Seria bizarro se não fosse trágico

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  • 8/6/2019 Seria bizarro se no fosse trgico

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    Momentum

    Seria bizarro, se no fosse trgico

    Marcos Gouva de Souza ([email protected]), diretor-geral da GS&MD Gouva de Souza

    Existe uma sria e ampla discusso sobre a evoluo da

    infraestrutura do pas, em especial aquela que precisar sercompletada para os grandes eventos internacionais que seaproximam. Mas tem sido cometido o engano de imaginarque estruturas, obras, instalaes e equipamentos sero oselementos necessrios, ainda que com investimentos muitoelevados, para resolver os problemas que hoje ocorrem eque beiram ao bizarro.

    preciso muito mais. preciso pensar em processos,

    pessoas e atitude, sem o que se pode investir muito e o queser obtido ser algo medocre apenas mais bem instalado,comunicado e ambientado.

    A descrio em seguida s um exemplo do que queremosexplicar.

    Manh de sbado, final de frias, o vo internacional, um777 absolutamente lotado, chega alguns minutosadiantado, s 5h50, no aeroporto internacional de SoPaulo, o mais movimentado do Brasil. Por algumdesencontro de informaes o avio taxia pela pista muitomais do que seria habitual e acaba sendo levado para umterminal remoto, situao em que no se usa o fingere emque todos devem desembarcar e entrar no nibus, paraserem encaminhados ao processo de imigrao. O uso dosfingers hoje o padro internacional mnimo, em especialpara grandes aeronaves, mas, precisamos reconhecer, no

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    uma unanimidade: alguns grandes aeroportos, como osde Madrid ou Londres, ainda usam nibus em determinadosperodos ou para aeronaves menores.

    Por algum outro desencontro de informaes e problemasde processo, a escada que deveria ser acoplada no estdisponvel no local e deve ser deslocada, o que feito porum funcionrio. Exatamente, um nico esforadofuncionrio. So aproximadamente 20 minutos de espera,todos os passageiros de p no avio, justificadamenteansiosos para desembarcar depois de 11 horas de vo,alm das outras mnimas trs horas no aeroporto de

    embarque (situao habitual hoje em dia, ante osproblemas de trfego areo no mundo). Aguardam que adita escada seja acoplada e que outros funcionrios e maisos nibus se apresentem para iniciar o desembarque.

    Os passageiros so ento encaminhados para o controle depassaporte de um dos dois terminais do aeroporto, onde osaguarda uma fila de aproximadamente 300 pessoas, numasala sem ar condicionado e com acesso dividido entrepassageiros com passaporte brasileiro e outros.

    A fila para estrangeiros tem no mximo 20 pessoas, comcinco atendentes dedicados a esse grupo. A rapidez doatendimento deve surpreender os estrangeirosacostumados a ficar mais tempo que os nacionais em todosos aeroportos do mundo. Deve ser uma forma bembrasileira de dar as boas vindas.

    Os nacionais, no Brasil, devem esperar muito mais. A filapara os brasileiros tem os demais 280, com cerca de oitoatendentes dedicados. O vo recm chegado deveadicionar mais 300 pessoas desconfortvel e calorosasala. Dentro das mesmas propores entre estrangeiros ebrasileiros, se seguir um contnuo de vos, especialmenteinternacionais, que concentram seu pico de chegada nessas

    primeiras horas da manh.

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    No meio da confuso generalizada, um preocupadofuncionrio da empresa administradora dos aeroportospergunta pelo nmero de brasileiros chegando para umaeventual alterao da configurao do nmero de

    atendentes dedicados, como se essa informao noestivesse disponvel pelo menos com dez horas deantecedncia, pelas listas de passageiros, ou pelos padreshistricos de comportamento de chegadas para o perodonos ltimos dez anos. Um problema de processo.

    Cerca de 30 minutos aps, no trana-trana das filasorganizadas em caracol, uma forma interessante de

    promover novos relacionamentos, tendo como tema oesdrxulo da situao, consegue-se acessar a responsvelpelo atendimento, de uma empresa terceirizada, onde acada uma dado o direito de escolher a roupa que quervestir (talvez prestigiando a diversidade cultural), mas queaparenta determinar o padro de falta de ateno, j quenem um cumprimento feito. Uma questo de pessoas eatitude.

    Salvo melhor juzo ou memria, so muito poucos osaeroportos no mundo nos quais o servio de controle depassaportes seja terceirizado, pela responsabilidadeenvolvida e nvel de controle necessrio. Em alguns casos,como em Xangai, na China, o passageiro convidado numterminal de servios a avaliar, digitando numa tela, comnota de um a cinco, o padro de atendimento recebido.

    No caso brasileiro, acreditamos que o alto custo dofuncionrio pblico deva ter sido o indutor da terceirizao,elogivel como estratgia, mas que deveria sercomplementada pelo estabelecimento de mtricas epadres de atendimento mnimos. Uma questo deprocessos, pessoas e atitude.

    Mas a melhor surpresa ainda estava por acontecer. Logo

    aps ter finalmente conseguido passar pelo controle depassaporte, sem uma mnima atitude positiva de respeito

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    com o passageiro, na sala seguinte, onde deveriam estar asmalas aguardadas por perto de umas 500 pessoas, dediferentes chegadas, notado que o voo que foimencionado no constava na lista de chegada daquele

    terminal. O nibus havia deixado os passageiros noterminal errado e deveriam todos agora voltar para umnovo nibus, para serem encaminhados ao outro terminal!Um problema de processo, comunicao e gente.

    Arrebanhados entre os que estavam nas diversas filas e jalguns dispersados na sala de coleta de bagagens, aosgritos, so todos solicitados a tomar um novo nibus para

    serem encaminhados ao outro terminal. L, umanegociao rpida com os policiais federais controladoresgerais de confuso evita que o grupo, ao menos do primeironibus deslocado, tenha que novamente entrar numa filapara controle de passaportes. Nesse terminal a situao eraainda mais catica, com o fim da fila j na sada de algunsfingers. Situao que, segundo nos foi informado, tem sidouma constante em alguns momentos de pico, obrigando o

    desligamento das escadas rolantes para acomodar a fila.Em seguida o processo de coleta das bagagens que, pelotodo do tempo consumido, j haviam chegado e seespalhavam pelo cho por falta de espao para mant-lasna esteira. E aps isso, mais uns 15 minutos em outrocaracol de filas para conseguir passar pelo controleaduaneiro onde um, exatamente UM dedicado servidorpublico recolhia as declaraes de bagagem, sem nenhumtempo ou condio de olhar minimamente para o que traziacada passageiro e cumpria sua obrigao parcial derecolher os documentos. Sem condio de verificar nada, oque seria tambm sua atividade. Um problema de processoe atitude.

    A sada da sala de desembarque rene a ansiedade dequem chega e passou inclume por todas as peripcias,

    com a excitao de quem esperava, lotando uma rea

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    exgua com uma multido vida por trocar informaes eabraos. Todos ao mesmo tempo, no mesmo espao, o quetorna a sada do aeroporto mais uma parte da maratona,que se completar com a fila de taxis que, em alguns

    momentos, leva mais de uma hora para ser atendida. Umaquesto de processo, planejamento e atitude.

    Como se pode perceber, todos os investimentos previstosem instalaes, obras, equipamentos e sistemasseguramente sero importantes para minorar os problemas,mas no para resolv-los se no forem complementadospor revises de processos, mudana de atitude, gerao de

    comprometimento, estabelecimento de padres, programasde treinamento e um mnimo de planejamento, incluso nosprocessos. E isso no precisa esperar concorrncias oumegainvestimentos. Precisa apenas de determinao parafazer o que tem de ser feito, com a viso da busca daexcelncia.

    A anunciada privatizao parcial de alguns servios dealguns aeroportos, ou mesmo a privatizao integral para aconstruo de novos aeroportos, sob o controle deempresas e no do governo, pode ajudar a reduzir o imensofosso que existe entre a imagem que o pas quer construir ea realidade do dia a dia. Que seria apenas um conjunto debizarrices, no fosse uma trgica amostra de uma falida edesastrosa poltica de servios pblicos.

    E nesse caso, muito mais do que investimento, uma

    questo de atitude.