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SERVIÇO SOCIAL, MARXISMO E LUTO: TEMPUS FUGIT
Edson Marques Oliveira 1
Serviço Social: fundamentos, formação e trabalho profissional.
INTRODUÇÃO
O Serviço Social surge como uma atividade ligada à caridade e ajuda aos pobres e
necessitados, e com forte teor religioso da caridade cristã e desde a idade média com os
estudos de Juan Luis Vives (1492-1540) com o tratado, “ Da assistência aos pobres”
contribuindo para o surgimento de ações mais sistematizadas e de lei de amparo aos pobres,
até os trabalhos em França quase na mesma época, por São Vicente de Paulo (1581-1660)
tornando mais enfático a lógica da caridade sistematizada, que será mais expressivo com o
surgimento das Organizações Sociais da Caridade na Europa e nos EUA, no século XIX, e
passando por alterações substâncias no século XX, decorrente aos impactos dos processos da
revolução industrial e tecnológica, quando emergem as políticas públicas e sociais e melhor
definição do papel e função do Estado e da sociedade civil quanto ao tratamento da pobreza,
sendo que nos primórdios uma concepção de ajustamento dos indivíduos ao sistema social, e
posteriormente, avançando para uma visão mais critica quanto as contradições da sociedade e
os processos de desigualdade. Essa visão passa, por vários momentos, destaca-se o chamado
movimento de reconceptualização do Serviço Social como maior impacto na America Latina
e no Brasil de forma específica. Nota-se que nos últimos 30 anos, a matriz teórica e política
que se tornou hegemônica (o que não significa que represente a maioria, mas é que é
predominante) é a marxista, que levou a um aprofundamento na reformulação da configuração
da profissão, tanto teórica como organizativa ( Conselhos Federal e Conselhos Regionais e
instituições representativas da categoria) e principalmente na dimensão política, com maior
destaque para três expressões ou tradições de interpretes de Kal Marx, notadamente: a
gramciniana, lenisnista e lukstiana. Mas independente das especificidades das três, correntes
1 Assistente Social, Professor Associado curso de Serviço Social da Unioeste, Pós-doutorado em Políticas
Sociais pelo CES da Universidade de Coimbra, Portugal, e Pós-doutorado em Administração pela UFPR. Doutor
em Serviço Social pela Unespe, Mestre em Serviço Social pela PUC-SP. Membro do Grupo de Pesquisa
GEPEC. [email protected].
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predominantes, fica o eixo marxista como fundante, sendo que é bem claro em sua proposição
político ideológica da constituição de uma sociedade socialista com vistas a implantação do
comunismo como ideal de sociedade sem classes e igualitária, criando um processo
antagônico direto contra ao sistema capitalista de produção e suas subjacentes ideologias
predominantes, liberalismo e conservadorismo. Num trabalho apresentado por Neto (1986)
sobre “A critica conservadora à reconceptualização” no auge desse processo de mudança
paradigmática, uma das criticas, (foram sete apresentadas) por Neto, e que talvez seja hoje a
mais contundente, após quase 30 anos dessa reflexão, qual seja:
“Quinta crítica: a reconceptualização determinou a ideologização profissional [...]
Mais do que em qualquer outra crítica, é nesta que a vulgaridade, a ingenuidade e a
má-fé mais se concluíam. É hoje ponto pacifico que o Serviço Social, clássico e
tradicional – bem como qualquer modalidade de intervenção sócio-profissional -
, sempre esteve matrizado por parâmetros ideológicos inequívocos.” [grifo
nosso]
E como resposta, Neto finalizando afirmando: “[...] é impossível pensar um Serviço Social
sem suporte ideológico [...] o verdadeiro problema não consiste em integrar ou não
componente ideológico – consiste em qual componente ideológico deve ser integrado.” (
NETO, 1986, p. 65,66) [grifo nosso]. Bem diferente dessa visão Barros (1983) nos apresenta
que ao contrario, que: “ [...] a profissão vem sofrendo o mal do ideologismo e confundido as
prerrogativas profissionais na sua prática (BARROS, 1983, p. 14). E, entre várias conclusões,
destaca que:
“A profissão não se confunde com as ideologias assim como as ideologias as não se
confundem com as ciências; a profissão é lógica , racional, consciente; as ideologias
são passionais, emotivas, partidárias, logo não podem orientar uma profissão que
tem por embasamento as ciências. Se o Serviço Social é uma profissão, não pode
ser uma ideologia.” (BARROS, 1983, p. 17), [grifo nosso].
Não é o caso no momento e nem objetivo do presente artigo, mas é preciso salientar que
existe uma grande diferença entre se apoiar numa determinada ideologia e de ser uma
ideologia, creio que era isso que Barros se referia a quase 30 anos atraz. Isso fica muito claro,
inclusive, com o aporte teórico do conceito de ideologia formulada por Karl Marx (1818-
1883) e Friedrich Engels (1829-1855), que afirmam que a ideologia é uma falsa consciência,
lógico se refereindo ao sistema capitalista, mas não é muito diferente quando se percebe que
uma determinada atividade se torna uma ideologia a mesma faz a mesma coisa. E atualmente,
podemos destacar as seguintes concepções que reforçam essa tese, por exemplo, o
entendimento de Koyzis, que ressalta: “ [...] as ideologias são tipos de falsa consciência
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usadas para justificar uma ordem social existente; seus proponentes podem, ou não, acreditar
nas ideologias que professam.” (KOYZIS, 2014,p.23). E ainda ao entendimento de Heywood:
“[...] as ideias e ideologias políticas podem funcionar como uma forma de cimento
social, fornecendo a grupos sociais, oi mesmo a sociedades interiras, um conjunto de
crenças e valores unificados. As ideologias políticas em geral têm sido associadas a
determinadas classes sociais – por exemplo, o liberalismo à classe média, o
conservadorismo à aristocracia agrária, o socialismo à classe operária e assim por
diante. Essas ideias refletem a experiência cotidiana, os interesses e as aspirações
de uma classe social, e, portanto, ajudam a promover um sentimento de inclusão
e solidariedade.” ( HEYWOOD, 2010, 17) [grifo nosso]
Não há dúvida que o aporte ideológico político na matriz marxista tem levado o Serviço
Social a esse desvio da postura profissional, considerando aqui que ideologia é uma coisa,
profissão é outra, que profissões podem e devem ter referenciais teóricos, mas não podem se
transformar e serem absorvidas num processo de catalisação e simbiose, por uma única forma
e visão de mundo, ou seja, uma ideologia que é disseminada por uma profissão e seus
respectivos profissionais. Essa ideologia, logo, é uma falsa consciência profissional. É
inegável, que não existe neutralidade, e como bem nos ensina Maturana, “tudo é dito por um
observador”, e toda explicação científica é, no fundo, uma autobiografia, pois o observador,
seja ele quem for, tem uma história de vida, uma trajetória que marca sua vida, que funda a
sua origem, seu presente e pode determinar o seu futuro, o seu viver e que limita e
“contamina” o seu olhar; ou seja, “[...] somos nós, observadores, o ponto central da reflexão e
o ponto de partida da reflexão.” (MATURANA, 2001, p.27). Nesse sentido, e considerando
que a matriz marxista e seus interpretes, tem como principal fundamento um programa
ideológico e político de formação de uma sociedade socialista, igualitária sem classes, o que
supõe a clássica lógica da passagem do socialismo para o comunismo, e considerando os
vários aspectos do pensar e agir profissional, a grande questão é: A opção pela ideologia
marxista e da crença do socialismo e todos os seus respectivos pressupostos, é congruente
com a perspectiva para uma atividade profissional Será que todas as pessoas (profissionais)
têm clareza e consciência exata do que seja essa escolha da atual hegemonia do Serviço Social
Brasileiro? Em termos históricos, empíricos e lógico-objetivos, e se de fato seja necessário
escolher uma ideologia, seria essa é a melhor proposta ideológica a ser adotada por uma
profissão? É sobre essas questões, a partir do entendimento da liberdade e pluralidade de
ideias, é que ouso fazer esses questionamentos e ao final fazer uma proposição. Trabalho com
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a hipótese de que uma profissão, deve atender adequadamente as suas demandas, e não
confundir militância política-ideológica com postura e atividade profissional, o que fica para o
fórum pessoal de cada pessoa, como profissional, como cidadão, e que nesse sentido, a
escolha, adoção e até imposição da atual matriz política-ideológica hegemônica, marxista, não
é congruente aos fins e propósitos de uma profissão que se querer impactar na vida humano-
social e na defesa dos direitos humanos e justiça social. Para tanto farei isso através dos
seguintes pontos: i) clareando os conceitos e ii) incongruências da adoção da ideologia
marxista para a profissão Serviço Social.
DESENVOLVIMENTO
1.Clareando os conceitos.
Nesse primeiro ponto, procuro clarear dois conceitos sinalizados no titulo do trabalho e que
são de fundamental importância para a reflexão proposta. São eles: i) tempus fugit, e ii) luto.
1.1 O que seria tempus fugit. O uso da expressão em latim “tempus fugit” que pode ser
entendida como o “tempo voa” ou ainda o “tempo foge”, ou ainda de uma forma mais
contemporânea na linguagem do grande músico e poeta Cazusa, “o tempo não para”. É
frequentemente usada como inscrição em relógios e foi pela primeira vez registrada em escrita
pelo poeta romano Virgílio nos seus versos intitulados Geórgica: Sed fugit interea fugit
irreparabile tempus ( "Mas ele foge no entretanto: o tempo não retorna, foge-nos”). Uso ao
final desse tema, para salientar que o tempo passa, a vida é dinâmica, e pouco ou nada
podemos fazer para pará-lo, e ao contrario, precisamos ter essa consciência e saber com
sabedoria, ler o nosso tempo e sabermos viver nele. Ficar preso ao passado, leva a um
processo de alienação e de cegueira endógena, e pior ainda, o que estou chamado aqui de luto
que no campo das ideais, pode ser considerado como um tipo de luto ideológico.
1.2 Elementos do luto e emergir do luto-ideologico. O conceito e entendimento de luto-
ideológico surgem com o estudo sobre as dimensões do fracasso dos empreendimentos de
economia solidária realizado no pós-doutorado entre 2013 a 2015 (OLIVEIRA, 2014). Notei
que na crítica à Economia Solidária (ECOSOL), feita também sob a marxista e marxiana., o
que inclui a própria critica de Marx à questão das cooperativas em sua época, em especifico
ao Programa de Gotha (MARX, 1961), onde as cooperativas de forma geral e a ECOSOL, de
forma especifica, servem mais como complemento e manutenção aos interesses do capital do
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que à possibilidade de superação do mesmo. Curiosamente essa visão da crítica, para variar,
destrói as experiências da ECOSOL, e não propõe nada no lugar, pelo menos algo que seja
plausível, e quando se propõe algo, é também reducionista e tão salvacionista como os que
defendem que a ECOSOL possa superar o Capitalismo, quase que numa visão vulgar, que
mistura ingenuidade, má-fé e quase que um cinismo, comparada a luta entre Davi e Golias,
sendo que Davi pelo menos cria em Deus e com isso venceu o gigante, ou seja, acreditar que
nos mesmos moldes do século XIX se possa, hoje, pensar em implantar o socialismo e o
comunismo através da ECOSOL. Tal constatação, se mostra como sendo uma pista do que
identifiquei como sendo os sinais de um processo de luto, sendo que a primeira reação é a
negação da perda, seja de uma pessoa, um ente querido, ou no caso de uma insustentável
proposta num contexto que não cabe mais essa visão reducionista, e muitas das vezes
mecanicista e messiânico que beira a religiosidade frente a complexidade do fenômeno da
ECOSOL e dos impactos no mundo e mercado de trabalho. Essa recusa e negação da não
possibilidade desse paradigma de, dar conta, dessa perspectiva, ficam mais claras a partir da
leitura de Slavoj Zizek, que traz um debate, como ele gosta de ressaltar, real, principalmente
em relação às teses marxistas. Em específico, duas obras desse autor chama a atenção e deram
a devida base e confirmação dessa proposta do luto ideológico. Quero deixar claro que o
referido autor não dá essa definição, e também não estou seguindo o seu pensamento, tão-
somente, dialogando com o que acredito ser convergente, pois o autor, apesar de fazer críticas
a velha forma de ver o comunismo, defende e acredita ainda na proposta do comunismo, só
que de uma forma renovada, o que descordo, por razões outras, que não vou poder aqui
aprofundar, mas que ficaram sinalizadas ao longo do argumento que estou formulando em
relação ao Serviço Social. Nesse sentido, o que concordo é no fato de que a visão marxista é
de um suposto socialismo humanístico, pode até ser interessante como teoria, no entanto, não
deixa de ser marxista e não deixa de ser comunista, não deixa de ser uma teoria, que em
termos práticos e comprovação histórico-empírica deixa muito a desejar, como nos moldes já
experimentados e vivenciados por outras sociedades, e que nos permite constatar a evidência
do fracasso de tal proposição, principalmente pela imposição de uma ditadura do coletivo e
desprezo pela autonomia, individualidade e do comportamento emocional do ser humano
(SENNETT, 2012), o que torna essa ideia reducionista, autoritária e restritiva\limitante de
leitura da vida, do ser humano e da sociedade, apesar do discurso totalizante, mas reduz tudo
ao binômio, capital X trabalho, classe trabalhadora X burguesia como explicação de tudo.
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Voltando a proposta de Zizek, principalmente na obra “Vivendo no fim dos tempos” (ZIZEK,
2012), onde faz uma analogia aos quatro cavaleiros do apocalipse, livro da tradição Cristã,
onde o autor defende que o sistema capitalista global chega em seu ponto máximo de
esgotamento, onde os cavaleiros que anunciam o final dos tempos seriam: a) crise ecológica;
b) consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (falta de
água, matéria prima, etc) (ZIZEK, 2012, p. 14). No início dessa obra, o autor contextualiza
sua análise a partir do desdobramento dos acontecimentos da queda do socialismo real na
Europa e do que ele próprio vem acompanhando nesse contexto, a partir de uma visão crítica,
que junto com uma análise psicanalista de cunho lacaniano, identifica que, por exemplo, a
queda do muro de Berlim e os acontecimentos que vieram após esse processo, foi semelhante
a dois tipos de morte do socialismo real, que traz uma consequência atual, ou seja, vive-se na
verdade um luto do passo:
“A nostalgia do comunismo não deve ser levada muito a sério; longe de exprimir o
desejo genuíno de volta à realidade cinzenta do regime anterior, está mais para
uma forma de luto, um processo de luto abandono do passado.” (idem, p. 11)
[grifo nosso]
Ainda segundo o autor, e com base na proposta da Psicóloga Suíça Elisabeth Kübler-Ross,
uma autoridade no campo do estudo sobre luto, que tem como principal trabalho o livro,
“Sobre a morte e o morrer: o que os doentes têm para ensinar aos médicos, enfermeiras,
religiosos e aos seus próprios parentes” (KÜBLER-ROSS,1996), onde apresenta um
entendimento do processo de luto, que é interessante aqui expor. Primeiramente, o luto não
está, segundo essa autora, restrito a morte de pessoas. A morte aqui é entendida como
processo mais amplo, no sentido de perda. Então, qualquer perda pode desencadear o
processo de luto, que segundo a autora, teria cinco estágios, a saber: 1) Negação e Isolamento,
2. Raiva, 3. Barganha, 4. Depressão e 5. Aceitação. Nesse último estágio a pessoa já não
experimenta o desespero e não nega sua realidade. As emoções não estão mais tão à flor da
pele e a pessoa se prontifica a enfrentar a situação com consciência das suas possibilidades e
limitações. Claramente o que interessa é que o paciente alcance esse estágio de aceitação em
paz e com dignidade, mas a aceitação não deve ser confundida com um estágio feliz - ela é
quase destituída de sentimentos. Ainda segundo outro especialista sobre luto, é possível
afirmar que, “O luto fala-nos do que já não é. Mostra-nos o que não está mais presente. Sendo
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assim, o luto é um processo de despedida. E despedir-se é sempre doloroso.” (SANTOS,
2013, p. 69). E para isso, o luto precisa ser trabalhado, primeiramente reconhecido, e se deixar
vivenciar a dor e não negar essa dor, ou seja: “Vivenciar o luto é entender que agora você se
encontra só. Não pode mais contar com o apoio e o suporte da pessoa [ideia] amada.” (idem).
Considerando essa referência em relação ao luto, o que caracteriza então o luto ideológico?
O que defendo é que a ideologia, teoria ou ação, ou cosmovisão, que não produz na vida
prática cotidiana o que se propôs a fazer (revolução, sociedade sem classes, etc.), mas mesmo
assim insiste nessa ideologia, de fato nos deparamos com uma constatação, a morte e
ineficiência de uma ideologia que existe no plano teórico e discursivo, sem efeito prático, por
tanto, vive-se, mesmo que não se admita, um processo de luto, mas um luto ideológico, pois
ideias mortas não produzem vida, fazer mais do mesmo, produz a mesma coisa, é o que se vê
a mais de 200 anos, e o que pode ser constado de fato, é as ações e discursos e que com
truques heurísticos e sentimentalistas, negam a realidade concreta. No caso do estudo, sobre a
ECOSOL, e que pode servir de analogia ao Serviço Social, onde uma das dimensões do
fracasso dos empreendimentos, é exatamente esse, a tentativa de inculcar na população
atendida, seja através da política pública, seja pelo movimento social, onde na realidade, se
constata que o imaginário dos militantes, que defendem essas ideias, caminha em direção
contrário do imaginário dos trabalhadores, associados e pessoas envolvidas nesse processo, e
que não comungam dessa e de nenhuma ideologia, e se restringem a busca restrita e imediata
da sua sobrevivência, somente. Da mesma forma, e quase que idêntico, é que vejo que ocorre
o mesmo com o Serviço Social, pois vive-se hoje, um luto ideológico ao “escolher”, ou até,
manter essa hegemonia marxista, principalmente inserindo organicamente ou quando não ,
mecanicamente e até em alguns casos, religiosamente, a uma profissão e os seus respectivos
profissionais. Na sequência apresento as evidências desse luto ideológico no Serviço social, a
partir do que chamo de incongruências do marxismo como “escolha” para a uma profissão.
2) Incongruências da adoção da ideologia marxista para a profissão Serviço Social.
Por congruência, quero designar a capacidade de ser mais do que coerente. Coerente seria
falar algo e fazer, ou seja, ser sincero, autentico, transparente. Já o ser congruente, é ir além de
ser coerente, é fazer o que diz, e fazer com consciência, e com lucidez, honestidade ,
razoabilidade (menos ideologia e mais razão) e equilíbrio. Nesse sentido, não existe profissão
ou profissional neutro, realmente, como afirma Neto, e o fato do Serviço Social ter feito essa
opção, não significa que antes não havia uma ideologia que era predominante, mas acredito
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que a questão não é só escolher ou outra ideologia, ou ainda, qual ideologia deve ser
escolhida. Até porque, e se assim for, temos aqui uma situação de síntese, de fatalidade, o que
ao cabo e ao final das contas, conduz inevitavelmente uma postura de ressentimento, de
polarização, ou seja, se você não é marxista é o outro, pois essa ideia remete a velha lógica
polarizada do nós contra os outros, máxima do ressentimento tóxico, nós os donos da verdade,
os iluminados contra, as vitimas eternas do sistema, contra os retrógrados, fascistas,
preconceituosos, refratários, que são via de regra conservadores e liberais, e etc. É lógico,
imaginando, que o paraíso está nessa terra e que existe tudo de bom no chama socialismo, que
nunca fez nada de errado, e por onde passou só provou fazer o bem e tudo diferente do que os
malditos liberais e conservadores fizeram e fazem, ou até como recentemente temos visto em
palestras públicas nas universidades, que devido a violência do capital se justifica a luta
armada e não o dialogo, ou ainda, que esses que são do eixo do mal, “merecem uma boa cova
e uma boa pistola”, e nenhum outro conselho federal apoia isso, mas o do Serviço Social vem
abertamente apoiando esse discurso e ainda alegando que, quem é contra a essa aberração, é
contra a democracia é um reacionário, etc. Isso, é mais do que evidencia que não se pensa
como profissão, e sim como ideologia. Nesse sentido, é preciso ter uma certa cautela, pois
quem, ou o que, disse que só tem dois lados, tipo direita e esquerda, bons e maus, opressores e
oprimidos, etc. Não seria possível adotar outra postura, ou até, outras ideologias? Como
fazem outras profissões e outros profissionais? Não é possível buscar um processo mais
dialógico, do que um dialítico de síntese de uma luta insana que requer sempre um derrotado e
um vencedor? Não é possível buscar alternativas entre as partes que compõem e determinam
as relações de vivências e sobrevivência? É nesse ponto que vejo as incongruências do
Serviço Social ter adotado como única matriz a percetiva do marxismo. Que fique claro, a
questão não é ter adotado o marxismo, mas não dar espaço para a pluralidade de outras
matrizes, como se pode ver em outras partes do mundo, onde existem abordagens diversas do
Serviço Social como mostra o estudo de Payne (2002). Logo, é possível desvelar alguns
pontos que evidenciam o luto ideológico no Serviço Social através de três incongruências,
como procuro destacar a seguir. 1) Dissonância entre discurso e prática efetivada: Fala-se
de revolução, no entanto as práticas são restritas as determinações institucionais, que não dão
margem a mudanças concretas, quanto mais ideológicas como propostas no programa político
ideológico marxista. O mercado não contrata os profissionais pela sua ideológica ou
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militância, contrata-se pelo que o profissional pode fazer, o que é muito mais importante do
que se diz e não faz, logo, por que adotar uma ideologia que não tem aceitação? E pior,
praticidade? Pois não adianta jurar amor eterno a Marx e não convencer nem o vizinho e nem
a si mesmo quanto a viabilidade desse projeto. Onde essa ideologia foi implantada e que teve
resultados como os mostrados e defendidos na teoria e nos discursos inflamados? E por favor,
não vale dizer sobre Cuba, China e Coreia. Por exemplo a China, como explica-se que num
mundo globalizado como do século XXI, onde países assumidamente capitalistas crescem só
3% a 5% enquanto isso a China cresceu entre 7% a 10% ? E outra coisa, se olharmos com
atenção e honestidade, e qualquer pessoa minimamente culta e instruída, vê que os melhores
países com justiça, igualdade e melhor qualidade de vida, não são e nunca foram socialistas,
são uma mistura de liberalismo na política e conservadores na economia. Se o Serviço Social,
de fato busca em sua prática profissional, o bem-estar, garantir os Direitos Humanos, maior
igualdade, etc., então não seria o caso de adotarmos essas ideologias, que mostram
congruência de fato entre o que se defende no planos das ideias e se faz no plano da
realidade?. Uma prova cabal disse, da dissonância entre teoria e prática dessa proposta, é que
um dos mais recentes sucessos editoriais no campo acadêmico, é o estudo de Thomas Piketty,
“ O capital no século XXI, (PIKETTY, 2010), onde faz um estudo dos mais ambiciosos,
analisar o impacto do sistema capitalista nos últimos tempos, centrando a investigação nos
aspetos de distribuição da riqueza e dos processos de desigualdade. No final, qual a proposta
que ele faz? Vamos seguir a proposta de Marx e instalar o socialismo e chegar ao
comunismo? Não, a proposta é “ Modernizar o Estado Social, e não desmontá-lo” e afirma: “
Seja como for, o sistema redistributivo moderno, e em particular o Estado Social construído
nos países ricos ao longo do século XX, fez-se em torno de um conjunto de direitos sociais
fundamentais: o direito à educação, à saúde, à reforma.”(PIKETTY, 2010, p 721), e de onde
surgiu o Estado social ou Estado de Bem-Estar social? Não foi marxista e nem muito menos
socialista. 2) Ênfase na linguagem política e ideológica e com baixa instrumentalidade:
Uma matriz ideológica do passado tentando dar resposta para o presente e futuro (marxismo,
socialismo, comunismo). Ignora e até despreza as dimensões do comportamento humano,
como por exemplo, a abordagem clinica, é contra a inovação da Educação a Distância, dos
estudos e avanços das descobertas, seja em suas dimensões neurobiológicas, semióticas, e
psicológicas e só enfatiza a dimensão politica e económica como explicação de tudo. Ênfase
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numa lógica coletivista, que está mais no imaginário de militantes e intelectuais e teóricos da
academia, do que no imaginário e no desejo dos profissionais e principalmente dos sujeitos
objeto da prática profissional. Critica-se os outros (tudo o que não é marxista) como sendo
ultrapassado, retrogrado, burgues, manipulador, fascista, opressor, mas esconde e nunca
admite as suas malezas, falhas e atrocidades, bem como as semelhanças, tanto ideológicas
como metodológicas de poder entre socialismo e nazismo (fascismo e comunismo), que são
quase que idênticos, como mostra o estudo de Furet e Nolte (1998), essa é a incongruência
maior, prometer no discurso um “nova” alternativa, que em lugar nenhum do mundo foi bem
sucedido e que ao contrario, se mostrou um verdadeiro fracasso, tanto como ideológica
historica e como modelo de sociedade, logo, o que dizer dessa opção para com a realidade de
uma profissão? O que se poder esperar? Mais do mesmo, fracasso e engano. 3) Preferência a
uma lógica e discurso dialético do que dialógico o que impede a pluralidade e inovação:
como afirma Bobbio (1982) o marxismo não é pluralista, pois é um programa politico, logo,
ou você aceita e abraça ou você deixa e abandona (como fiz a muito tempo), nesse sentido, e
considerando a complexidade da sociedade e do ser humano, que requer maior dialogo com
outros saberes e por tanto, maior pluralidade, é incongruente adotar um programa que limita a
si mesmo por sua proposta, e pior, negar que não é plural e fingir que existe pluralidade.
Logo, mais do mesmo, só vai dar mais do mesmo, não há mudança, ao contrário, só
manipulação e dominação epistemológica. A ação num viés dialético, como afirma o
marxismo, impulsiona a uma relação de dualidade, de síntese, expressada e reforçando o `nós-
contra-eles´, o que leva querer reinventar a roda; nada serve do que vem da sociedade que não
está na mesma linguagem e retórica progressista e revolucionaria. Logo, gasta muito tempo
trocando os nomes e criando truques heuríscos e sentimentalistas, onde se muda o rótulo, e
com isso, pensando supostamente que mudou o conteúdo e assim, estaria mudando alguma
coisa, sem alterar de fato o conteúdo e pior, a realidade. Em outros termos, isso leva a viver
um tipo de esquizofrenia intelectual e profissional, onde se cria um mundo
imaginário/desejado, sendo que na realidade se vive um mundo totalmente diferente, que leva
as pessoas a usarem uma máscara social para serem aceitas, que passa pelo discurso uniforme,
onde para você ser incluindo na categoria, e pelos grupos hegemónicos de pressão e comando
da categoria, você tem dizer e “contemplar” essa plateia, e lógico, ser favorável a revolução
socialista, ser um anti-capitalismo, anti-conservador, e aceitar tudo que seja “politicamente
correto”. Isso gera relações de simpatia, e nega a alteridade e empatia necessário para o bem
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comum, fica só na lógica do companheirismo ( compadre, comadre) , ou seja, o que for dito
tem de “satisfazer, contemplar” os companheiros e companheiras, caso contrario não será
ouvido, quando não rotulado e execrado. Tal atitude, típica de ideologias que querem impor
sua cosmovisão, gera exclusão e separação e discórdia entre as pessoas, além de uma
identidade forjada ou criptografada, pelo medo de dizer o que pensa ou usar discordar do
pensamento hegemónico. Assim, fizeram os Judeus, quando diziam se converter ao
cristianismo para não ser perseguidos pela inquisição, mas ocultavam que ainda continuavam
com o seu culto judaico. Quantos profissionais de Serviço Social no Brasil afora não tem essa
identidade criptografada e forjada? Muitos assistentes sociais no discurso reproduzem as
ideias de Paulo Neto e Iamamoto, mas para agir na prática, consultam Balbina Ottoni Vieira.
Já a postura dialógica, leva a uma relação de dualidade, faces de uma mesma moeda. É mais
sistêmico, impulsiona para o aprendizado, leva em conta as dimensões do bio-pisoco-
semitoca da vida e do ser humano e produz a inclusão através da aceitação legitima do outro,
trabalha com a empatia, a auteridade, enfim com o outro, tanto em termos de conduta de
responsabilidade para resolver os problemas que afetam a existência do ser humano, como
para com outros da mesma profissão.
CONSIDERAÇÕES
Procurei no presente artigo, e em linhas mais gerais, dar ênfase ao aspecto em que o tempo
voa, não para, corre, foge e hoje mais do que nunca, tempus fugit, e em se tratando da análise
dos fundamentos da profissão, não há duvida que seja preciso estar atento há esse tempo, pois
o Serviço Social pulsa em conformidade a dinâmica social, e as demandas da sociedade, e
assim, deve continuar, para com isso não negar essa especificidade de se adaptar as novas
configurações e desafios que a cada tempo nos é imposto. Tempus fugit, e não podemos parar
no tempo, é preciso renovar as ideias e as ações. Mas para isso é preciso ter a humildade de
reconhecer limites, erros, e procurar um processo dialógico de aprender com fracassos e erros,
mais até do que os supostos acertos. Se apegar a ideias que negam a realidade, é o que aqui
chamei de luto ideológico. E o novo só pode ser criado quando se deixa morrer o velho. Não
adianta colocar “remendo novo em calça velha” o novo só pode com uma nova orientação,
nesse sentido, o luto deve ser vivido, em outras palavras,
“O processo de luto tem como finalidade reorientar a sua própria vida. É verdade
que ele é um momento de crise e dor, mas também é um momento de explorar
novos caminhos e de mergulhar dentro de si mesmo para ver tudo o que há de
12
descobrir: a segurança e a certeza da capacidade que há. É nesse momento de
despedida que se encontram forças e descobre-se razões para continuar a viver e dar
significado à própria existência.” (SANTOS, 2013, p. 70)
Pois, segundo Zizek, quando chegamos ao ponto zero, após o estágio da depressão, não
vemos mais as coisas como ameaças, ou com medo deixar o velho morrer. Aí surge a visão de
olhar a situação como oportunidade de recomeçar ( ZIZEK, 2011, p.16). O autor ainda cita
uma frase e pensamento de Mao, em relação a um encontro dele com o presidente dos EUA,
Nixon. “Gosto de tratar com direitistas. Eles dizem o que realmente pensam, ao contrário dos
esquerdistas, que dizem uma coisa e querem dizer outra.” (ZIZEK, 2011, p. 18) e reforça: “A
lição de Marx aplica-se hoje ainda mais do que em sua época: podemos aprender muito mais
com os conservadores críticos e inteligentes (não reacionários), do que com os progressistas
liberais...” (idem). Sigamos esse conselho, falemos o que realmente queremos dizer, e
sejamos congruentes na relação, do desejar, do falar e do fazer, seja como pessoas, mas
principalmente como profissão e profissionais. Sejamos profissionais e não militantes.
Vamos construir uma profissão critica mas criativa, dialógica, propositiva e sobre tudo
humana e digna. Para mudar é preciso agir, e agir tem a ver com a criação de novos valores e
crenças que permitem leituras diferentes e amplas do ser humano e de seu contexto e
contextualização da sociedade, inserida no conturbado e paradoxal cenário do século XXI,
afinal, Tempus Fugit
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