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7/25/2019 Sez_MCCALLUM, Cecilia. 2001. How Real People Are Made. Gender and Sociality in Amazonia. Oxford Berg. 208
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7/25/2019 Sez_MCCALLUM, Cecilia. 2001. How Real People Are Made. Gender and Sociality in Amazonia. Oxford Berg. 208
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RESENHAS 207
ros humanos, trazendo baila todos os
grandes binmios do dualismo kaxina-
w. Fazendo crescer e nomeando crian-
as e cultivos, ao mesmo tempo que re-
gulam simbolicamente a relao com o
exterior, Nixpu Pima e Kachanawa, em
conjunto, emolduram o mundo kaxina-
w com metforas agrcolas, engloban-
do o lado predatrio do mundo esses
dentes fortalecidos pelo Nixpu, dora-
vante capazes de comer carne, so com-
parados aos gros do milho pintado.
Ponto de vista kaxinaw, ponto de vis-ta de suas horticultoras.
O texto filia-se sem restries a duas
correntes. Uma, a da literatura sobre os
Kaxinaw, especialmente rica e homo-
gnea Kensinger, Deshayes, Keife-
nheim e, mais recentemente, Lagrou,
entre muitos outros. Outra, a dessa et-
nografia da Amaznia, focada na do-
mesticidade e na intimidade, que j
de praxe contrastar com aquela queprefere tematizar os diversos avatares
da predao.
A bibliografia kaxinaw alcana um
volume e uma antiguidade incompar-
veis com a de qualquer outro grupo pa-
no, e h muito tem delineado um mo-
delo com algumas feies notveis: um
sistema de metades que raro feito
serve ao mesmo tempo como agencia-
dor matrimonial e como classificador
simblico, e que eventualmente se tra-
duz na organizao poltica do grupo,
um sistema kariera de transmisso de
nomes que cria uma densa trama de so-
lidariedades, tudo isso acompanhado
da dose justa de exegese, que no su-
gere a lucubrao de especialistas lo-
cais, nem obriga os especialistas exter-
nos a lanar mo a toda hora de estru-turas inconscientes. Esse modelo con-
tribui para fazer dos Kaxinaw os Pano
por excelncia ou, talvez, os Pano de-
fault, cujos arrazoados ajuda para is-
so a considervel homogeneidade lin-
gstica e cultural do conjunto do
sentido s informaes desconexas ou
padro aos desvios de povos vizinhos.
Segue-se da uma curiosa definio do
trabalho: enquanto outros etngrafos
despendem esforos considerveis para
esclarecer quem so os Uni, os Shipi-
bo-Conibo, os Matss ou os Yaminawa,
apontando em geral para processos de
etnognese relativamente recentes, os
estudiosos dos Kaxinaw explicam-nos
como eles devem ser, ou como so fei-
tos, e assumem uma continuidade comas formas registradas na etnohistria. A
rigor, o que temos so menos descries
do povo kaxinaw que da condio
Huni Kuin (esse real people do ttulo),
duas entidades cujos espaos no coin-
cidem seno parcialmente, como os pr-
prios autores lembram vez por outra.
Embora o autor desta resenha alimente
uma certa curiosidade sobre quem so
afinal os Kaxinaw, a literatura espe-cializada respeita e transmite a reflexo
de um povo que se identifica com um
modelo (o uso cada vez mais freqente
do termo Huni Kuin mais do que a
simples vitria de uma autodenomina-
o), e isso pode ser, afinal, o melhor
caminho, se concedemos que o mundo
pano poderia se entender melhor como
um sistema de condies do que como
um conjunto de povos.
Em tempo: falando, de fora, em mo-
delo kaxinaw, estou sendo infiel ao
esprito do livro, que caminha com ps
pragmticos o que se faz, o que faz,
como se faz e foge de sistemas, ordens
e representaes da sociedade. Mas no
necessrio tropear nesses grandes
arcabouos, raros e ralos no austero su-
doeste amaznico, para reconhecer ummodelo (no sentido moral) que marca
bem a posio dos Huni Kuin entre vizi-
nhos de tecido social ou costumes mais
frouxos, e regula a relao entre eles,
na bibliografia e na prtica.
7/25/2019 Sez_MCCALLUM, Cecilia. 2001. How Real People Are Made. Gender and Sociality in Amazonia. Oxford Berg. 208
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Voltando-nos agora para a segunda
corrente, sabido que nos ltimos quin-
ze anos tem tomado corpo na etnologia
uma dicotomia entre a Amaznia brit-
nica e feminina do amor e a Amaznia
franco-tupi e masculina da guerra (
claro, as fronteiras entre ambas so ao
mesmo tempo fluidas e porosas!). O li-
vro foi escrito de olho nesse contraste,
e dialogando com a escola canibal. Mas
esse dilogo parece ser, aqui, um dilo-
go cismognico: o intimismo do livro
ainda mais claro que o da tese, onde dis-putas polticas ou feitiaria ganhavam
algo mais de espao. O malinowskia-
nismo que a autora reivindica em certo
momento tem, talvez, um alcance maior
do que o pretendido: os imponderveis
da vida cotidiana podem ser reconheci-
dos nas agresses que se esgueiram
por entre as pantomimas agressivas, ou
nas ms intenes que, vez por outra,
esto atrs dos bons atos; mas tantoelas quanto as maldades tout court, no
convidadas festa, comparecem como
estratgias individuais, sem direito a
significados mais fundos.
O ltimo captulo do livro desenvol-
ve uma reviso da literatura sobre gne-
ro e, mais especificamente, de suas apli-
caes na, ou suas refutaes desde a,
etnologia amaznica. Parece claro que a
autora faz um balano (eis aqui aquela
referncia a Malinowski), a partir de sua
experincia de campo. O regime Huni
Kuin de relaes de gnero identificado
na constituio da pessoa, nas trocas co-
tidianas ou nas batalhas rituais entre
homens e mulheres, com insultos obs-
cenos que no contradizem o apreo
pela colaborao sexual, serve para pr
entre parnteses discursos sobre a he-gemonia masculina e seus desdobra-
mentos psicanalticos, sobre a apropria-
o da fora de trabalho baseada no
controle das filhas nbeis, ou sobre a
guerra mais ou menos ideolgica entre
os gneros. O comrcio pano entre os
gneros um jogo leal, mas sobretudo
um jogo; e, seja ou no generalizvel, o
caso serve ao menos para neutralizar
as pretenses de generalidade ou de
crua realidade dos outros diagnsticos.
No ponto crtico da reviso, a autora
se distancia da nfase atual que os es-
tudos de gnero do s identidades se-
xuais e percepo do gnero como
subjetividade. Trata-se, comenta a au-
tora, de descries geradas em grandes
cenrios urbanos, que ficam sem espa-o em uma sociedade dualista (e, lem-
bre-se, pouco interessada no desvio).
No h, no caso Huni Kuin, lugar para
terceiras identidades que, no entanto,
se insinuam em outros grupos pano
com a lembrana de instituies do tipo
berdache. Quanto ao interesse da lite-
ratura de gnero pela subjetividade,
vale a pena ressaltar que se verifica na
etnologia contempornea uma tendn-cia a reorganizar, a partir do sujeito, o
campo outrora regrado pela oposio
entre cultura e natureza (na literatura
perspectivista). Um aparte: um dilo-
go poderia se desenvolver a partir da,
mas para isso seria talvez necessrio um
termo derivado de sujeito que repre-
sentasse em relao subjetividade o
mesmo enxugamento que socialidade
traz para sociabilidade. McCallum,
se bem entendi, prope tomar o gnero
como uma diviso fundante dos corpos,
transversal quela que o perspectivis-
mo identifica entre o sujeito e as vari-
veis naturezas. Isso significaria para o
gnero subtrair-se ao ciclo das reencar-
naes do par natureza e cultura, dei-
xar de ser um epifenmeno da primeira
ou uma mais-valia da segunda, j queo corpo de que aqui se trata aquele
engendrado, alimentado, moldado e de-
senhado pelo real people a substn-
cia da socialidade, no seu prisioneiro
nem sua representao.
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7/25/2019 Sez_MCCALLUM, Cecilia. 2001. How Real People Are Made. Gender and Sociality in Amazonia. Oxford Berg. 208
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MONOD-BECQUELIN, Aurore e ERIK-
SON, Philippe (orgs.). 2000. Les Rituels
du Dialogue: Promenades Ethnolinguis-
tiques en Terres Amrindiennes. Nan-
terre: Socit dEthnologie. 608 pp.
Juan Alvaro Echeverri
Professor, Instituto Amaznico
de Investigaciones IMANI, Universidad
Nacional de Colombia
O conceito de dilogo relaciona-se aoproblema geral da comunicao, apa-
recendo, portanto, como uma preocu-
pao daquelas disciplinas lingsticas
que se ocupam dos contextos pragm-
ticos de uso da lngua e da construo
de sentido na interao comunicativa.
Se os lingistas abordam o dilogo
no sentido mais emprico de conver-
sao, para os antroplogos, o dilogo
o fundamento mesmo de sua discipli-na. Em poucas palavras: o conhecimen-
to antropolgico constri-se dialogica-
mente tanto no sentido literal (os da-
dos surgem de conversaes), quanto
em sentidos mais complexos e metaf-
ricos, em que o dilogo se impe como
encontro e negociao de diferenas.
Os antroplogos, assim como os etnolin-
gistas, tm acesso a muitas modalida-
des de dilogo e interao que contras-
tam com as percepes ocidentais do
dilogo, do discurso e de suas funes.
Esses registros constituem um poten-
cial crtico para as teorias gerais da co-
municao, pretensamente universais.
O livro organizado por Aurore Mo-
nod-Becquelin e Philippe Erikson, re-
sultado de um simpsio realizado no 49o
Congresso Internacional dos America-nistas (1997), uma tentativa valiosa de
abordar esses temas. Destacarei aqui
trs de suas caractersticas gerais: a sua
inteno e relevncia terica; a combi-
nao que faz de ferramentas e pers-
pectivas lingsticas e antropolgicas;
e a sua contribuio para o enriqueci-
mento da noo de dilogo.
Primeiro, o livro no pretende nem
fornecer um panorama dos campos e
disciplinas que se apropriam da noo
de dilogo, nem traar sua histria. No
um livro terico, mas emprico, que
apresenta dados de pesquisas de cam-
po originais da Mesoamrica e da Am-
rica do Sul. Sem pretender mapear ou
mesmo delimitar esse campo terico,
prope porm uma crtica efetiva deconceitos da pragmtica, da teoria da
comunicao, da sociolingstica e da
etnografia. Pode-se reconhecer um di-
logo intertextual com uma rede de au-
tores (Bahktin, Grice, Austin), mas o
autor mais citado Greg Urban e seu
artigo de 1986 emAmerican Anthropo-
logist (Ceremonial Dialogues in South
America). Isto apenas um sinal (a que
se somam referncias a outros ameri-canistas: Sherzer, Tedlock, Rivire)
da grande originalidade do livro: um
esforo para construir empiricamente
um entendimento das formas dialgicas
na Amrica indgena. Os discursos ce-
rimoniais, com suas caractersticas pro-
sdicas, retricas e semnticas alta-
mente formalizadas, so como o para-
digma que permeia todo o campo co-
municativo amerndio. O livro, no obs-
tante, transborda amplamente essa in-
teno, e no pode tambm evitar abor-
dar, de modo deliberado ou casual, a
questo do dilogo intercultural e das
relaes de hierarquia e dominao
(no apenas comunicao e solidarie-
dade) manifestas em toda interao
dialgica.
Uma segunda caracterstica do livro a tentativa explcita de combinar (fa-
zer dialogar?) as perspectivas e m-
todos da lingstica e da antropologia.
Avaliemos o xito parcial dessa inten-
o. Todos os autores antroplogos de-