SADER Regina Migração e Violência O Caso Da Pré-Amazônia Maranhense

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    1/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    2/124

    TERRITRIO E CIDADANIADa luta pela terra ao direito vida

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    3/124

    Capa de Jorge Cassol com desenho de Ivo Evangelist a de Almei da, ribeirinhoda rea indgena Mayorna do Maraja, mdio Solimes, municpio deAlvares, Amazonas.

    Copyright 1988 by AGB

    Terra Livre uma publicao semestral da AGB - Associao dos Gegrafos

    Brasileiros, em co-edio com a Editora Marco Zero Ltda., Rua Incio Pereirada Rocha, 273 - Pinheiros - So Paulo, CEP 05432, tel.: 815-0093.

    Terra Livre conta com auxlio do CNPq/FINEP. Este nmero 6 foi publicadoem agosto de 1989.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    4/124

    TERRA LIVRE 6

    TERRITRIO E CIDADANIADa lula pela terra ao direito vida

    Ailton KrenakRuy MoreiraRegina SaderPriscila Faulhaber

    Luiz Carlos TarelhoBernadete de Castro OliveiraYcarim Melgao Barbosa

    Editora Marco ZeroAssociao dos Gegrafos Brasileiros

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    5/124

    Terra Livre 6ISSN 0102-8030

    TERRA LIVRE uma publicao semestral da AGB - Associao dosGegrafos Brasileiros.

    Qualquer correspondncia pode ser enviada para a AGB - Nacional(a/c Coord ena o de Publ ica o):Avenida Professor Lineu Prestes, 338 - Edifcio Geografia e Histria -Caixa Postal 64.5 25 - Cidade Universitria - CEP 0549 7 - So Paulo - SP -Brasil. Telefone: (011) 210-2122 - ramal 637.

    Editor responsvel:Bernardo Manano Fernandes

    Conselho Editorial:Aldo PavianiAriovaldo Umbelino de OliveiraArmen MamigonianAziz Naci b Ab'S berBeatriz Soares Pontes

    Carlos Walter P. GonalvesGil Sodero de ToledoHeinz Dieter HeidemannHorieste GomesJos Pereira de Queiroz NetoJos Borzaquiello da SilvaJos Will ian Vese ntin iLylian ColtrinariManoel F. G. SeabraManuel Correia dc AndradeMaria Lcia EstradaMrcia Spyer ResendeMilton SantosNelson RegoPasquale PetroneRuy MoreiraSamuel do Carmo LimaSlvio BrayTomoko Iyda Paganelli

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    6/124

    SUMRIO

    Apresentao 7

    Tradio Indgena e Ocupao Sustentvel da Floresta 9Ailton Krenak

    A Marcha do Capitalismo e a Essncia Econmica da Questo Agrria no Brasil 19Ruy Moreira

    Migrao e Violncia - O Caso da Pr-Amaznia Maranhense 65

    Regina Sader

    A Terceira Margem - ndios e Ribeirinhos do Solimes 77Priscila Faulhaber

    O Movimento SemTerra de Sumar. Espao de Conscientizao e de Lula pela Posse de Terra 93Luiz Carlos Tarelho

    Reforma Agrria para Quem? Discutindo o Campo no Estado de SoPaulo 105Bernadete de Castro Oliveira

    O Movimento Campons de Trombas e Formoso 115Ycarim Melgao Barbosa

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    7/124

    A p r e s e n t a o

    "Vivemos um momento crtico. Um momento que clama por lucidez, criatividade e imaginao. De todos os lados, direita e esquerda, avalia- se que vivemos uma intensa crise no plano econmico, no plano jurdico- poltico, no plano dos valores e das normas, da arte e da cultura. A cincia, cada vez mais transformada em fora produtiva, encontra-se com a necessidade de repensar os seus fundamentos epistemolgicos e metodolgicos, enfim, sua relao com a filosofia.

    H, indiscutivelmente, uma ideologia da crise. Nela, as contradiese os conflitos do mundo moderno aparecem numa perspectiva apocalptica. E o fim do mundo! Para o pensar - agir conservador a crise

    de valores o prenncio do caos e da desordem, j que no se apercebe que o que est em crise a sua ordem de dominao".

    Carlos W. P. Gonalves"Os (Des) Caminhos do Meio Ambiente"

    A reunio destes textos foi de certa forma proposital, sugere(re)pensar o TERRITRIO E A CIDADANIA atravs de contribuies depesquisadores de diversas reas das Cincias Humanas. As contribuiesaqui reunidas, de um ndio, duas antroplogas, um psiclogo, umagegrafa e dois gegrafos, formam na prtica uma relao multidisciplinaronde o territrio e a cidadania so o objetivo principal de estudo. Se porum lado um texto apresenta o avano das formas de luta a nvel daconscincia, outro texto d relevncia ao avano desta luta sobre oterritrio abicando assim na compreenso do direito vida na luta pelaterra. Outros textos ainda estudam as possveis superaes dasinterdependncias a partir de novas propostas pensadas e criadas, onde asidias modificam as estruturas como forma de avano para a superaoracional da ordem de dominao.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    8/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    9/124

    Tradio Indgena e Ocupao Sustentvel daFlores ta

    Ailton Krenak*

    Enquanto a BR 364 cortava o seu traado entre Cuiab, no MatoGrosso, c Porto Velho, Rondnia, uma grande regio preservada daAmaznia tremia ante a fria das mquinas empreendedoras.

    Ao longe, l nas margens do Roosevelt, o belo rio que atravessa oterritrio dos nossos parentes Cinta-Larga, as grandes malocas pontuavama ocupao tradicional de um povo da floresta. Mais para o sul, um outroextenso territrio, habitat do povo Suru, acolhia a nao Paiter, j halguns milhares dc anos.

    Estamos hoje a apenas 20 anos desta saga amaznica que, a pretextode levar o desenvolvimento aos mais distantes rinces da nossa ptria,dilacerou uma das mais belas regies do planeta: Rondnia - aquelaregio que arde aos olhos do mundo.

    Em outubro dc 1988, conversando com um amigo, diretor doInstituto Estadual de Florestas da Rondnia, ouvi a afirmao dc que asltimas ilhas de cobertura vegetal nativa restantes naquela vasta regiohoje estavam limitadas s pequenas reas indgenas Suru, Cinta-Larga eGavio, cercadas de todos os lados por madeireiras famintas e pastagens

    vorazes.Agora, vamos ali na aldeia Suru, vamos ver o que est acontecendo

    l dentro.Pois . Antes mesmo de ser demarcada, esta rea indgena j estava

    retalhada no seu limite leste pelas "linhas" de colonizao do INCRA -que, ignorando o lugar que pisava, distribua ttulos at no espao. Diantedos conflitos envolvendo colonos e o povo Suru, a velha e corrupta

    Coordenador Nacional da UNI - Unio das Naes Indgenas.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    10/124

    FUNAI decidiu pelo reconhecimento do direito histrico desse povo a umpedao de terra, hoje demarcada como rea indgena Suru. S que tem umproblema, os colonos deixaram sua herana: a terra agredida pela devastao e suas lavouras de caf, pastagens que a FUNAI resolveu ampliar eincentivar o povo Suru a manter.

    Hoje, o povo Suru tem uma boa dor de cabea. Claro que s os quesobreviveram, porque 60% da populao foi dizimada por surtos dedoenas levadas pelo 'progresso' e pelos conflitos armados em que forammetidos. Alguns sobreviveram at mesmo ao projeto POLO-NOROESTE, aquele financiado pelo Banco Mundial, para o asfaltamentoda BR 364.

    Este recente episdio da nossa histria moderna poderia seracompanhado de uma centena de outros na mesma linha, comconseqncias to graves quanto as aqui relatadas, mas o que queremosmostrar o cenrio de uma outra histria, da luta e resposta que ascomunidades indgenas tm dado ameaa que pesa contra a natureza enossa vida mesma.

    Como assegurar regies preservadas e garantir uma economiasustentvel para nossas comunidades, diante da barbrie do progresso?

    O que fazer com regies tradicionais que foram agredidas ao pontodo grave comprometimento dos ecossistemas?

    Vamos dar uma olhada no passado recente?

    H i s t r i c o

    Nos ltimos anos, as 180 tribos indgenas brasileiras, localizadasem vrias regies do pas, tm mantido uma grande campanha pelademarcao de seus territrios como forma de assegurar essas ltimasregies que ainda nos restam.

    No entanto, o governo, atravs da FUNAI - Fundao Nacional do

    ndio -, alm de retardar este processo de reconhecimento e demarcao denossas terras, tem demonstrado total incapacidade na definio de umapoltica indigenista capaz de assegurar aquelas reas j demarcadas, emesmo de apoiar iniciativas das comunidades no sentido de preserv-lasante o assdio das empresas madeireiras, mineradoras, garimpeiros eoutras prticas predatrias.

    Diante desse quadro, as comunidades indgenas vm sendo submetidas a um intenso processo de dependncia econmica, perda de seusrecursos naturais, fauna e flora e, conseqentemente, perda da qualidade devida, antes assegurada por um habitat natural e base de uma economiasustentvel, capaz de responder a todas as necessidades de cada tribo.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    11/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    12/124

    Nos limites da Reserva Indgena Xavante de Pimentel Barbosa, a perigosaproximidade das fazendas de criao de gado.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    13/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    14/124

    No Cerrado, os Xavantes tm seu supermercado, farmcia, todo oabastecimento de suas necessidades bsicas.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    15/124

    Intercmbio

    Cada Programa ter a participao direta das comunidades envolvidasatravs de bolsistas que estaro, ao mesmo tempo, buscando formaosuplementar na Universidade e acompanhando o projeto de suacomunidade.

    Formao Acadmica

    A pronta disposio da Universidade Catlica de Gois em acolher aproposta do Ncleo de Cultura da Unio das Naes Indgenas - UNI -,assegurando com isto vagas extraordinrias para o primeiro grupo depessoas indgenas j no primeiro semestre de 1989, possibilitou-nos odetalhamento de programas adaptados para os cursos de Direito eBiologia.

    Programa Adaptado

    A origem dos candidatos a esse programa de formao questiona aaplicao do sistema de exame seletivo de vestibular como acesso Universidade, na medida em que nossos candidatos no iro se constituirem parte do mercado geral de profissionais, mas estaro voltadosestritamente para o atendimento da demanda de suas comunidades. Exigetambm a adaptao do currculo de cada curso escolhido na Universidadepara o atendimento aos objetivos estabelecidos no Programa. Nessesentido, a UCG assegurou 5 vagas para o curso de Biologia, a ttulo deextenso universitria, e 5 vagas para o curso de Direito, a ttulo degraduao universitria, habilitando para o pleno exerccio da profisso deadvogado.

    As adaptaes curriculares realizadas asseguram a especializao emreas de interesse especfico, bem como instncias de apoio ao Programa,tais como:

    Acompanhamento extra-sala de aula Ciclo de Seminrios (coordenao conjunta UCG/UNI) Intercmbio de Conhecimentos Tradicional/Interdisciplinares Estgio vinculado a Projetos de Campo (orientao do Centro de

    Pesquisa) Acrscimo de disciplinas extra-curriculares

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    16/124

    Na base da formao dos jovens est o conhecimento profundo de seuhabitat e dos complementos ecossistemas-equilbrio.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    17/124

    Estgio/Projeto de Campo

    A viabilizao dessa parte do Programa exigiu o estabelecimento deum Centro de Pesquisa Indgena localizado prximo Universidade, nacapital do Estado de Gois, Goinia, que estar coordenando, em conjuntocom as organizaes indgenas, o desenvolvimento de cada estgio doprograma de formao, bem como a sua manuteno, administrao eavaliao.

    Acompanhamento do Programa

    Tanto a aplicao plena do Programa, quanto o seu suporte tcnicoextra-acadmico ser realizado pelo Centro de Pesquisa Indgena, atravsde suas respectivas unidades apropriadas - Centro de Convivncia,

    Laboratrios de Anlises e Pesquisa, Departamento de Tecnologia de Alimentos e Mercado e Centro Experimental.

    Para os estudantes do curso de Direito ser mantido estgiocoordenado pela UCG c UNI atravs do Ncleo de Direitos Indgenas.

    CENTRO DE PESQUISA INDGENA

    Estrutura

    O Centro de Pesquisa Indgena, como base de apoio ao Programa deFormao, dever assegurar a plena articulao entre as vrias fases destePrograma com as aes concretas no plano das atividades de pesquisa eaplicao dos conhecimentos adquiridos, alm de dar suporte para aimplementao dos 'projetos-pilotos' que estaro se desenvolvendo emcada rea de origem de um dos bolsistas, a exemplo do j mencionado"Projeto Jaburu", em aplicao desde 1987, na Aldeia Xavante dePimentel Barbosa, Mato Grosso.

    A implementao do Centro de Pesquisa Indgena em Goinia,prximo Universidade, nos levou a buscar um lugar que pudesse acolhertanto a infra-estrutura tcnica para apoio s vrias etapas do Centro de

    Convivncia, onde estaro localizados os bolsistas deste Programa. Aimportncia de podermos manter os Bolsistas/Estudantes em local

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    18/124

    adequado e vinculado fisicamente com o espao onde ser instalada ainstncia de apoio tcnico (reas experimentais, laboratrios,equipamentos de beneficiar frutos), propsito em todo o conceito desteProjeto, alm de condio para o cumprimento das seguintes etapas:

    1) Atendimento ao Programa Extra-Acadmico para os Bolsistas2) Assegurar local para estabelecimento das reas Experimentais3) Pre ver local pa ra inst ala o dos Equi pame ntos par a

    Beneficiamento dos Frutos4) Implantao de reas de Cultivo Experimental para posterior

    adaptao nas aldeias5) Instalao de reas Experimentais para Criao de Animais

    Silvestres em regime de semiliberdade.

    Todas estas atividades se constituem em parte do Programa deFormao e aplicao dos conhecimentos adquiridos, sendo que seudesenvolvimento possibilita o fechamento do Circuito Universidade-Centro de Pesquisa Indgena-Aldeias de Origem aqui representado:

    Universidade Centro de Pesquisa- reas experimentais- laboratrios- departamento de Tecnologia de Alimentos Aldeia/rea Indgena- Regio do Cerrado- Regio da Pr-Amaznia- Regio Amaznica

    Esta a maneira como est conceituado o Programa Especial deFormao. Por necessidade de uma apresentao formal do projetochegamos a este desenho. Mas claro que este no o nico desenhopossvel. Ele continua sendo sonhado pelos nossos pajs, corrigido pelosparentes - seus autores.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    19/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    20/124

    O mercado e o Estado capitalistas, eis dois dos parmetrosfundamentais sem cuja observncia a anlise da questo agrria fica soltano ar. Tal como no dito popular, se passamos pelo segundo, o que svem com o confronto, ao instituir-se com a reforma agrria a propriedadeprivada da terra, qualquer forma da propriedade privada, no fugimos sartimanhas do segundo. Tem sido esta a fonte das agruras das revoluesquando passam ao momento da construo da nova sociedade socialista. sobretudo este o dilema, para o campesinato e o proletariado urbano,quando se trata de qualquer das variedades de transformao agrria com aqual a histria "limpe" o caminho para que se instale "a maneiracapitalista" de desenvolvimento agrrio.

    Esta reflexo me veio mente quando o assassinato de ChicoMendes tornou pblico o forte contedo socialista da proposta de reserva

    florestal. E mais ainda, quando este contedo ficou envolto na obscuridadeao chegar o movimento dos seringueiros de Xapuri-Brasilia conscinciado proletariado urbano como uma presso sobre o Estado de"sindicalistas-ecologistas" pela preservao do "maior pulmo verde domundo". Se a mistificao do movimento ecologista, este "re torno aRatzel" com sabor de farsa neo-populista, previsvel, a omisso das

    foras de esquerda, no esclarecimento do calor e direo que vm seguindoas lulas camponesas aos trabalhadores da cidade, estarrecedora.

    A ESSNCIA ECONMICA DA QUESTOAGRRIA NO BRASIL

    Xapuri localiza-se no limite ocidental da linha da "fronteiraagrcola", no Estado do Acre, onde colonizao privada, tipicamenteespeculativa com terras, se soma a chegada da representao espacial maistpica da incorporao de terras ao circuito mercantil capitalista: a estrada(BR-364). No momento do assassinato de Chico Mendes, polemiza-sesobre o asfaltamento do trecho que liga Rio Branco a Cruzeiro do Sul esua interligao rede rodoviria peruana de modo a que os centros deproduo madeireira da regio amaznica e de produo de gros doplanalto central tenham acesso aos mercados asiticos orientais, viaOceano Pacfico. No fundo da polmica est o confronto americano-

    japons, ressonado pelo BIRD (Banco Mundial), avalista da dvida externabrasileira em substituio ao FMI c dos principais organismos

    internacionais de financiamento da "pesquisa c preservao ecolgica" no

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    21/124

    pas, como "ameaa ao equilbrio ambiental da Amaznia", comamplificao pelo movimento ecolgico nacional e internacional.

    Envolvendo o conflito de terras entre seringueiros de Xapuri-Brasilia e o latifndio moderno, que desde a dcada passada chega Amaznia substituindo a floresta por pasto e expropriando pela violnciaarmada a terra a seus ocupantes tradicionais (posseiros, seringueiros endios, estes dois ltimos os "povos da floresta"), o assassinato de ChicoMendes rapidamente internacionaliza a polmica, ficando ocultadas sob aressonncia da mistificao ecolgica a disputa inter-imperialista e oalastramento da guerra camponesa em toda extenso da linha da "fronteira"agrcola amaznica.

    Ocorre que aqui o modelo redistributivo de terras, preconizado comocaminho de reforma agrria por todas as foras de esquerda, cedo mostrou-se inadequado para os prprios seringueiros. Logo evidenciou-se que adiviso pura e simples da terra, implicando com a sua repartio lambema das rvores da borracha, levaria, dado a sua grande disperso territorial,cada nova pequena propriedade a tornar-se improdutiva (estamos numaeconomia puramente extrativa: quantas rvores ficariam em cadapropriedade com a repartio?). Da a sada bvia: o uso coletivo da terra.O Estado expropriaria a terra e a repassaria ao usufruto dos seringueirospelo prazo de 30 (trinta) anos, na mais clssica soluo leninista dereforma agrria (afinal, Chico Mendes teve sua educao poltica com umvelho leninista refugiado nas malas da Amaznia), que a v passandoprimeiro pela mais radical forma de revoluo agrria burguesa, a queextingue o pagamento da renda absoluta extinguindo a propriedade privadada terra (vide "O Programa Agrrio da Social-Democracia na PrimeiraRevoluo Russa de 1905-1907"). Mas qual Estado? aqui que a carnciadas alianas urbanas do movimento campons dos seringueiros com omovimento do proletariado urbano leva-o a busc-la onde pde encontrar(e sabido que sua proposta pouca ateno desperta no 3 CONCUT,

    realizado pouco antes da tragdia).Ora, tanto esta quanto outras reas econmicas do espao agrriobrasileiro do indcios do amadurecimento da soluo socialista para aquesto da terra, fruto da prpria marcha do desenvolvimento capitalista.

    Tal peculiaridade nacional deve-se s caractersticas, trsbasicamente, que resumem esta marcha da formao do capitalismo noBrasil:

    1 - A variedade latifundirio-burguesa da transformao agrria, emque um processo de modernizao progressiva leve o latifndioatrasado a converter-se em moderna empresa rural capitalista(o "novo latifndio");

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    22/124

    2 - A estrutura binomial latifndio-minifndio, com base na qualo latifndio transfira para o minifndio as tarefas produtivasvitais ao desenvolvimento geral do capitalismo, porm demenor lucratividade, como a produo de gneros alimentciosde primeira necessidade, liberando-se para ocupar-se da produoagrcola de mais altas taxas de lucratividade e capaz de ensejar-lhe o ritmo desejado de capitalizao.

    3 - A ampliao crescente e generalizada da mobil idade territorialdo trabalho, de modo que se possa combinar amplaproletarizao e permanncia do campesinato vital ao complexobinomial.

    Analisando o caso russo com base no estudo do quadro europeu enorte-americano a ele contemporneo, Lnin j observara em 1908 osdois caminhos que fundamentalmente pode seguir o desenvolvimentocapitalista no campo, o latifundirio-burgus e o campons-burgus,ambos destinados a "limpar" as estruturas econmico-sociais ao livreflorescimento do mercado, a "maneira capitalista" de desenvolvimento. Oprimeiro passa pela modernizao dos processos produtivos, mediante aqual a grande propriedade atrasada acabe por transformar-se numa modernaempresa rural capitalista, consistindo num caminho de lenta evoluo docapitalismo e conseqentemente doloroso para o campesinato. O segundo, o caminho em que a revoluo camponesa empreende o confisco radicalda terra e a redistribui de modo radical entre as famlias camponesas,abrindo a economia de mercado generalizadamente totalidade dapopulao.

    Estes dois caminhos podem coexistir num mesmo pas, a exemplodo que vinha ocorrendo na prpria Rssia desde a Reforma de 1861 queabole a servido da gleba, o primeiro nas reas centrais da Ucrnia eRssia Europia e o segundo nas perifricas do leste, que ento fazia opapel de um grande "fundo de colonizao".

    Pode o leitor notar que o primeiro, o latifundirio-burgus, porns analisado em texto publicado no nmero 1 desta Terra Livre ("OPlano Nacional da Reforma Agrria em Questo", Terra Livre n 1, julhode 1986, pginas 6 a 18), o caminho que est em curso no Brasil desde1850, ano da abolio do trfico negreiro e da instituio da Lei de Terras.Igualmente, a semelhana da sua ordenao espacial no Brasil e na Rssiado perodo em rea de latifndio consolidado (centro) e rea de "fundo decolonizao" (periferia).

    O que est ocorrendo em Xapuri-Brasilia, e em cada canto do passob formas prprias, a reao dos seringueiros "limpeza" latifundirio-burguesa da estrutura agrria para o capitalismo (fosse o caminho

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    23/124

    campons-burgus e a "limpeza" seria de latifundirios), estratgia que,desde 1850, consiste em criar para depois dissolver as relaes de trabalhoe produo prprias da acumulao primitiva do capital. No , pois, umfato isolado e sem conexo com o curso geral da marcha capitalista, quehoje "chega" "periferia". Vejamos, primeiramente, este curso geral,para, a seguir, analisarmos os rumos da questo agrria nesta virada desculo no Brasil.

    A FORMAO DO CAPITALISMO NO BRASIL

    A passagem do escravismo ao modo capitalista de produo marcado pelo nascimento de uma dinmica reprodutiva do capital em queuma diviso interna de trabalho, de que a indstria fabril componente,origina internamente a economia mercantil, com a qual logra-se criar eavanar sempre para adiante o processo interno da acumulao primitiva. esta estrutura nova de sociedade que v nascer o moderno campesinatobrasileiro e com ele o que vamos designar por estratgia da modernizaocomo caminho da reforma agrria das elites. Esta, um mecanismo de

    fuso entre agricultura e indstria, cujo limite agora estamos atingindo,em que o latifndio atrasado se converte em empresa capitalista moderna.O campesinato nascente pea essencial desse mecanismo, atravs dopapel que lhe cabe dentro do binmio latifndio-minifndio.

    Nasce este campesinato sob laces regionais diferenciadas, j que aacumulao primitiva do capital surge e progride no interior do arcabouoespacial herdado do colonial-escravismo, aparecendo como pequenoproprietrio familiar no Sul, colono nos cafezais do Sudeste, morador noscanaviais e algodoais no Nordeste e seringueiro nas malas da Amaznia.

    Dentro deste arcabouo molecularizado tal campesinato toca apequena produo vinculada s culturas alimentcias, ocupando dentro doslatifndios as terras menosprezadas pela "lavoura nobre", nascendo assimo minifndio dominial, e externamente a eles aquelas terras situadas nalinha de frente da expanso dessa grande lavoura de mercado, nascendoassim o minifndio autnomo.

    esta estrutura espacial que instrumentar as estratgias do caminholatifundirio-burgus, at o grande salto de qualidade que a transformaoagrria d a partir dos anos cinquenta-sessenta.

    J antes da Abolio formal da escravatura ela ocorrera na prtica.Os anos setenta do sculo XIX condensam tal ruptura real, que j aparecenas formas referidas do moderno campesinato no espao canavieira,

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    24/124

    Esta e as citaes seguintes de Francisco de Oliveira so de "A Emergnciado Modo de Produo de Mercadorias: Uma Interpretao Terica daEconomia da Repblica Velha no Brasil (1889-1930)", captulo 1 de "AEconomia da Dependncia Imperfeita", Graal, Rio de Janeiro, 1984.

    extrativo-vegetal, pastoril, policultor e, por fim, cafeeiro quando esteatinge o planalto paulista.Em todas estas reas um mesmo problema se apresenta e a mesma

    a sada. Francisco de Oliveira assim resume a questo, numa linha dereflexo com a qual concordamos por inteiro1: "A Abolio o fim doImprio, um trusmo de h muito proclamado pelos historiadores e que,segundo consta, no havia escapado percepo dos polticos da poca.No "um raio num dia de cu azul", na frase famosa de Marx; oresultado de uma contradio entre estrutura de produo e as condies derealizao do produto. A expanso das culturas de exportao, sobretudo eindiscutivelmente do caf, leva consigo uma expanso mais queproporcional do capital constante, constitudo seja pelo prprio estoque decapital empatado nos escravos, seja pelos meios de subsistncia dosmesmos escravos. Principalmente a expanso dos ltimos significa umincremento das importaes que punha constantemente em risco aestabilidade da forma de valor do produto: a moeda est rangeira enotadamente a taxa de cmbio. Alm disso, a base de infra-estruturanecessria para a expanso das culturas de exportao - as ferrovias e osportos - requeria tambm doses incrementadas de moeda externa, com o

    que as crises cambiais chegam quase a um estado crnico. A Abolioresolve um dos lados da contradio, transformando o trabalho em fora detrabalho". Em outros termos, o custo de reposio e o de reproduo doescravo resolvem-se no nascimento do campesinato moderno.

    J antes a necessidade de elevar-se o nvel da produtividade fez aotrabalho escravo combinar-se aqui e ali a introduo de mquinas, tantonas atividades agrrias (como nos cafezais e nos algodoais) quanto noplano geral (implantao de ferrovias e navegao a vapor). Com isso,agrava-se a contradio apontada por Francisco de Oliveira, que o autorsitua no mbito do "circuito produo-financiamento-comercializao-acumulao-produo". E, no limite, aquela em que se defrontam asrelaes escravistas de produo e a necessria elevao do nvel das forasprodutivas, resolvendo-se no surgimento da economia mercantil.

    O aguamento dessa contradio de fundo, modo como efetivamentese exprime a contradio senhor-escravo, vai-se resolvendo em cada cantonos diferentes estilos espontneos da metamorfose do trabalho escravo.Entretanto, este ncleo essencial do problema, a permanncia doescravismo na produo plantacionista, 'fundamentalmente a cafeeira,

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    25/124

    restar sem soluo ate sua abolio real. com ela que se abre para a

    sada da crise, a qual vem na forma do nascimento da diviso do trabalhocom que internamente se engendra o que Francisco de Oliveira designa por"emergncia do modo de produo de mercadorias", no fundo a introduointerna economia nacional da acumulao primitiva do capital, cujoprocesso por ele assim descrito: "Olhando-se mais de perto, a rupturadas relaes escravocratas e a instaurao do trabalho assalariado nopodiam, jamais, elevar a renda derivada do trabalho; o nvel global darenda permanecia constante, mudando a sua forma. Mas, isto sim, apassagem para o trabalho assalariado expulsou para fora dos custos daproduo do caf a manuteno da classe trabalhadora (ainda que aproduo dos bens dc subsistncia possa ter permanecido dentro dasfronteiras do latifndio); no proceder-se a essa mudana de forma deproduo dos meios de subsistncia, procedia-se, concomitantemente, auma mudana de contedo fundamental, para a existncia de um modo deproduo de mercadorias, pois antes, ainda que existisse, a produo desubsistncia pelos prprios escravos no fundava nenhuma troca. Mesmono caso quase geral da agricultura brasileira, de persistncia de uma fracamonetarizao das relaes de troca - um fenmeno largamente existenteainda hoje -, a prpria reiterao das relaes de troca acaba por escolher

    uma mercadoria padro, que se metamorfoseia no dinheiro; viro a ser osal, o querosene, o pouco vesturio e calado, enfim, elementares artigosda cesta dc consumo dos novos produtores da agricultura de subsistncia,que quase tomam o lugar do dinheiro nas novas relaes de troca - oarquiconhecido esquema dos "barraces" da zona aucareira do Nordeste edas zonas correlatas do Sul. O importante que tambm esseselementares produtos nem so produzidos pelas unidades deagroexportao nem pelas unidades da chamada agricultura de"subsistncia", o que forceja a diferenciao da diviso social do trabalhoem outros segmentos econmicos". Isto , a soluo da crise requer que

    se instaure o processo da acumulao primitiva do capital que, enquantotal, no limite, instaura o nascimento da indstria, ainda que esta surjacom a funo precpua de compor mais um elemento do elenco dascondies da reproduo do capital agroexportador. E, nesse passo, selance o embrio da nova qualidade de relao cidade-campo, em que ocomando do campo v sendo transferido para a cidade quanto mais o pratoda balana penda para o lado do desenvolvimento industrial, isto , aforma mais avanada do capitalismo.

    Transfere-se, pois, para o trabalhador a tarefa do seu prprio custeio.

    E isto requer uma nova estrutura social e produtiva, em que doiscomponentes tm importncia fundamental: 1) a inveno do binmio

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    26/124

    latifndio-minifndio principalmente atravs do nascimento docampesinato; e 2) a inveno da indstria de bens de consumo popularcomo novidade da diviso interna do trabalho. A primeira medida necessria a que o prprio novo trabalhador das fazendas produza seusustento sem sair dos interstcios do tempo dedicado ao produto nobre; e asegunda a que da cesta dessa sua reproduo conste bens no-agrcolas acusto baixo para a acumulao geral do capital. E o aprofundamento, nosentido da subverso destas duas componentes, no bojo da qual ocampesinato se metamorfoseie no moderno proletrio e a indstria vinjetando modernizao grande propriedade (industrializao dolatifndio) e assim tornando-se a base do novo padro de acumulao,exatamente isto, o movimento da acumulao primitiva at o fim.

    Tais termos da estratgia da modernizao latifundista na sua faseinicial da acumulao primitiva, em nvel mais detalhado, Francisco deOliveira assim resume: "A Primeira Repblica herda, pois, umaeconomia cujas condies de acumulao e crescimento haviam sidograndemente potencializadas. Em primeiro lugar, avanam os processos

    de acumulao primitiva, que a nova classe revertia agora pro domo suo,e que significavam, no apenas a ampliao da posse e propriedade daterra, mas o controle das nascentes trocas entre unidades de produodistintas, desfeita a autarquia anterior, por intermdio de todas asinstituies que depois vo caracterizar a estrutura poltica e social daRepblica Velha, como o coronelismo, o complexo latifndio-minifndio, os agregados. Em segundo lugar, a instaurao do trabalholivre no corao das prprias unidades produtivas do complexoagroexportador significa uma inverso de situao da economiaescravocrata, predominando agora o capital varivel e fazendo crescer arentabilidade das exploraes. Quantitativamente, pois, o volume doexcedente sob controle dos "bares do caf" (assim como dos bares doacar e dos outros bares) era, agora, maior que em pocas anteriores".

    Em resumo, a abolio do escravismo abre para o desenvolvimentodo capitalismo, primeiro instaurando e a seguir "limpando" as formassociais prprias da acumulao primitiva. Vejamos o processo c seus doismomentos, o segundo hoje em concluso.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    27/124

    Espao Molecular: A Acumulao Primitiva

    Herdando o arcabouo espacial do colonial-escravismo2

    , nombito de uma molecularizado que tal processo avanar, introduzindo-seuma dinmica espacial em que da heterogeneidade chegar-se- homogeneidade de contedo na relao capitalista madura.

    Tal molecularidade no se mantm embaixo da reinveno que"transforma o trabalho em fora de trabalho" essencialmente por razo deinrcia espacial, mas porque o arcabouo molecular representa o poder dasoligarquias rurais regionais, sendo portanto reiterada para servir estratgia do desenvolvimento latifundirio-burgus da agricultura.

    Imbricada nessa amlgama de reiterao-modernizao da "burguesia junker" brasileira, a molecularidade espacial abre, mas de modoobviamente regulado pelas elites agrrias, as portas para o fluxo daacumulao primitiva que dos anos 70-80 do sculo XIX aos anos 60-70do sculo XX, em um sculo pois, converte a crise agrria emmetamorfose capitalista.

    Em cada canto desse arcabouo espacial os arranjos vo sendocosturados num todo regional que se destina a organizar o processo localde acumulao primitiva, articulando o Estado as imbricaes do processoglobal do desenvolvimento capitalista. Esta interligao escalar de

    conjunto, o Estado promove fazendo as acumulaes localizadasconvergirem para servir ao aprofundamento geral do eixo agricultura-indstria, mediante o qual o eixo geral seja o da industrializao dasociedade brasileira. Cresce, portanto, por dentro da heterogeneidademolecular, a linha de homogeneizao do espao nacional no contedocapitalista, movendo neste deslocamento as contradies oriundas dodesigual ritmo da modernizao latifundista que o eufemismo ideolgicorotular nos anos cinqenta de questo regional (chega-se a criar uma"teoria de espao arquiplago" com base em "ciclos econmicos").

    no espao cafeeiro, a partir do sistema do colonato, que se gesta edesenvolve a forma mais avanada dessa tessitura escalar horizontal-vertical da modernizao. Todavia, as novas relaes de trabalho que vmna esteira do nascimento do campesinato j esto se instalando desde aentrada da segunda metade do sculo XIX, antecipando-se ao espaocafeeiro, portanto, na Amaznia com o sistema do aviamento e noNordeste com o sistema do morador de sujeio.

    2 A forma col onia l-esc ravi sta de organizao do es pao o tema do captulo2 do livro "Elites Agrrias e Rela o Cidade-Campo no Brasil ", de minhaautoria no prelo na EDUFF, do qual esta seo na verdade uma parte.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    28/124

    Simbiose e freagem no Nordeste

    Nas reas do Nordeste a acumulao primitiva desenvolve-se nostermos de uma articulao tanto estranha quanto contraditria entreusineiros e "coronis". Por dentro das diferenas do arranjo espacial quesepara a mata canavieira e o serto pecurio, evoluem as formascamponesas vindas da metamorfose do trabalho escravo com auniversalidade de moradores, foreiros, parceiros e pequenos rendeiros, quefaz uma pontuao comum rea canavieira da fachada costeira epecurio-algodoeira do agreste-serto.

    No espao plantacionista canavieira o processo da acumulaoprimitiva identifica-se com a metamorfose do velho engenho na modernausina, que coroa as tentativas governamentais de modernizao da agroindstria via instalao dos engenhos centrais. Estes exprimem umapoltica do governo imperial de modernizao da economia agro-aucareirabaseada na separao orgnica entre lavoura e indstria: os antigossenhores de engenho se voltariam exclusivamente para a lavoura,enquanto a fabricao do acar seria entregue a capitais estrangeiros. Emlese, visa-se com isto uma especializao capaz de traduzir-se emmodernizao da aparelhagem produtiva e conseqente elevao da

    produtividade. Num momento em que em todo o espao nacional adiviso interna do trabalho aprofunda-se pela via da maior integraoorgnica do eixo agricultura-indstria, a experincia dos engenhos centraiss teria que falir. Ao contrrio, a modernizao econmica vem na formade uma ainda maior fuso dos capitais na agro-indstria, a da usina.Moderna fbrica instalada com capitais oriundos da metamorfose dosdonos de engenho ou vindos da cidade, com a usina vem a ferrovia, e coma ferrovia maior latifundizao, que pe nas mos dos usineiros umaconcentrao ainda maior da propriedade da terra e dos canaviais.

    Em condies tcnicas superiores s do engenho na moagem decana, a usina ganha terreno rapidamente. Atravs da ramificaoferroviria, vai aambarcando a matria-prima num raio de distnciacrescente, sufocando os engenhos, que, sem condio de concorrncia,tendem a fechar (a tornar-se "engenho de fogo morto") ou a converter-se produo basicamente de rapadura. Apropriando-se das terras emonopolizando a moagem, a usina implanta verdadeiros imprios.Promovendo completa reestruturao regional, reverte a tendncia fragmentao da propriedade que acompanha a crise da agro-indstria,transforma a maioria dos antigos senhores de engenho em meros

    fornecedores de cana, expande a rea de cultivo da cana mesmo sobreparcelas de policultura, cria e proletariza parcela do campesinato.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    29/124

    A chegada da usina opera, assim, completa remodelao naorganizao espacial. No centro da paisagem localiza-se sobranceria ausina, ladeada pelas vilas operrias, as "ruas" onde o campesinatoproletarizado vai se aglomerando em viveiros de mo-de-obra, e rodeadano conjunto pelos canaviais, estes, fragmentados em canaviais da usina ecanaviais dos fornecedores. Tecendo a unidade orgnica que faz dessaorganizao espacial o territrio imperial da usina, as ferroviascompletam a moldura, num reforo da centralidade da indstria. Todavia,por dentro desta tela moderna, sustentando-a no fundo, segue existindo ovelho binmio latifndio-minifndio pela maior propagao noscanaviais da figura do morador e do foreiro.

    Polarizando a estratificao social em usineiros e proletrios das

    usinas, esta reordenao das estruturas de produo e de classes nem poristo extingue o binmio latifndio-minifndio. Sendo uma atividade desafra nica, e impondo-a como norma totalidade regional atravs daexclusividade da monocultura canavieira, a usina tem no binmio a baseda necessria flexibilidade com que precisa operar a alternncia cclica dosperodos de safra e entressafra. O binmio absorve e lidera segundo estaalternncia terras e fora de trabalho, garantindo produo alimentcia ereserva cativa de mo-de-obra agro-indstria. Compondo o que Franciscode Oliveira com muita propriedade designa por "fundo de acumulao" e"formas de defesa anticclicas no-capitalistas"3, o binmio e a molamestra da estratgia de "imbricao salrios-culturas de subsistncia". com ela que a agro-indstria capacita-se a sobreviver sob a crisepermanente em que vive, agravada internamente ao longo da primeirametade do sculo XX pela concorrncia da produo aucareira do "Sul".Sria, tendo em vista que a produo aucareira do Nordeste volta-se maise mais para o mercado interno, e pela emergncia, regionalmente noNordeste, do complexo algodo-pecurio-industria txtil.

    Nas reas pastoris do Serto e Agreste o arranjo espacial articuladopelo consrcio gado-algodo consolidara-se na passagem do sculo e

    sedimenta agora uma sociedade fortemente agrria e hegemonizada pelos"coronis", designao com que passam a ser conhecidos os grandesproprietrios de terras, senhores do gado e do latifndio pastoril, aps a"revoluo" de 30.

    Na verdade, o arranjo espacial articula uma escala de relaes cm quesob o elo gado-algodo vamos encontrar o binmio latifndio-minifndio

    2 Ver "Elegia Para Uma R e(li )gio", Paz e Terra, Rio de Janeiro , do qualextraio as citaes daqui em diante de Francisco de Oliveira. A este livro oleitor deve juntar o clssico de Manuel Correia de Andrade "A Terra e oHomem no Nordeste", Brasiliense, So Paulo.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    30/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    31/124

    Ocorre ento que no plano de conjunto do Nordeste vo interligar-sefreqentemente a economia agro-aucareira e a algodoeira-pecuria, atravsda simbiose que se d entre os capitais industriais. que fornecendotecido grosseiro ao proletariado empregado na agro-indstria e a sacarianecessria ao acondicionamento do acar s usinas, a indstria txtil vaiter o seu grande mercado, condio que no raro estimula a reunio dosrespectivos capitais.

    Fecha esta simbiose assim uma unidade algodo-acar fortementeengastada numa fuso agricultura-indstria em que a industrializao faz-se embaixo da hegemonia das elites agrrias e sobre a base de uma classetrabalhadora essencialmente ruralizada. Esta simbiose que faz a fora daeconomia , como adiante veremos, a mesma que frear seu salto dequalidade da mais valia absoluta para sua fase superior de mais valiarelativa, levantando, pois, uma barreira a que a acumulao primitivaefetivamente convirja para a forma plena do capitalismo. Nisto diferiressencialmente o processo no Nordeste e Centro-Sul, exprimindo estadesigual evoluo do desenvolvimento capitalista nas performancescomparadas das unidades estaduais mais representativas de ambas regies,respectivamente Pernambuco e So Paulo.

    Rapinagem e Ilusionismo no Vale Amaznico

    A virada do sculo surpreende o vale amaznico situado num estadooposto ao do quadro geral da Colnia. Sem estar incorporado no mesmograu orgnico de interligao das demais "macro-formas" rede dearticulaes da reproduo plantacionista e mineira, o espao extrativoamaznico nenhum abalo sofre em seu dinamismo quando a economiamineira entra em crise. Por isto, a passagem do sculo vai encontr-lomergulhado no extrativismo das "drogas do serto", neste momentogirando em 58% ao redor das exportaes do cacau.

    Avizinha-se, todavia, a fase extrativista da borracha, que se iniciapor volta de 1850 e promove profundas alteraes no contedo e forma doespao extrativo.

    Determinaes interno-externas so tambm aqui evidentes.Internamente acumulam-se os efeitos da queda internacional dos preos docacau (s entre 1805 e 1816 cai de 3.100 ris por arroba no portoparaense para 2.000 ris). Externamente descobre-se em 1841 o processode vulcanizao da borracha natural que abre para seu franco emprego

    industrial. Frente rpida ascenso de preos que a borracha experimenta,

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    32/124

    o extrativismo vegetal amaznico se desloca inteiramente para esteproduto.

    De incio, sua extrao faz-se nos pontos mais acessveis dascercanias de Belm, indo deslocar-se depois mais e mais para os pontosdistantes do hinterland na direo do alto curso dos rios. As exigncias deorganizao do espao tornam-se ento crescentes. Vai comandar estaorganizao um processo de intermediao comercial-usurria que jrealiza essa tarefa desde o "ciclo" das drogas: o sistema do aviamento. Oaviamento um mecanismo em que mercadorias so fornecidas a creditopara pagamento com produtos in natura, "uma espcie de crdito semdinheiro" no dizer de Roberto Santos no seu clssico "HistriaEconmica da Amaznia (1800-1920)"4.

    O arranjo espacial implica a disperso dos seringueiros(trabalhadores extratores do ltex, lquido extrado da rvore com o qualfabricar-se- a borracha) mata adentro, que nela se fixaroindeterminadamente. A, num ponto beira do rio, o seringueiro levantasua cabana e instala o sistema rstico da defumao do ltex paratransform-lo na forma bruta da matria-prima da borracha. Diariamentedesloca-se ao longo de uma picada aberta na mata, a estrada deseringueiras, fincando e recolhendo das seringueiras tijelinhas querecepcionam o ltex, reunindo o lquido num balde para defum-lo aofinal do dia. Percorrendo de uma a duas estradas por dia, cada qualcontendo a mdia de 123 rvores, ao seringueiro no sobra tempo paradedicar-se produo alimentcia e demais bens de uso e consumo,suprindo-se dos fornecimentos do seringalista (proprietrio do seringal, afazenda que emprega o seringueiro congregando dezenas de estradas).

    O trabalho do seringueiro uma das pontas de uma complexa cadeiade intermedirios, os "aviadores", que tem no outro extremo osexportadores. O sistema do aviamento ento uma estrutura vertical quearticula desde a pliade pontual dos seringais at sua comercializao-industrializao internacional, incluindo entre o seringueiro e o grandeespeculador internacional uma gama diversificada de nveis intermedirios,de que o seringalista apenas um dos elos. Em sua projeo espacial, uma rede que abarcar no tempo a totalidade da extenso territorialamaznica.

    Nesta organizao espacial o sistema do aviamento tudo centra naextrao da borracha. O pouco de diversificao de uso da terra do "ciclo"das drogas dissolve-se frente reorganizao do espao promovida pelaestruturao do extrativismo gomfero. Polarizado na alta lucratividade

    So desse livro, editado pela T. A. Queiroz, So Paulo, as citaes seguintes.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    33/124

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    34/124

    agrcolas do Sul em face da destruio da produo local pela centrao doespao regional na produo da borracha, pe tudo na dependncia daintermediao mercantil-usurria. Descrevendo o processo, diz RobertoSantos: "O 'aviador' de nvel mais baixo fornecia ao extrator certaquantidade de bens de consumo e alguns instrumentos de trabalho,eventualmente pequena quantidade de dinheiro. Em pagamento, recebia aproduo extrativa. Os preos dos bens eram fixados pelo 'aviador', o qualacrescentava ao valor das utilidades fornecidas juros normais e mais umamargem aprecivel de ganho a ttulo do que se poderia chamar 'jurosextras'. Esse 'aviador' por seu turno, era 'aviado' por outro e tambmpagava 'juros extras' apreciavelmente altos. No cume da cadeia estavam

    as firmas exportadoras, principais beneficirias do regime de concentraode renda por via do engenhoso mecanismo dos 'juros extras' e dorebaixamento do preo local da borracha. A cadeia era simplificada quandoo seringalista se tornava um empresrio de certa envergadura. Nesse caso,ele prprio se constitua um 'aviador' de primeira linha, ligando-sediretamente, por um lado, s casas 'aviadoras' de Belm e Manaus e, poroutro lado, ao seringueiro extrator, seu 'aviador' ou 'fregus'.

    Co-pertencem, pois, a ordenao espacial polarizada nacomercializao da borracha e o sistema do aviamento. Tudo interliga-sena amplido amaznica em funo da cadeia do aviamento. No dizer deRoberto Santos: "O aumento dos contados da economia amaznica como mercado monetizado de outras reas tendia a resultar numaintensificao do aviamento, dado que todo o sistema era altamentedependente do setor primrio, onde prevaleciam as relaes de "aviador-aviado". Mesmo as poucas indstrias existentes, por se limitarem quasesempre ao beneficiamento e transformao elementar de matrias-primaslocais, dependiam, para seu suprimento, dos mecanismos do aviamento.Os transportes, comrcio, e as rendas pblicas repousavam fundamentalmente na movimentao da riqueza gerada no setor primrio. Mas, asmudanas de intensidade do aviamento dependiam, externamente, daelasticidade da procura extra-regional de produtos primrios. Contraes daprocura acarretariam fatalmente desprestgio e desestmulo ao aviamento e atividade produtora da borracha. Em contraposio, se a demanda externacrescia e o aviamento se fortalecia, a taxa de juros mdia do sistematendia a subir, desestimulando outras inverses estranhas ao extrativismo. certo que o aviamento exercia efeito multiplicador do emprego nasatividades tercirias. De fato, ele implicou historicamente uma tendncia hipertrofia do tercirio, face aos ganhos do transporte e da comercializaoda produo primria."

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    35/124

    A diversidade do arranjo espacial que se vai formando no valeamaznico aps os anos vinte d a medida do declnio do "ciclo" daborracha. Reaparecem aqui e ali a lavoura e a pecuria, recursos antigosdos tempos das "drogas do serto" e novos passam a ser extrados nasreas de recuo da extrao da borracha e esta definha em todo o vale,restando como atividade dominante nos anos cinquenta-sessenta apenasnas reas do extremo ocidente amaznico (Acre basicamente). No sealicerando num eixo agricultura-indstria, mas to s na rapinagem danatureza, a acumulao primitiva no desemboca na industrializao.

    Variao e Polaridade Paulista no Centro-Sul

    O aprofundamento nacional dessa, que

    levar industrializao da grande propriedade e de toda a sociedadebrasileira, tem no Centro-Sul a peculiaridade de combinar vrios plosinternos numa articulao de conjunto de limite formal bem preciso. Umprimeiro grande plo tem por eixo as metamorfoses do espao cafeeiro.Um segundo, as dos centros de colonos europeus que introduzem no Sul apequena produo familiar.

    Quando se inicia o sculo XIX o caf no ainda uma culturacomercial importante. a crise das "macro-formas" tradicionais que abrepara sua expanso.

    J em 1832 o valor da exportao do caf sobrepuja a do acar e em1837 representa mais da metade do valor das exportaes globais. A razodesse surto que s determinaes da crise interna vo somar-se asexternas em que sobressai a independncia dos Estados Unidos lanando-oentre os maiores importadores de caf.

    A implantao de uma fazenda de caf envolve gastos elevados.Prado Jr. nos d uma descrio do que inclui seu arranjo espacial noperodo escravista: "Alm das plantaes, a fazenda conta com diferentesinstalaes e dependncias que fazem dela um conjunto complexo,vultoso e em grande parte auto-suficiente. a repetio do que j seobservara nos engenhos de acar. Assim, as destinadas ao preparo ebeneficiamento do produto: tanques onde o gro lavado logo depois dacolheita, terreiros onde ele exposto ao sol para secar, mquinas dedecorticao, triagem etc. Alm destas, a residncia do proprietrio (emregra absentesta, mas visitando sua propriedade na poca da colheita, demaio a agosto), a senzala dos escravos (grande edificao trrea com osalojamentos dispostos ao redor de um ptio central) ou "colnias" de

    trabalhadores livres, agrupamentos de casinholas em geral alinhadas ao

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    36/124

    5 Ver "Histria Econmica do Brasil", Brasi liense, So Paulo , 1979.

    longo de uma rua e dando o aspecto de uma pequena aldeia; finalmente ascocheiras, estrebarias e oficinas diversas de carpintaria, ferreiro etc. Tudoisso forma uma aglomerao que nas fazendas importantes toma vulto,abrindo uma clareira de habitaes e edificaes em meio da floresta decafeeiros que as cerca de todos os lados. Exatamente como o engenho deacar, a fazenda de caf um mundo em miniatura quase independente eisolado do exterior e vivendo inteiramente para a produo do seugnero"5.

    Herdeira de tudo que a secular explorao do trabalho escravoacumula, a fazenda do caf est em franca expanso quando nas demaisreas o escravismo j se decomps, dando lugar ao nascimento do

    campesinato. Por isso, aqui onde a abolio encontra mais resistncias,porm onde a nova ordem nasce de modo mais radical. No espao cafeeiroesta vem na forma do colonato, iniciando sua metamorfose radical tologo que em sua marcha a cafeicultura atinge o planalto na regio deCampinas. A, entre 1847 e 1857, na Fazenda Ibicaba, situada onde hojese encontram os municpios de Limeira e Rio Claro, de propriedade doSenador Vergueiro, ocorrer a malograda tentativa de substituir otrabalhador escravo pelo dos parceiros. Mas somente nos anos setenta,quando a mancha cafeeira desloca-se para instalar-se nas reas de terra roxade Ribeiro Preto, que se inicia o emprego definitivo do trabalhoassalariado na cafeicultura, para tanto apelando-se para a imigraoitaliana. Golpeando o regime escravocrata em seu prprio centro degravidade, a cafeicultura capitalista desde ento acelera sua marcha peloplanalto rumo regio que converter em seu prprio smbolo territorial:a extenso de rea contnua formada pelo oeste paulista e norteparanaense.

    Nessa progresso, um arranjo espacial dc molde semelhante aobinmio latifndio-minifndio do perodo colonial organiza o espaocapitalista, mas sob uma dinmica inteiramente nova. A razo que aqui

    o espao organiza-se a partir de relaes contratuais, estabelecidas entre ocafeicultor e as famlias de imigrados. O processo to simples quantoconflitivo. O Estado, atuando como intermedirio, divulga e custeia avinda do imigrante italiano, cobrindo as suas despesas de transporte e desubsistncia at que, chegando a So Paulo, seja contratado peloscafeicultores. Trata-se, como diz Prado Jr., para diferi-la da que vaipromover a formao de colnias italianas no Sul, que denomina de"imigrao subvencionada", de um mecanismo em que o Estado arca comos dispndios de formao de mercado de trabalho livre, com isso

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    37/124

    cumprindo sua funo de criador de condies gerais de reposio de foradc trabalho para o capital. Uma vez contatado pelo cafeicultor, o colono

    com ele assina um contrato, uma Caderneta precursora da Carteira deTrabalho que ser instituda no governo Vargas, segundo o qual obriga-sea cuidar dc um nmero estabelecido de ps de caf com o direito de emtroca receber um salrio fixo, com adicionais a cada p dc caf a mais, euma parcela de terra no interior da fazenda de caf para plantio depolicultura de subsistncia de seu inteiro domnio.6

    Lembrando o conhecido padro espacial, pem-se nesse arranjoespacial lado a lado a grande e a pequena lavoura, o clssico binmiodestinado a sustentar a nvel baixo o custo geral da produo, e assim aalto nvel a taxa de lucro do capital. H, entretanto, aqui no espaocafeeiro, uma radical diferena quanto ao funcionamento desse papeleconmico do binmio, que reside justamente na possibilidade que esteregime do colonato abre dc aquisio dc terras para o colono. Movido poressa perspectiva, ao colono interessa que sejam plantadosintercaladamente o caf e os cereais da policultura, estes nas "ruas" que seabrem entre as fileiras do caf. Uma vez que ficam suprimidas asdistncias respectivas entre uma e outra culturas e com isso o tempo dedeslocamentos, pode o colono ao tempo que se dedica a uma dedicar-se aoutra, ganhando salrio adicional com uma e com a outra gerandoexcedente para a venda, aumentando sua possibilidade de acumular ecomprar terras. Por isso, lutar com as armas disponveis por este arranjoespacial, pelo mesmo motivo se voltando contra ele o cafeicultor ao qualinteressa ceder terra para policultura fora e distante das fileiras do caf, oque torna este arranjo intercalar uma das contradies motoras da marchacafeeira. Move o cafeicultor o interesse de reter o colono numa conjunturamarcada pela escassez de fora de trabalho e ao colono a consecuodaquilo que o motivara a migrar. Decidir esta contenda a prpriadinmica vegetativa do cafezal, uma vez que o p de caf ao atingir noquarto ano de crescimento sua altura normal, com ela sombreia as "ruas",

    impedindo seu uso agrcola. Por isso, terminado o prazo contratual,estabelecido para um ano, a tendncia do colono deslocar-se para asfrentes de expanso da marcha cafeeira, onde encontra cafezal novo emaior chance dc obter o arranjo intercalar. Eis o que explica a aceleraoinaudita da marcha cafeeira quando atinge o planalto e, sobretudo, porqueSo Paulo se antecipa s demais regies na marcha do avano docapitalismo rumo industrializao.

    6

    O livr o fundamental sobre este assunto o cl ssi co de Pierre Monbe ig"Pioneiros e Plantadores em So Paulo", Hucitec/EDUSP, 1984.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    38/124

    Soma-se, na esteira desse motor dinmico da marcha cafeeira, aespeculao com terras. Aqui, o agente o prprio capital cafeeiro,representado no estrato superior dos cafeicultores. Estes, abrindo o lequedo movimento acumulativo, dirigem os lucros auferidos com asexportaes cafeeiras na direo do abarcamento de todos os segmentosem que se divide o movimento da reproduo ampliada do capitalenvolvido no espao cafeeiro. Assim, abrem empresas de exportao-importao, fundam bancos para financiar os demais cafeicultores,investem em indstrias e instalam a rede ferroviria demandada peladistncia aos portos que vem com a interiorizao crescente. frente dachegada dos trilhos, compram e loteiam terras para novos plantioscafeeiros, especulando e extraindo altos lucros com estas terras, forjandoartificialmente sua valorizao ao fazer chegar as pontas de trilhas sempre frente da prpria frente cafeeira.

    Embaixo dessas determinaes, em pouco tempo o espao cafeeirotorna-se amplo espectro de diferentes estgios de maturidade do cafezal.Reunindo desde fraes de reas de cafezal velho at as de plantios aindarecentes, sua dinmica de conjunto passar regncia de uma contradioque brevemente pe fim euforia cafeeira: de um lado a valorizaoartificial da terra fora seguidamente seu alto preo, e de outro, a crescenteheterogeneidade vegetativa do cafezal fora continuamente para baixo onvel mdio da renda fundiria. Por isto j precipita-se a cafeicultura em

    crise mal se entra no sculo XX.Com a crise que a hegemonia da burguesia cafeeira sobre a

    mquina federal do Estado, conquistada desde que o caf assume aprincipalidade do sistema econmico, faz sentir seu peso. Trs sucessivosPlanos de Valorizao do Caf so postos em prtica a partir de 1906(Acordo de Taubat), convergindo no segundo e sobretudo no terceiro paratornar-se um plano de sustentao a nveis artificiais dos preos do caf,que desceram ladeira abaixo devido superproduo criada pela euforiaespeculativa. Comprando e estocando caf para manter em nvel elevado opreo da saca, porm pagando este preo fictcio com recursos oriundosdos impostos de importaes-exportaes, o Estado subsidia aespeculao cafeeira atravs de um expediente que significa socializar acrise cafeeira distribuindo inter-regionalmente seu custeio por toda asociedade brasileira para que em So Paulo os cafeicultores acumulemprivadamente. J instituda como polaridade econmica e poltica do paspelo simples fato de ter-se constitudo em seu centro de gravidade, acafeicultura passa ento a tornar-se o plo nico de apropriao, viafinanciamento da sua crise de realizao por fraes crescentes dosexcedentes produzidos nas outras fraes de reas do espao nacional. So

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    39/124

    os tributos pagos pelos agentes econmicos dessas diferentes reas queconvergem para as mos dos que especulam com o caf, materializando-seem maior densificao de capital no tecido do espao cafeeiro. Novisando resolver a crise pela raiz, e sim cont-la por meio de preospolticos, os Planos logram aumentar ainda mais em pleno auge da crisea euforia especulativa do capital cafeeiro. Dela participam agora tambmos grandes bancos internacionais, que, reticentes quanto ao primeiroPlano, passam a partir do segundo a financiar os dficits de caixa doEstado e os investimentos em capital fixo no espao cafeeiro, exigindoem troca o direito de administrar os estoques de caf, com liberdade paraespecular com os preos do produto no comrcio internacional.

    Numa sobrevida comum s estratgias das elites agrrias, misto defazendeiros e intermedirios mercantil-usurrios, a crise do caf, etapafinal da longa fase nacional da crise agrria, acaba por forjar o nascimentoda hegemonia do capital financeiro sobre a sociedade brasileira.

    Quando explode, a crise cafeeira termina com o monoplio do usoda terra pela cafeicultura. Em pouco tempo o espao agrrio vai ganhandonovo desenho com o aparecimento de novas culturas, no bojo das quais agrande propriedade se reergue, no sem o preo de alguma fragmentaoque abre o acesso da terra pequena propriedade. A indstria, que sedesenvolvera desde quando se instala a diviso interna de trabalho quesupera a crise do trabalho escravo, multiplicando-se atravs daincorporao dos capitais oriundos da acumulao cafeeira, como SrgioSilva descreve c explicita em "Expanso Cafeeira e Origens daIndustrializao no Brasil", vai encontrar nesta nova e amplificada divisointra-agrcola do trabalho extraordinria base de impulso. tal aexpanso da indstria, que passa ela a ser o plo dinamizador daacumulao global quando com a "revoluo" de 30 se estilhaa e reordenao quadro institucional do poder de Estado.

    A crise cafeeira encontra seu termo de superao com a seqncia das

    "revolues" de 1930 c 1932, a primeira representando uma frente dasoligarquias rurais regionais contrrias poltica de "expropriao deexpropriadores" em que se transformaram os Planos de valorizao cafeei-ra, derrubando, oligarquias gachas e mineiras frente, as oligarquiascafeeiras da mquina do Estado federal, e a segunda representando a reaodas oligarquias cafeeiras e sua reintroduo no bloco do poder oligrquico.

    Esta remexida no interior do poder oligrquico todavia j no maispode lograr uma nova fase de sobrevida agroexportao. No s estahistoricamente mostra-se esgotada, como j dera luz o processo daindustrializao cuja fora expansiva torna-se agora a nova base do padrode acumulao e a energia motriz da renovao das elites agrrias.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    40/124

    Trata-se, isto sim, de reestruturar-se o aparelho do Estado para queeste cumpra sua funo de repor as condies gerais da acumulao nosentido agora da industrializao. Isto , de um processo que, se no planoemprico vai exprimir-se no aumento dos estabelecimentos fabris, naverdade definir-se- como o aprofundamento da diviso interna do trabalhocom que se rompera o antigo regime e faa agora da indstria e daagricultura duas vertentes que se integrem, a agricultura numa forma emque seu excedente deve incorporar-se formao do capital fabrilprogressivamente e a indstria tecnifique o processo produtivo agrcola.

    Portanto, trata-se de aparelhar o Estado de modo a que este ponha

    em ordem os pressupostos da formao do capitalismo com os quais seinstitua a dissoluo da sociedade nas normas do mercado. Mais que isso,de fazer-se a roda do mercado operar a construo da escala de forasprodutivas que leve a mquina a sobrepor-se ao trabalho.

    neste ponto que a "expropriao dos expropriadores" cafeeira abreno pas a combinao espacial desigual que, mais que a heterogeneidadehorizontal, a introduo do desigual ritmo de desenvolvimento damodernizao das elites dc expresso regional. A sobrevida da especulaocafeeira acabar por dotar seu espao dc uma densidade territorial maior dccapital que os demais, nele promovendo a ruptura do horizonte prprio daacumulao primitiva e sua molecularidade mais cedo, no que arrastartodo o espao nacional.

    A cafeicultura no introduz de imediato consigo seno margemrestrita de industrializao. Produto que s exige uma indstria debeneficiamento primrio, no requerendo ele mesmo processamento local,o caf em si no gera indstrias no seu espao. Basta ao capital cafeeironeste momento a existncia das indstrias que concorram para a cesta dareproduo da massa trabalhadora da grande lavoura. Por isso, noveremos surgir no espao cafeeiro, em So Paulo, vale dizer, ate 1907

    um parque industrial significativo. s com a crise cafeeira c a decorrente captura dc excedentes deoutras reas para incorpor-los ao seu espao, elevando c alargando aescala das foras produtivas nele materializadas, que veremos acelerar-se aindustrializao. quando So Paulo inicia o processo que cedo ircoloc-lo frente na expanso industrial.

    H, portanto, uma inverso no tempo, num primeiro momento aindstria servindo revitalizao da acumulao agroexportadora, valedizer, cafeicultura, e, num segundo momento, a agricultura passando aservir industrializao. A transposio dos momentos no imediata,sendo antes processual, correndo por toda a primeira vintena do sculouma dinmica de expanso industrial que se d na esteira e sob o benefcio

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    41/124

    da polaridade cafeeira sobre o quadro nacional. Porm, quando em 1930-1932 se refaz a estrutura do aparelho federal do Estado, a oligarquiaindustrial paulista estar presente na composio do poder, a tanto tercrescido.

    Paradoxalmente, entretanto, no no espao cafeeiro e sim nocanavieiro-algodoeiro nordestino que a industrializao tem seu ensaioinicial. As pesquisas e reflexes sobre o processamento histrico docapitalismo no Brasil tem-se dedicado a responder as razes daconcentrao industrial em So Paulo. Mais frutfero seria talvez indagarporque no no Nordeste.

    O aprofundamento da relao caf-indstria em So Paulo, no

    sentido de a agricultura servir industrializao e vice-versa, exige que aolado da grande lavoura paulista se ponha a pequena produo desubsistncia do Centro-Sul, sobretudo porque a incorporao deve agoratransbordar os requerimentos da reproduo da massa trabalhadoraplantacionista, para mais e mais abranger o crescente proletariadoindustrial.

    A industrializao paulista requer a reviso da forma do binmiolatifndio-minifndio no sentido daquela que lhe servia de sustentaoregional, formando-se agora pela articulao da grande e pequena produoda vasta rea que vai do latifndio pastoril do planalto mineiro pequenaproduo camponesa das colnias alems e italianas sulinas, ensaiando-sea unidade regional que vir a ser o Centro-Sul. Polariza-a, num primeiroplano, sua incorporao formao do capital fabril que concentrar-se-no eixo Rio-So Paulo-Belo Horizonte, e, num nvel abaixo, doscapitais fabris que vo surgindo localmente aqui e ali.

    As reas do planalto mineiro incorporam-se polaridade regionallogo aps o declnio da minerao, transferindo escravos para a nascentecafeicultura do vale do Paraba e suprindo de alimentos o centro urbano doRio de Janeiro, sendo da que parte a pecuria cuja expanso forma aocupao inicial do oeste mineiro e paulista. Quando cessa a imigraoitaliana na dcada de 20 e as fazendas de caf incorporam a fora detrabalho imigrante das reas decadentes do pas, do sul de Minas saem asprimeiras levas imigrantes nacionais. tambm a fonte de fora detrabalho para as primeiras indstrias, em particular no Rio de Janeiro. esta interligao que refora a tendncia ao desenvolvimento da indstriade laticnios no planalto mineiro, numa espcie de contra-partida local.

    J as de So Paulo, mais diversificadas, desde quando a crise cafeeiraabriu seu espao para a diversificao dos cultivos. Renem-se assim noamplo leque da diviso de trabalho intra-local: 1) a policultura intercalarda frente cafeeira que nos anos trinta chega ao norte do Paran, embora a

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    42/124

    j no mais ligada ao latifndio, e a que vai surgindo seja nas reasrelegadas pela cafeicultura dado sua baixa fertilidade, ou seja ligada fragmentao da grande propriedade nas reas esgotadas e deixadas para trspela marcha cafeeira; 2) as culturas industriais (matrias-primas agrcolas)que surgem com a diversificao de cultivos a partir da crise cafeeira,como a pecuria inicialmente de corte e depois a leiteira do vale doParaba, a de ctricos no centro-leste do planalto, a da cana nas reascentrais, a do algodo e do caf no oeste; e, ainda, 3) as que vo surgindonas reas circundantes dos Estados vizinhos, at onde chega a influenciacrescente de So Paulo, como a do caf no norte do Paran, de cereais egado de corte no sul (Dourados) e sudoeste (Pantanal) do Mato Grosso ede cereais (arroz) no sul de Gois (Mato Grosso de Gois). Nessa amplarea, cujo arco se expande progressivamente, transbordando no tempo paraalm do Estado de So Paulo, extraordinria diviso intra-agrcola detrabalho tem lugar, indicando a forte integrao agricultura-indstria quedesde ento far de So Paulo o centro de gravidade da economia nacional.

    Mas vai at os limites fronteirios gachos o arco dessa divisointra-regional que compe o eixo agricultura-indstria do Centro-Sul.Abrindo-se para a formao do capital fabril tanto do Rio de Janeiroquanto de So Paulo, a produo agropecuria sulina chegar mesmo paraalm dos prprios limites do Centro-Sul, alcanando, como vimos, o

    Norte e o Nordeste. Inicialmente, no Sul o movimento da acumulaoprimitiva fica contido nos nveis pontuais dos centros de colonos, sdepois irradiando-se para horizontes maiores, primeiro nos quadros danavegao de cabotagem, e, aps 1910, com as ferrovias, por rotasterrestres, at sua acelerada integrao regional com o transporterodovirio. O Rio Grande do Sul o exemplo tpico dessa fase regional-nacional da acumulao primitiva.

    As transformaes nas relaes de trabalho que nacionalmente vose acentuando na segunda metade do sculo XIX liberam aqui e ali forade trabalho que, dado a crise geral que vai tomando conta da agriculturaaps seu rpido renascimento, passa a dedicar-se apenas policultura desubsistncia. Paralelamente, no Sul e em grande medida por razesestratgicas de fronteira, a policultura surge vinculada colonizaodirigida pelo Estado com imigrantes.

    Ao longo do sculo XIX, sobretudo a partir da sua segunda metade,evolui assim a metamorfose da policultura de subsistncia. Est em cursoo nascimento do moderno campesinato brasileiro.

    Duas diferentes formas de camponeses tm lugar neste nascimentodo campesinato no pas: aquela ligada s metamorfoses que ocorrem nombito das velhas "macro-formas" do espao colonial e aquela ligada s

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    43/124

    reas de colonizao dirigida do Sul. A primeira relaciona-se crise doantigo regime e acabamos de ver aparecendo, antes mesmo da abolio

    formal, j na dcada dos setenta, na Amaznia com o sistema doaviamento, no Nordeste com o do morador e em So Paulo com o docolonato. A segunda relaciona-se igualmente crise do trabalho escravo e

    j ensaia seu surgimento ainda no incio do sculo, logo que aps aIndependncia as presses inglesas comeam a exigir sua extino com asameaas de abolio do trfico negreiro, o que vem a efetivar-se em 1850.Mas, a necessidade de ocupar-se as terras do Sul frente s aes dos pasesplatinos vem somar-se de fazer-se os primeiros ensaios de formassubstitutivas do trabalho escravo. Da a vermos aparecendo em reas doSul j na prpria dcada da Independncia.

    Embora a ele no se limitem, porque grande parte vai para o caf, osfluxos migratrios de real importncia na formao do campesinatomoderno so os que vo para o Sul, em particular os de alemes eitalianos. Antecede-os, mas em menor grau de importncia neste sentido,a imigrao aoriana. A imigrao aoreana cobre a segunda metade dosculo XVIII e relaciona-se essencialmente estratgia imperial dopovoamento das reas de fronteiras. J os fluxos migratrios de alemes eitalianos se do no correr do sculo XIX, relacionando-se duplaestratgia de cobrir a fronteira e ensaiar a metamorfose do regime de

    trabalho; as imigraes alems, sobretudo no correr da primeira metade dosculo XIX, e as imigraes italianas, sobretudo no da segunda metade.A colonizao aoreana inicia-se em 1746-48 e encerra-se no

    comeo do sculo XIX. Cada famlia recebe uma gleba de cerca de 200 ha,distribuindo-se pelo litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul eminmeras c densas comunidades. A, dedica-se produo de subsistncia:policultura e pesca no litoral de Santa Catarina e policultura com destaquepara o trigo no litoral do Rio Grande do Sul, de onde os aoreanos, findasas guerras platinas, avanam requerendo sesmarias pela Campanha, indoento constituir "o tronco de vrias atuais famlias de estancieiros", comoobserva Orlando Valverde7. Formando um arco que se alonga pelo litorale inflete por terra pela linha de fronteira, a colonizao aoreana cumprepapel fundamental na montagem superestrutural do desenho espacial daColnia, como nos informa Valverde: "De fato, a colonizao aoreana dacosta sul foi parte de um plano vasto de defesa do territrio portugus naAmrica do Sul, onde quer que ele estivesse ameaado". A que acrescenta:

    7Resumimos a seguir as descries de Orlando Valverde em "PlanaltoMeridional do Brasil", IBGE, Guia n 9, CNG/UGI, Rio de Janeiro, 1958, e

    Vicente Tavares dos Santos em "Colonos do Vinho", Hucitec, So Paulo,1984.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    44/124

    "Ademais da ocupao efetiva do solo, a colonizao aoreanaproporcionava grandes contingentes de soldados, bem como reas deabastecimento de vveres, junto aos possveis campos de batalha".

    As colonizaes alem e italiana ocuparo as terras maisinteriorizadas do planalto meridional.Os primeiros ncleos so os de colonizao alem, que se sucedem

    pela primeira metade do sculo XIX. Estes, multiplicam-se entre 1824 e1859 pelos trechos serranos das encostas que bordejam o planaltomeridional num arco de longa curvatura que vai do norte de SantaCatarina (Joinville) s fronteiras continentais do Rio Grande do Sul(Santa Maria). J a colonizao italiana estende-se pelo perodo 1870-1920, evoluindo, no que toca formao da moderna policulturacamponesa, em colnias localizadas em reas do topo do planalto, do RioGrande do Sul ao Paran.

    Alem ou italiana, a colonizao inaugura nas terras do Sul umnovo padro de arranjo espacial, prprio das comunidades camponesasfamiliares autnomas. Nada aqui assemelha-se ao padro latifndio-minifndio caracterstico das "macro-formas" do espao escravista-exportador. Aqui no Sul, uma dada rea extensa dividida em lotespequenos (35ha em media), onde as famlias dc imigrantes so assentadas.O loteamento inclui o traado das estradas destinadas ao escoamento daproduo, sobretudo porque os lugares escolhidos geralmente esto

    afastados dos centros mais povoados. Em seu lote, a famlia imigranteorganiza uma tpica unidade camponesa de produo e consumo de moldeeuropeu. No entanto, os processos tcnicos de produo so aquiadaptados. De um modo geral, h um processo histrico comum demontagem da organizao espacial, que Waibel classicamente captou emsuas pesquisas sobre a colonizao no Sul. Inicia-se com a abertura doroado na mata para substitu-la pela policultura de subsistncia. Planta-se feijo, mandioca, batata e milho, este para nutrir a criao mida (avese porcos), a isto limitando-se a relao lavoura-criao. Industrializa-secaseiramente as sobras. Comerciantes ambulantes intercambiam osprodutos dos camponeses pelos que estes necessitam, como utenslios. Adensificao das relaes amplia a rede de estradas e das trocas. Apolicultura ainda mais se diversifica, para introduzir entre outras a culturado trigo. O comerciante se instala nos cruzamentos da rede e a se fixacom seu negcio, criando pontos de referncia da movimentao dastrocas no ncleo. O campesinato introduz o arado de trao animal(cavalo) na lavoura e a carroa de quatro rodas no seu cotidiano, queservir para levar os produtos ao mercado e a famlia s festas e Igreja. quando a limitao do tamanho da propriedade rotao de terras fora a

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    45/124

    famlia camponesa a migrar para outra rea ou a evoluir para a rotao deculturas. Esta vem com a introduo de leguminosas na lavoura e aassociao desta com a pecuria, para o fornecimento do adubo. Apaisagem fica mais complexa, compondo-se agora do xadrez das culturas edas instalaes da pecuria, em particular a leiteira, dado a exiguidade dapropriedade exigir pecuria especializada e sua estabulao. A indstriacresce e transborda do limite caseiro, criando um ramo prprio comcapitais vindo tanto da acumulao mercantil quanto da reunio doscamponeses em cooperativas, fundando a diviso do trabalho einstaurando novo patamar de relao cidade-campo.

    Leva tempo, entretanto, este desenvolvimento que trabalha pelaintegrao da unidade espacial nestas reas de colonizao. E mesmoquando ela ganha amplitude pouco extravasar a escala local-regional.Durante todo o correr da segunda metade do sculo o isolamento culturalser a caracterstica dos ncleos coloniais, tanto de alemes quanto deitalianos no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e de eslavos e polonesesno Paran.

    Ser o Estado que promover as articulaes intra-pontuais e com aescala vertical que leva at ao nvel nacional. o que vemos ocorrendo noRio Grande do Sul, onde a virada do sculo registra o declnio dascharqueadas, centro de gravidade at ento da economia estadual. Anecessidade de reordenar-se a economia leva interveno estatal, naforma da implantao de uma ramificada rede de ferrovias, visandopromover as interligaes de reas que reativem e diversifiquem o arranjoeconmico. Principalmente, pretende-se interligar as reas coloniais donorte com as de pecuria da Campanha, abrindo a pequena produocamponesa imigrante para o mercado. Proliferam em conseqncia dissoas indstrias locais, todas calcadas nas respectivas produes agrcolas.Em pouco tempo, assim se desenvolve em solo gacho a diversidadeagro-industrial de produo que far do Rio Grande do Sul um dosprincipais abastecedores de meios de subsistncia aos grandes centrosindustriais e urbanos do Centro-Sul. A exemplo dele, todo o Sul vira um"celeiro agrcola", eufemismo com que se quer falar de um papel a elereservado pelos industriais paulistas - centro da diviso centro-sulina detrabalho, quando o que se processa no Sul a forma peculiar como nelese d a acumulao primitiva, promotora de um padro muito prprio dedesenvolvimento do eixo agricultura-indstria, um padro disperso,exatamente oposto ao que est em curso no tringulo Rio-So Paulo-BeloHorizonte.

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    46/124

    A Hegemonizao Financeira: o Novo Espao

    No correr desse quase sculo de processo de acumulao primitivaque vai de 1870 a 1950, desenvolve-se o capitalismo rumo sua faceplena. A molecularidade a forma como vai se dando o avano dessaacumulao primitiva. Mas por volta dos anos cinqenta a hegemoniafinanceira inicia a unitarizao do espao nacional.

    Se o aprofundamento da diviso interna do trabalho com que serompe o regime escravista e se abre o processo da acumulao primitivaadquire, necessariamente, de imediato, uma face molecularizada, porqueo contedo de classe do processo traz a marca indelvel da presena das

    elites agrrias. Todavia, crescendo a interdependncia entre os segmentosde rea e setoriais que vai se abrindo em leque na medida mesma que se deste aprofundamento dentro da molecularidade, amplia-se em crescendo ointercmbio dos produtos recprocos, estabelecendo-se, assim, umaimbricao entre diviso interna de trabalho c relaes internas de mercadoque cedo ou tarde pe integrao em lodo o espao molecular.

    Por isto, ali onde melhor se d esta identidade entre diviso detrabalho e mercado, mais o processo da acumulao primitiva chega aocapitalismo pleno. E onde isto mais efetivamente ocorre, mais a fusomonopolista se instala, engendrando o capital financeiro c extinguindo ascomponentes da molecularidade.

    Dois movimentos paralelos passam a se dar, pois, a partir de quandoo processo da acumulao primitiva do capital atinge seu patamaravanado nas dcadas de quarenta-cinquenta, ambos igualmentepromotores da dissoluo e superao capitalista da molecularidade: aproletarizao do campesinato e a concentrao-centralizao monopolistaque integra empresas de diferentes reas e setores.

    A expulso com que se processa a proletarizao do campesinato adecorrncia direta do aprofundamento da diviso interna do trabalho.

    Forando a especializao produtiva agricultura, o que implica suanecessria capitalizao, este aprofundamento alija a grande massacamponesa do meio rural, impondo-lhe um estado permanente de revolta econflito. Nasce dessa proletarizao do campesinato a mobilidadeterritorial do trabalho que aqui exprime-se no xodo rural e acol namigrao rural-rural para desembocar na formao de amplo mercadonacional de trabalho livre. o grau desse aprofundamento que leva asrelaes de produo a permanecerem fundadas na mais valia absoluta ou aprogredirem na direo de fundarem-se na mais valia relativa. Vale dizer, ase apoiarem em processos produtivos ainda de todo no revolucionados,

    dado a forma de propriedade dos meios de produo ainda no ser

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    47/124

    inteiramente a burguesa, ou em foras produtivas integralmentecapitalistas, porque apoiadas em sua totalidade na forma capitalista depropriedade. A manterem-se subsumidas pelo capital mercantil ou a seabrirem para a irrupo da hegemonia financeira.

    da proletarizao do campesinato e conseqente mercantilizao daterra e da fora de trabalho que nasce o circuito capitalista de mercado. Aisto que Lnin designa "limpeza das terras" para o capitalismo, que,uma vez completada, instaura a agricultura em moldes capitalistas.Todavia, esta s se assenta quando a par e articuladamente a esta"limpeza" geradora do proletariado (pressuposto do livre mercado) aagricultura absorve a tecnologia de escala industrial (pressuposto da mais

    valia relativa).O ponto do espao nacional onde este duplo processo primeiro seefetiva tende a polarizar o conjunto, uma vez que na continuidade de suaprogresso vai carreando para si parcelas crescentes dos excedentes aqui eali produzidos.

    Desde os anos vinte a molecularidade mal esconde o dreno deexcedentes que vai se incorporando formao do capital em So Paulo.Se neste perodo a face financeira dessa polaridade fica oculta no subsdioque o Estado passa na forma da poltica de preos artificiais do caf, a facemercantil fica transparente nas estatsticas do saldo das trocas entre SoPaulo e demais Estados ( poca Provncias) e mais ainda das levas deimigrantes que vm de Minas Gerais e Nordeste para empregar-se noscafezais e indstrias paulistas.

    Confrontando a diviso intra-agrcola do trabalho no planaltopaulista com a de qualquer outra frao do espao nacional, entenderemosa razo dessa polaridade, que no cessa da para diante at evidenciar-se emdefinitivo nos anos cinqenta, quando a concentrao de estabelecimentosindustriais na rea urbana de So Paulo atinge j mais da metade de todo oparque industrial brasileiro. justamente em So Paulo onde os

    pressupostos da instaurao do modo de produo capitalista, acimareferidos, primeiro completam sua formao no pas, precisamente istorevelando a paisagem do seu espao, tanto na diversidade do seu rearranjoagrrio quanto na escala de concentrao tcnica do seu arranjo fabril.

    precisamente isto que explica porque embora as primeirasmanifestaes industrializantes possam ser detectadas nas reas urbanasnordestinas, no a onde o capitalismo vai efetivamente florescer.Resumindo a raiz deste freio, numa linha de interpretao genuna naliteratura brasileira, diz-nos Francisco de Oliveira: "Essa breve digressoserve para apontar o fato de que, emergindo a economia do 'Nordeste'algodoeiro-pecurio, que se centrava nas foras de reproduo j descritas,

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    48/124

    produziu em primeiro lugar uma mo-de-obra que, pelas flutuaesinternacionais da economia algodoeira-pecuria, converteu-se parcialmenteem fora de trabalho disponvel nas entressafras para alugar-se naproduo da cana; a constituio desse semiproletariado levou para ocorao da economia capitalista do acar-textil uma forma de mo-de-obra que no era fora-de-trabalho, que no era totalmente mercadoria, jque cuidava de sua prpria subsistncia. Tendo agora como produtor umcontendor no-antagnico, o capital industrial do "Nordeste" aucareiro-txtil caiu na armadilha preparada pela "regio" que lhe era concorrente nahegemonia das foras produtivas e das relaes de produo; e recriou, noseu interior, formas de trabalho semicompulsrias, o "cambo", mercados"cativos" de trabalho nas usinas, formas de apropriao e expanso dotrabalho no-pago caracterizadas pelo "barraco", em que o trabalhadorpassou a ser pago em espcie. Recriou, portanto, formas de defesaanticclicas no-capitalistas: no ocorria o desemprego, nas crises daeconomia aucareira: ocorria apenas a volta de parte da populaotrabalhadora s "economias de subsistncia", a formas quase-naturais.Essas formas de defesa foram-lhe extremamente eficazes para nodesaparecer, mas cobraram seus direitos na medida em que a impediam deexpandir-se". A que acrescenta: "...a hegemonia do Centro-Sul sobre aburguesia industrial do Nordeste comea a ocorrer exatamente pela troca

    de mercadorias, pela invaso de mercadorias produzidas no Centro-Sul,onde a produtividade do trabalho eslava em crescimento". Vale dizer:"...enquanto ocorre no Centro-Sul esse desdobramento e aprofundamentoda fora de trabalho como mercadoria, no Nordeste aucareiro txtil essanova circularidade v-se embotada pelo fato de que a forma do capital alipredominante acha-se empatada pelas formas no capitalistas dereproduo da prpria fora-de-trabalho". Ao no operar-se adesterritorializao da massa trabalhadora capaz de torn-la uma populaolivre para o capital, para tornar-se ela mesma capital (capital varivel),fica bloqueada a possibilidade de elevar-se a produtividade que, baixandoos custos gerais a partir da mercantilizao integral da reproduo da forade trabalho, abra para a livre competitividade e ritmo de circularidade querequer a expanso acumulativa do capital. Nesse confronto, o capitalismofica bloqueado no Nordeste e franqueado no Centro-Sul, abrindo-se ascomportas para a polaridade deste.

    Mais que isto, abrem-se as comportas para a dissoluo damolecularidade na globalidade do espao nacional sob o comando e direodos capitais situados em So Paulo. Inicia-se, ento, nos anos cinqenta,a unificao do espao nacional via sua homogeneizao no contedocapitalista que vai fechando as indstrias regionais em proveito da

  • 8/12/2019 SADER Regina Migrao e Violncia O Caso Da Pr-Amaznia Maranhense

    49/124

    absoro de seus mercados pelas indstrias instaladas em So Paulo, Essaunificao do mercado nacional centrada nos capitais "paulistas" e via

    dissoluo das formas "regionais" levanta a reao das burguesias locaiscontra o "colonialismo interno", travando-se um confronto poltico quevai atravessar toda a dcada de cinqenta e a seguinte.

    Tem lugar, assim, nestas dcadas, uma grande confrontao tambmideolgica, cuja cara a tese do "espao arquiplago", de forte colorido ebrandida por um e outro lados. De cada lado desse conflito intra-dominantes a tese justifica argumentos. De parte das burguesias regionaisque se sentem prejudicadas, trata-se de uma herana do passado colonial,cuja conseqncia, por fora das preteries e abandono pelo "poderpblico", o subdesenvolvimento imperante nas regies e no pas,preteries que agora o governo federal deve corrigir. De parte do grandecapital, trata-se de um atraso gerado pela ausncia de relaes mercantisinternas decorrente do passado colonial, que deve ser superada pelaabertura de vias de comunicaes e subsdios governamentais aimplantaes de modernas indstrias nas reas de atraso.

    De um como de outro lado a retrica dos argumentos e sadas revelater-se completado o fundamental do processo da acumulao primitiva docapital, ressonando o "dobre de finados" do campesinato.

    O Espao Monopolista-Financeiro: A Revolta CamponesaPermanente

    O perodo que se abre nos anos cinqenta j se prenuncia nosmovimentos camponeses dos anos quarenta. Naquela dcada os indcios daproletarizao do campesinato so manifestos. Em todos os cantos,multiplicam-se os sindicatos rurais, e, na dcada seguinte, em 1955,surge a primeira de uma srie de Ligas Camponesas.8

    No por acaso, o foco irradiador dessas movimentaes polticas oNordeste. Daqui, saem as mais fortes reaes regionalistas. Saem tambmos protestos organizados dos camponeses. E ser o Nordeste a primeiraregio a motivar a criao dos organismos regionais de planejamento queproliferaro logo a seguir. A Sudene, criada sob o calor das lutas doscamponeses e que surge de um embrio de planejamento essencialmenteredistributivo de populao camponesa no interior do territrionordestino, tornar-se- o padro das demais Superintendncias.

    8 A lista de enti dade s que, de sde ent o, vo s urgin do, ind ica tiva s do

    crescimento da reao camponesa ao avano da marcha capitalista, no prade crescer.

  • 8/12/2019