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SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO NO CONTEXTO SÓCIO- AMBIENTAL: INDICADORES DE BOA GOVERNANÇA EM PROCESSOS POLÍTICOS E REGULATÓRIOS Gilberto de Martino Jannuzzi Professor associado do Dpt. de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica/UNICAMP [email protected] Viviane Roberto da Silva Romeiro Mestranda e pesquisadora associada do International Energy Initiative IEI /Latin Office [email protected] Juliana Marinho Cavalcanti Martins Mestranda e pesquisadora associada do International Energy Initiative IEI /Latin Office [email protected] Rodolfo Dourado Maia Gomes Mestre e pesquisador associado do International Energy Initiative IEI /Latin Office [email protected] RESUMO As decisões concernentes ao setor elétrico têm impactos fundamentais na sociedade, seja em níveis social, ambiental ou econômico (WRI, 2008). Nesse sentido, compreender o processo em que tais medidas são tomadas é condição para assegurar que melhores decisões sejam aplicadas. Considerando que a credibilidade do público, através de processos mais transparentes, é fundamental para uma reforma e aprimoramento politicamente sustentável do setor, a Iniciativa para a Governança em Eletricidade (Electricity Governance Initiative EGI) disponibilizou um Kit de Ferramentas de Indicadores para avaliar e verificar a estrutura do setor elétrico. O Kit de Ferramentas da EGI apresenta uma estrutura para avaliar e promover boa governança no setor elétrico. Neste sentido, o presente trabalho objetiva apresentar alguns dos resultados obtidos pelo grupo de trabalho coordenado pelo IEI. A proposta do projeto objetiva avaliar a transparência e grau de participação pública, dentre outros critérios, dividindo o tema em duas partes: processos políticos e processos regulatórios. Palavras-chave: Setor elétrico brasileiro; boa governança, processos políticos; processos regulatórios

Setor elétrico brasileiro no contexto sócio ambiental: indicadores de boa governança em processos políticos e regulatórios

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Jannuzzi G. M.; Romeiro, V; Marinho, J. & Gomes, R. Setor elétrico brasileiro no contexto sócio ambiental: indicadores de boa governança em processos políticos e regulatórios. World Resources Institute-WRI, 2008

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SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO NO CONTEXTO SÓCIO-

AMBIENTAL:

INDICADORES DE BOA GOVERNANÇA EM PROCESSOS POLÍTICOS

E REGULATÓRIOS

Gilberto de Martino Jannuzzi

Professor associado do Dpt. de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica/UNICAMP

[email protected]

Viviane Roberto da Silva Romeiro

Mestranda e pesquisadora associada do International Energy Initiative – IEI /Latin Office

[email protected]

Juliana Marinho Cavalcanti Martins

Mestranda e pesquisadora associada do International Energy Initiative – IEI /Latin Office

[email protected]

Rodolfo Dourado Maia Gomes

Mestre e pesquisador associado do International Energy Initiative – IEI /Latin Office

[email protected]

RESUMO

As decisões concernentes ao setor elétrico têm impactos fundamentais na sociedade, seja em níveis social, ambiental ou econômico (WRI, 2008). Nesse sentido, compreender o processo em que tais medidas são tomadas é condição para assegurar que melhores decisões sejam aplicadas. Considerando que a credibilidade do público, através de processos mais transparentes, é fundamental para uma reforma e aprimoramento politicamente sustentável do setor, a Iniciativa para a Governança em Eletricidade (Electricity Governance Initiative – EGI) disponibilizou um Kit de Ferramentas de Indicadores para avaliar e verificar a estrutura do setor elétrico. O Kit de Ferramentas da EGI apresenta uma estrutura para avaliar e promover boa governança no setor elétrico. Neste sentido, o presente trabalho objetiva apresentar alguns dos resultados obtidos pelo grupo de trabalho coordenado pelo IEI. A proposta do projeto objetiva avaliar a transparência e grau de participação pública, dentre outros critérios, dividindo o tema em duas partes: processos políticos e processos regulatórios.

Palavras-chave: Setor elétrico brasileiro; boa governança, processos políticos; processos regulatórios

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ABSTRACT

Decisions concerning to electric sector have significant impacts in society, both at the social and environmental and economic levels. In this regard, understanding the process by which those measures are taken is essential to assure best decisions. Considering the importance to assess the transparency and credibility of political reforms related to the electricity sector, the Electricity Governance Initiative – EGI has launched an Indicator Toolkit to asses and verify these issues. The EGI toolkit presents a regulatory framework to analyze and promote good governance in the electric sector. In this way, this paper introduces some results obtained by International Energy Initiative workgroup. The project purpose verifies transparency of decision-making process, amonst other criteria, investigating the political and regulatory processes.

Key words: Brazilian electric sector; good governance; political processes; regulatory processes.

SUMÁRIO

1-Introdução. 2-Metodologia. 3-Regulação em atividade energética. 4-Estrutura política e

regulatória. 5-Considerações Finais. 6-Referências Bibliográficas.

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1 -INTRODUÇÃO

As decisões concernentes ao setor elétrico têm impactos fundamentais na sociedade, seja

em níveis social, ambiental ou econômico (WRI, 2008). Nesse sentido, compreender o processo

em que tais medidas são tomadas é condição para assegurar que melhores decisões sejam

aplicadas.

Considerando que a credibilidade do público e transparência dos processos são

fundamentais para uma reforma e aprimoramento politicamente sustentável do setor elétrico, a

Iniciativa para a Governança em Eletricidade (Electricity Governance Initiative – EGI)

disponibilizou um Kit de Ferramentas de Indicadores para avaliar e verificar a estrutura deste

setor em vários países.

A avaliação foi realizada através da colaboração de grupos multidisciplinares com atuação

em diversas áreas do conhecimento. Dentre os parceiros estão incluídos o Centro Clima do

Programa de Planejamento-COPPE e o International Energy Initiative-Latin

American- IEI na UNICAMP. O trabalho foi apoiado por um ‘Painel Consultivo’ que inclui membros do

governo, especialistas e profissionais acadêmicos relacionados ao setor elétrico.

Neste sentido, o presente trabalho objetiva apresentar alguns dos resultados obtidos pelo

grupo de trabalho coordenado pelo IEI. Intentou-se analisar o quão transparente é o processo

decisório no setor, verificando-se a participação pública, prestação de contas ao público

interessado e a disponibilidade de meios para recursos decisórios e implementação das

políticas.

2 - METODOLOGIA

A EGI representa uma colaboração da sociedade civil, funcionários do governo, reguladores,

e outras pessoas relacionadas ao setor elétrico, que buscam promover inclusão, transparência e

responsabilidade sujeita a prestação de contas no processo de decisão dentro do setor. É uma

parceria registrada com a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das

Nações Unidas-ONU em cooperação com o World Resources Institute-WRI e Prayas Energy

Group (India).

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Em 2008, a instituição iniciou um projeto juntamente ao Instituto Brasileiro de Defesa do

Consumidor – IDEC com o objetivo precípuo de relevar a formalização do acesso à informação e

a participação pública como um processo para governança considerado cada vez mais baseado

em padrões internacionais.

O Kit de Ferramentas da EGI apresenta uma metodologia para avaliar a boa governança no

setor elétrico. A proposta do projeto objetiva avaliar a transparência e grau de participação

pública, dentre outros critérios, dividindo o tema em duas partes: processos políticos e

processos regulatórios que são sub divididos em indicadores.

Os Processos Políticos definem os parâmetros para o funcionamento e o desempenho do

setor elétrico. Nesta secção são examinadas a capacidade e a integridade das instituições

envolvidas com o desenvolvimento da política do setor elétrico, incluindo os poderes legislativos

e executivos do governo, ministérios responsáveis pela operação e planejamento do setor e a

sociedade civil.

Intenta-se também analisar questões ambientais e sociais relacionadas à política do setor

elétrico, como a capacidade de atuação das instituições envolvidas com estas temáticas, a

extensão da participação pública na definição de padrões ambientais para o setor bem como a

integridade das avaliações de impacto ambiental para projetos do setor.

Processos de regulamentação são mecanismos para verificar se os aspectos econômicos,

financeiros, sociais, e ambientais do desempenho no setor elétrico estão em sintonia. Estes

processos normalmente incluem decisões e considerações importantes como a definição de

tarifas, o licenciamento de plantas de energia e outras infra-estruturas, e a definição de padrões

de serviço e eficiência.

Os indicadores lidam com as estruturas institucionais para a regulamentação do setor

elétrico, como a independência, autoridade, e autonomia da agência reguladora; questões

relacionadas ao processo de seleção de reguladores e à prevenção de conflitos de interesse

formais; provisões para a transparência; e um espaço para críticas e apelos.

Analisa-se também o processo de decisão para avaliar questões como a clareza e

previsibilidade dos procedimentos; sistemas para a divulgação de documentos públicos e

transparência; espaço para a participação pública no processo de decisão da regulamentação; e

a capacidade da sociedade civil para participar nestes processos. Além disso, estes indicadores

estudam também questões operacionais como a transparência dos procedimentos para a

emissão de licenças e a qualidade do fornecimento e do serviço ao consumidor.

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Dessa forma, os indicadores são constituídos por questionários de pesquisa qualitativa

distribuídos em 64 indicadores concernentes às questões de boa governança no setor. Cada

indicador tem sub itens que são valorados na pesquisa de forma a mensurar o quanto cada

critério de governança em eletricidade é satisfeito.

No intuito de reduzir a possibilidade de conclusões contraditórias ou incoerentes, para

cada indicador é disponibilizada uma explicação analítica pelos grupos de estudo que

mensuram limites na qualidade e dimensão das respostas.

A maioria das informações necessárias para a pesquisa foram encontrada nas leis

relevantes para o setor elétrico; regras e regulamentos de implementação criados pelo

Ministério de Minas e Energia - MME; decisões e relatórios anuais da ANEEL e complementadas

com relatórios, estudos acadêmicos, e documentos de congressos.

Além disso, as equipes de avaliação também entrevistaram representantes e empregados

da agência reguladora, grupos da sociedade civil e de consumidores que apresentaram casos

diante do comitê regulador, e empregados das companhias de serviços de utilidades que lidam

com o órgão regulador.

3- REGULAÇÃO EM ATIVIDADE ENERGÉTICA

Sabe-se que os avanços da política e da regulação no setor energético têm se tornado cada

vez mais complexos com as mudanças do contexto sócio-econômico mundial, representadas

pelos processos de reestruturação industrial e reorganização institucional das atividades

energéticas (CGEE, 2008).

Essa evolução produziu uma mudança de abordagem na ação regulatória sobre as

atividades energéticas com resultados importantes nos meios de articulação dos agentes. As

decisões que orientam essas ações constituem parte de uma estratégia política de governo, de

agentes e estruturas públicas e privadas, como resposta a um conjunto de interesses,

aspirações e expectativas de uma parte cada vez mais crescente da sociedade. (INEE, 2007).

As condições objetivas de implementação de programas de política e de ações regulatórias

bem como a compreensão de que boa governança no setor energético representa um

importante objetivo de longo prazo são aspectos relevantes que devem ser institucionalmente

construídos e socialmente demandados como resultado de um valor culturalmente

compreendido pela sociedade.

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Para verificar os avanços da política e regulação energética no setor brasileiro, quatro

elementos básicos de boa governança foram avaliados no projeto em estudo, em um contexto

geral:

Participação pública: Disponibilidade de mecanismos adequados para incentivar a

participação e inserção pública de questões, perspectivas e opiniões relevantes aos processos;

Prestação de contas: Disponibilidade de mecanismos que possibilitem a prestação de

contas à população, bem como o monitoramento sistemático das operações e processos do

setor;

Transparência e acesso à informação: Disponibilidade de atos e informações ao público

para que terceiros possam formular críticas e sugestões. Analisa-se a abrangência,

disponibilidade, tempo e medidas para que os atos alcancem grupos afetados e vulneráveis.

Capacidade do governo: mecanismos para mensurar a habilidade educacional, social,

tecnológica, legal e institucional para práticas em boa governança. Inclui neste critério a

habilidade da sociedade civil para participar no processo de decisão.

A ênfase se dá nos processos de decisão no setor elétrico nos níveis do legislativo,

executivo, e regulatório que têm impactos ambientais e sociais, reconhecendo que a energia é

ligada a processos políticos maiores.

4- ESTRUTURA POLÍTICA E REGULATÓRIA

A atual estrutura administrativa do Brasil concernente ao setor energético foi

implementada em 2004 através da Lei Federal nº 10.848, que dispõe sobre a comercialização de

energia elétrica, substituindo um modelo que incentivava a privatização e desenvolvimento por

uma competição efetiva.

A nova abordagem refletiu a necessidade de estimular novos investimentos privados

assegurando concorrência e transações reguladas. Mostrou-se necessário aprimorar o

fortalecimento dos fundamentos institucionais condizentes com uma economia com base no

mercado, considerando o contexto institucional mais amplo, a autonomia, a missão e a

responsabilidade, e principalmente, a estrutura de sua governança.

De acordo com consultor do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (2008), as três

grandes características do marco institucional do setor de energia elétrica após a reforma de

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2004 podem ser identificadas em toda a reestruturação: a centralização do poder concedente e

do planejamento no Ministério de Minas e Energia – MME, a instituição do Comitê de

Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE (para monitorar a demanda e fornecimento de energia

elétrica) e especialmente a subjetividade da transparência dos atos de Estados (Agências

reguladoras) e de Governo (ministérios).

No entanto, conforme explica o diretor geral da DME Energética Ltda. (2008), embora

qualquer reestruturação tenha algum tipo de efeito direto, essa reforma pouco influenciou

diretamente no setor, implicando especificamente apenas na forma de comercialização de

energia elétrica: “tal implementação não foi considerada uma reforma, mas uma adaptação do

modelo”. A mudança expressiva foi determinada pela Lei Federal nº 8987 de 1995, conhecida

como a Lei de Concessões de Serviços Públicos, e pela Lei Setorial nº 9047 de 1995, quando

foram estabelecidos os fundamentos básicos do novo modelo e iniciada a sua abertura à

participação dos capitais privados.

Agência reguladora

A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, criada em 1996, foi inspirada na

experiência internacional, principalmente no modelo institucional norte americano das

agências de regulação independentes. No intuito de assegurar um nível mais elevado de

independência, a agência faz parte da administração pública indireta, sujeita a regime jurídico

especial.

É importante ressaltar que à agência compete a criação de condições para a modicidade

tarifária; regular e fiscalizar o pleno acesso aos serviços de energia; e, a transparência e

efetividade nas relações com a sociedade. Embora a referência à necessidade de transparência da

agência esteja explícita de forma vaga em sua lei de criação, a preocupação com o meio

ambiente está inclusa no artigo 3º da Lei de Criação da ANEEL(Lei Federal n. 9.427 de 1996) ao

dispor sobre a competência da agência concernente à preservação do meio ambiente e a sua

conservação.

Outros dispositivos legais da agência mencionam a preocupação com o meio ambiente, no

sentido de estimular a participação em ações ambientais voltadas para o benefício da sociedade,

bem como interagir com o Sistema Nacional de Meio Ambiente em conformidade com a

legislação vigente, atuando de forma harmônica com a Política Nacional de Meio Ambiente.

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É possível verificar a atuação da agência ao cumprimento do disposto em seu contrato de

gestão sobre a disponibilização de documentos e informações sobre o setor de energia elétrica,

ao divulgar informações sobre questões ambientais através de vários meios, dentre eles

bibliotecas, internet e repartições públicas.

O Superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética da ANEEL

(2008) expõe também a preocupação da Agência na mudança da linguagem extremamente

técnica do setor e da regulação para uma compreensão mais ampla do cidadão sobre as decisões

da agência, como as cartilhas de tarifas disponíveis por área de concessão.

No entanto, embora teoricamente possua autonomia gerencial e financeira e competência

para normatizar questões técnicas, (bem como autonomia decisória garantida pelos mandatos

fixos de sua diretoria), especialista em regulação da ANEEL (2008) considera o fato de grande

parte dos dirigentes da agência ter sido formada a partir de quadros antigos do Departamento

Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, advertindo que a regulação do setor não enfatiza

necessariamente a criação de incentivos econômicos para a formação de um mercado

competitivo.

Embora a agência tenha uma autonomia razoável, sempre foi fragilizada pela pressão

política muito forte, e essa autonomia da agência terá que ser reconstruída em algum momento

(diretor geral da DME, 2008). A autonomia é fundamental para reduzir os riscos regulatórios:

“Planejamento, política e regulação é um conjunto em que a política é qualitativo e o

planejamento quantitativo.”

Além disso, a autonomia da agência encontra-se fragilizada na medida em que o

consumidor paga a taxa de fiscalização, ao invés de ser utilizada para o serviço, sendo que boa

parte dos recursos são por diversas razões contingenciados.

O consultor CPFL (2008) explicita a necessidade de uma maior transparência nos

mecanismos que consigam mostrar como estes recursos estão sendo aplicados. A forma de

gerenciar os recursos deve permitir que sejam feitas comparações através de informações

estruturadas de como esse dinheiro foi aplicado durante os anos de uma forma que permitam

uma análise técnica.

Comitês legislativos

Os Comitês legislativos ou parlamentares responsáveis pela criação e aprovação de

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reformas no setor elétrico têm um papel crítico na criação de instituições e estruturas políticas

que governam o setor elétrico (WRI, 2008). As instituições e políticas criadas através de

processos legislativos determinam as prioridades do setor. No entanto, a capacidade da

instituição legislativa ou parlamentar para fiscalizar e efetivamente servir como contrapeso

para o poder executivo em questões ambientais é definida em parte pela qualidade e

disponibilidade de recursos e do conhecimento dos representantes.

No Brasil existem dois comitês legislativos para avaliar questões ambientais: um no

Senado Federal e outro na Câmara de Deputados Federal. O comitê legislativo para avaliar

questões ambientais no âmbito do Senado Federal é a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do

Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), instituída pelo Regimento Interno (RESOLUÇÃO

nº.93, DE 1970).

Atualmente, a presidência está a cargo do Senador Leomar Quintanilha (PMDB – TO) que

tem como vice a Senadora Marisa Serrano (PSDB – MS). O comitê legislativo para avaliar

questões ambientais no âmbito desta é a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável - CMADS. Esta é uma comissão permanente criada pelo Regimento Interno da Casa

e constituída de deputados com a finalidade de discutir e votar as propostas de leis que são

apresentadas à Câmara.

Com relação a determinadas proposições ou projetos, essa Comissão se manifesta

emitindo opinião técnica sobre o assunto, por meio de pareceres, antes de o assunto ser levado

ao Plenário. Com relação a outras proposições, ela decide, aprova ou rejeita, sem a necessidade

de passarem elas pelo Plenário da Casa.

Vale ainda ressaltar a existência da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados

Federal que é competente para avaliar os projetos de lei referentes ao setor elétrico brasileiro.

Todavia, quando se inicia um projeto de lei na Câmara Federal, a Secretaria Geral da Mesa faz

uma análise e encaminha o projeto para as Comissões que tem competência.

Assim sendo, quando o projeto de lei refere-se a uma questão energética com interferência

direta em alguma questão ambiental, tal projeto é encaminhado para a Comissão de Meio

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CMADS para que se pronuncie sobre a sua área de

competência e também é encaminhado para a Comissão de Minas e energia para que também

opine sobre a sua área de atuação.

Em relação à apoio de pesquisa ou investigações em questões ambientais, não foram

identificados recursos orçamentários específicos disponíveis, haja vista que é função do cargo

de senador ou deputado atuar nas comissões. Ademais, não foi identificado membro do comitê

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ou empregado legislativo com a responsabilidade explícita de lidar com questões ambientais

relacionadas à política e ao desempenho do setor elétrico.

Entretanto, todas essas questões passam pela comissão que avalia de forma unitária os

projetos de lei referentes às questões ambientais relacionadas à política e ao desempenho do

setor elétrico (tanto no Senado como na Câmara Federal).

Instância executiva - Ministérios

Considerando a relevância da interação do Ministério de Minas e Energia - MEE em

questões ambientais e atividades responsáveis pelas autoridades ambientais, a interação entre

os processos políticos do setor elétrico e as responsabilidades ambientais do MME é considerada

um indicador para mensurar a importância destas questões para o executivo (WRI, 2008).

Os documentos que descrevem o papel da agência executiva (Ministério de Minas e Energia

- MME) definem as responsabilidades ambientais específicas do executivo. A Lei Federal n.

8.422 de 1992 define quais são as áreas de competência do MME, aliada ao Decreto n. 5.267 de

2004.

O MME é seccionado em vários órgãos para melhor desempenhar suas funções. Assim

sendo, cabe a cada um destes órgãos atender as responsabilidades bem definidas e delimitadas.

Dentre os órgãos que compõem a estrutura organizacional do MME e que têm relação

específica com o setor elétrico, podem ser destacadas a Secretaria de Planejamento e

Desenvolvimento Energético e a Secretaria de Energia Elétrica.

Dentre as competências estabelecidas no Decreto no 5.267 de 9 de novembro de 2004, para

a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético (art.9º), está incluída a

responsabilidade ambiental de “coordenar ações de gestão ambiental, visando orientar os

procedimentos licitatórios do setor energético e acompanhar as ações decorrentes”.

São estabelecidas responsabilidades específicas relativas à questão ambiental para alguns

dos departamentos desta Secretaria. Para o Departamento de Planejamento Energético, cabe

“promover as articulações demandadas pelas ações de gestão ambiental, com vistas às licitações

para a expansão do setor energético”.

No âmbito das competências do Departamento de Desenvolvimento Energético, além de

diversas responsabilidades voltadas para a conservação e uso racional de energia, são

registradas as seguintes especificamente ambientais:

V-levantar e gerenciar as demandas de sustentabilidade

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ambiental nos estudos energéticos, tais como, inventários, análise da viabilidade de empreendimentos e outros; IX-estimular e induzir linhas de fomento para a capacitação, formação e o desenvolvimento tecnológico sustentável no setor elétrico, por meio de parcerias, cooperação e investimentos privados; XII-promover e estimular a elaboração de levantamentos, estudos e pesquisas sobre energias alternativas e a interface energia-meio ambiente;

Considerando as orientações propostas para a avaliação dos indicadores

correspondentes à essa temática, foram encontradas as orientações para o desenvolvimento da

política e para a avaliação do impacto do setor ou de projetos visando a sustentabilidade da

expansão: em relação à cooperação com outas autoridades, o MME possui sistemas claros de

como o ministério coopera com outras autoridades e instituições de regulamentação.

A própria estrutura organizacional do ministério prevê que são entidades vinculadas a

este a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e a Agência Nacional

de Energia Elétrica – ANEEL. Além disso, é comum o relacionamento com o Ministério de Meio

Ambiente – MMA, Ministério Público e associações dos agentes setoriais.

Não foi identificada uma sistemática ou procedimento padrão de rotinas de consultas e

cooperação entre as autoridades. No entanto, ressalta-se que apesar de não ter sido identificado

um banco de dados específico com informações sobre data e local, foi constatada, de acordo com

entrevistas realizadas, a cooperação entre as autoridades com um caráter habitual entre as

mesmas.

Ademais, são realizados seminários e eventos para apresentação dos Planos elaborados,

após serem aprovados pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). O público alvo, de

um modo geral, além de eventuais consumidores interessados é composto por empreendedores,

universidades, associações técnicas e de grupos de interesse diretamente ligados ao setor

elétrico.

Órgãos de assessoramento

O compromisso e a capacidade do executivo para lidar com a questão de sustentabilidade

são medidos através da existência de recursos financeiros e do conhecimento necessário por

parte dos empregados para trabalhar com questões ambientais dentro da instituição executiva

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responsável pela eletricidade ou na da execução de sistemas e processos claros para utilizar os

recursos e empregados dos ministérios/ departamentos relacionados (WRI, 2008).

A Lei Federal n. 9.478 de 1997 criou o Conselho Nacional de Política Energética-CNPE, um

órgão de assessoramento do Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes de

energia destinadas a promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, em

conformidade com o disposto na legislação aplicável. O CNPE é vinculado à Presidência da

República e é presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia.

Para a formação do CNPE, foi editado o Decreto 3.520/2000 que determina, em seu artigo

2º, que a composição deste órgão se dará com a participação de: 9 ministérios, um

representante dos Estados e do Distrito Federal, um representante da sociedade civil, especialista

em matéria de energia, um representante de universidade brasileira, especialista em matéria de

energia, e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Ressalta-se ainda que o

CNPE trabalha concomitante a outros órgãos, como o Ministério de Minas e Energia, em

pesquisa e da investigação de questões ou problemas ambientais.

Pela própria composição do CNPE, considera-se que existem sistemas em funcionamento

para que o executivo utilize os seus empregados e o conhecimento das instituições

governamentais relacionadas. E isto facilita a colaboração com os ministérios responsáveis pelo

meio ambiente, agricultura, minas e energia, desenvolvimento, indústria e comércio, ciência e

tecnologia, entre outros.

Além dos representantes dos ministérios e dos outros membros do CNPE, podem também

participar das reuniões os Presidentes da Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRÁS), da Centrais

Elétricas Brasileiras S.A. (ELETROBRÁS) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES), bem como os dirigentes máximos de outros órgãos ou entidades.

De acordo com o diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético da Secretaria de

Planejamento e Desenvolvimento Energético (2008), a responsabilidade explícita de lidar com

questões de política e desempenho ambiental do setor elétrico, no âmbito do Ministério de

Minas e Energia, é da Coordenação de Sustentabilidade Ambiental Pró Setor Energético.

Considera-se que durante os últimos anos houve um aprimoramento no que tange ao

crescimento de conhecimento sobre assuntos ambientais para funcionários. Como o Comitê

Interministerial de Mudanças do Clima é constituído por vários ministérios, dentre eles o MME,

alguns funcionários do ministério são responsáveis por analisar a viabilidade de projetos

ambientais (por exemplo no contexto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).

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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se considerar que uma condição administrativa relevante para a qualidade da

regulação é a capacidade de seleção de ferramentas políticas mais eficazes e transparentes à

sociedade. A utilização de alternativas para regulação no Brasil, no entanto, ainda não é muito

aplicada quando propostos os atos normativos.

A experiência internacional agregada à realidade brasileira na execução de políticas

energéticas e na criação de atividades e mercados energo-eficientes têm mostrado que o grau de

sucesso aplicado à essa área corresponde diretamente à existência de mecanismos regulatórios

compatíveis e adequados à natureza das atividades e ao objetivo da política.

O público tem informações precisas sobre as decisões tomadas no âmbito do setor elétrico,

no entanto, ainda predomina na sociedade (com exceção dos agentes diretamente interessados)

o caráter cultural e educacional de pouca participação ativa nos debates para a formação de

uma decisão política dentro do setor elétrico. A sociedade ainda não está devidamente

estruturada de forma a analisar este tipo de procedimento, então a participação ainda é

pequena, se considerado o potencial de interação.

Somada a essa variável comportamental, ressalta-se a importância de um aprimoramento

da divulgação desses mecanismos de participação, de forma a induzir e fomentar uma maior

participação da sociedade.

De uma maneira geral, considera-se que os avanços analisados em matéria de política e

regulação energética são razoavelmente ponderáveis. As diretrizes/incentivos utilizados pela

ação política/ reguladora incorporam os mecanismos persuasivos que tendem a dissuadir

condutas indesejáveis e a firmar compromissos às metas definidas pelas políticas de eficiência

energética.

No âmbito da instância reguladora, por exemplo, identifica-se algumas tentativas para

reduzir as demias já mencionadas. Embora a ANEEL não tenha constituído uma

superintendência específica para questões ambientais, considera-se alguns esforços

sistemáticos para divulgar informações sobre as suas responsabilidades ambientais para

grupos representando questões ambientais (energia renovável, eficiência de energia, impactos

da geração de energia na qualidade atmosférica, etc.), bem como para aprimorar os

mecanismos de participação da sociedade.

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O país encara o desafio de estabelecer um marco regulatório que estimule seu crescimento

a longo prazo. A pesquisa realizada demonstra a forte ligação entre o desempenho sócio-

econômico de um país a longo prazo e a qualidade de seu marco regulatório, não apenas no

setor elétrico mas de maneira geral.

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6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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