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SEMANA DA CULTURA CIENTÍFICA
26 A 30 NOV. 2018
Escolas | João de Araújo CorreiaEB 2,3 de Peso da Régua
Cientista . Rómulo de Carvalho António Gedeão . Poeta
Sistema Solar e MitologiaA Vida numa Gota de ÁguaJogos MatemáticosA Química das Coisas
BIOGRAFIA RÓMULO VASCO DA GAMA DE CARVALHO nasceu a 24 de novembro de 1906, em Lisboa.
Fez os estudos secundários no Liceu Gil Vicente, onde se interessou particularmente por
Literatura e Ciência.
Em 1931, licenciou-se em Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto.
Após o estágio pedagógico no Liceu Pedro Nunes, ensinou durante 14 anos no Liceu
Camões, em Lisboa, trabalhando em seguida no Liceu D. João III, em Coimbra, durante 8
anos, após os quais regressou a Lisboa onde desempenhou o cargo de professor
metodólogo do grupo de Físico-Química no Liceu Pedro Nunes.
Além de formar professores do Ensino Secundário (nas áreas de Física e Química), foi autor
de livros e manuais escolares.
Desenvolveu, também, uma ação muito relevante de divulgação científica. Assim, a partir
de 1946 foi codiretor da Gazeta de Física e, a partir de 1952, dinamizou a coleção de
divulgação científica “Ciência para Gente Nova” que contribuiu para o despertar do
interesse pela Ciência, tanto junto dos jovens estudantes, como do público em geral.
Paralelamente, desenvolveu uma muito original carreira de poeta, sob o pseudónimo de
ANTÓNIO GEDEÃO, que se iniciou em 1956 com a publicação de Movimento Perpétuo;
seguiram-se Poesias Completas em 1974 e Poemas Póstumos e Novos Poemas Póstumos,
em 1984 e 1990, respetivamente. A poesia de António Gedeão destacou-se no conjunto da
poesia portuguesa da segunda metade do século XX.
“Pedra Filosofal” terá sido o seu poema mais famoso, popularizado pelo músico e cantor
Manuel Freire.
Na sequência de uma intervenção cirúrgica, morreu a 19 de fevereiro de 1997, no Hospital
de Santa Maria, em Lisboa.
POEMA DO FECHO ÉCLAIR
Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de oiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.
Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho-éclair.
POEMA DO HOMEM-RÃ
Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.
Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.
Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.
Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?
Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.
LÁGRIMA DE PRETA
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
IMPRESSÃO DIGITAL
Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não veem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns veem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns veem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente.
Inútil seguir vizinhos,
que ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
e cloreto de sódio.
POEMA DA MALTA DAS NAUS
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
PEDRA FILOSOFAL
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
(…)
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.