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SAÚDE, CURA E ASSOCIATIVISMO
O ACERVO DA SOCIEDADE E HOSPITAL BENEFICÊNCIA PORTUGUESA
DE PORTO ALEGRE
Daniel Oliveira
Mestrando em História/Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Paulo Roberto Staudt Moreira
Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Coordenador do
PPGH da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
Resumo: Por meio de convênio firmado entre o Museu de História da Medicina do Rio
Grande do Sul (MUHM1), o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e a
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), foi desenvolvido o projeto de
recuperação do acervo da Sociedade e Hospital Beneficência Portuguesa de Porto
Alegre, que se dividiu nas etapas de higienização, transcrição (de alguns códices,
definidos por ordem de importância) e organização do acervo. Esta documentação
primária e inédita para pesquisas abarca cronologicamente meados do século XIX até o
final do XX. Trata-se, como se verá adiante, de acervo adequado para a investigação de
temáticas diversas, como a história da saúde, medicina, associativismo, alimentação,
doenças, história social do trabalho (livre e escravo), práticas funerárias etc.
Palavras-chave: Sociedade de Beneficência Portuguesa, fontes primárias, preservação
documental, higienização, arranjo documental.
Histórico da Sociedade e Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre
No intuito de manter unida a colônia portuguesa no Brasil pós-independência, os
portugueses residentes deste país tomaram a iniciativa de criar hospitais em qualquer
local onde houvesse uma comunidade de seus patrícios, amigos ou descendentes. As
origens da idéia de se fundar em Porto Alegre uma entidade filantrópica portuguesa nos
1 O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS) começou a investir em um projeto sobre a memória da medicina em abril de 2004 e, dois anos depois, foi criado o Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul.
remete a 1845. No entanto, apesar da idéia ter sido bem recebida pelo Vice-Presidente
em exercício da Província, o projeto foi temporariamente abandonado, pois recém havia
encerrado a guerra civil Farroupilha (que por sua vez havia hostilizado o Partido
Restaurador, composto em grande parte por portugueses) e tal ensejo associativista seria
potencialmente suspeito.
Já em 1854, com a morte da Rainha de Portugal D. Maria II, irmã de D. Pedro II,
a cidade de Porto Alegre (ou pelo menos a comunidade portuguesa) foi tomada por
grande comoção, sendo organizadas diversas homenagens à falecida soberana. Neste
clima favorável à comunidade portuguesa, com o auxílio da imprensa, ressurge a idéia
de se criar na capital uma entidade assistencialista formada por portugueses, como já
ocorria em outros locais do Brasil. Desta forma, em 26 de fevereiro de 1854, em uma
sala da Santa Casa de Misericórdia, o vice-cônsul honorário de Portugal, juntamente
com outros membros da elite portuguesa da época, residentes no Rio Grande do Sul, foi
fundada a Sociedade de Beneficência Portuguesa, colocada sob a proteção do El-Rei D.
Fernando de Portugal.
No fim do primeiro ano de existência já estavam associadas 557 pessoas. De
início a Sociedade não dispunha de sede própria, e estabeleceu-se um contrato com a
Santa Casa para atendimento de seus doentes. Com o crescimento do fundo dos
associados em 1858 foi comprada uma casa na antiga Rua da Figueira, onde foi
montado um pequeno hospital. Com o surto de cólera na cidade, em 1867, verificou-se a
necessidade de construção de um espaço maior, que suportasse a demanda de
atendimentos. Desta forma, foi obtido através de doação um terreno no antigo Caminho
da Aldeia, a atual Avenida Independência. A pedra fundamental do novo edifício, que
até hoje é um dos marcos arquitetônicos da capital, foi lançada em 29 de junho de 1867,
e teve sua inauguração em 29 de junho de 1870. No início de 1871 ficou pronta a
primeira capela, no interior do prédio, e em 1872 foi entronizado o Padroeiro, São
Pedro.
Após a mudança para a nova sede, a Beneficência Portuguesa não cessou de
ampliar sua presença na sociedade gaúcha. Em 1884 participou do movimento local de
emancipação de escravos doando muitas cartas de alforria. Cresceu o número de
atendimentos, de associados, e também, do volume de seu patrimônio, aumentado com
doações em forma de imóveis, heranças, loterias especiais e outras fontes. Em 1892
foram feitas melhorias nas instalações, sendo criadas salas para consultórios e uma
farmácia. Por volta de 1900 a Sociedade estava em ótimas condições, com um
considerável patrimônio, muito bem avaliado e sem ter nenhuma dívida. Em 1907 foi
adquirido um terreno para criação de um cemitério destinado aos associados, junto ao
Cemitério São Miguel e Almas, consagrado em 1909. Neste mesmo ano foram
reformadas as salas de cirurgia, os encanamentos de água e gás, e instalada a lavanderia.
Em 1911 foi criada a enfermaria feminina (até então eram internados somente pacientes
do sexo masculino) e instalada a luz elétrica.
Uma nova fase no funcionamento da entidade iniciou em 1923, a administração
interna do Hospital foi entregue às irmãs da Divina Providência. Na data de 1928 foi
inaugurada uma nova ala, com os Gabinetes de Radiologia e Diatermia, um consultório
e duas novas salas de operação. Em 1936 foi aberta outra dependência, onde se
estabeleceu a maternidade. Em 1937 foi adquirida uma extensa área de terra em
Gravataí, onde foi construída uma granja e também instalado o Retiro da Velhice. A
inauguração de um novo bloco se deu em 1950 juntamente com a criação de uma
maternidade moderna, consultórios, novas salas de cirurgia e uma grande cozinha.
Em 1951 a Beneficência Portuguesa teve os seus serviços na área neurológica
reconhecidos como exemplo de excelência no Brasil e no exterior. Em 1952 foram
adquiridos novos terrenos e inaugurado o Instituto de Radioterapia. Desde então o
complexo tornou-se um dos hospitais mais importantes da cidade, tendo sido na década
de 50 a maternidade mais procurada de Porto Alegre. Passou também a receber
pacientes encaminhados dos hospitais Conceição e Clínicas, desafogando estes centros
de saúde.
Ao iniciar o século XXI, sua situação de penúria chegou ao extremo, mas, apesar
das dificuldades imensas, em 2003 o Hospital foi destacado com o segundo lugar em
bom atendimento no Rio Grande do Sul. Porém, em 2007 teve sua execução decretada
pelo INSS, devendo ser leiloado, mas o processo foi revertido judicialmente. Sua
condição é delicada, com uma dívida de cerca de 18 milhões de reais. A Sociedade é
uma instituição filantrópica e se organiza através de uma assembléia geral, que é
soberana, um conselho deliberativo, um conselho fiscal e uma diretoria, além de um
corpo de associados de aproximadamente três mil contribuintes.
Condições do acervo da Sociedade: o estabelecimento do Convênio
Durante o processo de instalação do Museu de História da Medicina do Rio
Grande do Sul (MUHM/SIMMERS) no prédio histórico do Hospital da Beneficência
Portuguesa de Porto Alegre, foi localizada no porão desta instituição, em péssimo
estado de conservação, a documentação que constitui o acervo da Sociedade e Hospital
Beneficência Portuguesa. Documentação que remonta a história da instituição desde a
metade do século XIX até o final do século XX.
Neste contexto, no dia 25 de outubro de 2007, o Museu de História da Medicina
do Rio Grande do Sul (MUHM) assinou um convênio com a Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS), juntamente com o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
(AHRS), tendo como finalidade a recuperação da documentação histórica da Sociedade
e Hospital Beneficência Portuguesa. Este convênio, durante sua realização, contou com
a participação voluntária de alunos de graduação em História da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, que realizaram a higienização, transcrição paleográfica (de alguns
códices, escolhidos pela ordem de importância estabelecida: neste caso os mais antigos
ou em piores estados de conservação) e a organização do acervo (incluindo a
catalogação e elaboração de um instrumento de pesquisa), tendo como finalidade,
disponibilizar o acesso desta documentação aos pesquisadores.
Este convênio firmado entre a UNISINOS, o MUHM e o AHRS também
possibilitou aos alunos da graduação em História desta universidade um importante
contato com fontes primárias, com as técnicas de preservação de documentos e o
aprendizado de noções básicas de arquivística e museologia. Não são raras as vezes que
observamos alunos de graduação em história concluir seus cursos sem ao menos visitar
um arquivo histórico, sem ter contato prático com alguma documentação histórica.
Muito mais raras são as chances de graduandos participarem do processo de
organização de um acervo (acompanhando a implantação desde seu início até o seu
final), constituído de documentação primária inédita para pesquisa. Desta forma, este
convênio, além de possibilitar a experiência prática de se trabalhar com documentação
histórica, adquirida através do contato e da higienização dos documentos e da
identificação das diversas possibilidades de pesquisa que este enorme acervo pode dar
acesso, também possibilitou o despertar dos estudantes para a importância da
preservação do patrimônio documental.
Preservação dos documentos: etapas de recuperação do acervo
A preservação e a vida útil de documentos dependem de uma séria de fatores,
tais como armazenamento adequado e o reparo de possíveis danos. Mas antes de
qualquer ação, é necessária a realização da higienização destes documentos. A
higienização deve ser feita periodicamente e de acordo com a necessidade de cada
documento, levando em consideração a composição do material que é constituído, e
também, o estado de preservação em que se encontram.
No trabalho realizado com a documentação da Sociedade e Hospital
Beneficência Portuguesa, o tipo de higienização desenvolvida foi a mecânica à seco,
com a utilização de trinchas, panos macios, e eventualmente, estiletes e bisturis, para a
retirada de sujidades que não saem tão facilmente. Foi adotada esta técnica por ser a
mais eficiente e a mais indicada pelos profissionais da área de preservação documental,
conforme literatura consultada, para as pretensões do trabalho que foi realizado. Os
corpos estranhos aos documentos como grampos metálicos, insetos, entre outros,
também foram removidos nesta etapa. Felizmente, apesar do mau acondicionamento em
que se encontrava o acervo, foi constatado que o estado de preservação dos documentos
é favorável para que, após o processo de higienização e organização, sejam
disponibilizados para futuras pesquisas. Os aspectos teóricos e metodológicos deste
projeto foram buscados junto à Arquivística, Museologia e História, disciplinas
responsáveis pela preservação do patrimônio cultural em seus diversos suportes.
Ainda sobre higienização, Drumond descreve com detalhes o procedimento
utilizado, pormenorizando-o:
[...] deve ser passada uma trincha ou pincel bem macio sobre o documento e,
em caso de um livro, em todas as folhas, observando sempre a presença de
traças, cupins e fungos. A limpeza de ser iniciada sempre do centro para as
bordas. No caso de livros, deve-se limpar bem a união entre as folhas, porque
larvas vivas geralmente se alojam nas costuras. Recomenda-se portanto,
maior cuidado na limpeza destas áreas (DRUMOND, 2006. p. 130-131).
Diversos autores destacam a importância desta etapa como parte integrante da
conservação preventiva em acervos e arquivos. Segundo Seripierri e Luccas: “a
higienização é sem dúvida a tarefa de maior importância dentro da biblioteca, pois nos
permite entrar em contato direto com o acervo, verificando sua integridade física”
(LUCCAS; SERIPIERRI, 1995. p. 35).
Todo o processo de higienização e organização do Acervo foi efetuado com
utilização de luvas de proteção, avental e máscaras, como forma de proteção contra a
poeira, fungos e demais sujidades, e também, como meio de preservar ainda mais a vida
útil dos documentos, evitando o contato do papel com sais contidos na superfície da
pele.
Visando uma maior vida útil e a organização do acervo da Sociedade e Hospital
Beneficência Portuguesa, foram cumpridas as seguintes etapas, previstas no
estabelecimento do convênio:
• Limpeza: é realizada a avaliação do estado em que se encontram cada
um dos documentos. De acordo com o estado de preservação em que se
encontra o documento e o tipo do material de que ele é constituído, é
realizado o trabalho de higienização, de acordo com as necessidades e
possibilidades verificadas;
• Transcrição paleográfica: no decorrer do processo de higienização, foi
realizada a transcrição paleográfica de alguns códices, escolhidos por
ordem de sua importância na história da instituição, privilegiando assim os
mais antigos e em pior estado de conservação;
• Arranjo: trata-se da organização do acervo, com a catalogação dos
códices e dos demais documentos, sendo confeccionado pelo coordenador
do projeto - Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira - um meticuloso
instrumento de pesquisa/catálogo2, constando, além dos números
identificadores dos documentos/códices, a descrição do mesmo (nome), o
período e número de páginas (constando também a data inicial e final das
anotações do mesmo). Infelizmente, devido às delimitações de tamanho
deste artigo, não poderemos disponibilizá-lo aqui.
Dentro desta última etapa de arranjo, merecem destaque os procedimentos
adotados na etiquetagem dos códices para identificação. Com a finalidade de não criar
2 Entende-se por catálogo - Instrumento de pesquisa elaborado segundo um critério temático, cronológico, onomástico ou geográfico, incluindo todos os documentos pertencentes a um ou mais fundos, descritos de forma sumária ou pormenorizada. Fonte: RELATÓRIO DO CONVÊNIO FIRMADO PARA HIGIENIZAÇÃO E ARRANJO DA DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA DA SOCIEDADE DE BENEFICÊNCIA PORTUGUESA
mais danos aos documentos, procedemos da seguinte forma: primeiramente, com a
utilização de cola CMC (Carboxi Metil Celulose)3, foi anexado ao códice um pequeno
pedaço de papel japonês (papel utilizado na restauração de documentos), e sobre este
foi colada uma etiqueta adesiva, onde consta, de forma impressa, a identificação do
códice de acordo com o catálogo. Por fim, para proteger a etiqueta, foi colado, sobre
ela, um outro pedaço de papel contact (vide fotografia n.1).
Fotografia4 1: detalhe etiquetas
A recuperação na prática: a difícil missão de conservar um patrimônio documental
No mês de novembro de 2007, com o trabalho do grupo de alunos voluntários,
sob a orientação do Professor e Historiador Paulo Roberto Staudt Moreira, foram
iniciados os trabalhos de higienização e organização do acervo da Sociedade e Hospital
Beneficência Portuguesa que foram realizados no interior deste hospital. De início, até
maio do ano de 2008, o local em que se realizaram os trabalhos foi a histórica Capela
São Pedro, construída em 1871. Mesmo não sendo o espaço físico mais adequado para
tais atividades - como pode ser observado na imagem abaixo, mesas para higienização
foram improvisadas, bem como o local de alocação dos livros (ao fundo, sobre os
DE PORTO ALEGRE. Museu de História da Medicina, 2009. 3 Polímero semi-sintético, em que grupos CH2COONa substituem o OH na cadeia celulósica, formando-se éteres. Tanto mais solúvel em água quanto maior o grau de substituição, é sobretudo utilizado pela viscosidade conferida às soluções aquosas, que aumenta com o comprimento da cadeia de celulose.A CMC dissolve rapidamente em água e é usada para controlar a viscosidade sem se transformar em gel. Usado como um espessante de soluções e estabilizante de emulsões, também actua como um agente suspensório. É incolor, inodoro, não-tóxico e solúvel na forma de pós ou grânulos. Fonte: Companhia do papel, disponível em http://www.planetsite.com.br/shop/produto_consulta.asp?PlanetSite=28&Produto=10635 4 Fotografias utilizadas: coleção da equipe do Projeto de Recuperação do Acervo da Sociedade de Beneficência
bancos da capela), sem falar do excesso de luminosidade – pois se tratava de um local
amplo e arejado, o que facilitou a realização dos primeiros trabalhos.
Fotografia 2: Capela São Pedro - Interior do Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre
Porém, devido aos interesses da administração do Hospital em reativar a Capela
para cerimônias religiosas, o projeto de higienização e organização do acervo foi
alocado, no mês de junho daquele ano, em salas de um corredor abandonado, na ala sul
do prédio, próximo ao antigo e também histórico Salão Nobre da Sociedade. Estas salas,
no início da ocupação, não contavam com energia elétrica, as paredes possuíam
infiltrações de água causadas pelas chuvas – o que tornava o local extremamente úmido.
Devido a isso, torna-se evidente que o novo local estavam muito longe de ser o cenário
ideal para os fins que se propunha o projeto: recuperar e salvaguardar a antiga
documentação da Sociedade. Isto sem falar na falta de motivação, devido às
circunstâncias impostas, para que os colaboradores voluntários dessem continuidade às
atividades.
Portuguesa de Porto Alegre.
Fotografia 3: corredor abandonado no Hospital Beneficência Portuguesa - Segundo local onde se
processou a higienização do acervo da sociedade
Em alguns meses, após algumas solicitações de melhorias realizadas junto à
administração do hospital por intermédio do MUHM, foi instalada energia elétrica em
duas das salas, sendo concedida, também, uma terceira sala fora deste corredor, situada
no segundo piso do prédio histórico do hospital, com a finalidade de alocar e organizar
os livros já higienizados. Esta sala, apesar de suas reduzidas dimensões físicas, mostrou-
se, diante dos outros locais em que foi desenvolvido o projeto, como o espaço mais
adequado e seguro para a guarda da documentação, ao menos até ser encaminhada para
local específico para tal fim. Com a disponibilização desta nova sala foi possível evitar
o excesso de umidade e a permanência da documentação higienizada com a que ainda
não havia passado por este processo, além de, também, oferecer a possibilidade de
maior controle da luminosidade, por meio da instalação de cortinas pretas.
Fotografia 4: sala de organização e catalogação do acervo
Em um período de dois anos, após trabalhosas e cansativas etapas, com
diversas/inesperadas modificações de espaço físico, juntamente com a falta de recursos
(fatores que colocaram em dúvida as reais possibilidades de concretização do projeto),
que dificultaram ainda mais a complexa e muitas vezes inglória tarefa de preservar
acervos em nossa realidade local (dificuldades estas que certamente se estendem por
todo este país, incluindo ainda muitos outros), foi dado por finalizado o projeto, com a
higienização, organização e catalogação de mais de trezentos códices, salvaguardados
de forma adequada e em local seguro (foto nº. 5).
Dentro disto, salientamos ainda que, desde o início do projeto, foi idéia
compartilhada pelas instituições e profissionais envolvidos, que esta documentação não
poderia ficar inacessível aos pesquisadores e público em geral. Assim, esperamos que
em breve este acervo esteja disponível, passando a fazer parte definitivamente da
reserva técnica do Museu de História da Medicina. Caso contrário, sugerimos que este
acervo seja doado ao Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, constituindo um arquivo
privado.
Fotografia 5: códices higienizados e catalogados
Possibilidades de Pesquisa
O acervo é constituído por uma grande quantidade de códices, livretos de
balanços anuais, diplomas de sócios, correspondências, além de uma série de
documentos avulsos das mais variadas espécies. Esta vasta documentação pode, por
meio de suas informações, remontar minuciosamente a história da Sociedade
Beneficência Portuguesa: sua criação, administração, seu quadro social, participação
dos sócios etc. Isto tudo, desde a sua fundação, ocorrida no ano de 1854, até as últimas
décadas do século XX. E é claro, muito além disso, também por meio desta
documentação, se torna possível a análise não só desta instituição e de seus membros,
mas também de várias nuances da sociedade porto-alegrense entre os séculos XIX e
XX5.
Basicamente, o Acervo da Sociedade e Hospital de Beneficência Portuguesa de
Porto Alegre se constitui na seguinte forma (séries) por natureza da documentação:
Natureza da documentação
Série 1 Financeiro
Série 2 Patrimônio (levantamentos)
5 O historiador Daniel Oliveira, que atuou como voluntário ao longo de todo o projeto, apresentou como trabalho de conclusão no curso de História, na UNISINOS, a pesquisa intitulada: “Porto dos degenerados - Os enfermos acometidos por doenças venéreas internados nos hospitais Santa Casa de Misericórdia e Beneficência Portuguesa de Porto Alegre entre os anos de 1881 e 1892”. Como indica o título foram usados como fonte primária alguns livros de baixa de pacientes envolvidos no presente convênio, analisando, desta forma, diversos aspectos da sociedade porto-alegrense de fins do século XIX.
Série 3 Entrada de pacientes
Série 4 Registros de associados
Série 5 Cemitério
Série 6 Diversos
Série 7 Relatórios, regulamentos, estatutos
Série 8 Atas
Quadro6 1: natureza da documentação por séries
Entre os documentos da série 1, se encontram códices que relatam a movimentação
financeira. Sejam livros caixa, de registros de contas, registros de compras, pagamentos
de sócios entre outros relacionados com finanças; sejam finanças do hospital, da
sociedade e do retiro da velhice (lar de idosos da sociedade). Esta série cobre
praticamente todo o período de existência da Sociedade e do Hospital, de maneira que
ficam poucas lacunas.
A série 2 apresenta documentação referente ao patrimônio e bens da Sociedade,
bem como plantas baixas dos imóveis e prédios pertencentes, tornando-se assim essa
documentação importante referência para estudos, inclusive de arquitetura histórica.
Apresenta também dados sobre o mobiliário e materiais presentes no hospital nos
séculos XIX e XX, o que pode possibilitar diversos estudos sobre as condições
materiais do hospital em diferentes épocas.
É possível também, a partir deste acervo, colher informações sobre quais eram
as doenças mais comuns que atingiam a população Rio-Grandense (série 3); quem eram
os internados (sua nacionalidade [nos registros são encontrados imigrantes de vários
países do mundo, tais como franceses, alemães, italianos, entre outras nacionalidades],
sexo, idade, entre outros dados); quais os tratamentos e alimentos oferecidos aos
doentes; qual o tempo de reabilitação dos internados, e também, sendo possível analisar
a própria evolução da medicina e de suas técnicas, entre outras informações referentes à
história da medicina, do cotidiano hospitalar, da saúde e das doenças.
Ainda na série 3, são apresentados dados sobre enfermos particulares e enfermos
sócios, que se trabalhados juntamente com documentos da série 4 (Registro de Sócios),
podem gerar importantes estudos sobre história das elites ou associativismo. Nestes
6 Quadro elaborado pelos autores do artigo.
registros é possível verificar a nacionalidade e cidade de residência do associado, os
valores para obter o título de sócio, bem como das mensalidades. Torna-se possível
observar, também, quais eram os benefícios que o associado poderia usufruir fazendo
parte da Sociedade.
Na série 5 são encontradas informações referentes ao arrendamento e compra de
lotes do cemitério, registros de sepulturas, contratação de carros e de terceiros para
transporte do caixão até o cemitério etc. Fontes estas que podem ser utilizadas para
estudos de população, morte, entre outros.
A série 6 é dedicada à documentos de natureza diversa. Fazem parte desta série,
desde jornais e impressos até correspondências expedidas e recebidas. Aqui podemos
estender as temáticas de pesquisa para além da história da saúde, da medicina e do
associativismo, alcançando também outros aspectos diversos.
Regulamentos internos do Hospital da Sociedade de Beneficência Portuguesa de
Porto Alegre, estatutos da mesma sociedade, relatórios anuais e diversos desta e de
outras sociedades de beneficência do estado e do país podem ser encontrados na série 7.
Na série 8, são encontradas diversas atas de reuniões e assembléias, inclusive, a de
fundação da Sociedade. Por meio destes documentos é possível colher as mais diversas
informações relativas ao funcionamento do Hospital, suas aquisições materiais, situação
financeira, processos internos investigativos referentes a acontecimentos (das mais
diversas naturezas) ocorridos no interior do Hospital7, sobre a posição dos altos
membros da Sociedade frente às mudanças na sociedade brasileira e porto-alegrense no
decorrer dos anos, entre outras. Enfim, nestes documentos é possível encontrar de forma
pormenorizada diversas informações que possibilitam remontar a história e histórias do
Hospital e da Sociedade de Beneficência Portuguesa de Porto Alegre.
Dentro destas séries documentais (e considerando a impossibilidade de descrever
o acervo por completo neste artigo), eis alguns exemplos de códices e documentos
encontrados:
• Livros ata: nestes livros ficaram registradas as reuniões dos principais
membros do quadro administrativo do Hospital e da Sociedade;
7 Dentre estes casos, destaca-se o inquérito sobre uma discussão ocorrida, em 1884, entre um associado enfermo e o tesoureiro da Sociedade, onde foram ouvidas cinco testemunhas que narraram os acontecimentos e que acabou resultando no afastamento da Sociedade, por seis meses, de Joaquim da Costa Lessa (sócio enfermo).
• Livros caixa: nestes códices é possível encontrar informações referentes às
movimentações financeiras da Sociedade e Hospital;
• Livros dos Sócios: contém a listagem das pessoas que integravam a
Sociedade Beneficência Portuguesa, bem como dados de suas respectivas
funções junto à Sociedade, local de residência, idade, nacionalidade, entre
outras informações;
• Tratamento aos doentes: constam os medicamentos comprados e utilizados, a
alimentação administrada aos enfermos, bem como as formas de higiene
utilizadas;
• Relação dos entrados na enfermaria: nele encontramos a identificação dos
pacientes - estado civil, idade, doença, tratamento e evolução do seu quadro
clínico;
• Livros das Sepulturas/Cemitério: constam as listagens das sepulturas e dos
arredamentos (lotes do cemitério da Sociedade Beneficência Portuguesa).
Em todos estes documentos temos incluídos em suas informações diversos
aspectos da vida social rio-grandense. Essas informações nos trazem a organização
administrativa da instituição, a sua finalidade, aspectos da relação estabelecida entre
Brasil e Portugal após a independência, e é claro, o associativismo da comunidade
portuguesa em Porto Alegre e também no Rio Grande do Sul. Observando alguns
documentos do acervo, constatamos que no início de sua história, em seu primeiro livro
de sócios, a Sociedade de Beneficência de Porto Alegre contava com uma grande
quantidade de sócios residentes em Pelotas e Rio Grande, cidades estas que
posteriormente, por iniciativa dos portugueses lá residentes, criaram suas próprias
sociedades de beneficência.
Além disso, encontrar-se-ão, também neste acervo, dados sobre a história social
do trabalho livre e escravo (funcionários do Hospital, serviços de terceiros, e também,
escravos que eram utilizados para prestar serviços à Sociedade/Hospital); dos salários;
dos custos com alimentação, remédios, roupas; das práticas funerárias; da organização
das elites, entre outros. Desta forma, o trabalho de recuperação e organização do acervo
da Sociedade de Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, que foi arduamente realizado
entre os anos de 2007-2009, e por hora aqui apresentado, possibilitou o acesso a uma
infinidade de informações potenciais para diversas pesquisas, que podem ser realizadas
por meio de consulta e análise deste acervo.
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