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Sentido estético e método de verificação1 

ENSAIO SOBRE FRAGMENTOS DE WITTGENSTEIN  E SCHOENBERG 

1. 

O que nos permite identificar — para além dos sons, cores ou

impressões captadas pelos sentidos humanos — a beleza ou valor da

obra de arte e reconhecer nela um discurso carregado de sentidos que,

embora provoque nítidas sensações — ‘belo’ ou ‘feio’; ‘alegre’ ou ‘triste’;

‘coerente’ ou ‘caótico’ —, não pode ser descrito verbalmente?

Este ensaio busca um esclarecimento gramatical do discurso

estético através de uma abordagem relacional onde o reconhecimento

do belo seja função das relações entre as formas de vida

compartilhadas, e o sentido função dos métodos de verificação e das

expectativas da busca desse sentido.

 Trata-se de estabelecer um paralelo entre as teorias dos jogos de

linguagem e dos aspectos (Wittgenstein ) e a teoria da harmonia como

método de exposição (Schoenberg ).

2. 

Somente podemos reproduzir o limitado. Contudo, a fantasia

pode fazer-se ideia do ilimitado, ou ao menos do aparentementeilimitado. Portanto, reproduzimos sempre na arte um ilimitado

através de um limitado.2 

A linguagem estabelece um campo limítrofe entre o mundo e o

pensamento e remete à materialidade das formas de vida. Mas, ao

mesmo tempo, aponta uma transposição do tempo presente onde a

1 Submetido ao 2º Congresso Português de Filosofia , 2016.Secção temática: Estética e Filosofia da Arte. 

2 SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo: UNESP, 2001.

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imaginação faça ideia do ilimitado, permitindo a sua revelação através

do que Wittgenstein chamou de “raiar de um aspecto”.

 Tais aspectos são reconhecidos na proporção em que reconhecemos a

humanidade no outro: através do compartilhamento de uma forma de

vida comum.

A teoria da harmonia não é, pelo menos em parte, fenomenologia

e, portanto, gramática? A teoria da harmonia não é uma questão

de gosto.3 

3. 

Wittgenstein  e Schoenberg  operam uma inversão de perspectiva na

investigação dos processos de construção do sentido e valor estéticos

que passam a ser considerados como funções dos métodos de

verificação ou valoração e não de condições categoriais de verdade

pré-fixadas.

Não são dados nem por condições essenciais nem puramente por

convenções, mas pelo contexto onde, nas formas de vida, se

estabelecem e se tornam possíveis como jogos de linguagem.

Entender o sentido de uma proposição significa saber como a

questão de sua verdade ou falsidade tem de ser decidida.4 

4. 

Uma busca de sentido que tem um compromisso Ético e Estético 

com uma questão fundante em ambos os autores: a da verdade como

indissociável do esclarecimento das relações e dos métodos de

3 WITTGENSTEIN, Ludwig. Observações filosóficas. São Paulo: Loyola, 2005, §4.4 WITTGENSTEIN, op. cit., §43.

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verificação que tornam possível o estabelecimento desse campo de

verdades em um contexto vital. Não se trata de uma análise de cunho

atomista, mas de um esclarecimento gramatical.

Cada acorde que estabeleço corresponde a uma obrigação, a uma

coação de minha necessidade expressiva; mas também, talvez, à

constrição de uma lógica inexorável, ainda que inconsciente, da

construção harmônica. Tenho a sólida convicção de que essa

lógica existe também aqui, ao menos na medida em que existia nos

terrenos da harmonia outrora cultivados.5 

As formas de figuração e o entendimento envolvidos nos processoslinguísticos são revelados a partir da busca de uma compreensão

desses processos: uma relação onde o significado ultrapassa um

sentido figurativo ou nominal e revela aspectos dinâmicos e expressivos

de um jogo de linguagem inserido em uma forma de vida.

5. 

Wittgenstein, a partir de sua fase verificacionista, tenta revelar a

estrutura articulada da linguagem em relação com os âmbitos e espaços

cognitivos e conceituais.

"Não tenho nenhuma dor" significa: se comparo a proposição

"Tenho uma dor" com a realidade, a proposição se revela falsa -

portanto, devo ter condições de comparar a proposição com o que

é de fato o caso. E a possibilidade de tal comparação - embora o

resultado possa ser negativo - é o que queremos dizer quando

dizemos: o que é o caso tem de acontecer no mesmo espaço em

que se encontra o que é negado; só tem de ser de outro modo.6 

5 SCHOENBERG, op. cit., pp. 573s.6 WITTGENSTEIN, op. cit., §62.

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Schoenberg, quanto à escolha dos métodos de interpretação, alertará

para o risco da análise de obras por sistemas que não lhes são próprios:

por exemplo analisando músicas modais com critérios de validade

tonais.

A obra de arte consegue refletir o que se enxerga nela. Nisto

podem ser reconhecidas as condições que a nossa capacidade de

entendimento estabelece [...]. Mas esse reflexo não mostra o plano

de orientação da obra de arte, e sim o plano de nosso método de

orientação.7 

6. 

A exposição do método de verificação ou orientação pode revelar

uma atividade inerente à própria significação: a mobilidade em um

espaço lógico que, pela sua multiplicidade, deve ser buscado pela

pertinência de uma proposição em um contexto e não pela fixidez

categorial. Um esclarecimento gramatical e não uma estratégia dedutiva

que suponha a garantia de uma correspondência ontológica estrita com

a realidade.

As atividades de esperar, buscar ou perguntar só tem sentido se a

expectativa, a busca ou a pergunta se inserem no espaço (lógico)

pertinente, suscetível de abarcar simultaneamente a questão e a

possibilidade da busca.8 

Os autores nos permitem concluir que, aos sentidos de determinada

linguagem — proposicional ou estética —, correspondem, como

características gramaticais, o contexto de uso decorrente das formas

de vida e algum método de verificação dentro de um espaço lógico

pertinente.

7 SCHOENBERG, op. cit., 2001, p. 73.8 PORTA, Sabine Knabenschuh. “El mito de la “fase verificacionista” de Wittgenstein”.

Revista de Filosofía, v. 48, n. 3, 2004.

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Como podemos desfrutar de um jogo se não conhecemos seus

detalhes mais refinados, se não conhecemos suas regras; se não

temos uma ideia de sua tática e estratégia?[Para entender o discurso musical] É necessário conhecer os detalhes

do jogo e compreendê-lo em sua totalidade.9 

Chamarei de "jogo de linguagem" também a totalidade formada

pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem

entrelaçada.10 

9 SCHOENBERG, Arnold. El Estilo y la idea. Alcorcón, Madrid: Mundimúsica, 2008.10 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1996, §7.