50
Ser-mãe de Criança com Câncer: Um Estudo Fenomenológico Mariana Alvarenga Rodrigues Patrícia Marinho Gramacho Pontifícia Universidade Católica de Goiás Mariana Abbott M. de Souza Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia Goiânia, 2009

Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

Ser-mãe de Criança com Câncer:

Um Estudo Fenomenológico

Mariana Alvarenga Rodrigues

Patrícia Marinho Gramacho

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Mariana Abbott M. de Souza

Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia

Goiânia, 2009

Page 2: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

i

Ser-mãe de Criança com Câncer:

Um Estudo Fenomenológico

Mariana Alvarenga Rodrigues

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Banca Examinadora: Patrícia Marinho Gramacho, Esp. Presidente da Banca: Professor-Supervisor Mariana Abbott M. de Souza, Esp. Profissional de Campo Marta Carmo, Ms. Professora Convidada Data da Avaliação: ______/______/______ Nota Final: __________________________

Artigo apresentado ao Centro de Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica do Departamento de Psicologia da PUC-GO, como requisito parcial para a obtenção do grau de Psicólogo. Campo de Estágio: Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia

Page 3: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

ii

Agradecimentos À Deus, por permitir que esse sonho se realizasse. Aos meus pais e irmãs, pelo apoio, confiança e respeito por minhas escolhas, desde o início. Muito obrigado, vocês não sabem a importância que possuem. Ao meu namorado, André Monteiro, por ter compreendido minhas ausências, chateações e mesmo assim continuar ao meu lado. À Patrícia Marinho Gramacho, por ter me permitido quebrar barreiras e me mostrar que a Psicologia é mais do que diferentes abordagens, é uma arte. À Mariana Abbott, por admitir que o hospital fosse um local de trabalho, conhecimento e experiências inesquecíveis. À Marta Carmo, pelo cuidado com o meu estudo, e por ter sido essencial para o crescimento da minha paixão pela Gestalt-terapia. À Thais Ribari, minha terapeuta, que escutou genuinamente minhas angústias e me auxiliou de diversas formas. Às minhas amigas e colegas do hospital, que compartilharam comigo novas experiências, repletas de ansiedades, angústias, risos e conhecimentos. Às mães de criança com câncer, que permitiram que eu adentrasse em suas vivências, sem restrições, e confirmaram quanto o papel de ser mãe é especial e único. Às crianças internadas na oncologia da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, que a cada dia me mostraram que a vida merece ser vivida de forma única, realmente fizeram diferença em minha vida. Por fim, a todos aqueles que de alguma forma ajudou na construção desse artigo, o meu muito obrigado a todos vocês!

Page 4: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

iii

Resumo

Este estudo teve como objetivo principal descrever o discurso das mães de uma pediatria oncológica sobre suas experiências vividas em relação ao fenômeno ser-mãe de criança com câncer, sob a perspectiva da Gestalt-terapia. A pesquisa realizou-se na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, com três mães que possuíam filho em tratamento oncológico. O procedimento de análise compreensiva dos dados realizou-se por meio do método fenomenológico de Giorgi (1985). Dessa forma, emergiram quatro categorias temáticas: ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe foram analisadas de acordo com as concepções de psiconcologia, existencialismo, teoria de campo e teoria organísmica. Palavras-chave: mãe; psiconcologia; existencialismo; teoria de campo; teoria organísmica

Page 5: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

2

Ser-mãe de Criança com Câncer: Um Estudo Fenomenológico Mariana Alvarenga Rodrigues

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Ao iniciar a prática de Estágio Supervisionado Curricular do Curso de Psicologia

da Pontifícia Universidade Católica de Goiás no Setor de Pediatria da Santa Casa de

Misericórdia de Goiânia, a pesquisadora deparou-se com situações diferentes das que

estava acostumada. Trabalha-se com um contexto terapêutico estendido onde podem ser

ratificadas diversas teorias.

Dentro do contexto hospitalar, a pesquisadora pode perceber várias áreas em que a

atuação psicológica poderia ser oferecida, destacando-se a oncologia pediátrica. Nessa

área, observam-se, na maioria das vezes, crianças fragilizadas pelo diagnóstico de uma

doença crônica, o câncer. Ao lado dessas crianças estão as mães, que vivenciam um mundo

com várias expectativas, medos, mudanças, esperanças e renúncias. Instigou-se na

pesquisadora a vontade em investigar como é este papel de ser-mãe, em especial o de ser-

mãe de criança com câncer, compreendendo a experiência vivida por elas.

Com o crescimento da psicologia hospitalar, em especial da psiconcologia, torna-se

importante investigar a vivência das mães de crianças com câncer, com a finalidade de

fornecer elementos que possibilitem aos profissionais de saúde ações que visem maior

apoio e suporte psicológico também aos familiares, assim como clarificar aos profissionais

da psicologia a singularidade do atendimento no contexto hospitalar.

A Psicologia Hospitalar – Definição e Possibilidades de Intervenção

A atuação do psicólogo hospitalar, como um profissional da saúde, será tanto na

prevenção como no tratamento, busca-se sempre o bem-estar individual e social dos

indivíduos que estão naquela instituição, envolvendo os pacientes, familiares e a equipe

médica (Campos, 1995).

Page 6: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

3

O objetivo principal do psicólogo hospitalar é o de minimizar o sofrimento

provocado pela hospitalização, abrangendo as sequelas e decorrências emocionais que

podem ser geradas, sendo um instrumento poderoso no processo de humanização do

hospital (Angerami-Camon, 1995).

Campos (1995) ressalta que, em relação ao paciente, há de se considerar não só os

aspectos físicos que o levaram até o hospital, sendo importante valorizar os aspectos

emocionais que muitas vezes são desencadeados pela hospitalização. O paciente deve ser

compreendido para que possa se perceber melhor no processo, o que possibilita uma

participação mais efetiva e produtiva em sua melhora. Segundo o autor, é função do

psicólogo hospitalar se atentar aos familiares, com o intuito de auxiliar no processo de

compreensão do paciente, para que estes percebam que o “ser hospitalizado” é um

momento que exige adaptação às mudanças de sua rotina, e pode desencadear algumas

situações, como por exemplo, alterações emocionais e negação da situação experienciada.

A atuação do psicólogo hospitalar também pode ser direcionada à equipe de saúde,

com o objetivo de favorecer o funcionamento do grupo em que está inserido e representar

suporte psicológico por intermédio da comunicação interna, dessa forma, cria-se

possibilidades de vínculos entre membros da equipe, pacientes e familiares (Bruscato,

Kitayama, Fregonese & David, 2004).

Câncer Infantil – A Realidade Brasileira

Câncer ou enfermidades oncológicas são termos utilizados para se referir a um

grupo de doenças que se caracterizam pela anormalidade das células e sua divisão

excessiva (Carvalho, 2002).

Atualmente, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2008), o

câncer pediátrico representa de 0,5% a 3% de todas as neoplasias na maioria das

Page 7: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

4

populações, de modo geral a incidência total de tumores malignos é maior em crianças do

sexo masculino.

Segundo estimativa desse Instituto, durante as últimas quatro décadas ocorreu um

desenvolvimento do tratamento do câncer infantil. Estima-se que cerca de 70% das

crianças portadoras da doença possam ser curadas, caso o diagnóstico seja feito

precocemente e sejam submetidas a um tratamento especializado, é possível que voltem a

ter uma boa qualidade de vida.

Apesar de dados serem estimulantes, o INCA (2008) estima mais de 9.000 casos

novos de câncer infanto-juvenil (1 a 19 anos) por ano, no Brasil. Hoje, o câncer aparece

como a segunda causa de mortalidade entre crianças e adolescentes (Steffen & Castoldi,

2006).

Percebe-se que um dos fatores para a cura do câncer infantil é o diagnóstico

precoce, mas, por que ainda existem casos em que o diagnóstico é tardio? Atualmente,

avalia-se que entre as principais causas estão: desinformação dos pais, medo do

diagnóstico de câncer, desinformação dos médicos (INCA, 2008), incluindo pouca

investigação clínica e a falta de pedidos para exames (Dixon e colaboradores, 2001 citado

por Rodrigues & Camargo, 2003).

O tratamento do câncer começa por meio do correto diagnóstico e realizado por

intermédio de três principais modalidades: quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Ressalta-

se que um trabalho coordenado entre uma equipe multidisciplinar é essencial para a

eficácia do tratamento (INCA, 2008).

Carvalho (2002) considera que tão importante quanto o tratamento é a atenção que

se deve dar aos aspectos sociais do câncer, visto que a criança portadora de uma doença

crônica recebe atenção integral em seu contexto familiar. Nesse sentido, a cura não é

Page 8: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

5

baseada somente nos aspectos biológicos, mas também no bem-estar e na qualidade de

vida do paciente.

Surge assim, uma área responsável por estudar a influência de fatores psicológicos

sobre o desenvolvimento, o tratamento e a reabilitação de pacientes com câncer, e tem por

objetivo identificar as variáveis psicossociais e os contextos ambientais em que a

intervenção psicológica possa auxiliar no enfrentamento, incluindo pacientes e familiares

(Costa Júnior, 2001).

A Família Diante do Diagnóstico – O ‘Como’ Lidar Com as Mudanças

A realidade de possuir um filho com câncer pode ter como consequência profundas

alterações no cotidiano da família, sendo necessário ocorrer reorganizações nos diversos

campos que abrangem o cotidiano da família (Lima & Lopes, 2001).

Essa nova experiência faz com que a família tenha que enfrentar momentos de

incertezas e desorganizações (Damasio & Rúmen, 2005) como os longos períodos de

hospitalização, reinternações frequentes, terapêutica agressiva com sérios efeitos advindos

do tratamento, dificuldades pela separação dos membros da família durante as internações,

interrupção das atividades diárias, limitações de compreensão em relação ao diagnóstico,

dificuldades financeiras, angústia, dor, sofrimento e o medo diante da possibilidade de

morte (Nascimento, Rocha, Hayes & Lima, 2005).

Gramacho (1998) ressalta que em casos de diagnóstico de câncer em crianças as

dificuldades são ainda maiores. Em nossa cultura é comum pensarmos que apenas os

adultos podem adoecer, e que as crianças são frágeis, ingênuas, e não tiveram

oportunidade de viver tudo que tinham pra viver.

Percebe-se que a família, como um todo, é afetada pelo diagnóstico do câncer,

porém, por questões socioculturais, a mãe, na maioria das vezes, é identificada como a

principal cuidadora da criança, é percebida como o eixo da estrutura familiar. Porém,

Page 9: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

6

agora deve transforma o seu papel de ser-mãe de uma criança saudável e assumi o de ser-

mãe de criança portadora de uma doença crônica (Moreira & Ângelo, 2008; Lima, 2004).

No que diz respeito à rotina doméstica, que em grande parte é realizada pela figura

feminina, sofre alterações, pois se torna necessário realizar adaptações ao horário de

trabalho ou até mesmo a desistência dele em virtude das frequentes hospitalizações e do

cuidado em tempo integral para o filho (Moreira & Ângelo, 2008).

O pai, responsável pelo trabalho e subsistência da casa, (Costa & Lima, 2002) em

alguns casos, gostaria de estar mais presente, porém, sente dificuldades em lidar com a

nova situação, e prefere não interferir ou se ausentar de situações de hospitalização (Santos

& Gonçalves, 2008).

Nas famílias que possuem mais de um filho, os filhos saudáveis geralmente

possuem dificuldade em compreender a ausência da mãe durante longos períodos (Costa &

Lima, 2002). Em estudo realizado por Steffen e Castoldi (2006), observou-se que as

famílias que têm uma rede de apoio, como avós, tias e madrinhas, têm menos dificuldades

para lidar com a separação mãe e filho, porém, nem todas as famílias podem contar com

esse apoio. Sendo assim, os filhos saudáveis acabam tendo que lidar com a situação de

doença e hospitalização do irmão e consequentemente com a falta da figura materna

apenas com o suporte de uma das figuras parentais, no caso o pai, quando este mostra-se

mais disponível para estabelecer esta função.

Torna-se importante ressaltar que a partir século XVIII o hospital passou a ter a

função que conhecemos hoje, de um lugar curativo, e não de um local onde eram

depositados aqueles que eram excluídos da sociedade (Foucault, 1979 citado por Pedroso,

2002). Pedroso (2002) ressalta que com o desenvolvimento dos hospitais e da Pediatria,

vários estudos compreenderam que quando a criança era acompanhada da

mãe/acompanhante, esta tinha uma melhora considerável, e que a privação de um familiar

Page 10: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

7

agravava o quadro clínico. O autor acrescenta que percebendo a importância da

mãe/acompanhante junto à criança, a Organização Mundial de Saúde (OMS), UNICEF

(Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Ministério da Saúde passaram a recomendar

que a criança não permanecesse sozinha no hospital. Esta conquista foi realizada há pouco

tempo, pois os primeiros Programas de Mãe Participante no Brasil, ocorreram na década

de 70, sendo a cidade de São Paulo pioneira do Programa. Desde então, passa a ser um

direito da criança ser acompanhada durante sua hospitalização, pela mãe ou familiar,

defendido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Damasio e Rúmen (2005) sintetizam as idéias apresentadas ao discorrerem que é

esperado socialmente que a mãe assuma o papel de cuidadora, e que desenvolva recursos

que as possibilite enfrentarem o processo de hospitalização do filho, ou seja, se reorganize

diante da nova situação, que pode ter como consequência reações e sentimentos

diferenciados.

O “Ser-mãe” – Representações Existentes

Diante da importância da figura materna frente ao tratamento da criança, é

importante lembrarmos das representações já existentes do ser-mãe. No que diz respeito ao

vínculo mãe-filho, Winnicott (1982) destaca não ser necessário que a mãe possua uma

compreensão intelectual de sua tarefa, visto que já está preparada em sua essência, por

meio da orientação biológica em relação ao seu próprio bebê. Sylva e Lunt (1994)

completam a idéia e asseguram que os bebês possuem necessidade de estarem

constantemente com suas mães, ressaltam que entre os papéis atribuídos á mãe, estão o de

amar e cuidar.

Segundo estudos de Lewis e Dessen (1999), citado por Dessen e Costa Junior

(2005), a interação mãe-filho se baseia em atividades relacionadas à criança e ao cuidado

dos filhos, enquanto o pai é considerado o maior provedor da família. Apesar dessa

Page 11: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

8

definição de papéis, o pai está cada vez mais compartilhando tarefas relacionadas aos

filhos.

Boff (1999) reconhece que o ser-mãe, é um modo-de-ser que engloba todas as

dimensões possíveis da mulher, a de mãe, corpo, psique e espírito. Esse modo vai além de

uma simples função, representa cuidado, carinho e confiança.

Com idéia contrária aos autores citados, Badinter (1985) em sua obra "Um amor

conquistado: O mito do amor materno" nos mostra que o amor materno não é algo natural,

inato, intrínseco, e sim, conquistado. Pode ser desenvolvido por meio de transformações

sócio-históricas, e assim como outros sentimentos humanos, o amor materno é incerto,

frágil e imperfeito.

O Modo de Ser-no-mundo – Uma Visão Existencialista

Para justificar a utilização do termo “ser-mãe”, recorre-se a Heidegger (1981) que

apresenta o conceito de ser-no-mundo como sendo o modo de ser básico do homem, o todo

da existência humana.

Hall e Lindzey (1973) ressaltam que há diferentes modos de ser-no-mundo, sendo

que cada modo é o meio pelo qual o indivíduo compreende, interpreta e expressa a si

mesmo, e ainda, cada pessoa pode possuir vários modos de ser-no-mundo, de acordo com

o contexto em que esta inserida.

Boff (1999) afirma que há dois modos de ser-no-mundo: o modo-de-ser baseado no

trabalho, e o modo-de-ser pautado no cuidado. O modo de ser-no-mundo pautado pelo

cuidado permite ao homem viver a experiência fundamentada no valor, no respeito e na

reciprocidade. Cuidar é compreendido por Boff (1999) como uma forma de ter intimidade,

sentir, respeitar e entrar em sintonia com o outro e o mundo. Cuidar foi definido por

Heidegger (1981) como a estrutura fundamental do homem, é um modo de proceder com

as pessoas que estão inseridas em seu contexto.

Page 12: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

9

Dessa forma, pode-se dizer que estamos imersos no mundo, possuímos

sentimentos, pensamentos, sensações e agimos. Somos no mundo, do mundo e para o

mundo, somos seres relacionais, condicionamos o mundo e somos condicionados por ele

(Ribeiro, 1999). Esse tópico apresentou alguns pontos importantes sob a ótica humanista,

sendo essa uma das teorias que compõe a Gestalt-terapia. .

Gestalt-terapia, Teoria de Campo e Teoria Organísmica

A Gestalt-terapia pode ser conceituada como uma abordagem da Psicologia, uma

terapia existencial (Perls, 1973), Possui como objetivo principal que o individuo se torne

consciente do que e como estão fazendo, e ainda, como podem se transformar, e aprender a

se aceitar e se valorizar (Yontef, 1998).

Os autores (Ginger & Ginger, 1995) asseguram que a árvore genealógica da

Gestalt-terapia se ergueu sobre várias raízes, algumas com mais influência, outras com

menos. Hoje, é composta por correntes filosóficas e terapêuticas, entre elas, as principais

são: Fenomenologia, Humanismo, Existencialismo, Psicologia da Gestalt, Teoria de

Campo, e por fim, Teoria Organísmica. Para melhor compreensão deste artigo, torna-se

importante explicitar conceitos utilizados na Teoria de Campo e na Teoria Organísmica.

A Teoria de Campo foi originalmente criada por Kurt Lewin, uma das mais

importantes figuras da psicologia moderna. Pode ser definida como um conjunto de

conceitos, por meio do qual pode ser possível representar a realidade psicológica, e assim,

possibilitar que seja lidada e trabalhada (Ribeiro, 1999).

Yontef (1998) complementa e afirma que na teoria de campo, todas as coisas são

construídas de acordo com as condições do campo e do interesse de quem o observa.

Dessa forma, a teoria de campo irá capacitar o terapeuta a manter o foco na pessoa, sendo

um agente ativo, caberá a ele, perceber as mudanças que ocorrem no campo presente e no

passado, nos diferentes contextos em que o indivíduo se insere.

Page 13: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

10

Assim, campo pode ser definido como tudo aquilo que afeta o comportamento em

um determinado momento, não inclui apenas a realidade física. O campo deve ser

representado da mesma forma como o indivíduo o percebe naquele momento (Ribeiro,

1999).

Parlett (1991) cita cinco princípios que caracterizam a teoria de campo, são eles:

princípio da organização, princípio da contemporaneidade, princípio da singularidade,

princípio do processo em transformação, e por fim, princípio da relevância possível.

O primeiro deles, princípio da organização, diz que para que um comportamento

ocorra depende da presença ou ausência de um fato, de um campo específico, dessa forma,

o significado do fato em si depende de sua posição no campo. Assim, os campos se

modificam com o passar do tempo, surgem novas organizações ou reorganizações de

acordo com o contexto que o indivíduo vive naquele momento (Parlett, 1991).

O princípio da contemporaneidade, relata que as influências que estão presentes no

campo, é que explicam esse campo (Parlett, 1991). Harris (1998) completa que o

importante é a maneira a qual eu vivencio agora o meu passado, e como essa experiência

poderá criar possibilidades de escolhas, dessa forma, o indivíduo estará continuamente

recriando cada momento de sua existência.

O terceiro princípio, da singularidade, diz que cada situação que ocorre com o

indivíduo é única. Apesar de existirem situações semelhantes, elas nunca serão iguais para

dois indivíduos, pois cada pessoa tem um ponto de vista diferente, que é construído

individualmente de acordo com o campo presente, ou seja, de acordo com suas

preocupações e necessidades presentes (Parlett, 1991).

O quarto princípio, do processo em transformação refere que o campo está em

constante modificação, não é permanente, e sim contínuo (Harris, 1998). Parlett (1991)

assegura que a experiência é um processo, provisório, não é fixo e estático.

Page 14: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

11

Por fim, o princípio da relevância possível, destaca que nenhuma parte do campo

pode ser definida como irrelevante, pois tudo que está contido no campo é parte de uma

organização total, não deve ser excluída, mesmo que pareça óbvio, pois tudo que está no

campo tem um significado para estar lá (Parlett, 1991).

A teoria organísmica proposta por Kurt Goldstein, evidencia a possibilidade de

entender os indivíduos de um ponto de vista que valorize não só as mudanças no ambiente

e nos aspectos físicos, mas sim no organismo como um todo (Hall & Lindzey, 1973).

Goldstein postulou três conceitos básicos referentes a dinâmica do comportamento.

O primeiro conceito, é o de equalização, se refere ao fato de que o indivíduo possui

energia que tende a ser distribuída igualmente por todo o organismo. O ser humano não

deve somente descarregar a energia, mas sim distribuí-la, sendo que a distribuição total é

um estado ideal, raro de ser obtido. O processo de retornar ao estado normal de energia é

chamado de equalização (Ribeiro, 1999).

Ribeiro (1999) certifica que a tendência à auto-realização é o segundo conceito,

Perls (1988) assevera que esse conceito também pode ser definido como um processo

homeostático, e certifica que é por intermédio desse processo que o organismo mantém o

seu equilíbrio, satisfaz suas necessidades, ou seja, interage com seu meio.

Hall e Lindzey (1973) evidenciam que apesar da tendência a auto-regulação ser

universal, cada indivíduo possui um motivo diferente para batalhar, tem potencialidades

diferenciadas. Petrelli (2005) corrobora e explica que apesar de cada indivíduo possuir sua

própria experiência, há aquelas que são essências universais, ou seja, comum a todas as

pessoas.

O terceiro conceito proposto pela Teoria Organísmica, é o pôr-se em acordo com o

meio ambiente. Dessa forma, Ribeiro (1999) garante que o meio exerce influência sobre o

organismo, por isso, o ideal é que homem e ambiente estejam em acordo, a fim de

Page 15: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

12

propiciar meios mais adequados para a auto-realização. Torna-se importante salientar que

em alguns casos o ambiente pode exercer forte pressão no indivíduo, o que pode gerar uma

paralisação desse, que suscita em uma incapacitação para progredir.

A fundamentação teórica deste artigo ocorrerá por intermédio da perspectiva da

Gestalt-terapia. Tem por objetivo principal compreender como é o modo de ser-no-mundo

da mãe de uma criança com câncer.

Fundamentando-se no pensamento de Heidegger (1981), impõe-se o seguinte

questionamento: Quais seriam as variações do ser-mãe pela imposição dos fatores de

doença de seu filho?

Objetivo Geral

O objetivo principal deste estudo é descrever o discurso das mães de uma pediatria

oncológica sobre suas experiências vividas em relação ao fenômeno ser-mãe de criança

com câncer.

Objetivos Específicos

1) Discriminar as unidades significativas dentro do discurso das mães de crianças com

câncer, segundo o método fenomenológico de Giorgi (1985).

2) Verificar se os princípios propostos pela teoria de campo corroboram a vivência

das mães.

3) Averiguar se existe relação entre a teoria organísmica e o discurso das mães de

criança com câncer.

Page 16: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

13

Método

Participantes

O presente estudo teve como foco as mães acompanhantes de criança em

tratamento oncológico na enfermaria pediátrica do Hospital Santa Casa de Misericórdia de

Goiânia, com idade variando de 22 a 28 anos, sendo que para duas participantes os filhos

estavam no estágio inicial do tratamento (primeiro mês), e a outra participante o filho

possuía quatro meses de terapêutica. As entrevistadas possuem nível sócio econômico e

grau de escolaridade variáveis.

O número de mães entrevistadas correspondeu a três. O critério de exclusão foi o

de mães que não se adequaram as características acima ou que não concordaram em

participar do estudo.

Com o intuito de preservar a identidade das mães participantes, neste estudo elas

receberam nomes de importantes mães representadas na mitologia grega: Gaia, Ceres e

Dione.

Materiais

Para atingir o objetivo do estudo, realizou-se uma análise qualitativa do discurso

das mães, por meio de uma entrevista semi-dirigida, tendo como pergunta norteadora

"Como é ser mãe de uma criança com câncer?".

Realizou-se a entrevista na sala de psicologia do hospital, sem a presença do filho,

a fim de evitar que seu comparecimento influenciasse nas respostas. Utilizou-se, caneta,

papel, folhas de roteiro e um gravador de áudio para auxiliar na coleta de dados, o que

possibilitou maior fidedignidade dos dados obtidos. Todo o material coletado ficará sobre

poder da pesquisadora durante cinco anos, e após esse período será incinerado.

Page 17: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

14

Procedimento

Após elaboração do projeto de pesquisa, autorização dos médicos responsáveis

pelo setor de Pediatria e Oncologia/Hematologia Pediátrica, aprovação do Comitê de Ética

da Instituição (Anexo A), convidou-se a mãe a participar do estudo. Caso houvesse

interesse em colaborar, coube a pesquisadora informar os objetivos do estudo, abarcando

as questões éticas e garantindo o sigilo de forma integral. Posteriormente convidou-se a

mãe a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B) iniciando-se a

entrevista.

Conforme dispõe a Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996, emanada do

Conselho Nacional de Saúde, as mães foram informadas que a psicóloga pesquisadora bem

como a supervisora prática do estágio estariam à disposição para qualquer intervenção,

podendo a mesma interromper ou desistir do estudo a qualquer momento sem nenhum

ônus para si ou para seu filho. Caso houvesse necessidade de suporte psicológico durante a

entrevista, o atendimento seria realizado imediatamente pela psicóloga supervisora de

campo, com atendimentos terapêuticos, breves e focais. Caso fosse necessário, poderia ser

feito um encaminhamento para atendimento psicológico continuado.

Procedimento da Análise Compreensiva dos Dados

Como plano teórico e de intervenção, para chegar à compreensão da vivência das

mães, realizou-se uma análise compreensiva do discurso de acordo com os quatros passos

propostos no método fenomenológico de Amedeo Giorgi (1985), descrevendo-se

alicerçando nas entrevistas transcritas, a experiência vivenciada pelas mães em relação ao

fenômeno ser-mãe de criança com câncer.

É comum referir ao "método fenomenológico" no singular, sobretudo, torna-se

importante ressaltar que apesar de existir apenas um método fenomenológico, ele admite

Page 18: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

15

algumas variantes, dentre elas: Van Kaam (1959), Sanders (1982), Colaizzi (1978), Gomes

(1987), Forghieri (2004) e Amedeo Giorgi (1985) (Moreira, 2002).

O método fenomenológico proposto por Amedeo Giorgi (1985), pode ser descrito

como uma fenomenologia empírica (Andrade, 2007), é um dos mais conhecidos, e

consequentemente, mais utilizados no contexto da Psicologia Fenomenológica (Moreira,

2002).

Giorgi (1985) norteado pela fenomenologia e o seu conceito de "voltar às coisas

mesmas", possui o intuito de realizar descobertas genuínas em relação ao fenômeno

pesquisado. Para atingir o objetivo proposto pelo autor, torna-se necessário seguir quatro

passos essenciais.

O primeiro passo tem por finalidade captar o sentido do todo, assim, a entrevista

deve ser transcrita, conforme fala original do entrevistado para captar o sentido geral do

todo. O segundo passo propõe uma releitura da entrevista, com objetivo de identificar as

unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno

pesquisado (Giorgi, 1985)

O terceiro passo descrito pelo autor, deve ser uma transformação das expressões

cotidianas do entrevistado para uma linguagem psicológica, com ênfase no fenômeno

pesquisado. No quarto e último passo, cabe ao pesquisador realizar a síntese das unidades

significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado,

que será a estrutura da experiência vivenciada pelo sujeito.

Com a intenção de exemplificar o método proposto por Giorgi (1985), apresenta-se

em anexo (C) as análises completas das entrevistas realizadas para essa pesquisa. Sendo

que a primeira coluna representa a fala da entrevistada, assim como foi dito, e as colunas

seqüentes são o segundo, terceiro, e quarto passos propostos.

Page 19: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

16

Resultados e Discussão

Apresentam-se os resultados da pesquisa, busca-se compreender como tem sido a

vivência de cada mãe entrevistada, a respeito do fenômeno ser-mãe de uma criança com

câncer. Pode-se chegar a estes resultados categorizando-se as unidades significativas a

partir da singularidade de cada tema do discurso das mães.

Apesar de o fenômeno pesquisado ser o mesmo, cada mãe possui um modo

singular de experiência. Desse modo, Ribeiro (2007) afirma que a pessoa humana é

singular e, quando essa singularidade é percebida e vivenciada, poderá ser tornar uma

fonte inesgotável de mudanças para o indivíduo que a experiencia.

Percebe-se que a situação de doença do filho gerou variações no modo de ser-mãe

para todas as participantes. Dione foi a que apresentou maior mudança nesse sentido, pois

antes, não assumia o seu papel de mãe, e após o diagnóstico, teve que assumí-lo. Gaia

tenta ser a mesma mãe, porém a situação de doença, a impossibilita de dialogar com o

filho, devido o medo de questionamentos por parte da criança. Já Ceres, em seu novo

modo de ser-mãe, evita fazer planos para o futuro da filha, devido o medo da morte da

criança.

A Vivência de Dione

Conforme pode-se verificar na Tabela 1, a unidade significativa referente ao ser-

mãe de uma criança com câncer, demonstrou ser de dor, sentimento de falta e desprezo.

Dione utilizou-se de uma metáfora para esclarecer como é o ser-mãe de uma criança com

câncer, assegurou que “é como se tivesse levado uma facada no peito”. Assim, demonstrou

que a essência desse modo-de-ser para ela, era muito dolorosa e composto por um

sentimento de falta.

Page 20: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

17

Nesse momento, a entrevistada não constatou mudanças em relação ao seu filho

hospitalizado, pois sua queixa principal era relacionada ao outro filho que estava em casa e

que também necessitava de cuidados por ser bebê e alérgico.

Dessa forma, Dione se sentiu dividida entre o filho que estava em casa e o filho que

estava com câncer, o que a faz não se sentir totalmente presente com os dois filhos. Assim

como afirmam Costa e Lima (2007), para as mães que possuem mais de um filho, podem

haver dificuldades, pois o filho saudável não compreende a ausência da mãe.

Pode-se perceber que Dione não conta com uma rede de apoio positiva, pois como

assegura Steffen e Costoldi (2006), as famílias que podem contar com uma rede de apoio,

possuem menos dificuldades para enfrentar a separação da díade mãe e filho não

hospitalizado.

No caso de Dione, pode-se assegurar que ela não estava completamente disponível

para o filho hospitalizado, pois o seu outro filho bebê ainda necessita de cuidados, o que a

faz se sentir dividida. A experiência corrobora a afirmação de Sylva e Lunt (1994), de que

os filhos bebês possuem necessidade de estarem constantemente com suas mães.

As unidades significativas referentes aos medos de Dione diante do fenômeno

pesquisado foram: medo do preconceito das pessoas e medo da morte do filho. Dione

relatou ter medo de seu filho ser percebido de forma diferente pelas outras pessoas, ou

seja, tem medo do preconceito das pessoas, ato que tem como consequência o isolamento.

A afirmação de Dione pode ser percebida como um medo real, pois, o indivíduo é um ser

de relação, e como afirma Ribeiro (1999) somos seres relacionais, estamos imersos no

mundo, eu não existo sem o outro, estamos em constante relação com o meio que vivemos.

Outro medo percebido é o da morte do filho. Diante dessa situação, Dione buscou a

fé em Deus como superação desse medo, pois essa foi a melhor forma encontrada para se

ajustar a esse novo modo-de-ser.

Page 21: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

18

No que diz respeito ao “ser-mãe”, Dione corrobora com as idéias de Badinter

(1985), ao dizer “eu não imaginava que ia ser mãe, foi horrível (...) demorou pra cair a

ficha e entender que eu sou mãe”. Somente depois do diagnóstico foi que começou a

cuidar de seu filho, hoje está aprendendo a ser mãe. A autora acredita que o amor materno

não é intrínseco, e sim aprendido, conquistado, assim como foi a experiência de Dione.

A entrevistada ressalta “Acho que Deus viu que eu tava me afastando dos meus

filhos e me deu esse choque”, dessa forma, pode-se evidenciar que Dione acreditava que

Deus a puniu por não ter sido uma mãe tão presente no passado, contudo, por meio de sua

mudança, conseguiu se redimir.

A experiência de Dione confirma a afirmação de que apesar da família como um

todo ser afetada pelo diagnóstico, a mãe, é identificada como principal cuidadora da

criança (Moreira & Ângelo, 2008; Lima, 2004). No caso de Dione, ela realmente teve que

assumir o papel de mãe, antes não admitido.

A vivência de Dione corrobora o princípio da organização proposto pela teoria de

campo, pois, afirma que para um comportamento ocorrer depende da ausência ou presença

de um fato, ou seja, depende da organização do campo naquele momento. (Parlett, 1991).

Para que Dione se tornasse realmente mãe de seu filho, foi necessário que um novo fato

ocorresse, o diagnóstico de câncer. Dessa forma, o campo de Dione foi reorganizado frente

a situação de doença do filho, e passou a assumir a função de mãe, antes não assumida.

Outro princípio que pode ser verificado na vivência da entrevistada, é o da

contemporaneidade, de que o importante é a maneira como eu vivencio agora o meu

passado e como ela irá criar possibilidades de escolhas (Harris, 1998). Dione demonstrou

esse princípio ao relatar o seu antigo modo-de-ser, hoje ela possui consciência desse modo

e não tem o desejo de retomá-lo, criou novas possibilidades para si.

Page 22: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

19

Tabela 1. Unidades significativas referentes à vivência de Dione.

A Vivência de Gaia

De acordo com as unidades significativas emergentes do discurso de Gaia,

conforme consta na Tabela 2, apresentam-se os resultados. A entrevistada relatou sua

dificuldade em ser-mãe de uma criança com câncer, como sendo um momento de

dificuldade, susto e sofrimento, pois tem uma convivência muito próxima do filho, o que a

faz olhar para o sofrimento dele e sofrer também. Além disso, o sofrimento se intensificou

devido ao prognóstico, que abrangeu a possibilidade de morte do filho.

A vivência de Gaia confirma a pesquisa de Nascimento et al. (2005), que diante da

experiência de possuir um filho com câncer, sentimentos e sensações como a angústia, dor,

sofrimento e o medo diante da possibilidade de morte, são reais.

Gaia relatou que ocorreram mudanças no âmbito familiar, pois eles a culpam pela

doença do filho, e expôs “por mais que eu pense que não tenho culpa, que não é culpa

minha, acaba confundindo, vem a insegurança”. Nesse momento, a entrevistada

demonstrou que a situação de doença do filho gerou sentimentos de culpa, confusão e

insegurança.

Ser-mãe de uma criança com câncer - Dor, sentimento de falta e desprezo. Mudanças ocorridas após o diagnóstico - Se sente dividida (quanto ao cuidado cuidado com o filho que está internado e o filho que está em casa). - Medo do preconceito das pessoas. Medos - Medo da morte do filho. - A fé em Deus como superação do medo da morte. Expectativas referentes ao ser-mãe - Alteração no papel de mãe frente ao diagnóstico - Acha que Deus a puniu por não ter sido uma mãe tão presente no passado. Contudo, por meio de sua mudança, conseguiu se redimir.

Page 23: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

20

Essa mudança ocorrida no contexto familiar de Gaia, corrobora com o conceito de

pôr-se em acordo com o meio ambiente, proposto pela teoria organísmica. Esse conceito

assevera que o meio exerce grande influência no organismo, e quando ocorre forte pressão

no indivíduo, pode gerar uma incapacidade para progredir (Ribeiro, 1999). De acordo com

o relato da entrevistada, sua família a influenciou diante da nova situação, deixando-a

confusa em relação a sua culpa perante a doença, mostra-se assim, a importância do meio

para o indivíduo. No caso de Gaia a influência ocorreu de forma forte, o que a fez paralisar

e a incapacitou de progredir, conforme explicita esse princípio.

Também houve alterações emocionais na vida de Gaia, que pode ser confirmada

por sua fala “me afeta muito emocionalmente (...) me faz pensar só nas coisas ruins que

acontecem, e esquecer das boas”. Nessa situação, os pensamentos negativos se tornam

unidades significativas em sua vivência.

No que diz respeito ao ser-mãe, Gaia demonstrou não ter o intuito de seguir o

modelo de mãe que teve, relatou que nesse momento desejava que o filho “tivesse uma

mãe amiga, que pudesse conversar, confiar, e que acima de tudo, fosse uma companheira,

queria que ele confiasse em mim”, ou seja, tenta ser uma mãe presente e carinhosa com

seu filho.

A vontade em dar ao filho um modelo de mãe diferente do que teve, corrobora com

o quarto princípio da teoria de campo, de que o campo está em constante modificação, é

contínuo (Harris, 1998). Devido essa vontade de ser diferente de sua mãe, o campo de

Gaia sofreu modificação, por um desejo dela, de não dar continuidade a um modelo

considerado inadequado por ela.

O desejo de possuir um diferente modo de ser-mãe proposto por Gaia corrobora a

afirmação de Hall e Lindzey (1973), de que há diferentes modos de ser-no-mundo, e que

cada indivíduo tem o seu próprio modo de compreender, interpretar e se expressar.

Page 24: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

21

Percebeu-se que Gaia possui um modo-de-ser baseado no cuidado em relação a seu

filho, que é o esperado socialmente de uma mãe, e assim como afirma Boff (1999), ser-

mãe vai além de uma função, representa cuidado, carinho e confiança. Esse modo-de-ser

permite entrar em sintonia com o outro e com o mundo.

Apesar de possuir esse modo-de-ser, Gaia acreditava que não estava sendo uma boa

mãe, pois não conseguia conversar com o filho assim como era antes, pois até hoje não

conseguiu explicar a verdade da doença para a criança, e dessa forma, sempre que tenta um

diálogo, interrompe, pelo medo de questionamentos por parte da criança.

Gaia descreveu que tem medo de como o filho será tratado ao sair do hospital, pois,

já percebeu uma mudança de comportamento de sua mãe em relação ao filho, e afirmou

“minha mãe sempre brincou muito com ele, fez tudo por ele, ai quando ela vem aqui no

hospital, ela nem conversa com ele direito”.

Tabela 2. Unidades significativas referentes à vivência de Gaia.

A Vivência de Ceres

Damasio e Rúmen (2005), afirmam que diante de uma nova experiência, é esperado

que a mãe desenvolva recursos que a possibilite enfrentar o processo de hospitalização do

filho. Foi isso que Ceres teve que fazer, diante de uma situação difícil, teve que se

Ser-mãe de uma criança com câncer - Momento de dificuldade, susto e sofrimento - Temor pelo prognóstico Mudanças ocorridas após o diagnóstico - Mudanças no relacionamento familiar - Mudanças emocionais – “Culpabilização” - Sentimento de culpa, confusão e insegurança - Pensamentos negativos - Vivência do preconceito das pessoas Expectativas referentes ao ser-mãe - Tenta ser presente e carinhosa Medos - Medo de explicar a verdade da doença para a criança - Medo de perder o filho

Page 25: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

22

reorganizar para vivenciar essa experiência. A reorganização pode ser percebida por

intermédio das unidades significativas que emergiram do discurso de Ceres, conforme

consta na Tabela 3.

Essa reorganização na vida de Ceres corrobora o princípio da organização proposto

pela teoria de campo, onde o campo é passível de reorganizações diante de novas situações

e com o passar do tempo, de acordo com o contexto que o individuo está vivenciando

(Parlett, 1991). Na vivência de Ceres, diante de possuir um filho diagnosticado com

câncer, teve que reorganizar o seu meio para poder enfrentá-lo.

Aprendizado foi a palavra utilizada por Ceres para descrever o que é ser-mãe de

uma criança com câncer. Estar em constante contato com sua filha, aprender e ensinar o

que é o câncer aos amigos e familiares, foi a forma encontrada para vivenciar o pré-

conceito das pessoas em relação à doença. O aprendizado foi o recurso que a possibilitou

enfrentar essa situação.

A nova forma de agir de Ceres corrobora com o conceito de equalização proposto

pela teoria organísmica. Afirma que a energia do indivíduo tende a ser distribuída

igualmente, porém, diante de uma situação nova, o ser humano tende a descarregar mais

energia (Ribeiro, 1999). Na vivência de Ceres, atualmente, ela utiliza mais energia para

enfrentar a situação inesperada.

Ceres descreveu ser uma situação complicada, pois nunca imaginou que isso

poderia acontecer com sua filha. Sua fala ratifica Gramacho (1998), que ressalta que em

casos de diagnósticos de câncer em crianças, as dificuldades são ainda maiores, em nossa

cultura é comum pensarmos que somente os adultos podem adoecer, e que as crianças são

frágeis, ingênuas e não tiveram oportunidade de viver tudo que tinham para viver.

No que diz respeito às mudanças, ocorreram alterações na rotina de sua casa devido

à atenção constante que tem que ser oferecida à filha, hoje ela requer mais cuidado e

Page 26: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

23

tempo. A vivência de Ceres confirma Moreira e Ângelo (2008), pois ressaltam que a rotina

doméstica sofre alterações em virtude das frequentes hospitalizações e do cuidado em

tempo integral.

A entrevistada sentiu-se dividida por ter que deixar sua outra filha em casa, porém,

apesar das dificuldades, relatou que é uma boa mãe. Compreendeu o termo “boa mãe”

como sendo estar presente, por intermédio da ajuda, educação, amor e carinho. A fala de

Ceres completa a afirmação de Sylva e Lunt (1994) de que entre os papéis que são

atribuídos à mãe, estão o de amar e cuidar.

Considerou que suas expectativas quanto ao papel de mãe não sofreram alterações

após a doença da filha, porém, ressaltou que não tem perspectivas quanto ao futuro da

criança, vive o presente. Relatou “não gosto de ficar pensando no futuro, em como vai ser

não sabe, não fico fazendo planos para ela (...) por que depois, se não der certo, vai ser

uma dor grande demais”.

Evitar fazer planos para a filha, foi a forma que Ceres conseguiu para enfrentar a

possibilidade de morte. Ceres relata “tento pensar que ela é forte, é pequenininha, mas é

forte, ta aguentando firme o tratamento (...) fico pensando que ela vai sair dessa”.

Apesar do relato de Ceres ter revelado uma falta de realização de planos para o

futuro da filha, o que tem como consequência uma vivência voltada para o presente, a

entrevistada possui expectativa de recuperação da criança. Esse modo de agir demonstra a

tendência a auto-realização proposta pela teoria organísmica, sendo o modo pelo qual o

organismo mantém o seu equilíbrio e satisfaz suas necessidades. Assim, não fazer planos

para o futuro da filha, foi a forma encontrada por Ceres para encarar essa nova situação,

foi a maneira que seu organismo encontrou de se equilibrar diante da situação de doença

da filha.

Page 27: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

24

Tabela 3. Unidades significativas referentes à vivência de Ceres.

Conclui-se que é certo que cada mãe entrevistada tem uma experiência única em

relação ao fenômeno ser-mãe de criança com câncer, porém, há alguns pontos que se

mostraram comuns nas três mães participantes do estudo, e que necessitam ser ressaltados.

A experiência única de cada mãe corrobora com o princípio da singularidade da

teoria de campo, no qual apesar de existirem situações semelhantes, a experiência de cada

indivíduo é única, pois são pontos de vistas diferentes, ou seja, vivências diferentes

(Parlett, 1991).

Petrelli (2005) ressalta que apesar de cada indivíduo possuir sua própria

experiência, há aquelas que são essências universais, ou seja, comum a todos. Neste

estudo, pode-se perceber que as três mães participantes demonstraram que ocorreram

mudanças relativas às suas vidas, em diferentes âmbitos: mudanças na rotina, com os

membros da família e mudança psicológica.

Outro fator comum às mães entrevistadas, diz respeito aos medos existentes hoje,

após o diagnóstico de doença, que é o medo de perder o filho. Percebe-se que as duas mães

que receberam o diagnóstico a pouco tempo, possuem medo do preconceito das pessoas

em relação ao seu filho.

Ser-mãe de uma criança com câncer - Aprendizado, como forma de Enfrentamento - Enfrenta pessoas com pré-conceito da doença Mudanças ocorridas após o diagnóstico - Mudança total na rotina - Sente-se dividida (quanto ao cuidado com o filho que está internado e o filho que está em casa) Expectativas referentes ao ser-mãe - Percebe-se como boa mãe - Não tem perspectivas quanto ao futuro da filha, vive o presente - Expectativa de recuperação, ou uma preparação psicológica para a morte Medos - Medo da morte do filho

Page 28: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

25

Foi possível verificar que as mães que possuem mais de um filho, se sentem

divididas, entre estar no hospital com o filho que tem câncer, e estar em casa com o outro

filho, há um sentimento ambivalente, referente a própria conduta.

Pode-se ressaltar que os princípios propostos pela teoria de campo foram

corroborados por meio do relato da vivência das entrevistadas. Assim como, os conceitos

explicitados pela teoria organísmica também foram passíveis de observação nesse estudo.

Sugere-se a replicação desse estudo, com o intuito de verificar a compatibilidade

das essências universais encontradas e também, constatar a ampla quantidade de unidades

significativas para cada entrevistada.

Torna-se importante para o psicólogo, principalmente para aqueles que atuam na

área hospitalar, com um contexto mais amplo e em ambientes menos reservados como

enfermarias, corredores etc. A importância de se atentarem à essência daquele indivíduo

que está a sua frente, como um ser único, com expectativas e medos singulares, cumprindo

assim sua função enquanto mediador, auxiliando este ser a existir no mundo que está

inserido.

Page 29: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

26

Referências

Andrade, C. C (2007). A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: Um estudo fenomenológico na Gestalt-terapia. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. Angerami-Camon, V. A. (1995). Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática. São Paulo: Pioneira Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Boff, L. (1999). Saber cuidar: Ética do humano – Compaixão pela Terra. Petrópolis, RJ: Vozes. Bruscato, W. L., Kitayama, M. M. G., Fregonese, A. A., & David, J. H. (2006). O trabalho em equipe multiprofissional de saúde. Em W. L. Bruscato, C. Benedetti & S. R. de A. Lopes (Orgs.). A Prática da Psicologia Hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. (pp.33-41). São Paulo: Casa do Psicólogo. Campos, T. C. P. (1995). Psicologia Hospitalar: A atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU Carvalho, M. M. (2002). Psico-oncologia: história, características e desafios. Psicologia USP, 13, 151-166. Costa, J. C. & Lima, R. A. G. (2002). Crianças/Adolescentes em quimioterapia ambulatorial: Implicações para a enfermagem. Revista Latino Americana de Enfermagem, 10, 321-333. Costa Junior, A. L. (2001). O desenvolvimento da psico-oncologia: implicações para a pesquisa e intervenção profissional em saúde. Psicologia: ciência e profissão, 21, 36-43. Damasio, A, & Rúmen, F. (2005). Mães na assistência à criança com câncer, o enfrentamento sem a figura paterna em casa de apoio. Em E.Perina (Org.), As Dimensões do cuidar em Psiconcologia Pediátrica (pp.183-189). Campinas: Livro Pleno.

Page 30: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

27

Dessen, M. A., & Braz, M. P. (2005). A família e suas inter-relações com o desenvolvimento humano. Em M. A. Dessen & A. L. Costa Júnior (Orgs.), A Ciência do desenvolvimento humano (pp.113-129). Porto Alegre: Artmed. Ginger, S. & Ginger, A. (1995). Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo: Summus. Giorgi, A. (1985). Shetch of psychological phenomenological Method, Em: C. Aanstoos, W. F. Fisher, A. Giorgi & F. J. Wertz (Orgs.). Phenomenology and Psychological Research. (pp. 8-22). Pittsburgh, PA: Duquesne University Press. Gramacho, P. M. (1998). Os Serviços Clínicos de Psico-oncologia da Associação de Combate ao Câncer em Goiás: O serviço de Psicologia na Pediatria. Em M. M. M. J. Carvalho (1998). Psico-oncologia no Brasil: Resgatando o Viver. (pp.95-99). São Paulo: Summus. Hall, C. S., & Lindzey, G. (1973). Teorias da Personalidade. São Paulo: EPU. Harris, J. B. (1998). Teoria de Campo e Processo Grupal. The British Journal. Heidegger, M. (1981). Todos nós... ninguém: Um enfoque fenomenológico do Social. São Paulo: Editora Moraes Instituto Nacional do Câncer – INCA. (2008) Particularidades do Câncer infantil. Retirado no dia 11/04/2009, do site http://www.inca.gov.br/conteudo_view.a sp?id=343 Lima, D. P. & Lopes, O. (2001). A Organização familiar e o acontecer do tratamento da criança com câncer. Em: Elizabeth R. M. V. (org.) Psico-oncologia Pediátrica (pp.13-74). São Paulo: Casa do Psicólogo. Lima, M. G. S. (2004). Atendimento Psicológico da Criança no ambiente hospitalar. Em: A Prática da Psicologia Hospitalar na Santa Casa de São Paulo (pp. 81-87). São Paulo: Casa do Psicólogo. Moreira, D. A. (2002). O Método Fenomenológico na Pesquisa. São Paulo: Thomson Pioneira. Moreira, P. L., & Ângelo, M. (2008). Tornar-se mãe de criança com câncer: construindo a parentalidade. Revista Latino-americana de Enfermagem, 16, 335-

Page 31: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

28

361. Nascimento, L. C., Rocha, S. M. M., Hayes, V. H., & Lima, R. A. G. (2005). Crianças com câncer e suas famílias. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 39, 469-474. Parlett, M. (1991). Reflexões sobre a Teoria de Campo. The British Gestalt Journal, 1, 68- 91. Pedroso, G. C. (2002). Programas de Mãe Participante: Uma reflexão. [versão eletrônica] Brazilian Pediatric News, 4, 1-20. Perls, F. (1988). A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. Rio de Janeiro: LTC. Petrelli, R. (2005). Fenomenologia: teoria, método e prática. Goiânia: Editora UCG. Ribeiro, J. P. (1999). Gestalt-terapia de curta duração. São Paulo: Summus. Rodrigues, K. E., & Camargo, B. (2003). Diagnóstico precoce do câncer infantil: responsabilidade de todos. Revista da Associação Médica Brasileira, 49. 29-34. Santos, L. M. P., & Gonçalves, L. L. C. (2008). Crianças com câncer: desvelando o significado do adoecimento atribuído por suas mães. Revista Enfermagem UERJ, 16, 224-229. Sylva, K. & Lunt, I. (1994). Iniciação ao Desenvolvimento da Criança. São Paulo: Martins Fontes. Steffen, B. C. & Castoldi, L. (2006). Sobrevivendo à tempestade: a influência do tratamento oncológico de um filho na dinâmica conjugal. Psicologia: ciência e profissão, 26, 406-425. Winnicott (1982). A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Yontef, G. M. (1998). Processo, Diálogo e Awareness: Ensaios em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus.

Page 32: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

29

Anexos

Page 33: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

30

Anexo B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidada a participar, como voluntário, de uma pesquisa. Após ser esclarecida sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma. Em caso de dúvida quanto aos aspectos éticos você poder procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia pelo telefone: (62) 3254-4144.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA: Título da Pesquisa: Ser-mãe de criança com câncer: mudanças, medos e expectativas. Nome da Pesquisadora: Mariana Alvarenga Rodrigues Telefone para contato: (62) 9245-2570 Nome da Orientadora: Prof ª. Patrícia Marinho Gramacho Telefone para contato: (62) 9255-6095 Nome da Supervisora de Campo: Mariana Abbott Telefone para contato: (62) 8463-7298 A Senhora está sendo convidada a participar desta pesquisa que tem como finalidade investigar como é o modo de ser-mãe de crianças com câncer. Os objetivos específicos serão: investigar as mudanças que ocorrem na vida das mães; quais expectativas elas possuem e quais os medos existentes. Ao participar deste estudo a Senhora permitirá que a pesquisadora Mariana Alvarenga Rodrigues, realize uma entrevista gravada em áudio, em uma sessão, no sentido de investigar como é o seu modo de ser-mãe, quais as mudanças, medos e expectativas existem em sua vida hoje, a partir disso, será possível fazer as análises necessárias para que este estudo alcance seus objetivos.

Conforme dispõe a Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996, emanada do Conselho Nacional de Saúde, todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais, sendo preservada sua identidade, assim como a identidade de todas as pessoas por você referidas. A psicóloga pesquisadora bem como a supervisora prática do estágio estará a disposição para qualquer intervenção, podendo o mesmo interromper ou desistir da pesquisa a qualquer momento sem nenhum ônus. Com a necessidade de suporte psicológico/emocional durante a entrevista, o paciente será atendido imediatamente pela psicóloga supervisora do trabalho, com atendimento terapêutico, breve focal, visando restituir a condição anterior de homeostase do mesmo. Se necessário, será feito encaminhamento para atendimento psicológico continuado. Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas, sendo a principal investigadora Mariana Alvarenga Rodrigues, que você poderá entrar em contato, no endereço: Rua Campinas Nº 1135 Setor Americano do Brasil. A Senhora tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo à continuidade do atendimento na instituição hospitalar. Nome do pesquisador:__________________________________________________

Page 34: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

31

Assinatura do pesquisador:______________________________________________

Data: ___________________

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu, ________________________________________________________________, RG

nº________________, CPF nº__________________, abaixo assinado, concordo em

participar do estudo “Ser-mãe de criança com câncer: mudanças, medos e expectativas”.

Fui devidamente informada e esclarecida pela pesquisadora Mariana Alvarenga

Rodrigues sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, bem como de que minha

participação é voluntária.

Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que

isto leve a qualquer penalidade quanto ao atendimento do paciente na instituição

hospitalar.

Local e data:

Nome do sujeito ou responsável: ------------------------------------------

Assinatura do sujeito ou responsável: -------------------------------------

Page 35: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

32

Anexo C

ENTREVISTA - DIONE

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Como é pra você hoje ser mãe de uma criança que tem câncer? Não é fácil... Pergunta: Quando você me fala que “não é fácil”, que sentimento que vem? É muita dor... Desprezo, parece que ta alguma coisa faltando, como se eu tivesse levado uma facada no peito de alguém, não consigo nem explicar de tão grande que é.

Dione percebe sua situação como sendo algo que não é fácil, significa muita dor e desprezo. Compara o seu sentimento como se estivesse faltando algo, ou como se tivesse levado uma facada no peito.

Dione reconhece a situação difícil. Descreve sua dor, sentimento de falta e desprezo pela situação. Considera difícil explicar sua dor.

Dor, sentimento de falta e desprezo.

Page 36: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

33

ENTREVISTA - DIONE

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Desde que você descobriu a doença do seu filho ocorreu alguma mudança na sua vida? Não, mais mesmo é a questão do meu outro filho, de pouco mais de 1 ano, por que ele tem alergia a um monte de coisa, lactose, frutose, fralda, então tem que ter muito cuidado com ele também, e eu sei cuidar dele, sei que ele precisa desses cuidados, mais ai, como eu tive que vim aqui pro hospital, tive que deixar ele lá com a minha sogra, ela sabe que ele não pode comer um monte de coisa, mas da mesmo assim sabe, ai é difícil demais, to aqui, mas minha cabeça ta lá sabe.

Dione acredita que não ocorreram mudanças em relação ao filho doente, porém, ocorreram mudanças a respeito de seu outro filho. Devido à hospitalização, seu outro filho tem que ficar com a sogra, e ele necessita de alguns cuidados na alimentação devido a alergias, e essas pessoas não tem o mesmo cuidado que ela tem. Isso a faz ficar no hospital com a cabeça em casa.

Dione não constata mudanças em relação ao seu filho hospitalizado. Se percebe dividida por ter deixado o outro filho, que requer cuidados especiais em casa.

Sente-se dividida (quanto ao cuidado com o filho que está internado e o filho que está em casa).

Page 37: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

34

ENTREVISTA - DIONE

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Então hoje a mudança que você é em relação a ter que deixar seu outro filho com outras pessoas que não dão o mesmo cuidado que você da? É, isso mesmo. E tem também outra coisa, a questão das pessoas tratarem meu filho diferente sabe. Pergunta: Você percebe que hoje as pessoas já tratam ele diferente ou não? Não, ainda não, é um medo que eu tenho. Pergunta: Hoje você tem mais algum medo? Tenho, meu irmão conseguiu uma bolsa numa escola pra ele, quando ele ficar um pouquinho maior, eu quero o melhor pro meu filho, mas o meu medo é perder ele, dele não conseguir chegar lá na frente e usar essa bolsa. Medo de perder, mas eu confio muito em Deus, sei que ele não vai fazer isso, vai fazer o de melhor pra gente.

Dione ressalta que tem medo das pessoas tratarem seu filho diferente, porém isso não ocorre hoje. Percebe que também sente medo do filho não conseguir utilizar a bolsa de estudos que ganhou, por medo dele não chegar a utilizá-la, por medo de perder ele. Apesar de o medo existir, Dione confia em Deus, e sabe que ele vai fazer o melhor.

Dione relata seus medos – do preconceito das pessoas para com seu filho, da morte do filho. Enfrenta o medo da morte do filho por meio da fé em Deus.

Medo do preconceito das pessoas. Medo da morte do filho.

A fé em Deus como superação do medo da morte.

Page 38: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

35

ENTREVISTA - DIONE

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Quando você se torna mãe, você começa a ter uma expectativa, de como você vai ser como mãe, qual era a sua expectativa? Na verdade eu não imaginava que ia ser mãe, foi horrível, o pai sumiu, no começo não foi mil maravilhas, hoje eu cuido dele bem, super bem, mas demorou pra cair a ficha e entender que eu sou mãe entendeu? Então quem tomou mais rédia foi minha mãe, tanto que até hoje ela fala que quem é mãe dele é ela. Ai agora que eu fui acordar, por que eu fiquei mais mãe, cuido mais do meu outro filho também, sei o que é ficar a noite toda acordada, ver seu filho doente, agora eu sei o que é ficar a noite inteira acordada. Pergunta: Então você também mudou com o diagnóstico? Mudei, mudei mesmo, me aproximei mais do meu filho. Acho que Deus viu que eu tava

Dione demonstrou que não imaginava que seria mãe, que no inicio foi horrível. Relata que demorou algum tempo para perceber que era mãe realmente, e enquanto isso não ocorreu, sua mãe cuidou de seu filho. Dione percebe que após o diagnóstico, se tornou mais mãe de seu filho, se aproximou mais do filho. Acredita que isso ocorreu por que Deus viu que ela estava se afastando dos filhos. Hoje Dione se sente um pouco culpada por não ter ficado o tempo todo próxima ao filho, porém, percebe que atualmente, esta tendo mais cuidado com o filho, e sendo realmente uma boa mãe, dando respeito, carinho, e educação.

Dione tem consciência que houve alterações no ser-mãe devido ao diagnóstico de seu filho. Ela teve que assumir o papel de mãe de seu filho, um papel que antes era negligenciado. Percebe Deus como favorecedor da aproximação do filho por meio da doença.

Alteração no papel de mãe frente ao diagnóstico. Acha que Deus a puniu por não ter sido uma mãe tão presente no passado. Contudo, através de sua mudança, conseguiu se redimir.

Page 39: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

36

me afastando dos meus filhos e me deu esse choque. Pergunta: Como você se sente, vendo que era afastada do seu filho, e hoje esta mais próxima dele? Me sinto um pouco culpada, não por ele ter a doença, mas por eu não ter ficado tão perto dele. Pergunta: E hoje, como você se vê como mãe? Me vejo tendo mais cuidado, cuidado com as coisas que eu falo pra ele, com o jeito que eu vou brigar com ele. Pergunta: O que você acha que é ser mãe? Ah, acho que é tudo, dar respeito, dar carinho, dar educação, ensinar o que é certo e o que é errado. Pergunta: E você acha que você esta sendo isso tudo para seu filho? Acho, mudei muito, não tinha paciência, mas hoje eu estou realmente sendo uma mãe pra ele.

Page 40: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

37

ENTREVISTA - GAIA

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Eu quero saber, como é pra você hoje ser mãe de uma criança que tem câncer? É muito difícil, por que acaba que você sofre junto com ela, por ver o sofrimento da criança, eu sofro junto com ela. Pra mim foi assustador a hipótese dele ter leucemia, então, é muito difícil. Pergunta: Hoje você ainda assusta com esse diagnóstico? Assusto, ate por que o Doutor é muito claro, e não deixou de falar que é uma doença de risco ne, principalmente durante o tratamento, por que tem um período muito delicado, e ele falou que a maioria se dá bem, mas não são todos né. Acaba se colocando no meio desse não todos sabe.

Gaia relata que é muito difícil ser mãe de uma criança que tem câncer pois ao ver o sofrimento da filha, sofre junto com ela. Gaia relata que foi assustador receber a hipótese do diagnóstico de leucemia. Destaca que ainda hoje é assustador esse diagnóstico, uma vez que o médico foi claro ao dizer que é uma doença de risco, e que nem todas as crianças ficam bem no final..

Gaia relata a dificuldade e o seu susto ao saber que seu filho tinha câncer. Descreve a sua dor por ver o filho sofrer e o seu temor quanto ao prognóstico.

Momento de dificuldade, susto e sofrimento. Temor pelo prognóstico.

Page 41: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

38

ENTREVISTA - GAIA

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: O que te assusta então? O medo, não sei assim qual o sentimento. Pergunta: E o medo, é um medo de que? Ai, eu até tava falando disso hoje, eu sinto aquele medo de perda, um sentimento que eu não sei explicar.

Gaia diz ter medo e depois declara não saber o sentimento. Na sequência diz ter o medo de perder.

Gaia teve dificuldades em entrar em contato com seus sentimentos, mas percebeu que tem medo de perder o filho.

Medo de perder o filho.

Page 42: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

39

ENTREVISTA - GAIA

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Depois do diagnóstico, aconteceu alguma mudança na sua vida? Muitas. De um modo geral mudou minha vida em casa, com a minha família, ate pelo fato de eles acreditarem que eu tenho culpa dele estar passando por isso, então, mudou muita coisa. Pergunta: Você me falou que houve mudanças na sua família, por que eles acham que você tem culpa, você acha que você tem culpa? Assim, é difícil sabe, eu acabo pensando nisso, por mais que eu pense que não tenho culpa, que não é culpa minha, acaba confundindo, vem uma insegurança. Pergunta: Você me falou da mudança que teve com a sua família, teve mais alguma mudança na sua vida?

Gaia relata que após o diagnóstico ocorreram várias mudanças em sua vida. Uma dessas mudanças ocorreu em sua casa, com a família, por que eles acreditavam que ela tem culpa pela doença do filho. Ela conta que quando a família a acusa, ela pensa nisso e por mais que reflita que não tem culpa, sente-se confusa e insegura. Gaia observou que o seu emocional também sofreu alterações, hoje pensa só nas coisas ruins que acontece, e não lembra das coisas boas.

Gaia relata as mudanças ocorridas em sua vida, conta que a família a culpa pela doença do filho. Ela descreve suas mudanças emocionais, sente-se: confusa, insegura, às vezes culpada com pensamentos negativos.

Mudanças no relacionamento familiar. Mudanças emocionais. “Culpabilização”. Sentimento de culpa, confusão e insegurança. Pensamentos negativos.

Page 43: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

40

Teve, por que me afeta muito emocionalmente, por que quando eu vejo ele triste, eu acho que essa tristeza que eu to sentindo, me faz pensar só nas coisas ruins que acontecem, e esquecer das boas sabe.

Page 44: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

41

ENTREVISTA - GAIA

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Quando você se torna mãe, você tem uma expectativa de como você vai ser como mãe ne, qual expectativa que você tinha de você como mãe? Ai, sempre tentei ser uma mãe que eu não tive. Minha mãe era uma ótima mãe na questão de educação, mas era ausente em carinho, assim, criava os filhos pra colocar nas regras dela e pronto, e não é isso que eu quero pro meu filho. Pergunta: O que você quer pro seu filho? Eu queria que ele tivesse uma mãe amiga, que pudesse conversar, confiar, e que acima de tudo, fosse uma companheira, queria que ele confiasse em mim. Pergunta: E você acha que você esta sendo essa mãe

Gaia diz que sempre tentou ser uma mãe que não teve, pois sua mãe era muito ligada a educação, porém, ausente em carinho. Hoje, Gaia deseja que o filho tenha uma mãe amiga, que converse, confie e seja companheira. Percebe que hoje não está sendo essa mãe, pois após o diagnóstico, não consegue conversar do mesmo jeito com seu filho. Acredita que não é do mesmo jeito por que até hoje não conseguiu explicar para ele o que esta acontecendo, por alguns medos que sente, e assim, sempre que tenta conversar com ele, vem a vontade de explicar e o medo.

Não tem o desejo de seguir o modelo de mãe que teve, deseja que o filho tenha uma mãe amiga, confiável, companheira e que converse com ele. Hoje, acredita não estar sendo uma boa mãe, por que não consegue conversar com o filho assim como era entes, pois até hoje não conseguiu explicar para a criança o que esta acontecendo. Dessa forma, quando tenta estabelecer um diálogo, ele é interrompido pelo medo do questionamento por parte da criança.

Tenta ser presente e carinhosa,

Medo de explicar a verdade da doença para a criança.

Page 45: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

42

hoje? Não, eu não consigo conversar com ele como era antes. Pergunta: Você sabe o que acontece que você não consegue conversar com ele como era antes? Hoje é difícil, tenho muito medo de tudo ainda, já mudou um pouco, mas ainda tenho medo. Já tentei explicar varias vezes o que ta acontecendo e não consigo, as vezes acho que ele é pequeno demais pra entender, outras eu acho que ele vai começar a me perguntar coisas que eu não vou saber responder, eu tenho medo disso, tenho medo de explicar de uma forma que não é a verdadeira, e ai quando eu olho pra ele, vem essa vontade de explicar, mas eu não do conta, e ai fica assim.

Page 46: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

43

ENTREVISTA - GAIA

Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Você me falou de alguns medos que você tem como o medo dele morrer, hoje você tem mais algum medo? Tenho, medo de como ele vai ser tratado daqui pra frente, por todas as pessoas. Quando eu recebi o resultado, eu não sabia como passar isso pra frente, principalmente pra minha família, eu já esperava uma reação não muito agradável. Ele sempre foi uma criança muito querida lá em casa, muito paparicada, e ai eu tive medo disso mudar, de certa forma já acabou mudando. Pergunta: Você vê que hoje já mudou a maneira como as pessoas tratam ele? Minha mãe sempre brincou muito com ele, fez tudo por ele, ai quando ela vem aqui no hospital, ela nem conversa com ele direito, ignora ele, e ele percebe, afeta muito ele.

Gaia relata ter medo em relação a como as pessoas irão tratar seu filho, principalmente sua família. Ressalta que ele sempre foi uma criança querida por todas, e que sua mãe sempre fez tudo por ele, porém, agora percebe que sua mãe não o trata da mesma maneira quando ele esta hospitalizado, e isso afeta o filho.

Descreve ter medo de como o filho será tratado ao sair do hospital, pois já percebe mudança no comportamento de sua mãe em relação ao filho. Demonstra a forma que a avó da criança encontrou para lidar com a nova experiência.

Mudança na relação dos membros da família com o filho (Vivência do preconceito das pessoas com a criança).

Page 47: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

44

ENTREVISTA - CERES Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Como é ser mãe de uma criança que tem câncer? Ai é um aprendizado sabe, ela mudou depois disso, e tenho que aprender cada dia que passa com ela (...) Complicado né, por que foi uma coisa que eu nunca imaginei que iria acontecer comigo, e ai, de uma hora para outra tem que aprender algumas coisas (...) a conviver com a doença, com as pessoas que não sabem o que é o câncer, e com minha família também, é difícil viu. (...) Ai, ter que ficar explicando toda hora o que ela tem, e eles não entendem sabe, pararam de ir à minha casa, ficam olhando estranho pra ela, com medo de chegar perto, achando que pode pegar alguma coisa, sendo que na verdade, é o contrário, ela é que pode pegar alguma coisa se ficar perto deles.

Ceres relata que ser mãe de uma criança que tem câncer é um aprendizado, pois a cada dia aprende algo novo com sua filha. Também teve que aprender a conviver com a doença e com as pessoas que não sabem o que é, tendo que estar sempre dando explicações, principalmente para sua família, pois algumas pessoas pararam de freqüentar sua casa, têm medo de aproximar de sua filha. Ressalta ser complicado, por ser uma situação que ela nunca imaginou que pudesse ocorrer com sua filha.

Ceres conta que aprende com a filha e com sua doença diariamente. Ressalta que explica para as pessoas o que é a doença e enfrenta pré-conceitos o que afastou pessoas de sua casa.

Aprendizado, como forma de enfrentamento. Enfrenta pessoas com pré-conceito com a doença.

Page 48: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

45

ENTREVISTA - CERES Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Você me falou de algumas coisas que mudaram em sua vida, o aprendizado que vem acontecendo com você, as pessoas não irem mais à sua casa, tem mais alguma coisa que mudou na sua vida? Teve, tudo mudou praticamente, minha rotina toda. Hoje eu fico por conta dela. Eu nunca trabalhei, mas minha semana era toda organizada, cada dia fazia uma coisa, hoje eu tenho que ficar a disposição dela, cuidar mais, ser mais atenta né, por que qualquer coisa tem que trazer pro hospital, ai aqui no hospital tem remédio, soro, quimioterapia, radioterapia, ela ainda não acostumou com isso, então reclama muito, enjoa também, ai tem que ser assim, o tempo todo para ela, mas o que é ruim, é ter que deixar minha outra filha em casa lá tadinha, mas eu acho que to sendo uma boa mãe pra ela mesmo assim., não é fácil não, é difícil.

Ceres percebe que sua vida mudou em tudo. Conta que antes tinha uma rotina, que teve que ser modificada, pois tem que ficar a disposição da filha, cuidando mais e sendo mais atenta. Relata que a rotina no hospital é difícil, pois a filha ainda não adaptou ao tratamento, o que requer mais cuidado e tempo. Ceres relata que é ruim ter que deixar sua outra filha em casa, mas que mesmo assim, se considera uma boa mãe para suas filhas.

Ceres constatou que sua rotina teve que sofrer ajustamentos devido à atenção constante que tem ser oferecida a filha doente, que hoje requer mais cuidado e tempo. Se sente dividida por ter que deixar sua outra filha em casa. Percebe que apesar das dificuldades, é uma boa mãe para as filhas.

Mudança total na rotina. Sente-se dividida (quanto ao cuidado com o filho que está internado e o filho que está em casa). Percebe-se como boa mãe. .

Page 49: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

46

ENTREVISTA - CERES Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Que expectativa você tinha, de você como mãe, antes da sua filha ficar doente? Ah, essa expectativa de ser uma boa mãe mesmo, de estar sempre ao lado da minha filha. Pergunta: O que é ser uma boa mãe para você? É estar sempre presente, ajudando, educando, não judiar, e tá ali mesmo, ajudando em tudo, dá amor, carinho, tudo o que elas precisarem. Pergunta: E hoje, essa expectativa mudou? Ah, não mudou não, quero sempre estar do lado dela, presente. Mas eu não fico fazendo muitos planos não sabe, eu agora to vivendo o presente, não gosto de ficar pensando no futuro, em como vai ser não sabe, não fico fazendo planos para ela não.

Antes de a filha ficar doente, Ceres esperava ser uma boa mãe. Para ela, ser uma boa mãe é estar sempre presente, ajudar em tudo, dar amor e carinho. Ceres percebe que hoje sua expectativa não mudou, continua sendo uma boa mãe, continua presente, porém, não gosta de ficar pensando no futuro e prefere não fazer planos para a filha, e viver o presente.

Ceres considera que suas expectativas quanto ao papel de mãe não mudaram com a doença da filha. Considera-se uma boa mãe – presente. Conta que não tem perspectivas quanto ao futuro da filha, vive o presente.

Percebe-se como boa mãe. Não tem perspectivas quanto ao futuro da filha, vive o presente.

Page 50: Ser-mãe de Criança com Câncer · 2013-06-11 · ser-mãe de criança com câncer, mudanças, medos e expectativas referentes ao ser-mãe. As unidades significativas de cada mãe

47

ENTREVISTA - CERES Etapa 2 – discriminação de unidades significativas a partir de uma perspectiva psicológica e focada no fenômeno que é pesquisado.

Etapa 3 – transformação das expressões cotidianas do sujeito em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado.

Etapa 4 – síntese das unidades significativas transformadas em uma declaração consistente da estrutura do aprendizado.

Pergunta: Você sabe me falar o que acontece que você não gosta de fazer planos e de pensar no futuro de sua filha, e fica só no presente? O medo né, medo dela ir embora. Pergunta: E o que você faz quando esse medo aparece? Eu tento pensar que ela é forte, é pequenininha, mas é forte, ta agüentando firme o tratamento, não reclama, ta sempre disposta, só aqui no hospital que ela fica tristinha, mas eu fico pensando que ela vai sair dessa, que vai ficar boa, mas não gosto de pensar no futuro, por que depois, se não der certo, vai ser uma dor grande demais.

Ceres percebe que não gosta de fazer planos para o futuro da filha, pois tem medo que ela vá embora. Com isso, tenta pensar que apesar da filha ser pequena, ela é forte e esta resistindo bem ao tratamento. Ceres torce para que a filha se recupere, mas apesar disso, não gosta de fazer planos, pois se a filha morrer, a dor vai ser grande demais.

Evitar fazer planos para a filha, foi a forma que Ceres conseguiu de enfrentar a possibilidade de morte da criança. Atualmente possui expectativa de recuperação da filha, apesar do tratamento forte e da pouca idade, tem pensamentos positivos.

Medo da morte, Expectativa de recuperação, ou uma preparação psicológica para a morte.