Sáez_MCCALLUM, Cecilia. 2001. How Real People Are Made. Gender and Sociality in Amazonia. Oxford Berg. 208 Pp

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    RESENHAS 207

    ros humanos, trazendo baila todos os

    grandes binmios do dualismo kaxina-

    w. Fazendo crescer e nomeando crian-

    as e cultivos, ao mesmo tempo que re-

    gulam simbolicamente a relao com o

    exterior, Nixpu Pima e Kachanawa, em

    conjunto, emolduram o mundo kaxina-

    w com metforas agrcolas, engloban-

    do o lado predatrio do mundo esses

    dentes fortalecidos pelo Nixpu, dora-

    vante capazes de comer carne, so com-

    parados aos gros do milho pintado.

    Ponto de vista kaxinaw, ponto de vis-ta de suas horticultoras.

    O texto filia-se sem restries a duas

    correntes. Uma, a da literatura sobre os

    Kaxinaw, especialmente rica e homo-

    gnea Kensinger, Deshayes, Keife-

    nheim e, mais recentemente, Lagrou,

    entre muitos outros. Outra, a dessa et-

    nografia da Amaznia, focada na do-

    mesticidade e na intimidade, que j

    de praxe contrastar com aquela queprefere tematizar os diversos avatares

    da predao.

    A bibliografia kaxinaw alcana um

    volume e uma antiguidade incompar-

    veis com a de qualquer outro grupo pa-

    no, e h muito tem delineado um mo-

    delo com algumas feies notveis: um

    sistema de metades que raro feito

    serve ao mesmo tempo como agencia-

    dor matrimonial e como classificador

    simblico, e que eventualmente se tra-

    duz na organizao poltica do grupo,

    um sistema kariera de transmisso de

    nomes que cria uma densa trama de so-

    lidariedades, tudo isso acompanhado

    da dose justa de exegese, que no su-

    gere a lucubrao de especialistas lo-

    cais, nem obriga os especialistas exter-

    nos a lanar mo a toda hora de estru-turas inconscientes. Esse modelo con-

    tribui para fazer dos Kaxinaw os Pano

    por excelncia ou, talvez, os Pano de-

    fault, cujos arrazoados ajuda para is-

    so a considervel homogeneidade lin-

    gstica e cultural do conjunto do

    sentido s informaes desconexas ou

    padro aos desvios de povos vizinhos.

    Segue-se da uma curiosa definio do

    trabalho: enquanto outros etngrafos

    despendem esforos considerveis para

    esclarecer quem so os Uni, os Shipi-

    bo-Conibo, os Matss ou os Yaminawa,

    apontando em geral para processos de

    etnognese relativamente recentes, os

    estudiosos dos Kaxinaw explicam-nos

    como eles devem ser, ou como so fei-

    tos, e assumem uma continuidade comas formas registradas na etnohistria. A

    rigor, o que temos so menos descries

    do povo kaxinaw que da condio

    Huni Kuin (esse real people do ttulo),

    duas entidades cujos espaos no coin-

    cidem seno parcialmente, como os pr-

    prios autores lembram vez por outra.

    Embora o autor desta resenha alimente

    uma certa curiosidade sobre quem so

    afinal os Kaxinaw, a literatura espe-cializada respeita e transmite a reflexo

    de um povo que se identifica com um

    modelo (o uso cada vez mais freqente

    do termo Huni Kuin mais do que a

    simples vitria de uma autodenomina-

    o), e isso pode ser, afinal, o melhor

    caminho, se concedemos que o mundo

    pano poderia se entender melhor como

    um sistema de condies do que como

    um conjunto de povos.

    Em tempo: falando, de fora, em mo-

    delo kaxinaw, estou sendo infiel ao

    esprito do livro, que caminha com ps

    pragmticos o que se faz, o que faz,

    como se faz e foge de sistemas, ordens

    e representaes da sociedade. Mas no

    necessrio tropear nesses grandes

    arcabouos, raros e ralos no austero su-

    doeste amaznico, para reconhecer ummodelo (no sentido moral) que marca

    bem a posio dos Huni Kuin entre vizi-

    nhos de tecido social ou costumes mais

    frouxos, e regula a relao entre eles,

    na bibliografia e na prtica.

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    Voltando-nos agora para a segunda

    corrente, sabido que nos ltimos quin-

    ze anos tem tomado corpo na etnologia

    uma dicotomia entre a Amaznia brit-

    nica e feminina do amor e a Amaznia

    franco-tupi e masculina da guerra (

    claro, as fronteiras entre ambas so ao

    mesmo tempo fluidas e porosas!). O li-

    vro foi escrito de olho nesse contraste,

    e dialogando com a escola canibal. Mas

    esse dilogo parece ser, aqui, um dilo-

    go cismognico: o intimismo do livro

    ainda mais claro que o da tese, onde dis-putas polticas ou feitiaria ganhavam

    algo mais de espao. O malinowskia-

    nismo que a autora reivindica em certo

    momento tem, talvez, um alcance maior

    do que o pretendido: os imponderveis

    da vida cotidiana podem ser reconheci-

    dos nas agresses que se esgueiram

    por entre as pantomimas agressivas, ou

    nas ms intenes que, vez por outra,

    esto atrs dos bons atos; mas tantoelas quanto as maldades tout court, no

    convidadas festa, comparecem como

    estratgias individuais, sem direito a

    significados mais fundos.

    O ltimo captulo do livro desenvol-

    ve uma reviso da literatura sobre gne-

    ro e, mais especificamente, de suas apli-

    caes na, ou suas refutaes desde a,

    etnologia amaznica. Parece claro que a

    autora faz um balano (eis aqui aquela

    referncia a Malinowski), a partir de sua

    experincia de campo. O regime Huni

    Kuin de relaes de gnero identificado

    na constituio da pessoa, nas trocas co-

    tidianas ou nas batalhas rituais entre

    homens e mulheres, com insultos obs-

    cenos que no contradizem o apreo

    pela colaborao sexual, serve para pr

    entre parnteses discursos sobre a he-gemonia masculina e seus desdobra-

    mentos psicanalticos, sobre a apropria-

    o da fora de trabalho baseada no

    controle das filhas nbeis, ou sobre a

    guerra mais ou menos ideolgica entre

    os gneros. O comrcio pano entre os

    gneros um jogo leal, mas sobretudo

    um jogo; e, seja ou no generalizvel, o

    caso serve ao menos para neutralizar

    as pretenses de generalidade ou de

    crua realidade dos outros diagnsticos.

    No ponto crtico da reviso, a autora

    se distancia da nfase atual que os es-

    tudos de gnero do s identidades se-

    xuais e percepo do gnero como

    subjetividade. Trata-se, comenta a au-

    tora, de descries geradas em grandes

    cenrios urbanos, que ficam sem espa-o em uma sociedade dualista (e, lem-

    bre-se, pouco interessada no desvio).

    No h, no caso Huni Kuin, lugar para

    terceiras identidades que, no entanto,

    se insinuam em outros grupos pano

    com a lembrana de instituies do tipo

    berdache. Quanto ao interesse da lite-

    ratura de gnero pela subjetividade,

    vale a pena ressaltar que se verifica na

    etnologia contempornea uma tendn-cia a reorganizar, a partir do sujeito, o

    campo outrora regrado pela oposio

    entre cultura e natureza (na literatura

    perspectivista). Um aparte: um dilo-

    go poderia se desenvolver a partir da,

    mas para isso seria talvez necessrio um

    termo derivado de sujeito que repre-

    sentasse em relao subjetividade o

    mesmo enxugamento que socialidade

    traz para sociabilidade. McCallum,

    se bem entendi, prope tomar o gnero

    como uma diviso fundante dos corpos,

    transversal quela que o perspectivis-

    mo identifica entre o sujeito e as vari-

    veis naturezas. Isso significaria para o

    gnero subtrair-se ao ciclo das reencar-

    naes do par natureza e cultura, dei-

    xar de ser um epifenmeno da primeira

    ou uma mais-valia da segunda, j queo corpo de que aqui se trata aquele

    engendrado, alimentado, moldado e de-

    senhado pelo real people a substn-

    cia da socialidade, no seu prisioneiro

    nem sua representao.

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    MONOD-BECQUELIN, Aurore e ERIK-

    SON, Philippe (orgs.). 2000. Les Rituels

    du Dialogue: Promenades Ethnolinguis-

    tiques en Terres Amrindiennes. Nan-

    terre: Socit dEthnologie. 608 pp.

    Juan Alvaro Echeverri

    Professor, Instituto Amaznico

    de Investigaciones IMANI, Universidad

    Nacional de Colombia

    O conceito de dilogo relaciona-se aoproblema geral da comunicao, apa-

    recendo, portanto, como uma preocu-

    pao daquelas disciplinas lingsticas

    que se ocupam dos contextos pragm-

    ticos de uso da lngua e da construo

    de sentido na interao comunicativa.

    Se os lingistas abordam o dilogo

    no sentido mais emprico de conver-

    sao, para os antroplogos, o dilogo

    o fundamento mesmo de sua discipli-na. Em poucas palavras: o conhecimen-

    to antropolgico constri-se dialogica-

    mente tanto no sentido literal (os da-

    dos surgem de conversaes), quanto

    em sentidos mais complexos e metaf-

    ricos, em que o dilogo se impe como

    encontro e negociao de diferenas.

    Os antroplogos, assim como os etnolin-

    gistas, tm acesso a muitas modalida-

    des de dilogo e interao que contras-

    tam com as percepes ocidentais do

    dilogo, do discurso e de suas funes.

    Esses registros constituem um poten-

    cial crtico para as teorias gerais da co-

    municao, pretensamente universais.

    O livro organizado por Aurore Mo-

    nod-Becquelin e Philippe Erikson, re-

    sultado de um simpsio realizado no 49o

    Congresso Internacional dos America-nistas (1997), uma tentativa valiosa de

    abordar esses temas. Destacarei aqui

    trs de suas caractersticas gerais: a sua

    inteno e relevncia terica; a combi-

    nao que faz de ferramentas e pers-

    pectivas lingsticas e antropolgicas;

    e a sua contribuio para o enriqueci-

    mento da noo de dilogo.

    Primeiro, o livro no pretende nem

    fornecer um panorama dos campos e

    disciplinas que se apropriam da noo

    de dilogo, nem traar sua histria. No

    um livro terico, mas emprico, que

    apresenta dados de pesquisas de cam-

    po originais da Mesoamrica e da Am-

    rica do Sul. Sem pretender mapear ou

    mesmo delimitar esse campo terico,

    prope porm uma crtica efetiva deconceitos da pragmtica, da teoria da

    comunicao, da sociolingstica e da

    etnografia. Pode-se reconhecer um di-

    logo intertextual com uma rede de au-

    tores (Bahktin, Grice, Austin), mas o

    autor mais citado Greg Urban e seu

    artigo de 1986 emAmerican Anthropo-

    logist (Ceremonial Dialogues in South

    America). Isto apenas um sinal (a que

    se somam referncias a outros ameri-canistas: Sherzer, Tedlock, Rivire)

    da grande originalidade do livro: um

    esforo para construir empiricamente

    um entendimento das formas dialgicas

    na Amrica indgena. Os discursos ce-

    rimoniais, com suas caractersticas pro-

    sdicas, retricas e semnticas alta-

    mente formalizadas, so como o para-

    digma que permeia todo o campo co-

    municativo amerndio. O livro, no obs-

    tante, transborda amplamente essa in-

    teno, e no pode tambm evitar abor-

    dar, de modo deliberado ou casual, a

    questo do dilogo intercultural e das

    relaes de hierarquia e dominao

    (no apenas comunicao e solidarie-

    dade) manifestas em toda interao

    dialgica.

    Uma segunda caracterstica do livro a tentativa explcita de combinar (fa-

    zer dialogar?) as perspectivas e m-

    todos da lingstica e da antropologia.

    Avaliemos o xito parcial dessa inten-

    o. Todos os autores antroplogos de-