ' ou 'legitimo'" (Flament, 1994b: 41-42).

Para passar a consideracao de outras decorrencias da hi-

p6tese da condicionalidade, cabe ressalvar que ela nao tern

implicacocs apenas para a concepcao do sistema periferico,

como mostrado ate agora, mas tarnbem para as suas relacoes

com 0 sistema central e para a pr6pria nocao de representacao

autonorna, definida esta, relernbre-se, em funcao da existen-ciade urn micleo central. Em outras palavras, a proposicao da

condicionalidade nao constitui uma tentativa de demonstrar

que os elementos perifericos sejam tao ou mais importantes

do que 0 constructo ate entao privilegiado de micleo central para

a elucidacao do fenomeno das representacoes sociais. Ao

contrario, a hip6tese serve tambern para reforcar 0 papel

decisivo das prescricoes absolutas na definicao de uma repre-

sentacao.

Nesse sentido, Flament (o p. c i t. ) lembra que "urna repre-

sentacao social nao funcionara senao se todas as prescricoes

absolutas forem satisfeitas absolutamente", ao passo que,atendido esse requisito, basta que "0 sistema condicional de

uma unica prescricao condicional [seja] satisfeito" (p. 44) para

que a representacao venha acontemplar uma ou outra de uma

grande variedade de situacoes. Mas, definitivamente, a repre-

. . .

85

 

sentacao s6 mantern sua identidade pr6pria por forca do

conteudo das prescricoes absolutas de seu micleo central, se

consequencia logicamente trivial, mas geralmente ignorada

empiricamente" (p. 42), que vern a ser assim descrita:

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autonoma, ou das prescricoes absolutas que, conquanto de

varias origens, convergem para definir 0objeto de uma re-

presentacao nao-autonoma. A partir de tal reconhecimento

da importancia definit6ria dos elementos incondicionais, 0

autor recoloca a distincao entre representacoes autonomas e

nao-autonomas nos seguintes termos:

"Assim, as prescricoes absolutas sao incontornaveis, e servirao

como p r in c ip i os o r g an iz ad o re s do conjunto de outras prescricoes- 0 que e uma das carateristicas essenciais de urn nucleo central.

Se 0 conjunto das prescricoes absolutas de uma representacao

social forma urn sis tema tinico, falaremos de mic leo centra l e

diremos que a representacao social e autsnoma (Flament, 1989).

Ao contrar io , se as prescricoes absolutas formam d i ve r so s c on-

juntos organizadores, falar-se-a de uma representacao ndo-autb-

noma (Flament, 1994b: 44).

Ainda a esse prop6sito, a importante afirmacao te6rica

retomada por Flament ( op . c it .) de que "0 micleo central

organiza os elementos nao-centrais da representacao [auto-

noma], mesmo os mais marginais" (p. 45) encontra umailustracao das mais interessantes e esc1arecedoras a luz da

hip6tese da condicionalidade no relato que se segue:

"Estudando a representacao da auto-estrada (Bernard &Blanc,

1989), encontra-se (sem espanto) que 0 nucleo central e 'rapi-dez/facil idade dos des locamentos '. No momenta em que aca-

bava de ser terminado 0 trecho Marseille-Manosque da futura

auto-estrada Marseille-Grenoble, interrogamos uma velha ma-

nos quina, que declarou que essa auto-estrada iria fazer aumen-

ta r a de linquenc ia ; d ian te do espanto do entrev istador, a se-

nhora explicou que 'a auto-estrada vai permitir aos ladr6es

marselheses vir mais facilmente a Manosque' . A preocupacao

com a seguran~a, propr ia dessa senhora, foi associada ao con-ceito de auto-estrada por urn dos dois aspectos da representacao

social" (Flament, 1994b: 45-46).

Ha, finalmente, uma suposicao gerada pela hip6tese da

condicionalidade, que Flament (op. cit.) considera como "uma

86

"Suponhamos urn conjunto de individuos que, relativamente

a urn objeto de representacoes sociais, comparti lhem todas as

prescricoes e seus sistemas condicionais: pode-se falar de po-

pulacao hornogenea em re lacao ao objeto da rep resentacao

social. E perfeitamente concebivel que par tes ( individuos ou

subpopulacoes) dessa populacao se encontrem em condicoes

diferentes, e, por isso mesmo, tenham praticas (e discursos)

diferentes ( .. .) . Urn pesquisador que se contentasse em regis-

tra r pra ticas e di scursos te ria uma forte tendencia a concluir

sobre a existencia de duas representacces sociais , e por tanto de

duas populacoes dis tintas . Para se convencer da unicidade da

representacao social, e suf iciente inte rrogar os membros de

cada subpopulacao sobre as praticas da outra subpopulacao, e

se vera que todos tern 0 mesmo sistema condicional , mas ,

muito conscientemente , operam em condicoes difer entes"

(Flament, 1994b: 42).

Realmente, valorize-se ou nao a homogeneidade de uma

populacao nos estudos de representacoes sociais, trata-se de

uma advertencia bastante pertinente quanta a necessidade de

se levar sempre em consideracao os aspectos objetivos dasituacao imediata - ffsica, econornica, social etc. - como

condicoes concretas de atualizacao da representacao nos de-

poimentos espontaneos e momentaneos dos sujeitos.

E interessante aindaobservarque essaconsequencia, talvez

aparentemente limitativa da pr6pria hip6tese da condiciona-

lidade (se se a encerra em uma especie de universo cognitivo

autocontido), aponta na verdade para a complexidade do

fenomeno das representacoes sociais, 0 que nao pode deixar

de ser salutar para 0 campo de estudos. E nesse sentido

justamente que Flament conclui urn dos seus dois textos

extensamente explorados nesta secao:

"Se urn ensinamento urn tanto geral pode ja se r t irado dessas

diversas consideracoes, e bern 0 de que 0 discurso espontaneo

dos su jei tos esta longe de revelar a complexidade das repre -

sentacoes sociais. (. ..) Condicionalidade, centralidade qual ita-

87

 

tiva versus saliencia (quantitativa), encadeamentos complcxos

de associacoes ... , todas coisas que os sujeitos nao revelam senao

na interacao entre representacoes e praticas sociais a partir das

investigacoes resenhadas:

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se se Ihes coloca boas questoesl 0que , para nos, explica as

decalagens aparentes entre representacoes sociais e praticas

efetivas, pois 0 discurso esponidneo nd o e a r e pr es e nt a fa o s o ci a l [grifo

nosso]" (Flament, 1994a: 115-116).

2.3. A transforrnacao das represerrtacoes a partir das

praticas sociais

o dominio das praticas SOCIalS,embora teoricamente

importante, e, segundo depoimento de Moscovici e Jodelet,

registrado em Abric (1994c: 217), pouco privilegiado em

psicologia social. Isto parece valer tambern para 0campo das

representacoes sociais, onde 0ratamento mais sistematico da

questao e proporcionado precisamente pela abordagem do

micleo central. Nas sccoes precedentes deste capitulo e espe-

cialmente ao final da ultima secao, a consideracao das relacoes

entre as praticas e as representacoes sociais foi ja anunciada

como uma dimensao irrecusavel dessa teoria especffica. De

fato, desde 0 equacionamento teorico inicial por Flament(1987, 1989) do processo de transforrnacao de representacoes

a partir de rnudancas verificadas em determinadas praticas

sociais, como evidenciado ern diversas pesquisas, a elucidacao

do problema, em seu ambito mais abrangente possfvel, parece

ter sido tomada como urn desafio pela teoria do micleo

central.

Nesse sentido, Abric (1994c) propoe discutir tais relacoes

nos seguintes termos: "Sao aspraticas sociais que determinam

as representacoes ou 0 inverso? Ou as duas sao indissociavel-

mente ligadas e interdependentes?" (p. 217). A rigor, entre-

tanto, 0 autor acaba privilegiando em sua analise a deter-minacao das praticas pelas representacoes, provavelmente

porque asdernonstracoes empfricas disponiveis no campo das

representacoes sociais se encaminham predominantemente

nessa direcao. Abric assim somaria essa direcao de influencia

88

"Como acabamos de ver, a deterrninacao das praticas e dos

comportamentos pelo sistema de representacao parece - ao

menos em certas situacoes - indiscutfvel. Vimos mais precisa-

mente que asrepresentacoes constituldas, e asvezes profunda-

mente ancoradas na historia da coletividade, permitem explicar

as escolhas efetuadas pelos individuos, 0 t ipo de relacoes que

eles estabe lecem com os parce iros, a na tureza de seu engaj a-

mento em uma situacao ou suas prat icas cotidianas" (Abric ,1994c: 229-230).

Abric (op. cit.) reconhece, entretanto, que "essa constata-

<;aonao pode desembocar em uma exclusao pura e simples do

papel das praticas nas representacoes" (p. 230) e tece as se-

guintes consideracoes quanto a segunda direcao de influencia,

para enfim conduirpela alternativa dainterdepcndencia entre

praticas e reprcsentacoes:

"Mesrno se clas escapam ao analista, ascondicoes de producao

dessas representacoes constitufdas - que explicam seu estado

atual- sao provavelmente grandemente tributarias das praticas

sociais que 0grupo desenvolveu ou as quais foi confrontado.Esta e a razao porque a quase total idade dos pesquisadores esta

de acordo sobre 0seguinte principio: as representacoes e as

praticas se engendram mutuamente" (Abric, 1994c: 230).

Esta e por certo uma conclusao generica que busca ele-

gantemente conciliar as duas posicoes, fazendo uma conces-

sao sensata a possivel deterrninacao das representacoes pelas

praticas, face a ainda irresistivel forca dessa ideia no cenario

das cicncias sociais, mesmo que limitada pela extrema dificul-

dade de sua comprovacao empirica. De fato, as concepcoes

que prop oern tal sentido de determinacao de uma forma mais

definida - como a tradicao sociologica marxista - lembradaspor Abric parccem depender mais da argumentacao teorica

do que se sustentar pela pratica da pesquisa. No caso do

marxismo, 0autor identifica ademais uma seria incompatibi-

lidade com a teoria das representacoes sociais:

89

 

"Essa posicao se acompanhava mui to geralmente , ate a uma

epoca recente de uma contestacao global da psicologia social

sociais cotidianas bern definidas, como 0 atestam e ilustram

os seguintes trabalhos: Guimelli (1989), sobre a representacao

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tradicional (.. .) e muito especificamente de uma desconfianca

e de uma rejeicao danocao de representacao social tal como n6s

a uti lizamos ( .. .) . Nossa concepcao de urn s u je i to a t iv o e entao

interpretada como uma das manifestacoes de urn mascaramen-

to ideol6gico, que visa ocultar 0 papel determinante das reia-

<;:6esde producao, da qual esse sujei to e tota lmente depen-

dente" (Abric, 1994c: 21S).

E forcoso admitir que tambem outras defesas do papeldeterminante das praticas para a ernergencia das repre-

sentacoes sociais - como a de Sa (1994), de fi liacao behavio-

rista skinneriana, que asconsidera em termos mais genericos

ou menos institucionalizados e intimamente associadas a

processos comportamentais basicos - se ressentem de algo

como uma "inviabilidade demonstrativa". Esta decorre prin-

cipalmente do carater remoto das origens propostas, 0 que,

de resto, limita necessariamente a urn exercfcio especulativo,

conquanto legitimo, toda e qualquer abordagem socio-gene-

tica da cognicao, incluindo a propria teoria das representacoes

sociais como formulada por Moscovici.

Esta e tambem, provavelmente, a razao pela qual os auto-

res do C r up o d o M i d i, com sua orientacao teorica firmemente

condicionada ao desenvolvimento de possibilidades metodo-

logicas concretas, evitam se envolver com 0 problema da

genese ou da formacao primeira das representacoes, preferin-

do antes focalizar as t rans jormacoes ocorridas em urn intervalo

de tempo historico e em urn espaco socio-geografico efetiva-

mente manejaveis pela pratica da pesquisa. Tal exigencia de

maneabilidade e igualmente bern atendida pelas caracteristi-

casdas praticas sociais - em transformacao ou nao - que esses

pesquisadores tomam como base para seus estudos sobre as

representacoes sociais.

De fato, abrindo-se aqui urn parentese, cabe ressaltar que

os "objetos de representacao" selecionados para pesquisa pelo

Grupe sao, via de regra, extraidos do contexto de praticas

90

e a pratica da caca; Abric (1984), sobre as do artesao e do

artesanato; Morin (1989), sobre a aplicacao as condicoes de

trabalho; Abric e Morin (1990), sobre a mobilidade urbana e

asviagens interurbanas; Verges (1992) e Verges e t a l. ( 19 94 ),

sobre 0dinheiro e as nocoes de economia; Moliner (1993),

sobre a representacao social de empresa; Guimell i (1994),

sobre 0 papel profissional do enfermeiro; Morin (1994) e

Morin, Moatti e Souville (1994), sobre as modificacoes de

conduta dosjovens em relacao a Aids e sobre 0 envolvimento

profissional com a doenca; Mardellat (1994), sobre praticas

comerciais e artesanais; Singery (1994), sobre representacoes

e projetos de rnudanca tecnologica.

Uma primeira descricao de "diversas formas de transfor-

macae das representacoes sociais sob a influencia da evolucao

das praticas sociais" foi proporcionada em 1987/1989, como

ja noticiado, sem que 0 autor, Flament, considere que "tenha

sido entao capaz de fazer uma apresentacao unitaria" (1994b:

49). Posteriormente, entretanto, a partir da introducao da

hipotese da condicionalidade examinada na secao precedente,

Flament esboca uma sintese de tais processos de mudanca,

"inicialmente sob a forma de urn esquema descritivo [e]

depois s?b a forma de urn princfpio que se quer explicativo"

(ibid.). E tal sisternatizacao teorica que sera apresentada a

seguir como a contribuicao mais atualizada ou problematiza-

da, ainda que nao-definitiva, do C rupo do M id i ao entendi-

mento das relacoes entre representacoes e praticas sociais em

transformacao,

Quanto a primeira providencia anunciada, Flament (1994b:

49) busca incorporar as dinamicas transformacionais ante-riormente descritas ao es quema s eq ii enci a l que se segue:

Modificacoes das circunstancias extemas

- Modificacao das praticas sociais

91

~ ..

. " "

 

- Modificacao dos prescritores condicionais sobre os prescri tores absolutos, que nao se modif icarao senao

se os prescri tores condicionais forem antes modificados, de

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- Modificacao dos prescritores absolutos (rnicleo central)

Valendo-se, como ilustracao, do trabalho em que Gui-

mell i (1989) identifica transformacoes na representacao da

caca por cacadores franceses, a part ir de mudancas de cunho

ecol6gico nas praticas de caca (delimitacao do terri t6rio de

caca, protecao de certas especies, repovoamcnto), provocadas

pela reducao da populacao de coelhos em funcao de uma

epidemia de mixomatose, Flament comenta os primeiros dois

elementos de seu esquema:

'1\s circunstancias externas sao qualquer estado do mundo fora

da represcntacao social, ou seja, dependente de uma causalida-

de estranha a representacao social (por excmplo, a mixomatose

dos coelhos nao depende em nada das representacoes pr6prias

aos cacadores).

As praticas sociais sao de algum modo a interface entre circuns-

tancias externas e prescritores internos da representacao social.

Sao comportamentos globa is que evoluern para se adapta r as

mudancas das circunstancias externas (por exemplo, os ca~a-

dores aumentarn suas praticas ecol6gicas para compensar 0

desequi librio da fauna devido ao desaparec imento dos coe-

lhos)" (Flament, 1994b: 49).

Considerando que, no funcionamento cotidiano da re-

prcsentacao, sao as prescricoes - absolutas e condicionais -

que determinam 0engajamento dos individuos ou grupos em

determinadas praticas sociais, configuradas de tal ou qual

maneira, deve-se esperar, segundo Flament, que csses "pres-

critores" tendam a "absorver" as eventuais modificacoes das

praticas, ocorridas em funcao de algum fator circunstancial

externo. A partir dessa suposicao, 0autor da conta dos pro-

cessos de modificacao ao nivel propriamente representacionaldos ult imos dois elementos do esquema:

"Urn princfpio elementar de econornia cognitiva quer que as

modificacoes cognitivas sejam minimas, Deve-se portanto es-

perar que as mudancas sejam inicialmente 0 menos pOSSIVe!

92

uma mane ira ou de outra (por exernplo, as novas praticas

ecol6gicas dos cacadores modificam 0 sistema condicional dos

prescri tores relat ivos a essas, modif icacao que permite uma

transformacao progress iva, mas nao menos estrutural, do nu-

cleo central da representacao social)" (Flament, 1994b: 50).

Flament ( op . c it .) eselarece que "0 processo descrito pelo

esquema pode nao ir ate ao seu termo [a modificacao do

micleo central], notadamente se as circunstancias mudarem

novamente de curso", 'Alern disso", prossegue, "0 esquema

nao permite fazer-se uma ideia da duracao do processo" (p.

50). Na verdade, 0 autor admite que 0 esquema apresentado

e apenas uma sfntese descritiva, com "virtudes mais pedag6-

gicas que heurfsticas" (ibid.), para passar em seguida a propo-sicao de um principio explicativo formulado com base na

hip6tese da condicionalidade, que ele acredita apresentar urn

forte poder heurfstico.

o pr inc ip i a exp li cat i ve proposto por Flament (1994b) para

dar conta do processo geral de transformacao das repre-

sentacoes e apresentado de uma forma aparentemente sim-

ples. Segundo 0autor, tudo se passa de tal sorte que cada

indivfduo envolvido no processo possa dizer: "N ascircunstdn-

cias, eu faco a l gum a c oi sa n do -h a bi tu a l, mas eu tenho bo as r a zo e s

para isso" (p. 50). A essa formulacao basica sao acrescentadas

entao algumas possibilidades combinat6rias, que acabarao por

determinar diferentes cursos e desfechos para 0processo, ou

seja, perrnitirao distinguir entre diferentes casos tfpicos de

transforrnacao das representacoes.

Nesse sentido, interessa, em primeiro lugar, considerar

se as circunstancias sao pcrcebidas como reversiueis ou irre-

versiueis pelos individuos envolvidos.

Flament comenta que, embora 0carater material das

circunstancias deva ser conhecido, para evitar qualquer con-

tra-senso ou ingenuidade interpretativa, somente 0 seu ref1e-

93

 

xo cognitivo - ou seja, a reversibilidade ou a irreversibilidade

p er ce bi da s - desempenha urn papel determinante no modelo

ou incompatibilidade para com a representacao. Entao, pros-

segue 0 autor, "observa-se (e e sem dtivida inevitavel) uma

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explicativo. A consequencia dessa variavel e assim estabeleci-

da pelo autor:

''A hip6tese e a de que a reversibilidade percebida desacelerara

o processo de transforrnacao da representacao social, e princi-

palmente interditara qualquer rnodificacao ao nfvel do nucleo

central ; ( .. .) . Por tanto, somente as prescricoes condicionais

serao modif icadas e pode-se pensar que 0retorno das circuns-

tancias ao normal nao apagara todas as modificacoes dessasprescricoes: permanecerao traces desse episodic" (Flament,

1994b: 52).

Em seguida, part indo do postulado cognit ivista de que as

pessoas sempre encontram urn meio - mais ou menos eficaz

e mais ou menos consciente - para restabelecer 0equilibrio

cognitivo perdido quando se veem engajadas em condutas

nao-habituais, Flament ( op . c i t. ) define uma condicao para que

a operacao de tal postulado possa ser levada em consideracao

na analise da transforrnacao das representacoes sociais . Diz

eIe: "Quando nos falamos de boas ra z ii e s, no nosso modelo,

estamos considerando que 0meio de restabelecer 0equilibrioe, se nao claramente consciente e explicito, ao menos explici-

ravel pelo proprio sujeito" (p. 53). 0 carater publico assim

exigido dessas "boas raz6es" permite distinguir dois casos de

sua invocacao:

1)As boas raz6es sao geradas peIo sistema condicional da

representacao;

2) '1\5 boas raz6es sao tomadas da c ul tu ra g lo ba l, fo ra d a

representaoio social considerada" (p. 54).

o primeiro caso, observa Flament ( op . c i t. ) , se apresenta

quando "as circunstancias podem fazer com que uma condi-<;aoraramente presente setome mais freqiiente, e mesmo (...)

geral ( ... ), ou, ao contrario, uma circunstancia freqiiente se

tome rara" (p. 53). As praticas, nesses casos, sao inabituais em

termos de sua freqiiencia e nao de uma eventual anormalidade

94

evolucao muito progressiva, que, se vai ate a mudanca do

micleo central, 0 faz sem ruptura incisiva do estado inicial"

(ibid.). A invocacao de boas raz6es ji condicionalmente im-

plicadas na representacao - como, por exemplo, parajustificar

a modificacao das praticas de caca, anteriorrnente noticiadas

- indica que aspraticas inabituais eram absolutamente legiti-

mas. De fato, Guimell i (1989) encontrou registros dos temas

relativos a essas "novas" praticas na literatura cinegetica fran-cesa de ate cinqiienta anos arras.

o segundo caso - boas raz6es tomadas de fora da repre-

sentacao social - indica, segundo Flament (op. cit.), que "as

circunstancias provocam praticas ilegft imas, contrarias as

prescricoes das representacoes sociais" (p. 53). Diz ainda 0

autor: "Em todos esses casos, ve-se aparecer, n o d is cu rs o d os

sujeitos, 0que nos denominamos de e s q uem a s e s tr a nh o s, que

afirrnam simultaneamente a prescricao violada, a pratica ile-

gftima, representada como tal, e prop6em uma boa razao,

mais ou menos racionalizante" (ibid.). Eis urn interessante

exemplo daoperacao de urn "esquema estranho", selecionadopor Flament, referente a aculturacao de imigrantes africanos

na Franca:

"Uma estudante (magrebina de segunda geracao ) inte rroga

estudantes magrebinos de segunda geracao sobre 0 fato de que

eles fumam; a resposta e invar iavelmente: "eu fumo" (0 que e

contrario a t radicao magrebina) , "mas nao e proibido pelo

Corao" (aparte entre parenteses e sempre impllcita, porque ela

traduz uma grande evidencia para osinterlocutores)" (Flament,

1994b: 54).

A nocao de "esquemas estranhos" foi proposta por Fla-

ment (1987,1989) na esteira da designacao que ele entao faziade toda e qualquer cognicao de uma representacao como urn

"esquema". Tendo, posteriormente, preferido falar dessas cog-

nicoes em geral como "prescritores" e "descritores", 0autor

manteve entretanto aquela primeira expressao para acentuar

95

 

o seu carater "estranho" em relacao ao conteudo da repre-

sentacao em que penetra de modo a acabar por transformi-Ia

o exemplo da pratica de fumar, contraria a tradicao ma-

grebina, antes aludido, ilustra a existencia de uma boa razao

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de forma incisiva. Alem do mais, a expressao e a postulacao

de seus quatro componentes esquernaticos - evocacao do

normal, designacao da excecao, afirrnacao de uma contradicao

entre os dois termos, proposicao de uma racionalizacao que

permite suportar a contradicao - se tornaram nao so bem

conhecidos, mas tambem mereceram recentemente uma for-

malizacao teorica de sua estrutura cognitiva especffica em

termos de entidades recorrentes no processo de transforma-<;;aodas representacoes (Guimelli e Rouquette, 1993).

Contrastando com 0 primeiro caso - de transformacao

progressiva da representacao, a partir de "boas razoes" presen-

tes em seu sistema condicional - 0 surgimento de esquemas

estranhos, baseados em "boas razoes" extraidas da cultura glo-

bal, se traduz por processos mais incisivos de transformacao

das representacoes, em uma evidente ruptura com 0passado.

Ainda assim, Flament (1994b) considera que "a natureza

desses processos depende de uma ultima dicotomia, que nao

e talvez senao uma localizacao nos pontos extremos de uma

escala de diversos nfveis" (p. 54). Em urn dos pontos extre-mos, 0 autor observa que "algumas boas razoes se impoern

uniformemente a todos osmembros dapopulacao", de modo

que esse consenso "cria uma pressao social que rnantera por

muito tempo a contradi<;;ao,justificando-a de alguma manei-

ra" (ibid.). No outro extremo, "miiltiplas boas razoes, incoor-

denadas, se distribuem na populacao", 0que resulta na seguinte

situacao e desfecho:

"A multipl icidade incoordcnada de boas raz6cs faz com que,

para um mesmo individuo, a " logica" das boas razoes var ic de

uma prescricao violada a outra, e, para uma mesma prcscricao,

var ie de um sujei to a outro. Oaf urn clima geral de incoerenciacognit iva , que se resolve pela supressao do problema, pe la

fragmcntas;ao da representacao social. Parece que os elementos

do ant igo nucleo cen tral van servir a constituicao de novas

represcntacoes sociais" (Flament, 1994b: 54).

96

razoavelmente distribufda na populacao (imigrantes de se-

gunda geracao), que permite justificar essa contradicao e

assim manter, talvez indefinidamente, 0 micleo da repre-

sentacao tradicional, embora nao deixe de constituir uma

ruptura incisiva com 0passado. A operacao de boas razocs

incoordenadas e irregularmente distribuidas na populacao ei lustrada por Flament (1989) a partir de urn estudo rcalizado

emMadagascar (Andriamifidisoa, 1982), em que severificou,no curso de uma revolucao socialista , 0 surgimcnto de uma

especie de "conselho municipal elei to", que teria passado a

constituir, na pratica e na representacao social do poder, uma

alternativa a instancia tradicional de autoridade exercida pclos

"anciaos". Antes cram estes que "faziam respeitar as boas

relacoes e davam as ordens; qualquer infracao conduzindo aculpabilidadc e, cedo ou tarde, ao castigo" (p. 215). 0 autor

transcreve 0depoimento de urn jovem malgache, para dar

conta da busca incoordenada de boas razoes:

"Antigamente, quando um anciao nos dizia para fazer alguma

coisa que nao nos agradava, era penoso (era preciso obedecerou ser culpavel) ; agora, pode-se tentar fazer urn contrapeso

dirigindo-se ao cornite (.. .)" (Flament, 1989: 215).

Percebida como irrcversfvel, essa mudanca nas priticas

deve acabar levando, segundo Flament ( op . c it .: 214-215), a

uma fratura do micleo central, a dispersao de seus elementos,

cada urn passando a evoluir segundo uma logica propria, e

talvez se reencontrando, com um sentido modificado e mais

ou menos centralmente integrado, em uma nova repre-

sentacao social. De qualquer forma, uma grande parte do

passado se apagari e os esquemas estranhos entao surgidos

integrarao novas representacoes, cuja propria origem tera sido

esquecida.

Seguindo-se a esta caracterizacao do cstado atual da teoria

do nucleo central, em que podem ter ficado pendentes diver-

97

 

rsas imbricacoes metodo16gicas necessarias a melhor apreen-

sao de sua contribuicao global ao campo de estudos das

representacoes sociais, 0 pr6ximo capitulo sera dedicado a

Capitulo 3

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uma apresentacao sistematizada de variados metodos e tecni-

cas de pesquisa, desenvolvidos pelo C rupo d o M id i para dar

conta das peculiaridades teoricamente atribufdas ao fenomeno.

98

M E T O DO S E T E C N I C A S D E

P E S Q U I S A D O N O C LE O C EN TR A L

Ocampo das representacoes sociais - pela pr6pria natu-

reza dos fenomenos estudados, ou seja, formas modernas e

especificas de conhecimento pratico, produzidas e mobiliza-

das navida cotidiana - repousa firmemente sobre asatividades

de pesquisa empirica. Como assinalado com frequencia por

Moscovici e por outros autores, nenhuma especie de especu-

lacao, por privilegiada que se pretenda, pode substituir 0

esforco de apreensao empirica dos contetidos e das organiza-

~6esde tais t ipos de saberes, que ligam urn sujei to part iculara urn objeto concreto em uma situacao s6cio-hist6rico-cul-

tural determinada.

A pesquisa das representacoes sociais tern se caracteriza-

do, desde 0infcio, por uma utilizacao bastante criativa e

diversificada de metodos e pelo desenvolvimento continuo

de novas tecnicas, tanto no que se refere a coleta quanta ao

tratamento dos dados. Alem disso, sua problernatizacao, que

decorre naturalmente da complexidade e diversidade das ma-

nifestacoes do fenomeno, tern conduzido 0campo a uma

intensa atividade de discussao e critica metodol6gica interna.

A pesquisa em si nao consti tui, entre tanto, no campo dasrepresentacoes sociais como em qualquer outro, urn processo

autonomo que simplesmente se acrescenta - ou oferece seus

resultados a pos te r i or i - a uma atividade explicativa propiciada

por urn corpo de formulacoes conceituais e interpretacoes

i

99

 

teoricas. A rigor, desde a escolha, combinacao ou adaptacao

de metodos, bern como desde a elaboracao de instrumentos

de coleta de dados e a definicao ou criacao de tecnicas para

atividade tenha obrigatoriamente que ser complementada

pelo tratamento ou analise dos dados coletados, parece opor-

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.seu tratamento, a pesquisa das representacoes sociais e expli-

citamente orientada pela conceituacao e pela construcao te6-

rica especffica que 0pesquisador tenha adotado.

De fato, considerando que 0 acesso ao fen6meno em si

nao pode se dar senao atraves das providencias de carater

metodol6gico acima aludidas, resulta que 0 conhecimento

que dele se obtern ja incorpora a influencia de uma codifica-~ao te6rica previamente introduzida. Deve-se, assim, convir

que, ao inves de se lidar diretamente com fen6menos especi-

ficos de representacao social, 0que ocorre necessariarnente,

como forma de viabilizar 0 acesso - indireto, parcial, concei-

tualmente selet ivo, teoricamente orientado - a tais fen6me-

nos, e a construcao de urn "objeto de pesquisa".

No presente capitulo, serao examinadas e discutidas as

estrategias depesqui sapertinentes ao ambito dateoria do micleo

central, buscando-se esdarecer os prop6sitos e 0 alcance dos

diferentes metodos e tecnicas que tern sido desenvolvidos com

esse fim. Nesse sentido, sera focalizada, em uma prime ira secao,a questao mais geral da construcao de objetos de pesquisa no

campo das representacoes sociais,bern como asformas que ela

assume sob a influencia das proposicoes te6ricas acerca de urn

sistema organizador central. A s duas secoes seguintes serao

dedicadas a apresentacao dos metodos criados a partir de tal

concepcao teorica, os quais, por issomesmo, se orientam para 0

levantamento dos possiveis elementos do nucleo central e sua

subscquente idenrificacao definitiva.

3.1.A constituicao do micleo central como objeto de

pesquisa

Urn primeiro problema que secoloca a todo pesquisador

para a c on st ru cd o d o o bj et o d e p es qu is a, mesmo que nao advertido

nesses termos, diz respeito a coleta dos dados. Embora tal

100

tuna enfatizar sua importancia na constru~ao do objeto, bern

como sua dependenei, em relacao a elei~6es te6rico-concei-

tuais previas, Abric (1994d), ao proporcionar uma visao de

conjunto da metodologia pert inente a coleta das repre-

senta~6es sociais, assim se manifesta:

"0 estudo das representa<;6es sociais coloca dois problemas

metodol6gicos desafiantes: 0 da coleta das representa<;6es e 0

da analise dos dados obtidos ( .. .) .

Mas a montante da analise dos dados , a metodologia de coleta

aparece como urn ponto-chave que determina prioritariamente

o ~alor dos escudos sobre as representacoes Qualquer que seja

o mteresse e a potencia de Urn rnetodr, de analise, e bern

evidente que 0 tipo de informa<;6es coletadas, SUaqualidade e

sua pertinencia, determinam diretamente a validade dos resul-

tados obtidos c das analises realizadas. Daf que a prime ira

questao que se coloca ao pesquisador das representa<;6es sociais

diz respeito aos instrumentos que ele vai escolher e utilizar para

apreender 0seu objeto" (Abric, 1994d: 59).

Vale a pena ilustrar 0 problema da constrw;ao do objeto

de pesquisa, em especial no que se refere a coleta dos dadoscom 0mais completo trabalho ja desenvolvido no c'ampo da~

representacoes sociais - qual seja, apesquisa de Denise Jodelet

(1986, 1989b) sobre a representacao social da doenca mental

em urn meio rural frances - e a prop6sito do metodo mais

tradicionalmente empregado nesse campo, a entrevista. Con-

duzida nos termos mais genericos e abrangentes da grande

teoria, a pesquisa inverteu, na distin~ao entre "processes" e

"cont~udos", 0 prrvilegio comumente concedido aos primei-

. r os,. v l~d? a enfatizar os conteudos como uma passagem

obngatona para a clucidacao dos processos representacionais."Isto sobretudo", diz Jodelet (1986), "se se quer estudar, em

urn meio social real, a producao e a atualizacao das repre-

sentacoes, seu funcionamento e suas fun~6es, sua eficicia e

sua transformacjo" (p. 171). Em sequencia, a autora adverte

1 0 1

 

rIpara as dificuldades metodo16gicas na apreensao dos conteu-

dos das representacoes:A escolha de uma "colonia familial", ou seja, "urn con-

junto de comunidades rurais onde os doentes mentais vivem

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"Entretanto, essa pos icao se defronta com urn grande proble-

ma, tanto teorico quanta metodologico: 0 da definicao do

material por tador de conteudos , sua f idedignidade e mesmo

sua validade. Problema que se relaciona, atraves da construcao

do dado, com aconstrucao do objeto. Diz respeito em primeiro

lugar aos estudos de campo que apelam mais frequenternente

para os metodos de sondagem e de entrevista. Urn tal recurso,

efetuado em grande escala e fora de qualquer referencia a urn

quadro institucional, profissional, social especffico, e alvo de

cri ticas que dizem respeito tanto a coleta quanto a analise do

material. Crfticas fundamentadas, que sabem que esse material

e 0 unico apoio das inferencias sobre a constituicao e a inter-

vencao das representacoes. Lembremos algumas delas: fecha-

mento do discurso, desl igado de seu contexto de producao e

sem relacao com as prat icas; respostas de cornplacenc ia e de

des iderabil idade social ou ainda racionalizacoes em relacao a

posicoes efetivamente adotadas; carater intuicionista das inter-

pretacoes ; lei tura do sentido de tipo hermeneutico sem domf-

nio dos mecanismos de emergencia das signifi cacoes etc."

(Jodelet, 1986: 171-172).

A consciencia do problema foi 0primeiro passo para 0

equacionamento de sua solucao, que envolveu nao apenas

eleicoes e articulacoes metodo16gicas, mas tambern a defini-

~ao e a delimitacao do campo ou terre no onde deveria ser

conduzida a investigacao, J odelet assim esclarece esse segun-

do aspecto da definicao do seu objeto de pesquisa:

"De infcio, a busca de s is temas de representacao presentes na

sociedade, a proposito da doenca menta l, devia responder a

uma exigencia minima mas obrigatoria: evitar trabalhar sobre

o discurso social flutuante, sem assento nem correspondencia

com a pratica, e apresentando alem disso 0 risco de ser falacioso

(discurso doutr inal ou hurnanitario, em desacordo com posi-

t;;6esmanifestas). Era preciso portanto encontrar uma situacao

onde exist isse urn contato, uma proximidade com os doentes

mentais que tivesse criado uma cer ta exper iencia, comporta-

mentos suscetfveis de serem observados e aos quais osdiscursos

pudessem ser relacionados" (Jodelet, 1986: 173-174).

102

em liberdade e sao confiados para alojamento, entretenimen-

to, vigilancia e cuidados aos habitantes, na maioria campone-

se~"~p". 173), teria, segundo a autora, atendido aquelas

exigencias, permitindo observar:

«:a organizacao de urn s is tema social constitufdo em tomo da

localizat;;aoem liberdade de doentes mentais

_ asrelat;;6esentre a populacao de habitantes e'ade pensionistas,_ as relacoes existentes entre a inst itui t; ;ao psiquiatr ica, seu

pessoal, a populacao e os doentes,

_ as diferencas existentes no seio da populacao segundo abri-

gassem ou nao pensionistas,

_ a relacao entretida entre essa comunidade de acolhimento e as

populat;;6esem tomo do perfmetro de localizacao dos doentes

_ as diferent;;as estabelecidas na relat;;aocom os doentes mentais

segundo seest ivesse na cena publica ou na intimidade dos lares

de albergamento" (Jodelet, 1986: 174).

, ~inalmen~e, cabe dar eonta ciaabordagem metodo16giea

rmiltipla e articulada, possibilitada pelas earacterfstieas do

~ampo selecionado, que foi montada para atingir os objetivosmformados teoricamente e superar osproblemas dacoleta das

re~resenta~6es a partir de seus suportes discursivos. Jodeletassim a comenta:

"0 objet ivo de contextualizar as representat ;;6es em urn con-

junto social espedfico implicava uma abordagem monografica,

que focalizou varios nfveis de observat;;aoe de analise, utilizan-

do diversas t~cnicas: de tipo etnologico (observacao participan-

": re~ur~o a mformantes ...), de tipo sociologico (enquete sobre

a mstiturcao hospitalar, levantamento estatfstico da totalidade

dos lares que albergavam os doentes de modo a coletar indica-

dores objet ivos sobre a s ituacao dos albergantes , 0tipo de

localizat;;ao e seu funcionamento, 0 rnimero, a rotatividade, os

modos .de vida dos pensionistas ...), de tipo psicossociologico

(entrevistag em profundidade, observacio das interat;;6es com

os doentes ...), de tipo historico (analise de relatorios enderet;;a-

dos pelos diretores da colonia a assistencia publica, narrativas

103

 

das peripecias que acompanharam a extensao da colonia, entre-

vista com urn especialista das tradicoes populares locais)" 00-

terial e ~roprios a uma dada populacao'' (p. 16). Trata-se de

evidenciar a existencia de aspectos comuns na diversidade de

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delet, 1986: 176).

o que se espera ter evidenciado nessa primeira ilustracao,

tanto quanto 0 que se pretende fazer na que se segue, e que,

como convern Abric (1994d), "aescolha de uma metodologia

(de coleta como de analise) e determinada naturalmente por

considera<;:6es empfricas (natureza do objeto estudado, tipo

de populacao, constrangimentos da situacao etc.), mas tam-bern e de modo mais fundamental pelo sistema teor ico que

subentende ejustifica a pesquisa" (p. 59).

Assim, apos uma noticia sobre a construcao do objeto de

pesquisa a partir da "grande teoria", com uma enfase quali ta-

tiva e sobre a coleta de dados, uma segunda boa ilustracao,

para diversif icar este pano de fundo contra 0 qual se exarni-

nara apesquisa do nucleo central, envolvcra uma outra "teoria

menor", que privilegia procedimentos quantitativos de trata-

mento dos dados.

A abordagem teorica de Doise (ver capitulo 1), na medida

em que contrasta com a teoria do nucleo central por nao

subscrever (desde 0 principio) 0 pressuposto da consensuali-

dade das representacoes, parece servir bern a esse proposito.

Ao inves, entretanto, de focalizar alguma pesquisa especffica,

pode-se examinar a organizacao conferida ao livro de Doise,

Clemence e Lorenzi-Cioldi (1992) sobre as metodologias

quantitativas de analise dos dados no campo das repre-

sentacoes sociais. De acordo com a perspectiva de Doise,

"objetivacao", "prindpios organizadores" e "ancoragem" se-

riam os conceitos-chave da teoria das representacoes sociais.

Conseqiientemente, "as tres partes do livro descrevem os

principais metodos quanti tat ivos util izados por diferentes

autores para estuda-los empiricamente" (p. 18).

A primeira parte, sob 0titulo de "0 saber comum",

focaliza a pesquisa das objetivacoes, "concebidas como espe-

cies de mapas mentais dotados de uma existencia quase ma-

104

dad.ose de integra-los em urn todo coerente, como comentam

DOlse e t a l. :

"Asanalises de dados, notadamente multidimensionais servi-

nam prin~ipah~ent.e para confeccionar esses mapas a p~rtir de

respostas Individuals nas quais eles nao aparecem tao distinta-

mente e sob uma forma tao apurada" (Doise e t a l ., 1992: 16).

. Asegunda part.e, ".Saberpartilhado e tomadas de posicao",VIsacontemplar 0 insistente repudio par Doise quanto a urn

suposto carater consensual das representacoes, a partir de sua

concepcao de "principios organizadores". Assim, estabele-

cendo uma complementaridade por contraste em relacao as

~reocupa<;:6esda primeira parte, argumentam os autores do

livro:

"0 estudo te6rico das var iacoes inter individuais no dominio

das representacoes sociais constitui ainda urn dominic pouco

explorado, Tudo se passa como se 0 objet ivo primeiro dos

pesquisadores das representacoes sociais fosse 0 de demonstrar

como fragme~tos esparsos e var iados de opinioes podem, nao

obstante, ser integrados em urn conjunto coerente. Nisso urn

traba lho uti I foi fei to, mas a apl icacao mesma das tecnicas de

a~al~s~no~ obriga a retornar ao problema das diferencas inte-

rindividuais, que consideramos essencialmente como variacoes

nas tomadas de posicao em relacao a envolvimentos comuns.

Most~ar que as representacoes sociais sao tambern prindpios

org~l1l:adores das diferencas entre tomadas de posicao indivi-

dU~ls .etalvez a contr ibuicao mais importante da uti lizacao

raciocinada das analises de tipo fatorial" (Doise et al., 1992: 18).

Finalmente, a terceira parte do livro privilegia 0 processo

da "ancoragem"e, sob 0rotulo de "Efeitos dos grupos nas

tomadas de posicao", oferece uma visao das difcrentes tecni-cas que podem contribuir mais precisamente para a analise

d~s laces entre represenracoes e pertencimentos sociais espe-

Clfi~os.Segundo os autores, "os estudos sobre representacoes

SOCIalSnao podem consistir somente no levantamento de

105

 

saberes comuns, mas devem tambern estudar suas m?dula-

~6es em funcao de sua imbricacao espedfica em urn Sistema

de regulacoes simb6licas" (p. 15).

2. 0 estudo das relacces entre os elementos, de sua importancia

relativa e de sua hierarquia.

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Constata-se, portanto, que as orientacoes conceituais as-

sumidas e os aspectos te6ricos privilegiados, pelo menos no

caso de autores tao envolvidos com 0 estudo das repre-

sentacoes sociais como Jodelet e Doise, exe~cem uma influen-

cia determinante no planejamento dos meios adequados para

o acesso possivel ao fenomeno, 0que envolve nao apenas fa,zer

boas perguntas, mas rambem extrair das respostas 0 carater

organizado que a teor~a lhe atribui . .Is~o e 0 que se entende

por "construcao do objeto de pesqutsa .

Para passar agora especificamente ao exame da questao

metodo16gica a partir da teoria do nucleo centr~l, parece

interessante apreciar, de infcio, os termos em q~e Abnc (1:94~)

estabelece os o b je ti vo s g e ra is d a p e sq u is a em estrita consonancia

com tais proposi~6es te6ricas:

"Lembremos que na perspectiva teorica que apresentamos nessa

obra uma representacao social se define por ~ois componentes:

seu conteudo, por urn lado (informacoes e atl t~des para usar ostermos de Moscovici) , sua organizacao, ou seF, sua estrutura

intema (0 campo da representacao para Moscovi~i), por outro

lado. Nao e portanto unicamente 0 conteudo e~ Sl mesmo, n:_as

aorganizacao desse conteudo que deve ser pesqUlsada. E,paranos,

essaorganizacao repousa sobre uma hierarquia entre oselementos,

determinada pelo que nos chamamos '0 nricleo central'.

Dai que 0estudo das representacoes vai necessitar a utilizacao

de metodos que visem por urn lado levantar e fazer ernergir os

elementos constitut ivos da representacao, po~ o~tro lad~ co-

nhecer a organiza<;;ao desses elementos e delimitar 0nueleo

central da representa<;;ao. Enfim, se for possivel, ver if icar a

centralidade e a hierarquia posta em evidencia.No estado atual dos nossos conhecimentos , esse tripl ice obje-

t ivo vai implicar uma abordagem multimetod~logica das re-

prescntacoes, organizada em tres tempos suceSSIVOS:

1. 0 levantamento do conteudo da representacao.

106

3. A determinacao e 0 controle do nucleo centra l" (Abric,

1994d: 60).

Abric resenha em seguida os rnetodos disponfveis para a

coleta de dados em cada uma das fases da pesquisa. Quanto

ao levantamento do conteudo da representacao, 0autor dis-

tingue duas grandes famflias de rnetodos: os interrogativos,

dentre os quais lista a entrevista, 0 questionario, os desenhos

e demais suportes graiicos; os metodos associat ivos, que in-

eluem as evocacoes ou associa~6es livres, os mapas associati-

vos etc. Tais metodos nao sao obviamente especfficos da

pesquisa das representacoes segundo a teoria do micleo cen-

tral, e sua util izacao no levantamento inicial dos conteiidos

segue as mesmas orientacoes, e precaucoes tecnicas gerais .

Mas, embora eles possam ser suficientes para a pesquisa

segundo outras abordagens te6ricas, comumente nao 0sao

para assegurar 0acesso a organizacao interna das repre-

sentacoes nos termos estabelecidos pela teoria do micleo

central, como faz notar Abric na seguinte passagem:

"Se os metodos 'classicos' de coleta das representacoes (entre-

vistas, questionarios) podem permitir 0 acesso a estrutura in-

terna das representacoes, e em geral a par tir de analises muito

aprofundadas das producoes discursivas (cfJodelet, 1989), ou

gra<;;as a uma transformacao - freqiientemente diffc il - do

material qualitativo em unidades de significacao quantificaveis

(cfYapo Yapi, 1992), ou enfim gracas a utilizacao de questiona-

rios especificamente construidos para permitir analises estru-

tura is, em part icular a anali se de simi li tude (cf Abric , 1984;

GuimelI i, 1989) . Os questionarios tradicionais nao permiti-

r iam na melhor das hipoteses senao 0levantamento dos eixos

ou dos fatores gerais que organizarn a representacao" (Abric,

1994d: 71).

A construcao do objeto de pesquisa informada pela teoria

do micleo central assume sua especificidade metodol6gica

plena quando se passa as duas etapas seguintes do esquema

107

 

sequencia! proposto por Abric: 0balizamento da organiza~ao

interna da representacao, que e traduzido via de regra pelo

levantamento dos elementos que provavelmente compoem 0

Moliner (op. cit.) considera, para a fundamentacao de sua

analise, que "0 proprio de uma boa tcoria e permitir a descri-

~ao de fen6menos que, sem ela, pareceriam incoerentes,

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rnicleo, c a verificacao ou identifica~ao definitiva desses ele-

mentos. N esse sentido, Abric (op. cit.) esclarece que "a colo-

cacao em evidencia do micleo central da representacao parece

muito mais facilmente realizivel por um conjunto de tecnicas

cuja utilizacao e recente e que repousam todas sobre um

mesmo principio" (p. 71). 0utor assim explicita ejustifica

tal princfpio:

"Pedir ao sujeito para efetuar ele mesmo sobre sua propria

producao urn trabalho cognitivo de analise, de compara<;ao, de

hierarquizacao.

Esse princfpio metodologico permite reduzir em grande me-

dida a parte de interpretacao ou de elabora<;ao da significa<;ao

pelo proprio pesquisador e torna portanto a analise dos resul-

tados mais f:icile mais pertinente" (Abric, 1994d: 71).

Neste ponto, para um encaminhamento final do proble-

ma da consti tui~ao do nucleo central como objeto de pesqui-

sa, cabe introduzir a perspectiva de Pascal Moliner (1994a)

quanta a relacao entre as diferentes propriedades teoricas

atribufdas ao nucleo central e os metodos especificos de

colocacao em evidencia dessas propriedades. Ainda, conside-

rando que as descricoes metodologicas proporcionadas por

Abric, que se vinha acompanhando, podem ser proveitosa-

mente assimiladas ao novo esquema critico proposto por

Moliner, utilizar-se-ao as proposi~6es deste ultimo como

referencial para a organiza~ao do restante do presente capitu-

lo. Ressalve-se apenas que nao se quer com isso sugerir a

existencia de um consenso por parte do C r up o d oM i di quanta

a perspectiva de Moliner ou que as estrategias metodologicas

desenvolvidas pelos diferentes autores, algumas delas bastan-te complexas, possam ser sempre e muito facilmente acomo-

dadas em seu esquema classificatorio. A rigor, nao se poderia

esperar outra coisa de um campo de estudos em fase de

intensa elaboracao teorica e produtividade empfrica.

108

incompreensfveis e imprevisfveis", e que "com esse fim, a

teoria elabora livremente conceitos que sup6e darem conta

de certos aspectos dos fen6menos que ela tenta eselarecer" (p.

199). Dentro dessa perspectiva quanta ao papel das teorias na

producao do conhecimento, 0autor tece as seguintes cans i-

deracoes sobre a concepcao do micleo central:

"0 interesse de uma ta l concepcao reside princ ipa lmente nofato de que ela propoe uma abordagem simultaneamente des-

cri tiva e explicat iva da est rutura in terna das representacces.

Mas, ao mesmo tempo, e la impoe que se possa iden tifi ca r 0

nucleo das representacoes que se estuda. Isto a fim de com-

preender sua organizacao e sua significacao para os indivfduos,

Mas tambern a fim de compara r di feren tes representacoes.

Com efeito, desde que as cognicoes centrais determinam a

significacao e a organizacao de todas as outras cognicoes, duas

representacoes serao diferentes se, e s o m en te s e, elas nao tiverem

o mesmo nucleo central .

Para justificar sua pertinencia nos estudos de campo e para

confirmar sua propria validade, a teor ia do nucleo [central] foi

por tanto, desde a sua origem, s ituada na necess idade de dispor

de metodos que permiti ssem a identi ficacao dos elementos

centrais" (Moliner, 1994a: 200).

Corroborando os depoimentos de Abric, emitidos em

1984 e em 1994, Moliner (op. cit.) da conta das dificuldades

~etod~logic~s iniciais para 0cumprimento da exigencia teo-

rIca de identificacao precisa do micleo central , bem como da

perspectiva a~tocritica do C rup o d o M i di que terminou por

enseJar 0 surgimento de novos metodos e tecnicas capazes de

~rover as .demonstra~6es .exigidas. 0autor considera que

aquelas dificuldades provmham essencialmente (...) de umaanalise insuficiente da nocao de centralidade" (p. 201).

Como a teoria sugeria que "para assegurar sua acao estru-

turante, as cognicoes [deveriam] estar em relacao com urn

109

 

grande mimero de cognicoes ~elat ivas a~ ~bje~o de r:pre-

sentacao, (...) asprimeiras tentatrvas de delimitacao do n~cleo

sefundamentaram", segundo Moliner, "sobre acolocac;ao em

de consti tuicao do micleo figurativo, para dar conta da natu-

reza simb6lica do nucleo central, que abrigaria em sua per-

rnanencia estrutural tais marcas geneticas:

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evidencia de diferencas quantitativas"(ibid.), ou seja, sobre a

dernonstracao de que os supostos elementos centrais se co-

nectavam com urn numero maior de outras cogni<;:6es.do que

o faziam os demais elementos, por isso mesmo deslgnad~s

como perifericos. De fato, durante bastante tempo aspes~U1-

sas sobre 0micleo central se concentraram, quase exclusiva-

mente sobre a exploracao das possibilidades oferecidas pelastecnic~s de "analise de similitude", para a deteccao dos graus

diferenciais de conexi dade dos diversos elementos repre-

sentacionais. Embora a analise de similitude continue a de-

sempenhar urn importante papel na pesquisa .do micleo

central, sua enfase quantitat iva e melhor apr?pnada,. co~o

sera visto, em conjuncao com uma perspectrva qualitat iva,

essencial esta para a definicao da central idade estrutural das

diferentes cognicoes,

Nesse sentido, Moliner prop6e corrigir-se a or~enta~ao

inicial assumida de forma urn tanto prematura sob a mfluen-

cia da~ solucoes metodol6gicas entao vislumbradas, e~ r=>veito de uma recupera<;:ao da c oncep cao teonca

eminentemente simb6lica do nucleo central:

"0erro foi, para nos, considerar como causa da centralidade ~e

uma cognicao sua forte conexidade, quando n~o~se,trata senao

de uma consequencia. Nao e porque uma cognlc;ao e fortemen-

te ligada a todas asoutras que ela e central; e p or qu e, e 1a e central

q ue e la e ligada a s outras. E ela e central porque entretern , l l I _ D la~o

privilegiado com 0 objeto da representacao ..~sse lacoe s.u~bo-

lico e resulta das condicoes hist6ricas e SOCIalSque presidiram

o nascimento da representacao" (Moliner, 1994a: 202).

Considerou-se ja aqui, com Abric (ver cap~t~lo 2), que_0

nucleo central constitui urn desdobramento teonco da no~a?

de micleo figurativo originalmente ~r~posta _porMOASCO_VICl,

embora 0papel explicativo desta selimitasse a emergencia da

representa<;:ao. Moliner, por seu turno, relembra 0 processo

110

"Moscovici explica que 0 nucleo f igurat ivo da psicanalise se

elabora por urn processo de triagem e selecao segundo 0 qual

a teoria psicanalftica e confrontada com sis temas de valores ,

com normas sociais que justificam a exclusao da nocao de

libido. Assim, 0 micleo f igurat ivo aparece bern como urn es-

quema estil izado cujos componentes foram selecionados em

funcao de determinantes sociais e his t6ricos. Por outro lado,

esses componentes entretern com 0 objeto uma relacao identica

a que une 0 significante e 0 significado, a palavra e a coisa. Essa

relacao e de ordem simb6lica. A prop6si to da nocao de 'com-

plexo', presente no micleo da representacao da psicana lise,

Moscovici escreve: 'Socialmente, 0 complexo e 0 sfmbolo da

psicanalise' (1976, p. 243)" (Moliner, 1994a: 203).

Para Moliner ( o p. c i t. ), igualmente, a natureza basica do

micleo central seria conferida pelo laco simbolico, primordial,

genetico, que une a representacao ao objeto. ' 'As propriedades

quantitativas das cognicoes centrais", acrescenta 0autor, "nao

sao senao a conseqtiencia de uma propriedade inicial , que se

relaciona a natureza mesma da centralidade, e que e funda-mentalmente qua li ta tiva" (p. 203). E ainda, aproximando mais

nitidamente a analise te6rica ao problema da exploracao do

micleo central na construcao do objeto de pesquisa:

"Mas, se a centralidade de uma cognicao implica propriedades

quantitativas, estas iiltimas nao constituem uma prova de cen-

tralidade. Nada, com efeito, permite afirmar que asproprieda-

des quantitat ivas de uma cognicao (conexidade ou saliencia)

impliquem que essa cognicao entretenha uma relacao s imb6-

lica com 0objeto da representacao" (Moliner, 1994a: 203-204).

Cabe, nesse ponto, assinalar que essa afirmacao conta

com 0 apoio de uma evidencia empfrica crucial, proporciona-da pelo pr6prio autor (Moliner, 1989) e ja noticiada neste

trabalho. Trata-se, relembrando, da dernonstracao de que, na

representacao do "grupo ideal", dois elementos distintos _

"ausencia de hierarquia" e "convergencia de opinioes" -

111

 

podem apresentar uma mesma elevada frequencia de evoca-

<;:aoe, no entanto, quando se questiona junto aos sujei tos 0

carater essencial de urn e outro para a definicao do objeto da

plesmente consideraram inaceitavel chamar de trabalho uma

atividade que nao permitisse ganhar a vida. A~ cognicoes

centrais em tais exemplos, diz Moliner ( op . c it .) , "entretern

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rcprcscntacao, 0 primeiro clcmento se mantcrn como uma

cognicao absoluta do micleo central e0segundo, revelando-

se constituir uma cognicao condicional, dele tern que ser

descartado. "Seu questionamento em uma situacao concreta",

diz Moliner (1994a), "provoca efeitos diferenciados e sorncn-

te a teoria do micleo nos permite predizer essa diferenca" (p.

205). Essa capacidade dist intiva da teoria do nucleo centralexplicita-se, assim, a partir daquela dernonstracao experimen-

tal, como dedara Moliner, sem falsa rnodestia:

"Essa experiencia marca urn avanco decisivo para a teoria. Sem

duv ida , porque cia reve la que e possivel distinguir 0 duplo

aspecto quantitativo e qualitativo da nocao de centralidade. Ela

sugere, alern disso, uma relacao de implicacao nao-s imetrica

entre esses dois aspectos. Se a centralidade qualitativa implica

propriedades quantitativas, 0 inverso nao e sempre verdadeiro"(Moliner, 1994a: 2(5).

Procurando sistematizar a questao de uma maneira dire-

tamente aplicavel a orientacao da pesquisa, Moliner ( op . c it .)atribui q u at ro p ro pr ie d ad e s d i st in ta s as cognicoes centrais: "seu

valor simb6lico, seu poder associativo, sua saliencia e sua forte

conexi dade na estrutura" (p. 206).0utor esdarece ainda que

"as duas primeiras sao propriedades qualitativas e nos sao

ditadas pela teoria das representacoes; as duas outras sao

propriedades quantitativas e aparecem como consequencias

das primeiras" (ibid.).

Argumentos a favor do va lor s imb6l ico , como uma proprie-

dade do micleo central diretamente determinada pela teoria,

ja foram aqui desenvolvidos a prop6sito do "complexo" na

representacao da psicanalise. Uma outra interessante ilustra-<;:ao proporcionada por Salmaso e Pombeni (1986) quanto a

cognicao central "ganhar a vida" no ambito da representacao

social do "trabalho". De fato, quando questionados sobre a

importancia desse elemento, os sujeitos dessa pesquisa sim-

112

com 0 objeto de representacao uma liga<;:aondefectfvel, por-

que elas sao seus simbolos, ( .. .) ; elas nao podem ser dissocia-

das do objeto de representacao sob a pena de ver esse objeto

perder toda a sua significacao" (p. 207).

A propriedade qualitativa do poder a s so c ia t ivo ou associativi-

dade tambern emerge diretamente da pr6pria teoria das re-

presentacoes sociais, como argumenta Moliner a part ir das

proposicoes originais de Moscovici:

"Moscovici (1961) observa que certas nocoes se caracterizam

par sua polissemia e sua capacidade de associacao a outro?

termos. E 0 caso, por exemplo, da nocao de 'complexo ' ( .. .) . E

( .. .) uma nocao suscetfvel de modificar 0sentido das palavras

as quais se associa. E ass im por exemplo que as associacoes

'complexo de t imidez ' ou 'complexo de inferioridade' dao as

nocoes ordinar ias de timidez e de infer ioridade urn novo status

cientifico (...). Dado que ela e vazia de urn sentido proprio, nada

interdita aos individuos associa-la a nocoes diversas. Dado que

cla condensa em si soz inha 0 conjunto das s ignificacoes da

representacao, e sempre possivel associa-la a cxper icncias e

situacoes variadas" (Moliner, 1994a: 207-208).

As duas outras propriedades das cognicoes centrais sao

simplesmente manifestacoes ou decorrencias quantitativas

das propriedades anteriores, as quais Moliner chama de qua-

litativas por sua estrita dependencia em relacao asproposicoes

te6ricas. N esse sentido, 0autor assim comenta a propriedade

da saliencia dos elementos do nucleo central :

.<J

" ... em todo estudo de representacao, consta ta-se que cer tas

cognicoes, designadas par seu rotulo verba l, aparecem mais

frequentemente do que out ras no discurso dos sujei tos. Esse

fenomeno de saliencia, que aparece geralmente associado ao

status central de certas cognicoes, nao deve surpreender. E uma

consequencia esperada da teoria. Mais precisamente, a saliencia

e uma consequencia do valor simbolico das cognicoes centrais"

(Moliner, 1994a: 208-209).

113

 

Da mesma forma que 0valor simb6lico de uma cognicao

central leva a que as palavras que a designam sejam frequen-

temente evocadas, tambem 0 seu forte poder associat ivo se

da teoria do nucleo central, possibilitam nao mais do que a

forrnulacao de hip6teses acerca da centralidade das cognicoes

que integram uma representacao, Trata-se, nao obstante, de

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manifesta quantitativamente, no caso por uma elevada conexi -

dade . Como esclarece Moliner ( o p. c it .) : "se uma cognicao

central se caracteriza por uma forte capacidade associativa, elegitimo pensar que essa cognicao podera entrar em relacao

com urn grande numero de outros elementos da repre-

sentacao" (p. 209).

Com base nessa distincao entre p r op r ie d a d es q u a li ta t iv a s

(valor simb6lico e poder associativo) epropr iedades quan t it a t iv a s

(saliencia e conexidade ), Moliner prop6e uma classificacao

dos metodos de pesquisa do nucleo central em dois principais

grupos:

1 ) m eto do s d e le va nta me nto dos possfveis elementos do

micleo central, que envolvem a colocacao em evidencia da

saliencia e da conexidade e cujos resultados s6 permitem a

forrnulacao inicial de hip6teses quanta a constituicao do

micleo;

2 ) m e to do s d e i d en t if ua § a o, a partir das cognicoes inicial-mente levantadas, daqueles elementos que efetivamente

compoern 0micleo central, merce de seu valor simbolico e/ou

de seu poder associativo.

As duas secoes seguintes do presente capitulo serao dedi-

cadas ao exame, respectivamente, dos metodos de levanta-

mento inicial e dos metodos de identificacao das cognicoes

centrais de uma representacao social.

3.2.Os principais metodos de levantamento do micleo

central

Como alertado por Moliner, os metodos de levantamen-

to, na medida em que operam sobre propriedades quantitati-

vas apenas indiretamente decorrentes das proposicoes basicas

114

uma etapa irnprescindfvel para 0acesso definitivo a configu-racao do micleo central.

N esse sentido, serao descritos a seguir em algum detalhe

os principais rnetodos - ou, mais propriamente, tecnicas -

desenvolvidos pelo Crupo do M id i para a colocacao em evi-

dencia das propriedades de saliencia e de conexidade dos

diferentes elementos de uma representacao, de modo aprover

urn levantamento inicial daqueles mais suscetiveis de fazer

parte do micleo central.

Para esse fim, serao combinadas asclassificacoes metodo-

16gicas proporcionadas, respectivamente, por Abric (1994d)

e por Moliner (1994a).

3 .2 .1 . Q u an to a sal ienda d os e le m en to s d e u m a representaido

Tres principais metodos sao aqui selecionados, por sua

relevancia ja demonstrada na conducao de pesquisas dentro

do quadro de referencia da teoria do micleo central: a evoca-

c;:aoou associacao livre; a hierarquizacao de itens; a inducao

por cenario ambfguo.

A assodadio ou euocaoio livre, considerada por Abric (1994d)

como "uma tecnica maior para coletar os elementos constituti-

vos do conteudo de uma representacao" (p. 66), consiste em

se pedir aos sujeitos que, a partir de urn termo indutor

(normalmente, 0 proprio r6tulo verbal que designa 0 objeto

da representacao) apresentadopelo pesquisador, digam as

palavras ou expressoes que lhes tenham vindo imediatamente

a lembranca, Abric assim comenta asvantagens do rnetodo:"0 carater espontaneo - portanto menos controlado - e a

dimensao projetiva dessa producao deveriam portanto permitir

o acesso, muito mais facilmente e rapidamente do que em uma

entrevista, aos elementos que constituem 0universo sernantico

115

 

do te rmo ou do objeto estudado. A assoc iacao l ivre permite a

atua lizacao de elementos impl ici tos ou latentes que seriam

perdidos ou mascarados nas producoes discurs ivas" (Abric,

1994d: 66).

vras, correspondiam a 54% do total de evocacoes. Calcula-se

cntao a ordem media de evocacao de cada palavra como a

media das ordens em que eia fora evocada pelos diversos

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Dentre os trabalhos de pesquisa utilizando esse metodo,

parece interessante aprescntar, como bastante ilustrati~a do

esforco de levantamento sistematico dos elementos do nucleo

central, aproposta de Pierre Verges quanta a uma tecnica que,

alem de combinar a frequencia de ernissao das palavras e/ou

expressoes com a ordem em que estas sao evocadas, busca,

segundo Abric (op. cit.), "criar urn conjunto de categorias, ~r~-

nizadas em tomo desses termos, para assim confirmar as indi-

cacoes sobre seu papel organizador das representacoes" (p. 67).

Como advertido anteriormente, 0programa de pesquisas

conduzido por Verges e urn dos que nao se encaixam facil-

mente na distincao deMoliner entre metodos de levantamen-

to e de identificacao, pretendendo, a rigor, dar conta do inteiro

processo de delimitacao dos elementos do micleo central.

Verges (1992), na sequencia de seus estudos continuados

sobre a representacao social da economia e de temas correlatos

(Verges, 1987, 1989, 1992, 1994a, 1994b; Verges, Tyszka e

Verges, 1994; Grize, Verges e Silem, 1987), explicita uma

estrategia metodol6gica de acesso ao nucleo central ~essa

representacao, com base na evocacao de palavras a partir do

termo indutor "dinheiro", que ele considera como a "nocao

a mais evidenternente economica e social ao mesmo tempo"

(p. 203). A pesquisa em questao envolveu 367 suj~itos adulto~,

de ambos os sexos, habitantes daregiao de Marseille, aos quais

foi feita por telcfone aseguinte pergunta: "Quais sao paravoce

as palavras ou expressoes que 0 dinheiro the faz pensar?" A s

respostas eram registradas na ordem em que foram evocadas

por cada urn dos sujeitos.

Das 236 palavras diferentes em urn total de 877 evocacoes,Verges propoe tomar-se em consideracao inicialmente apenas

aquelas 24 que apareceram mais de 10vezes, asquals, embora

consti tuindo tao-somente 10% do inteiro conjunto de pala-

116

lugar, peso "2" quando se tratava da segunda evocacao do

sujeito, e assim por diante.

A combinacao desses doiscriterios, frequencia de evocacao

e ordem media de evocacao de cada paIavra, possibilita assim 0

Ievantamento daquelas que mais provavelmente pertencem ao

nucleo central da representacao, por seu carater prototipico, ou,nos termos de Moliner (1994a), por sua saliencia, No quadro

abaixo (Verges, 1992: 205), a partir da intersecao da frequencia

media de evocacao do inteiro conjunto depalavras com a media

das suas respectivas ordens medias de evocacao, sao definidos

quatro quadrantes que conferem diferentes graus de centralida-

de aspaIavras que os comp6em.

ORDEMMEDIA

I nf er io r a 1 ,8

FREQUENCIAS

Superior01 1 igual

a 18

51 Trabalho48 Bem-estar

24 Felicidade

21 Conforto

22 Riqueza

23 Vida

18 Viver

15 Salario

15 Facilidades

14 Moeda

12 Grana

11 Cheque

Inferior

a 1 8

Superior a 1,8

24 Poder

33 Lazer

20 Compra

16 Saude

16 Luxo

15 Viagem

14 Necessidade.~

14 Precisao

14 Seguran<;a

13 Prazer

11 Economias

11 Imposto

117

 

Observe-se que0quadrante superior esquerdo e facilmenteinterpretivel: eIe engloba as cognicoes mais suscetiveis de cons-

tituir 0micleo central da represenracao, na medida em que sao

b) 0 d in he ir o m od o d e vid a, reunindo, por urn lado, bem-

estar, feIicidade, conforto e, por outro, vida e viver, a que se

acrescenta ainda a necessidade (dificuldade, facilidade, segu-

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Embora seja aqui apresentado como urn metodo para a

deteccao da saliencia de provaveis elementos do nucleo cen-

tral, comumente evidenciada em termos da frequencia de seu

aparecimento nos discursos ou evocacoes espontaneas, Verges

(1994a) argumenta que a primeira parte de sua estrategia

acrescenta ao dado de natureza essencialmente coletiva damedida de frequencia urn outro dado, de origem individua-

l izada, proporcionado pela ordem em que cada sujei to evoca

aqueIas palavras mais frequentes, Isto constituiria, no seu

entender, urn avanco em direcao a uma efetiva identificacao

das cognicoes centrais, ou seja, 0procedimento iria alern do

simples levantamento daquelas que, por mais salientes, tern

maior possibilidade de pertencer ao micleo.

Mais do que isso, Verges (1992) pretende, na segunda

parte de seu metodo, dar conta da configuracao completa da

represenracao atraves do agrupamento de praticamente todas

aspalavras ou express6es evocadas em urn sistema consistentede categorias, constitufdo precisamente a partir dos resultados

precedentes. 0 autor justifica esse processo de categorizacao

da seguinte maneira:

"Habitual mente 0 pesquisador introduz, aqui, um misto entre

seu pr6prio sistema de categorizacao e aquele que parece emer-

gi r dos dados. Da nossa parte, tentamos ser mais rigorosos

tomando como principio de reagrupamento 0 da l igacao as

palavras mais frequentes (...). Respeita-se assim 0princlpio do

campo semantico organizado em tome de uma nocao proton-

pica" (Verges, 1992: 205-206).

A s duas primeiras categorias corresponderiam a cognicoescentrais.ja que formadas a partir de peIo menos urn elemento

do quadrante superior esquerdo:

a) 0 d i nh e ir o g a nho , definido pelo par trabalho-salario;

118

ranca).

As demais categorias, que se pode pensar como consti-

tuindo esquemas perifericos, sao as seguintes:

c)0in he ir o e s ua s c oi sa s, ou seja, os bens e services (casa,

viagem, lazer, roupas, alimentos), 0ter, as posses;

d) A[amiiia e s eu o rc am e nt o (despesas, poupan~a, comprasetc.);

e) 05 a to re s d a e co no m ia (banco, Bolsa, Estado, empresa,

cornercio);

f) 0 d inh e ir o sub s tdnda , sua materialidade (grana, cheque

etc.);

g) 0d in he ir o e 05j ul ga me nt os d e v al or ;

h)0 d in he ir o s ob 0 g olp e d a m or al ;

i) 0 d in he ir o c om o expressdo l im it ad a d o p ol it ic o (poder, po-

tencia).

Verges desenvolve, obviamente, toda uma rede de argu-

mcntos justificando a delimitacao de cada categoria e a arti-

culacao entre elas no funcionamento global da representacao.

o que interessa ressaltar, entretanto, no momento, e 0modo

de acesso ao fen6meno representacional atraves de urn pro-

cedimento espedfico de construcao do objeto de pesquisa,

que 0 autor assim sintetiza:

"Outros principios de reorganizacao dos termos e categorias

podem ser utilizados. Pois esse rnetodo de analise constitui, de

maneira raciocinada, uma base de dados que permite diversos

procedimentos de leitura e de interpretacao. Mas essas leiturasnao sao em nenhum caso gratuitas, porque os dados foram

construldos por um procedimento que seap6ia sobre a relacao

entre prototipicalidade e palavras organizadoras de uma repre-

sentacao, A originalidade e aqui a de cruzar dois c rite rios de

119

 

prototipicalidade: 0 dafrequencia e 0 da ordem de aparecimen-

to da evocacao. Esse cruzamento permite saber se a repre-

sentacao do conjunto do domfnio tern uma cer ta coerencia sob

aforma de linhas de forca que aatravessam c de hierarquia entre

presente trabalho, na medida em que evidencia os esforcos

continuos do G rupo d e P rov ence no sentido da crftica e do

refinamento metodol6gico.

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os elementos. Elc proporciona enfim 0 principio de constitui-

<;;aodas difercntes categorias" (Verges, 1992: 209).

Cumpre ainda observar que esse metodo de evocacao e

explorado tambern dentro de urn conjunto meto~016gico

mais amplo, diversificado e articulado, desenvolvido pelo

autor desde pelo menos 0 seu trabalho em associacao a Grizee Silem, ja citado, e que atualmente serve a uma pesquisa

comparativa de ambito internacional - envolvendo Franca,

Italia (Napoles e Bari), Polonia, Espanha (Pais Basco), Portu-

gale Brasil (Rio deJaneiro) - aprop6sito da representacao da

economia por estudantes universitarios (Verges, 1994b; Ver-

ges et al., 1994). Finalmente, e oportuno ad~antar q~e a ~es-

quisa sobre a representacao social do conheCimento cientffico

no Rio de Janeiro, a ser relatada no capitulo 4, utiliza uma

versao simplificada do metodo de Verges para 0 levantamento

inicial dos elementos do micleo central.

ometodo de It ie ra rq ui za fa o d e i te ns , tambem orientado

para a producao de medidas de saliencia diferenciada d~s

diversas cognicoes de uma representacao, envolve 0 proce.dl-

mento geral de "pedir aos sujeitos .paraescolher, e~ uma.hsta

preestabelecida a partir de entrevistas explorat~nas, os itens

mais importantes ou mais caracteristicos do objeto de repre-

sentacao" (Moliner, 1994a: 211-212).

As duas principais variantes desse metodo sao: as triagens

h ie r a rq u iz a da s s u ce s si oa s , desenvolvidas por Abric (1984b) em

sua pesquisa da representacao social do artesa~ e.do a~tesana-

to; ase s eol h as s u ce s sio as po r b l oc o s, propostas por Guimelli (1989)

em seu trabalho sobre a representacao da caca e da natureza.

o depoimento de Abric que se transcreve a seguir, a

prop6sito da forrnulacao da primeira dessas variantes como

alternativa para urn dos procedimentos do metodo de evoca-

<;aode palavras, afigura-se de significativa relevancia para 0

120

"Lernbra -se que a ana lise da producao de associacoes livres

consistia em cruzar duas informacoes: a frequencia de apareci-

mento de urn te rmo e sua ordem na producao. Nos haviamos

emitido entao uma reserva a respeito da utilizacao desse ultimo

indice, que supoe que ositens mais importantes sao citados em

primeiro lugar quando 0 sujeito associa, hipotese amplamcnte

contestivel. Foi para suprimir essa dificuldade que nos propu-semos calcular a ordem (eportanto a importancia de urn item)

a partir de uma atividade de hierarquizacao dos elementos

realizada pelo proprio sujeito, e que conseqiientemente elabo-

ramos urn metodo chamado de 'triagens hierarquizadas suces-

sivas' (..J' (Abric, 1994d: 73-74).

o metodo das t r ia g ens h i e ra rqui zada s s u ce s siuas consiste em:

(1) consti tuir, a partir dos itens produzidos em uma tarefa de

evocacao livre, urn conjunto de elementos suficientemente

grande (32 itens, em geral) para abarcar tanto osmais frequen-

tes quanta outros pouco frequcntes; (2) apresentar esses itens

aos sujeitos, sob a forma de fichas, pedindo-Ihes para separarem dois grupos os 16 itens julgados mais caracterfsticos do

objeto estudado e os 16 menos caracteristicos; (3) sobre os 16

elementos retidos como mais caracteristicos, pede-se aos su-

jeitos para repetir a operacao, separando osoito mais e os oito

menos caracterfst icos ou representativos do objeto, e assim

sucessivamente. Obtem-se dessa forma, segundo Abric (op.

cit.) , "uma classificacao por ordem de importancia ( ... ) do

conjunto dos itens propostos, a partir da qual sepode calcular

a ordem media de cada item em uma dada populacao" (p.74).

Antes de passar a outra variante metodol6gica, cabe res-

salvar que na metodologia ampliada de Verges, ha pouconoticiada, que indui a associacao de palavras, e incorporadoo procedimento de sepedir aos sujeitos para, ap6s a evocacao,

sublinhar as duas palavras que lhes parecem mais importan-

tes, deixando-se assim de confiar exdusivamente na ordem

121

 

imediata em que aspalavras lhes vern a mente como indicador

adicional de saliencia. Isto vern em prove ito de uma reflexao

a po st e rio ri quanta a relevancia de cada elemento na repre-

definitiva da composicao do nucleo ou de testagem daquelas

hip6teses. Segundo 0 autor, ele foi elaborado precisamente

para tomar desnecessarias aquelas duas etapas sucessivas com

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sentacao, 0 que aproxima 0 procedimento da atividade de

hierarquizacao raciocinada defendida por Abric.

o rnetodo da e sc ol ha s uc e ss iu a p or b lo co s permite evidenciar

nao apenas relacoes de similitude no interior da representacao

(elementos que "vao juntos" na caracterizacao do objeto),

como na variante anterior, mas tarnbern relacoes de antago-nismo ou de exclusao, atraves do calculo de urn "fndice de

distancia", 0 procedimento consiste em pedir aos sujeitos

para efetuar uma serie de escolhas por blocos, a partir de 20

itens inicialmente propostos: (1) inicialmente os quatro itens

que Ihes parecem mais importantes, aos quais e atribufdo 0

escore "+2"; (2) dentre os dezesseis restantes, os quatro que

lhes parecem menos importantes, aos quais e atribufdo 0

escore "-2"; (3) dentre os doze restantes, os quatro mais

importantes (escore "+ 1") e os quatro menos importantes

(escore "-1"); (4) os quatro itens que acabam por sobrar sao

entao afetados do escore "0". Os diversos itens ficam portanto

dispostos em uma escala que varia de "+2"a "-2".

'~ vantagem do metodo", segundo Abric (1994d), " e a deque ele possibilita uma abordagem quantitativa que permite

comparar a irnportancia relativa de certos elementos da re-

presentacao em grupos diferentes ( .. .)" (p. 75). Cabe apenas

observar que tal prop6sito de comparacao - no caso, com urn

modelo a priori - e tambern 0 que preside os "questionarios

de caracterizacao", introduzidos por Flament (cf Verges, 1994a),

cujos prindpios foram depois retomados por Guimelli em sua

pesquisa da representacao da caca,

o metodo da i nd u cd o p or c en d ri o amb fg u o, desenvolvido porMoliner (1993), cuja descricao completa sera reservada para

a pr6xima secao, engloba procedimentos tanto de l evantamen-

to , ou seja, de formulacao de hip6teses acerca da participacao

de certos elementos no micleo central, quanto de identif tcafiio

122

a uti lizacao de metodos diferentes em cada uma. Nesse sen-

tido, declara Moliner:

"Esta e a razao pela qual n6s nos esforcamos por desenvolver

urn metodo que seja de simples utilizacao, que permita formu-

la r hip6teses de central idade e que permita uma validacao

experimental dessas hip6teses pela colocacao em evidencia de

diferencas qualitativas entre os elementos centrais e os demais

elementos da representacao'{Moliner, 1993: 10).

3 .2 .2 . Q ua nt a a c on ex id a de d o s e l em en to s d e u m a r ep re se nt ad io

A grande quantidade de laces ou conex6es que urn dado

elemento mantenha com outros elementos da representacao

tern sido freqiientemente tornado como urn segundo indica-

dor, alern da saliencia, de sua provavel participacao no micleo

central. 01evantamento das ligac;:6esentre os diversos ele-

mentos envolve metodos de coleta de dados que variam

bastante, acompanhando a inventividade pr6pria do pesqui-sador. Isto inc1ui tambem 0aproveitamento das informacoes

obtidas atraves de tecnicas e1aboradas para a deteccao da

saliencia dos elementos, como, por exemplo, as escolhas

sucessivas por blocos, na medida em que se considera que

quaisquer itens agrupados em urn mesmo conjunto (ou blo-

co), ou a que se tenha de algum modo atribufdo urn mesmo

escore, sao mais fortemente conexos entre si do que em

relacao aos itens situados em outros conjuntos. Umas poucas

vers6es dessas estrategias metodol6gicas serao apresentadas a

seguir, como ilustracao.

Por outro lado, 0 tratamento ou analise desses dados contacom uma tecnica principal, a chamada "analise de similitude",

a qual, como ja aqui noticiado, constituiu urn dos recurs os

metodol6gicos que mais consistentemente contribufram para

uma producao empfrica sistematica nas primeiras fases de

123

 

desenvolvimento da teoria do nucleo central . Os princfpios

que a justificam, bern como uma breve descri~ao de su~s

operacoes e dos resultados que pode proporClonar, serao

Indo alcm da consideracao dos elementos aos pares, a

tecnica de c on st it ui id o d e c on ju nt os d e p al av ra s envolve 0reagru-

pamento dos itens - produzidos pelo sujei to ou a ele propos-

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apresentados separadamente dos metodos de col.eta de da~os,

ressalvando-se que estes trazem com frequencia ernbutidas

formas mais simples e imediatas de interpretacao dos dados.

Dentre os metodos de deteccao da conexidade, 0mais

6bvio consiste na c on st it ui cd o d e p ar es d e p al av ra s, que Abric

assim descreve:

"Trata-se de pedir ao sujeito, a partir de urn corpus que ele

mesmo produziu (por associacoes livres, por exemplo), para

constituir urn conjunto de pares de palavras que the parecem

'ir juntas' . A analise de cada par permite assim precisar 0entido

d os t er m os uti lizado pelos sujeitos ( .. .) , reduzir sua eventual

polissemia.

Mas tarnbem - na medida em que uma palavra po de ser

escolhida diversas vezes - [0 metodo] favorece 0 levantamento

de termos polar izadores ou palavras charneiras associadas a

numerosos elementos da representacao, e que podem ser seus

organizadores" (Abric, 1994d: 71-72).

Adiantando-se a consideracao da propriedade qualitativa

do poder associativo dos elementos, de que decorre sua co-

nexidade, observa-se que, a partir desse levantamcnto quan-

titativo inicial pode-se buscar identificar as liga~oes especfficas

que se estabelecem entre os varies elementos, como convern

Abric:

"Enfim, completada por uma entrevista, a Iista de pares revela 0

tipo de trajet6ria utilizado pelo sujeito, ou seja, 0 tipo de relacoes

que e le uti lizou para associar os do is termos: semelhanca de

sentido, implicacao, contraste etc." (Abric, 1994d: 72).

Uma variante desse metodo, chamada de comparacdo pa -

reada, consiste, segundo Abric (op. cit.), em "proper ao sujeito

todos os pares possfveis de urn corpus de termos (se possivel

produzidos por ele mesmo), (...), pedindo-lhe, ~ara cada par,

que situe em uma escala a similitude entre os dois termos (de

'muito semelhante' a 'muito dessemelhante' )" (p. 72).

124

tos - em diferentes "pacotes", colocando juntas as palavras

que, de acordo com as instrucoes, "vao bern juntas", e a

posterior interrogacao sobre as razoes dos sujeitos para cada

reagrupamento e/ou 0 pedido para dar urn titulo a ele. "0

objetivo", segundo Abric (op. cit.) , " e 0de apreender asestru-

turas esquematicas da representacao, analisando as divisoes

efetuadas pelos sujeitos e seus fundamentos apartir dos Iacos

de similitude" (p. 73).

Em uma variante dessa tecnica, bastante utilizada por

Verges, pede-se ao sujeito, frente a uma serie de itens que lhe

sao propostos (por exemplo, na pesquisa intemacional da

representacao da economia: mcrcado monetario, balanca de

pagamentos, producao, imposto, empresa, credito, Estado,

desemprego, lucro, investimento, distribuicao de renda), para

"ligar com urn trace aquelas que, segundo de, estao mais em

rclacao" (Verges, 1994a: 248). 0 tratamento desses dados, em

termos da analise de similitude, atraves de urn dos diversos

programas de computador desenvolvidos por Verges, leva a

tres diferentes tipos de estruturacao: a "estrela", em tomo de

uma nocao que seligaa muitas outras; 0 "triangulo", que liga

tres nocoes duas a duas; 0 "cfrculo", que liga mais de tres

nocoes. A estrela e , obviamente, a estrutura que evidencia de

forma mais flagrante a existencia de urn elemento organiza-

dor, central, ou mesmo mais de urn, que vern a ser comumen-

te 0"Estado" e/ou a "empresa" nas diferentes amostras da

pesquisa sobre as nocoes econornicas.

A util idade desse recurso - para fins comparativos inter-

nacionais, no caso - pode ser bern demonstrada pelo seguintecornentario de Verges (1994b), que se faz acompanhar do

produto grafico de sua aplicacao a amostra brasileira:

"Uma (...)abordagem mais estrutural (.. .) permite compreen-

der como cada pals modula for te mente as caracterist icas mais

125

 

gerais . Ass im (.. . pode-se por exemplo fazer aparecer a focali-

zacao dos estudantes) se a empresa se organiza como urn

agrupamento forte em todos os paises (empresa, investimento,

producao, lucro) e se 0 Estado polar iza geralmente as relacoes .

procedimentos de sua coleta, a analise de similitude foi espe-

cificamente desenvolvida para adequar-se a construcao de

objetos de pesquisa em termos de representacoes sociais.

Flament assim explicita os pressupostos minimos sobre a

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monetarias, pode-se constatar [nao obstante] a ernergencia de

organizacoes locais bastante significativas. Pode-se por exem-

plo fazer aparecer a focalizacao dos estudantes brasileiros sobre

o estrange iro e a moeda : a balanca de pagamentos nao e tantourn atributo do Estado, mas intervem nao apenas sobre 0

mercado monetario como tarnbern sobre a distribuicao da

renda e 0 desemprego; 0mercado monetario esta no centro deuma estre1a, 0que se encontra mais fracamente na I talia e nao

na Franca ou na Pol6nia" (Verges, 1994b:6).

A a n al is e d e s im i li tu d e foi introduzida no campo das repre-

sentacoes sociais por Claude Flament - com a participacao

tambern de outros autores, como Verges e Degenne - ja nos

anos setenta, ou seja, a ocasiao mesma do advento da teoria

do nucleo central, tornando-se entao a principal tecnica de

deteccao do grau de conexidade dos diversos elementos de

uma representacao, Embora ela constitua basicamente uma

tecnica de tratamento dos dados, cuja influencia na definicao

final dos resultados e ja determinada, em boa parte, pelos

126

natureza do fenomeno que justificam a ernergencia dessa

estrategia metodol6gica:

"Ialvez os especialistas estej am de acordo sobre as poucas

seguintes condicoes min imas :

- uma representacao e urn conjunto decognemas (Codol, 1969),

organizado por rnultiplas relafoes;- essas relacoes podem ser orientadas (implicacao, causalidade,

hierarquia ...) ou s i m e t r i c a s (equivalencia, semelhanca, antagonis-

mo...), mas todas pod em se 'degradar' em uma relacao simetrica

traduzindo a ideia vagade 'irjunto' (c£ Vacherot, 1978);

- essa relacao, em geral , nao e t ransi tiva: se A va i com B por

certas razoes, e B com C por out ras razoes, pode bern se r que

A e C nao tenham nenhuma razao para ir j untos.

Trata-se bern de uma concepcao mi n ima das representacoes so-

ciais, mas e talvez a m a io r p ar te c om u m asdiversas abordagens das

representacoes sociais!

A concepcao minima coloca em jogo uma relacao simet rica

nao-transitiva; e 0que se chama: urna r e la f ii o d e s im il i tu d e . Essa

relacao pode ser valorada para traduzir 0 fato de que dois

cognemas van juntos mais ou menos fortemente ou mais ou

menos nitidamente. Foi para trabalhar com esse genero de

relacoes que nos desenvolvemos urn rnetodo de analise dos

dados, chamado: ana lise de simili tude (Flament, 1962; Fla-

ment, Degenne e Verges, 1971, 1979; Degenne e Verges, 1973;

Degenne, Flament e Verges, 1976)" (Flament, 1986: 139-140).

Dadas essas rat ionales , a a n al is e d e s im il it ud e envolve, de

infcio, a part ir de urn conjunto de dados pareados ou agrupa-

dos (obtidos segundo algum dos metodos resenhados nesta

subsecao e na precedente), 0calculo de urn Indice de simili-

tude entre cada par de itens. 0 mais simples desses Indices

(dentre os varies que tern sido propostos) consiste, segundo

Moliner (1994a), na relacao entre 0mimero de co-ocorren-

cias (mirnero de liga~6es estabelecidas entre dois itens espe-

127

 

dficos) e 0mimero de sujeitos envolvidos. au, como diz

Flament ( op . c i t. ) , "adrnite-se que dois i tens serao tanto mais

proximos na representacao quanta urn mimero mais elevado

de sujeitos os trate da mesma maneira ( ... ); calcula-se urn

itens "problema", por cfrculos); (2) 0grau de conexidade dos

itens entre si (dado pelo Indice registrado ao longo de cada

aresta) a partir de sua selecao posterior pelos sujeitos alocados

a uma ou outra situacao.

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Indice de contingencia que e urn indice de similitude classico"

(p. 141). E, prosseguindo com Moliner:

"Realizando essa operacao para cada par de itens , vai sedispor

da matriz de similitude para todos os itens do corpus. Para

facilitar a cornpreensao e a interpretacao de tais matrizes, cons-

t roi-se 'a a rvore maxima '. Tra ta-se de urn 'gra fo' conexo semcicio cujos vert ices sao os i tens do corpus e as arestas sao os

valores dos indices de s imilitude entre esses i tens . 0procedi-

mento de construcao daarvore maxima permite reter apenas as

relacoes mais fortes entre os itens" (Moliner, 1994a: 214-215).

Cabe esclarecer, com Doise e t a l. (1992), que, de acordo

com a "teoria dos grafos", urn grafo conexo e sem ciclo e "urn

grafo no qual todos os elementos (que formam os vertices do

grafo) sao ligados entre sie em que existe urn unico caminho

para ir de urn elemento a outro" (p. 48). A "irvore maxima"

reproduzida a seguir ( traduzida por Souza Filho, 1993: 138),

extraida do trabalho de Abric Vacherot (1975),ji aqui noticia-

do a proposito dos experimentos que ensejaram a proposicao

da teoria do micleo central (ver capitulo 2), bern demonstra a

util idade dessa reprcsentacao grif ica das conex6es entre os

elementos de uma representacao social.

Relembrando, trata-se, no caso, da representacao de uma

tarefa como "jogo" ou como "solucao de problema". as i tens

foram levantados junto a uma populacao que nao se encon-

trava na situacao experimental , pedindo-Ihe que indicasse

aqueles que evocavam mais nitidamente uma situacao dejogo

e uma situacao de problema. Aos sujei tos experimentais pe-

dia-se entao que identificassem quais desses itens evocavam

a situacao - jogo ou problema, na definicao do experimenta-

dor - em que eles se encontravam. as dois tipos de dados sao

apresentados na "irvore": (1) uma classificacao a p rio ri dos

itens (os itens "jogo" sendo representados por triangulos; os

128

Observe-se que, nessa "arvore maxima" (assim chamada

porque apresenta, em relacao a outras possiveis "arvores"

parciais ou menores, a maior soma de valores das arestas) so

se encontra registrado 0indice de similitude de valor mais

elevado que urn dado elemento guarda em relacao a algum

outro, ou seja, nao sao mostrados os indices menores que

eventualmente 0 l igam aos demais i tens levantados. Disto

decorre que e possivel evidenciar a existencia de blocos ou

conjuntos distintos de elementos fortemente conexos entre

si. De fato, como esclarece Flament:

"Se , em uma arvore (maxima ou nao), suprime-se uma aresta

sem substitui-la por outra, desconecta-se 0 grafo em exatamen-

te doissubgrafos; assim a supressao de 'distracao-problema' faz

129

 

aparecer, por urn lado, 0bloco (problerna,jogo de cartas, serio,

espirito rnaternatico, espirito inventivo, espfrito criativo), e, por

outro lado, 0 bloco constituido dos itens restantes. Demons-

t ra-se que, se se parte de uma arvore maxima, todo par com-

posto de urn elemento tornado de urn bloco e de urn elemento

preensao), Segundo Flament ( op . c it .) , restariam entao uma

classe jogo de tres elementos (divertimento, jogo, distracao),

uma classe problema de dois elementos (problema, espfrito

inventivo) e 21 classes punctuais, mas, adverte 0 proprio

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tomado do outro bloco tern urn valor infer ior aovalor daares ta

suprimida. Assim, se esta seguro de que 0 indice entre 'jogo' e

' jogo de cartas' e infer ior a 0,42, pois que tal e 0 valor da aresta

'distracao-problema' .

A propriedade dual e a seguinte: asimilitude entre dois elemen-

tos nao-consecutivos na arvore maxima e inferior aos valoresdas arestas que constituem 0caminho mais cur to , na arvore,

entre esses dois elementos . Assim, para ir de ' sorte' a 'cassino ',

deve-se tomar emprestada a aresta 'sorte-acaso' (0,50) e a aresta

'acaso-cassino' (0,36) ; portanto, a simil itude ent re 'sorte' e

'cassino' e inferior a 0,36. 0que pode ser expresso sem fa lar

explicitamente em valores de similitude: 'sorte' e 'acaso' , por urn

!ado, 'acaso' e 'cassino' , por outro, seassemelham mais do que se

assemelham 'sorte' e 'cassino'" (Flament, 1986: 143-144).

Uma pratica sistematica para a decomposicao do conjunto

global dos elementos, levantados em urn mimero declassesmais

restritas de elementos altamente conexos entre si, consiste em

suprimir, sucessivamente, as arestas de menor valor na arvore.

Criar-se-ia assim, de infcio, no exemplo sob exame, pela supres-

sao da aresta de menor valor (0,21), uma classe consti tuida de

dois elementos - "ativo"c "influenciavel" - e uma classeforma-

da por todos os demais elementos. Em seguida, pclas supressoes

das arestas de valores 0,26 e 0,27, ter-se-iam quatro classes

punctuais - "ativo", "influenciavel", "trabalho" e "probabili-

dade" - e uma grande classe dos elementos restantes.

Quando parar, nesse processo de decomposicao gradati-

va, depende dos propositos da pesquisa em questao. No

exemplo, essa estrategia quantitativa levaria a que se acabasse

por eliminar todas as arestas de valor igual ou inferior a 0,54,

porque a esse Indice ainda se encontra uma similitude perce-

bida entre urn item previamente categorizado como

"jogo'{distracao) e urn item "resolucao de problema"(com-

130

autor, "essa proliferac;;ao de classes com efetivos muito fracos

torna infelizmente essa solucao sem interesse" (p. 146).

Embora Flament apele logo em seguida, nesse mesmo

texto, para urn outro exernplo, sobre a representacao das

relacoes no interior de urn grupo, em que a aplicacao da

analise de similitude parece mais esclarecedora, a irnpressfiocom que se fica e a de que, no sentido mesmo apontado por

Moliner (1994a), se trata de urn rnetodo de levantamento

inicial dos possiveis elementos centrais de uma representacao.

Em outras palavras, ele coloca em evidencia apenas uma

propriedade quantitativa - a conexidade - desses elementos.

Sem que isto signifique necessariamente uma desvalori-

zacao da tecnica de analise de similitude e dos metodos de

coleta de dados relativos a saliencia e a conexidade, visto que

as frequencias e as associacoes evidenciadas a limiares mais

baixos sao validamente interpretaveis em termos de relacoes

asseguradas por elementos perifericos, pode-se esperar queoutras estrategias, que nao uma estrita diferenciacao quanti-

tativa, semostrem mais proveitosas para a efetiva identificacao

das cognicoes centrais. E precisamente desses metodos volta-

dos para a deteccao das propriedades qualitativas dos elemen-

tos do micleo central- valor simbolico e poder associat ivo-

de que tratara a proxima secao deste capitulo.

3.3.Os principais metodos de Iderrtificacao do micleo

central

Os diversos metodos de levantamento examinados na secao

precedente ensejam basicamente urn balizamento global e uma

delimitacao articulada dos elementos da representacao, permi-

tindo ainda a formulac;;aode hipoteses quanto a quais desses

elementos pertencem efetivamente ao nucleo central.

131

 

A verificacao dessas hip6teses, proporcionada pelos cha-

mados "metodos de identificacao", recentemente desenvol-

vidos e que sao objeto de estudo na presente secao, deve

conduzir a uma apreensao final, mais consistente, da estrutura

tement~ desempregado mas que nao tern nenhum problema

financeiro. A resposta dos sujeitos e entao unanime: trata-se de

urn 'fa lso desempregado'. Assim, quando sao colocados em

prescnca defatos ou de informacoes que contradizem ascognicoes

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da representacao, 0 que, de acordo com a teoria do micleo

central, consti tui urn objetivo tao necessario quanto 0 da

apreensao do seu conteudo para a conducao de boas pesquisas

no campo das representa<;6es sociais.

Uma primeira subse<;ao e dedicada aos metodos que

focalizam a propriedade do "valor simb6lico" das cogni<;6es

centrais, enquanto uma segunda trata do metodo de colocacao

em evidencia do seu "poder associativo".

3 .3 .1 . Q ua nto a o v alo r s im b6 li co d os e le me nto s d o n ud eo c en tr al

Segundo Moliner (1994a), "a propriedade fundamental

das cognicoes centrais reside no laco simb6lico que as ligaao

objeto da representacao" e, como consequencia, inversamen-

te, "0objeto nao pode ser concebido sem ascognicoes centrais

de sua representa<;ao" (p. 218). E a part ir do pressuposto

te6rico basico de que "se esse laco e rompido, entao, pordefinicao, e 0 conjunto da representacao que perde sua signi-

ficacao" (p. 219), que se elaboram as chamadas t ec n ic a s d e

q u es tio na m en to d o m u le o c en tr al .

Nesse sentido, relembrando, ja foi aqui comentada a

incompatibilidade entre a representacao do "grupo ideal" e a

cogni<;ao induzida da existencia de uma hierarquia, bern

como entre a representacao do trabalho e a cogni<;ao que

questiona sua identificacao com 0"ganhar a vida", levando it

conclusao de que tais elementos - igualdade e provisao do

sustento - sao centrais naquelas representa<;6es. Moliner

acrescenta urn terceiro exemplo e argumenta algo mais expli-citamente quanto it derivacao do metodo a partir da teoria:

"No mesmo sentido, Moussounda (1993), que se interessa

pelas representacoes do desemprego e dos desempregados,

apresenta aos seus sujeitos 0 casu de urn personagem aparen-

132

centrais de suas representacoes, os individuos seencontram colo-

cados face a uma alternativa simples: ou des integram asinforma-

c;:oesnovas, ~orrendo entao 0 risco de uma fragmentacao da antiga

representacao, ou, des recusam as novas informacoes e minimi-

zam seu alcance. E ficil prever que, por simples razoes de econo-

mia, e 0 segundo termo da alternativa 0 que e mais

~reqtientemcnte escolhido. N esse sentido, 0processo de refutacao

e prov~vdme.n~e urn poderoso agcnte de estabilidade das repre-

sentacoes SOCIalS.Mas e tambern urn indicador cssencial da cen-

tralidade de.uma cognicao. Visto que a teoria supoe, com efeito,

q~e ascognicoes cen~raissao incontornaveis, toda inforrnacao que

va contra essas cognicoes sera refutada. Portanto, quando se ob-

ser;a urn efeito rnacico de refutacao, e que uma cognicao centraltera sido questionada" (Moliner, 1994a: 220).

. 0rincfpio geral do questionamento da imprescindibi-

hd~de de urn dado elernento para a representacao pode ser

a~hcado segundo diversas estrategias, dependendo da criati-

vld~de do pes~uisador. Uma dessas estrategias expedidas po-dera ser apreciada em maiores detalhes no proximo capftulo

de~te trabalho, a prop6sito da identificacao, para fins compa-

ranvos, do~ elementos dos micleos centrais das representacoes

do c~nheClmento cientffico por consumidores e por nao-con-

sumidores de revistas de vulgarizacao cientffica no Rio de

Janeiro. Moliner elaborou, entretanto, urn metodo padroni-

~ado,. tanto para 0levantamento quanto para a posterior

Ide~t1fica<;aodas cognicoes centrais de uma representacao, a

partir da deteccao de seu valor simb6lico, que deve merecer

agora uma cxposicao circunstanciada.

ometodo da i nd uc do p or c en d ri o a m bi gu o, ou metodo ISA(de I nd u ct io n p ar S ce na ri o A m bi gu ), desenvolvido por Moliner

(1993), comporta duas etapas: a primeira prove uma hip6tese

acer~a da cen~ralidade de certas cognicoes; a segunda, a veri-

ficacao expenmental dessa hip6tese. 0 tema que ilustra sua

133

. .

 

descricao e a representacao social da "empresa" por estuda~t~s

universitarios, cuja escolha Moliner justifica por constrturr

"urn objeto ainda mal conhecido dos estudantes, que repre-

senta urn desafio consideravel para eles (0 emprego futuro) e

namento dessa organizacao que e reconhecida como uma das

mais importantes da sua especialidade" (p. 12).

Cabe observar que a confianca quanto a ambigiiidade do

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a proposito do qual eles devcm tomar posicao (busca de

emprego, projeto profissional etc.)" (p. 12).

Segundo Moliner ( op . c it .) , a primeira etap~ .consistiu,

inicialmente, em pedir a 78 estudantes que redigissern urn

texto em resposta a seguinte questao: "Para voce, 0que e umaempresa?" "Uma analise ternatica do conteudo dos textos

coletados permitiu elaborar uma lista de 14itens refletindo as

diversas opinioes dos sujeitos a respeito daquela questao'{p.

12). Foram os seguintes os 14elementos (p. 13-14) com que

o objeto empresa foi descrito:

1. E urn Iugar de trabalho

2. E organizada

3. Produz urn bern ou urn service

4. E hierarquizada5. E urn lugar que permite 0 desenvolvimento pessoal

6. E urn Iugar de cornunicacao e de relacoes humanas

7. Gera lucro

8. Persegue objetivos a longo prazo

9. Esta inserida na economia

10. E dirigida por urn patrao

11. E urn Iugar de conflito

12. E urn lugar de pesquisa e de criacao

13. Bsta confrontada com a concorrencia

14. E criadora de empregos

Em seguida, construiu-se urn "cenario ambiguo", em que

o objeto descrito nao foi qualificado explicitam~~te em nenhum

momenta como uma "empresa", nem foi util izada nenhumadas 14 caracteristicas da lista anterior ..0 texto elaborado foi 0

seguinte: "Desde ha muitos anos, SOLITEC reune.vari~s deze-

nas de pessoas com competencias e interesse~ muito dlvers~s.

Cada uma dessaspessoas contribui a sua maneira para0uncio-

134

texto foi confirmada pela sua apresentacao a uma amostra

independente de 39 sujeitos, que, podendo escolher duas

dentre seis possibilidades, responderam que ele lhes evocava

os seguintes t ipos de organizacoes (com os respectivos per-

centuais entre parenteses): uma organizacao profissional (23%);

urn centro de pesquisa (28%); urn sindicato (7%); uma orga-

nizacao internacional (38%); uma empresa (33%); uma asso-

ciacao (38%). A descricao do objeto em termos ambfguos enecessaria, nessa primeira etapa do metodo, para que sepossa

apresenta-lo como identico ou como totalmente diferente do

objeto de representacao estudado, de modo a dar origem a

duas diferentes condicoes a que sao submetidos os sujeitos,

como esclarece Moliner:

"Esse texto constituiu a base de dois cenarios distintos segundo

o fim proposto aos sujeitos. Urn primeiro cenario e terminado

com a seguinte Frase:'Entretanto, SOLITEe nao e uma em-

presa'. Urn segundo cenario e terminado assim: 'SOLlTEe e

sem duvida uma das empresas mais representativas de seusetor'. Assim, no primeiro cenario, 0 objeto arnbiguo e expli-

citamente afastado do campo da representacao da empresa e

SOUTEe pode ser percebida como uma associacao, uma

organizacao internacional etc.Ao contrario, no segundo ceria-

rio, 0 objeto ambfguo e explicitamente situado no campo da

representacao da empresa. E isto tanto mais quanto e precisado

que a empresa e representativa de seu setor. Dessa maneira, ediffcilverem SOUTEe outra coisa que nao uma empresa. Essa

referencia aoobjeto da representacao constitufa portanto nossa

variavel independente em duas modalidades (sim, nao).

Seguindo-se ao cenario, pedia-se aos sujeitos para descrever

SOUTEe colocando-Ihes a seguinte questao: Para voce, SO-UTEe possui as seguintes caracteristicas? Vinha entao a lista

dos 14 itens anteriormente definida" (Moliner, 1993: 13).

Os resultados dessa etapa, segundo Moliner ( op . c it .) ,

indicam, em primeiro lugar, que os seguintes itens foram

135

 

julgados como caracterfsticas muito provaveis do objeto am-

bfguo, Fosse ele apresentado ou nao como 0objeto de repre-

sentacao (a empresa), correspondendo portanto a elementos

perifericos da representacao da empresa: lugar de trabalho,

Assim, 0cenario bisico gerou, nessa segunda etapa, duas

novas condicoes experimentais que se dist inguiam pelo fato

de que adescricao do objeto ambiguo terminava com uma das

seguintes frases: "entretanto SOLITEC nao e urn lugar de

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organizada, produtora de bern ou service, lugar de desenvol-

vimento pessoal, de cornunicacao e relacoes humanas, de

pesquisa e criacao. Em segundo lugar, verifica-sc que os itens

"gerar lucro", "inserida na economia", "dirigida por urn pa-

trao"e "confrontada com a concorrencia" sao vistos como

caracterfsticas provaveis do objeto ambfguo u nic am e nt e q ua nd oeste e a p re s en ta d o c om o 0 o bj et o d e representacdo (p. 15). E prosse-

guindo: "Essas ca rac te r is ti ca s apar e cem p or ta nt o c om o especificas do

o b je t o d e r e pr e se n ta cd o ( . .. ) . Nossa hip6tese e portanto a de que

essas caracterfsticas correspondem aos elementos centrais da

representacao da empresa na populacao considerada" (ibid.).

A prime ira etapa proporciona, por certo, resultados rele-

vantcs no sentido da delimitacao do campo representacional,

do Ievantamento dos elementos que discriminam 0 que 0

objeto de representacao e e 0que nao e para os sujeitos. A

segunda etapa focaliza a organizacao interna da representacao,

com vistas a uma identificacao ou confirmacao definitiva dos

elementos que se SUPDS centrais, 0que seobtem pela testagem

da hip6tese acima enunciada. Moliner assim justifica as ope-

racoes que se seguem:

"Segundo a teoria do nucleo central , quest ionar urn elemento

do nucleo significa questionar 0 conjunto da estrutura. Portan-

to, se se apresenta aos sujei tos urn objeto ambfguo em relacao

ao qual se questiona uma daquelas 4 caracterfst icas , 0 objeto

apresentado nao deveria ser reconhecido como 0 objeto de

representacao, Por exemplo SOUTEe nao gerando lucro nao

dever ia ser considerada como uma empresa. Ao contrar io , sese

apresenta urn objeto ambiguo em relacao ao qual se questiona

uma caracterfstica periferica (.. .), 0 objeto apresentado poderaser reconhecido como 0objeto de representacao. SOUTEe

nao fazendo pesquisa sera apesar disso considerada como uma

empresa. Foi esta experiencia que nos realizamos para demons-

trar a validade das nossas hipoteses" (Moliner, 1993: 16) .

136

pesquisa e de criacao" ou "entretanto SOLITEC nao gera

lucro e nao e esta a sua vocacao", 0 cariter ambfguo do

cenar~o e tambern importante nessa segunda etapa, porque ele

perrrnte que 0 sujeito retroceda quanto a represenracao inicial,

face a uma nova informa~ao que se revele eventualmente

incompatfveI com ela. A experiencia mostra, segundo Moli-ner, que, quando 0cenario nao e ambfguo, os indfviduos tern

mui~ dificuldade em refurar a categoriza~ao inicial do objeto,

termmando por dar uma resposta de complacencia pela qual a

nova mformac,;aoquestionadora nao e levada em considerac,;ao.

Tomada essaprecaucao, podem-se testar os efeitos diferen-

ciaisda variavelindependente - questionamento deurn elemen-

to central ou de urn elemento periferico da representa~ao _

at~a:es do pronunciamento dos sujei tos com relacao a lista

original de 14 itens, mas modificada como descreve 0autor:

"0 primeiro [it em J era: 'SOUTEe e uma empresa'. Os 13

outros eram os mesmos anter iores menos urn (aquele corres-

pondente a caracterfstica questionada). Para cada item, os su-

jertos .deviam dar uma resposta em uma esca la de 6 pontos, de

1(rnuito provavelmente nao) ate 6 (muito provave!mente s im) .

As respos tas a esses 14 itens constitufam nossas var iaveis de-pendentes" (Moliner, 1993: 17).

, Os resultados ~ndi.camuma diferen~a significativa quanto

as respostas ao pnrneiro item, conforme 0 questionamento

tenha sido de urn clemento central ou de urn elemento

periferico. Como esperado, a negacao do item "lucro" levou

8:% dos sujeitos a resposta de que SOLITEC provavelmente

nao era uma empresa, enquanto que a inforrnacao de queS<?~ITEC ~1~0.fazia _pesquisa ou criacao ensejou que os

sujeitos se dividissem igualmenre entre as respostas afirmati-

vas e neganvas. Alem disso, 0questionamento daquele ele-

mento central focalizado teve como efeito urna significativa

137

. . .

 

reducao da atr ibuicao a SOLITEC das tres outras caracteris-

ticas anteriormente levantadas como centrais. Isto quer sim-

plesmente dizer que essas caracterfst icas tern seu status de

cognicoes centrais confirmado, pois a rejeicao do objeto am-

bfguo como uma empresa levou a que os demais elementos

melli e Michel-Louis Rouquette (1992). Trata-se de uma

te~t~tiva de .ir ~lem da conexidade quantitativa detectada pela

analise de similitude - onde as relacoes entre os elementos

sao e?globadas todas na vaga ideia de que eles "vaojuntos" _

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que dao 0 significado basico da representacao de empresa

fossem tambem rejeitados como caracterizando 0 objeto.

Os resultados da aplicacao da segunda etapa do metodo

ISA revelam-se tanto mais relevantes quanto sefaz notar que

os dois elementos questionados, "lucro" e "pesquisa e cria-

~ao", apareciam no levantamento da primeira etapa comoquantitativamente equivalentes (escores medics de 4,13 e

4,88, respectivamente) em funcao do pronunciamento dos

sujeitos que os aceitaram como caracterfsticas da empresa.

Moliner assim comenta tal contribuicao do metodo, associan-

do-a a propria relevancia da teoria do micleo central:

"Para nos, essa di ferenca nao se expl ica senao pela teoria do

nucleo central, que sup6e aexistencia de diferencas qualitativas

entre elementos de uma mesma estrutura cognitiva. Nos acre-

di tamos que qua lquer estudo de representacao - se e le ambi-

ciona ser exaustivo, 0que infelizmente nem sempre e possivel-

deve se impor a colocacao em evidencia dessas diferencas qualita-t ivas . Somente a consideracao desse fenomeno pode permitir

responder-se asquest6es que hoje preocupam a pesquisa sobre as

representacoes sociais. Quer se trate de problemas de ancoragem,

de regulacao das relacoes socia is ou de evolucao das rep re-

sentacoes, a questao que se coloca ao pesquisador e a desaber emque duas representacoes ou dois estados sucessivos de uma mes-

rna representacao diferem" (Moliner, 1993: 20).

3 .3 .2 . Q ua nto a o p od er a ss oc ia tiv o d os e le me nto s d o n tu le o

central

A identif icacao dos elementos do micleo central atravesda propriedade qualitativa do poder as~ociativo e proporcio-nada pelo metodo dos e squemas c ogni ti v os d e ba s e, ou SC B (de

S ch eme s C o gn it if S d e B a se ), desenvolvido por Christ ian Gui-

13 8

em direcao a uma especificacao mais fina das diferentes rela-

~6es .e?tre as cognicoes de uma representacao, 0 modele

COgnltIVOormalizado que deu origem ao metodo e justifica-do e tern seus pressupostos bisicos descritos da seguinteforma pelos autores:

"Quando se diz, de urn ponto de vista muito geral, que umarepresen~a<;ao social e estruturada, afirma-se no mfnirno que ela

se compoe de elementos inter ligados ( .. .) . Quanto as relacoes

entre os elementos , elas parecem intuitivamente muito diver-

sas e a analise estrutural as confunde na categoria geral de

'relacao de similitude' (.. .).

A ana lise est rutura l das representacoes soc ia is ganharia em

ref inamento se se a levasse a especif icar essas relacoes vincu-

lando-as a urn certo ntimero de tipos formais. Ale rn di sso ela

ganharia em fidedignidade sese dispusesse de urn procedirnen-

to que permitisse identif icar sistematicamente os elementos

centrais. Tais sao as principais ambicoes do modelo proposto

(para uma exposicao geral , cf Rouquette, 1991 e 1990) .

Mais precisamente, considera-se:

1) que 0 sujei to associa dois i tens lexicai s pe lo vies de urn

operador de relacao, segundo a formula seqiienc ial 'item in -

dutor - operador - i tem induz ido'·

2) que esses operadores sao identif idveis , formalizaveis e emnumero finito;

,3 ) ~~e es~es. operadores sao organizados entr e si segundo

farnilias pnrmtivas estaveis chamadas 'esquemas"'(GuimelIi e

Rouquette, 1992: 196).

o modelo (ver tambern Rouquette, 1994) prop6e por-

tanto a forma1iza~ao de 29 diferentes conectores ou operado-res de. relacao ~sendo urn deles vazio ou nulo, por raz6es

for~als), organizados em cinco esquemas cognit ivos de base

ass.lm. ~enominados:, l e xi c a u i zi n ha n c a, composi ido, prdtica e

atrtbul{ao. Os operadores, designados portrigramas, conectan-

13 9

 

do supostos elementos cognitivos A e B, sao apresentadosa

seguir. Considerando a enfase metodologica deste capitulo,

eles serao caracterizados nao por suas definicoes formais, mas

sim pelas express6es padronizadas da linguagem corrente

TIL: A e utilizado por B

OUT: Utiliza-se A para fazer B

AOU: A e urn instrumento que sepode uti lizar para B

SCB ':ATRIBUICAo"

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com que sao propostos aos sujeitos na pesquisa (Guimell i,

1994a: 185-187).

SCB "LExrCO"

SYN: A significa a mesma coisa, tern 0mesmo sentido que B

DEF: A pode ser definido como BANT: A e 0contrario de B

SCB "VIZINHANCA"

TEG: A faz parte de, e inc1ufdo em, e urn exemplo de B

TES:A tern como exemplo, como caso particular, cornpreen-

de, inclui B

COL: A pertence a mesma classe (ou categoria) geral que B

SCB "COMPOSICAo"

COM: A e urn componente, urn constituinte deB

DEC: A tern como componente, como constituinte B

ART: A e B sao os dois constituintes da mesma coisa (do

mesmo objeto)

SCB "PAATICA"

OPE:AfazB

TRA: A tern uma a~ao sobre B

UTI: A utiliza B

ACT: E B que fazA

OBJ: A e uma a~ao que tern como objeto, seexerce sobre, se

aplica aB

UST: Para fazer A, utiliza-se B

FAC:B e alguern (uma pessoa, uma instituicao) que age sobreAMOD: B designa uma a~aoque sepode fazer sobre (apropo-

sito de, no caso de, em relacao a)A

AOB: B e urn instrumento que se util iza sobre (a proposito

de, no caso de, em relacao a)A

140

CAR: A e sempre caracterizado por B

FRE: A e frequenternente caracterizado por B

SPE: A e as vezes, eventualmente, caracterizado por B

NOR: A deve ter a qualidade deB

EVA:A avaliaB

COS: A tern como causa, depende deB

EFF: A tern como efeito (consequencia ou fim), provoca B

NUL: Operador nulo

o procedimento de coleta de dados preconizado pelo

metodo compreende, segundo Guimelli e Rouquette, as se-

guintes tres etapas:

: 'a) associacdo continua: apresenta-se aos sujeitos uma palavra

indutora e se Ihes pede para dar 0 mais rapidamente possfvel,

por escrito, tres pa lavras ou expressoes que Ihes venham a

mente. Obtern-se assim tres respostas R1, R2 e R3.

b ) j l l s ti fi c af ii o da s r e s po s ta s : para cada uma das respostas R1, R2 eR3, ossujeitos devem em seguida explicitar, por escrito em uma

ou duas frases, asrazoes pelas quais deram suas respostas.

c ) a na lis e d as r ela co es p al av ra in du to ra / p ala vr a in du zid a: os 28

operadores definidos no modelo sao apresentados aos sujeitos

sob a forma de 'expressoes padronizadas' (aexpressao formali-

zada relativa ao operador e t raduzida em linguagem corrente e

se torna assim cornpreensfvel para 0 sujeito ingenue).

o sujei to deve entao decidir se s im , nd o ou talvez, a expressao

padronizada e 0reflexo da relacao que intervern entre a palavra

indutora e sua propria resposta. As 28 expressoes sao apresen-

tadas sucessivamente para R1, R2 e R3 (Guimelli e Rouquette,

1992: 198).

E interessante observar, para a propria avaliacao da capa-

cidade do metodo em evidenciar a propriedade qualitativa da

associatividade dos elementos, sua adesao ao princfpio meto-

141

 

dologico explicitado por Abric no infcio deste capitulo, qual

seja: 0 sujeito e levado a categorizar ele mesmo assuas respos-

tas. Assim, como diz Guimelli (1994b), "considerando 0

sujeito como 0 u n ic o p e ri to de sua propria producao, contor-

nam-se as dificuldades habituais da analise de conteudo (ar-

Tomando-se apenas as respostas positivas (opcao "sim")

como indicativas da identificacao pelo sujeito de uma relacao

definida entre a palavra indutora e a sua propria associacao, a

valencia e dada pelo resultado da divisao do numero de

respostas positivas pelo nurnero total de respostas, ou seja,

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bitrariedade e indecidibilidade de urn certo mimero de

categorizacoes)" (p. 184). Digna de nota no mesmo sentido etambern ajustif icat iva que os autores dao para a inclusao da

segunda etapa da coleta de dados em termos da relacao entre

producao discurs iva e processos cognitivos:'~ssim, a producao discursiva parece inseparavel das estruturas

16gicas pr6prias a atividade cognitiva do sujeito. E a razao

porque, no procedimento metodol6gico destinado a coleta dosdados , os sujei tos sao levados, ap6s terem associado a palavra

indutora , a justifi car, em uma ou duas frases, suas respostas

associativas (...). Desse fato, 0 procedimento utilizado permite:

1) atualizar os esquemas pre-discursivos relativos ao objeto de

representacao (associacao verbal);

2) levar 0 sujeito a produzir urn discurso a prop6sito do objeto

(justificacao das respostas associativas) (...).

Por outro lado, pode-se pensar que, no momenta da ta re fa de

associacao verbal, 0sujeito nao tern uma consciencia clara dooperador que de termina sua resposta. 0 que e claro, para ele,e a resposta que da, nao os process os cognitivos que a geraram.

E portanto a tarefa dejust if icacao que da aos sujei tos os meios

de explici ta-Ios e de verbaliza-los" (Guimelli e Rouquette,

1992: 201).

o t ratamento dos dados - em mimero de 84 (apreciacao

dos 28operadores para cada uma das 3 associacoes) em relacao

a cada sujeito - privilegia 0calculo de urn Indice de valencia,

que se define - no mesmo sentido que a qufrnica daao termo,

como quer Guimelli (1993a) - como a propriedade de uma

dada cognicao de entrar em urn maior ou menor numero de

relacoes com outras cognicoes do sistema representacional.

Isto quer dizer, segundo Guimelli (1994a), que a valencia

consti tui "uma medida dos d i fe r en te s a s pec t os do cognema A"

(p. 190), ou, nos termos de Moliner, de sua assodatiuidade.

142

computadas no denominador tambern as respostas "nao" e

"talvez". E precisamente por assim representar 0 julgamento

reflexivo dos sujeitos acerca da natureza das relacoes que uma

dada cognicao entretern com outras que a sua valencia, em-

bora retrate numericamente urn conjunto de diferentes rela-<;6es,pode ser tomada como urn indicador do poder associativo

daquela cognicao e nao simplesmente de sua conexi dade

generica, ou seja, do fato de que 'Lt vai com B" mas sem que

se saibam as razoes pelas quais isso acontcce.

Quanto a aplicacao do metodo para a identificacao dos

elementos do nucleo central, considera-se, com Guimelli

(1993a), que "0numero de relacoes mantidas por urn elemen-

to central com outros elementos do campo sera consideravel-

mente maior do que 0nurnero observado para urn elemento

periferico" (p. 557).

Uma primeira comprovacao empfrica dessa previsao do

modelo dos esquemas cognitivos de base sevaleu dademons-

tracao de uma coincidencia de resultados com a pesquisa de

Moliner (1989) sobre a representacao do grupo ideal , em que

"igualdade" (ou ausencia de hierarquia) foi confirm ada como

uma cognicao central , enquanto que "convergencia de opi-

ni6es" (de igual saliencia quantitat iva) nao 0 foi. Guimelli

(1993a, 1994b) relata 0computo das seguintes valencias para

esses elementos e mais outros dois do mesmo campo repre-

sentacional:

Elementos centrais: amizade - 0,50igualdade - 0,50

Elementos perifericos: mesmas opini6es - 0,41

mesma origem social- 0,42

143

 

Os resultados indicam que, enquanto a diferenca entre as

valencias dos dois elementos centrais nao e estatisticamentesignificativa, do mesmo modo que a diferenca entre as dos

dois elementos perifericos, a diferenca entre cada urn dos

elementos centrais e cada urn dos perifericos e significativa a

"Para par a prova essa ultima hipotese, nos consideramos uma

populacao constituida de trinta enfermeiros, efetivamente em

funcao, em unidades de cuidados diversas. A delimitacao dos

sujeitos que tinham acesso asnovas praticas foi efetuada ( .. .) a

partir das respostas obt idas a urn quest ionario que avaliava a

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urn nfvel (0,001) que nao deixa duvida quanta a capacidade

discriminatoria da medida de valencia.

Alern da medida de "valencia total" (caIculada a partir do

inteiro modelo SeE e das tres respostas dos sujeitos) a que se

refere a dernonstracao precedente, Guimelli (1994a) aponta apossibilidade de utilizacao, para diferentes finalidades de pes-

qui sa, de valencias calculadas em relacao a cada urn dos cinco

esquemas cognitivos de base, a cada uma das ordens (primei-

ra, segunda ou terceira) de respostas ou a cada urn dos 28

conectores. Taismedidas podem servir, por exemplo, a cstra-

tegias de pesquisa que visem colocar em evidencia asdiferen-

~asqualitativas entre os nucleos centrais de duas representacoes

ou de dois estados subseqtientes de uma representacao du-

rante seu processo de transforrnacao.

De fato, no quadro de seu interesse continuado pelo

estudo da transforrnacao das representacoes em funcao daspraticas sociais, Guimell i (1994a, 1994b) aplicou 0 metodo

dos esquemas cognitivos de base a analise da ernergencia

progressiva de novas prdticas nas funcoes de enfermagem. Estas

configuram urn chamado p ap el p ro pr io do enfermeiro, pelo

qual se vern a enfatizar sua autonomia e suas competencias

relacionais voltadas para prestacao de cuidados globais a pes-

soa doente, em contraste com 0pape l p r es cr i to pelas prdticas

tradicionais, em que se espera que 0 enfermeiro simplesmente

cumpra as prescricoes medicas atraves de intervencoes bas-

tante especfficas e orientadas para a "doenca" como uma

entidade. A hipotese formulada foi a de que "se deveria

observar urn crescimento sistematico do grau de valencia

relat ivo ao conceito de papel proprio quando os sujeitos tern

acesso regular asnovas praticas" (1994b: 101).0 autor assim

descreve essa pesquisa:

144

frequencia das novas tarefas na pri tica cotidiana dos sujei tos.

Pode-se assim constituir dois grupos de suj eitos com base na

mediana. Os suje itos cujo escore estava aba ixo da mediana

(N = 14) foram colocados no grupo 'prat icas tradicionais' , os

outros (N=16) no grupo 'novas praticas' , Nos doisgrupos, os

sujei tos foram convidados a dar tres respostas associativas ao

item indutor 'papel proprio'. Entao, seguindo 0 procedimento

ja descri to , eles as jus tificaram, depois avaliaram as relacoes

ent re a palavra indutora e suas proprias respostas a part ir das

express6es padronizadas. 0 calculo do indice de valencia em

cada urn dos do i s grupos deu 0 seguinte resultado: praticas

t radic iona is - va lenc ia 0,61; novas pra ticas - va lencia 0,74"

(Guimelli, 1994b: 101).

Na medida em que a diferenca entre os dois indices de

valencia se mostrou estatisticamente significativa (ao nfvel de

0,001), pode-se concluir, com Guimelli (o p. c it .) , que "0 item

'papel proprio' se torna central na representacao dos sujeitos

quando a frequencia das novas praticas cresce e adquire im-portancia em sua atividade cotidiana" (p. 102),0 que indicaria

"uma transforrnacao estrutural da representacao por transfor-

macae progressiva e sem ruptura do micleo central"(ibid.).

Alern disso, calculando-se asvalencias dos dois grupos em

relacao a cada urn dos esquemas cognitivos de base, consta-

to~-se uma significativamente maior identificacao de conec-

tores do esquema "pratica" por parte dos sujeitos do grupo

"novas praticas", A partir desse resultado, Guimelli (1994a)

conclui que "0 accsso mais regular as novas praticas mobiliza

essencialmente 0 esquema de base prdtica, l igado a acao" (p.

193); ou, dizendo de outra maneira," asnovas praticas (...)vern

fazer crescer a quantidade de relacoes, I igadas a a~ao, que 0

termo 'papel proprio ' entretern com os outros elementos do

campo representacional" (ibid.).

145

 

Finalmente, cabe noticiar que uma outra pesquisa, envol-

venda estudantes de enfermagem, dernonstrou que a escolha

destes por uma atuacao profissional futura no setor publico,

no setor liberal ou privado era determinada basicamcnte pela

possibilidade percebida de exerdcio do "papel proprio".

Capitulo 4

S O c rA L IZ A ~A o D O S A BE R A C A D EMIC O :

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Os seguintes cornentarios de Guimelli sobre tais resulta-

dos parecem proporcionar urn born fechamento para 0pre-

sente capitulo sobre questoes metodologicas, na medida em

que se referem nao apenas a relevancia academics da teoria do

micleo central, mas tambem a rclevancia social pratica daatividade de pesquisa por ela informada:

"Confirrnado como tal pelo metodo de delimitacao que nos

propusemos, 0 conceito de papel proprio assegura desde entao

a organizacao e a coerencia do conjunto da representacao e,

sobretudo, determina tomadas de posicao que podem ser con-

sideradas como essenciais nas relacoes que 0sujeito entretem

com 0 objeto. Gostariamos de insistir sobre esse ultimo ponto.

Compreender, exp!icar, preyer ascondutas sociais nao pode ter

sucesso senao na medida em que os sistemas de representacao

dos sujeitos sejam analisados e identificados. Nesse quadro, 0

balizamento sistematico do nucleo central se revela igualmente

essencial. Parece, par exemplo, que urn dos raros meios que seoferece aos dirigentes de hospital [publico 1 para aumentar a

taxa de recrutamento (que e!es consideram geralmente como

muito fraca) consiste em criar, nas unidades de cuidados, as

me!hores condicoes possfveis para que 0 enfermeiro possa

exercer 0 seu pape! proprio. Intervir a proposito das condicoes

de trabalho, das relacoes hierarquicas, ate da remuneracao nos

!imites comumente admitidos, nao teria, muito provavelrnen-

te, senao efeitos menores. Nos gostarfamos, nesse ponto, de

atrair a atencao dos administradores para que confiram urn

certo interesse aos fatos sociais. Nao e a realidade objetiva da

situacao que permite compreende-los, mas antes amane irape1a

qual osgrupos dela seapropriam" (Guimelli, 1994b: 106).

146

uma p es qu is a s ob re a r ep re se nta ca o

s oc ia l d a denoa a lu z d a te o r ia

d o n uc le o c en tr al *

4.1.Introdu~ao

o campo de estudos das representacoes sociais esta, desde

sua inauguracao, associado a urn interesse basico sobre as

relacoes entre ciencia e sociedade (Moscovici, 1976, 1984).

Tal associacao parece continuamente atualizada, nos dois ei-xos historicos assinalados por Jodelet (1989): a apropriacao

social espontanea da ciencia e a difusao intencional dos co-

nhecimentos cientfficos, frequentemente articulados e envol-

venda variadas vers6es ou enfases teorico-conceituais (Ro-

queplo, 1974; Moscovici e Hewstone, 1984; Belisle e Schiele,

1984; Grize,Verges e Silem, 1987; Bauer, 1994).

, 0 presente relato se refere ele proprio a uma tentativa de

articular a exposicao a vulgarizacao cientffica pelos meios de

comunicacao de massa com a estrutura das representacoes

*A pesquisa. empirica relatada neste capitulo, conduzida por Celso Sa, Solange

Souto, Renato Moller e colaboradores, foi apresentada na 2' Conferencia Internacio-

nal so?re Represent :c ;6es Sociais , Rio de Janei ro, 1994, sob 0t itulo de "Arepre-

sentayao socia l da ciencia por consumidores e nao-consumidores da vulgarizac;aocientffica" .

147

 

rI

sociais sobre a ciencia em geral. A teoria do rnicleo central

presidiu a construcao do objeto de pcsquisa e a interpretacao

dos resultados.

Providencias preliminares no ambito do projeto envolve-

ram 0 levantamento, descricao e classificacao das iniciativas

Com vistas ao levantamento inicial dos possiveis elementos

do micleo central (verMoliner, 1994a), utilizou-se uma variante

ligeiramcnte adaptada do metodo de evocacao depalavras apartir

de urn termo indutor, proposto por Verges (1992) em sua

pesquisa sobre a representacao social do dinheiro.

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de divulgacao cientffica atraves dejornais diaries, revistas de

vulgarizacao e programas de televisao, acessfveis a populacaodacidade do Rio deJaneiro (Sa, Souto e Moller, 1993a), bern

como a analise de conteiido de cartas enviadas espontanea-

mente peIos leitores ou espectadores a urn vcfculo seIeciona-do em cada uma dessas tres categorias de meios de

comunicacao de massa (Sa, Souto e Moller, 1993b).

Considerando ascaracterfsticas detectadas desse contexto

especffico da vulgarizacao cientffica e os resultados da analise

das relacoes mantidas entre as iniciativas comunicacionais e

seus consumidorcs,julgou-se relevante, para melhor dar con-

ta do papel das praticas vulgarizadoras na difusao de imagens

globais da ciencia, prover uma cornparacao entre as repre-

sentacoes sociais mantidas por seus consumidores e por nao-

consumidores.

Segundo a teoria do nucleo central, uma representacao

social s6 vern a ser adequadamente descri ta ou identif icada

quando, alem de seu conteudo, se apreende tambern sua

estrutura. Nos termos comparativos ora pretendidos, tal exi-

gencia se afigura crucial, na medida em que asrepresentacoes

de urn mesmo objeto, mantidas por dois dist intos conjuntos

populacionais, s6 podem ser consideradas diferentes se seus

respectivos micleos centrais tiverem composicoes nitidamen-

te diferentes (Abric, 1994b). Nao obstante, cabe tambern

considerar nessa comparacao a outra instancia estrutural das

representacoes, os esquemas perifericos, dado que "e na pe-

riferia que se vive uma representacao social no cotidiano" e"0 funcionamento do micleo nao se compreende senao em

dialetica continua com a periferia", como alertado por Fla-

ment (1994: 85).

148

Para a idenrificacao daqueles elementos que efetivamente

comp6em 0 micleo central, empregou-se uma tecnica de

confirrnacao dos itens anteriormente levantados que envolve

o questionamento da sua imprescindibilidade, como sugerido

por Moliner (1994b).

4.2.0 levantamento dos possiveis elementos do

micleo central

Para 0levantamento dos possfveis elementos do micleo

central da representacao social da ciencia, mantida pelos consu-

midores davulgarizacao cientffica no Rio deJaneiro, foram feitas

entrevistas telef6nicas com 430 assinantes das duas principais

revistas do genero, "Superinteressante" e "Globo Ciencia", Os

sujeitos foram solicitados a citar de 3 a 5 palavras ou expressoesque lhes eram evocadas pelo termo "ciencia", sendo asrespostas

registradas peIo entrevistador na ordem em que tinham sido

emitidas. Em seguida, foram obtidas dos entrevistados informa-

~oes de natureza socio-dernografica: sexo, idade, ocupacao e

nfvel de escolaridade. Quanto aos nao-consumidores, foram

feitasentrevistas do mesmo teor com 420pessoas que, abordadas

em locais de circulacao intensa da cidade, deelararam nao ter 0

habito de ler (ou assistir a) nenhuma das revistas, das secoes de

ciencia emjornais ou dos programas de televisao cujos titulos

lhes eram apresentados.

Os consumidores evocaram em seu conjunto urn total de485 diferentes palavras e/ou express6es; os nao-consumido-

res, 653. Considerando que muitas dessas evocacoes apresen-

tavam diferencas minimas de significado (principalmente no

149

 

caso das expressoes) e que 0 procedimento implicava apenas

o levantamento, para posterior confirmacao, dos possiveis

elementos do nucleo central, procedeu-se a uma simplif ica-

c;;aodos dados. As 485 palavras/expressoes evocadas pelos

consumidores foram reduzidas a 65 agrupamentos ou cate-

As categorias sernanticas que atendem simultaneamente

a esse duplo cri terio, situando-se no quadrante superior es-

querdo do quadro geral de mapeamento da saliencia das

cognicoes (ver capitulo 3), ou seja, apresentando frequencias

de evocacao acima da frequencia media do conjunto de cate-

gorias e ordens medias de evocacao abaixo da media das

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gorias sernanticas mais basicas, designadas pela palavra distin-

ta mais freqiiente em cada uma; e as 653 respostas dos nao-

consumidores, a 77 categorias.

Os dados obtidos podem ser assim sintetizados:

NAo

CONSUMIDORES CONSUMIDORES

Nil total de evocacoes 1550 1390

Nil medic de evocacoes por

sujeito 3,6 3,3

Nil de categorias semantic as 65 77

Prequencia media de evocacao

das categorias 21,5 18,5

Media das ordens medias de

evocacao das categorias . . . . . . . .. 2,8 .. . . . . . . . . . . . 2,6

Verges (1992) propoe que setome como muito provaveis

elementos do micleo central , por sua saliencia, as cognicoes

cujos r6tulos verbais tenham side nao apenas mais frequen-

temente mas tarnbem mais prontamente evocados. Segundo

Verges, combinam-se assim dois criterios metodol6gicos: urn

de natureza colet iva, representado pela frequencia com que a

categoria e evocada pelo con junto dos sujeitos; outro de

natureza individual, dado pela ordem que cada urn confere acategoria no conjunto de suas pr6prias evocacoes, sendo

entretanto esse Indice associado aos dos demais sujei tos nocomputo de uma ordem media de evocacao (que sera tanto

menor quanto mais priori tariamente tenha sido a categoria

evocada pelos diferentes sujeitos).

150

ordens medias das diferentes categorias, sao listadas em segui-

da, na sequencia decrescente de frequencias,

Observe-se que nove das categorias (assinaladas em itali-

co), dentre as treze evocadas pelos consumidores e dentre as

dezessete dos nao-consumidores, sao comuns aos dois gru-pos. Em principio, portanto, as composicoes dos possfveis

nucleos centrais das duas representacoes apresentam urn ele-

vado grau de superposicao, Os elementos nao-comuns, em

sua maioria, parecem mais constituir duplicacoes, ou acom-

panhantes organizados apartir dos elementos comuns, do que

corresponder a aspectos autonornos das representacoes.

CONSUMIDORES I

(Freq iiencias)

NAo-CONSUMIDORES I

(Freqiiencias)

• D e s e nvo l vimen to (173)

• C o nh e ci m en to (156)• T e cn o lo g ia (139)

• P e sq ui sa ( 12 0)

• D e sc o be r ta (57)

• M e d ic in a (54)

• Cultura (48)

• E st ll do (48)

• Vuia (43)

• Ciencias exatas (38)

• Responsabilidade (31)

• Novidade (27 )

• Interesse (22)

• M ed icin a (1 40 )

• Natureza (123)• E s tl ld o (101)

• D e s e nvo l v imen t o (83)

• Ecologia (82)

• P e squ is a (61)

• Cultura (54)

• T e cn o lo g ia (47)

• V ida (44)

• C o nh e ci m en to (43)

• Melhoria de vida (30)

• Corpo (27)

• Carencia (27)

• Ciencias naturais (26)

• D e sc ob er ta ( 25 )

• Invencao (20)

• Inteligencia (19)

151

 

Constata-se apenas, de modo mais flagrante, que entre os

niio-consumidores ha urn reordenamento em relacao a repre-sentacao dos consumidores, pelo qual med i dna vern a ocupar

uma posicao de destaque prototfpico, como a categoria mais

freqiientemente evocada. Alem disso, essa primeira aproxi-

macae a representacao dos nao-consumidores aponta para 0

privilegio a objetos mais concretos das praticas cientfficas (como

Alem dessa primeira possivel organizacao do micleo cen-

tral , encontram-se outros elementos (candidatos ao micleo

ou a estes logicamente associados) que parecem cumprir as

funcoes teoricamente atribuidas aos esquemas perifericos.

Conquanto gerenciados pelo nucleo central, esses elementos

provcriam a necessaria interface entre a representacao e as

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na tu r ez a, e c ol og ia , c or p o) e para uma valorizacao da dimensao

utilitaria da ciencia ( me ll wr ia d e v id a, ca tenda , invenfao). Tais ele-

mentos sao bern menos privilegiados, em termos do duplo

criterio de frequencia e ordem de evocacao, na representacao

dos consumidores.

o que mais impressiona nos dados relat ivos aos consumi-

dores e a saliencia notavel que assume 0conjunto dos elemen-

tos des envo lv imen to , conhec imen to, t ecno log i a e pesquisa, que responde

por cerca de 40% de todas as evocacoes das 65 categorias,

destacando-se acentuadamente dos itens que se seguem em

ordem de frequencia. Esse fato autorizou a construcao de uma

primeira estrutura hipotetica da representacao social dos con-

sumidores, que parece razoavelmente consistente. Nesse sen-

tido, tomando-se os elementos mais salientes como provendo

a constituicao basica do nudeo central, buscou-se associar-lhes

outros itens tambern caracterizados por uma boa frequencia

de evocacao e que poderiam plausivelmente se encontrar soba organizacao direta dos primeiros.

o resultado dessa associacao e mostrado abaixo, reorde-

nando-se os supostos elementos centrais em uma sequencia

coerente de "busca, obtencao do conhecimento, sua aplicacao

concreta e conseqiiencias sociais esperadas" (em ital ico os

elementos subordinados que foram tambem levantados como

candidatos ao nucleo central):

Pe sq u is a: e st ud o , d e sc ob e rt a, n o vi da d e, laborat6rio, trabalho cien-

tffico

Conh e ci m en to : c ul tu r a, aprendizagem, atualizacao

Tecnologia: espa~o (em bern menores freqiiencias: invencao,engenharia, maquina, industria)

Desenuoloimento: me1horia de vida (em menor frequencia:

modernidade)

152

praticas concretas e especfficas implicadas pelo pr6prio objeto

da representacao, a ciencia em sua generalidade e abstracao.

Observe-se, a prop6sito, que e relativamente reduzida a con-

sideracao da ocupacao cientifica com os assuntos humanos (i

excecao 6bvia daque1es relacionados a saude). Na apresenta-~ao que se segue dos possiveis es quemas per ij e r ico s (em italico

os elementos inicialmente cogitados para integrar 0nucleo

central), indui-se ainda uma dimensao de cunho valorativo,

sob06tulo de responsabilidade, que cabe reter para uma reapre-

ciacao a luz do processo definitivo de identificacao dos mi-

deos centrais das representacoes.

Universe: ciincias exatas, informatica, maternatica

V id a : m e d ic in a , natureza, ciencias naturais, ecologia, corpo

Homem: ciencias humanas (em menores frequencias: mente,

hist6ria, arte)

Responsab il idade : i n te re ss e , desafio, inteligencia

Embora provisoriamente interpretado que a representacao

social dos consumidores parece dotada de uma coerencia bas-

tante conforme ao pr6prio espirito da ciencia (como entendido

pelos seus praticantes), faz-se ainda necessaria, para a compara-

~ao com a representacao dos nao-consumidores, a identificacao

dos elementos que efetivamente comp6em os respectivos rni-

deos centrais das representacoes dos dois conjuntos.

4.3.A identificacao dos nucleos centra is das repre-

sentacoes

Para Moliner (1994a), a saliencia demonstrada de deter-

min ados elementos nao assegura que eles realmente perten-

153

 

<_;amao micleo central , dado que aquela seria uma simples

decorrencia quantitativa de uma "propriedade fundamental

das cognicoes centrais [que] reside no laco simb6lico que as

liga ao objeto de representacao" (p. 218). Considerando que

a ausencia de tais elementos verdadeiramente centrais impli-

. ..nao leva a descobertas? (C e NC)

... nao exige muito estudo? (C e NC)

...nao envolve muita responsabilidade? (C)

. ..nao resulta em desenvolvimento? (C e NC)

. ..nao depende de pesquisa? (C e NC)

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caria na desestruturacao da representacao, na pr6pria perda

do conhecimento que ela consti tui sobre 0objeto, observar-

se-ia freqiientemente uma forte tendencia a refutar os fatos

ou informacoes que os contradizem. Conseqiientemente, se-

gundo Moliner, 0processo de refutacao pode ser util izado

como urn importante indicador da centralidade dos elemen-

tos, atraves do artiflcio do questionamento de sua participacao

no micleo central.

Metodologicamente, uma forma de se colocar em evi-

dencia 0valor simb6lico, e portanto a centralidade de urn

elemento, consiste em perguntar aos sujei tos se, na ausencia

de tal cognicao, 0objeto de representacao ainda mantem sua

identidade. Isto e 0 que foi fei to, na presente pesquisa, para

cada urn dos supostos elementos centrais anteriormente le-

vantados, atraves das perguntas que se seguem, propostas

seletivamente a duas amostras de 40 consumidores (C) e 40

nao-consumidores (NC).A s opcoes de respostas eram:

- Nao, nao se pode;

- Sim, pode-se;

- Nao sei.

Pode-se dizer que uma dada atividade e cientffica, se ela...

. ..nao produz tecnologia? (C e NC)

. ..nao se ocupa de problemas de medicina? (C e NC)

...nao se concentra sobre a vida em si? (C e NC)

...nao cria novidade? (C)

. ..nao envolve conhecimento? (C e NC)

1 54

. ..nao contribui para a cultura? (C e NC)

...nao se ocupa de problemas das ciencias exatas? (C)

...nao desperta interesse? (C)

.. .nao se relaciona com a natureza? (NC)

... nao se ocupa do corpo humano? (NC)

...nao serelaciona com a carencia ou problemas sociais? (NC)

. ..nao envolve muita intel igencia? (NC)

...nao se ocupa da ecologia? (NC)

...nao resulta em melhoria das condicoes de vida? (NC)

...nao envolve invencao? (NC)

...nao seocupa de problemas das ciencias naturais? (NC)

Mostraram-se estatisticamente significativos (teste do quiquadrado, ao nfvel de significancia de 0,05), no sentido da

refutacao do questionamento (resposta "nao se pode"), os ele-

mentos listados a seguir . Isto significa que, na medida em que

os sujei tos consideraram que nao se pode dizer que uma dada

atividade seja cientifica se ela nao incorpora em sua repre-

sentacao tais elementos, estes tern, assim, sua identificacao com-

provada como integrantes dos respectivos micleos centrais.

CONSUMIDORES NAo-CONSUMIDORES

Desenvolvimento

Conhecimento

Pesquisa

Descoberta

Cultura

Conhecimento

Pesquisa

Descoberta

1 55

 

Estudostudo

Responsabilidade

Novidade

Os resultados acima parecem prover alguma confirmacao

para a estrutura anteriormente hipotetizada da representacao

Deixaram ainda de ser confirmados como elementos dos

nucleos centrais de ambas as representacoes os itens vida e

medic ina. No caso dos nao-consumidores, sao igualmente des-

confirmados os seguintes itens que pertencem a mesma or-

dem geral de interesses e preocupacoes: n at ur ez a, e co lo g ia ,

corpo, ci indas naturais. A aceitacao do questionamento do ele-

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social da ciencia man tid a pelos consumidores . De fato, tres dos

principais elementos que sesup6s pertencer ao ruicleo central

sustentaram-se,juntamente com alguns dos demais itens que

se lhesjulgou associados. E0elemento valorativo Responsabi -

l idade, que seconsiderou secundario, foi alcado a condicao decognicao central.

Pesquisa: estudo, descoberta, novidade

Conhecimento: cultura

Desenvolv imenio

Responsabi l idade

Quanto a representacao dos ndo-consumidores , apenas 4

dos 17 elementos anteriormente levantados se sustentaram,

configurando urn micleo central bastante despojado:

Conhecimento

Pesquisa

Descoberta

Es tudo

E interessante notar que 0elemento tecnoiogia, que apre-

sentava uma forte saliencia quantitativa (principalmente nas

respostas dos consumidores), nao veio a ser confirmado pela

aplicacao da tecnica de questionamento, em nenhum dos dois

conjuntos, revelando que setrata de uma associacao pregnan-

te, mas que tal cognicao nao integra 0nucleo essencialmente

definidor da representacao de ciencia. Tal resultado esta, nitida-

mente, de acordo com 0 conhecimento informado da comuni-dade cientifica, congruencia essaque se manifesta tambem em

outros aspectos das representacoes dos dois grupos estudados.

156

mento c i enc ia s exa ta s pelos consumidores completa 0quadro

da consideracao como nao essenciais dos pr6prios objetos

sobre os quais se aplica a ciencia e das praticas espedficas

institucionalizadas como" ciencias".

Finalmente, cabe ressaltar, para posterior discussao, a

nao-confirmacao dos seguintes i tens da representacao dos

nfio-consurnidores, embora freqiiente e prioritariamente

evocados quando do seu levantamento inicial: cu l tu ra , me lho r ia

d e v id a , c a renc ia , i nuencdo e inteligencia.

4.4. Vma nota sobre a distincao entre consumidores e

nao-consurnidores da vulgarizacao cientifica

Antes de se passar a discussao conclusiva da presente pes-

quisa, cabe assinalar que os consumidores e nao-cons?~id~resdiferern entre si em outros aspectos, alem da exposicao SIste-

matica ou nao aspraticas de vulgarizacao cientffica. Alguns de

tais aspectos, de natureza educacional e ocupacional, tern

irnplicacoes 6bvias para a interpretacao dos resultados.

Os conjuntos de consumidores e nao-consumidores en-

trevistados nao se distinguem em termos da distribuicao por

sexo, Tambem pouco se distinguem quanto a distribuicao

etaria, observando-se apenas que os consumidores sao 0do-

bro dos nao-consumidores nas faixas mais jovens (ate 19

anos), enquanto essa relacao se inverte nas faixas imediata-

mente seguintes (20 a 29 anos).

Ambos os conjuntos se distribuem por uma grande va-

riedade de ocupacoes, ressaltando-se que cerca da metade dos

157

 

nao-consumidores se encontra envolvida em atividades ocu-

pacionais nao especializadas ou exigindo nivel minimo de

escolaridade, enquanto nao sao mais do que 10% os consu-

midores em tais ocupacoes. Ainda, 28% dos consumidores e

8% dos nao-consumidores declararam como ocupacao a con-

di<saode estudantes.

4.5. Conclusoes

Antes de mais nada, cabe reconhecer que asdiferencas em

ocupacao e escolaridade acima assinaladas impedem, como va-

riaveis nao controladas, a atribuicao a vulgarizacao cientifica da

responsabil idade exclusiva pelas diferencas entre as repre-

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Quanto a escolaridade, quase metade dos consumidores,

mas apenas 10% dos nao-consumidores, tern 0 nfvel superior

completo, e, respectivamente, 16% e 8%, 0superior incom-

pleto. No outro extremo, 15% dos nao-consumidores tern

apenas 0 nivel primario (10 ciclo do 1° grau), contra menos

de 2% dos consumidores nessa condicao. Dentre os que tern

formacao universitaria (completa ou incompleta), os consu-

midores se distr ibuem praticamente por todas as carreiras,

enquanto os nao-consumidores concentram-se mais nas cien-

cias humanas e sociais aplicadas (como Direito, Pedagogia,

Economia e Contabilidade). Em ambos os conjuntos, mas

principalmente entre os consumidores, as ciencias exatas e as

engenharias predominam sobre as carreiras biomedicas,

Considerando a relevancia dos sujeitos se encontrarem

sistematicamente expostos ou nao, por ocasiao da pesquisa, aformas escolares de informacao cientffica, foi perguntado aos

entrevistados se estavam estudando no momento e, em caso

afirmativo, que curso cumpriam. Embora apenas 123 consu-

midores tenham se declarado estudantes em termos ocupa-

cionais, mais 71 informaram estar de alguma forma estudando.

No caso dos nao-consumidores, encontrou-se 34 estudantes

declarados e 53 que possuiam uma outra ocupacao, mas

tambem estudavam. E a seguinte a situacao dos consumidores

em relacao aos nao-consumidores: quase tres vezes mais estao

na universidade; 0 dobro atende a cursos livres; 50% a mais

fazem 02° grau; e0dobro cursa 02° ciclo do 1° grau, 0que

e explicavel pela presenca de 12% dos consumidores na faixa

etaria de menos de 15 anos.

158

sentacoes sociais de consumidores e nao-consumidores. Por

outro lado, entretanto, as semelhancas constatadas entre tais

representacoes afiguram-se como notaveis, na medida em que

os resultados congruentes foram obtidos sob condicoes desfa-

voraveis a sua demonstracao, ou seja, que os tomavam menos

provaveis do que sob outras condicoes de selecao dos sujeitos.

Sabe-se, na verdade, que, em toda parte, a populacao de

consumidores da vulgarizacao cientifica costuma possuir ni-

vel de escolaridade e status socio-ocupacional superiores aos

da populacao de njio-consumidores. Variiveis de ordem mo-

tivacional, como 0 interesse anteriormente despertado (na

escola, em casa e por uma participacao cultural geralmcnte

mais sofisticada), e que responderiam pela disposicao para

uma busca mais intensa de inforrnacoes cientfficas. Asformas

mais atraentes e os conteudos mais diversificados, que carac-

terizam a vulgarizacao cientffica por oposicao aos formatos

hierarquizados, continuos e de descnvolvimento lento tipicos da s

demais instancias institucionalizadas da divulgacao cientifica,

atenderiam principalmente aquelas urgencias ji estabelecidas,

mesmo que nao a elas intencionalmente dir igidas.

Nao obstante, a representacao dos consumidores, apesar

de todas essas predisposicoes intelectuais e motivacionais, nao

parece diferir muito daquela mantida pelos nao-consumido-

res, que apresentam urn background socioeducacional inferior

e pouco ou nenhum acesso atual a informacao cientifica. 0

nticleo central da representacao dos consumidores pareceapenas amp liar os poucos elementos retidos pelo micleo

central da representacao dos nao-consumidores: conhecimento,

p e sq u is a , d e sc o be r ta , e s tu d o. De fato, cultura pode ser vista como

.oj

159

 

duplicando conhecimento, e a descoberta associam-se a nov idade

que ela cria c a atividade de pesquisa que a enseja.

A sernelhanca notavel, mas nao identidade absoluta, entre

os nucleos centrais indica que, embora nao se trate de uma

unica representacao mantida igualmente por consumidores e

nao-consumidores, as duas representacoes sao simbolica-

ampla do que sepoderia chamar de entendimento academico

basico e tradicional da ciencia,

Quanto ao que distingue as duas representacoes, uma

importante diferenca diz respeito aos dois aspectos inter-re-

lacionados da etica cientffica e das decorrencias socio-econo-

mico-culturais da ciencia, implicadas respectivamente nas

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mente bastante proximas. Os elementos comuns basicos, que

esgotam 0micleo central dos nao-consumidores e sao am-

pliados no dos consumidores, nao devem, portanto, ter sua

origem no ensino formal (pelo menos, nao de nfvel superior

ao primario), nem em praticas ocupacionais especializadas,

nem na vulgarizacao cicntifica (pelo menos, nao atraves de re-

vistas). Trata-se, provavelmente, de elementos represen-

tacionais de entranhamento mais profundo e de confirma-

~ao mais cons tante na vida cotidiana de urn grande centro

urbano como 0Rio deJaneiro. A identificacao das irnimeras

possfveis fontes de sua difusao e das praticas socioculturais

onipresentes que garantem sua indiscutibilidade encontra-se,

de qualquer modo, alern do alcance dos recursos mobilizados

na presente pesquisa.

A sernelhanca entre as duas representacoes nucleares eainda bern ilustrada pela ausinaa comum de dois elementos

freqiientemente associados a ciencia: tecnologia, ja aqui co-

mentada, e medidna, a qual outras pesquisas tern atribuido urn

papel prototipico na representacao popular do conhecimento

cientffico (par excmplo, Durant, Evans e Thomas, 1992).

Realmente, com base exclusiva na propriedade da saliencia

dos elementos, medic ina aparece (principalmente entre os

nao-consumidores) como a corporificacao mais evidente da

ciencia, Mas, 0que vern a ser finalmente ret ido como essen-

cial para a representacao da ciencia sao os seus aspectos mais

gerais e abstratos, nao as praticas especfficas que os tornam

concretos, prcsentes e imediatamente acessiveis. Esta e , deresto, uma indicacao que atesta 0 sucesso da difusao social

160

cognicoes centrais responsabilidade e desenvoluimenio da repre-

sentacao dos consumidores. Em seu despojamento, 0 nucleo

central da representacao dos nao-consumidores nao abre espaco

para a explici tacao de tais dimensoes da presen~a humana na

ciencia, retendo desta apenas algo como uma visao intelectua-

lista autonorna.

Estes sao, em principio, resultados surpreendentemente

paradoxais, considerando que objetos concretos, praticas es-

pecfficas e preocupacoes uti li tarias eram mais salientes no

levantamento inicial dos elementos representacionais dos

nao-consumidores do que no dos consumidores. A rigor,

entretanto, as cognicoes centrais nao esgotam uma repre-

sentacao social, a qual se afigura bastante mais rica e diversi-

f icada quando seconvem que os elementos salientes mas nao

integrantes do nucleo central podem funcionar como esque-mas per if e r ico s , que asseguram a eficacia da representacao na

manutencao da realidade social imcdiata e na gestae pratica

da vida cotidiana.

Nesse sentido, parece razoavel supor que os seguintes

conjuntos de elementos da representacao dos nao-consumi-

dores, aos quais provavelmente se associam outros menos

salientes, se consti tuam como esquemas perifericos a partir

do ruicleo central: pesquisa-tecnologia-invetlfi io-desenvolvimento,

n at ur ez a- vid a -e co lo gi a, m e di cin a- co tp o, m e lh or ia d e v id a- ca re nc ia .

Observa-se, assim, que 0 paradoxo detectado e apenas apa-

rente. A "teoria popular" do que seja a ciencia se ramificadesde a idealizacao de urn saber academico puro em direcao

a preocupacoes cada vez mais concretas, aplicadas e explicita-

mente sociais.

161

 

Por outro lado, a representacao mais informada dos con-

sumidores da vulgarizacao cientificaja integra em seu micleo

central, em urn nfvel razoavelmente elevado de abstracao e

generalidade, os requisitos eticos da ciencia ( responsabi l idade)

e suas relacoes com a sociedade (desenvolv imento) . Pode-se

talvez dizer que, nesse caso, vai-se alem do "entendimento

CON C L u s A o

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academico basico e tradicional da ciencia" apropriado pelos

nao-consumidores, no sentido de se configurar uma repre-

sentacao nuclear mais conforme a urn entendimento academico

moderno da ciencia, autocritico e socialmente condicionado.

Certamente, a pratica do consumo da vulgarizacao cientffica

tera, conquanto nao por sis6, desempenhado urn papel nessa

clevacao das dimensoes operacionais, eticas e sociais da cien-

cia ao status de cognicoes centrais.

162

Nos quatro capitulos deste trabalho, conforme anunciado

ejustificado em sua introducao, buscou-se prover, sucessiva-mente: (1) uma visao panoramica do campo de estudos das

representacoes sociais, com enfase aqueles aspectos da entao

chamada "grande teoria", que pareciam suscetiveis de com-

plcrnentacao pela teoria do micleo central; (2) uma apresen-

tacao razoavelmente completa e circunstanciada da teoria do

micleo central, focalizando suas origens, suas proposicoes

basicas e seus refinamentos subsequentes; (3) uma descricao

tao pormenorizada quanta possivel dos diversos metodos

espedficos de pesquisa da organizacao interna de uma repre-

sentacao desenvolvidos pelo C ru po d o M id i; (4) 0 relato ilus-

trativo de uma pesquisa,brasileira, concebida segundo a teoriado micleo central e conduzida atraves de uma metodologia

elaborada em congruencia com suas proposicoes.

Na presente conclusao, quer-se produzir, a luz das infor-macoes proporcionadas nos capftulos precedentes e atraves de

diversas ordens de argumentacao, urn convencimento final

quanta a relevancia da teoria e da pesquisa do miclco central

para 0desenvolvimento do campo de estudos das repre-

sentacoes sociais. A diferenca, entretanto, do esti lo quase

didatico assumido na introducao e naqucles capftulos, perrni-

tit-se-a agora urn desenrolar algo menos sistematico e hierar-

quizado dos argumentos, visto que nao se pretende retomarponto por ponto asideias desenvolvidas no carpo do trabalho,

mas ressaltar as implicacoes mais importantes ou menos

6bvias de seus principais aspectos distintivos.

163

 

A insercao historico-academica da teoria do micleo cen-

tral no campo das representacoes sociais cumpre urn papel

que Moscovici legitimou, desde 0nfcio e de modo reiterado,

ao considerar sua propria teoria como em processo de conti-

nua elaboracao. Nao obstante, ao inves de ensejar a prolifera-

~ao de "microteorias" relativamente autonornas, 0 campo de

abrangentes de trabalhos atualizados de elaboracao teorica,

sisternatizacao metodologica e de relatos da producao empi-

rica espedfica do G ru po d o M id i. A proxima realizacao de uma

terceira conferencia internacional precisamente em Aix-en-

Provence, em 1996, devera seguramente ensejar novos apor-

tes a sedimentacao e a disseminacao das perspectivas teoricas

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estudos - de que Moscovici (1988) dizia nao saber de antemao

como iria se desenvolver - encoraja 0 surgimento de novas

proposicoes que contribuem, como quer Flament (1989),

"para que a teoria das representacoes sociais se torne mais

heurfst ica tanto para a pratica social quanto para a pesquisa"(p. 204). E essa cspecie de complementacao da teoria geral que

se acredita ser proporcionada pela teoria do nucleo central.

Interessantemente, a teoria do micleo central parece ter

seguido uma trajetoria socio-acadernica bastante semelhante

a d ag ra nd e t eo ri a. De fato, tendo permanecido durante dezes-

seis anos, desde 1976, praticamente confinada aos limites do

"Midi" e a discussao por parte de urn grupo restrito de crfticos

e estudiosos, a teoria despontou para uma consideracao mais

ampla no ambito do campo de estudos em 1992, quando

diversos desenvolvimentos teoricos e metodologicos foram

comunicados na 19International Conference on Social Re-presentations, Ravello, Italia, e atraves de urn mimero especial

do Bu ll e ti n d e P s y ch o lo g ie sobre "Novas perspectivas em psico-

logia social", dos quais se pode destacar: Abric (1993), Gui-

melli (1993b), Guimelli e Rouquette (1992), Verges (1992),

Moliner (1992).

Prolongando essa especie de parentese socio-historico-

acadernico, registre-se que 0 ano de 1994, por seu turno,

parece ter consti tuido urn outro marco significativo no pro-

cesso de difusao da teoria, atraves de uma importante partici-

pacao na 2i!Conferencia Internacional sobre Representacoes

Sociais, no Rio de Janeiro, e da publicacao de dois livros,editados respectivamente por Abric (1994), da Universite de

Provence, e por Guimell i (1994), da Universi te Paul Valery

(Montpellier III), que constituem oportunas coletaneas

164

e metodologicas do rnicleo central.

Voltando ao esforco de conclusao substantiva deste traba-

lho - 0qual, de resto, tambern se pretende uma contribuicao

a maior familiarizacao com a teoria do micleo central- suge-

re-se tomar como referencia para asdiscuss6es que seseguem

a distincao, proporcionada por De Rosa (1994), entre os

diferentes nfveis em que se apresenta 0 termo "representacoes

sociais". A autora, ela propria uma produtiva estudiosa do

campo e especialmente sensfvel aos seus aspectos epistemo-

logicos, assim define tais nfveis e alerta para os riscos de

trata-los indistintamente:

" Niv el a : representacoes sociais como f en smeno, isto e, "forrnas

de saber" caracterfst icas da realidade social , que emergem na

vida cot idiana durante as cornunicacoes inte rpessoai s e sao

orientadas para a cornpreensao e 0 controle do ambiente ffsico

e social;

Nioel b: uma teoria das representacoes sociais, isto e, a colecao

de definicoes conceituais, operacoes metodologicas e formula-

«ao de constructos que tern as representacoes sociais como seu

objeto;

Nive l e: u ma m e t at e or ia das representacoes sociais, isto e , a colecaode comentarios crf ticos, replicas e comparacoes com outros

modelos teoricos que emergem do debate crf tico sobre a teor ia

das representacoes sociais.

Confundir esses tres nfveis, por exemplo, atribuindo a teoria

das representacoes sociais (nfvel b) 0 carater transiente e dina-

mico das representacoes sociais como fen6menos do cambiantemundo social (nlvel a) e confundir os objetos da teorizacao

cientifica com a propria teorizacao. Igualmente, confundir 0

nivel teorico b com as reflexoes articuladas sobre ele (c ) e suas

165

 

relacoes com outras formas de teorizacao e perder de vista a

mudanca de foco do ult imo caso para urn "metanivel" onde os

obje tos fo rmal izados e investigados nao sao mais as repre -

sentacoes sociais como tais, mas a teoria dessas representacoes"

(De Rosa, 1994:273-275).

A contribuicao do G rupo do M id i ao campo das repre-

sentacoes sociais se da fundamentalmente ao n iu el b da teori-

externos cri ticos. Isso deve, entretanto, comecar a ocorrer

com mais frequencia, face a insistencia com que a abordagem

tern seexposto, aoamp liar, circunstanciar e formular cada vez

mais explicitamente sua rede de proposicoes teoricas e meto-

dologicas, Para dar urn desses primeiros raros exemplos,

pode-se citar a crft ica (nao espontanea, mas encomendada

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za~aoou, melhor dizendo, ao nfvel da complementacao teorica.

A teoria do micleo central nao envolve uma analise critica das

proposicoes basicas da teoria geral das representacoes sociais,

mas focaliza sua atencao sobre os proprios fenornenos de

representacao social. Enquanto outros tipos de contribuicoes

perscrutam e avaliam a teoria geral, para decidir sobre seu

ambito de aplicacao, abrindo-lhe ou interditando-lhe certas

interfaces, ou para nela descobrir sentidos implfcitos antes

insuspeitos, e assim "metateoricamente" por diante, a teoria

do micleo central parece se preocupar mais em prover solu-

<_;oeseoricas e metodologicas para algumas intrigantes mani-

festacoesdos fenomenos de representacao socialque semostrem

compatfveis com aquela matriz teorico-conceitual bisica.

A crftica metateorica e obviamente imprescindfvel para a

evolucao de urn campo de estudos, mas nao sepode esquecerque a materia-prima para a sua aplicacao e a propria constru-

<_;aoeorica. A argumentacao metateorica nao da conta da

descricao e da explicacao dos fenomenos, nem the compete

evidenciar relacoes entre aspectos diversos de tais fenomenos

ou entre estes e suas condicoes de atualizacao. Este e, na

verdade, 0papel da teoria: por urn lado, construir-se tomando

estr itamente por objeto os fen6menos do campo e, por outro

lado, oferecer-se como objeto a metateoria. No campo das

representacoes sociais, a teoria do micleo central constitui a

abordagem que mais tern se empenhado no cumprimento

sistematico de tal papel . A rigor, ela parece nao ter sido ainda

descoberta como objeto atraente para a analise metateorica,

visto que sao poucos os trabalhos que sepropoern a examinar

suas proposicoes a partir de uma perspectiva e de criterios

166

pelos editores de Pap e rs o n So ci al R e p re s en ta t io n s) de Deconchy

(1993) a concepcao da organizacao interna das representacoes

sociais em urn sistema central e urn sistema periferico como

proposta por Abric (1993).

Para dar conta da singularidade da teoria do micleo cen-

tral, cabe observar que 0 campo maior das representacoes

sociais tern tradicionalmente repudiado as exigencias de pre-

cisao e rigor tanto na definicao de seus termos teoricos quanta

na operacionalizacao de hipoteses de pesquisa. De fato, quan-

do da inauguracao do campo, Moscovici se recusou inclusive

a formular uma definicao unica e inequfvoca de repre-

sentacoes sociais, justificando essa recusa como uma estrate-

gia para evitar a cristalizacao prematura do processo de

construcao teorica. Assim, em uma das primeiras crfticas

surgidas a P sy ch an al ys e, s on im ag e e t s on p ub lic , Figueira (1980)

chegou a listar doze maneiras diferentes pelas quais Mosco-

vici se referira ao conceito e aos fen6menos de representacao

social. Embora alguns autores, como Si (1993b) e Rob Farr

na passagem abaixo, alertem para a necessidade de uma re-

consideracao daquela estrategia, outros continuam a defender

algo como uma pratica assumida da reticencia e da imprecisao.

"Tinha-se razao, hi trinta anos, de nao comecar pelas definicoes,

Hoje, 0 perigo e diferente. Corre-se 0 r isco de tudo ser consi-

derado como representacao social. E importante precisar 0 que

nd o e uma representacao, Como esta se relaciona a outros

termos te6ricos-chave nas ciencias sociais, tais como atitudes,

opinioes, estere6tipos, ideologias etc., deve agora ser definido.

Isto pode ser fei to doravante a luz da pesquisa empfr ica dos

ult imos t rinta anos. Nao se t rata unicamente de uma querela

sobre definicoes" (Farr, 1992: 187).

. . .

167

 

A abordagem do nucleo central revelou-se sempre, pro-

vavelmente em funcao de sua enfase experimental, preocu-

pada com a explicitacao de seus conceitos, proposicoes

teoricas e operacoes metodologicas, A imprecisao nao e ai

justificada como parte de uma estrategia intencional ou da

complexidade do fenomeno, mas e sim assumida como re-

como sistemas de acolhimento para a ancoragem dos feno-

menos das representacoes sociais. Na verdade, 0 nfvel apro-

priado para essa discus sao e 0 nfvel metateorico, pois que a

distincao que criou a necessidade de tal articulacao foi produ-

zida ao nfvel teor ico. au seja, 0problema decorreu da pro-

posicao de duas diferentes perspectivas teorico-conceituais

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sultado de uma real limitacao da teoria (ateentao, pelo menos)

para explicar determinados fatos ou mesmo apreender 0

significado de certas evidencias inesperadas. Com frequencia,

tais aspectos intrigantes e desafiantes dos fenomenos de re-

presentacao social so se apresentam porque produzidos pelaorientacao impressa inicialmente a pesquisa pela propria teo-

ria do nucleo central. as desdobramentos e refinamentos

teoricos e metodologicos a que se fez freqtientes referencias

neste trabalho sao uma decorrcncia do enfrentamento desses

tipos de desafios, da necessidade de setornar capaz de explicar

tudo 0que intriga.

E nesse sentido que a teoria do micleo central tem se

construido a partir dos fenomenos estudados, de forma a

complementar da maneira mais explfcita possfvel a teorizacao

abrangente das representacoes sociais. Algumas dessas com-

plementacoes, ja tratadas no corpo deste trabalho, merecemser agora recuperadas e comentadas cri ticamente como uma

primeira aproximacao para sua inclusao no elenco de questoes

a alimentar a analise metateorica.

Uma das mais significativas contribuicoes da teoria talvez

tenha sido a assimilacao de importantes aspectos do conceito

de representacoes coletivas ao sistema central da estrutura das

representacoes sociais em geral. Busca-se solucionar com

isso, ao nfvel mesmo da teoria, 0 problema sempre recorrente

da distincao entre representacoes coletivas e representacoes

sociais . De fato, freqtientemente, elas sao tratadas como fe-

nomenos de naturezas muito distintas e se despende umintenso esforco de argumentacao para dar conta a poster ior i de

sua art iculacao. N esse sentido, ja se disse, por exemplo, que

os fenornenos das representacoes colet ivas funcionariam

168

sobre 0mesmo campo fenomenal, as quais foram, muitas

vezes, tomadas como indicativas de uma correspondente se-

paracao entre fenomenos absolutamente dist intos, confun-

dindo-se assim, como denunciado por De Rosa, fenomenos

e teorias sobre os fenomenos.

A distincao conceitual primeira, por Durkheim, entre

representacoes coletivas e representacoes individuais, encon-

tra-se certamente na origem do problema. Quando Mosco-

vici demonstrou que as representacoes correntes do mundo

moderno nao se enquadravam nas caracterfsticas teoricamen-

te atr ibufdas as representacoes coletivas e propos uma nova

teoria para explicar aqueles aspectos ate entao nao-vislumbra-

dos dos fenornenos representacionais, ficou uma impressao

irresistfvel de que se estava reeditando a anterior separacao

durkheimiana entre "coisas sociais" e "coisas psicologicas".

Visto que a nocao de representacoes sociais era proposta poruma psicologia social, nao ficava dificil assimilar a estas as

antigas representacoes individuais, e aquela separacao seman-

tinha. Para tentar corrigir os efeitos perversos da enfase inicial

sobre a emergencia contemporanea de representacoes, recor-

de-se que Moscovici propoe (ver capitulo 1) uma tipologia

das representacoes em funcao de suas geneses, pela qual as

representacoes coletivas sao assumidas como objeto de estudo

da teoria geral das representacoes sociais sob 0 rotulo de

representacoes hegernonicas.

A teoria do micleo central , no cumprimento de seu papel

acadernico de complernentacao da teoria geral vai alern da-quela proposta de Moscovici e parece incorporar diversos

possfveis elementos basicos das representacoes hegemonicas

(ligados a memoria coletiva e a hist6ria do grupo) a propria

169

 

estrutura te6rica da organizacao intema das representacoes

sociais, localizando-os no seu micleo central e atribuindo-

lhes funcoes definidas na explicacao dos fenornenos de re-

presentacao social. Se se trata ou nao de uma boa solucao

teorica, isto e uma questao a ser decidida nao so pela testagem

empfrica sistematica da teoria, mas tambem pela crft ica me-

tateorica, a qual ela se expoe atraves de tal aproximacao im-

dos fenomenos de representacao social. Esse risco e tanto mais

real quanto mais se observa hoje a proliferacao de pesquisas

empfricas, pouco informadas teoricamente, sobre "repre-

sentacoes sociais de qualquer coisa".

o que se quer dizer aqui e que, em urn estagio mais

avancado do campo de estudos, nao deve bastar a descricao

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plfcita.

Uma outra elegante solucao teorica, ao nfvel igualmente

do sistema central, merece ter sua importancia inicialmente

enfatizada, para severificar em seguida como a teoria trata dealgumas dificuldades explicativas que acabam por decorrer da

propria solucao. Considerando que 0micleo central organiza

todos os demais elementos da representacao e lhes confere

seu significado, a teoria propoe que duas representacoes ou

dois estados subseqiientes de uma mesma representacao se-

jam considerados diferentes apenas se os seus respectivos

micleos centrais tiverem composicoes nitidamente distintas.

A possibilidade comparativa mesma decorre da exigencia

teorica de se caracterizar uma representacao, nao exclusiva-

mente pelo seu conteudo global, como e comum em muitas

pesquisas empfricas, mas tambern pela forma como esse con-t~udo se organiza em elementos centrais e elementos perife-

ncos.

Seesta nao parece uma contribuicao exatamente original,

visto que 0micleo central constitui uma derivacao do micleo

figurativo, ela e capaz - e isso e muito, em se tratando de urn

processo de complernentacao teorica - de proporcionar urn

criterio, ate entao nao-advertido, para fazer avancar 0campo

das representacoes sociais, no sentido da superacao dos riscos

de urn deslize para apreensoes mais 'jomalfsticas" (sem se

estar com isso desconsiderando 0papel da atividade jornalfs-

tica na producao dos fenornenos de representacao) do quecientfficas (no sentido amplo da teorizacao sobre as repre-

sentacoes, inclusive no que serefere a sua determinacao pelos

meios de cornunicacao de massa), para nao dizer "anedoticas",

170

iso~a~a das representacoes sociais de diversos objetos, por

mats mteressantes que possam parecer, mas que tais descricoes

devem ser comparativamente articuladas a outras - por exem-

plo, asmantidas sobre 0mesmo objeto por uma populacao deinsercao socio-historico-cultural (ou econornica, ocupacio-

nal, educacional, demografico-regional, ecologica enfim) di-

versa - para que possam proporcionar urn conhecimento

significativo. Caso contrario, a comparacao - em si sempre

inevitavel= dos eventuais consumidores desse conhecimento

sera fei ta em relacao as suas proprias representacoes sociais

(nao-explicitadas) do objeto, 0que podera proporcionar no

maximo algo como uma divertida constatacao do relativismo

psicossociologico que ("ainda?", e esta e a divertida surpresa)

caracteriza as sociedades contemporaneas. E 0 mesmo que

com frequencia resultou da producao macica, no infcio do

seculo, dos relatos de usos e costumes de povos ditos primi-

tlVOS pela antropologia cultural, que nao se encontrava em

condicoes de (ou disposta a) aplicar 0seu rnetodo a propria

cultura em que fora academicamente engendrada. Assim, se

se acredita que seja aplicavel a psicologia social das repre-

sentacoes sociais a advertencia dirigida anteriormente por

Durkheim a sociologia, no sentido de que esta deveria ser

comparativa ou nao seria sociologia alguma, e a teo ria do

nucleo central que cabe0principal merito de tomar possiveis

os estudos comparativos.

As "elegantes" proposicoes teoricas que acabam de ser

discutidas se referem especificamente ao micleo central, e as

possibilidades que elas abrem para a pesquisa decorrem de

solucoes metodologicas orientadas para 0 levantamento e a

identificacao dos elementos desse nucleo, Observa-se af urn

171

 

privilegio ao constructo de nucleo central que pode ser visto -

e freqiientemente 0 e - como esgotando a propria nocao de

representacao social ou, pelo menos, implicando a negacao de

maior importancia aos seus componentes estruturais perife-

r icos. Esta visao faria com que a teoria ainda se apresentasse

como elegante ou parcimoniosa, mas acabaria, no primeiro

caso, por exduir do campo a enorme quantidade de repre-

concentracao continuada sobre problemas bem definidos e

sobre novos problemas que surgem em funcao das solucoes

teoricas e/ou metodologicas encontradas para problemas an-

teriores.

Ao mesmo tempo, a evolucao da teoria, desde urn inves-

timento inicial exdusivo sobre a nocao de micleo central,

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sentacoes que nao possuem urn micleo central identificavel

e, no segundo caso, por explicar 0essencial do fenomeno

representacional, mas deixando de lado os seus aspectos cir-

cunstanciais, que sao precisamente os que melhor seprestama caracterizacao dos diferentes conjuntos sociais que part i-

lham uma mesma representacao. 0 que sequer aqui enfatizar

e que a lei tura atenta da teoria do nucleo central nao autoriza

essas interpretacoes apressadas, como se pode depreender da

dist incao que ela veio a estabelecer entre representacoes au-

tonomas e representacoes nao-autonornas, bern como da sua

extensa ocupacao com as cognicoes perifericas condicionais.

Estes sao, por certo, desenvolvimentos teoricos recentes,

mas 0que importa e que ocorreram, e ocorreramjustamente

em funcao do carater cumulativo inerente ao desenvolvimen-

to da teoria do rnicleo central, 0 que, de resto, nao parecemuito comum nestas searas. De fato, a esse proposito.jones

(1985) observa que "os desenvolvimentos nas ciencias sociais

tendern a ser menos cumulativos e cada interesse de pesquisa

e portanto mais limitado no tempo" (p. 54). Se os trinta anos

de existencia do campo das representacoes sociais constituem,

segundo Moscovici (1993), uma prova de que sua teoria

expressa alguma verdade e trata de algo profundo, os dezoito

anos de atividade do G r up o d oM i d i demonstram uma persis-

tencia no desvendamento dessa profundidade que resulta em

um conhecimento efetivamente cumulativo. Enquanto que

o campo como um todo e a teoria geral sao marcados por umaexuberancia de abordagens e de apropriacoes, 0que distingue

a teoria do nticleo central nesse campo e faz dela urn empreen-

dimento exemplar de complernentacao da teoria geral e a

1 7 2

passando pela concepcao de representacoes que podem ser

formadas a part ir dos micleos de outras representacoes, dis-

tintas em si das "nao-representacoes" (ou seja, das meras

opinioes ensejadas por determinados objetos), ate a atual

reavaliacao das funcoes cumpridas pelo sistema periferico(como, por exemplo, a modulacao individualizada das repre-

sentacoes), introduz uma saudavel "desorganizacao" na apa-

rente limpidez dos conceitos estruturais. Trata-se, nao

obstante, de uma desorganizacao "sob controle" (teorico), a

que se chegou nao como uma especie de concessao ao que

parecia moeda corrente em outras abordagens menos rigoro-

samente formuladas, mas sim atraves de urn processo corre-

t ivo propiciado pelos resultados cumulativos da pesquisa. A

diferenca resultante e que a teoria continua a propor a "exis-

tencia" (teorica) de urn micleo central (no caso das repre-

sentacoes autonornas), que responde pelo carater absoluto e

consensual basico da representacao e que "gerencia" as cog-

nieces perifericas condicionais. E provavel que uma explici-

tacao teorica semelhante venha a ser adequadamente aplicada

tambem as representacoes nao-autonomas, quando se tiver

podido equacionar melhor 0problema da ernergencia de sua

organizacao interna a part ir de diferentes aportes externos

identificaveis.

Ainda a proposito da flexibilizacao conferida a repre-

sentacao pelos elementos perifericos, e interessante ressaltar

o quanto isto aproxima a teoria do rnicleo central da outra

principal cornplementacao da teoria geral das representacoessociais, qual seja, a concepcao de Doise quanta as repre-

sentacoes como prindpios organizadores de tomadas de po-

sicoes. Embora a nocao de princfpio organizador pudesse ser

.~

173

 

ja intuit ivamente tomada como nao muito distingufvel da de

micleo central, na medida em que se concebe este como

constituido de prescricoes absolutas que orientam 0 compor-

tamento, Doise sempre defendeu 0 carater nao-consensual

das representacoes, argumentando que muitas diferentes to-

madas de posicao podem se organizar a part ir de urn mesmo

princfpio representacional. Ao contrario, a consensualidade

,I

colocou a questao da localizacao dos limites de uma repre-

sentacao social, 0que e uma grave lacuna" (p. 106).

A que mais baixo nivel de saliencia ou de conexi dade, por

exemplo, uma determinada evocacao pode ser ainda conside-

rada urn elemento periferico significativo, funcional , e nao

uma simples opiniao provocada e sem qualquer relacao com

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foi desde 0 inicio uma caracteristica dist intiva da tcoria do

nucleo central. Tal aspecto e entre tanto mitigado nas novas

versoes da teoria, pelas quais as cognicoes centrais mantern

aquele carater consensual, mas as cognicoes perifericas pas-sam a responder por uma extensa variabilidade de relaciona-

mentos com 0 objeto de representacao , em funcao

principalmente das praticas concretas que envolvem urn de-

terminado sujei to e 0objeto.

Parece assim que pelo menos ao nfvel teorico, as duas, ,

perspectivas nao se mostram mais tao distantes, registrando-

se inclusive esforcos adicionais de aproximacao, como 0de-

senvolvido por Moliner (ver capitulo 2). No campo

metodologico, entretanto, muitas diferencas persistem, ja

que, como sustenta Doise (ver capitulo 3), asofisticada analise

estatfst ica que seu grupo explora e incompatfvel com uma

concepcao consensual das representacoes sociais e, por outro

lado, a pesquisa empfrica conduzida segundo a teoria do

micleo central continua privilegiando, atraves de uma meto-

dologia propria, 0acesso as cognicoes consensuais centrais.

Urn problema com a estruturacao teorica das repre-

sentacoes em urn sistema central e urn sistema periferico, cuja

persistencia e forcoso admitir, e que os elementos perifericos

continuam sendo "0que sobra" dapesquisa do nucleo central.

Este parece urn dos principais desafios com que deve se

defrontar agora0

G rupo do M id i, nao apenas em termosmetodol6gicos, mas tambern em termos teoricos prelimina-

res, pois como admite Flament (1994a), " e preciso reconhecer

que a abordagem estrutural das representacoes sociais nao se

174

o micleo central? Obviamente, a resposta a essa questao - em

si, mal colocada - nao sera exclusivamcntc quantitat iva. Fa-

zem falta, para 0 adequado enfrentamento do problema, crite-

rios de operacionalizacao das propriedades qualitat ivas (ou

seja, teoricas) dos elementos perifericos, como, por exemplo:

a modulacao individual das representacoes que tais elementos

possibilitam a partir das diferentes hist6rias e backgrounds

pessoais; ou a ativacao diferencial de esquemas perifericos em

funcao das praticas vigentes em uma dada subpopulacao.

De qualquer modo, 0 desenvolvimento ja verificado nos

cstudos sobre as relacoes entre as representacoes e as praticas

sociais, principalmente a luz do principio da condicionalida-

de, devera acabar por exigir e ensejar a producao de uma

metodologia teoricamente informada para 0 mapeamento

funcional dos prescritores perifericos, A nocao de "subestru-turacao periferica" ou SS P (de sou s -s t r uc tu r at i on pe r iph i ri q u e ),

formulada, segundo Flament (1994a), por Katerelos, em

1993, precisamente para dar conta de algo como uma "geren-

cia pr6xima" das cognicoes condicionais de uma subpopula-

~ao envolvida em determinada pratica social , podera talvez

constituir urn born comeco.

Uma interessante ilustracao das dificuldades interpreta-

tivas decorrentes da nao-delimitacao dos elementos periferi-

cos pode ser extraida da pesquisa relatada no capitulo 4. Exa-

minando-se 0primeiro levantamento global dos elementos

da representacao da ciencia por parte dos njio-consumido-res da vulgarizacao cientffica, considerou-se a principio extre-

mamente interessantes e pertinentes para os prop6sitos com-

"

175

 

parativos da pesquisa dois elementos nitidamente perifericos:

"modo de vida" (modo de agir, maneira de lidar com as

pessoas, ciencia dos bons costumes, convivencia humana,

born comportamento, ser educado, viver em paz); e "arte de

saber" (estar ciente, estar ciente de alguma coisa, ciente do que

esta acontecendo, ter conviccao do que esta fazendo, quase

certeza, conscientizacao, experiencia de vida). Tais elementos

1 rencia de significado - estabelecidas entre 0 nucleo central e

os possfveis esquemas perifericos formados por aqueles ele-

mentos mais salientes que nao vieram aser confirmados como

pertencentes ao nucleo. 0 relativo nfvel de abstracao em que

todos os elementos, tanto os centrais quanto os perifericos,

foram formulados/evocados, facilitou 0 processo de seu rela-

cionamento pelo pesquisador. 0 que dizer, entretanto, das

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se encontravam inteiramente ausentes da representacao dos

consumidores e, nao so par isso, mas tam bern por sua original

ingen uidade (em relacao por certo a representacao informa-

da da equipe de pesquisa), despertaram 0 interesse inicial dosautores.

Tratava-se de cognicoes emitidas com razoavel freqiiencia

(pouco abaixo da freqiiencia media) e bastante prontamente

(ordens de evocacao abaixo da ordem media), 0 que conduzia

a tentacao de toma-las "aproximativamente" como boas can-

didatas para a composicao do micleo central, em acrescimo a s

dezessete ja consideradas. Isto teria tornado os resultados do

levantamento inicial dos possiveis elementos do micleo cen-

tral simplesmente muito mais interessantes. Preferiu-se, en-

tretanto, mante-los na condicao de elementos perifericos, aos

quais deveriam sejuntar os varies outros (quatorze, ao finalde tudo) que nao seriam confirmados como centrais pela

aplicacao dos procedimentos de identificacao definitiva. Re-

corde-se, ainda, que 0nucleo central da representacao dos

nao-consumidores revelou-se bastante mais despojado do

que 0da representacao dos consumidores, no sentido de uma

concepcao mais "academicamente conservadora" de ciencia,

o que pode reforcar a suspeita de que, de qualquer forma,

"modo de vida" e "arte de saber"igualmente nao semanteriam

como cognicoes centrais.

o problema que persiste e 0da organizacao dos elemen-

tos perifericos pelo micleo central, que, por seu turno, estaintimamente vinculado ao da propria delimitacao da regiao

periferica, Na pesquisa relatada foi possfvel especular, funda-

mentadamente, sobre as relacoes - de organizacao e confe-

176

prescricoes extremamente praticas e orientadas para 0 funcio-

namento cotidiano implicadas em "modo de viver" e "arte de

saber"? Nao resta duvida de que, sefazem realmente parte da

representacao, trata-se de elementos perifericos, aptos a cum-prir as funcoes previstas pela teoria, quase urn "exemplo de

livro" da natureza de uma periferia. Alern disso, devem de-

sempenhar urn papel na comparacao entre as duas repre-

sentacoes, pelo menos a partir do momenta em que se pode

distingui-las com base nas configuracoes de seus respectivos

micleos centrais.

Os metodos de levantamento e de identificacao do micleo

central, por mais objetivos, criteriosos e teoricamente infor-

mados que sejam, nao parecem, assim, suficientes para dar

conta da apreensao global de uma reprcsentacao social . Por

outro lado, na ausencia destes, abre-se urn perigoso espaco

para avaliacoes meramente impressionistas da importancia

relativa das diferentes cognicoes para a organizacao da repre-

sentacao, Por exemplo, 0 simples fato de que determinados

elementos, como "modo de viver" e "arte de saber", a dife-

renca de quase todos os demais, estao presentes em uma, mas

nao em outra representacao do mesmo objeto, poderia levar

a que se superestimasse seu papel na estruturacao da repre-

sentacao de que participam, quando, a rigor, podem apenas

proporcionar uma inforrnacao comparativa secundaria, por-

que periferica.

Mas, voltando a questao da organizacao da periferia,

como situar esses elementos em relacao ao conjunto dos

elementos perifericos muito salientes - e tao mais abstratos

. .

177

 

quanto medicina, natureza, desenvolvimento, ecologia, tee-

nologia, vida etc. - e, simultaneamente, a elementos muito

menos salientes e tanto mais concretos (materia escolar, ves-

tibular, alimentacao, casa etc.) quanta genericos ou abstratos

(verdade, poder, modernidade, prindpio etc.)? Ou, colocan-

do a questao de outro modo, onde "acaba" a representacao?

Nos esquemas perifericos esbocados no capitulo 4, na consi-

uma seric de tratamentos analiticos, retornar auma abordagem

mais sintetica que permita conhecer 0 funcionamento contex-

tualizado da representacao que permite integrar os elementos

situacionais (contexto do estudo), as atitudes e os valores que

subjazem a producao dos sujeitos, as refercncias ao vivido

individual ou coletivo. Fase essencial do trabalho que vai per-

mitir ressituar a representacao e 0 conjunto dos fatores psico-

16gicos,cognitivos e sociais que a determinaram. 0 retorno a

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deracao adicional dos elementos singulares aqui discutidos,

ou em algum outro ponto que inclua determinadas cognicoes

de evocacao menos sistematica, mas nao outras? Ou, ainda

de outra maneira, em termos mais questionadores, como saberse"modo de vida" e "arte de saber", enquanto elementos repre-

sentacionais sereferem efetivamente ao objeto "ciencia"? Podera

ter sido outro 0 objeto de representacao quando os sujeitos

evocaram aquelas expressoes frente a palavra-estfmulo "cien-

cia"? Quando eles as uti l izam em diferentes situacoes davida

cotidiana estarao com isso representando 0conhecimento

cientffico?

Embora essa "grave lacuna" no estabelecimento dos limi-

tes de uma representacao social, como se refere Flament

(1994a), nao possa ser cabalmente preenchida senao em ter-

mos te6ricos, alguma solucao parcial mais imediata pode serproporcionada pela "abordagem plurimetodol6gica" que

Abric (1994d) propoe insistente e enfaticamente. De fato, os

resultados da pesquisa empfrica obtidos em fimcao das tres

etapas metodol6gicas ja aqui consideradas - coleta do conteii-

do da representacao (atraves de entrevistas, complemcntadas

por algum metodo associativo), levantamento da estrutura e

especialmente do micleo central da representacao, verificacao

da central idade dos elementos - podem receber urn esclare-

cimento conclusivo atraves de uma quarta etapa de "analise

da argumentacao", que 0autor assim descreve ejustifica:

"0 pesquisador conhece nesse momenta do estudo0

conteudoda representacao, a estrutura interna e 0 nucleo central. Falta,

para completar a analise, ver como esses diferentes constituin-

tes se integram em urn discurso argumentado. Portanto, ap6s

178

essa enunciacao exige a reutilizacao de tecnicas de entrevista

que permitam a explicitacao do conteudo e das relacoes colo-

cadas em cvidencia nas fases precedentes e compreender a

representacao em suas dimens6es individuais e coletivas"(Abric, 1994d: 80).

Esta ultima transcricao de uma fala do autor da teoria do

nucleo central - ou melhor, do seu propositor primeiro, ji

que, face ao engajamento macico do C ru po d o M id i na produ-

CSaode urn conhecimento cumulativo, a teo ria escapa a per-sonalizacao - remete a consideracoes conclusivas sobre uma

ultima de suas caracterfsticas distintivas, a enfase sobre a

experimentacao. Realmente, 0conteudo da transcricao de-

monstra que 0investimento no metodo experimental , por

parte da teoria do nucleo central , nao a transforma autorna-

ticamente em uma perspectiva "experimentalista". A experi-mentacao serve nessa abordagem a finalidades bern definidas,

ou seja, nem mais nem menos, aquelas para as quais ela e

melhor equipada: a comprovacao ou refutacao de aspectos

cruciais da teoria, atraves da verificacao de hip6teses por eles

suscitadas; e, na pesquisa substantiva, a confirmacao de evi-

dencias obtidas a partir de metodos mais abrangentes e flexi-

vets.

Concluindo, 0metodo experimental nao se torna urn

"fetiche" nas maos dos te6ricos e pesquisadores do nucleo

central, os quais, ao contrario, parecem se dispor sempre a

art icula-lo com outros procedimentos, em proveito da pro-

ducao de resultados capazes de fazer avancar a teoria e a

pesquisa das representa~oes sociais. Por outro lado, parece ser

precisamente 0seu emprego judicioso, associado a manuten-

.<J

179

 

~ao da perspectiva "mais social" caracterfstica da psicologia

social europeia, que torna hoje a teoria do nucleo central uma

das abordagens mais originais, objetivas e promissoras daque-

Ie campo de estudos.

B I B L I O G R A F I A

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Celso Pereira de S a nasceu em 1941,

no Rio de Janeiro. Professor de Psico-

logia Social desde 1972, lecionou em

diferentes cursos de graduacao e de

pos-graduacao em Psicologia e em

Educacao. Em 1977, ingressou na

Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro, tendo sido af Diretor do Instituto

de Psicologia (1984-1987) e doCentro I

de Educa~ao e liumanidades (1988-

1991). Mestre em 1978 e Doutor em

Psicologia em 1985, pela Pundacao

Genilio Vargas, tomou-se Professor

Titular da UERJ em 1995. E autor de

outro livro, Psicologia do controle so-

cial, e de diversos artigos, publicados

em livro e revistas nacionais e intema-

cionais, nos campos daanalise docom-

portamento social e das representacoes

sociais. Coordenou, de 1991 a 1995, ,o Curso de Mestrado em Psicologia e

Prdticas Socio-Culturais da UERJ.

Desde 2000, exerce 0 cargo de Vice-

Rei tor da UERJ, com mandato a te

2003.

Foto : Jos e Wibbelt