37
SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DA ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA A proposta deste painel é fomentar o debate sobre os conhecimentos e saberes envolvidos no exercício da docência nos anos iniciais da escolarização básica, investigados a partir de pressupostos da Didática. A área da Didática, ao ter por foco o ensino, exige sua apreensão a partir de diferentes âmbitos e dimensões, considerando-se uma interconexão de temas e níveis de aprofundamento, que vão da sala de aula até as políticas educacionais. Nesse sentido, são apresentados três estudos que se debruçam sobre essa questão por meio de diferentes abordagens, contemplando desde a formação profissional em cursos de Pedagogia, passando pelo confronto entre saberes teóricos e práticos em curso de formação inicial em serviço, até chegar à análise de práticas de professores efetivadas na sala de aula. Todos os textos referem-se a pesquisas de campo, cujos dados foram coletados por meio de entrevistas e observação. O primeiro trabalho, “Relações de controle ao ensinar a ensinar em âmbitos instrucionais públicos”, analisa as práticas pedagógicas de duas professoras de Didática em instituições públicas de ensino, consideradas como de boa qualidade para a formação da consciência profissional docente. A segunda pesquisa, intitulada “Percepção de professores sobre a relação entre teoria e prática no exercício da profissão”, investiga as aprendizagens desenvolvidas nos processos de socialização em curso de formação superior em serviço no PEC Formação Universitária Municípios (2003-2004), modalidade semipresencial. Por fim, o estudo “Revisitando práticas de professoras alfabetizadoras e implicações para os anos iniciais do ensino fundamental” analisa as práticas pedagógicas de professoras alfabetizadoras consideradas mais competentes e menos competentes, evidenciando elementos presentes nas ações de ensinar e conhecimentos relacionados a tais ações. Palavras-Chave: Saberes Docentes, Formação De Professores. , Práticas Pedagógicas XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 4207 ISSN 2177-336X

SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E PRÁTICA

PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DA

ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA

A proposta deste painel é fomentar o debate sobre os conhecimentos e saberes

envolvidos no exercício da docência nos anos iniciais da escolarização básica,

investigados a partir de pressupostos da Didática. A área da Didática, ao ter por foco o

ensino, exige sua apreensão a partir de diferentes âmbitos e dimensões, considerando-se

uma interconexão de temas e níveis de aprofundamento, que vão da sala de aula até as

políticas educacionais. Nesse sentido, são apresentados três estudos que se debruçam

sobre essa questão por meio de diferentes abordagens, contemplando desde a formação

profissional em cursos de Pedagogia, passando pelo confronto entre saberes teóricos e

práticos em curso de formação inicial em serviço, até chegar à análise de práticas de

professores efetivadas na sala de aula. Todos os textos referem-se a pesquisas de campo,

cujos dados foram coletados por meio de entrevistas e observação. O primeiro trabalho,

“Relações de controle ao ensinar a ensinar em âmbitos instrucionais públicos”, analisa

as práticas pedagógicas de duas professoras de Didática em instituições públicas de

ensino, consideradas como de boa qualidade para a formação da consciência

profissional docente. A segunda pesquisa, intitulada “Percepção de professores sobre a

relação entre teoria e prática no exercício da profissão”, investiga as aprendizagens

desenvolvidas nos processos de socialização em curso de formação superior em serviço

no PEC – Formação Universitária Municípios (2003-2004), modalidade semipresencial.

Por fim, o estudo “Revisitando práticas de professoras alfabetizadoras e implicações

para os anos iniciais do ensino fundamental” analisa as práticas pedagógicas de

professoras alfabetizadoras consideradas mais competentes e menos competentes,

evidenciando elementos presentes nas ações de ensinar e conhecimentos relacionados a

tais ações.

Palavras-Chave: Saberes Docentes, Formação De Professores. , Práticas Pedagógicas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4207ISSN 2177-336X

Page 2: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

2

REVISITANDO PRÁTICAS DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS E

IMPLICAÇÕES PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Maria Regina Guarnieri

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita

Resumo

Esta comunicação analisa as práticas pedagógicas de professoras alfabetizadoras no que

se refere às tarefas realizadas em sala de aula, enquanto elementos nucleares da ação de

ensinar. Busca-se caracterizar, revisitando dados de pesquisa de abordagem qualitativa,

realizada na década de 1990, as tarefas observadas e analisadas nas classes de

alfabetização: conteúdo transmitido, procedimentos de ensino, atividades realizadas

pelos alunos, relação professor-aluno; recursos utilizados e avaliação. Os dados foram

coletados com quatro professoras alfabetizadoras consideradas mais competentes e

menos competentes e que atuavam à época, em turmas de 1ª série do Ciclo Básico de

Alfabetização, em escolas estaduais do ensino fundamental. A retomada de tais dados

possibilita explorar algumas implicações para o exercício da docência considerando-se

as ações mais recentes da política educacional direcionadas, principalmente, à

alfabetização. Nesta comunicação, os apoios teóricos foram pautados nos estudos

relacionados à área de Didática, conforme Gimeno Sacristán, Marin. O estudo

evidenciou nítida diferença na ação de ensinar, ao se contrastar as tarefas realizadas por

ambos os grupos de professoras e alguns pontos de convergência revelando que, a

atuação das professoras mais competentes e menos competentes não pode ser

considerada totalmente distinta. Os elementos da ação de ensinar precisam estar

articulados e isso depende do domínio e conhecimento que se tem sobre os

componentes implicados na tarefa de ensinar. Evidencia-se que, elementos das tarefas

do professor, analisados nesse estudo, vêm se perdendo com sérios prejuízos à

aprendizagem dos alunos ao se constatar dificuldades das professoras em planejar aulas,

definir as capacidades a serem abordadas e consolidadas em cada ano escolar, perda da

noção de terminalidade com a implantação dos ciclos de ensino, concepção ampliada de

alfabetização, aumento das exigências sobrecarregam professores e provocam

incertezas, despreparo para enfrentar o trabalho nos anos iniciais de escolarização.

Palavras-chave: Práticas docentes. Tarefas do professor. Anos Iniciais do Ensino

Fundamental

Introdução

Este texto revisita dados de pesquisa realizada na década de 1990, sobre as

práticas pedagógicas de professoras alfabetizadoras consideradas mais competentes e

menos competentes no trabalho de ensinar objetivando, de um lado, analisar as tarefas

realizadas em sala de aula, enquanto elementos nucleares da prática docente

(GIMENO,1998) que, ao serem desenvolvidas articuladamente, revelam competência

para ensinar. Por outro lado, pretende-se explorar com a retomada de tais dados algumas

implicações para o exercício da docência considerando-se as ações mais recentes da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4208ISSN 2177-336X

Page 3: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

3

política educacional direcionadas, principalmente, à alfabetização e os desafios

enfrentados por professores em sua atuação nos anos iniciais da escola básica.

A intenção de revisitar pesquisa sobre as práticas diferenciadas de professoras

alfabetizadoras é relevante ao se considerar a necessidade de repor alguns

conhecimentos sobre o fazer de professoras que desenvolvem bem o seu trabalho,

contribuindo com informações pertinentes sobre o ensino, que podem subsidiar

discussões e análises no âmbito da formação de futuros profissionais. No que se refere

às práticas mal sucedidas, também é importante, ao se pensar na questão da qualidade

de ensino, que em parte, é decorrente do tipo de trabalho realizado pelo professor em

sala de aula.

Nessa direção, inicialmente são apresentados os apoios teóricos referentes às

tarefas que estruturam a ação de ensinar relacionando-as à competência docente. Na

sequência são retomados os resultados do estudo sobre as práticas de professoras

alfabetizadoras bem e mal sucedidas destacando contrastivamente, as tarefas

desenvolvidas pelas docentes. Em seguida são apresentadas algumas reflexões sobre os

elementos constitutivos da tarefa de ensinar sinalizando o que vêm se perdendo, ao se

considerar o que apontam alguns estudos mais recentes que relacionam ações da política

educacional, com as dificuldades enfrentadas pelos professores para realizar seu

trabalho. Nas considerações finais são postos alguns desafios no âmbito da atuação e

formação docente.

Prática docente: as tarefas do professor para ensinar

Tratar do trabalho dos professores exige cada vez mais estudar esse profissional

tão importante na vida das escolas e dos alunos. Conforme Marin (2012), precisamos ter

uma visão ampla de quem é o professor e de seu trabalho que foi se modificando ao

longo das últimas décadas passando a ser visto e relacionado a outros aspectos não

propriamente no que se refere ao ensino, devido a outros encargos, interferências, das

políticas educacionais, da sociedade. Falar da prática docente, da ação de ensinar, exige

aprofundamento e quando se investiga tal trabalho a partir da escola permite ampliar

nossa compreensão sobre o professor e seu trabalho.

Pensando no professor o que se destaca incide nas atividades que faz na sala de

aula, explicar o conteúdo, propor atividades, chamar a atenção dos alunos, corrigir

tarefas, atender individualmente os alunos, fazer perguntas, dar exemplos, todas são

atividades implicadas na ação de ensinar para que os alunos aprendam, que é a função

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4209ISSN 2177-336X

Page 4: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

4

central do professor. Mas o trabalho docente é mais do que isso, pois o momento da

ação em sala de aula é decorrente de muitas outras tarefas que o professor desenvolve

antes de entrar na sala de aula, durante e depois de dar a aula.

Para tratar dessas tarefas diretamente relacionadas ao ensino em sala de aula o

estudo de Gimeno Sacristán (1998) auxilia nessa compreensão. No âmbito didático, o

trabalho do professor se especifica em diversas tarefas e são entendidas “como

elementos nucleares estruturadores do comportamento profissional dos docentes dentro

dos âmbitos escolares” (GIMENO SACRISTÁN,1998, p.233). As tarefas enquanto

esquemas práticos possibilitam ao professor organizar, conduzir e controlar a ação em

sala de aula com mais segurança e desenvoltura para desencadear aprendizagem nos

alunos.

As tarefas que os professores executam são diversas envolvendo as mais

diretamente relacionadas ao ensino e àquelas que fazem parte das exigências da escola,

das condições de trabalho do professor, que influenciam o desenvolvimento das

práticas, assim como o contexto político, econômico, social, políticas públicas

direcionadas à educação. Destaca-se aqui, as atividades ou tarefas próprias ao ensino

em sala de aula que, conforme Gimeno Sacristán (1998, p.240), compreendem:

preparação prévia ao desenvolvimento do ensino (planejamento da aula,elaboração e

confecção de materiais, repassar o livro-texto); o ensino aos alunos (explicações orais,

demonstrações, sínteses; diálogos com os alunos e discussão sobre o conteúdo);

atividades orientadoras do trabalho dos alunos (dar instruções de como realizar

atividades, exercícios, usar materiais, instrumentos; distribuir tarefas; organizar e

orientar grupos de trabalho; organizar o espaço, dispor os materiais, circular entre as

carteiras ); as atividades extraescolares (passeios; excursões,visitas, organização de

teatro,músicas,oficinas; preparar apresentações de cinema, vídeo, audições) e as

atividades de avaliação (corrigir os cadernos dos alunos; corrigir as atividades na aula e

dar feedback; avaliação contínua; elaborar e corrigir provas, exercícios, atitude

constante de avaliação do desempenho; registrar notas, conceitos ).

Tendo em vista os propósitos deste texto e a fertilidade que, a análise das tarefas

pode trazer para a compreensão do trabalho docente, busca-se caracterizar algumas

tarefas a partir da retomada de dados de pesquisa qualitativa que investigou a questão da

competência para ensinar fundamentando-se em estudos sobre o ensino. A pesquisa foi

realizada por meio da observação das práticas de quatro professoras alfabetizadoras

consideradas mais competentes e menos competentes na atividade de ensinar e, que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4210ISSN 2177-336X

Page 5: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

5

atuavam à época, em turmas de 1ª série do Ciclo Básico de Alfabetização, em escolas

estaduais do ensino fundamental (GUARNIERI,1990).

Foi possível averiguar, neste estudo que, o entendimento da função de ensinar

implica a execução intencional e deliberada de tarefas pelo professor para que, o aluno

se aproprie de elementos da cultura. A competência para ensinar é entendida não em

termos de sucesso ou julgamento dos professores em relação aos resultados obtidos com

os alunos, embora isso possa ser considerado, mas reside, na percepção do processo de

ensino, na compreensão da dinâmica que envolve seus diferentes elementos, na

conversão do conteúdo em linguagem apropriada e em atividades que facilitem a sua

apreensão, na organização e estruturação de condições para o aluno aprender. É o saber

e o saber fazer do professor articulados.

Vale ressaltar, que há limites, interferências advindas das políticas educacionais,

das próprias escolas, para que o professor realize seu trabalho com competência, e mais

ainda, não existem polos opostos com relação à competência, ou seja, não se pode

afirmar que determinado professor conduz todo o seu trabalho de forma incompetente,

assim como, não há quem consiga desenvolvê-lo competentemente, em todos os seus

aspectos. O que existe é uma gradação da competência, isto é, há professores que

conseguem conduzir melhor do que outros o seu trabalho em sala de aula. Conforme

explicita Gimeno Sacristán, (1998), ao analisar a competência profissional dos

professores entende que esta “se expressa melhor no como enfrenta as situações que

lhes são dadas” (p.244) indicando, portanto, que a competência do professor depende

das condições que transcorre seu fazer profissional.

Diante dessas considerações são apresentadas de maneira contrastiva algumas

tarefas pertinentes à atividade de ensinar realizadas pelas professoras consideradas mais

e menos competentes. Destacam-se principalmente, as tarefas relacionadas ao conteúdo

transmitido; aos procedimentos de ensino utilizados; recursos utilizados; tipos de

atividades realizadas pelos alunos para a aprendizagem; relação professor-aluno e

avaliação. Tais tarefas correspondem àquelas definidas por Gimeno Sacristán (1998)

como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades de

avaliação.

De maneira geral as professoras alfabetizadoras mais competentes revelaram que:

O conteúdo transmitido abrangia uma parcela maior de conhecimentos, à medida que

não se restringia às informações trazidas pelas cartilhas e livros didáticos. O conteúdo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4211ISSN 2177-336X

Page 6: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

6

sofria alterações tendo em vista a valorização e incorporação das experiências dos

alunos e acréscimos trazidos pelas professoras a partir de seu conhecimento, experiência

pessoal e profissional;

As atividades eram variadas requisitando dos alunos maior nível de elaboração mental

e a constante participação dos mesmos para a construção e execução dos exercícios;

Os procedimentos utilizados em classe para desenvolver os conteúdos eram variados;

as técnicas selecionadas valorizavam a participação dos alunos; uso de procedimentos

que enfatizavam a fala das professoras, como também, houve diversidade e alternância

na maneira de organizar a classe para as atividades (individual, pequenos grupos,

coletivamente)

O relacionamento que estabeleciam com os alunos era definido por regras de conduta

e valores tanto com relação à matéria, quanto às tarefas a desempenhar na escola, como

também, apresentavam técnicas para levar os alunos a vivenciarem em sala de aula tais

condutas e valores, proporcionando um clima agradável respeitoso e adequado para o

processo de ensino-aprendizagem. A concepção das professoras sobre os alunos era

positiva; não discriminavam as crianças, valorizavam o que sabiam.

A linguagem usada em classe era mais rica por apresentar equilíbrio entre a

redundância e variedade na terminologia utilizada para as informações, a linguagem do

universo cultural dos alunos era incorporada às atividades e sempre que possível os

erros eram controlados e os dados trazidos nas informações eram aperfeiçoados;

Os recursos utilizados em classe (livro didático, cartilhas, cartazes; lousa, giz) foram

mais variados apenas para uma das professoras desse grupo ao dispor de outras fontes

para organizar as atividades e usar meios que mobilizavam a classe toda. Os recursos

didáticos eram pobres diante do processo tecnológico e de produção na área, sendo que,

nem mesmo materiais tradicionais da área são incluídos para facilitar a aprendizagem

como, por exemplo, desenhos, jogos ou materiais para as operações matemáticas.

A avaliação dos alunos ao longo do processo era feita através de "feedback" constante

com o uso de procedimentos (circular entre as fileiras) que facilitavam perceber as

dificuldades dos alunos no momento da execução das atividades. A classe toda

participava da correção dos exercícios, sem distinção entre "bons e maus" alunos.

De maneira geral as professoras alfabetizadoras menos competentes revelaram

que:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4212ISSN 2177-336X

Page 7: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

7

A relação que estabeleciam com os conteúdos era de aceitação e repetição das

informações que constavam das cartilhas e livros didáticos. A matéria não era alterada

em função das experiências dos alunos, pois as professoras não aproveitavam as

manifestações da classe para enriquecer o conteúdo;

As atividades eram extraídas dos livros didáticos e cartilhas; a quantidade e variedade

das mesmas era reduzida; a qualidade dos exercícios era inferior à medida que

requisitava pouca elaboração mental por parte dos alunos;

Os procedimentos empregados pelas professoras menos competentes não eram

variados contribuindo para a manutenção de uma rotina de trabalho negativa e por

vezes, era frequente o aparecimento de comportamentos de indisciplina. Notou-se

também a quase ausência de procedimentos baseados na fala das professoras,

geralmente ambas recorriam ao "uso do silêncio";

A relação estabelecida com os alunos era permeada por ameaça, desrespeito e castigo,

tornando o clima de sala de aula desagradável e não adequado para a realização das

tarefas. A concepção de classe e de aluno era negativa;

A linguagem utilizada em classe seguia os mesmos padrões dos livros didáticos e

cartilhas, sem que houvesse alteração ou acréscimo de informações para enriquecer a

matéria;

Os recursos didáticos eram pobres, limitando-se ao uso de giz, lousa e cartilhas;

A avaliação dos alunos restringia-se à correção dos exercícios feitos em classe e das

tarefas executadas em casa. As professoras faziam distinção entre os alunos durante a

correção das atividades, não solicitavam a participação da classe toda para verificação

das tarefas.

A comparação entre as práticas mostrou nítida diferença entre o desempenho de

ambos os grupos de professoras e alguns pontos de convergência revelando que, a

atuação das professoras consideradas mais e menos competentes não pode ser

considerada totalmente distinta ao se constatar, por exemplo, falta de atividades nas

áreas de Estudos Sociais e Ciências, utilização de materiais pouco diversificados para o

ensino de Matemática, recursos didáticos limitados ao uso da lousa, giz, cartilhas e

livros didáticos e, recorrer ao uso de ameaças aos alunos para controlar as situações de

indisciplina durante a execução das atividades.

Entende-se, com base em tais resultados que, não basta a presença de um

determinado elemento de competência no trabalho do professor, pois se faz necessário

que outros elementos estejam presentes na situação de ensino, e mais do que isso,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4213ISSN 2177-336X

Page 8: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

8

devem estar consistentemente articulados entre si. Tal articulação depende do

conhecimento e domínio que se tem sobre as tarefas que são nucleares ao trabalho do

professor e isso varia de uma pessoa para outra, conforme os exemplos aqui

apresentados e das condições objetivas em que realiza suas ações.

Algumas implicações para a atuação docente nos anos iniciais do ensino

fundamental

A retomada dos resultados dessa pesquisa possibilita explorar algumas

implicações para o exercício da docência considerando-se as ações mais recentes da

política educacional direcionadas, principalmente, à alfabetização. É preciso ressaltar

que no início dos anos de 1990, o contexto de atuação das professoras alfabetizadoras

aqui analisadas, já estava submetido às mudanças decorrentes da implementação do

Ciclo Básico de Alfabetização que reuniu as duas séries iniciais alterando a estrutura

seriada da escola fundamental paulista. De acordo com o estudo de Marin,et.al (2009),

sobre os significados das séries escolares, essa ação política disseminou-se nas décadas

subsequentes com ampliação dos ciclos para todo o ensino fundamental trazendo sérias

consequências para a organização do trabalho escolar e das práticas das professoras que

atuam no início da escolarização. Os apontamentos que seguem extraídos dos resultados

obtidos pela pesquisa das autoras ilustram alguns problemas:

Perda da noção de terminalidade, característica do sistema seriado confundindo a noção

de continuidade com a repetição do conteúdo no ano seguinte.

Objetivo básico do conjunto das séries centrado no ler, escrever e contar, priorizando-se

os conteúdos de Português e Matemática em detrimento dos demais componentes

curriculares, que são obrigatórios, mas pouco trabalhados ou utilizados como pretexto

para alfabetizar.

Concepção de alfabetização ampliada ao estender para os anos seguintes do Ciclo I, a

responsabilidade pelo reinício desse processo provocando impedimentos para as

professoras das “séries seguintes” avançar os conteúdos escolares.

Simplificação do trabalho de alfabetizar pelas professoras com redução do nível de

exigência ao se aceitar como alfabetizado alunos com rudimentos de leitura e de escrita.

Outros estudos consultados, também analisam mudanças na política educacional,

decorrentes da implantação da Lei 11.274 de 6/02/2006 que, ampliou o Ensino

Fundamental para nove anos, com matrícula obrigatória das crianças a partir dos seis

anos de idade, visando assegurar o envolvimento mais precoce de crianças dos meios

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4214ISSN 2177-336X

Page 9: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

9

menos favorecidos, com a cultura escolar, com a língua escrita e seus usos, a fim de

contribuir para a redução do fracasso na alfabetização (BATISTA, 2005). Assim sendo,

as escolas novamente sofreram alterações ao organizarem o Ciclo I que compreende do

1º ao 5º ano escolar, sendo os 3 primeiros anos considerados como Ciclo de

Alfabetização.

Mais recentemente, outra ação política direcionada à alfabetização localiza-se na

Portaria N.867 de 4/7/2012- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa que

reafirma o compromisso de alfabetizar as crianças até os 8 anos de idade – ou seja, até o

3º ano do ciclo as crianças devem estar plenamente alfabetizadas, em Língua

Portuguesa ( e Matemática) o que implica, consolidar as habilidades básicas de leitura e

escrita, ler e produzir textos com autonomia, adquirir conhecimentos para ampliar o

universo cultural nas diferentes áreas do conhecimento, fazer uso da leitura e escrita nas

diversas situações comunicativas envolvidas na prática social, textos orais e escritos que

circulam na sociedade. Compete à escola garantir a efetividade dessa aprendizagem às

crianças.

Alguns resultados são destacados das pesquisas consultadas para apontar as

dificuldades das professoras dos anos iniciais na realização de seu trabalho, com as

constantes alterações provocadas pelas ações da política educacional, (BARRETO,

SOUSA,2005; GUARNIERI, VIEIRA,2010; MARIN,2010,2012; GIOVANNI,

GUARNIERI,2010 e CAMPOS,2015).

Dificuldade para definir as capacidades a serem abordadas e consolidadas em cada ano

escolar, estabelecendo pontos de partida e de chegada na organização do trabalho

docente.

Crença de que a aprendizagem da leitura e escrita ocorrerá com o passar do tempo o que

implica uma ação docente mais tolerante.

Concepções e práticas de alfabetização desvinculadas da proposta de construção do

conhecimento pelo aluno predominando a ideia de imaturidade para aprender.

Adequação do espaço físico, do tempo, do material; das formas de organização do

trabalho pedagógico; reorganização do currículo, do ensino e da atuação docente.

Falta de clareza nos objetivos que os alunos devem alcançar em cada ano do Ciclo de

Alfabetização; nas capacidades a serem desenvolvidas na alfabetização e de como

sistematizá-las em atividades com objetivos claros.

Professoras apresentam dificuldades para planejar suas aulas na perspectiva

construtivista; estabelecer uma sequência clara de trabalho com a alfabetização; deixam

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4215ISSN 2177-336X

Page 10: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

10

de corrigir as atividades dos alunos; não oferecem tarefas extraclasse; fazem pouco uso

da lousa; trazem atividades prontas aos alunos que devem apenas completar ou

preencher.

Professoras do 3º ano do Ciclo de Alfabetização se sentem mais cobradas, embora os

anos anteriores também sejam responsáveis pela alfabetização das crianças.

Contradições entre discurso e postura pedagógica no que tange à necessidade de

respeitar o tempo do aluno para assimilar os conhecimentos e culpá-lo pelo fracasso na

alfabetização.

Desacertos provocados por ações políticas de secretarias de educação estaduais e

municipais que definem para todos os professores as ideias e concepções pedagógicas

obrigando-os a segui-las até mesmo com materiais didáticos prontos (comprados de

instituições privadas) para professores e alunos.

Os dados trazidos pelos estudos reforçam o que Vieira e Guarnieri (2010)

constataram ao analisarem o desempenho de crianças que finalizavam o ciclo de

alfabetização, ou seja, os elementos do processo de ensino e muitos saberes da prática

docente vêm se perdendo, com sérios prejuízos à aprendizagem dos alunos. A

ampliação do tempo de escolarização com a adoção dos ciclos parece que não vem

contribuindo significativamente para garantir a todos o acesso à leitura e à escrita e

diminuir o fracasso dos alunos na alfabetização.

Vale ressaltar, que as ações políticas de educação buscam melhorar a qualidade

do ensino, mas conforme analisa Marin (2010), a profusão de leis, decretos e

regulamentações alteram significativamente a vida das escolas e o desempenho da

função dos professores, provocando incertezas, dúvidas ao sobrecarregarem os

professores com inúmeras exigências, conduzindo-os a uma situação de

desconhecimento sobre o seu trabalho com os alunos nas escolas.

Algumas Considerações

Esse texto dedicou-se a analisar as práticas pedagógicas de professoras

alfabetizadoras no que se refere às tarefas realizadas em sala de aula, enquanto

elementos nucleares da ação de ensinar, revisitando dados de pesquisa sobre professoras

consideradas mais e menos competentes em sua atuação. A análise das diferentes tarefas

relacionadas à atividade de ensinar, conforme definidas por Gimeno Sacristán (1998) e

caracterizadas a partir do estudo mencionado reforçam que, a competência para ensinar,

reside no conhecimento e articulação dos elementos implicados nas tarefas próprias ao

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4216ISSN 2177-336X

Page 11: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

11

ensino, sem desconsiderar as influências e interferências da escola, do sistema escolar,

político e social que incidem e alteram o fazer do professor. Nessa direção, buscou-se

ampliar a compreensão sobre o exercício da docência apontando algumas implicações

para o trabalho das professoras alfabetizadoras com a organização da escola em ciclos.

As discussões feitas evidenciam que elementos da tarefa de ensinar estão se

perdendo, em parte, pelas exigências da política educacional que têm provocado

alterações no pensar e agir das professoras, que constantemente, se esforçam na

tentativa de reconstruir o seu fazer. No entanto, o desconhecimento das tarefas que

realizam os professores na sala de aula ainda se faz presente no âmbito dos cursos de

formação inicial. Nessa direção, se faz necessário investir no aprofundamento desse

conhecimento tão relevante, desde a formação para que se assegure o papel central da

escola e dos professores que reside no compromisso deliberado e intencional com a

aprendizagem de todos os alunos para que se apropriem de parcelas da cultura.

Referências

BRASIL. Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30,

32e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

______. Portaria nº 867, de 04 de julho de 2012. Institui o Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais.

BARRETO, E. S. de S.; SOUSA, S. Z. Reflexões sobre as políticas de ciclos no

Brasil.Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 126, p. 659-688, set./dez. 2005.

BATISTA, A. A. G. et al. Organização da alfabetização no ensino fundamental de

9anos. Belo Horizonte: Ceale/FAE/UFMG, 2005. (Coleção Instrumentos da

Alfabetização; 1).

CAMPOS, F. R. V. O terceiro ano do ciclo de alfabetização no Ensino Fundamental

de nove anos: o que dizem alunos e professores. Dissertação (Mestrado) – Faculdade

de Ciências e Letras de Araraquara Universidade Estadual Paulista, 2015.

GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo na ação: a Arquitetura da Prática. In: GIMENO

SACRISTÁN, J. O Currículo uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed,

1998. p. 201-280.

GIOVANNI,L.M.,GUARNIERI,M.R. A educabilidade das crianças na escola básica:

desafios para a atuação e formação de professores dos anos iniciais do ensino

fundamental. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino -

UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005528

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4217ISSN 2177-336X

Page 12: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

12

GUARNIERI, M. R. O trabalho docente nas séries iniciais de 1o. grau: elementos

para a compreensão da competência no cotidiano escolar. Dissertação (Mestrado em

Educação), Universidade Federal de São Carlos, 1990.

GUARNIERI, M.R., E VIEIRA, L.C. Alfabetização no ensino fundamental de nove

anos: avaliação discente e suas implicações para as práticas pedagógicas. Práxis

Educacional Vitória da Conquista v. 6, n. 8 p. 55-71 jan. /jun. 2010.

MARIN, A.J. et.al. Significado das séries escolares e a implementação de ciclos na

escola fundamental. In: MARIN, A.J.; GIOVANNI, L.M., GUARNIERI, M.R.

(ORGS.) Pesquisa com professores no início da escolarização. Araraquara, SP:

Junqueira &Marin editores; São Paulo, SP: FAPESP,2009, p.127-151.

MARIN, A. J. O trabalho docente: uma “caixa-preta” para os professores. In:

DALBEN, A. I. L. de F. et al. (Org.). Convergências e tensões no campo da

Formação e do trabalho docente: didática, formação de professores, trabalho

Docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 150-165.

MARIN, A.J. Ações políticas educacionais e impactos sobre o trabalho docente

Perspectiva, Florianópolis, v. 30, n. 2, 657-681, maio/ago. 2012

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4218ISSN 2177-336X

Page 13: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

13

PERCEPÇÃO DE PROFESSORES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E

PRÁTICA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna

Universidade Federal de São Paulo

Isabel Melero Bello

Universidade Federal de São Paulo

Resumo

Nesta comunicação apresenta-se resultado de pesquisa com professoras em processo de

formação superior em serviço no PEC Formação Universitária Municípios (2003-2004),

modalidade semipresencial. Investigam-se as aprendizagens desenvolvidas nos

processos de socialização estabelecidos, tendo como suporte autores como Bourdoncle,

Chartier, Tardif e Raymond. O foco é a percepção dos professores sobre a relação

estabelecida entre saberes teóricos e práticos em seu exercício profissional. Os dados

foram coletados em um dos polos do Programa localizado em uma escola pública

estadual da Grande São Paulo por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com

três alunas-professoras que atuavam à época no ensino fundamental I e registros em

caderno de campo. Parte-se de conceito ampliado de formação, abarcando desde o

tempo em que o futuro professor foi aluno na educação básica, os momentos de

formação inicial e continuada, bem como a socialização profissional. Considera-se que

os estudos da Didática são fundamentais para a compreensão da relação entre teoria e

prática no exercício docente, por se constituir em área de conhecimento que, ao ter por

foco o ensino nas várias etapas da escolarização, o compreende como prática social,

inserido em dinâmicas escolares, sociais e políticas. Com as análises, a relevância

atribuída pelos docentes aos saberes da prática em sala de aula se destacaram, mas

também os saberes teóricos foram valorizados. Contudo, uma tensão entre saber prático

e saber teórico se fez presente em vários momentos da formação. A socialização

profissional promovida pelo programa foi destacada pelas alunas-professoras como

importante para a formação, pois propiciou momentos de troca de experiências e as

auxiliou a perceber que pertencem a um grupo, contribuindo no seu processo de

profissionalização. Essa percepção, assim como a obtenção de um diploma de nível

superior, aumentou o sentimento de segurança das professoras em relação ao seu

próprio trabalho.

Palavras-chave: Formação em serviço. Relação teoria-prática. Profissionalização do

magistério.

Introdução

O objetivo desta comunicação é debater a relação entre teoria e prática no

exercício da docência, tendo por foco a percepção de professores sobre tal relação,

explicitadas em momento de socialização profissional, ao passarem por formação inicial

em serviço.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4219ISSN 2177-336X

Page 14: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

14

Para tanto, este trabalho se baseou em dados obtidos em pesquisa realizada no

PEC Formação Universitária Municípios (2003-2004), programa oferecido aos

professores da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental da rede pública

de ensino da cidade de São Paulo a fim de elevar a titulação daqueles que não possuíam

curso superior na área, ou seja, Pedagogia ou Normal Superior.

Os dados apresentados, que fazem parte de pesquisa mais ampla, foram

levantados em campo durante o ano de 2004, em um dos polos do Programa instalado

em uma escola pública estadual localizada na Grande São Paulo. Todas as atividades

oferecidas foram acompanhadas e registros de campo foram feitos. Além disso, esse

período de imersão permitiu uma aproximação com os atores envolvidos, favorecendo

uma maior compreensão da dinâmica por eles instaurada. De forma complementar e

com o objetivo de aprofundar as análises sobre o funcionamento e relações que se

estabeleceram entre as pessoas envolvidas (presenciais e virtuais), entrevistas do tipo

semiestrutura foram realizadas com três alunas-professoras do polo.

As professoras que participaram das entrevistas possuíam trajetórias de vida e

profissional diversas. À época, Rosa1 tinha 56 anos e 14 anos de magistério, tendo

iniciado sua carreira após a criação dos filhos; Helga, com 55 anos, contava com dez

anos de experiência no magistério, carreira que iniciou após desistir de seu trabalho

como bancária, depois de vinte anos; e Rosa, com 22 anos e seis meses de magistério,

não possuía experiência profissional anterior.

O grupo observado era composto exclusivamente por mulheres (ao todo, 36),

todas pertencentes à rede municipal de ensino de São Paulo. A idade do grupo variou

entre 22 e 55 anos. Percebe-se, assim, que a questão de gênero foi uma das

características marcantes do grupo acompanhado, ratificando estudos anteriores que

tratam da feminilização do magistério (APPLE, 1995; HYPOLITO, 1991), sobretudo

nos anos iniciais e educação infantil. Também se destaca outra característica: ainda que

voltado para a formação inicial o Programa reuniu pessoas pertencentes a diversas

faixas etárias.

Vale ressaltar que esse modelo se inspirou em modelo anteriormente oferecido

pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP) durante os anos de 2001-

2002 com o propósito de atender ao disposto no artigo 62 da Lei n. 9.394/96. Para sua

realização, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, em São Paulo

(UNDIME), como representante dos dirigentes paulistas, procurou o apoio da SEE/SP

para oferecer aos municípios a mesma proposta oferecida em 2001-2002. Viabilizou-se,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4220ISSN 2177-336X

Page 15: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

15

com isso, o PEC Formação Universitária Municípios - Programa Especial de Formação

de Professores de Educação Infantil e de 1 a.

a 4a. séries do Ensino Fundamental.

O PEC Municípios foi desenvolvido mediante convênio celebrado entre a

UNDIME e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), com apoio da

SEE/SP, juntamente com a Universidade de São Paulo (USP) e Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUCSP). Participaram do Programa 41 municípios, incluindo as

regiões de São Paulo/capital, Grande São Paulo e Interior. Cada uma das universidades

se responsabilizou por um conjunto de cidades.

O Programa foi oferecido na modalidade semipresencial, sendo organizado

mediante a proposta das seguintes atividades: atividades off-line (ocorriam todos os dias

nas salas dos polos, de modo presencial, mediante a coordenação de um tutor presencial

que tinha como função orientar as atividades propostas em material impresso, do tipo

“apostila”); teleconferências; atividades on-line (as alunas-professoras respondiam a

atividades propostas por meio de computadores); registro de memórias das atividades e

experiências vividas ao longo do curso e, por fim, um trabalho de conclusão de curso.

Percebe-se que se tratava de um curso superior que muito se diferenciava do modelo

tradicionalmente oferecido, de modo presencial, pelas instituições superiores.

Para auxiliar nas análises dos dados obtidos, buscou-se apoio nos conceitos de

saberes profissionais e socialização profissional expressos por Bourdoncle (2000), e de

valor de uso proposto por Chartier (1998).

Mediante esta apresentação, o texto foi organizado em duas partes. Num

primeiro momento, apresenta-se discussão sobre a relação teoria e prática na formação e

no exercício da docência para, em seguida, analisar-se as concepções de professores,

explicitadas em momento de socialização profissional.

A relação teoria e prática na formação e no exercício da docência

Como informado, o foco desta comunicação se pauta na percepção de

professores sobre a relação estabelecida entre saberes teóricos e práticos em seu

exercício profissional, a partir de aprendizagens proporcionadas em momentos de

socialização.

O debate sobre a relação entre a teoria e a prática na formação e exercício

docente nos anos iniciais da escolarização básica permanece atual, potencializado com a

publicação de orientações e diretrizes curriculares recentes que apresentam a prática

como eixo central da profissionalização do pedagogo (SCHEIBE, 2007).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4221ISSN 2177-336X

Page 16: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

16

Em tal debate, cabe destacar o apontado por Popkewitz (1995), para quem tal

formação padece de profundidade no que se refere a aspectos teóricos sobre a educação,

centrando-se em informações e competências dirigidas à prática. Nóvoa (1995) também

destaca fragilidades na formação científica exigida aos professores. Para Azanha (2006),

a teoria educacional, quando disponibilizada ao professor, é apresentada como verdade

absoluta e não como possibilidade de compreensão do fenômeno educativo. Segundo o

autor, existe um erro lógico no papel atribuído à teoria, quando se trata da formação e

exercício da docência, ao se derivar recomendações metodológicas de concepções

teóricas. Ressalta não existir relação linear entre a investigação científica e o

desenvolvimento de técnicas e métodos de ensino. Esclarece que o conhecimento

teórico sobre o fenômeno educacional necessita ser disponibilizado ao professor como

ferramenta para aprofundar sua compreensão sobre a escola e sobre as questões

relacionadas ao ensino, compondo o seu o discernimento profissional (AZANHA,

2006).

Para tanto o professor necessita de sólida formação inicial, por meio da qual

entre em contato com conhecimentos teóricos advindos do campo da educação, com

aspectos metodológicos relacionados ao ensino e também com os conteúdos das

disciplinas escolares (NÓVOA, 1995). Ainda, em tal formação, a escola pública e suas

dinâmicas necessitam se fazer presentes. Pode-se afirmar que são saberes teóricos

referidos à docência, sendo o estágio supervisionado momento privilegiado da formação

inicial para se estabelecer confronto entre tais saberes e a realidade cotidiana das escolas

(PIMENTA; LIMA, 2004).

De todo modo, a formação para a docência não se esgota na formação inicial.

Sobre esse aspecto, Marcelo Garcia (1999) indica a potencialidade do conceito

ampliado de formação, abarcando desde o tempo em que o futuro professor foi aluno na

educação básica, os momentos de formação inicial e continuada, bem como a

socialização profissional. Tal compreensão alargada sobre a formação docente é

fundamental, ao se debater a relação teoria e prática no trabalho do professor. Como

afirma Mizukami (2004), é no exercício da função que os docentes aprendem em parte

seu ofício, que se torna mais diversificado a partir da experiência profissional.

Seja em momentos de formação inicial, seja em momentos de socialização

profissional, ao se discutir a formação para a docência, a Didática se destaca como

campo de conhecimento que, ao ter por foco o ensino nas várias etapas da escolarização,

o compreende como prática social, inserido em dinâmicas escolares, sociais e políticas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4222ISSN 2177-336X

Page 17: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

17

(MARIN, 2005), área fundamental para se questionar sobre os saberes necessários para

o desenvolvimento do magistério (MARCELO GARCIA, 1999).

Tardif e Raymond (2000) enfatizam que os saberes profissionais dos professores

são múltiplos, sendo provenientes de diferentes instâncias, como: formação inicial e

continuada; socialização profissional; materiais didáticos; experiência no desempenho

da função; cultura pessoal e profissional; aprendizagem com os pares. Para os autores, o

saber profissional dos professores diz respeito a várias questões, que vão além do

domínio do conteúdo a ser ministrado como, por exemplo, saber planejar, habilidades

relacionadas à postura, ao trato com os alunos, conhecer o sistema de ensino, entre

outras.

De acordo com Gimeno Sacristán (1999), o professor, em suas ações referidas

ao ensino, defronta-se com situações complexas e muitas vezes imprevisíveis, nas quais

toma decisões apoiando-se em seu conhecimento profissional. Pelo fato de serem

elaboradas para dar respostas a questões surgidas em contextos imediatos, as ações de

ensino tendem a cristalizar formas de agir nos professores, tornando-se aprendizagens

incorporadas, que nem sempre são conscientes.

Para Bourdoncle (2000), a socialização profissional é um processo informal de

adaptação de longa duração que se inicia nos primeiros anos da vida profissional e que

pode se estender por toda a existência. Ela nasce dos contatos com membros do “grupo

no qual se é ou se quer tornar membro” (BOURDONCLE, 2000, p. 126) e que pode ser

reforçada por dispositivos que, dentro da própria formação, favoreçam essa relação

entre iniciantes e profissionais experientes. É preciso esclarecer, de acordo com o autor,

que a socialização profissional se distingue da formação profissional. A formação

profissional é um processo institucionalizado e explícito de aquisição de conhecimentos

e habilidades, ao passo que a socialização pode ocorrer também fora do ambiente de

formação, opondo-se, por vezes, ao que se apresenta no plano formal. No exterior, a

socialização profissional se desenvolve frequentemente de maneira não explícita ou

desejada. Isso pode ocorrer, no entanto, também no interior dos espaços de formação.

Percebe-se, a partir da discussão acima apresentada, que a importância da

socialização na formação de professores está presente na fala dos autores citados.

Nesse complexo processo de formação, o professor se defronta, quando no

exercício de sua função, com questionamentos sobre seus saberes, sobretudo aqueles

que se referem à relação teoria e prática. Sobre essa questão, Chartier (1998) nos auxilia

a pensar na relação que os professores estabelecem com os saberes teóricos - adquiridos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4223ISSN 2177-336X

Page 18: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

18

durante a formação inicial e a formação continuada – e os saberes práticos, advindos da

experiência vivida nas escolas nas quais trabalharam, foco desta apresentação. Segundo

Chartier (1998), os professores privilegiam as informações diretamente utilizáveis, o

“como fazer” mais que o “porquê”, os protocolos de ação mais que as exposições

educativas ou modelos. Assim, as respostas que supostamente se proponham a resolver

os problemas práticos, cotidianos, são valorizadas pelos professores, colocando, em

contrapartida, os saberes teóricos em xeque.

No caso estudado, propõe-se aqui uma análise sobre as concepções de

professoras sobre seus saberes profissionais, a partir de formação recebida em serviço,

momento em que puderam refletir sobre as relações que estabelecem entre a teoria e a

prática em seu exercício profissional.

Socialização profissional, saberes docentes e relação teoria e prática: o que dizem

os docentes

O PEC Municípios proporcionou a oportunidade de reunir, em seus inúmeros

polos, milhares de professores das redes públicas de ensino de vários municípios do

estado de São Paulo diariamente, durante dois anos. Proporcionou, ainda, uma

aproximação desse grupo profissional com o mundo acadêmico.

Tais encontros provocaram, na turma especificamente observada,

desajustamentos e confrontos, mas também ajustamentos e mudanças. Dentre as

situações geradas nesses encontros, um processo particular foi constituído, de forma não

explícita ou planejada, a partir das relações estabelecidas entre os participantes, ao qual

aqui se denomina, com o auxílio de Bourdoncle (2000), de socialização profissional.

No caso do PEC Municípios, tem-se um exemplo de espaço no qual a formação

profissional, no sentido atribuído por Bourdoncle (2000), portanto institucionalizada,

esteve presente. Conjuntamente, no entanto, desenvolveu-se nesse mesmo meio um

processo de socialização profissional, ou seja, havia uma grande troca de informações,

valores, experiências e modos de ser e fazer que eram compartilhados entre as alunas-

professoras.

O grupo observado era constituído por profissionais pertencentes a faixas etárias

variadas, o que favoreceu a troca de informações relativas às experiências vividas,

valores e crenças entre eles. Esse processo atingiu a todas. No caso de Joana, por

exemplo, jovem aluna-professora de 22 anos que havia ingressado na carreira há poucos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4224ISSN 2177-336X

Page 19: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

19

meses, o contato com professores mais experientes a auxiliou no seu dia-a-dia na escola

de maneira acentuada:

Eu tenho uma colega que fez Geografia, então eu converso bastante com ela, e a gente

troca, a gente conversa. Às vezes, a (tutora) até fica brava porque a gente está

conversando, mas a gente está falando do assunto. Tem uma pessoa que já trabalhou, já

ouviu falar e já conhece e aí vai passando para a gente. É um momento meio que a gente

mesmo que criou de troca de experiência, onde a gente vai passando informação uma

para a outra. (Joana)

É importante ressaltar, no entanto, que mesmo as alunas-professoras mais

experientes consideraram importante o contato com os pares, pois novas possibilidades

de ação e de compreensão sobre um problema já vivido foram descobertas:

O grupo me fez ver uma coisa diferente, que eu não tinha pensado daquela

maneira, então é interessante. Principalmente quando todo mundo colabora, todo

mundo participa, se expõe, você vê que a pessoa tem a opinião diferente...

(Helga)

A socialização profissional está intrinsecamente relacionada à construção de

uma identidade, a um sentimento de pertença a um determinado grupo profissional.

Segundo Bourdoncle (2000), nas formações profissionais é necessário construir a

identidade profissional correspondente à atividade visada. Ainda segundo o autor,

dentro das instituições de formação, isso se faz mais pelo contato entre estudantes

localizados na mesma situação de construção identitária que pela ação dos docentes

responsáveis. É necessário, na sua concepção, formas de organização que favoreçam

esses contatos.

O conjunto de saberes (teóricos e práticos) considerado pelo grupo profissional

como fundamental para o exercício de uma determinada profissão é uma das dimensões

necessárias para a constituição de sua identidade (BOURDONCLE, 2000). Nesse

sentido, o PEC Formação Universitária foi um espaço que proporcionou a difusão de

saberes docentes, ainda que em muitos momentos de forma não planejada ou explícita.

Os saberes considerados necessários para o exercício da função docente foi tema

recorrente discutido pelas alunas-professoras e agentes educacionais durante as

atividades. Essas discussões eram provocadas, sobretudo, pela tutora que procurava

relacionar o conteúdo abordado no módulo com a prática de sala de aula, seguindo as

orientações dadas pelo Programa. Um dos temas recorrentes trazidos pelo grupo se

referia à relevância dada ao saber prático e ao saber teórico no momento da ação em

sala de aula. Havia o confronto, em muitas ocasiões, entre o que era proposto como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4225ISSN 2177-336X

Page 20: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

20

atividade no material impresso ou pelos agentes educacionais e as reais condições de

executá-la nas escolas em que trabalhavam. Alguns comentários do grupo são

exemplares dessa situação:

Mesmo porque na escola em que eu trabalho tudo é muito precário.... Não temos

material, também, não tem nem computador. É muita burocracia, às vezes, para

você usar. Tem chave que fica com não sei quem, você tem que pedir, sabe? ...

A gente fala do uso da calculadora: não tem como você usar. Eu posso levar a

minha calculadora, ensiná-los a usar. Você vê que o nosso livro de Matemática

da 4a série, ele tem uma página que fala da calculadora, para que serve tal tecla,

para que serve.... Mas só no papel. Então, assim, é difícil. (Helga)

Ao longo do Programa, foi possível perceber que em vários momentos das

atividades as alunas-professoras atribuíam um valor de uso (CHARTIER, 1998) aos

conteúdos veiculados, ou seja, situações do cotidiano da sala de aula eram resgatadas da

memória com o intuito de ilustrar a teoria e aproximá-la da prática.

O trabalho pedagógico (dos professores) se nutre com

frequência de troca de “receitas”, coletadas de acordo com a

vontade de encontros e de acasos. Aquelas que foram validadas

pelos colegas com os quais pode discutir facilmente e que são

suficientemente flexíveis para autorizar variantes pessoais são

adaptadas mais facilmente que aquelas que são expostas nas

publicações de especialistas da didática. Os professores que

falam de seu ofício situam sua ação sobre o terreno da moral

(altruísta ou idealista) e do testemunho pessoal mais que em

relação à avaliação objetiva de sua eficácia ou à saberes

considerados como teóricos. (CHARTIER, 1998, p. 68)

(Tradução das autoras).

Porém, o saber teórico também era valorizado pelo grupo. Havia momentos,

inclusive, nos quais esse saber assumia um peso maior para as alunas-professoras. Isso

pôde ser observado, sobretudo, nos comentários feitos em relação às teleconferências

(TC) e videoconferências (VC).

A TC é melhor (que a vídeo), não? Embora a VC você pode participar, eu

prefiro a TC porque são diversas opiniões de profissionais ... que eles consultam

entre eles ali e chegam a um bom senso. E a gente, quando a gente participa, fica

meio... meio vago, porque é a experiência... quando você... na vídeo, a

experiência é com a própria colega. (Rosa)

Assim, havia os momentos em que o saber prático assumia um peso maior na

opinião dos alunos-professores, sobretudo nas atividades off line, ou seja, aquelas feitas

presencialmente com a tutora da turma. Em outros momentos, especialmente nas TC, o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4226ISSN 2177-336X

Page 21: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

21

saber científico, acadêmico assumia um papel preponderante para as alunas-professoras,

já que era veiculado por porta-vozes “autorizados” da academia. Ou seja, o grupo

reconhecia as regras do campo educacional (BOURDIEU, 2006) e os lugares ocupados

por cada sujeito nesse jogo. Além de evidenciar a importância dos saberes docentes para

o grupo acompanhado, o processo de socialização profissional trouxe à tona outros

elementos considerados essenciais para a constituição de uma identidade. Por meio

desse processo, as alunas-professoras revelaram que houve uma elevação da autoestima

e da segurança na execução das atividades na sala de aula e nas reuniões pedagógicas,

um sentimento de valorização da própria função foi despertado e a oportunidade de

compartilhar angústias e problemas da função com os pares trouxe alívio e confiança

sobre as decisões a serem tomadas na escola para resolver questões diversas do

cotidiano.

A elevação do sentimento de segurança em relação à função foi percebida entre

as alunas-professoras iniciantes e também entre as mais experientes. Isso ocorreu por

motivos diversos. Para Joana, aluna-professora iniciante na carreira docente, por

exemplo, o contato com as professoras mais experientes foi fundamental para a

elevação do sentimento de segurança no momento de execução de suas funções em sala

de aula:

Quando eu fazia magistério, eu não trabalhava. Terminei o magistério e comecei

a atuar e eu ainda tinha um pouco de insegurança. Mesmo porque eu não tinha

contato com outros professores, ao não ser os professores do magistério. Aqui,

além da (tutora), além das instruções do material, eu tenho o convívio com

outras pessoas, com os professores. Isso me dá mais segurança para trabalhar, a

troca de experiências, a troca de ideia. (Joana)

No caso de Rosa, uma senhora de 56 anos à época da entrevista, que atuava no

magistério há vários anos, o PEC Municípios trouxe segurança também, pois, na sua

concepção, ela já desenvolvia suas atividades de forma adequada, mas não tinha certeza

disso. O Programa veio, portanto, a ratificar e legitimar o que ela já fazia:

Eu, sinceramente, pensei que tivesse mais novidade, entendeu? Eu acho interessante

porque dá segurança. Eu, agora, acho que estou fazendo certo. Porque hoje eu dou

minha aula com mais segurança. Antes, eu ficava naquela: “E daí, será que é assim

mesmo. Eu, pelo menos, vejo que eu estou no caminho certo. Às vezes, você chega até a

dizer: “Caramba, eu faço igual”! Às vezes, falta “dar nome aos bois”, também tem isso

daí, não? (Rosa)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4227ISSN 2177-336X

Page 22: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

22

O sentimento de pertença a um grupo e a discussão em torno da importância do

papel do professor despertaram, principalmente nas alunas-professoras iniciantes, outra

perspectiva em relação à sua profissão:

Eu era uma professorinha, uma tia. Hoje eu me considero professora de verdade. Tenho

mais orgulho da profissão que eu escolhi. A minha irmã mais nova, ela tem quatro anos,

ela tem muito orgulho de mim, ela fala que só vai para a escola porque ela sabe que eu

sou professora também e ela gosta do meu trabalho, então ela gosta da professora dela.

Então eu sei da responsabilidade que eu carrego nas costas assim. (Joana)

Além dos depoimentos das alunas-professoras, foi possível perceber que o PEC

Municípios se tornou, de fato, um espaço não somente de troca de informações, mas

também, de compartilhamento de angústias e problemas vividos dentro e fora da sala de

aula, e relativos ao meio educacional, como revela, por exemplo, o registro abaixo:

Dali a pouco, chega Helga, aluna do PEC. Ela é professora do 1

o ciclo. Ela relata, de

forma breve, que a progressão continuada não está dando certo, as pessoas não sabem

trabalhar com isso, a ficha de acompanhamento do aluno, que é feita pela própria escola

e que deve ser preenchida pelo professor, não leva em conta a idade dos alunos, pois é a

mesma para todas as idades. Reclama que a coordenadora não é presente, pois está

sempre fazendo cursos pela prefeitura e o diretor é muito autoritário, chama a sua

atenção na frente de todos (ela falou isso especificamente porque naquele dia ela havia

colocado um aluno para fora da sala e o diretor, vendo isso, disse: “Professor só sabe

colocar aluno para fora da sala”!). Relatou, ainda, que seus alunos são da favela e seus

pais pouco podem ajudar quando participam das reuniões de pais. (Registro de campo

6 – atividade off line)

Nesses momentos em que um dos componentes do grupo compartilhava seus

problemas, angústias ou aflições, os outros membros se manifestavam relatando que

haviam passado por isso também e diziam como superaram a questão. Em outros,

apenas ouvir o problema do colega em silêncio representava uma forma de se mostrar

solidário.

A importância do compartilhamento de experiências entre os pares foi também

destacada no relatório final de avaliação da versão estadual do Programa:

A troca de experiências entre os professores foi apontada por todos

como um dos ganhos fundamentais... a maioria dos alunos-professores

elogia o curso por ter possibilitado seu crescimento pessoal e a

valorização do profissional, ampliando a autoestima dos envolvidos (

FCC, 2003, p.33).

Percebe-se que a socialização profissional promovida pelo Programa, ainda que

de forma não planejada ou explícita, contribuiu para incorporação de valores, condutas e

atitudes consideradas pertinentes ao ofício docente, pois possibilitou ao grupo dividir

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4228ISSN 2177-336X

Page 23: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

23

dúvidas, compartilhar valores e se sentir parte de uma categoria profissional, auxiliando

na constituição de uma identidade profissional.

Considerações finais

A experiência proporcionada pelo Programa revelou que existe uma resistência à

academização da formação docente. A distância entre teoria e prática, questão que não é

nova nas discussões sobre formação de professores, foi ressaltada nas entrevistas, ainda

que isso não implique, segundo as alunas-professoras, na desvalorização dos saberes

teóricos. Na verdade, as condições objetivas precárias vividas pelas professoras em seus

ambientes de trabalho colocam em xeque as propostas inovadoras apresentadas pela

academia, pois não há ressonância com a realidade a que estão sujeitas. Assim, os

saberes da experiência, por vezes, confrontam-se com os saberes teóricos propiciados

nos momentos de formação inicial ou continuada.

Outra questão trazida pela pesquisa se refere à importância atribuída pelo grupo

à socialização profissional promovida pelo encontro coletivo de professores. Nas

observações de campo, percebeu-se que as ações coletivas foram importantes para a

formação de cada membro do grupo. Para as alunas-professoras mais novas, o contato

com as mais experientes foi essencial para a construção das práticas de sala de aula,

assim como para a constituição de uma identidade profissional. Para as mais

experientes, falar, poder manifestar suas impressões, dúvidas e inseguranças motivou a

elevação da autoestima, por vezes abalada pelas decepções enfrentadas ao longo de anos

de profissão. Considera-se aqui que esses momentos coletivos não devem se restringir

às formações externas à escola, porque são esporádicas e não fazem parte do cotidiano

dos professores. Incentivar esses momentos na escola, mediante a disponibilidade de

horas remuneradas para que, no coletivo, os professores pensem e falem conjuntamente

de seus problemas e questões profissionais seria um passo importante para a

profissionalização docente, para a valorização da carreira e para a promoção da

qualidade social da educação pública.

Referências

APPLE, M. W. Trabalho Docente e textos: Economia política das relações de classe e

de gênero em Educação. Trad. Thomaz Tadeu da Silva, Tina Amado, Vera M. Moreira.

São Paulo: Artes Médicas, 1995.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4229ISSN 2177-336X

Page 24: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

24

AZANHA, J. M. P. Uma reflexão sobre a formação do professor da escola básica. In:

______. A formação do professor e outros escritos. SP: SENAC, 2006, p. 53-74.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand

Brasil, 2006.

BOURDONCLE, R. Autour des mots. Professionalisation, formes et dispositifs.

Recherche et Formation, Lyon, n.35, p.117-132, 2000.

CHARTIER, A. M. L’expertise enseignante entre savoirs théoriques et savoirs pratiques.

Recherche et formation, Lyon, n.27, p.67-82, 1998.

GIMENO SACRISTÁN, J. Poderes instáveis em educação. Trad. Beatriz Affonso

Neves. Porto Alegre: Artes Médicas do Sul, 1999.

HYPOLITO, A. L.M. Trabalho docente e relações de gênero. Campinas: Papirus,

1991.

MARCELO GARCIA, C. Aprender a enseñar: un estudio sobre el proceso de

socializacion de profesores principiantes. Madrid: C.I.D.E, 1991.

MARIN, A. J. O trabalho docente: núcleo de perspectiva globalizadora de estudos sobre

ensino. In: ______. (Coord.). Didática e trabalho docente. 2. ed. Araraquara:

Junqueira & Marin, 2005. p. 30-56.

MIZUKAMI, M. da G. N. Relações universidade-escola e aprendizagem da docência:

algumas lições colaborativas. In: BARBOSA, R. L. L. Trajetórias e perspectivas de

formação de educadores. São Paulo: UNESP, 2004, p. 285 – 314.

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: ______. Os professores

e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote/ Instituto de Inovação Educacional,

1995, p. 15- 33.

PIMENTA, S. G; LIMA, M. do S. L. Estágio e docência. (Coleção docência em

formação. Série saberes pedagógicos). São Paulo: Cortez, 2004.

POPKEWITZ, T. S. Profissionalização e formação de professores: algumas notas sobre

a sua história, ideologia e potencial. In: NÓVOA, A. Os professores e sua formação.

Lisboa: Publicações Dom Quixote/ Instituto de Inovação Educacional, 1995, p. 35 - 50.

SCHEIBE, L. Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia: trajetória longa e

inconclusa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 130, jan. / abr. 2007.

TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no

magistério. Educação e Sociedade, Campinas, v.21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4230ISSN 2177-336X

Page 25: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

25

RELAÇÕES DE CONTROLE AO ENSINAR A ENSINAR EM ÂMBITOS

INSTRUCIONAIS PÚBLICOS

Ana Carolina Colacioppo Rodrigues – PUCSP

Alda Junqueira Marin - PUCSP

O presente estudo dedica-se à análise de relações de controle estabelecidas nas práticas

didáticas de professoras de Didática de cursos de Pedagogia de instituições de ensino

superior públicas. Busca compreender mecanismos subjacentes a essas práticas

revelando aspectos do tipo de formação profissional que vem sendo oferecida aos

futuros docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental.

Trabalha com indicadores das características dessas práticas de instituições

universitárias públicas consideradas como de boa qualidade para a formação da

consciência profissional docente, tais como o controle do tempo dedicado aos conteúdos

abordados e o grau de explicitação dos conteúdos trabalhados, aos questionamentos

discentes, à apreciação dos trabalhos dos alunos e aos desafios aos discentes. Duas

professoras oriundas de duas instâncias públicas de educação superior, do Estado de São

Paulo, concederam, por meio de entrevistas, as informações debatidas neste artigo. As

entrevistas foram realizadas e analisadas contando com o uso de instrumentos pautados

no conceito de enquadramento, de Bernstein, definido como o referencial teórico deste

artigo para obtenção de maior rigor na focalização das dinâmicas de sala de aula. O

estudo evidenciou a valorização do respeito ao ritmo do alunado, a alteração, quando

necessária, da sequência, a fim de articular a programação do ensino com as

necessidades reveladas pelo alunado; e critérios de avaliação com forte controle,

exemplificados com respostas às questões que tendem a um enquadramento forte. Os

relatos das professoras evidenciaram a tendência à explicação pormenorizada e

exemplificada dos conteúdos, os desafios e ou questionamentos detalhados ao alunado e

a rigorosa correção do desempenho discente em suas produções.

Palavras-chave: Ensino da didática. Prática didática. Relações de controle.

Introdução

Este artigo preocupa-se com o como ocorre o ensino da Didática, tratando das

relações de controle estabelecidas entre professor e alunos no ensino de seus temas. É

oriundo de um trabalho mais amplo, que se dedicou a práticas didáticas estabelecidas no

ensino da Didática em instâncias universitárias privadas e públicas.

Sobre o ensino da Didática no país, é preciso destacar que pesquisas sobre a área

oriundas de instituições diversas revelam informações que se referem à sua fragilidade

em cursos de licenciatura. O balanço de pesquisas efetuado por Marin, Penna e

Rodrigues (2012) é um dos trabalhos representativos da referida afirmação.

Dessa forma, para se pensar no avanço da área, parece relevante compreender

aspectos sobre o seu ensino em instituições públicas reconhecidas como de boa

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4231ISSN 2177-336X

Page 26: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

26

qualidade, no sentido de conhecer e discutir facetas das práticas didáticas efetivadas por

professoras universitárias pesquisadoras e especialistas no ensino da Didática, pois

devem contar com condições de trabalho privilegiadas para ensinar em relação à

maioria docente das instâncias do Estado de São Paulo, podendo dedicar-se à produção

de conhecimento na área e ao seu ensino, sem a necessidade da dedicação ao trabalho

em áreas diversas das licenciaturas e nem do preenchimento de sua carga horária de

dedicação institucional exclusiva no âmbito interno das salas de aula. Tais condições

devem propiciar que o ensino ocorra de modo mais rigoroso, gerando aspectos que

tendem a se remeter a uma potencial boa qualidade de exercício de magistério. Essas

características, dentre outras dessas instâncias, autorizam o uso do termo boa qualidade,

no sentido comparativo em relação à maioria das instituições paulistas.

Nesse contexto, o próximo item esclarecerá aspectos da produção teórica do

referencial aqui adotado e que balizaram a elaboração deste estudo.

Base teórica

O referencial de Bernstein (1996; 1998) subsidiou a elaboração deste trabalho. O

autor aborda o poder, a educação e a consciência a partir da noção de que a distribuição

de poder e os princípios de controle são traduzidos em princípios de comunicação que

geram relações desiguais entre grupos, formam grupos dentro de sua classe e regulam as

relações de oposição entre as classes sociais. Possibilita a compreensão de como a

distribuição de poder e os princípios de controle de uma sociedade são traduzidos em

princípios de comunicação, desigualmente distribuídos entre as classes sociais, mas

também em outras situações mais restritas, como a sala de aula, permitindo

entendimento essencial à análise do ensino da disciplina Didática, à qual se conferem

expectativas em relação aos modos de agir para ensinar, sendo fundamental à formação

docente. A observação de questões que se referem a poder e controle subjacentes às

práticas auxiliam na análise das relações estabelecidas no ensino dos conteúdos,

possibilitando o entendimento do modelo de formação estabelecido nas instituições.

Para a análise das práticas, os conceitos de Bernstein (1996; 1998) possibilitam a

integração entre os níveis macro e micro de análise e a recuperação do macro a partir do

micro, tratando de regras, práticas e agências que regulam a criação, distribuição,

reprodução e mudança de consciência, mediante princípios de comunicação por meio

dos quais uma distribuição de poder e categorias culturais dominantes são legitimadas e

reproduzidas. Permitem compreender, neste estudo, que formação é fornecida; como o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4232ISSN 2177-336X

Page 27: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

27

ensino da Didática ocorre no sentido de evidenciar os mecanismos que integram a

formação em relação às rotinas das escolas incluindo as de educação básica e que são

constituídos pelos modos de agir para ensinar dos professores também nessa disciplina.

Há conceitos do autor com forte potencial analítico e explicativo para o estudo

das práticas pedagógicas. A classificação e o enquadramento definem o que será

comunicado e a forma de comunicação legítima em determinado agrupamento social.

As relações discursivas referem-se a características que compõem o código a ser

adquirido no âmbito da sala de aula. O código é a lógica, a gramática, o princípio que

rege as condutas; e essa lógica possibilita que se instalem as relações de poder e

controle nos sujeitos, estabelecendo o lugar desses alunos na formação e,

posteriormente, na prática profissional. Mediante a análise das relações de poder e

controle e de suas variações nas práticas didáticas, compreende-se o código na situação

instrucional. A classificação e o enquadramento possibilitam a análise do que é

comunicado e como tal comunicação ocorre, definindo o código, a lógica da formação

das consciências dos futuros professores. Como a distribuição do poder e do controle se

traduzem em códigos pedagógicos e suas modalidades, as análises a partir do trabalho

com os conceitos de classificação e enquadramento possibilitam a compreensão do

código subjacente às práticas desenvolvidas em qualquer disciplina (GALLIAN, 2009).

Em decorrência da limitação da extensão desejada a este texto, haverá dedicação

específica à discussão de relações contando com o conceito de enquadramento. Ele

possibilita a análise do controle exercido nas aulas. Quando o enquadramento é forte, o

professor controla os princípios da comunicação; quando é fraco, é como se o aluno

vivesse uma situação em que parece ter algum controle sobre os princípios. O

enquadramento fraco costuma mascarar o poder interno à categoria, cria a ilusão de que

o espaço de comunicação que regula é negociável, mas isso não procede porque os

transmissores são uma categoria especializada diferente e sempre há controles

permeando a relação. O enquadramento delineia a relação social. Quando o

enquadramento muda em força, gera diferentes regras para operar a comunicação

(BERNSTEIN, 1996; 1998). Contando com as contribuições expostas, o próximo item

explicará a pesquisa a ser discutida neste artigo.

A pesquisa

Para se compreender o lugar dos alunos na formação e posteriormente na prática

profissional, contando com o conceito de enquadramento, pode-se pensar nos seguintes

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4233ISSN 2177-336X

Page 28: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

28

indicadores: o ritmo diz respeito ao tempo dedicado aos conteúdos abordados; os

critérios de avaliação referem-se ao grau de explicitação dos conteúdos trabalhados, aos

questionamentos discentes, à apreciação dos trabalhos dos alunos e aos desafios aos

alunos. Essas relações discursivas expressam relações de controle que ocorrem em sala

de aula e podem apontar para um controle mais centrado no transmissor ou mais

centrado no discente (GALLIAN, 2009). Assim, questiona-se: como ocorrem essas

relações no ensino da Didática, em contextos instrucionais públicos?

Apresenta-se e discute-se mecanismos subjacentes às práticas, no que tange ao

ritmo, que se refere ao tempo dedicado aos conteúdos abordados; e aos critérios de

avaliação que, na teoria de Bernstein (1996; 1998), referem-se ao grau de explicitação

dos conteúdos trabalhados, aos questionamentos discentes, à apreciação dos trabalhos

dos alunos e aos desafios propostos aos alunos que, na área da didática constituem parte

fundamental do núcleo didático do trabalho docente segundo Marin (2005). Dessa

forma, as docentes foram questionadas sobre como ocorre o respeito ao tempo

necessário ao discente ao ensino de cada assunto; o grau de explicitação dos conteúdos,

o tipo de correção efetuada, o grau de esclarecimento de dúvidas e os tipos de desafios

propostos aos alunos. Essas questões são muito relevantes para se discutir os modos de

agir para ensinar do docente de Didática.

As análises das entrevistas foram realizadas por meio de instrumentos com

escalas elaboradas pautadas no conceito de enquadramento. A elaboração desses

instrumentos foi baseada na produção de pesquisa desenvolvida pelo grupo português

intitulado ESSA – Estudos Sociológicos da Sala de Aula (MORAIS e NEVES, 2009),

que conta com estudos diversos subsidiados pela teoria que norteou o presente artigo.

Nas escalas, o grau de enquadramento (E) varia em sua intensidade (E++, E+, E-,E--).

Na questão sobre ritmo, quanto aos conteúdos a serem abordados, as possibilidades de

análises de respostas foram: (E++) os conteúdos programados para a aula têm que ser

rigorosamente abarcados; (E+) alguns conteúdos podem ser pontualmente adiados; (E-)

a programação dos conteúdos é flexível para admitir adiamentos se determinadas

situações o justificarem; (E--) os alunos determinam o tempo necessário à exploração de

cada assunto e os conteúdos não contemplados ficam adiados.

No que tange ao indicador relativo à avaliação, nos conteúdos em estudo, nesta

pesquisa há desdobramentos conforme conteúdos apresentados anteriormente e as

alternativas foram: (E++) as explicações ou discussões podem ser pormenorizadas e

exemplificadas claramente, sendo corretas do ponto de vista pedagógico; (E+) as

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4234ISSN 2177-336X

Page 29: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

29

explicações dos conhecimentos podem ser pormenorizadas e exemplificadas, sendo

genericamente corretas; (E-) as explicações ou discussões podem ser pouco

pormenorizadas e exemplificadas, podendo ser vagas; (E--) as explicações ou

discussões podem não ser pormenorizadas, nem exemplificadas claramente, podendo

ser confusas ou incorretas. No desdobramento apreciação dos trabalhos a escala permite

verificar as possibilidades: (E++) a docente indica, com clareza e detalhamento, o que

está errado, o que falta nos trabalhos e formas de melhorá-los, em consonância com o

que se pretende; (E+) a professora indica o que está errado, o que falta nos trabalhos e

formas de melhorá-los; (E-) a docente coloca algumas questões acerca dos trabalhos,

mas não deixa claro o que está errado ou falta, nem indica formas de melhorá-los; (E-) a

professora não coloca questões sobre os trabalhos. No desdobramento relativo a

questionamento discente segue-se o mesmo esquema: (E++) a professora, através de

diálogo com os alunos, pode esclarecer as dúvidas de forma pormenorizada, levando-os

à resposta correta; (E+) a docente pode esclarecer as dúvidas fornecendo a resposta

correta de forma pormenorizada; (E-) a professora pode esclarecer dúvidas dando uma

resposta de caráter genérico; (E--) a professora pode não esclarecer as dúvidas. Por fim,

quanto ao desdobramento relativo aos questionamentos ou desafios aos alunos: (E++) a

professora pode questionar os alunos de forma pormenorizada, levando-os às respostas

corretas; (E+) a professora pode provocar os alunos de forma menos pormenorizada,

dando alternativas a respostas; (E-) a professora pode questionar os alunos de forma

pouco detalhada, aceitando uma resposta de caráter genérico; (E--) a professora pode

questionar os alunos, aceitando como correta qualquer resposta.

Contando com os subsídios apresentados, o próximo item apresentará e discutirá

as informações oferecidas pelas professoras.

O como das práticas estabelecidas sob a ótica das professoras de Didática

Professora Janaina

Sobre o respeito ao ritmo do alunado, a professora revelou:

[...]Com a execução do trabalho em sala há modificação pra atendimento do

que demanda mais tempo. [...] Por exemplo, no que diz respeito às memórias

educativas, pra eles organizarem os quadros sínteses e apresentarem,

demorou mais do que duas aulas e eu tinha previsto duas, a gente modificou

isso e eu fui acertando no cronograma. [...] Vai depender do andamento da

turma, porque o problema é o aluno que não lê [...]. Envolvimento com a

atividade na sala a maioria tem, eles acompanham, fazem mais ou menos o

que se espera. Eu circulo muito entre os grupos e vou orientando [...].

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4235ISSN 2177-336X

Page 30: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

30

O programa está sujeito a modificações. A professora evidencia atender às

diferenças no sentido de verificar que há grupos que são mais rápidos e os que são mais

lentos, mas todos eles têm a chance de poder apresentar os trabalhos propostos. Às

vezes deixa algum texto como leitura complementar, ao invés de trabalhar, de modo que

não vá prejudicar os alunos. Vale ressaltar a importância da manifestação dela de que

ninguém fica de fora, mas para isso acontecer, é preciso respeitar o ritmo do alunado.

Nesse processo de trabalho com a disciplina, é exigido o relatório de leitura, com

questões que trazem sobre o texto base da aula, quais as ideias centrais, as dificuldades

que eles tiveram da leitura do texto, para poder reorganizar as discussões a serem

promovidas a partir desses indicadores de produção e desempenho dos alunos.

No que tange às explicações e discussões dos conteúdos em estudo, no caso do

ensino da elaboração do plano de aula:

[..] é feita uma síntese dos elementos que o plano de aula precisa contemplar

a partir das Técnicas de ensino, por que não? É um livro que traz uma análise

crítica dos procedimentos didáticos, mas eu deixo mais ou menos livre e vou

pondo pra eles o que é o central da aula. O Microensino, da Flávia Santana,

ao discutir o trabalho docente, na habilidade de orientação do contexto, já

tem um esquema, então tem que articular o que o texto traz com a linguagem

pra hoje [...]. Eles fazem consulta aos Parâmetros Curriculares Nacionais e

Referencial Curricular da Educação Infantil [...].

Para elaboração do plano os alunos estudam a partir dos materiais de Sant’Anna

(1979) e Veiga (1991), escolhem o tema, verificam os Parâmetros Curriculares

Nacionais (BRASIL, 1998a) ou o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (BRASIL, 1998b) para ver a inserção daquele tema e a bibliografia para o

trabalho a ser realizado é escolhida.

No que diz respeito ao esclarecimento de dúvidas, foram revelados os seguintes

aspectos sobre as dinâmicas de trabalho em sala de aula:

[...] Explico as dúvidas pormenorizadamente. Por exemplo, no registro do

relatório de leitura, leio antecipadamente porque peço pra eles trazerem

questões e dúvidas que determinado texto suscita. A partir dos registros, [...]

vou arrolando as dúvidas, ponho na lousa o tipo de dúvida e pergunto o que

mais não ficou claro. Vou explicando os pontos de dúvidas dos registros

escritos e, daqueles que ainda não escreveram, na discussão vai saindo e a

gente vai pondo na lousa. [...] Às vezes eles trazem aspectos diferentes, que

vão se complementando.[...] Quando eles não sabem como fazer a síntese dos

registros da escolarização, circulo nos grupos e respondo; quando a dúvida é

geral, vou pra lousa e mostro. [...]

Assim, ao comentar sobre os desafios propostos aos alunos esclareceu:

[...] Questiono bastante os alunos, provoco com questões no sentido de que

tragam inquietações, lendo trechos de pesquisa, pedindo pra que relatem o

que estão vivenciando nos estágios, e eles trazem muitos dados de estágio, ou

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4236ISSN 2177-336X

Page 31: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

31

da prática, no caso daqueles que já são professores. Vou questionando pra

que tragam exemplos pra poder entender o que a gente está trabalhando.

Questiono no sentido de fazer que aflorem questões referentes ao mundo do

trabalho, ao que vão enfrentar, ao que estão sentindo e percebendo. [...] Eles

trazem muitas inquietações.[...]

Os questionamentos provocam os alunos a discutir as dificuldades e os desafios

do trabalho docente. Foi enfatizada a relevância de trabalhar com cada manifestação de

alunos; as respostas deles trazem elementos interessantes que estão percebendo sobre o

trabalho docente estudado. Por exemplo, a professora observada pelo licenciando deixa

o grupo muito disperso, ou não agrupa as crianças, não circula pelos grupos; larga as

crianças fazendo desenho, mas não vai orientar entre outras condutas. Os alunos vão

colocando alternativas para as práticas em discussão, dentro de um conteúdo que estão

trabalhando na disciplina, de uma maneira que o ilustre, e a professora vai provocando:

[...]Como se trabalha com as diferenças dos alunos?[...] Trabalhar com classe

heterogênea. O que significa isso? [...] Como atingir crianças de diferentes

níveis? Como organizar os chamados grupos produtivos nas escolas? Penso

que as repostas de questionamentos de conhecimentos que os professores

precisam ter pro magistério, que a gente trabalha lá nos saberes, eles vão

identificando e já trazendo exemplos e o que vão falando eu mostro que bate

também com o que os estudos estão mostrando [...].

A professora referiu-se à obra de Tardif (2002) quando mencionou os saberes.

Enfatizou buscar junto aos alunos o que estão entendendo e trabalhar a partir das

respostas que recebe. Os questionamentos apontados são relevantes para se pensar no

trabalho com a discussão sobre o ensino e os fatores a eles relacionados e que os

caracterizam em realidades diversificadas de exercício de magistério.

Quanto ao controle do desempenho do alunado, às correções das atividades dos

alunos, a professora expôs exemplos caracterizadores do controle exercido em suas

aulas. Explicou que propõe atividades diversas, partindo da noção de que seus alunos

precisam passar por vários momentos de avaliação, enfatizando que o registro escrito

dos conteúdos é condição para que consiga exercer melhor o seu trabalho.

[...] a avaliação contempla esse aluno seja na prova, nos relatórios de leitura,

nos textos que tem que elaborar, e oralmente, na execução das aulas. Eu

avalio num processo, o que implica trazer o aluno em grupo,

individualmente, com execução de atividades de natureza prática. [...].

Ela corrige as atividades, explica o que não foi satisfatório e o que foi bom e

solicita que os alunos refaçam os trabalhos.

[...] Eles têm chance de refazer o que não está bom [...] O trabalho do

professor é um fazer e refazer constante. [...] Leio e corrijo, pondo

observações. Por exemplo, se não responderam alguma questão, no relato da

memória, ou não relacionaram ao texto, porque peço pra depois eles fazerem

uma relação com o texto, anoto no final dos trabalhos. Corrijo redação[...].

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4237ISSN 2177-336X

Page 32: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

32

Nessa sistemática de controle da produção, a professora revelou também a

importância do retorno aos alunos durante o semestre em que ministra as aulas:

Eu assinalo: o texto não diz isso, leia novamente! Faço marcas pra correção

da redação; e nos trabalhos extremamente desestruturados, escrevo porque

não estão bons e porque é preciso refazer, me dá muito trabalho [...]. Peço

para os alunos trazerem com antecedência, e vou marcando. Nos trabalhos

que eles me trazem e eu devolvo pra refazer, escrevo qual foi o problema

com o conteúdo, com a redação e também sempre faço um comentário geral.

[...] Sempre dou uma explicação pra eles, quando a avaliação é da

apresentação, faço a avaliação oralmente: como vocês viram isso? O que foi

bom? O que poderia ser mais explorado? Sempre interrogo oralmente quando

acaba a apresentação. Sempre dou o retorno durante o processo na disciplina.

Professora Márcia

Em relação às práticas da professora Márcia, destacam-se questões relacionadas

a controle, especialmente quanto a ritmo do trabalho com o alunado. Ao falar sobre

procedimentos de ensino, esclareceu que sempre ocorre a participação dos alunos na

constituição de seu trabalho, evidenciando um enquadramento mais fraco:

Eu sempre peço registros de tudo que eles discutem. Os registros são

utilizados pra preparação da aula posterior, sempre pra retomar, pra perceber

lacunas na compreensão.

Ao manifestar-se sobre o controle de ritmo, comentou-o exemplificando-o com

as relações interdisciplinares que precisa estabelecer no trabalho com a Didática,

mencionando indicadores que dizem respeito às explicações e discussões de conteúdos:

[...]No texto sobre a aprendizagem tem muitos conceitos, termos da

psicologia do desenvolvimento. Teve situações que percebi que não ia pra

frente porque precisava voltar, o texto exploraria uma dinâmica de

aprendizagem, as representações da aprendizagem, e eu precisava de uma

maior explicação, não dava pra continuar discutindo sem um nível que era de

informação e isso vem com a discussão, o debate, e, estava previsto uma

aula, e eu fragmentei esse texto em duas aulas e meia.[...]

Ao comentar sobre as atividades que propõe, relatou que essas visam à

discussão, pois o seu objetivo é que os alunos possam ter maior autonomia para trazer

dúvidas, problematização, então investe nos registros visando mais autonomia na

discussão. Nessas oportunidades, através do diálogo, a professora procura esclarecer as

dúvidas de forma pormenorizada. Expôs que precisa disso porque se o alunado não

trabalhar com a leitura, a trazendo à discussão, fica uma aula completamente

centralizada, e ela pretende formar pessoas que tenham opiniões, que consigam debater,

então mostra que o aporte do texto é fundamental à participação nas aulas.

No que tange à apreciação de trabalhos, em relação aos modos de avaliar os

alunos, foi revelado que as atividades são avaliadas no sentido de permitir um retorno

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4238ISSN 2177-336X

Page 33: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

33

aos alunos, sendo uma forma de identificar as dúvidas e os avanços. Os trabalhos finais

sofrem processos anteriores de orientação e de devolutiva. Os grupos produzem

seminários e recebem orientação para elaborá-lo.

Eu vejo os itens que a gente define como importantes, se tem preparo teórico,

se eles cumpriram; eu tenho eixos que eles têm que colocar e os que eles

acrescentam. Fazem apresentação e depois uma parte escrita sobre essa

temática; [...] se a atividade é em grupo, ocorre uma avaliação no grupo, a

partir desses critérios que a gente identificou como importantes e depois há

uma avaliação individual, não no sentido da nota, mas das questões de

aprendizagem que estavam em jogo, como que consideram que isso foi

contemplado, e até a indicação de uma nota [...]

A professora revelou considerar todo o processo rico em termos das devolutivas

aos alunos, de trabalho de conversa, de orientação. Em seu entendimento, com o

processo, os alunos vão se desenvolvendo, e isso culmina numa nota.

Nas avaliações, sempre peço pra eles colocarem as etapas do

desenvolvimento do trabalho, então se vão desenvolver um projeto de

pesquisa, desde a primeira aula que colocam o tema, eu vou fazendo aula a

aula as devolutivas ou parte das aulas faço orientação, porque a gente tem

quatro horas a tarde e três horas e meia a noite, então dá pra fazer assim, meia

hora ou uma hora de orientação, que dou devolutiva. Não é: você fez, é um

ponto, não é isso que está em jogo e sim pra que ele avance no trabalho e,

quando eu chego no final do semestre, avalio a partir dessas etapas, o que

culmina também numa nota, mas de todas as partes do que ele entregou no

semestre e do que eu pude participar.

Foi manifestada a preocupação com o avanço do aluno; se for uma elaboração

individual sobre o processo realizado, a professora detém-se no que ele foi

conquistando, nas dificuldades ainda existentes, um balanço disso e a indicação de uma

própria nota, com base em critérios estabelecidos.

Não é só a auto-avaliação, culmina numa nota porque é algo institucional,

mas o que está em jogo é pensar como começou e quais são os avanços

notados, o que deu certo, o que não deu. Depende do trabalho, se é um

trabalho de elaboração escrita, se é um trabalho de estudo teórico, se é um

trabalho de pesquisa em grupo. [...] Então, às vezes o problema do trabalho

foi que eles procuraram tardiamente a escola. O trabalho ficou ruim porque

teve problema estrutural do grupo que não se organizou, então isso é

importante, que a gente discuta no final de cada atividade que a gente fez.[...]

As considerações efetuadas no que tange aos desafios aos alunos, às correções

de trabalhos, verificação de desempenho para intervenção, demonstram um

enquadramento forte quanto aos critérios de avaliação, evidenciando possibilidades

tendencialmente mais promissoras no trabalho formativo.

Sintetizando, a partir do estudo das respostas obtidas nas duas entrevistas,

revelaram-se informações que demonstram a valorização do respeito ao ritmo do

alunado no trabalho com os conteúdos da disciplina, alterando, quando necessário, a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4239ISSN 2177-336X

Page 34: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

34

sequência a fim de articular a programação do ensino dos conteúdos com as demandas

reveladas no desempenho discente nas atividades desenvolvidas.

As entrevistadas revelaram indicadores relativos a critérios de avaliação com

forte controle, exemplificando-os com respostas às questões que tendem a um

enquadramento forte. Os relatos evidenciaram a tendência à explicação pormenorizada e

exemplificada dos conteúdos da área, os desafios e ou questionamentos detalhados ao

alunado e a rigorosa correção do desempenho discente em suas produções

demonstrando classificação com (E++). Portanto, as características sociológicas da

modalidade de prática que se mostraram fundamentais para a aprendizagem dos alunos,

especificamente quanto aos aspectos aqui focalizados, foram: a-) tempo de aquisição

controlado pelos alunos – enquadramento fraco ao nível do ritmo; b-) explicitação clara

do texto legítimo a ser adquirido no contexto da sala de aula – enquadramento forte ao

nível dos critérios de avaliação.

O grupo português ESSA (NEVES; MORAIS, 2009) chegou a um modelo de

prática com as referidas características, que apresentam potencial para levar os alunos

ao sucesso, com o objetivo de diminuir a diferença entre alunos de origens sociais

diferenciadas. Segundo Morais e Neves (2009), é muito importante que o aluno possa

controlar e estabelecer as suas necessidades de tempo ao entendimento dos conteúdos e

elaboração das atividades a eles relacionadas, sendo fundamental o poder de decisão por

parte do futuro professor em relação às suas demandas de tempo para estabelecer as

relações necessárias no trabalho com os conteúdos. Essas considerações das autoras são

semelhantes às práticas relatadas pelas entrevistadas quanto ao ritmo.

As explicações dos conteúdos, as respostas aos questionamentos, os desafios

propostos aos discentes e as apreciações às suas apresentações precisam ser bem

detalhados e exemplificados para aumentar as possibilidades de conhecimento e

desenvolvimento de habilidades dos discentes, revelando forte grau de enquadramento.

(AFONSO, MORAIS e NEVES, 2002). E as informações aqui coletadas revelam

indicadores que seguem nessa direção de tendências de práticas didáticas quanto aos

desdobramentos que participam do indicador avaliação.

Por fim, aponta-se que as evidências que se referem a controle de ritmo e aos

critérios de avaliação nas práticas didáticas precisam ser cuidadosamente observadas e

conduzidas pelos formadores dos cursos de licenciatura, especialmente ao se levar em

consideração a noção de que muitas vezes os professores ensinam aos seus alunos como

foram ensinados por seus docentes.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4240ISSN 2177-336X

Page 35: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

35

Mais algumas considerações

Este trabalho dedicou-se à análise de informações concedidas por professoras no

que tange a indicadores que dizem respeito ao controle exercido nas aulas de didática.

Nessa perspectiva, o como do trabalho evidenciado por meio das relações analisadas

constitui-se também em conteúdo da disciplina, pela especificidade da área sob enfoque,

potencializando assim o estabelecimento desses tipos de práticas de exercício de

controle na futura atuação profissional do graduando.

Segundo as características das práticas pedagógicas em geral, tendencialmente

mais promissoras reveladas pelos estudos teóricos adotados neste trabalho, pode-se

inferir que os indicadores relatados evidenciaram que as contribuições do ensino da

Didática almejadas para a formação do professor tendem a ser potencializadas pelas

relações estabelecidas pelas professoras entrevistadas. As características das práticas

expostas pelas docentes evidenciam que os alunos são socializados intencionalmente

para questionar, participam de debates de elaboração conjunta com o grupo de alunos e

docente, sendo possivelmente submetidos a aulas de Didática que são destinadas a

possibilitar a formação do conhecimento didático que se requer ao professor, impelindo

esses graduandos a um provável papel subsidiado pelo preparo sociopolítico e técnico

no âmbito das suas possíveis atuações no exercício do magistério.

A partir da análise dos depoimentos, o conceito de enquadramento com o rigor

proposto, possibilitou a análise de aspectos relacionados a como a comunicação ocorre

no trabalho com os conteúdos da Didática, perfazendo o código ensinado aos futuros

professores, gerando indícios diversos sobre a lógica da formação das consciências dos

futuros professores para um exercício profissional que não tende a reproduzir as

injustiças sociais por seu despreparo técnico e político para esse tipo de atuação,

conforme pesquisas diversas evidenciaram que vem ocorrendo (MARIN, PENNA,

RODRIGUES, 2012). Tais conceitos trazem contribuições ao entendimento dos

mecanismos instaurados nas práticas nos contextos instrucionais que atuam na formação

da consciência do profissional docente. Neste caso, um código de respeito às diferenças

e atendimento às necessidades do alunado, principalmente pelo rigor com as avaliações.

Entretanto, para finalizar, não se pode deixar de ressaltar que, apesar de os

relatos obtidos revelarem possibilidades de avanço detectadas em relação ao que as

pesquisas sobre o ensino da área costumam evidenciar, há que se considerar o ínfimo

número de alunos atendidos por instâncias públicas nos cursos presenciais, além do fato

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4241ISSN 2177-336X

Page 36: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

36

de os alunos nelas formados buscarem muitas vezes outros nichos de trabalho em lugar

de ir para as escolas públicas.

Referências

AFONSO, M.; MORAIS, A. M.; NEVES, I. Contextos de formação de professores:

Estudo de características sociológicas específicas. Revista de Educação, Lisboa, vol.

XI, nº1, p. 129-146, jan-jul. 2002.

BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.

Tradução de Tomaz T. da Silva e Luís F. G. Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996. Coleção

Ciências Sociais da Educação.

____________. Pedagogía, control simbólico e identidad: teoría, investigación y

crítica. Madrid: Morata; La Coruña: Fundación Paideia, 1998. Colección Educación

crítica.

BRASIL. MEC. SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF,

1998a. 10v.

_______. MEC. SEF. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

Brasília: MEC/SEF, 1998b. 3v.

GALLIAN, C. V. A. A Recontextualização do conhecimento científico: os desafios

da constituição do conhecimento escolar. Doutorado (Educação: História, Política,

Sociedade), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

MARIN, A. J. O trabalho docente: perspectiva globalizadora de estudos sobre ensino.

In: MARIN, A. J. Didática e trabalho docente. Araraquara: Junqueira & Marin, 2005,

p. 30-56.

MARIN, A.J.; PENNA, M.G.O; RODRIGUES, A. C. C. A Didática e a formação de

professores. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.12, n.35, p.51-77, jan/abril.

2012.

MORAIS, A. M.; NEVES, I. P. Textos e contextos educativos que promovem

aprendizagem. Optimização de um modelo de prática pedagógica. Revista Portuguesa

de Educação, Braga, v.1, n.22, p. 5-28, jan./jul. 2009.

SANT’ANNA, F.M. Microensino e habilidades técnicas do professor. São Paulo:

McGraw-Hill do Brasil, 1979.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes,

2002.

VEIGA, I.P.A. (org). Técnicas de ensino: por que não? Campinas: Papirus, 1991.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4242ISSN 2177-336X

Page 37: SABERES DOCENTES, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10142_36079.pdf · como o ensino aos alunos, atividades orientadoras do trabalho dos alunos, atividades

37

1 Nomes fictícios.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4243ISSN 2177-336X