Segredos guardados Orixás na alma brasileira

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Copyright do texto 2005 by Reginaldo Prandi Copyright das ilustraes 2005 by Pedro Rafael

Sumrio

CapaRaul Loureiro sobre ilustrao de Pedro Rafael

IlustraesPedro Rafael

FatosReginaldo Prandi

Preparao Vanessa Barbara 1ndice remissivoMarcelo Yamashita Salles

RevisoOtadlio Nunes Marise Simes Leal

Prlogo .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..Dado, Internacionais de Catalogao na Publicao (cn-) (Cmara Brasileira do Livro. SP, Brasil) Prandl, Reginaldo Segredos guardados: Orixs na alma brasileira I Reginaldo Prand : fotos do autor: [ilustraes Pedro Rafael], - So Paulo : Companhia das Letras.zoos. BibliografiaISBN 85-359-06274I. Afro-brasileiros - Religio 2. Candombl xs 4. Religio e sociologia 5. Umbanda (Culto) Ttulo. ru. Tttulo : Orixs na alma brasileira.

7

PARTE I: NOS TERREIROS DE CANDOMBL

1.

(Culto) 3. OriRafael, Pedro.

TI,

origem e autoridade Os mortos e os vivos . . . 3. Orixs, santos e demnios 4. Um panteo em mudana s. Os espritos caboclos na religio dos orixs2.

1. Tempo,

19 53 67101 121

05-1567

CDO.306.69960981

1.

lndice para catlogo sisterutico: Religies afro-brasileiras: Sociologia da religio 306.69960981

PARTE n: NOS TERREIROS E NO MUNDO \';".-,;

[2005] Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ LTDA.

Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 04532-002 - So Paulo - sp Telefone (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 www.companhadasletras.com.br

6. Hipertrofia ritual e falncia moral 7. Cultura religiosa, memria e identidade 8. Msica sacra e msica popular 9. Nas canes do rdio 10. Devotos, terreiros e igrejas Eplogo .. _

141

159 175 187215

. 239

do e reserva sobre questes de doutrina. Esta pouco ensinada e discutida, e fartamente ignorada por pais e mes que no tiveram tempo, interesse.ou oportunidade de aprender, desconhecendose, por exemplo, as concepes de nascimento, morte e reencarnao que foram fundamentais na religio dos orixs. Aos fatores que favorecem a hipertrofia ritual junta-se, pois, a concepo corrente que se tem da profisso de pai-de-santo como sendo um feiticeiro agora socialmente legitimado pelo consumo esotrico e miditico, que trabalha por dinheiro para resolver os problemas de quem dele precisar, como qualquer outro profissional do bem-estar espiritual ou psquico do indivduo. Para se situar bem no mercado de muitos competidores, ter esse profissional que se fazer visvel, bem visvel. Nada melhor, para alcanar a publicidade, que se esmerar no rito, sobretudo quando no se tem o treino necessrio para se impor pela presena intelectual nem o carisma para se afirmar como lder espiritual. exatamente como acontece, em graus variados, tambm com os novos sacerdotes do catolicismo carismtico, do neopentecostalismo e de tantos e tantos credos disponveis no mercado reli" gioso contemporneo.

7. Cultura religiosa, memria

e identidade

1

P: cultura afri91n~ill,!da.naJQrfl.1a.? da cultu~ bra~~~ira corresponde a um vasto elenco de itens que abrangem a lngua, a culinria, a msica e artes diversas, alm de valores sociais, representaes mticas e concepes religiosas, conservadas no apartir de uma matriz africana nica, mas de vrias, oriundas de diferentes povos africanos. Fora do c~!!!p'oreligioso, l~nhuma das instituies ....... ~,--,~- ...-,,- culturais africanas logrou, entretanto, sQ..r~viyer .. -'..-- ..._._- ... _ .

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com suas estruturas prprias. Ao contrrio, cada contribuio '-, o --___ \')

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res tante de um longo e lento processo de diluio e apagamento tnico a tal ponto que, diante de um determinado trao cultu,

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ral, embora se possa reconhecer nele uma origem africana gen- ","-' "J'\c~" ,.,. \~.~ rica, difcil, quando no impossvel, identificar o povo ou nao \..~~/_\)'\' .. de que provm. Tudo simplesmente frica, perdidas as .9:.i~!t:Q~ 'i;> ali e especificid;d-;;,-McJs'que isso-os pr6p;i~s ~fro-g.escendenpor no cOllh~~;~,~-"'"'-----.

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-cepassadoseram bantos ou sudaneses _-_o .,._ .159

--r--~---~-- a prp~i~-orige~ nem saberem~;;us _ ~-------- - "'""""-_. __ ~_

os dois grandes gru_ ..

pos tnico-lingusticos a cultura-brasileira

de nossa formao

africana -,

tambm

nao poem iaentffica~ ~ origens dos aspectos cultur;is, como um todo, ao se apropriar apagad s fontes. A memria rica, indefinida, .

d~ks, tivess

-----

como se

que se tem da frica -vaga,gen-

Mesmo que se imagine uma frica nica, inespecfica, possvel, atravs da pesquisa, identificar dados de culturas podemos sacerdotal buscar sua estrutura e concepo estruturas e elementos herbem definidas. Assim, no caso do canqqmbl, hierrquica, diviso de ~rabalho de outros povos. __ ~

de poder nos padres familiares da antitomados

117 r g~-famlialio!u ',101:.1-'1[\---. --o' afncanos.

10

, com emprstimos

Os ioru~s tra~icion~~_~-~J!~!~gnicos,_com sa, e habitam mentos coma residncias contguos, os compounds. Cultua~ixs

famli-extenarticulares

coletivas formadas de quartos e aparta1970). O chefe mora ada uma

para cada famlia, cidade e regio (Fadipe, espos principal as demais esposas moram quartos separados.

e os filhos d~1.!os a osentos m:incipais; com seus filhos, habitando

As reas comuns so reservadas para cozinha, A famlia cul~riatrilidivindade ancestral que ele herda

lazer, trabalho artesanal e armazenamento. x do chefe masculino, nearmente, e que o orix principal

de todos o filhos. Cada e_s-:

posa cultua tambm o o!jx da famlia d~_~eupai, que o segundo orix de seus filhos. Assim, os irmos devem culto ao orix do pai, que o mesmo para todos, e ao orix da me, que pode ser diferente de acordo com a herana materna. Como os iorubs no crem descender necessariamente de seus orixs, a origem de cada indivduo

a mesma. Um compound assim u~a reunio

de diferentes- cultos, cada um com seus mitos, ~_., ," .- ._,_.,--._-~. -.---- tabus e.. cerimnias. H!~1!l deEs~eral e deus~~.Earticulares louvados nas casas das diversas esposas. A famlia tambm voo a Exu, orix trickster que estabelece

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tem como culto comum a comunicao

a d~ entre

os diferentes planos e personagens deste mundo e do mundo par~?_dos d~~s~i$.~.~Q{ritos.-Ti~j~~-~se5yltua~ os.o'ri~s .9!!e protegem a cidade, em geral orixs da famlia do rei, os orixs do mer~.do,~;~~mico~'d~-;ociabilidad~ d~ cidade, e outros que podem ser adotados individualmente por livre escolha. O chefe da famlia o chefe do culto do orix principal; iniciamse entre membros da familia os sacerdotes que devem incorporar a divindade em transe ritual durante as grandes celebraes festivas. O mesmo se d com respeito aos orixs secundrios, os das esposas. O culto ao orix da adivinhao, chamado Q!..'ElJ!lilou If, pratiCado fora do mbito da famlia 12.m:Jlma_confraria~d_e sacerdotes chamados bab_~ ... en.c,an:e.g~o d.et.tri!Y~~-Ee 2rti~ cas divinatrias, ler e interpretar , futl!Io_daspessoas, conhecer -desgnio-d~s de-~s-;-p~~;~rever os sacrifdospropiclatrio's

---~"-',~~~

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'sorixs. A-adivi~h~o~l~ b~b;la pra;ada atravs da in_. '--. terpretao de um enorme a~erY5?de..Elrtos (seus instrumentos ' '~ii~i~atrios selecionam os mitos a serem interpretados em cada consulta oracular), mitos que ele aprende durante a iniciao e.." .. ~,

... '~'

'

'-,

.

que explicam para o iorub seu mundo, a vida, a morte, a ao dos deuses e tudo mais que existe, e que fornecem e inspiram os valores e normas da sociedade iorubana. Uma---'outnLQ.cied!.ge9}!,eenvolve toda a cidade, s-----vezes -'-----.-._--._- - --._, ~-:' -

mais de uma, a que se dedica ao culto dos ancestrais fundadores 'd;'~id~d~, os e.gun~-;'~~~Eii;;tiitament;:;~:;;uli;;~ res_ .--~'-~ ponsvel pela administrao da justia no plano das relaes co..'~-'~""-

._~

... ~" .....

munitrias. A ~sa organi:ao religiosa de culto aos fundadores e heris humanos contrape-seuma outra, a sociedade Gueled, ___ .....O-~...--.-. ' .,- ~ ~~ -que celebra os ancestrais femininos, as grandes mes. A religio --'-- - . ,do dia-a-dia, de todo modo, a religio familiar. No se separa religio e famlia na vida cotidiana. \,,~

,--',.

O candombl, criao brasileira, estruturou-se como essa ._.,-------,'...-..-'.------.;-~

161

famli~ iorub.

o grupo

de culto dirigido por um chefe, mas-

culino ou f~minin~~E!~_utoridade mxima, e o orix do fundador do grupo o orix comum daquela comunidade, para o q~al le~~tado o te~210 rincipal, T~mplo~~ec~~drios, d;no-~i;ados- casas ou quartos-de-santo, so construdos para cada um dos orixs ou famlias de orixs louvados pelo grupo. ~ rarquia copia a da famlia iorub: os membros mais' ovens devem respito e submisso aQs mais elhos, aos s dos uais se prostram em reverente saudao, como fazem os filhos ioruba.----._nos para com os pais e mais velhos, e como faz todo iorub em respeito s autoridades. Supe-se que os mais jovens devam aprender com os mais velhos e assimilar o conhecimento religioso pe...

Do governo das cidades o candombl copiou postos de mando na religio. O conselho do rei de Oi, cidade de Xang, inspirou a criao do conselho dos obs ou mogbs em terreiros desse orix. O general balogum transformou-se em cargo de alta hierarquia no culto a Ogum. As mulheres encarregadas de administrar o provimento material da corte do rei inspiraram as ialods dos candombls. A mulher encarregada de zelar pelo culto a Xang no palcio do rei de Oi, e por isso mesmo chamada Ekeji Orix, que significa a segunda pessoa do orix, foi certamente o modelo do cargo das equedes, mulheres que no entram em transe e que vestem os orixs e danam com eles quando incorporados em suas sacerdotisas e sacerdotes. ~mb~ra a identidade tnica de ~!E0s escravo~~ nej;ros livres tenha se preser.Y90 at QJillll...do sculo XIX-- ohretudo entre ~~hegaram dfu\frica havia menos tempo e que ~stavam organizados _emco~f:..ari~scat~licas,_com a formao _da sociedade de classes, j~ sob a Repblica==, fad.2 vez_ mais as orga~ d~sr1.e e~a!!len.tal e tnico foram perdendo o sentido,

la palavra no escrita. A_ hierarqJJia_agora re ulada no ela idade, mas2elo te~o de inicia o, j que a inclus-o~aiamlia (religiosa) faz-se .p~rlivre adeso ~no_p_o.r..nas.cimentQ. Asmu~~s mais velhas, .isto iniciadas h m~s_t~ (e no Brasil o stimo ano de iniciao ganhou o estatuto de ano que marca a senioridade) chamam-se entre si de ebmi, "minha irm mais velha", ..---tratamento que as esposas mais antigas do chefe, e por conseguinte mais importantes, usam entre si. A recm-iniciada chamada ia, ou jovem esposa, noiva, que como as esposas mais velhas chamam as mais novas. Claro que; com o passar do tempo, essas designaes reservadas s mulheres passaram tambm a ser usadas para os iniciados masculinos. Alm das prticas iniciticas, como a raspagem da cabea que marca o ingresso das _ meninas na puberdade e o uso de escarificaes indicativas de origem tribal e familiar (os abers do candombl), costumes do cotidiano familiar africano foram igualmente incorporados religio no Brasil como fundamento sagrado que no deve ser mudado: dormir em esteira, comer com a mo, prostrar-se para cumprimentar os mais velhos, manter-se de cabea baixa na frente de autoridades, danar descalo etc.162

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e aspect9~ ?as ~ulturas africanas foram igualmente _sen_d~ mais e mais absorvidos pela cultura nacional, que primordialmente branca, europia e crist. Embora em muitos aspectos, sobretucampo das artes, possamos identificar, no final do sculo XIX e no incio do sculo xx, manifestaes culturais caracteristicamente negras, sua sobrevivncia dependia da capacidade de serem absorvidas pela cultura branca. o..f.a~~xeIl!Plar.4a msica popular brasileira, em que os ritmos e estruturas meldicas de

a~~

orig~~~iricana ~E~e~iYeraIl!-na ,~dida em que p~saram -a ~nteressar aos compositores brancos e aos consumidores da cultur~iA~si~~l~~~'~' negro abr~ ~i~ho pa;a? choro bran; a msica do candombl n~grQs pobres fornecia a matriz. para o ~a;ba nacio~al-das classes mdias. Em outras alavras, a preservao daquilo que africano requeria apagar ou disfarar

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exatamente queamento

._~-

a origem

e a marca negra, num processo- _. ----

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de brana um-

na Bahia, em Pernambuco, Sul e, secundariamente, bm surgido e se mantido adaptao

Alagoas, Maranho,

Rio Grande do tenha tampor iniciaticultos da coem

e miscigenao

que atingiu todas as reas no mbito"da

no Rio de Janeiro. Embora uma religio equivalente

ba~d~"~pl~-embl~mtico ~tir da dcada de 1960, quando e a valorizao tao dos produtores

~~igio (Ortiz, cultural a orien-

"-i978) ":::":-e ue somente foi ~e~~rtido de maneira lin~ita~1a a parq a diferena, o pluralismo culturais, das origens tnicas passaram a constituir e consumidores

va de negros bantos, a modalidade frica meridional,

banta lembra muito mais uma

das religies sudanesas do que propriamente e processos iniciticos.

tanto em relao ao panteo de divindades candombl,

num movimen-

mo em funo das cerimnias Pernambuco no R~!ande

to que foi bastante expressivo no Brasil.

A religio negra, que na Bahia se chamou e Alagoas.: xang, no Mara~ho,

ta~bor-d~~~i~;e em grupos de "napela maioria enque-

fl~~uh b--;'tiqye, fol org-.niil!da

2

es': ou "naes de c~domb!"XiX,

(Lima, 1984). Em cada uma de responsvel

"la!-,_