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SÉRIE-ESTUDOS Periódico do Mestrado em Educação da UCDB

SÉRIE-ESTUDOS Periódico do Mestrado em Educação da UCDB · O texto de Emerson Correia da Silva e Ana Clara Bortoleto Nery realiza um estudo do ... Análise de erros: o que podemos

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Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n. 26(dezembro 2008). Campo Grande : UCDB, 1995.

Semestral

ISSN 1414-5138

V. 23,5 cm.

1. Educação 2. Professor - Formação 3. Ensino 4. PolíticaEducacional 5. Gestão Escolar.

Indexada em:BBE - Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, Inep)EDUBASE - UNICAMPCLASE - Universidad Nacional Autónoma de México

Solicita-se permuta / Exchange is requested

Tiragem: 1.000 exemplares

Série-Estudos publica artigos de caráter teórico e/ou empírico na área de educação, comênfase em educação escolar e formação de professores .

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Missão Salesiana de Mato GrossoUNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

Instituição Salesiana de Educação Superior

SÉRIE-ESTUDOSPeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande-MS, n. 26, p. 1-247, jul./dez. 2008.

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Chanceler: Pe. Lauro Takaki ShinoharaReitor: Pe. José MarinoniPró-Reitor Acadêmico: Pe. Dr. Gildásio Mendes dos SantosPró-Reitor Administrativo: Ir. Raffaele Lochi

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDBPublicada desde 1995Editora ResponsávelMargarita Victoria Rodríguez ([email protected])

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCOInstituição Salesiana de Educação Superior

Direitos reservados à Editora UCDB (Membro da Associação Brasileira das Editoras Universitárias- ABEU):Coordenação de Editoração: Ereni dos Santos BenvenutiEditoração Eletrônica: Glauciene da Silva Lima SouzaRevisão de Redação: Edilza GoulartVersão e Revisão de Inglês: Barbara Ann NewmanBibliotecária: Clélia Takie Nakahata Bezerra - CRB n. 1/757Capa: Helder D. de Souza e Miguel P. B. Pimentel (Agência Experimental de Publicidade)

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Conselho EditorialAdir Casaro NascimentoLeny Rodrigues Martins TeixeiraMariluce BittarRegina Tereza Cestari de Oliveira

Conselho CientíficoAmarílio Ferreira Junior - UFSCarCelso João Ferretti - UNISOEmília Freitas de Lima - UFSCarFernando Casadei Salles - UNISOGraça Aparecida Cicillini - UFUHamid Chaachoua - Universidade Joseph Fourier/FrançaHelena Faria de Barros - UCDBJorge Nagle - UMCJosé Luis Sanfelice - UNICAMP/UNISOLuís Carlos de Menezes - USPManoel Francisco de Vasconcelos Motta - UFMTSonia Vasquez Garrido - PUC/ChileSusana E. Vior - UNLu/ArgentinaVicente Fideles de Ávila - UCDBYoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP

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Editorial

A Série Estudos, neste número 26, apresenta o Dossiê Práticas Pedagógicas eFormação docente em Matemática. Organizado pela Profa. Dra. Leny Rodrigues MartinsTeixeira, o dossiê reúne artigos com diferentes abordagens teórico-metodológicas com o obje-tivo de discutir as práticas e a formação de professores no contexto do ensino e aprendizagemda Matemática.

A seção artigos apresenta:O primeiro artigo de Andrés Klaus Runge Peña e Diego Alejandro Muñoz Gaviria discute

as contribuições de Émile Durkheim para a configuração de uma pedagogia histórica. Paratanto retoma criticamente o posicionamento do autor a respeito da historicidade da pedagogiae da educação, como forma de consolidar esta área de conhecimento.

O trabalho de Angela Maria Souza Martins analisa a história da graduação de Filosofia,na Faculdade Nacional de Filosofia, ao longo da década de 1960. Aborda historicamente asdiferentes posturas teórico-metodológicas que permearam a orientação e reformulação damatriz curricular do curso de Filosofia neste período.

O texto de Emerson Correia da Silva e Ana Clara Bortoleto Nery realiza um estudo doperiódico Excelsior! produzido pelos alunos da Escola Normal de São Carlos com o intuito deanalisar as contribuições deste periódico para formação de professores e a circulação deteorias e métodos no período 1911 a 1916.

Jefferson Carriello do Carmo apresenta em seu artigo os resultados da pesquisa naqual investiga mediante a economia do conhecimento, a associação do aprendizado aoprocesso de acumulação capitalista, na nova fase industrial marcada pela inovação tecnológica.

O trabalho de João Ferreira de Oliveira e Suely Ferreira apresenta os resultados dapesquisa na qual analisam a concepção e as funções sociais da Universidade Estadual deGoiás (UEG), a partir de documentos legais e institucionais no período 1999-2006 , em articu-lação com o contexto da reestruturação da educação superior, da reforma do Estado ­(noBrasil e em Goiás) e do processo de mundialização do capital.

Vanda Moreira Machado Lima e Yoshie Ussami Ferrari Leite apresentam os resultadosda pesquisa na qual analisam o curso de Pedagogia da UNESP, Campus de Presidente Pru-dente, tendo como eixo norteador conceito do professor crítico reflexivo e dos saberes funda-mentais à docência (saber da experiência, saber do conhecimento e saber pedagógico). Apartir da pesquisa realizam uma reflexão sobre os problemas que professores e alunos en-frentam na construção do curso.

Conselho EditorialDezembro/2008

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Sumário

Ponto de vistaFormação de professores no contexto da Educação Matemática ................................................11Teachers formation in the context of the mathematics education ....................................................................... 11

Eliane Maria Vani OrtegaVinicio de Macedo Santos

Dossiê “Práticas pedagógicas e formação docente em Matemática”Habilidades, competências e desempenho de futuros professores de Matemática emum exame em larga escala: um estudo a partir do perfil e dos resultados do ExameNacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) ............................................................................29Abilities, competencies and performance of mathematics teaching training studentsin a large scale assessment: A study about profile and results obtained in theNational assessment of students performance (ENADE) ................................................................................................. 29

Márcia Regina F. de Brito

As tecnologias de informação e comunicação em cursos de licenciatura em matemática ....51Information technologies and communication in mathematics teaching course .............................. 51

Monica FürkotterMaria Raquel Miotto Morelatti

Um estudo com professores de matemática a respeito de seus conhecimentos sobre otema função ..................................................................................................................................................65A study with teachers of mathematics on their knowledge on the theme function ...................... 65

Adriana Barbosa OliveiraMarilena Bittar

A escrita nas aulas de matemática revelando crenças e produção de significados pelos alunos .79Writing in mathematics class revealing beliefs and production of meanings by the students ...... 79

Kelly C. Betereli A. BarbosaAdair Mendes NacaratoPaulo César da Penha

O uso do livro didático e o desempenho dos alunos do ensino fundamental emproblemas de combinatória .....................................................................................................................97The use of the textbook and the performance of combinatorial problems by elementaryschool students (1/9 graders) ............................................................................................................................................................................ 97

Leny R. M. TeixeiraEdileni G. de CamposMônica VasconcellosSheila Denize Guimarães

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Modelagem matemática de fenômeno ambiental e as práticas escolares de professoresdas séries iniciais do litoral do Paraná ............................................................................................. 113Mathematical modelling of environmental phenomenon and the elementary schoolteachers practices in Paraná seashore area .................................................................................................................................113

Ademir Donizeti CaldeiraMaria Tereza Carneiro Soares

Da nota ao relatório descritivo avaliativo: dificuldades dos professores de matemática ... 125From the mark to the evaluative descriptive report: mathematics teachers’ difficulties ...........125

Maria José da SilvaMarta Maria Pontin Darsie

ArtigosÉmile Durkheim y su importancia para una pedagogía histórica ............................................ 149Emile Durkheim and his importance for a historical pedagogy .............................................................................149

Andrés Klaus Runge PeñaDiego Alejandro Muñoz Gaviria

Análise Histórica da Graduação de Filosofia na Faculdade Nacional de Filosofia,na década de 1960 ................................................................................................................................. 163Historical Analysis of the Undergraduate Philosophy Course at the Faculdade Nacional deFilosofia (National Faculty of Philosophy, Rio de Janeiro, Brazil) in the 1960s .....................................163

Angela Maria Souza MartinsO periódico Excelsior! (1911-1916) como ponto de observação do campo de formaçãode professores ........................................................................................................................................... 175The periodic Excelsior! (1911-1916) as an observation’s point of the teacher’s training field ............175

Emerson Correia da SilvaAna Clara Bortoleto Nery

Economia do conhecimento e a questão do aprendizado para o trabalho competitivo ....... 187The knowledge economy and issue of competitive learning to work .............................................................187

Jefferson Carriello do CarmoConcepção e funções sociais da universidade: o caso da Universidade Estadual de Goiás (UEG) .. 199Conception and social functions of the university: tha Universidade Estadual de Goiás (UEG) case ...199

João Ferrera de OliveiraSuely Ferreira

Saberes de professores críticos-reflexivos no curso de Pedagogia........................................... 215Knowledges of critical-reflexive teachers in the course of Pedagogy ..............................................................215

Vanda Moreira Machado LimaYoshie Ussami Ferrari Leite

ResenhaAnálise de erros: o que podemos aprender com as respostas dos alunos ............................ 235Error Analysis: What we can learn from students’ answers ........................................................................................235

Antonio José Lopes

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Ponto de vista

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Formação de professores no contexto daEducação MatemáticaTeachers formation in the context of the mathematicseducation

Eliane Maria Vani Ortega*Vinicio de Macedo Santos**

*Doutoranda em Educação pela FE/USP. Profa. do Depto.Educação FCT/ UNESP-Presidente Prudente.e-mail: [email protected]** Pós-doutor pela Universidad de Sevilla, Espanha. Doutorem Educação pela USP. Prof. do Depto. de Metodologia deEnsino e Ed. Comparada da FE/USP.e-mail: [email protected]

ResumoO texto trata da questão da formação de professores no contexto da Educação Matemática. Procuramosdiscutir pontos relacionados à natureza da Educação Matemática, suas motivações históricas e aspectos doseu processo de constituição e institucionalização como área do conhecimento dentro do campo educacio-nal. Trata-se de um esforço realizado por diferentes autores na direção da caracterização de um estatutoepistemológico da Educação Matemática, a vocação da pesquisa nesse domínio, situando aí a temática daformação dos professores como objeto de investigação, sua relevância e perspectivas sinalizadas. Assim, apartir desse contexto, apresentamos um levantamento bibliográfico sobre a questão do desenvolvimentoprofissional do professor de matemática, explicitando e diferenciando conceitos pertinentes ao tema.Palavras-chaveEducação Matemática. Formação de professores. Professor de Matemática.

AbstractThis paper treats of the teachers formation in the context of the mathematics education. We search todiscuss points related to the nature of the mathematics education, its historic inducements and aspects ofthe its process of constitution and institutionalization while area of knowlwdge inside of the educationalfield. It deals with a effort made by different authors in the direction of the characterization of a epistemologicstatute of the mathematics education, the vocation of the research inside this domain, locating in this onethe thematic of the formation of the teachers like object of investigation, its significance and perspectivespointed. So, since this context, we present a bibliographic survey about the question of the professionaldevelopment of the mathematics teacher, pointing out and explaining concepts related to the theme.

Key wordsMathematics Education. Teachers Formation. Mathematics teacher.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 11-22, jul./dez. 2008.

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Introdução

Hoje, a produção de trabalhos sobreformação de professores em Educação éextensa e vem sendo desenvolvida sob di-ferentes abordagens teórico-metodológicas.Em Educação Matemática, a quantidade detrabalhos e a diversidade de abordagenstambém são extensas. Consideramos que étarefa importante caracterizar e organizaralgumas das principais perspectivas teóricassobre desenvolvimento profissional do pro-fessor de matemática, no contexto da Edu-cação Matemática, para auxiliar a reflexãosobre a realidade que vivenciamos comoeducadores e formadores de professores.

O texto está dividido em dois itens.O primeiro trata de aspectos históricos daEducação Matemática com o propósito decaracterizar e situar no tempo algumas mo-tivações e elementos que a caracterizamcomo um domínio do conhecimento emprocesso de constituição, pois, a dependerda compreensão e interpretação dos seusaspectos constitutivos, a reflexão pode terdestinos diversos. Também a formação deprofessores merece atenção, destacando-seaqui aspectos históricos importantes paraconfigurar o ponto de vista segundo o qualserá examinada a questão da formação deprofessores. O segundo item aborda aquestão dos termos formação e desenvolvi-mento profissional, que consideramos im-portante discutir, na medida em que envolveuma mudança de olhar para o papel doprofessor. Aborda também os conhecimen-tos profissionais sugeridos por diferentesautores como necessários para os professo-res de matemática, de acordo com as orien-

tações de investigação adotadas.Nas considerações finais procuramos

sintetizar as contribuições dos autores estu-dados e fazer algumas reflexões. Assim, oobjetivo principal deste artigo é apresentare discutir alguns dos conceitos e aborda-gens utilizados em estudos sobre a forma-ção de professores de matemática, no âmbi-to da Educação Matemática, compreendidacomo parte do campo da Educação.

1 Aspectos históricos e conceituaisda Educação Matemática e daformação de professores

1.1 Educação Matemática

De acordo com Kilpatrick (1998), aEducação Matemática (EM)1 começou adesenvolver-se no final do século XIX comoresposta à necessidade de ampliação dosprogramas de formação de professores.

Para D’Ambrosio (2004), durante atransição do século XIX para o XX, a EMsurgiu como disciplina no contexto das pre-ocupações de matemáticos com um ensinomais eficiente. Para esse autor, um dos pri-meiros a mencionar de forma explícita apreocupação com o ensino de matemáticafoi John Dewey, em 1895, quando seposicionou, em seu livro Psicologia do Nú-mero, contra os excessos do formalismo,defendendo uma relação cooperativa entrealuno e professor e a integração entre todasas disciplinas. Em 1902, o matemáticoamericano Eliakim H. Moore escreveu umartigo também preocupado com questõesrelacionadas ao ensino de Matemática.Entretanto, o passo mais importante para

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o estabelecimento da EM como uma disci-plina foi a contribuição do matemático ale-mão Felix Klein que publicou, em 1908, olivro Matemática elementar de um pontode vista avançado, no qual defendia que oprofessor deveria levar em conta o processopsíquico dos alunos e os conteúdos deve-riam ser apresentados de forma compreen-sível (D´AMBRÓSIO, 2004.).

Pode-se constatar, a partir dessas re-ferências, que a motivação inicial para osurgimento da EM esteve relacionada à pre-ocupação com o ensino e daí a relação fortecom a formação de professores de mate-mática.

A preocupação com a formação deprofessores mais bem preparados gerou anecessidade de se desenvolverem investi-gações que pudessem responder às dúvi-das de professores e de pesquisadores sobreo tema. D’ Ambrosio (op. cit), quando citaque a consolidação da EM como subáreada Matemática e da Educação se dá coma fundação da Comissão Internacional deInstrução Matemática (ICMI), no Congres-so Internacional de Matemática, em 1908,esclarece que os espaços para compartilha-mento de resultados de pesquisas, ou mes-mo de anseios em relação à melhoria doensino de matemática são necessários efundamentais. A fundação do NationalCouncil of Teachers of Mathematics (NCTM),além de confirmar esse fato, evidencia quea busca por espaços é contínua e que per-mitem o avanço no campo da EM.

Também de acordo com D’Ambrosio(op. cit), após a Segunda Guerra Mundial,observa-se um razoável desenvolvimentoda EM em todo o mundo. A partir daí, pro-

postas de renovação curricular ganharamvisibilidade, influenciadas por fundamentosda Psicologia. Entretanto, o desenvolvi-mento curricular acabou gerando conflitoscom a pesquisa até então dominante, denatureza quantitativa.

As principais publicações de pesquisa emEducação Matemática rejeitavam sistema-ticamente as idéias novas não acompa-nhadas de um rigoroso tratamento esta-tístico. Mas os projetos de desenvolvimentocurricular prosseguiam, como que “corren-do por fora” na busca de uma Educaçãomatemática melhor e mais atual .(D’AMBROSIO, 2004, p. 18).

Temos, a partir de então, um crescenteinteresse pela Educação Matemática e issopode ser verificado pelas sucessivas ediçõesdo Congresso Internacional de EducaçãoMatemática (ICME), a partir de 1969, pelasreuniões do NCTM, pelo número de traba-lhos publicados no campo2 , enfim, pelaconstituição de diversos grupos de estudose pelo crescente movimento associativo queocorre em diferentes países.

Dispomos, atualmente, de inúmerostrabalhos que procuram caracterizar a EM,seja como atividade social, como disciplinacientífica ou ainda como campo profissional.Consideramos interessante destacar algu-mas posições sobre a EM hoje, delineandoo contexto que envolve a formação dos pro-fessores de matemática.

Steiner (1993) afirma que a EM é umcampo marcado por extrema complexidadee por isso deve ser tratada a partir de umaabordagem sistêmica3 e de uma filosofiacomplementarista4. Esse autor mostra queexistem diferentes perspectivas da EMcomo ciência. Há os que compreendem a

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complexidade desse campo e entendemque devido a tal complexidade não hácomo a EM se tornar uma ciência, há osque tentam minimizar a complexidade eacabam focando em apenas determinadosaspectos de disciplinas consideradas dereferência, como a Matemática, Epistemo-logia, Pedagogia, Psicologia, Sociologia, outeorias e métodos de uma dessas discipli-nas. Quanto aos que consideram a EMcomo ciência, há uma variedade de defini-ções diferentes e classificam a EM “como umcampo especial da Matemática, um ramoespecial da Epistemologia, uma ciência daEngenharia, um subdomínio da Pedagogiaou Didática em geral, uma ciência social, umaciência fronteiriça, uma ciência aplicada, umaciência fundamental etc” (p. 21)

Um outro ponto destacado porSteiner (1993) é a tarefa integradora quedeve ter a EM. Ele defende que essa tarefaenvolve a interdisciplinaridade, entendidaaqui não apenas por tomar de empréstimoos resultados das disciplinas de referência,mas por investigar relações mais profundasentre as disciplinas. Daí a preocupação emdesenvolver uma Teoria de Educação Ma-temática como uma maneira de proporcio-nar à EM um grau mais elevado de auto-reflexão e auto-afirmação.

Kilpatrick (1996) afirma que a EM estácada vez mais forte, tanto como campo pro-fissional, tanto como acadêmico, mas enfren-ta problemas sérios de status e identidade.

Educação Matemática é uma matéria uni-versitária e uma profissão. É um campode academicismo, pesquisa e prática. Maisdo que meramente artesanato ou tecno-logia, ela tem aspectos de arte e ciência.

Em cada instituição ou país, entretanto,ela é contornada por sua história. Até queponto ela se desenvolve e é capaz de in-fluenciar professores e alunos de maneirapositiva, depende fortemente dos que fa-zem a política educacional, da possibilidadede eles encontrarem meios de reconhe-cer, institucionalizar e apoiar a Educaçãomatemática. (KILPATRICK, 1996, p. 119)

Godino (2006) considera a EM comoum sistema social, heterogêneo e complexoem que é necessário distinguir pelo menostrês componentes:

(a) A ação prática e reflexiva sobre os pro-cessos de ensino e aprendizagem daMatemática. (b) A tecnologia didática, quese propõe desenvolver materiais e recur-sos, usando os conhecimentos científicosdisponíveis. (c) A investigação científica,que trata de compreender o funcionamen-to do ensino da matemática em seu con-junto, assim como o dos sistemas didáti-cos específicos (formados pelo professor,os estudantes e o conhecimento matemá-tico). (p. 1) Tradução nossa.

Rico e Sierra (2000) consideram quea EM apresenta três sentidos distintos: EMcomo conjunto de conhecimentos, artes,destrezas, linguagens e atitudes e valorescentrados na Matemática; como atividadesocial e como disciplina científica.

Para Miguel (2004), “a educaçãomatemática é uma prática social que nãoestá ainda nem topologicamente diferencia-da das demais no interior do espaço acadê-mico, nem juridicamente estabelecida comocampo disciplinar”, defende que fazer EM éfazer Educação e que é a partir desse lócusque deveríamos manter diálogos com todasas áreas de conhecimento.

Diante das contribuições de investiga-dores no campo da EM, é possível perceber

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que, mesmo enfrentando problemas de iden-tidade, a presença da EM como subárea daEducação é inquestionável e podemos atéafirmar como Godino (2006) que, em termosinstitucionais, a educação Matemática ocu-pa uma posição consolidada do ponto devista internacional, mesmo que não homo-gênea nas diferentes regiões e países.

É desse contexto que vamos partirpara refletir sobre a formação de professoresde matemática, sendo necessário, para isso,descrever brevemente como tem ocorridohistoricamente a formação de professores.

1.2 Formação de professores

Ferreira (2003) faz um retrospecto his-tórico de concepções de formação de pro-fessores e das ênfases adotadas nos estu-dos sobre essa temática, em nível internacio-nal, e, de forma articulada, retrata a situaçãobrasileira.

Durante várias décadas, na maioriados países do mundo, a formação de pro-fessores não era considerada tema relevan-te. “A formação de professores, além doscursos de licenciatura, consistia basicamentede programas emergenciais voltados paraa solução de problemas com o númeronecessário de professores” (FERREIRA,2003, p. 21). Na realidade, até o final dosanos 60, devido à escassez de pesquisassobre o tema, é difícil fornecer dados preci-sos sobre a formação de professores. Porém,de acordo com a síntese da autora, até finaisdos anos 70 havia o predomínio de pesqui-sas de caráter experimentais quantitativassobre a eficácia dos métodos de treinamen-

to de professores, que utilizavam de teoriasoriundas da Psicologia educacional. Oparadigma processo-produto era o domi-nante, ou seja, a preocupação principal eracompreender quais elementos do processoinfluenciava no ensino dos alunos.

Na década de 80, o pensamento doprofessor começou a ser considerado um fa-tor importante. Os resultados das pesquisasde áreas como Antropologia, Sociologia, Filo -sofia, etc começam a ser incorporados nasinvestigações sobre formação de professores.Entretanto, a maior parte das pesquisas eas práticas continuavam voltadas para aatualização do conhecimento específico doprofessor. A partir da segunda metade dosanos 80, temos a coexistência de idéias dis-tintas relacionadas à formação de professo-res: formação como treinamento (visão doensino como arte, portanto deveria ocorrerna escola guiado por um profissional expe-riente) e formação como educação (visão deensino como profissão e deveria ocorrer nauniversidade) (FERREIRA, 2003).

Com o passar do tempo, essas pers-pectivas não conseguiram abranger todaa complexidade da cultura da sala de aulae, portanto, as pesquisas começaram a ca-minhar em direções mais específicas e apro-fundadas, não apenas sobre o pensamentodo professor, mas sobre suas crenças, con-cepções, seus valores etc.

Em relação à realidade brasileira, apartir da segunda metade da década de70, começaram a surgir trabalhos acadêmi-cos sobre formação de professores de ma-temática com preocupação voltada para odesenvolvimento de estratégias eficientesde treinamento. Apenas no final da década

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de 80 é que podemos encontrar trabalhoscom temáticas como concepções, percepçãodos professores de matemática, atitudesdiante das novas tecnologias.

A partir dos últimos anos da décadade 80, algumas pesquisas começam a per-ceber o professor de matemática como al-guém que pensa e reflete sobre sua prática.Lentamente, o Brasil também começa aconsiderar o paradigma do “ pensamentodo professor”.

Segundo Ferreira (op. cit), há uma ten-dência mundial da área de formação deprofessores e as pesquisas brasileiras refle-tem essa tendência, num contexto que con-sidera formação e desenvolvimento profis-sional como distintos. A formação, emboratenha avançado, ainda considera o profes-sor como um objeto de estudo e reforma,enquanto na perspectiva do desenvolvimen-to profissional “ele se torna sujeito ativo eresponsável por seu crescimento e formaçãocontínuos”.

A autora coloca a necessidade deconstruir uma nova perspectiva, em relaçãoà formação e ao desenvolvimento profissio-nal, em que os saberes dos professores epesquisadores sejam considerados.

Entendemos que, a partir das infor-mações da EM, do breve histórico da forma-ção de professores, tanto em nível mundialcomo no caso brasileiro, nosso cenário estácompleto para que tenhamos condições derefletir sobre o desenvolvimento profissionaldo professor de matemática.

2 Desenvolvimento profissional doprofessor de Matemática

2.1 Formação e desenvolvimentoprofissional

Ponte (1995) discute a não equiva-lência entre as noções de desenvolvimentoprofissional e formação de professores. Noquadro a seguir, procuramos sintetizar algu-mas diferenças destacadas pelo autor:

Quando se fala em desenvolvimen-to profissional, Ponte (1995) coloca a impor-tância de uma “nova perspectiva de olhar

os professores”. Trata-se de considerá-loscomo profissionais autônomos.

De acordo com Zaslavsky, Chapman

Quadro 1: Formação e desenvolvimento profissional.

Formação Desenvolvimento profissional

Associada à idéia de freqüentar cursos. Processa-se através de múltiplas formas e processos que inclu em a freqüência a cursos, mas não se limita a isto.

Movimento de fora para dentro. Movimento de dentro para fora Atende -se principalmente àquilo em que o professor é carente.

Procura-se partir dos aspectos que o professor tem e que podem ser desenvolvidos.

Tende a ser vista de modo compartimentado, por assuntos, por disciplinas.

Tende a implicar a pessoa do professor como um todo.

Parte invariavelmente da teoria e, na maioria das vezes, não se sai dela.

Pode partir tanto da teoria como da prática, são interligadas.

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e Leikin (2003), historicamente, programasde desenvolvimento profissional têm refleti-do o tradicional ensino de matemática e , por-tanto, geralmente enfocam o treinamento emhabilidades e técnicas. Atualmente, o focodo desenvolvimento profissional refere-se aníveis individuais e maneiras diferentes nasquais os profissionais refletem e atribuemsentido a suas experiências de ensino.

A hipótese principal é que conhecimentoprofissional não pode ser transferido; éconstruído individualmente e socialmen-te através de experiências pessoais noambiente profissional e a interação comoutros, envolvendo reflexão e adaptação.(ZASLAVSKY, CHAPMAN e LEIKIN, 2003, p.878, tradução nossa.)

Llinares (1999) fala de prática profis-sional do professor no contexto da aula.Mostra enfoques desenvolvidos nestaagenda de investigação e conclui que exis-tem diferentes perspectivas para estudar aprática do professor na aula ( teoria da ati-vidade dos psicólogos soviéticos, posiçõessocioculturais e construtivistas). Para esseautor, devido à complexidade da tarefa decaracterizar o conhecimento profissional doprofessor de Matemática, é necessário ado-tar perspectivas complementares que nospermitam olhar diferentes aspectos.

Moral – Santaella (1998) coloca anecessidade de novas metáforas para fun-damentar a formação dos professores atra-vés de programas de formação baseadosna reflexão e na investigação. Professor in-vestigador seria entendido como aqueleque começa a compreender a teoria quefundamenta a sua prática, partindo de re-flexões pessoais e compartilhadas com oscolegas. Professor reflexivo seria capaz de

gerar conhecimento a partir da reflexão.Para Azcárate (1999), o desenvolvi-

mento profissional dos professores temmerecido atenção importante das investi-gações em EM. Os professores aprendematravés da investigação sobre problemassurgidos na ação e considerados relevan-tes para sua prática profissional. Para essaautora, as investigações sobre o desenvol-vimento profissional do professor de mate-mática não possuem um marco teóricoúnico, prevalecem as investigações pon-tuais e de características variadas.

Quanto à natureza do conhecimen-to profissional, Azcárate (op. cit) entendeque, em razão da complexidade das situa-ções em que se desenvolvem os processosde ensino/aprendizagem, este conhecimen-to é multiconceitual, multiprocedimental etransdisciplinar;

[...] é uma composição peculiar de conhe-cimentos teóricos e práticos com umaestruturação complexa elaborada atravésde um amplo processo de formação, emque a informação procedente da experi-ência profissional ocupa um lugar signifi-cativo. (p. 114, tradução nossa.)

Ainda para essa autora, o conheci-mento profissional possui fontes de carátermetadisciplinar, disciplinar e fenomenoló-gico. As fontes metadisciplinares dizem res-peito a teorias gerais, uma visão global detodos os conhecimentos. As fontes discipli-nares estão relacionadas aos conhecimen-tos vindos das disciplinas relacionadas àaprendizagem, conteúdos e ensino (articula-ção das informações procedentes de áreascomo Psicologia da Educação, Sociologia,Didática geral, Teoria Curricular etc). Por sua

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vez, as fontes fenomenológicas estão rela-cionadas a princípios e crenças dos profes-sores, informações que facilitam a interação,direta e cotidiana com a prática e com osdiferentes momentos da atividade docente,construídos desde quando eram alunos.

Podemos perceber que há uma ten-dência nos últimos anos em considerar nãoapenas a formação como treinamento ouapropriação de conteúdos específicos queserão ensinados aos alunos, mas uma va-lorização dos conhecimentos, crenças e con-cepções. Daí destacarmos um item especí-fico para esclarecer esses termos.

2.2 Conhecimentos, crenças e concepçõesdo professor de matemática

De acordo com Blanco (1997), a partirdas mudanças nas investigações que co-meçam a considerar o pensamento dos pro-fessores, eles começam a ser observadoscomo sujeitos reflexivos. Nessas linhas deinvestigação tem-se a necessidade de co-nhecer e compreender os processos de racio-cínio que fundamentam sua prática docen-te. Durante os últimos anos, as investigaçõestêm descrito componentes do conhecimen-to do professor e se tem gerado numerosasperguntas que tem recebido respostas dis-tintas de diferentes autores sobre o que sepode considerar conhecimento, qual a rela-ção entre conhecimento e prática profissio-nal; qual a relação entre conhecimento ecrenças. Nesse contexto, aparece uma gran-de variedade5 de termos.

Para Azcárate (1999), “em geral, asconcepções tendem a reproduzir o compor-tamento docente que foi assimilado como

aluno e o que tem sido eficaz em sua ex-periência profissional, sem refletir o porquê,o para quê de sua atuação profissional” (p.128, tradução nossa). Quanto às crençasque os sujeitos têm sobre a matemática,são de origem inconsciente e estão enrai-zadas nas formas de pensar. Para alterá-las, é necessário uma intervenção significa-tiva. “Isso implica que, em toda estratégiaformativa, se deve considerar como infor-mação fundamental e como ponto de par-tida imprescindível as idéias e concepçõesdos professores”. (p. 128, tradução nossa)

O processo de chegar a ser professor serealiza através da interação dialética entreas condições contextuais e as diferentesinformações recebidas. Tal interação sem-pre está filtrada pelas concepções do su-jeito. [...] Concluindo, conhecer as concep-ções, idéias e práticas dos professores éuma peça chave para o formador na horade planejar e desenvolver processos deformação cujo objetivo seja a construçãode um conhecimento profissional signifi-cativo sobre a Educação Matemática(AZCÁRATE, 1999, p. 128, tradução nossa).

Para Ponte e Chapman (2006),Shulman (1986) propõe sete categorias deconhecimentos necessários aos professorespara ensinar: conhecimento de conteúdo,conhecimento pedagógico geral, conheci-mento de currículo, conhecimento de con-teúdo pedagógico, conhecimento dos alu-nos, conhecimento de contextos educacio-nais e conhecimento de finalidades educa-cionais, propósitos e valores.

Ponte e Chapman (op. cit.) afirmamque o trabalho de Schön (1983) distingueentre prática reflexiva e racionalidade téc-nica. Quando uma ação é requerida, os pro-

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fissionais agem baseando-se no que elessabem, mas sem separar o conhecimentoformal do prático.

Para um professor, isto significa que re-fletir na prática implica lidar com conteúdoe conhecimento pedagógico de conteúdo.Isso ocorre quando professores lidam comproblemas profissionais e portanto podeser visto como uma parte chave de seuconhecimento. Neste sentido, o conheci-mento do professor não é apenas “sabercoisas” (fatos, propriedades, relações de se– então...) mas também saber como identi-ficar e resolver problemas profissionais, eem termos mais gerais, saber como cons-truir conhecimento. Estas perspectivas deconhecimento dos professores tambémincluem noções de crenças e concepçõesdo professor, os quais consideramosconstrutos relevantes para compreendero que os professores sabem. (PONTE eCHAPMAN, 2006, p. 461, tradução nossa)

Esses autores destacam dois cons-trutos principais: conhecimento do profes-sor e prática do professor e o fazem anali-sando relatórios de pesquisa produzidospelo PME (Psicologia da Educação Mate-mática), desde 1977 até 2005. Para isso,classificam os trabalhos utilizando 4 cate-gorias: conhecimento matemático dos pro-fessores; conhecimento de ensino de mate-mática dos professores; crenças e concep-ções dos professores e práticas dos profes-sores 6. Esses autores apontam que muitosdos estudos sobre crenças e concepçõesdos professores descrevem a natureza dascaracterísticas dos professores sem cone-xões com outros aspectos das atividadesdos professores. Sentem que tais pesquisaspassaram por um ponto de seu apogeu eque agora estão diminuindo. Vêem a ne-

cessidade de continuar o trabalho nestaárea, mas sugerem que isso seja feito, rela-cionando estes construtos a outros articula-dos à prática, de maneira mais criativa.

Llinares (1995), considera que, paratratar a complexidade do estudo do conhe-cimento profissional do professor de Mate-mática, é necessário que uma série de con-dições metodológicas e de investigaçãosejam impostas. Para tal, considera impor-tante tratar da:a) relação entre o conhecimento de mate-

mática e o conhecimento de conteúdopedagógico específico de tópicos con-cretos;

b) relação entre crenças e conhecimentos ec) relação entre conhecimentos, crenças e

a prática.Blanco (2003) considera que, para

caracterizar a formação docente, é precisoconsiderar duas dimensões: o conhecimentodo professor e a aprendizagem do profes-sor de matemática. Para tal, apresenta trêsperspectivas das pesquisas que têm comofoco central o conhecimento do professorde matemática: aprender a ensinar; tra-ba lho p ro f i ss iona l e pe rspec t i vacognitiva7 . Considera como relações trans-versais: conhecimento e crenças, conheci-mento e prática, conhecimento de conteúdopedagógico e conhecimento de matemáti-ca, tudo isso ancorado numa teoria dacognição: a cognição situada.

Blanco (op. cit) apresenta tambémpadrões que o NCTM considera básicospara um bom ensino. De acordo com essespadrões, o professor deve:- eleger tarefas matemáticas convenientes;

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- organizar o discurso da aula;- criar um ambiente para aprender;- avaliar ensino e aprendizagem.

Fiorentini (1998) concebe o profes-sor como profissional reflexivo e investiga-dor de sua prática e os saberes, tanto dosprofessores que atuam nos níveis funda-mental e médio, como dos formadores dosprofessores, envolvem grande especifici-dade e complexidade, estando em constan-te tensão conflituosa. Há um distanciamen-to entre os saberes oriundos da academiae aqueles praticados pelos professores noexercício da profissão. Tal situação acabapor identificar um grande campo aberto deinvestigação, com uma epistemologia pró-pria e metodologias e teorias que sejam pro-duzidas no próprio processo de investiga-ção da prática pedagógica.

A partir das contribuições de diferen-tes autores, tentamos, nesse item, apresentaruma visão geral das investigações sobredesenvolvimento profissional do professorde matemática, sem a pretensão de esgotaro tema. O objetivo, na verdade, foi tentarfornecer um panorama inicial para aquelesque pretendem desenvolver pesquisa nessaárea.

Considerações finais

A Educação Matemática ocupa umespaço consolidado em termos institu-cionais, principalmente nos Estados Unidose em países da Europa, apesar de proble-mas de identidade. No Brasil, são cada vezmaiores as produções nessa área. Temosvárias linhas de investigação e também di-ferentes abordagens metodológicas.

As investigações sobre formação deprofessores dentro da área da EM estãofocadas no desenvolvimento profissionaldos professores de Matemática. Apesar daexistência de várias linhas de investigaçãoinseridas no desenvolvimento profissional,consideramos ser possível afirmar que hápraticamente um consenso sobre a impor-tância de possuirmos professores autôno-mos, que refletem sua prática, que tomamdecisões e não apenas ministram aulas deconteúdos específicos de Matemática.

Quando observamos a preocupaçãodos investigadores com a autonomia dosprofessores, com a tomada de decisões apartir de reflexão sobre a prática, concor-damos que essa questão é realmente fun-damental. Daí a importância que essa preo-cupação seja compartilhada não apenascom aqueles que estão nas escolas, masefetivamente pelos formuladores de políti-cas públicas. Um professor precisa de con-dições concretas para exercer autonomia,precisa ser remunerado dignamente, preci-sa ser respeitado pela sociedade, pelos cur-sos de formação de professores, por elesmesmos.

Em relação aos conhecimentos pro-fissionais desejáveis para os professores,consideramos importante destacar as cren-ças e concepções. Muitas vezes tomamosdecisões que não são influenciadas pelosconteúdos dos cursos de formação inicial,mas pelo que vivenciamos em nossa vidapessoal, como alunos, como profissionais.Daí a importância dos estudos que tentaminvestigar de que maneira podem auxiliarnos cursos de formação inicial ou continua-da de professores e interferir na forma que

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os professores trabalham em sala de aula.Em especial, consideramos que os cursosde formação inicial de professores de ma-temática precisam assumir a responsabili-dade efetiva de formar professores. Paraisso, conhecer resultados de pesquisa so-bre desenvolvimento profissional do profes-sor de matemática, no contexto da EM –considerando-a uma subárea da Educação– é fundamental.

Como pesquisadores na área de for-mação de professores de matemática, per-cebemos a necessidade de um estudoaprofundado e cuidadoso da EM e das li-nhas de investigação sobre desenvolvimen-to profissional dos professores de Matemá-tica para se fazerem escolhas metodoló-gicas que mais se aproximem de um deter-minado tema a ser investigado nessa área.

Notas1 Algumas vezes o termo que aparece é Didática daMatemática. É importante tornar explícito que, de acordocom Godino (2003, p. 2), “no mundo anglo-saxônico seemprega a expressão “Educação Matemática” para refe-rir-se a área de conhecimento que na França, Alema-nha, Espanha etc, se denomina Didática da matemática.2 Temos Handbooks editados no início e meados dadécada de 90, que fazem uma caracterização am-pla e partindo de temáticas variadas sobre a educa-ção Matemática. Também contamos com revistas in-ternacionais que nos oferecem pistas importantespara um esboço dessa área. (SANTOS, 2001).3 De acordo com Godino (2003), noção interdisciplinaradotada pelas ciências sociais como conjunto de ele-mentos cujo funcionamento global se supõe, não sen-do possível ser explicado pela somatória de cada ele-mento. Admite-se que o comportamento de cada ele-mento se modifica a partir de sua inclusão no sistema.4 De acordo com Steiner (1993), princípio oriundo dasciências cognitivas, para uma melhor compreensãodas relações que surgem quando se analisam contra-posições. Ao invés de tentar resolver aparentes contra-dições, elas são aceitas como aspectos da realidade.5 Cf. García Blanco (1997, p. 26).6 Cf. Ponte e Chapman (2006).7 Cf. García Blanco (2003).

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Recebido em 30 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

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Dossiê “Práticaspedagógicas eformação docente emMatemática”

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Todos sabemos que uma das questões relacionadas à melhoria da qualidade doensino no nosso país diz respeito à formação de professores. Embora essa não seja aúnica questão que aflige o nosso ensino, é, sem dúvida, uma das mais importantes.

De fato, atualmente ser professor representa um grande desafio. Os professoresvivem uma crise de identidade, diante da realidade da sociedade atual que impõe àescola novas funções às quais o professor ainda não se adaptou, mesmo porque osprocessos de formação para a profissão docente ainda deixam muito a desejar.

Por outro lado, o desafio parece maior quando se trata de ser professor de Mate-mática e ter que enfrentar o desafio de trabalhar uma disciplina que, no geral, é vistapelos alunos como difícil, abstrata e incompreensível. Muitos saberes são necessários aoprofessor para fazer os alunos venceram o mito da matemática como algo inacessível,ou como um saber destinado a poucos privilegiados.

Oportunidades para refletir sobre a formação do professor, mais especificamentedo professor de matemática, tematizando seus saberes e práticas, suas alternativas detrabalho pedagógico, seus desafios e dificuldades são sempre bem-vindas. Nunca é de-mais divulgar trabalhos a respeito dessas questões, tornar públicas pesquisas e experiên-cias de ensino, debater sobre elas, como forma de ampliar o conhecimento sobre oensino e possibilitar a reflexão sobre a prática docente.

Com esse espírito, o número 26 da Revista Série Estudos traz um dossiê sobrePráticas Pedagógicas e Formação Docente, congregando artigos que discutem questõesrelacionadas diretamente à formação docente e outros que apresentam pesquisas sobrealguns aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem de matemática que, por suavez, são objeto da formação do professor.

Na primeira parte da revista estão os artigos que discutem a questãoda formação docente.

O primeiro artigo foi destacado para compor a secção Ponto de Vista porqueapresenta uma discussão teórica, justificando a formação de professores no contexto daEducação Matemática. Os demais artigos apresentam discussões a respeito doestatuto da formação de professores no campo da Educação Matemática, olugar das tecnologias na formação inicial de professores de Matemática eos conhecimentos necessários à formação docente. A seguir, o conteúdo dostextos pode ser identificado.

Na seção Ponto de vista, Eliane Maria Vani Ortega e Vinício de Macedo Santosdiscutem pontos relacionados à natureza da Educação Matemática, suas motivaçõeshistóricas e aspectos do seu processo de constituição e institucionalização como área doconhecimento dentro do campo educacional. Trata-se de um esforço realizado por dife-rentes autores na direção da caracterização de um estatuto epistemológico da EducaçãoMatemática, a vocação da pesquisa nesse domínio, situando aí a temática da formação

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26 Márcia Regina F. de BRITO. Habilidades, competências e desempenho de futuros...

dos professores como objeto de investigação, sua relevância e perspectivas sinalizadas.Márcia Regina F. de Brito, no texto “Habilidades, competências e desempenho de

futuros professores de Matemática em um exame em larga escala: um estudo a partir doperfil e dos resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE)”,apresenta o perfil dos estudantes de Licenciatura em Matemática elaborado a partir dosdados dos estudantes que realizaram a prova de Matemática em 2005, com base nosresultados do primeiro Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) aplica-do, em nível nacional, a alunos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática. O textodescreve ainda os principais aspectos do Sistema Nacional de Avaliação da EducaçãoSuperior (SINAES) com destaque para as habilidades, competências e perfil profissionalque fazem parte da matriz do exame do curso de Matemática, comparando essas idéiasaos componentes da habilidade matemática proposta por Krutetskii (1976), com a fina-lidade de apontar as diferenças de entendimento a respeito desses temas.

Monica Fürkotter, Maria Raquel Miotto Morelatti, no texto “As tecnologias de infor-mação e comunicação em cursos de licenciatura em matemática”, relatam e analisam ainserção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no processo de formaçãoinicial de professores de Matemática. Com base em autores que fundamentam a forma-ção inicial de professores de Matemática, as abordagens de uso das TIC em Educação e,também, da análise da legislação vigente sobre formação de professores, descrevemcomo esse referencial fundamentou a análise da proposta de formação de professoresde Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), Unesp/Campus de Presi-dente Prudente, em prática a partir de 2005.

“Um estudo com professores de matemática a respeito de seus conhecimentos sobreo tema função”, das autoras Adriana Oliveira e Marilena Bittar, tem como tema central deinvestigação o tema Funções. O objetivo era investigar como professores de Matemáticado Ensino Médio entendiam a relação existente entre seus conhecimentos sobre o conceitode função e sua prática pedagógica desenvolvida sobre o tema. O estudo, realizado combase nas vertentes do conhecimento do objeto de estudo definidas por Shulman (1986)conhecimento de conteúdo, conhecimento curricular e conhecimento pedagógico, mostrouque a formação inicial dos professores parece não ter trabalhado suficientemente as for-mas de conhecimento definidas pelo autor, pelas angústias e inseguranças presentes nosdepoimentos coletados e que são atribuídas às lacunas na formação inicial.

Os demais artigos tratam de questões de várias ordens, ligadas a as-pectos didáticos do ensino de matemática, tais como o papel da escrita, ouso de material didático, a modelagem e a avaliação da aprendizagem,conforme destacado a seguir.

No artigo “A escrita nas aulas de matemática revelando crenças e produção designificados pelos alunos”, Kelly C. Betereli A. Barbosa, Adair Mendes Nacarato e PauloCésar da Penha apresentam uma pesquisa sobre a escrita nas aulas de matemática e

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apontam as relações entre os processos de escrita e a produção de significados poralunos do ensino fundamental. O estudo mostra como as diversas escritas dos alunospodem constituir práticas de educação matemática interessantes, na medida em quepermitem revelar as crenças dos alunos em relação ao ensino de matemática, e suaslacunas conceituais, a partir das quais podem-se planejar formas de intervenção peda-gógica.

O texto “O uso do livro didático e o desempenho dos alunos do ensino fundamen-tal em problemas de combinatória”, de Leny R. M. Teixeira, Edileni G. De Campos, MônicaVasconcellos e Sheila D. Guimarães, relata o desempenho de alunos ensino fundamentalde escolas públicas de Campo Grande, MS, na resolução de problemas envolvendo com-binatória. Paralelamente, realizaram um levantamento da freqüência e dos tipos de proble-mas de estrutura multiplicativa presentes nos materiais didáticos utilizados nas respectivasescolas. No geral, os alunos obtiveram melhor desempenho nos problemas que apresen-taram valores baixos e duas variáveis, utilizando predominantemente processos de reso-lução de caráter intuitivo. Os resultados apontaram pouca interferência do uso do livrodidático no desempenho dos alunos. Em função disso, as autoras discutem o uso domaterial didático e a importância do professor como potencial mediador da aprendizagem

A “Modelagem matemática de fenômeno ambiental e as práticas escolares deprofessores das séries iniciais do litoral do Paraná”, de Ademir Donizeti Caldeira e MariaTereza Carneiro Soares, descreve um estudo a respeito de uma forma de assessoramentodesenvolvida na Ilha das Peças, iniciada a partir da necessidade de compreensão defenômeno ambiental e interpretada à luz de modelos aritméticos e geométricos. A pesquisafoi desenvolvida no litoral do Paraná com professoras das séries iniciais do Ensino Fun-damental de escolas públicas. Os dados foram trabalhados com base nos pressupostosteórico-metodológico da Modelagem Matemática e indicam a possibilidade de compreen-são conceitual e do desenvolvimento de práticas escolares inovadoras no processo demodelar matematicamente situações específicas identificadas no entorno social da escola.

“Da nota ao relatório descritivo avaliativo: dificuldades dos professores de mate-mática”, artigo apresentado pelas autoras, Maria José da Silva e Marta Maria PontinDarsie, discute a questão da avaliação da Aprendizagem em Matemática , do ponto devista das dificuldades apresentadas pelos professores para elaboração dos relatóriosavaliativos de seus alunos. Com a nova organização curricular em ciclos de formaçãohumana, as práticas avaliativas passam a ser repensadas, e com elas as formas deregistros sobre a avaliação dos alunos exigem que novas práticas avaliativas tomem olugar do velho boletim. As entrevistas realizadas com professores do Ensino Fundamen-tal mostram que as dificuldades em elaborar relatórios avaliativos são de ordem pessoale estrutural e indicam a necessidade urgente de se tratar do tema na formação inicial econtinuada dos professores.

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Ainda como parte do dossiê “Práticas Pedagógicas e Formação Docente em Mate-mática”, a revista traz uma resenha elaborada por Antonio José Lopes, relativa ao livro“Análise de erros: o que podemos aprender com as respostas dos alunos” de HelenaNoronha. Cury (Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2007), o qual discute a produção doerro em matemática e o trabalho pedagógico que pode ser feito a partir desses erros,questão extremamente pertinente ao trabalho pedagógico do professor.

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Habilidades, competências e desempenho defuturos professores de Matemática em um exameem larga escala: um estudo a partir do perfil edos resultados do Exame Nacional deDesempenho dos Estudantes (ENADE)Abilities, competencies and performance ofmathematics teaching training students in a largescale assessment: a study about profile and resultsobtained in the National assessment of studentsperformance (ENADE)

Márcia Regina F. de Brito

Dra. em Psicologia Educacional pela PUCSP. Titular e LivreDocente pela UNICAMP. Profa. Colaboradora do Depto. dePsicologia Educacional da FE/UNICAMP.e-mail: [email protected] ou [email protected]

ResumoO presente texto apresenta os resultados do primeiro Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes(ENADE) aplicado, em nível nacional, a alunos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática. O perfil dosestudantes de Licenciatura em Matemática foi traçado a partir dos estudantes que realizaram a prova deMatemática em 2005 e responderam ao questionário socioeconômico e às questões de análise da prova.Em primeiro lugar, são apresentadas algumas informações sobre os principais aspectos do Sistema Nacio-nal de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Em seguida, a partir das fontes oficiais, são apresentadasas habilidades, competências e perfil profissional que fazem parte da matriz do exame do curso deMatemática. São apresentados também os componentes da habilidade matemática proposta por Krutetskii(1976), com a finalidade de apontar as diferenças de entendimento a respeito desses temas. Posteriormen-te, são apresentados o perfil dos estudantes e os principais resultados da análise estatística relativa aodesempenho desse grupo de futuros professores de matemática.

Palavras-chaveAvaliação de desempenho. Exame em larga escala. Habilidades e competências.

AbstractThe present paper deals with the results of the first Brazilian National Student Performance Exam (ExameNacional de Desempenho dos Estudantes-ENADE) applied at national level to students of mathematics

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 29-49, jul./dez. 2008.

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30 Márcia Regina F. de BRITO. Habilidades, competências e desempenho de futuros...

O Exame Nacional do Desempenhodos Estudantes (ENADE) foi instituído pelaLei 10861/04, como parte do novo siste-ma de avaliação, que substituiu o ExameNacional de Cursos (ENC ou “provão”). OSistema Nacional de Avaliação da Educa-ção Superior (SINAES, 2004) (DIAS SOBRI-NHO, 2000) compreende a avaliaçãoinstitucional (que é composta pela auto-avaliação e avaliação externa); a avaliaçãodo curso (pelos avaliadores de curso) e aavaliação dos estudantes, que é o ENADE.

O ENADE (Brasil,2004), por sua vez,tem os seguintes componentes: uma prova;a avaliação da prova, realizada ao final doexame; a avaliação discente da educaçãosuperior (ADES), é feita por meio de um ques-tionário que abrange aspectos relativos aoestudante, ao curso, às disciplinas, aos pro-fessores, à infra-estrutura, à escolha profis-sional, entre outros, e o questionário do coor-denador de curso, que apresenta um con-junto de questões que são as mesmas dosestudantes, permitindo assim que sejamestabelecidas comparações entre as respos-tas dos estudantes e as do coordenadordo curso ao qual pertencem.

Os cursos superiores têm por funçãodesenvolver plenamente o potencial dos

estudantes a partir de suas habilidades, le-vando-os a adquirir as competências profis-sionais necessárias para atuar em um mun-do em constante transformação. Assim, asinstituições de educação superior, sejamelas públicas ou privadas, necessitam defi-nir nos seus projetos político-pedagógicos,com clareza, os principais aspectos subja-centes à concepção do curso, o seu currícu-lo pleno e como ele será operacionalizado.

O Projeto Político Pedagógico doCurso deve contemplar o conjunto de dire-trizes organizacionais e operacionais queexpressam e orientam a prática pedagógicado curso, sua estrutura curricular, as emen-tas, a bibliografia, o perfil profissional dosconcluintes e tudo quanto se refira ao de-senvolvimento do curso, devendo apresen-tar aderência às Diretrizes Curriculares Nacio-nais (DCN’s) estabelecidas pelo Ministérioda Educação.

Geralmente, os projetos político-pe-dagógicos de cursos se limitam a uma des-crição exaustiva das disciplinas e conteúdosespecíficos de cada uma delas, não apre-sentando o perfil do egresso, nem descre-vendo as habilidades acadêmicas que se-rão desenvolvidas, nem as competênciasprofissionais que o estudante deverá de-

(teacher training programs in mathematics). First of all, is presented information about main features of theNational Higher Education Evaluation System (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior-SINAES).Then, took from official sources, are presented the abilities, competencies and professional profile which ispart of the matrix examination proposed to students engaged in mathematics. Following are presented thecomponents of mathematical ability proposed by Krutetskii (1976), in order to point out differences in thecomprehension on these subjects. Subsequently, are presented the profile of students and the main resultsof statistical analisys related to the performance of this group of pre-service mathematic teachers.

Key wordsPerformance evaluation. Large-scale assessment. Abilities and competencies.

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monstrar possuir ao graduar-se.O traçado do perfil do egresso de

qualquer curso superior é de fundamentalimportância para a compreensão daquiloque é esperado do estudante ao longo desua trajetória pela IES. Assim, no ProjetoPolítico-Pedagógico do curso (PPP) deve serestabelecido o perfil do profissional que sedeseja formar a partir do potencial dos in-gressantes, do desenvolvimento das habili-dades acadêmicas, buscando alcançar ascompetências profissionais necessárias parao exercício da profissão. Esse delineamentoé de extrema importância, pois é a partirdo perfil do profissional que se deseja for-mar que se estabelecem as competênciasprofissionais de uma área e esse perfil deveestar claramente descrito no projeto peda-gógico do curso.

O ENADE é um exame em larga es-cala aplicado a alunos ingressantes e con-cluintes de uma mesma área, aleatoriamen-te selecionados. O exame é o mesmo paraingressantes e concluintes e busca aferir ashabilidades acadêmicas e as competênciasprofissionais básicas desta área; o conheci-mento sobre conteúdos básicos e profissio-nalizantes, além de abordar também ques-tões transdisciplinares. É importante assina-lar que o exame trata apenas de questõespresentes nas diretrizes curriculares do cur-so, pois as ênfases dos diferentes cursosdevem ser observadas pelos avaliadoresquando da avaliação in loco.

Embora esteja expresso na legislaçãoque o exame vai avaliar as habilidades ecompetências dos estudantes, alguns aspec-tos devem ser considerados, pois, em umexame em larga esala, tipo lápis e papel, não

é possível mensurar as habilidades em for-ma pura. Cursos que exigem habilidadesespecíficas de seus estudantes geralmenteincluem testes de habilidade na seleção, porexemplo, arquitetura, música, dança, etc.

De acordo com Krutetskii (1976 apudBRITO, 2006), a habilidade “é uma caracte-rística psicológica individual (é primariamen-te uma característica mental) que respondeàs exigências de uma determinada ativida-de e que influencia, sendo todas as condi-ções iguais, o sucesso no domínio criativode uma atividade – em particular, um domí-nio relativamente rápido, fácil e completodo conhecimento, das destrezas e dos hábi-tos relativos a uma determinada atividade”.

Não é possível observar uma habili-dade em sua forma pura, pois esta habili-dade se manifesta durante a execução deuma atividade ou tarefa; o que se podeobservar são as manifestações dos com-ponentes de uma determinada habilidade.

A literatura tem apontado que ospesquisadores concordam que é necessáriodistinguir entre a habilidade escolar e ahabilidade criativa. A habilidade esco-lar é aquela habilidade comum paradominar a informação de uma área, repro-duzi-la e usá-la independentemente; a ha-bilidade escolar é a habilidade acadêmica,que é medida pelo ENADE. Já a habilida-de criativa é aquela que permite a criaçãode um produto original que contém umvalor social.

Nos vestibulares de muitas Institui-ções de Educação Superior são feitos testesde habilidades específicas, por exemplo, emcursos de música, dança, arquitetura, etc. Naverdade, estes testes tentam aferir o

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32 Márcia Regina F. de BRITO. Habilidades, competências e desempenho de futuros...

potencial de aprendizagem do estudante esão mais precisos que o ENADE, neste tipode mensuração. Porém, mesmo com estesexames para o acesso a determinados cur-sos, as habilidades mais valorizadas nasinstituições educacionais são as habilida-des analíticas, enquanto as habilidades cri-ativas e práticas têm sido deixadas de lado.

O ENADE busca verificar o potencialdo ingressante, a capacidade de domíniode uma determinada área (no presentecaso, a Matemática) e as competências pro-fissionais que o estudante adquire ao lon-go de sua passagem pela IES.

A competência profissional que oestudante de educação superior desenvol-ve é estabelecida a partir de um conjuntode critérios cuja base é o perfil profissionalque a IES deseja que seus graduandosapresentem quando da conclusão do curso.O projeto político pedagógico do curso deveestar referenciado a este critério e ao perfil,pois são eles que formarão a base para ojulgamento das competências profissionaisdos concluintes, analisadas em função deseu desempenho acadêmico.

Enquanto a habilidade acadêmicarefere-se mais às capacidades iniciais doestudante, isto é, são mais dependentes de-las, a competência profissional é adquiridae pode sofrer variabilidade, estando relacio-nada ao desempenho. A competência refe-re-se a uma capacidade desenvolvida peloestudante por meio de experiências ao lon-go da passagem pela IES. Estas aprendiza-gens permitem a ele o domínio de uma oumais áreas, possibilitando que mobilize, ar-ticule e coloque em ação conhecimentos,atitudes e valores necessários para o desem-

penho eficiente e eficaz de atividades reque-ridas pela natureza do trabalho e do desen-volvimento tecnológico.

As competências são adquiridas epodem variar com o decorrer do tempo. Deforma geral, ao longo da escolaridade, osestudantes desenvolvem, no ensino funda-mental, as competências escolares básicas;no ensino médio profissionalizante e noinício dos cursos superiores são trabalhadasas competências profissionais gerais co-muns a uma mesma área e, no final docurso, são trabalhadas as competênciasprofissionais específicas de cada qualifica-ção ou habilitação, definidas pelas IES paracompletar o perfil do profissional que elaforma (ênfase do curso).

O ENADE, assim como todo oSINAES, fundamenta-se na concepção di-nâmica de avaliação. Essa concepção deavaliação opõe-se ao modelo estático. Adiferença principal entre os dois modelos éque, nas provas educacionais, a avaliaçãoestática é uma avaliação da aprendizagem(importa muito o quanto e o que o estu-dante aprendeu); já a avaliação dinâmicabusca verificar o que o estudante é capazde fazer com o que aprendeu. Trata-se deuma verificação da habilidade acadêmicade aprendizagem.

A habilidade de aprendizagem refe-re-se a um incremento na habilidade efetivaentre duas medidas sucessivas, por exem-plo, dois exames. Em uma segunda medida(ou medida posterior) a habilidade efetivadepende da habilidade inicial e de uma oumais habilidades de aprendizagem. A ha-bilidade de aprendizagem permite ao estu-dante desenvolver as competências

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necessárias para atuar como profissionalde uma determinada área (EMBRETSON eREISE, 2000).

Um dos objetivos principais doENADE é medir a mudança que ocorre nodesempenho dos estudantes avaliados emdois momentos: no ingresso e na conclusãodo curso (teste-intervenção-reteste), buscan-do avaliar o processo e não apenas oproduto.

A comissão de especialistas designa-da pelo INEP para subsidiar a elaboraçãoda prova (não é esta a comissão que ela-bora a prova) constrói uma matriz que éum conjunto de descritores. Nela devem es-tar presentes, com clareza, as habilidadesacadêmicas, as competências profissionais,os conteúdos mais relevantes que possamevidenciar as habilidades e competênciaspossíveis de serem avaliadas através deprovas educacionais, facilidade e comple-xidade das questões, dentre outras.

O Exame Nacional do Desempenhodos Estudantes é composto de duas partes.A primeira delas, a Formação Geral (FG),tem 10 questões e avalia o desenvolvimen-to de conhecimentos úteis para que o estu-dante atinja objetivos valorizados pelo su-jeito ou pela cultura. A parte II, chamadade Formação Específica (FE), é compostade 30 questões elaboradas com o objetivode avaliar a aprendizagem de conteúdosespecíficos da área.

O ENADE foi aplicado pela primeiravez, em 2004, para a área de saúde e agrá-rias; em 2005, para as engenharias e as licen-ciaturas; em 2006, para as ciências sociaisaplicadas. No ano de 2007, foi novamenteaplicado para as áreas de saúde e agrárias.

Em 2008, os estudantes dos cursos de licen-ciatura e bacharelado em Matemática serãonovamente submetidos ao exame.

No ENADE 2007, no componente deFormação Geral, o termo “habilidade” foisubstituído por “capacidade” constando,então, que o exame busca verificar as capa-cidades de: ler e interpretar textos; analisarcríticamente as informações; extrair conclu-sões por indução e/ou dedução; estabelecerrelações, comparações e contrastes em dife-rentes situações; detectar contradições; fazerescolhas valorativas avaliando conseqüên-cias; questionar a realidade; argumentarcoerentemente. Os estudantes deverão de-monstrar competências para projetar açõesde intervenção; propor soluções para situa-ções-problema; construir perspectivas inte-gradoras; elaborar sínteses; administrar con-flitos. Neste mesmo documento, informa-seque as questões discursivas avaliam aspec-tos como clareza, coerência, coesão, estra-tégias argumentativas, utilização de voca-bulário adequado e correção gramatical dotexto. Essas modificações foram importan-tes para sinalizar para as IES aspectos es-senciais da formação universitária.

Habilidades e competências:Comparação entre as DCN’s daMatemática e os componentes dahabilidade matemática propostospor Krutetskii (1976)

Como já afirmado anteriormente, osprojetos político-pedagógicos dos cursos dematemática são formulados a partir das Di-retrizes Curriculares Nacionais e são reprodu-zidos na portaria relativa ao exame. Esses

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documentos são públicos e encontram-sedisponíveis no sítio www.inep.gov.br/ENADEdo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-sas Educacionais Anísio Teixeira o (INEP).Assim, para manter este texto fiel ao pro-posto pela comissão assessora do ENADE2005-Matemática, são reproduzidos a seguiros aspectos relativos ao perfil, habilidades ecompetência, tal como aparece na portariarelativa ao exame.

A prova do ENADE/2005, no Com-ponente Específico da área de Matemática,teve por objetivo aferir o desempenho dosestudantes em relação aos conteúdos pre-vistos nas Diretrizes Curriculares para oscursos de Matemática (Bacharelado e Licen-ciatura), às habilidades e competênciasnecessárias para o ajustamento às exigên-cias decorrentes da evolução do conheci-mento matemático e de seu ensino e à com-preensão de temas exteriores ao âmbito es-pecífico de sua profissão e de outras áreasdo conhecimento.

“A prova do ENADE/2005, no Com-ponente Específico da área de Matemática,tomou como referência o perfil profissionalcapaz de: a) dominar os conhecimentosmatemáticos e compreender o seu uso emdiferentes contextos interdisciplinares; b)conceber a Matemática como um corpo deconhecimentos rigoroso, formal e dedutivo,produto da atividade humana, historica-mente construído; c) produzir conhecimentona sua área de atuação e utilizar resultadosde pesquisa para o aprimoramento de suaprática profissional; d) analisar criticamentea contribuição do conhecimento matemá-tico na formação de indivíduos e no exercí-cio da cidadania; e) identificar, formular e

solucionar problemas; f) apreciar a criativi-dade e a diversidade na elaboração de hi-póteses, de proposições e de solução de pro-blemas; e g) identificar suas próprias con-cepções, valores e atitudes em relação àMatemática e seu ensino, visando à atua-ção crítica no desempenho profissional”.

“A prova do ENADE/2005, no Com-ponente Específico da área de Matemática,avaliou se o estudante desenvolveu ao lon-go do curso competências e habilidadesgerais que possibilite ao profissional: a) es-tabelecer relações entre os aspectos formais,algorítmicos e intuitivos da Matemática; b)formular conjecturas e generalizações, ela-borar argumentações e demonstrações ma-temáticas e examinar conseqüências douso de diferentes definições; c) utilizar con-ceitos e procedimentos matemáticos paraanalisar dados, elaborar modelos, resolverproblemas e interpretar suas soluções; d)utilizar diferentes representações para umconceito matemático, transitando por repre-sentações simbólicas, gráficas e numéricas,entre outras; e) perceber a Matemática emuma perspectiva histórica e social; f) inter-pretar e utilizar a linguagem matemáticacom a precisão e o rigor que lhe são ineren-tes; e, g) ser capaz de ler e interpretar textose expressar-se com clareza e precisão emLíngua Portuguesa.”

Como pode ser verificado acima, nãoexiste uma diferenciação entre as competên-cias profissionais esperadas do estudantedessa área e as habilidades acadêmicas queserão desenvolvidas para atingir essas com-petências. Como é a partir do potencial deaprendizagem dos estudantes que se esta-belecem as competências necessárias para

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a atuação profissional competente, se essesconstrutos não estão claramente definidos,torna-se difícil trabalhar para atingi-los.

Se estabelecermos uma comparaçãoentre as habilidades propostas por Krutetskii(1976) e as habilidades propostas no tex-to, é difícil evidenciar e ter clareza sobre oque está sendo aferido, pois esse tipo deevidência é mais facilmente obtida em si-tuações de solução de problema usando ométodo de pensar em voz alta.

Segundo Krutetskii (1976, p. 75), ashabilidades “são qualidades internas deuma pessoa que permitem a realização deuma atividade definida”; já os componen-tes das habilidades referem-se a habili-dades particulares que compõem a estru-tura geral das habilidades. Quando um es-tudante soluciona um problema do exameé possível inferir quais mecanismos própriosdos componentes da habilidade matemá-tica foram disponibilizados. As habilidadessão totalidades cujos componentes nãopodem funcionar de forma isolada. A iden-tificação e análise de cada componente emseparado são elaboradas apenas comobjetivo de pesquisa, mas, na execução daatividade, o conjunto desses elementosinteragem formando uma única estrutura.

Esse autor afirmou também que o su-jeito que possui habilidade para aprender ma-temática apresenta características psicológi-cas individuais e são essas características queinfluenciam, sendo todas as outras condiçõesequivalentes, para o sucesso no domínio cria-tivo de matemática como um assunto esco-lar – em particular, uma relativa rapidez, faci-lidade e domínio profundo do conhecimento,destrezas e hábitos em matemática.

Quais as principais características da(o) estudante habilidosa (o) em Matemáti-ca? Qual o perfil e as competências do estu-dante que busca uma carreira em Matemá-tica?

Indivíduos com diferentes habilida-des e que são capazes de aprender Mate-mática, caracterizam-se por diferenças nograu de desenvolvimento tanto da ha-bilidade para generalizar o material mate-mático como da habilidade para lembrargeneralizações. A característica básica dopensamento dos estudantes com alta habi-lidade matemática é que eles possuem umapercepção analítico-sintética única da con-dição do problema; rapidamente se apos-sam das relações básicas que constituema essência do problema sem esquecer odado específico (KRUTETSKII, p. 85).

Krutetskii (1976, p. 350), como resul-tado da pesquisa longitudinal que desen-volveu ao longo de quase duas décadas,detalhou os seguintes estágios básicos daatividade mental durante a solução de pro-blemas matemáticos: obtenção da infor-mação matemática, processamento mate-mático da informação e retenção da infor-mação matemática. A cada um desses es-tágios corresponde uma ou mais sub-ha-bilidades (ou componentes da habilidade).

Assim, a obtenção da informaçãomatemática está atada à habilidade paraformalizar a percepção do material mate-mático e para compreender a estrutura f or-mal do problema.

O processamento da informação ma-temática compreende um conjunto de com-ponentes ou sub-habidades e são elas, deacordo com o referido autor: 1. habilidade

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para pensar logicamente na área das rela-ções espaciais e quantitativas, números esímbolos alfabéticos e a habilidade parapensar em símbolos matemáticos; 2. habi-lidade para generalizar de forma abrangen-te e rápida os conteúdos matemáticos, asrelações e as operações; 3. habilidade para‘resumir’ os processos matemáticos e os sis-temas correspondentes de operações, alémda habilidade para pensar através de estru-turas reduzidas; 4. flexibilidade dos proces-sos mentais na atividade matemática; 5. in-clinação pela claridade, simplicidade, econo-mia e racionalidade da solução; 6. habili-dade para uma rápida e livre reconstruçãodo processo mental (reversibilidade dos pro-cessos mentais no raciocínio matemático).

A retenção da informação matemá-tica implica a existência de uma memóriamatemática (memória generalizada pararelações matemáticas, esquemas de argu-mentos e provas, métodos de solução deproblemas e princípios de abordagem paratipos específicos de problemas). Krutetskii(1976) também propôs a existência de umcomponente geral sintético que seria umahabilidade característica de indivíduos comtendência a traduzir stuações em categoriaslógicas e matemáticas, identicando sempreos aspectos matemáticos de uma situação.

Analisando as habilidades mate-máticas e competências propostas porKrutetskii (1976) e estudadas pelo grupo dePsicologia da Educação Matemática da FE/UNICAMP e as comparando com as habili-dades e competências que aparecem naportaria do exame, percebe-se que estão bemdistantes, pois tanto o perfil profissional comoas habilidades e competências se confun-

dem. Porém, quando os estudantes respon-dem ao questionário de avaliação discenteda educação superior, o fazem como se tives-sem absoluta clareza sobre esses aspectos.

Resultados gerais do curso deMatemática (Bacharelado eLicenciatura)

O Censo 2005 da Educação Superiorapontou que havia um total de 72.247 es-tudantes matriculados na área de Matemá-tica, sendo que 58.486 estudantes estavammatriculados em universidades; 5.070 emcentros universitários; 1.740 em faculdadesintegradas; 5.392 em faculdades, escolas einstitutos superiores e 1.559 nos centros deeducação tecnológica.

Do ENADE 2005 participaram525.685 estudantes das licenciaturas e en-genharias (sendo 199.981 estudantes deIES públicas e 325.704 de IES privadas).Desses, 32.587 estudantes eram da área deMatemática. De acordo com o relatório doMEC/INEP/DEAES-ENADE/2005, relativo àárea de Matemática de uma população de32.587 estudantes (19.006 ingressantes e13.531 concluintes) da área de matemática,foi extraída uma amostra de 23.666 estu-dantes, sendo 13.356 ingressantes e 10.310concluintes. Compareceram ao exame umtotal de 19.472 estudantes (10.229 ingres-santes e 9.243 concluintes).

De acordo com o INEP (2006), quan-do foi considerada a quantidade de cursosde matemática por categoria administrati-va, verificou-se que 263 cursos são de IESprivadas, 21 são de IES municipais, 103 sãode instituições estaduais e 70 são cursos

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de IES federais. Das 457 IES existentes nopaís, 30 estão na região Norte, 92 na regiãoNordeste, 194 na região Sudeste, 85 na re-gião Sul e 56 na região Centro-Oeste. Aindade acordo com o relatório da área de Mate-mática, 57% dos cursos de Matemáticapertencem a IES privadas, sendo que 42,5%estão concentrados na região Sudeste. Essaconcentração de cursos é a mesma encon-trada para a maioria dos os cursos de Li-cenciatura (BRITO, 2007).

No ENADE 2005, na área de mate-mática, a média do grupo foi 31,8. A médiados ingressantes foi 30,2 e a dos concluintesfoi 34,1 (erro padrão da média de 0,1 nostrês grupos e desvio padrão de 11,6; 10,5 e12,6 respectivamente). No grupo total, a

nota mínima foi 0,0; a mediana foi 31,2 e anota máxima foi 93,7. Entre os ingressantes,a nota mínima foi 0,0, a mediana foi 29,9 ea nota máxima foi 79,9.

Quando são considerados apenas osestudantes concluintes do curso de mate-mática, é possível comparar os conceitosrecebidos pelas IES na época do ExameNacional de Cursos (ENC ou “provão”).Embora fossem avaliações distintas, forne-ce uma idéia do desempenho de graduan-dos em diferentes períodos.

Para permitir esta visualização é apre-sentada a seguir a distribuição dos cursosde Matemática nos cinco níveis possíveis,sendo o nível 5 correspondentes aos cursoscom conceitos mais altos:

ENC 2002 ENC 2003 Enade 2005 Total Conceito Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %

1 30 8,6 204 49,2 3 0,9 237 21,7 2 83 23,9 185 44,6 46 14,0 314 28,8 3 163 46,8 23 5,5 213 64,7 399 36,5 4 23 6,6 2 0,5 51 15,5 76 7,0 5 49 14,1 1 0,2 16 4,9 66 6,0 SC 10 23 128 161

Total 358 100 438 100 457 100 1253 100

Observa-se na Tabela 1 as freqüên-cias e percentuais em cada nível dos con-ceitos no Exame Nacional de Cursos (ENC)2002 e 2003 e o resultado dos concluintesno ENADE 2005 para a área de Matemática,incluindo bacharelado e Licenciatura. Utili-

zando o teste qui-quadrado, verificou-seque há diferença significativa em cada áreaanalisada entre o Provão 2002 ou 2003em relação ao Enade 2005, com nível designificância de 0, 05.

Tabela 1: Distribuição de cursos de Matemática de acordo com os conceitos (ENC 2002e 2003; concluintes ENADE 2005).

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Resultados gerais do curso deLicenciatura em Matemática

Em um estudo anterior (BRITO,2007), que pesquisou aspectos relativos atodos os estudantes de Licenciaturas queparticiparam do ENADE 2005, isto é, o per-fil, a opção pelo magistério e o desempe-nho na prova, foram excluídos da base dedados todos os estudantes de Bacharela-do e obteve-se um grupo de 184.474 estu-dantes distribuídos entre as 10 carreiras queparticiparam do ENADE 2005.

Para a obtenção do perfil dos estu-dantes de licenciatura em Matemática, op-tou-se, no presente estudo, por adotar omesmo procedimento. Assim, as análises

referem-se a 18.708 estudantes de Licencia-tura em Matemática, sendo 10.284 estu-dantes (55%) do gênero feminino e 8.424estudantes (45%) do gênero masculino, in-dicando um ligeiro predomínio de mulheresque optam pela carreira.

Os estudantes de licenciatura estãodistribuídos por todas as regiões do Brasil,porém com predominância da Região Su-deste, onde estão concentrados 47,4% dosfuturos professores de matemática. A Re-gião Norte, quando comparada com as de-mais, apresenta profunda desigualdade, evi-denciando a necessidade de implemen-tação de políticas com o objetivo de sanaresse déficit.

Tabela 2: Distribuição dos estudantes de Licenciatura em Matemática de acordo com aregião de funcionamento do curso.

Quando é feita a distribuição dosestudantes de acordo com a categoriaadministrativa verifica – se que a maior

concentração de estudantes (58%) está nasIES privadas, conforme a tabela 3.

região n. de estudantes % % válida % acumulada

Norte 932 5,0 5,0 5,0 Nordeste 3.443 18,4 18,4 23,4

Sudeste 8.864 47,4 47,4 70,8 Sul 3.363 18,0 18,0 88,7

Centro-oeste 2.106 11,3 11,3 100,0 Total 18.708 100,0 100,0 Fonte: MEC/INEP/DEAES

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matemática concentra-se nas universidadese nas faculdades integradas, mas conformea tabela anterior, essas são universidades ecentros, em sua maioria, privados.

Em seguida foi elaborado o perfil doestudante a partir das características pre-dominantes do grupo. Todos os estudantesselecionados na amostra recebem em suasresidências, antes do dia do exame, umquestionário que é a Avaliação Discente daEducação Superior (ADES). Esse questioná-rio deve ser entregue respondido, no dia daprova. Na análise realizada, foi observadoque pelo menos a metade dos estudantesde licenciatura em matemática não devol-veu o questionário, pois a análise mostraque dos 18.708 estudantes, 9.305 (47%)

Tabela 3: Distribuição dos estudantes de acordo com a categoria administrativa.

Tabela 4 : Distribuição dos estudantes de acordo com a organização acadêmica da IES.

constam como missing cases e 9.403 foramos que devolveram o questionário respon-dido. Além disso, o estudante que entregouo questionário pode ter deixado algumasquestões em branco ou ter a questão anula-da por ter dado resposta duplicada.

Do total de estudantes que responde-ram à questão sobre o período no qualestudam, 6.680 estudantes (71%) respon-deram que estudam no período noturno.Isso corresponde quase exatamente ao nú-mero de estudantes que afirmam trabalharem período integral. Das características

Quando é analisada a distribuição dosestudantes de acordo com a organizaçãoacadêmica da IES, a tabela 4 mostra que omaior número de alunos de licenciatura em

categoria n. de estudantes % % válida % acumulada Federal 2.930 15,7 15,7 15,7 Estadual 3.728 19,9 19,9 35,6 Municipal 1.203 6,4 6,4 42,0 Privada 10.847 58,0 58,0 100,0 Total 18.708 100,0 100,0

organização acadêmica n. de estudantes % % válida % acum. Universidade 11.099 59,3 59,3 59,3 Centro Universitário 2.304 12,3 12,3 71,6 Faculdades Integradas 4.785 25,6 25,6 97,2 Faculdades, Escolas e Institutos Superiores. 376 2,0 2,0 99,2 Centros de Educação Tecnológica 144 0,8 0,8 100,0 Total 18.708 100,0 100,0

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predominantes mostradas na tabela 3 podeser afirmado que esse grupo de estudantesde licenciatura em matemática é predomi-nantemente solteiro, branco, um poucomais da metade é de mulheres, mora compais ou parente, estuda no período noturno,pois trabalha durante o dia, fez o ensinomédio em escola pública, sendo que 59,3%fizeram o ensino médio comum ou de edu-cação geral, no ensino regular.

Como os índices atualmente elabora-dos pelos formuladores das políticas públi-cas utilizam o nível de escolaridade dos paiscomo sendo a principal variável deinfluência no desempenho é importante

observar que, nesse grupo de sujeitos, ape-nas 8,2% dos pais e 10% das mães possu-em curso superior. É importante observarque 49,8% dos pais não possuem nenhu-ma escolaridade ou possuem somente atéa quarta série do ensino fundamental. Comrelação às mães, verifica-se que 44,6% nãopossuem nenhuma escolaridade ou pos-suem somente até a quarta série do ensinofundamental. A maioria não tem nenhumconhecimento de inglês ou espanhol e, pelomenos a metade, utiliza a TV para se atua-lizar. A maioria tem acesso à internet e qua-se a totalidade utiliza o computador parafazer os trabalhos escolares.

Tabela 5 : Características predominantes dos estudantes de licenciatura em matemáticaparticipantes do ENADE 2005.

Característica Predominante n. % Solteiro. 6.199 65,9 Branco. 5.996 63,8 Tem até dois irmãos. 2.391 55,2 Mora com os pais e/ou parentes. 5.663 60.2 Famílias que ganham até 10 salários mínimos . 8.491 90,3 Não recebe bolsa de estudos ou financiamento para estudar. 6.135 65,2 Trabalha 7.224 76,8 Tem pai com escolaridade Superior. 774 8,2 Tem mãe com escolaridade superior. 945 10,0 Fez o ensino médio em escola pública 6.935 73,8 Tem conhecimento praticamente nulo de inglês. 5.183 55,1 Tem conhecimento praticamente nulo de es panhol 5.727 60,9 Não lê nenhum livro 1.967 20,9 Lê no máximo dois livros ao ano, excetuando-se os livros escolares. 3.344 35,6 Lê jornais diariamente. 1.395 14,8 Utiliza a TV como meio de informação e atualização sobre os acontecimentos do mundo contemporâneo. 5.623 59,8 Utiliza a biblioteca da instituição onde estuda com razoável freqüência ou muito freqüentemente. 6.216 66,1 Tem, no acervo da biblioteca da Instituição, a sua principal fonte de pesquisa. 4.557 48,5 Estuda, além das aulas, no mínimo uma hora e no máximo cinco horas semanais. 6.541 69,6 Nunca exerceu nenhuma atividade acadêmica, além das obrigatórias. 5.251 55,8 Nunca teve contato com atividades de pesquisa. 6.544 69,6 Participa de eventos promovidos pela própria instituição (congressos, jornadas, seminários, etc.). 5.811 61,8 Tem no cinema a sua principal atividade de lazer. 4.191 44,6 Tem acesso à internet. 7.760 82,5 Utiliza microcomputador para trabalhos escolares. 8.797 93,6 Utiliza o microcomputador para entretenimento. 6.183 65,8 Afirma ter conhecimento de informática bom ou muito bom. 7.547 80,3 Considera a aquisição de formação profissional a principal contribuição do curso. 6.372 67,7 Uso de aula expositiva pelos professores 6.642 70,6 Fonte: MEC/INEP/DEAES - ENADE2005

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Existem algumas questões no ques-tionário dos estudantes que estão direta-mente relacionadas às habilidades e com-petências e ao perfil que é estabelecido nasDCN’s do curso de matemática, sendo pes-quisada junto ao aluno a percepção queele tem a respeito desses aspectos. Quan-do se perguntou aos futuros professores dematemática da amostra se o curso contri-buiu ou estava contribuindo para o desen-volvimento do raciocínio lógico e para o de-senvolvimento da capacidade de análisecrítica, 88% dos estudantes responderamque o curso contribui amplamente ou par-cialmente.

Com relação ao desenvolvimento deobservação, interpretação e análise de da-dos, 79% dos estudantes afirmaram que ocurso contribui ou contribuiu amplamenteou parcialmente. Na questão que pergun-tava se o curso contribuía para a utilizaçãode procedimentos de metodologia, 71,2%responderam afirmativamente, e com rela-ção ao curso ter contribuído para a assimila-ção crítica, 62,3% responderam que o cur-so contribui ou contribuiu amplamente ouparcialmente. Isso evidencia que, de certaforma, esses cursos parecem atender o pro-posto nas diretrizes curriculares, pelo menospara esses estudantes, mas essa é umaquestão que precisa ser tratada de maneiracautelosa. O que aparece aqui é apenasum indício que pode levar a alguns estu-dos planejados especificamente para isto.

O questionário de avaliação discen-te da educação superior na edição doENADE 2005 foi acrescido de questões re-lativas à opção profissional dos estudantesde licenciaturas. Essas questões foram inse-

ridas com o objetivo de se verificar as razõespelas quais os estudantes optam pela car-reira de professor.

Quando perguntados se queriamrealmente ser professores de matemática,74,5% dos estudantes que responderam aessa questão afirmaram que sim, 7,1% afir-maram que não e 15,4 disseram não esta-rem decididos ainda. O resultado indica queos estudantes desse grupo optam pelo cur-so porque querem seguir a carreira do ma-gistério. Isso está relacionado ao fato deque estudantes desse grupo já tinham expe-riência anterior como professores, pois44,2% dos estudantes afirmaram que jápossuíam experiência atuando como pro-fessores, enquanto 52,6% disseram não ternenhuma experiência.

Quando se perguntou aos os estu-dantes sobre a perspectiva profissional fu-tura, as respostas foram as seguintes: Játenho trabalho na área e pretendo conti-nuar nele (15,7%), trabalho em outra área,mas pretendo buscar atividade na área(26,6%); vou me dedicar à atividade acadê-mica e buscar um curso de pós-graduação(28,2%), vou prestar concurso para ativida-de em empresa pública (16,1%), pretendotrabalhar em empresa privada (2,9%) e9,3% responderam que ainda não estavamdecididos sobre o futuro profissional.

Uma das questões perguntava sobreo local onde haviam atuado como profes-sores e foi verificado que 28,0% já haviamatuado no ensino regular em escola pública;8,3% no ensino regular em escola privada;1,6% no ensino supletivo; 1,6% no ensinotécnico; 2,6% já haviam sido professores decursinho e 9,2% haviam atuado em outra

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modalidade. A soma de todos os tipos deexperiências de ensino já contabilizadaspelos estudantes mostrou que 51,3% têmalguma experiência no magistério.

Quando se perguntou a respeito darazão pela qual escolheram o curso de licen-ciatura em matemática, foram obtidos osresultados mostrados na tabela 6.

Tabela 6 : Distribuiçaõ dos estudantes de acordo com a razão da opção pelo curso.

Razão da escolha n. de estudantes % % válida % acumulada Porque quero ser professor. 4.932 26,4 52,5 52,5 Para ter outra opção se não conseguir exercer outra atividade. 1.723 9,2 18,3 70,8

Por influência da família. 327 1,7 3,5 74,3 Porque tive um bom professor que me serviu de modelo. 1.400 7,5 14,9 89,1

Eu não quero ser professor. 316 1,7 3,4 92,5 É o único curso próximo da minha residência. 342 1,8 3,6 96,1

Fonte: MEC/INEP/DEAES - ENADE2005

A última questão do questionárioperguntava se o estudante poderia afirmarque o curso havia contribuído para a aqui-sição de competências e foi verificado que

6.887 estudantes (73,2%) responderam afir-mativamente; 1.005 (10,7%) afirmaram quenão e 1.189 disseram que não sabiam res-ponder a pergunta.

Figura 1 : Distribuição do número de estudantes de acordo com a perspectiva de aquisi-ção de competências.

Aquisição de competências

Não sei responderNãoSim

Núm

ero

de e

stud

ante

s

8000

7000

6000

5000

4000

3000

2000

1000

0

11891005

6887

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A distribuição de estudantes por pers-pectiva de aquisição de competências mos-tra que 38% dos ingressantes e 37,8% dosconcluintes consideram que o curso escolhi-do favorece e/ou favoreceu a aquisição decompetências para a prática docente, con-forme visto na Tabela 76. Existe diferençasignificativa de distribuição dos estudantessegundo a perspectiva de aquisição decompetências, quando são agrupados deacordo com a situação do curso (qui-quadrado [2] = 254,515; p < 0,001).

Em relação à escolha profissional, osestudantes dessa amostra parecem, emmédia, ter optado pela carreira e pretendemsegui-la; percebem o curso como uma for-ma de se qualificar e acreditam que estãoadquirindo as competências e habilidadesnecessárias.

Desempenho dos estudantes deLicenciatura em matemática nocomponente de Formação Geral(FG) no ENADE2005

A prova do ENADE é composta dedez questões de formação geral e trintaquestões da formação específica. A provaespecífica do ENADE 2005 da área de

Matemática apresentava oito questõesobjetivas e dez discursivas na parte de for-mação geral. Essa parte da prova é igualpara todos os estudantes de todos os cur-sos, e é a única parte comparável da provapara todos os estudantes. Em seguida, aprova apresentava trinta questões comunspara licenciatura e bacharelado e, ao final,10 questões específicas para licenciatura,sendo 9 questões objetivas e umadiscursiva e 10 questões específicas para obacharelado com 9 questões objetivas euma discursiva. O peso atribuído a cadauma das partes da prova (FG e FE) corres-ponde a 100%, sendo que, na parte de for-mação geral, as questões objetivas têmpeso igual a 55% e as questões discursivastêm peso igual a 45%. Na parte específica,as questões objetivas têm peso 80% e asquestões discursivas têm peso 20%.

O desempenho geral dos estudantesde licenciatura em matemática no compo-nente de formação geral mostra as seguin-tes médias: a média do grupo (ingressantese concluintes) foi 55,252; os ingressantesobtiveram a média 54,366 e a média dosconcluintes foi 55,252. O ganho em desem-penho médio foi 1,889.

Tabela 7. Estatísticas descritivas do desempenho no componente de FG por tipo dequestão e situação do estudante no curso.

Questões objetivas Questões discursivas Situação do estudante Média Desvio padrão N Média Desvio padrão N Concluinte 67,426 20,9116 8.781 42,595 20,1939 8.778 Ingressante 64,841 21,7430 9.927 41,548 19,9771 9.923

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Em seguida, buscou-se verificar asdiferenças de desempenho dos estudantesde licenciatura de acordo com as regiões efoi verificado que os da Região Norte obtive-ram a maior média (55,754), seguidos dosda Região Sudeste (55,564), Nordeste(55,137), Centro-Oeste (54,862) e Sul(54,656).

Quando são verificadas as diferençasde acordo com a categoria administrativada IES, foi verificado que as IES federaisobtiveram média 57,921; as estaduais,56,408; as municipais, 53,329 e as privadas,54,348. As diferenças entre as médias sãosignificativas (p=0,000), exceto entre asmunicipais e privadas, pois, nelas a diferen-ça não foi significativa (p=0,181). Quandoo agrupamento é feito de acordo com aorganização acadêmica foi verificado quea maior média é dos estudantes dos centrosde educação tecnológica (57,015); em se-guida, os estudantes de universidades(55,890); faculdades, escolas e instituiçõessuperiores (55,034); centros universitários(54,390) e, por último, as faculdades inte-

gradas (54,153). Entre esses grupos exis-tem diferenças significativas entre a médiadas universidades e a dos centros universi-tários (p=0,001) e a das faculdades integra-das (p=0,000); os demais grupos, quandocomparados, não apresentaram diferençassignificativas.

Desempenho dos estudantes delicenciatura em matemática nocomponente de formaçãoespecífica (FE) no ENADE2005

Assim, como na prova de FormaçãoGeral, na parte da prova referente ao Com-ponente Específico observou-se a preferên-cia pelas questões objetivas, em relação àsquestões discursivas. Na Tabela 8, verifica-se que 36,9% dos estudantes deixaram deresponder à parte discursiva, enquanto 0,6%dos que participaram do ENADE2005, dei-xaram de responder à parte objetiva. Destaforma, observa-se a preferência pelas ques-tões objetivas também para o componenteespecífico da prova.

Tabela 8 . Distribuição do número de estudantes de acordo com o tipo de presença naProva de Componente Específico.

Discursiva Objetiva Tipo de presença

n. estudantes % n. estudantes % Satisfatório 11.813 63,1 18.593 99,4 Prova em branco 6.895 36,9 115 0,6 Total 18.708 100,0 18.708 100,0

Os resultados da prova da área dematemática aqui analisados referem-se aosresultados das licenciaturas. Portanto, a nota

bruta da prova e as médias dos grupos sãorelativas à prova total: formação geral econteúdo específico (questões comuns a

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todos os estudantes de matemática e àsquestões específicas das licenciaturas). Es-sas notas poderiam variar de 0.0 a 100,0.

A média obtida pelos concluintes foi34,828 (dp=11,744) e a média dos ingres-santes foi 30,310 (dp=9,6117), sendo quea média geral do grupo foi 32,430(dp=10,9014). Esse resultado é extremamen-te baixo, pois os estudantes concluintessequer se aproximaram de 50,00, que é anota mínima exigida para aprovação namaioria das IES. É esperado que, no ENADEque será realizado no ano de 2008, os estu-dantes concluintes (que representavam osingressantes em 2005) apresentem resul-tados melhores. A média dos estudantes,quando os grupos são separados de acor-do com o gênero, mostrou que o grupo mas-culino obteve média 33,099 (dp=11,7451)e o feminino 31,883 (dp=10,1257).

Quando os estudantes de licenciatu-ra em matemática são agrupados de acor-do com a categoria administrativa da IES,foram obtidos os seguintes resultados: asIES federais tiveram média igual a 36,589;as IES estaduais obtiveram 33,361; as IESprivadas 31,235 e as IES municipais 30,204e essas diferenças são significativas(p=0,000). Também quando é consideradoo período que o estudante estuda, as dife-renças são significativas nesse mesmo nível.

Finalmente, é analisado separada-mente o nível de escolaridade do pai e damãe, pois este é um fator que vem sendoconsiderado pelo MEC para cálculo dosíndices e elaboração dos rankings. Todasas diferenças entre esses grupos foramsiginificativas (p=0,000).

A análise estatística mostrou que osestudantes cujos pais têm curso superiorobtiveram média 36,576 (dp=12,6627); es-tudantes filhos de pais com ensino médioapresentaram média igual a 34,109(dp=11,7262); estudantes filhos de pais comensino fundamental de 5ª a 8ª séries obti-veram média igual a 33,016 (dp=10,6202)e estudantes filhos de pais com ensino fun-damental de 1ª a 4ª séries obtiveram médiaigual a 32,187 (dp=10,3061). A menor mé-dia (30,656; dp=10,3349) foi a obtida porestudantes cujos pais não tiveram nenhu-ma escolaridade.

Da mesma maneira, os estudantescujas mães têm curso superior obtiverammédia 35,347 (dp=12,8009); estudantes fi-lhos de mães com ensino médio apresen-taram média igual a 33,745 (dp=11,2834);estudantes filhos de mães com ensino fun-damental de 5ª a 8ª séries obtiveram mé-dia igual a 33,397 (dp=10,7509) e estudan-tes filhos de mães com ensino fundamen-tal de 1ª a 4ª séries obtiveram média iguala 32,069(dp=10,3923). Aqui também a me-nor média (30,727; dp=10,0632) foi a obti-da por estudantes cujas mães não tiveramnenhuma escolaridade. Isso se repete tam-bém quando são analisadas as médias nasquestões objetivas e discursivas.

Quando são analisadas as médias,considerando apenas a parte objetiva daprova, verifica-se que a média dos ingres-santes foi igual a 25,872 (dp=11,2437) eos concluintes obtiveram 31,741(dp=14,2437). Nas questões discursivas, amédia dos ingressantes foi 7,943(dp=10,07040 e dos concluintes foi 11,565(dp=13,7491).

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Como os estudantes delicenciaturas perceberam a prova

Ao final da prova, o estudante é soli-citado a fazer uma avaliação da prova,expondo algumas percepções a respeito daparte de formação geral e do conteúdo es-pecífico. Nessa parte do ENADE, foi verifi-cada a ocorrência de um grande númerode estudantes que tiveram questões anu-ladas por apresentar respostas duplicadase de outros que deixaram questões embranco. Foram deixados de fora por voltade quatro mil sujeitos em cada questão.

Com relação ao grau de dificuldadeno componente de formação geral da pro-va, 2,1% dos estudantes consideraram aprova muito fácil; 10,0% consideraram fá-cil; 41,9% afirmaram ter encontrado um graumédio de dificuldade; 18,1% acharam aprova difícil e 4,9% consideraram muito di-fícil. Os estudantes que consideraram estaparte da prova muito fácil tiveram média31,270; os que consideraram fácil obtive-ram 36,677; os que consideraram a provacom um grau médio de dificuldade obtive-ram 33,374, seguidos do grupo que consi-derou difícil (média=30,387) e muito difícil(média=28,576).

Com relação ao grau de dificuldadeno componente específico da prova, 9%dos estudantes consideraram a prova mui-to fácil; 2,1% consideraram fácil; 27,1% afir-maram ter encontrado um grau médio dedificuldade; 35,8% acharam a prova difícile 11% consideraram muito difícil. Os estu-dantes que consideraram esta parte da pro-va muito fácil obtiveram média 28,667; osque consideraram fácil obtiveram 34,557;

os que consideraram a prova com um graumédio de dificuldade obtiveram média iguala 33,797; o grupo que considerou a provadifícil teve média igual a 30,387 e os queconsideraram a prova muito difícil obtive-ram 31,521. Pode ser verificado através des-ses resultados que os estudantes tiverammais dificuldade na parte específica que naparte de formação geral e mais dificuldadenas questões dissertativas que nas questõesobjetivas.

Quando perguntados sobre o tempoem relação ao tamanho da prova, 10,0%consideraram a prova muito longa; 14,8%consideraram longas; 43,7% acharam ade-quada 6,7% acharam curta e 1,9%, muitocurta. Esse dado coincide com as respostasde estudantes de outras áreas (BRITO,2007).

A percepção dos estudantes com re-lação à clareza e objetividade dos enuncia-dos das questões da FG apontou que15,6% consideraram que todos eram cla-ros e objetivos; 41,4% afirmaram que amaioria dos enunciados era clara e objetiva;cerca da metade dos enunciados era clarae objetiva para 10,9% dos estudantes; 8,1%avaliaram que poucos enunciados eramclaros e objetivos, e para 1,1% dos estu-dantes nenhum enunciado era claro e ob-jetivo.

Com relação à clareza e objetivida-de dos enunciados na parte específica,12,0% afirmaram que todos eram claros eobjetivos; 37,8%, que a maioria era clara eobjetiva; para 14,6%, cerca da metade eraclara e objetiva; para 11,3%, poucos eramclaros e objetivos. Para apenas 1,5% dosestudantes, nenhum era claro e objetivo.

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Em relação à quantidade de Infor-mações fornecidas pelas questões, para1,9% elas foram consideradas excessivas,em todas as questões; 14,8% perceberamcomo suficientes em todas as questões;36,3% afirmaram que a maioria das ques-tões apresentava informação suficiente;22,2% consideraram que somente algumasquestões tinham informações suficientes e1,7% que todas as questões apresentavaminformações insuficientes.

Quando solicitados a apontar a razãoda dificuldade na prova, 24,1% apontaramo desconhecimento do conteúdo; 27,6%atribuíram à forma diferente de abordagemdo conteúdo nas questões; 4,4% que o es-paço era insuficiente para responder àsquestões; 18,3% apontaram a falta de mo-tivação para responder à prova; 2,3% afir-maram não ter encontrado qualquer tipode dificuldade para responder às questõesda prova.

Quando perguntados sobre comopercebiam a influência das questões espe-cíficas no desempenho, 31,0% dos estudan-tes responderam que não haviam estuda-do ainda a maioria dos conteúdos; 13,5%afirmaram que já haviam estudado algunsdesses conteúdos; 13,5% disseram quehaviam estudado alguns desses conteúdos,mas não tinham aprendido; 16,9% afirma-ram que haviam estudado e que aprende-ram muitos desses conteúdos, enquanto1,7% dos estudantes afirmaram que já ha-viam estudado e aprendido todos essesconteúdos. Como pelo menos a metadedesses estudantes é composta por concluin-tes, pode-se inferir que muitos deles nãodominam a maioria dos temas essenciais

previstos nas diretrizes curriculares.Quando perguntados sobre o tempo

gasto na prova, 1,9% dos estudantes afir-maram ter utilizado menos de 1 hora; 15,1%gastaram entre 1 e 2 horas; 28,9% entre 2e 3 horas; 23,8% entre 3 e 4 horas e 6,7%afirmaram ter usado as 4 horas e não terconseguido terminar de responder a todasas questões.

Algumas considerações finais

A análise dos resultados do examesó será efetivada a partir do momento queem 2008 os estudantes novamente reali-zarem o exame. Completado o ciclo da áreade matemática, será possível verificar se asIES estão trabalhando com seus estudan-tes de forma a levá-los a progredir nos itensconsiderados, nas Diretrizes CurricularesNacionais, essenciais para a formação dosprofessores de matemática. O fraco desem-penho dos estudantes na prova do ENADE,tomado isoladamente, não é suficiente paraindicar a má qualidade dos cursos de li-cenciatura em matemática. Como aponta-do pelos próprios estudantes, o fato de nãoter obrigação de responder à prova deixaos estudantes desmotivados.

A análise descritiva dos dados mos-tra que a maioria desses estudantes de li-cenciatura em matemática, assim como osestudantes das demais licenciaturas quefizeram o ENADE2005, têm renda relativa-mente baixa, cursaram o ensino médio emescolas públicas, trabalham durante o diae estudam no período noturno em IES priva-das, sendo a maioria destas IES na regiãosudeste. Os estudantes de matemática afir-

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mam que o curso proporciona (ou) as com-petências necessárias para atuarem comoprofessores.

Analisando as notas mínimas e má-ximas, pode-se concluir que existe umaheterogeneidade muito grande entre osestudantes de Matemática, por exemplo:máximo de 98,7 e mínimo de 0 para a notado componente específico entre os dois gru-pos. Esses resultados, quando analisadoscom as competências e habilidades que o

exame se propõe a medir, parece indicaruma baixa aquisição das habilidades aca-dêmicas tanto entre os ingressantes comoentre os concluintes do curso. De certa for-ma, a prova, que é aplicada em larga escala,consegue apreender algumas das habilida-des acadêmicas, além de aspectos relacio-nados às competências profissionais dosfuturos professores, expressas nas DiretrizesCurriculares dos Cursos de formação deprofessores de Matemática.

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Recebido em 10 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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As tecnologias de informação e comunicação emcursos de licenciatura em matemáticaInformation technologies and communication inmathematics teaching course

Monica Fürkotter*Maria Raquel Miotto Morelatti**

* Doutora em Matemática pela USP/São Carlos. Docentedo Departamento de Matemática, Estatística e Computa-ção e do Programa de Pós-graduação em Educação daFCT/Unesp/Presidente Prudente-SP.e-mail: [email protected].

** Doutora em Educação pela PUC/SP. Docente do Depar-tamento de Matemática, Estatística e Computação e doPrograma de Pós-graduação em Educação da FCT/Unesp/Presidente Prudente-SP.e-mail: [email protected]

ResumoNeste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa qualitativa, tipo estudo de caso, que teve porobjetivo analisar a inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no processo de formaçãoinicial de professores de Matemática. Partimos de um levantamento bibliográfico sobre formação inicial deprofessores de Matemática, das abordagens de uso das TIC em Educação e, também, da análise da legis-lação vigente sobre formação de professores. Esse referencial fundamentou a análise da proposta deformação de professores de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) Unesp/Campus dePresidente Prudente, em prática a partir de 2005.

Palavras-chaveFormação inicial de Professores de Matemática. Tecnologias de Informação e Comunicação. Licenciaturaem Matemática.

AbstractIn this paper we present the results of a qualitative research, case study, whose aim was to analyze theintroduction of Information Technologies and Communication (TIC) in the process of Mathematics teachers’initial formation. We started with a bibliographic study about the process of Mathematics teachers’ initialformation, the approaches on TIC usage in Education and the valid legislation about teachers’ formationanalysis. This referential was the basis of Mathematics teachers’ formation proposal at Science and TechnologyCollege (FCT) Unesp/Presidente Prudente Campus, which has been in usage since 2005.

Key wordsMathematics teachers’ initial formation. Information Technologies and Communication. Mathematics TeachingCourse.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 51-64, jul./dez. 2008.

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Introdução

Na sociedade atual, altamente com-plexa em termos técnico-científicos, a pre-sença da Matemática ultrapassa o campodas ciências, envolvendo-se nas áreas hu-mana e social. Ao mesmo tempo que serevela como uma das principais ciências dodesenvolvimento humano, dá as bases doraciocínio e as ferramentas para se traba-lhar em outras ciências. Em contradição aesse quadro, os fatos demonstram que aspessoas dominam minimamente o conhe-cimento matemático.

Os dados de avaliações nacionais einternacionais nos deixam apreensivos. Osresultados do Programa Internacional deAvaliação de Alunos (PISA) de 2006, relati-vamente a Matemática, mostram que osalunos brasileiros obtiveram médias que oscolocam na 53a posição entre os 57 paísesparticipantes. Por outro lado, no Sistema deAvaliação da Educação Básica (Saeb) de2005, a média nacional de proficiência emMatemática para a 8a série foi 239,5 emuma escala de 0 a 500. Já, segundo resul-tados do Sistema de Avaliação de Rendi-mento Escolar do Estado de São Paulo(Saresp) de 2007, em Matemática, opercentual dos alunos com desempenho“abaixo do básico” na 4a e 8a séries do En-sino Fundamental é de 45% e 50%, res-pectivamente, enquanto no Ensino Médioesse percentual é de 71%. Assim, os resul-tados das diferentes avaliações estão mui-to aquém das expectativas em termos deconteúdos e habilidades de Matemáticaque os alunos deveriam ter adquirido aofinal de cada série da Educação Básica.

Em conseqüência desses dados com-provadores, os processos de ensino escola-res têm sido muito criticados apontandopara a necessidade de mudanças.

As estruturas curriculares vigentes, rí-gidas e fragmentadas, não favorecem taismudanças. É nesse sentido que Chervel(1990) aponta a escola como o lugar doconservadorismo, da inércia e da rotina,dada a dificuldade que ela apresenta paraacompanhar o progresso das ciências quetem como pressuposto difundir.

Por sua vez, o professor, mesmo cien-te das novas exigências educacionais con-temporâneas, muitas vezes, se mantém

numa zona de conforto onde quase tudoé conhecido, previsível e controlável...Mesmo insatisfeitos, e em geral os profes-sores se sentem assim, eles não se movi-mentam em direção a um território des-conhecido. Muitos reconhecem que aforma como estão atuando não favorecea aprendizagem dos alunos e possuemum discurso que indica que gostariamque fosse diferente. Porém, no nível desua prática, não conseguem se movimen-tar para mudar aquilo que não os agrada.Acabam cristalizando sua prática numazona dessa natureza e nunca buscamcaminhos que podem gerar incertezas eimprevisibilidade. (BORBA; PENTEADO,2003, p. 56)

A prática pedagógica intrínseca aotrabalho do professor é complexa, e buscaro “novo” exige o enfrentamento de situaçõesinusitadas. Como a formação inicial repre-senta a instância formadora dos esquemasbásicos, a partir dos quais são desenvolvi-das outras formas de atuação docente, urgeanalisá-la a fundo para identificar onde ecomo estão os “gargalos”.

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O desafio é formar professores queatendam às demandas da sociedade, ca-pazes de enfrentar as vicissitudes e limitesimpostos pelas situações reais da sala deaula e de refletir sobre elas para construirsua autonomia didática e profissional.

Além disso, novas competências pro-fissionais delineiam a atividade docente.Uma delas, considerada prioritária paraPerrenoud (2000, p. 20), é saber “utilizarnovas tecnologias”. A utilização

não deve ser encarada como mais umanovidade, mas como uma possibilidadepara que alunos e professores assumamo papel de sujeitos críticos, criativos e cons-trutores de seu próprio conhecimento.(GOMES, 2002, p. 121)

O professor deve ser capaz de inte-grá-las à sua prática docente, e isto exigeque ele conheça suas diferentes formas deuso em educação. As novas tecnologiasdevem favorecer não só a busca e a trocade informações, mas também possibilitar acriação de ambientes de aprendizagem nosquais os alunos possam pesquisar, fazersimulações, experimentar, conjecturar, tes-tar hipoteses, relacionar, representar, comu-nicar e argumentar.

Assim, o professor é o principal ator dequalquer processo de mudança na escola.Para que haja mudanças na qualidadedo ensino é necessário que ele percebacom clareza suas concepções sobre a edu-cação, o que acha significativo para me-lhorar esse processo, e só então analisede que modo as diversas tecnologias pode-rão auxiliá-lo. (GOMES, 2001, p. 125).

Por outro lado, a verdadeira compe-tência pedagógica do professor não se res-tringe apenas ao conhecimento dos con-

teúdos a serem ensinados. Funcionalmen-te, é essencial relacioná-los a objetivos e asituações de aprendizagem (PERRENOUD,2000, p. 26), o que remete a um questiona-mento sobre a formação e os saberes ne-cessários para que o professor tenha essacompetência.

No caso específico de professores deMatemática, segundo García Blanco, o cur-rículo dos cursos de formação deve con-templar:

- o conhecimento de e sobre a matemáti-ca, considerando também as variáveiscurriculares;

- o conhecimento de e sobre o processode geração das noções matemáticas;

- o conhecimento sobre as interações emsala de aula, tanto entre professor-alu-no como entre aluno-aluno em suadupla dimensão: arquitetura relacional(rotinas instrucionais) e negociação designificados (contrato didático);

- o conhecimento sobre o processo ins-trutivo – formas de trabalhar em classe,o papel do professor – que exige, tam-bém, o conhecimento sobre as repre-sentações instrucionais e o conhecimen-to sobre as características da relação ta-refa-atividade. (2003, p. 71-72).

Segundo Tardif (2002), o saber do-cente caracteriza-se como um saber plural,integrado por saberes relacionados à forma-ção profissional, saberes referentes às disci-plinas, saberes curriculares e saberes da ex-periência, sendo que esses últimos repre-sentam o verdadeiro saber docente, umsaber produzido pelos professores. Os sabe-res das disciplinas, oriundos da tradição cul-tural e dos grupos geradores de saberes so-ciais, já estão “prontos” e são incorporados

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à prática do professor como algo a sertransmitido.

Shulman (1986, p. 9), por sua vez,distingue três categorias de conhecimento:– conhecimento disciplinar (conteúdo do

objeto de estudo, quantidade e organiza-ção do conteúdo na mente do professor);

– conhecimento pedagógico do objeto es-tudado (vai além do saber do conteúdoem si, envolve as formas de abordagempara torná-lo compreensivo, é o elo en-tre a pesquisa sobre o ensino e sobre aaprendizagem);

– conhecimento curricular (compreensãodos conhecimentos escolares, sua organi-zação e estruturação e os seus materiaisde apoio).

O domínio profundo do conhecimen-to disciplinar permite que o professor façaa mediação entre o conhecimento historica-mente produzido e aquele a ser apropria-do pelos alunos, entendendo porque umdado tópico é particularmente central parauma disciplina, enquanto um outro podeser de alguma forma periférico. Paralela-mente, o conhecimento pedagógico incluia percepção do que faz a aprendizagemtornar-se fácil ou difícil a alunos de diferen-tes idades, enquanto o conhecimentocurricular dá condições para que ele relacio-ne os conteúdos de sua disciplina a outrasquestões, abordadas em outras disciplinas.

Fenema e Franke propuseram ummodelo para estudar o saber do professorde Matemática, o qual inclui: conhecimen-to de Matemática, conhecimento pedagó-gico, conhecimento dos processoscognitivos dos alunos ao aprenderem adisciplina, tudo isso ligado ao contextoespecífico no qual o docente precisa utili-

zar esses conhecimentos – pois conheci-mento é sempre situado e influenciadopelas crenças pessoais do profissional deensino. É no âmbito de tal modelo que oprofessor transforma seu saber discipli-nar em saber ensinável. (1992, apudSZATAJN, 2002, p. 22)

Em complemento a esses aspectosindicados, Ponte, Oliveira e Varandas (2003)consideram parte importante do conheci-mento profissional dos professores de Ma-temática o uso das tecnologias na medidaem que elas podem mudar o ambiente emque os professores trabalham e a naturezado seu trabalho.

No entanto, observamos que noscursos de formação de professores de Mate-mática são restritas as alternativas meto-dológicas utilizadas que criam condições fa-cilitadoras e garantem a aprendizagem, de-senvolvendo um processo dinâmico de en-sino e aprendizagem que utiliza as Tecno-logias de Informação e Comunicação (TIC).O que se percebe, em muitas universidades,é que a presença do computador somentevem dar um “ar de modernidade” ao curso.Poucas alterações acontecem nas discipli-nas e as práticas pedagógicas utilizadas sãoas mesmas. Assim, é um desafio “prepararo professor que está sendo chamado a in-corporar os recursos das TIC em seu fazerpedagógico”. (GOMES, 2002, p. 125)

É muito difícil, através dos meios conven-cionais, preparar professores para usaradequadamente as novas tecnologias. Épreciso formá-los do mesmo modo quese espera que eles atuem no local detrabalho, no entanto, as novas tecnologiase seu impacto na sociedade são aspectospouco trabalhados nos cursos de forma-ção de professores, e as oportunidades de

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se utilizá-las nem sempre são as maisadequadas à sua realidade e às suas ne-cessidades. (MERCADO, 1999, apud GO-MES, 2002, p, 125)

Ainda são raras as iniciativas que pro-piciam ao futuro professor aprender a usaras diversas tecnologias, tais como compu-tador, rádio, vídeo-cassete, gravador, calcu-ladora, internet e a lidar com programas esoftwares educativos, de modo a integrá-las à sua futura prática docente. Mais rarasainda são as situações em que os conteú-dos curriculares das diferentes áreas e disci-plinas são abordados por meio das diferen-tes TIC, em ambientes de aprendizagem quefacilitem a construção do conhecimento eo desenvolvimento de habilidades de pen-sar necessárias na sociedade atual.

Entretanto, mais importante queidentificar os saberes necessários aos pro-fessores é desvelar como eles se constroeme se desenvolvem durante todo o processode formação.

É nesse sentido que Barth (1993)atribui importância tanto à teoria quanto àprática pedagógica do professor.

O desafio mais importante na formaçãodos professores e dos formadores é semdúvida conseguir suscitar uma mudançaconceptual na sua relação com o saber e asua elaboração. O que é o saber? O queanima o processo ensino-aprendizagem?As nossas “teorias” implícitas nesta áreainfluenciam forçosamente a nossa práticapedagógica. Em geral, elaborámo-las du-rante a nossa própria experiência enquantoeducandos. Por isso, deixam de sersatisfatórias tal como são para quem setornou educador ou formador: ele precisade ferramentas de análise para modificare alargar a sua percepção intuitiva. Trata-se de uma verdadeira transformação

conceptual, portanto duma nova compre-ensão daquilo que realizamos quandoaprendemos e ensinamos. Aí é que resideo desafio da formação. (BARTH, 1993, p. 13)

Os saberes, embora sejam pessoais,não são isolados, transformam-se com otempo e a experiência, modificam-se a par-tir da reflexão e da troca coletiva de expe-riências.

Essa perspectiva aponta para a ne-cessidade de o futuro professor experienciar,

durante todo o processo de formação, asatitudes, modelos didáticos, capacidades emodos de organização que se pretendeque venha a ser desempenhado nas suaspráticas pedagógicas. Ninguém promoveo desenvolvimento daquilo que não teveoportunidade de desenvolver em si mes-mo. (PIRES, 2002, p. 48)

Considerando que a aprendizagemocorre num contexto social, no qual os co-nhecimentos são partilhados socialmente,a formação inicial deve contemplar a parti-cipação dos futuros professores em comu-nidades de profissionais. Assim,

devem chegar a ser participantes plenosde uma comunidade de prática formadapelos professores (do nível de ensino parao qual estão sendo formados) envolvidosna tarefa de ensinar matemática a gruposde alunos. Essa atividade de ensinar é oque caracteriza essa comunidade... Esseprocesso de chegar a ser membro de talcomunidade é gerado pela própria ativi-dade, participando de forma gradual, di-versa e progressiva, em distintas tarefasque caracterizam a atividade de ensinarmatemática e, portanto, os membros des-sa comunidade de prática . (GARCÍABLANCO, 2003, p. 69)

O termo comunidade de prática foicriado por Lave e Wenger para designar

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um conjunto de relações entre pessoas, ati-vidade e mundo, ao longo do tempo e emrelação com outras comunidades de práti-ca tangenciais e com elementos comuns.(1991, p. 98).

Numa comunidade de prática, os mem-bros têm diferentes interesses, fazem di-ferentes contribuições para a actividade etêm diferentes pontos de vista. Isto significaque existe participação em níveis múltiplos.Mas a idéia de comunidade de práticanão implica necessariamente co-presença,nem um grupo muito bem definido, nemfronteiras socialmente visíveis. A idéia decomunidade de prática implica participaçãonum sistema de actividade sobre o qualos participantes partilham compreensõesacerca do que estão a fazer e do que issosignifica para as suas vidas e as suas co-munidades próprias. (MATOS, 1999, p. 71)

Se a formação inicial articular os di-ferentes saberes, promovendo o desenvol-vimento pessoal, profissional e institucional,acreditamos estar fornecendo ao professorcondições para que supere parte das dificul-dades encontradas por ele, em especial noinício de carreira, as quais resultam na aco-modação às formas vigentes de ensino.

No nosso entendimento, a formaçãodo professor deve estimular uma perspecti-va crítico-reflexiva, gerando autonomia nopensamento e nas decisões sobre a própriaformação. Essas características, cada vezmais exigidas e esperadas na atuação doprofessor, são as que, a nosso ver, favore-cem a progressiva construção de uma iden-tidade pessoal e profissional, fundamenta-da na prática.

Neste artigo, apresentamos os resul-tados de uma pesquisa que teve por obje-tivo analisar a inserção das Tecnologias de

Informação e Comunicação no processo deformação inicial de professores de Matemá-tica.

Para atingir tal objetivo desenvolve-mos uma pesquisa qualitativa, tipo estudode caso. Partimos de um levantamento bi-bliográfico sobre formação inicial de pro-fessores de Matemática, das abordagensde uso das TIC na Educação e, também,da análise da legislação vigente sobre for-mação de professores. Esse referencial fun-damentou a análise da proposta de forma-ção de professores de Matemática da Fa-culdade de Ciências e Tecnologia (FCT),Unesp/Campus de Presidente Prudente, emprática a partir de 2005.

A Formação de Professores deMatemática perante as NovasTecnologias

Tradicionalmente, a concepção deformação de professores nos cursos de li-cenciatura tem um caráter de complemen-tação à formação profissional. A ênfase nostrês primeiros anos está nos conteúdos es-pecíficos e, somente no último, surgem asdisciplinas pedagógicas, configurando umajustaposição de dois conjuntos de conheci-mentos. Tais cursos não têm terminalidadee integralidade próprias em relação aosbacharelados. São, muitas vezes, apêndicesaos cursos de bacharelado, fundamentadosna crença de “quem sabe, automaticamen-te, sabe ensinar” (MASETTO, 1998, p. 11),ou no entendimento da docência comouma atividade vocacional.

Esse modelo, conhecido como daracionalidade técnica, separa teoria e práti-

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ca, ação e reflexão, pesquisa educacional econtexto escolar. As práticas de ensino são,em geral, insuficientes para assegurar aexperiência necessária para o futuro pro-fessor enfrentar a complexidade do atopedagógico.

Acreditamos, ainda, que nós, professoresformadores de professores, devemos ter cla-reza suficiente de que os professores queestamos formando, além da competênciaem relação ao conteúdo com o qual irãotrabalhar, precisam necessariamente sabercomo transformar o conteúdo científicoaprendido em um conteúdo escolar demodo a ser aprendido pelo seu aluno. Esteseria... o conhecimento pedagógico, que éproduzido pelo professor na articulação dosdiferentes conhecimentos, dentro de situa-ções concretas da prática docente. (GON-ÇALVES; GONÇALVES, 1998, p. 119)

Assim,a formação inicial dos professores não podecontinuar dicotomizando teoria e prática,pesquisa e ensino e conteúdo específicoe pedagógico. Aquilo que outrora era con-siderado apenas como ponte entre a for-mação específica e a pedagógica deve ser,na verdade, considerado como o eixo prin-cipal da formação profissional do profes-sor. (FIORENTINI; SOUZA; MELO, 1998, p.332)

A articulação teoria e prática deve sedar ao longo de todo o curso de formaçãoe as TIC devem permear essas duas ver-tentes, uma vez que elas podem favorecero desenvolvimento de importantes compe-tências e atitudes positivas em relação àMatemática, estimulando uma visão com-pleta sobre a natureza dessa ciência (PON-TE; OLIVEIRA; VARANDAS, 2003).

Mas, como as TIC devem permear asduas vertentes de modo a melhor formar o

professor de Matemática?O uso do computador e os recursos dasTIC a ela associados podem acontecer deduas maneiras:

1. para tornar mais fáceis as rotinas deensinar e aprender; nesse caso o compu-tador estaria sendo empregado comomáquina de ensinar e repetindo os mes-mos esquemas do ensino tradicional;

2. como organizador de ambientes deaprendizagem em que os alunos são en-corajados a resolver situações-problemae o professor é capaz de identificar e res-peitar o estilo de pensamento de cada um,ao mesmo tempo em que os convida arefletirem sobre o seu pensar (pensamentoreflexivo); neste caso o ensino estará sen-do inovador. (GOMES, 2002, p. 123).

Valente (1993, p. 32) identifica duasabordagens pedagógicas de uso das TICem Educação. Uma primeira, consideradapor ele como a “informatização dos méto-dos tradicionais de ensino”, e denominadainstrucionista, na qual as TIC são utilizadaspara transmitir informações e conteúdosmantendo o aluno passivo no processo deaprendizagem.

Nessa abordagem, o computador é inseri-do na escola como mais um recurso dis-ponível, como já ocorreu com outros re-cursos audiovisuais – TV e vídeo, por exem-plo. Não há reflexão sobre como o com-putador pode contribuir para modificar ecriar ambientes de aprendizagem e novasformas de apropriar-se do conhecimento.O programa de ensino é o mesmo, a úni-ca diferença é o modo de transmitir infor-mações (por meio do computador). (GO-MES, 2002, p. 127).

Por outro lado, o computador podeser um importante recurso para promovera criação de ambientes de aprendizagem

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nos quais o aluno desenvolve habilidadesde pensar necessárias ao cidadão destanova sociedade, propiciando a construçãodo conhecimento. Essa perspectiva de usoé conhecida como construcionista (PAPERT,1985; VALENTE, 1993).

Ao contrário da abordagem tradicio-nal, em que o professor assume o papel de“transmissor” de informações e o aluno ficapassivo no processo de aprendizagem, emum ambiente construcionista, o professorage como facilitador, mediador da apren-dizagem, respeitando o ritmo e o estilo decada aluno. Nesta abordagem, o alunoconstrói o seu conhecimento sobre deter-minado assunto por meio da resolução deum problema ou desenvolvimento de umprojeto significativo (do interesse do aluno)e contextualizado (vinculado à realidade doaluno), em um trabalho compartilhado ecolaborativo. Nesse sentido, é a vertenteconsiderada inovadora por Gomes (2002).

Diante do exposto, acreditamos queas TIC devem permear todo o processo deformação inicial de professores de Mate-mática, em uma perspectiva inovadora, se-gundo a abordagem construcionista, paraaprender conteúdos de e sobre a Matemá-tica, de e sobre o processo de geração dasnoções matemáticas, bem como sobre oprocesso instrutivo. Essa vivência pode pro-piciar a reflexão sobre as possibilidades eos limites de utilização das TIC no ensinode Matemática.

O curso de Licenciatura emMatemática da Faculdade deCiências e Tecnologia (FCT),Unesp/Campus de PresidentePrudente

O curso de Licenciatura em Matemá-tica da Faculdade de Ciências e Tecnologia(FCT), Unesp/Campus de Presidente Pruden-te, foi implantado no ano de 1963. No de-correr destes quarenta e cinco anos, váriasmodificações foram introduzidas.

A estrutura curricular vigente desde1983 foi alterada, em 1991, visando a con-templar a Portaria MEC 399 de 28/6/89,que trata dos registros de professores juntoao MEC. Assim, além da disciplina Práticade Ensino de Matemática, foram incluídasas disciplinas Prática de Ensino de DesenhoGeométrico e de Física, possibilitando o re-gistro dos egressos como professores deMatemática e Desenho Geométrico (1o e2o graus) e Física (2o Grau).

Em 1998, de modo a atender a Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal (LDB) no que se refere às 300 horas/aula das Práticas de Ensino, foi ampliadaa carga horária das três disciplinas mencio-nadas acima.

Mesmo antes dessa reestruturaçãocurricular, as disciplinas pedagógicas Intro-dução à Educação, Psicologia da Educa-ção, Didática e Estrutura e Funcionamentodo Ensino Fundamental e Médio perpas-savam todo o curso. Portanto, a estruturacurricular já era bastante diferente daque-las em que as disciplinas pedagógicas eramconcentradas no último ano do curso, namedida em que integravam a estrutura

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curricular de forma harmoniosa, desde oprimeiro ano.

Com a revogação da Portaria MEC399 de 28/6/89 pela Portaria MEC 524 de12/6/98, as turmas ingressantes a partir de1999 não tiveram mais direito ao registrocomo professores de Desenho Geométrico(1o e 2o graus) e Física (2o grau). Paralela-mente a isso, eram inúmeras as dificulda-des para desenvolver o estágio de Práticade Ensino de Desenho Geométrico nas es-colas públicas de ensino fundamental emédio. Tais fatos deflagraram um processode discussão que culminou com a extinçãodesta disciplina, no ano de 2000. Em subs-tituição a ela, foram criadas disciplinas, comvertente prática, vinculadas à Estrutura eFuncionamento do Ensino Fundamental eMédio, Psicologia da Educação e Didática,respectivamente, visando a:– levar o aluno à compreensão da organi-

zação e do funcionamento da escola, res-saltando a reflexão sobre os problemasatuais existentes, tendo em vista perspec-tivas de superação e reconstrução daescola a partir do quadro de educaçãonacional;

– desenvolver habilidades para observare identificar no comportamento do esco-lar, características do desenvolvimento eda aprendizagem que orientem a práti-ca educativa do futuro professor;

– formar uma atitude questionadora diantedos problemas de ensino e aprendiza-gem que oriente sua postura de profes-sor e a adoção de formas de trabalhoque favoreçam a aprendizagem dos con-ceitos matemáticos, a partir da constru-ção coletiva de um projeto político pe-

dagógico.– integrar as disciplinas pedagógicas e es-

pecíficas na procura de soluções alterna-tivas para a problemática do ensino deMatemática.

Entretanto, as avaliações de curso,realizadas em 2000 e 2002, explicitaram anecessidade de oferecer um número maiorde disciplinas, voltadas especificamentepara a formação do futuro professor deMatemática. Ao mesmo tempo, repensar oestágio supervisionado, de modo a aprimo-rar a formação desse profissional multiface-tado.

Assim, a estrutura curricular em im-plantação, a partir do primeiro semestre le-tivo de 2005, não se limita a atender a le-gislação vigente, a saber, Parecer CNE/CSE1302/2001, Resoluções CNE/CP 01 e 02/2002 e Resolução Unesp 3/2001. Além dasexigências legais, a proposta que aqui ana-lisamos atende também às reivindicaçõesapontadas por docentes e discentes docurso nas avaliações realizadas. Tem porobjetivo formar um profissional competente,criativo, crítico, que domine os aspectos filo-sóficos, históricos, culturais, políticos, sociais,psicológicos e metodológicos que se enca-minham ao trabalho do professor, à gestãoda escola, à educação de cidadãos brasilei-ros e à construção de uma sociedade demo-crática e includente, buscando respostasaos desafios e problemas existentes nasescolas brasileiras.

Em torno de 75% dos ingressantesno curso têm renda familiar entre 2,0 e 10,0salários mínimos (SM). A família é constituí-da de quatro a seis pessoas, a grande maio-ria freqüentou escolas públicas no ensino

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fundamental e médio e poucos fizeram cur-sinho. É comum encontrarmos alunos in-gressantes que nunca tiveram contato coma informática, ou por não terem computa-dor em casa, ou porque não tiveram acessoàs Salas Ambientes de Informática (SAI) naeducação básica.

Ao lado desses dados socioeconô-micos, avaliações diagnósticas dos profes-sores que atuam em disciplinas do primei-ro ano do curso apontam que os ingressan-tes têm, na maioria das vezes, formaçãomatemática básica insuficiente.

Assim, as condições reais dos alunossão consideradas como ponto de partidapara a formação dos futuros professores.Tal opção visa a atender suas necessidadesde aprendizagem e assegurar espaço parareflexão sobre as possibilidades de uso dainformática, no decorrer de todo o curso.Para aprender “a conviver com as incerte-zas trazidas por uma mídia que tem carac-terísticas quantitativas e qualitativas novasem relação à memória, um amplo trabalhode reflexão coletiva tem que ser desenvol-vido” (BORBA; PENTEADO, 2003, p. 89).

O aluno ingressante tem um primeirocontato com a tecnologia, no primeiro ano,quando cursa a disciplina ProgramaçãoOrientada a Sistemas de Computação Sim-bólica. Ao término dessa disciplina, espera-se que o aluno possua noções fundamen-tais sobre lógica de programação e conhe-ça as principais ferramentas de um softwarede Computação Algébrica. O projeto peda-gógico prevê que o futuro professor possaaplicar os conhecimentos adquiridos nes-sa disciplina para resolver problemas típicosde disciplinas de conteúdos específicos

matemáticos tais como Cálculo Diferenciale Integral, Álgebra Linear, Cálculo Numérico,Equações Diferenciais Ordinárias, entreoutras. Assim, o aluno utilizará o computa-dor para aprender conteúdos de e sobreMatemática.

Na direção de aprender conteúdos dee sobre Matemática, as disciplinas com ver-tente prática propõem a ida dos alunos àsescolas, para que eles percebam as diferentesdimensões do trabalho do professor e aspossibilidades e/ou dificuldades de integraras TIC à sua prática docente. Estabelece-se,então, um conjunto de relação entre pessoas,atividades e o contexto escolar, de formagradual e progressiva, germe para o estabe-.lecimento de uma comunidade de prática.

O projeto pedagógico propõe, ainda,a figura do professor articulador, escolhidoentre os professores das disciplinas de cadaano, responsável pela realização de reu-niões periódicas para discutir atividades quearticulem as diferentes práticas numa pers-pectiva interdisciplinar.

O aluno utiliza o computador paraaprender os conteúdos de Matemática emdiferentes disciplinas do curso, tanto as teó-rica quanto as práticas. Ao mesmo tempo, oestudante reflete sobre a presença das TICno ensino fundamental e médio. Ele estáentão, preparado para, no último ano, cur-sar a disciplina Informática no Ensino daMatemática, na qual examina os diversostipos de softwares educacionais existentes,reflete e discute o uso e os impactos das TICno processo ensino e aprendizagem de con-ceitos matemáticos. Além disso, o aluno de-senvolve um projeto de trabalho, fundamen-tado na abordagem construcionista, no

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contexto das escolas de ensino fundamen-tal e médio, envolvendo conteúdos matemá-ticos e um software educacional.

Fica evidente, portanto, que a utiliza-ção de recursos múltiplos no bojo das dis-ciplinas que compõem a estrutura curriculardo curso visam ao desenvolvimento do “sa-ber fazer” dos futuros professores. Além dis-so, algumas disciplinas utilizam o ambientevirtual de aprendizagem TelEduc1 comoapoio às aulas presenciais. A adoção desseambiente e as ferramentas nele disponibili-zadas (correio eletrônico, fóruns, mural ebate-papo) possibilitam

a alunos e professores situados em dife-rentes espaços geográficos e temporais con-dições para interagir de forma sincrônica(tempo real) e assincrônica, de formabidirecional e multidirecional. (GOMES,2002, p. 130)

Softwares de autoria também são uti-lizados pelos alunos para organizar síntesesde pesquisas realizadas, que envolvem di-ferentes mídias. Ao fazer isso, “o aprendizpode refletir sobre e com os resultados obti-dos, depurá-los em termos da qualidade,profundidade e do significado da informa-ção apresentada” (VALENTE, 1999, p. 100).

Nessa concepção, o futuro professortem a possibilidade de interagir com a tec-nologia de forma diversificada, para apren-der e para ensinar Matemática, refletir e dis-cutir criticamente o uso da tecnologia.

Considerações finais

O curso de Licenciatura em Matemá-tica da FCT/Unesp/Campus de PresidentePrudente articula as TIC à teoria e à prática,à reflexão e à ação, à pesquisa educacional

e ao contexto escolar. O aluno atua em si-tuações reais nas escolas de ensino funda-mental e médio e tem, desde o início docurso, contato com as tecnologias, utilizan-do-as em ambientes de aprendizagem nosquais pode formular e resolver problemas.Não se pode negar que nos cursos do ensi-no superior o uso de tecnologia variada eadequada ao processo de aprendizagemnão é tão comum (MASETTO, 2000). Nessesentido, a proposta aqui em discussão éinovadora (GOMES, 2002).

A riqueza está na vivência das dife-rentes formas de uso das TIC. Ela quer levaro aluno a ressignificar as experiências, ossaberes e os modelos que foram vivencia-dos durante o processo de formação. O quese espera é que essa vivência possa abalaras crenças e concepções dos futuros profes-sores para enfrentar um dos problemasapontados por Tardif, qual seja,

a formação para o magistério tem um im-pacto pequeno sobre o que pensam, crê-em e sentem os alunos antes de começar.Na verdade, eles terminam sua formaçãosem terem sido abalados em suas crenças,e são essas crenças que vão se reatualizarno momento de aprenderem a profissãona prática, crenças essas que serão habi-tualmente reforçadas pela socialização nafunção de professor e pelo grupo de tra-balho nas escolas, a começar pelos pares,os professores experientes. (2000, p. 20)

Como o projeto pedagógico do cursoprevê, ainda, um trabalho integrado de di-versas disciplinas, relacionando teoria e prá-tica de forma harmoniosa, ficam articulados,a formação profissional, os saberes referen-tes às disciplinas, os saberes curriculares eos saberes da experiência, considerados

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essenciais, segundo Tardif (2002), levandoo professor a superar parte das dificuldadesque encontra no início da carreira.

A presença do futuro professor no dia-a-dia da escola de ensino fundamental emédio, participando de forma colaborativada elaboração e execução de atividadesescolares que consideram o desenvolvimen-to de diferentes capacidades dos alunos,investigam o contexto educativo e refletemsobre a própria prática profissional podelevar à compreensão da complexidade desua futura atuação didática em ambientesde aprendizagem enriquecidos pelastecnologias.

As oportunidades em que o futuroprofessor tem de identificar diferentes con-cepções de ensino e aprendizagem e devivenciar o uso das TIC durante todo o pro-

cesso de formação podem fundamentarsuas ações e levá-lo a utilizá-las de formainovadora. Isso pode contribuir para asuperação dos preconceitos presentes noensino-aprendizagem de Matemática e naobtenção de melhores resultados nas di-versas avaliações, indicando que os alunospodem (e têm o direito de) alcançar oconhecimento matemático necessário nassociedades modernas.

Nota1 O TelEduc é um ambiente de ensino a distânciagratuito desenvolvido pelo Núcleo de InformáticaAplicada à Educação (NIED) da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp). Apresenta ferramen-tas de comunicação, coordenação e cooperação.Permite compartilhamento de material entre apren-dizes e formadores e propicia forte interatividadeentre eles.

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Recebido em 8 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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Um estudo com professores de matemática arespeito de seus conhecimentos sobre o tema funçãoA study with teachers of mathematics on theirknowledge on the theme function

Adriana Barbosa Oliveira*Marilena Bittar**

* Mestranda do PPGEdumat- Mestrado /UFMS.e-mail: [email protected]

** Doutora em Didática da Matemática pelo Université deGrenoble I - Joseph Fourier Coordenadora do PPGEdumat-Mestrado/UFMS.e-mail: [email protected]

ResumoNesse artigo apresentamos resultados de uma pesquisa realizada com três professores de Matemáticasobre a relação existente entre seus conhecimentos sobre o conceito de função e sua prática pedagógicadesenvolvida sobre esse tema. Para realizar esse estudo consideramos as três vertentes do conhecimentodo objeto de estudo definidas por Shulman (1986): conhecimento de conteúdo, conhecimento curricular econhecimento pedagógico. Trabalhamos com professores da 1a série do Ensino Médio e definimos o temaFunções como central para a investigação. Realizamos uma pesquisa qualitativa e utilizamos como instru-mento de coleta de dados entrevistas semi-estruturadas. A análise das entrevistas permitiu concluir que aformação inicial dos professores parece não ter trabalhado suficientemente as três formas de conhecimen-to definidas por Shulman, pois observamos angústias e inseguranças nos três depoimentos coletados,devido às lacunas que poderiam/deveriam ter sido trabalhadas durante o curso de formação inicial.

Palavras-chaveConhecimentos de professores. Formação inicial. Funções.

AbstractIn this article we present results of a survey conducted with three mathematics teachers on the relationshipbetween their knowledge about the concept of function and their pedagogical practices developed on this topic.To achieve this study we have considered the three strands of the object of study’s knowledge defined byShulman (1986): knowledge of content, curriculum knowledge and pedagogical knowledge. We worked withteachers of the 1st year of high school and we defined Functions as a central theme for research. Weconducted a qualitative research and we used as a tool for data collection semi-structured interviews. Theanalysis of the interviews indicated that the initial training of teachers does not seem to have worked sufficientlythe three forms of knowledge defined by Shulman (1986), as we observed anxieties and insecurities in all threecollected testimonies, due to gaps that could/should have been worked over the initial training course.

Key wordsTeachers’ knowledge. Initial training. Functions.

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1 Introdução

Sabemos que, em geral, os egressosda Licenciatura sentem muita insegurançaquando iniciam o trabalho docente. Afirma-ções como: “Eu não sei se vou saber daraula”; “O que a gente vê aqui na universida-de é uma coisa, mas lá fora é diferente” sãotípicas de formandos. Em outras palavras,essas questões tratam a angústia do licen-ciando sobre o fato de estarem ou não pre-parados para serem professores ou para“enfrentar” uma sala de aula. Essa é a ori-gem dessa pesquisa cujo objetivo foi estu-dar esses questionamentos, buscar respos-tas na literatura e realizar uma investigaçãocom alguns professores/novatos.

Na busca por pesquisas que pudes-sem contribuir com a realização de nossoestudo, nos deparamos com os trabalhosrealizados por Curi (2004) e Rocha (2005).Nos interessamos por tais pesquisas porqueambas abordam assuntos relacionados aosconhecimentos de professores que ensinamMatemática, foco de nossa pesquisa.

A tese defendida por Edda Curi nosmostra uma pesquisa realizada com profes-sores polivalentes, ou seja, que atuam naEducação Infantil e nos anos iniciais do En-sino Fundamental. Essa pesquisa buscouanalisar os conhecimentos desses professo-res para ensinar Matemática e a influênciade suas crenças e atitudes sobre esses co-nhecimentos. Nessa investigação, Curi (2004)adota a Teoria da base do Conhecimento(SHULMAN, 1986) como referencial teóricopara tratar dos conhecimentos advindos daformação inicial. Nesse momento, percebe-mos que essa teoria poderia ser adequada

para a realização de nossa pesquisa e, en-tão, começamos a realizar leituras de algunsartigos desse autor para que pudéssemosconhecer melhor seus estudos.

Com relação à pesquisa de Rocha(2005), seu objetivo foi analisar o processode transição pelo qual passam os professo-res recém-licenciados em Matemática, dei-xando a condição de alunos para se tor-narem professores. Seu interesse estava emcompreender como esses professores mobi-lizam os saberes adquiridos ao longo desuas vidas, em especial os advindos doperíodo da graduação. Devido a isso, Rocha(2005) também realiza uma leitura sobreos artigos publicados por Shulman (1986),embora esse não tenha sido o aporte teóri-co adotado em sua pesquisa.

As duas pesquisas mencionadasapontam em seus resultados indícios deque a formação inicial desses professoresprecisaria ser revista, principalmente emaspectos relacionados à formação pedagó-gica dos professores. A distância existenteentre as disciplinas específicas e as didáticastambém foi apontada como um ponto aser discutido nos cursos de formação inicial.Diante dessas conclusões, confirmamosuma vez mais a necessidade de se realiza-rem pesquisas relacionadas à formação deprofessores, em especial as direcionadas aoperíodo do início da docência.

A leitura desses trabalhos contribuiupara a escolha de nosso aporte teórico e dametodologia que adotamos. Durante nossareflexão sobre esses estudos percebemos que,em ambos os trabalhos, as informações rela-tivas às obras de Shulman (1986) iam aoencontro de nossas inquietações. Dessa

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forma, optamos por adotar a Teoria da Basedo Conhecimento (SHULMAN, 1986) comoaporte teórico de nossa pesquisa.

No próximo item desse texto, apre-sentamos as principais idéias desenvolvidaspor esse autor e que são usadas em nossapesquisa.

2 A teoria da base de conhecimento

Shulman (1986) ressalta que no sé-culo XIX, por volta de 1875, o pré-requisitobásico para exercer a profissão de professorera possuir um vasto conhecimento sobreo conteúdo da disciplina, não havendo as-sim uma preocupação com a maneira pelaqual esse conteúdo seria ensinado. Porém,um século mais tarde, as diretrizes educacio-nais passaram a dar maior ênfase nos pro-cedimentos adotados pelo professor, privi-legiando assim os processos pedagógicosem detrimento do conteúdo. Essa lacuna,que é a ausência de foco no conteúdo, tan-to nas diretrizes que regem o ensino comonas pesquisas científicas, é retratada peloautor como o problema do “paradigmaperdido”. Segundo ele:

[...] Na simplificação necessária das com-plexidades do ensino em sala de aula, osinvestigadores ignoraram um aspecto cen-tral da vida em sala de aula: o conteúdo[...] Algumas vezes o conteúdo entrou napesquisa como uma variável de contexto,uma característica de controle para con-juntos de informações subdivididas porcategorias de áreas. Mas ninguém focouno conteúdo [...]. (SHULMAN, 1986, p. 05)

Assim, Shulman (1986) chama aatenção para a importância de estudos re-lacionados ao conteúdo que o professor

ensina, porém sem deixar de discutir o en-tendimento pedagógico do conteúdo a serensinado e muito menos o curricular.

Aparentemente, o recém-formadoprofessor de Matemática sai de seu cursocom uma forte bagagem de conteúdo mate-mático. Além disso, ele também tem algumcontato com disciplinas pedagógicas cujosobjetivos são discutir questões didáticas,pedagógicas e curriculares ligadas à suafutura profissão. Entretanto, parece semprehaver um sentimento muito grande de inse-gurança com relação ao início da carreiradocente, como dito no início desse artigo.

Além da valorização que o autor dáao conhecimento do professor em relaçãoao conteúdo que ensinará, ele afirma que énecessário ainda que o professor consigaencontrar diferentes maneiras de ensiná-lo,utilizando-se de representações, ilustraçõese exemplos que facilitem a compreensão deseus alunos. É fundamental também que oprofessor conheça os diferentes programase materiais instrucionais disponíveis para umdeterminado conteúdo a ser ensinado(SHULMAN, 1986). Essas afirmações se de-vem à compreensão do autor sobre o quevem a ser o conhecimento do objeto de es-tudo do professor, e que passamos a discu-tir mais detalhadamente nesse momento.

Segundo Shulman (1986), o conhe-cimento do objeto de estudo do professoré formado por três tipos de conhecimentos,cada um deles abrange determinados ele-mentos conforme apresentamos a seguir:• Conhec imento do conteúdo do

objeto de estudo – esse tipo de conhe-cimento diz respeito à compreensão e aoentendimento do professor relativamente

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a sua disciplina, aos conceitos e em sa-ber bem o maior número possível de as-suntos relacionados à sua matéria. Alémdisso, o professor deve saber tambémcomo funciona a organização estruturaldesses conteúdos dentro da disciplina eser capaz de identificar a validade deuma determinada afirmação fazendo usodas regras disponíveis. Segundo Shulman(1986) os

[...] Professores não devem ser somentecapazes de definir para os alunos as ver-dades aceitas no âmbito da disciplina. Elesdevem também explicar porque uma par-ticular afirmação é dita garantida, e por-que vale a pena saber e como isso serelaciona com outras afirmações. Tantodentro da disciplina e fora dela, tanto nateoria como na prática [...] Além disso, nósesperamos que professores entendamporque um dado tópico é particularmentecentral para uma disciplina, ao mesmotempo em que um outro pode ser de al-guma forma periférico (p.12).

• Conhecimento pedagógico do obje-to de estudo – nessa categoria estãoincluídos os conhecimentos que o profes-sor possui para fazer com que o alunocompreenda o assunto estudado, alémdas diferentes formas de representaçõese analogias de que o professor dispõepara facilitar a aprendizagem do aluno.

[...] Dentro da categoria do conhecimentopedagógico do objeto estudado, eu incluo,na maioria dos tópicos ensinados, regu-larmente na área de um professor, as for-mas mais úteis de representações dessasidéias, as analogias, ilustrações, exemplos,explicações e demonstrações mais pode-rosas – resumindo, as maneiras de repre-sentar e formular a matéria para torná-lacompreensível para outros [...] também in-

clui uma compreensão do que faz o apren-dizado de tópicos específicos tornarem-sefácil ou difícil: as concepções e pré-con-cepções que os alunos de idades e for-mação diferentes trazem para o ensino.(SHULMAN, 1986, p.12)

• Conhecimento curricular – nesse blo-co são agrupados os conhecimentos rela-cionados aos programas oficiais (no casodo Brasil, os Parâmetros Curriculares Na-cionais), às diretrizes e aos materiais dis-poníveis para elaboração e execução dasaulas. Entre alguns deles podemos citaros livros didáticos, os materiais concretose os softwares educacionais. Espera-seque o professor faça uso de todos essesmateriais que são disponibilizados, queele tenha perícia para indicar, ou até mes-mo contra-indicar, por exemplo, o uso deum determinado software. Outra questãorelacionada ao conhecimento curricularé a prática da interdisciplinaridade. É es-perado que os professores consigam es-tabelecer relações entre os conteúdosabordados em sua disciplina e os quesão trabalhados paralelamente em ou-tras matérias. Além disso, a familiarizaçãocom os conteúdos já vistos pelos alunose com os que estão por vir, dentro desua disciplina, é outro ponto que se encai-xa como sendo conhecimento curricular.

Shulman (1986) faz uma analogiaentre o conhecimento curricular do professore o conhecimento médico sobre osfármacos. Em sua opinião,

[...] O currículo e seus materiais associa-dos são a matéria médica da pedagogia, afarmacopéia dos quais professores retiramferramentas de ensino que apresentamou exemplificam um conteúdo particular

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e remedeiam ou avaliam a adequaçãodas realizações do estudante. Nós espera-mos que um médico experiente entendatodos os diferentes tratamentos disponí-veis para melhorar certa desordem, assimcomo as alternativas para circunstanciasparticulares de sensibilidade, custo,interação com outras intervenções, con-veniência, segurança ou conforto. Simi-larmente, nós temos que esperar que oprofessor experiente tenha tais entendi-mentos sobre alternativas curriculares parainstrução [...]. (SHULMAN, 1986, p.13)

Neste momento, cabe ressaltar queessas três formas de conhecimento não ca-minham de modo independente. Eles estão,na maioria das vezes, totalmente ligadosuns aos outros. Por esse motivo, podemosdizer que a falta de conhecimento do con-teúdo do objeto de estudo pode influenciartanto na maneira como o professor ministrao conteúdo em sala de aula como na suacapacidade de escolher um material do cur-rículo que o auxilie no desenvolvimento desuas atividades.

3 A escolha do tema Função

Para a realização dessa pesquisa,escolhemos o tópico de Funções, um dosconteúdos centrais na aprendizagem daMatemática do início do Ensino Médio.Atualmente, a maioria dos livros didáticosdestinados ao Ensino Médio aborda esseconteúdo tentando estabelecer relaçõescom outras disciplinas e também com situ-ações do quotidiano como o estudo de grá-ficos. Além disso, esse conteúdo está pre-sente em todos os cursos de Licenciaturaem Matemática, seja em disciplinas maisespecíficas dedicadas à revisão e aprofun-

damento de alguns conteúdos presentesna Educação Básica, seja em disciplinasmais avançadas como Cálculo Diferenciale Integral e Análise Real. Dessa forma, po-demos garantir que o tema escolhido paraessa investigação faz parte dos conteúdosvistos na formação inicial, além de estarpresente no Ensino Médio. Essas duas con-dições nos permitem fazer o estudo sobreos conhecimentos dos professores de Ma-temática em início de carreira e sua práticapedagógica envolvendo o tema Funções.

4 Estruturação da pesquisa

O objetivo principal da pesquisa aquirelatada foi de investigar a prática pedagó-gica dos professores relativa aos conhecimen-tos adquiridos durante a formação inicial.Para isso, buscamos analisar não somenteos conhecimentos sobre o conteúdo de fun-ções adquiridos durante a formação inicial,como também os conhecimentos pedagó-gicos e curriculares relacionados a esse temae possíveis influências desses conhecimen-tos sobre a prática pedagógica dos profes-sores.

Esse objetivo foi elaborado a partirda perspectiva de Shulman (1986), sobreos tipos de conhecimentos que o professordeve adquirir durante a formação inicial.Vale lembrar que, na prática de sala de aula,o professor faz uso desses conhecimentos,mesmo que inconscientemente, de formainterligada. É o pesquisador que, durantesua análise da prática pedagógica do pro-fessor tenta identificar e compreender a ori-gem das ações dessa prática e a relaçãocom os conhecimentos desse professor.

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Como instrumento de coleta de da-dos foram realizadas entrevistas semi-estru-turadas. Segundo Lüdke e André (2004),esse tipo de entrevista “[...] se desenrola apartir de um esquema básico, porém nãoaplicado rigidamente, permitindo que o en-trevistador faça as necessárias adaptações”(p. 34). Dessa forma, o roteiro da entrevistafoi dividido em três blocos de questões: co-nhecimento de conteúdo; conhecimentopedagógico e conhecimento curricular. Ela-boramos um total de 50 questões combase nas características que Shulman (1986)aponta em cada um desses conhecimentos.

No primeiro bloco – conhecimento deconteúdo – buscamos investigar o conheci-mento do professor com relação ao conteú-do de Funções. Levantamos questões pro-curando saber qual seria a sua familiarizaçãocom esse tópico da Matemática e qual seriaa importância, em sua opinião, do estudodeste conteúdo no Ensino Médio.

Em nosso segundo bloco de ques-tões tratamos dos conhecimentos pedagó-gicos dos professores. Entre outras questões,procuramos saber quais disciplinas peda-gógicas eles cursaram na universidade, como intuito de encontrar possíveis influênciasdessas aulas em suas práticas.

O terceiro bloco, dedicado ao conhe-cimento curricular, continha questões cujoobjetivo foi verificar como os professoresapresentam essa forma de conhecimento.Para isso perguntamos se o curso de forma-ção inicial pelo qual passaram havia ofere-cido disciplinas que discutiam assuntos li-gados a tal conhecimento.

Optamos por entrevistar professoresegressos do Curso de Licenciatura em Mate-

mática da UFMS, nossa instituição de ori-gem, por termos acesso ao projeto pedagó-gico do Curso, o que seria mais difícil emoutras instituições. A partir dessa variável,escolhemos três professores novatos doEnsino Médio, os quais serão chamadosde Roberto, Letícia e Júlia, nomes fictícios.

5 Coleta e análise de dados

Procuramos fazer nossa análise se-paradamente, apresentando os dados cole-tados em consonância com a organizaçãodo roteiro de entrevista, ou seja, uma análi-se para cada bloco de questões. Entretanto,nem sempre isso foi possível, pois percebe-mos que perguntas que havíamos elabora-do para um determinado bloco nos reme-tiam a respostas voltadas para outro blocode conhecimento.

Para ilustrar nossa percepção sobreo cruzamento dos dados, fazemos uso dafala do professor Roberto, quando questio-nado sobre o que ele considera fundamen-tal saber sobre o conteúdo de funções: “Con-sidero importante que o professor saiba con-textualizar o conteúdo, dando exemplos prá-ticos e interessantes da aplicação de fun-ções, até mesmo em outras disciplinas, comoa Física e a Química”. Percebemos que suaresposta está intimamente relacionada como conhecimento curricular, pois aborda aquestão da interdisciplinaridade.

Em outro momento perguntamos aele sua opinião sobre o livro didático adota-do na escola. Ao responder essa questão,claramente ligada ao conhecimento curricu-lar, ele disse:

Eu acho interessante, eu gosto das refe-rências históricas que ele cita, o que eu

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não acho bom nele, ele tem uma quantida-de de exercícios que é apenas para treinar[...] e que não exploravam ao fundo a idéiafundamental de função [...] você tem queir selecionando as matérias que você acre-dita que vai contribuir melhor para o aluno[...]. (ROBERTO)

Nessa fala, notamos que o professorfaz uso de seus conhecimentos sobre o con-teúdo de funções para fazer uma crítica aolivro didático, quando ele diz: “você tem queir selecionando as matérias que você acre-dita que vão contribuir melhor para oaluno”. Esse trecho da entrevista do profes-sor ratifica o que Shulman (1989) explicitasobre o conhecimento do conteúdo do ob-jeto de estudo: “[...] assim o conhecimento,ou a falta dele, no que diz respeito ao con-teúdo, pode afetar nas críticas que os profes-sores fazem ao material didático, como elesselecionam esse material para ensinar [...]”(p. 09). Portanto, percebemos como o conhe-cimento de conteúdo do objeto de estudoinfluencia as opiniões dos professores comrelação ao conhecimento curricular.

Análise do bloco conhecimento deconteúdo

Apresentamos, a partir desse momen-to, nossa análise em tópicos separados paraque o leitor sinta-se mais orientado durantea leitura e consiga estabelecer relações entrea fala dos professores e o tipo de conheci-mento abordado por Shulman (1986).

Uma questão levantada aos profes-sores refere-se ao estudo do tópico Funçõesdurante a formação inicial do professor. Ostrês entrevistados afirmaram ter estudadoesse conteúdo durante a graduação em

mais de uma disciplina. No entanto, a partirde suas respostas, é possível perceber queo tema não foi visto pelos três da mesmaforma. Para ilustrar essa afirmação, vejamostrês excertos de suas falas:

Ah sim, principalmente no cálculo I [...]tinha algumas partes que ele [o professor]iniciava dizendo que você trabalharia comaquela parte [no Ensino Médio]. (JULIA)

No cálculo I [...] só que mais avançado,não é uma coisa que você aplica em salade aula, lá no primeiro ano [...] com rela-ção à função inversa e função composta,isso dá para aplicar em sala de aula [refe-rindo-se a disciplina de álgebra I]. (LETÍCIA)

Em fundamentos de matemática elemen-tar era uma retomada para a gente ter umabase comum na sala pra começar bem oconteúdo da graduação [...]. (ROBERTO)

Lembramos que os três professoresentrevistados tiveram as mesmas disciplinasdurante sua graduação, o que levaria a crerque os mesmos dariam aproximadamentea mesma resposta, o que não aconteceu.Com relação a isso, podemos formular duashipóteses: a primeira se deve ao fato de que,apesar de as disciplinas terem a mesmaementa, sabemos que cada professor pro-duz seu próprio texto do saber a partir desuas crenças e conhecimentos; portanto, naprática, há diferenças entre as disciplinas, sediferentes professores são responsáveis porelas, como foi o caso descrito, apesar de elasterem a mesma ementa. A segunda hipóteseestá relacionada à forma como o graduandopercebe ou apreende o que foi trabalhado.Para melhor estudar essas hipóteses, é ne-cessário retomar as entrevistas buscandoinvestigar essas questões, o que será feitoem pesquisa futura a ser desenvolvida.

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Com relação à forma como esses pro-fessores trabalham o conteúdo de funçõescom seus alunos do Ensino Médio, todosafirmaram utilizar exemplos contextualiza-dos para iniciar as aulas. Esse tipo de con-textualização tem sido contemplada namaioria dos livros didáticos do Ensino Mé-dio, pois se trata de indicações claras dosParâmetros Curriculares Nacionais do Ensi-no Médio. Os professores entrevistados,porém, afirmaram não ter estudado essedocumento nem discutido esta temáticadurante a formação inicial.

Quando questionamos os professo-res sobre a importância que eles atribuemao estudo de funções na Educação Básica,obtivemos as seguintes respostas:

[...] é meio difícil você focar e dizer, ahfunção é bom por causa disso, é algomuito difícil de você responder [...] e eutambém não tenho essa carga de experi-ência [...]. (JULIA)

Olha, eu acho que abre a mente do alunocom relação a qualquer conteúdo mate-mático[...] você pode aplicar, tanto fazergráficos e tudo mais, financeiro... essa parteassim que eu acho que está bem contex-tualizado com o conhecimento do dia-a-dia mesmo. (LETICIA)

Eu tive uma professora na graduação queela usou uma expressão bem enfática, eladizia que funções era o tópico principalda Matemática[...]. Então por isso que eudou um valor muito grande para funções,agora eu percebi que durante a época daminha graduação que envolveu váriostemas e a gente via também que ela tam-bém está inserida em outras disciplinascomo Química e Física [...]. (ROBERTO)

A fala da professora Júlia mostra al-guém angustiada com o início da carreira

e as atribulações dessa fase. Mas será queé somente devido a esse fato que sua res-posta não nos fornece nenhum dado so-bre função? Como esclarecemos anterior-mente, Shulman (1986) ressalta a importân-cia do conhecimento de conteúdo para queo professor consiga compreender a impor-tância dos conteúdos com os quais traba-lha em sua disciplina. Compartilhando essaafirmação inferimos que a professora Júliatenha emitido tal resposta por não conhe-cer efetivamente a resposta à pergunta feita.Não significa que não saiba o que é fun-ção, mas apresenta dúvidas sobre a impor-tância do estudo desse conteúdo. Isso podesignificar como afirmamos anteriormente,que essa questão não foi discutida durantesua formação.

Na fala de Letícia, verificamos que aprofessora atribui a importância do estudode funções às aplicações do quotidiano queesse conteúdo permite. Como exemplo, aprofessora indica as aplicações financeiras.Ela também considera o estudo desse con-teúdo como sendo capaz de facilitar a apren-dizagem de outros conceitos matemáticos.

Quanto ao professor Roberto, ele afir-ma que, após uma reflexão sobre umcomentário feito por uma professora da gra-duação, passou a perceber a importânciadesse conteúdo dentro da Matemática.Além disso, durante o período de sua for-mação inicial, foram apresentadas váriasaplicações desse conteúdo em outras disci-plinas, como a Física e a Química e issoreforçou sua opinião quanto ao estudo defunções.

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5.2Análise do bloco conhecimentopedagógico

Com relação aos conhecimentos pe-dagógicos, inicialmente questionamos osprofessores sobre quais disciplinas pedagó-gicas haviam sido apresentadas a eles du-rante a graduação. Nessa primeira questãojá verificamos uma divergência entre osentrevistados, apesar de todos terem per-tencido ao mesmo curso. Segundo os pro-fessores, as disciplinas foram as seguintes:[...] Estrutura, Fundamentos de Didática, Psi-cologia, Prática de Ensino [...] (JULIA), [...] Prá-tica de Ensino e Didática [...] (LETICIA), [...]Prática de Ensino [...] Psicologia [...] Estruturae Funcionamento do Ensino [...] (ROBERTO).

A professora Júlia é a única que citaas quatro disciplinas que compunham ocurrículo do curso de formação inicial doqual os três professores fizeram parte. A pro-fessora Letícia em nenhum momento citouas disciplinas de Estrutura e Funcionamen-to do Ensino e Psicologia, diante disso te-mos duas possibilidades: ou ela realmentenão teve essas aulas por algum motivo, ouelas não contribuíram para sua formação,a ponto de ela simplesmente esquecê-las.Essa é uma questão a ser aprofundada emnova pesquisa.

O professor Roberto mencionou so-mente Prática de Ensino e não disse nadasobre Fundamentos da Didática ou Psico-logia. Fizemos então explicitamente a per-gunta: “Você não teve didática ou psicolo-gia?”, ao que ele respondeu: “Tive psicologia”.Provavelmente, a falta da disciplina de Fun-damentos da Didática deixou lacunas rela-tivas ao conhecimento pedagógico.

Com relação à maneira como essasdisciplinas foram trabalhadas durante o cur-so, temos novamente uma discordância en-tre as falas dos professores, principalmentecom relação à disciplina Prática de Ensino.As professoras possuem a mesma opiniãoquanto a essas aulas. Para elas, os assuntosabordados nessa disciplina não correspon-diam à realidade de uma sala de aula. En-tretanto, para o professor Roberto, essasforam as aulas que mais contribuíram paraa sua formação pedagógica. Ele atribui essefato ao professor que ministrou a discipli-na, pois ele havia trabalhado durante mui-to tempo com a Educação Básica e assimpôde compartilhar com eles algumas des-sas experiências.

Quanto às outras disciplinas pedagó-gicas, a professora Júlia comenta que sem-pre teve um interesse maior pela Psicologiae devido a isso, essa foi a matéria mais in-teressante na área pedagógica. O profes-sor Roberto não conseguiu identificar ascontribuições do estudo da Psicologia paraa sua prática docente.

A professora Letícia considera comomais importante em sua formação pedagó-gica a disciplina de Fundamentos de Didá-tica. Em sua opinião, essas aulas contribu-íram para sua aprendizagem no que dizrespeito ao planejamento de aulas, a meto-dologias de ensino e à utilização de recursosdidáticos. Ela também faz elogios à meto-dologia que o professor da disciplina utili-zou durante o curso: “[...] o professor era exce-lente, o jeito que ele explicava, ele deixavaa gente bem à vontade, a gente faziacírculos e conversava, mas sempre assim agente debatia os temas, não era uma aula

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cansativa[...]”. (LETÍCIA)Levantamos outras questões para os

professores, que envolviam os planejamen-tos de suas aulas sobre o conteúdo de Fun-ções. Queríamos saber quais eram suaspreocupações ao realizarem esses planeja-mentos e se surgiam dúvidas durante esseprocesso. As professoras Júlia e Letícia afir-maram que suas preocupações se concen-tram em conseguir buscar métodos e exem-plos que facilitem a compreensão do alu-no em relação ao conteúdo, e as dúvidasque surgem são se realmente elas estãoconseguindo alcançar esse objetivo. O pro-fessor Roberto diz que procura apresentarao aluno o maior número possível de situa-ções que envolvam o conteúdo de funções,para que ele não conclua a Educação Bá-sica com uma defasagem de conteúdo. Elediz sentir dificuldades em encontrar exem-plos que sejam claros para os alunos e tam-bém outros que possam ser modelados pormeio de funções.

Essa aparente preocupação das pro-fessoras, em como representar de maneiramais clara o conteúdo para os alunos, apre-senta relações com as características defen-didas por Shulman (1986) em relação aoconhecimento pedagógico do objeto de es-tudo. O autor afirma que como não há umaúnica forma eficiente de se ensinar um con-teúdo, o professor deve dispor de várias alter-nativas para representação desse conteúdo.Aparentemente, essas professoras buscamessas formas de representação quando pla-nejam suas aulas. O professor Roberto de-monstra uma preocupação maior com o con-teúdo a ser ensinado e não em como ensiná-lo. Ele parece se preocupar em criar nos

alunos uma base sólida de conhecimentossobre o conteúdo de funções.

Com relação a como os professorespreparam as suas avaliações, percebemosuma coerência entre o que disseram acercada prática pedagógica desenvolvida poreles e o que informaram sobre a elaboraçãodessas avaliações. Utilizaremos a fala delespara verificar nossa hipótese:

[...] as avaliações em termos de função eufaço mais no cálculo, não tanto para reso-lução de problemas, porque você sentemuita dificuldade do aluno em relação atrabalhar com problemas... (JULIA)

A minha avaliação é feita em cima deexercícios da lista[...] eu acho interessantecobrar dali[...]você colocar um exercíciodiferente na prova e aí o aluno fala[...]eunão consigo fazer, eu não sei fazer![...] entãoa minha prova é elaborada em cima dosexercícios de sala de aula e das listas deexercícios que eu preparo. (LETÍCIA)

[...]eu tenho ultimamente procurado tra-balhar durante as provas alguns exercíci-os que envolvam a argumentação do alu-no [...] eu procuro cobrar a parte de gráfi-cos, exercícios que sejam modelados atra-vés de funções [...] a gente não procuracolocar um exercício muito original por-que às vezes o aluno não consegue rela-cionar aquele exercício com aquilo queele havia estudado, eu procuro colocargeralmente nas minhas provas o últimoexercício como desafio com um nível umpouco diferenciado para que ele treine acriatividade, então é um exercício a parteque tem um ponto como se fosse de prê-mio para ele. (ROBERTO)

A professora Júlia, como percebemosanteriormente, demonstra grande preocupa-ção com a parte mecânica do conteúdo defunções, o uso de algoritmos; técnicas e fór-

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mulas para resolução dos exercícios. Emcoerência com essa postura, em suas ava-liações, ela procura cobrar questões queenfoquem esse tipo de resolução.

Pelo depoimento do professorRoberto, ele costuma exigir em suas avali-ações exercícios que já foram apresenta-dos aos alunos durante as aulas, pois des-sa forma o aluno não fica exposto à situa-ção de não conseguir relacionar o exercícioda prova com o que foi feito em sala deaula. No entanto, o professor afirma quecostuma colocar um exercício na provacomo sendo um desafio para os alunos,valendo um ponto extra. Cabe fazermosaqui uma reflexão com relação a essa prá-tica do professor. Sabemos que o momen-to da prova normalmente é rodeado denervosismo, incerteza e angústia. Esses fa-tores contribuem negativamente para odesenvolvimento de uma prova, ainda queo aluno tenha se preparado para a avalia-ção. Diante disso, nos questionamos se essaseria a situação mais adequada para o pro-fessor propor um desafio a seus alunos.Imaginamos que o momento da avaliaçãodeve ser tido como um espaço destinadopara o aluno colocar em prática os seusconhecimentos adquiridos durante as au-las e não um momento de inovação.

A professora Letícia demonstra umaconcepção de avaliação: para ela o profes-sor não deve colocar em uma prova umexercício que não tenha sido trabalhado emsala de aula, ao menos que o seu enuncia-do seja familiar ao aluno. Essa atitude daprofessora demonstra uma vez mais suaspreocupações referentes aos aspectos pe-dagógicos do ensino.

5.3 Análise do bloco conhecimento curricular

Com essas questões buscamos veri-ficar, a princípio, se os professores tiveram,durante a formação inicial, a oportunidadede discutir assuntos relacionados aosParâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,2002) e à Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL,1996), e ainda mais, qual a importância queeles atribuíam ao estudo desses materiaisna época. Houve divergência em quasetodas as respostas dos professores queapresentaram novamente visões diferentesde seus cursos de graduação, como verifi-camos em suas falas:

Sim, a gente discutiu sobre tudo isso. Euacho interessante [...] você sempre tem quese envolver além da disciplina. (JULIA)

Eu lembro [...] [em] estrutura e funciona-mento [...] a gente estudou e a gente dis-cutiu sobre a LDB [...] eu considero agora[esse estudo importante] [...] quando euestava no segundo ano eu não tinha ma-turidade para ver que aquilo ali era impor-tante [...]. (LETÍCIA)

Não fizemos discussão nenhuma, eu nãoconhecia os PCNs [...] o meu primeiro con-tato com eles foi [...] quando eu fui fazer omeu projeto de pesquisa para o mestrado[...] [em] estrutura e funcionamento tevealgumas discussões mais sobre algumasleis que regiam a LDB e coisas nessesentido[...]. (ROBERTO)

A professora Júlia afirma ter realizadoesses estudos na faculdade e diz que gostoudessas discussões, reforçando assim a suaopinião quanto ao estudo dessas discipli-nas pedagógicas, ou seja, ela consideraimportante a realização dessas atividades.

A professora Letícia expressa a suapreocupação com a sua prática. Ela afirma

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ter havido em sua formação discussõessobre a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL,1996) e que, na época, ela não possuía ma-turidade para encarar essa disciplina coma seriedade merecida. No entanto, agoraque já atua em sala de aula, ela demonstraarrependimento por ter perdido a oportuni-dade de estudar esses conteúdos pedagó-gicos, pois pensa que com isso teria maiorfacilidade em desenvolver sua prática. Nodepoimento dessa professora, percebemosnovamente como os conhecimentos abor-dados por Shulman (1986) apresentam-seentrelaçados. Apesar de a professora nãoter usado as mesmas denominações paraos conhecimentos como esse autor o faz,ela demonstra em sua fala que a falta deconhecimento curricular influencia negati-vamente a prática pedagógica do professor.

Roberto também afirma se lembrarapenas do estudo sobre a LDB, na discipli-na de Estrutura e Funcionamento do Ensi-no. Com relação aos Parâmetros Curricula-res Nacionais, ele diz que só tomou conheci-mento desses documentos quando precisouescrever seu projeto para o Mestrado quecursa atualmente. Percebemos nessa falauma grande lacuna deixada pela formaçãoinicial desse professor. Como podemos es-perar que um docente seja capaz de analisarou selecionar um livro didático, se não hou-ve em seu curso de formação discussões arespeito do material que praticamente orientaa composição desses livros?

Quanto ao uso de recursos didáticosnas aulas sobre Funções, dois professoresafirmam nunca terem usado nenhum tipode material, não por falta de interesse e simpor desconhecimento, conforme suas falas:

[...] nunca busquei nada, eu também nun-ca vi nada, algum material em termos defunção, eu nunca vi [...] eu gosto demaisde usar material, eu sempre procuro detodo jeito jogar alguma coisa diferente prachamar a atenção do aluno, então dentroda função eu nunca vi ninguém fazer eolha que eu olho vários sites e procuroporque é interessante você estar sempreagregando, e particularmente eu nuncavi nenhum professor e nenhum artigoenvolvendo material concreto para mexercom função [...]. (JULIA)

[...] eu ainda não consegui trabalhar demaneira diferenciada com funções [...],esse ano agora no terceiro bimestre queeu vou começar a trabalhar com funçõesentão eu estou nessa expectativa de tal-vez conseguir mudar a aula [...]. (ROBERTO)

Os professores entrevistados afirmamnão conhecer nenhum recurso didáticopara ser usado com o conteúdo de funções,porém demonstram-se interessados em fa-zer uso de algum material. Entretanto, nãoapresentam argumentos que justifiquem anecessidade do uso de um recurso didáticonessas aulas, apenas dizem que gostamde usar materiais diferentes, tornar a aulamais atrativa e etc. Porém, como eles utiliza-riam tais materiais em sala de aula, se elesos desconhecem? Como podem sentir fal-ta de um recurso em sala de aula se elesdesconhecem seu funcionamento?

A professora Letícia apresentou expe-riência em levar os alunos para o laborató-rio de informática para trabalhar o conteú-do de funções trigonométricas:[...] Já traba-lhei sim, funções trigonométricas no segun-do ano [...] acho que era no site do Só Ma-temática, você clicava e aparecia a funçãoseno, função cosseno [...]. (LETÍCIA)

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No entanto, ela não demonstrou terconhecimento sobre algum software quepode ser usado nessas atividades, apenasutilizou-se de um site sobre Matemáticapara apresentar um conteúdo para os alu-nos. Ainda com relação ao uso do labora-tório de informática, Letícia faz uma obser-vação que demonstra certa insegurançaquanto ao uso da sala de informática: “[...]então, a minha preocupação é se realmen-te o que eu estou levando para eles é inte-ressante, será que eu tenho a necessidadede tirar eles da sala de aula onde eu possofazer com giz colorido e tal e levar eles paraa sala de informática?”. Essa angústia re-vela consciência da professora quanto à im-portância de se realizar atividades signifi-cativas; não se trata de levar o aluno aolaboratório de informática, mas de elabo-rar situações diferentes daquelas vivencia-das no papel e lápis e que possam contri-buir com a aprendizagem. SegundoShulman (1986), o conhecimento curriculardo professor, assim como o não conheci-mento, implica nas suas escolhas quantoao uso de materiais em determinadas cir-cunstâncias, o que podemos verificar na falada professora Letícia.

6 Considerações Finais

A análise das entrevistas permitiuconcluir que a formação inicial do profes-sores parece ter deixado lacunas importan-tes relativas às três formas de conhecimen-tos definidas por Shulman (1986), principal-mente com relação aos conhecimentos pe-dagógico e curricular. Uma professora nãoconseguiu definir a importância do conteú-

do a ser trabalhado; parece dar mais ênfaseàs técnicas do que ao significado, o queprovavelmente repercute em sua práticapedagógica. Ainda sobre a importância dotema Funções, uma professora diz que ele“abre a mente” dos alunos para os outrostemas. Porém, essa é uma afirmação vaga,não sabemos exatamente o que significa.

Cabe ressaltar que, ao final das aná-lises das entrevistas, principalmente comrelação ao bloco conhecimento de conteú-do, sentimos que os instrumentos utiliza-dos não foram suficientes para obtermosresultados mais precisos. Além disso, a fal-ta de tempo também nos impossibilitou deaprofundar nossa investigação. No entan-to, uma nova pesquisa se inicia nesse mo-mento, e um dos objetivos a ser alcançadoé justamente buscar instrumentos que pos-sibilitem realizar uma análise mais profun-da sobre os conhecimentos dos professo-res com relação ao conteúdo de Funções.Nessa perspectiva, consideramos que o usoda Teoria Antropológica do Didático(CHEVALLARD, 1999) seja um caminho viá-vel para que possamos investigar, de ma-neira mais precisa questões relacionadasao conhecimento de conteúdo dos profes-sores. Acreditamos nessa hipótese, pois ateoria mencionada nos permite investigartais conhecimentos por meio da análise dasorganizações didática e matemática mobili-zadas pelos professores durante suas aulas.

Finalizando, gostaríamos de esclare-cer que, durante nossa análise, percebemosalguns indícios de outras formas de conhe-cimentos, como por exemplo, aqueles quesomente podem ser adquiridos ao longoda carreira, com a experiência e o contato

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com os colegas, e também os relacionadosàs crenças desses professores, adquiridasao longo de sua trajetória escolar. Para isso,realizamos algumas leituras de autores queabordam esse assunto, como Tardif (2000)que discute os saberes docentes conside-rados fundamentais para a formação deum professor. Entretanto, não demos conti-nuidade a essa discussão, não pelo fatode estarmos menosprezando as outras for-mas de saberes que constituem a forma-

ção de um professor; pelo contrário, acre-ditamos que os cursos de licenciatura nãosão e não devem ser uma fonte exclusivade conhecimentos para professores. A for-mação acadêmica é necessária, no entan-to sabemos que não é totalmente suficien-te para tratar de toda a complexidade queenvolve o trabalho docente. Com isso con-cluímos que nesta pesquisa não aborda-mos tal aspecto simplesmente por não setratar de nosso objetivo principal.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria de Educação Média e Tecnológica.Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/SEF, 2002.360p.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394. Brasília, 1996.

CHEVALLARD, Yves. (1999). El análisis de las prácticas docentes en la teoría antropológica de lodidáctico. Traduzido por Ricardo Barroso Campos. Recherches en Didactique des Mathématiques,RDM, v. 19, n. 2, p. 221-66.

CURI, Edda. Formação de professores polivalentes: uma análise de conhecimentos para ensi-nar Matemática e de crenças e atitudes que interferem na constituição desses conhecimen-tos. 2004. Tese (Doutorado) – PUC, São Paulo.

LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. SãoPaulo: EPU, 2004.(Temas básicos de educação e ensino).

ROCHA, Luciana. P. (Re) constituição dos saberes de professores de Matemática nos primeirosanos de docência. 2005. Dissertação (Mestrado) – Unicamp, Campinas.

SHULMAN, Lee. Those Who Understan0Knowledge Growth in Teaching, Educational Researcher,1986.

TARDIF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: Ele-mentos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüênciasem relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação. Jan. /Fev. /Mar. /Abr.n. 13, p. 1-38, 2000.

Recebido em 29 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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A escrita nas aulas de matemática revelandocrenças e produção de significados pelos alunosWriting in mathematics class revealing beliefs andproduction of meanings by the students

Kelly C. Betereli A. Barbosa*Adair Mendes Nacarato**Paulo César da Penha***

* Graduada em Matemática pela Universidade S. Francisco.Pesquisadora de Iniciação Científica. Professora de Mate-mática da rede pública em Itatiba/SP.e-mail: [email protected]

** Dra. em Educação pela UNICAMP. Docente do PPGSSEem Educação – Universidade São Francisco/USF.e-mail: [email protected]

***Mestre em Educação pela Universidade S. Francisco.Professor de Matemática da rede municipal de Itatiba.e-mail: [email protected]

ResumoO presente artigo refere-se a um recorte de uma pesquisa realizada com alunos de 6a e 8a séries do ensinofundamental que teve como foco a escrita nas aulas de matemática. Discutir as relações entre os processosde escrita e a produção de significados matemáticos vem-se constituindo numa profícua prática em educaçãomatemática. Dentre a diversidade de textos que podem ser utilizados em sala de aula, trazemos para aanálise duas modalidades: o texto de abertura, o qual possibilitou identificar as crenças dos alunos emrelação à matemática e o seu ensino; e a escritura de cartas, que permitiram analisar as lacunas conceituaisdos alunos e a forma como elas podem ser superadas com a adequada intervenção do professor.

Palavras-chaveEducação matemática. Escrita nas aulas de matemática. Crenças quanto à matemática e seu ensino.

AbstractThis paper is related to a clipping of a research done with students of the 6th and 8th grades of basic school,and had as focus the writing in mathematics class. The discussion of the relations between the processesof writing and the production of mathematical meanings has constituted itself in a proficuous practice inmathematics education. Between the diversity of texts that can be used in the classroom, we analyze twomodalities: the opening text, that allowed to identify the student’s beliefs in relation to mathematics and it’steaching; the writing of the letters, which allowed to analyze the student’s conceptual gaps and how thesecan be overcome with an adequate intervention by the teacher.

Key wordsMathematics education. Writing in mathematics classes. Beliefs related to mathematics and it’s teaching.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 79-95, jul./dez. 2008.

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80 Kelly C. B. A. BARBOSA et al. A escrita nas aulas de matemática revelando...

A leitura e a escrita como foco deestudos na área de educaçãomatemática

As questões relativas à leitura e à es-crita nas aulas de matemática vêm-se fa-zendo presentes nos currículos internacionaisdesde a década de 1980. No Brasil, essa ten-dência é mais recente e vem sendo, de certaforma, discutida em eventos como o Con-gresso de Leitura do Brasil (COLE) — que,desde 2003, passou a contar com um Semi-nário de Educação Matemática, com o ob-jetivo de discutir prioritariamente as questõesde escrita e leitura — e em pesquisas acadê-micas. Tais questões estão presentes, tam-bém, em relatos de experiência que desta-cam a importância desse processo para aprodução de significados e, conseqüente-mente, para a aprendizagem matemática.

Por que esse aumento no interessepor discussões sobre leitura e linguagemescrita nas aulas de Matemática?

Gómez-Granell (1995, p. 260) consi-dera que “o conhecimento matemático éprofundamente dependente de uma lin-guagem específica, de caráter formal, quedifere muito das linguagens naturais”. Issoconfere à linguagem matemática um altograu de generalização e, portanto, ampliaas possibilidades de criação de novos co-nhecimentos. Além disso, afirma a autora:“A linguagem matemática envolve a ‘tradu-ção’ da linguagem natural para uma lin-guagem universal formalizada, permitindoa abstração do essencial das relações ma-temáticas envolvidas”.

A falta de um trabalho que dê a es-sas diferentes linguagens uma maior aten-

ção tem levado muitos estudantes a nãose apropriarem da linguagem formal damatemática, ou seja, muitos alunos nãoconseguem atribuir sentidos e significadosa essa linguagem. Como afirma Santos, V.(2005, p. 123): “É na interface das duas for-mas de linguagem (a corrente e a matemá-tica) ou dessas diferentes orientações quese manifestam na aula de matemática queo professor atua para enfrentar conflitos nouso das linguagens, da comunicação e daconstrução de conceitos matemáticos”.

Nesse sentido, a linguagem escritavem sendo utilizada como fonte paradiagnóstico do processo de aprendizagemdos alunos, pois nos textos produzidos poreles, o professor pode identificar a apropria-ção adequada ou não dos conceitos queestão sendo trabalhados e os significadosque são atribuídos a esses conceitos.

Experiências como as de Santos, S.(2005), Freitas (2006) e Oliveira (2007) re-velam o potencial de práticas docentes queprivilegiam a linguagem escrita nas aulasde matemática. Para Santos, S. (2005, p.129), essa linguagem “atua como media-dora, integrando as experiências individuaise coletivas na busca da construção e apro-priação dos conceitos abstratos estudados”.Essa autora utiliza-se em suas aulas, emum curso superior, de diferentes gênerostextuais, como: biografia matemática, bilhe-tes, textos de abertura e fechamento daaula, relatórios, mapas conceituais e cartas.Além desses, a literatura aponta tambémoutros gêneros como: poemas, histórias emquadrinhos e narrativas.

Freitas (2006), em sua tese de dou-torado, analisou os processos de escrita de

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alunos da licenciatura e as potencialidadesde tais processos para a constituição profis-sional desses futuros professores. Segundoela, a escrita promove processos metacogni-tivos — o aluno reflete sobre sua própriaaprendizagem no ato de escrever — e pro-duz outros sentidos para a matemática.

Oliveira (2007), em sua pesquisa demestrado, explorou os processos de leiturae escrita nas aulas de matemática do EnsinoMédio. Concluiu em seu estudo que a lei-tura e a escrita são potencializadoras daconstrução do conhecimento, possibilitan-do uma maior compreensão da linguagemutilizada nas aulas e também propiciam queos alunos explicitem suas concepções eseus valores quanto à matemática. O estu-do evidenciou, além disso, a importânciafundamental da intervenção do professornos textos produzidos pelos alunos.

A leitura desses trabalhos e a com-preensão da importância da linguagem es-crita em matemática mobilizaram-nos paraa realização de uma pesquisa em sala deaula, com vistas a analisar como ocorre esseprocesso de escrita.

Realizada numa escola pública mu-nicipal de ensino fundamental, em Itatiba/SP, nas turmas de 6ª e 8ª séries, em 2008,a pesquisa foi conduzida por uma equipeconstituída pela pesquisadora de IniciaçãoCientífica, por sua orientadora e pelo Profes-sor Paulo, responsável pelas turmas, o qualcolaborou em todos os momentos (da pes-quisa).

Para o presente artigo trazemos aanálise de duas produções escritas pelosalunos: o texto de abertura, solicitado a elesno início do período letivo com o objetivo

de identificar suas crenças em relação àmatemática e ao seu ensino; as cartas, quetinham o objetivo de identificar o processode elaboração e produção de significadosmatemáticos pelos alunos no processo deescrita.

A escrita como possibilidade denovas formas de comunicação emsala de aula

As aulas de matemática mantêmcerta tradição pedagógica, ou seja, sãoaulas expositivas, nas quais o professor“passa o ponto” (definições/propriedades)na lousa e, em seguida, uma lista de exer-cícios para serem resolvidos e posteriormen-te corrigidos. Esse modelo de aula de mate-mática é denominado por Alrø e Skovsmose(2006, p. 51) de “Educação Matemática tra-dicional” e, nele, “os padrões de comunica-ção entre professor e alunos se tornam repe-titivos”. Muitas vezes, essa comunicação selimita às perguntas do professor e às res-postas dos alunos.

Ainda, segundo esses autores, essaeducação matemática tradicional é regidapelo “paradigma do exercício”, o qual teminfluenciado a organização das aulas, bemcomo os padrões de comunicação entreprofessor e alunos.

Geralmente, exercícios de Matemática sãopreparados por uma autoridade externa àsala de aula. Nem o professor, nem o alu-no participam da elaboração dos exercícios.Eles são estabelecidos pelo autor de umlivro-texto. Isso significa que a justificativapara a relevância dos exercícios não fazparte da lição em si mesma. Os textos eexercícios matemáticos costumam ser,para aqueles que vivenciam a prática e a

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comunicação em sala de aula, elementospreestabelecidos. (Ibidem, p. 52)

No entanto, percebe-se, no contextomundial da educação matemática ummovimento de desafio a esse paradigma,buscando-se novas formas de comunica-ção em sala de aula. Nesse contexto, entramos processos de escrita.

A escrita na aula de matemática fazcom que o aluno reflita sobre seu própriopensamento, ou seja, reflita criticamentesobre suas experiências matemáticas, pos-sibilitando que o aprendizado se torne ati-vo e não passivo. Essa postura contrapõe-se àquela em que o aluno escuta, executa,mas não aprende a criticar e nem a ser crí-tico sobre suas próprias idéias. Refletir criti-camente sobre o que escreve e sobre o queestá aprendendo permite ao aluno que eledesenvolva critérios para monitorar seudesempenho e tenha um maior controlesobre sua aprendizagem, além de lhe tra-zer grande satisfação pessoal.

Quando os alunos escrevem sobreseus raciocínios e sobre seus sentimentosreferentes a idéias matemáticas específicas,o professor pode captar essas idéias, exami-ná-las, refletir sobre elas e fazer as devidasintervenções. Tais intervenções devem ter oobjetivo de um retorno direcionado às afir-mações, às interpretações, às descobertase aos enganos dos alunos. O papel da per-gunta do professor é essencial nesse tra-balho, para encorajar os alunos a reconside-rar e aprofundar suas idéias, o que lhes dásegurança, ajudando-os a sentirem-se va-lorizados. Para o professor, há um retornoimportante sobre sua própria prática, possi-bilitando o (re)planejamento de suas ações

didáticas. Nessa perspectiva, a escrita nasaulas de matemática surge como mais umveículo potencializador de aprendizagens.

Os pesquisadores e os professoresque vêm se dedicando a essa temática têmdesenvolvido diferentes abordagens. Umadas conclusões que vem se evidenciandoé que escrever é essencial na aula de mate-mática e que essa escrita pode se dar dediferentes maneiras: através de escrita livre,cartas, biografia matemática, textos deabertura, mapas conceituais, diários deaprendizagem, relatórios de entrada múlti-pla, entre outras. Destacaremos, brevemen-te, cada uma dessas abordagens.

Quando o docente faz a escolha paratrabalhar com a escrita livre, ele escolhe umaatividade de aquecimento. Elbow (apudPOWELL; BAIRRAL, 2006) considera a es-crita livre uma ferramenta expressiva paraescritores gerarem idéias antes de comporum texto. Diz, ainda, que “o alvo da escritalivre está no processo, não no produto”(Ibidem, p.70). No caso das cartas, são pe-quenos textos, escritos em prosa, destinadosa um parente ou amigo; têm uma lingua-gem simples e cotidiana e possibilitam queo aluno revele sua afetividade e seu humor.A biografia matemática também é um pe-queno texto, porém é pedido no início deum curso e dirigido pelo professor, com aintenção de detectar o perfil de cada aluno— seu tempo disponível para atividadesextra-classe, suas frustrações, seus anseios,suas experiências positivas e negativas. Ochamado texto de abertura também segueo gênero de pequenos textos e permite aoprofessor analisar as concepções que o alu-no tem (ou não) sobre certo assunto que

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irá trabalhar. Os mapas conceituais servempara tornar claras as idéias, através de pala-vras-chave que permearão uma tarefa deaprendizagem específica. Os diários deaprendizagem ou simplesmente diários sãoum tipo de escrita que se dá em todas asaulas de matemática, nas quais o professorconcede um tempo para os alunos escreve-rem sobre o que aprenderam. Esse tipo deescrita é ótimo para que os alunos possamobservar e refletir sobre o que aprenderame modificar suas idéias. Por fim, os relatóriosde entrada múltipla são feitos em uma folhade papel, dividida em três seções iguais; nacoluna da esquerda o professor coloca umtexto ou um problema; na próxima colunao aluno vai escrever sobre sua primeira refle-xão; e, na seguinte, sua segunda reflexão.

Seja qual for a maneira escolhida peloprofessor, o objetivo deve ser o de transfor-mar a escrita em um veículo dinâmico paradesafiar e, conseqüentemente, ampliar aconsciência matemática do aluno.

A escrita, como auxiliar da aprendi-zagem, permite que o aluno construa signi-ficados, manipule seu próprio pensamento;ele pode expandir ou abandonar idéias,influenciando significativamente seu desen-volvimento cognitivo e sua metacognição— permite-lhe pensar e analisar seu próprioprocesso de aprendizagem. Ao mesmotempo que o aluno pensa matematicamen-te, ele precisa encontrar palavras adequa-das, ter um vocabulário rico e funcional paraque sua escrita tenha sentido; isso faz comque o aluno use e trabalhe com a línguamaterna e a linguagem matemática, am-pliando e aprimorando seu próprio voca-bulário.

Quando o aluno cria o hábito daescrita, adquire domínio para repensar so-bre suas idéias, para construir e reconstruiro significado e, nesse caso, o discurso pas-sa de expressivo para argumentativo. Ou-tro ponto muito destacado no processo deescrita na aula de matemática é que essetipo de atividade estabelece um meio po-deroso de diálogo entre professor e aluno,pois permite a ambos examinar, reagir eresponder ao pensamento matemáticoexplicitado na escrita.

A comunicação na aula de matemá-tica, seja ela oral ou escrita, possibilita quevejamos os diferentes modos pelos quaiscada um compreende e vê a matemática.Como professores, precisamos dar voz aosalunos e ouvi-los, para que a sala de aulase transforme num ambiente de diálogo.Como já dizia Freire (1996, p.113), “o edu-cador que escuta aprende a difícil lição detransformar o seu discurso, às vezes neces-sário ao aluno, em uma fala com ele”.

Evidentemente, uma prática comoessa implica desafios interessantes, nosquais o professor tem que sair da sua cô-moda posição de atribuir um significadoúnico para cada expressão matemática,pois um mesmo modelo matemático podeser trabalhado de diferentes maneiras. Issofavorece o aluno, que pode reconhecerisomorfismos matemáticos dentro de dife-rentes situações e contextos.

Trabalhar com a escrita na aula dematemática faz com que cada um cons-trua uma forma de “convencimento” paracada acontecimento matemático. A isso sedá o nome de matematizar — um processonatural, inerente a todo ser humano, levan-

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do em conta que a maioria dos estudantestem crenças e sentimentos negativos emrelação à matemática e a si mesmos comoaprendizes dessa disciplina; a escrita fazcom que essa visão se (trans)forme.

Quando os alunos começam a escre-ver seus textos, estes podem não explicitaro aprendizado matemático; as mudançasacontecem com o passar do tempo e coma prática constante da escrita, que propiciaa reflexão.

Autores defendem que a experiência,por si só, não traz o conhecimento; é preci-so refletir sobre essas experiências e essasreflexões passam a ser descritivas, compa-rativas, interpretativas e avaliativas. Torna-se, assim, um processo de construção, isen-to de imediatismo em relação a experiênci-as particulares. A reflexão tem dois compo-nentes: o pensamento e o sentimento.Henderson (1987 apud POWELL, BAIRRAL,2006, p. 49) afirma que os sentimentos sãocomponentes essenciais na compreensãoda matemática: “Quando eu percebo algu-ma coisa, a minha percepção do universoamplia-se, aprofunda-se... Para ser completa,essa compreensão (percepção aumentada,significado modificado) tem de incluir oscomponentes do conhecimento, do senti-mento e da ação”.

O objetivo da escrita na aula dematemática é o desenvolvimento da cogni-ção matemática do aluno. O trabalho nãoé fácil nem para os alunos nem para osprofessores, pois os textos individuais oucoletivos têm a forma e o conteúdo dadospor seu produtor, e não o que o professordeseja que conste neles. Isso exige o esforçodo aluno. Por outro lado, o processo de lei-

tura pelo professor demanda tempo e re-flexão para a colocação de questões emcada texto; mas sua gratificação é ver o cres-cimento dos alunos, sua melhora na escri-ta, na articulação de idéias e na construçãode argumentos matemáticos.

É de suma importância que o profes-sor leve em consideração que os textos es-critos, por sua singularidade, contribuemdiferentemente no desenvolvimento dacognição matemática e tenha consciênciade que existem alunos com maior dificulda-de que outros.

Partilhando desses pressupostos,desenvolvemos a pesquisa durante umsemestre letivo — o primeiro de 2008 — comalunos de 6 a e 8a séries. Trazemos para esteartigo duas modalidades de escrita: o textode abertura, no qual pudemos analisar ascrenças dos alunos quanto à matemáticae seu ensino, e as cartas, que possibilitarama identificação das lacunas conceituais dosalunos, bem como o papel da intervenção— tanto da pesquisadora quanto do pro-fessor da turma.

A escrita nas aulas de matemáticacomo reveladora das crenças dosalunos

Muitos professores, assim comoGusmán (apud CHACÓN, 2003 p. viii) têm-se indagado: “Do que depende o fato deque uma criança que entra em uma escolaache fascinante a rotina própria da mate-mática e que outra, ao contrário, passe adetestá-la por toda a sua vida?”.

Ao contrário do que muitas pessoaspensam, a matemática não é só exata, rigo-

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rosa, fria; ela não é estática, nem tampoucoos alunos devem se comportar como robôscalculistas, ou seja, como máquinas de fa-zer cálculos nas aulas de matemática. Exis-te emoção na matemática, ou seja, em tor-no do trabalho matemático há tomadas deposições iniciais, em relação a essa discipli-na escolar, que podem gerar atitudes boasou ruins que perduram nos alunos por todaa vida.

O estudo sistemático da influênciadas emoções e dos afetos na aprendizagemmatemática começou nos anos de 1980 e,desde então, mais caminhos vão se abrin-do para esse campo de pesquisa. Estudosmostram claramente que as questõesafetivas têm um papel essencial no ensinoe na aprendizagem da matemática. Taisquestões afetivas podem ser atividades,crenças, gostos e preferências, emoções,sentimentos e valores que cada aluno játraz consigo. Entre todas as manifestaçõesexpressas pelos alunos em seus textos,achamos importante deter nosso olhar so-bre as crenças, o que justifica nossa opçãopela primeira das duas produções escritasque serão aqui apresentadas.

Segundo Chacón (2003, p. 20):As crenças matemáticas são um dos com-ponentes do conhecimento subjetivo implí-cito do indivíduo sobre a matemática, seuensino e sua aprendizagem. Tal conheci-mento está baseado na experiência. Asconcepções entendidas como crençasconscientes são diferentes das crençasbásicas, que muitas vezes são inconscien-tes e têm o comportamento afetivo maisenfatizado.

Dentre as categorias de crenças ana-lisadas por Chacón, destacaremos duas

delas que parecem ter influência principal-mente nos aprendizes de matemática. Sãoelas:– Crenças sobre a matemática: referem-se

às crenças que os estudantes desenvol-vem e que contêm pouco componenteafetivo, mas constituem uma parte impor-tante do contexto no qual o afeto se de-senvolve.

– Crenças sobre aprendizagem da mate-mática: quando o aluno está aprenden-do, ele recebe estímulos contínuos asso-ciados à matemática – problemas, atua-ções do professor, mensagens sociais, etc.– aos quais reage emocionalmente deforma positiva ou negativa; essa reaçãoestá condicionada a um forte componen-te afetivo, incluindo crenças sobre si mes-mo e sobre a matemática. Essas crençasestão intimamente relacionadas com anoção de metacognição e de autocons-ciência. Pelo fato de estarem relaciona-das, optamos por não separar essas duascategorias.

Dessa forma, trataremos as crençasexplicitadas pelos alunos no que diz respei-to tanto à matemática quanto aos proces-sos de aprendizagem.

A experiência do estudante, aoaprender matemática, provoca diferentesreações e influi na formação de suas cren-ças. Como primeira atividade da pesquisa,escolhemos a proposta do texto de aberturaaos alunos, pois este gênero de escrita tra-ta de pequenos textos que permitem aoprofessor analisar as concepções (crenças)que o aluno tem (ou não) sobre certoassunto que irá trabalhar. Tal produção, logono início do ano letivo de 2008, foi solicita-

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da pelo Professor Paulo a todos os alunosde 6a e 8a séries, a partir da seguinte pro-posta:

Você já está na 6a série (8a série) e emtodos esses anos você tem estudado ma-temática Escreva, na forma de um texto,como você vê a matemática, qual é a im-portância de se estudar matemática e suasexpectativas para esta disciplina em 2008.

Entendemos que o texto de abertu-ra possibilita o que Powell e Bairral (2006)denominam de “escrita expressiva”. Segun-do eles, apoiando-se em Britton et al. (apudPOWELL; BAIRRAL, 2006, p. 51), “a escritaexpressiva é como pensar alto no papel.Ela tem a função de revelar o falante,verbalizando a sua consciência submete-se ao fluir livre de idéias e sentimentos”.Dessa forma, ela não apenas possibilita queo professor tenha acesso aos sentimentose às crenças de seus alunos, como tambémé ponto de partida para a aprendizagem.

Por meio da escrita expressiva os apren-dizes articulam suas crenças sobre a na-tureza do conhecimento matemático, bemcomo suas respostas afetivas a questõesmatemáticas em que estejam a debruçar-se. Constroem e negociam significados,bem como monitoram sua aprendizageme sua afetividade e refletem sobre elas.(Ibidem, p. 52-53)

Ao ler cada registro (65 registros re-ferentes às duas classes de 6a séries e 60registros referentes às duas classes de 8a

séries), identificamos que, para um mesmotexto, havia mais de um tipo de crença alipresente. As categorias identificadas foram:1) matemática como ferramenta; 2) mate-mática como ferramenta para o trabalho/futuro; 3) reação emocional; 4) valorização

da matemática/filtro social; 5) relação como professor; 6) esforço pessoal; e 7) desejode saber. Julgamos importante discorrer deforma breve sobre algumas destas crenças:

A matemática como ferramenta para ofuturo

Os alunos relacionam a aprendiza-gem matemática com seu próprio futuro,para conseguirem um emprego. Baseiam-se, algumas vezes, em seus próprios pais,que conseguiram (ou não) um bom em-prego por conta de terem (ou não) estuda-do. Além disso, para muitos alunos, falarde matemática é falar sobre procedimen-tos, cálculos, regras e ter competências paratrabalhar com eles — como destacado nafala a seguir:

para você contar precisa da matemática,para você fazer conta de somar, dividir,multiplicar e etc a matemática é usadamuito, eu não sou chegada muito, eu nãogosto, mas a gente tem que aprender maise mais, isso é legal. (I.B. – 8a série)

Notamos que as crenças sobre a ma-temática e sua aprendizagem aparecemcomo se a disciplina tivesse uma finalidademeramente informativa e de memorização.Mas, ao mesmo tempo, os alunos acreditamque, através do estudo, a obtenção de umdiploma lhes abre as portas para um pos-sível trabalho.

A matemática é muito importante paranós, em vários sentidos: para alguns, nocaso dos professores como um modo desustento, ainda para outros é uma filosofia,lazer, diversão, também é um motivo pararelaxar. Mas para mim e os que estudamcomigo é a forma de sermos bem sucedi-dos no futuro. (L.L. – 6a série)

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Os alunos relacionam o futuro coma continuidade dos estudos. Muitos, atéapropriam-se de um discurso dos própriosprofessores: “Vão precisar no colegial! novestibular!”. Charlot (2005, p. 118), ao dis-cutir a relação dos jovens com o saber, dizque estes acreditam, implicitamente, que:

“É preciso sobreviver o máximo de tempopossível, é preciso passar, passar, passaravançando o máximo possível, e, se avan-cei muito e em muito tempo, conceder-me-ão, por algum tipo, de direito, um bomemprego”, sem qualquer referência aosaber propriamente dito.

A maioria dos textos trazia essa cren-ça de que a matemática é importante parao futuro – talvez até por apropriação deum discurso pedagógico bastante utilizadonas aulas, quando o professor quer desper-tar o interesse dos alunos pela disciplina.

Reação Emocional

Esta crença está relacionada com oautoconceito como aprendiz de matemáti-ca, ou seja, com as atividades do aluno, comsua perspectiva do mundo da matemáticae com sua identidade social.

A matemática é difícil mas é legal tambémmas eu tenho algumas dificuldades paraaprender porque eu tenho vergonha deperguntar as coisas quando eu não enten-do, mas tudo bem. (J.S. – 6a série)

Nesses casos, há um discurso de sen-so comum de que “a matemática é difícil” ,“a matemática é para poucos”, “precisa dedom para aprender matemática”. Os alunos,de certa forma, apropriam-se desse discursoou nas interações familiares ou na própriaescola. Uma escrita como a destacada aci-ma dá indicativos ao professor de quais

intervenções são necessárias em sala deaula e quais alunos necessitam de umaatenção maior.

Valorização da matemática/ filtro social

Nas produções dos alunos consta-tamos uma valorização da matemáticaescolar, mesmo quando esta se apresentasem sentido. É a representação da mate-mática construída pela sociedade como fil-tro social, como seletiva e “justificadora deinclusões e exclusões” (SKOVSMOSE, 2005,p. 136). Alguns alunos a vêem dessa forma:

Bem eu acho que a matemática é impor-tante para todas as pessoas não importaquem seja não importa a sociedade e tam-bém diferenças de ele ser pobre ou ricomatemática é muito importante mesmo.(I.B. – 8a série)

Uma forma de romper com essa re-presentação seria, segundo Skovsmose(2006), a criação de um ambiente de apren-dizagem em que o professor não seja o ele-mento central, mas o facilitador da apren-dizagem do aluno.

O princípio fundamental é aprender aaprender, e autodisciplina e auto-avalia-ção viabilizam um processo ininterruptode aprendizagem. Esse clima que promo-ve o crescimento não somente facilita osprocessos de aprendizagem, mas tambémestimula a responsabilidade dos alunos eoutras competências para o exercício dacidadania e da democracia. (SKOVSMOSE,2006, p. 15)

Relação com o professor

Os alunos destacaram o papel dosprofessores e sua capacidade de relaciona-mento pessoal – se são capazes de levar

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em conta a diversidade de estudantes e se“explicam” (ou se não explicam) durante aaula – como elementos que influenciam emsuas crenças sobre a matemática e seu en-sino.

A matemática faz que a gente seja maiságil, esperto, etc..., eu gosto muito da ma-temática por causa de alguns professoresque já tive e que tenho. Obrigado PauloPenha por tudo que você já fez pela gen-te. (W.F. – 8a série)

Eu não gosto muito de matemática na 5a

série era muito ruim a professora nãosabia dar aula, eu acho que nem o pró-prio nome dela ela sabia. (S.I. – 6a série)

Nos textos produzidos, identificamosos afetos e os desafetos com o professor, oque evidencia que a capacidade de relacio-namento pessoal e o progresso do alunoem sua aprendizagem, quando o professordá a eles suporte cognitivo e afetivo, sãofatores fundamentais para a aprendizagemmatemática. Sem dúvida, este é o grandedesafio que se coloca ao professor de ma-temática: como criar um ambiente de apren-dizagem que garanta que seus alunos esta-beleçam relação com o saber.

Desejo pelo saber

Charlot (2005, p.90) discute a relaçãoque o jovem precisa ter com o saber. Diz ele:

A lógica do ensino é aquela do saber aser ensinado, do saber constituído em sis-tema de discurso que tem uma coerênciaprópria. A coerência do discurso é, então,interna: o que dá pertinência a um con-ceito é o conjunto das relações que elemantém com outros conceitos em um es-paço teórico, relações constitutivas desseconceito.

Tal crença foi explicitada em algumasproduções, no que se refere às expectativaspara a disciplina em 2008. Destacamosuma delas:

Minha expectativa é estudar muito poisfaço curso por fora da escola, estou emexcell e é preciso muita matemática, porisso eu vou estudar mais, eu ignorava ámatemática mais agora eu percebi quesem ela não faço nada. (S.I. – 8a série)

O ato de aprender produz desejo, fazsentido. Para aqueles que não têm o dese-jo pelo saber, o aprender não produz dese-jo, não faz sentido. Para estas duas contra-dições, ressaltamos que cada sujeito destapesquisa tem uma história, vive em ummundo social e possui uma identidade,além de construir-se através dos processosde (des)identificação com o outro. Tem umaatividade no mundo e sobre o mundo.

Em síntese, podemos dizer que o tex-to de abertura proposto foi fundamentalpara que conhecêssemos os alunos, seussentimentos e suas crenças em relação àmatemática. Esse tipo de escrita pode cons-tituir-se numa importante ferramenta parao professor no início do ano letivo.

A escritura de cartas comoindicadora de lacunas conceituaise de significados matemáticos

Após os textos de abertura, partimospara outro gênero de escrita: a carta. Essegênero sugere pequenos textos, em que énecessário um destinatário e que requeruma linguagem simples e cotidiana. As car-tas possibilitam que aflorem a afetividadee o humor – pouco comuns em trabalhosde matemática.

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O Professor Paulo tinha acabado detrabalhar números racionais com os alunosda 8a série e adição e subtração de núme-ros inteiros com os alunos das 6 a série. Sen-do assim, achamos conveniente que pedís-semos para que eles escrevessem uma car-ta sobre esses temas. O enunciado da ati-vidade proposta foi o seguinte:

6a série: Escreva um a carta para a Kellysobre o processo de adição de númerosinteiros. Procure usar suas palavras e tenteser o mais claro possível.

8a série: Caro aluno, a Kelly é umasenhora que gosta de estudar matemá-tica e tem muita curiosidade quando oassunto é número. Algumas coisas elajá sabe, como números naturais e intei-ros, mas gostaria de aprender muito mais.Vamos ajudá-la?Escreva uma carta paraa Sra. Kelly comentando sobre o que vocêsabe sobre os números. Acredito queaquilo que você já sabia e o que vocêaprendeu nesse ano será muito impor-tante para a Kelly.

Quando recebemos as cartas e come-çamos a ler, tivemos algumas surpresas.Primeiramente, foi uma minoria dos alunosque apresentou seus relatos em forma decarta: a maioria escreveu bilhetes, sem ne-nhuma formalidade, sem nenhum critério;e, além disso, a maioria dos alunos estavaainda muito confusa quanto aos conceitosreferentes aos temas que já tinham sidodados como finalizados pelo professor.

A pesquisadora respondeu a todasas cartas, uma a uma, com a intervençãonecessária e com a preocupação de questio-nar o aluno, a fim de que relesse o que tinhaescrito, pesquisasse e reescrevesse outra car-ta, corrigindo seu erro. Trazemos uma carta

de cada série, evidenciando como foi o pro-cesso de escritura e de análise das cartas

Carta de uma aluna da 6a série

Como já destacado anteriormente,os alunos desta série estavam trabalhandocom a soma algébrica de números inteiros.

Apresentamos uma carta de umaaluna (F.A.) da 6 a série, que inicialmente nosenvia expressões a serem resolvidas. Escla-recemos que optamos por transcrever ascartas – mesmo sabendo que essa trans-crição retira a sua originalidade – porqueas imagens digitalizadas não ficaram legí-veis. Os nomes dos alunos também foramretirados para preservar a sua identidade.

Itatiba, 17 de abril de 2008

Saudações Querida Kelly

Kelly, vou passar uma conta para vocêresolver, -8+11, -8-11, 8-11 o resultado temque dá 3.

Despedida: Te adoro

Nome: F. A.

A pesquisadora, em sua resposta,destacou a impossibilidade de obter o mes-mo resultado nas três expressões:

Itatiba, 26 de abril de 2008.

Oi tudo bem com você?

Primeiramente, peço-lhe desculpas por terdemorado a responder sua carta e aindapor respondê-la digitada, é que estoumuito atarefada e para responder emmanuscrito me tomaria um tempo aindamaior; desde já agradeço por você ter sepreocupado em me escrever me explicandosobre adição de números inteiros.

F.A. infelizmente não consegui fazer comque estas contas dessem 3 apenas a

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expressão (-8 + 11) deu 3 as outras não.Será o que fiz de errado?

Pesquise isso para mim, fazendo um favor.Aguardo sua resposta.Um abraçoKelly

A aluna F.A. respondeu, desculpan-do-se pelo erro, e apresentou os procedi-mentos para a resolução.

Itatiba 07 de maio de 2008

Nome F. A. D.

Saudações: Querida Kelly

Me desculpe por ter me enganado estascontas não dá 3 só uma que da 3 que é-8 + 11= 3.

Quando temos uma adição de númeronatural (inteiro positivo) com inteiro ne-gativo, fazemos a diferença entre osmódulos dos números, ou seja, o maiormenos o menor 11-8 = 3. O sinal do re-sultado será o mesmo daquele que formaior em módulo. Então 8+11 = 3.

Despedida: Gostei muito De te Escrever.

Novamente a pesquisadora respon-deu a F.A.:

Itatiba, 11 de maio de 2008.

Querida F., tudo bem com você? Comigoestá tudo ótimo.

Desta vez consegui responder as cartasmais rápido, li todas e fiquei muito felizcom os resultados.

Agora eu entendi; você aprendeu direiti-nho e ainda soube me ensinar; continueprestando atenção nos conteúdos, elesserão importantes para você aprender osconteúdos dos anos que ainda virão pelafrente. Quando tiver dúvida, pergunte aoprofessor Paulo, ele é muito legal e paci-ente; tenho certeza de que ele ficará felizem poder lhe ajudar.

Em breve farei uma visita à classe.Beijos

Kelly

O movimento de escrita e reescritade F.A. revelou o quanto na sua segundacarta ela conseguiu explicar com clareza ecorreção os procedimentos para a somaalgébrica de números inteiros. Esse movi-mento evidencia a importância da interven-ção do professor/pesquisadora, que nãodeve se limitar a apontar falhas, mas devepossibilitar que o aluno avance em seuspensamentos matemáticos.

Embora tenhamos trazido apenasuma carta, é importante destacar que asdemais cartas e respostas se assemelhamàs amostras aqui transcritas.

Que conclusões podemos tirar desseprocesso?

O conteúdo em estudo não era mui-to propício para a produção de uma carta,principalmente a uma destinatária desco-nhecida. Mesmo assim, constatamos o en-volvimento dos alunos, principalmente nasegunda carta. Embora alguns alunosainda mantivessem erros conceituais, foipossível perceber a preocupação tanto coma escrita da carta – data, a saudação, otexto em si e as despedidas ao final – quan-to com a clareza de idéias, tornando o tex-to o mais compreensível, possível à leitura.

Ficou também evidente o quantoesse gênero textual possibilita a aproxima-ção do aluno com o professor (no casodesta pesquisa, com a pesquisadora). Pa-lavras como: “Querida Kelly”; “gostei de lheescrever”; “Até à próxima”, além dos “pedi-dos de desculpas” são indicativas dessaaproximação.

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Para o professor esse instrumento éfundamental para que ele possa ter aces-so ao processo de elaboração conceitualdos alunos: os avanços e os equívocos vãose evidenciando. Sua intervenção comoquestionador e problematizador possibilitaque o aluno reflita sobre sua própria apren-dizagem – a metacognição –, identifiquelacunas e avance na elaboração conceitual,utilizando um vocabulário matemático ade-quado e, conseqüentemente, produzindosignificados para a matemática escolar.

Carta de uma aluna da 8a série

Os alunos da 8a série estavam estu-dando sobre os campos numéricos. A soli-citação da produção da carta foi feita peloProfessor Paulo como a última questão deuma prova escrita. Isso provavelmente te-nha influenciado a primeira escrita dos alu-nos, a qual não passou de um bilhete. Noentanto, a partir da primeira intervenção dapesquisadora, constatamos avanços noprocesso de escrita. Considerando quemuitas cartas nessa segunda fase tiverammais de uma página, o que inviabilizou oprocesso de digitalização, optamos por tra-zer apenas alguns fragmentos.

Vamos destacar uma situação envol-vendo a escrita e reescrita da aluna J.H., da8a série.

Carta inicial:

Kelly os números são naturais de onzenúmeros (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10) e osinteiros nós colocamos um Q de inteiro

( etc,,, 41

31

21 )

Tem um conjunto quesignifica cada uma das

letras o N e de naturais o Z e racionais eirracionais e o h e todos os números

Esta carta nos revelou uma série deerros conceituais, além da preocupação emfazer a representação dos diferentes conjun-tos por meio de diagramas, tal como o Pro-fessor Paulo havia trabalhado em sala deaula. A pesquisadora respondeu a carta,mas, no entanto, não teve idéia de deixaruma cópia dela. A partir dessa resposta, J.H.refez a carta. No entanto, quando o Profes-sor Paulo recolheu as cartas dos alunos eas leu, quis fazer suas intervenções antesde enviá-las à pesquisadora.

2a carta com as anotações e intervençõesdo Professor Paulo

Itatiba, 02 de Abril de 2008

Oi Kelly, como vai?

Os números que tornam o conjunto Z é

os etc41

31

21 ,, (*)

Os números I são os números 1,4, 1,21,428 etc.

O nome desses conjunto Z e I é

O conjunto do Z são os inteiros e o I sãoirracional

Os exemplos que você citou (*) são nú-meros inteiros? Sugiro que você faça umaleitura sobre os conjuntos numéricos ereescreva essa carta.

Em suas intervenções, o professorchama a atenção para os equívocos e suge-re a reescrita da carta, indicando à aluna aleitura do material trabalhado em classe.

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92 Kelly C. B. A. BARBOSA et al. A escrita nas aulas de matemática revelando...

Carta refeita

Itatiba, 08 de Abril de 2008.Olá Kelly, como você está?Os números naturais são representadospela letra N que vai do 0, 1, 2, 3, 4, 5, ... eassim vai eles são infinito (não tem fim).O Z é formado pelos inteiros, um exemplo

.,, 41

31

21 etc Os números racionais são

representados pela letra Q exemplos

.,, 41

31

21 Os números irracionais são a

letra I exemplos 189 . De 500 de 3etc.Reunindo todos os conjuntos obtemos umnovo conjunto numérico o conjunto dosnúmeros reais denotado por R.Q ∪ I = R (Q união com I = R)Assim cada ponto da reta há um numeralreal que ou irracional

Até a próxima vez Kelly.

Nessa carta observa-se o progressode J.H. não apenas no próprio texto, comotambém na correção conceitual dos diferen-tes campos numéricos. A última frase estásem sentido, pois no original constatamosque ela havia apagado algumas palavrase se esqueceu de reescrevê-las. A pesquisa-dora enviou a seguinte resposta a J.H.

Oi J.H., bom dia.

Tudo bem com você?

Eu estou muito bem, já faz tempo quenós não nos falamos, espero que vocêesteja gostando e entendendo tudo o queo professor Paulo está ensinando.

Gostei muito por ter respondido minhacarta, vi que o professor Paulo fez umasintervenções e que com elas você conse-guiu se explicar melhor, parabéns!

Não precisa mais se desculpar pelos erros,às vezes precisamos errar para aprender-

mos o certo.

Adorei ter te conhecido, prometo que embreve irei da um “oi” a todos da sala.

Um abraço

Kelly

Esse movimento de escrita e reescri-ta evidenciou-nos a importância da primei-ra resposta da pesquisadora, no gênerotextual “carta”, sem nenhum tipo de comen-tário sobre o bilhete original, a qual possi-bilitou que J.H., em sua segunda escrita,usasse o gênero textual adequado. No en-tanto, persistiam os erros conceituais. Dian-te destes, a intervenção do professor apon-tando erros e sugerindo alterações no textovisando à correção conceitual foi fundamen-tal para que, em sua terceira escrita, J.H. re-velasse a clareza de suas idéias sobre otema em questão. Além disso, constata-seo início de uma relação de respeito entre aaluna e a pesquisadora.

Consideramos que os resultadoscom a escritura de cartas foram promissores.Primeiro, porque alguns alunos, ao leremas respostas dadas às suas cartas, identifi-caram que eles não haviam escrito cartas,de fato; segundo, porque a grande maioriaconseguiu reescrever o conceito correta-mente.

Alguns poucos alunos continuaramfazendo alguma confusão quanto ao con-ceito, mas foi sugerido, pela última respos-ta às cartas, que tirassem as dúvidas como Professor Paulo. Houve o entendimentode nossa parte de que não fazia mais senti-do permanecer com tantas reescritas dacarta; isso poderia desmobilizar os alunospara essa atividade.

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Ao final do semestre, a pesquisadoraoptou por realizar uma entrevista com oProfessor Paulo, com o objetivo de conhecercomo ele se viu no processo como professor.Trazemos uma fala sua que, embora longa,é bastante significativa do processo vivido.

A gente lendo, no sentido de tirar umpouco daquela idéia que a gente fala “euexpliquei a matéria, o aluno fez exercícioe isso me garante que ele entendeu”. Éuma situação que quebra, que rompe comesse mito de dar um assunto, de dar ummonte de exercício e com isso imaginandoque ele aprendeu. Então acho que a escri-ta me permite perceber que o conceito,mesmo que ele manifeste com palavrastotalmente assim, que não sejam mate-maticamente adequadas, por exemplo,mas a manifestação dele me permite sa-ber se ele entendeu o conceito ou não.Acho que esse é o ponto e eu pude per-ceber que isso não aconteceu. Então, querdizer, é um susto assim, uma certa angús-tia da gente ver que levou um tempo paraexplicar, pra exercitar, trabalhar junto e éum tipo de coisa que se não tivesse acarta eu não iria imaginar! Vamos supor,eu faço os exercícios, dou uma avaliação,só que, às vezes, a avaliação a gente co-bra o quê? Exercício e o exercício ele podedecorar o processo de resolução, mas ele...ele... saber se ler entendeu ou não, não éo exercício que vai me garantir e muitomenos aquele aluno que errou o exercí-cio, ele pode ter errado o exercício, maspode ter entendido de alguma forma oconceito. Eu acho que a escrita e as cartaseu tenho aí um instrumento a mais paraeu avaliar que não só a execução de téc-nicas de resolução de exercícios. Acho quefoi um trabalho que me ajudou muito,ajudou você, mas acho que para nós pro-fessores, acho que contribui não sei semais ou menos, mais contribui muito.

Ressaltamos, ainda, que todo esse

processo de escrita, resposta e reescrita foimuito demorado, mas o próprio professoradmitiu, ao final do trabalho, que valeu apena, pelo resultado conseguido.

É importantíssimo saber que o suces-so dessa metodologia de trabalho está emo professor dar retorno freqüente aos alu-nos, o que pode sobrecarregá-lo, em algunsmomentos, com material para análise ecorreção. É importante também fazer comque o aluno se interesse e participe da pro-posta, o que na maioria das vezes requerdedicação. Essa dedicação traz um resgateafetivo na relação professor-aluno.

Quando trabalhamos com a escrita,nós, como professores, temos a oportunida-de e a obrigação de dar um retorno direcio-nado a cada aluno, de encorajá-los, o quefaz com que o aluno perceba que suasidéias têm importância.

A escrita ajuda os alunos não só aadquirir um vocabulário rico como tambéma usá-lo no contexto da sua compreensãomatemática, além de torná-los mais confi-antes na matemática.

Algumas reflexões finais

A análise da experiência vivenciadapossibilitou-nos algumas reflexões. Umadelas refere-se ao fato de que a escrita dosalunos propicia não apenas a revelação decomo está seu processo de elaboraçãoconceitual, mas traz, também, indícios darelação que o aluno estabelece com a disci-plina, com a atividade em si, com os colegase com o professor.

Nesse processo é fundamental a in-tervenção do professor. Ao identificar um

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erro conceitual ou de estratégia, o profes-sor pode intervir adequadamente para queo aluno possa avançar em seu conhecimen-to matemático. Mesmo no caso dos regis-tros corretos, pode-se incentivar o aluno aavançar em sua capacidade argumentati-va. Essa postura rompe com a visão demuitos alunos de que os comentários queo professor faz a partir de um registro – es-crito ou oral – significam “erro”. Ao contrário,eles devem possibilitar uma reflexão sobreo que foi produzido.

A escrita nas aulas de matemáticapossibilita a constante reflexão tanto dosalunos sobre seu processo de aprendiza-gem, quanto do professor em relação a suaprática pedagógica. Ambos aprendem deforma colaborativa e produzem significa-dos para o que fazem – os alunos produ-zem significados à matemática escolar; oprofessor produz significados para a suaprática docente.

Essa colaboração acontece de formamuito forte também entre o pesquisador eo professor que abre sua sala para a pes-quisa, pois, neste trabalho, o Professor Paulonão tinha o hábito de trabalhar com esta

metodologia e em sua entrevista explicitouque aprendeu o quanto a escrita pode fa-cilitar o aprendizado do aluno e o quantoela é importante para que o professor façauma avaliação da sua própria prática. Alémdisso, para a pesquisadora, que ainda nãoestá na prática efetiva de sala de aula, hou-ve a oportunidade de acompanhar as au-las, aprender sobre os conteúdos dados etambém observar a prática do professor eseu relacionamento com os alunos.

A leitura da literatura sobre a temá-tica e a análise do material documentadopara a pesquisa possibilitaram à pesquisa-dora constatar que a experiência contribuiupara a sua própria aprendizagem docente,pois analisar as produções dos alunos re-quer não apenas domínio conceitual, comotambém a capacidade de identificar os di-ferentes modos de pensar dos alunos.

Ressaltamos ainda que a produçãocrítica da escritura deve ocorrer num am-biente de respeito mútuo entre educando eeducador – no momento da socializaçãodas atividades cada indivíduo pode intervire contribuir diferentemente no processo re-flexivo crítico de desenvolvimento da escrita.

Referências

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Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 26, p. 79-95, jul./dez. 2008. 95

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POWELL, Arthur e BAIRRAL, Marcelo. A escrita e o pensamento matemático: interações epotencialidades. Campinas/SP: Papirus, 2006.

SANTOS, Vinicio de Macedo. Linguagens e comunicação na aula de matemática. In: NACARATO,Adair M. e LOPES, Celi A. E. (Org.). Escritas e leituras na Educação Matemática. Belo Horizonte:Autêntica, 2005. p. 117-25.

SANTOS, Sandra A. Exploração da linguagem escrita nas aulas de matemática. In: NACARATO,Adair M. e LOPES, Celi A. E. (Org.). Escritas e leituras na Educação Matemática. Belo Horizonte:Autêntica, 2005. p. 127-41.

Recebido em 15 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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O uso do livro didático e o desempenho dosalunos do ensino fundamental em problemas decombinatóriaThe use of the textbook and the performance ofcombinatorial problems by elementary school students(1/9 graders)

Leny R. M. Teixeira*Edileni G. de Campos**Mônica Vasconcellos***Sheila Denize Guimarães****

* Dra. em Psicologia Escolar pela Universidade de SãoPaulo. Profa. no PPGE-Mestrado em Educação da UCDB.e-mail: [email protected]

**Mestre em Educação pela UCDB.e-mail: [email protected]

*** Doutoranda do PPGE– Doutorado da UFMS/CAPES.e-mail: [email protected]

**** Doutoranda do PPGE– Doutorado da UFMS/FUNDECT.e-mail: [email protected]

ResumoResumo: A pesquisa teve por objetivo realizar uma análise comparativa entre os problemas que envol-vem combinatória trabalhados em duas escolas públicas de Campo Grande-MS e o desempenho de 40alunos dos 6o e 9o anos do Ensino Fundamental, obtidos em uma prova. Para tanto, realizou um levanta-mento da freqüência e dos tipos de problemas de estrutura multiplicativa presentes nos materiais didáticosutilizados nas respectivas escolas. Os resultados mostraram que, em número de acertos, a escola Aapresentou uma pequena diferença em relação à B. Em ambas as escolas os alunos obtiveram melhordesempenho nos problemas que apresentaram valores baixos e duas variáveis. Os resultados apontarampouca interferência do uso do livro didático no desempenho dos alunos.

Palavras-chaveDesempenho dos alunos. Problemas de combinatória. Ensino fundamental. Material didático.

AbstractThe objective of the present research was to perform a comparative analysis between combinatorial problems,taught in two public schools in Mato Grosso, MS and the performance of Elementary school students (6thand 9th grades) obtained in a test. For this purpose a survey was done to obtain the frequency and the

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Introdução

A solução de problemas deve sercompreendida como um meio e um critériopara a aquisição dos conceitos matemáti-cos. Um meio, porque a análise dos proble-mas, das soluções e dos erros é pedagogi-camente essencial para que as criançascompreendam que relações são importan-tes e como podem ser tratadas; um critério,porque o fracasso na transformação e nacomposição de relações se traduz em lacu-nas e falta de conhecimento (VERGNAUD,1991). Nessa perspectiva, a Resolução deProblemas deve ser entendida como umaestratégia de ensino em sala de aula, nãoapenas para ensinar “como” resolver proble-mas, mas também como um caminho quepossibilita a geração de novos conhecimen-tos matemáticos. Há que se considerar ain-da que tal estratégia se aplica conforme osdiferentes conteúdos. No caso desta pes-quisa, a resolução de problemas terá comofoco o raciocínio multiplicativo, mais parti-cularmente referente ao cálculo de combi-natória.

Por um lado, a prática de ensino queutiliza a resolução de problemas é desen-volvida pelos professores tendo como base,

na maioria das vezes, a utilização do livrodidático como principal recurso para a prá-tica docente, constituindo-se a única referên-cia do professor, tanto do ponto de vistateórico quanto metodológico (DANTE, 1996;LAJOLO, 1996). Desse modo, o livro didáti-co possui influência direta no planejamentodidático (textos, exemplos e atividades) ena seqüência dos conteúdos, que passama ser elaborados exclusivamente, tendocomo referência sugestões apresentadaspor esse material. Na realidade, a maneirapela qual as aulas são organizadas e pro-gramadas acaba sendo amparada no livrodidático (FURTADO, 1987; FREITAG, 1997) .Essa prática parece ser reforçada pelo Esta-do, que busca usar o livro didático comouma forma de controle do trabalho realiza-do pelo professor (SCAFF, 2000).

Por outro lado, Mandarino e Belfort(2004) apontam que pesquisas recentes pa-recem indicar que o livro texto é mais doque uma simples ferramenta para os profes-sores de Matemática: ele é também mate-rial de estudo e, muitas vezes, a única fontecom a qual o professor pode contar paralidar com as conseqüências de uma forma-ção inicial deficiente e o único material sis-tematizado ao qual o aluno tem acesso.

kinds of multiplicative structure problems present in the textbooks used in the respective schools. The 40subjects came from two municipal schools, 10 subjects from each grade: School A (6th grade), School A (9thgrade), School B (6th grade), School B (9th grade). The results showed that, as far as number of rightanswers, School A presented a slight difference from School B. In both schools students had a betterperformance with problems containing low numbers and two variables. The results indicate little interferencefrom the textbook in the performance of the students. 

Key wordsStudent performance. Combinatorial problems. Elementary school. Textbook.

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Em relação à adoção do livro didáti-co de Matemática, dois fatores, possivel-mente, influenciam as escolhas realizadaspelos professores de Matemática: a forma-ção do professor e o tempo de experiência.De um lado, os professores de Matemáticacom pouca experiência no magistério po-dem tornar-se inseguros quanto aos seusconhecimentos; buscam então adotar livrosdidáticos que não os coloquem em situa-ções que testem seus conhecimentos e suaspráticas, dando preferência àqueles cujosconteúdos são apresentados de formasimplificada, com ênfase em procedimen-tos e não em conceitos. Por outro lado, osprofessores de maior experiência mostramnecessidade de mudar suas escolhas emrelação ao livro didático adotado anterior-mente, motivados por experiências insatis-fatórias, ou seja, buscam na estrutura dolivro a ser adotado algo diferente do ante-rior (MANDARINO e BELFORT,2004).

Ao comentar a questão do livro di-dático, Silva Júnior (2005, p. 27, grifo doautor) destaca dois critérios que os profes-sores dizem usar para a escolha do livrodidático: que ele seja “[...] um instrumentoagradável e útil. Assim, por exemplo, umlivro ilustrado e colorido pode pesar bas-tante na escolha por parte do professor,pensando que tais características agradamao aluno”. E o livro útil

[...] é aquele que, apresentando o sabersocialmente construído de forma sistema-tizada, desafia permanentemente o alunoa questionar à sua volta. É o livro que fa-vorece o debate, o questionamento; quenão aceita respostas prontas e acabadas eque não raciocina pelo aluno. (Ibidem, p.27).

Atualmente, os professores podemutilizar como critério de escolha o Guia deLivros Didáticos (BRASIL, 2007) que contém

[...] os princípios norteadores da análise,bem como os critérios de cada área e ain-da as resenhas das obras aprovadas. [...]As resenhas oferecem informações peda-gógicas e revelam o que está sendo enten-dido como ideal para conduzir a práticaescolar (PAIS, 2006).

Fica evidente portanto, que o livrodidático constitui um instrumento da açãopedagógica do professor. Como tal, podeconstituir, tanto do ponto de vista da for-ma como do conteúdo, um recurso interes-sante para a aprendizagem dos alunos,dependendo da maneira pela qual o pro-fessor o utiliza. No caso desta pesquisa,estamos interessados em verificar a presen-ça de problemas multiplicativos, mais espe-cificamente de combinatória, como compa-receram no livro didático, e se esse fato in-fluenciou a resolução de problemas damesma natureza em outras situações.

Considerando a importância da reso-lução de problemas na aprendizagem daMatemática e o livro didático como princi-pal recurso didático utilizado pelo profes-sor, nos propusemos a indagar: Que tiposde problemas multiplicativos são apresen-tados aos alunos? Com que freqüência elessão usados? Quais as dificuldades que osalunos apresentam ao resolver problemasmultiplicativos?

O presente artigo relata os resultadosda pesquisa que teve como objetivos: a)fazer um levantamento, via material didáti-co, dos tipos e freqüência dos problemasmultiplicativos propostos por Vergnaud

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(1991) utilizados em duas escolas públicasde Campo Grande-MS; b) realizar uma aná-lise comparativa dos problemas trabalha-dos nas respectivas escolas com o desem-penho dos alunos dos 6o e 9o anos do En-sino Fundamental em problemas envolven-do combinatória.

Campo Conceitual Multiplicativo

Para Vergnaud (1991), o campoconceitual das estruturas multiplicativas re-fere-se ao conjunto das situações que de-mandam multiplicações e divisões de dife-rentes tipos ou a combinação dessas ope-rações.

Para esse autor, a complexidade ediversidade em relação ao domínio das re-lações multiplicativas podem ser ilustradasatravés da resolução de um conjunto deproblemas complexos que podem ser iden-tificados a partir de três categorias distintaspróprias das estruturas multiplicativas:isomorfismo de medidas, produto de medi-das e proporção múltipla.• Isomorfismo de medidas caracteriza-se

por envolver uma relação quaternária,isto é, uma proporção simples entre doisespaços de medida. Os esquemas utiliza-dos para resolver estes problemas envol-vem diferentes níveis de dificuldades: mul-tiplicação, regra de três ou divisão. Entre-tanto, todos podem ser representadospor esquemas análogos, em que umaquantidade é procurada. Por exemplo:“Tenho 3 pacotes de iogurtes. Existem 4iogurtes em cada pacote. Quantos iogur-tes tenho?” (VERGNAUD, 1991, p.197)

• Produto de medidas: que envolve uma

relação ternária entre três quantidades,isto é, a composição de dois espaços demedidas em relação a uma terceira me-dida, tanto no plano numérico como noplano dimensional. Vergnaud (1991) co-menta que esta estrutura cartesiana deduas medidas para encontrar uma ter-ceira medida pode ser observada emproblemas que envolvem volume, áreae combinatória. Por exemplo: “Trocandosomente de blusão e cachecol, Ana podeter 15 trajes diferentes. Ela tem 3 blusões.Quantos cachecóis ela tem?”(VERGNAUD, 1991, p. 214)

Note-se que, neste problema, o nú-mero de trajes deve ser dividido pelo núme-ro de blusões para se achar o número decachecóis. Portanto, três elementos diferen-tes estão relacionados entre si, uma vez quecada traje a ser usado requer um blusão eum cachecol diferente, ou seja, para cadablusão usado existe a possibilidade de usarcinco cachecóis diferentes para formar ostrajes.• Proporção múltipla: envolve a relação

entre três medidas, em que uma terceiramedida é proporcionalmente indepen-dente das outras medidas de espaço. Porexemplo: “A produção de leite de umafazenda é (sob certas condições) propor-cional ao número de vacas e o númerode dias do período considerado”(VERGNAUD, 1983, p. 138).

Segundo Nunes e Bryant (1997), ouso do princípio multiplicativo é bastantecomplexo, porque envolve domínio de vá-rias relações que ultrapassam a simplesidentificação da multiplicação como adiçãode parcelas iguais. De acordo com os

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Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 26, p. 97-112, jul./dez. 2008. 101

autores, a criança deve aprender a enten-der um conjunto inteiramente novo de sen-tidos de número e um novo conjunto deinvariáveis, as quais estão relacionadas àmultiplicação e à divisão. Diferentemente daadição e da subtração, as situações de ra-ciocínio multiplicativo não envolvem açõesde unir e separar e destacam, por exemplo,a correspondência um para muitos comosituação multiplicativa. Este tipo de corres-pondência torna-se básico para um novoconceito: o de proporção que se refere asituações em que se deve manter constan-te a diferença entre dois conjuntos.

Os autores (Ibid., p. 143-144) assina-lam que o esquema de correspondência umpara muitos é o fator invariável da situação,diferenciando-se substancialmente do tipode invariável presente no raciocínio aditivo.Eles acrescentam:

[...] ações efetuadas para manter uma pro-porção invariável não são unir/separar,mas replicação [...] e seu inverso. Replica-ção não é como unir, em que qualquerquantidade pode ser acrescentada a umconjunto. Replicação envolve somar a cadaconjunto a unidade correspondente parao conjunto, de modo que a correspondên-cia invariável um para muitos seja man-tida. Por exemplo, na relação ‘um carrotem quatro rodas’, a unidade a ser consi-derada no conjunto de carros é uma, en-quanto a unidade no conjunto de rodas éuma unidade composta de quatro rodas.O inverso de replicar é remover unidadescorrespondentes de cada conjunto. Se re-movemos um carro devemos removerquatro rodas, a fim de manter a propor-ção 1: 4 entre carros e rodas.

Em síntese, as situações de corres-pondência um para muitos envolvem odesenvolvimento de dois novos sentidos denúmero: o da proporção e o do fator esca-lar que se refere ao número de replicaçõesaplicadas a ambos os conjuntos, manten-do a proporção constante. Cabe destacarque nenhum desses sentidos se relacionaao tamanho do conjunto, ou seja, a propor-ção e o fator escalar permanecem constan-tes mesmo quando o tamanho varia(NUNES e BRYANT, 1997). Portanto, o racio-cínio multiplicativo é bastante complexo erequer processos cognitivos abstratos, osquais o professor precisa conhecer a fim detrabalhar diferentes tipos de situações quepossibilitariam melhores condições aos alu-nos para a construção de conceitos mate-máticos relativos às estruturas multiplica-tivas.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em duas eta-pas. Na primeira etapa1, 40 alunos dos 6o

e 9o anos de duas escolas públicas de Cam-po Grande/MS participaram da aplicaçãoindividual de uma prova que continha oitoproblemas de estrutura multiplicativa rela-tivos à combinatória (Quadro 1), elabora-dos com base na Teoria dos CamposConceituais proposta por Vergnaud (1991).Os alunos compuseram quatro grupos: Es-cola A (6o ano) – 10 alunos; Escola A (9o

ano) – 10 alunos; Escola B (6o ano) – 10alunos; Escola B (9o ano) – 10 alunos.

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Na segunda, foram analisados osmateriais didáticos de Matemática utiliza-dos nas duas escolas envolvidas na pri-meira etapa, com o objetivo de identificarquais tipos de problemas de estruturamultiplicativa estariam presentes nos res-pectivos materiais. A análise dos materiaisdidáticos foi realizada a partir de diferentesfontes de dados. Na escola A, foram anali-sados os cadernos dos alunos, tendo emvista que o professor não usava o livro di-dático, embora tivesse sido adotado pelaescola. Na escola B, foi feito um levanta-mento dos tipos de problemas multi-plicativos presentes no livro didático “Prati-

cando Matemática”2 dos 6o e 9o anos. Porúltimo, foram analisados os cadernos dosalunos da mesma escola para verificarqueis problemas tinham sido trabalhadosem sala de aula. Os cadernos selecionadoseram de alunos avaliados pelos professo-res como “bons alunos”, ou seja, que tiravamboas notas e eram assíduos às aulas.

Análise e Discussão dos Resultados

Os dados apresentados a seguir sãorelativos às duas etapas. Em primeiro lugar,descreveremos o levantamento dos proble-mas trabalhados nos livros e cadernos dasduas escolas.

Problema 1: Vi em uma revista que uma artista de televisão tem 86 pares de sapatos e 54 tipos de meias. Quantas vezes ela pode sair sem repetir a combinação de sapatos e meias?

Problema 2: Tatiana vai a uma festa a fantasia usando peruca e óculos. Em uma loja ela encontrou 42 tipos de perucas e 26 tipos de óculos. De quantas maneiras ela pode se arrumar usando um óculos e uma peruca de cada vez?

Problema 3: Uma loja vende bolsas de dois tamanhos (pequenas e grandes) em quatro cores diferentes (preta, marrom, azul e branca). Maria quer comprar uma bolsa nesta loja. Quantos tipos diferentes de bolsa ela pode escolher?

Problema 4: Vou dar uma festa e servirei sanduíches. Para fazer os sanduíches comprei dois tipos de queijos e quatro tipos de pães. Quantos sanduíches diferentes posso servir com um tipo de pão e um tipo de queijo?

Problema 5: Uma sapataria tem 45 pares diferentes de sapatos, 36 tipos de bolsa e 24 tipos de cinto. Cristiane quer comprar um sapato, uma bolsa e um cinto. Quantos conjuntos diferentes de bolsa, sapato e cinto ela pode escolher nesta loja?

Problema 6: Valéria tem 32 colares, 92 pulseiras e 65 anéis. De quantas maneiras diferentes ela pode se arrumar, usando apenas um colar, uma pulseira e um anel de cada vez?

Problema 7: Em uma sorveteria por quilo existem 6 sabores de sorvete, 3 coberturas e dois tipos de casquinhas. De quantas maneiras diferentes você pode se servir, sabendo que todos os sorvetes são acompanhados de casquinha e cobertura?

Problema 8: Na festa de aniversário de Lúcio, cada criança vai receber um saquinho de lembrança. Para fazer os saquinhos, a mãe de Lúcio comprou dois sabores de pirulito, 3 sabores de chiclete e 2 sabores de bombons. Quantos tipos diferentes de saquinhos ela pode fazer com um sabor de pirulito, um sabor de chiclete e um sabor de bombom?

Quadro 1: Problemas de estrutura multiplicativa relativos à combinatória.

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Ao analisarmos os cadernos dos alu-nos da escola A, foi possível perceber que,tanto no 6o quanto no 9o ano, o professorapresentava uma introdução formal dosconceitos matemáticos. Iniciava com umaexplicação ou situação resolvida seguidade exercícios-padrão para o aluno. Verifica-mos que foi trabalhado um número muito

reduzido de problemas multiplicativos comopode ser observado na tabela 1, a seguir.Além disso deu-se ênfase à memorizaçãoe à repetição nos exercícios propostos.

A tabela 1 apresenta os tipos de pro-blemas multiplicativos presentes nos cader-nos dos alunos da escola A.

Tabela 1: Tipos de problemas multiplicativos presentes nos cadernos dos alunos daescola A.

Problemas trabalhados Problemas do livro 6º ano

Problemas do caderno

6º ano

Problemas do livro 9º ano

Problemas do caderno

9º ano

Categorias de Vergnaud Subcategorias

• Multiplicação Simples - 2 - 1

• Divisão (partição) - 1 - -

• Divisão (quotas) - - - - Isomorfismo de

Medidas

• Proporção - - - 8

subtotal 3 9

• Combinatória - 1 - -

• Área - - - 69 Produto de Medidas

• Volume - - - 1 subtotal 1 - 70 Total 4 79

Como podemos observar, na tabela1 foram propostos 79 problemas aos alu-nos do 9o ano . Desse total, 70 referiam-seao produto de medidas, sendo que 69 pro-blemas envolviam área e apenas um delesvolume. Em relação aos 9 problemas res-tantes, 8 estavam relacionados ao isomor-fismo de medidas, sendo 8 de proporção e1 de multiplicação simples. Identificamostambém que os alunos não resolveramnenhum problema relacionado à combina-tória. No entanto, houve um número eleva-do deles, envolvendo área, (muitos dosquais trabalhando equação do segundo

grau) e um número relativamente baixodaqueles relacionados aos outros tipos deproblemas multiplicativos.

As demais atividades presentes noscadernos foram classificadas como exercí-cios, pois envolviam apenas aplicações depropriedades e algoritmos, como por exem-plo, calcular o valor de expressões numéri-cas, aplicar as propriedades das potênciase dos radicais, operar com radicais (adição,subtração, multiplicação e divisão).

Em relação ao 6o ano, identificamosque foram trabalhados apenas quatroproblemas, dos quais três envolviam

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isomorfismo de medidas, já que se referiamà multiplicação e divisão e apenas 1 envol-via produto de medidas (combinatória). Per-cebemos que a ênfase foi dada aos exercí-cios que exigiam a aplicação de algoritmose propriedades, como por exemplo, calcularo valor de expressões numéricas, aplicar aspropriedades das potências, calcular a raizquadrada de um número, encontrar osdivisores de um número, achar o mínimomúltiplo comum (MMC), operar com fraçõese decimais (adição, subtração, multiplicaçãoe divisão).

Comparando-se as duas turmas, po-demos afirmar que, no 9 o ano, foi trabalha-do um número maior de problemas queno 6o ano, embora tenha sido apresentadoaos alunos uma número maior de proble-mas envolvendo área (Produto de Medidas).

Diante dos resultados encontrados,podemos dizer que o número de problemasapresentados nas duas séries foi muitobaixo, considerando a quantidade de aulasprevistas no calendário letivo.

Na escola B, o levantamento foi fei-to nos livros didáticos e nos cadernos dosalunos. A tabela 1 apresenta os tipos deproblemas multiplicativos presentes nos ca-dernos dos alunos da escola A. Em geral,as atividades propostas nos livros estão re-lacionadas a situações que envolvem de-safios, tratamento da informação – gráficos,tabelas e situações do cotidiano. Observa-mos que os conteúdos são introduzidos poruma situação motivadora, por meio de tex-tos, de exemplos ou, mais raramente, de si-tuações-problema para o aluno resolver. Emseguida comparecem atividades de siste-matização, de aplicação e de aprofunda-

mento. Há vários exemplos em que sãocomparadas diferentes estratégias de reso-lução de problemas (BRASIL, 1998), embo-ra o estímulo a essa prática seja pouco fre-qüente nas atividades. Entre estas, desta-cam-se as que favorecem o desenvolvimen-to das competências complexas, tais comoobservar, explorar, estabelecer relações egeneralizar. Outro ponto positivo são asatividades que envolvem cálculo mental,bem como o uso da calculadora, de mate-riais concretos variados e desenhos.

Quanto à distribuição dos problemasmultiplicativos, verificamos que o livro didá-tico do 6o ano apresenta uma introduçãoformal aos conceitos de multiplicação e di-visão, com uma unidade específica paraabordá-los, na qual se concentra a maiorparte dos problemas multiplicativos dessematerial. Cabe destacar que a unidade re-ferida apresenta, por um lado, uma intro-dução aos conceitos, iniciando com umaexplicação ou situação resolvida seguidade exercícios de algoritmos ou problemas-padrão para o aluno resolver. Por outro lado,existe uma separação entre multiplicaçãoe divisão, aparecendo primeiro os proble-mas de multiplicação e, em seguida, os dedivisão. Ao final da unidade, são propos-tos exercícios de revisão, envolvendo asduas operações e alguns desafios.

No livro didático do 9o ano não háum tópico específico para os problemasmultiplicativos, pois estão presentes em to-das as unidades. Quanto aos tipos de pro-blemas multiplicativos, observamos que osmais explorados foram os relacionados àárea.

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Em relação à análise dos livros didá-ticos utilizados nas duas séries, verificamosque houve um número bastante expressivode problemas que envolviam o campoconceitual multiplicativo. No 9o ano, identi-ficamos 256 problemas e no sexto ano 151,como mostra a tabela 2.

Dos 256 problemas encontrados no9o ano, 201 estavam relacionados ao tipoproduto de medidas,que envolviam área,volume e combinatória e 55 eram do tipoisomorfismo de medidas, ou seja, estavamrelacionados à multiplicação simples e àproporção. Cabe ressaltar que não foi iden-tificado nenhum problema de divisão (quo-tas e partição). Sendo assim, no 9 o ano hou-ve um alto índice de problemas relaciona-

dos à área (129) e uma quantidade razoá-vel de outros envolvendo combinatória (52)e multiplicação simples (36). Entretanto,apresenta-se um número menor de situa-ções-problema relacionadas a volume (20)e à proporção (19).

No 6o ano, verificamos 151 proble-mas multiplicativos. Desses, 80 se relaciona-vam ao isomorfismo de medidas e 71 aproduto de medidas. Como se pode ler natabela 2, a maior quantidade de problemasenvolvia multiplicação (41). Já os problemasrelacionados à área (26), volume (23), com-binatória (22) e proporção (21) compare-ceram de forma equilibrada. Quanto aos18 problemas de divisão, 11 referiam-se àdivisão por quotas e 7 à divisão partitiva.

A tabela 2 mostra os tipos de problemas multiplicativos encontrados nos livros enos cadernos dos alunos da escola B.

Tabela 2 : Referente aos problemas multiplicativos presentes nos livros e nos cadernosdos alunos da escola B.

Problemas trabalhados Problemas

do livro 6º ano

Problemas do caderno

6º ano

Problemas do livro 9º ano

Problemas do caderno

9º ano

Categorias de Vergnaud Subcategorias

• Multiplicação simples 41 8 36 2

• Divisão (partição) 7 2 - -

• Divisão (quotas) 11 2 - -

Isomorfismo de Medidas

• Proporção 21 1 19 -

subtotal 80 13 55 2

• Combinatória 22 4 52 3

• Área 23 - 129 5 Produto de Medidas

• Volume 26 - 20 -

subtotal 71 4 201 8

Total 151 17 256 10

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Os dados examinados a seguir sãoreferentes aos cadernos dos alunos dos 6o

e 9o anos da escola B.A análise nos permitiu identificar que,

no 9o ano, os alunos resolveram apenas10 problemas, sendo cinco de área, três decombinatória e dois de multiplicação sim-ples. Em relação ao 6o ano, foram propos-tos aos alunos 17 problemas, sendo oitode multiplicação, quatro de combinatória,quatro de divisão (2 de quotas e 2 de parti-ção) e apenas um de proporção. Conside-rando que foram analisados os cadernosde alunos que tiravam boas notas e nãofaltavam às aulas, é possível afirmar que,apesar da grande quantidade de proble-mas multiplicativos presentes nos livros di-dáticos, os problemas foram pouco traba-lhados em sala de aula.

A análise dos cadernos dos alunos do9o ano ainda nos possibilitou observar que,ao introduzir um conteúdo matemático, o pro-fessor sempre iniciava apresentando aos alu-nos os exercícios que apareciam resolvidosno livro didático. Não foi possível identificaroutros exemplos ou formas diferentes de reso-lução. Pode-se inferir que essa prática de ensi-no não prepara os alunos para enfrentarematé mesmo as situações matemáticas maissimples surgidas em diferentes contextos.

A segunda etapa da análise refere-se ao desempenho dos alunos na resolu-ção de problemas envolvendo combina-tória, tendo em vista a comparação comos problemas trabalhados nas escolas.

A tabela 3 mostra a freqüência deacertos dos alunos na resolução dos pro-blemas de combinatória.

Tabela 3 : Freqüência de Acertos nos Problemas de Combinatória

Acertos

Escola A Escola B

6º ano 9º ano Total 6º ano 9º ano Total Problemas

F % F % F % F % F % F %

Problema 1 1 10 1 10 2 20 - - 1 10 1 10

Problema 2 1 10 1 10 2 20 - - 1 10 1 10

Problema 3 3 30 6 60 9 90 2 20 7 70 9 90

Problema 4 4 40 3 30 7 70 3 30 2 20 5 50

Problema 5 - - 1 10 1 10 - - - - - -

Problema 6 - - - - - - - - - - - -

Problema 7 2 20 2 20 4 40 1 10 3 30 4 40

Problema 8 3 30 1 10 4 40 - - 3 30 3 30

A tabela 3 esclarece que, de modogeral, na escola A não ocorreu grande dife-rença entre os alunos das duas séries, por-

que no 9 o ano, em conjunto, os alunos acer-taram 15 problemas e, no 6o ano, o índicefoi de 14. No entanto, se compararmos o

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desempenho dos alunos em cada proble-ma, podemos notar que o melhor desem-penho do 9o ano ocorreu no problema 3,enquanto no 6o ano foi no problema 4.

Na escola B, os alunos do 9o anoacertaram 17 problemas, sendo o melhordesempenho no problema 3, como acon-teceu no 9 o ano da escola A. Por outro lado,os alunos do 6 o ano tiveram apenas 6 acer-tos nos 8 problemas.

Quanto ao número de acertos entreas duas escolas, os resultados apontaramque a escola A alcançou um pequeno au-mento (29), comparado à escola B (23). Em

ambas, os alunos obtiveram melhor desem-penho nos problemas 3 e 4, isto é, aquelesem que se apresentavam valores baixos eduas variáveis. Nos problemas 5 e 6, os ín-dices de acerto foram mais baixos, provavel-mente pelo fato de que esses continhamvalores altos e trabalhavam com três variá-veis. Verificamos que, no problema 5, apenas1 aluno (escola A) acertou , enquanto noproblema 6 nenhum aluno obteve êxito.

A tabela 4 mostra a freqüência dosproblemas de combinatória trabalhadosnas escolas A e B e o desempenho dos alu-nos na prova.

Tabela 4 : Freqüência dos problemas de combinatória trabalhados nas escolas A e B e odesempenho dos alunos na prova

Escola A Escola B

Séries Livro Caderno Acertos Livro Caderno Acertos

6º ano - 1 14 22 4 6

9º ano - - 15 52 3 17

Total - 1 29 74 7 23

Em relação à escola A, que não ado-tou livro didático, verificamos que, duranteo ano letivo, foi proposto aos alunos do 6o

ano apenas um problema de combinatória,como mostra a tabela 4. No 9 o ano nenhumdesse tipo foi apresentado aos alunos. Ape-sar de o professor destas turmas afirmarque não utilizava o livro adotado pela es-cola, porque gostava de diversificar as ati-vidades, notamos que, na prática, isso nãoocorreu, porque no caderno do 6o ano en-contramos apenas 4 problemas, sendo 3de isomorfismo de medidas (2 de multipli-

cação simples e 1 de divisão por partição)e 1 de produto de medidas (combinatória).

No 9o ano, o professor priorizou osproblemas de produto de medidas, já quedos 79 presentes nos cadernos dos alunos,69 deles estavam relacionados a área e 1envolvia volume.Os outros nove restanteseram do tipo isomorfismo de medidas,sendo 8 de proporção e 1 de multiplicaçãosimples.

Quanto ao desempenho das turmas,o 9o ano obteve um acerto a mais que o 6 o

ano. Portanto, os anos de escolaridade

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parecem não ter influenciado no desempe-nho dos alunos em relação aos problemasde combinatória. Embora a pesquisa nãotenha verificado os problemas trabalhadosnos 7o e 8o anos, podemos concluir que, dequalquer maneira, os problemas de combi-natória não foram trabalhados ou, se fo-ram, não contribuíram para melhorar o de-sempenho dos alunos nesse tipo de tarefa.

Em relação à escola B, que adotou olivro didático, identificamos 22 problemas decombinatória no livro do 6o ano e 52 no li-vro do 9 o ano. Contudo, foram propostos aosalunos apenas 7 desse tipo. No 6o ano, osalunos resolveram 4 e, no 9o três problemas.

Em relação ao número de acertos, osalunos do 9 o ano obtiveram 17 acertos, en-quanto os alunos do 6 o ano apenas 6. Dife-rentemente da escola A, os alunos com maisescolaridade apresentaram melhor desem-penho.

Ao compararmos o desempenho dosalunos em ambas as escolas, a diferença donúmero de acertos entre as duas escolas foipequena, visto que, na escola A, os alunostiveram 29 acertos em todos os problemas,enquanto na escola B o índice foi de 23 acer-tos. Diante desse resultado, não podemosdizer que o desempenho dos alunos se de-veu a um trabalho realizado pela escola.

Em síntese, o fato de os professoresde ambas as escolas oferecerem pequenavariedade de situações relativas ao campoconceitual das estruturas multiplicativas im-possibilitou aos alunos ampliar e dominaros conceitos que fazem parte desse campoconceitual para aumentar assim o seu re-pertório, o que permitiria obter melhor de-sempenho na resolução dos problemas decombinatória.

Considerações Finais

Diante dos resultados obtidos, pode-mos afirmar, como mostra o trabalho deKouba (1989), que os problemas envolven-do produto de medidas oferecem dificulda-des mais profundas para os alunos do queaqueles relativos ao isomorfismo de medi-das. A análise dos dados permite levantaralguns fatores que podem ter influenciadoo desempenho dos alunos na resolução deproblemas envolvendo combinatória: a) va-lores baixos e altos para as variáveis; b) nú-mero de variáveis (duas ou três) presentesno enunciado do problema; c) a quantidadede problemas propostos aos alunos envol-vendo combinatória; d) a complexidadeque envolve o raciocínio multiplicativo.

Em relação aos valores (baixos e al-tos) e às variáveis (duas ou três) verificamosque esses aspectos influenciaram o desem-penho dos alunos, conforme também foisalientado por Brito e Correa (2003),consi-derando que, nas duas escolas, os alunosobtiveram mais acertos nos problemas 3 e4, que continham valores baixos e duas va-riáveis. Por outro lado, o menor desempe-nho foi encontrado nos problemas 5 e 6 , queapresentavam valores altos e três variáveis.

Quanto aos problemas apresentadosaos alunos na sala de aula, verificamos queos de combinatória praticamente não foramtrabalhados, levando-se em conta a quan-tidade de aulas de Matemática num anoletivo: na escola A, os alunos do 6o ano re-solveram 1 problema e os alunos do 9 o anonenhum; na escola B resolveram 7 , sendoque 4 foram apresentados aos alunos do6o ano e os demais aos alunos do 9o ano.

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Moro e Soares (2006) afirmam queos problemas de combinatória são poucofreqüentes na Matemática da escola básicabrasileira. Segundo as autoras, identificar edescrever as estratégias de solução dessesproblemas pelos alunos representa um ca-minho para estimular sua presença naspropostas dos professores. No terreno daaprendizagem escolar da Matemática éinteressante conhecer a progressão do ra-ciocínio por combinatória do aluno da es-cola elementar que, provavelmente, venhaa ser revelada e/ou estimulada pela solu-ção de tal gênero de problemas.

Nesta pesquisa foi possível verificarque, embora as escolas (A e B) tenham uti-lizado materiais didáticos diferentes, ambaspriorizaram a transmissão de informações,considerando que houve grande quantida-de de exercícios de aplicação de proprieda-des e treino de algoritmos. Em outras pala-vras, os problemas propostos aos alunostinham como características: possibilidadede ser resolvidos pela aplicação direta deum ou mais algoritmos; a tarefa básica nasua resolução era identificar que operaçõesou equações seriam apropriadas para asua solução; os problemas eram apresen-tados por meio de frases ou parágrafos cur-tos e vinham sempre após o desenvolvi-mento de determinado conteúdo; todos osdados necessários para sua solução apa-reciam explicitamente no texto do proble-ma; a solução sempre existia e era única.

É importante ressaltar que os exercí-cios mais técnicos, do tipo: “calcule”, “resol-va” etc., possuem sua importância, visto quecumprem a função do aprendizado de téc-nicas e propriedades, mas de forma alguma

são suficientes para que o aluno desenvol-va o pensar em Matemática, tampouco osprepara para que possam continuar apren-dendo ou ainda para que tenham ferramen-tas efetivas para intervenção no mundo àsua volta (DINIZ, 2000).

É um grande erro pedagógico, deacordo com Vergnaud (1991), considerarque o ensino consiste necessariamente deuma parte de exercícios repetitivos para aaquisição, por simples condicionamento, deprocedimentos preestabelecidos. Segundoo autor, a criança somente constrói um con-ceito se o compreende, se é capaz deexplicá-lo e se consegue dar conta das re-lações que o conceito mantém com os ou-tros conceitos do campo conceitual, relativosàs situações às quais se aplicam.

Os resultados apontados nesta pes-quisa mostram que não houve um traba-lho efetivo,nem em quantidade,nem emqualidade, com os problemas de combina-tória nas classes dos alunos pesquisados.O fato de haver maiores acertos apenas nosproblemas cujas variáveis apresentaramvalores baixos, leva-nos a concluir que odesempenho dos alunos na prova se de-veu provavelmente aos seus conhecimen-tos básicos anteriores, através dos quaistentaram resolver os problemas propostosde forma intuitiva e usando cálculo men-tal, conforme já havia apontado a pesqui-sa de Taxa (2001). Esse fato evidencia queo trabalho realizado pelos professores emsala de aula, mediado direta ou indireta-mente pelo uso do livro didático, teve pa-pel pouco significativo.

Os dados aqui relatados nos fazemolhar o outro lado da moeda no que se

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refere ao uso do livro didático. A pesquisamostra que o professor não segue o livrodidático de forma pontual, como inicialmen-te acreditamos. Se, por um lado, o livro didá-tico, tal como tem sido enfatizado por váriosautores, é usado a serviço de interesses eco-nômicos e do próprio estado em detrimen-to da autonomia do professor, por outro,também é verdade que o professor podefazer uso desse material de forma precáriae indevida, a depender dos critérios que olevam a escolher e empregar esse material.

Na realidade, o professor atua comomediador no uso do livro didático e seriafundamental que essa mediação fosse qua-lificada, como pontua Lajolo (1996, p. 6).

O melhor dos livros didáticos não podecompetir com o professor: ele, mais doque qualquer livro, sabe quais os aspec-tos do conhecimento falam mais de pertoa seus alunos, que modalidades de exer-cício e que tipos de atividades respondemmais fundo em sua classe.

No caso da nossa pesquisa, salien-ta-se que a ação do professor da Escola B,ocorreu para simplificar e, portanto, empo-brecer o contato dos alunos com a diversi-dade de significados da multiplicação. NaEscola A, isso não foi diferente se conside-rarmos que o professor selecionou as ativi-dades que trabalhou com os alunos de umamaneira restrita.

De fato, o que observamos foi umamediação empobrecedora, muito provavel-mente influenciada por uma formação pre-cária relativa ao domínio do próprio con-teúdo – no caso, o campo conceitual dasestruturas multiplicativas – e a sua formade ensiná-lo a crianças em níveis distintos,

com base em diferentes situações. Nessesentido, Nacarato (2004, p. 17) comentan-do acerca do uso do livro didático, ponde-ra que

A prática de ensino de Matemática sem-pre foi marcada pelo mecanicismo e pelarepetição. Até recentemente tínhamoscomo crença de que o que orientava oprofessor para a sua prática de sala deaula, era o livro didático. Atualmente, te-mos dúvida quanto a isso.

De fato, embora tenham ocorridomodificações significativas nos livros didá-ticos, após as avaliações do Programa Na-cional do Livro Didático – PNLD – implan-tado pelo MEC desde 1996, tais mudan-ças parecem não ter influenciado/alteradoa prática dos professores, fato que pode serverificado por meio dos resultados da pes-quisa aqui revelados. Tal argumento encon-tra respaldo no fato de que , os livros maisbem avaliados não são necessariamenteaqueles adotados pelos professores narede pública, conforme mostra o trabalhorealizado por Scaff e Senna (2000).

Os resultados obtidos e as discussõesrealizadas nesta pesquisa levam-nos aequacionar o problema do uso do livro di-dático em termos da formação docente.Superar a questão que situa o professorcomo instrumento do livro didático, ou ado professor que usa mal o livro didático,só é possível por uma formação profissionalqualificada do mesmo.

Os dados levantados neste trabalhomostram como é fundamental a formaçãodo professor e o seu preparo para a utiliza-ção do material pedagógico. (FURTADO,1987). Ou seja, em que pese alguns pro-

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blemas que o livro didático ainda possa ter,esse material ainda funciona como umimportante auxiliar . Qualquer tentativa demelhoria na sua qualidade ou, de modogeral, na qualidade do ensino, passa neces-sariamente pela universidade, via formaçãodos professores (SCAFF e SENNA, 2000) epelo desenvolvimento de pesquisas nessaárea.

Notas1 Os dados da primeira etapa, relativos ao desempe-nho dos alunos nos problemas de combinatória foramlevantados pelos mesmos autores. Esta pesquisa fazparte do projeto “Problemas multiplicativos envolven-do combinatória: estratégias de resolução emprega-das por alunos do Ensino Fundamental”, financiadapela Fundect/MS. O dados aqui trabalhados constamdo Relatório Final da Pesquisa de junho de 2008.2 ANDRINI, A. e VASONCELLOS, M. J. PraticandoMatemática. Editora do Brasil, São Paulo: 2002.

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Recebido em 15 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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Modelagem matemática de fenômeno ambiental eas práticas escolares de professores das sériesiniciais do litoral do Paraná*

Mathematical modelling of environmentalphenomenon and the elementary school teacherspractices in Paraná seashore area

Ademir Donizeti Caldeira**Maria Tereza Carneiro Soares***

**Dr. em Educação pela UNICAMP. Prof. do Centro de Ciên-cias da Educação/UFSC.e-mail: [email protected]

*** Dra. em Educação pela USP. Profa. da UniversidadeFederal do Paraná.e-mail: [email protected]

ResumoResumo: Desenvolvida no litoral do Paraná com professoras das séries iniciais do Ensino Fundamentalde escolas públicas, esta pesquisa relata o estudo de uma forma de assessoramento desenvolvida na Ilhadas Peças, iniciada a partir da necessidade de compreensão de fenômeno ambiental e interpretada à luzde modelos aritméticos e geométricos. Ela foi realizada em duas etapas: Diagnóstico Ambiental Participativo(DAP) e interpretação quantitativa de problema escolhido no diagnóstico, com pressuposto teórico-metodológico da Modelagem Matemática. Os resultados indicam a possibilidade de compreensão conceituale do desenvolvimento de práticas escolares inovadoras no processo de modelar matematicamente situa-ções específicas, identificadas no entorno social da escola.

Palavras-chaveModelagem matemática. Meio ambiente. Práticas escolares.

AbstractThis research carried out by elementary school teachers in public schools of Paraná seashore area shows thestudy of a mathematical modeling project developed in order to understand environmental phenomena. Theresearch was done in two phases: a participative environmental diagnosis (DAP) and a quantitative interpretationof a chosen problem, using as theoretical-methodological assumptions the mathematical modeling. Theresults indicated that it is possible to developed a conceptual comprehension and an innovate teacher schoolpractice in the process of modeling specific situations, identified in the school surroundings.

Key wordsMathematical modeling. Environment. School practices.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 113-123, jul./dez. 2008.

* Pesquisa financiada pelo Programa PRODOC da CAPES

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Com o objetivo de desenvolver comprofessoras das séries iniciais do EnsinoFundamental de localidades rurais e urba-nas do município de Guaraqueçaba e deuma ilha de pescadores, denominada Ilhadas Peças, ambas no litoral do Estado doParaná, estudos de problemas comunitáriosque envolvessem questões ambientais esua relação com conteúdos de matemáticapor elas ensinados nas escolas, a pesquisafoi realizada em duas etapas: a primeirapara compor um Diagnóstico AmbientalParticipativo (DAP); a segunda, para elabo-ração de “modelos matemáticos” (e poste-riores discussões quantitativas/qualitativasde algum problema identificado no diag-nóstico e escolhido pelas professoras decada localidade.

Com pressuposto teórico-metodo-lógico da Modelagem Matemática na pers-pectiva da Educação Matemática de pro-fessores, a discussão da possibilidade demodelagem matemática das situaçõesidentificadas naquela realidade social foidesenvolvida a partir das manifestaçõesdas professoras envolvidas. Foram forma-dos quatro grupos de trabalho: o primeirocom 7 professoras da zona urbana deGuaraqueçaba; o segundo e o terceiro for-mados respectivamente, com professorasdas localidades da zona rural do mesmomunicípio: 4 professoras de Tagaçaba e 3professoras de Serra Negra; e o quarto gru-po foi formado por 5 professoras de Ilhadas Peças.

A primeira etapa da pesquisa: oDiagnóstico AmbientalParticipativo (DAP)

Para a elaboração do DAP foram fei-tos seis módulos de um dia em cada loca-lidade, com intervalos mínimos de 15 dias.O público-alvo do diagnóstico foi formadopelas professoras e de acordo com suaspercepções de problemas ambientais locais.Com o objetivo de trabalhar a participaçãodas professoras nas questões ligadas aomeio ambiente das suas localidades, osmódulos compreenderam, segundoIBAMA/SMA/UNICAMP (1998), procedi-mentos de informação e de reflexão. Destaforma os módulos foram desenvolvidoscom os seguintes tipos de atividades:a) Exposições conceituais: com a finalidade

de trabalhar os conceitos mínimos dasdiferentes áreas do conhecimento liga-das às questões ambientais, tais comociências sociais, biodiversidade, desenvol-vimento sustentável, entre outras. Estaatividade foi desenvolvida pelo pesqui-sador;

b) Dinâmicas de grupo: com o objetivo de in-tegrar a base teórica e as informações cole-tadas às realidades locais, a fim de seremsocializadas, aprofundadas e refletidas,criando um processo de construção de umavisão local. Nesse processo , as professorasreconheceram a necessidade de sustenta-ção e compreensão de sua própria reali-dade nos seus próprios depoimentos;

c) Pesquisa Empírica: permitiu a vivência decada uma das etapas da realização dodiagnóstico participativo, exercitandocoleta de informações relevantes para a

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caracterização dos problemas locais e,eventualmente, regionais.

O trabalho, nas quatro localidades,iniciou-se com a realização do levantamen-to dos problemas ambientais pelas própriasprofessoras nas suas localidades, em umprocesso de desvendamento constituídopela identificação dos atores envolvidos (nocaso as próprias professoras e possíveisinformantes sobre os problemas ambientaislocais), por uma reflexão sobre as caracte-rísticas de um diagnóstico ambientalparticipativo e sobre os procedimentos mí-nimos necessários para a sua execução.

Alguns procedimentos metodológicosforam utilizados com a finalidade de refletir,organizar, ordenar e sistematizar a constru-ção de um instrumental básico que orien-tasse a realização da pesquisa empírica naslocalidades. Primeiramente, foi importanteidentificar quais as dificuldades das profes-soras em relação à elaboração do DAP. Asseguintes perguntas foram sugeridas a elas:Como fazer um diagnóstico ambientalparticipativo? O que contém o diagnóstico?Que passos dar para fazer este diagnóstico?

Através das dinâmicas e discussõesrealizadas em grupo, as professoras come-çaram a refletir sobre o que é um diagnos-tico e estabelecer os passos. Foram sugeri-dos alguns deles:

1o passo: identificar um problema oualguns problemas ambientais na sua loca-lidade. As principais perguntas foram:a) O que pode ser considerado um problema?b) Como proceder em busca do consenso

sobre a definição ou não do problema?2o passo: consulta à população da

localidade de origem sobre os principais

problemas, por que são considerados pro-blemas e o que é possível fazer para solu-cioná-los. As principais questões foram:a) A quem consultar?b) Quais os melhores procedimentos de con-

sulta metodológica?3o passo: relacionar as informações

disponíveis sobre os diversos aspectos e pon-tos de vista acerca dos problemas levantados;

4o passo: perante o conjunto de infor-mações obtidas, listar as lacunas que aindarestavam para o completo desvendamentodo problema.

O instrumento metodológico de con-sulta adotado pelas professoras para o le-vantamento de dados foi conversas infor-mais, ou seja, sem gravador, mas devida-mente organizadas e baseadas em roteiroprévio. Foi importante, nesta etapa, portanto,definir com antecedência as perguntas bá-sicas que deveriam ser respondidas. Nestecaso foram: O que é problema? Por que éproblema? Quais as propostas de solução?

A amostra estabelecida foi de res-ponsabilidade das professoras e o númerode pessoas da amostra dependeu das suasdisponibilidades de tempo para realizar otrabalho.

Na fase seguinte da primeira etapa,de aprofundamento e análise, foi propostaa construção de uma visão regional a par-tir das informações levantadas em cadalocalidade do município de Guaraqueçabae da Ilha das Peças. Nesta etapa, foi desen-volvida uma listagem dos problemas am-bientais por localidades e apresentada acada localidade, para identificação dos pro-blemas comuns e uma visão de regiona-lidade dos problemas identificados.

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A representação regional dos proble-mas ambientais foi de fundamental impor-tância, pois muitos problemas específicosque ocorrem em determinada localidadetêm expressão regional. Essa dinâmica setornou necessária para subsidiar a discus-são de que as soluções não podem ser pen-sadas isoladamente e sim coletivamente(regionalmente). A partir do levantamentodos problemas locais e com a listagem de

todas as localidades foi possível estabeleceruma dimensão mais ampla dos problemas.

Resultados da primeira fase

Decorrente da primeira etapa da pes-quisa em que foi realizado o DAP, as pro-fessoras identificaram problemas ambien-tais nas suas respectivas localidades, confor-me tabela 1.

Tabela 1 : Levantamento dos problemas ambientais das localidades da pesquisa.

Problemas/Localidades Ilha das Peças Guaraqueçaba Serra Negra Tagaçaba Lixo X X X Imposto X Esgoto X X X X Caça X X Palmito X X Torre X X X Transporte/Estrada X X X Enchente X Queimada X X Caranguejo X X Higiene X X Lazer X X Água X X Pesca X X Educação X X Saúde X X X Animais soltos X X Poluição dos rios X X Caramujos X X X X Desmatamento X Vigilância sanitária X X Segurança X X Fiscalização urbana X

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Na tabela 2 são apresentados os pro-blemas que foram trabalhados na segundaetapa da pesquisa denominada ModelagemMatemática, desenvolvida após o términodos trabalhos de elaboração do DAP, quan-do, de posse dos dados ambientais locais,foram mobilizados e discutidos os possíveis“modelos matemáticos” (BIEMBENGUT &HEIN, 2000) que serviriam como instrumen-tos para a compreensão quantitativa/quali-tativa da situação destacada dentre as rea-lidades ambientais vivenciadas.

Tabela 2: Temas escolhidos pelas profes-soras.

modelo matemático. Esta formulação incluitanto o estabelecer a questão em si quantoapresentar sua expressão numa linguagemdo universo matemático, isto é, o problemamatemático.

2a fase: resolução. A resolução doproblema expresso matematicamente é,evidentemente, aproximada. Aqui tambémse fez necessária a visão crítica do instru-mental matemático adequado, visto que setrata de usar a ferramenta matemática vi-sando a um fim não matemático: a mate-mática como um meio de compreensão darealidade. Crítica necessária também, tantona avaliação da precisão da respostaalcançada, quanto na avaliação dos resul-tados.

3a fase: Além da avaliação do resul-tado matemático para o problema estuda-do, faz-se necessária uma avaliação críticada adequação dessa solução como respos-ta aos anseios da comunidade: seus proble-mas, sua vida, sua qualidade de vida, o seuambiente. Há características objetivas a se-rem destacadas nesse processo de avalia-ção, mas há aspectos subjetivos, também,pois os processos de avaliação não seconstituem apenas os de validação mate-mática, mas podem ser incluídos tambémos de importância para o problema comu-nitário – e possivelmente a solução desseproblema por parte da comunidade. Istopressupõe uma tomada de posição, umcompromisso, um engajamento crítico. Enos leva de volta ao início do processo,dada a contextualização da situação departida, necessariamente inserida em umambiente dinâmico e que pode, portanto,levar a prob lemas que se estudam e

PROJETOS ÁGUA LIXO HIGIENE

Ilha da Peças X Guaraqueçaba X Serra Negra X Tagaçaba X

A segunda etapa da pesquisa:Modelagem Matemática

Nesta segunda etapa os trabalhostambém foram realizados em grupos e porlocalidades. Para a realização desta etapafizemos uso de uma metodologia funda-mentada na seguinte compreensão demodelagem matemática.

Conforme Meyer & Caldeira (2001)embora haja muitas definições da dinâmicaa que se dá o nome de Modelagem Mate-mática, praticamente todas elas incluem:

1a fase: a formulação da questão, emque a postura crítica se revela no instanteem que se selecionam os aspectos essen-ciais de cada problema para incluí-los no

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abandonam, ou problemas que continuamsendo estudados.

Em suma, partimos de uma situaçãoambiental escolhida previamente pelas pro-fessoras, a partir da construção do diagnós-tico que foi modelado matematicamente e,como tal, compreendido de um novo modo.Na tentativa de resolver o problema que omodelo propõe, foram mobilizados conteú-dos matemáticos escolares, ferramentasmatemáticas, meios para um fim maior:vida com qualidade.

A experiência de cada professora noaprendizado da matemática foi determi-nante no estabelecimento dos conteúdose métodos matemáticos necessários àdeterminação das soluções dos modelos.Por outro lado, estas soluções deixaram ob-viamente de ser únicas, visto que foram de-terminadas pelo conteúdo com que se op-tou trabalhar.

Os resultados de uma localidadedenominada Ilha das Peças, são apresen-tados a seguir.

Resultados da segunda fase: otrabalho desenvolvido na Ilha dasPeças

O tema escolhido pelas professorasda Ilha das Peças para o trabalho com Mo-delagem Matemática foi por elas deno-minado “Água”. Tal escolha foi motivadapela situação vivida pelos moradores: faltade água potável que freqüentemente ocor-re na Ilha. Decorrentes das inúmeras fossassépticas instaladas na Ilha, a qualidade daágua potável estava totalmente compro-metida. Isso fazia com que os moradores

buscassem como alternativa a captação deágua potável no continente, em plenaMata Atlântica.

O procedimento de captação ocorriaatravés de um cano instalado no centro dacomunidade e conectado a uma caixad’água, próxima a uma cachoeira, distante28 Km da Ilha. O cano atravessava parteda Mata Atlântica, entrava no mangue, atra-vessava parte das águas marinhas e che-gava até a Ilha. Porém, pela falta de manu-tenção e também por vandalismo por partede pessoas que, eventualmente, cortavam ocano para beber água no interior da mata,sempre ocorria interrupção de água na Ilha.

Enquanto não se fazia a devida re-cuperação do vazamento, a Ilha ficava semágua para higiene pessoal, alimentação eoutras atividades em que se faz necessárioo uso de água de boa qualidade.

Nessa conjuntura, algumas pergun-tas foram colocadas pelas professoras e aprincipal delas foi: O que poderia ser feitopara não faltar água na Ilha?

A discussão nos conduziu a refletirsobre a possibilidade de ter um reservatóriode água na Ilha. Assim, o problema mate-mático foi responder à seguinte questão:Qual a capacidade do reservatório parasuprir as necessidades da Ilha por um dia?

Esta pergunta inicial fez com queoutras perguntas secundárias surgissem:onde se gasta e quanto se gasta de água?

Para tentar responder à primeira ques-tão, foi levantado o número de pessoas quegastam água na Ilha. Isso nos levou a dis-cutir o fluxo de pessoas na Ilha. Os nativose os turistas. Assim, inicialmente, foramenunciadas as seguintes questões:

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Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 26, p. 113-123, jul./dez. 2008. 119

1. Qual a quantidade de casas de nativose de turistas na Ilha?

2. Qual é o fluxo de pessoas na tempora-da, que vai de dezembro a março, e naépoca fora de temporada, que vai de abrila novembro?

3. Qual é o número total de pessoas queutilizam água potável na Ilha, por ano?

4. Quanto cada pessoa gasta de água por dia?5. Qual a vazão de água que chega?6. Qual a distância da “mina” até a vila?7. Quantas polegadas tem o cano?8. Qual o local do reservatório?9. Quanto tempo demoraria para encher a

caixa?Estas e outras perguntas formuladas

pelas professoras foram indicando a neces-sidade de mobilizar conhecimentos de váriasáreas e conhecimentos especificamentematemáticos, principalmente os relacionadosa grandezas e medidas, que auxiliassem amodelar as situações envolvidas em buscade respostas. Foram lembrados, então, tópi-cos da matemática escolar geralmente pre-sentes no currículo das séries iniciais neces-sários para solucionar esses problemas.

As primeiras respostas começaram asurgir, de acordo com o conhecimento queas professoras tinham sobre o local. Estasrespostas, apresentadas na tabela 3, 4 e 5,foram as seguintes:

Tabela 3 : Número de pessoas e de casas quese beneficiariam com o reservatório de água.

Tabela 4: Em quê e quanto de água segasta por pessoa diariamente.

Nativos/ sempre

Turistas/finais de semana

Nativos + Turistas na temporada

N. de pessoas 322 500 5.500

N. de casas 95 95 190

Tabela 5 : Quantidade de água que se gas-ta por dia na manutenção do lar.

Qde. por pessoa/ litro Qde. de casa Total/litros

Barco 30 27 810 Criação 10 40 400 Limpeza da casa 20 95 1.900 Jardim 10 95 950 Fazer café 06 95 570 Fazer almoço 13 95 1.235 Fazer jantar 8 95 760 Lavar roupa 90 95 8.550 Lavar louça 70 95 6.650 Total 21.825

As construções destas tabelas feitaspelas professoras foram decorrentes de in-tuição e da experiência adquirida em algu-mas atividades. Contou também, em algunscasos, com a opinião das crianças, alunase alunos da escola.

A partir dos dados, fizemos algumassimulações como, por exemplo.1. Quantidade de água por dia gasta na

manutenção pessoal dos nativos:2. Quantidade de água gasta por dia na

manutenção pessoal e das casas (dosnativos).

3. Quantidade de água gasta num final desemana (sábado e domingo).

4. Diferença da quantidade de água entredois dias da semana (sem turistas) e dofinal de semana (sábado e domingo).

Qde. por pessoa/ litro

Qde. por dia/ litro Total/litro

Escovar dentes 1 3 3 Banho 20 1 20 Descarga 30 6 180 Beber 2 1 2 Total 205

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Fizemos também simulações numdia de festa, como o dia do padroeiro daIlha quando se acumulam 5.000 pessoas.Assim, construímos várias simulações, sem-pre interpretando as simulações com a pos-sibilidade de que as previsões numéricasse tornassem reais.

A primeira idéia foi trabalhar commodelos aritméticos necessários para amelhor compreensão do fenômeno e tam-bém relacionar esses modelos aos conteú-dos de matemática das séries iniciais, dis-cutindo sua necessidade para que o fenô-meno fosse melhor compreendido. Nestemomento da pesquisa, pode ser evidencia-do o quanto os modelos aritméticos sãoutilizados para que as professoras pudes-sem perceber que a matemática escolarpode ter um significado importante na vidadas pessoas do local, que necessitam dasmais variadas formas de matemática parainterpretar e compreender outras situaçõesda realidade.

O passo seguinte foi a busca de res-posta à pergunta inicial: qual deveria ser otamanho do reservatório para suprir asnecessidades de água da Ilha por um dia?

Para isso, levamos em consideraçãoapenas a população de nativos. Isso noslevou a construir um modelo (com basenos dados coletados pelas professoras) deum reservatório em que coubessem, apro-ximadamente, 90.000 litros de água.

Neste momento, começamos a per-ceber que só os cálculos aritméticos nãobastariam. Foi necessária a introdução deconceitos geométricos. Assim, num primeiromomento, as professoras foram incentiva-das a sugerir formas de como isto poderia

ser feito e só depois discutimos os cálculos.As professoras apresentaram alguma difi-culdade em realizar a tarefa, pois sempretinham aprendido a calcular volume de umsólido geométrico sabendo os valores doslados deste sólido e aplicando a fórmulapara a obtenção da resposta.

A busca do entendimento da quan-tidade de água necessária para suprir a Ilhapor um dia suscitou um pensamento inver-so: tínhamos uma quantidade de água quedeveria ser colocada em um reservatório, oque tínhamos que encontrar era o tama-nho do lado deste recipiente possível de serconstruído com formato geométrico. Istogerou uma discussão interessante. Ao final,algumas simulações de reservatórios dediversas formas e tamanhos foram propos-tas.

Discussão dos Resultados

A pesquisa nos mostrou que é pos-sível, no processo de identificar e buscarsoluções para problemas da vida social queenvolvem questões ambientais, desenvol-ver uma compreensão conceitual de con-teúdos matemáticos básicos utilizados nasexperiências vividas pelos próprios atores,bem como favorecer a discussão de um cur-rículo que questione a função dos conteú-dos escolares, o interesse e os pressupostosque estão na escolha destes conteúdos e,finalmente, as possíveis intervenções sociaisque poderiam ser desencadeadas ou frea-das e em que circunstâncias.

Além disso, como todas as professo-ras que participaram da pesquisa eram daprópria comunidade, elas contribuíram

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sobremaneira para a obtenção das infor-mações, justificando o interesse muito gran-de por parte delas em discutir problemasdo seu contexto social.

Atualmente a questão da água po-tável no planeta está na pauta de discussãoem várias instâncias, tanto na esfera gover-namental quanto pelas ONGs interessadasno tema (MAGALHÃES, 2004). Assim, en-tre os temas levantados no DAP, o tema daágua foi o que mobilizou as professoras.Perceberam no conhecimento a ser ensina-do na escola a possível parceria na buscade soluções para as questões presentes emsua vida social. A escolha do tema foi unâ-nime por parte delas, pois viam a necessi-dade urgente em discuti-lo e tentar enca-minhá-lo.

Tal procedimento teórico-metodológiconos aproxima das idéias de Skovsmose (2001)quando ele chama atenção para o papel damatemática na sociedade e nos mostra anecessária aproximação entre a educaçãomatemática e a educação crítica, para a qualacreditamos ser a escola lócus fundamental.Tal educação possui características, tais comoo engajamento dos professores (e dos alu-nos) no processo de forma crítica por meiodo diálogo e a relação professor-aluno numprocesso democrático.

Tal processo foi evidenciado por Pau-lo Freire num movimento em que “o pro-fessor não é mais meramente o-que-ensi-na mas alguém a quem também se ensi-na no diálogo com os estudantes, os quais,por sua vez, enquanto estão ensinando,também aprendem” (FREIRE, 1972a).

Os pressupostos teórico-metodoló-gicos baseados na Modelagem Matemáti-

ca nos mostraram que é possível aos pro-fessores perceberem o papel dos conteúdosescolares na análise de situações existentesem seu contexto social. É viável tambémidentificar nos problemas encontrados, re-lação com conhecimentos, neste caso, ma-temáticos, possíveis de mobilização quan-do percebidos como relevantes por seremproblemas sociais objetivamente existentes

Tal processo propiciou um engaja-mento crítico dos educadores e a valoriza-ção dos conhecimentos sistemáticos des-ses educadores para suas comunidades.

Nessa perspectiva, o trabalho docen-te escolar não mais seria desenvolvido pormeio de aulas expositivas e repetitivas, napenumbra dos edifícios escolares, mas colo-caria o professor num processo de reflexão-formulação-ação, que sai da individualida-de e chega à ação de estudos (CALDEIRA,1998; BARBOSA, 2001; MONTEIRO, 1991;BORSSOI & ALMEIDA, 2002). O que possibi-litou a alteração daquilo que as professorasestavam acostumadas a fazer nos traba-lhos cotidianos de preparação de aulas pormeio de, principalmente, e, quase exclusiva-mente, livros didáticos. Durante o projeto,foi necessário que as próprias professorasidentificassem nos fenômenos ambientaistemas para suas práticas pedagógicas, pos-sibilitando destacar não somente conceitosambientais, mas a possibilidade e a necessi-dade de utilizar determinados modelos arit-méticos e geométricos para interpretar assituações que se apresentavam.

Isto fez com que as professoras nãomais tentassem apenas responder às per-guntas que estavam nos livros para os seusalunos, mas construíssem as suas próprias

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perguntas, além, claro, de tentar respondê-las. Aqui se encontra a semente do crítico-criativo defendido por D’ Ambrosio (1996).

Para isso, se fez necessário um am-biente próprio onde o foco central estevena pesquisa. As professoras foram pesqui-sadoras, tanto dos problemas ambientaisquanto da matemática necessária paracompreendê-los de forma mais significati-va. Esse processo de curiosidade e desafioé que fez com que elas realmente partici-passem do projeto.

No campo das relações entre Escolae Sociedade, é possível defender esta formateórico-metodológica como uma aproxima-ção das idéias defendidas pelas chamadasteorias críticas que se iniciaram nos anos80 e que buscam resgatar a positividadedas teorias anteriores, superando tanto afragilidade inocente contida no funcionalis-mo quanto no imobilismo presente nas teo-rias reprodutivistas (GIROUX, 1986; 1997).De acordo com esta concepção, é possívelverificar o valor que a Escola deve ter semcair na armadilha da neutralidade ou de

sua inutilidade para a transformação social.Neste contexto, a educação escolar

e os educadores possuem uma autonomiarelativa. Esta situação permite ver a rela-ção entre Escola e Sociedade, num sentidode mão dupla: não como os funcionalistas,vendo-a totalmente independente,tampouco como os reprodutivistas, vendo-a inteiramente submissa, mas transitandonesta contradição. Abre-se assim oportuni-dades de se construirem espaços efetivosde inovação da prática educativa que, mes-mo quando desenvolvida no interior deuma sala de aula, não está descolada doentorno social partilhado por professores,alunos, funcionários e pais, membros da co-munidade em que a escola está situada.

Neste sentido o trabalho se aproxi-ma muito do que se vem defendendo comouma pedagogia da pergunta, democráticae solidária, convidando educadores eeducandos a garantir a sustentabilidade decada um de nossos atos cotidianos comoseres humanos que compartilham comoutros seres a convivência planetária.

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Recebido em 15 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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Da nota ao relatório descritivo avaliativo:dificuldades dos professores de matemáticaFrom the mark to the evaluative descriptive report:mathematics teachers’ difficulties

Maria José da Silva*Marta Maria Pontin Darsie**

* Mestre em Educação pelo PPGE/UFMT. Profa. da RedeEstadual de Educação.e-mail: [email protected]

** Dra. em Educação pela USP. Profa. Pesquisadora doPPGE/IE/UFMT.e-mail: [email protected]

ResumoNeste trabalho discutimos acerca das dificuldades apresentadas pelos professores de matemática na elabo-ração dos relatórios avaliativos de seus alunos. Com a nova organização curricular em ciclos de formaçãohumana, as práticas avaliativas passam a ser repensadas e com elas as formas de registros sobre aavaliação dos alunos. Os relatórios descritivos avaliativos tomam o lugar do velho boletim e com elesaparecem as dificuldades dos professores em elaborá-los. Este é o foco da pesquisa aqui apresentada quetem como questão: Segundo os professores de matemática do 3° ciclo, quais são suas dificuldades naelaboração dos relatórios avaliativos? Para elucidarmos esta questão recorremos à entrevista aberta comseis professores de matemática do Ensino Fundamental. Apresentamos aqui os dados de duas professorasque elaboram relatórios avaliativos. Os outros sujeitos pesquisados, por opção da escola, utilizam-se defichas avaliativas, o que também é revelador da existência de dificuldades, já que abandonam o relatório.Os resultados mostram que as dificuldades em elaborar o relatório são de ordem pessoal e estrutural eindicam a necessidade urgente de se tratar deste tema na formação inicial e continuada dos professores.

Palavras-chaveEducação Matemática. Avaliação da aprendizagem. Relatórios avaliativos.

AbstractIn this paper we discuss about the difficulties faced by mathematics teachers for reporting evaluation oftheir students. With the new curriculum organization in cycle of human training, the evaluative practicesare rethought and with them the way of registers on the students’ evaluation.The evaluative descriptive reports take the place of the old attendance card and with them the difficulties ofteachers in producing them appear. This is the focus of this research that has the question: According tomathematics teachers from third cycle (elementary school), what are their difficulties in preparing theevaluative reports? To clarify this issue we use open interview with six mathematics teachers in elementaryschool. We present in this research the data of two teachers who prepare evaluative reports. The Otherteachers studied, by choice of school, make use of evaluative cards that also indicate the existence ofproblems since they gave up writing the evaluative report. The results show the difficulties in writing the

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 125-145, jul./dez. 2008.

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Introdução

Neste artigo discutimos acerca dasdificuldades apresentadas pelos professo-res de matemática na elaboração dos rela-tórios avaliativos de seus alunos. Este é umrecorte de uma pesquisa que tem comofoco a análise e a compreensão de concep-ções de avaliação e de conhecimento ma-temático de professores do Ensino Funda-mental em que buscamos compreender asconcepções expressas nos relatórios avalia-tivos e como se dá sua elaboração.

Assim, orientadas inicialmente pelaquestão: Que concepções de avaliaçãoe de Matemática são expressas nosre la tó r ios ava l ia t i vos e laboradospelos professores sobre a construçãode conhecimentos matemáticos dosalunos do 3 o ciclo?, optamos pela meto-dologia de pesquisa qualitativa. O princi-pal procedimento metodológico utilizado foia análise documental, ou seja, análise dosrelatórios.

Na seqüência, para complementar anossa aproximação com as concepções re-veladas nos relatórios, aplicamos mais doisquestionários Q3 e Q4; o primeiro, para co-letar as concepções de avaliação e o se-gundo, para as concepções de matemática.

A análise dos dados baseou-se numaperspectiva interpretativa na qual definimoscomo categorias que compreendem mode-

los pedagógicos e epistemológicos presen-tes no pensar e fazer educação: concepçãotradicional; concepção construtivista/intera-cionista e intermediária. Esta última catego-ria, intermediária, surge uma vez que reco-nhecemos que as concepções consolidadasnas práticas pedagógicas, em sua maioria,não surgem de maneira pura, pois elaspossuem características dos modelos e sãoparticulares a cada um dos sujeitos.

Desta forma, estabelecemos um diá-logo entre a primeira questão levantada eos dados que iam se revelando por inter-médio dos questionários e entrevistas. Estediálogo nos revelou contradições existentesentre o pensamento e a prática das profes-soras, já que elas revelam transitar entre ascaracterísticas do modelo tradicional e domodelo construtivista, tanto no que se refereaos processos avaliativos, como na formade perceber a Matemática. Essas caracterís-ticas se manifestam em maior ou menorintensidade dependendo do momento, daatividade e do conteúdo trabalhado. Quan-to à análise dos relatórios avaliativos, o quede fato se constatou foram concepções quetendiam ao modelo tradicional. Então, fo-ram essas contradições que revelaram aexistência de dificuldades dos professoresna elaboração destes relatórios. Assim, sur-giu a nossa segunda questão de pesquisa:Segundo os professores de matemá-tica do 3 o ciclo, quais são suas dificul-

evaluative reports are personal and structural and indicate the urgent need to address this issue in theinitial and continuous teachers training.

Key wordsMathematics Education. Learning evaluation. Evaluative reports .

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dades na elaboração dos relatóriosavaliativos? Para elucidarmos esta ques-tão recorremos à entrevista aberta com asprofessores. É este o recorte que trazemosneste artigo, apresentando os dados deduas professoras que elaboram relatóriosavaliativos e nos revelam quais são suasdificuldades neste processo de elaboração.

1 Avaliação: seus instrumentos eseus registros

A avaliação da aprendizagem, ao sercolocada em prática por professores e alu-nos, tem sua trajetória delineada por ins-trumentos diversos. No entanto, a primeiraimagem que nos vem à cabeça quandofalamos em instrumentos avaliativos daaprendizagem escolar é, sem dúvida, a fi-gura dos testes e provas. A aplicação detestes e provas é a prática mais comumidentificada no contexto educacional quan-do o assunto é a avaliação da aprendiza-gem. Para AFONSO (2005), estamos tãohabituados a estabelecer a relação entreestes instrumentos e o sistema de ensinoque se torna muito difícil imaginar que sepossa avaliar sem eles existirem.

Assim, esses instrumentos se fortale-ceram ao longo dos anos e se firmaramcomo uma espécie de técnica de certificaçãopara medir o desempenho dos alunos ejulgá-los em razão do resultado pretensa-mente objetivo e facilmente observável.Nessa perspectiva, a avaliação da aprendi-zagem tem se pautado muito mais na artede examinar do que na arte de aprender,pois “o nosso exercício pedagógico escolaré atravessado mais por uma pedagogia do

exame que por uma pedagogia do ensino/aprendizagem” (LUCKESI, 2006 p. 18).

Os testes e provas se multiplicaramao longo da história como instrumentos decontrole, certificação e classificação, forne-cendo à sociedade burocrática indivíduoshierarquizados que são solicitados pelasociedade ao sistema escolar. Estes instru-mentos têm sua origem datada, a partir doséculo XVI, segundo Luckesi (2006):

[...] na escola moderna, que se sistemati-zou a partir dos séculos XVI e XVII, com acristalização da sociedade burguesa. Aspedagogias jesuítica (séc. XVI) comeniana(séc. XVII), lassalista (fins do século XVII einícios do XVIII) são expressões das expe-riências pedagógicas desse período e siste-matizadoras do modo de agir com provas/exames (p. 169).

Para esse autor, a prática pedagógi-ca avaliativa que conhecemos “é herdeiradessa época, do momento histórico da cris-talização da sociedade burguesa que seconstitui pela exclusão e marginalização degrande parte dos elementos da sociedade”(p. 169). Na prática escolar, esses instrumen-tos continuam classificando e ameaçandoos alunos, apesar de ilusoriamente se apre-sentarem ou serem interpretados comomantenedores da disciplina e motivadoresde aprendizagem, por alguns professores.

Por isso, se torna imprescindível distin-guir o ato de avaliar do ato de aplicar testeou prova, pois fazer prova não é fazer avalia -ção. A prova tem por função o julgamentoconcretizado na distinção entre o certo eerrado, incluindo o primeiro e excluindo osegundo.

A nota se torna o marco referencialdo processo avaliativo, como se ela pudesse

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traduzir, por meio dos valores numéricos,todos os aspectos da construção do conhe-cimento vivenciado pelos alunos. Assim, anota se tornou o centro das atenções, tan-to dos professores e dos alunos, quanto dosistema de ensino e até dos pais dos alu-nos. Desta forma, quando falamos em re-gistros avaliativos, nos vem, rapidamente,a nota, pois para comprovar o ato de julgar,as provas fornecem uma medida quantita-tiva para evidenciar o aproveitamento esco-lar, fazendo surgir, desta forma, essa medida.

A necessidade que os professores, osalunos e os pais sentem pela atribuição denotas faz com que a avaliação da aprendi-zagem se reduza à quantificação, deixandode lado a função essencial desse processo,ou seja, possibilitar a aprendizagem do alu-no e, consequentemente, o seu desenvolvi-mento geral.

No ambiente escolar em que a notaé fundamental, a lógica classificatória implí-cita faz com que a escola e os professoresdecidam o destino dos alunos através daaprovação ou reprovação, fazendo comque a avaliação vista tão somente comouma prova seja realmente um término deciclo, uma classificação que culmina numaexclusão. O processo é semelhante em qual-quer escola ou região, uma vez que:

Trabalha-se uma unidade de estudo, faz-se uma verificação do aprendido, atribu-em-se conceitos ou notas aos resultados(manifestação supostamente relevante doaprendido) que, em si, devem simbolizaro valor do aprendizado do educando eencerra-se aí o ato de avaliar. O símboloque expressa o valor atribuído pelo pro-fessor ao aprendido é registrado e, defini-tivamente, o educando permanecerá nes-ta situação. (LUCKESI, 2006, p. 34)

Apesar de sabermos que não bastaapenas a obtenção da nota, seja ela cole-tada através de qualquer que seja o instru-mento, o verdadeiro desafio da avaliaçãoestá na interpretação, pois a nota não falapor si, é preciso compreender seu significa-do, incluindo a reflexão sobre os métodospelos quais foi obtida e o questionamentosobre o que fazer posteriormente. Talvez oproblema maior não seja a nota, mas quema interpreta, pois “a nota em si não tem ‘cul-pa’. É a cabeça do professor ou do peda-gogo que a faz abjeta” (DEMO, 2002 p. 53).

Porque mesmo que a princípio a notaseja quantitativa, ela pode ser proposta deforma qualitativa, bastando para isso quese interprete a nota como merecedora deum tratamento descritivo e analítico. Issodemonstra que ela não é o fim, mas umrecomeço, um ponto a ser refletido comoreferência no tratamento para as questõesrelativas à provisoriedade da condição deaprendiz de todo ser humano. Vale ressaltarque a realidade é ao mesmo tempo quan-titativa e qualitativa e, portanto, não há qua-lidade sem quantidade, assim como a recí-proca também é verdadeira. Desta forma,

Um sistema de notas que esteja voltadopara objetivos qualitativos da avaliação é,pois, perfeitamente possível e convenien-te. A questão é que, quando se discute anecessidade de mudanças no entendi-mento e na forma como as avaliações vêmsendo feitas, especialmente a respeito denotas, isto acaba significando para muitosuma intenção de eliminá-las da escola, jáque confundem avaliar com atribuir no-tas. (RABELO, 1998 p.81)

Então, se torna necessário a compre-ensão de que a nota serve para auxiliar na

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interpretação da aprendizagem, não deven-do ser tratada como algo preciso e definiti-vo, pois através de suas limitações e reducio-nismos existe a obrigatoriedade de discuti-la e refazê-la com maior clareza para queas informações fornecidas por ela, realmen-te, permitam a melhoria do processo de ensi-no-aprendizagem.

Assim como não podemos acreditarno caráter qualitativo, quando apenas exis-te a troca da quantia numérica compreendi-das na escala de 0 a 10, ou 0 a 100 porconceitos identificados por letras do alfa-beto (A, B, C, D, E), ou simplesmente pelacompreensão que temos acerca dos con-ceitos Ótimo, Bom, Regular, Insuficiente. Sóessa troca não garante o caráter qualitativodo processo avaliativo e nem faz desse tipode registro o mais verdadeiro. De acordocom DEMO (2002), “a preferência por con-ceito, em vez da nota, é irrelevante, porqueno fundo não há qualquer diferença, pelomenos em termos de manter, no fundo,escala comparativa” (p. 42). Esse recursocontinua não correspondendo a uma ge-nuína estratégia de avaliação.

Existe uma dificuldade muito grandeem superar a concepção de avaliação arrai-gada no velho modelo, que classifica, rotu-la, seleciona, pune e exclui, pois há umaforte resistência, tanto dos educadores,quanto da sociedade em geral, para rom-per com os paradigmas da avaliação tra-dicional. Mas, ainda que se queira justificara presença marcante da concepção tradicio-nal de avaliação no contexto educacional,apresenta-se, fazendo oposição a essa jus-tificativa, a necessidade de utilização deuma nova avaliação. Para que essa nova

avaliação ocupe o cenário educacional, as-sim como o imaginário dos professores éimprescindível a ressignificação das práticasavaliativas dentro das escolas, fazendo comque essa avaliação se comprometa com apromoção e o desenvolvimento da apren-dizagem de todos os alunos, constituindo-se num subsídio indispensável aos proces-sos de tomada de decisão. Neste sentido, aavaliação, segundo DARSIE (1998) “deveser impulsionadora da aprendizagem e damelhoria do ensino”. Essencialmente volta-da à reorientação do processo de ensino-aprendizagem e tendo em suas decisões aconsideração de sempre possibilitar o aper-feiçoamento desse processo, a perspectivadesse modelo de avaliação ajudará o alunoa aprender e o professor a ensinar, assumin-do, assim, uma espécie de dupla retroali-mentação, pois:

Por um lado, indica ao aluno seus ganhos,sucessos, dificuldades a respeito das dis-tintas etapas pelas quais passa durante aaprendizagem e ao mesmo tempo permi-te a construção/reconstrução do conheci-mento. Por outro lado, indica ao professorcomo se desenvolve o processo de apren-dizagem e, portanto, o processo de ensino,assim como os aspectos mais bem sucedi-dos ou os mais conflitantes, que exigemmudança. A avaliação assume caracterís-tica dinâmica no processo educativo: porum lado é impulsionadora da aprendiza-gem do aluno e por outro é promotora damelhoria do ensino. (ANDRÉ; DARSIE, 1998,p. 449)

No contexto da avaliação escolar, deacordo com essa perspectiva, a prática deavaliar é compreendida não apenas comoimpulsionadora da melhoria do processode ensino-aprendizagem, mas também

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como suporte para a tomada de decisãono direcionamento do desenvolvimento doeducando.

1.1 Instrumentos Avaliativos

Quando a ação educativa escolar trazcomo perspectiva a inclusão do educandono processo de ensino e aprendizagem deforma a assegurar o avanço, a continuida-de e o crescimento contínuo no processode construção do conhecimento, a avalia-ção não é um processo isolado, mas antesum processo intrínseco à aprendizagem.

Neste processo, a nota não temexclusividade, ou seja, não faz mais senti-do para que se alcance o objetivo de tor-nar a escola realmente inclusiva. Então “épreciso existir ampla variedade de meios,instrumentos e medidas de avaliação, a fimde possibilitar condições mínimas para queo professor avalie, julgue, aprecie o méritoe anuncie, enfim, seu veredito” (MATOGROSSO, 2000, p. 181).

E, pensando nesta ampla variedadede meios, surge a necessidade da filiaçãoa critérios de escolha para os instrumentosavaliativos que não devem perder de vistao propósito da avaliação. Desta forma, per-guntas como:

Avaliação para reproduzir, repetir, memo-rizar, criar, compreender? Avaliação paracomprovar a capacidade de retenção, exer-cer o poder, manter a disciplina? Avaliaçãopara comprovar aprendizagens, desenvol-ver atitude crítica, submissa, obediente, cré-dula? Avaliação para garantir a integraçãodo indivíduo na sociedade ou para assegu-rar o êxito escolar? Avaliação em um sis-tema que garante o acesso à cultura co-mum e a superação das desigualdades

sociais por meio da educação? Avaliaçãopara garantir a formação correta de quemaprende? (ALVAREZ-MENDEZ 2002 p. 91)

Essas questões devem acompanharas reflexões de quem lida diariamente comquestões avaliativas, pois, essas questões,quando coerentemente respondidas, leva-rão a formas distintas de avaliação, porqueo processo de avaliação da aprendizagem“[...] não é um exercício neutro; reduzida aum exercício técnico, oculta outros valoresimplicados e que justificam alguma das fun-ções implícitas que desempenha de ma-neira eficaz, embora nem sempre justa”(ALVAREZ-MENDEZ, 2002, p. 92).

Isso nos leva a uma diversidade deinstrumentos avaliativos que deverão aten-der a metodologias próprias dentro das fun-ções pré-estabelecidas, sem perder de vistaque “[...] diversificar não é simplesmente ado-tar vários instrumentos aleatoriamente, aavaliação é um campo teórico e prático quepossui um caráter metódico e pedagógicoque atende a sua especificidade e intencio-nalidade.” (SILVA, 2003, p. 15). Diversificaros instrumentos avaliativos também nãosignifica fazer uso de um único instrumen-to diversas vezes durante a formação es-colar, achando que, desta forma, está secoletando um número maior e variável deinformações.

Essa diversidade, às vezes, favorecea impressão de que só a escolha desse ins-trumento garante a eficiência/eficácia doprocesso avaliativo. Assim, nunca é demaisrefletir sobre o assunto. Pois, de acordo comDepresbiteris (2004):

Há estudiosos, como Charles Hadji, porexemplo, que acham que o avaliador não

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tem instrumentos próprios. Para ele, a pró-pria palavra instrumento é ambígua, pois,em sentido restrito, pode ser definida comoum utensílio manual de trabalho, que ser-ve para transformar uma matéria. Em sen-tido mais amplo, instrumento é um uten-sílio que facilita uma prática que permiteapreender as coisas e agir sobre elas,como, por exemplo, o microscópio, que éum instrumento de observação, e o psico-drama, que é um instrumento terapêutico.Para Hadji, a avaliação conta com instru-mentos diversos que servem tanto paraproduzir observações, quanto para anali-sar e interpretar, ou para comunicar o juízoformulado (p. 50-51).

Refletir sobre esses dois significadose, destaca que o processo avaliativo é im-pregnado por intencionalidades possibilita-nos destacar, segundo Vasconcelos (2005),a necessidade da existência de “uma dosede bom senso nesta busca, pois uma novapostura de avaliação leva necessariamentea novas práticas, a novas maneiras de serelacionar com os instrumentos” (p. 123).

Assim, com base neste mesmo autor,não se pode desprezar as questões técni-cas para não se correr o risco de possuirum discurso novo, mas que é concretizadoem práticas cotidianas totalmente ultrapas-sadas. Mesmo que essas práticas se dêempor falta de opção, por não se conseguirperceber outras possibilidades além das tra-dicionalmente conhecidas em nossa traje-tória estudantil e profissional e que com-põem o tecido intelectual de que somosformados. Desta forma, “as técnicas são ne-cessárias à concreção do novo posicio-namento, para não ficarmos apenas nasintenções. Todavia, é patente que as técni-cas não têm valor em si: devem estar vin-

culadas à mudança de intencionalidade”(p. 123).

Diante da necessidade de estarmosapoiados diariamente em técnicas e instru-mentos que sustentam as intencionalida-des que acompanham o processo de ava-liação e possibilitam as condições mínimaspara a ação avaliativa, vamos apontar al-guns dos instrumentos que viabilizam essedesenvolvimento. Porém, sabemos ser ne-cessário, antes da apresentação dessas téc-nicas e instrumentos, lembrar que, ao se tra-tar do processo ensino-aprendizagem, essa“medida”, oferecida pelos instrumentos sedá indiretamente, pois se trata de proces-sos cognitivos, ou seja, comportamentos quepermitirão ou não saber se houve a apren-dizagem.

Para HAYDT, 2004Considerando que, quanto maior for aamostragem, mais perfeita a avaliação,todos os recursos disponíveis de avaliaçãodevem ser usados na obtenção dos dados.Essa é mais uma razão que justifica ouso, pelo professor, de técnicas variadas einstrumentos diversos de avaliação. Poisquanto mais dados ele puder colher sobreos resultados da aprendizagem, utilizandoinstrumentos variados e adequados aosobjetivos propostos, tanto mais válida seráconsiderada a avaliação ( p. 55).

Dentre os instrumentos de avaliaçãoadotados numa nova perspectiva, encontra-mos: os diários reflexivos em Darsie (1996;1998), filipetas reflexivas, caderno do aluno,caderno de observações do professor, ma-pa conceitual, dossiês, desenhos, anotaçõesconselhos de classe avaliativos, entrevistas,entre outros, além de testes e provas, Darsie(2005) e Ribeiro e Darsie (2007).

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Desta maneira, os professores devemter um amplo conhecimento dos vários mo-dos e instrumentos avaliativos, das potencia-lidades e limitações de cada um, pois sóassim podem optar por aqueles que melhorse adaptem aos propósitos da avaliaçãoque pretendem implementar e ao mesmotempo atenderem às características dos seusalunos.

1.2 Relatórios avaliativos

De acordo com Hoffmann (2001), osrelatórios avaliativos “são instrumentos me-todológicos essenciais ao acompanhamen-to efetivo dos alunos pelos professores einstituições. Precisam ser claros e comparti-lhados por todos, mas a autoria desses re-gistros é competência dos educadores” (p.34). A necessidade que essa autoria sejado professor fica clara a partir da reflexãode que esses registros avaliativos “são da-dos de uma história vivida por educadorescom os educandos” (p. 117), no exercícioda construção/reconstrução do conheci-mento. Isso significa que os relatórios avalia-tivos, se não forem tomados como cons-truções reflexivas, se tornar-se-ão apenasmais um instrumento com a finalidade demostrar o produto, mas não o processo.

Assim, “uma avaliação a serviço daação não tem por objetivo a verificação eo registro de dados do desempenho escolar,mas a observação permanente das mani-festações de aprendizagem para procedera uma ação educativa que otimize os per-cursos individuais” (HOFFMANN, 2001, p.17) dos alunos em relação à aprendizagem.Assim, os relatórios avaliativos devem ex-pressar o que o educador consegue perce-

ber sobre as aprendizagens de cada umde seus alunos.

Desta forma, o relatório avaliativo setorna um registro reflexivo do desenvolvi-mento cognitivo do aluno utilizado parasistematizar os dados e/ou as informaçõescoletadas pelos professores, ao longo doano letivo. Ele é elaborado como resultadoda caminhada avaliativa na construção deconhecimentos dos alunos e serve de basepara o encaminhamento de ações do pro-fessor para que ele continue avançando nasestratégias de atendimento ao aluno e nãosomente à formalização de resultados ob-tidos, como comumente acontece.

Considerando esse desafio, Hoffmann(1996) aponta três princípios norteadoresque precisam ser explícitos na elaboraçãode registros avaliativos, entendidos aquicomo relatórios avaliativos, que são: “prin-cípio da investigação docente; princípio deprovisoriedade dos juízos estabelecidos eprincípio de complementaridade” (p. 46). Oprimeiro princípio estabelece a responsabi-lidade do professor com a investigaçãosobre os processos de desenvolvimentocognitivo utilizados pelos alunos, fazendo-se presente, analisando, problematizando,variando as formas de observação. O se-gundo trata da evolução do pensamentodo aluno mediante o trabalho desenvolvi-do nas situações pedagógicas, mostrandoque as certezas são provisórias, quando aprática exercitada visa à construção do co-nhecimento. No terceiro princípio, “o olhardo professor precisa acompanhar a traje-tória da ação e do pensamento da criança,fazendo-lhe sucessivas e gradativas provo-cações para poder complementar as hipó-

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teses sobre o seu desenvolvimento”(HOFFMANN, 1996, p. 47).

Se estes princípios forem claros parao professor, os registros de avaliação ape-nas constatarão ou apontarão etapas per-corridas pelos alunos descritivamente. Ser-virão para refazer e registrar a dinamicidadedo processo de construção do conhecimen-to, através de apontamento de possibilida-des para a ação educativa que contempla-rão não só os alunos, mas atuarão comoagentes modificadores e possibilitadores demudança para professores, pais e escola.Para que isto realmente se torne realidadeé preciso que os relatórios ultrapassem afunção burocrática histórica de determina-dos instrumentos avaliativos, de apenas for-malizar resultados finais dos percursos es-colares.

Para um efetivo acompanhamentodo percurso do processo de aprendizagemdo aluno, o professor deve observar siste-maticamente e proceder a registros paraposterior constituição desses relatórios. Deacordo com Haydt (2004), “a observaçãosistemática ou dirigida é aquela que se pro-cessa de forma metódica e organizada, sen-do que os aspectos a serem observadossão determinados com antecedência e osresultados são registrados com freqüência”(p. 125). Assim, esses dados anotados comfreqüência se constituirão em fonte informa-tiva do percurso vivenciado pelo aluno epelo professor no cotidiano escolar. Taisanotações não podem ser deixadas paradepois, serem feitas após o percurso, por-que muito do observado pode, digamos,fugir da memória. Por isso, a autora sugereaos professores, de todos os níveis de ensino,

que criem para si mesmos,O compromisso de prestar atenção aosalunos, fazendo o exercício do registro –anotando em cadernos, pequenas notas,o que lhe chamar a atenção. Esses dados,de início, poderão parecer sem sentido,mas a reflexão precedente sobre as ano-tações permitirá perceber questões muitoimportantes: sobre que aluno faço obser-vações mais freqüentes? Que aspectos daaprendizagem me chamam a atenção?Como agir frente ao que observei? (p. 134).

Desta maneira, fica cada vez maisnítida e próxima a compreensão de que aelaboração de relatórios avaliativos não sereduz “ao simples preenchimento dos trêspontinhos: o aluno aprendeu que.. .”(HOFFMANN, 2003, p. 45). Pois, diante docenário complexo da aprendizagem huma-na, sabemos que não será “preenchendoessa frase com itens de conteúdo [...] queiremos responder a tais perguntas com se-riedade e significado” (p. 45-46). Assimcomo, não podemos mais “acreditar que sepossa descrever e analisar o complexo pro-cesso de aprendizagem a partir de regis-tros numéricos ou conceituais oriundos deum ou dois testes realizados pelos estudan-tes” (p. 46).

Conforme MATO GROSSO (2000, p.183), “ao relatarmos um processo efetiva-mente vivido, naturalmente encontraremosas representações que lhe dêem verdadei-ro sentido”. Assim como indica que a práti-ca do relatório deve contemplar, além des-ses conteúdos, os seguintes princípios: ocaráter mediador, referência ao papel doprofessor no processo; o caráter evolutivo,ou seja, o professor deve perceber que oaluno é um sujeito em construção; e o

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caráter individualizado, compreendidocomo acompanhamento efetivo do profes-sor ao desenvolvimento do aluno.

Por isso, a escrita de um relatório exi-ge que o professor saiba para quem estáescrevendo. Ao se considerar o destinatáriopara tal mensagem, ou seja, quem vai leras informações registradas, deve estar aten-to à adequação da linguagem. Não adian-ta escrever para os pais com linguagemestritamente pedagógica, rebuscada portermos próprios da psicologia e da pedago-gia, ou ainda tecer críticas severas e pesso-ais aos alunos. O indispensável é escreverde forma clara, dialogando com as informa-ções, demonstrando que o processo foiacompanhado, permitindo ao destinatárioconhecer o aluno que está sendo avaliado,contemplando os diferentes conteúdos(conceituais, são conteúdos de naturezacognitiva; os conteúdos atitudinais, que sãoos valores, as normas e as atitudes; e osconteúdos procedimentais representando osaber fazer).

2 O caminho trilhado para apesquisa

Esta pesquisa foi realizada a partir deuma abordagem metodológica qualitativa,com análise de cunho interpretativo. Segun-do Triviños (2006), a pesquisa qualitativa, éaquela que tem por característica partir deuma descrição “que intenta captar não só aaparência do fenômeno, como também suaessência” (p. 129). Assim como buscar as“causas da existência dele, procurando ex-plicar sua origem, suas relações, suas mu-danças e se esforça por intuir as conseqüên-

cias que terão para a vida umana” (p. 129).Teve como contexto escolas públicas

de Ensino Fundamental, em Cáceres-MT,denominadas nesta pesquisa de Escola 1,Escola 2, Escola 3, Escola 4 e Escola 5. Ossujeitos investigados são professores dematemática, produtores dos relatóriosavaliativos dos alunos.

Os professores serão identificadospor pseudônimos: CRIS (escola 1), FAMA(escola 2), MARI (escola 3), TINA (escola 4)e LENI (Escola 5).

Ressaltamos que estamos conside-rando por dificuldades de elaboração des-de a troca de instrumento de registro feitopela Escola 3 , Escola 4 e Escola 5 , queneste caso, são as fichas preenchidas comum xis por MARI , TINA e LENI , já que en-tendemos ser a adoção de fichas reveladorade dificuldades que levaram ao abandonodos relatórios, até a falta de clareza e obje-tividade encontradas nos registros avalia-tivos da Escola 1 e da Escola 2 , elabora-dos por CRIS e FAMA.

Apresentaremos na seqüência a aná-lise dos dados coletados com as professo-ras CRIS e FAMA, das Escolas 1 e 2 , res-pectivamente, pois, é nosso propósito, nes-te artigo, apresentar e compreender as difi-culdades presentes nesta elaboração, se-gundo quem elabora relatórios descritivosavaliativos.

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3 Revelando as dificuldades naelaboração dos relatórios

3.1 As dificuldades, segundo a professoraCRIS

A entrevista com a professora CRISaconteceu no dia 21/11/2007, com dura-ção de 1h 19 min. subdividida em 191 frag-mentos, dos quais lançaremos mão, à me-dida que se fizerem necessários. Ressalta-mos que foi uma entrevista gravada e de-pois transcrita, conforme a fala da própriaprofessora.

Demos início à entrevista guiada porapenas uma pergunta, qual seja: Qual adificuldade encontrada por você, professo-ra, para elaborar o relatório avaliativo? Des-ta pergunta, conforme o diálogo foi aconte-cendo, decorriam pequenas perguntas retro-alimentando a entrevista.

Ao fazermos a pergunta à CRIS, aresposta veio num misto de reclamações,reflexões e denúncias. Para ela, as dificul-dades começam na semana pedagógicanão se discute mais avaliação, não se dis-cute também o relatório, a estrutura, a or-ganização, como é que vai ser (F1), istodemonstra que a professora percebe a ava-liação e o seu instrumento de registro inse-ridos em um contexto bem mais abrangentedo que tem sido praticado cotidianamente.Seu próximo posicionamento confirma isso:Eu sei que a linguagem que eu uso muitopai lê e não sabe nem o que eu escrevi ali,eles não conseguem, eles não entendemnada, eles chegam e querem uma nota.(F3), essa situação parece incomodá-laenormemente.

Quando incentivada a demonstrarsua linha de raciocínio quanto à elaboraçãodo relatório como meio de publicação depercursos avaliativos, CRIS foi enfática aodizer: Pra mim é indiferente, do jeito comoele é feito, pra mim tanto faz se ele é bi-mestral ou se é semestral! Não tem preocu-pação, escreve qualquer coisa e entrega(F16), esse desabafo continua num tomdenunciativo, ora diretamente ligado à ima-gem do professor: Ele quer mesmo é se li-vrar disso, entendeu? Então, olha vou tefalar um negócio, a gente faz por fazer, pre-ocupação com o relatório não existe (F19),ora ligado ao coletivo e seu poder de deci-são : (...) Não existe preocupação, mesmo,com o relatório, não existe! Vamos agrupar,a gente faz três, quatro tipos de relatóriosdos alunos, bons, os que realmente tem umdesenvolvimento legal, pros médios, prosregulares e pros péssimos. Faz quatro tiposde relatórios e vai encaixando os alunosali (F20).

Na continuidade de nosso diálogodemonstramos que havíamos observadoos modelos, ou seja, os relatórios padroniza-dos por intermédios desta categorização eentão perguntamos se havia sido sempreassim e CRIS responde: antes não era as-sim... logo no início não era, a gente tinha apreocupação de fazer aluno por aluno desentar no conselho de classe de discutir bem,de amarrar bem e coisa e tal [...] (F23).

Continuamos a ouvir e a lançar pe-quenas perguntas, sempre que a professo-ra silenciava o que não foi muito comum,pois CRIS falava incontidamente sobretudo o que a incomodava na escola, res-pondendo ou não à questão inicial. Desta

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forma, ela revelou mais adiante, um dosfatores que contribuíram para a estrutura-ção dos modelos de relatórios e a poucapreocupação por parte de professores: [...] ocaderno de campo sumiu das escolas [...] Agente também não tem preocupação deregistrar... (F71).

No entanto, em meio aos desabafose denúncias, percebermos que a professo-ra está ciente de que algo não está cami-nhando conforme o esperado, pois CRISse refere ao processo avaliativo dessa for-ma: a avaliação é muito mais profunda, euestou fazendo uma muito simplista, masela é muito mais profunda, porque vai en-volver tudo, vai envolver o resgate da auto-estima do professor, o resgate da vontadede trabalhar na escola, porque você perce-be que ninguém quer fazer mais nada denada, quanto mais o relatório (F24). Ape-sar de revelar uma concepção mais amplade avaliação, CRIS não demonstra esfor-ço em mantê-la na prática, sem resistênciaabandona a prática em que diz acreditar.

Para a professora existem tambémoutras questões que contribuem para aelaboração de relatórios pouco significati-vos “ são questões extremamente ridículas,na escola, por exemplo, nós que digitamoso relatório [...] a gente queria imprimir aquina escola, [...] não tem papel e não temtinta [...] (F30).

Segundo a professora, ela e seus co-legas estão cansados de lutar num cenáriotão adverso, por mínimas condições de tra-balho, quando se tem questões mais im-portantes ainda para serem trabalhadas ediscutidas, tais como: conhecer o seu alunocomo é que você vai escrever sobre seu alu-

no só o que ele faz aqui na escola (F34);[...] estudar como se estrutura um relatório,nunca peguei referencial teórico, eu nemsabia que existia entendeu? (F38); nuncana escola se preocupou em fazer um estu-do dessa natureza. Quem que vai fazer esseestudo conosco? [...] Muito difícil fazer isso!Nós ficamos muito sozinhos pra fazer isso!(F40).

Em meio aos vários pontos identifica-dos por CRIS que acarretam dificuldadesna elaboração dos relatórios avaliativos, elachega a fazer algumas sugestões para asautoridades responsáveis pela política edu-cacional do Estado, tais como: a Secretariade Educação nunca se preocupou em iratrás desses teóricos [...] pra mandar praescola, pra gente ler os livros ou então, pelomenos, mandar uma bibliografia, [...] a es-cola põe no PDE, sabe? Porque a gente temsala do professor, só que nós nunca senta-mos pra estudar o relatório. (F49). Sala doprofessor é um projeto estruturado, inicial-mente, pela Secretaria de Estado de Edu-cação – SEDUC –, e reorganizado teórico-metodologicamente pelas escolas paraatender à formação continuada dos pro-fessores de cada unidade escolar, respei-tando suas especificidades.

Ao longo da entrevista CRIS oferece,sob seu ponto de vista, algumas sugestõespara se buscar mudanças neste cenário: [...]porque então, não se cria uma equipe, quepode até ter um tempo, entendeu? Assim,dois anos e vai pras escolas olhar os rela-tórios que os professores estão produzindo[...], fazer os estudos em cima deles e depoisfazer uma formação conosco? (F56); Outracoisa que a escola precisa com urgência e,

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a gente tem que pensar, é que tem proble-mas na escola com certos alunos que agente não consegue identificar. Acho queprecisaria de uma psicopedagoga ou atémesmo de uma própria psicóloga enten-deu? (F99); Eu não digo assim pra traba-lhar diretão na escola, cada escola ter a suapsicóloga, não! Mas pensar numa equipemultidisciplinar e coisa e tal que pudesse...que pudesse também conciliar (F100); Pri-meiro, porque ninguém domina teoricamen-te a construção do relatório, esse é o pri-meiro passo. Então, todos os profissionaisficam dando pitaco no relatório, mas semestímulo teórico, essa é uma das dificulda-des que tem na escola (F127).

CRIS justifica suas sugestões por in-termédio da descrição de sua própria traje-tória para chegar ao que ela trata comoseu modelo de relatório, pois segundo ela:[...] No início a gente discutia a questão dorelatório, logo que o CEFAPRO fez o treina-mento conosco e, que nós ficamos perdidos.Nossa! O primeiro relatório foi um horrorde ver... (F52), na continuidade ela vai fa-lando de sua experiência, da seguinte for-ma: [...] eu sentava em frente o computadore ficava... gente o que eu vou escrever? comoque eu vou escrever isso aqui? Não tinhanada sabe! (F53); Tudo assim muito vago,e ai eu criei uma estrutura e, fiquei nessaestrutura. Reconheço que nunca sentei comninguém pra discutir, ver se tava bom ounão tava (F54).

Com base nessa elaboração indivi-dual, ela aponta novas dúvidas, tratadasneste contexto como dificuldades: Será queeu faço o meu relatório bem feitinho? Bemfeitinho, ele não é porque eu não posso...

eu não posso nem te falar [...] se você che-gar pra mim e perguntar [...] o que você achado seu relatório? (F61); Eu vou ficar perdi-da pra falar pra você! Pra mim ele é ótimo,excelente! Mas, eu não tenho parâmetro prame basear, pra eu te dizer [...] meu relatóriorealmente é bom! Eu acho o meu, peranteos meus colegas, fantástico! (F62); Elesacham, por exemplo, o meu relatório muitogeneralizado... muito geral pra você falar deuma pessoa... entendeu? (F121).

Algumas das dificuldades levantadaspor CRIS se referem à organização internadas atividades pedagógicas do grupo deprofessores, conforme os fragmentos: Outracoisa que tem que repensar, não tem comofazer desse jeito! [...] Eu vou fazer os meus dematemática e, vou entregar num disquete epronto! A escola que imprima! [...] Quinze diasescrevendo! Olha o número de alunos quea gente tem que fazer relatórios. [...] (F76);Do jeito como é feito aqui na escola, tam-bém, é um entrave. Essa questão de cadaprofessor ficar responsável por uma turma epassar a limpo o relatório do colega, então,se uma turma tem 30, 35 alunos, eu tenhoque digitar os relatórios desses 35 alunos,todas as matérias (F108); Outra dificuldadeque tem na escola é a questão de como fa-zer esse relatório mesmo, [...] cada professorfaz só da sua disciplina e entrega? Ou vocêvai passar a limpo de uma turma toda e vaientregar para o relatório ficar mais apresen-tável, pra mascarar, entendeu? (F129). Nes-te conjunto de dificuldades listadas acimase revela que a problemática chega tambémà equipe gestora da escola, pois estes sãoproblemas de organização da estruturaadministrativo-pedagógica.

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Determinadas dificuldades aponta-das têm como principal característica a de-núncia contra a escola, o professor, a Secre-taria de Estado e a universidade, tais como:Outra dificuldade, por exemplo: como é quevocê vai exigir de um professor interino queele te faça uma produção bem feita se elenão tem hora atividade, entendeu? (F128);[...] A formação... questiono... as universida-des, o jeito que ta largando isso... porquetem estagiário que vem aqui, pelo amor deDeus! Eu não quero um estagiário na mi-nha sala! (F153); [...] o problema está [...] Éna questão da auto-estima do professor,da formação desse professor, da valoriza-ção desse profissional e de cobrança mes-mo! Tem que cobrar (F155).

Ao usar a frase: Tem que cobrar, per-guntamos à CRIS, a que tipo de cobrançase referia. Ela respondeu prontamente: Écobrar mesmo! Cobrar... é... se tiver que serportaria, vai ser portaria entendeu? Tudobem a escola tem que ter autonomia. [...]Tem que saber que dentro delas tem res-ponsabilidades e a família também não só,eu não vou jogar a culpa pra família e nempro aluno, mas é um conjunto! (F157).

Continuamos incentivando CRIS afalar sobre essa necessidade de cobrar pro-fissionais que geralmente já são cobrados,então, ela disse: Não se trabalha com o ci-clo! Se trabalha como série! [...] Porque aproposta da escola ciclada é você, por exem-plo, na hora atividade reunir os professorese planejar em conjunto! Quem que planejaem conjunto? Por isso o aluno está comesse tipo de dificuldade! (F162); Não fazemhora atividade, não cumprem.. . nãochamam aluno pra reforço! (F182); Agora,

um vem na segunda, outro vem na terça,outro vem quarta, outro vem na quinta e,ai como é que você vai fazer? Depois dascinco! Agora aqui na escola é tudo depoisdas cinco... (F190). A negligência a que aprofessora se refere, ausência na hora ativi-dade é lamentável, pois este é o tempo re-munerado para que os professores possamplanejar, estudar, refletir e propor mudançasno coletivo da escola.

As dificuldades foram sendo apon-tadas por CRIS numa profusão de idéiasque evidenciavam denúncias, revolta, an-gústia, desânimo e muitas dúvidas, con-forme os fragmentos: E realmente a dificul-dade que tem na produção do relatóriomesmo, de produzir, sentar e escrever, pro-duzir e falar do aluno! O que você podefalar desse aluno? O que você não podefalar? O que é legal falar? O que não é?Entendeu? (F130); Eu acho que é por issoque a gente escreve esse relatório tão geralassim, tão sem amarrar mesmo como éaluno, descrever mesmo o aluno, porque agente tem medo, medo daquilo que vocêpode fazer e do que você não pode fazer...(F132); É um documento que você assi-na... a nota não, a nota você dava e prontoentendeu? É isso ... qualquer coisa você dizolha aqui a prova dele ele tirou 4 mesmoentão a média dele é 4 entendeu? Está aquia prova que é 4 (F133); Às vezes não éfácil fazer e a gente também não pensamuito pra fazer essa análise porque queele não conseguiu aprender? Porque... Euacho que falta mais é leitura mesmo dagente entendeu pra tentar entender o por-que... sentar mesmo sabe eu acho que...(F149).

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CRIS fez também alguns desabafosreferentes às dificuldades que os professo-res enfrentam cotidianamente na organiza-ção pedagógica em sala de aula para aten-der à diversidade dos saberes e à individua-lidade de cada aluno: Eu tenho dificuldadede chegar e fazer 4 ou 5 planos de aula efazer isso dentro da sala de aula, eu nãoconsigo! Eu posso até fazer duas ou trêsabordagens diferentes mas... eu não consi-go chegar na sala e... ai você leva um tem-po pra verificar pra fazer um diagnósticodo aluno mesmo e ai você trabalhar issoem separado eu... (F146); E na escola hojesabe por que a gente escreve tanto sobre aquestão... mais afetiva e psicológica e deatitudes pessoal do aluno? Porque [...] 40%do meu tempo é trabalhando questões deatitude mesmo com os alunos porque hojeem dia você tem que sentar e falar sobretudo pro teu aluno, violência, sexualidade,ecologia, meio ambiente [...] (F158).

Dentro das dificuldades apontadas,algumas se referem ao desenvolvimentoformativo do professor de Matemática, taiscomo: Eu acho que a gente tem [...] que fa-zer esse tipo de leitura, também, eu achoque deveria fazer assim: estudar bem comoque a criança pensa, nós da matemática,tenho vários livros sobre a questão de comoa criança pensa matemática, como elaconstrói... acho que teríamos que estudarisso, teria que estudar esses pensadoresentendeu? Que falam sobre a questão daaprendizagem mesmo. (F84); Eu como pro-fessora de Matemática, o que eu acho? Oque eu penso? Que depois de cinco anosna escola, por que agora nós vamos até onono ano, depois de cinco anos na escola,

quando ele chega na 5a série que agora jáé a 3a fase do 2o ciclo, falando na escolaciclada, eu acho que pelo menos as quatrooperações ele deveria dominar, a tabuada,é o que eu penso! E penso mesmo e assu-mo o que eu penso! Se ele está a cinco anosna escola, entendeu? (F142). CRIS parececiente da necessidade de estudo e do quedeveria saber para melhorar sua práticaavaliativa, mas só fica nisso, na denúncia,no desânimo, na não crença da mudançanecessária.

3.2 As dificuldades, segundo a professoraFAMA

A entrevista com a professora FAMA,aconteceu no dia 23/11/2007 com dura-ção de 35 min. subdividida em 53 fragmen-tos que serão analisados quando for pre-ciso.

O procedimento utilizado para entre-vistar FAMA foi o mesmo utilizado comCRIS: fomos guiadas por apenas uma per-gunta, qual seja: Qual a dificuldade encon-trada por você, professora, para elaborar orelatório avaliativo? A partir da resposta daentrevistada outras pequenas perguntasinterventivas foram surgindo para dardinamicidade à entrevista.

O processo de gravação gerou certodesconforto inicial, tanto que, ao ouvir apergunta, FAMA já foi direto para a estru-tura de montagem dos relatórios avaliativosutilizados na Escola 2 : [...] Foi montado ti-pos de relatórios na escola pra trabalharcom os alunos: o bom, o regular, [...] o ótimoou péssimo, [...] você pega e enquadra aque-les alunos ali, o problema foi... é esse (F2).

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A pergunta seguinte foi na tentativade alimentar o diálogo que tendia a silen-ciar a cada fala em que FAMA consideravacomo resposta. Desta forma, perguntamos:Por que se preocuparam com a construçãode modelos? As respostas foram imediatase sucintas: Porque a gente não dá contada demanda (F11); Pelo motivo de vocêter muito... muita turma (F17).

Ao longo da entrevista, FAMA voltoua reiterar essas mesmas dificuldades, con-forme apontamos: Você tem que escrevermuito! Você tem que ter muitas idéias pravocê estar colocando realmente cada coisade um aluno e não tem condições se fosseuma sala igual é o 1 a 4, ótimo! Mas comovocê vai pegar um monte desses de alu-nos se tem... quase... você tem que padroni-zar mesmo! E é o que foi feito! É padroni-zado! Você pode pegar todo relatório queé padrão (F7); Muitos alunos,... você nãoconsegue fazer o mesmo desempenho quevocê consegue fazer com uma turma só. [...]Tem 5a série que no começo estava com 40alunos, uma 7a série com 45 alunos, e aí?Não tem condições! (F18).

FAMA também teceu algumas su-gestões para que se diminuam estas difi-culdades na elaboração do relatório, taiscomo: [...] Eu acho que o ciclo... ele deviaacontecer até na 4a série, né? (F16); [...] de-veria ter uma escola no período integral...essa seria a minha proposta né.. uma esco-la no período integral onde a gente pudes-se estar realmente já selecionando essesalunos com maiores dificuldades de cursoe já... estar colocando na linguagem, nasexatas e ter realmente laboratório commaterial, as pessoas realmente ... dentro das

áreas afins pra estar trabalhando com essaclientela, eu acredito que ai... melhorava...melhorava muito... muito mesmo! Até nósné? (F41). FAMA inicialmente só apontadificuldades de ordem estrutural.

FAMA apontou algumas dificulda-des na compreensão feita, segundo ela, pelamaioria de seus colegas, sobre a Escolaorganizada em Ciclos de Formação Huma-na, tais como: [...] Está estourando a boca lána 8a série ou no 1 a ano como nós já temoscolegas que tem praticamente um primeiroano inteiro que não consegue avançar, eai? (F27);... deveríamos ter cursos de forma-ção [...] são alunos que estão desmotivados,(...) poucas coisas que chamam a atençãodeles numa sala de aula, são desmotivados,são alunos que estão vindo defasados né,a gente pega turmas ai, por exemplo, quevocê vai trabalhar as quatro operações,numa oitava, numa sétima série, tem difi-culdades, muita dificuldade nas operações[...] é esse tipo de coisa que está levandoesses alunos a concluírem o 3a ciclo quaseque sem condições (F42). Estes pontos sãopreocupantes, pois FAMA revela que seacredita que a dificuldade de aprendizagemestá no ciclo, sem nenhuma reflexão maisaprofundada, quase como se a organiza-ção de ensino existisse e se justificasse porsi mesma. Não considera o que os profes-sores estão fazendo ou deveriam fazer parasuperar estas dificuldades. FAMA fala so-bre a organização em ciclos referindo-se aséries e não a anos letivos do ciclo, reve-lando não ter de fato incorporado a novaorganização.

No decorrer da entrevista, e em meioa tantas revelações, FAMA justifica, inclusi-

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ve, por que o caderno de campo caiu emdesuso, pelo menos para ela: ...por exemploeu sou uma pessoa assim que eu gravomuito né? Se perguntar onde que os alunossentam, eu sei onde que eles sentam! Seionde cada um se coloca, sei aquele alunoque chega sempre atrasado aquele alunoque sempre... então eu tenho essas obser-vações, [...] também só que é o que vocêfala, na hora de vir para o relatório a gentepadroniza. Porque padroniza? Falta do tem-po, falta de... às vezes até do próprio voca-bulário porque fica muito repetitivo e ai vocênão faz essa separação joga tudo dentrodo mesmo saco e vai amarrando. (F46).Agora Fama agrega um novo fator ás difi-culdades em elaborar o relatório, além dotempo, do número de alunos, número deturmas, a falta de vocabulário para escrever.

Também conseguimos identificar al-gumas dificuldades para a escrita dessesrelatórios advindas da falta de experiênciaem se fazer esse relato, conforme destaca-mos: [...] A nossa formação não prepara, agente vai tentando melhorar dentro de umsistema que está ali né, e que não melho-rou! (F30); Não! Achamos foi bom! [...] Erasub-humano! Gente eu ficava com a mãodoída de tanto escrever relatório! Verdade!E vendo do jeito que a professorada ai, tudocom mal do L.E.R, mal não sei do que! Vocêacha? Mesmo no computador! Por que eunão sei sentar e fazer, eu tenho que estarregistrado no meu caderno, aí eram doisserviços passar pro caderno... se alguémfosse comigo lá pra ajudar ir fazendo... foiaíi quando a gente começou a padronizar...(F40).

A entrevista com FAMA apresentou-nos um dado inusitado. Segundo ela, osrelatórios avaliativos que serviram de aná-lise em nossa pesquisa foram os últimoselaborados pelos professores da Escola 2 ,pois eles são referentes ao ano letivo de2006 e, para o ano de 2007, já estavam seutilizando do registro por meio das fichasavaliativas, conforme destacamos: [...] Agoraeste ano nós implantamos a ficha aqui (F5);Tanto é, que se você recorrer nas escolas, amaioria das escolas estão na ficha (F20).Nesta última fala a professora nos forneceum reforço para a hipótese de que elaborarrelatórios avaliativos envolve dificuldade.Mas parece-nos que a dificuldade maiorestá em dispor-se a superar as dificuldades.A opção, ao invés disso, tem sido a de aban-donar esta prática inovadora.

Considerações sobre asdificuldades das professoras

A análise nos revela a presença dedificuldades sob dois aspectos: o primeiro,de ordem pessoal e o segundo, de ordemestrutural.

Para os aspectos de ordem pessoalidentificamos aqueles pertencentes à pes-soa do professor entre os quais estão asdificuldades:• No uso de uma linguagem adequada

para o leitor desse documento.• Em aprender a gostar de escrever, princi-

palmente o professor de Matemática.• Na inexistência de reflexão sobre teorias

e práticas de avaliação e seus registros.• Na utilização do caderno de campo.• Em conhecer o aluno.

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· Em participar com mais tenacidade naformação continuada.

• Na solidão para a elaboração (desconhe-cimento sobre os resultados de sua ela-boração).

• Em desenvolver o trabalho coletivo.• No medo de escrever sobre o aluno (o

que pode ou não ser falado).• Em fazer planos interventivos dentro do

planejamento diário.• Em avaliar a produção escrita realizada

com vista a reflexão na relevância dasinformações registradas.

Compreendemos que as dificuldadesde ordem pessoal listadas acima podem sersuperadas com um investimento maior naformação inicial do professor de Matemáti-ca desenvolvida pelas universidades e pelaformação continuada como possibilidadepara as reflexões necessárias ao acompa-nhamento do processo de construção doconhecimento do aluno, visando uma pos-tura mais epistemológica que privilegie oentendimento e não a memorização.

Na formação inicial seria importantejuntar o conhecimento teórico com a experi-ência de investigação, ou seja, trabalhar como objetivo de formar o professor investigadorde sua própria prática para proporcionar aesse aluno/professor a possibilidade de in-tervenção na prática imediata. Com este pro-cedimento se possibilitará o hábito de duvi-dar daquilo que se põe evidente, fazendosurgir o pensar de forma diferente sobre asatividades, antes tão automatizadas.

Para a formação continuada há quese considerar o contexto em que estes profes-sores estão inseridos, tendo em vista que seráuma formação voltada aos profissionais que

já se encontram em serviço. Desta forma, noscabe refletir sobre a necessidade de investirnuma formação continuada que trabalhe pro-jetos que favoreçam a cooperação entre pro-fessores, buscando o desenvolvimento coleti-vo e favorecendo o exercício de uma autorida-de negociada, o que resultará em produçõesmais reflexivas, transparentes e corajosas.

Destacamos a importância da “pre-sença da reflexão como um componenteimportante na formação do professor, querseja sobre conhecimentos teóricos para asua evolução, quer seja sobre os conheci-mentos profissionais e sua relação com aprática, ou como fundamental para umaprática reflexiva que possibilitará a constru-ção/reconstrução de conhecimentos práti-cos” (DARSIE, 1998).

Esta nova perspectiva de formaçãodeve ser um compromisso entre a forma-ção inicial e a continuada que vise assegu-rar um ensino-aprendizagem capaz de cum-prir com seu objetivo de qualidade e esti-mulo, principalmente porque sabemos que“a docência não é um estado ao qual sechega, mas sim um caminho que é feito. Énecessário destacar a importância que asnovas formas de conceber a avaliação eas práticas que inspiram possam ter na re-flexão e na profissionalização do professor”(ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2002, p. 88).

Já para os aspectos de ordem estru-tural, identificamos aqueles pertencentes àestrutura organizativa da escola, às açõesderivadas da política educacional e dagestão pedagógica. De acordo com asprofessoras, estas são as dificuldades:• Salas de aulas com muitos alunos.• Muitas turmas sob a responsabilidade

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de um mesmo professor.• Coordenação pedagógica mais voltada

aos problemas didático-pedagógico dosprofessores.

• Quadro de recursos humanos não con-dizentes com a estrutura da Escola Orga-nizada em Ciclos de Formação Humanaentre outros.

• Remuneração não condizente.• Interinidade do professor.• Ausência dessa discussão coletiva no

conselho de classe.• Falta de recursos materiais (papel, tinta

para impressão).• Falta de critérios para a elaboração.

Nessa perspectiva, as dificuldades deordem estrutural compreendemos que po-dem ser superadas com um investimentomaior em políticas públicas que tenham porobjetivo investir numa estrutura física dequalidade mais próxima possível das ne-cessidades das escolas e das aprendizagensdos professores e dos alunos.

Em contrapartida, nas escolas devemacontecer mudanças organizacionais quefavoreçam o processo reflexivo coletivo,pois, “muitas coisas precisam ser feitas, des-de o resgate do sentido do trabalho, daescola, até a qualificação, conquista de con-dições de trabalho etc.” (VASCONCELOS,2005, p. 146). E, entre os professores, umapredisposição para se mostrar por intermé-dio da socialização de suas experiências deensino, novas ou velhas, consideradas ob-jetos de reflexão e mudanças. Isso, porqueentendemos “que a luta por uma nova edu-cação se dá em todas as direções, inclusivenum dos seus focos privilegiados, que é asala de aula” (p. 146).

Ressaltamos ainda que percebemosalgumas denúncias lançadas por entre asdificuldades reveladas por essas professo-ras, tais como:• A organização em ciclos é só no papel.• Descumprimento da hora atividade.• Padronização dos relatórios.

Assim sendo, há que se “agir sobretodos os parâmetros (estatuto dos profes-sores, formação, gestão) que aumentam ograu de profissionalização do professor edas profissionais conexas” (PERRENOUD,1999, p. 159), priorizando nas políticas pú-blicas e nas universidades uma revaloriza-ção da profissão docente que favoreçamuma relação mais intensa do aluno/profes-sor com os conteúdos de ensino. Uma vezque esse profissional “deve ser muito bemformado e remunerado, ser um profissionalde primeira, sobretudo numa sociedadecomplexa e neurotizadora; ir além do sensocomum, do espontaneísmo. O trabalho como conhecimento é uma mediação funda-mental em sala de aula” (VASCONCELOS,2005, p. 146).

Nossas observações ao longo dessesanos e pelas análises feitas sobre os relató-rios das duas turmas, respectivos ao anoletivo de 2006 das professoras (CRIS eFAMA), constatamos ainda que os profes-sores, por decisão do coletivo da escola,estão categorizando os alunos em bons,médios e fracos, ou seja, eles não estão fa-zendo o relatório individual. Há um modelopadrão de relatório para estes grupos dealunos categorizados pelos professores quetêm seus registros quase sempre repetidosdentro do grupo. A leitura destes registrosmostra que há apenas três tipos de

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144 Maria José da SILVA; Marta Maria P. DARSIE. Da nota ao relatório descritivo...

relatórios, com poucas variações no mes-mo grupo de alunos; às vezes só muda onome do aluno. Encontramos também, aolongo do ano, nos quatro bimestres, pou-cas variações nos relatórios de um únicoaluno, dando a impressão de cópia de umbimestre a outro com apenas a mudançano último relatório que deve indicar se oaluno está apto ou não a progredir.

Considerações finais

Cientes de que, longe se está de es-gotar a pesquisa, a reflexão e o debate so-bre este tema, muito ainda temos a com-

preender sobre as concepções e práticasavaliativas dos professores. Especialmentese pretendemos que a avaliação tenha afunção de ser “impulsionadora da aprendi-zagem do aluno e promotora da melhoriado ensino” (DARSIE 1998), em que os re-gistros avaliativos revelem o percurso dasaprendizagens dos alunos e das reflexõese intervenções do professor. Melhoria nainfra-estrutura e nos equipamentos das es-colas, melhor gestão pedagógica, apoio aoprofessor na tarefa de planejar, executar eavaliar e intensificação de programas deformação continuada se fazem necessári-os e urgentes para que se atinja a qualida-de de ensino esperada.

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Recebido em 10 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 30 de setembro de 2008.

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Émile Durkheim y su importancia para unapedagogía históricaEmile Durkheim and his importance for a historicalpedagogy

Andrés Klaus Runge Peña*Diego Alejandro Muñoz Gaviria**

*Dr. en Ciencias de la Educación por la Universidad Librede Berlín-Alemania. Prof. de la Universidad de Antioquia-Colombiae-mail: [email protected]

** Doctorando en Ciencias Sociales por la Universidad deManizales-Colombia. Prof. De la Universidad de SanBuenaventura.e-mail: [email protected]

ResumoEl propósito de este escrito es resaltar la importancia de Émile Durkheim para una pedagogía histórica.Para Durkheim es importante reflexionar sobre la historicidad de la pedagogía y de la educación. El articulomuestra que en el trabajo Durkheim se pueden percibir unos esbozos iniciales para la configuración deuna pedagogía histórica más allá de la historia de la pedagogía y de la historia de la educación, asuntoéste que cobra relevancia después del denominado “giro social” en la historia, con su consecuente valoraciónde una historia de la educación y subvaloración de una historia de la pedagogía.Palavras-chaveDurkheim. Pedagogía histórica. Historia de la educación. Historia de la pedagogía.

AbstractThe pourpose of this article is to show the importance of Émile Durkheim for a historical pedagogy. ForDurkehim is very important to reflect on the historicity of pedagogy and education. The article shows thatin Durkheim´s work we can perceive the initial outlines for a historical pedagogy beyond the history ofeducation and the history of pedagogy, a very important aspect after the “social turn” in history with hisvaloration of the history of education and his infravaloration of the history of pedagogy.Key wordsDurkheim. Historical pedagogy. History of education. History of pedagogy.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 149-161, jul./dez. 2008.

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“El futuro no puede salir de la nada: no lopodemos edificar más que a base de losmateriales que nos ha legado el pasado. Unideal que se construye sustentando ideascontrarias al estado de cosas existente no esrealizable, puesto que no está enraizado enla realidad. Por demás, resulta evidente queel pasado tenía sus razones de ser; no hubiesepodido durar si no hubiese respondido anecesidades legítimas que en forma algunapueden desaparecer radicalmente de la nochea la mañana; por tanto, no se puede hacertajantemente tabla rasa, sin desestimarnecesidades vitales”.

Émile Durkheim, 2000, p. 92; 1976, p. 129

“Guardémonos, pues, muy mucho de creer quebasta con un poco de sentido común y decultura para resolver de pasada cuestionescomo la siguiente: ¿qué es la enseñanza se-cundaria, qué es un colegio, qué es un gra-do?’. Podemos perfectamente, a través de unanálisis mental, evidenciar con bastantefacilidad la idea que nos hacemos perso-nalmente de una u otra de esas realidades[…] Ahora bien, para averiguar cuáles son éstos,no basta con auscultarnos a nosotros mismos;dado que es en el pasado que ha producidosus efectos, es en el pasado también quedebemos buscar su evolución. Muy lejos detener el derecho de considerar como eviden-te la noción que llevamos en nuestra mente,debemos, muy al contrario, tenerla porsospechosa”.

Émile Durkheim, 2000, p. 129; 1976, p. 161

Introducción

A pesar de haberse desempeñadocomo sociólogo, Émile Durkheim (1858-1917) hizo aportes fundamentales al pen-samiento pedagógico moderno, especial-

mente en el mundo francófono y enaquellos lugares en los que se apropiaroncon más fuerza los aspectos pedagógicosprovenientes de esta tradición. Su visiónsociológica de la educación, con un cargadotinte cientifista – positivista –, no fue óbicepara otro tipo de reflexiones y distincionesdentro del campo de la pedagogía – ensentido disciplinar y profesional – que hoysiguen siendo un punto de discusión muyimportante para una epistemología o refle-xión sobre sí misma y sobre sus fundamen-tos, etc. El propósito de este escrito esresaltar la importancia de este autor parauna pedagogía histórica y para ello se re-toma críticamente una serie de apreciacio-nes en las que Durkheim plantea su posiciónsobre lo valioso de reflexionar sobre lahistoricidad de la pedagogía y de la educa-ción como forma de consolidar dicho cam-po. Lo que se quiere mostrar, desde el puntode vista de su importancia para laactualidad, es que en Durkheim se puedenpercibir unos esbozos iniciales para laconfiguración de una pedagogía históricamás allá de la historia de la pedagogía yde la historia de la educación, asunto ésteque cobra relevancia después del denomi-nado “giro social” en la historia, con suconsecuente valoración de una historia dela educación y subvaloración de unahistoria de la pedagogía. Esta problemáti-ca tiene que ver igualmente con unas clari-dades epistemológicas sobre la ciencia dela educación, la pedagogía y la educaciónque ya desde el mismo Durkheim habíapuesto sobre la mesa y que, no obstante,su desatención no ha hecho más que creardiferenciaciones que no vienen al caso, si

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existe una comprensión inicial de la peda-gogía y su objeto: la educación.

Recordemos que, desde que lahistoria social francesa hizo sentir su influ-encia en el campo profesional y disciplinarde la pedagogía (ciencia de la educación ociencias de la educación)1 a partir de 1960,la expresión “historia de la pedagogía” cayóen una suerte de descrédito porque con ellase hacía alusión a un subcampo de lapedagogía o ciencia de la educación quehabía vivido de los aportes de la “vieja”historia de las ideas, sobre todo, de aquéllaque estuvo bajo la influencia del idealismoe historicismo – alemanes –; es decir, de unahistoria de la pedagogía comoGeistesgeschichte (historia intelectual o es-piritual) que se entendía como parte de lasGeisteswissenschaften (ciencias del espírituo de la cultura) y, específicamente, de lapedagogía de las ciencias del espíritu(geisteswissenschaftliche Pädagogik).

La expresión “historia de la educa-ción” se hizo entonces hegemónica, porquecon ella se suponía, por un lado, una rup-tura con la historia de las ideas, fuertementecriticada por los historiadores sociales2, y,por el otro, se aspiraba, ahora si, a unaorientación considerada más adecuada entanto se enfocaba hacia la praxis educativacomo praxis social, “verdadero” objeto deestudio de una “nueva historia” que se con-cebía a sí misma como “anti-intelectualista”y social. No obstante, si bien las críticas a loque comprendía la historia de la pedagogíaeran acertadas — crítica al carácter ahistóricoy descontextualizado social y culturalmen-te hablando de la historia de los grandeshombres, sus obras y sus ideas , no por ello

la nueva expresión “historia de la educación”como criterio de delimitación debía serasumida tal y como sucedió históricamente.Recordemos que así como son frecuenteslas alusiones a una cierta apatía por ladiscusión sobre los fundamentos por partede los historiadores, son también frecuenteslas críticas a los que se desempeñan en elcampo disciplinar y profesional de lapedagogía por su falta de reflexión episte-mológica. En ese marco la expresión“historia de la educación” se configuró apartir de unas nuevas reflexiones sobre lahistoriografía en las que no quedaba muybien parada la historia de las ideas, pero secomenzó a utilizar la expresión sin ningunajustificación y sin ningún cuestionamientoal derecho de ser usada3. En este escritopropondremos la expresión “pedagogía his-tórica” y daremos razones para justificar suuso acudiendo a los aportes de ÉmileDurkheim.

En primer lugar, partimos de que ladiferenciación entre una historia de laeducación y una historia de la pedagogíahace evidente un desconocimiento peda-gógico-disciplinar, a saber: que una cosa esla pedagogía, ciencia de la educación ociencias de la educación y otra cosa es laeducación; que una cosa es el campo disci-plinar y otra cosa es su objeto de estudio.Punto este que dentro de la tradiciónalemana es un sobreentendido, que den-tro de la tradición francófona fue aclaradoen los escritos sobre pedagogía porDurkheim y que acá vamos a resaltar; peroque en el contexto hispano parlante yanglosajón continúa siendo ambiguo: esprecisamente en el contexto anglosajón e

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hispano parlante en donde se aprecia conmayor frecuencia una concepcióndesdiferenciada entre pedagogía yeducación. Por pedagogía suele entendersela praxis educativa misma, es decir, laeducación y por educación se suele enten-der un campo disciplinar. Ni la educaciónes una disciplina, ni la pedagogía es el edu-car o el enseñar.

Así pues, si partimos de unaconcepción de la pedagogía – ciencia dela educación o ciencias de la educación –como campo profesional y disciplinar y dela educación en su sentido amplio comosu objeto de estudio y si partimos tambiéndel presupuesto de la historicidad tanto delas disciplinas como de sus objetos, enton-ces una historia de la pedagogía tendríatanta legitimidad como una historia de laeducación; pero ninguna de ellas incluiríaa la otra. Ese parece ser el grave error dequienes se consideran actualmente o comohistoriadores de la educación o como his-toriadores de la pedagogía. Error que sepuede corregir acudiendo, como en estecaso, a los aportes que Durkheim ofrecióen sus trabajos sobre pedagogía.

1 Contexto teórico de laspreocupaciones pedagógicas en laobra de Durkheim

Podría afirmarse que la obra de EmilioDurkheim tiene en su conjunto la misióndisciplinar de comprender e intervenir lasrealidades sociohistóricas existentes en laEuropa de finales del siglo XX, principal-mente las realidades francesas (GIROLA,2005, p.18). Grosso modo, puede decirse

que dichas realidades giraban en torno ados pretensiones civilizatorias centrales enoccidente. De un lado, la configuración delos llamados estados nacionales como in-tento por consolidar un tipo de sociedadarticulada por representaciones colectivastales como: el ideal de democracia, las for-mas industrialistas de la economía, lainstrucción de los ciudadanos desde idealesburgueses y la estructuración de cierto sis-tema-mundo capaz de pensar de formadesanclada estas ideas. De otro lado, la ideacivilizatoria del control de las emocionescomo objetivación del tipo de subjetivida-des pertinentes en sociedades cada vez máscomplejas. Acá surge como telos formativola configuración de sujetos capaces de autocontrolar sus emociones.

El tema de la configuración de losestados nacionales modernos es abordadopor Durkheim en textos como: La divisióndel trabajo social (tomos I y II) (1987), endonde el autor consigue, a partir de sus tesissobre los tipos de solidaridad, solidaridadmecánica y solidaridad orgánica, determi-nar el devenir civilizatorio occidental capazde llevar este tipo de sociedades hacia elprogreso4. En su texto las formas elemen-tales de la vida religiosa (1982), el autorlogra identificar como un centro civilizatoriooccidental cierto tipo de concepción deltiempo que permite la valoración de la vidadesde el canon del progreso5.

El control de las emociones estematizado por Durkheim en textos como:El suicidio (1974), en donde el tema de laanomia hace su aparición como productosocial de la falta de normas que reglamen-ten las relaciones entre los partícipes en la

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vida industrial y comercial, gestadas dadoel creciente debilitamiento de la concienciacolectiva y la emergencia de repre-sentaciones colectivas propias del descen-tramiento simbólico del mundo moderno.Así, el autor consigue ver cómo ciertaspatologías que se expresan en lo individu-al tienen su justificación o explicación en locolectivo. El tema del suicidio se erige comouna excusa para explicar ciertas “leyessociales” que hacen de los sujetos sus por-tadores más no sus legisladores. Para esteautor, el suicidio deviene en un fenómenode amenaza de la integración social porcausa del crecimiento de la individuaciónen las sociedades modernas6. En su obraLa educación moral (2002), el autor hacealusión a la importancia que tiene laformación de la regulación en los sujetoscomo aspecto central de su socialización eindividuación7.

Dado lo anterior, puede afirmarse queen la obra de Durkheim existen suficientesatisbos teóricos, como para hablar de unapostura sociológica, antropológica y peda-gógica sobre la reconfiguración de lasociedad y civilización occidental europea.Para el caso concreto de una reconstrucciónde las apuestas pedagógicas de este au-tor, se hace central problematizar sus ideasen torno a la educación entendida comosocialización y a la formación entendidacomo individuación.

El concepto de socialización-educación hace alusión, en clave sociológi-ca y pedagógica, a la influencia que lasviejas generaciones ejercen sobre lasnuevas (DURKHEIM, 2000, p. 53). Lasocialización sería el centro de la

reproducción social y, por ende, operaríacomo contexto y determinante de laconfiguración de las subjetividades. En tér-minos del autor:

“De la definición que precede resultaque la educación consiste en una sociali-zación metódica de la joven generación. Sepuede decir que en cada uno de nosotrosexisten dos seres que, aun cuando insepa-rables a no ser por abstracción, no dejande ser distintos. El uno, está constituido portodos los estados mentales que no serefieren más que a nosotros mismos y a losacontecimientos de nuestra vida privada:es lo que se podría muy bien denominar elser individual. El otro, es un sistema de ideas,de sentimientos y de costumbres queexpresan en nosotros, no nuestra persona-lidad, sino el grupo o los grupos diferentesen los que estamos integrados (…) Su con-junto constituye el ser social. El formar eseser en cada uno de nosotros, tal es el fin dela educación” (DURKHEIM, 2000, p. 53-54).

El concepto de individuación-formación se refiere a la estructuración deciertas subjetividades, que en términos so-ciológicos y pedagógicos, evidencian laagencia de los sujetos sobre sí mismos, cla-ro está, desde acervos de conocimientossocialmente construidos e impartidos en laeducación. Para Durkheim, el proceso deindividuación que ha acompañado a lahistoria de la humanidad y que ha conver-tido a los hombres en seres con capacidadde decisión con respecto a sus vidas, haproducido, a la vez, una situación que esteautor llama de “desamparo moral” y que,según él, ha debilitado los nexos que unenal individuo con la sociedad. Así, en su

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versión más radical, la individuación adoptael matiz burgués de individualismo, vistocomo egoísmo y conducente al progresivoaislamiento de la vida comunitaria(GIROLA, 2005, p. 30).

Para este autor, la única manera deevitar la “impaciencia febril”, la “sensibilidadexacerbada” y el estado de incertidumbreque se derivan de dar rienda suelta a lospropios deseos y pasiones, propios del in-dividualismo, es limitarlos y contenerlos apartir de la formación del carácter, pues “laactividad humana no puede estar libre detodo freno” (GIROLA, 2005, p.31). De estaforma, la individuación implicaría, en térmi-nos pedagógicos y políticos, entender lalibertad como la capacidad de ser dueñosde sí, de obrar de acuerdo con la razón,teniendo como fin educativo la acciónformativa de llegar al dominio de sí mismo(DURKHEIM, 2002, p.34).

2 Pedagogía y ciencia de laeducación

Émile Durkheim no sólo se destacadentro del mundo intelectual y académicocomo uno de los grandes sociólogos denuestro tiempo, sino también como un granpensador – como un clásico – de lapedagogía, gracias a una serie de leccionesy conferencias que vieron la luz como obraspóstumas bajo los siguientes títulos: Laeducación moral – lecciones de 1902-1903– aparecida en 1925, Educación ysociología – lecciones de 1902-1911 –publicada en 1922 y La evolución pedagó-gica en Francia – conferencias de 1904-1905 – aparecida en 1938. Gracias a éstos

y otros aportes8, a Durkheim se le conside-ra como uno de los fundadores de lasciencias de la educación francófonas,aunque, curiosamente, jamás se halla refe-rido a ellas con un término en plural.

En la segunda parte del libroEducación y sociología9: “Naturaleza y mé-todo de la pedagogía”, Durkheim planteaque hay que superar el error de seguirconfundiendo entre sí los términos“educación” y “pedagogía” – problema quetodavía persiste en nuestro contexto – y deeste modo le reconoce a la pedagogía elestatus de reflexión y a la educación elcarácter de praxis social que sería el objetode estudio – materia – de aquélla. Alrespecto dice: “Otra cosa muy distinta suce-de con la pedagogía. Ésta consiste, no enactos, sino en teorías. Esas teorías son for-mas de concebir la educación, en ningúncaso maneras de llevarlas a cabo […] Dedonde se desprende que la educación noes más que la materia de la pedagogía. Estaúltima estriba en una determinada formade pensar respecto a los elementos de laeducación” (DURKHEIM, 2000, p. 73). Apa-rece así una clara separación entre el “obje-to”: la educación – que es una forma praxissocial –, y el “sujeto”: la pedagogía; este au-tor establece entonces una diferencia, ba-nal para otras tradiciones pensamiento pe-dagógico como la alemana, entre el fenó-meno o asunto estudiado y la instancia odisciplina que lo estudia. Esto tan insignifi-cante, a primera vista, me interesa resaltarloporque aún en nuestros días en nuestrocontexto colombiano todavía se sueleconcebir la educación como un espacio dis-ciplinar en el que lo que investiga y lo in-

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vestigado se “desdiferencian” confusamen-te y quedan en un inexplicable mismo nivel.Como si dijo arriba, esto trae también conse-cuencias para una comprensión de sí de lapedagogía histórica que, debido en parte ala desatención de esta distinción y despuésdel giro social en historia, situó en un lugarantagónico a la historia de la pedagogía ya la historia de le educación.

Durkheim plantea en sus escritos pe-dagógicos una diferencia entre pedagogíay ciencia de la educación (DURKHEIM,1976, 2000). La primera sería una teoríapráctica con un carácter intermedio entre laciencia y el arte. Así sostiene: “Ahora bien,entre el arte así definido y la cienciapropiamente dicha, hay un lugar para unaactitud mental intermedia. En vez de actuarsobre las cosas o sobre los seres segúnmodos determinados, se reflexiona acercade procedimientos de acción que son asíutilizados, no con vistas a conocerlos y aexplicarlos, pero sí para apreciarlos en loque valen, para averiguar si son lo quedeben ser, si no convendría modificarlos yde qué manera, o, incluso, sustituirlos total-mente por métodos nuevos. Dichasreflexiones adoptan la forma de teorías; soncombinaciones de ideas, no combinacionesde actos, y, por ese camino, se aproximan ala ciencia. Ahora bien, las ideas que son asícombinadas tienen por objeto no elexpresar la naturaleza de las cosas deter-minadas, sino de dirigir la acción […] Si noconstituyen acciones, son, cuando menos,programas de acción y por ese camino seaproximan al arte” (DURKHEIM, 2000, p.83; 1976, p. 122-3). La segunda, la cienciade la educación, a pesar de ser todavía un

desideratum, para consolidarse tendría quedesarrollarse, según Durkheim, a partir dela descripción y explicación de su objeto deestudio, a saber: la praxis educativa, es decir,la educación, con el propósito de dar cuentade su naturaleza, sus condiciones y sus leyesde evolución10.

Así pues, este autor acepta la exis-tencia de un ámbito de reflexión que iden-tifica como pedagogía, pero que, a su vez,diferencia de la ciencia en sentido estricto.De manera que una ciencia de la educación,como ciencia organizada en la que la peda-gogía habría de basarse11, no existe aún.De allí entonces la situación problemáticapara la pedagogía, ya que ésta solo tendríalegitimidad si se apoyara en una “cienciaconstituida e incontestable de la cual no esmás que la aplicación” (DURKHEIM, 2000,p. 84; 1976, p. 123). Pero debido a que laciencia de la educación no existe más queen estado de proyecto, Durkheim sepregunta entonces sobre la posibilidad deotras ciencias de base para la pedagogía.Habla, por un lado, de la sociología y susramas y, por el otro, de la psicología, aunquereconoce también los apenas desarrollosiniciales de ambas12: “Bien verdad es quela ciencia de la educación está totalmentepor hacer, que la sociología y la psicologíaestán aún en un estadio poco menos queembrionario” (DURKHEIM, 2000, p. 85;1976, p. 124).

Debido a todas estas circunstanciasen cierto modo no propicias para eldesarrollo de la pedagogía, Durkheim, con-trario a cualquier posición quietista o enactitud de espera, propone seguir adelantey continuar trabajando. ¿Cómo? Mediante

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el desarrollo y profundización de la reflexiónpedagógica.

3 La reflexión como condiciónpara el desarrollo de la pedagogía

La reflexión a la que alude Durkheimse constituye en el motor fundamental parael desarrollo de la pedagogía por variasrazones:

– Para suplir las lagunas de la tradicióneducativa y procurar el cambio; es decir,“cuando se tiene que remozar urgente-mente un sistema escolar para ponerloen armonía con los imperativos deltiempo actual” (DURKHEIM, 2000, p. 86;1976, p. 125).

– Para prevenir las posibilidades de errorde las prácticas educativas, de maneraque para poder adaptarlas condiscernimiento “a la variedad de los ca-sos particulares, se debe saber hacia quétienden, cuáles son las razones de losdiferentes procedimientos que lasconstituyen, así como los efectos queproducen en las diferentes circunstancias;en una palabra, se debe haberlassometido a la reflexión pedagógica”(DURKHEIM, 2000, p. 87; 1976, p. 125).

– Para romper con la rutina de las formasde enseñanza; es decir, con empírica ymecánica. “Y, la única forma de impedirleque caiga bajo el yugo de la costumbrey de (sic) que degenere en un auto-matismo maquinal e inmutable, esmantenerla constantemente en vilo a tra-vés de la reflexión. Cuando el educadorse percata de los métodos que utiliza, de

sus fines y de su razón de ser, está encondición de juzgarlos y, más adelante,está dispuesto a modificarlos si llega aconvencerse de que la meta perseguidaya no es la misma o de que los mediosque se deben utilizar deben ser diferen-tes. La reflexión es, por excelencia, lafuerza antagonista de la rutina, y la rutinaes un obstáculo para los progresosnecesarios13” (DURKHEIM, 2000, p. 87-88; 1976, p. 126).

Es en este marco de aspectos por re-flexionar que cobra importancia un espaciode indagación en perspectiva histórica. Así,para poder comprender el sistema de sutiempo, el pedagogo no puede limitarse aconsiderarlo tal y como es, “pues, dicho sis-tema educacional es un producto de lahistoria que tan sólo ésta puede explicar14”(DURKHEIM, 2000, p. 89; 1976, p. 127).

La perspectiva histórica que asumela reflexión pedagógica en Durkheim abredos grandes ámbitos de indagación quees necesario atender: por un lado, resultauna historia de la enseñanza, enmarcada,a su vez, dentro de una historia del sistemaescolar (primario, secundario y universitario)que habría que ver, en un sentido muchomás amplio, como parte de una historia dela educación. El presupuesto de fondo esque “la educación toma esencialmente par-te en la historicidad que separa la existenciahumana de la animal y queda histórica-mente determinada en todas sus metas, ensus formas de verificación y contenidos. Todatarea educativa acontece en el suelo histó-rico de la actualidad de vida concreta y so-cial, está ya determinada en sus impulsosdesde la tradición, se contempla vinculada

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o confrontada en su realización de fuerzase influjos superindividuales acuñados, sesirve del lenguaje transmitido, se remite ainstituciones a su vez históricas, encuentraen horizontes perfilados los contenidosespirituales que deben ser transmitidos”(GROTH, 1990, p. 7).

Y, de otro lado, resulta también unahistoria de las doctrinas pedagógicas comohistoria de las ideas y de los ideales peda-gógicos que habrían de ser consideradosigualmente como “hechos históricos”(DURKHEIM, 2000, p. 132; 1976, p. 163).Ello quiere decir, continuado con Groth, que,a su vez, una “pedagogía científica encuanto ciencia del hombre no puede pres-cindir de su historia. Esto significa que losproblemas pedagógicos, con vistas a supropia historia, pueden ser entendidos mejoren su importancia y al mismo tiempo en suvalor estricto. Esto significa asimismo losiguiente: la historia del problema de unconcepto pedagógico es al par ingredientesistemático del mismo concepto […] a laPedagogía científica no se le debe quitar lahistoricidad como punto determinante”(GROTH, 1990, p. 7)

Pero ambos ámbitos, el de la praxis– de la educación – y el de la teoría –doctrinas pedagógicas – no puedentrabajarse descontextualizadamente; esdecir, no pueden investigarse al margen dela sociedad y la cultura en las que estáninscritas, pues el “espíritu histórico está pre-sente en todos los rasgos particulares quedistinguen unas de otras a las distintasépocas y sociedades” (DURKHEIM, 1988,p. 276). De allí entonces la necesidad depensar esa “cultura pedagógica” (Durkheim)

en el marco también de un “espíritu nacio-nal” (Durkheim), con lo que dicha historiaentra a requerir de una mirada social y cul-tural: “En efecto, el ideal pedagógico de unaépoca expresa ante todo el estado de lasociedad en la época que nos ocupa esemomento” (DURKHEIM, 2000, p. 93; 1976,p. 130)

No es atrevido decir entonces que sivolvemos sobre estas apreciaciones deDurkheim los debates sobre si la historiade la educación se constituye en unaespecie de superación de la historia de lapedagogía o no adquieren un tinte deobsolescencia, ya que entender como algodistinto la educación en tanto praxis socialy la pedagogía en tanto conjunto de teoríassobre la educación y proponer repensarlasa partir de su respectivas historicidadesquiere decir que tienen tanta validez lashistorias de la educación como las historiasde la pedagogía, y es de acá que “debealimentarse la reflexión pedagógica. Enefecto, las doctrinas de más recientecreación no datan, precisamente, de ayer;son la continuación de las que las han pre-cedido, sin las cuales por tanto no puedenser bien interpretadas; y así progresivamente,se ve uno obligado, por lo general, aremontarse bastante lejos en el pasado paradescubrir las causas determinantes de unacorriente pedagógica de cierta importancia[…] Esta historia de la pedagogía, para dartodos sus frutos, no debe por otra parte,quedar separada de la historia de laenseñanza. Aun cuando en la exposiciónlas hayamos distinguido la una de la otrade hecho, ambas son solidarias”(DURKHEIM, 2000, p. 90-91; 1976, p. 128-

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129). Antes que dos disciplinas o que lasuperación de una por la otra, lo quetenemos es dos puntos de vista queresultan solidarios y complementariospedagógicamente hablando.

4 A modo de conclusión: Lapedagogía histórica como reflexiónpedagógica y como fomento de unaconciencia histórica

Es a ese espacio de solidaridad a loque vamos a llamar acá pedagogía histó-rica. Por ésta vamos a entender entonces,en un amplio sentido, un campo de indaga-ción de la pedagogía o ciencia de la educa-ción — una subdisciplina de la pedagogía —que se piensa a sí misma y a sus objetosproblemáticos (la educación, la enseñanza,la formación, las instituciones educativas)desde el punto de vista de su historicidad.Para ello utiliza la historia como herra-mienta; es decir, como medio y como apoyoteórico y metodológico. Una pedagogía his-tórica abarcaría tanto las problemáticas quetienen que ver con la pedagogía como cam-po disciplinar y profesional en su devenirhistórico como las problemáticas referidasa su objeto: la educación y a sus asuntosrelacionadas: la formación, la enseñanza,la instrucción, el maestro, el alumno, lasinstituciones escolares, etc. La adjetivación“histórica” señala, pues, una orientaciónpara la pedagogía que le permite a éstaverse a sí misma y a sus objetos en suhistoricidad.

“Dado que una larga práctica nos hafamiliarizado con las cosas de la vida esco-lar, éstas se nos antojan muy simples y

como no debiendo suscitar ningún proble-ma que exija, para ser resuelto, un grandespliegue de investigaciones […] Pero,cuando en vez de contemplar las cosas enel presente, se las considera en le contextohistórico la ilusión se desvanece”(DURKHEIM, 2000, p. 128; 1976, p. 160).

El aporte de Durkheim a unapedagogía histórica se encuentra inmersoen su apuesta por una reconstrucción ar-queológica fundacional del proyecto mo-derno. El objetivo histórico fundamental deeste momento arqueológico, siguiendo lareflexión durkheniana, es analizar lacuestión de la autoproducción social de lasrepresentaciones colectivas que conformanun mundo instituido de significacionessociales, este conjunto de representacionesconforman el sistema cultural- educativo deuna sociedad en torno a la cual la sociedadorganiza su producción de sentido, suidentidad, su nosotros, su nomos, es decir,sus procesos formativos. Así, ningunasociedad existe sin definir unos límites sim-bólicos que configuran la experiencia ycomprensión del mundo (BERIAIN,1990, p.27). Refiriéndose en concreto al temaeducativo, Durkheim expone:

“Guardémonos, pues, mucho de creerque basta con un poco de sentido comúny de cultura para resolver de pasadacuestiones como la siguiente: ¿qué es laenseñanza secundaria, qué es un colegio,qué es un grado?’. Podemos perfectamente,a través de un análisis mental, evidenciarcon bastante facilidad la idea que noshacemos personalmente de una u otra deesas realidades […] Ahora bien, para averi-guar cuáles son éstos, no basta con

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auscultarnos a nosotros mismos; dado quees en el pasado que ha producido susefectos, es en el pasado también quedebemos buscar su evolución. Muy lejos detener el derecho de considerar como evi-dente la noción que llevamos en nuestramente, debemos, muy al contrario, tenerlapor sospechosa” (DURKHEIM, 2000, p. 129;1976, p. 161).

Desde esta perspectiva, la pedagogíahistórica permite la reconstrucción-sospechahermenéutica de la producción social delsentido, que emerge de la interaccióncolectiva en la cual los sujetos sociales seapropian del significado normativo-integrativo de la sociedad, es decir, seforman (BERIAIN, 1990, p. 32). Dichaformación implica pedagógica ehistóricamente cierto progreso moral, enten-dido como progresiva racionalización de lasestructuras de la conciencia moral. Laformación social e individual es entonces,desde la orientación durkheimniana, laconfiguración de un ser moral.

Los aportes de una pedagogía his-tórica como conciencia histórica, en laorientación teórica de Durkheim, permitenponer a las sociedades en condiciones derememorar su pasado; permiten laconfiguración de una memoria colectiva(DURKHEIM, 1988, p. 290). Para dar cuentade esta reconstrucción, el autor proponecomo fin de los estudios sociológicos e his-tóricos identificar leyes que rigen en laconstrucción social de la realidad. ParaDurkheim, una ley histórica es:

A part i r del momento en que heestablecido una relación entre dos térmi-nos A y B tengo una ley. No definimos la

ley por la generalidad de los casos enque se manifiesta. No es necesario quela relación se reproduzca efectivamentecon más o menos frecuencia; basta conque sea de tal naturaleza que sereproduzca. (DURKHEIM, 1988, p. 297)

Uno de los hechos sociales que per-mite dicha reconstrucción histórica es laeducación. La educación como hecho soci-al, es decir, “como modos de actuar, de pen-sar y de sentir, exteriores al individuo, y queestán dotados de un poder de coerción envirtud del cual se imponen a él” (DURKHEIM,1988, p. 58), es una de las calves del análisishistórico de Durkheim para comprender laconfiguración de un determinado tipo desociedad, como lo es la sociedad modernaoccidental.

Notas1 Si bien las denominaciones de “pedagogía”, “cienciade la educación” y “ciencias de la educación”muestran unas connotaciones culturales ,epistemológicas y conceptuales diferenciadas deacuerdo a las tradiciones de origen (francesa,alemana, inglesa, latinomaericana), me interesasubrayar acá su equivalencia, en el sentido de quese constituyen, dentro de esas tradiciones, en lostérminos con que se designa el conjunto del cam-po disciplinar y profesional de los que se interesande una u otra manera por la educación y los aspec-tos relacionados con ella.2 Hay que tener en cuenta acá los debates quetrataba de reubicar y redefinir el lugar de la historiacomo parte de las ciencias sociales.3 Véase sobre este asunto la Crítica de la razónpura (1996) de Kant, específicamente el apartadoacerca de “la deducción de los conceptos puros delentendimiento”. Cuando las expresiones y conceptos— y también las metodologías y métodos, etc. — noproducen el suficiente rendimiento teórico y sonllevados hasta sus límites explicativos, es necesario,sí, proponer expresiones y conceptos — metodologías,

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métodos, etc. — nuevos, pero justificándolos teórica,metodológica, filosófica, histórica, e incluso,etimológicamente, pues hacer uso de ellos de unamanera indiscriminada, como lo hacen en muchoscasos quienes están en el campo de la pedagogía,sería renunciar desde un principio a su justificacióny legitimación, sería suponerlos como algo ya dadode por sí. Estas opiniones no son para decir quenos inscribimos en el programa cartesiano de apre-sar el mundo mediante ideas “claras y distintas”,pero si consideramos necesario, como regla míni-ma del juego, dejar en claro desde dónde se estáhablando y ello supone, entonces, una clarificacióny justificación de los conceptos que, supone a suvez, una postura distanciada con respecto al campode indagación en el cual uno se sitúa.4 Es importante resaltar que en esta obra, publicadaoriginalmente en Francia en el año 1893 como re-sultado de su tesis doctoral, Durkheim consigueidentificar cierta ley histórica: el paso de sociedades“primitivas” ancladas en solidaridades mecánicas quefuncionan como “moléculas sociales”, “una cohesiónque une entre sí a los elementos de los cuerposbrutos, por oposición a los cuerpos vivos”(DURKHEIM, 1987, p. 153), y que, por ende, seintegran simbólicamente a partir de concienciascolectivas (BERIAN, 1990, p. 17) a sociedades“avanzadas” enraizadas en solidaridades orgánicasque operan como “función de cada órgano”, “dondela individualidad del todo aumenta al mismo tiempoque la de las partes” (DURKHEIM, 1987, p. 154), yque por lo tanto se integra social y simbólicamentea partir de cierta división del trabajo propiciada porrepresentaciones colectivas (BERIAN, 1990, p. 17).Dado lo anterior, se puede colegir que en las ideashistóricas del autor se encuentra una concepciónevolucionista de la historia y de la sociedad.5 Este texto fue publicado originalmente en 1912. En

él el autor logra exponer como la concepción deltiempo deviene en la modernidad en una idea deltiempo pautado del conjunto de acciones socialesque desempeñan los actores sociales en sus vidascotidianas (DURKHEIM, 1982, p. 9). Una idea del tiempoque será elemento simbólico para la comprensiónde la experiencia moderna de la velocidad y el ámbitode los cambios (VALENCIA, 2007, p. 5).6 En esta obra, publicada en 1897, Durkheim inten-ta demostrar que el suicidio es un hecho socialque puede estudiarse independientemente de losfactores individuales (DURKHEIM, 1974). En este textoel autor logra de igual forma argumentar que laanomia demarca, no una carencia de normas, sinosus límites (GIROLA, 2005, p. 32).7 Este texto es publicado en 1902, con el interés decomprender y formar la voluntad; para este autor:“la voluntad no es, pues, un mero poder deautodeterminación ni un principio de libre arbitrio,es actuar de acuerdo con las normas, porque se hacomprometido y aceptado su justificación racional”(DURKHEIM, 2002, p. 33).8 Cf.: DURKHEIM, 1998.9 El escrito “Educación y sociología“ hace partetambién del libro: “Educación como socialización“ (1976), traducido del italiano y publicado por laEditorial Sígueme, en el que se incluyen, además,los escritos: “Sociología y filosofía” y “La educaciónmoral” — esta última de un modo incompleto.10 Cf. DURKHEIM, 2000, p. 84; 1976, p. 123.11 Idem.12 Idem.13 La posición de Durkheim acá es similar a laplanteada por Kant en su “Pedagogía”. Allí este últi-mo autor habla de la pedagogía como una cienciajuiciosa que no permite que la actividad educativase reduzca a automatismo y rutina.14 La cursiva es nuestra.

Referencias

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DURKHEIM, Émile. El suicidio. México: UNAM, 1974.

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______. Educación como socialización. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1976.

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FILLOUX, Jean-Claude. Durkheim y la educación. Buenos Aires: Miño y Dávila Editores, 1994.

GIROLA, Lidia. Anomia e individualismo. Del diagnóstico de la modernidad de Durkheim alpensamiento contemporáneo. Barcelona: Editorial Anthropos, 2005.

GROTH, Günther. La dimensión histórica de la pedagogía. Educación (Tübingen), v. 41, p. 7-16,1990.

KANT, Immanuel. Crítica de la Razón Pura. Trad. Pedro Ribas. Madrid: Alfaguara, 1993.

NICOLIN, Friedhelm. Historia de la educación. En: SPECK, Josef y WEHLE, Gerhard. Conceptosfundamentales de pedagogía. Barcelona: Editorial Herder, 1981.

VALENCIA, Guadalupe. Entre cronos y kairós. Las formas del tiempo sociohistórico. Barcelona:Editorial Anthropos, 2007.

Recebido em 14 de agosto de 2008.Aprovado para publicação em 27 de setembro de 2008.

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Análise Histórica da Graduação de Filosofia naFaculdade Nacional de Filosofia, na década de 1960Historical Analysis of the Undergraduate PhilosophyCourse at the Faculdade Nacional de Filosofia(National Faculty of Philosophy, Rio de Janeiro, Brazil)in the 1960s

Angela Maria Souza Martins

Dra. em Educação pela UFRJ. Profa. do PPGE- Mestrado/UNIRIO.e-mail: [email protected]

ResumoEste artigo analisa a história da graduação de Filosofia, na Faculdade Nacional de Filosofia, ao longo dadécada de 1960. Destaca as diferentes posturas teórico-metodológicas vigentes na orientação do curso deFilosofia neste período, o que provocou discussões sobre a reformulação do mesmo. Na década de 1960, foielaborado o Parecer n. 277, com as diretrizes para as graduações de Filosofia no Brasil. A divulgação desteparecer acirra o confronto entre a filosofia vigente nos currículos oficiais e a prática filosófica presente noquestionamento realizado por alunos e professores da graduação de Filosofia, da Faculdade Nacional deFilosofia. Conclui-se que este confronto possibilitou vislumbrar a construção de uma nova orientação parao currículo das graduações de Filosofia, mas a conjuntura política da década de 1960 não possibilitou aefetivação deste projeto.

Palavras-chaveHistória do ensino de Filosofia. Currículo. História das Instituições Escolares.

AbstractThis paper investigates the history of the undergraduate philosophy course at the Faculdade Nacional deFilosofia along the 1960s. It highlights the various prevalent theoretical-methodological approaches regardingphilosophy courses at that time, which resulted in intense discussions about their restructuring. In the1960s, Legal Opinion # 277 was elaborated establishing official educational policies for undergraduatephilosophy courses in Brazil and this fact instigated the confrontation between the prevailing governmentalphilosophy underlying syllabi and the philosophical practice held by students and professors at theundergraduate philosophy course at the Faculdade Nacional de Filosofia. We conclude that this theoreticalcontroversy enabled the construction of a new outlook for syllabi of undergraduate philosophy courses inthis country, although the political atmosphere of that time did not favor the effective materialization of thisproject.

Key wordsHistory of Philosophy Teaching. Syllabus. History of School Institutions.

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Introdução

Ao longo da década de 1960, as dis-cussões sobre a política educacional e a ne-cessidade de transformação da estruturauniversitária fervilhavam, principalmentenos diretórios da Faculdade Nacional deFilosofia1, no Rio de Janeiro. A graduaçãode filosofia desta Faculdade foi considera-da, por muitos, vanguarda na contestaçãoda política educacional de então. Os estu-dantes da Faculdade Nacional de Filosofiapromoviam debates e grupos de estudospara buscar novos caminhos para a gra-duação de Filosofia. Evidenciam-se as dife-rentes posturas teórico-ideológicas no quese refere à orientação do currículo da gra-duação de Filosofia. A reformulação docurrículo passa a ser o pano de fundo dasdiscussões nesse momento. Para se com-preender o que se passou neste período,foi analisado o Parecer que estabeleceu ocurrículo mínimo de Filosofia, em 1962, eforam entrevistados seis estudantes do cur-so de Filosofia que viveram o embate des-se período.

Até o início da década de 1960, nãohavia ainda sido elaborado o currículo mí-nimo para a graduação de Filosofia. Assim,a elaboração de um currículo que fosse abase comum das graduações de Filosofiatornou-se, então, um importante instrumen-to político.

Em 20 de outubro de 1962, o Con-selho Federal de educação emite o Parecern. 2772, que não só fixa o currículo mínimopara a graduação de Filosofia, como tam-bém introduz algumas modificações naestrutura curricular vigente.

O currículo mínimo para a graduaçãode Filosofia – Parecer n. 277

O Parecer n. 277 inicia com um bre-ve diagnóstico do currículo que vigoravana graduação de Filosofia. Segundo a aná-lise deste Parecer, um dos pontos críticosdo currículo que embasava a graduaçãode Filosofia era a rigidez e a uniformidade,que impossibilitavam ao aluno a flexibili-dade nas opções e “uma articulação orgâ-nica dos estudos” (PARECER n. 277, 1962,p. 4), principalmente para alunos provenien-tes de outros cursos da universidade.

Outro aspecto a ser corrigido era aênfase acentuada no estudo da Psicologia,o que acarretava dois problemas: não per-mitia “formar adequadamente um psicólo-go com a psicologia ensinada nos cursosde Filosofia” (PARECER n. 277, 1962, p. 5) enem formar adequadamente os estudan-tes que buscavam estudar Filosofia.

O diagnóstico desse Parecer concluique o currículo da graduação de Filosofiaproporcionava “uma visão enciclopédica daFilosofia, sacrificando o estudo em profun-didade em benefício de uma vista panorâ-mica superficial da problemática geral daFilosofia” (PARECER n 277, 1962, p. 7), porisso esse currículo deveria ser reformulado.

Na busca de critérios que embasas-sem esse novo currículo, os elaboradoresdesse Parecer dedicaram-se à seguinte pro-posição: os fundamentos de um currículode Filosofia deveriam estar “acima das di-vergências doutrinárias e das querelas daescola” (PARECER n. 277, 1962, p. 1), ouseja, o ideal seria que os fundamentos des-se currículo se pautassem pelos critérios de

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objetividade e neutralidade. Mas como aelaboração de um currículo de Filosofiaexige a escolha de uma determinada con-cepção filosófica, viram-se “irremediavel-mente obrigados a fazer uma opção, a umatomada de posição doutrinária” (PARECERn. 277, 1962, p. 1).

Consideraram também problemáticoo estabelecimento dos fatos filosóficos, fa-tos que comporiam o conteúdo das maté-rias filosóficas. Mas reconheceram que se-ria impossível estabelecer esses fatos talcomo nas ciências, pois a Filosofia, diferen-temente das ciências, não definia a priorios fatos filosóficos, assim como, em muitosmomentos, ela se questiona, faz o julga-mento de seus pressupostos. Por isso, con-sideravam difícil “a tarefa de se determinarde modo unívoco e universal seu conteúdo,o campo de sua problemática” (PARECERn. 277, 1962, p. 2).

Mas essa dificuldade se lhes afigurousuperável, caso se fizesse a distinção entre“a filosofia como atividade, o ato de filoso-far e a filosofia feita, a filosofia objetivadaem categorias e doutrinas ao longo da his-tória” (PARECER n. 277, 1962, p. 3). Estesaber filosófico, cristalizado ao longo da his-tória, por meio dos diversos sistemas filo-sóficos, é que deveria ser “matéria deensinamento” (PARECER n. 277, 1962, p.3).

Assim, o ensino de Filosofia, ou me-lhor, o ensinar a filosofar seria possível “apartir de categorias objetivas que são o pro-duto e a cristalização do pensamento filo-sófico” (PARECER n. 277, 1962, p. 3). Umagraduação de Filosofia, segundo este Pa-recer, possibilitaria ao estudante vir a filo-sofar, mediante a assimilação do conheci-

mento filosófico cristalizado ao longo dahistória por meio dos diversos sistemas fi-losóficos.

Esse conhecimento filosófico deveriaser distribuído em disciplinas. Daí emanamoutros problemas, porque nem todas ascorrentes filosóficas admitiam disciplinas,como por exemplo: a Metafísica, rejeitadapelo Positivismo e pelo Materialismo Dia-lético. Mas, interessados em propor um cur-rículo a partir do qual pudessem “mover-selivremente as diversas correntes do pensa-mento filosófico” (PARECER n. 277, 1962,p. 4), definiram os seguintes critérios básicos:a) criar uma “estrutura que (permitisse)

maior flexibilidade tanto da parte da es-cola como do aluno, ao mesmo tempoque (ensejasse) uma diversificação deacordo com as possibilidades e orienta-ção de cada Faculdade” (PARECER n.277, 1962, p. 7);

b) “o conteúdo e o nível (deveriam) ser de-terminados em função dos fins a que se(destinavam). No caso em questão (tra-tava-se) de um currículo mínimo de umcurso que (visava) à preparação do pro-fessor de filosofia da escola secundária(...) este preparo no nível de graduação(seria) substancialmente o mesmo, tan-to que aquele que se (destinava) à car-reira do professor secundário como paraquem (aspirasse) a dedicar-se à pesqui-sa pura” (PARECER n. 277, 1962, p. 8);

Quanto às disciplinas que deveriamconstar no currículo mínimo, seguir-se-iambasicamente dois critérios: o histórico e osistemático. O primeiro resulta da convicçãode que “história da filosofia constitui umingrediente imprescindível de um currículo

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de filosofia” (PARECER n. 277, 1962, p. 9) ea “plena compreensão da filosofia só épossível a partir de sua própria história” (PA-RECER n. 277, 1962, p. 9). Sendo assim, éaconselhável “que o estudo da história dafilosofia se (faça) mediante a leitura comen-tada dos grandes clássicos da filosofia” (PA-RECER n. 277, 1962, p. 10). A sistematiza-ção, por seu turno, representaria uma decor-rência dos objetivos fundamentais de qual-quer reflexão filosófica, enquanto “um saberuniversal das coisas, métodos de pensa-mento e forma de vida ou atitude espiritualdiante da existência” (PARECER n. 277,1962, p. 10).

A constituição dessas disciplinasdeveria levar em conta as três funções ouatividades essenciais da filosofia: a especu-lativa, a analítica e a normativo-valorativa,das quais derivam os seus problemas fun-damentais: “problemas do conhecer, proble-mas do valor e problemas da realidade oudo ser” (PARECER n. 277, 1962, p. 11). As-sim, essas três ordens de problemas corres-ponderiam a exigências de qualquer currí-culo de Filosofia.

Dentro desses critérios, o Parecer n.277 fixa o currículo mínimo da graduaçãode Filosofia:– matérias vinculadas ao problema do co-

nhecimento, isto é, a Lógica e a Teoria doConhecimento;

– matérias vinculadas aos problemas dovalor, a Ética ou Moral;

– matéria vinculada aos problemas da re-alidade ou do ser, isto é, a Metafísica.Afinal, não se poderia conceber “uma for-mação filosófica completa sem um estu-do dos grandes problemas metafísicos.

A verdade é que a Metafísica compreen-de um núcleo de questões que, em to-dos os tempos, tem caracterizado a filo-sofia em sua mais alta expressão” (PA-RECER n. 277, 1962, p. 12);

– matérias científicas, pois seria necessáriauma articulação da reflexão filosóficacom o pensamento científico, a Filosofiadeve dialogar “com as ciências positivas”(PARECER n. 277, 1962, p. 12). Sendo as-sim, dever-se-ia incluir no currículo o es-tudo de duas disciplinas científicas, sen-do uma obrigatoriamente da área dasCiências Humanas.

O currículo mínimo da graduação deFilosofia constituiu-se, a partir de então, comas seguintes disciplinas:– História da Filosofia– Lógica– Teoria do Conhecimento– Ética– Filosofia Geral: problemas metafísicos– duas matérias optativas versando sobre

ciências, sendo uma da área das CiênciasHumanas.

Ao final do Parecer, os seus autoresconcluíram que tinham atingido o objetivoprimordial quanto a um currículo de Filoso-fia, ou seja, “elaborar um currículo que nãoestivesse vinculado a uma ortodoxia oucorrente doutrinária, mas que se colocasseacima dos prejuízos de escola ou injunçõesideológicas” (PARECER n. 277, 1962, p. 15).

Coloca-se em relevo esta última afir-mação, porque ela era o pomo da discórdiaentre os estudantes do curso de Filosofiada Faculdade Nacional de Filosofia, na dé-cada de 1960, e os responsáveis pela ori-entação deste curso.

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Vigorava entre os estudantes a con-cepção de que a Filosofia enquanto elementoda superestrutura, se deixa, como qualqueroutro setor do conhecimento, impregnar einfluenciar por fatores políticos-ideológicos.

Ademais, consideravam que, conhe-cendo os conflitos entre as diversas tendên-cias filosóficas ao longo da História, não sepodia falar de Filosofia, mas de Filosofias.Muito próximas do que os estudantes pen-savam sobre a questão e opostas à pers-pectiva do Parecer, seriam as observaçõesde Gramsci:

Com efeito, não existe filosofia em geral:existem diversas filosofias ou concepçõesdo mundo e sempre se faz uma escolhaentre elas. Como ocorre esta escolha? Éesta escolha um fato puramente intelec-tual ou é um fato mais complexo? E nãoocorre freqüentemente que entre o fatointelectual e a norma de conduta existauma contradição? Qual será, então, a ver-dadeira concepção de mundo: a que élogicamente afirmada como fato intelec-tual, ou a que resulta da atividade real decada um, que está implícita na sua ação?E, já que a ação é sempre uma ação po-lítica, não se pode dizer que a verdadeirafilosofia de cada um se acha inteiramen-te contida na sua política? [...] É por isso,portanto, que não se pode separar a filo-sofia da política; ao contrário, pode-se de-monstrar que a escolha e a crítica de umaconcepção do mundo são, também elas,fatos políticos. (GRAMSCI, 2001, p. 96-97).

Ainda segundo a interpretação deGramsci, todos os sistemas filosóficos sãohistoricamente determinados e, por isso, asdiferentes concepções filosóficas são frutode contradições que dilaceram a socieda-de, nos diferentes períodos históricos. Assim,nenhuma corrente filosófica pode ser vista

como filosofia em geral, acima das diver-gências político-ideológicas. Na verdade,elas são questionamentos complexos dosdiferentes contextos históricos.

As conseqüências dessa discordân-cia teórico-ideológica quanto aos pressu-postos que deveriam orientar uma propos-ta pedagógica para a graduação de filoso-fia será explicitada no item a seguir, no qualse expõe o embate entre a orientação insti-tucional do curso de Filosofia da FaculdadeNacional de Filosofia e a postura teórico-ideológica dos estudantes.

Filosofia: saber perenis?

Segundo o depoimento de vários es-tudantes que participaram da graduaçãode Filosofia da Faculdade Nacional de Filo-sofia, durante a década de 1960, assim secaracterizava o curso:

Um programa tradicionalista [...] a filosofiadeveria ser estudada dentro daquelesmoldes antigos (Estudante B cursou Filo-sofia na FNF, no período de 1967 a 1970).

A orientação teórica do curso, profunda-mente tradicional, baseava-se na filosofiatomista. Estudava-se Lógica antiga(aristotélica), não havia Epistemologia, Filo-sofia da Ciência, Filosofia da Linguagem.Parava-se no século XVIII [...] assim o quehavia de mais avançado era Kant. Saltava-se um pouco para o século XX para daralgum elemento de Fenomenologia, demodo muito obscuro (Estudante M cursouFilosofia na FNF, no período de 1967 a 1970).

Havia alguns professores que seguiam oneotomismo contemporâneo [...] fazendoinclusive um confronto com a ciência e obergsonismo [...] aceitavam a discussãocom Bergson [...] enquanto outros nãoaceitavam essa interpretação e seguiam

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o tomismo numa linha mais tradicional(Estudante Z cursou Filosofia na FNF, noperíodo de 1959 a 1962).

Mas, nesse cenário, algumas ressal-vas foram feitas ao trabalho acadêmico doprofessor Álvaro Vieira Pinto, realizado noinício da década de 1960, na disciplina His-tória da Filosofia. O professor Vieira Pintocaracterizava-se por uma postura existen-cialista mesclada com algumas categoriasdo Materialismo Dialético. Acreditava quenão se deveria “ignorar os aspectos objeti-vos do existir humano, confinando-se ex-clusivamente na cogitação sobre a subjeti-vidade” (PINTO, 1960, p.66). Nesse sentido,era importante cultivar uma filosofia quevalorizasse “em grau supremo o esforço cri-ador humano, o trabalho como fator demodificação do mundo” (PINTO, 1960, p.63).O trabalho é uma atividade que “revela oser das coisas, e não a especulação lógicaapriorística ou alguma sutilíssima intuiçãometafísica” (PINTO, 1960, p.62). Na perspec-tiva existencial do professor Vieira Pinto, acategoria práxis ocupava um lugar central,pois esta categoria expressava a concreti-cidade do existir. Assim, a preocupação pri-mordial da Filosofia seria o questionamentoda existência, a partir de sua concreticidadee não por meio de intuições subjetivas quelevam a uma metafísica existencial.

Partindo dessa concepção filosófica,o Professor Vieira Pinto, segundo o teste-munho de alguns estudantes, atualizou oestudo da História da Filosofia, possibilitan-do a discussão de temas filosóficos can-dentes na cultura contemporânea. Mas seutrabalho acadêmico foi interrompido em1964, após o golpe militar. O professor

Vieira Pinto foi acusado de ser líder de umgrupo comunista e amoral que tinha gran-de influência na Faculdade Nacional de Fi-losofia que, por isso, foi considerado um ele-mento nocivo a esta instituição3.

Este fato, somado à predominânciade uma postura acadêmica tradicional noensino de Filosofia acirrou cada vez mais oconflito entre os anseios dos estudantes ea proposta curricular oficial. “Havia umadefasagem enorme entre o que era veicu-lado, localizado pelos professores e a ex-periência de vida”, queixava-se o estudan-te R, da Faculdade Nacional de Filosofia.

Esta situação provocava grande in-satisfação no corpo discente, principalmenteporque havia uma grande efervescência nocontexto sócio-político-cultural de então.Além disso não se pode ignorar que, na-quele momento, as entidades estudantisatuavam de maneira expressiva nos cur-sos universitários, possibilitando debatesextracurriculares sobre temas que geralmen-te não eram discutidos por meio das disci-plinas dos currículos oficiais.

Em decorrência da insatisfação sen-tida, os estudantes começaram a buscarcaminhos que pudessem suprir as deficiên-cias do curso de Filosofia, promoviam gru-pos de estudos, debates e seminários. Noinício da década de 1960, existia um cen-tro de estudos filosóficos que chegou apublicar um trabalho do Professor JoséAmérico da Motta Pessanha, assistente doProfessor Vieira Pinto, na disciplina Históriada Filosofia. Estas atividades são relatadaspor este depoimento:

Existia um Centro de Estudos Filosóficos –Vapor do Século – com diretoria constituída

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[...] Nós programávamos seminários, con-ferências [...] Eu me lembro que eu voteipara a diretoria do Centro de Estudos Fi-losóficos. E ele chegou a publicar um tra-balho do Professor José Américo intitu-lado Aristotelismo e Historicidade. (Estu-dante A, da FNFi)

Além dos grupos de estudos, houve,por um curto período, um jornal em queestudantes publicavam alguns artigos e pes-quisas, e muitos estudantes publicavam emperiódicos respeitados como a Revista Tem-po Brasileiro.

Parece que, a princípio, a finalidadedesses grupos de estudos era aprofundaros conhecimentos filosóficos, mas a partirdo meado da década de 1960, eles ganha-ram uma conotação política, pois esses gru-pos constituíam um espaço alternativo, emque os estudantes podiam estudar pensa-dores alijados do currículo oficial. Entre osestudantes do curso de Filosofia, do perío-do de 1967 a 1970, conta-nos o estudanteM, discutia-se Louis Althusser, Lacan, MichelFoucault, entre outros.

Constata-se assim que os questio-namentos críticos fundados numa concep-ção filosófica diversa da oficial davam-se amargem das disciplinas do currículo estabe-lecido, reflexo do confronto entre a filosofiaestabelecida dos currículos oficiais e umaprática filosófica e política que se efetivavapor meio do questionamento constituídopelos estudantes. O relato do estudante R.,que cursou Filosofia na Faculdade Nacio-nal de Filosofia, entre 1967 e 1970, ilustraesses questionamentos:

Na Faculdade de Filosofia o que eu acheiimportante foi a experiência de vida, apaixão pela política que a nossa geração

tinha, era a própria vida, a realidade quese infiltrava no curso [...] O interessante éque paralelamente a esse desvinculamen-to do curso da realidade, nós estávamosimersos na realidade, porque nunca sediscutiu tanto política, as assembléias daUNE eram realizadas dentro do curso deFilosofia. Nós discutíamos marxismo, fazía-mos seminários, discutíamos problemasbrasileiros, quer dizer, o curso inteiramen-te fora da realidade, mas os alunos viven-do, de forma emocional, apaixonada, in-gênua até, em alguns momentos, mas vi-vendo intensamente aquele período his-tórico (estudante R. cursou a FNFi, entre1967 e 1970).

A crescente movimentação políticada Faculdade Nacional de Filosofia, assimcomo a ampliação da defasagem entre ocurrículo oficial e a realidade social e histó-rica, fará irromper um movimento para aimplantação de um novo currículo no cur-so de Filosofia.

Os estudantes, aliados a alguns pro-fessores, elaboraram um currículo e o im-plantaram durante três ou quatro meses,no segundo semestre de 1968. Esse movi-mento deu-se paralelamente à elaboraçãode um currículo oficial, por outros membrosdo corpo docente. A esse respeito relata oestudante M., que freqüentou o curso daFNFi, de 1967 a 1970:

Nós do segundo ano nos rebelamos, fize-mos um movimento da nossa turma, quedepois se estendeu pela faculdade inteira,para reformular o currículo. No momentoem que estava sendo proposta uma refor-mulação, propusemos uma outra refor-mulação que fizesse uma ligação do cursocom a ciência, com a epistemologia, comuma nova problemática científica, realmen-te nova, que pudesse ligar o curso de Filo-sofia a pesquisas ativas em outras áreas

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e, ao mesmo tempo, pudesse dar maisdinamismo ao ensino (Estudante M., queestudou entre 1967 e 1970, na FNFi).

O currículo elaborado por alunos eprofessores enfatizava o estudo da episte-mologia, da Filosofia da Ciência, tentavainscrever o curso numa visão contemporâ-nea de questionamento da ciência. No di-zer do estudante R. “o eixo seria deslocadoda Metafísica para a Epistemologia, íamosestudar muito Marx, Nietzsche, Freud, osmalditos, os bastardos do século XIX”.

Enquanto o currículo proposto pelaala conservadora da Faculdade acrescen-tava ao currículo oficial as seguintes disci-plinas: Antropologia Filosófica, Antropolo-gia Lingüística, Filosofia da Linguagem, oque colocava o curso numa perspectivahumanista tradicional, estabelecendo-se,segundo o depoimento do estudante M.,“um casamento com a Fenomenologia etoda sorte de Idealismo”.

Quando estavam em andamento asdiscussões sobre as mudanças curriculares,a Faculdade Nacional de Filosofia foi ex-tinta e, em 1967, criou-se o Instituto de Fi-losofia e Ciências Sociais da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ)4. Nessemomento, a Diretora do Instituto MarinaSão Paulo de Vasconcellos aceitou a gestãode uma direção colegiada e implantou ocurrículo elaborado pelos estudantes e pro-fessores.

Mas, para a implantação desse novocurrículo, os estudantes pediram o afasta-mento de vários professores que discorda-ram não só da implantação, como tambémdas diretrizes do novo currículo. Esses pro-fessores seguiam uma linha tradicional da

Filosofia e não admitiam a reforma curri-cular tal como foi efetivada.

Essa situação provocou uma acalo-rada discussão política que redundou numavasta campanha na imprensa dos profes-sores que foram afastados5. Segundo essesprofessores, o Instituto de Filosofia e Ciên-cias Sociais era um antro de subversão. DomIrineu Penna, um dos professores afasta-dos, afirmou, por meio de várias reporta-gens a jornais, que no Instituto de Filosofiae Ciências Sociais tinha se instalado o terrorcultural para afastar professores que nãoseguiam o marxismo.

A partir de então, desencadeou-seuma forte campanha político-ideológicacontra os movimentos estudantis no Insti-tuto de Filosofia e Ciências Sociais, da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro. Na re-portagem intitulada: “Dom Irineu acusa aUFRJ: concessão à anarquia” lê-se a seguin-te análise sobre a universidade brasileira:

Um estudo sobre as diversas crises nauniversidade brasileira revela que o terro-rismo cultural esquerdista vem criandoraízes há algum tempo. Trata-se de umprocesso implantado pela ação de mino-rias extremistas composta de professorese estudantes subversivos que, por meiosinformais, forçam o afastamento de pro-fessores, técnicos e administradores quenão sejam simpáticos à causa. Episódiosde afastamento de professores sob a im-posição de estudantes não são novos. Noentanto, surgem agora com característicasinéditas, pois fazem parte de um planoglobal para deixar a universidade sob ocontrole de determinada facção política [...]que visa transformar a universidade emórgão de crítica social e política de fundoideológico (O GLOBO, 6/9/1968, p. 11).

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Essas acusações continuariam emoutras reportagens e o principal alvo era oInstituto de Filosofia e Ciências Sociais, daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, quechegou a ser chamado de soviet.

O pequeno soviet que vinha funcionandono Instituto teve seu esquema desarticu-lado com a divulgação dos fatos que deter-minaram o pedido de demissão de DomIrineu Penna. Seu plano visava criar umasituação insustentável para alguns dos pro-fessores mais capazes, possuidores de umcabedal humanístico que os credencia adesenvolverem pesquisas filosóficas de altonível. (O GLOBO, 5/9/1968, p. 3)

Essa campanha, por meio da impren-sa, atingiu seu ápice com a acusação edenúncia de que alguns professores estari-am compactuando com os estudantes,como podemos constatar no trecho da re-portagem abaixo:

Os que participam do esquema esquer-dista só se entendem em função da cú-pula liderada pelos professores: JoséAmérico Pessanha, Luís Alberto e SérgioFernandes, pois na sala de aula se dividemem grupos que se digladiam em defesadas linhas de Moscou, da China e de Cuba.Em razão disso, só interessam a eles fatosrelacionados com problemas atuais, depreferência abrangendo questões políticasdesses países. (O GLOBO, 5/9/1968, p.3)

Essas acusações pela imprensa con-tra a renovação do currículo no Instituto deFilosofia e Ciências Sociais trouxe sérias con-seqüências para os três cursos que o com-punham: Ciências Sociais, Filosofia e Histó-ria. Foram expulsos cerca de quarenta estu-dantes e doze professores6 foram afasta-dos de suas funções.

Em dezembro de 1968, regulamen-tou-se, por meio do decreto-lei n. 5.540, a

reforma universitária. Decretou-se tambémo AI-5 e, logo depois, promulgou-se o de-creto-lei n. 477 que reprime toda e qualqueratividade extraclasse.

O governo intervém no Instituto deFilosofia e Ciências Sociais e os estudantespassam a conviver com a polícia em seuscorredores, como recorda o estudante R.,que fazia parte do corpo discente do Insti-tuto em 1968:

Nós tivemos uma experiência traumáticade estudar com a polícia armada dentroda Faculdade [...] Existiam pelo menosquatro policiais armados permanentemen-te, rondando pelos corredores do Instituto[...] o ambiente era tensíssimo, pavoroso(estudante R, cursava Filosofia em 1968).

Mas, apesar de toda repressão osestudantes continuaram o movimento po-lítico e, várias vezes, o Instituto foi invadidopela polícia. A partir de 1968, a repressãotornou-se cada vez mais forte e sofisticada.Segundo o depoimento de uma estudante,

em 1969, quer dizer, depois do AI-5, co-meçaram a se matricular nos cursos, es-ses alunos que a gente sabia que erampoliciais [...] e quando não havia aindaalunos matriculados, ficava um policial àpaisana na porta da sala vigiando o queo professor dizia (estudante B., que estu-dou no Instituto de 1967 a 1970).

Diante dos acontecimentos narradosaqui, pode-se afirmar que se assiste, princi-palmente na segunda metade da décadade 1960, a um confronto político-ideológicoentre uma postura tradicional que orientavao currículo oficial do curso de Filosofia e avitalidade que brotava, a partir de um currí-culo extra oficial construído a partir de ex-periências e debates entre estudantes eprofessores. Construiu-se uma filosofia pul-

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sante, oriunda dos grupos de estudos, dosdebates, da irreverência, enfim, uma Filoso-fia que ansiava por se produzir em conso-nância com o momento histórico em curso.

Mas essa vitalidade se extinguiu pormeio de medidas políticas tomadas no fi-nal da década de 1960: a reforma universi-tária, o decreto-lei n. 477 e o AI-5. Na verda-de, de certa forma, o Estado temia a ousadiade estudantes e professores que queriamoptar por uma nova estrutura educacional,um novo currículo, a partir de uma novapostura político-pedagógica.

Considerações Finais

A partir do final da década de 1960,faziam-se sentir na universidade brasileiraas conseqüências da repressão política e,por outro lado, os efeitos da reforma univer-sitária estabelecida pelo decreto-lei n. 5.540.

A repressão apresentava-se de formatão evidente que os estudantes não podiampermanecer em sala de aula sem a presen-ça do professor. Todas as atividades extra-classe eram consideradas, a priori, subver-sivas. Esse clima repressivo foi profunda-mente prejudicial à vida acadêmica da gra-duação de Filosofia. Como vimos no iníciodeste artigo, a vitalidade e o questiona-mento crítico que existia na Faculdade Na-cional de Filosofia derivavam de umavida acadêmica politizada. Na prática polí-tica, surgiam indagações que motivavama busca de categorias teóricas que expli-cassem a realidade social e histórica, o quetornava a investigação filosófica plena designificado, uma busca constante de refle-xão sobre a realidade. Mas as medidas re-

pressivas acabaram por alijar da vida aca-dêmica esses questionamentos relaciona-dos a uma prática política.

Nesse período histórico, foi efetivadaa Reforma universitária que buscava mo-dernizar a universidade, a partir dos princí-pios de racionalidade, eficiência e produti-vidade. Estes princípios refletiam a finalida-de última dessa reforma: a formação demão de obra para atender a uma determi-nada fase do desenvolvimento capitalistano Brasil. O ensino universitário deveria serpredominantemente profissionalizante.

A despolitização da vida acadêmicae a ênfase no destino profissionalizante doensino universitário trouxeram sérias conse-qüências para a graduação de Filosofia. Como processo de despolitização das relaçõeseducacionais, a proibição da organização ementidades representativas de docentes e dis-centes e das atividades extracurriculares, eli-minou-se o espaço no qual se poderia dis-cutir e propor uma mudança das diretrizesdo currículo oficial do curso de Filosofia.

No final da década de 1960, assistia-se, principalmente na graduação de Filosofiado Instituto de Filosofia e Ciências Sociaisda Universidade Federal do Rio de Janeiro,as conseqüências de uma contradição: aconjugação de uma estrutura curricularconstruída sob a orientação pragmática etecnicista da reforma universitária com umaorientação filosófica idealista e dogmática.Esta união do pragmatismo com o idealis-mo ampliou a distância entre a reflexão fi-losófica e as questões contemporâneas,principalmente àquelas relacionadas aonosso contexto sócio-político-cultural.

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Notas1 A Faculdade Nacional de Filosofia foi criada em1939, no interior da Universidade do Brasil. Em 1967,ela foi extinta e, então foi criado o Instituto de Filo-sofia e Ciências Sociais (IFCS) e a Universidade doBrasil passou a se chamar Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ).2 Este Parecer foi elaborado por: Newton Sucupira(Relator); Anísio Teixeira; D. Cândido Padim O.S.B.;Valnir Chagas e Padre José Vasconcellos.3 DREIFUSS, René Armand. A Conquista do Estado.Petrópolis: Vozes, 1981. Consta do livro de DREIFUSSuma carta de Sônia Seganfredo, ex-aluna da FNFi,enviada ao IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos

Sociais), órgão que colaborou intelectualmente como golpe militar. Nesta carta, Sônia acusa o ProfessorVieira Pinto de ser comunista e liderar um grupo deenorme influência na FNFi.4 Em 1965, a Universidade do Brasil passa a sedenominar Universidade Federal do Rio de Janeiro.5 Foram afastados do curso de Filosofia do Institutode Filosofia e Ciências Sociais os professores: DomIrineu Penna, Gerardo Dantas Barreto, Marion Pena,Tarcísio Leal, entre outros.6 Eis alguns professores afastados do Instituto deFilosofia e Ciências Sociais: José Américo da MottaPessanha, Alberto C. de Souza, Sérgio Fernandes,Miriam Cardoso Limoeiro, Evaristo Moraes Filho,Manuel Maurício e Eulália Maria L. Lobo.

Referências

BRASIL. Parecer n. 277, de 20 de outubro de 1962. Fixa o Currículo Mínimo e duração do cursode Filosofia. Brasília, DF: Conselho Federal de Educação, 1962, 15 p.

D. Irineu Penna confirma suas denúncias. O Globo, Rio de Janeiro, 5 set.1968. Caderno 1, p. 3.

Dom Irineu acusa UFRJ: concessão à anarquia. O Globo, Rio de Janeiro, 6 set.1968. Caderno 1,p. 11.

DREIFUSS, René Armand. A Conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.

FLAM, Leopold. La philosophie au tournant de notre temps. Bruxelles: Presses Universitaire,1980.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, v. 1.

MAUGUE, Jean. O ensino de Filosofia: suas diretrizes. Revista Brasileira de Filosofia. São Paulo,out/dez, 1955.

PINTO, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1960, v. 1.l Maurício e Eulália Maria L. Lobo.

Recebido em 29 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

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O periódico Excelsior! (1911-1916) como ponto deobservação do campo de formação de professoresThe periodic Excelsior! (1911-1916) as an observation’spoint of the teacher’s training field

Emerson Correia da Silva*Ana Clara Bortoleto Nery**

*Mestrando em Educação pela UNESP – Marília.e-mail: [email protected]

** Doutora em Educação pela USP. Profa. da UNESP - Maríliae-mail: [email protected]

ResumoPropomos para o presente artigo o estudo do periódico Excelsior! com o objetivo de apreender os aspectosreferentes ao nascente campo de formação de professores em São Carlos e no estado de São Paulo. Combase na materialidade da revista, conceito do autor francês Roger Chartier, discutimos informações sobre operiódico e seus autores, assim como as leituras indicadas como adequadas e suas representações.Buscamos as marcas deixadas pelo periódico produzido pelos alunos da Escola Normal de São Carlos, nosanos de 1911 a 1916, com especial atenção para os aspectos de sua produção, circulação e editoração,destacando-se os dispositivos textuais e tipográficos utilizados como estratégias de conformação dos leito-res e das leituras. Deste modo, observamos modos de educar, relações existentes na escola, as principaisteorias empregadas e concepções envolvendo o tema democracia no trato do grêmio normalista e aimprensa periódica educacional.

Palavras-chaveHistória da formação docente. Imprensa periódica estudantil. grêmio normalista. .

AbstractWe propose the study of the periodic Excelsior! to understand the aspects related to the nascent teacher’sformation/training field in São Carlos’s city and the São Paulo’s state. Based on the concept of “materiality”,by the french author Roger Chartier, we discuss the information about the periodic, their authors, thereadings indicated as appropriate and their representations. We search into the periodic, produced bystudents of the Escola Normal de São Carlos in the years 1911 to 1916, their marks, with special attentionto the aspects of their production, circulation and publishing, with highlights being the textual andtypographical devices used as strategies for conformation of the readers and the readings. Thus we seenways to educate, relations in the school, the main theories and concepts employed involving the themedemocracy in the students society called “grêmio normalista” and the periodical educational press.Key wordsHistory of teacher training. Periodical student press student. grêmio normalista.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 175-186, jul./dez. 2008.

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176 Emerson Correia da SILVA; Ana Clara Bortoleto NERY. O periódico Excelsior!...

Partindo dos estudos realizados noâmbito do Programa de Pós-Graduação emEducação da Universidade EstadualPaulista “Julio de Mesquita Filho” – Facul-dade de Filosofia e Ciências, Campus deMarília1, definimos como objetivo para opresente artigo o estudo do periódicoExcelsior!, produzido por alunos da EscolaNormal de São Carlos, nos anos de 1911 a1916, com vistas à apreensão de aspectosreferentes ao nascente campo de formaçãode professores em São Carlos/SP, e no es-tado de São Paulo. Com base na materia-lidade da revista, discutimos informaçõessobre o periódico e seus autores (alunas,alunos, professores e funcionários da esco-la), assim como as leituras indicadas comoadequadas e suas representações, prova-velmente dirigidas para a formação de umprofessor ideal para aquele campo. Busca-mos as marcas deixadas pelo periódico,com especial atenção para os aspectos desua produção, circulação e editoração, des-tacando-se os dispositivos textuais e tipo-gráficos utilizados como estratégias de con-formação dos leitores e das leituras.

É bom ressaltar que nossos trabalhosatuais tiveram início com o projeto integra-do Divulgando Práticas e Saberes: aprodução de impressos pelos docentes dasEscolas Normais Brasil e Portugal (1911-1950)2 e no projeto de iniciação científica,intitulado Escritos de alunos: a revistaExcelsior!,3 que resultou no Trabalho de Con-clusão de Curso de Pedagogia apresentadono final de 2006, com o título O professorideal em Excelsior! (1911-1916): a re-vista dos alunos da Escola Normal de SãoCarlos,4 que se pautou pelo estudo de sua

materialidade com foco no professor idealveiculado pelo periódico. A compreensãode tais trabalhos, desenvolvidos nos anosanteriores, foi ampliada e amadurecida gra-ças às leituras e discussões realizadas nocurso de mestrado, resultando na propostaapresentada aqui.

Para compreender o período de 1911a 1916, vivido no campo da formação deprofessores na cidade de São Carlos/SP, asrelações entre alunas, alunos, pais, profes-sores e demais funcionários da Escola, nosvoltamos para os aspectos da materialidadeda revista que permitem o acesso a infor-mações sobre o cotidiano daquela comuni-dade e ainda permite discutir informaçõessobre as leituras (realizadas e indicadas),as imagens e representações criadas a par-tir de tais leituras e os porquês de tais leitu-ras naquele espaço e momento.

Num âmbito mais geral, observamosmodos de educar, relações existentes na es-cola, técnicas educacionais, principais teoriasempregadas e concepções envolvendo ademocracia no trato do grêmio normalistae na imprensa periódica educacional. Des-se modo, damos especial destaque aos dis-positivos textuais e tipográficos utilizadoscomo estratégias de conformação dos lei-tores e das leituras. Nos dirigimos para osaspectos da produção da revista, conside-rando principalmente os referentes ao pro-cesso de escrita presentes na revista, comolinha editorial adotada, tipo de leitor pen-sado, estratégias para o atendimento a esseleitor.

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Implicações teóricas do trabalho

Na introdução de História da lei-tu ra no mundo oc iden ta l (2004),Guglielmo Cavallo e Roger Chartier defen-dem como projeto do livro duas idéias es-senciais: a primeira, afirmando que “[...] a lei-tura não está inscrita no texto sem umadistância pensável entre o sentido atribuídoa este último (por seu autor, seu editor, pelacrítica, pela tradição, etc. ...) e o uso ou ainterpretação que dele pode ser feita porseus leitores” (CAVALLO & CHARTIER, 2004,p. 5); e a segunda reconhecendo “[...] queum texto apenas existe porque há um lei-tor para dar-lhe significação.” (CAVALLO &CHARTIER, 2004, p. 5). Estes são os primei-ros pontos de contato com a nossa posi-ção adotada perante o periódico Excelsior!.Sabemos que os textos da revista Excelsior!foram escritos pelos alunos da escola, maso caminho do texto manuscrito, até a suaefetiva impressão no periódico Excelsior! ébastante longo, passando (depois do crivodo professor) por editores, revisores, impres-sores gráficos. (CHARTIER, 1990). Em umoutro ponto, quando se trata do sentidodado à revista naquela época, não pode-remos atingi-lo plenamente, mas podere-mos fazer aproximações a esse sentido. Pordiversos modos Excelsior! nos dá pistassobre como era recebida por seus leitores.

Os contrastes entre as competênciasde leitura são importantes pontos observa-dos. Segundo os mesmos pesquisadores:“Todos aqueles que podem ler os textos nãoos lêem da mesma forma e, em cada perío-do, é grande a distância entre os grandesletrados e os menos hábeis dos leitores.”

(CAVALLO & CHARTIER, 2004, p. 6). Nesteponto, observamos as diferenças e distân-cias entre as competências dos indivíduosatuantes da revista, como professores, dire-tores da escola, alunas, alunos e convida-dos de fora da escola.

A partir desses pontos principais, ten-tamos “reconhecer leituras” como preconi-za Chartier (1990), por meio das séries, nestecaso uma série de revistas de ensino (setenúmeros de 1911 a 1916), estabelecendolimites e construindo estatísticas. Assim,acreditamos que conseguimos alcançaraspectos que possibilitaram “reconstruir, emsuas diferenças e em suas singularidades,as diversas maneiras de ler que caracteri-zam um campo específico” (CAVALLO &CHARTIER, 2004).

No que diz respeito ao uso do perió-dico, Marta M. C. de Carvalho apóia o usodo periódico educacional do modo comotentamos realizar aqui, como fonte. Dessemodo, o estudo do periódico em suamaterialidade é feito pela autora com vis-tas à apreensão de uma dada realidade. Amaterialidade do periódico seria um instru-mento de investigação no estudo das prá-ticas escolares. Como uma arqueologia5 ,que trata o impresso a ser analisado comoobjeto cultural que guarda as marcas desua produção e de seus usos, Marta afir-ma que

Pondo ênfase nos suportes materiais daprodução, circulação e apropriação dos sa-beres pedagógicos, essas investigaçõesabrangem estudos sobre uma pluralidadede impressos de destinação pedagógica: li-vros didáticos, manuais escolares, impren-sa periódica especializada em educação,bibliotecas escolares, coleções dirigidas a

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professores, etc. [...] Passam a interessarcomo objeto, no duplo sentido de objeto dainvestigação e de objeto material, cujosusos, em situações específicas, se querdeterminar. A materialidade desses obje-tos passa a ser o suporte do questionárioque orienta o investigador no estudo daspráticas que se formalizam nos seus usosescolares. (CARVALHO, 1998, p. 34)

Assim, podemos “Penetrar a caixapreta escolar, apanhando-lhe os dispositi-vos de organização e o cotidiano de suaspráticas; pôr em cena a perspectiva dosagentes educacionais; incorporar categoriasde análise [...], e recortar temas [...]” (CARVA-LHO, 1998, p. 31) como, por exemplo, a lei-tura e a escrita. Desse modo, “O modeloescolar de educação passa a ser compre-endido como construção histórica resultan-te da intersecção da pluralidade de dispo-sitivos científicos, religiosos, políticos e pe-dagógicos que definiram a modernidadecomo sociedade e escolarização” (CARVA-LHO, 1998, p. 32).

Segundo Barreira e outros (2004), emcujo estudo se preocupa com a utilizaçãodo periódico como fonte principal semtomá-lo como fonte única, pelo contrário,procura entendê-lo a partir da relação comoutras fontes e informações da historiogra-fia brasileira,

Eleger periódicos como objeto de estudopermite que o historiador amplie suasfontes tradicionais e, assim, tenha aces-so aos dispositivos discursivos que confi-guravam determinados campos do saber.A análise desses materiais possibilita apre-ender como os indivíduos produzem seumundo social e cultural – na intersecçãodas estratégias do impresso, que visa ins-taurar uma ordem desejada pela autori-dade que o produziu ou permitiu sua

publicação, com a apropriação feita pelosleitores: nesse espaço, percebemos as de-pendências que os unem e os conflitosque os separaram, detectamos suas ali-anças e enfrentamentos. (BARREIRA, 2004,p. 402, grifo nosso)

Assim como somente o periódico nãoé suficiente para a compreensão de umdado histórico, as fontes tradicionais tam-bém apresentam limites. Não há uma ne-gação das demais fontes, mas uma críticae uma proposta, são novos objetos e no-vos olhares frente à história e à sua escrita.Desse modo, Barreira nos dá pistas sobrecomo trabalhar com essas fontes, partindodos “[...] títulos dos livros e seus autores, bemcomo um estudo da seleção dos artigos edos temas que foram extraídos dos perió-dicos [...]” (BARREIRA, 2004, p. 406), pode-mos saber sobre o projeto pedagógico tra-çado pela revista, os temas e os autoresconsiderados adequados para serem lidose/ou estudados pelo professor.

O Grêmio Normalista “Vinte e Doisde Março” e sua revista, o futurodo campo

Publicada entre os anos de 1911 e1916, Excelsior! foi uma revista literária epedagógica que tomava para si o objetivode estreitamento do vínculo entre alunosda Escola Normal de São Carlos e socieda-de são-carlense, além de apoio aos estu-dos e incentivo à leitura.

Seu ciclo de vida começa no ano de1911 – ano de criação da Escola Normalde São Carlos – e foi a primeira revista pe-dagógica publicada pela escola6, antesmesmo da Revista da Escola Normal de

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São Carlos7 (1916-1923) publicada sob res-ponsabilidade dos docentes. Em suas pá-ginas eram discutidos assuntos educacio-nais, incluindo as tendências pedagógicasdo momento, as cerimônias ocorridas naescola e os trabalhos desenvolvidos emaula. Também podiam ser lidas crônicas ereproduções de textos de autores renoma-dos da época, poemas, exercícios de aula enotícias de interesse geral.

Entre os autores, além de alunas, alu-nos e professores (responsáveis pela sele-ção e revisão dos artigos), encontramos apresença de diretores e do secretário daescola, além de homens de influência dasociedade local, embora nem todos tenhamsido identificados por nossa pesquisa. Sãoartigos resultantes de conferências promo-vidas pela Escola Normal de São Carlos eentidades da sociedade são-carlense, alémde encomendas feitas por professores e alu-nos. Também foram publicadas reproduçõesde artigos de escritores como Machado deAssis, Aluísio de Azevedo, Euclides da Cu-nha e Rui Barbosa.

Quanto aos aspectos tipográficos, arevista tinha diagramação simples commedidas de 27 x 20 cm. As capas com títu-lo no alto ao centro, com informações so-bre o nome da escola e entidade respon-sável pela produção da revista, ano, núme-ro do exemplar e data. As capas ilustradas– três no total – apresentam a mesma gra-vura, feita pelo professor de Desenho eCaligrafia, Raphael Falco, da fachada doprédio da Escola Normal de São Carlos e,em primeiro plano, uma escrivaninha comlivros grossos, pergaminhos e um globoterrestre sobre o móvel.

A parte interna da revista era quasesempre organizada em duas colunas, comvariações para os poemas. As divisórias dascolunas, bordas e ornamento das lateraisde páginas, assim como os cabeçalhoseram clichês comprados em São Paulo. Hátambém imagens de ramos de flores gra-vadas nas bordas das páginas, muitas de-las se repetem em vários números. Informa-ções acerca dos aspectos tipográficos sãoimportantes para a compreensão da revis-ta como um todo, pois, segundo Chartier(1998, p. 13), os leitores “[...] não se defron-tam jamais com textos abstratos, ideais edesprendidos de toda a materialidade:manejam ou percebem objetos e formascujas estruturas e modalidades governama leitura”.

A distribuição do periódico era gra-tuita para os alunos da Escola Normal deSão Carlos – todos sócios do grêmionormalista – e não há informações sobrevendas ou assinaturas para pessoas exter-nas a essa organização. Sobre a circulaçãoda revista temos poucos indícios, mas sa-bemos que, além de circular em toda a Es-cola Normal de São Carlos e sociedade lo-cal, chegava a alcançar outras cidades doestado de São Paulo e até mesmo fora.8

Não há, em nenhum dos exemplares,explicitação sobre a tiragem da revista.

O Grêmio Normalista “Vinte e Dois deMarço” foi o responsável pela publicaçãoda revista Excelsior! desde sua criação, tam-bém em 1911. Ambos surgiram da iniciati-va do diretor da escola João Chrysostomo.De acordo com a “Acta da fundação do‘Gremio Normalista 22 de Março’ e da elei-ção da directoria provisoria”, redigida pelos

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alunos Luiz de Arruda Camargo eArchiticlino dos Santos,9 por determinaçãodo diretor da escola, no dia 27 de marçode 1911, ou seja, cinco dias após o iníciodas aulas, todos os alunos reuniram-se coma finalidade da fundação de um grêmio li-terário e pedagógico a fim de “[...] exercitar-se na arte da palavra elaborando trabalhoslitterarios e pedagógicos [...] [e] estreitar nosalumnos o vinculo de solidariedade e par-ticipação na sociedade” (CAMARGO, L., &SANTOS, 1911, p. 6).

O diretor propôs ainda que o grêmionormalista em fundação seguisse o mode-lo estatutário do Grêmio da Escola Normalda Capital,10 tendo sido realizada a leiturados títulos I a VI do estatuto da escola daCapital e logo depois abertos à votação “[...]sendo plenamente aprovados.” (CAMARGO,L., & SANTOS, 1911, p. 6). O diretor chamouatenção especial para o artigo 3º do títuloII: “Para ser admittido socio é necessario seralumno matriculado em o curso secundarioda Escola Normal ou ser por ella diploma-do” (CAMARGO, L., & SANTOS, 1911, p. 6),ressaltou ainda, segundo consta na ata,“Disse Sua Exa. que tambem era de seuparecer que, a nenhuma pessôa que nãoseja ou não tenha sido alumna desta Esco-la, deve ser permittido associar-se ao Gremioentão fundado” (CAMARGO, L., & SANTOS,1911, p. 6).

Verificamos não apenas a diretoriada escola atuando no grêmio normalista,mas também a Diretoria Geral da Instru-ção Pública, fato indicado pelo financia-mento da revista mantido inicialmente pormeio da Diretoria Geral da Instrução Pública(PIROLLA, 1988, p. 53), e pela fala de João

Chrysostomo, depois de aprovada a cria-ção do grêmio em votação por maioria,

Sua Exa. [o diretor] a dirigir-se aos sócios,externando-lhes o contentamento que lheia n’alma por ter conseguido satisfazer umdesejo do Dr. Inspetor Geral do Ensino,desejo que também era seu, fundando,em sua Escola, um Gremio litterario epedagogico.11 (CAMARGO, L., & SANTOS,1911, p. 6).

De posse dessas informações, cons-tatamos João Chrysostomo atuando dire-tamente na assembléia de criação do Grê-mio Normalista “Vinte e Dois de Março”,presidindo a reunião, propondo um mode-lo de estatuto e atentando para aspectospor ele considerados, mais importantes.Chrysostomo defendeu a permissão departicipação no grêmio normalista apenasaos alunos matriculados no curso secun-dário da escola normal ou diplomados pelamesma instituição. Assim, o diretor “prote-geu” o grêmio de qualquer elemento exter-no ao campo normalista secundário e abriua possibilidade de entrada para diploma-dos, o no caso, para os professores da Es-cola Normal São Carlos e ele mesmo. JoãoChrysostomo parece seguir orientações ofi-ciais sobre a constituição do Grêmio e suaatuação, bem como sobre a publicação doperiódico. Vale ressaltar que, em novembrode 1911, ele será o próximo Diretor Geralda Instrução Pública do estado de São Pau-lo, ocasião em que deixa a Escola NormalSecundária de São Carlos e o cargo de di-retor desta é ocupado interinamente peloProfessor Antônio Firmino Proença.

Observamos também a participaçãoindireta da Diretoria Geral da InstruçãoPública, que aparenta grande interesse na

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instituição do grêmio normalista e com cer-ta urgência em seu estabelecimento, umavez que, logo nos primeiros dias da instala-ção da escola, já estava criado o grêmioliterário e pedagógico. São fatores que de-notam o interesse e a importância dedica-dos às alunas e alunos, futuras professo-ras e dirigentes da educação, assim comoà tentativa de controlar e tutelar sua for-mação. Durante a primeira assembléia, JoãoChrysostomo fez questão de exprimir seuspareceres e opiniões, colocando sempre emprimeiro lugar a função do grêmio para aelevação da classe e da imagem do profes-sor – à qual mais tarde todos os presentesiriam pertencer – e o desenvolvimento dovínculo de solidariedade e participação nasociedade.

Esta forma de dirigir, de maneira aconformar, aconselhar e direcionar, de certaforma se distanciava dos ideais divulgadospelos jovens recém-chegados à escola, quese definiam, como uma “[...] mocidade ar-dente e cheia de idealismos alcandorados,mocidade que, no ardor do seu enthusias-mo, não se percebe da pobreza dos seusrecursos de acção” (A REDACÇÃO, 1911, p.5). Aventureiros, como denotado já na es-colha do título da revista, inspirado na ba-lada The banner, de Henry WadsworthLongfellow.

Comentando a balada, os alunos res-saltam: “O mancebo da ballada traz nasmãos uma bandeira: a bandeira é um sym-bolo, é a forma tangivel de um ideal” (AREDACÇÃO, 1911, p. 5). Parece ser esse osentido idealista e aventureiro, que preten-diam imprimir em sua revista, livre, deste-mido e arrojado, o que a princípio difere

dos ideais da diretoria da escola, empenha-da em imprimir nos alunos o sentido decomportamento exemplar, civismo e respon-sabilidade para com a família e sociedadesão-carlense.

Com a análise do periódico em seutodo, temos uma visão mais completa detodo seu ciclo e das diferentes fases pelasquais passou para questionar suas formasde organização e os possíveis embatesocorridos e movimentações dentro daquelecampo, assim como os ideais divulgados.

Excelsior! (1911-1916) um breveciclo: republicanismo tutelado

A revista foi publicada com periodi-cidade variável: do primeiro para o segun-do número passaram pouco mais de 3meses; do segundo para o terceiro, 11 me-ses; do terceiro para o quarto, 8 meses; doquarto para o quinto, menos de 1 mês; doquinto para o sexto, 10 meses; do sexto parao sétimo, 24 meses.

A idéia inicial referente à periodicida-de era de publicar os números em datascomemorativas, como foi o caso dos nú-meros 1 (15/11/1911), 2 (22/3/1912), 5(15/11/1913) e 7 (7/9/1916) relacionadosàs datas da Proclamação da República, ani-versário da Escola Normal de São Carlos eIndependência do Brasil, respectivamente.

Outra informação que devemos pon-tuar se refere à alternância entre as tipo-grafias em que a revista foi impressa. Essaalternância ocorreu provavelmente pormotivos de redução de custos na sua pro-dução. O número de páginas por ediçãotambém variou, apresentando um decrés-

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cimo até sua extinção. A média foi de apro-ximadamente 19 páginas por número, sen-do que os primeiros números contam comaproximadamente 26 e 22 páginas, decres-cendo a 15 páginas na publicação de 1916.

Foram publicadas fotografias – esti-lo medalhão em sua maioria – nos três pri-meiros números da revista. Imagens dogovernador do estado de São Paulo,Albuquerque Lins; do Secretário do Interior,Carlos Guimarães; do Diretor Geral da Ins-trução Pública, Oscar Thompson; dos dire-tores, dos lentes12, e dos professores da Es-cola Normal de São Carlos, além de fotosdos alunos componentes do grêmio nor-malista e das turmas de alunos, divididasem seção masculina e feminina. A ordemde publicação era a mesma descrita acima,primeiras páginas para o governador, dire-tor da instrução pública, até chegar às últi-mas com fotos das seções masculina e fe-minina de alunos. Também há uma ilustra-ção do professor de Caligrafia e DesenhoRaphael Falco no exemplar de número 3,em referência ao título da revista. No mes-mo caminho demonstrado pela diminuiçãodo número de páginas e alternância de ti-pografias, houve um decréscimo na publi-cação de fotografias, não havendo mais apublicação, já a partir do terceiro número.

Quanto aos autores – na busca deexplicitar as relações entre eles, seusposicionamentos e modos de atuação narevista –, buscamos primeiramente a suaidentificação. Para tanto, verificamos asassinaturas nos artigos e sumários. Quandonão identificados, realizamos a leitura doartigo em busca de pistas sobre o autor,procurando descobrir sua origem.

Entre os alunos identificados verifi-camos um total de, pelo menos, 47 autoresdiferentes. Há um número grande de auto-res distribuídos em relação ao número deartigos publicados por alunos, 85 artigosno total, resultando em uma média menorque 2 textos por aluno. Um pouco mais dametade dos alunos autores, 25, publicaramapenas um artigo.

Entre os que mais se destacaram emtermos quantitativos, e estes foram poucos,estão Haidéa Aracy de Arruda com quatroartigos, Architiclino dos Santos, ArgemiroPacheco, Benedicto Simões da Rocha, JacyM. de Oliveira Penteado e Walinda da Cu-nha Vieira, com 3 artigos cada um. Um pon-to importante a ser observado é a quanti-dade de artigos assinados por “a redacção”,num total de 9. Aquele que assinava pelaredação era sempre um aluno (rapaz) epoderia ser o presidente do grêmio norma-lista ou o redator da revista. Entre os textosconsiderados estão os editoriais, assimcomo as sessões de notícias. Em algunscasos, os editoriais estavam assinados, por-tanto identificados e contabilizados para oautor reconhecido.

Observamos também quais foram osdemais autores que pertenciam à Escola: 4professores, João Lourenço Rodrigues, Ma-rio Natividade, Theodoro de Morais e Rol-dão Lopes de Barros13; 1 diretor, AntônioFirmino Proença (lente da cadeira de Mé-todos e Processos de Ensino, Crítica Peda-gógica e Exercícios de Ensino e dirigiu aescola interinamente) e 1 funcionário, Joséde Camargo, que acumulava os cargos desecretário e bibliotecário. Foram, portanto,6 autores responsáveis por 9 artigos identi-

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ficados no total. Um número muito menordo que o número de alunos observado,sendo que 3 destes publicaram em 2 opor-tunidades.

Essa quantidade tão menor em rela-ção à quantidade de artigos dos alunosdeve ser observada com precaução. Os ar-tigos dessa categoria estão dispersos comuma média de 1,3 artigo por número, massua maioria foi publicada entre as primei-ras páginas de cada número e com maiorquantidade de páginas, portanto, procura-vam garantir sua leitura já de início, commaior visibilidade e quantidade de páginas.

Entre os textos publicados havia re-produções de textos e frases de autoresbrasileiros, como Aluísio de Azevedo (1857-1913), Euclides da Cunha (1866-1909),Machado de Assis (1839-1908), RaimundoCorrêa (1859-1911), Rio Branco (1845-1912) e Rui Barbosa (1849-1923). Tambémverificamos a presença de frases de filóso-fos e escritores gregos, Platão (427-347 A.C.),Eurípides (480-406 A.C.) e filósofos moder-nos, Descartes (1596-1650), Pascal (1623-1662) e ainda o texto inspirador do nomeda revista, o poema Excelsior! de HenryLongfellow (1807-1882). Estes nomes nosdão uma idéia dos interesses expressadosna revista, dos gostos e escolhas editoriais,daqueles textos considerados importantese pertinentes. Notamos que entre os auto-res, poucos foram contemporâneos aos alu-nos, muitos desses autores faleceram até adécada de 1920 e tiveram o auge de suaprodução em meados do século XIX. O pesopolítico dos republicanos de maior repre-sentatividade do final do século XIX e iníciodo XX, como Rui Barbosa, Barão do Rio

Branco e aliados, é hegemônico na revista.Percebemos a publicação de autores comoEuclides da Cunha, grande admirador eapadrinhado do Barão, em pequenos arti-gos de teor nacionalista. Da mesma formaaparecem as demais reproduções. São pon-tos que demonstram um teor político nãoexplícito da revista.

No total de reproduções publicadas,observamos 18 autores com um total de20 reproduções. Consideramos que essaseja a faceta literária, e também política, darevista, junto com os poemas publicadospor alunos e professores. A pequena inci-dência de artigos relacionados à educação,pedagogia etc., não significa que tais sabe-res eram desprivilegiados. Na verdade, taisassuntos não apareciam na forma de repro-duções, mas na escrita e comentários dosautores. As reproduções apresentam um“retrato” dos interesses mais ligados à litera-tura e menos aos interesses didático-peda-gógicos.

Para os demais autores, nem todospuderam ser identificados. Em alguns casos,só foi possível identificar alguns aspectos,como o nome ou ocupação sem identifica-ção de sua origem, se morador da cidadede São Carlos ou atuante no campo norma-lista. Os colaboradores externos não identi-ficados foram ao todo 6, com 6 textos pu-blicados, acreditamos que esses autoressejam da sociedade são-carlense.

Acreditamos ter relacionado osgrupos mais representativos da revistaExcelsior!. Entre os autores, verificamos aseguinte proporção: os alunos autores fo-ram 47, com 85 textos publicados; profes-sores, diretores e funcionários da escola

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foram 6, com 9 textos publicados. São tex-tos escritos exclusivamente para a revistaExcelsior!, com exceção da transcrição dodiscurso do professor Roldão Lopes deBarros feito para ser lido na Escola Normalda Capital, mas também dirigido para osalunos; por fim, as reproduções publicadasforam 18 autores, com 20 artigos publica-dos.

Considerações finais

Por meio do periódico Excelsior! con-seguimos captar aspectos importantes docampo de formação de professores entreos anos de 1911 a 1916. Demonstramos oempenho por parte de todos da escola emproduzir um periódico dirigido aos alunose comunidade, produzindo uma revista comdiagramação simples, muitos ornamentose fotografias no intuito de tornar a leituraacessível e até mesmo dirigida. Nessa épo-ca, a produção de um periódico foi tidacomo de grande importância, fato verifica-do na participação não somente de profes-sores e cidadãos são-carlenses como tam-bém do próprio diretor da escola e do dire-tor geral da Instrução Pública.

A partir de nossa pesquisa, verifica-se que a maior parte de autores, assim comoa maior quantidade de artigos, sãoassinados por alunos. O grupo de profes-sores, diretores e funcionários da escola é omenor grupo, estando entre eles apenas umdiretor e um funcionário. Temos, então, deacordo com esta verificação, a constataçãoda grande participação dos alunos. Umaconstatação que deve ser feita com caute-la considerando a quantidade de páginas

dos artigos escritos pelo diretor, por profes-sores e funcionários, assim como sua posi-ção na revista e atuação dos professoresnas escolhas e decisões editoriais da revista.

A extensão dos artigos do grupo deprofessores e funcionários era muito maiorem relação ao dos alunos, seus artigos sa-íam com até seis páginas. Já os escritos dosalunos raramente chegavam a duas pági-nas. Quanto ao posicionamento dos arti-gos, entre os 9 textos publicados pelo gru-po de professores, diretores e funcionáriosda escola, (poderíamos considerar tambémos 7 convidados) a grande maioria se lo-caliza entre as primeiras páginas da revista,logo após o editorial. O que verificamos emseguida, com a leitura dos artigos subse-qüentes, é a predominância e recorrênciados assuntos abordados em tais artigos, atémesmo nos editoriais, fazendo referência econvidando os leitores a se atentarem nosartigos dos professores. A partir desses arti-gos, ocorre a repetição dos temas de formasintética – uma página ou apenas umacoluna – na reescrita dos alunos. Temosentão um periódico formatado para umpúblico específico que já tinha sua impor-tância no campo de formação de profes-sores, tratados como o futuro do campo,encarregados de levarem adiante os ideaiseducacionais aprendidos naquela escola.

O patriotismo e o republicanismoestavam presentes em toda a parte literá-ria do periódico, eles deveriam servir deexemplo para os alunos. Personalidadescomo Rui Barbosa, Rio Branco e Euclidesda Cunha, além de fotos de políticos e re-presentantes da educação paulista eramcomuns. Tal hegemonia republicana, vinda

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a reboque com as imagens dos políticosda época, colocados nos primeiros lugares,cheios de comentários elogiosos e agrade-cimentos, expressam a necessidade de de-fender o republicanismo frente às críticassofridas pelo novo regime, já passadas maisde duas décadas de sua instauração. A pro-pagação do nacionalismo se fazia neces-sária em um momento em que a políticade imigração do país já estava sendo ques-tionada com as primeiras greves promovi-das por trabalhadores italianos. Um outroponto a ser destacado, concernente às críti-cas recebidas pela escola republicana, deve-se aos altos custos de sua implantação,atendendo a uma parcela pequena da so-ciedade. A própria revista surge como ummecanismo para firmar a imagem da es-cola perante a sociedade, a publicação doperiódico em datas comemorativas da re-pública ajudava a aproximar e mostrar aEscola Normal de São Carlos imbuída deum simbolismo de modernidade e respei-tabilidade.

Notas1 Em andamento com bolsa de Mestrado MS-1, con-cedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Es-tado de São Paulo (FAPESP), Proc. n. 2006/05139-3.2 Sob coordenação de Ana Clara Bortoleto Nery, comauxílio FAPESP.3 Desenvolvido por Emerson Correia da Silva, combolsa FAPESP-IC entre os anos de 2005 e 2006.4 Trabalho premiado pela Fundação PRÓ-MEMÓRIAde São Carlos-SP, a ser publicado pela Editora Rima.5 Termo de Roger Chartier “arqueologia dos objetosem sua materialidade” (1990).6 As revistas publicadas pela Escola Normal de SãoCarlos e datas de primeira publicação foram as se-

guintes: Excelsior!, em 1911; Revista da Escola Nor-mal de São Carlos e O Estudo, em 1916; O RaioVerde, em 1917; O Sorriso, em 1928; O Normalista,em 1929; O Paulista, em 1933; Sociologia, em 1936;Anuário, em 1939; Suplemento Estudantino, em1940; Boletim do Clube de Sociologia e História doBrasil, em 1941; O Estudante, em 1963; O fenôme-no, O atletário, e O Pernilongo, em 1972; e O Curioso,em 1973.7 O periódico publicado entre os anos de 1916 a1923 foi estudado pela bolsista (FAPESP-IC) JaquelineR. Ozelin, integrante do projeto integrado DivulgandoPráticas e Saberes: a produção de impressos pelosdocentes das Escolas Normais Brasil e Portugal (1911-1950).8 Excelsior! era permutada com as revistas: Estimu-lo, do Grêmio Normalista “Dois de Agosto” da Capi-tal; e Mentor, do Grêmio Normalista de Piracicaba.Ainda há informações sobre distribuição para o Grê-mio Normalista de Guaratinguetá, “12 de Outubro”da Escola de Pharmacia da Capital, “11 de Abril” daEscola Normal de Guaratinguetá, e “16 de Maio” deBotucatu.9 Respectivamente, presidente e secretário interinosdo grêmio, nomeados no momento de sua criação.10 Documento ao qual não tivemos acesso; as infor-mações aqui relatadas foram extraídas da revistaExcelsior!11 Segundo Monarcha, partindo do Diretor Geral daInstrução Pública, os inspetores, juntamente com osdiretores das escolas, cumpriam a função de mobili-zar as gerações mais novas em torno de ideais co-muns, por meio da promoção de cerimônias queincentivavam os alunos a partilharem de uma iden-tificação social comum. (Cf. MONARCHA, 1999, p. 233)12 “Os professores eram denominados “lentes” e en-tre esses havia os “catedráticos”, para as áreas nobres– ciências, letras e línguas – e os professores para asmatérias auxiliares – desenho, música, ginástica etrabalhos manuais”. (NOSELLA & BUFFA, 1996, p. 50).13 O texto de Barros é uma transcrição de um dis-curso proferido como paraninfo da turma deprofessorandos da Escola Normal Primária da Capi-tal. Embora tenha sido publicado por um aluno, re-lacionamos o texto entre os de autoria de professores.

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Recebido em 6 de março de 2008.Aprovado para publicação em 5 de maio de 2008.

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Economia do conhecimento e a questão doaprendizado para o trabalho competitivo*

The knowledge economy and issue of competitivelearning to work

Jefferson Carriello do Carmo

Doutor em Educação pela UNICAMP. Prof. da Universidadede Sorocaba.e-mail: [email protected]

ResumoEste trabalho faz parte da pesquisa em andamento intitulada Economia do Conhecimento e aprendizado:contínua degradação do trabalho no limiar do século XXI. O objetivo deste trabalho é investigar, por meioda economia do conhecimento, a associação do aprendizado ao processo de acumulação capitalista, nessanova fase industrial marcada pela inovação tecnológica. Tal preocupação foi conduzida por pesquisa decunho teórico-bibliográfico. Verificou-se que os argumentos que evidenciam e constatam esse novo segui-mento econômico acentuam a sua harmonização em torno da revolução tecnológica com as tecnologiasde informação em que o conhecimento e a informação são indicados como principais características dessenovo princípio econômico e educativo. Nessa economia, o aprendizado está agregado a uma ação cumu-lativa para a ampliação do conhecimento. É um processo para aperfeiçoar os procedimentos na busca e norefinamento das habilidades do trabalhador. Este aprendizado viabiliza não apenas a incorporação deinovações incrementais, relacionadas à maior eficiência dos processos produtivos, mas também a explora-ção de novas oportunidades produtivas e tecnológicas, possibilitando a expansão para novos mercados, apartir de novas formas de exploração do trabalhador nos vários níveis de sinergia em relação aos produtosgerados e às técnicas previamente empregadas.

Palavras-chaveInovação tecnológica. Reestruturação produtiva. Sociedade do conhecimento. Gestão do conhecimento.Desenvolvimento econômico.

AbstractThis work is part of the research in progress entitled Economics of Knowledge and Learning: continuousdegradation of work on the threshold of the twenty-first century. The objective of this work is to investigatethrough the knowledge economy, the combination of learning the process of capitalist accumulation, inthis new phase marked by the industrial technological innovation. This concern was conducted throughthe research of theoretical and bibliographic stamp. It was found that the arguments that evidence andnote that new economic stress follow its harmonization around the technological revolution in the informationtechnologies in that knowledge and information are given as the main characteristics of this new economic

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 187-198, jul./dez. 2008.

* Texto foi apresentado em forma de comunicação no VI Seminário do Trabalho realizado na cidade de Marília, UNESP,nos dias 26 a 30 de Maio, 2008.

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Introdução

O que pretendemos com esse traba-lho, de forma bastante circunscrita, em umprimeiro momento, é investigar a associa-ção do aprendizado ao processo de desen-volvimento econômico competitivo, nessanova fase capitalista marcada pela inova-ção tecnológica, e verificar a importânciado aprendizado enquanto fator competitivoindustrial para a economia do conhecimen-to. Tal preocupação foi conduzida, por meioda pesquisa de cunho teórico-bibliográfica.

Desde as últimas décadas do séculoXX, já é possível constatar o que já seconvencionou chamar de economia doconhecimento norteada por um “novo”paradigma de desenvolvimento econômi-co que traz, no seu bojo, inúmeras transfor-mações nos vários setores: industrial, comer-cial, econômico e social. Nesse modelo, éindiscutível o progresso das inovaçõestecnológicas acompanhadas por uma novaracionalidade de reestruturação produtivade ampla aparência, em que o valor de tro-ca da mercadoria não passa mais pelaquantidade de trabalho social, mas peloconteúdo de conhecimento de informaçõese de inteligências gerais. A atividade pro-

dutiva, nessa nova forma de acumulaçãocapitalista, sujeita-se ao conhecimento, pelaqual o trabalhador deve ser criativo, críticoe pensante, preparado para agir e se adap-tar rapidamente às mudanças dessa novafase capitalista. O trabalho como atividadecriativa passa a ser condicionado pelaempregabilidade que intensifica e determi-na a qualificação para novas competênci-as técnicas que se associam à capacidadede decisão, de adaptação às novas condi-ções de trabalho, nessa nova fase de pro-dução capitalista. O trabalhador é quan-tificado por sua habilidade de estabelecerrelações e de assumir liderança e os princi-pais grupos sociais serão os “trabalhadoresdo conhecimento”, isto é, são pessoas capa-zes de alocar conhecimentos para incremen-tar a produtividade e gerar inovação. (Cf.DRUCKER, 1997; ASSMANN, 2005). A qua-lificação para a competência passa a serpermanente, requerida e valorizada. Nesteambiente de mudanças, “a construção doconhecimento já não é mais produto unila-teral de seres humanos isolados, mas deuma vasta colaboração cognitiva distribuí-da, da qual participam aprendentes huma-nos e sistemas cognitivos artificiais”(ASSMANN, 2000).

and educational principle. In this economy, the learning is added to a cumulative action for the expansionof knowledge. It is a process to improve procedures in the search and refinement of skills of workers. Thislearning not only enables the incorporation of incremental innovations, related to the greater efficiency ofproduction processes, but also to exploit new opportunities and productive technology, allowing the expansioninto new markets, from new forms of exploitation of workers in the various levels of synergy generated onproducts and techniques previously employed.

Key wordsTechnological innovation. Productive restructuring. The knowledge society. Knowledge management. Economicdevelopment.

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As formas de aprender nesse novoprocesso produtivo assumem diante donovo padrão de desenvolvimento econômi-co produtivo um papel essencial em queocorre a necessidade de investimentos cons-tantes na inovação tecnológica, o que im-plica, necessariamente, a promoção deprocessos que estimulem o aprendizado, acapacitação e a acumulação contínua deconhecimentos. Desse modo, ocorre umamaior visibilidade das informações e dopapel desempenhado pelo conhecimentono cerne e dinamismo desse novo padrãode acumulação produtiva, no qual o conhe-cimento é visto como o recurso mais estra-tégico, e o aprendizado, como o processomais relevante entendido como um proces-so que envolve uma combinação de expe-riência, reflexão, formação de conceitos eexperimentação.

Economia do conhecimento, novafase do capitalismo

Nessa nova forma de acumulaçãoprodutiva, há uma gama enorme de inter-pretações que acentuam a relevância dainformação e do conhecimento como ele-mentos essenciais desse novo perfil produ-tivo cuja base são as novas tecnologias.(CASTELLS, 1999; 2003; LOJKINE, 1995;BENKO, 2002; CASSIOLATO, 1999; LEMOS,1999; e outros). Os argumentos que eviden-ciam e constatam essa nova fase do capi-talismo acentuam a sua harmonização emtorno da revolução tecnológica com astecnologias de informação em que o conhe-cimento e a informação são indicadoscomo as principais características de um

novo princípio econômico e educativo(FRIGOTTO (Org) 1998; FRIGOTTO, CIVIATTA(Orgs) 2001; RAMOS, 2001; LEITE, 2003;MARKERT, 2004; e outros). Nesse processode acumulação capitalista, há mudançassignificativas que difundem uma grande va-riedade de inovações por toda a economiae enfatiza um novo modelo produtivo e edu-cativo. Esse modelo vem acompanhadocom tecnologias intensivas de informação,flexíveis e computadorizadas, que acentu-am radicalmente as mudanças tecnológi-cas, com vistas ao desenvolvimento econô-mico. Essas mudanças e suas diversidadesintensificam o processo de mutação tecno-lógica no setor industrial, aumentando aprodutividade e utilizam com “eficiência” arelação capital e trabalho. (CARVALHO,1987; FLEURY, FISCHER, 1992 (Orgs);FLEURY, VARGAS, 1994; ALVES, 2000;SANTANA, RAMALHO, 2003; WOLFF, 2005,entre outros). Esse novo processo de acu-mulação capitalista acentua que o reconhe-cimento desse aumento produtivo estápautado na capacidade de lidar eficazmen-te com a informação e transformá-la emconhecimento. Isso consiste na valorizaçãodos recursos tangíveis e intangíveis na eco-nomia, em sua forma de gestão de conhe-cimento e aprendizado para o trabalho. Aintensificação da relevância dos recursos in-tangíveis na economia, como as tecnolo-gias de informação e de comunicaçãoapontam para o desenvolvimento de novasformas de geração e distribuição de infor-mações que viabilizam o aumento das re-lações de troca de informações e possibili-tam a interação entre diferentes unidadesdentro de uma empresa. Ocorre, ainda, a

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incorporação de ferramentas mais rápidascom custo menor em todos os setores daeconomia, o que permite o acesso maior emais veloz nas informações, propiciando aaquisição de conhecimentos com capaci-dade maior de gerar alternativas tecnológi-cas. Nesse sentido, a ênfase dada para oconhecimento está no fato de que as novastecnologias são fruto dos esforços de pes-quisa e desenvolvimento, o que implica ademanda por capacitação para responderàs necessidades e oportunidades que seabrem. Tal processo exige maiores investi-mentos em pesquisa e desenvolvimento emque o aprendizado assume importância porgerar e difundir o conhecimento e comofonte de crescimento e de competitividadepara a economia atual. Nessa economia, oconceito de aprendizagem se associa a umprocesso cumulativo, em que as firmasampliam seus estoques de conhecimento,aperfeiçoam seus procedimentos de buscae refinam suas habilidades em desenvol-ver ou manufaturar produtos.

Competitividade, desenvolvimentoeconômico e inovação tecnológica

Verificamos que, a partir da décadade 80, do século passado, no modo de pro-dução capitalista ocorreu um movimentode acumulação, cuja hipótese centra-se naaceleração do desenvolvimento econômi-co competitivo com base nas formas deconhecimento e aprendizado. Essa cons-tatação é verificada também entre os indi-víduos e instituições que precisam renovarsuas competências com mais freqüencia erapidez, devido à necessidade presente nas

transformações oriundas desse novo pro-cesso de acumulação. Inerente a esta situ-ação está uma enorme quantidade de tra-balhadores desempregados que estão sen-do afetados por essa aceleração econômicae as mudanças ocorridas no mundo do tra-balho que cresce visivelmente. Uma das res-postas para esse fato está na crescentegama de atividades econômicas que su-gerem formas rápidas de aprendizado queacentuam a habilidade de aprender.

Autores como (NELSON; WINTER,2005; KIN; NELSON, 2005; KIN, 2005) de-monstram, cada um, à sua maneira teóricae empírica, que as mudanças tecnológicassão fatores preponderantes no desenvolvi-mento econômico, este entendido, por [...]“mudanças da vida econômica que nãosão impostas de fora, mas que emergempor sua própria iniciativa, de dentro” (apud.NELSON; WINTER, 2005, p. 402). Essa for-ma de demarcar o desenvolvimento econô-mico está presente em muitos estudos depaíses industrializados que demonstramque a médio e em longo prazo as mudan-ças tecnológicas melhoram a produtividadee promovem dinamicamente a competitivi-dade através de novos incrementos e novosprodutos (KIN e NELSON, 2005).

Essa constatação pode ser vista, apartir dos anos de 1980-1990, em que astransformações econômicas ampliaram anoção de competitividade entre as nações(Cf. KUPFER, 2007). Em 1985, por exemplo,a Comissão da Presidência dos EUA propõeuma definição de competitividade industrial:

Competitividade para uma nação é o graupelo qual ela pode sob condições livres ejustas de mercado produzir bens e serviços

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que se submetam satisfatoriamente aoteste dos mercados internacionais enquan-to simultaneamente mantenha e expan-da a renda real de seus cidadãos: competiti-vidade é a base para o nível de vida deuma nação. E também fundamental àexpansão das oportunidades de empregoe para a capacidade de uma nação cum-prir suas obrigações internacionais. (apudCOUTINHO; FERRAZ, 1995, p. 17).

Essa definição salienta, em princípio,que a competitividade internacional de eco-nomias nacionais “é construída a partir dacompetitividade das empresas que operamdentro e exportam a partir das suas fron-teiras” e que “a competitividade das econo-mias nacionais como sendo algo mais doque a simples agregação do desempenhode suas empresas.” (COUTINHO; FERRAZ,1995, p.17).

Quanto aos aspectos conceituais dacompetitividade, os especialistas, em suamaior parte, as compreendem “como umfenômeno diretamente relacionado às ca-racterísticas apresentadas por uma firma ouum produto, que [...] “relacionam-se ao de-sempenho no mercado ou à eficiência téc-nica dos processos produtivos adotadospela firma” (COUTINHO; FERRAZ, 1995,p.17).

Tendo como referência a estrutura daeconomia informacional e sua dinâmicacompetitiva no sistema global articuladopor rede, por meio de tecnologias da infor-mação, “a competitividade deve ser enten-dida como a capacidade da empresa deformular e implementar estratégiasconcorrenciais que lhe permitam conservarde forma duradoura uma posição susten-tável no mercado” (COUTINHO; FERRAZ,

1995, p. 18). Essa nova fase informacionalcapitalista assume a estratégiaconcorrencial, em que as empresas se es-forçam por obter peculiaridades que as dis-tingam favoravelmente das demais, comopor exemplo: “custo e/ou preço mais baixo,melhor qualidade, menor lead-time, maiorhabilidade de servir à clientela etc...”(COUTINHO E FERRAZ 1995, p. 18).

Acrescentam:[...] as empresas devem mostrar-se aptasnão apenas a adotar estratégias competiti-vas adequadas, mas a impor correções derumo quando necessário. Para isto asespecificidades do mercado e do ambienteeconômico e as modificações esperadasnas formas de concorrência são alguns doselementos que devem nortear as firmasna seleção de suas estratégias. O conheci-mento destas especificidades ajuda a infe-rir quais vantagens competitivas irão setraduzir em maiores vendas e rentabilida-de (COUTINHO E FERRAZ 1995, p. 18).

Outro aspecto presente na dinâmicada competitividade, nessa fase capitalistaindustrial, enquanto fonte de vantagensconcorrenciais pensada numa visãoschumpeteriana, é a inovação que, num pri-meiro momento, não passa pelos desejose necessidades dos consumidores, emboraesses sejam referência relevante para oaumento econômico. Mas, opera como fa-tor decisivo e se origina no processo pro-dutivo e na maneira distinta de combinarmateriais e forças para produzir as coisas aserem utilizadas na vida diária das pessoas,ou seja, inovação é “a realização de novascombinações” que as identifica em cincomodos totalmente diferentes de dispormateriais e forças (SCHUMPETER, 1982).

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1) Introdução de um novo bem, ou seja,um bem com que os consumidores aindanão estejam familiarizados, ou de uma novaqualidade de um bem. 2) Introdução deum novo método de produção, ou seja, ummétodo que ainda não tenha sido testadopela experiência no ramo próprio da indús-tria de transformação, que, de modo al-gum, precisa ser baseado numa descober-ta cientificamente nova, e pode consistirtambém em nova maneira de manejarcomercialmente uma mercadoria. 3) Aber-tura de um novo mercado, ou seja, de ummercado em que o ramo particular da in-dústria de transformação do país em ques-tão não tenha ainda entrado, quer essemercado tenha existido antes ou não. 4)Conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de bens semi-manufaturados,mais uma vez independentemente do fatode que essa fonte já existia ou teve queser criada. 5) Estabelecimento de uma novaorganização de qualquer indústria, comoa criação de uma posição de monopólio(por exemplo, pela trustificação) ou a frag-mentação de uma posição de monopólio.(SCHUMPETER, 1982, p. 48-49)

Essas combinações não são únicasna indústria, mas são as novas maneirasde ajustes nessa nova fase da acumula-ção capitalista, com vistas à competitividadeindustrial. Na ótica schumpeteriana, o su-cesso competitivo depende da diferencia-ção, da capacidade da indústria de coor-denar e realocar competências internas eexternas, conjugada à inovação (TEECE etal., 1996). A gestão de competências se dásempre no sentido de buscar a otimizaçãodos recursos de modo único, seja atravésda criação, adaptação ou imitação de pro-dutos e processos. Todavia, o crescimentoda produtividade encontra limite na tecno-logia cuja superação se dá através da ino-

vação (FREEMAN; SOETE, 1994; KIN, 2005;TIGRE, 1998, 2005).

Inovação, gestão do conhecimentoe aprendizado

Nessa nova fase capitalista, consta-ta-se que, inovação passa por duas combi-nações essenciais: gestão do conhecimentoe o aprendizado. Para que a transferênciade conhecimento e do aprendizado seja fru-tífera em termos de geração de competitivi-dade e, por conseguinte, de progresso téc-nico-econômico (através da inovação), épreciso que se tenha capacidade de absor-ção, de adaptação e de criação. Neste sen-tido, progresso técnico é, acima de tudo,uma atividade cumulativa, e a gestão doconhecimento passa a ser a aplicação deum conjunto de regras, procedimentos erelações a um conjunto de dados para queeste atinja valor informacional. Uma infor-mação idêntica, da mesma forma que umrecurso físico, terá diferente valor para pes-soas, locais e tempos diferentes, variandoentão seu valor econômico conforme o con-texto existente (STAIR, 1998). Compartilharessa informação, na ótica da gestão doconhecimento significa repassar aos traba-lhadores, ou obter deles, algum conjuntode dados com valor econômico variável, ouseja, conhecimento tangível e intangível.Compartilhar conhecimento, nesse sentido,é algo fundamentalmente diferente e ocor-re quando as pessoas estão genuinamenteinteressadas em ajudar umas às outras adesenvolver novas capacitações para aação e em criar processos de aprendizagem(GIBSON, 1998). Nesse aspecto, o compar-

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tilhar conhecimento assume, nessa novafase capitalista, um caráter estratégico decompetitividade, com vistas à inovação ecomo chave para a construção do conhe-cimento organizacional. No compartilhardesse conhecimento verifica-se a ocorrên-cia da sua gestão que acena para o inves-timento em tecnologia e o gerenciamentoda inovação. Este procedimento, nas indús-trias, passa necessariamente pela compre-ensão das características e demandas doambiente competitivo e também pelo en-tendimento das necessidades individuais ecoletivas. Assume estratégias centrais paradesenvolvimento econômico e acompetitividade, nessa fase capitalista.

Após essa verificação, de acordo com(NONAKA, 2000; GARVIN, 2000), ao discu-tirem a gestão do conhecimento estrategi-camente, na indústria, para a competitivi-dade, demonstram que essa gestão atuanos processos de criação do aprendizadoindividual e análogos como a reinvençãodo trabalhador, ou seja, este deve associar-se a mudanças de modelos mentais, ma-pas cognitivos e de comportamentos, assimcomo à busca de grandes desafios e resolu-ções de tensões internas.

Já os especialistas (PASSOS, 1999;LEMOS 1999; CASSIOLATO, 1999; GUIMA-RÃES; MARTIN), cada um a sua maneira,mostram que a capacitação das empresas,em termos de competitividade e de produ-ção tecnológica no uso do conhecimento,tem cada vez mais um papel central. Issovem ocorrendo crescentemente, internacio-nal e nacionalmente, e se traduz na neces-sidade de introduzir, de forma eficiente, nosprocessos produtivos, os avanços das

tecnologias de informação e comunicação.Essa constatação tem levado as empresasa centrar suas estratégias do desenvolvi-mento de capacidade de inovação dasnovas tecnologias e das novas formas deorganização do trabalho, que no seu bojotraz consigo novos tipos de conhecimento.Tal fato tem impulsionado, internacional enacionalmente as empresas a buscarem acapacidade de gerar e absorver as inova-ções provenientes destes conhecimentosenquanto condição fundamental para acompetitividade (LASTRES; ALBAGLI, 1999).

Conhecimento, competitividade eaprendizado

Essa capacidade de gerir inovaçõesno contexto da denominada economia doconhecimento é um dos recursos fundamen-tais quando o aprendizado provém desseconhecimento e vice-versa, o que o torna fun-damental para a economia de toda a socie-dade. Nisso se verifica que a gestão do co-nhecimento nessa nova economia assumeo status central de crescimento e de compe-titividade por gerar processos de aquisiçãode aprendizado e de capacitação nos indi-víduos e nas empresas, proporcionar umadinâmica de formação em ambos (LENHARI;QUADROS, 2002).

Segundo (ALMEIDA; QUADROS,2000; KIN, 2005), o mais importante não ésomente ter acesso à informação ou pos-suir um conjunto de habilidades, mas fun-damentalmente ter capacidade para adqui-rir novos conhecimentos que se traduzemna disposição de aprender e de transfor-mar o aprendizado em fator competitivo.

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Essa capacidade para aprender etransformar o aprendizado em fator com-petitivo tem impulsionado vários pesquisa-dores a pensar tal situação sob a ótica dasnovas possibilidades de desenvolvimentoindustrial e tecnológico competitivo, nas úl-timas décadas (GUSSO; MUNIZ, 2000;BONELLI, 2001; BRITO, 2002). De acordocom KIN (2005) essa preocupação estápresente no reconhecimento da existênciade novos desafios presentes na definição eimplementação de projetos competitivos,com vistas a atender os novos requerimen-tos impostos por um conjunto de fatoresassociados à inauguração do atual padrãode acumulação.

Autores como (CASSIOLATO; LASTRES1999; KIN, 2005) e outros vêm observandoo crescente fortalecimento dos processos deaprendizado, gestão, geração e difusão deconhecimentos para o aumento da compe-titividade industrial e dos países. Isso vemocorrendo com a promoção do processoinovativo, assim como dos sistemas locaise nacionais de inovação, tornando-se ca-racterística inerente das novas políticas as-sociadas à era do conhecimento. Ressaltamque o aprendizado é importante tanto parase adaptar às rápidas mudanças nos mer-cados e nas condições técnicas, como paragerar inovações em produtos, processos eformas organizacionais. Disso, decorre queo conhecimento é o principal recurso e oaprendizado o processo central dessa fase.Assim, na economia baseada no conheci-mento, a preocupação com o processo deaprendizado se torna ainda mais crucial, detal forma que alguns autores denominamo atual período mais precisamente como

economia baseada no aprendizado(CASSIOLATO; 1999; LASTRES 1999). Acen-tuam que a gestão do conhecimento e oaprendizado têm papel fundamental noprocesso de inovação por essa estar visivel-mente centrada na dinâmica do crescimen-to econômico e da competitividade indus-trial e tecnológica em âmbito internacional,nacional. Ambos, constituem nesse proces-so a interação entre as indústrias como fa-tor de maior competitividade.

Guisa de conclusão

Em primeiro lugar, as consideraçõesacima mostram que, nessa nova fase docapitalismo, ocorre uma visível mudança naforma de acumulação capitalista oriundadas inovações tecnológicas que apontampara competitividade industrial, no qual oaprendizado assume um papel fundamen-tal e estratégico.

Pensar o aprendizado nessa novafase do capital como categoria central éindicar como as novas formas de trabalhopassam a ser uma referência indissolúveldo conhecimento. Nesse sentido, o quedeve ser levado em consideração não é sóo aprendizado no seu sentido estrito, masentendido na economia do conhecimentocomo uma necessidade, ao longo da for-mação do trabalhador. O aprender envol-ve o saber aprender conjuntos de habilida-des cognitivas e transformá-las em fatorcompetitivo. Isso equivale a dizer que oaprendizado deve ser norteado pelos se-guintes procedimentos: aprender, saber fa-zer, que requer do trabalhador redescobri-mento das dimensões práticas, técnicas e

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científicas do trabalho, que devem ser ad-quiridas formalmente através de cursos,treinamentos ou por meio da experiênciaprofissional. Aprenda o saber ser, que deter-mina o comportamento das suas relaçõessociais de trabalho, como capacidade deiniciativa, comunicação, disponibilidadepara a inovação e mudança, assimilaçãode novos valores de qualidade, produtivida-de e competitividade. Por fim, o saber agir,que é a capacidade de intervenção ou de-cisão diante do saber trabalhar em equipe,ser capaz de resolver problemas e realizartrabalhos novos e diversificados. Penso queesses procedimentos acentuam as formassubjetivas de subsunção do trabalho; acir-ram a competição por postos de trabalho,na luta contra o desemprego e por fim,acentuam cada vez mais o discurso da em-pregabilidade e sua prática mercadológica.

Em resumo, podemos dizer que essa

nova fase do capitalismo acentua a sua har-monização em torno da revolução tecnoló-gica com as tecnologias de informação emque o conhecimento e a informação são in-dicados como principais características des-se novo princípio econômico e educativo.Nessa economia, o aprendizado está agre-gado a uma ação cumulativa para a amplia -ção do conhecimento. É um processo paraaperfeiçoar os procedimentos na busca e norefinamento das habilidades do trabalhador.Este aprendizado viabiliza não apenas a in-corporação de inovações incrementais, rela-cionadas à maior eficiência dos processosprodutivos, mas também a exploração denovas oportunidades produtivas e tecnoló-gicas, possibilitando a expansão para no-vos mercados, a partir de novas formas deexploração do trabalhador nos vários níveisde sinergia em relação aos produtos gera-dos e às técnicas previamente empregadas.

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Recebido em 8 de março de 2008.Aprovado para publicação em 11 de junho de 2008.

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Concepção e funções sociais da universidade: ocaso da Universidade Estadual De Goiás (UEG)Conception and social functions of the university: thaUniversidade Estadual de Goiás (UEG) case

João Ferrera de Oliveira*Suely Ferreira**

* Doutor em Educação pela USP-SP. Prof. da Faculdade deEducação/UFG.e-mail: [email protected]

**Doutoranda em Educação da UFG. Profa. da Universida-de Estadual de Goiás (UEG).e-mail: [email protected]

ResumoO estudo analisa e discute a concepção e as funções sociais da Universidade Estadual de Goiás (UEG),tendo por base documentos legais e institucionais do período de 1999-2006, em articulação com o contextoda reestruturação da educação superior, da reforma do Estado (no Brasil e em Goiás) e do processo demundialização do capital. A pesquisa evidencia que a UEG tem pouca clareza quanto à concepção deuniversidade e funções sociais, mesmo considerando a expansão e a interiorização acentuada ocorrida pormeio da oferta de cursos de graduação. A instituição vive, além disso, a ambigüidade de conviver com aoferta de cursos gratuitos e pagos (seqüenciais, graduação e especialização), devido à carência de recursospara sua manutenção e desenvolvimento.Palavras-chaveUniversidade. Função social. Reforma.

AbstractThis study analyses and discusses the conception and social functions of the Universidade Estadual deGoiás (UEG), based on legal and institutional documents of the period of 1999-2006, articulated with thecontext of restructuring the higher education, State reform (in Brazil and in Goiás) and the globalizationprocess of the capital. The research becomes evident that the conception of university and its socialfunctions are not much clear for the UEG, even considering the expansion and the accentuated countrysidemovement that occurred through the offer of the graduation courses. The institution leads, moreover, withthe ambiguity to live with the free and paid courses offer (sequential, graduation and specialization), due tothe resources necessity for its maintenance and development.

Key wordsUniversity. Social function. Reform.

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Introdução

A Universidade Estadual de Goiás(UEG) foi criada pelo governo de Goiás em1999, como uma universidade multicampi,a partir da unificação de várias faculdadesisoladas estaduais distribuídas pelo interiordo Estado. Nasceu no contexto de significa-tivas reformas para a educação superior eno bojo de um acirrado processo de expan-são das Instituições de Ensino Superior pri-vado (IES)1. No ano de 2006, a UEG conta-va com 33.988 alunos matriculados, sen-do que 51,93% estudavam em cursos degraduação gratuitos e 48,07% em cursospagos (licenciatura plena parcelada, se-qüenciais e pós-graduação lato sensu). AInstituição, no período de 1999 a 2006, ex-pandiu as matrículas para os cursos de gra-duação em 121,46%. Em 2006, a universi-dade contabilizou 42 unidades espalhadasem 39 municípios pelo interior do Estado.Esses dados evidenciam a dimensão e arelevância da UEG no cenário goiano.

Nesse estudo, busca-se analisar opapel social da UEG, tendo por base umareflexão mais ampla acerca do processo dereestruturação e de ressignificação da edu-cação superior a partir das alterações, ajus-tes e reforma do Estado, sobretudo a partirdas décadas de 1980 e 1990, consideran-do o processo de reestruturação produtivae da mundialização do capital. Discutir opapel social de uma universidade públicaestadual implica, pois, analisar a situaçãode metamorfose institucional vivenciadapelas universidades públicas em geral, quepassam por questionamentos sobre o seupapel diante das novas demandas do mer-

cado e transformações da sociedade con-temporânea. No caso da UEG, faz-se neces-sário indagar quais foram as funções sociaisdefinidas na fase de sua criação e expan-são inicial, bem como refletir se, ao longoda sua breve trajetória, tais concepções so-freram modificações. Mediante este cenário,cabe indagar: quais foram as funções sociaisidealizadas e/ou definidas para UEG nes-se período de sua existência (1999-2006),e que ideal de universidade está sendo for-mulado?

1 O cenário global, a reforma daeducação superior e a criação da UEG

As profundas mudanças que ocorre-ram nas últimas décadas do século XX pos-sibilitaram um novo desenho geográfico epolítico em escala mundial, trazendo à tonaa crise do Estado-Nação, devido à nova ló-gica de acumulação transnacional do ca-pital flexível e globalizado, provocada pelareestruturação produtiva do capitalismo.Este novo processo do sistema capitalistaforjou novos ajustes estruturais, principal-mente nos países periféricos, em consonân-cia com os organismos multilaterais e comas políticas neoliberais. Tal processo contri-buiu para a implementação do projetoneoliberal evidenciado na minimização dopapel do Estado, na redução das políticassociais e na ampliação da esfera privada(LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2007).

A intensificação das mudanças eco-nômicas e políticas no contexto da mundia-lização do capital passou a pressionar oEstado e, por conseqüência, a universidade.A reforma do Estado implicou, por sua vez,

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em uma diminuição do financiamento daeducação superior pública. Além disso, ob-servam-se ainda a veiculação da idéia deque o conhecimento e o ensino superior sãobens privados; a transformação da ciência,da tecnologia e da informação como impor-tantes forças produtivas; a subsunção dauniversidade diante da competitividadeeconômica de mercado; a transnacionali-zação de bens, de mercadorias, de empresasmediante o processo da globalização; areestruturação do poder global por meio deorganizações multilaterais (Fundo Monetá-rio Internacional – FMI, Banco Interamericanode Desenvolvimento – BID, Banco Mundial –BM, Organização Mundial do Comércio –OMC), entre outros (CATANI; OLIVEIRA, 2002).

Neste contexto, redefine-se o mode-lo estatal de universidade, incluindo suasfunções tradicionais2. As transformações, decaráter neoliberal, suscitaram uma novafase de redefinição das relações entre Esta-do e universidade e universidade e socie-dade. Ao mesmo tempo em que o Estadodiminui os gastos com as universidadespúblicas, essas instituições buscam no mer-cado, por meio de parcerias, convênios, con-tratos e prestação de serviços, os recursosnecessários à sua sobrevivência. É nessecontexto de diminuição dos recursos do fun-do público para as universidades públicas,em especial para as universidades federais,que nasce a UEG. É fundamental pois inda-gar qual o sentido político que marca a cria-ção de uma universidade pública, estaduale multicampi em Goiás, considerado umEstado de economia agropecuária?3 Alémdisso, a UEG nasceu para cumprir quaisfunções sociais?

A crise e a reestruturação do Estadobrasileiro e da educação superior são fenô-menos diretamente relacionados com a cri-se do Estado do Bem Estar Social e com atransformação da base econômica no cená-rio mundial que vem passando por um pro-cesso de transição do regime fordista/taylo-rista para o regime de acumulação flexível.Na década de 1990, iniciou-se o processode ajustamento do projeto político brasileiroà nova ordem mundial. Faz parte desseprocesso a reforma da educação superior,mediante a redução da esfera pública peloviés privatista, introduzindo um processo demercadorização do espaço estatal ou públi-co (SILVA JR.; SGUISSARDI, 1999).

A reforma do Estado brasileiro em-preendida durante o governo de FernandoHenrique Cardoso (1995-2002) objetivoumodernizar e racionalizar as atividadesestatais, instituindo sobretudo o chamadosetor dos serviços não-exclusivos do Estado,o que implicaria mudança das instituiçõesestatais para instituições não-estatais (orga-nizações sociais). Neste setor estaria a edu-cação, que deveria ser ofertada por organi-zações sociais prestadoras de serviço queestabeleceriam contratos de gestão com oEstado. Assim, a reforma do Estado brasilei-ro, na década de 1990, ao enfatizar a impor-tância do setor de serviços não-exclusivosdo Estado, passou a conceber a educaçãonão mais como um bem ou direito públicoe gratuito, mas sim como um serviço quepode ser privatizado (BRASIL, 1995).

Passou-se a exigir da educação supe-rior sua rendição à racionalidade gerencial,privada e mercadológica. Daí constata-seuma redução significativa do financiamento

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público; a criação de fundações privadasno interior das IES públicas; a intensificaçãoda expansão das OESP (Organizações deEnsino Superior Privado); a introdução demodelos gerenciais ou empresariais naadministração universitária. Estes novos fa-tores vêm alterando a natureza das IES quepassam a atender fundamentalmente asexigências do mercado, assumindo feiçõesde empresas capitalistas. Difunde-se a lógi-ca neoliberal de que o ensino superior éum bem antes privado do que público e deque o retorno social e individual do mon-tante aplicado na educação superior seriamenor ao dos recursos aplicados na educa-ção básica.

Chauí (2001) chama a atenção paraa transformação da universidade como ins-tituição para organização social. Segundaa autora, a organização social é regida pelaprática administrativa da gestão, do plane-jamento, da previsão, do controle e do êxi-to. Seu foco não passa pela discussão dasua existência na sociedade, da sua funçãosocial e do seu lugar no interior das lutasde classes. O seu objetivo é vencer a compe-tição no mercado ao prestar serviços. Nestalógica, ocorre a rearticulação da práticaadministrativa da instituição social em orga-nização “cujo sucesso e cuja eficácia semede em termos da gestão de recursos eestratégias de desempenho e cuja articula-ção com as demais se dá por meio da com-petição” (CHAUÍ, 2001, p.187).

Nesse contexto de reforma da educa-ção superior, no entanto, observa-se signi-ficativo aparecimento de universidadespúblicas estaduais, destacando-se aquelascriadas no Ceará, na Bahia, no Rio Grande

do Sul e em Goiás. A criação de universida-des estaduais é defendida pelo discurso ofi-cial a partir do argumento da modernizaçãodas regiões que compõe os Estados, bemcomo pela concretização de novos conheci-mentos, de novas profissões e de novascompetências, à luz da formação de elitese do desenvolvimento regional, tendo comonorte a educação de qualidade como direi-to de cidadania e a educação como fatorestratégico para a implantação de indústri-as (LINS, 2001, p.96). Portanto, apesar dapolítica de minimização do papel do Estadoe da diminuição de verbas para o ensinosuperior, governos estaduais fundaram suasuniversidades. No caso do Estado de Goiás,esse processo revelou embates que eviden-ciaram diferentes interesses e concepçõespolíticas e acadêmicas (DOURADO; OLIVEI-RA, 2001)4.

O Estado de Goiás, na década de1990, passou por transformações significa-tivas em relação à educação superior5. Taldinâmica certamente estava associada àspolíticas educacionais preconizadas paraeste nível de ensino em nosso país, que pro-duziram uma ampla expansão deste siste-ma por meio da diversificação da oferta eda diferenciação institucional. O incrementoacelerado de vagas na educação superior,tanto no cenário nacional quanto noEstado de Goiás, ocorreu predominante-mente em IES privadas pautadas pelas di-retrizes da flexibilidade, da competitividade,da diferenciação e da avaliação.

A criação da UEG resultou da reu-nião das várias IES estaduais que estavamdistribuídas, em quase sua totalidade, nointerior do Estado de Goiás6. Constituiu-se

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como mantenedora da Universidade a Fun-dação Universidade Estadual de Goiás queé uma entidade de personalidade de direi-to público. Paralelamente, buscando umcaminho alternativo para a sua sobrevivên-cia, foi criada a Fundação Universidade doCerrado (FUNCER)7, que vem permitindogerar e administrar receitas decorrentes davenda de cursos e serviços, como por exem-plo cursos de especializações lato sensu,cursos seqüenciais, cursos de licenciaturaplena parcelada (LPP), promoção de con-cursos públicos, convênios com outrosórgãos públicos, entre outros. Somente em2005, após seis anos da sua criação, o go-verno estadual alterou o artigo 156 daConstituição Estadual, que tratava do fi-nanciamento da educação superior, ao es-tabelecer que o Estado aplicasse 3% do per-centual da receita de impostos arrecadadospara a UEG e para a Secretaria de Ciênciae Tecnologia do Estado de Goiás (SECTEC).A partir da Ementa n. 9, de 15 de dezembrode 2005, os valores percentuais destinadospara a universidade passaram, em tese,para o patamar de 2% dos impostos comrepasses em duodécimos mensais. Esta con-quista não alterou efetivamente o quadrode dificuldades financeiras que a UEG sofredesde a sua criação.

Neste cenário de implantação e deprocura por sobrevivência, a UEG buscoua sua expansão e interiorização à medidaque conseguiu privatizar parte dos serviçosque presta à sociedade, gerando receitaspróprias por meio de venda de serviços, oque passou a suscitar inquietações quantoàs suas funções sociais. Paralelamente àsua criação, o poder público estadual utili-

zou vários mecanismos, com subsídios di-retos ou indiretos, para promover a expan-são da educação superior privada emGoiás8.

2 A Universidade Estadual deGoiás: Qual concepção? Quaisfunções sociais?

A reforma administrativa implantadapelo governo do Estado de Goiás, no finalda década de 1990, tornou possível a trans-formação da UNIANA e das várias IES iso-ladas9 mantidas pelo poder público esta-dual em UEG, por meio da Lei Estadual n.13.456 de 16 de abril de 1999, que vin-culou esta instituição à Secretaria Estadualde Educação e por intermédio do Decreton. 5.158 de 29/12/1999 à Secretaria deCiência e Tecnologia de Goiás, posterior-mente. Mediante a integração das váriasIES estabelecidas em diversas cidades doEstado de Goiás, a UEG organizou-se comouma universidade multicampi, com sedecentral no campus da antiga UNIANA, emAnápolis. A UEG nasceu, portanto, da incor-poração da UNIANA com 28 autarquiasestaduais. De acordo com o parecer CEE n.009/2002 de 28/01/2002, p.132, esse pro-cesso da UEG “não tratou da criação deuma nova universidade, mas da transfor-mação de uma universidade em outra, oque, na teoria e na prática, resulta tão so-mente em uma mudança de denominaçãode Universidade Estadual de Anápolis paraUniversidade Estadual de Goiás” (Grifosnossos).

Na realidade, a mudança de deno-minação citada no parecer, na prática

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demonstrou não ser tão simples, por resul-tar em uma nova Universidade com “anti-gos novos problemas”. Ao organizar-secomo uma instituição multicampi incorpo-rando 28 faculdades isoladas que trouxe-ram consigo sua história e sua estrutura,verificou-se que “somente 13 encontravam-se em funcionamento pleno, ou seja, comcursos regularmente ofertados medianteprocesso seletivo” (UEG. PDI, 2004, p. 102).Além disso, teve que enfrentar questões dedeficiência relativas ao corpo docente, à bi-blioteca, aos laboratórios, às salas de aulasinadequadas, às dificuldades de comuni-cação entre Reitoria, Pró-Reitorias e às Uni-dades Universitárias, entre outros fatores.

O credenciamento da UEG se deu pormeio do Decreto do Governador do Estadon. 5.560 de 01/03/2002, com efeito retroa-tivo a 16 de abril de 1999. Devido às váriasfragilidades encontradas na estrutura daUEG, o seu credenciamento ficou vincula-do a várias solicitações do CEE/GO10, portempo determinado, na condição nominalde universidade, até que cumprisse as exi-gências requeridas. Ultrapassar a frágil es-trutura que alicerçou a criação desta univer-sidade, que de certa forma, revelou-se um“escolão de terceiro grau”, de funcionamentoprincipalmente no turno noturno, de cursosbasicamente de formação de professores,que do ponto de vista mercadológico reque-riam menor investimento, o chamado “cus-pe e giz”, passou a ser um grande desafiopara as Unidades Universitárias da UEG,que parece buscar ultrapassar a realidadede uma instituição somente de ensino etransformar-se efetivamente em universida-de. Por meio das exigências solicitadas pelo

CEE, podem-se visualizar os grandes desa-fios que a UEG deveria enfrentar. Mas, me-diante tais obstáculos, qual concepção deuniversidade vem prevalecendo? Quais fun-ções sociais foram definidas para nortear aprodução do trabalho acadêmico, sobretu-do posteriores ao credenciamento?

Os documentos referentes à criaçãoe à organização da UEG evidenciam quenão há clareza quanto à sua concepção eàs suas funções sociais. Em alguns docu-mentos há indícios de uma universidademais voltada para a resolução dos proble-mas do Estado e, em outros, a idéia deuniversidade para formar profissionais parao mercado e/ou para produzir conhecimen-to. Em um dos documentos que tramitaramno CEE/GO para o credenciamento da ins-tituição, durante o processo de sua criação,pode-se verificar o olhar da SECTEC quantoa sua função social, ao expressar que

do nosso ponto de vista, a regularizaçãosolicitada poderá viabilizar a definição dovocacionamento da UEG, em relação à rea-lidade em que se acha, por proporcionaro exercício colegiado indispensável aoesforço conjunto das Unidades Universitá-rias, no sentido de se conquistar o desen-volvimento de programas, a partir dos po-tenciais e problemáticas de cada microre-gião, podendo restaurar a degradaçãoambiental do passado e assegurar umdesenvolvimento sustentável para o futu-ro e, ao mesmo tempo, fortalecer a eco-nomia goiana para fatores de competitivi-dade (CEE. Processo n. 463 de 7/11/2001,p. 254). (Grifos nossos)

Porém, anteriormente a este pronun-ciamento, o Decreto n. 5.130 de 3/11/1999,que homologou o Estatuto da UniversidadeEstadual de Goiás, afirmava no art. 1º que

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“A universidade Estadual de Goiás consti-tuía-se de uma instituição de ensino, pes-quisa e extensão, com caráter público, gra-tuito e laico” (Grifos nossos). No art. 5º doreferido Decreto estão explicitadas as fina-lidades da universidade:

I - promover o desenvolvimento e a divul-gação da ciência, da reflexão e da culturaem suas várias formas;

II - graduar e pós-graduar profissionaisnas diversas áreas, preparando-os para omundo do trabalho e para contribuir como desenvolvimento de Goiás e do Brasil;

III - formar pessoas qualificadas para oexercício da investigação científica e domagistério, bem como das atividades polí-ticas sócio-culturais, artísticas e gerenciais;

IV - promover estudos e pesquisas voltadospara a preservação do meio ambiente, como propósito de desenvolver e ampliar aconsciência ecológica, visando a convivên-cia harmoniosa do homem com o meio;

V - incentivar a pesquisa científica e adifusão da cultura, objetivando o desenvol-vimento científico e tecnológico e de novasrelações com o meio físico e social emfunção da qualidade de vida;

VI - divulgar conhecimentos culturais, cien-tíficos e tecnológicos que são patrimôniocomum da humanidade;

VII - contribuir para a melhoria da qualida-de do ensino, em todos os níveis e moda-lidades, por meio de programas destinadosà formação continuada dos profissionaisda educação;

VIII - interagir com a sociedade pela parti-cipação de seus professores, alunos e pes-soal técnico administrativo em atividadescomprometidas com a busca de soluçõespara problemas regionais e locais;

IX - contribuir para a melhoria da gestão

dos organismos e entidades públicas, go-vernamentais e não governamentais eempresariais;

X - prestar serviços especializados à co-munidade, estabelecendo com estas rela-ções de reciprocidade;

XI - cooperar com universidades, organis-mos públicos, culturais, científicos eeducacionais, nacionais e estrangeiros.(Grifos nossos)

As funções da universidade, confor-me este documento, não assumem a pro-dução da pesquisa e do conhecimentocomo prioridade, mas têm o foco no desen-volver e no divulgar da ciência, na forma-ção de professores e de profissionais libe-rais para o mercado de trabalho, na preser-vação do meio ambiente e na busca desoluções para problemas regionais. Aindaneste Decreto, o art. 6º estabelece os com-promissos permanentes da instituição:

I – contribuição para a superação das de-sigualdades sociais, com vistas ao desen-volvimento justo e equilibrado, integradoao meio ambiente;

II – realização da pesquisa científica vol-tada para a preservação da vida em suasvárias formas e para o desenvolvimentoda região do cerrado;

III – ampliação de oportunidades educacio-nais, de acesso e de permanência a todaa população;

IV – democratização da cultura, da pesqui-sa científica e tecnológica, e socializaçãodos seus benefícios;

V – valorização dos profissionais da educa-ção de todos os níveis e modalidades deensino;

VI – a paz, a democracia, a defesa dosdireitos humanos e dos compromissosecológicos;

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VII – orientação e apoio ao ser humanopara o exercício pleno da cidadania;

VII – busca da qualidade na ação e naprodução.

Os compromissos estabelecidos nes-te artigo, apesar de serem relevantes paraa sociedade, são muito complexos e reque-rem o envolvimento do Estado e de váriasinstituições sociais públicas para a sua con-cretização. Nota-se a presença de um discur-so político eloqüente sobre a importânciada UEG como a redentora dos graves pro-blemas econômicos e sociais que assolamo Estado de Goiás.

Em 6 de outubro de 2003, a UEGprotocolou o requerimento da renovaçãodo seu credenciamento no CEE/GO, bemcomo o encaminhamento do Projeto deDesenvolvimento Institucional – PDI (2003-2007) como cumprimento de exigências. OConselho encaminhou este processo àSECTEC para “proceder à análise prévia arespeito da relevância sócio-política-econô-mica da matéria em pauta” (CEE. Processon. 23573163 de 6/10/03, p. 3135). Apósum ano para análise, a SECTEC retorna oprocesso ao Conselho expressando que

cumpre destacar, a necessidade das IESvinculadas ao sistema estadual, observa-rem os parâmetros legais e sociais estabe-lecidos pelas políticas públicas de EducaçãoSuperior que visam atender as demandasregionais, dentro de um planejamento ins-titucional que garanta a qualidade acadê-mica de sua ação na sociedade. É funda-mental [...] o bom desempenho das IES naprodução da ciência, da tecnologia, da ino-vação e do cumprimento de sua funçãosocial, reafirmando assim, sua missão empromover a indissociabilidade entre ensino,a pesquisa e a extensão. A universidade

Estadual de Goiás – UEG é uma instituiçãonova que, pela sua distribuição em todo oEstado de Goiás, possui um papel estraté-gico no projeto de desenvolvimento cultu-ral, econômico e social do Estado e daregião, enquanto instituição pública, gra-tuita e com qualidade acadêmica [...] Éimportante que o PDI se torne um docu-mento que descreva o conjunto das polí-ticas e que indique as metas propostas,dando uma visão de combate às desigual-dades regionais. Seja, acima de tudo, uminstrumento de controle social [...] “Essaconfiguração multi-campi confere a UEGgrande relevância social. Sua metas, estra-tégias e ações devem atender as necessi-dades próprias de cada região, cujo obje-tivo é dar respostas às questões econômi-cas-sociais pelo respeito às diversidades”[...] Portanto o PDI necessita de uma con-figuração que, de forma sucinta, apresen-te o cenário global do Estado e suas ne-cessidades nas dimensões política, cientí-fica, tecnológica, cultural, econômica e so-cial. (CEE. Processo n. 1.227/03 de 6/10/03, p. 3136) (Grifos nossos).

A SECTEC revela uma concepção dafunção social da universidade de viés prag-mático, ao enfatizar uma preocupação como desenvolvimento econômico e com con-trole social a serviço do Estado. A ênfasena produção do conhecimento parece con-figurar-se em segundo plano, ao associara produção da ciência e da tecnologia àsIES, de forma genérica. Será que as IES emquestão são as Unidades Universitárias daUEG espalhadas pelo Estado? O PDI (2003-2007), exigência do CEE/GO e da SECTECpara o recredenciamento da UEG, mostroualterações significativas na concepção damissão da instituição. Na missão original,constante no Estatuto da Fundação Univer-sidade Estadual de Goiás (FUEG), compete

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à UEGpesquisar, desenvolver, organizar, divul-gar e partilhar conhecimentos, ciências epercepções, ampliando o saber e a forma-ção do ser humano para a atuação sócio-profissional solidária e coerente com asnecessidades e a cultura regionais, com oobjetivo de que homens e mulheres con-quistem sua cidadania num projeto desociedade equilibrada, nos parâmetros daequidade. (UEG. PDI, 2004, p.26) (grifosnossos)

Na revisão ampliada do PDI, a mis-são foi reelaborada para

produzir e socializar o conhecimento cien-tífico e o saber, desenvolver a cultura e aformação integral de profissionais e indiví-duos capazes de inserirem-se criticamen-te na sociedade, e promoverem a transfor-mação da realidade sócio-econômica doEstado de Goiás e do Brasil. (UEG. PDI,2004, p. 26) (Grifos nossos).

A concepção das funções da UEGsofre um processo de novo redimensiona-mento, a partir de novas elaborações quevão efetivando-se nos documentos maisrecentes. Do enfoque mais economicista, dolocal, do regional, abre-se para a produçãodo conhecimento e da sua articulação como plano nacional. Porém, contraditoriamen-te, o Relatório de Gestão (UEG. 2005, p. 5)demonstrou no item - Principais Produtose/ou Serviços que “o principal serviço que aUniversidade presta à sociedade é a forma-ção de profissionais com ensino superiorcapacitados para o mercado de trabalho.A produção de conhecimento científico epesquisas direcionadas são também pro-dutos de suas atividades” (Grifos nossos).

O CEE/GO, para efetuar a análise doprocesso de recredenciamento da UEG,

optou pela formação de uma Comissão deEspecialistas que deveria averiguar in locoas condições de ensino, de pesquisa, deextensão e de pós-graduação para instru-ção da solicitação da renovação do creden-ciamento, em 9 de setembro de 2005 (CEE.Parecer n. 131/2005). Porém, antes ressal-tou que esta instituição possui os seguin-tes desafios:

ausência de um parâmetro de financia-mento fixo para o planejamento e o de-senvolvimento da Instituição; desarticula-ção entre as diferentes ações da Universi-dade, de tal forma que não há interação,nos moldes devidos, entre a graduaçãochamada regular e o Programa Universi-dade para os Trabalhadores da Educaçãoou cursos seqüenciais; desequilíbrio en-tre a universidade que oferece os cursoschamados regulares e os projetos especi-ais; falta de programas de Pós-graduaçãostricto sensu; ausência de programa sis-temático de qualificação dos professorese funcionários da Universidade Estadualde Goiás; grande número de docentes con-tratos temporários; baixo percentual demestres e doutores nos quadros da Univer-sidade; falta do Sistema de Bibliotecas In-formatizado que permita utilização maisracional do acervo existente; é pequenopara as necessidades da Instituição, onúmero de obras do acervo faltando, inclu-sive, obras das bibliografias mínimas exi-gidas nas disciplinas dos cursos oferecidosna Unidade Universitária onde a bibliote-ca esta localizada; faltam laboratórios eequipamentos em número e quantidadenecessários para o bom desenvolvimentodas atividades acadêmicas; ausência decursos que justifiquem o vínculo com aSecretaria de Ciência e Tecnologia, parti-cularmente os tecnólogos [...]; falta equi-valência entre as unidades universitárias;prédios sem condições adequadas para o

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funcionamento de uma instituição de edu-cação superior [...] (CEE. processo n.23573163 de 6/10/03, p. 3142) (grifosnossos).

O Decreto n. 6.568, assinado peloGovernador Alcides Rodrigues Filho, em 6de novembro de 2006, recredenciou a UEGaté 14 de abril de 2009, com a ressalva deque fosse assinado um protocolo de com-promisso entre a Universidade e o CEE/GO,com a interveniência da Procuradoria Geraldo Estado para cumprir novas exigênciassolicitadas pelo Parecer n. 169 de 25/8/2006 do CEE/GO, com base no relatóriode Comissão de Especialistas. Neste acor-do, a UEG comprometeu-se a definir a suaconcepção de Universidade que fundamen-ta a sua missão e a de todos os seusprojetos11.

Considerações finais

Apesar de todas as fragilidades en-contradas na UEG, do ano da sua funda-ção (1999) ao momento atual (2007), o seucrescimento em relação a novas vagas enovos cursos de graduação foi muito signi-ficativo. No período de 1999 a 2006, a uni-versidade expandiu suas matrículas em121,46%. Porém, sua expansão não asse-gurou a consolidação do efetivo exercíciodo ensino, da pesquisa e da extensão, so-bretudo em razão da ausência de mecanis-mo de financiamento constante. Do creden-ciamento ao recredenciamento, inúmerasexigências foram solicitadas à UEG, sendoque, até o momento (dezembro de 2007),não conseguiu efetivamente cumpri-las.Atualmente, a UEG chegou ao expressivopatamar de 39 Unidades Universitárias, lo-

calizadas em 37 cidades, perfazendo o to-tal de 128 cursos de graduação regulares,distribuídos sobretudo no interior do Esta-do. Deste montante, nove cursos sãotecnológicos12, 10 são de licenciatura13 e 17são bacharelado14. A UEG também estápresente em outras 20 cidades por meiode pólos universitários, ofertando licencia-turas parceladas, cursos seqüenciais e cur-sos de pós-graduação.

A UEG situa-se, em alguns documen-tos, como a segunda maior universidadepública do Brasil em relação ao quantitativode alunos matriculados na graduação. Des-te efetivo, verifica-se um percentual muitoexpressivo em relação aos discentes matri-culados nos cursos de LPP, seqüenciais epós-graduação lato sensu que representam48,07% do total de alunos matriculados.Pensar nestes números nos remete à inda-gação: qual é a concepção de universidadeou de instituição educativa que está portrás de uma proporção tão significativa doseu corpo discente em cursos de caráter tran-sitório e de curta duração? Existe algum tipode integração e propósito destes cursos coma graduação regular ou com a pesquisa eextensão? Qual vem sendo efetivamente asua principal função: prestar serviços medi-ante pagamento, formar mão de obra parao mercado de trabalho, produzir conheci-mento novo? Por que os cursos seqüenciaise a LPP são tão expressivos em relação àquantidade de alunos da graduação regu-lar? A prestação de tais serviços vem con-tribuindo para o desenvolvimento econô-mico do Estado? Qual é a verdadeira prio-ridade ou vocação da UEG? Cabe destacarque, dos cursos de graduação ofertados

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regularmente, 60,16% são cursos de licen-ciatura. O número tão elevado destes cur-sos em relação aos demais revela a suavocação ou constitui uma herança da uni-ficação das várias IES isoladas que oferecianaquele momento basicamente esta for-mação? Essas indagações apontam certa-mente para o necessário aprofundamentodessa investigação e do debate no interiorda UEG.

A concepção de universidade quevem sendo produzida pela UEG é certamen-te bastante emblemática, pois, mesmo nocontexto da reforma do Estado no Brasil,de inspiração neoliberal e, portanto, deminimização do seu papel para as políticaspúblicas sociais e sobretudo educacionais,esta instituição expandiu-se e interiorizou-se de forma muito significativa, com vagasgratuitas para vários cursos de graduaçãopresenciais. Em contrapartida, no contextode uma lógica de sobrevivência institucio-nal, devido à carência de recursos para suamanutenção e desenvolvimento, passou aoferecer uma variedade de cursos pagos,tendo em vista a geração de recursos pró-prios. Esta é a lógica da sobrevivência deuma instituição pública para respaldar a suaverdadeira função social? Afinal, qual é avisão que sustenta os projetos da UEG? Oque pensam os seus idealizadores, dirigen-tes e ainda a comunidade acadêmica emgeral? A presença tão marcante de cursostransitórios geridos por uma fundação pri-vada não pode colocar em risco a buscade uma função social que articule o ensino,a pesquisa e a extensão gratuitas de qua-lidade? São muitas, pois, as interrogaçõesacerca da UEG, tendo em vista compreen-

der sobretudo o processo de constituiçãode sua identidade institucional no cenáriogoiano, regional e nacional.

Nesse processo de identificaçãoinstitucional é preciso lembrar, finalmente,que a maioria dos cursos da UEG é ofertadano período noturno (73,44%) e que seu fococontinua sendo o ensino, devido ao proces-so incipiente dos projetos de pesquisa e deextensão. Destaca-se também que seu cor-po docente é composto significativamentepor professores de contrato temporário comtitulação de especialistas. A expansão ace-lerada da UEG gerou e continua a gerarproblemas para sua administração, ao seconsiderar as grandes distâncias em queestão localizadas as unidades, bem comoa deficiência de recursos disponibilizadospelo governo estadual para geri-las. Pen-sar todos estes desafios da universidade,considerando a falta de planejamento pe-dagógico-financeiro e a presença dos inte-resses político-eleitoreiros, nos induz a in-dagar sobre a importante responsabilida-de social assumida por essa instituição emsua breve história, para milhares de estu-dantes-cidadãos que passaram e passampor ela. Neste cenário, torna-se imprescin-dível continuar a investigar e a discutir acer-ca da concepção de universidade quenorteará a sua consolidação. Além disso,quem deverá defini-la? Quais serão os pres-supostos que irão alicerçar a sua missão,bem como os seus projetos de ensino, pes-quisa e extensão? Nesse processo, faz-senecessária, também maior transparência dapolítica orçamentária destinada à UEG, sobpena de se ver esvaecer as possibilidadesde constituição de uma universidade

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pública, democrática, autônoma, produto-ra e socializadora de conhecimento no Es-tado de Goiás.

Notas1 Das 71 Instituições de Ensino Superior (IES) sediadasno Estado de Goiás, no ano de 2005, 8 eram públi-cas e 63 eram privadas (BRASIL. MEC. INEP, 2006).2 Cabe destacar aqui o modelo napoleônico e omodelo humboltdiano. O primeiro enfatizando asinstituições isoladas, estatais, com cursos profissio-nalizantes, visando formar quadros técnicos e polí-ticos e, o segundo, voltado para a produção autônomae desinteressada do conhecimento e para a liberdadede ensino.3 Destaca-se ainda o fato de que a UEG foi criadapor um governador do PSDB, Marconi Perillo, nomomento que em que o presidente da Repúblicaera Fernando Henrique Cardoso, do mesmo PartidoPolítico.4 No caso de UEG, existiram movimentos de discus-são dos rumos da educação superior no Estado deGoiás, no âmbito da sociedade civil (ADESA – Asso-ciação dos docentes do ensino superior autárquicode Goiás; Fórum de Defesa da Escola Pública, den-tre outros) e da sociedade política, para a criação deuma universidade estadual, apesar da pequena par-ticipação dos professores da UNIANA (UniversidadeEstadual de Anápolis) e das faculdades isoladas es-taduais. A criação da UEG foi utilizada como platafor-ma política pelo então candidato, a governador doEstado, Marconi Perillo. Destaca-se, ainda, o papelprepoderante do Partido do PC do B na criação dessaInstituição, que integrou posteriormente o governode Marconi Perillo. Deve-se ressaltar que existiramduas propostas diferentes quanto à forma acadêmicade estabelecer o ensino superior estadual em Goiás:por meio de uma universidade para todo o Estadomediante a incorporação de todas as IES estaduaise outra opção que seria de manter a UNIANA inde-pendente, uma vez que já era universidade, e detransformar as demais faculdades isoladas em umou mais centros universitários.5 O Estado de Goiás iniciou um processo de expansãodo ensino superior tardiamente em relação ao con-

texto nacional. Na cidade de Goiânia foram criadasrespectivamente em 1959, a Universidade Católicade Goiás (UCG) e em 1960, a Universidade Federalde Goiás (UFG). Na cidade de Anápolis foi implanta-da em 1962, a Faculdade de Ciências Econômicasde Anápolis (FACEA) que foi transformada em 1990,na Universidade Estadual de Anápolis (UNIANA), eque por sua vez transformou-se em UEG no ano de1999, ao integrá-la com outras faculdades isoladasestaduais. Na década de 1980 ocorreu um significa-tivo processo de expansão da educação superior como surgimento de autarquias estaduais, fundaçõesmunicipais e instituições isoladas de educação su-perior privadas possibilitando a interiorização destenível de ensino no interior do Estado. A criação denovas vagas neste nível de ensino no interior doEstado ocorreu mediante a integração dos âmbitospúblicos e privados, em decorrência de pressões,acordos políticos, sob o respaldo do discurso da mo-dernização e do desenvolvimento regional do Estado.6 No momento de criação da UEG, em 1999, havia13 IES estaduais isoladas funcionando em Goiás.7 A FUNCER é uma entidade civil de personalidadejurídica de direito privado, sem fins lucrativos, comautonomia administrativa, financeira e patrimonial,reconhecida como instituição de utilidade pública,pela Lei Municipal n. 2.674/2000 e pela Lei Estadualn. 14.735/2006. A UEG é considerada por esta fun-dação uma das parceiras para promover as atividadesacadêmicas e as atividades ligadas ao terceiro setor.8 Entre os mecanismos pode-se citar a expressivaconcessão de bolsas universitárias aos estudantesmatriculados no setor privado. Somente no períodode 1999 a 2005 foram contemplados 57.817 estudan-tes (Cf. GOIÁS. SECTEC, 2006).9 As IES isoladas, mantidas pelo Governo Estadual,incorporadas pela UEG foram as seguintes: EscolaSuperior de Educação Física de Goiás; Faculdade deFilosofia Cora Coralina; Faculdade de Educação eCiências Econômicas de Anápolis; Faculdade deEducação, Ciências e Letras de Porangatu; FaculdadeEstadual Celso Inocêncio de Oliveira de Pires doRio; Faculdade de Educação, Ciências e Letras deItapuranga; Faculdade de Educação, Ciências e Le-tras de Santa Helena de Goiás; Faculdade de Educa-ção, Ciências e Letras de São Luís de Montes Belos;Faculdade de Educação, Ciências e Letras de

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Goianésia; Faculdade de Educação, Ciências e Letrasde Quirinópolis; Faculdade de Educação, Ciências eLetras de Iporá; Faculdade de Educação, Ciências eLetras Ilmosa Saad Fayad de Formosa; Faculdadede Educação, Ciências e Letras de Morrinhos; Facul-dade de Educação, Ciências e Letras de Jussara;Faculdade Estadual Rio das Pedras de Itaberaí; Facul-dade de Educação, Ciências e Letras de Uruaçu;Faculdade de Ciências Agrárias do Vale de SãoPatrício; Faculdade de Ciências Agrárias de Ipameri;Faculdade de Educação, Agronomia e Veterináriade São Miguel do Araguaia; Faculdade Estadual deDireito de Itapaci; Faculdade de Ciências Humanase Exatas de Jaraguá; Faculdade de Educação, Ciên-cias e Letras de Posse; Faculdade de Educação, Ci-ências e Letras de Crixás; Faculdade de Educação,Ciências e Letras de Luziânia; Faculdade Dom AlanoMaria du Noday; Faculdade de Ciências Agrárias,Biológicas e Letras de Silvânia; Faculdade de Agro-nomia e Zootecnia de Sanclerlândia.10 As solicitações foram: encaminhamento no períodode 30/6 a 31/12/2002 dos pedidos de renovação dereconhecimento de cursos e de reconhecimento doscursos autorizados; encaminhamento do requeri-mento de renovação do credenciamento da univer-sidade até 31/3/2003, atendendo às seguintes exi-gências: caracterizar os campi do interior; apresen-tar o programa orçamentário, constando para cadaunidade o percentual do Orçamento Estadual reser-vado; caracterizar o perfil (titulação, regime de tra-balho) docente por curso e unidade universitária;demonstrar plano de capacitação docente e admi-nistrativo e Plano de Carreira Docente até final de2003; mostrar o programa de Pós-GraduaçãoInstitucional; apresentar as atribuições dos Pró-Rei-tores e dos Diretores das Unidades; avaliação e atua-lização do Plano Estratégico de DesenvolvimentoInstitucional para o período de 2001-2004; demons-trar à existência de bibliotecas e laboratórios perti-nentes ao funcionamento dos cursos; apresentarprograma de pesquisa institucional com o mínimode duas áreas do conhecimento com financiamentoassegurado; mostrar atividades de extensão nas res-pectivas unidades; demonstrar a indissociabilidadeentre pesquisa, ensino e extensão; apresentar o pro-grama de Avaliação Institucional; atender os prazos

de vigência do reconhecimento dos cursos; demons-trar o cumprimento das exigências definidas pelaLDB. (Cf. Parecer CEE N. 009/2002 de 28/1/2002).11 Seguem as demais exigências: atualizar o Planode Desenvolvimento Institucional vinculado ao Planode Desenvolvimento Estadual em até 12 meses apósaprovação e publicação do recredenciamento; apre-sentar projeto que evidencie a política de efetivaçãoe titulação do corpo docente para cumprimento até2010 demonstrando: 2/3 seja do quadro efetivo, per-centual de mestres e doutores seja eqüitativos, bemcomo, de carga horária nas unidades universitárias;apresentar o plano emergencial de titulação de pro-fessores efetivos não titulados; implantar plano decarreira docente, de regime de trabalho e de saláriopara garantir a fixação do quadro de professores,em até 12 meses após aprovação e publicação doseu recredenciamento; estruturar o sistema de biblio-teca considerando as características científico-peda-gógicas das unidades universitárias; estruturar o pro-jeto de biblioteca e de laboratório em três etapas:um ano após aprovação e publicação do recreden-ciamento apresentar ao CEE/GO a estruturação dosistema de bibliotecas e laboratórios, até três anoscomprovar 70% da implantação do projeto e até 30de junho de 2010 implantação de 100%; organizaro sistema de gestão e de financiamento a partir daEmenta Constitucional n. 39, de 27 de dezembro de2005; garantir que os diretores da unidades univer-sitárias e os professores ocupantes de posições daadministração superior central sejam efetivos, no-meados em regime de quarenta horas semanais ecom titulação mínima de Mestre; o Orçamento Pro-grama aloque percentuais determinados a cada umadas Unidades, aos órgãos da administração central,a atividade de ensino, de pesquisa e de extensão, àbiblioteca, à infra-estrutura física e acadêmica;implementar o regime de quarenta horas em todasas unidades contemplando 50% de docentes efeti-vos até 2008 e 80% até 2011; construir espaços físicospróprios e adequados para o trabalho e a convivên-cia dos professores em cada unidade em até 12meses após aprovação e publicação do seu recreden-ciamento e apresentar o plano de execução destasconstruções; consolidar o Sistema de Acompanha-mento e de Avaliação de Alunos, disponibilizando

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dados atuais e constantes sobre ingresso, retenção,permanência, evasão e conclusão de cursos, articu-lado com o sistema de ingresso e com o Projeto deAvaliação Institucional, abarcando os professores, osalunos e a estrutura física dos cursos estruturantes,da Licenciatura Plena Parcelada, da Pós-graduaçãoStricto-Sensu, dos cursos seqüenciais e das Exten-sões Universitárias, tornando visível o trabalho rea-lizado pela Instituição e apresentar em até 1 anoapós aprovação e publicação do seurecredenciamento, o projeto da sua efetivação, de-vendo estar totalmente implantado até dezembrode 2009; implantar até dezembro de 2008, o núme-ro de cursos de Pós-graduação Strito-Sensu, de suacompetência exclusiva, devidamente aprovadospelos seus órgãos competentes e recomendados pelaCAPES; condicionar a abertura de novas unidades àobservação das recomendações contidas no Pare-cer N. 63 de 13 de fevereiro de 2004 para garantir aalocação de recursos orçamentários e financeirospara viabilizar a autorização do CEE/GO (Cf. Parecern. 169 de 25/08/2006 do CEE/GO e processo23573163 de 6/10/2003, p. 3378-87).12 Os cursos Superiores de Tecnologia ofertados pela

UEG e o número de cidades que ofertam esta moda-lidade são os seguintes: Tecnologia em Agropecuária(4), Tecnologia em Alimentos (1), Tecnologia emDesign de Modas (1), Tecnologia em Gastronomia(2), Tecnologia em Laticínios (1), Tecnologia emLogística (1), Tecnologia em Mineração (1), Tecnologiaem Rede de Computadores (5) e Tecnologia em Tu-rismo (3). Perfazem o total de 19 cursos tecnológicosoferecidos no Estado.13 Os cursos de licenciatura são: Ciências Biológicas(7), Educação Física (3), Física (1), Geografia (10), His-tória (13), Letras (14), Licenciatura em Informática (3),Matemática (10), Pedagogia (14) e Química (2). Perfa-zem 77 cursos de Licenciatura oferecidos no Estado.14 Os cursos de Bacharelado são: Administração (4),Administração em Agronegócios (2), Administraçãoem Hotelaria (1), Agronomia (2), Arquitetura (1), Ci-ências Contábeis (4), Ciências Econômicas (2), Comu-nicação Social (1), Enfermagem (1), Engenharia Agrí-cola (2), Engenharia Civil (1), Engenharia Florestal (1),Farmácia (1), Fisioterapia (1), Química Industrial (1),Sistema de Informação (6) e Zootecnia (1). Perfazem32 cursos de Bacharelado oferecidos no Estado.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aní-sio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior. Brasília: Inep, 2006.______. MARE. Câmara da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado.Brasília, 1995.CATANI, Afrânio Mendes; OLIVEIRA, João Ferreira de. Educação Superior no Brasil: Reestruturaçãoe metamorfose das universidades públicas. Petrópolis-RJ: Vozes, 2002.

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS. Parecer n. 009/2202, aprovado em 28/1/2002. Credenciamento da UEG. (CEE. processo n. 20249225). (documento consultado no CEE/GO)

______. Processo n. 23573163 de 6/10/2003. Recredenciamento da UEG. (documento consultadono CEE/GO)______. Parecer n. 63/2004 aprovado em 13/2/2004 (processo n. 23687207). (documento con-sultado no CEE/GO)______. Processo n. 463/2001 de 7/11/2001. Assunto Projeto da UEG. (documento consultadono CEE/GO)______. Parecer n. 350/2003 aprovado em 22/8/2003. Assunto Solicitação de prorrogação de

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prazo. (documento consultado no CEE/GO)

______. Protocolo de Compromisso que a Universidade Estadual de Goiás-UEG celebra com oConselho Estadual de Goiás-CEE com a interveniência da Procuradoria Geral do Estado. (docu-mento consultado no CEE/GO)CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Unesp, 2001.DOURADO, Luiz Fernandes. A interiorização do ensino superior e a privatização do público.Goiânia: Editora da UFG, 2001.______; OLIVEIRA, João Ferreira de. A educação superior em Goiás: regulamentação, políticas eperspectivas na reconfiguração do campo universitário. In: FALEIRO, M. O. L., TOSCHI, M. S.(org.). A LDB do estado de Goiás – Lei n. 26/98: análises e perspectivas. Goiânia: ed. Alternativa,2001. p. 69-86.GOIÁS. Decreto n. 6568 de 6 de novembro de 2006. Dispõe sobre o recredenciamento daUniversidade Estadual de Goiás.______. Decreto n. 5.130 de 3 de novembro de 1999. Homologa o Estatuto da UniversidadeEstadual de Goiás.______. Decreto n. 5.112 de 27 de agosto de 1999. Aprova o Estatuto da Fundação UniversidadeEstadual de Goiás.______. SECRETARIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Plano diretor para a educação superior noEstado de Goiás 2006-2015. Goiânia: SECTEC, 2006.LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João F.; TOSCHI, Mirza S. 5a edição. Educação escolar: políticas,estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2007.

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Recebido em 12 de fevereiro de 2008.Aprovado para publicação em 14 de março de 2008.

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Saberes de professores críticos-reflexivos nocurso de Pedagogia*

Knowledges of critical-reflexive teachers in the courseof Pedagogy

Vanda Moreira Machado Lima**Yoshie Ussami Ferrari Leite***

** Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo/USP. Profa. do Centro de Ensino Superior de Tupi Paulista.e-mail: [email protected]

*** Doutora em Educação pela UNICAMP. Profa. do PPGE-Mestrado em Educação /UNESP – Presidente Prudentee-mail: [email protected]

ResumoO curso de Pedagogia da UNESP, Campus de Presidente Prudente é eixo norteador deste texto, que sedesenvolve a partir da análise do curso segundo o conceito do professor crítico reflexivo e dos saberesfundamentais à docência (saber da experiência, saber do conhecimento e saber pedagógico). Resulta deuma pesquisa qualitativa com abordagem de estudo de caso, porque utiliza a história de vida da pesqui-sadora, a análise documental e entrevistas semi-estruturadas. O estudo possibilitou a reflexão sobre oprocesso de ensino realizado no Curso de Pedagogia, que demonstrou a ausência de um compromissoprofissional e coletivo dos professores do curso em relação aos objetivos definidos, a inexistência dotrabalho interdisciplinar e coletivo, a dicotomia entre a teoria e prática, a frágil proposta de Estágio, aprecariedade dos fundamentos específicos para formação do professor, a não valorização da realidadeescolar e da experiência dos alunos, o que levou à constatação de que apenas papéis e documentos nãoasseguram mudanças. Tais problemas necessitam ser superados para garantir a formação do professorcrítico-reflexivo no curso de Pedagogia.

Palavras-chaveCurso de Pedagogia. Professor crítico-reflexivo. Saberes docentes.

AbstractThe course of Pedagogy of UNESP, Campus of Presidente Prudente, is the guideline of this paper, which isdeveloped from the analysis of the course according to the concept of critical-reflexive teacher and thefundamental knowledges of the teaching (experienced knowledge, content knowledge and pedagogicalknowledge). This paper is the result of a qualitative research with a case-study approach, because it uses

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 215-232, jul./dez. 2008.

* O texto constitui versão sintetizada da dissertação de mestrado “Curso de Pedagogia: espaço de formação deprofessor como intelectual crítico-reflexivo?”, defendido em maio de 2003 na UNESP/Marília, sob orientação Profa.Dra. Yoshie Ussami Ferrari Leite.

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Introdução

Lembrar-se do passado no presentepossibilita-nos o prazer de contribuir paraa construção do futuro. Ações de onteminfluenciam o hoje e o amanhã, assim comoações de hoje podem mudar os rumos doamanhã. A educação tem um papel fun-damental, não o único, mas imprescindível,na transformação social. A rapidez e facili-dade com que circulam atualmente as infor-mações na sociedade têm exigido que aescola repense seu antigo papel de meratransmissora de conhecimentos, alterandotambém a função do professor diante dessenovo cenário. Acreditamos que o papel daescola seja formar pessoas críticas reflexivas,que assumam seu espaço na sociedadecomo sujeitos históricos, que refletem sobrea contemporaneidade histórica da escola,compreendem o mundo e escolhem omodo de atuar na sociedade. O professor éum sujeito que se encontra em constanteprocesso de formação e trabalha direta-mente com os alunos, formando novasgerações em um espaço específico que é aescola. No momento, urge repensar os cur-sos de formação de professores, em virtu-

de das inúmeras críticas que as pesquisasapontam (GATTI, 1994, 2000; PIMENTA,1992, 1999, 2002; LIBÂNEO, 1999; LEITE1994; NUNES, 2000; SILVA, 1999, entre ou-tras). Todas esclarecem que eles não favo-recem a formação de um profissional capazde compreender o significado de sua profis-são, bem como seu papel na sociedade.Segundo Nunes (2000), os cursos de forma-ção de professores propagam um ensinoidealizado aluno/escola, professor/ensinodesvinculado da realidade prática de nos-sas escolas. Além disso, carecem de funda-mentação teórico-metodológica e de com-petência formal e política para o exercíciodo magistério.

Em conseqüência dessas considera-ções, demonstra-se imprescindível a análi-se do processo de formação dos professo-res, de modo a responder a esse novo ce-nário de atuação caracterizado fortementepelas mudanças sociais.

Como as universidades públicas res-pondem a essas novas exigências formati-vas? Como os cursos de Pedagogia prepa-ram os futuros professores para atuar nessecenário? Essas questões nos impulsionarama desenvolver uma pesquisa que buscou

the lifestory of the researcher herself, documental analysis and half-structured interviews. This study madepossible the reflexion about the process of learning carried out in the Pedagogy course that made clear theabsence of professional and collective commitment of the professors of this course, towards to the goals ofthe course, the non-existence of an interdisciplinar and collective work, the dichotomy between theory andpractice, the fragile proposal of probation, the precarious specific foundations for the training of teachers,the non-valorization of the school reality and of the experience of the students which led to the perceptionthat only papers and documents cannot assure real changes. Such problems needs to be overcome inorder to guarantee the training of a critical-reflexive teacher in the course of Pedagogy.

Key wordsCourse of Pedagogy. Critical-reflexive teacher. Teaching Knowledges.

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refletir se o curso de Pedagogia da Univer-sidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”(UNESP), Faculdade de Ciências e Tecno-logia (FCT), Campus de Presidente Prudente,Estado de São Paulo, Brasil, constituiu-seespaço de formação de professores críticosreflexivos.

A pesquisa qualitativa fundamenta-se no Estudo de Caso que enfatiza a com-preensão dos eventos particulares (casos)e “pretendem retratar o idiossincrático e oparticular como legítimos em si mesmos. Taltipo de investigação toma como base odesenvolvimento de um conhecimentoidiográfico” (ANDRÉ, 1984, p.52). Além doEstudo de Caso, utilizou-se a História deVida, já que a reflexão sobre o Curso dePedagogia desenvolveu-se mediante a his-tória de vida e registros de memória de umaaluna do curso (própria pesquisadora) Tra-ta-se, portanto, de enfrentar o desafio quepossibilita analisar o curso de formaçãoinicial em nível superior através da reflexãodo vivido, cujo eixo é a própria história devida da pesquisadora “tentando resgatarpela memória movimentos que, sendomeus, revelam-se nossos” (FAZENDA, 2001,p.127). Utiliza-se também a análise docu-mental, tanto do projeto pedagógico quan-to dos planos de ensino do curso, e entre-vistas semi-estruturadas com alunos matri-culados, referentes ao período 1994 a 1998.

Professor Crítico-Reflexivo: umanova concepção

Utiliza-se na área educacional o con-ceito de reflexão por professores, pesquisa-dores e educadores diversos. A popularida-de do conceito reflexão “é tão grande quese torna difícil encontrar referências escritassobre propostas de formação de professo-res que, de algum modo, não incluam esteconceito como elemento estruturador”(GARCIA, 1992, p. 59). Causa estranha-mento a reiteração, nos meios acadêmicos,da necessidade do “professor reflexivo”, jáque a capacidade de refletir é uma caracte-rística humana; logo, ou os professores nãosão humanos, o que é pouco provável, oueles pensam, refletem. O verbete reflexãovem do latim reflexione e significa ‘ação devoltar para trás, de virar’, ‘reciprocidade’.Reflexão supõe razão, um movimento deinterrogação, de ponderação, meditação,capacidade de mudar de direção. O ato derefletir é também o ato de revelar, de deixarver, que se instaura na comunicação e naação. E como as coisas não acontecem poracaso, cabe-nos indagar: por que a ênfaseno conceito ‘professor reflexivo’.

Por que perguntar-se se é tempo de serreflexivo? O que é ser reflexivo? Quem de-verá ser reflexivo? Para que ser reflexivo?Sobre que ser reflexivo? Como ser reflexivo?E finalmente, é possível ser reflexivo? É de-sejável ser reflexivo? Para onde vamos coma nossa reflexão? (ALARCÃO, 1996, p. 173).

O conceito de professor reflexivo,apropriado e desenvolvido por Schön fun-damentou-se em Dewey que, segundoGeraldi (1998), o denominou “pensamen-to reflexivo”, cujo fim educacional era “o

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ensinar a pensar”, buscando a capacidadepara “o ato de pensar reflexivo” que nosemancipa da ação unicamente impulsivae rotineira e se caracteriza pela visão amplade perceber os problemas, possibilitandosua análise criteriosa e possíveis soluções.

[...] Sabemos que o uso do termo reflexãona formação de professores foi incorpora-do pelos educadores brasileiros a partirdo livro de Antônio Nóvoa, Os professorese a sua formação (1992). O livro apresentaa visão de vários autores sobre o tema,cujo foco é conceber o ensino como ativi-dade reflexiva” [...] os autores, posicionam-se francamente contra a adoção do modeloda racionalidade técnica na formação deprofessores” (LIBÂNEO, 2002, p.65).

No início da década de 90, segundovários autores (LIBÂNEO, 2002; PIMENTA,1999, 2002; GERALDI, 1998, dentre outros)o pensamento de Schön começou a ser di-fundido no meio acadêmico como impor-tante contribuição para a formação de pro-fessores no Brasil. Schön propõe uma for-mação de profissionais em oposição aomodelo teórico da racionalidade técnica, ouseja, que ultrapasse o currículo profissionalnormativo, que ensine os princípios científi-cos relevantes, depois a aplicação dessesprincípios e, por último, uma prática. É pre-ciso mudar esse currículo normativo parabuscar uma formação a partir da aprendiza-gem no “aprender fazendo”.

Schön (1992, 2000), embora não ela-bore o conceito ‘professor reflexivo’, propõeum ‘ensino reflexivo’ que apresenta a neces-sidade de formar os professores para a refle-xão sobre sua própria prática, analisandosuas ações e decisões, conceito que susci-tou críticas1, relacionadas principalmente, à

ênfase ao individualismo, à ausência dadiscussão do contexto institucional e à refle-xão da prática dissociada da teoria.

A reflexão fundamenta-se exclusiva-mente na prática? O saber docente é forma-do apenas na prática? Na profissão docen-te, é possível enfatizar a prática em detrimen-to da teoria?

As teorias da educação nutrem a prá-tica docente, uma vez que a reflexão em-basa-se não apenas na prática, mas nasteorias da educação. Os saberes teóricos searticulam com os saberes da prática, resigni-ficando-os e sendo por eles resignificados.Dessa forma, a teoria visa “oferecer aos pro-fessores perspectivas de análise para com-preenderem os contextos históricos, sociais,culturais, organizacionais e de si mesmoscomo profissionais, nos quais se dá sua ati-vidade docente, para neles intervir, transfor-mando-os” (PIMENTA, 2002, p. 26).

Precisamos preparar professores paraque assumam uma atitude reflexiva, enfo-cando o aspecto coletivo que conformeZeichner não é enunciado por Schön.Zeichner problematiza a excessiva valoriza-ção que Schön confere

[...] à autoridade individual do profissionalpara identificar e interpretar as situaçõesproblemáticas que perpassam sua prática,bem como aponta um certo reducionismodessa abordagem, quando esta circunscreveem demasia o processo de reflexão à prá-tica imediata, abstraindo de seu foco deanálise as implicações sociais de ensino.Zeichner irá ainda defender que a ativida-de reflexiva não se pode manifestar poruma ação isolada do sujeito. Segundo esteautor, ela exige uma situação relacionalpara ocorrer. A prática reflexiva deve serconsiderada como uma prática eminente-

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mente social, portanto, só passível de serdesenvolvida como uma ação comparti-lhada coletivamente (AQUINO, 2001, p. 219).

A discussão de Schön gera a possi-bilidade de alterar a abordagem da reflexãoindividual do professor para a construçãode uma reflexão coletiva de professores, ouuma comunidade de reflexão. Outro aspec-to importante é que a perspectiva da refle-xão necessita de uma análise crítica econtextualizada para não transformar oconceito de professor reflexivo em mero ter-mo ou expressão de um modo novo e am-bíguo de pensar que contribui para a elabo-ração de um discurso

[...] que culpabiliza os professores, ajudan-do os governantes a encontrarem um dis-curso que os exime de responsabilidadese compromissos. Discurso que se revestede inovação, porque se apropria da contri-buição de autores estrangeiros contempo-râneos e dos termos novos que decorremde suas teorias. No entanto, ignoram oumesmo descartam, a análise do conjuntode suas teorias e, principalmente, dos con-textos nos quais foram produzidas e paraos quais, eventualmente, têm sido férteisno sentido de potencializar a efetivação deuma democracia social com mais igualda-de, para o que contribui a democratizaçãoquantitativa e qualitativa dos sistemas es-colares (PIMENTA, 2002, p. 47).

Essas considerações apontam umnovo desafio aos cursos de formação deprofessores. É imprescindível pensá-la comoconhecimento da escola, enquanto organi-zação complexa que tem a função de pro-mover a educação para e na cidadania; oconhecimento da pesquisa que envolve aanálise e a aplicação dos resultados e in-vestigações de interesse da área educacio-nal, e, principalmente, conhecimentos teóri-

cos e práticos consolidados no exercício daprofissão e fundamentados em princípiosde interdisciplinaridade, contextualização,democratização, pertinência e relevânciasocial, ética e sensibilidade afetiva e estética.

Como subsidiar uma proposta de for-mação de modo a superar a prática de pro-fessores transmissores de informações paraprofessores críticos-reflexivos? Como supe-rar a formação de professores na racionali-dade técnica e formar o professor na pers-pectiva da reflexão crítica? Quais os saberesnecessários para que os docentes atuemcomo um profissional crítico-reflexivo?

Objeto de análise: o curso depedagogia da FCT/UNESP

O curso de Pedagogia pesquisadosurge em 1959, na Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras (FAFI), que com a criaçãoda Universidade Estadual Paulista “Júlio deMesquita Filho” (UNESP), em 1976, foi subs-tituída pelo Instituto de Planejamento eEstudos Ambientais (IPEA) quando o cur-so de Pedagogia foi extinto. O IPEA foi in-corporado pela Faculdade de Ciências eTecnologia (FCT). O curso de Pedagogiareinstalou-se em 1989. A FCT/UNESP repre-senta a única instituição universitária deensino público e gratuito na região de Pre-sidente Prudente, oeste do Estado de SãoPaulo. Ela conquistou o respeito e o reco-nhecimento em razão de trabalho sério ecomprometido. Para a pesquisadora, fre-qüentar o curso de Pedagogia nessa institui-ção representou a possibilidade de umaformação docente de qualidade, que lheproporcionou uma compreensão crítica da

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sociedade, do papel social da escola e doprofessor. Além de um espaço para apren-der a ser professor crítico reflexivo, capazde assumir um compromisso coletivo coma educação de qualidade, possibilitou-lhecontribuir para transformação da sociedade,através da formação de alunos que se tor-narão cidadãos, sujeitos históricos e cons-cientes de seu papel social.

O Curso de Pedagogia analisadopropõe-se a formar um pedagogo genera-lista com a compreensão globalizadora daeducação, do processo educativo, dasespecificidades dos problemas da socieda-de brasileira. Espera que ele seja capaz deatuar no planejamento e execução dos pro-jetos educacionais. Quer atuar também naformação do pedagogo professor, deten-tor dos conhecimentos e da capacitaçãodidática para transmiti-los, seja nos anosiniciais do ensino fundamental, seja emcursos de formação de professores paraatuar nas mesmas séries. Percebe-se que oCurso de Pedagogia da FCT – Unesp queprioriza um corpo de conhecimentos quese fundamenta na formação de um pro-fessor. A docência constitui a base daidentidade do curso, isto é, representa a me-diação para outras funções que envolvemo ato educativo intencional.

Pensar nos cursos de formação deprofessores significa a necessidade de supe-rar a estrutura curricular que enfoca apenasa racionalidade técnica. Nesse sentido, essapesquisa visou pensar nos saberes que fun-damentam o ato de ensinar no contextoescolar. Entre os vários autores que têmpesquisado os saberes, (TARDIF, 2002;GAUTHIER, 1998; GUIMARÃES, 2005;

FIORENTINI, 1998; PIMENTA, 1999, e ou-tros) o ponto de partida para refletir se oCurso de Pedagogia assegura a formaçãodo professor crítico-reflexivo. Nessa direção,consideram-se essenciais os parâmetros deanálise dados pela categorização dos sa-beres docentes, tais como apresentados porPIMENTA (1999), ou seja, saberes da expe-riência, saberes do conhecimento e sabe-res pedagógicos.

Conforme Pimenta (1999), os sabe-res da experiência envolvem dois enfo-ques. O primeiro destaca a compreensãoque os alunos possuem sobre o que é serprofessor. O fato de freqüentarem a escolacomo alunos lhes possibilita dizer quais fo-ram os bons professores, quais eram bonsem conteúdo, mas não sabiam ensinar;quais professores foram significativos emsuas vidas. Percebem também a desvalori-zação social, as dificuldades para realiza-ção do trabalho, a disparidade econômicaatribuída à profissão. Outros alunos, comojá atuam como docentes, vivenciam diaria-mente os desafios do exercício profissional.O segundo enfoque do saber da experiên-cia refere-se àquele “que os professores pro-duzem no seu cotidiano docente, num pro-cesso permanente de reflexão sobre sua prá-tica mediatizada pela de outrem – seus co-legas de trabalho, os textos produzidos poroutros educadores” (PIMENTA, 1999, p. 20).

Os saberes do conhecimento refe-renciam-se ao domínio do conteúdo espe-cífico da área em que o aluno, futuro profes-sor, atuará. O domínio do conteúdo é im-prescindível para que o futuro professorpossa propiciar ao futuro aluno a compre-ensão de conhecimentos da realidade,

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desenvolver habilidades para analisá-los,confrontá-los, contextualizá-los, revê-los,operá-los, enfim reconstruí-los com sabedo-ria. Todo professor tem clareza que é essen-cial ter o saber do conhecimento específicoda área em que atuará, contudo “poucosjá se perguntaram qual o significado queesses conhecimentos têm para si próprios;qual o significado desses conhecimentos nasociedade contemporânea” (PIMENTA,1999, p. 21).

Os saberes pedagógicos represen-tam conteúdos relacionados ao processode ensino, ao saber lidar com situações daprática social, às necessidades em sala deaula. A aquisição dos saberes pedagógicosconcretizam-se a partir da experiência dosformandos e da reflexão sobre a prática quese fundamenta na teoria. A vivência e a re-flexão dos contextos escolares favorecema compreensão da escola como espaço deformação dos alunos e professores, comoespaço de conhecimento, através do qualaprender e ensinar ocorram simultaneamen-te. Os saberes pedagógicos constituem-sea partir da prática, que os confronta e oselabora. Assim, esses saberes não se origi-nam apenas na prática; o saber teórico fun-damenta o saber da prática. Em síntese, ossaberes pedagógicos auxiliam a prática, namedida em que o ponto de partida são osproblemas reais, os desafios da prática do-cente, “entendendo, pois, a dependência dateoria em relação à prática, pois esta lhe éanterior. Essa característica, no entanto,longe de implicar uma contraposiçãoabsoluta em relação à teoria, pressupõeuma íntima vinculação com ela” (PIMEN-TA, 1999, p. 28).

Portanto, a reflexão e análise sobreo Curso de Pedagogia fundamentam-senas questões abaixo: Os saberes da expe-riência foram contemplados no Curso dePedagogia? O Curso de Pedagogia propi-ciou aos futuros professores o domínio dossaberes do conhecimento? Como o Cursode Pedagogia desenvolveu atividades refe-rentes aos saberes pedagógicos?

Os saberes da experiência foramcontemplados no curso depedagogia?

Conhecer os alunos, suas experiên-cias, seus projetos de vida, perceber quecada sujeito possui uma história única, con-siderar que professores e aluno são sereshumanos que influem um no outro e so-frem influência no processo de interaçãofuncionam como aspectos essenciais parao trabalho de um professor crítico-reflexivoque valoriza os saberes da experiência. Ocurso de Pedagogia da FCT não se preocu-pou com a priorização desses aspectos notrabalho ou nas atividades do dia-a-dia,durante os cinco anos de formação analisa-dos (1994-1998). As experiências viven-ciadas no espaço universitário mostraramque, embora esses aspectos estivessem pre-sentes no discurso de muitos professores, aação era outra. Observavam-se no discursodocente alguns valores como:– ênfase na coletividade e no trabalho

interdisciplinar;– priorização da reflexão, da criticidade, da

discussão e do debate;– valorização do conhecimento do aluno,

como ponto de partida;

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– compreensão da avaliação como diag-nóstico para novas ações;

– necessidade de compreensão da realida-de política social e econômica, para umapráxis social conseqüente.

Para a pesquisadora, poucos mo-mentos no Curso de Pedagogia propiciaramvivenciar esses aspectos apontados no Pro-jeto Pedagógico do Curso como essenciaisao trabalho docente. Eles não se viabiliza-ram na concretude das atividades realiza-das no espaço da sala de aula. Como ex-plicar essa defasagem entre o discurso e aprática docente?

Confirmando a não valorização dossaberes da experiência no Curso de Peda-gogia, a pesquisadora destaca as atitudesde alguns professores do curso quanto àprodução escrita dos alunos. Eles chega-vam à Universidade com dificuldades dese expressar por escrito e oralmente, em vir-tude de sua história pessoal. Como o cursotrabalhava esse aspecto? É possível igno-rar essa dificuldade dos alunos? Como ocurso desenvolvia seminários e as produ-ções textuais? Eles, raramente, eram orien-tados pelos professores universitários. Es-poradicamente, emergia a preocupação dasuperação das dificuldades dos alunos.

A avaliação do trabalho produzidodeveria representar um meio de estímulopara melhorar a produção escrita. Nesse pro-cesso, poderia avaliar o texto nos diferentesaspectos: adequação à proposta, à normaculta, coesão, coerência, recursos discursivose lingüísticos. Em conseqüência, apontarcaminhos para o amadurecimento da pro-dução, além de estimular a necessidade deretomar ou não algum conteúdo. Na reali-

dade, a devolução da avaliação (trabalhos,textos, seminários, relatórios e provas) rara-mente ocorria. Em alguns casos, a avaliaçãodemonstrava-se extemporânea, o comen-tário era inexistente e a reelaboração deses-timulada. Em algumas disciplinas, apenasao término do período letivo os alunos re-cebiam os trabalhos; em outras, concluíamas atividades sem saber se haviam sidoaprovados ou retidos na disciplina. Para apesquisadora, a ausência de uma concep-ção de avaliação dos trabalhos escritos nãofavorecia o amadurecimento e a autono-mia do aluno na produção escrita. O exer-cício da escrita-reescrita, ou seja, escrever erefletir sobre a sua produção com a possi-bilidade de reescrevê-la significa uma daspreocupações relativas à formação do pro-fessor crítico-reflexivo. A ênfase nas produ-ções dos alunos objetivava apenas a repro-dução teórica do pensamento de autores,sem relacioná-lo com a experiência pessoal.Segundo a pesquisadora, os saberes da ex-periência não foram valorizados pelos pro-fessores responsáveis pelas diversas disci-plinas no Curso de Pedagogia.

O curso de Pedagogia propiciouaos futuros professores o domíniodos saberes do conhecimento?

O Curso de Pedagogia, como cons-tava no Projeto Pedagógico no período de1994 a 1998, objetivava a formação deprofessor para atuar nos anos iniciais doensino fundamental e nas matérias peda-gógicas do Curso de Magistério, em nívelmédio. Entretanto, a pesquisa desenvolvidateve por preocupação analisar a formação

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para os anos iniciais, não priorizando o do-mínio do conhecimento para o nível médio.

Partiu-se do princípio que cabe asse-gurar ao professor dos anos iniciais do en-sino fundamental sólida formação teóricae prática que possibilite uma ação docentecrítica e reflexiva que envolva, pelo menosdois aspectos centrais: de um lado, a com-preensão crítica do papel social e políticoda escola e do professor na formação desujeitos críticos, reflexivos e transformadoresda sociedade; de outro, o domínio de conhe-cimentos específicos na área de atuaçãodo futuro professor (docência, gestão epesquisa).

Em relação às discussões sobre opapel da escola e do professor na transfor-mação social, as disciplinas do Curso dePedagogia pouco contribuíram para o ama-durecimento e reflexões sobre essas ques-tões. Na sala de aula, os textos trabalhadosabordavam conteúdos fragmentados quenão asseguravam uma formação críticareflexiva. Leituras sobre a formação docentee o papel da escola ocorriam de forma es-porádica. O curso apresentava um bomsuporte teórico referente aos fundamentosda educação, mas limitada discussão sobrea viabilização dessas idéias na prática. Ateoria, infelizmente, não era compreendidacomo nutriente da prática, mas como algoisolado e dicotômico.

Embora estivesse presente na reali-zação das atividades do Projeto Núcleo deEnsino2, as análises reflexivas ocorreramapenas em algumas disciplinas curriculares.Dada sua natureza, o projeto não atendiaa todos os alunos matriculados no curso,mas somente a alguns.

Em relação aos conhecimentos espe-cíficos da área de atuação docente, a aná-lise envolveu principalmente as disciplinasrelacionadas às Metodologias3 que pos-suíam, cada uma delas, a carga horária de90 horas/aula anual. O montante evidenciaa fragilidade da formação, visto que o cursoenfatiza, segundo carga horária apresenta-da acima, uma preocupação maior com aformação teórica caracterizada pelas disci-plinas de fundamentos, em detrimento dosconteúdos metodológicos preocupadosmais com a ação na prática de sala de aula.É possível discutir/conhecer os conteúdosespecíficos para os anos iniciais do ensinofundamental de comunicação e expressãocom apenas 90h/a? Como possibilitar quea teoria fomente a prática desse professor?

Infelizmente, no Curso de Pedagogiaanalisado, os debates travados em sala deaula demonstravam-se desvinculados darealidade, já que não articulavam teoria eprática. As metodologias não possibilitavamaos futuros professores quer a compreen-são, quer a discussão dos conteúdos dasrespectivas disciplinas com as quais atua-riam futuramente.

Além desses problemas, o Projeto Pe-dagógico do Curso e a realidade das aulasnão incluíam os conteúdos relacionados àMetodologia do Ensino de Arte e de Educa-ção Física, cujos conteúdos também são deresponsabilidade do professor dos anos ini-ciais do ensino fundamental. Dessa forma,mostra-se com clareza a dicotomia entre ateoria e a prática e a ausência dos conheci-mentos específicos de Arte e Educação Física.

Enfim, os saberes do conhecimento,tanto os conteúdos referentes ao papel da

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escola e do professor, como os conhecimen-tos específicos da área de atuação do pro-fissional docente não foram trabalhados aolongo dos cinco anos do curso de formaapropriada aos objetivos da formação.

Como o curso de Pedagogiadesenvolveu atividades referentesaos saberes pedagógicos?

Os saberes pedagógicos auxiliam naformação do professor crítico reflexivo, namedida em que consideram a realidade, osproblemas e os desafios da prática docente,através de atividades que possibilitemvivências de atividades mais identificadaspara a intervenção pedagógica. Ao contrá-rio, no Curso de Pedagogia predominavamaulas expositivas e alguns momentos deseminários que se resumiam a repetiçõesde textos teóricos, prática que não conduziaà análise dos problemas efetivos que en-volvem o trabalho docente. Segundo a pes-quisadora, as aulas, geralmente, restringi-am-se a comentários dos professores so-bre os textos utilizados em sala. Ainda que,a finalidade fosse a discussão e o debate,desenvolviam-se como monólogos. Em al-guns momentos, ocorriam escassas partici-pações com comentários de dois ou trêsalunos. Raros eram aqueles que liam ostextos propostos para as aulas, alguns pornão terem dinheiro para xerografar, outrospor falta de tempo em virtude do trabalho,outros por desinteresse.

O seminário revelou-se como outrametodologia do curso. Consistia na expo-sição e repetição das idéias teóricas dosautores. No entanto, para sua elaboração,

os alunos raramente recebiam orientações,o que os deixava inseguros e amedrontadosdurante a exposição. A pesquisadora viven-ciou uma outra experiência mais enrique-cedora para sua formação, no terceiro anodo curso sobre essa atividade na disciplinade Estrutura e Funcionamento do EnsinoFundamental e Médio. A orientação com-provou o diferencial. A professora apresen-tava diversos temas relacionados à com-preensão crítica e reflexiva do papel sociale político, fosse da escola pública, fosse doprofessor na transformação da sociedade.A turma formava grupos e escolhia os te-mas. Cada grupo recebia um conjunto detextos que eram lidos e discutidos. Numsegundo momento, produzia-se uma sín-tese teórica que auxiliava a compreensãodos problemas existentes na escola públicabrasileira. Após correção, o texto básico eradevolvido à sala, com antecedência, paraleitura prévia. Apenas neste momento ocor-riam os seminários, durante os quais o gru-po responsável coordenava os trabalhos,articulava a discussão entre o texto e a reali-dade da escola pública, assegurando a par-ticipação dos colegas.

Outra vivência muito enriquecedorafoi desenvolvida na disciplina de Planeja-mento, Desenvolvimento e Avaliação deCurrículo para o 1 o grau e consistiu em rea-lizar um diagnóstico em salas dos anos ini-ciais do ensino fundamental da escola pú-blica. O passo seguinte foi elaborar um pla-no de atividades de ensino, para aplicaçãona sala observada. Na seqüência, a experi-ência era relatada e avaliada com os pro-fessores responsáveis pelas salas nas quaisas atividades tinham sido desenvolvidas.

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Um processo concomitante ocorria com osdiscentes do curso de Pedagogia. Essa foia única experiência docente vivenciada pelapesquisadora ao longo dos cinco anos docurso de Pedagogia da FCT/UNESP.

Aulas expositivas e seminários pa-tenteavam-se como estratégias recorrentesnos planos de ensino, embora ocorressemoutras propostas de metodologia, como:estudos dirigidos, pesquisas bibliográficas,trabalhos práticos, recursos literários e /oucinematográficos, discussão de textos, ela-boração de textos e/ou relatórios, ficha-mentos, pesquisas históricas, estudos decasos, confecção e análise de materiais di-dáticos, elaboração de planos de ensino.

A articulação entre a teoria e a práti-ca deve estar presente durante todo o pro-cesso formativo do professor, como seu eixonorteador na organização do estágio, espa-ço privilegiado para oferecer ao futuro pro-fessor possibilidades para conhecer comprofundidade e criticidade as condiçõespolíticas, sociais, históricas e culturais do pro-cesso educacional concreto em que iráatuar. Conhecer a realidade escolar repre-senta a pedra fundamental para a cons-trução da identidade dos professores.

A análise da realidade durante aobservação deveria provocar discussões edebates à luz da teoria. Eles fundamenta-riam a reflexão sobre a prática, com o intuitode alterá-la ou elaborar outra. O estágio doCurso de Pedagogia da FCT/Unesp nãoatingiu essa meta.

A proposta de estágio, segundo Pro-jeto Pedagógico e Planos de Ensino, resu-mia-se a uma reflexão teórica sobre a ques-tão do ensino-aprendizagem das diversas

disciplinas envolvidas no trabalho do pro-fessor e sobre a necessidade de constantebusca de coerência entre teoria e práticapedagógica, além de elaborar projetos detrabalho para o ensino de 1a a 4a série en-volvendo diferentes disciplinas. Como oestágio envolvia observações e descriçõesque resultaram no relatório final, tais obje-tivos não foram alcançados pelo curso. Osalunos não debatiam suas observações eraramente tinham acesso à avaliação, ape-nas conheciam a nota atribuída ao relatóriopelo professor responsável.

Os fatos evidenciam que o Curso dePedagogia da FCT/UNESP, no período entre1994 e 1998, desenvolveu de modo precá-rio os saberes pedagógicos, prejudicandoa construção dos saberes necessários àdocência e à formação do professor crítico-reflexivo.

Algumas considerações

O processo de pesquisa desenvolvi-do através da história de vida da pesquisa-dora, das entrevistas semi-estruturadas eanálise apontou certezas e dúvidas.

A maioria dos professores formado-res que compunham o quadro de docentesdo Curso de Pedagogia no período anali-sado não demonstrava preocupação e pos-tura profissional e coletiva com a formaçãodo professor dos anos iniciais do ensinofundamental, conforme constava no Proje-to Pedagógico do curso. Nas diversas disci-plinas, isoladas umas das outras, leciona-vam conteúdos que não se preocupavamcom o objetivo geral do curso. A ausênciade diretrizes comuns aos professores

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formadores determinou a inexistência de tra-balho coletivo e interdisciplinar capaz de ar-ticular disciplinas fundamentais para aconstrução do perfil de professor reflexivo.A dificuldade de uma prática voltada paraarticular os fundamentos com as disciplinasde metodologia comprometia a formaçãosólida e de qualidade. A pesquisa reveloua urgência de os formadores de professoresdo Curso conceberem objetivos e diretrizescomuns que favoreçam uma formaçãomais consistente aos profissionais dos anosiniciais do ensino fundamental.

Como a prática dos professores for-madores poderia contribuir para alcançaro objetivo do Curso de Pedagogia? Por quenão havia um trabalho coletivo? Como épossível valorizar a importância do traba-lho coletivo na escola, a construção de umaproposta interdisciplinar que busque a for-mação de professores críticos reflexivosquando sua iniciação no ensino superiornão possibilita a vivência desses conceitos?

A dicotomia entre a teoria e a práticademonstra-se a principal dificuldade do Cur-so de Pedagogia, desde o início de sua im-plantação. Da mesma forma, a desarticula-ção do currículo. Embora o curso ofereçasólida fundamentação teórica, ela distancia-se da prática. As leituras e discussões de tex-tos, isto é, o conhecimento da teoria restrin-ge-se à discussão, sem a necessária relaçãocom a realidade da escola pública, gerandonos alunos formadores angústia, desorien-tação e mal-estar. O futuro professor identifi-ca a importância de seu papel na transfor-mação da sociedade a partir da discussãoteórica, mas não sabe como concretizar essatransformação. Afinal, os alunos detêm as

idéias, as concepções e não conseguem via-bilizá-las. Para tanto, a proposta do estágiopoderia ser o instrumento que articulasseteoria e prática. Contraditoriamente, a expe-riência reduzia-se a meras observações emeras descrições, elementos constitutivos daelaboração do relatório final.

Como é possível um curso que ofe-rece a parte teórica, mas não a articula àprática? É possível desenvolver-se comoprofessor crítico-reflexivo sem uma propos-ta de estágio que seja o eixo norteador detodo o curso? O que o Curso tem realizadopara eliminar ou mesmo minimizar essadicotomia entre a teoria e a prática?

Os conteúdos específicos para atuarcomo professor dos anos iniciais do ensinofundamental exige além domínio de conhe-cimentos das disciplinas que irá lecionar,conhecimentos sobre a dinâmica e funcio-namento da escola, recursos didáticos sobreo saber ensinar, entre outros.

Como assegurar a formação de umaluno crítico, quando ele não é capaz deselecionar/ organizar/ seqüenciar conteúdosde uma determinada disciplina para umadeterminada série? Como elaborar projetosinterdisciplinares? Como lecionar Arte oumesmo Educação Física se o Curso de Pe-dagogia não oferece Metodologias de En-sino para tais disciplinas? Como ser profes-sor sem dominar os conhecimentos especí-ficos da área que em atuará?

Ao término desse estudo percebemosque as mudanças na Educação ocorrem,em grande parte, em virtude das ações dospróprios sujeitos. Elaborar criticamente leis,documentos, planos e projetos, além decompreender sua origem, sua elaboração

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e seu contexto são requisitos essenciais paraa transformação social, mas isso não asse-gura mudanças reais nas ações e atitudesdos sujeitos. Há uma grande distância entreo Projeto Original do Curso de Pedagogiada FCT e as propostas das atividades dasdisciplinas vivenciadas na realidade pelapesquisadora no cotidiano do curso. Essacerteza reforça a convicção de que apenasa ação do sujeito provoca de fato mu-danças.

Um projeto político pedagógico bemelaborado assegura uma formação críticareflexiva? Como contribuir para que mudan-ças ocorram na prática?

A inexistência de uma postura pro-fissional e coletiva dos professores do cur-so para o alcance dos objetivos, a inexis-tência do trabalho interdisciplinar e coleti-vo, a dicotomia entre a teoria e prática, afrágil proposta de Estágio, o oferecimentoprecário dos conhecimentos específicos docurso, a não-valorização da realidade esco-lar e da experiência dos alunos e a percep-ção de que papéis e documentos não as-seguram mudanças reais, evidenciam queo curso de Pedagogia da FCT/UNESP, en-tre o período de 1994 a 1998, desenvolveude modo precário os saberes docentes ne-cessários na formação do professor crítico-reflexivo. Os saberes da experiência não fo-ram valorizados pela maioria dos profes-sores que lecionavam no curso, nesse perío-do. Os saberes do conhecimento, tanto osconhecimentos referentes ao papel da es-cola e do professor, como os conhecimen-tos específicos da área de atuação do pro-fissional docente não foram trabalhados aolongo dos cinco anos do curso de forma

apropriada aos objetivos da formação, des-tacando as áreas de Arte e Educação Física.Os saberes pedagógicos foram desenvol-vidos de modo precário, enfatizando prin-cipalmente as poucas experiências na pro-posta do estágio que articulassem teoria eprática e o saber com o saber fazer. A pes-quisa ressaltou essa fragilidade, entretantoenfatizou que o espaço da Universidadeproporcionou para a pesquisadora umavariedade de vivências que contribuírampara a formação do professor crítico-refle-xivo dos anos iniciais do ensino fundamen-tal, como:– o espaço da pesquisa implementa a

oportunidade de participação em proje-tos de pesquisa, como o Projeto Núcleode Ensino, já citado anteriormente, alémdos estágios não-obrigatórios, das moni-torias e das pesquisas de iniciação cien-tífica. Experiências vivenciadas pela pes-quisadora, entre as quais destacam-seos inúmeros momentos de reflexões so-bre a realidade da escola pública e dopapel do professor como crítico-reflexivoque se fundamentavam em leituras e es-tudos, ora individuais, ora orientados, oragrupais. O envolvimento com a pesquisapropiciou diversas participações em even-tos científicos (congressos, colóquios, se-minários) que constituíram enriquecedo-res momentos de partilha e de troca deidéias com universitários de diferentesregiões do país. Nessas atividades, a pes-quisadora ampliava seus olhares, suasargumentações, além de exercitar o do-mínio da socialização do conhecimentoacadêmico. É pertinente caracterizar ocampo da pesquisa como um caminho

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norteador para a formação do professorcrítico reflexivo.

– o espaço pol í t ico funciona comoestimulador de atuação nos colegiados,como Conselho de Curso, Centro Acadê-mico Paulo Freire (C.A.), Diretório Acadê-mico (D.A.), Conselho de Departamento,Conselho Municipal de Educação e ou-tros. A experiência como representantenesses colegiados, segundo a pesquisa-dora, ensinou-lhe o valor da luta por umaeducação pública de qualidade, da for-ça do trabalho coletivo que se enriquececom a diversidade de idéias e valores daspessoas envolvidas. Enfrentou o desafiode representar um grupo, e, principal-mente, de precisar o que significa “repre-sentatividade” e qual o papel dos cole-giados na busca social e política pelasmudanças e qualidade do ensino. Taisdiscussões foram fundamentais na for-mação da pesquisadora como professo-ra em processo de desenvolvimento pro-fissional, cuja concepção nega a técnicaburocrática e busca a criticidade e a re-flexão.

– o espaço cultural, visto que proporcio-nava diversos momentos culturais envol-vendo a arte, com destaque para música,poesia, teatro, artes plásticas, e outras,organizadas em sua maioria pelo C.A. eD.A. Além de outras atividades organiza-das pela FCT com o envolvimento dosalunos, como lançamentos de livros, noi-tes de autógrafos de professores ou mes-mo o lançamento, em 1995, da Revistado Curso de Pedagogia Nuances4, mo-mentos ímpares de libertação e aprendi-zagem. Da mesma forma, o Projeto da

Semana da Educação, um evento didá-tico-científico de realização anual desti-nado aos alunos do Curso de Pedagogiae demais profissionais relacionados àeducação. A Semana desenvolve comosistemática o oferecimento de diversasatividades através de oficinas com profis-sionais especialistas em diversas áreas,além de palestras com renomados pro-fissionais da educação brasileira. A Uni-versidade, portanto, além do espaço deformação profissional dos futuros profes-sores, também proporcionou espaços decultura e formação dos alunos, futurosprofessores, como seres humanos. A pes-quisadora iniciou sua formação culturalno espaço da Universidade, visto que,em sua história de vida, a iniciação cul-tural era precária, ou seja, teve acesso àarte, à música, ao teatro, à poesia atra-vés da participação do espaço culturaluniversitário que ampliou e completou avisão educacional, tornando-a maishumanizadora e crítica.

Fica patente a urgência de um proces-so de reestruturação curricular, que enfatize:– uma proposta de prática pedagógica e

estágio, em que a teoria nutra a práticae estabeleça a articulação entre a teoriae a prática, entre a Universidade e a es-cola dos anos iniciais do ensino funda-mental, entre as atividades da sala deaula e o estágio. Essa estratégia de arti-culação deve perpassar todo o curso deformação de professor, compreendendo-a numa perspectiva de unidade;

– uma valorização dos saberes dadocência, valorizando os saberes daexperiência dos alunos e levando-os em

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consideração no projeto pedagógico docurso, aprofundando os saberes peda-gógicos com vivências e experiências dedocência nos anos iniciais do ensino fun-damental, além de reorganizar os sabe-res do conhecimento necessários ao atualcontexto educacional brasileiro principal-mente os conhecimentos sobre as disci-plinas de Metodologias de Ensino deArte e Educação Física. É necessário as-segurar um embasamento teórico dossaberes da docência (saberes pedagógi-cos, saberes da experiência e saberes doconhecimento) que possibilitem ao futu-ro professor condições para elaboraçãode ações e projetos mais adequadospara uma escola que garanta condiçõesmínimas de cidadania ao aluno;

– uma nova postura do corpo docente atra-vés de integração de conteúdos e refle-xão coletiva que atendenda ao perfil doaluno que o curso deseja formar. É ur-gente a necessidade de um trabalhointerdisciplinar e coletivo do corpo docen-te com objetivos e diretrizes comuns quefavoreçam uma formação de qualidadesuperior aos futuros professores dos anosiniciais do ensino fundamental.

Repensar o curso de formação deprofessores dos anos iniciais do ensino fun-damental significa orientar e desenvolverhabilidades de um professor crítico-reflexivoenfocando seu caráter público e ético, arti-cular a análise crítica (teórica) das práticase da ressignificação das teorias a partir doconhecimento da prática (práxis), viabilizara vivência de pesquisa no espaço escolarpossibilitando na escola uma cultura deanálises e problematizações da própria prá-

tica docente com a participação da universi-dade como espaço formador de profissio-nais, no qual a pesquisa é eixo central datransformação da narrativa inicial. Além deenfatizar o aprimoramento individual e co-letivo para a busca do desenvolvimento pro-fissional dos professores, o curso de forma-ção entendido como resultante da combina-ção da história de vida, com as experiênciaseducativas para assumir um compromissocoletivo e profissional com a escola, deveoferecer, assim uma sólida fundamentaçãoteórico-prática, facilitando o exercício dareflexão, análise e crítica coletiva da práticadocente sob o foco das teorias. Afinal, o quedesejamos que se efetive nos anos iniciaisdo ensino fundamental deve ser desenvol-vido nos cursos de formação de professores.Se quisermos alunos críticos e reflexivos, oscursos de formação de professores devemformá-los como tais.

Notas1 Alguns autores que suscitam tais críticas são: Pi-menta (2002), Zeichner (1992), Giroux (1990), Libâneo(2002), Contreras (2002).2 Projeto Núcleo de Ensino da Faculdade de Ciênciase Tecnologia – UNESP, Campus de Presidente Pru-dente, foi instalado em 1991 sob a coordenação dosprofessores Yoshie Ussami Ferrari Leite, AlbertoAlbuquerque Gomes e Gelson Guibu. Deste Proje-to, participavam professores da Universidade, alunosdo Curso de Pedagogia e professores do Curso Nor-mal e/ou CEFAM. O trabalho manteve-se ativo, re-fletindo e intervindo na melhoria da qualidade doprocesso de formação dos professores da escolapública, antes no curso de Habilitação Específica doMagistério (HEM) e depois, no Centro Específico deFormação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM).Contou com o financiamento da FAPESP, para paga-mento de bolsas aos professores do CEFAM/HEM,

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assegurando dessa forma condições para que osmesmos pudessem desenvolver pesquisas sobresuas práticas pedagógicas. Contou também, com aFUNDUNESP, para pagamento de bolsas para osalunos do Curso de Licenciatura em Pedagogia,estagiárias do projeto. As reuniões eram semanaise as atividades se realizaram até por volta de 2003.

3 Metodologia do Ensino de 1º grau: Comunicaçãoe Expressão, Alfabetização, Estudos Sociais, Mate-mática e Ciências.4 Revista do Curso de Pedagogia NUANCES: busca-va abrir espaços para publicações de artigos de do-centes e discentes.

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Recebido em 6 de março de 2008.Aprovado para publicação em 30 de abril de 2008.

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Resenha

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Análise de erros: o que podemos aprender comas respostas dos alunosError Analysis: What we can learn from students’answers

Antonio José Lopes

Professor-pesquisador do Centro de Educação Matemáti-ca (CEM). Mestrado e doutorando em Didática da Mate-mática pela Universidade Autônoma de Barcelona,Espanha. Professor da Escola Vera Cruz, São Paulo.e-mail: [email protected]

CURY, Helena Noronha. Análise de erros: o que podemos aprender com as respostas dosalunos. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2007. (Coleção Tendências em Educação Mate-mática). ISBN 978-85-7526-254-2.Palavras-chave: Formação de Professores. Pesquisa em Educação Matemática. Análise de Erros.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 26, p. 235-237, jul./dez. 2008.

“Análise de erros: o que podemosaprender com as respostas dos alunos” éuma obra original da educadora matemá-tica Helena Cury, que construiu sua carreiraacadêmica na PUC-RS. Trata-se de publica-ção oportuna, leitura obrigatória para osatuais e futuros pesquisadores, alunos demestrado e doutorado em Educação Mate-mática e até mesmo como fonte para tra-balhos de conclusão de cursos de gradua-ção. A autora, que durante 20 anos investi-gou os porquês da ocorrência de erros emmatemática, destaca a importância de suaanálise como metodologia de pesquisa ecomo metodologia de ensino. O livro trazuma excelente revisão da literatura sobre atemática no Brasil e no mundo, selecionan-do as pesquisas mais relevantes e discutin-do-as de diferentes perspectivas.

O texto conduz o leitor à idéia de que“o erro se constitui como um conhecimento”,ou seja, descartando-se os erros cometidospor desatenção ou descuido, na maioriados casos os erros são hipóteses legítimasbaseadas em concepções e crenças adquiri-das ao longo da vida escolar. Esta pers-pectiva pode ser encontrada nas obras dediversos autores como Gaston Bachelard,e Guy Brousseau que considera que

O erro não é somente o efeito da igno-rância, da incerteza, do acaso, como seacredita nas teorias empiristas ou behavio-ristas da aprendizagem, mas o efeito deum conhecimento anterior, que tinha seuinteresse, seu sucesso, mas que agora serevela falso, ou simplesmente inadaptado.Os erros desse tipo que são instáveis eimprevisíveis, eles são constituídos emobstáculos.

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Desta perspectiva, destaca-se o apro-veitamento didático de erros, que tem emRaffaella Borasi uma de suas principais pes-quisadoras. Borasi instiga: “o que acontece-ria se aceitássemos esse resultado ? [ou] emque circunstâncias esse resultado pode serconsiderado correto?”. Esta autora conside-ra que, se os alunos são pressionados pelosistema escolar, os erros por eles cometidossão frustrantes, porque os fazem perder tem-po e despender esforços na tentativa de evi-tar a reprovação. No entanto, se a ênfaseda avaliação dos estudantes se desloca doproduto para o processo, há a possibilidadede que os erros cometidos venham a serdiscutidos e possam ser fontes de novasaprendizagens. Propõe então ambientes deaprendizagem nos quais o potencial doserros pode ser aproveitado.

Não se trata de idéia nova. Peter Hil-ton em sua conferência do ICME IV (1980),em que questionava se deveríamos conti-nuar ensinando frações como as aprende-mos, explorou um erro bastante comumcomo somar numeradores e denominado-

res 107

7352

75

32

=++

=+ . Tanto Hilton como

Borasi, sugerem que ao invés de eliminar oerro, re-explicando o processo, recitando aregra da adição de frações e solicitando queos alunos refaçam o cálculo – tarefa inútilna maioria das vezes – que investiguemem que casos esta “regra” inventada pelosalunos funciona. Peter Hilton apresentauma situação em que a “regra” poderia seraceita como um modelo conveniente pararepresentar a razão gols/jogos num cam-peonato de dois turnos.

Uma das grandes contribuições daobra de Helena Cury é a socialização dasidéias de Borasi, destaque especial para oque se denominou “taxionomia de usos deerros como trampolins para a pesquisa”.

Do aproveitamento didático dos er-ros derivaram-se muitas outras linhas depesquisa como alguns estudos sobre Inves-tigações Matemáticas na sala de aula quevêm sendo feitos por diversos pesquisado-res de vários países, com destaque paraJoão Pedro da Ponte e sua equipe, em Por-tugal.

A importância da análise das respos-tas como metodologia do ensino é susten-tada por uma bem selecionada lista deexemplos reais observados em alunos dedistintas culturas e níveis de ensino, que oslevam a formular hipóteses distintas dasesperadas por seus professores, como a já

citada dbca

dc

ba

++

=⊕ , considerada uma

sobregeneralização da regra do produto deduas frações. Outros tipos de erros sãoanalisados, como os cancelamentos excên-tricos que produzem erros do tipo

bababa

+=++ 22

, muitas vezes provocados

pela cultura do macete. A autora destacaainda as “saliências visuais” como, porexemplo, baba +=+ . Outras ca-tegorias de erros são discutidas.

Hoje sabemos da importância deanalisar estas respostas, indo além da suaremediação, buscando suas causas e pre-vendo seus desdobramentos, aproveitan-do-as como objetos de conhecimento, in-

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vestigando, a partir da resposta, as concep-ções dos alunos sobre como estão apren-dendo – ou não – conceitos e procedimen-tos.

A relevância do tema “erros” ou daanálise das respostas dos alunos tem im-portância crucial em muitas outras frentesda educação matemática atual, seja nadefinição de parâmetros curriculares, naanálise de materiais didáticos ou na forma-ção de professores.

Para Helena Cury, discutir erros nãoé tarefa fácil, mas nem por isso se deveevitar o assunto, pois é responsabilidadedos formadores de professores quebraressa cadeia de mal-entendidos e proporcio-nar aos futuros docentes de Matemática aoportunidade de olharem seus próprios er-

ros para, com base em uma discussão so-bre eles, retomarem os conteúdos nos quaisapresentam dificuldades que, se não supe-radas, somente servirão para alimentarnovas ocorrências de erros por parte de seusfuturos alunos.

Merece atenção o fato que, dos vári-os livros derivados de trabalhos acadêmi-cos como mestrados e doutorados, “Análi-se de erros: o que podemos aprender comas respostas dos alunos” se destaca pornão se dirigir exclusivamente ao público daacademia, dialoga também com o profes-sor que está na sala de aula das escolasde ensino fundamental e médio, trata deseus problemas reais com seus alunos reaise provoca reflexão.

Recebido em de 10 de novembro de 2008.Aprovado para publicação em 17 de dezembro de 2008.

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Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Periódico do Programa de Mestrado em Educaçãoda UCDB

1) SÉRIE-ESTUDOS – Periódico do Programa de Mestrado em Educação da UniversidadeCatólica Dom Bosco – está aberta à comunidade acadêmica e destina-se à publicaçãode trabalhos que, pelo seu conteúdo, possam contribuir para a formação e odesenvolvimento científico, além da atualização do conhecimento na área específicada educação.

2) As publicações deverão conter trabalhos da seguinte natureza:• Artigos originais, de revisão ou de atualização que envolvam abordagens teóricas

e/ou práticas referentes à pesquisa, ensino e extensão e que atinjam resultadosconclusivos e significativos.

• Traduções de textos não disponíveis em língua portuguesa que constituamfundamentos da área específica da Revista e que, por essa razão, contribuam paradar sustentação e densidade à reflexão acadêmica.

• Entrevistas com autoridades que vêm apresentando trabalhos inéditos, de relevâncianacional e internacional, na área específica da Educação, com o propósito de mantero caráter de atualidade da Revista.

• Resenhas de produções relevantes que possam manter a comunidade acadêmicainformada sobre o avanço das reflexões na área educacional.

3) A publicação de trabalhos deverá passar pela aprovação do Conselho de Pareceristasda Revista.

4) Caberá ao Conselho Editorial da Revista selecionar trabalhos com base nestas normase encaminhá-los para os pareceristas da área.

5) A entrega de originais para a Revista deverá obedecer aos seguintes critérios:• Os trabalhos deverão conter, obrigatoriamente: título em português e inglês; nome(s)

do(s) autor(es), identificando em nota de rodapé o endereço completo e o eletrônico,a titulação e a instituição a que pertence(m);

• Os artigos deverão conter, ainda, resumo em português (máximo dez linhas) e abstractfiel ao resumo, acompanhados, respectivamente, de palavras-chave e key words,ambas em número de três;

• Nas citações, as chamadas pelo sobrenome do autor, pela instituição responsávelou título incluído na sentença devem observar as normas técnicas da ABNT – NBR

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10520, agosto 2002. Exemplos: Saviani (1987, p. 70). (SAVIANI, 1987, p. 70);• As notas explicativas devem ser usadas para comentários, esclarecimentos ou

explanações que não possam ser incluídos no texto e devem constar no final dotexto, antes da referência bibliográfica.

• A referência bibliográfica, no final do texto, em ordem alfabética, deve seguir asNormas Técnicas da ABNT, NBR 6023, agosto 2002. Os elementos essenciais ecomplementares da referência devem ser apresentados em seqüência padronizada,de acordo com o documento. O nome do autor, retirado do documento, deve serpor extenso.

6) Os trabalhos deverão ser encaminhados dentro da seguinte formatação: uma cópia emdisquete, editor Word for Windows 6.0 ou superior; duas cópias impressas, com textoelaborado em português e rigorosamente corrigido e revisado, devendo ser uma delassem identificação de autoria; limite aproximado de cinco a vinte laudas para artigos,cinco laudas para resenhas, dez laudas para entrevistas e quinze laudas para traduções;a fonte utilizada deve ser Times New Roman, tamanho 12, espaço entrelinhas 1,5.

7) Eventuais ilustrações e tabelas com respectivas legendas devem ser apresentadasseparadamente, com indicação, no texto, do lugar onde serão inseridas. Todo materialfotográfico deverá ser em preto e branco.

8) Os artigos recusados ficarão à disposição dos autores na Editora.9) Ao autor de artigo aprovado e publicado serão fornecidos, gratuitamente, três

exemplares do número correspondente da Revista.10) Uma vez publicados os trabalhos, a Revista se reserva todos os direitos autorais,

inclusive os de tradução, permitindo, entretanto, a sua posterior reprodução comotranscrição e com a devida citação da fonte.

11) Os artigos representam o ponto de vista de seus autores e não a posição oficial daRevista ou da Universidade Católica Dom Bosco.

12) Os artigos devem ser encaminhados para o seguinte endereço:Universidade Católica Dom BoscoPrograma de Pós-Graduação – Mestrado em EducaçãoConselho Editorial da Revista Série-EstudosAV. Tamandaré, n. 6000Bairro Jardim SeminárioCampo Grande-MS 79.117-900

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Lista de periódicos que fazem permuta com aRevista Série-Estudos

PERMUTAS NACIONAIS

1) Akrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAR / Universidade Paranaense-UNIPAR / Umuarama-PR

2) Argumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras ePsicologia Padre Anchieta / Sociedade Padre Anchieta de Ensino / Jundiaí-SP

3) Asas da Palavra / Universidade da Amazônia-UNAMA / Belém-PA4) Avesso do Avesso / Fundação Educacional Araçatuba / Araçatuba-SP5) Biomassa e Energia / Universidade Federal de Viçosa / Viçosa-MG6) Bolema – Boletim de Educação Matemática / UNESP – Rio Claro / Rio Claro-SP7) Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação / Universidade Estadual

Paulista / Rio Claro-SP8) Caderno Brasileiro de Ensino de Física / Universidade Federal de Santa Catarina-

UFSC / Florianópolis-SC9) Caderno Catarinense de Física / Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-

SC10) Caderno de Estudos e Pesquisas / Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO / São

Gonçalo-RJ11) Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais / Faculdades do Brasil-

UniBRasil / Curitiba-PR12) Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP13) Cadernos da Graduação / Universidade Federal do Ceará-UFC / Fortaleza-CE14) Cadernos de Educação / UNIC-Universidade de Cuiabá / MT15) Cadernos de Educação / Universidade Federal de Pelotas-UFPel / RS16) Cadernos de Educação Especial / Universidade Federal de Santa Maria-UFSM / RS17) Cadernos de Pesquisa / Universidade Federal do Maranhão / São Luís-MA18) Caderno de Pesquisa / Fundação Carlos Chagas / São Paulo-SP19) Cadernos de Pesquisa - Turismo / Faculdades de Curitiba / Curitiba-PR20) Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE / Universidade Federal do Espírito Santo-

UFES / Vitória-ES21) Cadernos do Centro Universitário São Camilo / Centro Universitário São Camilo /

São Paulo-SP22) Cadernos de Psicologia Social do Trabalho / Universidade de São Paulo-USP / SP23) Cadernos do UNICEN / Universidade de Cuiabá-UNIC / MT

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24) Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão / Universidade Ibirapuera / Moema-SP

25) Caesura / Universidade Luterana do Brasil-ULBRA / Canoas-RS26) Cesumar Saúde / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR27) Cesur em Revista / Faculdade do Sul de Mato Grosso / Rondonópolis-MT28) Ciências da Educação / Centro Universitário Salesiano-UNISAL / Lorena-SP29) Conhecendo a Enfermagem / Universidade do Sul de Santa Catarina / Tubarão-SC30) Diálogo / Centro Universitário La Salle-UNILASALLE / Canoas-RS31) Diálogo Educacional / Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR / PR32) Educação – Revista de Estudos da Educação / Universidade Federal de Alagoas -

UFAL / Maceió-AL33) Educação & Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS / RS34) Educação e Filosofia / Universidade Federal de Uberlândia-UFU / MG35) Educação e Pesquisa / Universidade de São Paulo-USP / SP36) Educação em Debate / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE37) Educação em Foco / Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF / MG38) Educação em Questão / Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN / RN39) Educação em Revista / Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG / MG40) Educação UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS / São Leopoldo-

RS41) Educar em Revista / Universidade Federal do Paraná-UFPR / Curitiba-PR42) Educativa / Universidade Católica de Goiás-UCG / GO43) Em Aberto / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais / Brasília-DF44) Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências / Universidade Federal de Minas

Gerais-UFMG / MG45) Ensaio / Fundação Cesgranrio / Rio de Janeiro-RJ46) Ensino em Re-vista / Universidade Federal de Uberlândia-UFU / MG47) Espaço Pedagógico / Universidade de Passo Fundo / RS48) Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas / Universidade de Marília-

UNIMAR / Marília-SP49) Estudos - Universidade Católica de Goiás-UCG / GO50) Foco – Revista do Curso de Letras / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão

Preto-SP51) Fragmentos de Cultura / Universidade Católica de Goiás-UCG / GO52) Gestão e Ação / Universidade Federal da Bahia / Salvador-BA53) Ícone / Centro Universitário do Triângulo / Uberlândia-MG54) Inter-ação / Universidade Federal de Goiás-UFG / GO55) Intermeio – Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul-UFMS / Campo Grande-MS56) Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente Prudente-SP57) Letras Contábeis / Faculdades Integradas de Jequié - FIJ / Jequié-BA58) Letras de Hoje / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS / RS

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59) Linguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de Mestradoem Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - Universidadedo Sul de Santa Catarina-UNISUL / Tubarão-SC

60) Linhas Críticas / Universidade de Brasília-UnB / DF61) Métis / Universidade de Caxias do Sul-UCS / RS62) Movimento / Universidade Federal Fluminense-UFF / Niterói-RJ63) Natureza e Artifício / Sociedade Civil de Educação Braz Cubas / Mogi das Cruzes-SP64) Nuances / Universidade Estadual Paulista-UNESP / SP65) Os Domínios da Ética / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG66) Palavra – Revista Científica do Curso de Comunicação Social da Unisul -

Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL / Tubarão-SC67) Paradoxa / Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO / Rio de Janeiro-RJ68) PerCurso: Curitiba em Turismo / Faculdades de Curitiba / PR69) Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação / Universidade Federal

de Santa Catarina / Florianópolis-SC70) Philósophos – Revista de Filosofia / Universidade Federal de Goiás-UFG / GO71) Phrónesis – Revista de Ética / Pontifícia Universidade Católica-PUC-Campinas-SP72) Poiésis – Revista Científica em Educação / Universidade do Sul de Santa Catarina-

UNISUL / Tubarão-SC73) Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente / Universidade

Federal de Rondônia - UNIR / Porto Velho-RO74) Pró-Discente / Universidade Federal do Espírito Santo-UFES / ES75) Pro-Posições / Faculdade de Educação-UNICAMP / SP76) Psicologia Clínica / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUCRJ / RJ77) Psicologia da Educação / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP / SP78) Publicações ADUFPB / Universidade Federal da Paraíba / João Pessoa-PB79) Revista 7 Faces / Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira-FUNCESI / MG80) Revista Alcance / Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI / Itajaí-SC81) Revista Ambiente e Educação / Fundação Universidade Federal do Rio Grande / Rio

Grande-RS82) Revista Anamatra / Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho83) Revista Baiana de Educação Física / Salvador-BA84) Revista Brasileira de Educação Especial / Universidade Estadual Paulista / Marília-SP85) Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais / MEC / DF86) Revista Brasileira de Gestão de Negócios / Fundação Escola do Comércio Álvares

Penteado / São Paulo-SP87) Revista Brasileira de Tecnologia Educacional / Associação Brasileira de Tecnologia

Educacional / Brasília-DF88) Revista Caatinga / Escola Superior de Agricultura de Mossoró / RN89) Revista Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP90) Revista Cadernos de Campo / Universidade de São Paulo-USP / SP

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91) Revista Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR92) Revista Ciências Humanas / Universidade de Taubaté-UNITAU / SP93) Revista Científica / Centro Universitário de Barra Mansa / Barra Mansa-RJ94) Revista Ciência e Educação / UNESP-Bauru / Bauru-SP95) Revista Científica da Unicastelo / Universidade Camilo Castelo Branco-Unicastelo /

São Paulo-SP96) Revista Colloquim e Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente

Prudente-SP97) Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação / Universidade do

Vale do Itajaí-SC98) Revista da Educação Física / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR99) Revista da Faculdade Christus / Faculdade Christus / Fortaleza-CE100)Revista da Faculdade de Educação / Universidade do Estado de Mato Grosso /

Cáceres-MT101)Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade / Universidade do Estado da

Bahia / Salvador-BA102)Revista da FAPA / Faculdade Paulistana - FAPA / São Paulo-SP103)Revista da Faculdade de Santa Cruz / União Paranaense de Ensino e Cultura /

Curitiba-PR104)Revista de Administração / Centro de Ensino Superior de Jataí-CESUT / GO105)Revista de Ciências Sociais e Humanas / Centro de Ciências Sociais e Humanas /

Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-SC106)Revista de Contabilidade do IESP / Sociedade de Ensino Superior da Paraíba / João

Pessoa-PB107)Revista de Direito / Universidade de Ibirapuera / São Paulo-SP108) Revista de Divulgação Cultural / Fundação Universidade Regional de Blumenau-

FURB / SC109)Revista de Educação / Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas /

SP110)Revista de Educação CEAP / Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica-CEAP /

Salvador / BA111)Revista de Educação Pública / Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT / MT112)Revista de Letras / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE113)Revista de Negócios / Fundação Universidade Federal de Blumenau-FURB / SC114)Revista de Psicologia / Universidade Federal do Ceará-UFC / Fortaleza-CE115)Revista do CCEI / Universidade da Região da Campanha / Bagé-RS116)Revista do Centro de Educação / Universidade Federal de Santa Maria / Santa

Maria-RS117)Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos / Instituição Toledo de Ensino-ITE /

Bauru-SP118)Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Sergipe-UFS / São

Cristóvão-SE

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119)Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação / Universidade Federal deSanta Maria-UFSM / RS

120)Revista dos Expoentes / Universidade de Ensino Superior Expoente-UniExp / Curitiba-PR

121)Revista Educação / Porto Alegre-RS122)Revista Educação e Movimento / Associação de Educação Católica do Paraná /

Curitiba-PR123)Revista Educação e Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Porto

Alegre-RS124)Revista Ensaios e Ciências / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da

Região do Pantanal / Campo Grande-MS125)Revista Espaço / Instituto São Paulo de Estudos Superiores / São Paulo126)Revista Estudos Lingüísticos e Literários / Universidade Federal da Bahia / Salvador-

BA127)Revista Fórum Crítico da Educação / Instituto Superior de Estudos Pedagógicos -

ISEP / Rio de Janeiro-RJ128)Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos / Universidade do Vale do Rio dos Sinos-

UNISINOS / São Leopoldo-RS129)Revista Horizontes / Universidade São Francisco-USF / Bragança Paulista-SP130)Revista Idéias & Argumentos / Centro Universitário Salesiano de São Paulo-UNISAL131)Revista Informática na Educação – Teoria e Prática / Universidade Federal do Rio

Grande do Sul-UFRGS / RS132)Revista Intertemas / Associação Educacional Toledo-Presidente Prudente-SP133)Revista Integração / Universidade São Judas Tadeu / São Paulo-SP134)Revista Jurídica da FURB / Fundação Universidade Regional de Blumenau-FURB / SC135)Revista Jurídica – FOA / Associação Educativa Evangélica / Anápolis-GO136)Revista Jurídica da Universidade de Franca / Universidade de Franca / Franca-SP137)Revista Jurídica Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR138)Revista Mimesis / Universidade do Sagrado Coração / Bauru-SP139)Revista Montagem / Centro Universitário “Moura Lacerda” / Ribeirão Preto – SP140)Revista O Domínio da Ética / Fundação Centro de Analises, Pesquisas e Inovações

Tecnológicas / Manaus-AM141)Revista O Eixo e a Roda / Universidade Federal de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG142)Revista Paidéia / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Ribeirão

Preto-SP143)Revista Pedagogia / Universidade do Oeste de Santa Catarina-UNOESC / SC144)Revista Plures / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão Preto-SP145)Revista Prosa / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

/ Campo Grande-MS146)Revista Psicologia Argumento / Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR /

PR147)Revista Quaestio / Universidade de Sorocaba-UNISO / Sorocaba-SP

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148)Rev i s ta Rec r iação (Rev i s ta de Re fe rênc ia de Es tudos da In fânc ia eAdolescência) / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Campo Grande-MS

149)Revista Reflexão e Ação / Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC / RS150)Revista Semina / Universidade de Passo Fundo / Passo Fundo-RS151)Revista Sociedade e Cultura / Departamento de Ciências Sociais / Goiânia-GO152)Revista Tecnologia da Informação / Universidade Católica de Brasília-UCB / Brasília-

DF153)Revista Teoria e Prática / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR154)Revista Trilhas / Universidade da Amazônia-UNAMA / Belém-PA155)Revista UNIABEU / Associação Brasileira de Ensino Universitário-UNIABEU / Belford

Roxo-RJ156)Revista Unicsul / Universidade Cruzeiro do Sul-Unicsul / SP157)Revista UNIFIEO / Centro Universitário-FIEO / Osasco-SP158) Scientia / Centro Universitário Vila Velha-UVV / Vitória-ES159) Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC /

Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC / SC160) T e C Amazônia / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG161) TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ / Universidade do Estado do

Rio de Janeiro / Rio de Janeiro-RJ162) Textura – Revista de Educação, Ciências e Letras / Universidade Luterana do

Brasil-ULBRA / Canoas-RS163) Tópicos Educacionais / Universidade Federal de Pernambuco-UFPE / Recife-PE164)UNESC em Revista / Revista do Centro Universitário do Espírito Santo-UNESC / Colina-

ES165)UniCEUB em Revista / Centro Universitário de Brasília-UniCEUB / Brasília-DF166)UniCiência - Revista Científica da UEG / Fundação Universidade Estadual de

Goiás-UEG / Anápolis-GO167) UNICiências / Universidade de Cuiabá-UNIC / MT168) Unimar Ciências / Universidade de Marília-UNIMAR / Marília-SP169)UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista / Universidade

Paulista-UNIP / São Paulo-SP170)Universa / Universidade Católica de Brasília-UCB / DF171)UNOPAR Científica – Ciências Humanas e Educação / Universidade Norte do

Paraná-UNOPAR / Londrina-PR172)Ver a Educação / Universidade Federal Pará-UFPA / Belém-PA173)Veritas – Revista de Filosofia / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul-PUCRS / RS174)Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia / Universidade do Sul de Santa

Catarina-UNISUL / Tubarão-SC175)Zetetiké / UNICAMP / Campinas-SP

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PERMUTAS INTERNACIONAIS

01) AILA – International Association of Applied Linguistic / Open university / Unitedkingdom – Ukrainian

02) Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación / Universidad de Medellín /Medellín – Colômbia

03) Anthropos – Venezuela / Instituto Universitario Salesiano “Padre Ojeda” (IUSPO) –Venezuela

04) Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / ANUIES -Asociación Nacional de Universidades e Instituciones de Educación Superior / México

05) Cuadernos de Administración / Pontifícia Universid Javeriana / Bogota – Colombia06) Infancia en eu-ro-pa / Associación de Maestros Rosa Sensat. / Barcelona – España07) Revista de Investigaciones de la Unad / Universidad Nacional Abierta y a Distancia

– Unad / Bogotá – Colombia08) Learner Autonomy: New Insights / ALAB – Associação de Lingüística Aplicada do

Brasil – Belo Horizonte-MG09) Lexis / Asociación de Institutores de Antioquia – Adida / Medellín – Colombia10) Nexos / Universidad EAFIT / Medellín - Colombia11) Padres/Madres de alumnos/alumnas / CEAPA / Madrid – España12) Política y Sociedad / Universidad Complutense de Madrid / Madrid – España13) Proyección investigativa / Universidad de Córdoba / Montería – Colombia14) Revista Contextos Educativos / Universidad de La Rioja / La Rioja – España15) Revista de ciencias humanas / Universidad Tecnológica de Pereira / Risaralda –

Colombia16) Revista de La CEPA / Comisión Economica para América Latina y El Caribe / Santiago –

Chile17) Revista de pedagogía / Universidad Central de Venezuela / Caracas - Venezuela18) Revista Universidad EAFIT / Universidad EAFIT / Medellín – Colombia19) Revolución Educativa al Tablero / Centro Administrativo Nacional (CAN) / Bogota –

Colombia20) Salud Pública de México / Instituto Nacional de Salud Pública / Cuernavaca, Morelos,

México21) Santiago: revista de la Universidad de Oriente / Universidad de Oriente / Santiago

de Cuba – Cuba22) Signos Universitarios / Universidad del Salvador / Buenos Aires – Argentina23) Thélème - Revista Complutense de Estudios Franceses / Universidad Complutense

Madrid / Madrid – España

Page 248: SÉRIE-ESTUDOS Periódico do Mestrado em Educação da UCDB · O texto de Emerson Correia da Silva e Ana Clara Bortoleto Nery realiza um estudo do ... Análise de erros: o que podemos