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7 1 NOGUEIRA, Franco, Um Político Confessa-se. Diário. 1960-1968, Porto, Civilização, 1987, p. 15. 2 DACOSTA, Fernando, Máscaras de Salazar. Narrativa. Lisboa, Editorial Notícias, 1998, p. 245. 3 O Século, 27 de Julho de 1970, 2. a edição. CAPÍTULO 1 O COMBOIO PARA SANTA COMBA «Estou sempre número um para apanhar o rápido para Coimbra e Santa Comba» 1 , disse, tantas vezes, Salazar, numa manifestação ri- tual de desapego pelo poder — em que nem ele acreditava. «Ele ha- bituou-se àquela vida», disse a governanta Maria de Jesus, «de muita ralação, é certo, mas também de muita prepotência, de muito orgu- lho.» 2 27 de Julho de 1970. «Morreu hoje às 9 e 15 o Prof. Oliveira Salazar», anuncia a toda a largura da primeira página O Século 3 , em 2. a edição, vespertina, citando o comunicado oficial da Secretaria de Estado da Informação e Turismo. «De súbito», escreve-se na mesma primeira página, «na sexta-feira, 17 do corrente, os portugueses fo- ram brusca e dolorosamente surpreendidos por uma comunicação assinada pelo prof. Eduardo Coelho, médico assistente do prof. Oli- veira Salazar: fora acometido de doença infecciosa e o prognóstico era reservado. (...) Efectivamente, o estado do Presidente Salazar piorou rapidamente e sem remédio. Todos os órgãos vitais foram afectados. O coração não resistiu. As crises sucederam-se, cada vez mais graves. A ciência nada pôde contra a morte.» Tinha 81 anos, entrara para o Governo, como ministro das Fi- nanças, em Abril de 1928, Governo a que presidira durante 36 anos, entre 1932 e 1968.

Salazar - O ditador encoberto

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Biografia de Oliveira Salazar

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  • 71 NOGUEIRA, Franco, Um Poltico Confessa-se. Dirio. 1960-1968, Porto, Civilizao, 1987,p. 15.2 DACOSTA, Fernando, Mscaras de Salazar. Narrativa. Lisboa, Editorial Notcias, 1998,p. 245.3 O Sculo, 27 de Julho de 1970, 2.a edio.

    CAPTULO 1

    O COMBOIO PARA SANTA COMBA

    Estou sempre nmero um para apanhar o rpido para Coimbrae Santa Comba1, disse, tantas vezes, Salazar, numa manifestao ri-tual de desapego pelo poder em que nem ele acreditava. Ele ha-bituou-se quela vida, disse a governanta Maria de Jesus, de muitaralao, certo, mas tambm de muita prepotncia, de muito orgu-lho.2

    27 de Julho de 1970. Morreu hoje s 9 e 15 o Prof. OliveiraSalazar, anuncia a toda a largura da primeira pgina O Sculo3, em2.a edio, vespertina, citando o comunicado oficial da Secretaria deEstado da Informao e Turismo. De sbito, escreve-se na mesmaprimeira pgina, na sexta-feira, 17 do corrente, os portugueses fo-ram brusca e dolorosamente surpreendidos por uma comunicaoassinada pelo prof. Eduardo Coelho, mdico assistente do prof. Oli-veira Salazar: fora acometido de doena infecciosa e o prognsticoera reservado. (...) Efectivamente, o estado do Presidente Salazarpiorou rapidamente e sem remdio. Todos os rgos vitais foramafectados. O corao no resistiu. As crises sucederam-se, cada vezmais graves. A cincia nada pde contra a morte.

    Tinha 81 anos, entrara para o Governo, como ministro das Fi-nanas, em Abril de 1928, Governo a que presidira durante 36 anos,entre 1932 e 1968.

  • 81 O Sculo, 28 de Julho de 1970.2 Dirio de Notcias, 28 de Julho de 1970.3 Idem, p. 9.4 Dirio de Notcias, 29 de Julho de 1970.

    Morreu o Prof. Salazar: luto nacional at quinta-feira, titulaO Sculo1 na manh seguinte. A morte de Salazar emocionou pro-fundamente o Pas. Definitivamente na histria. Luto geral e funeralnacional, proclama o Dirio de Notcias2.

    Em Londres, sob o ttulo Salazar, o ditador tranquilo, desapare-ce, o Evening Standard escreve: Numa poca de flamejantes e selv-ticos ditadores, o austero e silencioso Dr. Salazar durou mais do queeles, e do seu silncio e do seu horror pela publicidade fez armas po-lticas em que tentou preservar Portugal e o seu Imprio dos ventosde mudana.3

    Em Frana, escreve o Dirio de Notcias que Le Monde consagrouum extenso artigo ao falecimento do Prof. Salazar, de quem traaa biografia. Que no deveria ser muito elogiosa, porque, acrescentao jornal, sem dar pormenores, foi escrita sob um prisma que , evi-dentemente, o de sempre naquele jornal. So ainda referidas asmenes nos jornais alemes, em tom neutro, e que os vespertinositalianos noticiam com relevo e nas primeiras pginas, o falecimentode Salazar, sem comentrios.

    S em Espanha surgem ttulos encomisticos. Salazar, o ho-mem de Portugal e fraterno amigo da Espanha, titula o franquistaEl Alcazar, que escreve: O pas irmo perdeu o homem que o sal-vou da runa econmica e do desastre poltico. No Informaciones, r-go do Movimiento do vizinho ditador espanhol, o ttulo apregoa:Antnio de Oliveira Salazar, um homem para a histria.

    O comando da N.A.T.O. determinou que todas as bandeirasdos pases aliados estejam a meia haste, no seu Quartel-General, nosdias 27 e 304, anunciava tambm o Dirio de Notcias.

    Marcelo Caetano, o seu sucessor, dirige-se ao Pas para evoc-lo.Elogia-lhe a inteligncia lcida, o pensamento claro, a escrita derara correco e elegncia formal, o realismo com que encarava osproblemas, o carcter forte, a vontade inflexvel. Discretamente,toma alguma distncia: Quarenta anos de governo no podem de-

  • 91 O Sculo, 28 de Julho de 1970.2 O Sculo, 29 de Julho de 1970.3 A ltima noite de Salazar em Lisboa, crnica de Frederico Alves in O Sculo, 30 de Ju-lho de 1970.

    correr sem sombras. Governar necessariamente descontentar. Po-rm, afirma, o saldo positivo enorme: Para avaliar a obra de Sa-lazar preciso comparar o Portugal que ele recebeu ao assumiro Governo com o Portugal que ele deixou. Recebeu um Pas arrui-nado, dividido, convulso, desorientado, descrente nos seus destinos,intoxicado por uma poltica estril. Deixou um Pas ordenado, uni-do, consciente, seguro dos seus objectivos e com capacidade para osatingir.1

    So 11 da manh de 28 de Julho de 1970. A urna contendoo corpo sem vida de Antnio de Oliveira Salazar sai de S. Bento,desce a Avenida D. Carlos I, depois a 24 de Julho, a Av. da ndia,sempre acompanhada de gente, at aos Jernimos. Aqui ficar Sala-zar exposto s homenagens e curiosidade do povo.

    Durante muitas horas, escreve O Sculo, automveis, autocar-ros e elctricos despejaram gente diante do Mosteiro dos Jernimos.A partir do fim da tarde, com o termo do dia de trabalho, a multidoadensou-se e a fila enorme de povo estendeu-se por toda a periferiada igreja, at ao Estdio Almirante Amrico Thomaz, afastado maisde duzentos metros. Gente, muita gente de todas as camadas sociais,mas principalmente do povo, desejosa de, pela derradeira vez, revero prof. Oliveira Salazar, prestar-lhe um ltimo tributo. Dentro dotemplo, repleto, prosseguia a viglia das entidades oficiais (...).2

    Longas, longas horas, quilmetros de multido serpentearam,na penumbra, rente das altas paredes patinadas dos Jernimos, mer-gulhando pelo portal sul, pelo portal do transepto, elegncia area,riqueza leve das custdias, obra-prima da arte flamejante que a noiteenvolvia e ocultava, escreve n O Sculo3 Frederico Alves, descreven-do as desvairadas gentes que encontra no exterior dos Jernimos.Era o povo, gente de todas as condies sociais, de todas as idades,senhoras apinocadas, empunhando cravos rubros, mulheres humil-des com a pachorra dos pobres estampada nos olhos, garotas de mi-ni-saia, homens de ganga, rapazelhos de barba e camisas garri-

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    1 Como a me de Salazar.

    das, famlias inteiras no seu inesperado sero ao relento, enxames decrianas crianas adormecidas ao colo das mes, crianas exaustasdescansando num p s, como os flamingos, crianas irrequietas fu-rando a massa humana num animado jogo s escondidas com queo polcia entretinha os olhos. E enxames de vendedores de todaa espcie, surgidos ningum sabe de onde, apregoando retratos doSr. Dr. Salazar e livros sobre a sua vida que alguns compravame se punham a ler luz dos candeeiros pblicos...

    Como te chamas, p? Eu chamo-me Z. Ficaram amigos. Ra-pazinho franzino, pincel de cabelo num redemoinho no alto do caro-lo, calas de bombazina esfoladas nos joelhos. Aprendiz numa oficina.Esperou na bicha quanto tempo? Nunca entrou nos Jernimos, malentrev o seu significado. Manuelino? Pois, pois, falaram-lhe na escola.Quero ver Salazar. Tenho ouvido muita coisa.

    Alm, uma mulher gorda e plcida, xaile dobrado, apertado con-tra o sovaco, no v arrefecer. Estes Veres so traioeiros. Cabe-los escorridos, carrapito anacrnico, roscas de banha no pescoo tal-vez encardido. Vende hortalia na praa. No, no vendo peixe,enoja-me o cheiro do peixe. Vendo verduras. Chama-se, tambmela, Maria do Resgate1. Sentir-se- predestinada?

    Manuel. Vinte e um anos. Atirador especial. Um destes dias em-barcar. Ah, sim, Macau seria um sonho, mas tem mais certa a Gui-n... Meteu conversa com o Jorge, vizinho da frente, caixeiro numgrande armazm, ainda no sorteado para a guerra... O meu tio dizque, se no fosse ele, Angola teria ardido. E puseram-se a tagarelarda Volta a Portugal em bicicleta...

    Uma senhora de olhos empapados, talvez sofra do corao; ros-to extremamente plido, talvez seja anmica; saltos altos, vestido ne-gro, talvez seja viva ou tenha perdido algum, algures nos matos defrica. No diz nada, esfinge que espera e fuma cigarro aps cigar-ro...

    No dia seguinte, 29 de Julho, tm lugar as exquias solenes, pe-rante o Presidente da Repblica, acabado de regressar de S. Tom,onde se deslocara em visita de Estado, o cardeal Cerejeira, membros

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    1 Dirio de Notcias, 30 de Julho de 1970.2 O Sculo, 31 de Julho de 1970.3 Na manh de sol em que Salazar partiu, crnica de Leopoldo Nunes in O Sculo, 31 deJulho de 1970.

    do Governo, diplomatas, delegaes de pases. O adeus do povo deLisboa. Impressionante romagem de saudade: multido, silncioe flores entre as pedras venerandas dos Jernimos, titula o Dirio deNotcias1 em letras gordas, que ocupam dois teros da primeira pgi-na. Por ltimo, fala o cardeal-patriarca, o amigo, Cerejeira: Senhor,atendei misericordiosamente as nossas splicas para que se abram asportas do Paraso ao vosso servo Antnio.

    Dirige-se agora o funeral ao comboio especial que o espera juntoao Tejo. O comboio atravessa Lisboa, segue para Coimbra, depoispara Santa Comba. E dali para o pequeno cemitrio do Vimieiro,onde o corpo desce terra. A repousa numa campa rasa, encostadaao muro, logo esquerda de quem entra. Cumpriu-se a vontade doPresidente Salazar. A ltima viagem para Santa Comba. Das pedrasevocadoras da epopeia campa rasa da aldeia beir. O SenhorDoutor no volta mais: um dos maiores portugueses de sempre re-pousa no recanto do pequeno cemitrio da terra natal, titula, a todaa primeira pgina, o Dirio de Notcias de 31 de Julho. O Sculo faz co-ro: Da glria dos Jernimos humildade de Santa Comba Do. Sa-lazar reuniu-se a seus pais no cemiteriozinho da terra onde nasceue onde morar para sempre em campa rasa.2 Nas pginas interiores,escreve Leopoldo Nunes a rematar a sua crnica: Acompanho o f-retro at ao comboio que o levar para Santa Comba. Todos osolhos tm brilho, mesmo quando choram; todos os rostos expri-mem pesar. H movimentos de braos e de mos. Mas a viso querecolho, nesse momento da partida de Salazar para a sua terra natal, a do seu rosto encovado e inerte, dos seus olhos fechados, dassuas mos quietas, de laivos cinzentos. E sinto-me mais pobre, co-mo todos ns, como esta Nao que ele engrandeceu e prestigiou,que ele serviu e amou com o esprito e a fora quase ao nvel do di-vinatrio.3

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    1 DACOSTA, Fernando, Mscaras de Salazar, Verso revista e aumentada. Lisboa, Casa das Le-tras, 2007, p. 21.2 Antnio Melo, Salazar, o ditador tranquilo, desapareceu, in PAO, Antnio Simes do(coord.), Os Anos de Salazar, Vol. 26. 1970. Marcha Fnebre. Planeta DeAgostini, Lisboa2008, p. 15.3 Dirio de Notcias, 1 de Agosto de 1970.

    UM OUTRO PAS

    No meio desta quase unanimidade que a Censura se encarregade garantir nos jornais no h lugar para aqueles, que como o av deFernando Dacosta andaram anos, dcadas, a adiar jantares festivose garrafas de champanhe para celebrar o fim do ditador. A ida dogajo pr inferno significar a vinda para ns do paraso, berravao meu av por tascas beirs, ante bufos desinteressados do seu mo-nocrdico reviralho.1

    Apenas o Repblica se limitou, praticamente, a colocar o horriodos ofcios religiosos e a informar quem do governo ou do corpo di-plomtico estivera a apresentar condolncias2.

    No dia a seguir ao funeral de Salazar, na manh de 31 de Julho,morreu em Lisboa, com 91 anos, o Dr. Joo Soares, republicano, fir-me opositor do Estado Novo (e pai de Mrio Soares). Caprichos dodestino. O Repblica deu algum destaque a este falecimento, escre-vendo que cerca das 8h, desapareceu uma das figuras mais presti-giosas de democrata indefectvel, que Repblica e aos seus ideaisconsagrou toda uma larga vida de luta e dedicao e prolongandonas pginas do jornal, por trs dias, tantos quanto as que mereceramnos outros as de Salazar, as referncias morte do velho republica-no. Mas era caso isolado: no Dirio de Notcias, por exemplo, a notciada morte de Joo Soares atirada para a pg. 15, para a seco denecrologia, com uma curta nota a uma coluna (de onde, mesmo as-sim, cortada pela censura a referncia ao filho, Mrio Soares)3.

    Na priso de Caxias, onde o regime trancafiava alguns dos seusopositores, a morte de Salazar tambm vista de modo diferente.

    Um inusitado toque de clarim interrompe a rotina matinal napriso de Caxias, escreve Diana Andringa, que l estava presa em27 de Julho de 1970. Um toque diferente, desconhecido, num tomlamentoso que no lhe conhecamos.

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    Numa cadeia, ganham-se mil ouvidos: habituamo-nos aos sonsciciados da chegada de um novo preso, ao esforo de distinguir quala cela onde o colocam (...), tosse que anuncia esse regresso, ao as-sobio longnquo de um camarada, (...) at s crises de asma de al-gum que necessita socorro, numa cela prxima. Ento, um toquede clarim, a uma hora inabitual, desperta de imediato a ateno e aansiedade.

    L em baixo, na guarita, o jovem guarda-republicano olha, tam-bm ele, o lado de onde o som surgiu.

    Que toque este?, perguntamos-lhe, gritando.Olha-nos e encolhe os ombros. No como quem no quer res-

    ponder pergunta gritada por aqueles que tem o dever de guardar,mas como quem no sabe. E ouvimo-lo repetir a pergunta paraa guarita seguinte: Que toque este?

    Do outro lado chega uma resposta, para ns inaudvel. Mas o jo-vem ouve-a e repete-a para ns: o toque dos mortos!

    Para que, numa cadeia, toque o clarim por algum que morreu, que esse algum pessoa de importncia. E a ansiedade e a curio-sidade crescem. Gritamos, de novo, para o guarda: E quem quemorreu?

    Tal como da primeira vez, ele repete, para a guarita seguinte,a nossa pergunta. E tal como da primeira vez, a resposta escapa-nos.Mas tal como da primeira vez o jovem que nos guarda logoa repete: Foi o velho! O velho foi viola!

    No houve necessidade de perguntar mais nada. O velho comdireito a clarim s podia ser um: Salazar. E logo nos abramos a rir,enquanto ouvamos, vindos de outras celas, gritos de regozijo. Quea morte, tantas vezes desejada, do ditador, nos fosse anunciada pelojovem que devia guardar-nos aumentava a ironia da notcia.

    A cadeia explodiu em gritos, risos, murros nas paredes, comuni-cando de cela em cela, na velha caligrafia prisional um toque a, dois so b, trs c e por a adiante... a morte do antigoPresidente do Conselho.

    Os mais lcidos lembraram que j havia outro, Marcelo Caetano.Mas, nesse dia, a alegria prevaleceu. Mesmo quando a visita foi can-celada, mesmo quando nos cortaram os minutos de msica diria,

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    1 Diana Andringa, A morte de Salazar vista da priso de Caxias, in PAO, Antnio Si-mes do (coord.), Os Anos de Salazar, Vol. 26. 1970. Marcha Fnebre. Planeta DeAgostini,Lisboa 2008, pp. 22-23.2 Avante! n.o 417, VI srie, Junho de 1970.

    porque o pas est de luto. De luto?, respondemos ns. O vos-so talvez esteja, o nosso pas est em festa!1

    No dia da morte de Salazar, lvaro Cunhal estava exilado, de-pois de se ter evadido do forte de Peniche, em 3 de Janeiro de 1960,onde continuava preso, h mais de dez anos, apesar de j ter cumpri-do a sua pena, a terceira s mos do Estado Novo de Salazar. MrioSoares, que foi preso pela PIDE doze vezes, num total de quase trsanos, tinha sido deportado sem julgamento para S. Tom em 1968 e,em 1970, era obrigado novamente a exilar-se. Jos Manuel Tengarri-nha, perseguido pela ditadura, foi impedido de leccionar e publicarartigos em jornais. Esteve preso seis vezes. Francisco Martins Rodri-gues, o pai das correntes maoistas em Portugal, acabara de ser con-denado, junto com os seus camaradas da FAP Pulido Valente e RuidEspinay, a penas que ultrapassavam os 69 anos de priso maiore medidas de segurana pelo infame Tribunal Plenrio2.

    Dali a menos de cinco anos, e um apenas aps o derrube do re-gime do Estado Novo, em 25 de Abril de 1975, nas primeiras elei-es livres disputadas em muitas dcadas em Portugal, as para a As-sembleia Constituinte, estes homens que em 1970 estavam presose perseguidos eram dirigentes de formaes polticas que representa-vam 3 337 815 eleitores (58,44% dos votos). Se a estes acrescentar-mos o 1,5 milho de votos obtidos pelo PPD de S Carneiro, que,apesar de no ter sido perseguido, nunca foi persona grata no regimedo Estado Novo, resulta que 85% dos participantes num acto eleito-ral onde votaram 5 711 829 eleitores (91,66% dos eleitores inscritos)teriam sido considerados desafectos situao pelo regime de Sa-lazar, e, potencialmente, perseguidos e presos.

    Apesar de no se poderem considerar livres as eleies disputa-das durante o Estado Novo, se quisermos um termo numrico decomparao, podemos verificar que nas eleies de 1934 houve377 792 votantes, num total de 478 121 eleitores. Isto num universo

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    populacional de 7 148 046 habitantes, ou seja, votou 5,3% da popu-lao! Mesmo em eleies mais disputadas, como as presidenciais de1958, onde surgiu Delgado a desafiar o candidato do regime, os maisque suspeitos resultados oficiais contabilizaram 758 998 votos paraAmrico Toms e 236 528 para Delgado. Tudo somado, no chegouao milho de votos! So dados que convm ter em conta quandoavaliamos a representatividade face ao Pas do regime de Salazar.

    Este homem que governo no queria ser governo. Foi depu-tado; assistiu a uma nica sesso e nunca mais voltou. Foi ministro;demorou-se cinco dias, foi-se embora e no queria mais voltar.O governo foi-lhe dado, no o conquistou, ao menos maneira cls-sica e bem nossa conhecida: no conspirou, no chefiou nenhumgrupo, no manejou a intriga, no venceu quaisquer adversrios pelafora organizada ou revolucionria. (...) Tem todo o ar de lhe ser in-diferente estar ou ir; em todo o caso est. Est e h tanto tempoe to tranquilamente como se ameaasse nunca mais deixar de es-tar, disse um dia Salazar.

    Esteve quatro dcadas. Foi o poder e a imagem do poder. Masquem foi ele afinal?