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O guardiao das terras e das serras

Seo Luiz da Grota Funda

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Tem uns que vêm ao mundo para tomar conta das coisas que têm que ser assim ou assadas conforme Deus mandou. Seo Luiz é um deles. Desses que dá ordem pro céu e pra lua, diz quando é para chover e cuida de onde vem a água. Seo Luiz, que na vida real se chama Luiz Pereira Bueno, vem de família que já vinha de longe cuidando dessas coisas que Deus pôs no mundo. E são tantas!

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O guardiao das terras

e das serras

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Tem uns que vêm ao mundo para tomar conta das coisas que têm que ser assim ou assadas conforme Deus mandou. Seo Luiz é um deles. Desses

que dá ordem pro céu e pra lua, diz quando é para chover e cuida de onde vem a água. Seo Luiz, que na vida real se chama Luiz Pereira Bueno, vem de família que já vinha de longe cuidando dessas coisas que Deus pôs no mundo. E são tantas!

Coisas do céu e da terra, coisas da serra, dos mon-tes, montanhas, grutas e cavernas. Flores e árvores frondosas, maiores ou menores, cheirosas. Coisas que precisam existir para que a vida exista também. Frutas, frutos, gostosuras e aquela água que nasce nem se sabe como e nem onde, mas ali pertinho. Sai do fundo da terra, sem explicações sobre como é que o tal de oxigênio se junta com os hidrogênios, pois são dois, conforme dão ciência os que cuidam das ciências que a gente não entende nada. Seo Luiz co-nhece de vivência.

Nasceu lá na grota e está lá até hoje. É certo que já veio muito pra cidade, já tomou conhecimento dos ensinamentos que a escola dá. Só que a escola foi pouca e foi logo embora, ficaram faltando lições para ele aprender dos livros. Consertou-se, apren-deu com o tempo, com a vida, lendo muito e ouvin-do rádio. Muito rádio. Quem disse que as ondas e os raios dos rádios não ensinam? Ensinam sim, barba-ridade. E Seo Luiz nunca se esquece dos ensinamen-tos que ouviu no rádio, ditos e contados por grandes contadores de causos e noticias das coisas que acon-teciam nesse mundão de Deus.

Se bem que o seu mundo, aquela serra que cha-

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mam de Itapetinga tenha ensinado muito também. Ou quase tudo e mais um pouco. Ensinou a vida e o jeito de viver ali. Afinal, Seo Luiz está lá, na Gro-ta Funda, toda a sua vida de setenta e lá vão anos. Dizem muito os que estudaram bastante que ali se tem uma das regiões mais ricas em biodiversidade do Estado de São Paulo. A dona biodiversidade que tem esse nome tão bonito e complicado se explica no cantar dos pássaros, no piar da coruja, no raste-jar das cobras. Quem vê de longe, aqui de baixo da ci-dade, só vê aquela pedrona, enorme, tanto que tem o nome de Pedra Grande. Mas ali tem muito mais, tem o Parque Municipal da Grota Funda, na tal da Serra do Itapetinga.

Chegar lá dá canseira danada, pois são alturas que vão de 900 a 1.300 metros. E o lugar fica 11 quilô-metros longe do centro de Atibaia. Somando tudo se tem uma área de 2.410.400 metros de enormida-de. Foi lá que Seo Luiz nasceu e cresceu, pois parte daquilo tudo era da família. Depois a irmandade foi se repartindo, se repartindo, passando de pai pra fi-lho, de filho pra neto, quando se viu, sobraram uns 16, 17 mil metros quadrados para Seo Luiz, que vive ali com Dona Maria, sua mulher e Sueli, a filha. Tem outra filha a Ana, que casou e mudou.

Mas Seo Luiz tem muita história colhida, daquelas cavadas e escavadas, vividas nos seus setenta e tan-tos anos. Há muito tempo ele é o guardião de tudo aquilo que se vê daqui de baixo e se cansa para per-correr lá em cima. Cuida de tudo o que está lá. Des-de as águas até as árvores, as posses, os conteúdos, os bichos e até os lobisomens, pois dizem que tem coisa do outro mundo rodando por lá. Seo Luiz não jura que viu, mas já sentiu. E medo. “Deus o livre. São espíritos que vêm para cá buscar alguma coisa

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que deixaram...”, conta. Ali na serra, para quem não sabe, nasce a água que um dia abasteceu Atibaia.

Por sinal, os técnicos que entendem da técnica dizem, falando grosso e friamente que: “Até hoje a área não apresenta nenhum uso específico, a não ser o de abrigar a bacia de captação de águas para abas-tecimento, através de uma sede de captação e um re-servatório para cloração de água, que está sob a res-ponsabilidade e manutenção do SAAE Saneamento Ambiental - Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Atibaia.” Sabem de nada, inocentes, como diria o ou-tro. Falaram bonito, mas na essência, a água é limpa, gostosa, fresca, pura. Ah! se toda a água do mundo fosse como aquela água que nasce lá na serra ou na Grota Funda e que é supervisionada todo dia, pelo menos nos últimos sessenta anos pelo Seo Luiz.

Sim, Seo Luiz toma água e conta de tudo, como dizem as autoridades autoritárias, mas hoje nem ganha nada com isso. Houve um tempo até que ga-nhou, mas cortaram. A água continua correndo pura porque Seo Luiz está de olho e não admite e nem permite que alguém se chegue perto ou se achegue naquele lugar onde a água brota na Grota.

Ah! se fosse contar toda a história do Seo Luiz e do seu amor por aquele pedaço de serra, aquela vida, aqueles bichos, aquelas pedras que um dia podem até rolar pra cima da cidade, “Deus me livre!”, mas, por quê não e como não? Que podem rolar, podem, a natureza é quem manda. Nem Seo Luiz pode com a natureza. Seo Luiz mal pode espantar quem vai lá para caçar bichos. Não se pode fazer isso. “A terra é dos bichos e não dos homens”, sentencia. ■

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