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    1231Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007Disponvel em

    Dermeval Saviani

    O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO:ANLISE DO PROJETO DO MEC

    DERMEVAL SAVIANI*

    RESUMO: Este artigo se prope a analisar globalmente a proposta do

    MEC, visando responder seguinte pergunta: Em que medida essenovo plano se revela efetivamente capaz de enfrentar a questo daqualidade do ensino das escolas de educao bsica? Para tanto, seroconsiderados os seguintes pontos: 1. A configurao do PDE, procu-rando entender sua composio e identificar cada uma das 30 aesem que ele se desdobra; 2. Anlise da singularidade do plano emconfronto com os planos anteriores, em especial com o vigente Pla-no Nacional de Educao; 3. A singularidade do PDE diante do pro-blema da qualidade da educao bsica; 4. As bases de sustentaodo plano, visando verificar o grau em que est apto a assegurar a qua-

    lidade da educao bsica; 5. Finalmente, guisa de concluso, su-gere-se um caminho para superar as limitaes do PDE.

    Palavras-chave: Educao brasileira. Poltica educacional. Plano Nacio-nal de Educao. Plano de Desenvolvimento da Edu-cao.

    THEEDUCATIONDEVELOPMENTPLAN (EDP):ANALYSISOFTHEPROJECTOFTHEMINISTRYOFEDUCATION (MEC)

    ABSTRACT:This article seeks to analyze globally the proposal of theMinistry of Education (MEC) by answering the following question:to what extent is this new Plan effectively able to face the qualityproblem of basic education?** It thus explores the following ele-ments: 1. The EDP framework, in order to understand its composi-tion and identify each one of the 30 actions in which it is divided;

    * Doutor em Educao e professor emrito da Universidade Estadual de Campinas

    (UNICAMP). E-mail: [email protected]** In the current Brazilian educational system, Basic Education comprises all levels of

    education prior to higher education.

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    2. An analysis of the singularity of this plan compared to the previ-ous one, especially the current National Education Plan; 3. The sin-

    gularity of the EDP when faced with the problem of the quality ofbasic education; 4. The foundations of the plan, by verifying towhat extent it is apt to ensure the quality of basic education; 5. Fi-nally, as a conclusion, a way to overcome the limitations of the EDPis suggested.

    Key words: Brazilian education. Educational policy. National Educa-tion Plan. Education Development Plan.

    Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), lanado pelo MECem 24 de abril de 2007, teve recepo favorvel pela opiniopblica e contou com ampla divulgao na imprensa. O aspec-

    to que teria sido o principal responsvel pela repercusso positiva refe-re-se questo da qualidade do ensino: o PDE foi saudado como umplano que, finalmente, estaria disposto a enfrentar esse problema,focando prioritariamente os nveis de qualidade do ensino ministradoem todas as escolas de educao bsica do pas. Mas o Plano se mos-tra bem mais ambicioso, agregando 30 aes que incidem sobre os maisvariados aspectos da educao em seus diversos nveis e modalidades.

    aprovao quase geral contrapuseram-se algumas manifestaesalertando que o Plano, tal como apresentado, no traz garantias de queas medidas propostas surtiro o efeito pretendido e esperado. Isso por-que no esto claros os mecanismos de controle, permanecendo a pos-sibilidade de que as administraes municipais manipulem os dadosde modo a garantir o recebimento dos recursos, apresentando estatsti-cas que mascarem o desempenho efetivo, em detrimento, portanto, da

    melhoria da qualidade.Importa, pois, empreender uma anlise do PDE que v alm des-

    sas impresses, procurando desvendar a lgica que se encontra na basetanto da formulao do Plano quanto das expectativas favorveis quealimentam a grande aprovao que se seguiu ao seu anncio. Para tan-to, seguirei um roteiro que comea pela apreenso do objeto, buscan-do entender em que consiste o Plano, como ele est constitudo, quaisas peas que o integram e qual o significado de cada uma delas. Num

    segundo momento, convm compreender a singularidade desse Pla-no, o que implica sua comparao com os planos anteriores, em espe-cial com o Plano Nacional de Educao que se encontra em vigor. Em

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    terceiro lugar, cabe referir a singularidade do PDE qualidade da edu-cao bsica, que o seu objetivo precpuo. No quarto momento, so

    examinadas as bases de sustentao do Plano, tendo em vista verificarsua exeqibilidade. guisa de concluso, alerta-se para as limitaesdo plano, sugerindo-se um caminho para contorn-las.

    O Plano de Desenvolvimento da Educao: em que consiste e comose configura

    Apresentado ao pas em 15 de maro de 2007, o assim chamado

    Plano de Desenvolvimento da Educao foi lanado oficialmente em 24de abril, simultaneamente promulgao do Decreto n. 6.094, dispon-do sobre o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educao. Este, com efeito, o carro-chefe do Plano. No entanto, a composio globaldo PDE agregou outras 29 aes do MEC. Na verdade, o denominado PDEaparece como um grande guarda-chuva que abriga praticamente todosos programas em desenvolvimento pelo MEC. Ao que parece, na circuns-tncia do lanamento do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC)pelo governo federal, cada ministrio teria que indicar as aes que seenquadrariam no referido Programa. O MEC aproveitou, ento, o ensejoe lanou o ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB) e a eleatrelou as diversas aes que j se encontravam na pauta do Ministrio,ajustando e atualizando algumas delas. Trata-se, com efeito, de aes quecobrem todas as reas de atuao do MEC, abrangendo os nveis e moda-lidades de ensino, alm de medidas de apoio e de infra-estrutura. As 30aes apresentadas como integrantes do PDE aparecem no sitedo MEC deforma individualizada, encontrando-se justapostas, sem nenhum critrio

    de agrupamento. Contudo, de modo geral, as aes podem ser distribu-das da seguinte maneira:

    No que se refere aos nveis escolares, a educao bsica est con-templada com 17 aes, sendo 12 em carter global e cinco especficasaos nveis de ensino. Entre as aes que incidem globalmente sobre aeducao bsica situam-se o FUNDEB, o Plano de Metas do PDE-IDEB, duas aes dirigidas questo docente (Piso do Magistrio eFormao), complementadas pelos programas de apoio Transporte

    Escolar, Luz para Todos, Sade nas Escolas, Guias de tecnologias,Censo pela Internet, Mais educao, Coleo Educadores eIncluso Digital.

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    O Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsi-ca e de Valorizao dos Profissionais da Educao (FUNDEB) foi aprova-

    do em dezembro de 2006, em substituio ao Fundo de Manutenoe Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Ma-gistrio (FUNDEF), cujo prazo de vigncia se esgotava no final desse ano.Como se pode ver pela prpria denominao, o atual Fundo amplia oraio de ao em relao ao anterior, estendendo-se para toda a educa-o bsica. Para isso, a participao dos estados e municpios na com-posio do fundo foi elevada de 15 para 20%, do montante de 25%da arrecadao de impostos obrigatoriamente destinados, por determi-

    nao constitucional, para a manuteno e desenvolvimento do ensi-no, assegurando-se a complementao da Unio.O ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB) foi cri-

    ado pelo MEC a partir de estudos elaborados pelo INEP para avaliar o n-vel de aprendizagem dos alunos. Tomando como parmetros o rendi-mento dos alunos (pontuao em exames padronizados obtida no finaldas 4 e 8 sries do ensino fundamental e 3 do ensino mdio) nasdisciplinas Lngua Portuguesa e Matemtica e os indicadores de fluxo

    (taxas de promoo, repetncia e evaso escolar), construiu-se uma es-cala de 0 a 10. Aplicado esse instrumento aos alunos em 2005, che-gou-se ao ndice mdio de 3,8. luz dessa constatao, foramestabelecidas metas progressivas de melhoria desse ndice, prevendo-seatingir, em 2022, a mdia de 6,0, ndice obtido pelos pases da Orga-nizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), queficaram entre os 20 com maior desenvolvimento educacional do mun-do. O ano de 2022 foi definido no apenas em razo da progressividade

    das metas, mas vista do carter simblico representado pela come-morao dos 200 anos da Independncia poltica do Brasil.Pelo programa Piso do Magistrio prope-se elevar gradati-

    vamente o salrio dos professores da educao bsica at atingir, em2010, o piso de R$ 850,00 para uma jornada de 40 horas semanais.No que se refere formao docente, o PDE pretende oferecer, por meioda Universidade Aberta do Brasil (UAB), cursos de formao inicial econtinuada de docentes da educao bsica, esperando atingir aproxi-

    madamente dois milhes de professores.As aes de apoio ao desenvolvimento da educao bsica estorepresentadas pelos seguintes programas: Transporte Escolar, que visa

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    garantir aos alunos do meio rural o acesso s escolas. Luz para Todos,por sua vez, se prope a dotar todas as escolas rurais de energia eltri-

    ca. Com o programa Sade nas Escolas pretende-se, com a colabora-o do ministrio da sade e das equipes de sade da famlia, assegu-rar atendimento bsico a alunos e professores no interior das prpriasescolas. A ao Guia das Tecnologias Educacionais busca qualificarpropostas de melhoria dos mtodos e prticas de ensino pelo recurso atcnicas, aparatos, ferramentas e utenslios tecnolgicos. O Educa-censo um sistema de coleta de dados que pretende efetuar levanta-mento de dados pela Internet, abrangendo, de forma individualizada,

    cada estudante, professor, turma e escola do pas, tanto das redes p-blicas (federal, estaduais e municipais) quanto da rede privada. O pro-grama mais educao se prope a ampliar o tempo de permannciados alunos nas escolas, o que implica tambm a ampliao do espaoescolar para a realizao de atividades educativas, artsticas, culturais,esportivas e de lazer, contando com o apoio dos ministrios da Educa-o, Cultura, Esporte e Desenvolvimento Social. Pela ao ColeoEducadores pretende-se tornar disponveis nas escolas e bibliotecaspblicas de educao bsica uma coleo de sessenta volumes, reunin-do autores clssicos da educao, sendo 30 de educadores brasileiros e30 de estrangeiros. Por meio do programa Incluso Digital, o MECplaneja distribuir computadores s escolas de educao bsica, come-ando pelo nvel mdio, que ter cobertura total em 2007, e esten-dendo-se a todas as escolas de nvel fundamental at 2010.

    Ainda no mbito da educao bsica, h aes que incidem so-bre determinado nvel de ensino. Assim, a ao Proinfncia dirigidaespecificamente educao infantil, visando garantir o financiamentopara a construo, ampliao e melhoria de creches e pr-escolas. Noque se refere ao ensino fundamental, foram previstas trs aes: umadelas a Provinha Brasil, destinada a avaliar o desempenho em lei-tura das crianas de 6 a 8 anos de idade, tendo como objetivo verificarse os alunos da rede pblica esto conseguindo chegar aos 8 anos efeti-vamente alfabetizados; a segunda o Programa Dinheiro Direto nasEscolas, que conceder, a ttulo de incentivo, um acrscimo de 50%de recursos financeiros s escolas que cumprirem as metas do IDEB; e a

    terceira o Gosto de Ler, que pretende, por meio da Olimpada Bra-sileira da Lngua Portuguesa, estimular o gosto pela leitura nos alunosdo ensino fundamental. O ensino mdio foi contemplado com uma

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    ao, Biblioteca na Escola, que pretende colocar nas bibliotecas dasescolas de nvel mdio obras literrias e universalizar a distribuio de

    livros didticos, cobrindo as sete disciplinas que integram o currculodo ensino mdio. Registre-se que essa ao tambm se prope, no m-bito do Programa Nacional Biblioteca da Escola, a distribuir livrosde literatura para as escolas de educao infantil; e, no mbito do Pro-grama Nacional do Livro Didtico para a Alfabetizao de Jovens eAdultos, a distribuio de livros didticos para os alunos dos cursosde alfabetizao de jovens e adultos desenvolvidos pelo Programa Bra-sil Alfabetizado.

    No que se refere educao superior, o Plano inscreve cincoaes: FIES-PROUNI, que pretende facilitar o acesso ao crdito educativoe estender o prazo de ressarcimento, alm de permitir o parcelamentode dbitos fiscais e previdencirios s instituies que aderirem aoPROUNI; Ps-doutorado, destinado a reter no pas pessoal qualificadoem nvel de doutorado, evitando a chamada fuga de crebros; Pro-fessor Equivalente, que visa facilitar a contratao de professores paraas universidades federais; Educao Superior, cuja meta duplicar,

    em dez anos, o nmero de vagas nas universidades federais; e o Pro-grama Incluir: Acessibilidade na Educao Superior, que visa ampliaro acesso de pessoas portadoras de deficincias a todos os espaos e ati-vidades das instituies federais de ensino superior.

    Alm dos nveis de ensino houve, tambm, modalidades de en-sino que foram contempladas com aes do PDE. A modalidade Edu-cao de Jovens e Adultos conta com o programa Brasil Alfabetiza-do. Criado em 2003, esse Programa foi reformulado no contexto doPDE

    , prevendo que no mnimo 70% dos alfabetizadores sejam consti-tudos por professores da rede pblica, que trabalhariam num turnodistinto daquele em que realiza sua atividade regular como docente.Para a modalidade Educao Especial, foram dirigidas trs aes: a)salas de recursos multifuncionais, equipadas com televiso, computa-dores, DVDs e materiais didticos destinados ao atendimento especializa-do aos alunos portadores de deficincias; b) Olhar Brasil, um pro-grama desenvolvido conjuntamente pelos ministrios da educao e dasade para identificar os alunos com problemas de viso e distribuir

    culos gratuitamente; c) Programa de Acompanhamento e Monitora-mento do Acesso e Permanncia na Escola das Pessoas com Deficinci-as Beneficirias do Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia

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    Social, dirigido prioritariamente faixa etria de 0 a 18 anos. A mo-dalidade Educao Tecnolgica e Formao Profissional tambm foi

    contemplada com trs iniciativas: a) a ao educao profissional seprope a reorganizar a rede federal de escolas tcnicas, integrando-asnos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia (IFET), tripli-car o nmero de vagas pela via da educao a distncia nas escolas p-blicas estaduais e municipais e articular o ensino profissional com oensino mdio regular; b) a ao novos concursos pblicos foi autori-zada pelo Ministrio do Planejamento, prevendo, alm de um concur-so para admitir 191 especialistas no Fundo Nacional de Desenvolvi-

    mento da Educao, um outro concurso destinado a preencher 2.100vagas nas instituies federais de educao profissional e tecnolgica;c) a ao cidades-plo prev a abertura de 150 escolas federais, ele-vando para 350 o nmero de unidades da rede federal de educaotecnolgica, com 200 mil novas matrculas at 2010.

    Finalmente, a ao estgio, que deve ser implementada medi-ante aprovao de projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional,caracteriza o estgio como atividade educativa supervisionada e estabe-lece as regras de funcionamento que garantam aos estudantes do ensi-no superior, ensino profissional e ensino mdio a preparao metdicapara o trabalho.

    Singularidade do PDE: um plano de educao ou um programa demetas?

    Como se depreende do item anterior, aquilo que est sendo de-nominado de Plano de Desenvolvimento da Educao consiste numaglomerado de 30 aes de natureza, caractersticas e alcance distintosentre si, o que traz baila as seguintes questes: Por que esse conjuntode aes recebeu o nome de plano? At que ponto pertinente essadenominao? Admitida a pertinncia, em que sentido essas aes for-mam um plano?

    Como acontece com a maioria das palavras, tambm o termo pla-no pode assumir conotaes distintas, prevalecendo aquela fixada emconseqncia dos usos que vo se estabelecendo em determinados con-

    textos. No contexto da educao brasileira, a entrada em cena da palavraplano remonta ao Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, de1932. O Manifesto diagnosticou a situao educacional do pas como

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    sendo marcada pela falta de unidade de plano e ausncia de espritode continuidade (Manifesto, 1984, p. 407). Para fazer face a essas limi-

    taes, props um Plano de reconstruo educacional (idem, p. 417).O movimento dos pioneiros tambm se fez presente nos traba-

    lhos da Constituinte, influenciando o enunciado da alnea a do arti-go 150 da Constituio de 1934, que estabeleceu como competnciada Unio fixar o plano nacional de educao, compreensivo do ensinode todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fis-calizar a sua execuo, em todo o territrio do pas.

    A formulao da Constituio de 1934 j contm um elementoque veio a integrar a idia de plano nacional de educao relativa aocontedo abrangente, estendendo-se ao ensino em todos os seus aspec-tos e em todo o territrio nacional. Essa caracterstica est presente naConstituio atual que, no artigo 214, prev a aprovao, em lei, deplano nacional de educao, com durao plurianual, com o objetivode articular e desenvolver o ensino dos diferentes nveis e integrar asaes do poder pblico. Nos termos da atual Lei de Diretrizes e Basesda Educao Nacional (LDB), o contedo abrangente do plano se refere

    aos nveis e modalidades de ensino.A primeira LDB, aprovada em 1961, incumbiu ao ento Conse-

    lho Federal de Educao (CFE) a tarefa de elaborar o Plano de Educa-o referente aos fundos nacionais do ensino primrio, mdio e superi-or. Em cumprimento ao disposto na LDB, o CFE elaborou o plano dedistribuio dos recursos correspondentes aos trs fundos mencionados.Tratando prioritariamente do Fundo do Ensino Primrio, AnsioTeixeira, relator do processo no CFE, concebeu uma frmula engenhosa

    para aplicao dos recursos financeiros. Fixou-se, a partir da, outro ele-mento constitutivo da idia de plano nacional de educao: a alocaoe distribuio dos recursos financeiros destinados ao ensino. Inspiradona proposta de Ansio Teixeira, foi criado, em 1996, o FUNDEF substi-tudo, em 2006, pelo atual FUNDEB, que manteve as mesmas caracters-ticas de seu antecessor. Trata-se de um Fundo de natureza contbil quedefine o montante de recursos que os municpios, os estados e a Uniodevem destinar educao bsica, estabelecendo as formas de sua dis-

    tribuio pelos diferentes nveis e modalidades de ensino.O Plano Nacional de Educao, atualmente em vigor, foi apro-vado em 9 de janeiro de 2001, com durao prevista para dez anos.

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    Incorporando os elementos fixados ao longo dos anos, sua estrutura seassenta em trs momentos: 1. Diagnstico da situao; 2. Enunciado

    das diretrizes a serem seguidas; 3. Formulao dos objetivos e metas aserem atingidos progressivamente durante o perodo de durao do pla-no. Tal estrutura aplicada aos nveis de ensino abrangendo: 1. Edu-cao bsica (educao infantil, ensino fundamental, ensino mdio) e2. Educao superior. s modalidades de ensino envolvendo: 1. Edu-cao de jovens e adultos; 2. Educao a distncia e tecnologias educa-cionais; 3. Educao tecnolgica e formao profissional; 4. Educaoespecial e 5. Educao indgena. Ao magistrio da educao bsica. E

    ao financiamento e gesto.Pode-se notar que as 30 aes que compem o Plano de Desen-volvimento da Educao incidem sobre os aspectos previstos no PlanoNacional de Educao j que, como se mostrou, 17 dessas aes estoreferidas educao bsica; cinco se referem educao superior; setedizem respeito s modalidades de ensino; e uma ao (estgio) se diri-ge simultaneamente ao ensino mdio, educao tecnolgica e profissi-onal, e educao superior. Observa-se que no h ao dirigida especi-

    ficamente modalidade de ensino educao indgena, nem aofinanciamento e gesto. No entanto, o FUNDEB, alm de dizer respeitoao financiamento e gesto, contempla explicitamente a educao ind-gena e quilombola.

    Confrontando-se a estrutura do Plano Nacional de Educao(PNE) com a do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), consta-ta-se que o segundo no constitui um plano, em sentido prprio. Elese define, antes, como um conjunto de aes que, teoricamente, se

    constituiriam em estratgias para a realizao dos objetivos e metas pre-vistos no PNE. Com efeito, o PDE d como pressupostos o diagnstico eo enunciado das diretrizes, concentrando-se na proposta de mecanis-mos que visam realizao progressiva de metas educacionais. Tive, po-rm, que introduzir o advrbio teoricamente porque, de fato, o PDEno se define como uma estratgia para o cumprimento das metas doPNE. Ele no parte do diagnstico, das diretrizes e dos objetivos e me-tas constitutivos do PNE, mas se compe de aes que no se articulamorganicamente com este. Tentemos ilustrar isso com alguns exemplos.

    Em relao educao infantil h apenas uma ao, a Proin-fncia, que prev recursos federais, via FNDE, para financiar a construo,

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    ampliao e melhoria das instalaes escolares. Nada mencionado so-bre as 26 metas estabelecidas pelo PNE.

    No que se refere ao ensino fundamental, o PDE institui a Provi-nha Brasil, que no estava prevista no PNE. O programa Dinheiro Di-reto nas Escolas consiste num mecanismo de racionalizao da gesto,no se relacionando diretamente com as metas, embora possa incidirsobre a eficincia e eficcia do funcionamento das escolas e, portanto,na realizao das metas que se busca alcanar. Igualmente, o programaGosto de Ler no diz respeito diretamente s metas do PNE, aindaque, ao efetivar a Olimpada Brasileira da Lngua Portuguesa, se pro-

    ponha a incentivar o gosto pela leitura e escrita, o que poder auxiliarno cumprimento da meta relativa aprendizagem da lngua vernculapor parte dos alunos do ensino fundamental. Apenas a meta 17 do PNEencontra-se diretamente contemplada no PDE, por meio da ao Trans-porte Escolar. As demais 29 metas fixadas pelo PNE para o ensino fun-damental no so objeto de considerao por parte de PDE.

    No mbito do ensino mdio, das 20 metas definidas, o PDE con-templa, com o programa Biblioteca na Escola, parcialmente, a meta

    9 do PNE, que previa, ao final de 2005, que todas as escolas de nvelmdio deveriam estar equipadas com biblioteca. E, pelo programa In-cluso Digital, contempla a meta 10 do PNE, que previa, para o finalde 2010, a instalao, em todas as escolas de nvel mdio, de equipa-mentos de informtica. Com efeito, com a ao Incluso Digital, oPDE espera equipar todas as escolas j neste ano de 2007.

    Na educao superior, ao fixar para as universidades federais ameta da duplicao de vagas at 2017, o PDE fica aqum do PNE, que,

    na meta 1, se props a atingir, at 2010, um nmero total de vagascapaz de absorver 30% da faixa etria de 18 a 24 anos, o que significaa triplicao da totalidade das vagas atuais. A meta 17 do PNE foi, dealgum modo, contemplada pela ao Ps-Doutorado. As outras 33metas relativas educao superior que constam do PNE no foram di-retamente levadas em conta pelo PDE.

    Passando dos nveis para as modalidades de ensino, verifica-se si-tuao semelhante, isto , as aes previstas pelo PDE se relacionam com

    uma ou outra meta do PNE, deixando margem a maioria delas. A con-cluso que se patenteia que o PDE foi formulado paralelamente e semlevar em conta o disposto no PNE. E, como adotou o nome de Plano,

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    projeta a percepo de que se trata de um novo Plano Nacional de Edu-cao, que estaria sendo colocado no lugar do PNE aprovado pelo Con-

    gresso Nacional em 9 de janeiro de 2001. Para isso, porm, seria ne-cessrio que fosse aprovada uma nova lei que revogasse o atual PNE,substituindo-o por um novo plano que absorvesse as caractersticas doPDE. Mas no disso que se trata. O PDE lanado num momento emque se encontra formalmente em plena vigncia o PNE, ainda que, defato, este permanea, de modo geral, solenemente ignorado.

    O PNE foi aprovado quando o segundo mandato de FernandoHenrique Cardoso entrava em sua metade final, tendo sido mutilado

    com nove vetos apostos pelo Presidente da Repblica, os quaisincidiram sobre seus pontos mais nevrlgicos, isto , aqueles referentesao financiamento, o que levou Ivan Valente a afirmar que FHC vetou oque faria do PNE um plano (Valente, 2001, p. 37). De fato, sem se as-segurar os recursos necessrios, como atingir as metas propostas no Pla-no Nacional de Educao?

    Nessas circunstncias, considerando que o PT patrocinara a ela-borao da denominada proposta de Plano Nacional de Educao da

    sociedade brasileira, produzida no mbito dos Congressos Nacionaisde Educao, tendo sido, tambm, o PT que encabeou a apresentaodo projeto de PNE da oposio na Cmara dos Deputados, em 10 defevereiro de 1998, esperava-se que, ao chegar ao poder com a vitriade Lula nas eleies de 2002, a primeira medida a ser tomada seria aderrubada dos vetos do PNE. Mas isso no foi feito. Alm disso, a leique instituiu o PNE previa, no artigo 3, que sua implantao seria ava-liada periodicamente, sendo que a primeira avaliao deveria ocorrer no

    quarto ano de vigncia, ou seja, em 2004, para o fim de se corrigir asdeficincias e distores. Em 2004 estvamos em plena vigncia do pri-meiro mandato de Lula, mas nada foi feito para dar cumprimento aesse dispositivo legal. E agora, quando o PNE se encontra a menos dequatro anos do encerramento de seu prazo de vigncia, anuncia-se oPDE formulado margem e independentemente do PNE. claro que apalavra plano, no contexto do PDE, no corresponde ao significado queessa mesma palavra adquire no contexto do PNE.

    Em suma, a singularidade do PDE, isto , aquilo que o distin-gue de outras peas tambm ligadas ao termo plano, pode seraferida em dois sentidos, um negativo e outro positivo. Em sentido

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    Disponvel em

    negativo, constata-se que, na verdade, o PDE no se configura como umPlano de Educao propriamente dito. , antes, um programa de ao.

    Assim sendo, o nome plano evoca, a, mais alguma coisa como o Pla-no de Metas de Juscelino Kubitschek do que a idia dos planos edu-cacionais como instrumentos de introduo da racionalidade na aoeducativa, entendida esta como um processo global que articula amultiplicidade dos seus aspectos constitutivos num todo orgnico. Comcerteza, trata-se de uma coincidncia, mas no deixa de ser curioso ob-servar que tambm o plano de metas de Juscelino se definiu pelo n-mero 30, j que a ltima meta, a de nmero 31, a construo de

    Braslia, foi definida como meta-sntese. Foram fixadas metas com pra-zo de cinco anos para 30 setores bsicos da economia. Deve-se, pois,reconhecer que o Programa de Metas de Kubitschek se revestia demaior organicidade do que o PDE, pois o conjunto de metas se distri-bua em seis grupos (energia, com cinco metas; transportes, sete me-tas; alimentao, seis; indstrias de base, onze metas; educao, uma;construo de Braslia, uma, a meta-sntese) ligados aos aspectos estra-tgicos do desenvolvimento nacional (Benevides, 1976, p. 210).

    Em sentido positivo, a singularidade do PDE se manifesta naqui-lo que ele traz de novo e que, portanto, no fazia parte do PNE e tam-bm no se encontrava nos planos anteriores. Trata-se da preocupaoem atacar o problema qualitativo da educao bsica brasileira, o quese revela em trs programas lanados no dia 24 de abril: o ndice deDesenvolvimento da Educao Bsica (IDEB), o Provinha Brasil e oPiso do Magistrio. Cumpre, pois, examinar especificamente essaquesto.

    A singularidade do PDE e a qualidade da educao bsica

    Embora o MEC tenha vinculado ao PDE, como se viu, 30 aes,sua identidade prpria est dada pelo IDEB, tendo como atores coadju-vantes os programas Provinha Brasil e Piso do Magistrio.

    O que confere carter diferenciado ao IDEB a tentativa de agirsobre o problema da qualidade do ensino ministrado nas escolas de

    educao bsica, buscando resolv-lo. E isso veio ao encontro dos cla-mores da sociedade diante do fraco desempenho das escolas luzdos indicadores nacionais e internacionais do rendimento dos alunos.

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    Esses clamores adquiriram maior visibilidade com as manifestaes da-quela parcela social com mais presena na mdia, em virtude de suas

    ligaes com a rea empresarial. Tal parcela s mais recentemente vemassumindo a bandeira da educao, em contraste com os educadoresque apresentam uma histria de lutas bem mais longa.

    Efetivamente, a luta dos educadores pela qualidade da educaopblica comea na dcada de 1920, com a fundao da Associao Bra-sileira de Educao (ABE), em 1924; adquire visibilidade com o lana-mento do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em 1932, e coma Campanha em Defesa da Escola Pblica, na virada da dcada de 1950

    para os anos de 1960, na fase final da tramitao do projeto de LDB;prossegue com as Conferncias Brasileiras de Educao da dcada de1980 e com o Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica na Cons-tituinte e na nova LDB; desemboca na elaborao da proposta alternati-va de Plano Nacional de Educao nos Congressos Nacionais de Edu-cao de 1996 e 1997; e se mantm com grandes dificuldades nesteincio do sculo XXI, na forma de resistncia s polticas e reformas emcurso e na reivindicao por melhores condies de ensino e de traba-

    lho para os profissionais da educao.Com a ascenso do PT ao poder federal, sua tendncia majorit-ria realizou um movimento de aproximao com o empresariado, ocor-rendo certo distanciamento de suas bases originrias. Talvez isso expli-que, de certo modo, por que o MEC, ao formular o PDE, o tenha feitoem interlocuo com a referida parcela da sociedade e no com os mo-vimentos dos educadores.

    No contexto indicado, o PDE assume plenamente, inclusive na

    denominao, a agenda do Compromisso Todos pela Educao, mo-vimento lanado em 6 de setembro de 2006 no Museu do Ipiranga,em So Paulo. Apresentando-se como uma iniciativa da sociedade civile conclamando a participao de todos os setores sociais, esse movimen-to se constituiu, de fato, como um aglomerado de grupos empresariaiscom representantes e patrocnio de entidades como o Grupo Po deAcar, Fundao Ita-Social, Fundao Bradesco, Instituto Gerdau,Grupo Gerdau, Fundao Roberto Marinho, Fundao Educar-

    DPaschoal, Instituto Ita Cultural, Faa Parte-Instituto Brasil Volun-trio, Instituto Ayrton Senna, Cia. Suzano, Banco ABN-Real, BancoSantander, Instituto Ethos, entre outros. Em seu lanamento, o

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    Compromisso Todos pela Educao definiu cinco metas: 1. Todas ascrianas e jovens de 4 a 17 anos devero estar na escola; 2. Toda crian-

    a de 8 anos dever saber ler e escrever; 3. Todo aluno dever aprendero que apropriado para sua srie; 4. Todos os alunos devero concluiro ensino fundamental e o mdio; 5. O investimento necessrio na edu-cao bsica dever estar garantido e bem gerido.

    Eis como a empresria Mil Villela, presidente do Museu de ArteModerna de So Paulo, do Instituto Ita Cultural, do Faa Parte-Insti-tuto Brasil Voluntrio e agora tambm do Comit Executivo do Com-promisso Todos Pela Educao, comentou, em artigo publicado no jor-

    nal Folha de S. Paulo (6 set. 2006, p. A-3), as cinco metas enunciadas:

    A meta um estabelece que, at 2022, 98% das crianas e jovens de 4 a 17anos estaro na escola. Hoje, 97% de brasileiros entre 7 e 14 anos esto ma-triculados na rede pblica. Entre 4 e 17 anos, so apenas 88%. A meta doisprojeta que toda criana de oito anos saber ler e escrever. A meta trs esti-ma que pelo menos 60% dos alunos devero aprender o que apropriadopara a sua srie. Segundo o SAEB (Sistema Nacional de Avaliao da Educa-o Bsica), apenas 25% dos alunos atingem esse nvel em lngua portugue-

    sa, e 10% o atingem em matemtica. Pela meta quatro, 80% dos jovens de-vero ter completado o ensino fundamental at os 16 anos, e 70%, o ensi-no mdio at os 19 anos, o que exigir um salto importante. A meta cincotrata do financiamento pblico necessrio para suportar o cumprimento dasquatro metas anteriores: at 2011, e mantendo pelos 11 anos seguintes, oinvestimento em educao bsica ter de corresponder a 5% do PIB, um sig-nificativo avano em relao aos 3,5% de hoje. (Villela, 2006, p. A-3)

    No lanamento do PDE, em 24 de abril de 2007, foi baixado peloPresidente da Repblica o Decreto n. 6.094, com a seguinte ementa:

    Dispe sobre a implementao do Plano de Metas Compromisso Todos pelaEducao, pela Unio Federal, em regime de colaborao com Municpios,Distrito Federal e Estados, e a participao das famlias e da comunidade,mediante programas e aes de assistncia tcnica e financeira, visando amobilizao social pela melhoria da qualidade da educao bsica.

    O Captulo I do Decreto trata do Plano de metas Compromis-so Todos pela Educao, definindo a participao da Unio, Estados,

    Distrito Federal e Municpios, atuando em regime de colaborao, dasfamlias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade daeducao bsica e estabelecendo 28 diretrizes a serem seguidas pelos

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    participantes do plano. O Captulo II dispe sobre o ndice de Desen-volvimento da Educao Bsica; o Captulo III define os termos da ade-

    so voluntria dos municpios, estados e Distrito Federal ao Compro-misso; e o Captulo IV estabelece as disposies gerais (Seo I) e o Planode Aes Articuladas (Seo II) como requisitos para que se d a assis-tncia tcnica e financeira da Unio aos entes federativos participantesdo Compromisso.

    No mesmo dia 24 de abril de 2007, o MEC baixou a PortariaNormativa n. 10, instituindo a Avaliao de Alfabetizao ProvinhaBrasil, pela qual se procurou tornar exeqvel a meta 2 do movimento

    Todos pela Educao que se propunha a garantir a alfabetizao detodas as crianas at os 8 anos de idade. Na mesma ocasio, se anun-ciou a apresentao de um projeto de lei cuja ementa anunciava a re-gulamentao do art. 60, inciso III, alnea e, do Ato das DisposiesConstitucionais Transitrias, para instituir o piso salarial profissionalnacional para os profissionais do magistrio pblico da educao bsi-ca. O artigo 1 fixa o valor do piso em R$ 850,00 mensais e o artigo2 estabelece sua implantao progressiva.

    A partir desses programas, o PDE se prope a atingir o objetivoda melhoria da qualidade da educao bsica. Cumpre verificar se, talcomo foi desenhado, o plano possui uma estrutura capaz de garantir aconsecuo desse objetivo.

    As bases de sustentao do PDE

    Pode-se considerar que a infra-estrutura de sustentao do PDE se

    assenta em dois pilares, o tcnico e o financeiro, em correspondnciacom a dupla assistncia que, conforme a Constituio e a LDB, atri-buio do MEC em relao aos estados, Distrito Federal e municpios.

    Do ponto de vista tcnico, o PDE se apia em dados estatsticosreferentes ao funcionamento das redes escolares de educao bsica eem instrumentos de avaliao construdos a partir de indicadores doaproveitamento dos alunos e expressos nas provas aplicadas regularmen-te sob coordenao do INEP, a partir dos quais foi elaborado o ndice de

    Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB). este ndice que se cons-titui no recurso tcnico por excelncia para monitorar a implementaodo PDE, definir e redefinir as metas, orientar e reorientar as aes pro-

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    gramadas e avaliar os resultados, etapa por etapa, em todo o perodode operao do plano, que se estender at o ano de 2022.

    Do ponto de vista financeiro, os recursos bsicos com que contao PDE so aqueles constitutivos do FUNDEB, aos quais o MEC se prope aadicionar, em 2007, um bilho de reais visando a atender priorita-riamente os mil municpios com os mais baixos nveis de qualidade afe-ridos pelo IDEB.

    Essa base infra-estrutural ser suficiente para assegurar o xitodo PDE na soluo do problema da qualidade do ensino ministrado nasescolas de educao bsica?

    No que se refere ao aspecto tcnico, deve-se reconhecer que oIDEB representa um avano importante, ao combinar os dados relativosao rendimento dos alunos com os dados da evaso e repetncia e aopossibilitar aferir, por um padro comum em mbito nacional, os re-sultados da aprendizagem de cada aluno, em cada escola. acertada,tambm, a iniciativa de construir um processo sistemtico e continua-do de assistncia tcnica aos municpios como apoio e condio paraincentivos financeiros adicionais. Com efeito, as avaliaes tm mos-

    trado que o ensino municipal constitui um ponto de estrangulamentoa atestar que foi equivocada a poltica dos governos anteriores de trans-ferir para os municpios a responsabilidade principal pelo ensino fun-damental.

    Alm da Prova Brasil, instituda em 2005 e que serviu de base construo do IDEB, foi lanada no mbito do PDE a Provinha Brasilpara verificar o desempenho em leitura de crianas de 6 a 8 anos, ten-do em vista o objetivo de garantir que, aos 8 anos, todas estejam alfa-

    betizadas. , sem dvida, mais um instrumento que busca interferirna qualidade da educao, neste caso incidindo sobre um momentocrucial do processo de aprendizagem escolar.

    De fato, a alfabetizao a porta de entrada e a pedra de toquedo sistema de ensino em seu conjunto. Mas iluso pensar que a alfa-betizao apenas um momento inicial do processo de aprendizagem,acreditando-se que ela se completa ao final do primeiro ou do segundoano do ensino fundamental. Nessa fase inicial, as crianas podem che-

    gar a dominar os mecanismos da linguagem escrita. Mas reconhecer asestruturas formais da lngua no ainda incorpor-las. Ao final do pri-meiro ou do segundo ano possvel que as crianas as reconheam. A

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    incorporao, porm, vai se dar mediante o conjunto do currculo es-colar, num trabalho pedaggico que se estende pelos anos subseqen-

    tes. Isso pode ser percebido de modo claro na forma como funciona-vam as escolas nos vrios sistemas de ensino dos diferentes pases. Noprimeiro ano do ensino primrio, as professoras trabalhavam com osalunos dominantemente a questo da linguagem. Eventualmente, jtransmitiam noes de histria do Brasil, por exemplo, mas o faziamoralmente. A partir do segundo ano, as crianas eram levadas a estu-dar, por escrito, histria do Brasil, assim como matemtica, geografia ecincias fsicas e naturais. Ento, estavam continuando seu aprendiza-

    do da leitura e da escrita. Elas tinham que fazer ditado, isto , tinhamque ouvir e registrar por escrito aquilo que estavam ouvindo. A relaoentre a lngua falada e a lngua escrita se fazia por meio do ditado, queno precisava ser de portugus. Podia ser um ditado de histria, geo-grafia, cincias, matemtica. Por meio desse processo que as crianasiam incorporando as estruturas da cultura letrada e era por volta doquarto ano que as habilidades bsicas estavam fixadas, atingindo-se oponto de irreversibilidade, de tal modo que, mesmo que no se lessemais nada, no se regrediria condio de analfabeto. Em contrapar-

    tida, se o processo fosse encerrado aps a concluso, com xito, do pri-meiro ou do segundo ano, sob o argumento de que o objetivo da alfa-betizao j tinha sido alcanado, a regresso seria inevitvel; e, empouco tempo, aquelas crianas voltariam condio de analfabetas.

    o fenmeno descrito que explica o fracasso das campanhas dealfabetizao. Por que essas campanhas fracassam? Fracassam porque elasso espordicas, elas so descontnuas, no duram o tempo suficientepara se atingir o ponto de irreversibilidade. Em geral, os alfabetizandos,

    aps alguns meses, chegam a redigir bilhetes simples, chegam a escre-ver pequenos textos e a se comemora o feito de que em poucos mesesse alfabetizou, d-se o diploma, faz-se uma festa e depois de um anoos diplomados regridem condio de analfabetos. Em verdade, a for-ma prpria de se resolver esse problema a universalizao da escolaelementar. No surgiu ainda um mecanismo mais adequado.

    luz das consideraes apresentadas, no parece apropriada aafirmao contida na justificativa da Provinha Brasil, fixando como

    objetivo a alfabetizao das crianas aos 8 anos de idade. Nesse mo-mento, o objetivo a ser atingido o domnio da estrutura formal dalngua, a capacidade de reconhecer os cdigos escritos. O processo de

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    alfabetizao, propriamente dito, prossegue envolvendo todo o curr-culo escolar, s se completando por volta da quarta ou quinta srie do

    ensino fundamental. Mas acertado o empenho em agir sobre aquelaprimeira fase, garantindo que, nos dois primeiros anos, as crianas ad-quiram o domnio da estrutura formal da lngua pelo reconhecimentodos cdigos escritos. Essa fase no pode ser alongada indefinidamenteao ser deixada merc de processos espontanestas, como acreditammuitos professores sob o influxo de idias pedaggicas que vm sendodifundidas como muito avanadas.

    No que diz respeito ao aspecto financeiro, foroso reconhecer

    que o FUNDEB representa considervel avano em relao ao seuantecessor, o FUNDEF, ao promover a ampliao do raio de ao abran-gendo toda a educao bsica, no apenas no que se refere aos nveis,mas tambm quanto s modalidades de ensino.

    Mas preciso reconhecer tambm que o FUNDEB no representouaumento dos recursos financeiros. Ao contrrio. Conforme foi divulgadono dia 20 de junho de 2007, na ocasio da sano da lei que regula-mentou o FUNDEB, o nmero de estudantes atendidos pelo Fundo passa

    de 30 milhes para 47 milhes, portanto, um aumento de 56,6%. Emcontrapartida o montante do fundo passou de 35,2 bilhes para 48 bi-lhes, o que significa um acrscimo de apenas 36,3%. Esse fundo passaa abarcar toda a educao bsica, sem que, em sua composio, entremtodos os recursos que estados e municpios devem destinar, por impera-tivo constitucional, educao. O que estados e municpios faro comos 5% que lhes restam dos recursos educacionais? Se, em razo da cria-o do FUNDEB, esses entes federativos se sentirem estimulados a inves-tir em outros setores para alm de suas responsabilidades prioritrias(educao infantil e ensino fundamental para os municpios e ensinofundamental e ensino mdio para os estados), esses recursos, com certe-za, faro falta para a manuteno da educao bsica. Tambm acomplementao da Unio no implicou acrscimo. Com efeito, antes aUnio deveria entrar com pelo menos 30% de seu oramento. Ora, ooramento do MEC para 2007, aps o corte de 610 milhes imposto pelaFazenda, de 9 bilhes e 130 milhes. Logo, 30% corresponderiam a 2bilhes e 739 milhes. No entanto, a importncia prevista como

    complementao da Unio para 2007 se limita a 2 bilhes.Em suma, o FUNDEB um fundo de natureza contbil que no

    chega a resolver o problema do financiamento da educao. Representa

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    um ganho de gesto; porm, no um ganho financeiro. Na verdade, osrecursos nele alocados, se efetivamente aplicados e corretamente geri-

    dos, podem melhorar o financiamento da educao comparativamente situao atual, mas no tero fora para alterar o status quo vigente.Ou seja: uma boa gesto do fundo permitir atender a um nmeromaior de alunos, porm em condies no muito menos precrias doque as atuais, isto , com professores em regime de hora-aula; com clas-ses numerosas; e sendo obrigados a ministrar grande nmero de aulassemanais para compensar os baixos salrios que ainda vigoram nos es-tados e municpios.

    Contudo, para ter xito, o PDE no depende apenas da base infra-estrutural. Para ser posto em operao ele vai depender, fundamental-mente, dos recursos humanos, entre os quais avulta a questo dos pro-fessores. Pode-se, pois, considerar que o terceiro pilar de sustentaodo PDE o magistrio. Quanto a esse aspecto, consenso o reconheci-mento de que h dois requisitos fundamentais que devem ser preen-chidos: as condies de trabalho e de salrio e a formao.

    O PDE cuidou da questo salarial por meio do programa Piso

    do Magistrio. O valor de R$ 850,00 foi obtido tomando-se o salriode R$ 300,00 proposto em 1994, corrigido pela inflao. Observe-se,porm, que R$ 300,00 correspondiam, naquele ano, a 4,28 salriosmnimos, cujo valor era R$70,00. Em relao ao salrio mnimo atualde R$ 380,00, o piso de R$ 850,00 corresponde a apenas 2,23 vezes.Alm disso, prev-se sua implantao gradativa pelo incremento, em2008, de um tero do salrio atual, dois teros em 2009 e apenas em2010 chegaremos ao valor de R$ 850,00. Pode-se argumentar que o

    piso proposto, embora muito modesto, significa importante aumentopara as regies em que os salrios se encontram muito depreciados. Mas preciso tambm ter presente que esses salrios depreciados se refe-rem, em geral, a jornadas de 20 horas semanais, enquanto que o proje-to do novo piso supe uma jornada de 40 horas, com a indicao expressade que o montante de R$ 850,00 compreende todas as vantagenspecunirias pagas a qualquer ttulo. Isso tudo com o agravante de que,diferentemente da maioria das outras medidas do PDE que foram insti-tudas por decreto ou medida provisria, nesse caso trata-se de um pro-

    jeto de lei que no se sabe se e quando ser aprovado pelo CongressoNacional. Resulta inegvel, portanto, a insuficincia do que est sendoproposto, mesmo porque est aqum do que fora acordado h 13 anos.

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    O Plano de Desenvolvimento da Educao: anlise do projeto do MEC

    Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007

    Disponvel em

    No que se refere s condies de trabalho, a questo principal,que o PDE no contempla, diz respeito carreira profissional dos pro-

    fessores. Essa carreira teria que estabelecer a jornada integral em umnico estabelecimento de ensino, de modo que se pudessem fixar osprofessores nas escolas, tendo presena diria e se identificando comelas. E a jornada integral, de 40 horas semanais, teria que ser distribu-da de maneira que se destinassem 50% para as aulas, deixando-se otempo restante para as demais atividades. Com isso, os professores po-deriam participar da gesto da escola; da elaborao do projeto polti-co-pedaggico da escola; das reunies de colegiado; do atendimento s

    demandas da comunidade e, principalmente, alm da preparao dasaulas e correo de trabalhos, estariam acompanhando os alunos, ori-entando-os em seus estudos e realizando atividades de reforo paraaqueles que necessitassem.

    Para fazer face ao problema da formao docente, o PDE criou oprograma Formao que, por meio da Universidade Aberta do Brasil(UAB), pretende oferecer cursos a distncia para prover a formao inicialdos docentes em exerccio no-graduados em nvel superior, alm de for-mar novos professores e possibilitar a qualificao contnua de quase doismilhes de professores da educao bsica. O ensino a distncia, nas con-dies atuais do avano tecnolgico, um importante auxiliar do pro-cesso educativo. Pode, pois, ser utilizado com proveito no enriquecimen-to dos cursos de formao de professores. Tom-lo, entretanto, como abase dos cursos de formao docente no deixa de ser problemtico, poisarrisca converter-se num mecanismo de certificao antes que de quali-ficao efetiva. Esta exige cursos regulares, de longa durao, ministra-dos em instituies slidas e organizadas preferencialmente na forma

    de universidades.V-se que o PDE representa um importante passo no enfrentamento

    do problema da qualidade da educao bsica. S o fato de pautar essaquesto como meta da poltica educativa e construir instrumentos de in-terveno j se configura como um dado positivo que precisa ser reconhe-cido. Mas, em sua configurao atual, ainda no nos d garantia de xito.

    Concluso: para dar sustentabilidade ao plano

    Na cerimnia de anncio da sano, pelo Presidente da Rep-blica, da lei que regulamentou a implantao do FUNDEB, em 20 de ju-

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    nho de 2007, o ministro Fernando Haddad aproveitou o ensejo paralanar sete novas aes: o Selo e certificado para cidade que reduzir o

    analfabetismo; o PDE de cada escola; os programas Gesto da edu-cao na sade e o PET-Sade; a segunda edio do concurso Litera-tura para Todos, criado em 2006; a edio 2007 do Programa deApoio Extenso Universitria (PROEXT), lanado em 2003; o Prodo-cncia, um programa de apoio aos cursos de licenciatura; e a aberturade novas vagas para professor e tcnico nas escolas de educao tecno-lgica. No deixa de ser bem-vindo esse dinamismo do MEC, multipli-cando as aes com as quais se pretende mudar o perfil da educao

    brasileira, se bem que se deva estar atento para evitar a fragmentao edisperso que levariam perda do foco na questo principal: a melhoriada qualidade da educao bsica.

    Em meu entendimento, cabe avaliar como positiva a iniciativado MEC de capitalizar a receptividade da opinio pblica questo daqualidade do ensino, expressa por setores influentes na mdia, comofoi o caso da agenda do Compromisso Todos pela Educao, lanadapor um grupo de empresrios. Inegavelmente, preciso aproveitar essemomento favorvel, em que a sensibilidade em torno da importncia eprioridade da educao se espraia pela sociedade e parece exigir que seultrapasse o consenso das proclamaes discursivas, e se traduza emaes efetivas.

    No entanto, preciso cautela para no cairmos na ingenuidadede acreditar, sem reservas, nas boas intenes que agora, finalmente,teriam se apoderado de nossas elites econmicas e polticas. Com efei-to, se o MEC seguir na trilha proposta pelo movimento empresarialCompromisso Todos pela Educao, os limites do PDE resultaroincontornveis. Isso fica claro nas palavras da presidente desse movi-mento. Mil Villela, a maior acionista individual do Banco Ita, cam-pe do voluntariado ( embaixadora da Unio da Boa Vontade daUNESCO) e presidente do Comit Executivo do Compromisso TodosPela Educao, na concluso do artigo j citado, afirma:

    At 2011, e mantendo pelos 11 anos seguintes, o investimento em educa-o bsica ter de corresponder a 5% do PIB, um significativo avano em re-

    lao aos 3,5% de hoje. Atingir as cinco metas nos prximos 16 anos pos-svel. Mas exigir de todos os brasileiros paixo pelo tema, esforo concen-trado e cooperao entre organizaes da sociedade civil, empresas e gover-nos. Chegou a hora de sermos todos pela educao. Para que, em 2022, pos-

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    O Plano de Desenvolvimento da Educao: anlise do projeto do MEC

    Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007

    Disponvel em

    samos festejar o bicentenrio da Independncia num pas de escola boa e deoportunidades iguais para todos. (Villela, 2006, p. A-3)

    No deixa de ser positivo que um grupo de empresrios defenda anecessidade de ampliao dos recursos investidos na educao. Ao queconsta, eles foram levados a essa posio em decorrncia de desafio lan-ado pelo ministro da Educao, ao mostrar que o empresariado tem sidomuito gil para ir a Braslia pedir iseno fiscal, reduo de impostos,perdo de dvidas, incentivos produo, sem jamais incluir na pauta oaumento de recursos para a educao. Ao contrrio, ao criticar os gastospblicos, propor o enxugamento das contas governamentais, exigir a re-

    duo do tamanho do Estado, eles esto inviabilizando qualquer possi-bilidade de ampliao dos investimentos pblicos em educao.

    Em resposta a esse desafio, foi proposto o movimento Compro-misso Todos pela Educao, que fixou, na meta de nmero 5, a neces-sidade de ampliao do percentual do PIB investido na educao bsica.No entanto, esses mesmos empresrios do sinais de que continuamresistentes ao financiamento pblico da educao superior, rea que elesgostariam de ver como domnio da iniciativa privada, afastada, portan-

    to, da esfera financeira do poder pblico. E, admitida a hiptese deque parcela desse ensino seja mantida sob responsabilidade do Estado,defendem eles a eliminao da gratuidade. preciso, pois, lembr-losde que a formao de professores , e deve ser cada vez mais, atribuioda educao superior. E, sem professores bem formados, as metas daeducao bsica no podero ser atingidas. Portanto, sem uma forteampliao do financiamento pblico ao ensino superior, a busca demelhoria da qualidade da educao bsica ter dificuldades de chegar

    a resultados significativos.O final do citado artigo assinado por Mil Villela tambm dei-

    xa transparecer a tendncia dominante entre os empresrios de consi-derar a educao como uma questo de boa vontade e de filantropia,que seria resolvida pelo voluntariado, ficando subjacentes os interessesmais especficos que alimentam o desejo de ajustar os processosformativos s demandas de mo-de-obra e aos perfis de consumidorespostos pelas prprias empresas.

    Como afirmei em entrevista ao Caderno Mais! da Folha deS.Paulo, de 29 de abril de 2007 (Saviani, 2007, p. 3), a lgica queembasa a proposta do Compromisso Todos pela Educao pode ser

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    1253Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007Disponvel em

    Dermeval Saviani

    traduzida como uma espcie de pedagogia de resultados: o governose equipa com instrumentos de avaliao dos produtos, forando, com

    isso, que o processo se ajuste s exigncias postas pela demanda das em-presas.

    , pois, uma lgica de mercado que se guia, nas atuais circuns-tncias, pelos mecanismos das chamadas pedagogia das competnciase qualidade total. Esta, assim como nas empresas, visa obter a satisfa-o total dos clientes e interpreta que, nas escolas, aqueles que ensinamso prestadores de servio; os que aprendem so clientes e a educao um produto que pode ser produzido com qualidade varivel.

    No entanto, de fato, sob a gide da qualidade total, o verdadei-ro cliente das escolas a empresa ou a sociedade e os alunos so pro-dutos que os estabelecimentos de ensino fornecem a seus clientes. Paraque esse produto se revista de alta qualidade, lana-se mo do mtododa qualidade total que, tendo em vista a satisfao dos clientes, engajana tarefa todos os participantes do processo, conjugando suas aes,melhorando continuamente suas formas de organizao, seus procedi-mentos e seus produtos. isso, sem dvida, que o movimento dos em-

    presrios fiadores do Compromisso Todos pela Educao espera doPlano de Desenvolvimento da Educao lanado pelo MEC.Permito-me, pois, sugerir ao MEC um caminho distinto: que a

    linha mestra do PDE seja uma medida de impacto que permita imedia-tamente mudar a situao das escolas e levantar o nimo dos professo-res, que passariam a desenvolver suas atividades com entusiasmo e de-dicao. Para viabilizar essa mudana, propus, em 1997, para o PlanoNacional de Educao, que se dobrasse imediatamente o percentual do

    PIB investido em educao, passando, dos atuais cerca de 4%, para 8%.Essa proposta foi considerada inexeqvel; no entanto, ela ape-

    nas nos situaria entre os pases que mais investem em educao, comoeram os casos dos Estados Unidos (7,5%), do Canad (7,6%), Norue-ga (8,7%) e Sucia (8,8%), segundo dados do prprio MEC em sua pro-posta de PNE, divulgada naquele ano. Deve-se frisar que os pases men-cionados j h muito consolidaram os respectivos sistemas de ensino euniversalizaram a educao bsica, erradicando o analfabetismo. E, mes-

    mo nessa situao vantajosa, continuam investindo os mencionadospercentuais de seus PIBs na educao. No nosso caso, que ainda temosque implantar o sistema, logicamente deveramos investir muito mais.

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    O Plano de Desenvolvimento da Educao: anlise do projeto do MEC

    Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007

    Disponvel em

    Talvez, o exemplo mais condizente com o caso do Brasil seja o daCoria do Sul, que investiu 10% do PIB ao longo de 20 anos.

    Se aplicarmos o ndice de 8% ao PIB de 2006 que, pela novametodologia do IBGE, atingiu 2 trilhes e 322 bilhes de reais, teremoso montante de 185 bilhes e 760 milhes de reais. Descontando-seaproximadamente 1% para o ensino superior, ou seja, 23 bilhes, ter-amos, para a educao bsica, 162 bilhes e 760 milhes de reais. Por-tanto, mais do que o triplo (3,39 vezes) dos 48 bilhes previstos peloFUNDEB para o mesmo ano de 2007.

    Os valores mencionados indicam que, se dobrssemos o percen-

    tual do PIB, haveria recursos suficientes para tratar a educao com adevida seriedade e de acordo com a prioridade que proclamada nosdiscursos, mas nunca efetivamente considerada. Procedendo da formacomo estou propondo, ns estaramos, de fato, provendo os recursosque permitiriam dar o salto de qualidade necessrio para colocar a edu-cao brasileira num patamar civilizado, condizente com a magnitudede seu territrio, de sua populao e de sua economia. E estaramosem condio de equipar adequadamente as escolas e dot-las de pro-

    fessores com formao obtida em cursos de longa durao, com salri-os gratificantes, compatveis com seu alto valor social. Isso permitirtransformar as escolas em ambientes estimulantes, nos quais as crian-as, nelas permanecendo em jornada de tempo integral, no tero comofracassar; no tero como no aprender. Seu xito ser resultado de umtrabalho pedaggico desenvolvido seriamente, prprio de profissionaisbem preparados e que acreditam na relevncia do papel que desem-penham na sociedade, sendo remunerados altura de sua importn-cia social.

    Recebido em junho de 2007 e aprovado em julho de 2007.

    Referncias bibliogrficas

    BENEVIDES, M.V.M. O governo Kubitschek: desenvolvimentoeconmico e estabilidade poltica. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1976.

    MANIFESTO dos Pioneiros da Educao Nova 1932. Revista Bra-sileira de Estudos Pedaggicos, Braslia, DF, v. 65, n. 150, p. 407-425,maio/ago. 1984.

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    Dermeval Saviani

    SAVIANI, D. O ensino de resultados. Folha de S. Paulo, So Paulo,29 abr. 2007. Caderno Mais, p. 3.

    VALENTE, I. Plano Nacional de Educao. Rio de Janeiro: DP&A,2001.

    VILLELA, M. Todos pela educao de qualidade. Folha de S.Paulo,So Paulo, 6 set. 2006. Opinio, p. A-3.