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Ambiente & Sociedade ISSN: 1414-753X [email protected] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade Brasil BOEIRA, SÉRGIO LUÍS Reseña de "Saber Ambiental" de Enrique Leff Ambiente & Sociedade, vol. V, núm. 10, 2002, pp. 1-4 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade Campinas, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31713416010 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Saber Ambiental

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Page 1: Saber Ambiental

Ambiente & Sociedade

ISSN: 1414-753X

[email protected]

Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Ambiente e Sociedade

Brasil

BOEIRA, SÉRGIO LUÍS

Reseña de "Saber Ambiental" de Enrique Leff

Ambiente & Sociedade, vol. V, núm. 10, 2002, pp. 1-4

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade

Campinas, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31713416010

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RESENHAS/BOOK REVIEWS

SÉRGIO LUÍS BOEIRA*

Enrique Leff, doutor em Economia doDesenvolvimento pela Sorbonne, desde1986 coordena a Rede de FormaçãoAmbiental para a América Latina e oCaribe, do PNUMA (Programa das Na-ções Unidas para o Meio Ambiente). Leffleciona Ecologia Política e PolíticasAmbientais na UNAM (UniversidadeNacional Autônoma do México). Nestaobra, o autor apresenta 23 capítulos quetiveram origem em notas, exposições e es-critos elaborados nos últimos dez anos. Ostextos foram revisados e retrabalhados,sintetizados ou ampliados para compor umcaleidoscópio no qual, como ele mesmodiz, �o conceito de ambiente adquire no-vas luzes e matizes, no qual os reflexos decada tema sobre os outros vão delinean-do novas vertentes e abrindo novos cam-pos de aplicação�.

No subtítulo do livro constam os con-ceitos de sustentabilidade, racionalidade,complexidade e poder e, em quase todosos textos retrabalhados, estes termos rea-parecem. Leff discute temas comoglobalização, ambiente e desenvolvimen-to, democracia ambiental, ecologia pro-dutiva, ética ambiental, direitos culturais,modernidade e pós-modernidade, socio-logia do conhecimento e racionalidadeambiental, psicanálise, interdisciplina-ridade, educação ambiental, demografia,qualidade de vida, desenvolvimento e,

especialmente, a formação do �saberambiental�.

A variedade temática entra em cho-que com a complexidade que lhe é ine-rente e o formato de uma coletânea deensaios, por mais que estes tenham sidoretrabalhados como capítulos complemen-tares entre si, impede o autor de dar umtratamento analítico adequado amacroconceitos como �paradigma� e�globalização�. Apesar desta circunstân-cia � e também do fato de que as tesescentrais de Leff aparecem de forma umtanto quanto redundante em cada capí-tulo �, a capacidade de síntese, a perspi-cácia e a experiência internacional do au-tor permitem compensar a redundância,em vários momentos, com passagens deforte densidade teórica.

Leff define o ambiente como uma �vi-são das relações complexas e sinérgicasgerada pela articulação dos processos deordem física, biológica, termodinâmica,econômica, política e cultural�. Este con-ceito ressignifica o sentido do habitat comosuporte ecológico e do habitar como for-ma de inscrição da cultura no espaço ge-ográfico. A partir deste ponto de vista, oautor toma uma posição frontalmentecontrária ao �fato urbano�, por considerá-lo insustentável. A cidade, diz Leff, con-verteu-se, pelo capital, em lugar onde seaglomera a produção, se congestiona oconsumo, se amontoa a população e sedegrada a energia. Os processos urbanosse alimentam da superexploração dos re-cursos naturais, da desestruturação do en-torno ecológico, do dessecamento dos len-çóis freáticos, da sucção dos recursoshídricos, da saturação do ar e da acumu-lação de lixo. O autor vê na urbanizaçãouma expressão clara da acumulação decapital e considera a globalização da eco-

Saber Ambiental.Enrique Leff.Petrópolis, Vozes, 343 p., 2001.

* Doutor em Ciências Humanas pela UFSC e professorde ecologia política na UNIVALI.

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nomia a maior evidência do contra-sen-so da ideologia do progresso. Passou-se deum processo de geração de estilos de vidapara um outro, de acumulação deirracionalidades (tráfico, violência, inse-gurança). A urbanização como via inelu-tável do desenvolvimento humano é ques-tionada pela crise ambiental, que discu-te a natureza do fenômeno urbano, seusignificado, suas funções e suas condiçõesde sustentabilidade. Este é um dosposicionamentos mais enfáticos do autor.Ele considera a cidade a entidade maisresistente à reconstrução e relocalização.Tecnologias, indústrias, práticas agríco-las se renovam enquanto a cidade torna-se mais firmemente entrópica, como sin-toma das �deseconomias de congestão�.Neste sentido, ainda que se concorde emgrande medida com o autor, cabe questi-onar a ausência na sua obra de umatemática inerente ao processo entrópicoda urbanização, mas com um sinal inver-tido, de neguentropia: as novas tecno-logias de comunicação, com sua revolu-ção digital. Não seria a internet uma fer-ramenta de desconcentração das cidadese portanto de sua renovação? De formamais ampla, se empresas e tecnologias sãoconvertidas pelos critérios da ecologiapolítica, não haveria neste processo umaconseqüente renovação também das ci-dades? Com efeito, por mais terríveis quesejam os casos que lembram a cidade deCubatão (SP), como os de anencefalia, éplausível compará-los criticamente comos projetos que fizeram de Curitiba umacidade-referência no mundo.

Nos textos de Leff, o confronto entreduas racionalidades, a econômica outecnológica, por um lado, e a ambiental,por outro, assumem uma espécie de po-der cognitivo condicionante da dinâmi-

ca global, com repercussões nas instânci-as nacionais e infranacionais. A primeiracaracteriza-se por sua capacidade de des-truição, de entropia, de degradação dosecossistemas e da maioria da população,enquanto a segunda caracteriza-se por suacomplexidade, por suas inter-relaçõessistêmicas, científicas, econômicas, soci-ais e políticas. Por mais que o autor mos-tre consciência da complexidade da rea-lidade, que não se deixa apreender por�lógicas abstratas�, o confronto estabele-cido entre as duas racionalidades ganhaum contorno um tanto dualista, e talvezaté reducionista. Leff argumenta, sob aperspectiva ambiental do desenvolvimen-to sustentável, que as contradições entrea lógica do capital, os processos ecológi-cos e os sistemas vivos �não resultam daoposição de duas lógicas abstratas; suasolução não consiste em subsumir o com-portamento econômico na lógica do vivoou em internalizar � como um conjuntode normas � as condições de susten-tabilidade ecológica na dinâmica do ca-pital�. Afirma que as contradições entreracionalidade ecológica e a racionalidadecapitalista se dão por meio de um con-fronto de diferentes valores e potenciais,arraigados em esferas institucionais e emparadigmas de conhecimento, e por meiode processos de legitimação com que sedefrontam diferentes classes, grupos eatores sociais. A racionalidade ambiental,segundo ele, não é a expressão de umalógica, mas o efeito de um conjunto deinteresses e de práticas sociais que arti-culam ordens materiais diversas �que dãosentido e organizam processos sociais atra-vés de certas regras, meios e fins social-mente construídos�. A racionalidade�ambiental� é, afinal, apresentada como�social�. Portanto, não seria o caso de fa-

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lar- se de uma racionalidade �socio-ambiental�? Para Leff, a categoria�racionalidade ambiental� vai além dis-so e é construída mediante a �articula-ção de quatro esferas de racionalidade�(que são analisadas no capítulo 9): subs-tantiva, teórica, instrumental e cultural.Este processo de articulação de esferas deracionalidade vai legitimando a tomadade decisões, dando funcionalidade àracionalidade ambiental. Desta forma,conclui o autor, nas práticas de apropria-ção e transformação da natureza se con-frontam e amalgamam diferentesracionalidades: a do tipo capitalista deuso dos recursos; a racionalidade ecoló-gica das práticas produtivas e a dos esti-los étnicos de uso da natureza. Para ele,a desconstrução da racionalidade capi-talista requer a construção de outraracionalidade social. É a partir deste lu-gar de externalidade e marginalidade quelhe atribui a racionalidade econômicaque o paradigma ambiental projeta seusjuízos éticos, seus valores culturais e seuspotenciais produtivos sobre os efeitos daprodutividade e do cálculo econômicoguiado pelo �sinal único do lucro�.

É na construção da racionalidadeambiental desconstrutora da raciona-lidade capitalista que se forma o �saberambiental�. Este pressupõe a integraçãointer e trans-disciplinar do conhecimen-to, para explicar o comportamento de sis-temas socioambientais complexos e, tam-bém, problematizar o conhecimento frag-mentado em disciplinas e a administra-ção setorial do desenvolvimento. Tudoisto para construir um campo de conhe-cimentos teóricos e práticos orientado paraa rearticulação das relações sociedade-natureza. O saber ambiental, na visão deLeff, excede as �ciências ambientais�,

constituídas como um conjunto de espe-cializações surgidas da incorporação dosenfoques ecológicos às disciplinas tradi-cionais (antropologia ecológica, ecologiaurbana, engenharia ambiental, etc). Osaber ambiental abre-se para o terreno dosvalores éticos, dos conhecimentos práti-cos e dos saberes tradicionais. Emerge doespaço de exclusão gerado no desenvol-vimento das ciências, centradas em seusobjetos de conhecimento, e que produz odesconhecimento de processos complexosque escapam à explicação dessas disci-plinas. Exemplo disso, aponta o autor, é ocampo de externalidades no qual a eco-nomia situa os processos naturais e cul-turais, inclusive a desigual distribuiçãode renda. Em síntese, o saber ambientalé concebido como um processo em cons-trução, complexo, por envolver aspectosinstitucionais tanto de nível acadêmico� contrariando os �paradigmas normais�do conhecimento � quanto de nívelsociopolítico, por meio de movimentossociais e de práticas tradicionais de ma-nejo dos recursos naturais.

Na obra não fica clara a distinção en-tre �racionalidade ambiental� e �saberambiental�. Também me parecem um pou-co ambíguas as abordagens da teoria ge-ral dos sistemas (Bertalanffy) e doparadigma da complexidade (Morin). Leffusa com freqüência os conceitos deparadigma e de sistema, mas não entrano debate conceitual propriamente dito,não distingue sua definição destes con-ceitos da que fazem outros autores. Apa-rentemente, tem uma compreensão uni-lateral da teoria geral dos sistemas, limi-tada à interpretação funcionalista desta.Quanto ao conceito de paradigma, ficasubjacente uma compreensão a partir daobra de Thomas Kuhn � Structure of

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Scientific Revolutions. As críticas a Kuhn,como este reconheceu, foram unânimesem acentuar o grande número de dife-rentes sentidos em que o conceito foi usa-do na sua obra. Uma abordagem e umadefinição mais consistentes do que seja�paradigma� encontram-se no quarto vo-lume da série La Méthode, de EdgarMorin. Leff tende a diluir a força do con-ceito, aplicando-o inclusive de formacontrária aos sentidos oferecidos porKuhn. No lugar de um paradigma emer-gente, complexo, incerto e nunca com-pleto, que se contrapõe a um paradigmadisjuntor-redutor (conforme a terminolo-gia de Morin), Leff propõe o conceito desaber ambiental.

Outro aspecto a ser observado na obrade Leff é sua inclinação para condenar,por princípio, a modernidade e oliberalismo.Ora, para um enfoque críti-co, a modernidade e o liberalismo con-têm, em si mesmos, uma complexa varie-dade de enfoques, tanto entre seus de-fensores no plano teórico (vejam-se, porexemplo, Liberalismo e Sociedade Moder-na, de Richard Bellamy, ou Os Filósofosdo Capitalismo, de Andrea Gabor) quan-to nas práticas de mercado. Quanto a esteúltimo, faltam às pesquisas ecopolíticasdistinguir os mercados sustentáveis dosnão sustentáveis, e atentar para o fato deque é crescente a disputa por nichos demercado sob os critérios da qualidade eda responsabilidade socioambiental dasempresas. Há (com crescente evidência)mais de uma lógica capitalista em jogo e-, também, múltiplas dimensões daglobalização. As estratégias empresariaissão cada dia mais complexas, ainda queregidas por uma razão instrumental e pelabusca do lucro, e por isso requerem tam-bém uma análise complexa. Em grande

medida, o próprio saber ambiental seriaimpossível caso a modernidade e aglobalização fossem tão-somente proces-sos homogeneizadores e unidimensionais.Como conclusão, pode-se dizer que opensamento do autor, premido pelo for-mato do livro, permite compreender a com-plexidade do saber ambiental, mas não tan-to a da relação entre este e a modernidade,na medida em que a complexidade desta nãofoi examinada em profundidade.