Segurança Jurídica - Dissertação de Mestrado - UFRGS

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Dissertação de mestrado sobre segurança jurídica

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  • 5/23/2018 Segurana Jurdica - Dissertao de Mestrado - UFRGS

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    Ministrio da Educao

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Faculdade de Direito

    Programa de Ps-Graduao em Direito

    Segurana jurdica: da crise ao resgate

    Artur Alves da Motta

    Porto Alegre, 2008

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    II

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE DIREITO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

    SEGURANA JURDICA: DA CRISE AO RESGATE

    Artur Alves da Motta

    Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao em

    Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como

    requisito parcial para obteno do grau de mestre.

    Orientador: Prof. Dr. Cezar Saldanha Souza Junior.

    Porto Alegre

    2008

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    III

    Agradecimentos

    A Deus, pelos meus pais e avs;

    A meus pais e avs, pela minha formao;

    minha formao, pelo gosto pelo estudo e

    Ao estudo, por ter chegado at aqui.

    Ao Professor Cezar Saldanha Souza Junior, pela orientao firme e segura pois no

    basta ter gosto pelo estudo: preciso ter rumo e sentido.

    Aos meus familiares e amigos, pela compreenso, estmulo e apoio.

    minha me, em particular, por ter tido pacincia em revisar e corrigir alguns erros de

    metodologia.

    Karina, por todas as horas.

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    RESUMO

    SEGURANA JURDICA: da crise ao resgate

    Apesar de o direito ser feito para trazer estabilidade sociedade e garantia a seus

    membros, hoje em dia no Brasil esse propsito no se verifica adequadamente como

    deveria.

    Este trabalho se concentra na segurana jurdica, uma expresso no direito romano-

    germnico que contm a idia de como o direito deve dar ao povo um sentido de certeza

    e tambm embasa a coisa julgada e o controle de constitucionalidade.Na verdade, o sentido de estabilidade no direito brasileiro est em crise. Este estudo

    procura saber o motivo e tenta achar uma resposta na doutrina e nas decises do

    Supremo Tribunal Federal para entender como isso afeta a coisa julgada e o controle de

    constitucionalidade.

    A concluso leva idia de que o modelo de controle difuso de constitucionalidade sem

    a vinculao obrigatria dos precedentes, combinado com um enfoque no controle

    concentrado e abstrato de constitucionalidade a causa de vrios problemas, afetando

    no apenas o conceito de coisa julgada mas tambm trazendo danos segurana

    jurdica.

    PALAVRAS CHAVE: Segurana jurdica. Certeza. Direito romano-germnico. Coisa

    julgada. Controle de constitucionalidade. Precedentes. Corte constitucional. Supremo

    Tribunal Federal. Teoria do direito.

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    V

    ABSTRACT

    LEGAL SECURITY: fall and riseAltough law is made to bring stability to the society, and assurance for its members,

    nowadays in Brazil its purpose is not occurring properly and as it should do.

    This work focuses on legal security, a term in civil law that contains the idea of how

    law must give people a sense of certainty, and also supports the res judicata andjudicial

    review.

    Actually, the sense of stability in Brazilian law is in crisis. This study wonders why and

    tries to find an answer in jurisprudence and in the Supremo Tribunal Federal (Braziliansupreme court) decisions to understand how it affects the institutes of res judicata and

    judicial review.

    The conclusion leads to the idea that a judicial review model without stare decisis

    combined with the classic civil law constitutional court is the cause of several problems,

    affecting not only the concept of res judicata but also damaging the legal security.

    KEY WORDS: Legal security. Certainty. Civil law.Res judicata.Judicial review. Stare

    decisis.Constitutional court. Brazilian Supreme Court. Jurisprudence.

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    There is no such thing as absolute certainty, but there is assurance sufficient for the

    purposes of human life.

    John Stuart Mill

    In this world nothing can be said to be certain, except death and taxes.

    Benjamin Franklin

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    VII

    Lista de abreviaturas

    ADC Ao declaratria de constitucionalidade

    ADI Ao direta de inconstitucionalidade

    ADIn Ao direta de inconstitucionalidade

    Ag AgravoAgR Agravo regimental

    Agrac Agravo regimental em ao cautelar

    AgRg Agravo regimental

    AI Agravo de instrumento

    AR Ao rescisria

    CF Constituio Federal

    CONAMP Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CRFB Constituio da Repblica Federativa do Brasil

    DJ Dirio de Justia

    DJU Dirio de Justia da Unio

    ED Embargos de declarao

    EDcl Embargos de declarao

    EDiv Embargos de divergncia

    ERESP Embargos de divergncia em Recurso Especial

    FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio

    HC Habeas Corpus

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

    IR Imposto de Renda

    j. Julgamento em

    MC Medida cautelar

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    VIII

    Min. Ministro

    MP Medida provisria

    MS Mandado de seguranaRcl. Reclamao

    RE Recurso extraordinrio

    Rel. Relator

    RESP. Recurso especial

    RHC Recurso em habeas corpus

    S. Seo

    STF Supremo Tribunal FederalSTJ Superior Tribunal de Justia

    T. Turma

    TRF Tribunal Regional Federal

    TSE Tribunal Superior Eleitoral

    TST Tribunal Superior do Trabalho

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    SUMRIO

    Consideraes Iniciais.....................................................................................................11

    I A escolha do tema..................................................................................................11

    II A segurana jurdica e o presente trabalho...........................................................12

    III Terminologia, estilo, alguns porqus ..................................................................13

    Parte I Doutrina da segurana jurdica .......................................................................16

    1. tica, poltica e direito ............................................................................................16

    2. O Estado de direito..................................................................................................21

    3. Segurana jurdica como princpio do Estado de direito ........................................23

    4. A segurana jurdica como elemento do Estado de direito .....................................26

    5. A segurana jurdica e sua finalidade no Estado de direito ....................................31

    6. Aspectos formais da segurana jurdica ..................................................................35

    7. Aspectos materiais da segurana jurdica ...............................................................39

    8. A segurana jurdica no nosso ordenamento jurdico .............................................44

    9. A segurana jurdica do Estado de direito na coisa julgada....................................51

    10. A segurana jurdica da coisa julgada como valor constitucional ........................56

    Parte II A crise da segurana jurdica ........................................................................60

    11. Processo, jurisdio e coisa julgada ......................................................................60

    12. Segurana jurdica e a excepcionalidade da ao rescisria .................................62

    13. Limites reviso da coisa julgada ........................................................................66

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    14. Rescisrias de sentenas contrrias ao entendimento do STF ..............................67

    15. Da Smula 343 do STF.........................................................................................71

    16. Da relativizao da coisa julgada..........................................................................75

    17. Outras tentativas de relativizao..........................................................................80

    18. A segurana jurdica conflita com a justia?.........................................................82

    19. Crtica disparidade de critrios do STJ nas aes rescisrias ............................88

    20. Crtica s decises que geram insegurana jurdica..............................................91

    Parte III Resgate da segurana jurdica....................................................................102

    21. A Constituio como fonte da segurana jurdica...............................................102

    22. A jurisdio constitucional..................................................................................105

    23. A jurisdio constitucional como a segurana na prtica ...................................108

    24. A segurana jurdica nos julgados da jurisdio constitucional..........................111

    25. A segurana jurdica como concepo................................................................111

    26. A segurana jurdica como fundamento de decises ..........................................115

    27. A segurana jurdica como a dosagem dos efeitos..............................................117

    28. A eficcia prospectiva s decises de inconstitucionalidade ..............................119

    29. Crticas ao sistema de jurisdio constitucional brasileiro .................................12330. Propostas para incremento da segurana jurdica pelo aprimoramento da

    jurisdio constitucional............................................................................................129

    Concluso......................................................................................................................135

    Referncias bibliogrficas.............................................................................................142

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    CONSIDERAES INICIAIS

    I A escolha do tema

    A busca do ser humano por segurana inata. Nos primeiros anos de

    vida, embora no tenha conscincia disto, ele sabe que a presena dos pais capaz depropiciar um mnimo de conforto, alimento e proteo de males maiores. Mesmo que o

    conforto material praticamente inexista, inegvel que o conforto espiritual advindo da

    companhia de um dos pais, mas preferencialmente de ambos, para a criana um dos

    pilares da sensao de bem-estar.

    Ao longo da vida, esse sentimento de satisfao e tranqilidade que a

    segurana confere leva o homem a procur-la ou a tentar diminuir a sensao de sua

    falta. Por que motivo a criana quando d os primeiros passos tenta se agarrar no queconsidera mais estvel e se esfora para alcanar a mo dos maiores, preferencialmente

    do pai ou da me? a busca intuitiva da segurana.

    A economia, por exemplo, sempre lidou com incertezas e faz um

    contnuo esforo para diminu-las, pois existe um sentimento generalizado de que a

    sensao de segurana gera um ambiente propcio a novos negcios, trazendo

    desenvolvimento. Apenas para se ter uma noo de como a segurana e a eliminao da

    incerteza so premissas do progresso econmico, basta lembrar que a inveno damoeda teve o propsito inicial de eliminar a incerteza quanto ao valor das mercadorias.

    Com o advento do dinheiro os comerciantes passaram a ter confiana em valores

    objetivos1e desde ento a sociedade nunca mais foi a mesma.

    Existe tambm o sentimento de que o direito no funciona to bem assim,

    pois o nmero crescente de atos normativos dentro do ordenamento jurdico leva a uma

    1GALBRAITH, John Kenneth.A era da incerteza, p. 160 e seguintes.

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    incerteza de qual a norma aplicvel soluo dos casos concretos. Isto sem falar nas

    decises divergentes para aqueles que propem aes individuais envolvendo relaes

    jurdicas homogneas. Tal panorama revela o lado da insegurana que o direito mal-construdo e mal-aplicado provoca e acaba por confundir a mente das pessoas.

    Noutros momentos da vida e at no final dela, na busca de um sentido ou

    explicao para sua vida, o homem quer racionalizar seus erros e acertos. Deseja deixar

    impresses positivas para os demais que conviveram com ele e tambm pensa no que

    lhe reserva o futuro e o que vem depois da morte.

    Portanto, desde os primrdios o homem busca amparo, quer ter certezas,

    organizar sua vida e ter certa previso de seu futuro. Em suma, a procura da segurana,

    nas suas mais variadas formas, inerente ao ser humano, o acompanha durante a vida.

    Esse anseio abrangente no se manifesta apenas no direito, embora seja sob este aspecto

    que aqui ele ser tratado.

    II A segurana jurdica e o presente trabalho

    O objeto do presente trabalho, apesar as inmeras possibilidades que o

    tema da segurana propicia no campo jurdico, entretanto, bem mais simples. Primeiro

    porque no teria o seu autor densidade jurdica de conhecimentos suficientes para fazer

    frente to audaciosa empreitada; segundo, porque ainda que tivesse os requisitos

    tcnicos para tanto o que definitivamente no o caso tampouco poderia faz-lo

    durante o perodo em que deve ser concludo um estudo de mestrado.

    Assim, a dissertao se volta segurana jurdica sob um aspecto prtico,

    lanando um olhar para o cotidiano jurisdicional brasileiro. E, paradoxalmente, ao

    mesmo tempo em que os meios jurdicos ptrios parecem clamar aqui e ali por

    segurana jurdica, o resultado da atividade jurisdicional no parece trilhar a senda

    desses anseios.

    Nessa anlise do real a partir de um ideal, com todos os problemasinerentes a essa perspectiva, confrontando-se o direito (dever-ser) com ele mesmo, ou

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    com os propsitos que o orientam, verificou-se um problema: um dos maiores smbolos

    institucionais de segurana jurdica, a coisa julgada, tem sido relativizada. Da a

    proposta do presente estudo, mediante uma busca junto doutrina e tambm najurisprudncia do STF e STJ para saber o alcance da influncia da jurisdio

    constitucional sobre a coisa julgada. Cogitou-se ento como poderia a jurisdio

    constitucional contribuir para a revitalizao da segurana jurdica e corrigir os seus

    desvios que a falta de sua compreenso tem gerado na coisa julgada.

    Com relao forma, o estudo se divide em trs partes do que se poderia

    chamar a dinmica da segurana jurdica: a sua doutrina, a sua crise e propostas para o

    seu resgate.

    Na parte referente doutrina, a anlise parte dos fundamentos tericos do

    Estado de direito, dos seus valores, da segurana jurdica at se chegar a uma idia

    elementar de segurana jurdica na coisa julgada.

    Ao tratar da crise da segurana, procurou-se fazer uma anlise do quadro

    atual da coisa julgada, instituto no qual a segurana jurdica se faz mais presente e em

    que so encontradas divergncias doutrinrias sobre a rigidez desse tema constitucional.

    Tambm merece considerao a influncia das decises do STF e do STJ nesse debate.

    O trabalho concludo com o que se denominou de resgate da segurana

    jurdica a partir de propostas acerca da jurisdio constitucional que acabam

    contribuindo para o incremento da prpria segurana jurdica e valorizando o papel da

    coisa julgada.

    III Terminologia, estilo, alguns porqus

    Antes que se passe propriamente ao texto, preciso explicar algumas

    coisas para que evitem confuses, dubiedades e mal-entendidos. Por outro lado, certas

    consideraes introdutrias tambm podem facilitar uma compreenso mais rpida e

    gil das idias lanadas. No se quer com isso solicitar certa indulgncia do leitor com

    as falhas que naturalmente todo trabalho tem e contm, mas sim permitir que as crticas

    efetivamente tenham a finalidade de corrigir.

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    No que o autor queira se esquivar das inevitveis crticas ou deseje

    afirmar sua humanidade pela sua capacidade de errar. Se a dissertao conseguiu se

    constituir num trabalho minimamente apresentvel e com alguns mritos, porque omestrando soube receber as admoestaes e censuras como valiosos elementos para a

    correo de rumos e incremento qualitativo de certas proposies encontradas no texto.

    Alm do mais, no parece ser alvo de disputas que o ser humano erre.

    O propsito aqui , fundamentalmente, tornar a leitura mais dinmica e

    proveitosa para que o trabalho de avaliao no seja mais cansativo do que

    normalmente deve ser. Da a preocupao inicial em desenvolver um estilo simples e,

    na medida do possvel agradvel. Certamente que alguns podem ter razo nas crticasno s ao estilo de escrever e argumentar, mas certas limitaes so invencveis.

    Quanto s notas de rodap, que foram objeto de crtica pelo excesso, elas

    foram uma escolha do autor do trabalho. O escopo no foi induzir o leitor a uma leitura

    truncada do texto, mas, antes pelo contrrio, permitir dois nveis de leitura e explicitar

    qual a fonte das afirmaes que vo sendo construdas ao longo do texto at por

    exigncia do trabalho acadmico. So raros os casos em que as notas de rodap

    apresentam uma explicao do que se quis dizer ou um aprofundamento maior da

    discusso: na quase totalidade das vezes as notas so a demonstrao do pensamento

    dos autores e da jurisprudncia citadas.

    Assim ser possvel uma leitura facilitada do texto, em que a

    desconsiderao das notas de rodap no importar na perda da compreenso das idias

    expostas. Eventualmente, se o leitor tiver curiosidade ou mesmo a necessidade de

    conferir a origem de determinada frase ou pensamento, ele ter na nota de rodap o

    apoio necessrio.

    Quanto expresso ordenamento jurdico, aqui ela empregada no

    mesmo sentido usado por Bobbio na sua Teoria do ordenamento jurdico: como

    complexo de normas jurdicas, em um determinado territrio, com um trao de

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    sistematizao entre elas. Em suma, ordenamento jurdico aqui possui uma equivalncia

    com direito.2

    2 [...] na realidade, as normas jurdicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de

    normas com relaes particulares entre si [...]. Esse contexto de normas costuma ser chamado de

    ordenamento. E ser bom observarmos, desde j, que a palavra direito, entre seus vrios sentidos, temtambm o de ordenamento jurdico[...]. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico, p. 19.

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    PARTE IDOUTRINA DA SEGURANA JURDICA

    1. tica, poltica e direito

    A individualidade de cada ser humano lhe confere certa autonomia e

    existncia prprias, mas apenas no conjunto com os seus semelhantes, em sociedade,

    que o homem nasce, vive e se desenvolve. A maneira de integrao na sociedade

    confere plenitude a este ser, j que ele ao mesmo tempo individual e relacional3: existe

    por si como ser, mas direcionado a estabelecer relaes com os demais membros

    componentes da coletividade humana para poder atingir os seus fins. O direito tambm

    pressupe a sociedade humana4 j que inexiste para o indivduo isolado. O ser

    atomizado no tem a noo nem o sentido do direito.5

    Dos mltiplos aspectos encontrveis no ser humano, dois particularmente

    interessam e servem de fundamento ao estudo da cincia jurdica: a tica e a poltica. A

    ticaporque atrai o ser humano para o bem6, para a felicidade7; apolticaporque visa

    organizar a convivncia em comum com os semelhantes.8

    3SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha.A crise da democracia no Brasil, p. 3.

    4 Sabemos que el individuo es un ser social que convive en un determinado entorno con otros seres

    humanos. La ordenacin de la mera coexistencia de los seres humanos y la obtencin de objetivos

    comunes son elementos que explican la naturaleza social del Derecho. La socialidad del ser humano y laconsiguiente convivencia constituyen el dato a partir del cual podemos comprender la existencia y la

    necesidad del Derecho. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 17.

    5PECES-BARBA, Gregrio. Curso de teoria del derecho, p. 18.

    6REALE, Miguel.Lies preliminares de direito, p. 39.

    7 SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos

    Bsicos, p. 24.

    8

    SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus ModelosBsicos, p. 25.

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    A tica no se realiza sem ajustia, pois como diz Cezar Saldanha Souza

    Junior a Justia e a felicidade de cada eu pessoal ficam prejudicadas, ou at

    inviabilizadas, num clima social de insegurana e desordem (negrito do original).9Por

    outro lado, a segurana um imperativo da poltica, j que sem um mnimo ajuste da

    convivncia social no existem as condies para que cada membro da sociedade possa

    se desenvolver.10

    O direito a cincia que une ambas, ticaepoltica11, motivo pelo qual

    pode ser concebido como um instrumento social pois onde h sociedade h direito 12

    para uma organizao minimamente harmnica da sociedade, a fim de que os

    indivduos que a integram possam se desenvolver e buscar a felicidade. Assim, a missodo direito auxiliar, pautar os anseios de forma a acomod-los para que, dentro da

    ordem, possa o ser humano atingir sua finalidade.13O direito um instrumento a servio

    do bem do ser humano e da sociedade em que ele vive.

    9 SOUZA JUNIOR. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos

    Bsicos, p. 28.

    10 Na efetivao do bem comum, cumpre poltica o estabelecimento de um clima de convvio, um

    modus vivendi, no qual cada membro da sociedade possa desenvolver, com liberdade, os potenciais

    prprios da personalidade. A poltica a dimenso de atividades que se define pela criao de uma ordem

    segura, onde as diferenas humanas, naturais e adquiridas, sejam tratadas com o respeito proporcional

    devido s pessoas, luz do bem comum, ou seja, do bem de todos, naquilo que todos temos de comum. O

    valor primeiro da poltica, base para os demais valores sociais, , pois, a Segurana. (Negrito e itlico do

    original) SOUZA JUNIOR. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus

    Modelos Bsicos , p. 29.

    11SOUZA JUNIOR. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos

    Bsicos, p. 38.

    12 Nesse sentido: REALE, Miguel. Lies preliminares de direito, p. 2; PONTES DE MIRANDA.

    Comentrios Constituio de 1967, tomo I, p. 30 e seguintes; RADBRUCH, Gustav. Filosofia do

    Direito, vol. I, p. 49.

    13 Sendo o direito criao humana, como diz Gustav Radbruch, no pode, portanto, haver uma justa

    viso de qualquer obra ou produto humano, se abstrairmos do fim para que serve e do seu valor.RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, vol. I, p. 50.

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    Eis a um padro para aferir a medida da importncia do direito: uma

    necessidade individual e social com a finalidade tambm voltada para indivduo e

    sociedade. Uma sociedade sem um mnimo organizacional e que esteja de acordo comos sentimentos nsitos ao ser humano no tem como subsistir.14O direito aparece ento

    como a fora propulsora da ordem, o elemento facilitador na realizao das expectativas

    humanas. Ao lado dessa funo ordenadora, o direito tambm tem de respeitar ajustia,

    indissocivel da natureza humana, e que o orienta fortemente.15

    a poltica que vai orientar os rumos do direito, dar-lhe efetividade; a

    tica, por sua vez, vai lhe dar embasamento. O direito no perde a sua autonomia diante

    de ambas nem as absorve. Num arranjo peculiar as trs cincias coexistem mas aodireito atribudo o papel de ajust-las numa dimenso objetiva socialmente: o direito

    uma ponte entre o ideal tico e a realidade poltica.

    A sociedade no pode viver sem a poltica16, natural expresso da

    necessidade organizacional e administrativa da vida social. Nela brota o debate, discute-

    se como atingir as metas desejadas por uma determinada sociedade tendo em vista uma

    pauta mnima de valores comuns dada pela tica. O direito atuar junto poltica para

    orden-la e racionaliz-la, de forma que no calor das discusses, a empolgao da

    maioria no aniquile os justos anseios de uma minoria nem permita o esquecimento de

    valores ticos sem os quais a sociedade no possa evoluir de forma minimamente justa.

    O direito limita um pouco a poltica, mas limita-a para dar-lhe sentido e reconhecer a

    14El secreto del derecho est precisamente en esto, que los hombres no pueden vivir en el caos. El orden

    les es tan necesario como el aire que respiran. CARNELUTTI, Francesco. Cmo nace el derecho, p. 22.

    15

    O anseio por justia o eterno anseio do homem pela felicidade. a felicidade que o homem no podeencontrar como indivduo isolado e que, portanto, procura em sociedade. A justia a felicidade social.

    KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado, p. 9.

    16Interessante destacar que para (Cezar Saldanha) Souza Junior, tambm poltica e tica se interpenetram.

    Diz ele: a poltica, sem a iluminao tica, sem um mnimo de Justia, poderia facilmente degradar a

    relao mando-obedincia em abominvel opresso. Faltaria, mais alm da simples segurana, um ideal

    transcendente de bem a orientar a ao das autoridades que detm o mando. Do lado da comunidade,

    faltaria uma pauta de valores, aceita pela comunidade, fundamento de toda legitimidade, capaz de induzir

    uma obedincia espontnea autoridade. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direitono Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p. 33.

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    sua necessidade na busca do bem e at para resguard-la como meio para produzir o

    prprio direito.

    A tica tambm parcialmente incorporada pelo direito, mas este no a

    absorve integralmente.17Absorvendo-a, a destruiria. A tica plenamente positivada pelo

    direito perde a sua dimenso de fonte de valores dado que esses seriam aqueles

    explicitados pelo ordenamento jurdico. O risco de se cair num positivismo oco do

    ponto de vista axiolgico seria grande. Se toda a tica fosse o direito, desrespeitado

    esse, morreria aquela. O fundamento tico engrandece o direito; a eticizao plena do

    jurdico faz desaparecer aquela em funo desse ltimo. Como o direito no existe de

    per si, sem um fundamento tico uma vez com toda a tica nele positivada o direitoteria de se reduzir a mecanismos de sano. Falhando esta e invariavelmente nem a

    sano nem a sua aplicao so perfeitas enfraquecido o direito e sepultada a tica.18

    17 No campo penal isso traz como conseqncia os princpios da fragmentariedade e da interveno

    mnima. Sobre o primeiro Damsio E. de Jesus diz que: O Direito Penal no protege todos os bens

    jurdicos de violaes: s os mais importantes. E, dentre estes, no os tutela de todas as leses: intervm

    somente nos casos de maior gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurdicos.; acerca do

    segundo afirma o penalista que a criao de tipos delituosos deve obedecer imprescindibilidade, s

    devendo intervir o Estado, por intermdio do direito Penal, quando os outros ramos do Direito no

    conseguirem prevenir a conduta ilcita. JESUS, Damsio E. de.Direito Penal, vol. 1, p. 10.

    18Por sua vez a tica, sem a fora coativa da poltica e um mnimo de Segurana, jamais poderia erigir-

    se em referencial de convivncia, aceito pela generalidade na sociedade. A prpria conscincia tica, que

    brota do mais profundo de cada indivduo (quem diria?), depende para formar-se e desenvolver-se em

    decorrncia da socialidade mesma da pessoa de uma ordem poltica que proteja o cultivo no convvio

    (familiar, escolar e com a mdia), dos impulsos humanos naturais para o bem. Mas, sem a ajuda da

    poltica, a tica no se encarnaria, nem subsistiria encarnada, nos costumes (significado da raiz

    etimolgica grega ethos e da latina mores). Na falncia da poltica, os valores ticos ficariam merc dos

    malfeitores. E, convenhamos, uma tbua tica sem vigncia social, no seria verdadeiramente tica, mas

    uma coleo de declaraes altrustas de boas intenes. Seccionada da poltica, a tica reduzir-se-ia a

    simples poesia. (Negrito e itlico do original) SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia doDireito no Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p. 33.

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    Muito da fora do direito se esvai se ele no cumpre a funo ordenadora

    nem atende ao anseio de justia.19Mas alm dessa viso coletiva do direito como sendo

    fenmeno social, e da legitimidade que o sistema jurdico deve buscar no meio social,no se pode ignorar que a sociedade composta de indivduos: seres dotados de razo e

    sentimentos que fazem de cada um deles um ser nico20 donde vem tambm a

    necessidade de adeso individualao direito.

    justamente por isto, pela nossa natureza de indivduos, que, apesar de

    concordarmos sobre a necessidade de justia, discordamos de como ela deva ser

    alcanada.21Dessa disparidade de idias a respeito de como aqueles anseios individuais

    pelo justo devam ser atendidos, para a harmonizao da sociedade, o direito levado atomar certos rumos definidos pela prpria sociedade que o elabora. A cincia jurdica

    deve corresponder s expectativas do meio onde deva atuar. Devendo legitimar a sua

    funo ordenadora, assim como atender ao anseio de justia, razes de ordem prtica

    acabam conformando o Direito com as feies particulares para atender cada sociedade

    especfica. Alis, impossvel dissociar o direito de sua dimenso histrica e

    sociolgica.22

    19 Pois como diz Gustav RADBRUCH: A Idia de direito, porm, no pode ser diferente da idia de

    Justia. Filosofia do direito, vol. I, p. 105.

    20 A pessoa indivduo. Tem uma individualidade prpria. No se repete. distinta das demais e

    indivisvel em outras. Mas no fica tambm a. Somente abrindo-se para o outro, na comunidade, na

    sociedade, no convvio com as demais pessoas, ela poder desenvolver suas qualidades, a semente de

    personalidade que traz no seu ntimo, o seu prprio ser. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A crise da

    democracia no Brasil. p. 17.

    21Somos muitos, e discordamos a respeito da justia. A maneira como pensamos sobre tal discordncia

    determinar a maneira como pensamos sobre a poltica. E, como o direito fruto da poltica, a maneira

    como pensamos sobre essa discordncia determinar, em certa medida, a maneira como pensamos sobre o

    direito positivo. WALDRON, Jeremy.A dignidade da legislao. p. 43.

    22 Nesse sentido: El Derecho, adems de ser un producto humano destinado a regular diversas

    dimensiones de la vida humana social, tiene un carcter histrico. Como ya hemos adelantado, es

    producido por hombres en determinadas circunstancias. El Derecho es ele resultado de esos contextos, de

    las ideologas, de los intereses y conflictos predominantes en los mismos. PECES-BARBA, Gregrio.Curso de teoria del derecho, p. 18.

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    2. O Estado de direito

    Estado um pensamento polissmico, sendo sua definio dependente da

    concepo que dele se tenha. Mas em linhas gerais, todas as idias de Estado convergem

    para uma s, para caracteriz-lo como o ordenamento poltico de uma dada

    comunidade.23

    Sob o ponto de vista jurdico interessa saber acerca do Estado de direito,

    aquele Estado em que o direito assume relevncia para exercer o controle da origem,

    exerccio e legitimidade do poder,

    24

    assim como rgo de produo jurdica.

    25

    Isso semfalar na existncia de formas especficas e peculiares para a limitao de seu poder,

    dado nele no haverem poderes ilimitados.26Da o interessante na observao de que a

    coisa julgada , dentro do sistema romano-germnico, tambm um limite prpria

    atuao do poder judicirio.27

    23Una tesis recorre con extraordinaria continuidad toda la historia del pensamiento poltico: el Estado,

    entendido como ordenamiento poltico de una comunidad, nace de la disolucin de la comunidad

    primitiva basada en vnculos de parentesco y de la formacin de comunidades ms amplias derivadas de

    la unin de muchos grupos familiares por razones de sobrevivencia interna (la sustentacin) y externa (la

    defensa). BOBBIO, Norberto.Estado, gobierno y sociedad, pp. 97/98.

    24STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do estado, p. 83.

    25Bobbio fala da existncia de uma concepo de Estado e Estado de derecho, como Estado concebido

    principalmente como rgano de produccin jurdica, y en su conjunto como ordenamiento jurdico.

    BOBBIO, Norberto.Estado, gobierno y sociedad,p. 73.

    26 O poder no se exerce de forma ilimitada. No Estado democrtico de Direito, no h lugar para o

    poder absoluto. STF, HC 94082 MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello. Transcrio do Informativo STF

    498.

    27Na teoria de Montesquieu, qualquer veleidade de dar-se aos juzes o poder de fazer a lei seria ir contra

    o postulado da separao dos poderes. Refora-se, assim, a concepo piramidal do direito no sistema

    romano-germnico: o Judicirio um poder que tem atributos dos mais amplos, no sendo controlado por

    nenhum dos outros dois, mas no tem iniciativa e seu poder limitado pela res judicata; generalizaes a

    partir de casos julgados s na matria sub judice e sem qualquer possibilidade de criar precedentes.SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introduo ao direito dos EUA, p. 29.

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    E o Estado democrtico de direito , pois, uma forma jurdica de Estado

    que se limita para voltar-se a fins e a valores comuns da sociedade28 estes valores

    determinam que tanto Estado quanto direito sejam instrumentos a servio do princpiomaior: a dignidade da pessoa humana, fundamento e finalidade desse mesmo direito.

    Direito e Estado esto intimamente ligados29 mas no a ponto de

    identificarem-se como pretendeu Kelsen.30O Estado precisa do direito, pois como diz

    Pontes de Miranda sem Direito, no poder afirmar-se e nem se tornar estvel.31O

    Estado ento apresenta-se com uma roupagem determinada pelo direito, fruto de uma

    evoluo social e de uma necessidade racional de organizao da vida em comum.

    Como diz Canotilho, o Estado , assim, uma forma histrica de organizao jurdica dopoder dotada de qualidades que a distinguem de outros poderes e organizaes de

    poder..32

    28 [...] o direito, alm de ser um meio ao servio dos fins do Estado, encontra-se tambm ao servio

    duma idia a qual pode vir a achar-se momentaneamente em conflito com algum desses fins mais

    prximos do mesmo Estado, tal como o da segurana jurdica. Tal como este, o Estado pode vir a achar-se

    em conflito com uma idia que em si mesma lhe estranha: a de justia. Tudo o que pode dizer-se que o

    estado adopta posteriormente, por assim dizer, a justia e a segurana jurdica como seus fins prprios e

    chega at, por vezes, a achar-se disposto a sacrificar-lhes uma boa parte das convenincias ditadas pela

    sua chamada razo de Estado. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, vol. II, p. 139.

    29O Estado atua na formao do direito (atos normativos), na suapraticidade (atos de execuo e atos

    judicantes), e no fato mesmo de se submeter a direito seu. Supe ordem supra-estatal, que a do direito

    das gentes, e ordem intra-estatal, que ele realiza. (itlico do original) PONTES DE MIRANDA.

    Comentrios Constituio de 1967, tomo I, p. 162.

    30 De todas las tesis kelsenianas la reduccin radical del Estado a ordenamiento jurdico es la que ha

    tenido menos xito. BOBBIO, Norberto. Estado, gobierno y sociedad, p. 74. No mesmo sentido

    Carnelutti: La idea del derecho y la idea del Estado estn, por tanto, ntimamente relacionadas: no hay

    Estado sin derecho ni derecho sin Estado. Por lo dems, Estado y derecho no son la misma cosa, como

    alguns han enseado, com um error anlogo al de quien confundiese el cuerpo con la vida.

    CARNELUTTI, Francesco. Cmo nace el derecho, p. 77.

    31PONTES DE MIRANDA. Comentrios Constituio de 1967, Tomo I, pp. 162/163.

    32CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 89.

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    O direito d existncia, fundamento e legitimidade ao Estado.33Sem esse

    trao conformador o que existe poder de fato, descontrolado e desordenado, sem

    origem precisa e sem fins determinados. Dado relevante que com a organizao doEstado, o direito e a fora se tornaram seus monoplios: ambos atuam coordenadamente

    sob o influxo estatal.34

    Mas o direito tambm precisa do Estado: este lhe empresta a fora

    necessria, lhe d unidade e um trao sistematizador ao criar instituies geradoras da

    origem do sistema normativo, chanceladoras da validade normativa e legitimadoras de

    sua aplicao. Da se concluir que entre direito e Estado h uma simbiose, uma relao

    de necessidade mtua35ou interdependncia.36

    3. Segurana jurdica como princpio do Estado de direito

    Nas suas origens, o Estado de direito surgiu por inspirao liberal e

    evoluo do conceito de Estado visando garantir o indivduo contra a opresso do

    governante. Interessante notar que a idia de segurana jurdica tambm interessava ao

    33SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos

    Bsicos, pp. 46/47.

    34 El poder poltico del Estado estar en el origen de la eficacia del Derecho moderno, que ser

    fundamentalmente Derecho estatal y que podr delegar o recibir Derecho producido al margen del Estado,

    pero que slo ser plenamente Derecho tras esa delegacin o ese reconocimiento. Asi, el Derecho

    inicialmente ser un instrumento del poder para favorecer la unificacin y el monopolio de la fuerza y

    para crear seguridad, que ser el primer fin pretendido por el Estado moderno. PECES-BARBA,

    Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 94.

    35 Como o direito essencialmente produto da vontade do Estado, e este , essencialmente, uma

    instituio jurdica, por isso compreende-se que o problema dos fins do primeiro se ache

    indissoluvelmente ligado ao problema dos fins do segundo. RADBRUCH. Filosofia do direito,vol. I,

    pp. 150/151.

    36STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 83.

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    ideal econmico liberal que levou formao do Estado de direito. O princpio era a

    expresso da idia de que a economia de mercado no deveria ser atingida por

    intervenes imprevisveis do Estado absoluto.37

    A idia central era a limitao do Estado pelo ordenamento jurdico38, o

    que se fez no sistema jurdico romano-germnico principalmente a partir do princpio

    da legalidade.39 Essa legalidade se expressava no s pela necessidade de que as

    limitaes liberdade e aos direitos fossem determinadas por lei como tambm pela

    necessidade de conformao dos atos estatais lei aprovada pelo parlamento.40

    Observa-se que alm desse trao externo, maneira visvel de limitao do

    poder princpio da legalidade o Estado de direito de inspirao liberal tambm

    consagrava outros valores41a serem veiculados no direito.42Assim, somados forma da

    legalidade existiam outros conceitos inseparveis do Estado de direito liberal: a garantia

    de um rol mnimo de direitos exercitveis contra o Estado que expressavam a

    37A economia capitalista necessita de segurana jurdica e a segurana jurdica no estava garantida no

    Estado Absoluto, dadas as freqentes intervenes do prncipe na esfera jurdico-patrimonial dos sbditos

    e o direito discricionrio do mesmo prncipe quanto alterao e revogao das leis. Ora, toda a

    construo constitucional liberal tem em vista a certeza do direito. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito

    Constitucional e Teoria da Constituio, p. 109.

    38SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos

    Bsicos, p. 59.

    39O princpio da legalidade da administrao foi erigido, muitas vezes em cerne essencial do Estado de

    direito. CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 256.

    40CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 256.

    41O que se observa, portanto, que no seu nascedouro o conceito de Estado de Direito emerge aliado ao

    contedo prprio do liberalismo, impondo, assim, aos liames jurdicos do Estado a concreo do iderio

    liberal no que diz com o princpio da legalidade ou seja, a submisso da soberania estatal lei a

    diviso de poderes ou funes e, a nota central, garantia dos direitos individuais. STRECK, Lenio Luiz.

    Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 86.

    42Como lembra Streck, a mera identificao do Estado Liberal de Direito pela adoo do princpio da

    legalidade leva crena errnea de esse modelo estatal equivale ao Estado Legal. STRECK, Lenio LuizCincia poltica e teoria geral do Estado, p. 87.

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    necessidade de controle da ao estatal para efetivar, na prtica, o respeito ao

    indivduo.43

    Hoje, o Estado de direito cada vez mais um meio de legitimar a origem

    e o exerccio do poder44mediante a supremacia do direito. E dada a necessria ligao

    entre Estado e direito, a justificao daquele a eleva para aumentar a dignidade deste e

    por este se faz daquele algo melhor.45Atualmente a noo de Estado de direito est

    evoluindo e nesse processo abriu-se para acolher os valores mais relevantes

    socialmente: liberdade, igualdade, justia, segurana e desenvolvimento.46

    43 A nota central deste Estado Liberal de Direito apresenta-se como uma limitao jurdico-legal

    negativa, ou seja, como garantia dos indivduos cidados frente eventual atuao do Estado, impeditivaou constrangedora de sua atuao cotidiana. Ou seja: a esta cabia o estabelecimento de instrumentos

    jurdicos que assegurassem o livre desenvolvimento das pretenses individuais, ao lado das restries

    impostas sua atuao positiva. STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 88.

    44En este modelo se supera la dimensin formal y se introducen dimensiones axiolgicas materiales [...]

    la legitimidad que complementa a la de ejercicio, que hemos identificado con el Estado de Derecho, la

    legitimidad de origen del poder, tiene que ver con el consentimiento y que en el mundo actual se plasma

    en el sufragio universal. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 118.

    45

    La justicia del Derecho slo es posible desde un poder que facilita su eficacia, que garantiza suexistencia, y la legitimidad del poder reside muy centralmente en que el Derecho contribuye a su

    racionalizacin. Es ms, se pude afirmar que no existe justicia del Derecho sin poder legtimo ni poder

    legtimo sin justicia del Derecho. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 319.

    46O constitucionalismo dos ltimos cinqenta anos enriqueceu a idia da supremacia do direito ao abrir-

    se a uma constelao de valores, a liberdade, a igualdade, a justia, a segurana e o desenvolvimento, em

    relaes recprocas de concordncia prtica. Esses valores supremos do direito so as grandes aspiraes

    ticas da humanidade, que ganharam renovado impulso com o desenvolvimento de uma conscincia

    moral, agora de mbito universal. (Negrito do original) SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. ASupremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p. 60.

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    4. A segurana jurdica como elemento do Estado de direito

    O princpio da segurana jurdica elemento essencial47e constitutivo

    do Estado de direito.48Assim tambm em Kelsen para quem o Estado de direito no

    existe sem segurana jurdica, pois este o princpio daquele.49 Tambm na

    jurisprudncia do STF a segurana jurdica aparece como elemento inerente ao Estado

    de direito.50

    Souza Junior demonstra a importncia da segurana jurdica no Estado de

    direito como elemento de coerncia estatal, manuteno da estabilidade poltica e

    47CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 264.

    48O princpio da segurana jurdica construdo de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretao

    dedutiva do princpio maior do Estado de Direito (art. 1.) VILA, Humberto. Sistema constitucional

    tributrio, p. 295. Tambm STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 90.49O princpio que se traduz em vincular a deciso dos casos concretos a normas gerais, que ho de ser

    criadas de antemo por um rgo legislativo central, tambm pode ser estendida, por modo conseqente,

    funo dos rgos administrativos. Ele traduz, neste seu aspecto geral, o princpio do Estado-de-Direito

    que, no essencial, o princpio da segurana jurdica. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 279.

    50 Pois bem, considerando o status constitucional do direito segurana jurdica (art. 5., caput),

    proteo objetiva do princpio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1.) e elemento

    conceitual do Estado de Direito [...] voto do Min. Carlos Britto, no MS 25.116/DF, publicado na seo

    Transcries do Informativo STF 471.

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    densidade do direito por ele criado.51Sem que se tenha um mnimo de estabilidade nas

    relaes jurdicas no h Estado de direito.52

    Ao traar normas de conduta o direito visa harmonizar a sociedade e

    tambm se perenizar no cumprimento dessa finalidade. Para tanto precisa certa

    estabilidade no sistema normativo para ajudar na efetivao desse processo social de

    organizao da convivncia.53 Da no ser a segurana jurdica desejvel s para os

    destinatrios do direito produzido pelo Estado a fim de que tenham tranqilidade na

    51Ainda no terreno legtimo e autnomo da poltica, a autolimitao do Estado ao direito que ele mesmo

    edita, corolrio da segurana enquanto finalidade especfica da poltica. A ordem poltica no subsistiria

    como ordem se o poder no guardasse, em seus prprios atos polticos, um mnimo de clareza,

    consistncia e coerncia. A juridicizao dessa exigncia do poltico importa, em relao sociedade, o

    dever de um agir, razoavelmente visvel (princpio da publicidade), previsvel (princpio da proteo da

    confiana legtima) e preservador das situaes jurdicas constitudas (direito adquirido, ato jurdico

    perfeito e coisa julgada), ou seja, o princpio da segurana jurdica que a todos abraa. SOUZA

    JUNIOR, Cezar Saldanha.A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p.

    61.

    52[...] certo que o clamor das pessoas por segurana (aqui ainda compreendida num sentido amplo) e

    no que diz com as mudanas experimentadas pelo fenmeno jurdico por uma certa estabilidade das

    relaes jurdicas, constitui um valor fundamental de todo e qualquer Estado que tenha a pretenso de

    merecer o ttulo de Estado de Direito, de tal sorte que, pelo menos desde a Declarao dos Direitos

    Humanos de 1948 o direito (humano e fundamental) segurana passou a constar nos principais

    documentos internacionais e em expressivo nmero de Constituies modernas, inclusive na nossaConstituio Federal de 1988, onde um direito geral segurana e algumas manifestaes especficas de

    um direito segurana jurdica foram expressamente previstas no art. 5., assim como em outros

    dispositivos da nossa Lei Fundamental. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia do direito fundamental

    segurana jurdica,p. 86.

    53[...] una buena seal del proceso de civilizacin es que esas pautas de conducta se pueden establecer a

    travs de la imposicin de modelos de conducta, con un cierto nivel de estabilidad, que permiten, por

    tanto, el conocimiento previo por parte de los individuos sometidos a ellas y las que acompaa una

    organizacin de mecanismos que aseguran el cumplimiento de esos modelos de conducta. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, pp. 17/18.

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    conduo de seus afazeres mas tambm para que esse mesmo Estado a tenha quanto

    observncia de sua produo normativa54.

    Natural que as concepes liberais orientassem a elaborao do direito

    da decorrente, pois de nada adiantaria desejar a segurana se o instrumento instituidor

    dessa segurana no fosse seguro. que antes do advento do Estado de direito no se

    tinha qualquer segurana jurdica, pois prevalecia o exerccio do poder pela autoridade.

    E esse exerccio de vontade da autoridade era o direito, com toda a sua carga de

    arbitrariedade e sem a certeza que os liberais desejavam.55

    A primeira segurana que emana do sistema jurdico , pois, a prpria

    segurana jurdica contra o Estado, principalmente se se considerar que um estado de

    direito produz o direito e a ele tambm se submete.56Portanto, no basta a existncia de

    um Estado ou mesmo do direito: preciso existir Estado de direito para existir

    segurana jurdica, pois inexistindo segurana jurdica no h segurana nenhuma.57Isto

    sintomtico.

    A segurana jurdica exprime o ajuste entre a funo ordenadora do

    direito (imperativo social) e a misso concretizadora da justia (anseio individual)

    desejvel por todos que se submetem cincia jurdica. Ela verdadeiramente uma

    54 Assim, segurana jurdica, antes de ser qualquer coisa, interesse do prprio Estado, que tem por

    finalidade o Bem Comum. GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 88.

    55[...] a segurana jurdica no estava garantida no Estado Absoluto, dadas as freqentes intervenes do

    prncipe na esfera jurdico-patrimonial dos sbditos e o direito discricionrio do mesmo prncipe quanto

    alterao e revogao das leis. Ora, toda a construo constitucional liberal tem em vista a certeza do

    direito. CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 109.

    56Com a submisso do poder poltico lei e, posteriormente, Constituio, de modo a garantir o seu

    exerccio sem arbtrio, em conformidade com a vontade popular, como instrumento e em benefcio da

    sociedade, tem-se a extenso desta idia de segurana tambm s relaes com o Estado, traduzida na

    idia de Estado de Direito, nas suas diversas concepes, ou na noo de supremacia do Direito.

    PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 33.

    57 E por segurana, evidncia, deve-se compreender no apenas a segurana fsica do cidado, mas

    tambm a segurana jurdica, com destaque para a segurana poltico-institucional. (voto do Min.Ricardo Lewandowski na ADI 3685/DF).

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    fora legitimadora do direito, pois este inseparvel da noo de segurana.58 Ao se

    ordenar, na busca de uma coexistncia pacfica e mais harmoniosa, o direito deve

    estabelecer critrios e fazer opes; institutos so criados, limitaes legais passam aexistir e alguns interesses jurdicos podem preponderar sobre outros.

    A segurana jurdica protege o valor justia59, ou consoante a frmula de

    Evandro Gussi, a segurana o estabelecimento da justia no tempo60, pois no h

    justia num ambiente inseguro. Essa noo parece ter sido olvidada por muitos que

    vem na segurana jurdica um elemento de poder divorciado da perspectiva do bem

    comum.

    Sem segurana jurdica no h bem comum nem justia.61 Segurana e

    justia no so valores incompatveis, ao contrrio, se complementam.62Onde h espao

    58Uma certa estabilidade do direito inerente sua funo. O direito acima de tudo um instrumento

    de segurana e, por isso, de liberdade. Apenas se puder prever as conseqncias que se vincularo a seus

    atos que o homem poder decidir cientemente empreender uma atividade, poder organizar um trabalho,

    fundar uma famlia, esperar conservar o que adquire...Toda previso fundamentada nas regras

    existentes; sua segurana supe uma certa fixidez das instituies jurdicas nas quais ela se

    fundamentou. BERGEL. Teoria geral do direito, p. 141.

    59A segurana no conceito absoluto, tampouco formal. No fim, meio. S tem sentido falar-se em

    segurana para realizao do justo. VASCONCELOS, Arnaldo. Segurana do direito in Enciclopdia

    Saraiva do Direito, vol. 67, p. 269.

    60GUSSI, Evandro Herrera Bertone.A segurana na Constituio, p. 24.

    61

    a liberdade, ajustia e a segurana que criam um complexo de condies capazes de constituir oque chamamos de bem comum. [...] Quase todos os autores reconhecem que ofim essencial do direito a

    justia. A justia propicia a ordem e como seu fruto principal viceja a segurana jurdica. Resultado de

    tudo isto o bem comum, um dos valores tambm precpuos do direito. Enquanto a justia valor-

    fundamento, a segurana jurdica e o bem comum so valores-conseqncias do direito. PAUPERIO,

    Arthur Machado. Segurana jurdicain Enciclopdia Saraiva do Direito, vol. 67, p. 292.

    62Segurana e Justia, sua vez, so valores que se completam e se fundamentam reciprocamente: no

    h Justia materialmente eficaz se no for assegurado aos cidados, concretamente, o direito de ser

    reconhecido a cada um o que seu, aquilo que, por ser justo, lhe compete. MOTA DE SOUZA, CarlosAurlio. Segurana jurdica e jurisprudncia, pp. 17/18.

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    para um sem nmero de questionamentos sobre o que seja e como deva ser o direito,

    bem como o que certo e errado, inexiste justia.63

    Alm disto, a segurana in concreto parece se mostrar como um valor

    acima de uma justia ideal, abstratamente considerada, principalmente das concepes

    particulares de justia dado que subjetivas e relativas pois estas perdem relevo em

    relao objetividade da segurana jurdica. por isto que Waldron diz que a paz e a

    segurana importam mais para cada indivduo do que as suas convices quanto ao que

    realmente correto ou realmente justo.64

    Becker chama a ateno para o fato de que o direito ao dominar, liberta o

    homem e o faz ao conferir certeza s relaes sociais disciplinadas por regras

    jurdicas.65 Portanto, a demonstrao da importncia da segurana jurdica parte do

    pressuposto de que a sociedade precisa ter um parmetro objetivo nico para pautar o

    ordenamento da vida em comum.66

    Assim, ainda que a vida social seja um contnuo choque de idias,

    litgios, acordos, mudanas e novidades, uma certa estabilidade do direito desejvel.67

    No se pode deixar de reconhecer, entretanto, que a sociedade muda e o direito deve

    63Tudo o que podemos fazer politicamente pela integridade da justia garantir que a fora seja usada

    para sustentar uma viso e uma viso apenas uma viso que possa ser identificada como a da

    comunidade por qualquer pessoa, quaisquer que sejam as suas opinies sobre o assunto. WALDRON,

    Jeremy.A dignidade da legislao, p. 46.

    64WALDRON, Jeremy.A dignidade da legislao, p. 47.

    65BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributrio, p. 67.

    66 Se h, porm, razes para pensar que a sociedade precisa de apenas uma viso de certa questo

    especfica qual todos devem dar preferncia, pelo menos no que diz respeito a suas interaes externas,

    ento, deve haver uma maneira de identificar uma viso como a viso da comunidade e um fundamento

    para a nossa fidelidade a ela no baseado em nenhum juzo que tivssemos de fazer quanto a sua retido.

    WALDRON, Jeremy.A dignidade da legislao, p. 76.

    67Na perspectiva da espcie normativa que a exterioriza, a segurana jurdica tem dimenso normativa

    preponderante ou sentido normativo direto de princpio, na medida em que estabelece o dever de buscar

    um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuao do PoderPblico. (Itlico no original) VILA, Humberto. Sistema constitucional tributrio, p. 295.

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    acompanhar essas mudanas com a funo de preservar tanto os valores sobre os quais o

    direito se assenta e, ao mesmo tempo, incorporar e adaptar-se s novas necessidades

    sociais.68

    E na feliz observao de Leandro Paulsen, a viso do direito a partir dasegurana jurdica no ignora essa perspectiva.69

    5. A segurana jurdica e sua finalidade no Estado de direito

    Sem segurana nada se faz, no se d um passo adiante porque o desejo

    de estabilidade e segurana natural ao ser humano.70No se inicia uma tarefa, no

    so feitos planos, no se organiza a vida.71O homem precisa ter algumas certezas e

    saber como pautar sua vida, tendo noo de que as suas escolhas vo ser respeitadas. O

    Estado deve igualmente considerar essa necessidade e o faz quando a sua produo

    normativa e suas instituies atendem aos valores da sociedade, que precisa de critrios

    delimitadores do lcito do ilcito.72

    No s para o indivduo, mas tambm para a sociedade essa

    previsibilidade interessa: quando existe um padro aceitvel para as aes humanas,

    68 Mais que qualquer outra cincia, necessite de estabilidade para garantir s relaes humanas a

    segurana necessria, ningum cogita em negar que o direito evolui [...]. BERGEL, Jean-Louis. Teoria

    geral do direito,p. 141.

    69A segurana jurdica se insere na perspectiva de algo que mutvel. PAULSEN, Leandro. Segurana

    jurdica, certeza do direito e tributao, p. 26.

    70PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada tributria e inconstitucionalidade, p. 96.

    71CANOTILHO, J.J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 257.

    72A segurana vem das leis firmes que o Estado promulga para o bem dos cidados e da sociedade; e a

    certeza do sujeito advm do conhecimento dessas leis, da valorao de seu contedo (compreende que

    um bem para si e os demais; fazer o bem, evitar o mal o contedo da previsibilidade do homo medius,

    razovel, comum). [...] A segurana se traduz objetivamente (Direito objetivo a priori), atravs das

    normas e instituies do sistema jurdico. MOTA DE SOUZA, Carlos Aurlio. Segurana jurdica ejurisprudncia, p. 26.

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    separando-se os campos da licitude e ilicitude, pode ser verificado o desenvolvimento

    das aes dos membros que a compem.73 O direito, ao instituir regras, parmetros

    objetivos, colabora fortemente para que o cidado tenha uma noo mnima de certeza,permitindo que a pessoa viva em sociedade e aja sem temor de que suas aes sero a

    todo momento contestadas.74

    E nem poderia ser diferente, pois ao direito no dado ignorar esse

    legtimo sentimento, pois as pessoas buscam estabelecer relaes de confiana com seus

    semelhantes.75 O princpio da segurana jurdica vem justamente respaldar essa

    necessidade humana e conformar ainda mais o direito ao seu destinatrio: o ser

    humano.76

    A segurana jurdica , pois, um valor tico que antecede ao Estado e que

    este incorpora para gerar certeza, confiabilidade e estabilidade s relaes sociais

    regidas pelo direito.77 E o mnimo que se espera de um sistema jurdico que ele

    73O comportamento do indivduo dever ser tal que os outros membros da sociedade possam contar com

    uma certa regularidade no seu modo de agir, nas suas intenes pacficas e na veracidade de seus assuntos

    privados e pblicos; a funo do direito positivo obter de tais indivduos um tal comportamento.

    BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributrio, p. 66.

    74Assim o Direito: institui regras permanentes que ficam, haja usurios ou no, sirva a alguns ou no,

    pois sempre haver em algum dia, algum necessitando indicativos para uma conduta certa, direita, justa,

    sem perigos e danos e, portanto, segura. Desta forma, a Segurana objetiva das leis d ao cidado a

    certeza subjetiva das aes justas, segundo o Direito.(Itlico do original) MOTA DE SOUZA, Carlos

    Aurlio. Segurana jurdica e jurisprudncia, p. 27.

    75O princpio geral da segurana jurdica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idia de proteco

    da confiana) pode fomular-se do seguinte modo: o indivduo tem do direito poder confiar em que aos

    seus actos s decises pblicas incidentes sobre os seus direitos, posies ou relaes jurdicas aliceradas

    em normas jurdicas vigentes e vlidas por esses actos jurdicos deixados pelas autoridades com base

    nessas normas se ligam os efeitos jurdicos previstos e prescritos no ordenamento jurdico. (Negrito do

    original) CANOTILHO, J. J. Gomes,Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 257.

    76PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada tributria e inconstitucionalidade, p.97.

    77 [...] o princpio da segurana jurdica estabelece a estabilidade como estado ideal de coisas a ser

    promovido, e o princpio do Estado de Direito tambm ala a estabilidade como fim a ser perseguido.VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 62.

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    incorpore valores capazes de promover o bem da sociedade onde ele deva atuar. 78 A

    segurana jurdica tem essa funo de criar um ambiente psquico onde possam se

    estabelecer relaes e o direito operar79

    , o que traz como conseqncia o aumento dalegitimidade do prprio ordenamento jurdico e uma maior eficcia de suas disposies.

    A segurana jurdica, ento, pode ser concebida como uma idia ou

    princpio80 anterior elaborao do ordenamento jurdico e prvio prolao das

    sentenas, permitindo ao intrprete e aplicador das normas jurdicas a possibilidade de

    se orientar conforme o direito vigente, segundo a perspectiva de que o sistema jurdico

    possui uma origem e um rumo, capaz de lhe conferirem uma certa previsibilidade.81

    Previsibilidade82 essa que advm do respeito ao que foi produzido conforme aobservncia das regras vigentes ao tempo em que os atos jurdicos se consolidaram.83

    78VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 25.

    79Si contemplamos ya a la seguridad jurdica como valor de la tica pblica democrtica, aparece con el

    objetivo de crear un mbito de certeza, de saber a qu atenerse, que pretende eliminar el miedo y fijar un

    clima de confianza en las relaciones sociales. Es un mnimo existencial, condicin para un orden libre,

    igual y solidario, es decir para la aparicin de los restantes valores. Hace posible la vida en sociedad con

    garantias y la posibilidad de una comunicacin con los dems, sin sobresaltos, sin temor y sin

    incertidumbres. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 325.

    80VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 30.

    81 [...] como meio de realizao do valor segurana, para garantir a previsibilidade pela determinao

    legal dos elementos da obrigao tributria e proibir a edio de regulamentos que ultrapassem os limites

    legalmente traados. VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 42.

    82 A idia de previsibilidade e calculabilidade, de fato, um trao da segurana jurdica. GUSSI,

    Evandro.A segurana na Constituio, p. 83.

    83Nos termos da Constituio a segurana jurdica pode ser entendida num sentido amplo e num sentido

    estrito. No primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteo, estabilidade de situao ou pessoa

    em vrios campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurana jurdica

    consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negcios jurdicos, de sorte que as pessoas saibam de

    antemo que, uma vez envolvidas em determinada relao jurdica, esta se mantm estvel, mesmo se

    modificar a base legal sob a qual se estabeleceu. SILVA, Jos Afonso da. Constituio e seguranajurdica, p. 17.

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    Da segurana jurdica decorre o resguardo do cidado contra as sbitas

    alteraes na formao das normas legislativas84 e conformidade ao estipulado nas

    sentenas, que do tanto ao destinatrio como aos agentes dos processos e relaesjurdicas uma noo mnima de confiabilidade e legitimidade da aplicao do direito.

    A expresso concreta das conseqncias dessa idia est, por exemplo,

    no art. 5., inc. XXXVI, da Constituio de 1988, tendo em vista que a segurana

    jurdica no est ligada diretamente e de maneira expressa a nenhum dispositivo dentro

    do sistema.85 Por sinal, nos tempos atuais que a segurana jurdica mais se faz

    necessria86pois a falta de densidade, noo e organizao dos valores sobre os quais a

    sociedade se baseia cria um ambiente de instabilidade que deve ser rejeitado pelodireito.87 Alis, o direito existiu e ainda existe para buscar a estabilidade e a

    previsibilidade das relaes jurdicas.88

    84GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 76.

    85 Em alguns casos h norma, mas no h dispositivo. Quais so os dispositivos que prevem os

    princpios da segurana jurdica e da certeza do Direito? Nenhum. [...] Pelo exame dos dispositivos que

    garantem a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade chega-se ao princpio da segurana jurdica.

    Dessa forma, pode haver mais de um dispositivo e ser construda uma s norma. VILA, Humberto.

    Teoria dos princpios, pp. 30/31.

    86 E essa necessidade de segurana (e isso, como j dissemos, pode bem ser visto hoje) aumenta na

    medida em que a perdemos, vivendo uma crise da prospectividade. GUSSI, Evandro. A segurana na

    Constituio, p. 26.

    87Importante ter-se em mente que, apesar de estarmos vivendo em poca de extrema mobilidade social,

    o que acarreta correlata instabilidade de valores e de verdades, a estabilidade valor que se pode dizer

    praticamente inerente idia de direito. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Nulidades do processo e da

    sentena, p. 328.

    88A procura da estabilidade pelos sistemas de direito sempre foi uma constante ao longo da histria das

    civilizaes, procura esta umbilicalmente ligada s idias de segurana e de previsibilidade, embora,

    naturalmente, possam variar imensamente as tcnicas por meio das quais o direito de diferentes povos, em

    diferentes fases da histria, a tenham perseguido. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Nulidades doprocesso e da sentena, p. 328.

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    No entanto a segurana jurdica explcita como valor dentro do

    ordenamento jurdico algo relativamente recente.89O direito medieval no cumpria

    originariamente essa funo de gerar a segurana jurdica, pois a busca do justo se davano caso concreto e da se podia vislumbrar um choque entre a segurana jurdica e a

    justia que nem sempre andavam juntas. A funo estabilizadora da segurana era

    gerada pela unidade religiosa e nessa pela tica catlica.90

    Atualmente, em razo do pluralismo religioso e social, o monoplio do

    uso legtimo da fora desempenha o papel de proporcionar segurana e a segurana

    jurdica aparece como dimenso da justia.91 Mas mais do que isto, tambm h

    segurana jurdica na simplicidade, clareza, acessibilidade e previsibilidade das normasjurdicas em uma sociedade que cada vez mais complexa.92

    6. Aspectos formais da segurana jurdica

    A realizao prtica da segurana jurdica pressupe alguns fatores, uns

    de ordem formal e outros de carter material. da conjuno de ambos que se pode

    afirmar a existncia da segurana jurdica em dado ordenamento. Portanto, presentes

    89 Embora seja um desejo inerente ao ser humano, a preocupao com segurana jurdica constitui um

    fenmeno localizado historicamente a partir do sculo XVIII. A Antiguidade e a Idade Mdia

    constituram momentos histricos marcados pela turbulncia e pela instabilidade social, gerados pelas

    constantes ameaas de doenas e guerras entre os povos. PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada

    tributria e inconstitucionalidade, p. 99.

    90PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 325.

    91PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 326.

    92 De mais a mais, o desenvolvimento [...] exige sejam as regras jurdicas formuladas de maneira

    simples, clara, acessvel e previsvel: da a noo de Estado de Direito e o princpio da segurana jurdica

    [...]. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, O processo civil na perspectiva dos direitosfundamentais,p. 41.

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    estesfatores formais e materiais possvel dimensionar o grau de segurana jurdica do

    direito que avana no rumo de uma maior segurana, estabilidade e previsibilidade.

    Uma das primeiras evidncias do direito seguro e, portanto, de

    segurana jurdica seria o fato de esse direito ser originrio de um rgo oficial. A

    oficialidade significa o monoplio na exteriorizao das fontes do direito, capaz de lhe

    conferir publicidade e autoridade, evidenciando o carter obrigatrio a partir da sua

    origem. Da o avano tcnico representado pelo direito legislado em relao a um

    sistema de direito costumeiro, embora no possa ser desprezado o fato de que o costume

    consiga sobreviver melhor passagem dos anos do que a lei.93De qualquer forma, h

    segurana pela identificao do rgo competente para criar normas.94

    A essa necessidade de criar um direito positivo Jos Afonso da Silva no

    denomina de segurana jurdica do direito e sim segurana do direito. A segurana do

    direito, para ele, derivaria do fato de o direito ter seu fundamento de validade numa

    Constituio95e a segurana jurdica seria conseqncia da segurana do direito. Assim,

    para se ter segurana jurdica, segundo Jos Afonso da Silva, seria necessrio ter um

    direito baseado em uma Constituio.96

    Um direito escritotambm ajudaria na segurana jurdica, pois limita e

    identifica o sistema, que tambm se constri sobre bases mais democrticas, ao passo

    93 Nota-se que a lei e a jurisprudncia emanam de rgos oficiais e especializados, ao passo que o

    costume e mesmo a doutrina normalmente no so originrios de instituies dotadas de um poder criador

    de direito. [...] A publicao da lei parece, assim, justificar a superioridade do direito escrito sobre o

    direito consuetudinrio. Uma parte da doutrina considera, porm, que o direito perde sua elasticidade

    assim que redigido, ao passo que o costume conserva a fluidez necessria sua perptua adaptao.

    Haveria ento um inevitvel antagonismo entre o direito e sua formulao, reflexo de um conflito mais

    grave entre duas necessidades profundas dos homens: a justia e a segurana. BERGEL, Jean-Louis.

    Teoria geral do direito, p. 57.

    94PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho,p. 327.

    95SILVA, Jos Afonso da. Constituio e segurana jurdica, p. 16.

    96A segurana do direito, como visto, um valor jurdico que exige a positividade do direito, enquanto

    a segurana jurdica j uma garantia que decorre dessa positividade. SILVA, Jos Afonso da.Constituio e segurana jurdica, p. 17.

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    que o direito consuetudinrio em razo de sua sedimentao histrica no permite um

    grau maior de aferio de certeza e obrigatoriedade.97O direito costumeiro um direito

    sempre em formao, formao esta nem sempre clara e determinvel, ao passo que odireito escrito um padro pronto e acabado de direito, em que a inovao mais

    visvel e perceptvel.

    O direito legislado, em contraposio a um direito jurisprudencial

    tambm colaboraria para um aumento da segurana jurdica no chamado sistema

    romano-germnico, ao qual o brasileiro se filia.98 Assim, para atender necessria

    segurana jurdica, nesse modelo jurdico a lei assumiu o papel de fonte principal do

    direito.99 Interessante destaque ao tema dado por Tavares quando lembra que oformalismo positivista se contentou, entretanto, com a segurana jurdica na origem do

    direito, fechando as portas das fontes do direito jurisprudncia embora a segurana

    jurdica deva se manifestar naproduo, identificao e aplicao do direito.100

    97 A lei, por ser explicitamente formulada, comporta uma segurana que o costume, mais difuso, mais

    movente e mais incerto, no pode atingir. Seus modos de elaborao, em geral complexos, procedem deuma tcnica muito elaborada, de inspiraes diversas de ordem histrica, ideolgica, cientfica, social,

    econmica, etc. confrontadas em debates organizados segundo procedimentos democrticos, ao longo de

    todo o processo legislativo. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito, p. 60.

    98O verdadeiro fantasma a ser evitado era e, de certa forma, continua sendo o casusmo na lei. A certeza

    da existncia e do contedo da norma que o direito escrito apresentava, bem como a busca das

    generalidades racionais que o conjunto normativo (cdigos) representava, fizeram com que a glosa

    judiciria (jurisprudncia casustica) fosse afastada, em favor da glosa erudita (a doutrina), e que tanto

    o costume geral como o assim dito costume judicirio (a jurisprudncia) fossem desprezados [...].

    SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introduo ao direito dos EUA, p. 28.

    99[...] a doutrina tradicional (consagrada historicamente) das fontes do Direito pretendeu apresentar uma

    resposta adequada s demandas por segurana jurdica e, por isso, conferiu exclusividade e, com ela,

    predomnio lei. TAVARES, Andr Ramos. Teoria da justia constitucional, p. 34

    100 A segurana, contudo, deve estar presente tanto no momento de produo do Direito como na

    identificao do que o Direito e em sua aplicao. O formalismo positivista garantiu apenas a segurana

    na identificao do Direito e pretendeu proporcionar segurana na aplicao ao sustentar um rol fechado

    de fontes do Direito, excluindo a jurisprudncia. (em nota de rodap) TAVARES, Andr Ramos. Teoriada justia constitucional, p. 34.

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    Contudo, no se pode dizer que essa concepo de supremacia do direito

    legislado para a obteno da segurana jurdica seja aceitvel para todos. Bergel, por

    exemplo, entende que embora o direito legislado ajude na realizao do ideal desegurana jurdica tal circunstncia no impede em absoluto que a incerteza seja

    eliminada dado que isto por si s no protege as instituies que o produzem.101

    Radbruch, ao contrrio, j v num poder legislativo um grande elemento de segurana

    jurdica, pois esse tem como pressuposto o fato de que os atos normativos dele

    emanados valem para sujeitar a todos, a includo o Estado que elabora essas normas.102

    De qualquer sorte, um direito jurisprudencial parece revelar maior

    preocupao com a justia na soluo das demandas do que com a previsibilidade e acerteza do direito propriamente ditas.103Sendo o direito um fenmeno social, natural

    que as tendncias e valores de determinada sociedade expliquem as caractersticas de

    cada sistema jurdico. Tanto assim que no common law, a segurana jurdica se

    realiza no caso concreto em virtude do due process104 pois nos pases de common

    law, a segurana jurdica no uma preocupao porque o direito, em geral, no

    surpreendente.105

    Conformando-se um sistema jurdico com tais aspectos, mais certo ele .E quanto mais certo um sistema jurdico, maior a segurana porque certeza e

    101Assim, as fontes escritas, pela rigidez de sua expresso, so em princpio fatores de segurana e de

    estabilidade do direito, mas tambm podem permitir rupturas brutais da ordem estabelecida, se bruscas

    mudanas afetam os poderes pblicos. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito, p. 61.

    102 Portanto, ainda a idia de segurana jurdica, a que faz conferir ao Estado o poder legislativo, a

    mesma que tambm dele exige a sua sujeio s leis [...] esta sujeio a condio para ele poder ser

    chamado a legislar. [...] Os governantes cessariam de ter o direito de legislar, desde que procurassem fugir

    ao cumprimento e respeito devido s suas prprias leis, comprometendo assim, eles prprios, a segurana

    jurdica. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, vol. II, p. 142.

    103Embora exista aqui um dficite no plano da certeza e da previsibilidade, existe por sua vez no direito

    jurisprudencial um benefcio potencial, justamente, pela possibilidade de se dar maior peso equidade e

    justia do caso concreto. CAPPELLETTI, Mauro.Juzes Legisladores?, p. 85.

    104GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 77.

    105GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 81.

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    segurana costumam andar juntas.106Nota-se, portanto, que a segurana jurdica pode

    ser aferida na prtica a partir de caractersticas de um ordenamento. A presena dessas

    caractersticas, com maior ou menor intensidade, tambm revela um maiorcompromisso com a segurana jurdica. Logo, para se ter segurana jurdica preciso

    ter um mnimo de certeza acerca de qual seja o direito vigente e aplicvel.107

    7. Aspectos materiais da segurana jurdica

    No aspecto material, e particularmente no sistema jurdico romano-

    germnico108, a segurana jurdica se expressa por uma legalidade109 caracterstica, a

    dimenso jurdica do Estado de direito, e tambm pela coisa julgada.110Este item trata

    da legalidade em seus contornos mnimos e mais adiante, com mais rigor, ser abordada

    a importncia da coisa julgada como elemento indissocivel da segurana jurdica.

    Primeiro porque os problemas que afligem a lei no nosso ordenamento jurdico, bem

    como os dissabores que isso traz, j foram enfrentados noutro trabalho111 e, segundo,

    106Prefiro dizer que certeza e segurana formam uma dade inseparvel, visto como, se verdade que

    quanto mais o direito se torna certo, mais gera condies de segurana, tambm necessrio no esquecer

    que a certeza esttica e definitiva acabaria por destruir a formulao de novas solues mais adequadas

    vida, e essa impossibilidade de inovar acabaria gerando a revolta e a insegurana. REALE, Miguel.

    Teoria tridimensional do direito, p. 87.

    107

    A segurana jurdica apresenta um primeiro contedo relacionado com a certeza quanto ao direitovigente e aplicvel [...]. PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 53.

    108GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 78.

    109A idia de Estado de Direito carrega em si a prescrio da supremacia da lei sobre a administrao.

    STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 84.

    110 As refraces mais importantes do princpio da segurana jurdica [...] relativamente a actos

    jurisidicionais inalterabilidade do caso julgado [...]. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito

    Constitucional e Teoria da Constituio, p. 257.

    111MOTTA, Artur Alves da.A crise da segurana jurdica.

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    porque em seguida se demonstrar como o desrespeito coisa julgada tem gerado

    incertezas e insegurana.

    Essa legalidade peculiar por no significar simplesmente a adequao

    formal de fatos a um texto normativo. No se esgota apenas com ofazerconforme a lei

    ou a possibilidade de fazer o que esta no veda. Existe uma legalidade prpria do Estado

    de direito, uma legalidade material informada por valores que lhe conferem

    legitimidade. Vejamos, pois, de que valores trata essa legalidade material ou legalidade

    devida, isto , a legalidade insitamente ligada ao Estado de direito.

    A lei deve assegurar a igualdade para que seja segura. Essa igualdade

    deve se dar perante a lei e na lei, para que o direito atinja e contemple a todos da mesma

    maneira. Se o direito no reconhece a igualdade com essa dupla dimenso, passa a

    funcionar como meio de arbtrio e instrumental de dominao por parte de quem detm

    o mando poltico. O ideal de igualdade foi desejado desde o direito liberal clssico e

    essa idia de igualdade perpassa os mais diversos ramos do direito, desde o civil at o

    penal.

    Tambm a legalidade deve fazer com que a lei seja prospectiva, ou seja,

    no atuar antes que esteja em vigor112 nem atuar retroativamente sobre fatos

    definitivamente constitudos. A garantia da irretroatividade da lei importante signo de

    segurana jurdica, segundo Bergel.113Para esse autor francs, constata-se ento que,

    quanto mais liberal um sistema jurdico, mais consagra com fora o princpio da no-

    112Chamado por Canotilho de o princpio da proibio de pr-efeitos de actos normativos. CANOTILHO,

    J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 259.

    113 A no-retroatividade da lei um fator de ordem e de segurana jurdica, pois protege os direitos

    subjetivos contra as intervenes do legislador, impedindo pr em discusso os direitos adquiridos e os

    atos anteriores lei nova; bom, de outro lado, conduzir com prudncia transies, e a discusso do

    passado, s vezes materialmente impossvel, em geral socialmente perigosa. BERGEL, Jean-Louis.

    Teoria geral do direito, p. 150.

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    retroatividade da lei.114 A irretroatividade diz respeito aplicao do direito, que

    reconhece o tempo como fator de consolidao de situaes de fato.115

    A legalidade do Estado de direito tambm pressupe uma lei controlvel.

    Mesmo havendo norma aplicvel para a soluo de controvrsias, o sistema jurdico

    deve permitir que essa lei seja passvel de verificao por outro organismo estatal, outro

    poder distinto daquele do qual tenha emanado. O sistema jurdico deve conceber, ao

    menos em tese, a possibilidade de o direito escrito no atender com plenitude os valores

    informadores do prprio ordenamento jurdico. A segurana jurdica no pode, pois,

    prescindir de prever mecanismos eficazes para exercer o controle das normas

    jurdicas.116 E como bem lembra vila, para ser possvel o controle jurdico daproduo e contedo normativos h necessidade de que os seus conceitos e parmetros

    sejam claros.117

    Tambm a lei deve ser razovel, isto , atender aos ideais humanos de

    racionalidade, organizao e segurana. Uma lei que no vise a sua perenizao dentro

    do ordenamento jurdico deixa de gozar de um sentimento de adeso por parte de seus

    destinatrios. A mudana freqente na legislao dificulta a percepo do fenmeno

    normativo bem como a sua assimilao pelas pessoas: a lei deixa de ser medida

    ordenadora para ser fonte de desordem. No dizer de Canotilho, a segurana jurdica est

    114BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito, p. 151.

    115Permite certeza sobre la norma aplicable y sobre la firmeza de los derechos adquiridos, aunque puede

    haber excepciones y situaciones fronterizas que constituyen casos difciles. Igualmente responde a

    exigencias de la seguridad jurdica la idea de la consolidacin jurdica del tiempo, que otorga relevancia a

    situaciones temporales de hecho en cuanto a la norma aplicable (caducidad y prescripcin) y en general a

    los tiempos que se formalizan en pazos que abren o cierran la posibilidad de aplicar una determinada

    norma y de ser alegada, en defensa de un derecho, de un inters o de una situacin. PECES-BARBA,

    Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 329.

    116 S se pode falar em segurana jurdica se h meios para dar eficcia s normas jurdicas.

    PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 61.

    117 A necessidade de clareza conceitual torna-se ainda maior, quanto mais dificuldades existirem para

    examinar e controlar os parmetros constitucionais. O princpio do Estado de Direito pressupe o controle

    do poder de tributar e do Poder Judicirio. Sem clareza conceitual, isso no pode ser atingido. VILA,Humberto. Sistema constitucional tributrio, p. 87.

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    ligada tambm durabilidade e permanncia da ordem jurdica.118 E na linha da

    razoabilidade ou racionalidade da legislao, dois aspectos tambm so de extrema

    relevncia: a simplicidadede suas disposies e aparcimniana edio das leis.119

    A simplicidade serve como elemento propagador do direito, facilitando o

    seu enraizamento no tecido social.120Interessante exemplo didtico sobre a importncia

    desse mecanismo de assimilao do direito dada por Carnelutti, quando diz que o que

    acontece na medicina deve ocorrer no direito: preciso haver uma formao mnima e

    para os casos patolgicos se torna imprescindvel o papel dos juristas.121

    Assim, visando segurana jurdica preciso que o excesso normativo

    seja evitado e sempre que possvel combatido. No lugar de propiciar uma melhora das

    118 A mudana ou alterao freqente de leis (de normas jurdicas) pode perturbar a confiana das

    pessoas, sobretudo quando as mudanas implicam efeitos negativos na esfera jurdica dessas mesmas

    pessoas. O princpio do estado de direito, densificado pelos princpios da segurana e da confiana

    jurdica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objetivo da ordem jurdica, a durabilidade e

    permanncia da prpria ordem jurdica, da paz jurdico-social e das situaes jurdicas; por outro lado,

    como dimenso garantstica jurdico-subjectiva dos cidados, legitima a confiana na permanncia dasrespectivas situaes jurdicas. CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da

    Constituio, p. 259.

    119Tambm a clareza dos dispositivos legais, o grau de determinao exigido para possibilitar s pessoas

    que compreendam o alcance das normas a que esto sujeitas e para dar efetividade s eventuais reservas

    legais, constitui um trao da segurana jurdica que diz respeito ao conhecimento e certeza quanto ao

    direito vigente. PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 55.

    120Su conocimiento, pues, no puede menos de formar parte de la cultura comn; de lo contrario habra

    necesidad de que cada uno de nosotros, en todo momento de la vida, tuvese a sua lado um jurista a quienpedir consejo sobre si se poda o se deba hacer algo. CARNELUTTI, Francesco. Cmo nace el derecho,

    p. 15.

    121Todo ello