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1 SERVIÇO SOCIAL E O DIREITO À MORADIA: PARTICIPAÇÃO E MOBILIZAÇÃO COMUNITÁRIA NO PROJETO RONDON® LOCAL DIREITOS HUMANOS Monica Abranches,. 1 Hélia Leomara Dias Melo 2 RESUMO: O Serviço Social está inserido em várias frentes de atuação do Projeto RONDON® Local Direitos Humanos que tem como objetivo contribuir para a remoção e reassentamento humanizados de famílias moradoras da faixa de domínio do Anel Rodoviário de Belo Horizonte e Br 381, em parceria com a Justiça Federal de Minas Gerais e DNIT/Governo Federal. O Projeto atua, com equipes interdisciplinares, junto às comunidades com uma metodologia de trabalho que prioriza o diagnóstico e o planejamento participativo (planejamento, execução e avaliação) com intuito de elaborar um Plano de Remoção e Reassentamento que atenda às expectativas dos moradores e garanta os direitos sociais atrelados à temática da moradia digna. As ações do Projeto estão subordinadas ao Programa Judicial de Conciliação, a cargo do Tribunal Federal de Justiça da 1ª Região Minas Gerais. Todo o Projeto está baseado em orientações da ONU para trabalhos com Remoções e vários tratados internacionais que garantem o direito à moradia como direito humano fundamental, entendendo que o direito à moradia envolve mais que a residência física e caracteriza todo o ambiente que está entorno dos indivíduos, bem como a sua relação com esse meio. Nesse sentido, uma proposta de remoção humanizada como se propõe nesse projeto, deverá prever mais que o processo de acompanhamento das remoções e adequação à nova moradia, pois é imprescindível que seja garantida e respeitada a história de vida das famílias envolvidas nesse processo, sua percepção e expectativas quanto ao enfrentamento de uma nova situação de vida e a satisfação com o ambiente onde habita, além de um acolhimento das novas relações sociais no território. Nessa perspectiva, o Serviço Social está envolvido no trabalho de cadastramento 1 Coordenadora do Eixo de Gestão do Projeto RONDON Local Direitos Humanos.Membro do Núcleo de Extensão de Políticas Sociais e Urbanas/PUC Minas.Pesquisadora do Grupo NUJUP/PUC Minas - Núcleo Jurídico de Políticas Públicas. Docente do Curso de Serviço Social da PUC Minas .Mestrado em Educação/UNICAMP-SP .Doutorado em Tratamento da Informação Espacial/PUC Minas - [email protected] 2 Coordenadora do Eixo Mobilização e Comunicação Social .Projeto RONDON Local Direitos Especialista em Extensão Universitária/UFSJ MG-[email protected] .

SERVIÇO SOCIAL E O DIREITO À MORADIA: PARTICIPAÇÃO E ...cress-mg.org.br/hotsites/Upload/Pics/76/76483a37-1e45-41c4-bf44-95... · O Serviço Social encontra-se inserido em todos

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SERVIÇO SOCIAL E O DIREITO À MORADIA: PARTICIPAÇÃO E MOBILIZAÇÃO

COMUNITÁRIA NO PROJETO RONDON® LOCAL DIREITOS HUMANOS

Monica Abranches,.1

Hélia Leomara Dias Melo2

RESUMO:

O Serviço Social está inserido em várias frentes de atuação do Projeto RONDON® Local Direitos

Humanos que tem como objetivo contribuir para a remoção e reassentamento humanizados de

famílias moradoras da faixa de domínio do Anel Rodoviário de Belo Horizonte e Br 381, em

parceria com a Justiça Federal de Minas Gerais e DNIT/Governo Federal. O Projeto atua, com

equipes interdisciplinares, junto às comunidades com uma metodologia de trabalho que prioriza o

diagnóstico e o planejamento participativo (planejamento, execução e avaliação) com intuito de

elaborar um Plano de Remoção e Reassentamento que atenda às expectativas dos moradores e

garanta os direitos sociais atrelados à temática da moradia digna. As ações do Projeto estão

subordinadas ao Programa Judicial de Conciliação, a cargo do Tribunal Federal de Justiça da 1ª

Região – Minas Gerais. Todo o Projeto está baseado em orientações da ONU para trabalhos com

Remoções e vários tratados internacionais que garantem o direito à moradia como direito humano

fundamental, entendendo que o direito à moradia envolve mais que a residência física e caracteriza

todo o ambiente que está entorno dos indivíduos, bem como a sua relação com esse meio. Nesse

sentido, uma proposta de remoção humanizada como se propõe nesse projeto, deverá prever mais

que o processo de acompanhamento das remoções e adequação à nova moradia, pois é

imprescindível que seja garantida e respeitada a história de vida das famílias envolvidas nesse

processo, sua percepção e expectativas quanto ao enfrentamento de uma nova situação de vida e a

satisfação com o ambiente onde habita, além de um acolhimento das novas relações sociais no

território. Nessa perspectiva, o Serviço Social está envolvido no trabalho de cadastramento

1 Coordenadora do Eixo de Gestão do Projeto RONDON Local Direitos Humanos.Membro do

Núcleo de Extensão de Políticas Sociais e Urbanas/PUC Minas.Pesquisadora do Grupo

NUJUP/PUC Minas - Núcleo Jurídico de Políticas Públicas. Docente do Curso de Serviço Social da

PUC Minas .Mestrado em Educação/UNICAMP-SP .Doutorado em Tratamento da Informação

Espacial/PUC Minas - [email protected] 2 Coordenadora do Eixo Mobilização e Comunicação Social .Projeto RONDON Local Direitos

Especialista em Extensão Universitária/UFSJ – [email protected].

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socioespacial das famílias e no processo de selagem e avaliação das residências, nas ações de

mobilização dos moradores em torno de um projeto empreendedor e de mudança social, no

atendimento aos direitos violados de alguns grupos familiares e seus encaminhamentos sociais e no

trabalho social realizado com diversos grupos - idosos, deficientes, desempregados, jovens,

crianças, mulheres, gestantes - através de atividades socioeducativas e culturais de preparação para

geração de renda e emprego, sustentabilidade ambiental e social, participação popular, saúde,

educação, assistência social e educação patrimonial. O Serviço Social participa ainda, nas ações

decisórias de gestão, no núcleo de sustentabilidade social que atua com projetos de preparação para

remoção e reassentamento e atendimento das situações de risco de moradia, bem como no

acompanhamento e monitoramento das famílias em situação de abrigamento provisório e

beneficiárias do aluguel social deferido pelo Programa. O Serviço Social também tem como

responsabilidade ações de monitoramento das famílias no processo de pós-morar pelo período de

seis meses após o reassentamento das famílias. São várias frentes de trabalho comunitário que o

Serviço Social atua priorizando a necessidade de desenvolver nas comunidades uma cultura

participativa para discussão e planejamento da condição de vida futura para os moradores

participantes do Programa.

Palavras-chave: mobilização social, participação, direito à moradia, direitos humanos, serviço

social

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1 - INTRODUÇÃO

As falhas da Política Habitacional brasileira ocasionaram um enorme déficit habitacional, que chega

a 62 mil em Belo Horizonte, 173 mil na região metropolitana, 721 mil em Minas Gerais e 7,2 milhões

no Brasil. (IBGE, 2007). Deste déficit, 90% é de moradias destinadas a famílias cuja renda mensal

não ultrapassa 3 salários mínimos. Sem acesso a moradias, o destino dessas famílias é, na maioria das

vezes, as periferias urbanas, resultando em um aumento do processo de favelização e de

autoconstrução em loteamentos precários e irregulares.

Em Belo Horizonte, um dos exemplos mais prementes deste processo é a ocupação das margens do

Anel Rodoviário. Ali, uma ocupação iniciada na década de 1980 conta, atualmente, com cerca de

4.000 famílias reunidas em 37 comunidades distribuídas ao longo dos 27 km da rodovia, as quais

vivem, em sua grande maioria, em moradias precárias e sem acesso, dentre outros, a saneamento

básico, energia elétrica, iluminação pública, abastecimento de água potável e coleta de lixo. Vilas

foram formadas no entorno do Anel Rodoviário, debaixo de viadutos e às margens da BR 381 (trecho

Nova União-Governador Valadares) em condições de vida e segurança precários. Muitos moradores

já perderam seus entes em acidentes rodoviários e a maioria das famílias não é reconhecida pelo

Estado por não possuírem endereço fixo que os habilite o acesso às políticas públicas.

Diversas entidades estão em busca de soluções alternativas para resolver os conflitos postos à

apreciação do Poder Judiciário referente a dicotomia entre o processo de reintegração de terrenos

públicos e o direito fundamental à moradia dos ocupantes, e uma dessas alternativas tem sido a

possibilidade do processo de CONCILIAÇÃO judicial criado pelo Programa Judicial de Conciliação

para Remoção e Reassentamento Humanizados de Famílias do Anel Rodoviário e Br 381

(www.conciliabr381.com.br).

Em 2014, foi assinado um Acordo Judicial entre DNIT, Ministério Público Federal, Defensoria

Pública da União e Caixa Econômica Federal, junto à Justiça Federal, que estabeleceu a união de

esforços dos diversos entes envolvidos para implantar uma solução efetiva para as questões relativas

à reestruturação do trânsito e às ocupações irregulares, com a proposta de remoção e reassentamento

humanizados das famílias.

É nessa perspectiva que o Projeto RONDON® Local Direitos Humanos, se insere, como parceiro

técnico e social para planejar e executar as ações necessárias junto aos moradores em condição

irregular de habitação e em situação de vulnerabilidade social e violação de direitos sociais. A ação

do Projeto RONDON® é atender as comunidades residentes no entorno do Anel Rodoviário de BH e

BR 381 (trecho norte), as quais se encontram em situação de vulnerabilidade social, e envolver os

moradores na dinâmica processual das operações urbanas de modificações da paisagem da cidade. A

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proposta de ação é realizar a remoção e reassentamento humanizados das famílias através de

diagnóstico e planejamento participativo e garantia do direito humano à moradia adequada, para

aqueles que serão afetados pela reestruturação e duplicação das vias. A estrutura do Projeto se

organiza em 6 eixos: Gestão, Urbanismo, Mobilização e Comunicação Social, Assistência Social e

Saúde, Eixo de TI (tecnologia da Informação) e Eixo Socioeducativo. Em cada eixo há uma

interdisciplinaridade de profissionais que organizam o planejamento de cada eixo e viabilizam a

execução de suas ações, a saber: assistentes sociais, psicólogos, engenheiros, arquitetos,

comunicólogos, arte educadores, enfermeiros, advogados, geógrafos, biólogos e analistas em

informática.

O Serviço Social encontra-se inserido em todos os eixos de ação com atribuições das mais diversas, e

atua com a metodologia do Trabalho Comunitário, que defende uma dimensão pedagógica na ação

social que privilegia uma produção de conhecimento através do diálogo de muitos saberes integrando

o saber técnico e a cientificidade com o saber “popular”. Nesse sentido, requer dos profissionais a

formulação de projetos que exigem trabalho coletivo e (re) criação de metodologias. Requer ainda, a

realização de avaliações contínuas e participativas, que auxiliam na sistematização de conhecimentos,

na formulação de novas questões e no dimensionamento do impacto das práticas realizadas.

Nesse contexto, as ações e responsabilidades de cada Eixo e do Serviço Social são:

Eixo Gestão

O objetivo desse eixo é planejar, coordenar, executar, monitorar e avaliar as ações do Programa

Judicial de Conciliação para Remoção e Reassentamento Humanizados das Famílias do Anel

Rodoviário e BR 381, no que se refere as ações de campo dos peritos judiciais envolvidos nos eixos

do programa. Para o desenvolvimento de todos os eixos do projeto é necessário uma estrutura

administrativa que possa suportar a logística das diversas demandas em campo e organização das

atividades de gestão de materiais, equipamentos, recursos humanos e financeiros, bem como

articulação políticas e técnicas com instituições públicas e privadas. Dentre as atividades do eixo

podemos citar: 1) representação institucional do Projeto RONDON® Local DH; 2) coordenação,

acompanhamento e avaliação do planejamento e das ações do Projeto RONDON® juntamente com

os membros do Colegiado, 3) participação em reuniões de planejamento, monitoramento e avaliação

com instituições parceiras do Projeto (entidades públicas e de representação comunitária).

Nesse eixo o Serviço Social está presente enquanto gestor do Projeto conduzindo suas diretrizes

gerais para o trabalho social, o que requer um conhecimento técnico sobre desenvolvimento de

comunidades, estratégias de ação com grupos, experiência em ações investigativas e de intervenção

social para que seja possível uma articulação e um planejamento mais condizente com a realidade das

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necessidades da população atendida e com as demandas apresentadas pelas entidades parceiras do

projeto. Outro profissional de Serviço Social também participa do grupo Colegiado que auxilia a

Coordenação Geral, sendo este formado por um coordenador de cada eixo.

Ana Elizabete Mota, aponta essa nova demanda entre os espaços ocupacionais para Serviço Social:

“Temática de grande relevância no cenário atual e que tem ocupado um espaço cada vez mais

requisitado ao Serviço Social é a intervenção sobre questões urbanas, aí compreendidas, de modo

mais amplo, a mobilidade e a moradia popular.(...) evidencia-se um recrudescimento, no cenário

nacional, de demandas ao Serviço Social que envolvem a moradia e, de modo geral, a ocupação do

espaço urbano e a aplicação do Estatuto das Cidades” (p.697)

A gestão de um projeto dessa amplitude, na área de planejamento urbano e da política habitacional,

realizado por um Assistente Social apresenta um diferencial do olhar abrangente para as questões

sociais que envolvem o direito à moradia, para além da posse do imóvel e da edificação digna e

segura. É preciso pensar no direito à cidade e na garantia dos demais acessos à saúde, educação,

transporte e cultura que compõem o território onde a moradia se instala. Estão envolvidos aí, vários

aspectos dos direitos sociais que são afetos aos estudos e as pautas de luta dos profissionais de

Serviço Social.

O Direito à Moradia deve ser compreendido de forma ampla, para além da conquista da casa própria.

É uma dimensão da vida humana que abrange o território, a garantia de ir e vir, as relações

comunitárias e de vizinhança, além dos aspectos culturais locais que determinam a paisagem dos

lugares e a intervenção humana nesses espaços.

Eixo TI – Tecnologia da Informação

A atuação da equipe no Eixo de T.I se dá nas dimensões da estruturação de um sistema de

informação de todas as ações do Programa, bem como a preocupação com a interatividade desses

dados para a população, poder público, universidades, parceiros institucionais, mídia e movimentos

sociais. Também é responsável pela criação e monitoramento de sistemas de gerenciamento e

avaliação das ações dos Eixos do Programa.

O Eixo de T.I representa uma ação importante do Programa no que se refere ao registro e análise de

dados coletados pelos trabalhos de cadastramento, selagem e atendimento sociais realizados junto às

famílias moradoras na faixa de domínio do Anel Rodoviário de Belo Horizonte e BR 381. A

importância desses dados e sua confidencialidade requer que seja organizada uma estrutura de alto

nível para o seu arquivamento e manuseio, e um trabalho qualificado para a análise de dados e

geração de informações sobre as realidades locais das Vilas.

A equipe de T.I também é necessária para que o Programa Judicial de Conciliação possa utilizar, em

todos os seus eixos de atuação, as tecnologias e equipamentos apropriados (parque tecnológico) para

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o desenvolvimento de suas ações, bem como sistemas eficientes de registro, monitoramento e

avaliação das atividades realizadas.

Dentre as ações do Eixo de TI estão:

Desenvolvimento de Plano de Pesquisa sobre a realidade local das Vilas no Anel e BR 381 e do

modelo de cadastro informatizado das famílias atendidas (formatação do banco de dados);

Elaboração de Relatórios Técnicos Situacionais por Vila/Comunidade para subsidiar os trabalhos

das equipes de Mobilização, Assistência Social e de ação socioeducativa, bem como facilitar as

ações decisórias sobre o desenvolvimento das obras;

Estruturação e implantação de Sistema de Gerenciamento de dados como plataforma de suporte

ao registro, organização e fluxo de informações e segurança do Projeto RONDON®;

Organização, gestão e avaliação do parque Tecnológico do Projeto;

Desenvolvimento de ambiente de compartilhamento das informações para a população (totens

interativos ou site para consulta)

Nesse eixo, o Serviço Social tem uma participação importante no que se refere a elaboração das

formas como serão coletados os dados sociais das famílias atendidas e as informações importantes a

serem produzidas pela equipe de TI que subsidiam o plano de ação do trabalho social nas

comunidades. Cabe aos profissionais de Serviço Social elaborar os formulários de cadastro e de

encaminhamentos sociais para que os técnicos de TI possam organizar o sistema informatizado de

registro, monitoramento e avaliação dos dados. Os analistas de TI contam com os Assistentes Sociais

para realização dos estudos preliminares de desenvolvimento de diversas ferramentas computacionais

para organização de um vultuoso banco de dados sobre os moradores atendidos pelo Projeto e a

produção de informações para sistematização da metodologia desenvolvida e dos resultados

alcançados, bem como para subsidiar as ações sociais a serem organizadas nas comunidades/vilas

pelos demais eixos.

Conforme MOTA (2014), a reflexão, o estudo e a pesquisa sobre a realidade são fundamentais para a

prática cotidiana dos Assistentes Sociais:

“Somente problematizando as expressões cotidianas e imediatas da realidade e que se constituem

em demandas Às instituições e ao Serviço Social pode o profissional exercitar uma relativa

autonomia intelectual que oriente suas propostas e intervenção com base nas condições objetivas

existentes.(...) É a busca das relações entre o imediato e o mediato que pode permitir ao

profissional identificar nexos, relações e mediações que viabilizam tratar os atos e situações

singulares em relação à totalidade social” (p.701)

No desenvolvimento desse trabalho os assistentes sociais, em conjunto com psicólogos, enfermeiros

e urbanistas elaboraram os modelos de cadastro social, cadastro do imóvel, formulário de avaliação

da moradia, formulários de acompanhamento do processo de pré-morar, formulários de atendimento

e encaminhamento social por indivíduo e por família, formulário de registro de ações em campo e

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modelo de relatório por família que é encaminhado à Justiça Federal para subsidiar o processo de

conciliação. O banco de dados elaborado prevê o armazenamento das informações sobre as famílias

do Anel Rodoviário e da BR 381, identificando-as socialmente e espacialmente, gerando informações

sobre suas condições de vida nas áreas de saúde, educação, transporte, infraestrutura, assistência

social, meio ambiente, acesso a equipamentos públicos, questões jurídicas e problemas sociais nas

vilas.

Eixo Mobilização e Comunicação Social

A Mobilização Social é uma etapa fundamental do Programa Judicial de Conciliação, pois tem a

responsabilidade de sensibilização e aproximação com e entre as comunidades a serem atendidas,

aproximando-os também da temática trabalhada (direito à moradia). A equipe de mobilização deve

ser capaz de estender essa mobilização à sociedade como um todo, inserindo diversos setores na

reflexão sobre função social da cidade.

A democratização das informações e a sensibilização dos indivíduos para a participação ativa nas

ações do projeto e em outras instâncias sociais e políticas devem ser sempre levadas em consideração

nas ações. A equipe deve atuar antes, durante e depois das atividades de diagnóstico e das ações

socioeducativas, mantendo os vínculos comunitários entre os moradores das vilas e entre as equipes

do projeto. A equipe também realiza o mapeamento do território e o levantamento de lideranças e

instituições atuantes nas comunidades que são muito importantes para articulação dos eixos em

campo.

A área de Comunicação desse Eixo se faz necessária para que a sociedade em geral, os parceiros do

projeto e as comunidades atendidas possam se sentir contempladas com informações adequadas e

atualizadas sobre as ações do projeto e sobre os processos de remoções das famílias moradoras da

faixa de domínio do Anel Rodoviário e BR 381. Também se faz mister que as comunidades atendidas

tenham um canal eficiente de informações sobre as ações do projeto e das entidades parceiras no

processo.

Outra área importante do eixo é a Arte-educação, onde são utilizadas ferramentas lúdicas (teatro,

dança, oficinas) que sensibilizam e mobilizam os sujeitos, tendo como objetivo notar e discutir

diversos temas afetos ao direito à cidade e a cidadania.

Nesse eixo os Assistentes Sociais se dedicam ao primeiro contato do Projeto com as comunidades

através do levantamento das lideranças locais e reuniões comunitárias de apresentação do Programa

Judicial de Conciliação. São responsáveis pelo processo de mapeamento das vilas existentes no

entono do Anel Rodoviário, que realiza um reconhecimento das entidades sociais, públicas e privadas

que atuam no território, incluindo as mesmas nas discussões ampliadas com as comunidades. A

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intenção é estabelecer um mapa de rede e uma articulação institucional para que os demais eixos

possam contar com o apoio dessas entidades no trabalho social em campo. Cabe ao Serviço Social no

eixo de mobilização, o fortalecimento e a capacitação de lideranças locais e também a organização de

Grupos de Referência, como um colegiado de moradores, que podem participar do planejamento das

ações do projeto, acompanhar as atividades em campo e avaliar os resultados do trabalho. Os

Assistentes Sociais são os responsáveis pela organização e acompanhamento desses grupos

subsidiando a logística dos encontros e a participação dos representantes das vilas nos eventos e

ações do Projeto.

Essa prática corresponde ao que Vicente Faleiros (2014) aponta quando aborda os desafios da

atuação do Serviço Social:

“Os sujeitos demandantes de serviços sociais são confrontados com um cotidiano de relações de

exclusão e ao mesmo tempo de aceitação e rejeição das suas exclusões e os profissionais tem o

desafio de contribuir para mudanças de trajetórias no processo de empoderamento dos

sujeitos em relação de direito, de acesso ao estado de direito e a condições concretas de

sobrevivência. ” (p. 710) grifo nosso

No Eixo de Mobilização o Assistente Social também ocupa a função de gestor da equipe, pois é um

eixo diretamente vinculado à investigação e intervenção comunitária. Entende-se que o Serviço

Social tem amplo conhecimento nos processos de fortalecimento de vínculos familiares e

comunitários, fundamentais nessa ação de mobilização e comunicação social.

Eixo Urbanismo

O Eixo Urbanismo é responsável por todo o trabalho relacionado ao planejamento habitacional de interesse

social (selagem e avaliação de residências, plano de reassentamento, projetos, prospecção de terrenos) e por

colaborar com os demais eixos do Programa na elaboração de diagnósticos técnicos e de sustentabilidade

social voltado à moradia, durante o período anterior e posterior ao processo de remoção e reassentamento das

famílias residentes na faixa de domínio do Anel Rodoviário e BR 381.

Considerando a grandiosidade do projeto de Remoção e Reassentamento Humanizado das famílias moradoras

na faixa de domínio do Anel Rodoviário de BH e BR 381 e a necessidade de uma grande quantidade de

unidades habitacionais necessárias para o atendimento à população, devem-se reconhecer os possíveis efeitos

negativos e inerentes ao remanejamento populacional involuntário. Os cuidados com as condições de vida das

famílias afetadas pelo reassentamento são a questão principal que permeia as atividades do eixo e se traduzem

na adoção de elaboração de um plano de reassentamento detalhado, viabilização de equipes para realização do

trabalho técnico e social, no sentido de minimizar os impactos acarretados por intervenções dessa natureza,

além de promover ações que possibilitem restabelecer as condições de vida e trabalho no novo espaço de

moradia.

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Nesse eixo atuam os seguintes profissionais: assistentes sociais, arquitetos, engenheiros civis e psicólogos. Os

Assistentes Sociais do eixo participam do Núcleo de Sustentabilidade Social que tem como objetivo

orientar e executar ações de acompanhamento social das famílias a serem removidas e reassentadas,

assim como o trabalho de pós morar, em parceria com o Eixo Socioeducativo.

As ações são realizadas através de intervenções interdisciplinares (serviço social, psicologia e arquitetura) com

o objetivo de responder as demandas individuais e coletivas dos moradores. Portanto, à intervenção do

Assistente Social, contemplará mobilização e organização comunitária e condominial, educação ambiental e

patrimonial, sendo a participação comunitária estimulada durante todo o processo, instrumentalizada nas

diversas ações. Aqui, a proposta é atender aos moradores das vilas nos seus anseios por informação e

participa-los do processo de elaboração de um plano de remoção e reassentamento que seja favorável e atenda

às expectativas das comunidades, ainda que não haja a possibilidade da não remoção do território. É

responsabilidade da equipe social a organização de assembleias comunitárias e atendimento aos grupos de

moradores para discussão das propostas e ações de remoção e reassentamento do Programa. Os moradores

também são convocados à discutir os modelos das unidades habitacionais a serem construídas para

reassentamento.

Marilda Iamamoto (2001) aponta desafios como esses no trabalho do Serviço Social na contemporaneidade:

“Reafirma-se, portanto, o desafio de tornar os espaços de trabalho do assistente social, espaços de

fatos públicos, alargando os canais de interferência da população na coisa pública, permitindo

maior controle, por parte da sociedade, nas decisões que lhes dizem respeito. Isso é viabilizado

pela socialização de informações; ampliação do conhecimento de direitos e interesses em jogo;

acesso as regras que conduzem a negociação dos interesses atribuindo-lhes transparência; abertura

e/ou alargamento de canais que permitam o acompanhamento da implementação das decisões por

parte da coletividade; ampliação de fóruns de debate e de representação, etc.” (p.143)

Nesse contexto de reassentamento humanizado, o contato com a população e com a equipe de assistência

social é vital para assegurar a qualidade do resultado final. As necessidades e os anseios da população

atendida; a forma como vivem; sua relação com a casa, a rua e a vizinhança; as redes de ajuda mútua;

como/onde/qual (quais) o(s) trabalho(s) eles tiram o sustento e os deslocamentos urbanos são alguns dos

aspectos fundamentais para serem compreendidos pelos profissionais da equipe social do Eixo Urbanismo,

para subsidiar as ideias de um reassentamento de qualidade cumprindo com as premissas e objetivos do

Programa Judicial de Conciliação.

Esses profissionais também participam do processo de selagem, cadastro e avaliação das residências, com

objetivo de abordagem inicial das famílias e linha de frente junto aos moradores para a entrada dos técnicos de

engenharia e arquitetura que farão a avaliação das benfeitorias e de risco dos imóveis.

Eixo Assistência Social e Saúde

O público atendido pelo Programa Judicial de Conciliação caracteriza-se por famílias em situação de

vulnerabilidade social, com pouco acesso às informações sobre às políticas públicas existentes e,

consequentemente, sobre a garantia de direitos sociais. As próprias comunidades apontam a

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invisibilidade social como um problema de acesso aos benefícios sociais do governo federal, acesso

ao posto de saúde e ás escolas públicas. A falta de endereço devido à ocupação irregular do território

coloca essas famílias às margens da política pública local e contribui enormemente para a violação de

direitos dessas famílias.

Haja vista a compreensão da interdependência entre o direito à moradia e os demais direitos humanos

e fundamentais, o Eixo de Assistência e Saúde visa atender as demandas sociais das famílias para

além da perspectiva da precariedade das moradias. Tem como objetivo a inclusão dessas famílias na

rede de atendimento socioassistencial pública e privada, diminuindo a condição de invisibilidade

social. Neste sentido, foram identificadas várias violações de direitos a idosos, pessoas com

deficiência, pessoas em sofrimento mental, trabalhadores, crianças e adolescentes, mulheres, entre

outros.

O Eixo de Assistência Social e Saúde é composto por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar,

englobando as categorias profissionais presentes na Saúde, Direito, Serviço Social e Psicologia. Esta

equipe atua diretamente no acolhimento e acompanhamento individualizado dessas famílias.

Também está vinculado a esse eixo outra equipe para atendimento das famílias em condição de

abrigamento provisório e que receberam o benefício de aluguel social. Essa equipe é formada por

Assistentes Sociais e Engenheiros Civis que compõem o Escritório de Direito à Moradia. Os

profissionais deste Escritório acolhem as famílias e avaliam a concessão do benefício a partir da

situação familiar referente aos riscos sociais, estruturais e geológicos, visando uma remoção imediata

do grupo familiar, e posterior acompanhamento da adaptação no novo território de moradia e as

condições de vida das famílias inseridas nessa modalidade de reassentamento provisório.

Nesse eixo, o Serviço Social atua com o atendimento direto às famílias e realiza as seguintes

atividades:

estudos socioeconômicos com os (as) usuários (as) para fins de orientação sobre benefícios e

serviços sociais junto aos órgãos públicos e privados;

acolhimento em casos de cunho socioassistencial e encaminhamento a rede de atendimento

adequada à demanda;

vistas domiciliares para conhecimento e atendimento dos casos de violação de direitos;

reuniões institucionais com as entidades que compõe a rede de atendimento social do território de

cada vila do Anel Rodoviário;

assessoria às famílias com necessidade de abrigamento provisório, através do benefício de aluguel

social;

acompanhamento social das famílias em situação de aluguel social

realização de reuniões de grupos de moradotres para orientações e discussão de problemas sociais

que envolvem a comunidade da vila;

Capacitação e supervisão de estagiários de Serviço Social para ações em campo.

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Eixo Socioeducativo

O Eixo Socioeducativo corresponde à etapa de trabalhos sociais junto as famílias das Vilas até a conclusão do

processo de remoção, bem como a extensão das ações na etapa do pós-morar. A proposta é contribuir para

garantia do acesso pleno aos direitos sociais dos indivíduos e a preparação/adequação das famílias para a nova

realidade de moradia e garantia de seus vínculos comunitários. Através de ações de capacitação, integração e

organização social espera-se alcançar níveis satisfatórios de qualidade de vida para as famílias atendidas e

removidas da faixa de domínio do Anel Rodoviário e BR 381.

Esse Plano corresponde as atividades antes e depois da mudança de território, com um investimento intenso

para fortalecer as relações humanas (família, comunidade, profissionais) e relações institucionais (lideranças,

associações, movimentos sociais, poderes públicos). A ideia é estabelecer uma rede solidária em prol dos

direitos e da cidadania dessas comunidades, bem como sua independência do Estado e autonomia para

desafios futuros. As ações realizadas têm intenção de: estabelecer fortes vínculos entre os moradores

das Vilas; promover autonomia das famílias; incentivar e fortalecer as ações solidárias e coletivas

entre as famílias; elaborar estratégias de inserção da população nas decisões de caráter público;

incentivar boas práticas nas temáticas de preservação patrimonial, geração de renda, meio ambiente,

organização comunitária e saúde.

A conquista de autonomia por parte das famílias moradoras do Anel Rodoviário é condição premente

para que as mesmas se fortaleçam para o posterior processo de conciliação e as mudanças de vida que

virão com o reassentamento em novo território.

Nesse eixo atuam técnicos sociais e técnicos em práticas esportivas que atuam nas Vilas e

desenvolvem as seguintes ações:

diagnóstico das famílias moradoras em território de faixa de domínio das Rodovias (anel

rodoviário e Br 381 (aplicação dos questionários/cadastramento das famílias e Diagnóstico

participativo - DRP).

elaboração de Relatórios analíticos e propositivos, por vila, que subsidiarão as ações

socioeducativas com as famílias.

organização de atividades socioeducativas para os diversos púbicos das Vilas (idosos, crianças,

mulheres, portadores de deficiência, trabalhadores) a partir dos resultados do diagnóstico local

e indicação dos grupos de referência local.

elaboração, organização de material didático pedagógico para subsidiar as atividades

socioeducativas (cartilhas, apostilas, vídeos, jogos cooperativos, oficinas, workshops, etc).

Elaboração e promoção de cursos de Formação técnica, social e política para os moradores das

vilas a partir das indicações do diagnóstico local e dos grupos de referência local.

Organização de encontros e eventos comunitários que permitam o fortalecimento de vínculos

entre as famílias.

Elaboração de relatório semestral das ações realizadas e resultados.

Capacitação e supervisão de estagiários do eixo.

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Entre os técnicos sociais destacam-se a atuação dos assistentes sociais que contribuem no

planejamento e execução das intervenções socioeducativas nas comunidades, por meio do

desenvolvimento de programas de educação para as famílias, capacitação profissional, geração de

renda, formação de grupos de idosos, mulheres, jovens, e o fortalecimento organizacional e incentivo

a participação popular. Também importante a elaboração de relatórios sociais das famílias atendidas

nas ações de grupos e em visitas domiciliares de acompanhamento dos moradores inseridos nas ações

continuadas de geração de renda, meio ambiente e saúde. Os relatórios são incluídos no processo

judicial de cada família, preparatório para o momento da conciliação junto à Justiça Federal.

Destaca-se, aqui, a participação de estagiários de serviço social que tem a oportunidade de vivenciar

a prática do trabalho comunitário e a oportunidade da convivência e o envolvimento com realidades

sociais diferentes e outras culturas, o que instiga a formulação de novas interrogações sobre a

dinâmica das relações sociais, sobre os problemas socioeconômicos do país, sobre a cultura nacional

e local e sobre a questão da solidariedade. Espera-se que essa atuação permita, ainda, que esses

alunos atinjam uma visão social sobre os trabalhos com habitação e aprendam uma abordagem mais

humana para atuação na política urbana e nas discussões sobre o planejamento urbano.

2 – SERVIÇO SOCIAL E METODOLOGIA DE TRABALHO COMUNITÁRIO

Entende-se que a ação desenvolvida pelo Projeto RONDON® Local DH é uma das formas de

contribuir com as recomendações dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e dos tratados de

Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, que determina a participação das comunidades nos

processos de defesa de seus direitos sociais e elaboração de políticas de reassentamento e indenização

das famílias, de forma digna e justa.

A Relatoria Especial da ONU para a moradia adequada (2007) define na publicação “Como atuar em

projetos que envolvem remoção e despejos? ”, que esse direito inclui: garantia de um lugar para

morar sem ameaça de remoção; acesso à educação, saúde, lazer, transporte, energia elétrica, água

potável e esgoto, coleta de lixo, áreas verdes e meio ambiente saudável; proteção efetiva contra frio,

calor, chuva, incêndio, inundação, sem riscos de desmoronamento ou outras ameaças à saúde e à

vida; acesso aos meios de subsistência, inclusive acesso à terra e a trabalho; uso de materiais,

estruturas e organização espacial de acordo com a cultura dos moradores; prioridade às necessidades

de grupos específicos, como as mulheres e grupos vulneráveis como crianças, idosos e deficientes;

acesso independente da renda ou da capacidade de pagar do morador.

Diante dessas recomendações, o Projeto Rondon® objetiva a realização de ações permanentes nas

comunidades atendidas em etapas bem definidas, como: Mapeamento do território, Diagnóstico

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Participativo, Planejamento Participativo, Elaboração do Plano de Reassentamento das famílias e

Trabalho Social nas Comunidades.

Definidas as prioridades, o Projeto foi elaborado considerando as diretrizes do TRABALHO

COMUNITÁRIO que apresenta os seguintes eixos estruturantes:

Mobilização e capacitação da comunidade em torno de um programa de desenvolvimento;

Incentivo ao resgate da cultura local e incentivo à participação popular;

Realização de ações educativas para a criação de um espírito empreendedor da população;

Identificação de potencialidades, problemas e formação de grupos na busca de soluções

coletivas;

Captação de parcerias públicas e privadas para o cumprimento de projetos específicos;

Realização de ações e campanhas educativas visando a formação de agentes multiplicadores

sobre diversas temáticas (meio ambiente, saúde, habitação, educação);

Realização de ações voltadas para a perspectiva de formação política da comunidade.

Jair Militão, em seu livro “Como fazer Trabalho Comunitário”, aponta alternativas para a atuação nas

áreas urbanas, sendo que (...) o ponto de partida para a ação nas grandes cidades, visando a criação de

um trabalho coletivo que busque mudanças no sentido de melhoria da qualidade de vida, é a

constituição de sujeitos coletivos que saibam que a história se faz com trabalho humano sobre a

realidade” (p.64). E ainda que, “a vida nas grandes cidades pode também ser motivada pela busca da

concretização dos ideais de vida solidária e construtora de mudanças humanizadoras” (p.65).

O diferencial do trabalho comunitário vem da preocupação pelo conhecimento extensivo da realidade

das comunidades a serem trabalhadas via diagnóstico situacional das Vilas (cadastros sociais e

grupos focais). Essa ação permite uma maior divulgação das ações do projeto a sensibilização da

comunidade para participação. O levantamento desses dados in loco também permite um cruzamento

com as informações das fontes secundárias para a organização de um relatório final e mais preciso

sobre as necessidades e prioridades sociais e econômicas das comunidades e/ou áreas prioritárias de

ação.

Outro ponto central do trabalho é a proposta interdisciplinar para a realização de atividades

educativas, preventivas, multiplicadoras, etc. Aqui, a interdisciplinaridade ocorre entre as diversas

áreas de conhecimentos representadas pelos vários profissionais que participam dessas ações para o

desenvolvimento das comunidades e também, pela interação entre o saber científico e o saber popular

advindo das dinâmicas e relações da própria população.

Considera-se ainda, a necessidade de intervenções sociais continuadas nas comunidades que permite

um maior entrosamento com a população e com o poder público, triplicando a possibilidade de um

resultado positivo nas diversas atividades. Essa ação contínua também permite identificar pontos

falhos nas intervenções anteriores, bem como a identificação de bons resultados como, por exemplo,

a diminuição da evasão escolar, a consolidação de novos grupos locais (idosos, jovens, mulheres, etc)

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e a mudança de prioridades empreendida pelo poder público após a intervenção do projeto. Também

possibilita um maior conhecimento e aprofundamento dos problemas da comunidade, direcionando

as equipes para outras áreas de fundamental importância e urgência, como é o caso do problema do

desemprego. É preciso criar alternativas de empregabilidade e, consequentemente, capacitação das

pessoas para tal. Da mesma forma os problemas de saúde e do meio ambiente são intensos, pois as

comunidades estão vivendo grandes problemas como, por exemplo, o destino de seu lixo e acesso à

rede de serviços.

Outro ponto importante nos parece ser a necessidade de realizar sempre um trabalho voltado para o

resgate cultural das comunidades e a criação de alternativas de lazer e incentivo aos “talentos” locais.

Não há políticas públicas efetivas voltadas para a valorização das culturas locais.

A atuação na comunidade pode contribuir com realidades diversas dependendo do contexto histórico

de cada comunidade e reorganizar sua atuação em torno da proposta de se tornar um elemento

integrador de todo um processo que conduza a sociedade a assumir a condição de atores reais e

conscientes dos processos sociais. Define-se, então, um princípio de educação para a participação

política ativa e consciente da sociedade. GUTIERRÉZ (1988) afirma que,

“a participação, quando existe de fato, é necessariamente educativa. Em outras palavras, a participação

educa, porquanto propicia níveis cada vez mais elevados de consciência e organicidade. Na medida em

que produz essa participação consciente e orgânica do grupo comunitário, dar-se-ão ações concretas de

transformação social e, dessa maneira, consegue-se influir, direta ou indiretamente, na transformação da

realidade.”(pg.53)

É nesse sentido que se trabalha a dimensão comunitária: a partir da descoberta do potencial do fazer

cotidiano e da emergência de uma ação direta, uma ação popular nos vários níveis sociais, políticos,

culturais e econômicos da sociedade.

Acredita-se que a experiência vivenciada por essa nova relação social e política poderá trazer aos

seus participantes (profissionais, estagiários, comunidade) a possibilidade de desenvolver um

aprendizado político e social de suas relações pessoais, institucionais e comunitárias, caracterizando

então uma participação realmente responsável e qualitativa na gestão do espaço e das questões de

interesse público.

No geral, essas são as formas como o trabalho em comunidades se viabiliza, onde se prioriza atender

o maior número de pessoas, buscando a formação de agentes multiplicadores da informação, as

possibilidades de continuidade dos projetos (sustentabilidade) e incentivar o respeito mútuo e a

solidariedade entre a população local.

Diante dessa metodologia de trabalho comunitário, reflete-se sobre a forma como o profissional de

Serviço Social pode atuar junto às comunidades mobilizando as pessoas para o compromisso político com a

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cidade e participação nesses instrumentos democráticos. Que estratégias são necessárias para atuar junto a essa

população/comunidade desprovida de direitos básicos e com necessidades urgentes de moradia digna?

Segundo Maria Carmelita Yazbek (2014), um aspecto importante do trabalho do Assistente Social é apoiar as

resistências cotidianas das classes subalternas em nossa sociedade:

“Em diferentes situações precisamos expressar que caminhamos profissionalmente junto aos

nossos usuários, “sem deixar de lado os que vão devagar”, levando em conta o papel estratégico da

comunicação e da informação para mostrar que não se está só na luta. Nesse âmbito evidencia-se a

relevância da dimensão cultural e política do exercício da profissão” (p.687)

A atuação do Assistente Social deve se fundar em uma prática pedagógica e de formação política que

incentive a participação social e que criam condições favoráveis de surgimento de sujeitos, cidadãos

conscientes e comprometidos com novas formas de organização da comunidade e com espírito coletivo e de

solidariedade. Essa forma de atuação contribui para fortalecer as relações sociais da população como uma

comunidade, com interesses convergentes e em prol do bem comum.

De acordo com os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Serviço Social (1993) a postura

profissional deve reconhecer e defender a “(...) liberdade como valor ético central e das demandas políticas a

ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; e o “aprofundamento da

democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida”.

A partir dessa orientação os Assistentes Sociais deverão ser capazes de contribuir para viabilizar a participação

da população usuária nas decisões institucionais e estabelecer estratégias para democratizar as informações e o

acesso da população aos programas disponíveis no espaço institucional como um dos mecanismos

indispensáveis à inserção e a participação dos usuários nas políticas públicas.

O compromisso profissional está próximo aos princípios do trabalho comunitário e, portanto, pode ser um

campo fértil para que o Assistente Social possa exercer as propostas defendidas no projeto ético político da

profissão.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS: MAIS REFLEXÕES

A transição política, a crise ética, o aumento da miséria econômica e o empobrecimento social

exigem dos profissionais uma revisão de suas teorias e de suas práticas, obrigando estes a

desenvolver novas formas de conceituar o mundo diante de constantes transformações.

O trabalho comunitário, o desenvolvimento de comunidades, ressurge em um contexto de reflexões

marcado pela necessidade de profundas mudanças sociais, econômicas e políticas na sociedade. As

instituições públicas e privadas que atuam com políticas sociais passam por um clima de crise e

expectativa onde se faz necessário o posicionamento frente aos desafios de uma sociedade mais justa

e sustentável, em suas relações econômicas, sociais e políticas.

No trabalho comunitário objetiva-se a emancipação de seus atores, e muito mais que dialogar a

respeito dos pontos frágeis, é preciso que as pessoas sejam convocadas a serem sujeitos. Convocação

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que passa pela sensibilização quanto ao que possuem ao que já fazem e, consequentemente, o que a

partir deste poderá vir a existir.

A partir dessas considerações entendemos a necessidade de um olhar crítico sobre essas ações na

medida em que propõem uma ação transformadora nas comunidades através de ações de formação

política, de formação para a cidadania, formação profissional e fortalecimento das questões de

identidade e cultura das comunidades trabalhadas.

Também se compreende que o enfrentamento da pobreza, da miséria e da exclusão social,

necessariamente, inclui uma forte presença do poder público, desenvolvendo ações integradas e

convergentes, e que os trabalhos comunitários realizados pelas entidades sociais não substituem (e

não devem substituir) a ação estatal. Essa presença do Estado deve ser exigida todo o tempo.

Quando falamos de compromisso social, isso significa que todas as instituições sejam públicas ou

privadas, têm uma responsabilidade frente à dinâmica da sociedade - que demanda tecnologia, que

demanda métodos de solução de problemas, que demanda humanização, que demanda análises

sociais e políticas da realidade para produzir alternativas para a comunidade.

O compromisso social não quer dizer uma estratégia compensatória, mas um assumir uma postura

enquanto cidadãos, cientistas e profissionais que foram privilegiados pelo acesso ao conhecimento e

ao poder político. É entender que os diversos saberes e as políticas públicas não têm “donos” e

devem ser utilizados para a melhoria da qualidade de vida humana.

O conteúdo educativo nessa relação aponta para a possibilidade de aprendizado, troca de experiências

e interação social, além do estabelecimento de uma ação pedagógica onde predominam, a valorização

da realidade de cada comunidade antes da realização de um trabalho técnico/político, o

reconhecimento das formas de organização dos diversos grupos sociais e sua visão de mundo e a

identificação de interesses e demandas da sociedade e do mercado.

A inserção dos Assistentes Sociais em trabalhos comunitários pode corresponder a um movimento

profissional que reflete sobre o seu papel na sociedade contemporânea, que nos apresenta a

desigualdade, a injustiça e o preconceitos como desafios profissionais.

A ação do Serviço Social, dentro destas propostas, se destaca na atuação direta com a comunidade

via organização popular e de outras entidades sociais. O incentivo e a implantação de assembleias,

comitês, grupos de discussão, a promoção de seminários e encontros que atendam às necessidades da

população, atendimentos às famílias e ao indivíduo são objetos de trabalho do Assistente Social. O

relevante desta experiência se constitui na elaboração de um projeto político de atuação, procurando

conciliar a formação dada pela área de assistência social com a experiência e estudos na área do

planejamento urbano.

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Atuando na comunidade, o profissional pode dedicar maior atenção ao trabalho de socialização,

sensibilização, informação, capacitação e organização social. Ou seja, é possível optar por uma

prática política com os usuários, sem se perder somente nas relações necessidades/benefícios e

situação emergencial/atendimento social.

Segundo MATTOS (1996),

“o grau de informação do indivíduo irá torná-lo mais ou menos participativo. Não basta a

sociedade proporcionar ao cidadão o direito à reivindicação, usufrutos socioeconômicos, voto e

representação política. Somente informado, o grupo social poderá julgar sobre a validade das

oportunidades e instrumentos colocados à sua disposição, aceitá-los ou rejeitá-los e considerá-

los adequados ou não”.

Essa é uma das tarefas do Assistente Social e responsabilidade da categoria profissional que deseja

consolidar seu projeto ético-político.

Ainda nessa perspectiva, o Projeto RONDON® Local Direitos Humanos, e os profissionais atuantes

nele, tem a preocupação em responder às demandas dessa realidade com eficiência e efetividade, bem

como medir os impactos causados por essa intervenção na realidade das vilas atendidas e da

sociedade em geral. Busca-se aqui, a construção de uma avaliação participativa que possa diminuir os

erros das ações, principalmente em campo, e os impactos negativos do processo de remoção e

reassentamento.

Espera-se com este Projeto, sob a luz das ideias dos assistentes sociais que participam dele, contribuir

para o estabelecimento de novas bases de relação entre o Estado e a Sociedade Civil em ações de

planejamento urbano que envolvam remoções da população na cidade. A proposta é criar uma

metodologia de ação junto às comunidades que respeite e considere as expectativas e as necessidades

da população. Nessa perspectiva, o Serviço Social pode ser um aliado importante para essa mudança,

a partir de seu fazer profissional cotidiano. Segundo IAMAMOTO (2001):

“(...) existem outras forças sociopolíticas presentes, às quais podemos nos unir, como profissionais

e cidadãos. Forças essas que vem lutando pela defesa dos direitos sociais conquistados e sua

ampliação, pela crescente participação dos usuários e das organizações da sociedade civil na

gestão de serviços públicos. Aí sim, defendendo um mínimo de Estado e um máximo de sociedade

na gestão da coisa pública. (...) A defesa da condição profissional implica, hoje, uma luta que

ultrapassa para abarcar o processo de construção de uma vontade coletiva majoritária, capaz de

articular múltiplos interesses no âmbito da sociedade civil, que tenham no seu horizonte a

progressiva socialização da política, do Estado e da própria economia”( p.162)

4) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Editora Cortez, 2006. 110p.

18

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Trabalho Social em Intervenções de Urbanização de Assentamentos, DF: Ministério das Cidades,

2007.

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Assistente Social. In: Coletânea de Leis- Belo Horizonte: CRESS, 2005.

FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003.

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GUTIÉRREZ, Francisco. Educação como Práxis Política. São Paulo: SUMMUS, 1988.

IAMAMOTO. Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 4

ed. São Paulo: Cortez, 2001.

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TORO, José Bernardo. A Construção do Público: cidadania, democracia e participação. Rio de

Janeiro: SENAC Rio, 2005. 112p.

YAZBEC, Maria Carmelita. A dimensão política do trabalho do Assistente Social. Revista Serviço

Social e Sociedade. SP: Cortez; nº 120, 2014.