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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED
SUPERINTENDÊNCIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SUED
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ – UENP
CAMPUS DE JACAREZINHO – PARANÁ
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
ROBERTA DOMINGUES NÉIA
DECIFRANDO UM ENIGMA: AS CHAVES LINGUÍSTICAS E O
HUMOR NAS PIADAS
JACAREZINHO - PR
2013
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED
SUPERINTENDÊNCIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SUED
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ – UENP
CAMPUS DE JACAREZINHO – PARANÁ
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
ROBERTA DOMINGUES NÉIA
DECIFRANDO UM ENIGMA: AS CHAVES LINGUÍSTICAS E O
HUMOR NAS PIADAS
Artigo final referente à implementação do Projeto de pesquisa e Unidade Didática apresentado como requisito para o cumprimento das atividades previstas no Programa de Desenvolvimento Educacional PDE. Orientadora: Profª Me.Vera Maria Ramos Pinto
JACAREZINHO - PR 2013
DECIFRANDO UM ENIGMA: AS CHAVES LINGUÍSTICAS E O
HUMOR NAS PIADAS
Autora: Roberta Domingues Néia 1
Orientadora: Vera Maria Ramos Pinto 2
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de intervenção pedagógica
aplicada aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Miguel Dias. O gênero textual elencado para este trabalho foi o gênero “piada” e o enfoque dado foi análise linguística, como uma alternativa para a exploração de conteúdos gramaticais de forma contextualizada, visto que a análise linguística, conforme as Diretrizes Curriculares (DCE), é considerada a forma mais apropriada para um ensino de gramática realmente significativo. E, como destaca Possenti (1988), os textos humorísticos são uma verdadeira mina para os estudos linguísticos. Assim, optou-se pelo trabalho com o gênero piada, pois, além de envolverem mecanismos linguísticos diversos, elas veiculam discursos polêmicos e profundamente arraigados em nossa sociedade. Portanto, a proposta é, além de envolver os alunos em verdadeiros problemas de interpretação, observando a importância de diferentes níveis linguísticos, também oportunizar uma reflexão e compreensão da sociedade na qual eles estão inseridos, a fim de que passem a ter uma postura crítica acerca do que ouvem cotidianamente, não contribuindo para o preconceito e a discriminação em qualquer dos seus aspectos. Enfim, não se trata de explicar apenas o “como”, mas sim também o “porque” do humor. O encaminhamento didático utilizado foi pautado na metodologia da Sequência Didática (SD), baseada na proposta desenvolvida por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).
PALAVRAS-CHAVE: Gênero de humor. Análise linguística. Sequência didática.
1 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. E-mail de contato:
Docente do curso de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Letras, Comunicação e Artes, da
Universidade Estadual do Norte do Paraná- UENP/ campus Jacarezinho, mestre em Estudos da
Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]
1- INTRODUÇÃO
Mesmo compreendendo a necessidade de realizar um trabalho mais
significativo e estimulante, o professor de Língua Portuguesa ainda encontra
dificuldades em transpor os limites do ensino tradicional, excessivamente, marcado
pela transmissão de uma metalinguagem gramatical. Essa constatação foi
determinante para a formulação deste trabalho e da escolha do tema de estudo:
Linguística aplicada e o ensino de Língua Portuguesa.
As novas Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Portuguesa –
DCE – (PARANÁ, 2008) contemplam a gramática no eixo Análise Linguística,
enfatizando um trabalho contextualizado, que utilize o texto como unidade de ensino
com variadas perspectivas de análise. Este texto deverá ser estudado, levando em
conta seu gênero, função, construção composicional, grau de informatividade,
intertextualidades e aos recursos de coesão e coerência. Nesse contexto, os itens
gramaticais estão presentes e são essenciais e a prática da análise linguística
oportunizará um processo reflexivo sobre os fenômenos linguísticos.
Porém, é necessário buscar alternativas concretas de trabalho, estimulando
práticas mais produtivas, bem como revelar potencialidades pedagógicas e ou
metodológicas pouco exploradas, estimulando, assim, a elaboração de propostas
capazes de aprimorar a aprendizagem do aluno como um todo.
Partindo desse pressuposto, este trabalho adota como aporte teórico a
perspectiva dos estudiosos que compõem a chamada Escola de Genebra para
quem o gênero é tomado como objeto de ensino de língua e o texto como unidade
de significação e de ensino: elemento integrador das práticas de leitura, escrita e da
análise linguística.
O gênero escolhido, para o trabalho com o 9º ano do Ensino Fundamental, foi
o gênero de humor: piada. Este gênero apresenta um texto curto, interessante, que
veicula uma visão simples dos preconceitos e problemas que envolvem a sociedade
em geral, o que o torna mais fácil de ser compreendido. Capacidade esta que,
muitas vezes, os alunos ainda não adquiriram, e essa dificuldade de compreensão
da leitura, tão necessária ao seu desenvolvimento, não permite que ele tenha
sucesso, tanto na escola, como na vida. É só com o exercício da prática da leitura
que se formará um leitor competente, capaz de compreender o que leu, criticar,
posicionar – se diante do texto e refletir sobre o uso da língua.
Essa prática de leitura tão almejada por todos é o principal problema
apresentado pelos educandos. Sendo assim, foi tentando minimizar essa
problemática que propusemos o trabalho com o gênero piada, pois, ao mesmo
tempo que se ensina, trabalha-se de uma forma lúdica e divertida, aliando o ensino
à diversão.
O foco do nosso trabalho com o gênero piada é a análise linguística, em
especial, uma análise da estrutura, de como funcionam os elementos linguísticos
que levam ao riso, observando, também, o jogo linguístico que interage com o
conhecimento de mundo, além dos conhecimentos sobre a língua, visto que as
piadas trabalham com ambiguidade, sentidos indiretos, implícitos.
Desse modo, esse trabalho buscará mostrar como a gramática pode e deve
deixar de ser vista a partir de exercícios tradicionais e descontextualizados. Para
tanto, então, escolhemos o gênero piada como objeto de estudo e, como aporte
teórico, baseamo-nos na proposta de Sequência Didática, doravante (SD) elaborada
por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), para a elaboração da nossa proposta de SD
com o gênero piada.
2 – FUNDAMENTAÇÂO TEÓRICA
Gêneros discursivos / textuais
Para abordar o conceito de gênero e sua relevância como instrumento de
ensino/aprendizagem, é preciso fazer referência ao propositor dessa noção, Bakhtin
(2000, p. 279), para quem os gêneros discursivos são “tipos relativamente estáveis
de enunciados” . São os gêneros que tornam possível a comunicação e a interação
entre os indivíduos, sem as quais não haveria relacionamentos sociais.
Conforme o autor, a interação verbal, estabelecida pela língua com o sujeito
falante, é realizada a partir das possibilidades oferecidas pelos diversos gêneros
discursivos, escolhidos conforme a situação comunicativa exige dos interlocutores e
representados em forma de textos orais e escritos.
Ainda, de acordo com Bakhtin (2000, p. 302), quanto melhor dominarmos os
gêneros, melhor os utilizamos:
Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da fala. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo de fala, se tivéssemos que construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria impossível.
Isso posto, para o ensino da língua, é necessário levar em conta os diferentes
domínios sociais de comunicação e as capacidades de linguagem envolvidos na
produção e compreensão dos textos.
Na perspectiva dos estudos de gêneros em consonância com Bakhtin,
Bronckart (2003) estuda os gêneros numa perspectiva interacionista e
sociodiscursiva, afirma que “a apropriação dos gêneros é um mecanismo
fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas
humanas.” O autor retoma o conceito de gênero do discurso de Bakhtin, passando a
denominá-lo como gênero textual, justificando:
Chamamos de texto toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação). Na medida em que todo texto se inscreve, necessariamente em um conjunto de textos ou em um gênero, adotamos a expressão gênero de texto em vez de gênero de discurso ”(BRONCKART, 2003,p. 75).
Além de Bronckart, Dolz e Schneuwly (2004), dois representantes expressivos
da Escola de Genebra, trouxeram contribuições relevantes nos estudos sobre
gêneros, os quais têm mudado não apenas as perspectivas de ensino de língua,
mas colocado em questão a própria concepção de texto. A concepção teórica, sobre
os gêneros textuais, desenvolvida por eles é fortemente voltada para a questão do
ensino de língua materna.
Uma influência nítida de Bakhtin na obra desses estudiosos é a noção da
tripla dimensão constitutiva do gênero: o conteúdo temático, a construção
composicional e o estilo. Essa noção fica clara quando Dolz, em parceria com
Schneuwly (2004) ressalta que,
Para definir um gênero enquanto meio de atividade de linguagem, três dimensões parecem essenciais: 1) os conteúdos e os conhecimentos que podem ser ditos através dele; 2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gênero; 3) as configurações específicas das unidade de linguagem, traços notadamente da posição enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que formam a estrutura.
Sobre essa caracterização de gênero, Kock e Elias (2007) e Marcuschi (2008)
têm uma ressalva: “a noção de gêneros textuais é respaldada em práticas sociais e
em saberes socioculturais, porém os gêneros podem sofrer variações em sua
unidade temática, forma composicional e estilo”. E complementam “os gêneros não
se definem por sua forma, mas por sua função”. “(...) um gênero pode assumir a
forma de outro e, ainda assim, continuar pertencendo àquele gênero.” (KOCH e
ELIAS, 2007, p. 113)
E, para Marcuschi (2008), “(...) é comum burlarmos o cânon de um gênero
fazendo uma mescla de formas e funções”. A expressão que melhor traduz esse
fenômeno é “intergenericidade”. Entretanto o autor deixa bem claro que “No geral, os
gêneros estão bem fixados e não oferecem problemas para sua identificação”.
Já Kock e Elias (2007) denominam esse fenômeno como “hibridização ou a
intertextualidade intergêneros”. Para elas, um gênero pode assumir a função de
outro gênero tendo em vista o propósito de comunicação.
Sendo assim, para compreender a proposta do ensino de gêneros é
necessário antes estabelecer uma distinção entre o conceito de gênero textual e o
de tipos textuais, haja vista que, antes da concepção interacionista da linguagem, só
se trabalhava com a nomenclatura: “tipos de textos”.
Marcuschi ( 2008) apresenta definições esclarecedoras sobre o assunto. Para
o autor:
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. (...) eles se expressam em designações diversas, como por exemplo: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio (...) e assim por diante.Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.
Portanto, para o autor, todos os textos se inserem em algum gênero,
representativo de determinada esfera social, organizado por meio de um discurso
produzido para atender a um fim específico.
Quanto ao tipo textual, o autor explicita que ele “designa uma espécie de
construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo).” O autor ainda esclarece
que o tipo caracteriza-se muito mais como sequência linguística definida por
categorias como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
Essas sequências diferenciadas (tipos textuais) é que formam os gêneros e
pode ocorrer o aparecimento de dois ou mais tipos textuais em um só gênero. O que
Koch e Elias (2007) classificam como “heterogeneidade tipológica. O que para
Marcuschi (2008) comprova que “gêneros não são opostos a tipos e que ambos são
complementares e integrados.”
Em termos pedagógicos, os gêneros tornam-se objeto de ensino, uma vez
que se concretizam nos textos (unidade de ensino) que circulam na sociedade.
Embora os gêneros textuais sejam inúmeros e sofram constantes mudanças e
hibridizações, uma tarefa das mais difíceis é a de categorizá-los. Contudo, isso é
necessário para a viabilização de um trabalho de transposição didática.
Sendo assim, para uma abordagem em sala de aula, uma proposta pertinente
de agrupamento de gêneros é a de Dolz e Schneuwly (2004) como eixo de
articulação/progressão curricular, já que “A própria diversidade dos gêneros, seu
número muito grande, sua impossibilidade de sistematização impede-nos, pois de
tomá-los como unidade de base para a progressão” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004,
p.57).
Os autores propõem, então, para o processo de ensino-aprendizagem,
agrupar os gêneros em função de regularidades linguísticas. Desse modo, os
agrupamentos dos gêneros seriam feitos em ordens, a partir do domínio social
(áreas de atividade humana em que circulam): tipologia (estrutura, construção
composicional) e capacidades de linguagem: da ordem do narrar; da ordem do
relatar; da ordem do argumentar; da ordem do expor e da ordem do descrever
ações.
Na visão dos autores, o gênero de texto é tomado como objeto de ensino de
língua e o texto, como unidade de significação e de ensino: elemento integrador das
práticas de leitura, escrita e de análise linguística.Tais práticas se internalizam nos
aprendizes através dos gêneros, e é nesse sentido que esses podem ser
considerados como instrumentos que fundam a possibilidade de comunicação. É
assim que, pelo uso e pela aprendizagem, o gênero pode ser considerado, segundo
os autores, um “mega-instrumento” que fornece um suporte à atividade nas
situações de comunicação.
O gênero de humor “piada”
Justifica-se a caracterização da piada como um gênero, no sentido
bakhtiniano, uma vez que ela pertence a uma esfera, a do humor, tem uma
construção composicional e um estilo.
Muniz (2004) sintetiza os aspectos fundamentais desse gênero:
O gênero piada parte de um ponto de vista coletivo (sociocultural) e é
atravessado pelos discursos produzidos na sociedade; é
tendencialmente curto e contém características básicas de uma
narrativa. Apresenta dois scripts que serão ativados através de um
gatilho e, além disso, contém uma característica pragmático-
discursiva non-bona-fide (não séria), que “fecha” o texto. Para que o
desfecho produza humor, principal função da piada, o leitor/ouvinte
terá que buscar amparo no contexto, uma vez que a piada vai
“brincar” tanto com fatos linguísticos, como com fatos concernentes
ao entorno sócio-cultural para veicular discursos geralmente “não-
autorizados” socialmente”.
A definição de Muniz é complementada por Gil (1991)
(...) a piada se compõe de um antecedente, de um consequente e de
um elemento mediador. É este mediador ou gatilho que opera a
passagem de um campo a outro, podendo assumir diversas formas,
de acordo com o mecanismo utilizado pelo texto, para produzir a
oposição necessária e dialética entre os dois componentes
essenciais da piada.
Essa teoria do humor “dos dois scripts” é citada pelos autores estudados, pois
é a proposta que dá maior atenção aos elementos linguísticos. O aporte teórico foi
retirado da obra “General Theory of Verbal Humor” de Raskin. A proposta pressupõe
o texto humorístico como composto por dois scripts que, apesar de necessariamente
distintos e opostos, são compatíveis.
De acordo com Possenti (1998), a hipótese de Raskin prevê que um texto
pode ser caracterizado como piada se satisfizer as seguintes condições básicas:
a) uma mudança do modo de comunicação bona-fide para o modo
não bona-fide; b) o texto considerado chistoso; c) dois scripts
(parcialmente) superpostos compatíveis com o texto; d) uma relação
de oposição entre os dois scripts; e) um gatilho, óbvio ou implícito,
que permite passar de um script para o outro.
O autor ressalta que, a contribuição da linguística seria a de descrever os
gatilhos e as razões que fazem um texto ser compatível com mais de um script. “Ou
seja, a pergunta que a linguística deve responder é: Qual é a característica textual,
verbal da piada?” (POSSENTI, 1998, p.23).
Para Santos (2009), do ponto de vista interpretativo, o leitor/ouvinte da piada
se depara com um quebra-cabeça. A primeira avaliação, do script, que ele faz da
história do texto da piada é bona-fide (séria), na conclusão da piada ele percebe que
essa interpretação não tem lógica, então ele retrocede no texto e faz uma
reavaliação da comunicação bona-fide para o modo não bona-fide (não séria) e
encontra um outro script e sobrepõe este ao primeiro e, pelas pistas textuais,
acontece aí a inferência e o riso.
Um importante aspecto é o componente pragmático previsto por Raskin,
segundo Santos (2009) “o discurso humorístico não é uma simples negação da
comunicação séria, pois, no caso da piada, sua função não é trazer nenhuma
informação nova, mas transgredir, subverter, jogar, brincar com uma norma
estabelecida”.
Na visão de Santos (2009,) ocorre uma incongruência, cuja premissa é o
elemento surpresa que
obriga o ouvinte a refazer o processo de interpretação do fato
narrado, na análise pragmática da piada a incongruência pode ser
pensada como a percepção repentina do disparate de uma
expectativa de interpretação. Nessa relação, a descoberta da
diferença entre o conteúdo do fato narrado e a informação nova,
embora aparentemente absurda e descabida, tem como efeito uma
moção proveitosa ao ânimo do ouvinte que a interpreta como
divertida.
Tendo em vista o exposto, constata-se que os fatores linguísticos atuam no
processo de construção da piada e se relacionam de diversos modos com o humor.
Os mecanismos linguísticos constituem-se em elementos que desencadeiam o
humor e, consequentemente, o riso. Usar esse tipo de texto como recurso didático
pode ser bastante interessante para desenvolver a competência comunicativa do
aluno, pois deixa evidente, de uma forma agradável, fatos importantes do
funcionamento discursivo dos textos e dos recursos da língua.
O gênero piada e a prática da análise linguística
Piadas tematizam claramente uma questão de estrutura linguística, exigindo
que se faça, rapidamente, uma análise para depois dar risada, num processo
consciente e reflexivo. É preciso que o leitor detecte o que está implícito e complete
o significado, pois, quando isso não acontece, ou seja, não ocorre a inferência, a
piada se torna sem sentido e sem graça. Desse modo, para garantir a produção de
sentidos das piadas depende-se de um leitor/ouvinte agente, que deixa aflorar o seu
conhecimento prévio sobre o assunto. Portanto “a compreensão está ligada a
esquemas cognitivos internalizados” (MARCUSCHI, 2008, p.228).
O que se propõe, então, é uma análise das expressões que ativam as
inferências necessárias à compreensão de textos do gênero piada. E as que
realmente ativam os pressupostos exigidos pela leitura de uma piada são as que
coincidem com a sobreposição de scripts ou roteiros (feixes de informações sobre
determinado assunto ou situação) opostos que, geralmente, dizem respeito a algum
estereótipo (tema), seja linguístico ou social, no qual verdadeiramente se constrói o
humor.
Segundo Possenti (1998), na análise linguística de textos humorísticos,
enfoca-se um outro ângulo de análise, cabe explicar o “como” se dá o humor e não o
“porquê” do humor, ou seja, a explicação não é a do significado da piada, mas sim,
como funcionam as chaves linguísticas que desencadeiam o riso. A piada, no
entendimento do autor, seria uma excelente fonte de pesquisa fonético-fonológica,
morfológica, sintática, semântica, sociolinguística e até mesmo, pragmática e
discursiva.
Possenti (1998) esclarece que muito poucas obras analisam o humor pelo
aspecto linguístico “(...) a linguística só tem a ganhar se se debruçar sobre textos
humorísticos, pois eles, com certeza, são uma verdadeira mina para os linguistas,
que ainda não o consideram.” Para o autor, piadas são textos complexos bastante
interessantes para a análise, pois apresentam algumas vantagens sobre outros
textos: são encontradas em grande quantidade; “são dados efetivamente
enunciados pelos falantes, não necessitam ser criados”; além de serem muito
divertidas, envolvendo os interlocutores em verdadeiros problemas de interpretação.
O autor defende que os analistas de discurso deveriam, também, observar o
material linguístico apresentado pela piada e comentá-lo, pois “uma coisa é ler “bem”
um texto, outra é ser capaz de mostrar explicitamente por quais meandros passou
certa leitura, quais são os elementos do texto responsáveis por certos efeitos de
sentido (...)” e encerra fazendo uma analogia com um ditado popular: “Uma coisa é
matar a cobra. Outra é matá-la e mostrar o pau”(POSSENTI, 2010, p.169-170).
As piadas constituem um material muito rico para se trabalhar as operações
epilinguísticas, pois necessitam de interlocutores ativos, que agem e controlam, não
só o efeito de sentido como também os dados linguísticos.
Metodologia da Sequência Didática
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) propõem uma metodologia de ensino de
gêneros textuais/discursivos como tentativa de garantir aos alunos diferentes
capacidades de linguagem. Trata-se de uma orientação didática que pressupõe a
seleção de um gênero, tendo em vista uma situação de articulação definida, a partir
do qual se organizam atividades que auxiliam no conhecimento do gênero.
Essa metodologia de ensino, denominada pelos autores de “Sequência
Didática”, e definida por eles como “um instrumento de atividades escolares
organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”
(DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.97), pretende criar situações de
aprendizagem, levando-se em conta a comunicação real.
Segundo os autores (2004), ”Uma sequência didática tem, precisamente, a
finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe
assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de
comunicação” (DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004, p.97).
Em consonância com o processo de operacionalização do modelo didático, os
autores apresentam o seguinte esquema:
Esquema da sequência didática
(DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.98)
Conforme o esquema demonstra, a metodologia da sequência didática
envolve quatro fases:
I. Apresentação da situação: constitui-se na apresentação de uma situação
sócio-comunicativa concreta fazendo com que os alunos se posicionem
como produtores. De acordo com os autores, é o momento de refletir sobre
uma necessidade real de interação verbal, questionando a quem ela será
dirigida, que forma assumirá e quem participará da produção.
II. Produção inicial: é quando “o aluno estaria atendendo uma situação real de
comunicação, em dada esfera social, revelando as representações que tem
do gênero em questão”. (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p.95-
128). É uma etapa muito importante, pois é através dela que o professor
diagnosticará os problemas e as dificuldades de expressão, marcas
linguísticas e de características do gênero em questão.
PRODUÇÃO INICIAL
Módulo 1
Módulo 2
Módulo 3
PRODUÇÃO FINAL APRESENTAÇÃO
DA SITUAÇÃO
III. Os módulos: tendo acesso aos textos produzidos inicialmente pelos alunos,
o professor irá preparar módulos, que podem ser vários,
instrumentalizando o aluno para que supere os problemas apresentados,
primeiramente os da primeira produção, e depois os que forem detectados
nos próprios módulos. Nesses módulos poderão ser utilizados exercícios
específicos relacionados ao problema encontrado.
IV. Produção final: o gênero estará pronto para a sua circulação. “Aqui o aluno
obtém um controle sobre sua própria aprendizagem e sabe o que fez, por
que fez e como fez.” (MARCUSCHI, 2008, p.216). Nesta etapa, o professor
poderá realizar uma avaliação de todo o processo.
A partir do exposto, concluímos que os autores adotam tanto a concepção
interacionista de linguagem quanto a de gênero desenvolvida por Bakhtin (2000).
Nessa ótica, tendo o gênero como objeto de ensino, optamos por um trabalho com o
gênero de humor: piada, priorizando a prática da análise linguística, entendida como
reflexão sobre o processo de construção de sentidos do gênero em questão, a partir
dos seus recursos lexicais e gramaticais, vinculada ao seu contexto.
3- ESTRATÉGIA DEA AÇÃO
A proposta de trabalho com o gênero piada que elaboramos foi baseada na
metodologia da SD proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com
adaptações, pois esse gênero textual possui algumas especificidades que o torna,
um tanto quanto complicado, para a maioria das pessoas produzi-lo.
Assim, para melhor viabilizar o trabalho, foi necessário adotar uma “base
formulaica”, conforme Santos (2009), que reivindica, para a piada, um modelo
arquétipo de narrativa, visto que estão presentes e são essenciais, ao texto piada,
tanto linguisticamente quanto pragmaticamente, os quatro componentes da
narrativa.
O autor (2009) explicita
Nesse modelo estrutura da narrativa, a exposição é responsável pela apresentação dos personagens/referentes envolvidos na história narrada; a complicação, por sua vez está vinculada à geração de conflitos que envolvem os personagens e à confrontação das ações
desses personagens no interior da narração; o clímax constitui o ponto desencadeador de expectativas de resolução dos conflitos entre personagens e, ao mesmo tempo, a preparação para o arremate do evento denotado pelos conflitos; e, por último, o desfecho da narração sintetiza o alívio das tensões geradas entre personagens e suas ações.
Com isso se estabelece critérios mais objetivos, tanto de avaliação, quanto
metodológicos de análise para este gênero e, consequentemente, entender como se
processa a relação piada/humor.
4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Para a implementação das atividades propostas para o Projeto de Intervenção
Pedagógica, foi selecionada uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental (a turma
em questão era o 9º ano B), porém ela aconteceu também em outro 9º ano ( 9º ano
A), ambos no período matutino, do Colégio Estadual Miguel Dias – Ensino
Fundamental e Médio, do município de Joaquim Távora.
A proposição de também trabalhar com a turma do 9º A aconteceu devido ao
fato de ser uma turma que apresentava muitos problemas comportamentais e de
aprendizagem e já vinha sendo trabalhada com metodologias alternativas e
atividades diferenciadas, mas que não vinham surtindo o efeito esperado.
Na apresentação da situação, foi exposto, claramente, aos alunos o objetivo
da proposta de trabalho com o gênero textual abordado e as atividades a serem
realizadas, para que eles compreendessem a importância da situação e do Projeto.
A primeira atividade foi diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos
acerca do gênero piada, observando o quão familiarizado eles estavam com esse
gênero e, até mesmo, quais características mais visíveis do gênero eles já
conheciam. Saber se eles costumavam ouvir e ou contar piadas, quando, onde, para
quem contavam ou de quem costumavam ouvir e, ainda, em quais situações são
mais empregadas esse gênero de texto.
Para estimular o interesse dos alunos para o trabalho com o gênero “Piada”,
sugerimos que fizessem uma coletânea das piadas que mais gostavam, observando
que estas deveriam ser de leitura adequada a estudantes da idade deles,
objetivando a veiculação das mesmas, posteriormente, no decorrer do projeto. Elas
seriam utilizadas oralmente (Festival de Piadas) e também por escrito (fixadas em
mural e para a confecção de um livro de piadas) a fim de disponibilizar aos colegas
da escola a leitura dessas piadas.
Após essa conversa inicial, para dar sequência aos trabalhos sobre o gênero,
foram distribuídos, aos alunos, diversos materiais contendo o gênero piada, com a
finalidade de que eles conhecessem os diversos suportes nos quais as piadas são
veiculadas, bem como poderem analisar o gênero e suas especificidades.
A seguir, foi apresentado, oralmente, um texto do gênero. Então, ainda
oralmente, foram feitos alguns questionamentos sobre o contexto de produção, o
formato do gênero e a sua função social.
Como produzir uma piada é uma atividade bastante complexa, pedimos,
como produção inicial, duas atividades. A primeira seria a de reescrever a piada
ouvida e a outra foi a de contar uma piada para a classe. Para esta segunda
atividade, circulou, na sala de aula, uma caixa contendo variados tipos de piadas
para que cada aluno pegasse um desses textos, fizesse uma leitura silenciosa,
tentasse decorá-lo, ou improvisar e depois contá-lo para os demais alunos em
classe.
Depois disso, aproveitamos esse momento, em que todos tiveram contato
com a leitura de uma piada, para selecionar os textos que mais risos provocaram, a
fim de que a turma pudesse observar/identificar os principais temas que as piadas
versam, bem como as características mais comuns desse gênero.
Dando sequência aos trabalhos, os alunos assistiram a alguns vídeos de
piadas que apresentavam conteúdos preconceituosos. Para um aprofundamento a
esse respeito, foi solicitada uma pesquisa sobre o gênero piada e os preconceitos
mais visíveis nos seus textos. Os trabalhos deveriam ser feitos em grupos e, para
que eles se apropriassem dos conceitos adequados advindos de fontes confiáveis,
foi entregue uma lista com o endereço de alguns sites da Internet, indicação de
livros, de revista e de jornais que tinham o gênero. Conforme esperávamos, quando
propusemos essa atividade, os alunos encontraram uma variedade de piadas sobre
temáticas socialmente controversas, um excelente material para reconhecer ou
confirmar diversas manifestações culturais e ideológicas, de valores arraigados, com
um discurso cheio de representações grosseiras, estereotipadas. Uma espécie de
sintoma do meio social em que vivem.
O resultado da pesquisa possibilitou analisar esses discursos permeados de
preconceitos e, ou ainda, veiculavam discursos proibidos, subterrâneos com clara
intenção de criticar. Outras, ainda, objetivavam perpetuar uma inversão de valores
como: pessoas se casam por interesse; padres e freiras violam os votos, etc.
Entretanto, trabalhar com esses discursos trouxe a vantagem de colocar em
evidência o papel da inferência, quase sempre necessário para se entender bem
uma piada, chamando a atenção para processos que, na comunicação diária,
frequentemente passam despercebidos pelos falantes, na tentativa de recuperar
esses valores invertidos e que os alunos vissem a necessidade de uma postura
crítica diante dessas situações e acerca do que ouvem cotidianamente, não
contribuindo para o preconceito e a discriminação em qualquer dos seus aspectos.
A análise desse trabalho também resultou numa classificação das piadas
pelas temáticas mais comuns e também pela diversidade de formas que esse
gênero pode adquirir. Como já foi dito anteriormente, Marcuschi (2008) classifica
esse fenômeno como “intergenericidade” e Kock e Elias (2007) o denominam como
“hibridização”, portanto é bastante comum encontrar essa mescla de formas e
funções nos gêneros.
Após esse trabalho, para uma análise mais detalhada, do ponto de vista da
estrutura composicional, discursiva e linguística, além de uma abordagem de leitura
mais sistematizada, foram selecionados 03 textos do gênero. Para agilizar os
trabalhos de leitura, interpretação e análise linguística, foram distribuídos aos alunos
uma apostila contendo, além de definições e as principais características do gênero,
um roteiro de todas as atividades a serem desenvolvidas e, ainda, os 04 textos do
gênero (piada contada oralmente e as três para análise) que foram trabalhados mais
aprofundadamente com exercícios de compreensão e análise linguística.
Abaixo apresentamos algumas atividades de análise que foram trabalhadas
em sala de aula com os alunos.
TEXTO 01
Na loja de brinquedos
- A senhora tem boneca da Barbie para vender?
- Tenho a Barbie ginasta, a Barbie noiva e a Barbie doutora por R$ 25,00 e a
Barbie divorciada por R$ 250,00.
- Como assim?!!! Por que a Barbie divorciada é tão cara?
- Porque ela vem com o carro do Ken, a casa do Ken, os móveis do Ken...
TEXTO 02
Na escola do interior
Ao começar a aula, a professora pergunta aos alunos:
- Rodrigo, você veio de que hoje?
- Meu pai me trouxe no trator dele.
- E você, Lucas?
- Eu vim com o meu pai de moto.
- Joãozinho, e você?
- Vim no meu burrico maiado.
A classe caiu na risada.
Joãozinho sentiu-se muito envergonhado e ao voltar para casa pergunta para
sua mãe o que ele poderia fazer. Ela lhe dá um conselho.
No dia seguinte, quando a professora lhe fez a mesma pergunta, respondeu
inocentemente:
- Hoje eu vim de helicóptero, professora.
- Nossa, Joãozinho! E onde você o deixou?
- Está lá atrás, pastando...
TEXTO 03
No restaurante
O garçom diz para o freguês:
- Como sugestão de hoje, temos língua ao molho madeira.
- Não, língua não! Tenho nojo de coisa que sai da boca de um animal.
E o garçom, cínico:
- Bem, e que tal uma omelete?
ATIVIDADES DE LEITURA E INTERPRETAÇÃO
No texto 1:
a) Quem é o “Ken”, citado pela vendedora, e qual a sua relação com a boneca Barbie? b) Os preços cobrados pela vendedora estão de acordo com os preços reais pagos nas lojas de brinquedos? No texto 2: a) Por que a turma caiu na risada com a resposta de Joãozinho? b) O conselho dado pela mãe a Joãozinho foi um bom conselho, ou seja, era coerente com a realidade de seu meio social? No texto 3: a) Na sua opinião, o que levou o garçom a ser cínico com o freguês? b) Você concorda com essa atitude? c) É comum um garçom ter esse tipo de atitude com um freguês? d) Que resposta o freguês poderia ter dado ao garçom? e) Observando o comportamento do garçom e do freguês, você já presenciou situações nas
quais as pessoas tiveram comportamentos parecidos com esses?
Outras atividades trabalharam os aspectos relativos à gramática, porém
sempre considerando o uso da linguagem nos textos. Isto quer dizer que todo e
qualquer emprego de recursos linguísticos foram estudados levando em conta o
contexto de realização, a intenção do locutor e a visão que ele tem do seu
interlocutor.
Para elaborar essas atividades, antes foi preciso estabelecer as marcas
linguísticas mais presentes no gênero, como a polissemia, o uso de pronomes
pessoais, relativos e possessivos; pontuação e a ambiguidade.
3- Observe o uso dos dois pontos nos textos 2 e 3. Por que os dois pontos foram empregados? 4- E o emprego do travessão? Há alguma relação entre o emprego dos dois pontos e do travessão? Explique. 5- No texto 1 não houve a necessidade de se empregar os dois pontos. Por quê? 8- Na piada1, o comprador pergunta por que a Barbie é tão cara, qual é a ideia que a palavra em negrito produz? 9- Na última fala dessa piada, a vendedora emprega o pronome ela, A quem está se referindo? 10- Observe a estrutura dessa frase, na 1ª piada:
A senhora tem boneca da Barbie para vender?
a)- A forma verbal tem está no plural ou no singular?
b)- Com que termo da oração está concordando? Qual a função desse termo na frase? c)-Como ficaria a frase se, em vez de senhora, o cliente empregasse vocês ? 11- Na última fala, dessa 1ª piada, foi usada a forma verbal vem. Justifique o seu emprego, levando em consideração o seu referente. A seguir, reescreva essa fala colocando o referente da forma verbal no plural. 13- Na piada 2 temos o emprego dos pronomes dele, -se, lhe e o. Indique a quem ou a que cada um se refere. 14- Na última fala de Joãozinho ele utiliza a palavra lá. Justifique o emprego desse advérbio na frase no texto. 15- Há um pronome possessivo recorrente nessa piada 2, qual é esse pronome e quais os seus referentes? 18- Na piada 2, qual efeito de sentido a palavra “inocentemente” acrescenta ao contexto da piada? 19- Na piada 3, quando o narrador diz que o garçom foi cínico o que ele queria enfatizar? 20- Observe o emprego do pronome relativo na frase da piada 3:
Tenho nojo de coisa que sai da boca de um animal.
a)- Qual o referente desse pronome? 21- Ao final dessa piada 3, o garçom utiliza uma expressão popular “e que tal”, levando em consideração o local e a profissão em questão no texto, justifique o uso da expressão.
Na continuação desse trabalho com a análise linguística, outros textos do
gênero foram anexados à apostila, visando a um trabalho de investigação mais
aprofundado para que os alunos pudessem perceber a importância que os aspectos
linguísticos têm para a construção do humor, ou seja, como afirma Possenti (2008),
o que se pretende é explicar o “como” e não o “porquê” do humor.
Portanto, para esse trabalho, foi importante promover atividades de análise
linguística veiculada com a análise do discurso, pois o discurso e seus sentidos são
muito explorados nos textos de humor. Esse trabalho objetivava chamar atenção dos
alunos para aspectos linguísticos bastante variados. O efeito de humor provocado
por certa piada deriva justamente por esse duplo enfoque e sua análise, envolverá
os alunos em interessantes problemas de interpretação.
As atividades, a seguir, são, apenas, uma proposta para uma análise
linguística e do discurso, veiculado pelas piadas, baseado em alguns dos
mecanismos internos da língua. Essa proposta teve como referência as análises de
Possenti (1998, p. 28), que afirma que podemos trabalhar, usando as piadas, os
seguintes níveis:
FONOLÓGICO
Você sabe como é que muda pede café?
- Tira o pé de café de um lugar e planta em outro.
O humor da pegadinha está nas duas possíveis leituras que se pode fazer do trecho “muda pede café”: Lê-lo como se fosse formado por três segmentos (muda / pede / café) ou lê-lo como se fosse quatro segmentos (muda / pé / de / café). Além disso, há um jogo com os possíveis significados da palavra “muda”: na primeira leitura, “muda” significa uma pessoa desprovida de fala e, na segunda, o significado é o do verbo “mudar”.
MORFOLÓGICO
O professor:
- Quem vende leite é leiteiro. Quem vende pão é padeiro. E quem vende carne...
- É carneiro, professor – completa Joãozinho.
Joãozinho desconhece como se dá a formação de palavras. A piada é engraçada, pois o aluno segue a “lógica” que segue o professor: completa a palavra dada com “eiro”, além disso, ele
não se dá conta que quem vende carne é açougueiro e que carneiro é um animal.
LÉXICO
A professora está ensinando o uso de pronomes. Ela pede para Joãozinho:
- Faça uma frase com o pronome consigo.
E Joãozinho:
- Eu não consigo correr muito.
O problema fundamental dessa piada está em identificar a palavra “consigo” como sendo um pronome ou um verbo. Há graça na piada, pois o aluno não sabe diferenciar um pronome de um verbo e provavelmente tampouco estava prestando atenção à aula.
DÊIXIS
Joãozinho chegou esbaforido e todo sujo, além de atrasado, na primeira aula.
A professora se indignou:
- Isso é hora? E sujo desse jeito? Isso não tem explicação!
- Tem sim, professora: tive que levar a vaca lá de casa pro touro cobrir.
- Mas o seu pai não pode fazer isso?
- Poder, pode, mas acho que a vaca prefere o touro.
“Isso” pode se referir tanto a “levar” quanto a “cobrir”. Assim, as duas interpretações possíveis da fala da professora são as seguintes:
“seu pai não poderia levar a vaca para o touro cobrir ao invés de você?”
“seu pai não poderia cobrir a vaca ao invés do touro?” As duas possibilidades de interpretação só são possíveis por causa do uso do dêitico “isso”.
O humor emerge, pois o aluno escolhe a opção improvável: o pai cobrir (fazer sexo com) a vaca. A frase “acho que a vaca prefere o touro” é o gatilho que faz o leitor passar de um script para outro (do não-sexual para o sexual).
SINTÁTICO
Duas pessoas caminham lendo lápides em um cemitério, quando se deparam com os seguintes dizeres:
AQUI JAZ UM POLÍTICO E UM HOMEM HONESTO.
- Nossa, que povo pão-duro! - disse uma delas.
- Enterrou duas pessoas em um mesmo caixão.
O humor nessa piada decorre do fato de que se pode ler a inscrição como um período simples ou composto. Quem fez a homenagem ao morto afirmou que ele, além de político, era honesto. A ideia de adição ocorreu com as qualificações de um mesmo ser. O que está escrito na lápide constitui um período simples.
A leitura feita leva em conta a ideia de adição entre duas orações. Assim, temos coordenadas aditivas com a elipse do verbo na segunda: Jaz um político e (jaz) um homem honesto.
Não se pode deixar de assinalar que, ao mesmo tempo, que há essa questão sintática, existe também a concepção corrente de que todo político é corrupto. Rir dessa piada significa que a compreendemos, porque compartilhamos desse conhecimento, mesmo que concordemos com ele ou não.
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
A professora pergunta aos seus alunos: - Mariazinha, por favor, me fale um adjetivo, e ela respondeu: - Biscreta. A professora disse: - Não é biscreta, é bicicleta. Além do mais, não é um adjetivo é um substantivo. Depois ela
perguntou para o Pedrinho: - Pedrinho, pode me falar um substantivo? - Sim, fessora, azur. A professora: - Não é azur, é azul. Além do mais, não é substantivo é adjetivo. Então, a professora, já impaciente, vira para Joãozinho e pergunta: - Joãozinho, pode me dizer um verbo? Joãozinho responde: - Hospedar. A professora: - Muito bem, você acertou! E então ela entusiasmada completa: - Joãozinho, já que foi o único que acertou, diga para a turma uma frase com o verbo
hospedar. Joãozinho: - Tá bem, fessora: Ospedar da biscreta é azur. Esta piada exige uma análise da sequência “hospedar” que descubra nela dois sentidos:
num, funciona como verbo “hospedar” (ou seja, receber como hóspedes ou tornar-se hóspede); noutro, funciona como variante popular do sintagma “os pedais”. O efeito é caracterizar o aluno como ignorante, caipira. Quando esse efeito é evidenciado, um script sobrepõe o outro tornando o texto engraçado.
CONHECIMENTO PRÉVIO
Na sala de aula, a professora pergunta: - Felipinho, analise a frase: “Há uma mulher olhando pela janela”. É singular ou plural? - Singular. - Muito bem! Agora você, Joãozinho: “Há várias mulheres olhando pela janela”, o quê é? - Zona. A piada envolve o conhecimento prévio de que em muitos bordéis as mulheres ficam na
janela para atrair clientes. As janelas são como uma vitrine do lugar. O personagem interpretou a piada como se a professora estivesse se referindo ao contexto maior em que essa frase se insere e não no contexto imediato (aula de português – plural/singular), dessa forma, o script não-sexual foi sobreposto pelo script sexual.
INFERÊNCIA
E na aula de matemática: - Quantos dedos eu tenho nessa mão, Joãozinho? - Cinco, professora! - Se eu tirar três, o que acontece? - A senhora fica aleijada! A fala da professora pode ser interpretada das seguintes maneiras: “se eu esconder três dedos da minha mão, quantos você pode ver?”; “se eu cortar três dedos da minha mão, quantos ainda terei?”. Joãozinho opta pela segunda possibilidade: “A senhora fica aleijada!”, ou seja, muda do
script aula de matemática para o script acidente ou mutilação. O momento de produção escrita é importante, pois mobiliza as aprendizagens
realizadas no decurso da SD. Entretanto, o gênero piada não é fácil de ser
produzido, devido à habilidade que o autor deve ter de criar o inusitado para fazer rir
(o que, na maioria das vezes, é próprio de cada um). Isso foi se confirmando no
decorrer da aplicação do projeto, pois nenhum aluno sentiu-se preparado para essa
produção, acharam a atividade demasiadamente difícil e exigia muita criatividade.
Então, optou-se apenas por uma reescrita das piadas que eles classificaram como
as melhores.
Portanto, mudou-se também o enfoque avaliativo, este foi dado na produção
oral, ou seja, na contação de piada, tendo em vista que vários fatores são
necessários e importantes para se bem contar uma piada. O risível não está
somente no texto, mas também na interpretação do mesmo.
A mudança feita, tanto no início quanto para finalização, na aplicação da SD
do gênero de humor “piada”, objetivou um trabalho mais focado na oralidade, uma
vez que a proposta final era montar um festival de contação de piadas.
Sendo assim, os alunos escolheram as melhores piadas. E essas piadas,
selecionadas por eles, tornaram – se públicas. Algumas delas fizeram parte da
coletânea de piadas transformada em livro e, outras, foram compartilhadas
oralmente, no Festival de Piadas.
5-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao escolhermos trabalhar com o gênero textual/ discursivo piada, optamos
pela análise e transposição didática de um gênero ainda pouco abordado, tanto
pelos estudiosos da língua, como pelos mais variados materiais didáticos, dentre
eles o mais acessível aos alunos, o livro didático. Uma hipótese é que talvez não
considerem a piada um gênero tão relevante para o ensino quanto os outros, o que
contrapõe a defesa da diversidade de gêneros por parte dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e das Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua
Portuguesa (DCE), além de ser impossível conceber que durante toda trajetória
escolar não haja um espaço para um gênero tão presente na vida dos alunos e tão
abrangente com relação aos recursos da língua/linguagem.
Portanto, na realização deste trabalho com o gênero piada, constatamos que,
para a elaboração da SD e sua transposição para a prática, com atividades que
contemplassem a função social, o contexto de produção, a organização
composicional e as marcas linguísticas, é necessário muito empenho e tempo por
parte do educador, uma vez que não há muito material para servir de parâmetro
para a elaboração de atividades, principalmente as de análise linguística, já que a
proposta é refletir sobre o ensino gramatical.
Para suprir essa deficiência, foi necessária uma análise mais aprofundada
das marcas linguísticas predominantes no gênero. Essa análise mostrou que, para a
compreensão de uma piada, é preciso combinar diversos níveis de conhecimento
nas áreas da semântica, da sintaxe, da morfologia, da fonética e morfologia e, sobre
tudo, da pragmática que evidencia o papel da inferência na interpretação, mostrando
processos que geralmente passam despercebidos pelos falantes.
No entanto, todo esse trabalho, obteve um resultado compensador, pois
houve, além do envolvimento real dos alunos nas atividades, uma melhora
significativa na compreensão de alguns mecanismos linguísticos que até então não
faziam sentido para eles. A surpresa maior ficou por conta do 9º ano A,para os
quais, inicialmente, não pretendíamos trabalhar na Implementação Pedagógica, por
ser uma turma muito apática e com baixo rendimento. E, para contrapor essa
classificação, foi a turma que se mostrou mais empenhada nas realizações das
atividades e dos trabalhos em grupos e, também, de onde surgiram os melhores
contadores de piadas.
As piadas, além de serem excelentes textos para explicitar a análise
linguística, ainda possibilitam um trabalho muito rico com a oralidade, pois, para se
contar bem uma piada, vários fatores são necessários e importantes, já que o risível
não está somente no texto, mas também na interpretação deste, conforme já
mencionamos anteriormente.
O emprego da metodologia da SD foi essencial, principalmente por conseguir
mostrar, ao longo do seu desenvolvimento, todas as potencialidades da piada como
gênero textual, pois, para compreendermos bem uma piada, é necessário que o
aluno, além de fazer operações epilinguísticas, busque, também, o seu
conhecimento de mundo para construir o significado, uma vez que as piadas
operam, basicamente, com ambiguidades, sentidos indiretos, implícitos.
Porém, é preciso certo cuidado ao se trabalhar o gênero, pois as piadas
costumam operar com estereótipos e são agressivas, além de veicularem
preconceitos e ou temas tabus. Mas elas possibilitam uma análise crítica e um
questionamento sobre as relações humanas e suas ideologias pré-existentes, uma
vez que refletem a sociedade, seus problemas e disputas. É necessária uma
conscientização de que esses textos geralmente são criados para humilhar, criticar e
agredir. Isso tudo facilitado por serem anônimos, ou seja, por não identificarem seus
autores. Sem esse cuidado, o trabalho poderá contribuir para reforçar preconceitos e
estereótipos.
Para corroborar a aceitação e êxito do projeto, a direção da escola o estendeu
à comunidade escolar durante a Semana de Integração. Nessa semana, realizamos
o Festival de “Contação de Piadas”, com premiação aos melhores contadores.
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