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http://www.academia.edu/3539803/ Breve_analise_critica_de_Clepsidra_de_Camilo_Pessanha Crítica Literária (2012/2013)6Ivo CotaNº 27732 me neste momento, uma vez que as associações de ideias e de imagenstêm um papel central na estética simbolista de Pessanha.Partindo de estímulos exteriores, as associações ganham forma deacordo com as percepções do poeta. Deste modo, as imagens ganhamprotagonismo, deixando de ser meramente objectos, cenários oupaisagens exteriores ao sujeito poético; as imagens adquirem o estatutode projecções mentais do poeta, criando frequentemente cenáriosoníricos, irreais e simbólicos, muitas vezes transitórios, através desucessões mais ou menos desconexas de imagens, reflectindo o estadointerior do sujeito lírico. As associações surgem assim de diversos modos,servindo as intencionalidades representativas do poeta.O poema “Violoncelo” é um exemplo dos poemas em que asassociações de imagens e ideias obtêm um tom mais onírico e atéalucinatório. Influenciado pela melodia melancólica (apenas porquepercepcionada dessa maneira) de um violoncelo, o poeta inicia umadigressão lírica, através da associação de diversas imagens que retratam oseu tumulto interior, convulsionado como as arcadas do violoncelo, queadquirem um duplo sentido: por um lado, o movimento do arco sobre ascordas, e o som que esse movimento produz; por outro, os arcos de uma ponte (“Pontes aladas / De pesadelo” [PESSANHA, 1973: 172]) cujoc arácter estático lhe é destituído pelo adjectivo “aladas”, intensificado nasegunda quintilha pelo verbo “esvoaçam”. Intensificada também é a dor sentida pelo poeta na terceira estrofe do poema, onde as arcadas já não choram simplesmente, mas “Fundas, soluçam / Caudais de choro” , e aindapela imagem do rio que corre vorazmente, despedaçando os barcos, naterceira estrofe reforçada pela palavra “ruínas”. A própria desarticulaçãosintáctica (estratégia estilística frequentemente utilizada em Clepsidra

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http://www.academia.edu/3539803/Breve_analise_critica_de_Clepsidra_de_Camilo_Pessanha

  Crítica Literária (2012/2013)6Ivo CotaNº 27732me neste momento, uma vez que as associações de ideias e de imagenstêm um papel central na estética simbolista de Pessanha.Partindo de estímulos exteriores, as associações ganham forma deacordo com as percepções do poeta. Deste modo, as imagens ganhamprotagonismo, deixando de ser meramente objectos, cenários oupaisagens exteriores ao sujeito poético; as imagens adquirem o estatutode projecções mentais do poeta, criando frequentemente cenáriosoníricos, irreais e simbólicos, muitas vezes transitórios, através desucessões mais ou menos desconexas de imagens, reflectindo o estadointerior do sujeito lírico. As associações surgem assim de diversos modos,servindo as intencionalidades representativas do poeta.Opoema “Violoncelo” é umexemplo dos poemas em que asassociações de imagens e ideias obtêm um tom mais onírico e atéalucinatório. Influenciado pela melodia melancólica (apenas porquepercepcionada dessa maneira) de um violoncelo, o poeta inicia umadigressão lírica, através da associação de diversas imagens que retratam oseu tumulto interior, convulsionado como as arcadas do violoncelo, queadquirem um duplo sentido: por um lado, o movimento do arco sobre ascordas, e o som que esse movimento produz; por outro, os arcos de umaponte (“Pontes aladas / De pesadelo”[PESSANHA, 1973: 172]) cujocarácter estático lhe é destituído pelo adjectivo “aladas”, intensificado nasegunda quintilha pelo verbo “esvoaçam”. Intensificada também é adorsentida pelo poeta na terceira estrofe do poema, onde as arcadas já nãochoram simplesmente, mas “Fundas, soluçam / Caudais de choro”, e aindapela imagem do rio que corre vorazmente, despedaçando os barcos, naterceira estrofe reforçadapela palavra “ruínas”.A própria desarticulaçãosintáctica (estratégia estilística frequentemente utilizada emClepsidra) dopoema reflecte o estado emocionalmente desconcertado despertado, jánão só pela melodia do violino, mas pela associação frenética de imagens.Na quarta quintilha, o movimento parece abrandar, como se a própriamelodia se suavizasse. Esta mudança rítmica é uma vez maisacompanhada pelas imagens: o rio desaparece, substituído pelasolidãoequietude de um lago onde só restam as ruínas da ponte que e dos barcos(“Soidões lacustres… / – Lemos e mastros… / E os alabastros / Dos

  Crítica Literária (2012/2013)7Ivo CotaNº 27732balaústres! [PESSANHA, 1973: 172]). As próprias escolhas sintácticas dopoeta neste momento final do poema simbolizam a quietude do lagoatravés da escassez de predicados.Ao longo de outros poemas daClepsidra, o mesmo tipo deassociações é feito para reflectir a sensibilização do poeta em relação adiferentes temáticas. O

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tempoé um outro tema recorrente na miríadetemática da composição poética de Pessanha, muitas vezes representadometaforicamente pela imagem daágua(motivo simbólico omnipresenteao longo de toda a obra), quer a água do rio que corre sem se deter,simbolizando assim a passagem inevitável do tempo (“Águas claras do rio!Águas do rio, / Fugindo sob o meu olhar cansado” [PESSANHA, 1973:141]), quer a imagem da água como profundidade (como sucede nosegundo soneto de “Vénus”),simbolizando neste caso a distância abissalentre o poeta e o Passado, o seu lugar temporal predilecto para o qual osujeito lírico frequentemente expressa o desejo de regressar (porexemplo, no soneto “Ó meu coração, torna para trás.”). O Passadoaparece diversas vezes a par com a Memória e aMorte, como é o caso nosoneto “No Claustro de Celas”, onde a associação de imagens comconotações positivas é atribuída à memória do Passado, enquanto asimagens ligadas com a Morte surgem em referências ao presente, tempopara o poeta inexistente: “Vou a medo na aresta do futuro, / Embebidoem saudades do presente” (PESSANHA, 1973: 133). Osonho, ou a evasãoonírica surge também frequentemente emClepsidrapor oposição àcrueza da realidade, umas vezes ligado ao já referido processo deassociações, outras ao próprio acto de dormir, repetidamente umametáfora eufemística da morte, derradeira forma de escape para o poeta,que mais do que uma vez apela à sua hora de cessação.

  Crítica Literária (2012/2013)8Ivo CotaNº 27732ConclusãoDou por terminada esta abordagem crítica daClepsidrade CamiloPessanha com a ideia de que é justamente a fragmentação poética daobra, quer estrutural, quer temática, que confere homogenia à colectâneados poemas de Pessanha. É esta fragmentação que cria a identidade líricado poeta, sempre dividido na dialéctica entre o “eu” e o “não-eu”, entre odesejo e a realização, entre as imagens vazias de dois espelhos fronteiros,entre Sonho e Realidade, entre Idealismo e Pessimismo…Clepsidraé umaobra composta por estilhaços de significado e Camilo Pessanha, umsimbolista dividido em imagens, sementes de uma geração modernista daqual foi Mestre…