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MARIA DE ANDRADE SILVA “A BORRACHA PASSADA NA HISTÓRIA” (Os Soldados da Borracha durante a Segunda Guerra) UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA FLORIANÓPOLIS, 2005

SILVA, MAria. A Borracha passa na História: Os Soldados da Borracha na Segunda Guerra Mundial

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MARIA DE ANDRADE SILVA

“A BORRACHA PASSADA NA HISTÓRIA”

(Os Soldados da Borracha durante a Segunda Guerra)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA FLORIANÓPOLIS, 2005

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO-CCE CURSO DE HISTÓRIA

“A BORRACHA PASSADA NA HISTÓRIA”

(Os Soldados da Borracha durante a Segunda Guerra)

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em História, na disciplina de Orientação do Trabalho Monográfico, pela Universidade do Estado de Santa Catarina, sob a orientação da professora Doutora Marlene de Fáveri.

Maria de Andrade Silva

Universidade do Estado de Santa Catarina

Florianópolis, 2005.

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Maria de Andrade Silva

“A BORRACHA PASSADA NA HISTÓRIA”

(Os Soldados da Borracha durante a Segunda Guerra

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel no curso de Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação.

Florianópolis, 11 de julho de 2005.

____________________

Professora Doutora Marlene de Fáveri UDESC-Centro de Ciências da Educação. Orientadora ________________________________

Professor Doutor Reinaldo Lindolfo Lohn. UDESC-Centro de Ciências da Educação. Membro convidado

_______________________________

Professor Doutor Sérgio Schmitz UDESC-Centro de Ciências da Educação. Membro convidado

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A Alda, Alice, Adalberto e Aldo, por tudo...

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a graça de ter saúde e disposição para concluir um

curso de história.

A Professora Dra Marlene de Fáveri, a minha grande incentivadora que desde o

inicio acreditou em meu projeto e por ter me dado o norte em vários momentos, enfim

por toda a calma, sabedoria, confiança e credibilidade que me transmitiu no transcorre

do meu trabalho.

.

Aos meus colegas de turma, pelos anos de juventude que dividiram comigo, as

alegrias, angústias, os das provas, os lanches, os dias de estágio, nossas viagens, festas,

risadas, brincadeiras, confidências, “DIVA”, enfim por terem me permitido retornar

aos anos de minha juventude.

A todos os professores pela ética, profissionalismo, imparcialidade,

acolhimento e sabedoria o meu carinho, respeito e admiração. Um abraço afetuoso.

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EPÍGRAFE

...

Canción por la unidad de latinoamérica E quem garante que a História É uma carroça abandonada Numa beira da estrada Ou numa estação inglória. A História é um carro alegre Cheio de povo contente Que atropela indiferente Todo aquele que a negue. É um trem riscando trilhos Abrindo novos espaços Acenando muitos braços Balançando nossos filhos.

(música de Chico Buarque)

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RESUMO

A presente monografia tem por objetivo problematizar a lacuna historiográfica sobre a “batalha de borracha” travada nos seringais amazônicos durante a Segunda Guerra Mundial, para suprir as indústrias bélicas americanas em prol das Nações Aliadas numa rede de acordos, entre os Estados Unidos e o Brasil, foi realizada uma operação denominada “Esforço de Guerra”, e, em virtude dessa operação, trabalhadores brasileiros foram transformados em soldados e, como soldados foram recrutados para o Front Amazônico para compor o “Exército da Borracha” e inseridos em condições de trabalho e de vidas que exauriram as suas forças físicas, na medida em que se constituiu uma legião de homens solitários, mergulhados nos confins da selva a produzir incessantemente borracha para atender ao esforço de guerra. A monografia está estruturada em três capítulos; o primeiro capítulo trata do império da borracha e da sua inclusão no contexto mundial. O segundo capítulo trata do período ditatorial Varguistas, dos acordos, estratégias e a adesão a Segunda Guerra e no terceiro capítulo discorre sobre alguns tópicos da batalha da borracha, do recrutamento, do adestramento e o cotidiano imerso em medo, fome, doenças e morte no front amazônico.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................10

CAPÍTULO I ......................................................................................................14

A BORRACHA: ECONOMIA E BUSCA DO PROGRESSO ...............................14

1.1 O Império da Borracha ..........................................................................................17

1.2 De Goodyear ao Barão De Mauá ..................................................................22

CAPÍTULO 2 .....................................................................................................26

PERÍODO VARGAS: ACORDOS, POLÍTICA E A GUERRA ..................26

2.1 O Nacional Desenvolvimentismo ..................................................................30

2.2 O Acordo de Washington .............................................................................34

CAPÍTULO 3 ....................................................................................................43

A BATALHA E OS “SOLDADOS DA BORRACHA” .........................................43

3.1 De Sertanejo a Soldado: o recrutamento e a eugenia ............................44

3.2 A Militarização e o Adestramento dos Corpos. .......................................51

3.3 A Propaganda Sedutora ..........................................................................52

3.4 O front nos seringais da Amazônia ...............................................................57

3.6 O Esquecimento Histórico .........................................................................68

CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................71

FONTES DA PESQUISA ......................................................................................76

REFERÊNCIAS .................................................................................................78

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ANEXOS ............................................................................................................Erro! Indicador não definido.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa foi realizado a partir da indagação sobre o

porquê da invisibilidade do “soldado da borracha” nos livros didáticos e na

historiografia que fala sobre o envolvimento do Brasil com os Aliados durante a

Segunda Guerra Mundial.

A historiadora Marlene de Fáveri, em seu livro “Memórias de uma (outra)

guerra: Cotidiano e medo durante a segunda Guerra em santa Catarina”,também faz

crítica quanto as lacunas dessas histórias nos livros didático ou não, aparecendo em

forma de “textos fragmentados de poucas páginas e mais para dizer que fomos à guerra,

galhardamente vencemos com heroísmo e nos vingamos do afundamento de navios

mercantes brasileiros torpedeados pelos alemães.”1

Fala-se muito do confronto bélico, dos heróis, das estratégias dos meses de

combate, do contingente enviado ao front europeu. E os soldados da borracha onde são

lembrados? Paira um silêncio estarrecedor e considerando que estes eram o dobro

daqueles soldados que foram recrutados pela FEB, este silenciamento estaria

relacionado ao fato de que eram quase na sua totalidade pobres ou sem direito a uma

história? Ou, por que não voltaram com uma medalha no peito? Ou ainda, por que mais

de trinta mil soldados metade do contingente dos “soldados da borracha” pereceu na

selva amazônica?

Na perspectiva de dar uma visibilidade a estes homens e alçá-los na história, sem

pretensões de fechar o tema, este trabalho procura perceber como foram recrutados, os

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“soldados da borracha” quais os acordos políticos e as propagandas ideológicas

utilizadas para cooptar esses soldados e o cotidiano no front amazônico.

No tocante a escolha do título “A borracha passada na História” (Os soldados da

borracha durante a Segunda Guerra), este não foi tomado por acaso, intenciona mostrar

sujeitos históricos que foram excluidos da historiografia.

Quanto à escolha do tema, uma das razões que mais pesou foi o ineditismo e a

pouca importância que foi dada ao segundo surto do extrativismo da borracha no âmbito

da historiografia brasileira e tentar fugir daqueles estereótipos de exotismo e

sensacionalismo que nos é apresentada sobre a Amazônia atenta quase sempre, em

apresentar a exuberância da região.

Com a emergência da Segunda Guerra, e da entrada dos Estados Unidos no

conflito mundial, as Nações Aliadas, se viram privadas do produto indispensável para a

vitória: a borracha. Tal privação ocorreu devida o domínio japonês sobre os grandes

seringais de plantation da península da Malásia.

Para suprir esta carência foi tramada uma rede de interesses econômicos,

políticos e ideológicos tecidos pelo capital norte americano consociado ao governo

brasileiro. Nestes acordos, a contrapartida do governo brasileiro foi de enviar soldados

à Itália e ao front amazônico; estes últimos sujeitos desta história que pretendo contar,

observando o cotidiano no front amazônico, o abandono a que foram submetido e o

apagamento da história.

Este trabalho está estruturado em três capítulos, sendo que na primeira parte,

descreve-se a emergência da economia da borracha e as mudanças estruturais ocorridas

na economia mundial no final do século XIX, quando ocorreu uma concentração

avançada de capital e da produção, com a borracha assumindo rapidamente o papel de

1 FÁVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra: Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina. Itajaí: Univali, Florianópolis: UFSC, 2004, p.20.

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matéria prima crescente no mercado mundial.Neste contexto o capitalismo monopolista

internacional vai articular na Amazônia a formação da economia voltada para a

produção da borracha financiando o deslocamento de milhares de nordestino para

sustentação da empresa gumífera.

O segundo capítulo trata do período ditatorial de Vargas, da ideologia

nacionalista, do poder da propaganda e da política pendular em relação aos países

beligerantes, o desenvolvimento das relações diplomáticas e comerciais Brasil-

Alemanha e Brasil-Estados Unidos. Ressaltamos a luta dessas duas potencias

emergentes pela conquista do mercado brasileiro e a posição assumida pela diplomacia

brasileira em relação a esses dois países e a adesão do Brasil à Segunda Guerra

Mundial.

O terceiro capítulo discorre sobre alguns tópicos da operação da “Batalha da

Borracha” e do recrutamento, adestramento e envio dos soldados ao “Front

Amazônico”.Analisa as resistências, as baixas, os medos, as doenças e até mesmo a

fome e o regime de trabalho nos seringais.

Para a realização do trabalho fizemos uso da memória de dois “soldados da

borracha”, através de suas histórias de vida, além de outros depoimentos, utilizamos

bibliografias de história e literatura regional, impressos, jornais de época, fotos, filmes e

dados estatísticos. Como o intuito deste trabalho é dar visibilidade ao episódio da

chamada “batalha da borracha”, e incluir sujeitos na história, é também o lugar de

denunciar às exclusões às formas autoritárias de governos com propagandas enganosas

e, ao uso dos corpos humanos e sua eliminação em nome de acordos políticos.

Assim, convido aos leitores para uma visita ao “inferno verde dos anos

quarenta”, para conhecermos as pessoas lá viveram, vivem, os seus descendentes e os

“soldados da borracha” que lá chegaram, lutaram, resistiram, amaram, pereceram e os

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que ainda permanecem com certa nostalgia do honroso título e do capital simbólico

representado na figura do “soldado da borracha” .

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CAPÍTULO I

A BORRACHA: ECONOMIA E BUSCA DO PROGRESSO

Em l.939 a Polônia foi invadida por tropas alemãs numa campanha chamada:

Blitz Krieg (guerra relâmpago), quando a Alemanha derrotou a Polônia em três

semanas, a Inglaterra e a França solidárias à Polônia, declararam guerra à Alemanha,

começando efetivamente em outubro do mesmo ano a Segunda Guerra Mundial, dantes

circunscrita apenas à Ásia.

Dois anos após esse incidente, no dia 7 de dezembro de 1941 os japoneses

atacaram a base aeronaval do Porto das Perolas no Havaí o “Pearl Harbor”, e diante

deste episódio os Estados Unidos declararam guerra ao Japão e posteriormente à

Alemanha e a Itália.

O presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt disse então ao

Congresso que a data do ataque seria marcada pela infâmia e que a guerra só acabaria

com a “rendição incondicional do Império Japonês”.2

Diante de tal acontecimento o conflito tornou-se mundial, com a entrada dos

Estados Unidos na Guerra, formaram-se assim dois blocos: os Países Aliados formados

por: Estados Unidos, França e Inglaterra e os Países do Eixo formados por Alemanha,

Itália e Japão.

Em decorrência de tais incidentes, o Governo Brasileiro convenceu os ministros

e, por unanimidade, resolveram declarar solidariedade aos Estados Unidos; entretanto

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até este momento o presidente Getúlio Vargas não escondia sua simpatia pelas

democracias sociais, e vinha mantendo uma política neutra em relação às nações

beligerantes e as pressões norte-americanas.3

A neutralidade nacional acabou-se no inicio de 1942, quando foram rompidas as

relações diplomáticas com Hitler, por ter sido permitido as instalações de “Bases

Militares Americanas” no nordeste brasileiro (Fortaleza, Recife, Salvador e Natal).Em

vista dessas concessões, o Brasil passou a sofrer represálias, como os ataques constantes

aos nossos navios, promovidos por submarinos dos Países do Eixo, os quais causaram o

torpedeamento de 22 navios brasileiros, ocasionado à morte de mais de 600 pessoas.4

Diante desses fatídicos acontecimentos o Brasil “entrou oficialmente em guerra

em 22 de agosto de 1942, (o Decreto Federal nº 10358, de 31 de agosto de 1942,

declarou Estado de Guerra em todo o Território Nacional).”5 Em seqüência também foi

editado o Decreto-Lei nº 5255, em 01/09/42, que dispunha sobre a situação militar dos

trabalhadores nacionais encaminhados para a extração e exploração de borracha no Vale

Amazônico.6

Em 23 de novembro do mesmo ano, foi criada a Força Expedicionária Brasileira

(FEB.); enquanto a “FEB” deslocava seu pelotão para a Itália, outro contingente

deslocava-se para a Amazônia, com a missão de também participar da conflagração que

consistia na extração de borracha e garantir a vitória das Nações Aliadas, na luta contra

a tríplice aliança Nazinipofacista.

2 EDITOR ABRIL. ALMANAQUE ABRIL. 2003.São Paulo: Editor Abril, 2003. CD-ROM 3 CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo, Política Externa e Projeto Nacional. São Paulo: UNESP, 2000, p.87. 4 FÁVERI, Marlene de. Op.cit., p.44. 5 Idem, p.43. 6 BENCHIMOL, Samuel. Romanceiro da Batalha da Borracha. Manaus: Imprensa Oficial, 1992, p.70.

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A borracha consistia em uma matéria prima indispensável à guerra, até então

sendo comercializado com os Estados Unidos pela ilhas da Malásia, todavia o Japão ao

dominar essas ilhas proibiu a venda desse produto aos Países Aliados.

O Brasil possuía uma extensa reserva de árvores seringueira nativa e, diante da

conjuntura de guerra, vê a oportunidade de ativar a produção de borracha e aumentar

sua divisas, iniciando-se as negociações e acordos econômicos entre o Brasil e os

Estados Unidos. Para a implantação desses acordos, Getúlio Vargas ordenou o

recrutamento de tropas para numa operação de emergência colher látex nos seringais

amazônicos, quando ficou estabelecido que apoio logístico ficaria a cargo do Brasil e o

financiamento para essa operação ficaria a cargo dos Estados Unidos.

O Brasil forneceria homens e borracha para suprir o estoque de guerra, conforme

destaca Benchimol, “fornecem-se homens como coisas”, a quem pedir primeiro, sem

saber se os seringais estão preparados para recebe-los, se as ferramentas já chegaram e

se há como alimentá-los.7

Em virtude da necessidade desse produto para reabastecer a indústria de guerra

norte-americana, a produção da borracha silvestre da Amazônia é reativada, e

novamente é restabelecido o monopólio em terras brasileiras.

Em nome do Esforço de Guerra e Acordos Econômicos ocorre a segunda grande

migração de trabalhadores para a coleta da borracha, com status de soldado em defesa

da pátria ameaçada; este momento pode ser caracterizado como um renascimento do

extrativismo e repovoamento dos seringais do Vale Amazônico.

7 BENCHIMOL, Samuel.Op.cit.,p.74.

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1.1 O Império da Borracha

Para desenvolver este item iniciaremos pelos fundamentos histórico e econômico

a qual foi inserida a primeira corrente migratória do nordeste em direção ao norte do

Brasil no final do século XIX. Para trabalhar na coleta do látex, essas correntes

migratórias eram incentivadas pelo Governo Imperial.

As migrações nordestinas para o norte e sudeste do Brasil sempre estiveram

ligadas às questões de conflito no campo, coincidindo com os períodos de seca que

prejudicava principalmente os pequenos agricultores, pois além de serem a maioria da

população rural sertaneja, eles não tinham outra alternativa a não ser migrar. Grande

parte das bibliografias estudada sobre o tema, enfatiza que os nordestinos migram para

outras regiões, principalmente para a capital do Estado de São Paulo, em função da

“seca” que assola o Sertão Nordestino.

O fenômeno da seca é usado como fator de entendimento da migração, e, com

isso escondem a questão fundamental, que é a estrutura fundiária nordestina que vem ao

longo dos anos propiciando a expulsão de milhares de pessoas para outras regiões do

país.8 Um exemplo concreto e atual da questão fundiária é a morte da Irmã Doroty Mae

Stang de 73 anos, morta a tiros no dia 12 de fevereiro de 2005 em Anapu, Estado do

Pará.9

Esta tragédia expôs a fragilidade da política-agrária brasileira responsável pela

expulsão e migração de levas de nordestinos para outras regiões brasileiras.

8 MEDEIROS, João Souza. Os Degredados Filhos da Seca. Petrópolis: Vozes, 1983, p.72. 9 BRASILIENSE, Ronaldo, PEDROSA, Mino.Até a próxima. REVISTA ISTO É, São Paulo, nº 1845, pp.32-38, de 23 de fevereiro de 2005.

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No século XIX, no período em que a Amazônia se transformou em grande pólo

de extração da borracha, era costume os seringalistas (donos de seringais) se deslocarem

até o nordeste, com a finalidade de recrutar trabalhadores para os seus seringais.

Na Amazônia a “hevea brasiliensis” é nativa e ter a posse de um seringal

significava fortuna, mas para explorá-lo era necessário muito mão-de-obra para a coleta

e defumação da borracha, o investimento para a aquisição dessa mão de obra, consistia

no transporte até o local do trabalho, na construção de uma mísera cabana coberta de

palha e no financiamento de alimentos, armas, munição e material de trabalho até a

colheita da safra.

Mesmo aqueles que não quisessem sair do nordeste, eram compelidos, através

do uso da força policial e obrigados a migrarem em virtude da seca que se alastrava na

região.“A dramaticidade desses embarques ficou gravada na memória do povo (...)

houve casos de embarque à força, em que o marido foi enviado para o norte e a mulher

para o sul”. 10 O Governo dava incentivo a esses migrantes nordestinos oferecendo

passagens gratuitas para o deslocamento à outras regiões

No período de 1891 a 1910, o índice de migração para a Amazônia foi superior a

350 mil pessoas, e o trabalho desses migrantes elevou a produção da borracha que em

1910, representava 40% do total da exportação brasileira.Em 1904, o Brasil estava no

auge de dois momentos econômicos: o café no centro-sul do país e a borracha na

Amazônia. .

Nas capitais de Belém e Manaus, o luxo e o fausto proporcionado por este

período produziu exemplar arquitetônico que ainda causam admiração, o “Teatro da

Paz” em Belém e o “Teatro Amazonas” em Manaus, este último, construído em 1870

pode ser considerado um símbolo dessa época, nele as elites amazonenses assistiam a

10 MEDEIROS, João Souza. Op.cit., p.74.

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belas e imponentes apresentações de ópera, com artistas de renome, vindas de Milão e

Paris.11 Segundo relato de um guia turístico da cidade de Manaus.

Nos tempos em que o teatro foi construído, as pessoas que iam assistir os espetáculos Compareciam as apresentações em bonitas carruagens. Para que o barulho das rodas dessas carruagens e a batida dos cascos dos cavalos não perturbassem o evento, foram colocadas camadas de borracha sobre o paralelepípedo nas imediações do luxuoso prédio.12

Percebe-se o requinte dos espetáculos através dos programas desses eventos

exibido em 1895, atualmente vendido aos turistas, como lembrança da época áurea. São

muitos os espaços e monumentos que dão sentido ao mito “Belle Époque” a arquitetura

a literatura regional, a memória, dão uma visão do cotidiano desse período fausto de

deslumbramento que tanto caracterizou o primeiro período do extrativismo.

Até mesmo o bonde elétrico começou a circular na cidade de Manaus, ante

mesmo de começar a circular na Capital Federal (Rio de Janeiro). As edificações de

época eram inspiradas na arquitetura francesa, as lojas elegantes exibiam os últimos

modelos femininos vindos de Paris. Os bancos estavam sempre lotados, havia hotéis

com estilo e luxuosas pensões “alegres”, onde os ricos comerciantes se deliciavam nas

orgias, nestes ambientes bebiam champanhes na companhia de belas “cocotes”

internacionais. Francesas, italianas, russas húngaras, polonesas, mulheres de todas as

línguas e raças niveladas pelo figurino e perfumes franceses.13

Entre lembranças e esquecimentos, delineando o período áureo e a decadência

da borracha, há uma série de obras literárias e de história memorialísticas escritas por

descendentes dos que se dirigiram á região na trilha da borracha, falando do fausto,

riqueza do burburinho da vida urbana assim como registro do cotidiano do seringueiro e

11 LIMA, Cláudio de Araújo. Coronel de Barranco. 2 ed. Manaus: Valer 2002: 90 12Guia Turístico da agência de Turismo CVC, em 19/11/2001, na cidade de Manaus/AM. 13 LIMA.Cláudio Araújo.Op.cit.,p. 77.

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da sua subsistência na floresta da exploração da miséria da violência e até de contrato de

compra e venda de mulheres, por tempo determinado e principalmente da grande crise

econômica que se abateu sobre a Amazônia.

Na obra o “Coronel de Barranco, o autor identifica os personagens, data os

acontecimentos, como a pirataria da semente da hévea brasiliensis, efetuado pelo inglês

Alexander Wickham. Cita também a construção dos primeiros pneumáticos produzidos

pelo escocês Johon Bayd Duntop, ocorrido no mesmo ano mesmo ano em que Brasil

libertou os escravos e assinala essa data como o fortalecimento da dominação dos

coronéis de barranco. ···”.

Outra obra que também narra os detalhes da vida cotidiana, o sofrimento e as

aspirações dos homens e mulheres diante da opressão da injustiça, se intitula; “Um

Punhado de Vidas”. O autor denuncia o modelo de sociedade dos seringais que subtrai

do trabalhador o direito de viver com dignidade, privado de seus sonhos e esmagado

pela esperança e constrói uma critica sobre a forma primitiva e brutal do capitalismo

predominante na Amazônia. 14

A vida moderna, baseada em grande parte nos veículos motorizados,

transformou a borracha em produto de primeira necessidade. Porém há relatos do uso da

borracha pelas civilizações pré-colombianas, no México a borracha era utilizada como

forma de pagamento de tributos ao monarca e na construção de objetos para rituais

religiosos. Colombo, na sua segunda viagem, conheceu o jogo de bola de borracha

praticada pelos nativos do Haiti, 15 posteriormente, muitos outros viajantes europeus

continuavam dando informações sobre esta “maravilha da América”.

Mas, foi Charles Marie de La Condaime o primeiro cientista a chamar a atenção

dos europeus para as possibilidades do emprego industrial da borracha. La Condaime

14 CASTRO, Aristófanes, Um punhado de vidas. Manaus: Valer /OAB-AMAZONAS-2001

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veio à América fazer medições geográficas no “Novo Mundo”, E ao retornar a Europa

apresentou o relatório na Academia de Ciências de Paris em 1745, dando informação

sobre a Borracha.

Assim descreveu:

A resina chamada caucho nas terras da província de Quito, vizinhas ao mar, é também muito comum às margens de maranhon (nome do Rio Amazonas em terras peruanas) e se presta ao mesmo uso. Quando fresca pode ser moldada na forma desejada. È impermeável à chuva, mas o que a torna mais notável é a sua elasticidade. Fazem-se garrafas que não são frágeis, botas, bolas ocas, que se achatam quando apertadas, mas retornam a forma original quando cessa a pressão. Com o mesmo material os portugueses do Pará aprenderam com os Omágua a fazer bombas ou seringas que não precisam de pistão: tem forma de pêras ocas, perfuradas por um pequeno orifício na extremidade, onde é adaptada uma cânula, enche-nas de água e apertando quando estão cheias obtém se o efeito de uma seringa comum. Esse utensílio é muito usado entre os Omágua. Quando se reúnem para alguma festa, o dono da casa não deixa de oferecer por polidez, uma a cada um dos convidados, e seu uso precede sempre as refeições cerimoniosas entre eles.16

O Cientista François Fresneau, amigo de La Condaime, diagnosticou que a

borracha aplicada sobre um tecido o tornava encerado e podia ser utilizada para luvas de

bomba, roupa para mergulho, saco para bolacha, a grande idéia do cientista foi

transformar a matéria prima da borracha em uma nova indústria, mas a dificuldade era

que a borracha chegava à Europa em estado sólido devido a coagulação do látex.

A questão é que os indígenas sabiam usar a borracha para suas necessidades e a

indùstria precisava desenvolver tecnologia para ampliar sua utilização.

Depois de muitas tentativas em 1803, nos arredores de Paris foi instalada a

primeira fábrica de borracha, que produzia ligaduras elásticas para suspensório e

também ligas que seguravam as meias das senhoras. E assim foram surgindo fábricas

15 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de O cotidiano e a sociedade da borracha. São Paulo: Atual. 1997, p.11.

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em Viena, Áustria, no ano de 1811 e na Inglaterra. Em 1820, esta ultima de propriedade

de Thomas Hancock, tido como o pai da industria da borracha, por ter conseguido

sucesso em escala industrial sendo o inventor do produto elástico.17

1.2 De Goodyear ao Barão De Mauá

Podemos ressaltar dois fatos que inseriram a borracha no contexto mundial: o

primeiro quando em 1839, o norte americano Charles Goodyear descobriu o processo de

vulcanização18 e o segundo quando em 1853, o brasileiro Irineu Evangelista de Souza, o

Visconde de Mauá inseriu a navegação a vapor no Rio Amazonas.A vulcanização

acelerou o interesse mundial pela “hévea brasiliensis”, quando desencadeou uma

corrida imperialista à Amazônia. Em decorrência dessa descoberta, a borracha foi

industrializada e aclimatada e seu uso foi possível em qualquer parte do mundo desde a

Sibéria até o Deserto do Saara. À medida que iam aperfeiçoando as técnicas do

processamento da borracha, a procura pelo produto aumentava tanto na Europa quantos

nos Estados Unidos.Era crescente o número de estrangeiros interessados a navegar pelas

águas do Amazonas. As grandes potências da época, além de necessitarem da borracha

eram atraídas pela suspeita da existência de fabulosa riqueza mineral da região.

O Governo Imperial preocupou-se ao saber por um documento secreto enviado

pelo representante brasileiro em Washingtom, Teixeira Macedo, da existência de um

16 Apud: FIGUEIREDO.Aldrin Moura de. Op.cit.,p.6 . 17 idém, P. 27-34. 18 VULCANIZAÇÃO: nome dado ao processo de vulcanização da borracha vem de vulcano, deus mitológico protetor do fogo e da metalurgia na região da Roma Antiga. Essa analogia deve-se ao fato da vulcanização empregar enxofre e calor num processo semelhante à metalurgia. Dicionário XIMENES, Sérgio, mini dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Ediouro, 2000, p 970.

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plano onde os Estados Unidos ameaçavam a soberania brasileira sobre a Navegação do

Rio Amazonas.

Em virtude da existência desse plano e por temer ingerência estrangeira que

poderia tornar o país vulnerável à dominação anglo-franco-americana, semelhante ao

que ocorrera com a China e outros países da Ásia, agilizou a ocupação da região e

concedeu a Visconde de Mauá o direito de fundar a Companhia Nacional de Navegação

a Vapor e o monopólio da Navegação no Rio Amazonas e seus afluentes.

Desse modo o navio a vapor foi integrado rapidamente a vida amazônica

ativando a migração e conseqüentemente o aumento do transporte de mão de obra para

os seringais.19 Em uma de suas crônicas o escritor Raymundo de Moraes, descreveu

como se processava o transporte e a vida a bordo dessas embarcações, pela sua

estrutura, eram apelidadas de “gaiola”.

A vida a bordo, revela tudo que há de mais imprevisto e curioso. No primeiro convés, além dos guinchos, escotilhas, cozinha, rancho, camarote de oficiais, casa de máquinas, aboletam-se cargas como sal querosene, gasolina, tijolo, telha e animais como carneiros, cabras, porcos, burros, bois, vacas. Depois disto tudo acondicionado, carregando baús, trouxas, sacos embarcam os passageiros de terceira classe nordestinos contratados para o corte da seringa, e ali se agasalham na maior promiscuidades amarrando as redes ao lado e por cima dos animais, até fazerem um denso trançado, que mal deixa passar a tripulação para a manobra.20

É importante observar que estas migrações do século XIX eram compostas por

famílias, diferente da migração dos recrutas (soldados da borracha), nas quais só era

permitido “embarcar jovens, viúvos ou solteiros, de 16 a 25 anos”.21

Em 1866, por pressões externas, o Governo Imperial abriu a Navegação

Internacional do Rio Amazonas, especialmente para os Estados Unidos, França e

19 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Op.cit.,p.48-53. 20 MORAIS Raimundo: Na Planice Amazônica: Belo Horizonte: Itatiaia 1987, p.124. 21 BENCHIMOL, Samuel.Op.cit.p.81.

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24

Inglaterra. No ano posterior a esta abertura foi assinado o tratado de Aycucho entre o

Brasil e a Bolívia que definia a livre navegação pelos Rios da Amazônia e concedia ao

Brasil em definitivo a região do Alto Madeira.

Nesse período, empresários ingleses adquiriram duas empresas brasileiras, a

BOOTH LINE e a RED CROSS estabelecendo linhas regulares entre Liverpool e a

Amazônia; a frota era composta por 34 navios. Ao contrário dos navios brasileiros,

ofereciam conforto, higiene e boa alimentação aos passageiros; pouco tempo depois

estas empresas se uniram e criaram ligações diretas entre o porto de Manaus e portos da

Europa e Estados Unidos e finalmente a Companhia Amazon Steam Navigtion, de

capital norte americano, em 1874 detinha o monopólio da navegação fluvial do Rio

Amazonas, Madeira, Guaporé e Mamoré.22

As conseqüências da abertura da navegação internacional foram percebidas no inicio de século XX, quando a borracha amazônica começou entrar em crise. O momento crucial dessa crise remonta ao monopólio internacional da referida navegação, quando da chegada do botânico inglês Alexander Wickham em 1876, dando inicio a pesquisas para aclimatação de sementes de “hevea brasiliensis”, depois de obter sucesso em várias tentativas, Wickham embarcou clandestinamente no navio Britânico “Amazonas”, 70 mil sementes de hevea brasiliensis, e as enviou à colônia inglesa do Ceilão onde foram aclimatadas em sistema de “plantation” passaram a produzir borracha de melhor qualidade e a preços mais compensadores do que as plantações nativas da América.Dessas colônias inglesas, as sementes foram levadas para as colônias holandesas do oriente, os alemães também fizeram experiências na África e os franceses investiram nas plantações da Indochina.23

A borracha até então, era exclusiva da Região Amazônica, começou a perder

espaço para a borracha cultivada na Malásia, “cultivated area24”. Em 1910 a borracha

brasileira respondia apenas 50% do consumo mundial, diminuindo progressivamente a

22MORAIS, Raimundo.Op.cit.,p.126. 23 BENCHIMOL, Samuel Op.cit.,p.121. 24 Indochina (Indochine, 1992. França) Direção: Régis Wargnier.

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25

exportação. No ano de 1914 chegaram em Manaus telegramas anunciando o

alastramento da Primeira Guerra, no mesmo tempo em que os jornais locais publicavam

notícias, que a borracha da Ásia alcançava a cifra de 70.000 toneladas, enquanto a

exportação brasileira caiu para 37.000 toneladas.

A supremacia do sistema de produção asiática sobre a produção brasileira trouxe

falências para as capitais de Belém e Manaus, com graves repercussões sociais.25 A

miséria se abateu nos seringais e nas cidades, culminado com “a gripe espanhola que

dizimou grande parte da população”26, ocasionado uma decadência econômica e

populacional na região. Em função da economia se basear no mono-extrativismo,

produziu uma pequena camada social que vivia da intermediação. Na Amazônia, não

aconteceram as alterações como no centro do país, com a produção do café que era

baseado nas relações de produção do tipo salarial, das quais resultaram em expansão do

próprio mercado interno e das oligarquias regionais.

A concorrência da produção asiática mergulhou a região amazônica numa crise que se prolongou por três décadas. No ano de 1942 durante a segunda guerra, o programa de fomento à borracha, foi implementado pelo governo brasileiro em parceria com o governo norte americano para atender as necessidades econômicas brasileira e a industria bélica americana.Os resultados econômicos foram modestos e os sociais foram calamitosos, como veremos no decorrer deste trabalho.

25 MARTINELLO, Pedro. A borracha e suas conseqüências para o Vale amazônico. São Paulo. USP. 1985 P. 82. 26 BRITO, Nara Azevedo de, La dansarina: A gripe espanhola. História, Ciências Saúde-Manguinhos. Vol, 5. Rio de Janeiro, ago. 1998, p.28.

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26

CAPÍTULO 2

PERÍODO VARGAS: ACORDOS, POLÍTICA E A GUERRA

No Brasil, na década de 30, o contexto econômico, político e social contribuiu

decisivamente na discussão de um novo papel do Estado. O movimento chamado

Revolução de 30, derrubou as oligarquias que comandavam a Primeira República e a

liderança deste movimento iniciou um período conhecido como Nova República.O

poder estava nas mãos de Getúlio Vargas, que governou o Brasil por 15 anos (1930-

1945), inicialmente como Chefe de Governo provisório, Presidente Constitucional e,

finalmente, um ditador autoritário que impôs ao povo brasileiro uma Constituição,

baseada nos moldes da Carta de Lavoro do Regime Fascista de Mussolini, caracterizado

por um regime ditatorial implantado pelo próprio presidente através de um golpe de

Estado em novembro de 1937.

O pretexto para o golpe foi a “ameaça” do perigo vermelho, apresentado a nação

como um plano comunista para a tomada do governo por meio de uma insurreição

armada, o Chamado “Plano Cohen, Getúlio Vargas se dirigiu a nação para comunicar e

justificar sua atitude, pronunciando o seguinte:

A consciência das nossas responsabilidades indica imperativamente o dever de restaurar a autoridade nacional, pondo termo a essa condição anômala da nossa existência política, que poderá conduzir-nos a desintegração, como resultado final dos choques de tendências inconciliáveis e do predomínio dos particularismos de ordem local.27

27 DOTTORI, Ella Grinsztein; MATTOS, Ilmar Rohloff de, SILVA, José Luiz Werneck da. Brasil, uma história dinâmica. São Paulo: Nacional, 1975, p.274.

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27

Na mesma proclamação radiofônica em que o presidente Getúlio Vargas

comunicou a criação do Estado Novo, também outorgou a constituição de 1937.

Parafraseando Corsi “Vargas era o senhor da situação”,28 ascendeu o poder com o apoio

dos tenentes e oligarquias agrárias insatisfeitas com a República Velha, essas duas

forças com interesses muitas vezes conflitantes (tenentes X oligarquias). O Presidente

comportava-se como mediador e ao mesmo tempo buscava apoio político da população

para se fortalecer no poder, esta política era caracterizada como populismo ou como

argumenta Marlene de Fáveri “as práticas autoritárias de Vargas pretenderam que as

classes fossem uma massa e a conseqüente eliminação do individual em função da

unidade da nação.”29

Ao mesmo tempo a ideologia nacionalista era associada ao desenvolvimento

econômico, baseado na exploração dos recursos naturais. O grupo social que apoiou e

levou Getúlio Vargas ao poder em 1930 (os tenentes a burguesia industrial a classe

média e operária) eram adeptos do Nacional Desenvolvimentismo e para se garantir no

poder, Getúlio Vargas teria que seguir uma política que fosse favorável a esses grupos e

imprimisse traços nacionalistas no seu governo centralizador e autoritário “como uma

organização burocrática (...) portadora de mais um novo e poderoso componente do

poder: a máquina da propaganda”.30

Em várias oportunidades, Getúlio Vargas chamou atenção para o papel da

imprensa o oficio do jornalismo era por ele chamado de “sacerdócio cívico”. Atribuía

grande importância na formação da opinião pública, para que ela seja corpo e alma e um

só pensamento brasileiro.”31

28 CORSI, Francisco Luiz, Estado Novo: Política Externa e projeto Nacional, São Paulo:UNESP,.2000. 29 FÁVERI, Marlene de. Op.cit.,p.484. 30 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, São Paulo: Papirus, 1986 p.38. 31 LENHARO, Alcir. Nova política do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria J Olympio, 1938, p.300.

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28

Por conta dessa importância atribuída a opinião pública, Getúlio Vargas

intervinha nos meios de comunicação que não fossem favoráveis ao regime imposto. O

rádio foi o instrumento utilizado em larga escala para difundir a idéia de unicidade de

Estado forte e da ideologia nacionalista pelo clima e pelo teor simbólico que alcançava

entre emissores e ouvintes (...) permitia uma encenação de caráter simbólico e

envolvente, estratagemas de ilusão participativa e da criação de um imaginário

homogêneo de comunidade nacional.32

O ouvinte do rádio sentia-se cooparticipantes do progresso da civilidade do

patriotismo e dos ideais militaristas. Para estes o rádio passa a ser parte integrante do

universo simbólico, representado pela nação. Portanto este veículo de comunicação foi

um aliado eficaz no projeto de Getúlio Vargas, naquele momento, pois se utilizava dele

para uso político e para levar aos rincões do país o programa Hora do Brasil, produzido

a partir de janeiro de 1942, pelo Departamento de Imprensa e propaganda e irradiado

pelo rádio nacional, 33 tornando-se o programa de radiodifusão mais ouvido em todo o

país, transmitido diariamente das 19 às 20 horas, tinha três finalidades: cultural,

informativa e cívica. Tal programa informava detalhadamente os atos do Presidente da

República e as realizações do Estado, onde semanalmente o Ministro do Trabalho,

Alexandre Marcondes Filho se utilizava desse horário para falar ao povo brasileiro das

qualidades do Presidente e assim foi sendo construída a imagem do mito.

O jornalismo escrito era erudito, alcançava pequena parcela da população,

entretanto o rádio, por ser considerado popular, foi o meio de comunicação mais

expressivo da época e assim garantiu a presença de Getúlio Vargas nas residências mais

longínquas do território brasileiro, segundo Brandi: “O presidente conversava com o

32 LENHARO, Alci.r Op.cit.,p. 39. 33 FÁVERI, Marlene de Op.cit.,p.342.

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povo adentrando em seu lares nos intervalos de uma radio-novela ou de um programa

de música preferida, ouvia- se o presidente que pouco a pouco, tornava-se presença

marcante do rádio”.34 E assim o poder de Getúlio Vargas foi sendo construído através

de sua imagem idealizada e da divulgação de suas qualidades como: magnitude,

bravura, coragem singeleza e pai dos pobres.

Por meio dos programas radiofônicos as pessoas encontravam a Nação, não a

nação ela própria, mas a imagem que dela estava se formando, gestando um sentimento

nacional na tradução da idéia da nação, de sentir-se parte de um projeto político e

cultural.

O fato que comprova a intenção do governo Vargas em utilizar o rádio como

veículo de propaganda das idéias oficiais está contido na frase do diretor geral do DIP

(...): “O rádio chega até onde não chegam à escola a imprensa, isto é, aos pontos

longínquos do país e, até a compreensão dos analfabetos”.35

É oportuno lembrar que no Brasil, as regiões do interior estavam submetidas aos

regimes dos coronéis: no norte os chamados coronéis de barranco e no sul os caudilhos.

O poder do rádio intencionava agir como meio de integrar e uniformizar política e

cultuar a nação, como também minimizar as diferenças regionais levar a política de

nacionalização a todo o território. Muitos foram os políticos que começaram a imitar

Getúlio Vargas em suas ações.

A expansão da radiodifusão propiciou ao governo Brasileiro a criação do

Departamento de Informação e Propaganda (DIP) que tinha como função primordial

enaltecer a figura do presidente e identificá-lo ao Estado e a Nação. Além da

propaganda atuava como órgão de censura, normatizador de conduta no fortalecimento

disciplina interna e da militarização da sociedade.

34 BRANDI, Paulo. Vargas: da vida para a História. Rio de Janeiro: Zahar Editores S. A, 1983, p.141. 35 Idem, p. 142.

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30

2.1 O Nacional Desenvolvimentismo

No Brasil, a expansão da ideologia nacionalista associada ao avanço da

industrialização acelerou o crescimento das cidades, desenvolveu o operariado e as

classes médias urbanas.Getúlio Vargas tinha um Projeto Nacional de Desenvolvimento

e para implementar este projeto oscilou entre um Desenvolvimento nacional Autônomo

e um Desenvolvimento Integrado pelo Capital Estrangeiro. Intencionava torna o Brasil

potência com destaque na América latina, e ocupar espaços “vazios”, propalados na

“Marcha para Oeste”, esta pretensão está evidente no pronunciamento feito por Getúlio

Vargas na cidade de Manaus, em 1940, no famoso discurso do Rio Amazonas, como

veremos a seguir:

(...) Nada nos deterá nessa arrancada, que é o século XX, a mais alta tarefa do homem civilizado: conquistar, dominar os vales das grandes torrentes equatoriais, transformando a sua força cega a sua fertilidade extraordinária em energia disciplinada. O Amazonas, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso trabalho, deixará de ser afinal um simples capítulo da história da terra, e equiparado aos outros grandes rio retornar-se-á um capítulo da história da civilização.36

Esse discurso nos permite pensar na pretensão do governo brasileiro em firmar o

Brasil como uma potência econômica equiparada as grandes nações ditas “civilizadas”,

na perspectiva do desenvolvimento econômico nacional. Junqueira observa que “o país

vivia” numa atmosfera construída pelo governo de Getúlio Vargas e pelos meios de

comunicação principalmente o rádio influenciando desse modo à formação do

36 BENCHIMOL, Samuel. Op.cit.,p.70.

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31

imaginário social na construção de um nacionalismo. Calcado numa nação soberana, e

forte e na luta contra as ambições imperialistas”.37

Getúlio Vargas utilizou o Nacionalismo como arma de pressão contra

Imperialismo Americano, ao mesmo tempo em que demonstrava simpatia pela

Alemanha, Itália e outros países que chegaram à revolução capitalista com atraso,

buscava nos moldes fascista (populismo de centro) o meio de desenvolver o potencial

industrial e agrícola brasileiro, tinha convicção que o fortalecimento do Cone Sul,

impediria a expansão Imperialista Americana,. Corsi observa que: “Vargas era o senhor

da situação, havia conseguido neutralizar a esquerda, implantar a ditadura dar um golpe

nas oligarquias regionais e de oposição”.38

Externamente, quanto ao conflito mundial, Getúlio Vargas não demonstrava

posição definida, oscilava ora a favor do Eixo, ora a favor dos Aliados, embora

perseguindo um desenvolvimento autônomo e independente, mesmo assim obteve

financiamento norte-americano para a implantação da Siderurgia Nacional (CSN), como

a Companhia do Vale do Rio Doce e a instalação da Fábrica Nacional de Motores.

No desenrolar Guerra, Getúlio Vargas, manteve-se por um determinado tempo

neutro em relação aos países beligerantes, demonstrava afinidades políticas e

ideológicas com a Itália e a Alemanha e mantinha vínculos econômicos com os países

Aliados. Esta linha de autonomia foi mantida até 1940, quando “A guerra fechou a

possibilidade de uma maior aproximação com a Alemanha no momento em que o Brasil

perdeu boa parte dos mercados europeus, ficando vulnerável as pressões norte-

americanas”.39

A aproximação comercial do Brasil com os Estados Unidos acelerou a

implementação da “política da Boa vizinhança”, com o discurso em promover um bom

37 JUNQUEIRA, Mary Anne. Ao Sul do Rio Grande. Bragança Paulista: EUSF,1991,p.63. 38 CORSI, Francisco Luiz. Op.cit.,p.287.

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relacionamento com a América Latina, o presidente Roosevelt apregoava o repúdio a

prática intervencionista adotada pela Doutrina de Monroe, estabeleceu relações

diplomáticas, acordos econômicos e cooperação militar para impedir a influência

européia.

A política da Boa Vizinhança além de assegurar a liderança norte-americana no

continente tinha interesse em recuperar os prejuízos ocasionados pela crise de 1929

como também minimizar a influencia que a Alemanha, Itália e o Japão tinham na

América latina.

A influencia dos países do Eixo, era temida por vários motivos, esses países não

acreditavam mais na democracia liberal e praticavam um governo totalitário,

mantinham comércio com o Brasil, e no contexto das grandes migrações para a

Américas, perto de 5 milhões de imigrantes europeus vieram para o Brasil. 40

Para contrabalançar a propaganda da democracia social, em 1940, os Estados

Unidos instalaram no Brasil uma agencia “Office of the coordinator of comercial and

cultural relations belween he American republics”, conhecida como Birô Internacional,

esta agência foi idealizada e coordenada pelo multimilionário Nelson Rockfeller, e era

composta por Departamentos: cultural, comercial, e financeiro, ao mesmo tempo em

que divulgava um mundo atraente e de consumo, associava a cultura americana com a

idéia de modernidade e sedução, o cinema o rádio foram amplamente utilizados para

difundir essas idéias e os valores do pan-americanismo. Além da agência, Rockfeller

também criou o programa “Repórter Esso”, patrocinado pela Standard Oil, Companhia

de sua propriedade, este programa tornou se conhecido pelas chamadas: “Alô, Alô

repórter Esso, testemunha ocular da história”, esta chamada dava credibilidade aos

noticias divulgadas.

39 CORSI, Francisco Luiz, Op.cit.,p.287. 40 FÁVERI, Marlene de.Op.cit.,p.39.

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33

O bombardeamento ideológico foi mais eficaz e menos traumático que uma

intervenção militar, isso fica explicito na fala do presidente Roosevelt, que logo após

sua posse na presidência dos Estados Unidos afirmou “Bons vizinhos devem cumprir

tratados”.41

Em decorrência de tratados milhares de brasileiros, com status de soldados

foram recrutados, encaminhados e abandonados nos confins da selva Amazônia, para

num esforço de Guerra produzirem borracha para suprir a industria bélica americana em

favor dos Países Aliados.

41 AQUINO, Maria Aparecida de. América vai à Guerra.In COGGOLI, Osvaldo.( org.) Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Xamã, UM. Editora e Gráfica. SP: 1995. 192.

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34

2.2 O Acordo de Washington

No dia 7 de dezembro de 1941, quando o Japão atacou a base americana de

Pearl Harbor no Havaí, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão e

conseqüentemente aos paises do Eixo e o conflito se tornou mundial.42

A adesão dos americanos à Guerra e a dominação bélica japonesa sobre as áreas

produtoras de borracha, nas Ilhas da Malásia, trouxe preocupações aos Países Aliados

quanto ao abastecimento de borracha, um produto estratégico e indispensável à de

guerra.

Diante dessa situação o presidente dos Estados Unidos nomeou uma comissão

especial denominada Comissão de Baruck43, para analisar as necessidades da indústria

de guerra, esta comissão concluiu que: o produto mais crítico e o problema mais urgente

a ser resolvido era o reabastecimento da borracha, segundo o relatório dessa Comissão,

percebe-se a importância da borracha como elemento estratégico:

(...) de todos os materiais críticos, a borracha é aquela que apresenta a maior ameaça à segurança de nossa nação e ao êxito da causa Aliada. A produção de aço, do cobre, do alumínio, das ligas ou da gasolina de aviação pode ser inadequado para conduzir a guerra tão rápida e eficiente como desejaríamos, mas ao menos estamos certos de suficiente abastecimento desses produtos para operar nossas forças armadas em poderosíssima escala. Se, porém falharmos na consecução rápida de um novo e volumoso suprimento de borracha, haverá colapso de nosso esforço de guerra e da nossa economia interna. Assim sendo, a situação da borracha constitui o mais critico dos nossos problemas.Consideramos a situação presente tão perigosa, que, se não tomarmos medidas corretivas imediatas, este país entrará em colapso civil e militar. A crueza dos fatos é de advertência que não pode ser ignorada.

Se não forem assegurados a tempo novos suprimentos (naturais ou artificiais), as exigências totais militares e de exportação

42 PEARL Harbor ( Pearl Harbor, EUA) Direção: Michal Bay. 43 Martinello. Op.cit.,p.88. -Comissão de BARUCK, composta por cientistas e políticos, recebeu esse nome em homenagem ao político que a presidiu.

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35

esgotarão nossos estoques de borracha bruta antes do fim do próximo verão(..) Os pneumáticos dos veículos civis se estão gastando em proporções oito vezes maior que aquela em que estão sendo substituídos. Se esta proporção e ativer a maioria dos nossos automóveis deixara de circular e, em 1944, haverá completo abandono de 27 milhões de automóveis na América.Temos diante e nós a certeza do consumo; a grave insegurança quanto ao abastecimento. Portanto esta Comissão considera como primeiro dever a conservação de uma reserva de borracha que sustente as nossas forças armadas na luta e mantenha em movimento os mecanismos civis essenciais. O único meio de consegui-lo é o ela realização urgente do nosso gigantesco programa de borracha sintética e pela zelosa salvaguarda de cada onça de borracha existente no país.(...) Quando estivermos em posição segura, libertar-nos-emos de uma fonte de nossas preocupações.44

A propaganda mostra a essencialidade dos pneus para a vitória dos Paises

Aliados.

Figura nº 01 folhetos utilizados como propaganda45: Acervo da autora,

Getúlio Vargas aproveitou-se dessa adversidade da conjuntura de guerra,

divulgou através de boletins informativos a existência de 300.000.000 árvores de “hevea

44 In: MARTINELLO, Pedro. Op.cit.,p. 88 45 Foto encontrado na biblioteca municipal Dr. Cyro Escobar de Ji-Paraná/RO - Paraná, RO.

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36

brasiliensis”, espalhada pela Amazônia, com um potencial de produção de 800.000

toneladas de anuais.46

Em virtude do resultado da Comissão de Baruck e da disponibilidade do

produto, foi firmado um acordo entre os Estados Unidos e o Brasil, denominado

“Acordo de Washington”, que estabelecia um empréstimo de U$ 100.000.000 (cem

milhões de dólares), ao Brasil para o desenvolvimento e produção de materiais

estratégicos e matérias primas indispensáveis a indústria de guerra americana, tais

como: borracha, aniagem, babaçu, cacau, café, castanha, linters de algodão mamona

timbó.

Foram também destinados verbas para o desenvolvimento de ferro em Itabira,

Minas gerais, e de início foi destinado U$ 5.000.000 (cinco milhões de dólares) para

melhorar a qualidade da borracha e outra quantidade de igual valor para melhorar as

condições sanitárias da região amazônica nesta oportunidade foi criado o Serviço

Especial de Saúde Pública (SESP), o Banco da Borracha. (BCB), o Departamento

Nacional de Imigração (DNI), O Serviço Especial de Mobilização de trabalhadores para

a Amazônia (SEMTA) Superintendência para o Abastecimento do Vale amazônico

(SAVA) Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a

Amazônia. (CAETA), Serviço de Navegação e Administração do Porto do Pará

(SNAPP), todas estas instituições e/ ou serviços, eram coordenados pela Comissão de

Controle os Acordos de Washington CCAW e financiados pela Rubber Developmete

Coopporation conhecida como ( RDC).

O acordo específico sobre o aumento da produção da borracha tinha como

contratante a Rubber Reserve Company, representado pelo subsecretário dos Estados

Unidos, Summer Welles e pelo Ministro da Fazenda do Brasil, Souza da Costa.

46 MARTINELLO, Pedro.Op.cit.,p.93.

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37

O acordo estipulava as seguintes cláusulas:

1º) O Brasil concorda em vender, e a Rubber Reserve Company. em comprar toda a borracha excedente às necessidades do consumo interno,

2º) O preço básico fixado foi de 39 cents por libra –peso FOB Belém, para a qualidade fina lavada:

3º a Rubber Reserve Company, concederá um premio de 2,1/2 cents, por libra –peso, para toda borracha exportada que exceder a 5.000 toneladas, até o limite de 10.000 toneladas: ultrapassando este limite, a importância do prêmio será elevada 5 cents por libra-peso.

4º) o produto destes prêmios será aplicado, conjuntamente com o crédito de cinco milhões de dólares concedido ao Brasil, no imediato desenvolvimento da produção, considerando-se não somente a melhoria da sua qualidade como das condições gerais da região e o trabalhador, através de um plano sistematizado.

(5º) o Brasil tudo fará para aumenta a produção e, tendo em vista s necessidades da América do Norte, lhe venderá também a produção de borracha manufaturada excedente ao consumo ao consumo interno: nesse sentido já se assentaram bases para a venda de pneus e câmara do ar:

6º) O Brasil designará uma única agência de compra e venda para adquirir no interior e colocar no exterior e nas fábricas nacionais toda a produção de goma elástica;

7º o prazo do Acordo assinado em Washington será de cinco anos; findos, entretanto, o dois primeiro, se procederá a um reajustamento periódico de preços, tendo se em conta as circunstâncias que venham afetar o custo de produção.47

47 MARTINELLO, Pedro. Op.cit.,p.108.

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38

A figura abaixo demonstra a magnitude do acordo firmado entre o governo brasileiro

e o governo americano:

Figura nº 02. Cartaz de divulgação do acordo de Washington, encontrado na biblioteca municipal Dr Cyro Escobar, de Ji-Paraná Rondônia.

Esse acordo pode ser considerado como o inicio da batalha pela borracha para

dar sustentação às industria bélicas americanas, as repercussões desse acordo foram

lisonjeadas tanto na imprensa brasileira, como na imprensa norte-americana. O Diário

Carioca, num artigo publicado em 03/06/42 comentava que o governo brasileiro num

esforço de assegurar resultados práticos de sua colaboração aos Aliados estava

demonstrando “Bom Senso e prudência”.48

48Apud: MARTINELLO, Pedro. Op.cit.,p.104.

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39

O embaixador americano Caffery declarou ao Southt American Journal:

O Brasil por uma eficiente prática e entusiástica cooperação com o esforço de guerra nas esferas militáreis, navais e aéreas contribuiu, está contribuído para o sucesso final da guerra. Economicamente, um dos maiores efeitos da guerra sobre o Brasil foi à renovação da sua industria da borracha, Como é sabido a borracha que foi monopólio do Brasil e fonte das riquezas para a economia, depois que as sementes foram roubadas e aclimatadas no Extremo Oriente, a economia Amazônica entrou em franca decadência e ruína.Mas a Guerra no Pacífico forçou as nações a se voltarem para casa natural da borracha nativa para o suprimento de uma matéria essencial da qual nos achamos em grande carência. Esquecendo os erros do passado, as autoridades brasileiras estão cooperando com todos es esforços para a extração da borracha, e ao mesmo tempo na proteção dos extratores de qualquer indevida exploração. A industria foi nacionalizada, e a política o Rio de Janeiro e Washington deverá usufruir um retorno permanente da prosperidade para as áreas produtoras de borracha.49

Para por em prática esses acordo da extração da borracha em larga escala, foi

necessário à formação de um contingente humano, chamado de “exército da borracha”,

onde recrutou jovens, principalmente das regiões semi-áridas do sertão nordestino, com

metáfora de soldados para lutar no front dos seringais amazônicos. Para o Brasil este foi

um momento favorável uma oportunidade de superar a crise econômica a que estava

submetido pelo enfraquecimento do mercado inglês na economia brasileira.

Seintenfus pondera que:

O período que se encerra em dezembro de 1941, contrasta com os anteriores por um fato principal, pela primeira vez desde de 1930, o Brasil parece colocar em prática uma política externa correspondente aos interesses bem definidos. Ainda que essas contradições sejam numerosas, a tendência governamental é a defesa de interesses objetivos, sejam eles econômicos ou militares.50

49Idem, p.109. 50 SEINTEINFUS, Ricardo. A Entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: EDIPURS, 2000, p. 281.

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40

É possível pensar que os interesses entre os governos brasileiro e americano até

certo ponto eram ambíguos, de um lado, o governo americano demonstrava urgência em

reabastecer o estoque de borracha em virtude de esgotamento desse produto estratégico

para obtenção da vitória, de outro lado o governo brasileiro demonstrava interesses

econômico e principalmente duradouro com objetivo de ocupar espaços vazios, “a

conquista do Brasil desconhecido, a brasilidade construída no trecho da pátria tão

propagados na Marcha para o Oeste”, 51 o discurso do poder reduziu a brasilidade a

parâmetros geográficos e econômicos e fez com que as fronteiras econômicas

coincidam com as fronteiras políticas.

A Rubber Reserve Company no início de suas atividade, estava propensa a

incentivar projetos de longo alcance para o desenvolvimento da região, como um

projeto mirabolante para a construção de 58 aeroportos na Amazônia para abastecer de

gêneros toda a área de produção da borracha.Tão logo foi concretizado o plano para

extração do látex, em fevereiro de 1943, a Rubber Reserve Company, foi substituída

pela Rubber Development Corparation conhecida como “RDC” com objetivos

imediatos de concentrar esforços no fundamental , isto é, somente naquilo que

concorresse para a aquisição de um montante cada vez maior da borracha natural. Estes

objetivos foram divulgados por um jornal do sul dos e Estados Unidos, que naquele

momento, publicou com a seguinte redação:

a)As Nações Unidas necessitam agora mais do que nunca, da borracha natural para usar em suas manufatura ou em seus artigos de combate para misturar com a borracha sintética.

b) A Rubber Delopment Corparation deveria se concentrar no fundamental, isto é, somente naquilo que diretamente concorresse para a aquisição de um montante cada vez maior de

51 BENCHIMOL, Pedro. Op.cit.,p.84.

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borracha natural e eliminar o não essencial que anteriormente ocupou uma vasta porção do nosso tempo e energia.52

A “RDC’ foi à agência americana que de fato liderou a extração da borracha a

ela coube total responsabilidade pelo desenvolvimento das fontes e suprimento pela

comercialização do produto produzido fora dos Estados Unidos, o raio de ação dessa

agência era sentido em todas as atividades que envolviam esta operação desde o setor de

transporte à construção de estaleiros montagens de barcos, construção de aeroportos

estação de rádio se envolvia até na compra de mulas para transporte de carga nos

seringais”.

O Acordo de Washington previa plenos poderes ao governo brasileiro para

superintender e implementar a produção as atividades logísticas através da CCAW

Comissão de Acordos de Washington e aos Estados Unidos representado pela RDC

caberia o apoio financeiro, na realidade a RDC, atuou como senhora absoluta da

situação e a agência brasileira teve uma atuação secundária, inclusive os acordos eram

lavrados em inglês e posteriormente traduzidos para o português. Até mesmo a

contabilidade de Banco de Crédito da Borracha era revisada por técnicos americanos,

muito embora o capital nacional fosse de 60%.53

Vimos neste capítulo que acordos políticos-econômicos entre o Brasil e os

Estados Unidos selaram a política da boa vizinhança, e, a contrapartida brasileira era,

dentre outras coisas, abastecer o mercado de borracha e neste esforço de guerra, vir a

suprir as necessidades das indústrias bélicas americanas.

52 DEPARTMENTS OF STATE, Foreign. Relations of the United States, v5,143, citado por MARTINELLO, Pedro Op.cit.,p.116. 53 Idem, p. 123.

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Entretanto, para que isto fosse possível era necessário que diversos homens se

embrenhassem na selva amazônica, e, é sobre este episódio que abordaremos no

capítulo a seguir.

.

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43

CAPÍTULO 3

A BATALHA E OS “SOLDADOS DA BORRACHA”

A hostilidade entre o Japão e os Estados Unidos e a evolução do conflito

mundial repercutiram na política externa brasileira, em particular as relações

diplomáticas com os paises do Eixo, o caso da adoção do Estado de Emergência e do

Decreto-lei nº 4.166, de 11 de março de 1942, que dispõe sobre as indenizações devidas

por atos de agressão contra bens do Estado brasileiro e contra a vida e bens de

brasileiros.54 Amparado neste dispositivo o Brasil nacionalizou companhias de Aviação

Italo-Alemã, a Lati e a Condor, confiscou 16 navios dos Países do Eixo atracados em

seus portos.55

Ao mesmo tempo o exército alemão em represália ao Brasil, por ter rompido os

laços de amizade com Hitler e com os paises formadores do Eixo, torpedearam navios

de bandeira brasileira, inclusive navios de passageiros e, em três dias pereceram mais de

600 pessoas atingindo 22 navios.56

Em virtude dessa tragédia, a 22 de agosto de 1942, Getúlio Vargas reconheceu a

existência de um Estado de beligerância com a Alemanha e a Itália e assim a

contragosto o Brasil foi lançado no carrossel da Guerra.

A participação do Brasil não foi restrita a fornecimento de matéria prima e de

produtos estratégicos, participou também da defesa do Atlântico de Natal no Brasil a

Dacar na África e do envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) num contingente

54 FÁVERI, Marlene de. Op.cit.,p.519. 55 SEITENFUS, Ricardo. Op.cit.,p.315.

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de 25.334 Soldados para a libertação da Itália, pela primeira vez um contingente latino

americano saía para uma guerra fora do seu continente”.57 O Decreto nº 10.385 de 31 de

agosto de 1942 que estabelece Estado de Guerra em todo o território nacional.58

oficializa e reconhece outra batalha, a batalha da borracha, que enviou 60.000

soldados ao front amazônico.

3.1 De Sertanejo a Soldado: o recrutamento e a eugenia

A Batalha da borracha, assim chamada em alusão à necessidade estratégica e o

Estado de guerra, oficializado no Brasil, deste modo foi instituído o “soldado da

borracha” para atuar no vale amazônico, como demonstra o Decreto Presidencial no

5.225 de 14/02/1943, em seu artigo 1º:

O Presidente da República, usando da sua atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição e considerando que a produção da borracha é essencial ao esforço de guerra e a defesa militar do país decreta:

Art 1º – os trabalhadores nacionais encaminhados ao Vale amazônico para extração e exploração da borracha, devidamente contratado nessas atividades, são considerados de incorporação adiada até a terminação do contrato de trabalho, ou em quanto se dedicarem àquela atividade.59

Getúlio Vargas transformou o trabalhador nacional em soldado e, de uma hora

para outra, em nome do esforço de guerra, o militarizou em troca de apoio econômico,

para o desenvolvimento da política nacionalista tão propagada e ambicionada pelo

Estado Novo Pondera Lenharo que:

56 FÁVERI, Marlene de. Op.cit.,p.44. 57 AQUINO, Maria Aparecida de. A América vai à Guerra In: COGGIOLA, Osvaldo. Op.cit.,p.192. 58 BOBIO, Pedro Coletânea de Legislação, São Paulo: LEX LTDA. 58 NEVES, Abel. Amazônia. Rondônia: Regional Ano VI, 1992, p. 72.

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a estratégia de militarização psicológica converte toda uma classe trabalhadora em soldados da Pátria, ganha especial significada político se reportarmos ao contexto das determinações sobre a produção em regime de economia de guerra que acarretou graves danos aos trabalhadores. A condição de soldado vinha sobrepor-se a do trabalhador.60

A propaganda oficial alardeava que os soldados da borracha seriam heróis de

guerra tão importantes quanto aqueles que iriam para o Front-Europeu e o “exército da

borracha” teria a missão vital de salvar os países aliados do colapso, fornecendo a

matéria prima estratégica para a industria bélica. Getúlio Vargas estrategicamente

utilizou a imprensa para a militarização da sociedade e invocar sentimentos patrióticos.

A Constituição Federal dos Estados Unidos do Brasil de 1937, preceituava os

princípios que regiam a imprensa, quais sejam o caráter público e a obrigatoriedade de

inserção de comunicados do governo, 61 amparado nesta Lei as mensagens, notas,

propagandas, para convocar a população a se unir no “Esforço de Guerra”, eram

amplamente divulgadas, apelos eram veiculados nos rádios e jornais, como este,

publicado num jornal do Território do Acre em maio de 1943:

(...) O instante que atravessa a Pátria não deixa a nenhum filho do Brasil o direito de esquivar-se do cumprimento do dever. O esforço de guerra que empreendemos para derrotar os soldados tiranos, e as batalhas que travamos nos campos, nas fábricas, mares, céus, escolas, lares, templos de fé e etc estão a exigir de todos nós soldados da liberdade uma contribuição maior e melhor para a vitória do Brasil e dos aliados. Todas as nossas atenções e preocupações devem estar voltadas neste momento grave de nacionalidade para a voz de comando do chefe nacional Getulio Vargas obedecendo com energia e boa vontade, afim de que mais tarde, vitoriosos olhemos com orgulho o passado de cabeça erguida, entreguemos a nossos filhos e legado de nossos maiores: A Pátria estremecida, com sua história acrescida do nosso exercício e do amor ao Brasil.62

59 Idem.p.89. 60 LENHARO, Alcir. Op.cit.,p.86. 61CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL de 1937. p.13. 62Jornal, O ACRE. Rio Branco: nº 47, 1º de maio de 1943. Acervo particular da autora

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Numa sociedade, onde cada um sabe o seu lugar, o soldado se sobrepõe ao

trabalhador e neste momento era oportuna a militarização da sociedade. Getúlio Vargas

pelo seu estilo carismático e excelente comunicador não hesitava em utilizar seus dons

persuasivos em prol da militarização ditava padrões de comportamento para despertar

valores de civilidade na construção de uma sociedade hierárquica coorporativa.

O próprio Getúlio Vargas relativizava a democracia ao declarar que: “(...) a

queda de Paris, diante das tropas nazistas representou um avanço das novas democracias

sociais em detrimento as democracias liberais”.63

Esses dois modelos se chocavam um preconiza a soberania e o outro a

dependência, o nacionalismo de Getúlio Vargas respondia a essas demandas como

também as exigências de militarização e autonomia em defesa da Pátria como mostra a

mensagem presidencial divulgada em maio de 1943:

Seringueiros! Dediquei todas as energias à batalha de borracha, precisamos de mais borracha, pois é sobre ela que se encontra a guerra moderna. Pois são grandes os equipamentos que necessitam da goma elástica, produzidas sem repouso, (...) Nas guerras modernas não fazem parte somente soldados que estão no campo de batalha, mas, toda a nação: homens mulheres, velhos e crianças. A vós desbravadores da Amazônia, sois mais importantes soldados, Unidos veremos sibilar a bandeira do Brasil.64

Mensagens como esta, reafirmam a militarização da sociedade, ao passo que o

teatro de esforço de guerra constituía o eixo das preocupações daqueles que desejam a

própria corporização da ordem social e transformar o trabalhador em soldado do

trabalho atendia aos objetivos do aumento da produtividade.

O soldado era construído pelo o discurso ideológico e para ser útil era necessário

adestrá-lo, nos moldes militares com disciplina, controle, pressão e produtividade, b,

63POMPEU, Renato. Um homem de muitas faces. Caros Amigos, São Paulo, nº 21, ago. 2004, p.04-05. 64Jornal: O ACRE, nº 742 de 20/05/43 – Rio Branco- Acre Acervo da autora.

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“nas guerras modernas não fazem parte somente os soldados que estão nos campos de

batalha,”65 nesta metamorfose o trabalhador é transformado em soldado, e os seringais

passam a ser campo de batalha.

Os termos soldado batalha, guerra, recrutamento, alistamento e exército estão

sempre presentes, assim como a disciplina militar, demonstrada no trecho doutrinário do

Exército, transcrito a seguir:

Na doutrina do exército, ser disciplinado é aceitar com convicção e sem reservas a necessidade de uma lei comum, que regule e coordene os esforços de seu quadro. Por isso a educação militar considera fundamental o principio da disciplina, que é a completa submissão dos preceitos regulamentares e a obediência sem hesitação aos chefes (...) nesses termos o exército entendido como um instinto de obediência e comando.66

A convocação para recrutamento do exército da borracha aspirava despertar nos

cearenses pobres os sentimentos cívicos e patrióticos, outros subterfúgios também

foram utilizados, na medida que os identificava ao vaqueiro, ao sertanejo, ao homem

forte bravo e corajoso, o tipo ideal para defender a humanidade. Argumentos como

estes, circulavam nos jornais e rádios, como o que foi divulgado no Correio do Ceará,

em março de 1942.

(...) O sertanejo é um forte que não pode ser comparado a esses verminados e jeca tatu de certos estados que gozam de elevada e permanente pluviosidade. A principal indústria do sertanejo é a criação de gado bovino e para ser vaqueiro, a moda do nordestino cumpre ser vigoroso. Para desbravar matas amazônicas (...) amansar a seringa, cercado de mil perigos (...) é indispensável ser forte e vigoroso de corpo e de alma. .67

65Jornal: O ACRE, Idem. 66MACEDO, Tibério Kimel de. Eles Não Viveram em Vão: A saga dos pioneiros do Batalhão dos Ermos e dos Sem Fim-Porto Alegre: Est. Edições. 2003:47 67Jornal CORREIO DO CEARÁ, nº 84, mar., 1942, Fortaleza, Ceará. Citado por: BENCHIMOL, Samuel Op.cit.,p. 61.

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A mensagem pretendia tocar os corações dos sertanejos, estratégias ideológicas

de sedução ao chamamento da pátria. Dessa forma, foram atraídos milhares de jovens

para o trabalho nos seringais da Amazônia, procedendo-se o alistamento, treinamento e

até concessão de uniformes para aqueles que seriam encaminhados ao front dos

seringais.

Através do depoimento de um “soldado da borracha” percebe-se que o recruta

não tinha noção do trabalho e nem mesmo sabia para onde seria levado nessa operação

de guerra. Nas memórias de Raimundo Aguiar, alistado no Ceará em 1943, com 19 anos

de idade nos leva a esse raciocínio:

Nunca desconfiei o que era o látex e muito menos onde ficava a Amazônia, nós arigó, era chamado de soldado, pra combater na “guerra verde”, como chamavam os “gatos do SEMTA”, eu acho que só podia ser coisa de americano, a gente mal tinha tempo de se despedir, nunca mais vi minha mãe, eu nem pedi a benção pra ela, nem soube quando a coitada morreu, era uma pressa danada para correr pro caminhão um Ford azul de placa CE 6628, fomos do Canindé até Fortaleza lá a gente ficava num pouso para receber treinamento e farda e ficava esperando o comboio para ir até o porto de Belém e de lá pegar o navio e ir para a guerra verde.68

É possível perceber deste modo como os recrutas foram deslocados à Amazônia

para produzirem borracha em nome do esforço de guerra, esta operação denota uma

rede de interesses econômicos, políticos e ideológicos tecidos pelo capital norte

americano consorciado ao governo brasileiro. A Propaganda Oficial foi uma das

estratégias fundamentais empregadas para incentivar a campanha nacional de borracha,

além do rádio, dos jornais a imagem foi largamente utilizada para reforçar e agilizar o

recrutamento de jovens para essa operação. Neste sentido, o artista plástico Jean Pierre

68 AGUIAR, Raimundo, 80 anos foi soldado de borracha, recrutado na localidade de Canindé, trabalhou no seringal setenta no antigo território de Guaporé, hoje estado de Rondônia, aposentou se em 1991, depoimento concedido a autora, em 08/01/2005, na cidade de Ji-Paraná/RO.

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Chabloz 69 foi contratado pelo DIP, como chefe de desenhos publicitários de SEMTA,

para fazer propagandas imagéticas da Campanha Nacional da borracha entre suas

atribuições, uma delas consistia em criar biotipos para a seleção dos candidatos ao

exército da borracha.

E presumível que seus projetos estivessem alicerçados nas idéias eugênicas

muito em voga na época da guerra, entre os seus projetos havia o esboço de um corpo

“normal” como protótipo a ser comparado aos corpos dos nordestinos, esses biotipos

idealizados eram caracterizados como: “Normalínio” que constituía o tipo “ideal”,

apresentava pescoço longo, a medida do tórax era igual a medida do abdômen, os pêlos

não podiam ser abundantes e deviam obedecer um tipo de implantação masculina, dessa

forma definia o modelo adequado a essa nova ordem de um trabalho produtivo e

disciplinado. Esse modelo idealizado estava de acordo com o que preconizava o

pensamento medico higienista em sua vertente eugênica e essa idéia era aceita por

intelectuais brasileiros, entre eles Renato Kehl, Rui Barbosa e Fernando Azevedo

defensores do movimento eugenista, foram membros fundadores da Sociedade Eugênica

de São Paulo, criada em 1918. Nos desenhos, Chabloz, apresentava os nordestinos

como uma subcategoria e esta classificação era determinada pelo biotipo de seus corpos,

que não correspondiam aos padrões que preconizavam um corpo saudável, robusto e

disciplinado.70 Era desconsiderada toda a miséria física e social, que estava inserida a

maioria da população brasileira. E o biotipo dos nordestinos recebia as seguintes

classificações, assim descritas: Mixotipo, Brevilínio e Disgenopata,

69 CHABLOZ, Jean Pierre, nascido em 1910 em Lausanne, Suíça e falecido em 1984 na cidade de Fortaleza, ceará em 1984. Disponível em <http// www.newton.fritas.non.br.Textos.154.asp > acesso em 04 de fev. 2005 70 SOARES, Carmem, Educação Física: Raízes Européias e Brasil, Campinas, SP: Autores Associados, 2001. p.81.

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O biotipo Mixotipo constituía o tipo intermediário entre o tipo ideal e o

disgenopata. Era considerado o mais próximo do normal por apresentar tronco longo e

pouco volumoso, os membros inferiores eram relativamente curtos.

O biotipo Brevilínio apresentava ventre volumoso e ausência de pelos que

desvalorizava o tipo, além de panículo adiposo mal distribuído.

O biotipo “Disgenopata” apresentava traço de inferioridade psíquica, era

considerado débil mental, apresentava dismorfia, com o joelho varo e sintomas de

inferioridade, com pêlos semelhantes à implantação feminina (cabeça e pubs)

Os nordestinos eram considerados inferiores e para superar essa “inferioridade”

era oficializada, os recrutas eram submetidos a sessões diárias de ginástica para

reconstituição física e moral. Segundo Rui Barbosa “A ginástica, além de ser o regime

fundamental para a reconstituição de um povo, cuja virilidade se depaupera e

desaparece dia a dia a olhos vistos, é ao mesmo tempo, um exercício eminentemente

insuperávelmente moralizador, um germe da ordem (...) e prontidão no obedecer.71” Na

época as idéias eugênicas de raça que estavam em vigor contribuiam para

desqualificação dos corpos que não atingissem o ideal normal, proposto pela medicina

baseada na abordagem positiva da ciência estruturada a partir do ideário burguês de

civilidade, que significava de um lado saúde física e de outro lado disciplinarização da

vontade. Desse modo constitui-se um importante instrumento de construção da ordem,

uma vez como afirma Fernando Azevedo “um organismo sadio e de músculos

adestrados é de certa forma mais fácil a moralizar que uma máquina humana

enfraquecida e emperrada.” 72

Maria Bernadete Ramos, nos ensina que no Brasil na década de 20 e 30,

intelectuais, juristas, médicos religiosos educadores, utilizavam-se do discurso da

71BARBOSA Rui. Obras completas, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, V.10, T.2, 1946, p.47.

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eugenia, como estratégia para dar uma feição ao ‘nação brasileira”, a fealdade descrita

pelos viajantes mostravam a nossa não-civilidade, e esses intelectuais adeptos desse

movimento acreditavam que a eugenia era o meio de aformosear o tipo étnico

brasileiro, e acreditavam também que a degenerescência obtida pela miscigenação

poderia ser pensada como um fenômeno reversível73.

Renato Kehl considerado um dos maiores defensores teorias eugênicas, assim se

expressa “Um povo se estiola e degenera quando no seu seio, os inferiores tem mais

filhos que os capazes e bem dotados(...)”, a aplicação das leis eugênicas, “eram

necessárias para restringir a proliferação de infra-homens de semi alienados e de

dementes, pela higiene do corpo e do espírito74. Esses argumentos associados as

imagens de infra homens são perceptíveis nas imagens de Chabloz que ao desqualificar

o nordestino o torna presa fácil de domesticação e adestramento pela sua pseudo

“inferioridade”.

3.2 A Militarização e o Adestramento dos Corpos.

Para os defensores da eugenia, o vigor físico e mental se desenvolvia através do

exercício e disciplina. Os recrutas a “soldado da borracha” foram submetidos ao

adestramento e militarização dos seus corpos, para tornar-se produtivo, disciplinado,

moralizado e ágil. Os exercícios utilizados para essa militarização de emergência eram

realizados nas quadras de esporte dos quartéis, os recrutas, além de praticar exercícios,

também recebiam orientações sobre higiene e eram submetidos a exames médicos.

72AZEVEDO, Fernando.Da educação Física. 3 ed. São Paulo: Melhoramentos. 1960, p.238. 73Ramos, Maria Bernadete.Corpo e Cultura. São Paulo: PUC, 2002,p 293-297. 74KEHL, Renato. Porque sou eugenista. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1937, p. 54.

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Esses procedimentos permitiam confundir a condição de trabalhador com a de soldado e

o seringais com o campo de batalha.75 Propiciando a implantação da disciplina militar

que os submetia aos preceitos regulares e obediência sem hesitação aos chefes. Lembra

Foucault que “as disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades

humanas”.76 Entretanto o corpo era convenientemente trabalhado para a submissão,

ordem e produtividade e a militarização do corpo constitui o eixo das preocupações do

momento para garantir a produção.

Foucault nos ensina que: “na segunda metade do século XVIII, o soldado se

tornou algo que se fabrica, de uma massa informe, de um corpo inapto fez-se a máquina

de que se precisa, corrigiram-se aos poucos as posturas (...) torna-o perpetuamente

disponível, e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos hábitos, em resumo, foi

“expulso o camponês” e lhe foi dado a “fisionomia de soldado.”77

As promessas de ganhar muito dinheiro, do patrão bom de fartura foram muito

diferente da realidade encontrada no cotidiano da solidão e do desamparo dos seringais,

a contradição entre a propaganda do enriquecimento e a miséria a que foram

submetidos.

3.3 A Propaganda Sedutora

Os cartazes de Pierre Chabloz elucidavam formas sutis de aliciamento e

sedução, mostravam seringueiros em meio a uma vasta floresta colhendo látex

colocados em grandes tambores sendo transportados em caminhões e jeeps. Na

realidade esses cartazes representavam os seringais cultivados na Malásia, bem

diferentes daqueles que iriam enfrentar na Amazônia com os seringais nativos, onde a

75 SOARES, Carmem. Op.cit.,p.65. 76 FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir: nascimento da prisão.Petrópolis: Vozes, 198, p.179. 77 FOUCAULT, Michel, Op.cit.,p.117.

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coleta, o transporte e a defumação eram feito de forma rudimentar e o extrator vive

isolado e solitário na imensidão da selva.

Os cartazes, as pinturas feitas em muros das cidades nordestinas, representavam

árvores seringueiras produzindo frutos, quando o trabalho do seringueiro consistia em

colher esses frutos e dessa forma estava também contribuindo para a vitória da guerra

que estava sendo travada. A propaganda foi exercida sem limites para atrair milhares de

migrantes para os confins da Amazônia.78

Diante dos cálculos feitos por técnicos americanos faltava mão de obra. Em toda

a região dos seringais deveriam restar 35 mil seringueiros remanescentes do 1º período

da exploração da borracha. Portanto foi necessário realizar uma mega operação para

transportar esse contingente e num regime de urgência abastecer os Paises Aliados. Para

organizar, orientar, fiscalizar e operacionalizar a Batalha da Borracha conforme o

estabelecido nos tratados e acordos de Acordo de Washington, o apoio logístico ficaria

a cargo do governo brasileiro e o apoio financeiro caberia aos Estados Unidos, a Rubber

Development Corporation (RDC) assumiu o plano do Governo Americano na obtenção

do látex. O Brasil tinha também pressa em ver resolvida suas pendências econômicas,

por isso em 14 /09/1943, Getúlio Vargas criou o Serviço de Recrutamento e Transporte

dos Trabalhadores para a Amazônia, conforme o decreto abaixo:

Decreto-Lei nº 5813 de 14 de setembro de 1943

Aprova o acordo relativo ao recrutamento, encaminhamento e colocação dos trabalhadores para a Amazônia e dá outras providências.

O presidente da república, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição decreta:

Art. 1º - Fica aprovado o acordo sobre o recrutamento, encaminhamento e colocação de trabalhadores para a Amazônia, celebrado pelo Coordenador da Mobilização Econômica e pelo

78 NEVES, Abel. Op.cit.,p. 63-70.

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Presidente da Comissão de Controle dos Acordos de Washington, CCAW com a Rubber Development Corporation, RDC em 06 de setembro de 1943.

Art.2º- A Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA), de que trata a cláusula 4º, do acordo aprovado por este Decreto Lei, constitui-se-á, de três (3) membros, nomeados pelo Presidente da República.

Parágrafo único: Dirigirá os trabalhos da Comissão, na qualidade de presidente o membro que para isso for expressamente designado no ato de nomeação.

Art.3º- Todos os atos Administrativos da CAETA, serão firmados por dois ou três membros, ou por um deles, conjuntamente com o assistente de qualquer dos demais.

Art 4º- Os membros da CAETA, nada perceberão como honorários Vencimentos ou gratificações, mas o desempenho de suas funções será considerado como serviços relevantes prestados a Nação.79

Foi formada uma comissão para conduzir os soldados para as margens do Rio

Amazonas e seus afluentes, o recruta após ser adestrado e submetido a treinamento

militar, era embarcado, segundo, Neves, em “modernos navios negreiros”. Amontoados

como animais sofrendo fome e humilhações e nesta odisséia, rumo ao inferno verde,

muitos adoeciam.80

Na hora da partida, os soldados recebiam um enxoval improvisado que consistia

“numa calça de mescla azul, uma blusa de morim branco, um chapéu de palha, um par

de alparcatas de rabicho, uma caneca de flandres, um prato fundo, um talher, uma rede,

e um saco de estopa no lugar da mala, como presente do presidente Getúlio Vargas, uma

carteira de cigarros Colomy”.81

79 Apud:NEVES,Abel. Op.cit.,p.82-84. 80 Idem, p.75. 81 BENCHIMOL, Samuel, Op.cit.,p.92.

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Neste faz de conta, esses jovens “pseudomilitarizados”, formavam o exército da

borracha e iniciavam a viagem que poderia demorar mais de três meses, incluindo aí

paradas á espera de transporte. Pior que o desconforto era o perigo de ir a pique no meio

do mar. Em caso de naufrágio, havia nos bolsos internos uma pequena provisão de

bolachas e água, e nos casos de captura, uma cápsula de cianeto para escapar da

vergonha da prisão inimiga.

Segundo relato do Sr. Geraldo Menezes:

Quando eu embarquei tenho a impressão que era o ano de 42 pra 43 nós ficamos mais uns 15 dias na cidade de Caxias ficamos uns 15 dias ali recolhidos, só saía com ordem era todo mundo em fila, tudo em marcha, depois melhorou daí fomos de caminhão até o porto e o comandante passou a revista e disse todo mundo pro caís do porto, pra pegar o navio, quando terminou já era noite em me assustei do tamanho do bicho. O navio suspendeu o ferro hasteou a bandeira brasileira e tomou o rumo ao Pará-o nome do navio era Almirante Alexandrino, viajamos toda à noite, dois dias e na terceira noite fui acordado, eu só via marinheiro correndo e dizendo baixinho é submarino é submarino, o navio vinha lotado, a gente encostadinho um no outro só homem, aí os marinheiros começaram a distribuir salva vida, aquela coisa de amarrar na cintura e diziam “cala a boca, cala a boca é submarino”, só se ouvia isto bem baixinho,”não risca palito”, as luzes todas apagadas,nos só rezava baixinho, baixinho ( pausa, emoção) O navio parecia que ia mergulhar, porque o navio joga muita água quando cai a proa, rigia tudo e nós no escuro e os marinheiros diziam “cala a boca cala, a boca não fala”, quando o dia estava rompendo foi Deus que mandou um socorro, um destróier passou em frente ao nosso navio e ai todo mundo se acalmou, quando saímos do oceano e entramos no rio de água doce o comandante disse aqui não entra submarino, acabou o tempo ruim aí a gente pode até conversar caminhar e tinha gente que até cantava, olha eu lhe digo não há fortuna que pague aquela noite de medo, fui enganado, ninguém falava de submarino antes da gente embarcar,nunca vou esquecer aquela noite.82

Após essa longa jornada de 2 ou 3 meses de intensiva expectativa, transpondo as

principais cidades da Amazônia, o “soldado” chegava debilitado ao local de

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desembarque. O major-médico americano Dr. Mortimor Rosendeelf presenciou um fato

que depois denunciou ao interventor do Estado do Amazonas, Álvaro Maia. “Nesta

localidade de Benjamim Constant, vi soldados da borracha debilitados, remexendo lata

de lixo para saciar a fome”.83

No período compreendido entre 1943-1945, o Departamento Estadual de

Estatística, de Manaus registrou a entrada de 60.000 soldados da borracha oriundos do

nordeste, e 11.000 de outras regiões do Brasil, destaca também o soldados da Borracha

viajavam em 3º classe. O SEMTA e o CAETA, somente pagavam passagens nesta

classe.84

Antonio Maria de Matos dá a dimensão do descaso que eram submetidos esses

viajantes:

Foi durante a viagem de Manaus a Rio Branco que se deu esse fato. Perto de minha dormida estava deitado um homem branco e decente (...) eu era paraibano. De repente apareceu-lhe uma febre, eu chamei a enfermeira do pessoal dando ciência que o homem estava doente e inquieto, Ela atendeu de maneira brusca alegando que ele era manhoso, (...) dois dias depois faleceu com os olhos fitos em mim (...) foi sepultado no seringal Cacaduã do major João de Barros Silva (...) não recebemos a mínima assistência da parte dos órgãos encarregados de mobilização, somente desprezo e humilhação85

Considerando as dificuldades das viagens e dos portos de desembarque, não é

difícil imaginar a vida nos seringais onde a lei era imposta pelo seringalista a quem os

soldados eram entregues.Citando Euclides da cunha (...) “O seringueiro migrante realiza

ali (nos seringais) uma anomalia sobre a qual nunca é demasiado insistir. É o homem

que trabalha para escravizar-se”.86

82 MENEZES, Geraldo, 79 anos, “soldado da borracha”, aposentado, residente na Linha MC 7, do municipio de Ji-Paraná/ RO. Entrevista concedida a autora, no dia 12/01/2005. 83 DIÁRIO DA ASSEMBLÉIA Manaus, 23 de agosto de 1943 p 284. Citado por: MARTINELLO, Pedro. Op.cit.,p.274. 84 Idem, p. 84. 85 Apud: MARTINELLO, Pedro Op.cit.,p.230. 86 CUNHA, Euclides: A Margem da História.Porto. Lello & irmãos, 1941, p.51.

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3.4 O front nos seringais da Amazônia

Os “soldados da borracha”, quando chegavam aos seringais eram entregues aos

seringalistas. Pressupondo que colheriam borracha da mesma forma como se colhe

frutos, entretanto a realidade demonstrou ser a bem diferente, pois o corte da seringa,

exige aprendizado, o soldado teria que aprender as técnicas da coleta e defumação do

látex e os cuidados que deveriam ter para não tornar a árvore infértil. Enquanto não

dominassem essas técnicas, nada recebiam e acumulavam as despesas com a

alimentação, e ainda eram pejorativamente chamados de“brabos”, que significava não

ter habilidade no manejo com o corte da seringa, era necessário um certo tempo para se

familiarizar com esta atividade.

O soldado ao chegar no local de trabalho, a ele destinado assinava um contrato

padrão que regularizava as relações de trabalho, 87 que o obrigava a vender o produto a

determinado e seringalista, e essa obrigatoriedade da venda do produto, tolhia a

liberdade da autonomia de venda, os preços eram estipulados pelos governos brasileiro

e americano, também não havia moeda corrente, a borracha era a moeda de troca, e essa

transação tornava os soldados reféns dos seringalistas, além dos baixos preços pago ao

látex e do alto preço pago pelos mantimentos, armas, munição e remédio como

demonstra uma dessas contas cedida pelo “soldado da borracha” , Francisco Antonio de

Souza:88

88 MARTINELLO, Pedro.Op.cit.,p.285.

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EXEMPLAR DA CONTA CORRENTE DE FRANCISCO ANTONIO DE

SOUZA FORNECIDO PELA FIRMA I.R.AGUIAR, DE TARAUACÁ-AC. ANO DE

1944

J.R.AGUIAR 31/12/1944- Janeiro de 1994 DÉBITO CRÉDITO Recebi do Sr. Francisco Antonio de Souza, 42 peles de borracha de marca FS 2.235 kgs, Sernambi 185 kgs 55 dias serviços prestados 5,00 TOTAL :.................................................................... Seu DÉBITO EM 05/01/1944 a 31/12/1945, de acordo com a nota em seu poder............................... PRODUTO LIQUIDADO NA FIRMA 31/12/1945 saldo devedor.......................................... 21/12/1945 SEU DÉBITO ........................................ DEMONSTRAÇÃO DE SUA CONTA

3.218,00 3.218,00

2.682,00 111.60 275,00 _ _ _ _ _ _ _ Cr$ 3.068,60 149,40

Não bastasse a exploração em suas contas, os soldados conviviam com as

adversidades impostas; primeiro por não dominar a técnica do trabalho, também não

tinham opção de escolha para moradia, em média suas cabanas eram separadas umas

das outras aproximadamente de 30 a 40 minutos.

As condições de trabalho, a coleta e as árvores seringueira, eram muito

diferentes daquelas mostradas nos desenhos de Pierre Chabloz.

Conforme o testemunho de um dos soldados entrevistados por Martinello:

Em Recife, tinha retrato de seringueiro em todas as esquinas com a tigela embutida em um pote como se fosse uma mangueira d’água.Mas deixa que quando a gente vai cortar a seringa o leite sai devagarzinho.E tanto que a gente sai às 3 horas da manhã, às vezes às 2 horas corta a estrada todinha no

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período de 4 ou 5 horas de corte e depois de terminar a derradeira madeira a gente retorna à primeira para colher o leite. Às vezes tem madeira que tem um dedal de leite no fundo a tigela89.

Nos seringais havia um regimento onde estipulava o cuidado com o corte da

casca da árvore, para não torna-la infértil, alem das técnicas da coleta era também

estipulado o.tempo necessário para que o látex escorresse por sobre a incisão até atingir

dois a três centímetros na tigela. Depois de 4 ou 5 horas, teria de retornar as mesmas

árvores para colher o látex escorrido.

Após uma jornada diária 10 horas de trabalho, para cortar aproximadamente 150

árvores dependendo da agilidade de cada um, e ao chegar em casa iniciava-se o

processo de defumação do líquido, para não perder o trabalho empreendido, já que o

látex coagula por si e deprecia o produto.

O látex é derramado com cuidado sobre um pedaço de madeira roliça, para

receber baforadas de fumaça para que se proceda a coagulação do produto (o látex em

contato com a fumaça e calor recebe a coloração preta) e se forma o principio da

borracha conhecida como “pela” (ou borracha defumada).90

Os “soldados da borracha” eram vigiados pelos gerentes do Seringal e muitas

vezes até pelo vizinho da colocação, estabelecendo com esta prática, formas rígidas de

controle social dos homens e do espaço, conforme relato em que foi protagonista:

Antonio Pereira da Silva “RG 1.792” que trabalhava no seringal Peneri, no Baixo Amazonas. Tendo lhe morrido um filho, colocou o corpo numa canoa pertencente ao patrão e rumou para uma localidade próxima, a fim de fazer o enterro. Sabedor do fato, o seringalista, na suposição de que a canoa estivesse seno roubada, mandou seu filho apreende-la, já longe do barracão, o que foi feito, tendo sido seus ocupantes – seringueiro e sua

89 Entrevista concedida ao prof, Pedro Martinello por João Avelino da Silva, no dia 21 de janeiro de 1982, em Rio Branco, Acre. MARTINELLO, Op.cit.,p.260. 90 NEVES, Abel. Op.cit.,p., p.92.

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mulher, um filho de um ano e o cadáver-abandonados, sem condução, , no barranco do rio.91

Este fato registra e mostra à saciedade, a que tipo de exploração, coação moral e

humilhação, que estava exposto o “soldado da borracha” no seu cotidiano de trabalho,

medo, insegurança, fome, doença, e solidão e morte este foi o palco do front amazônico,

enaltecido no discurso estratégico da propaganda oficial que utilizou a metáfora de

““soldado da borracha” ”, e até de “herói de guerra”.

O “soldado”, se tornava refém do isolamento, e solitário lutava pela adversidade

da selva pela sua sobrevivência e até pela fome, e na maioria das vezes não tinha

permissão para cultivar a fração mínima de um hectar de terra que o governo lhe

assegurava na clausula 7º do Contrato Padrão, pré-estabelecido, além de proibir o

cultivo da sua roça;o patrão também estipulava a quantidade mínima diária de produção

de borracha e para atingir a cota ,alguns tinham que começar a coleta de madrugada, só

retornando a tarde, trazendo o látex num saco Cauchutado.92

Em cada colocação (área delimitada do seringal para a coleta), havia de 3 a 4

estradas de árvores seringueira, as quais diariamente teriam que ser percorridas e

realizadas a coleta para garantir a produção e evitar desavenças com os patrões, tidos

como donos da verdade os que promoviam a justiça e podiam até mesmo, decretar a

morte.

O patrão era amparado por lei e o contrato estabelecia as relações de trabalho,

por exemplo, se o trabalhador não cumprisse a cota de produção, como castigo não teria

acesso ao barracão (armazém), o que implicava na falta de gêneros básicos como: sal,

91 Apud: MARTINELLO, Pedro. Op.cit.,p 287. 92 Segundo Abel Neves, saco cauchutado seria um saco de algodão embebido no látex e defumado, ficando impermeável produzido manualmente pelo coletor é próprio parar carregar o látex líquido. NEVES, Abel. Op.cit.,p., 1986, p.77 .

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açúcar, farinha de mandioca, munição, em outras palavras o castigo era o da fome.

Outras vezes o seringueiro passava necessidade devido à falta de água nos igarapés

(pequenos afluentes do Rio Amazonas) que servem de estradas desde a sede do seringal

até a sua cabana, nesse período de estiagem o encarregado pelo abastecimento de

mercadorias e o recolhimento do látex não conseguia chegar até os seringais, o soldado

teria que se alimentar de palmito assai, frutas silvestres coco de babaçu.93

Além da dependência outra adversidade que o soldado encontrou foi à ganância

do seringalista, muito embora na cláusula 2º do contrato de trabalho estivesse claro que

o seringalista não podia usufruir lucro no fornecimento de alimentos, peças de roupa,

medicamentos, utensílios, ferramenta necessárias à extração do látex, armas e munição

de caça isto não acontecia.

Os seringalistas controlavam a comida a roupa, o transporte à produção, remédio

e até a presença de mulher no seringal.Usufruíam lucros exorbitante na venda desses

produtos básicos à sobrevivência na selva, a média percentual girava em torno de 200%

a 400% . Em alguns seringais uma espingarda americana, na época da guerra era

vendida por cr$25, 00, aos soldados da borracha a mesma arma era vendida por

cr$100,00.94

No artigo 9º do contrato de trabalho, estabelecia a obrigatoriedade de serem

anotados numa caderneta os lançamentos de débito relativos ao fornecimento de

mercadorias, utensílios, ferramentas, armas, para posterior comprovação de seu custo e

despesas, ma isto não era observado. Os conflitos que por ventura ocorressem ficavam

sem solução não havia órgão para dirimir os conflitos financeiros entre os contratantes.

93 NEVES, Abel, Op.cit.,p.79. 94 Idem, p.83.

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A borracha era comprada do “soldado” com um desconto de 30% no peso,

exemplificando uma “pela95” de borracha de 50 quilos, na balança de compra só

apareciam 35 quilos, o desconto oficial permitido era de 10% .

A mercadoria para abastecimento chegava ao seringal no principio do ano

(janeiro e fevereiro), porém o preço de pagamento somente lhe era dado a conhecer no

final do ano com o acréscimo exorbitante. O soldado por não ter conhecimento de seu

saldo ou débito se tornava um permanente devedor não podia abandonar o seringal com

dividas pela temida prisão do toco, onde o soldado era amarrado, açoitado e morto.

Um ponto obscuro em toda a trajetória do “soldado da borracha” era o fato deste

não ter se rebelado bem como os motivos que fizeram com que ele permanecesse nos

confins da floresta, sujeito aos mais diversos dissabores e adversidades.

Quanto a este fato, Pedro Martinello em sua obra A Batalha da Borracha,

demonstrou que o “soldado da borracha” não era tão submisso assim ou entusiasta com

o esforço de guerra, como retratado na literatura mesmo nos documentos e livros de

história regional.

Numa de suas pesquisa realizada, no livro Tombo da Prelazia do Acre,

Martinello, encontrou o relato de um incidente na véspera da festa de São Sebastião no

ano de 1943, quando duas centenas de soldados da borracha pensavam em apresentar ao

interventor do território “Coronel Silvestre Coelho”, reclamações das condições em que

estavam submetidos nos seringais próximos a Rio Branco.

Estes homens recorreram ao Padre José Carneiro Lima, que prontamente redigiu

os termos das reivindicações. O interventor ao receber o documento, identificou a

escrita convocou os padres José Carneiro de Lima e seu irmão Padre Peregrino e os

95 Pela: bola de borracha defumada. NEVES, Abel. Op.cit., p.91.

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ameaçou a entregá-los a uma corte marcial por sabotagem ao “Esforço de Guerra do

Brasil”.

Para evitar maiores contratempos entre os seringalistas e as autoridades, os

superiores dos religiosos interviram, e os padres imediatamente foram transferidos para

o sul do Estado de Santa Catarina, sob alegação de um clima mais ameno e temperado.

Outro exemplo de tentativa de inconformismo apresentada no relatório do

técnico de campo da RDC, Rubber Development Corporation, Frederico H. Vogel,

manifestando sua inquietude perante a tensão que reinava na região do Alto Purus, os

soldados da borracha falavam em revolta armada contra seus patrões os seringalistas.

Para conter essa rebelião foi necessário muito esforço persuasão para acalmar os

ânimos e convencer os seringalistas a cumprirem o que estabelecia o contrato padrão.

Deste modo podemos ter uma amostra do inconformismo na tentativa de se rebelar e

denunciar o autoritarismo os maus tratos as injustiças.Essas tentativas foram abafadas

pela ameaça da corte marcial e do boicote ao esforço de guerra do Brasil.96

O soldado sofria a auguras contra o tédio, a solidão e enclausuramento, às vezes

até cinco meses sem ver uma pessoa, não possuía rádio, não recebia notícias, anos após

a guerra ter terminado, muitos soldados nem sequer sabiam, acreditavam estar ainda

servindo a Pátria em prol dos Países Aliados, como também não sabiam que Getúlio

Vargas não era mais presidente.97

O custo social desse enclausuramento e exploração e subordinação segundo

Nelson Pinto foi sem dúvida proibitivo:

(...) se repetiu o drama dos migrantes do final do século XIX reforçaram-se os elos de subordinação (...) A Segunda Guerra Mundial e a intervenção governamental nada mais fizeram que injetar um novo alento a atividade, que agonizava.Mais grave do que isso, no entanto, foi o caráter reacionário que essa interferência assumiu, Ao financiar seringalistas, assegurar a

96 MARTINELLO, Pedro.Op.cit.,p.290. 97 FERREIRA, Jaime. Op.cit.,p.32.

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continuidade da exploração dos seringais em débito junto ao BCB (banco de Crédito da Borracha) subsidiar o transporte de mão-de-obra a e garantir a compra do produto, o governo federal recriou uma situação de iniqüidade social que já havia causado indignação nos círculos mais conservadores do Congresso Nacional, durante os primeiros anos deste século.(...) O soldado seringueiro continuou como antes isolado de tudo e de todos totalmente a mercê das vontades de seu patrão-o seringalista e o seu preposto-.98

Outras adversidades eram as doenças tropicais, principalmente a

malária.Segundo dados estatísticos da RDC para o tratamento dessa doença somente, no

período de 1943-1945, foram vendidos 25 000.000 (vinte e cinco milhões) de

comprimido de atebrina. Além da malária havia grande incidência de tifo, hepatite,

meningite, beribéri verminose, hanseníase avitaminose e a temida febre amarela, e uma

infinidade de mosquitos transmissores das mais desconhecidas enfermidades, como

também dificultavam o repouso e o sono. Muitos soldados perderam a visão ocasionada

pela fumaça utilizada para a defumação do látex, segundo a professora aposentada

Maria do Socorro Menezes: o seu marido era natural do Estado da Paraíba, serviu o

Brasil como “soldado da borracha” , foi acometido de cegueira muito jovem, e afirmou

ainda ter conhecido dois companheiros de seu marido que também eram soldados da

borracha, e que ficaram cegos, afirmou também que só veio saber que a fumaça da

defumação da borracha produz cegueira, muitos anos após seu marido ser acometido

por esse mal.99

Segundo Neves o motivo que leva a cegueira prematura é a toxidade da lenha

utilizada para a defumação do látex:

(...) a cegueira é motivada pela fumaça produzida no processo de defumação, ao defumar o látex, pelo processo primitivo, ainda hoje em prática, o poder da visão vai diminuindo paulatinamente. Aquele que por desventura, errar na escolha da

98 Apud: CORSI, Op.cit.,p.214. 99Maria do Socorro Menezes, 76 anos, residente na linha MC 7, Estado de Rondônia.Depoimento concedido a autora, em janeiro de 2005.

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árvore para retirar os cavacos para usar como defumador (construído no próprio solo) com a finalidade de produzir fumaça e se a mesma for assacu, carapanaúba, ou outra árvore venenosa, a cegueira é praticamente inevitável. Hoje a ciência comprova a existência de cerca de uma dezena de substancias cancerígenas existentes nas madeiras: usadas na defumação da borracha.100

Não bastasse tanta desventura. a luta contra a natureza inóspita as variações

climáticas, chuvas torrenciais altas umidade, e muitas vezes o trabalho do corte era

perdido pela chuva inesperada que misturava água ao látex o que impedia a coagulação.

O soldados, também temiam o ataque de índios com flechas venenosas e

traiçoeiras, nas estradas de corte e muitas vezes na própria cabana onde residiam,

temiam também o envenenamento dos córregos pela raiz de timbó ( cipó tóxico),

ficando receosos de se alimentarem de peixes.

Outro temor dos soldados era os animais, como a onça que rondava os seringais,

há relatos de que muitos deles tiveram que lutar corpo a corpo com esse animal, e

também as cobras eram muito temidos pelas suas picadas e até pelo estrangulamento da

cobra sucuri, ainda abundantes nas regiões ribeirinhas.

E neste “front” tão ou mais terrível que o front europeu, o soldado enfrentava a

solidão, o controle e a supremacia do patrão onde os interesses estavam voltados

exclusivamente para o extrativismo, tudo que não se referisse a esta atividade era

proibido ao soldado, desde o cultivo de uma pequena roça no entorno de seu barraco,

até a visita a outro seringal.

Muitas vezes o soldado passava muitos meses sem avistar uma pessoa (homem e

às vezes anos sem avistar uma mulher ou mesmo uma criança). Toda e qualquer

atividade que não fosse o extrativismo era perigosa por representar risco à produção e

prejuízo ao seringalista, (patrão), este era o senhor absoluto, tinha poder de vida e até de

100 NEVES, Abel, Op.cit.,p.82.

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morte e mantinha tudo sob o seu controle, inclusive a permanecia ou presença de

mulher no seringal teria que ter sua aquiescência.

Na literatura e nas histórias regionais da Amazônia, na memória e na oralidade

há suporte, para estudar a proibição ou permanência da mulher no seringal e até

literalmente a venda através de contrato por tempo determinado. Há relatos de fatos com

personagens reais, do cotidiano do costumes dos homens e mulheres e até da cobiça de

alguns seringalistas que traziam mulheres dos prostíbulos de Fortaleza, Manaus, e até da

Bolívia para serem literalmente vendidas aos soldados por tempo determinado.A venda

de contrato de mulheres era uma prática habitual, quando havia permissão do

seringalista e estoque de borracha para efetuar a transação.

O escritor amazonense Cláudio Araújo Lima, faz referencia ao diálogo travado

por um seringalista, onde denota ao autoritarismo e os (des) mandos desses “coronéis” e

da e forma pejorativa como se referia ao soldado e a mulher brasileira:

No meu seringal “Fé em Deus”.Fêmea?...Não quero nem de bicho. (...) O tempo é pouco pra ficar em cima de mulher, o brabo começa a relaxar no corte, E se dana logo a querer plantar porcaria, pra não comprar no barracão. No fim o patrão é que e dana todo (...) Seringueiro com fêmea fica é com ganância do saldo (...) quero é ganhar meu dinheiro pra gastar com as francesas em Manaus. Sem fazer mal a ninguém. E para não fazer essas ruindades, prefiro começar pelo começo. Não quero de jeito nenhum, brabo com rabo de saia, nem curumim na minha propriedade101.

Embora a historiografia regional e mesmo a literatura façam pouca menção

sobre o papel das mulheres nos seringais, quando muito se referem às bravatas com as

prostitutas estrangeiras e o contrato de venda de mulheres pelos seringalistas aos e

soldados, para suportarem a monotonia da abstinência sexual forçada. Como a moeda

101 LIMA, Cláudio Araújo.Coronel de Barranco. Manaus: Valer, 2002, p. 120.

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era a borracha, o contrato para aquisição de uma mulher para o período de um ano era

de aproximadamente de 400 a 500 kilos de borracha.

O Historiador Amizael Gomes da Silva, relata que a participação da mulher na

sociedade dos seringais deu se de diversas formas, uma delas é um tipo de prostituição,

onde o seringalista vendia mulher param fazer companhia ao seringueiro ou ao “soldado

da borracha” nas colocações. Estas mulheres eram trazidas de Cobija, na Bolívia, ou dos

prostíbulos de Fortaleza, Manaus e Belém, elas eram empregadas do barracão (armazém

do seringalista) e através de contrato tornava-se companheira do seringueiro ou do

“soldado da borracha”, como tudo era regido por cláusula, havia também uma cláusulas

que em caso de surra ou mau tratos a mulher retornava ao barracão para servir a outro

seringueiro e/ou soldado.102

(...) Essas mulheres acertavam contrato de um ano (...) e algumas delas até faziam o trabalho par a passo, com o companheiro outras se limitavam ao serviço domiciliar, trabalho que servia como consolo e companheirismo no que amenizava bastante a situação do soldado que se encontrava solitário na floresta (...) Nós temos documentos que comprovam esse tipo de contrato escrito (...) a gente lendo documentos que foram enviados por Belfort de Oliveira, que era oficial aqui em Porto Velho, verifica-se que existiam aquelas mulheres que os seringalistas arrumavam e faziam contratos com os seringueiros para ficar. Talvez eles faziam este contrato como existia na Bolívia que as pessoas assinavam para viverem juntas, assim faziam para viver determinado tempo.103

Neste fragmento é possível ver a oficialidade do contrato, no qual essas

mulheres eram compradas como mercadoria e pagas com borracha que ela mesma

ajudava extrair, tendo em vista ser esta a moeda corrente do seringal.

Esses enfrentamentos por certo não foram fáceis de viver: era preciso

sobreviver, inventar formas de driblar desde a natureza, seus perigos, como aplacar a

fome a doença a usura a exploração física e emocional, o medo isolamento: homens e

102 SILVA, Amizael Gomes. Conhecer Rondônia. Porto Velho: M&M, 1998.p.116.

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mulheres resistiram e se o fizeram foi utilizado estratégias e táticas de sobrevivência,

neste nostálgico e sofrido cotidiano de guerra.

3.6 O Esquecimento Histórico

Os esforços despendidos, todavia, contra a enfermidade, o enclausuramento, a

natureza inóspita, usura do patrão, e o trabalho como esforço de guerra jamais foram

reconhecidos pelo Estado.

A primeira idéia que se tem é de considerar que os seringueiros são todos iguais

enquanto categoria. O ““soldado da borracha” ” se diferencia enquanto as concepções

jurídicas, ou seja, para efeito de aposentadoria.

A designação de soldados bem como recrutamento para servir a Pátria em nome

do “Esforço de Guerra”, foi institucionalizadas por Decreto Presidencial, o que deveria

garantir-lhes dignidade no pós-guerra.

Dos direitos garantidos aos “soldados da borracha” muito pouco foi cumprido,

pois restou a estes soldados somente o descaso do Governo Federal, bem como o

esquecimento histórico. De aproximadamente sessenta mil (60.000) recrutas enviados

ao front amazônico, somente 10% deles retornaram as suas origens, sendo que

aproximadamente 30.000 soldados desapareceram na selva perderam suas vidas nos

seringais ou nas brenhas da floresta.104

Os soldados enviados ao Front Amazônico correspondiam o dobro dos soldados

enviados ao front Europeu.Na selva amazônica 50% dos soldados pereceram motivados

pelo abandono, fome, doença e outros incidentes.

103 Idem. Op.cit.,p.116. 104 MARTINELLO, Pedro. Op.cit.,p. 43.

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Na Itália, 2% dos Soldados pereceram em combate, dos soldados da borracha

somente 10% deles retornaram a sua terra de origem no pós-guerra, os soldados da

Força Expedicionária brasileira entretanto 98% retornaram ao Brasil no pós Guerra.

Os soldados da borracha foram responsáveis pela produção de milhões de

toneladas de borracha para apoiar as nações amigas em beligerância, os que não

conseguiram chegar ao fim da batalha por invalidez ou infortúnio, nada receberam

como prêmio ou indenização sendo que o mesmo aconteceu com seus familiares.

Ao contrário do que aconteceu com os Expedicionários da Força Expedicionária

Brasileira que lutaram na Itália, após o seu retorno, foram amparados pela Constituição

Federal de 1946 no seu artigo 178, e regulamentado pela Lei nº 5315, de 12 de setembro

de 1967, no seu artigo 53, foram concedidos direitos como:

• Aproveitamento em serviço público.

• Pensão especial.

• Pensão em caso de morte.

• Assistência médica, aposentadoria com proventos integrais.

• Prioridade na aquisição de casa própria entre outros.

Aos soldados da borracha, somente após 44 anos de espera é que foram

concedidos, através da Lei nº 7986, de 28 de setembro de 1989, os seguintes direitos:

Art 1º- É assegurado aos seringueiros recrutados nos termos do Decreto nº 5813 de 14 de setembro de 1943, que tinham trabalhado durante a segunda Guerra Mundial nos seringais da Região Amazônica, amparados pelo Decreto Lei nº 9882 de 16 de setembro de 1946, e que não possuam meios de subsistência e da sua família, o pagamento da pensão mensal vitalícia correspondente ao valor de 2 (dois) salários mínimos vigentes no País.

Parágrafo único – O beneficio a que se refere este artigo estende se aos seringueiros que, atendo ao chamamento do Governo Brasileiro, trabalharam na produção da borracha, na região

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amazônica, contribuindo para o esforço de guerra. Art.2º beneficio que trata esta lei é transferível aos dependentes que comprovem estado de carência.

A Constituição Federal de 1988 garantiu a aposentadoria de dois salários

mínimos ao “soldado da borracha” como beneficio pelos trabalhos prestados à Pátria.

Atualmente, calcula-se que quase a totalidade daqueles jovens sonhadores,

transformados em soldados, que se deslocaram para a vasta região, já desapareceram.

Restam alguns poucos, para os quais batalha da borracha ainda não terminou, não

tiveram vitória nem reconhecimento e os que pereceram não tiveram sequer um túmulo.

Sobrou pouco: apenas o anônimo e desconhecido “soldado da borracha” , sem

visibilidade, até na própria historiografia brasileira. .

Na região Norte o “soldado da borracha” ainda está presente na memória, de

sobreviventes e familiares. Em certos lugares ainda possuem “status”, pois seus nomes

são lembrados em nomes de ruas, escolas, como exemplo a Escola Julio Guerra, Escola

Joaquim Pereira da Rocha ex-”soldado da borracha”, recentemente construída no Estado

de Rondônia.e há também hinos, poesias e literatura sobre esse episodio, é perceptível o

orgulho que muitos descendentes e familiares ostentam em relação ao seu pai ou avô ter

servido a pátria como “soldado da borracha” , muito embora apareça o ressentimento

pelo descaso dos órgãos governamentais a que foram relegados. Hoje quase se foram

todos os que foram recrutados: um ou outro sobrevivente ainda narra sua historia,

teimando resistir ao esquecimento

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por um período de 5 anos quando residi no Estado de Rondônia, na cidade de Ji-

Paraná, pela primeira vez ouviu falar e conheci os velhos ““soldado da borracha” ”, fiz

amizade com alguns deles e seus familiares, entre os quais destaco Dona Mocinha é

uma paraibana alta, negra, aparentemente 65 anos, na época (não possuía certidão

nascimento), embora não soubesse ler era muito esperta, falava e se expressava muito

bem.

Em nossas conversas, falávamos muito sobre a sua vida nos seringais e sobre os

seus causos, dizia que veio da Paraíba com 12 pra 13 anos trazida para um seringalista,

que havia andado por muitos seringais da Amazônia, tendo servido tanto aos soldados

da borracha como aos seringueiros.

Em seus relatos, contou que gostava de acompanhar o companheiro, achava

bonito o leite escorrer na tijelinha, lembrava que seus filhos foram criados com farinha

d’água, e que teve 24 filhos (sendo que lhe restavam 11).

Contava que as mulheres iam pro seringal “pra acarinhar homem” e trabalhar

também; Dona Mocinha se dizia solteira e que fora muito judiada por essas andanças

em seringais: entre as dificuldades que narrava, sempre me chamou atenção o fato de ter

criado todos os seus filhos com leite de castanha e farinha d’água.

Diante de tais conversas e relatos, a história desses homens e mulheres, que

enfrentaram uma Amazônia, muito mais selvagem do que aquela que eu estava

descobrindo, nos idos da década de 80; despertou o meu interesse em saber mais sobre

estas pessoas, sobre o que as motivou a irem enfrentar aquela imensidão verde, como

foram e como sobreviveram a todas as dificuldades que encontraram e como estariam

estes soldados, estas mulheres, suas familias.

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Buscando respostas para saciar a minha curiosidade, iniciei uma busca em

bibliotecas e livrarias, esperando encontrar alguma obra ou mesmo um periódico que

falasse sobre essas pessoas. Entretanto o que me impressionou foi que todo o material

encontrado tratava apenas sobre a floresta amazônica em si, por ser a maior de todas

existentes no planeta, a sua quantidade de codinomes e até diferentes formas de encará-

la, passando da Hiléia ao “inferno verde” dos anos quarenta, “paraíso dos aventureiros”,

“terra dos minerais” “pulmão do mundo” e muitos outros. É inegável que estas são

expressões que retratam a realidade ao mesmo tempo provocam fascínio pela descrição.

Ainda destacamos que essas expressões nos dão conta dos modos e dos olhares pelos

quais a região foi objeto de construção.

Entretanto, pouco ou nada se encontra sobre a realidade social das pessoas que lá

viveram, e vivem, que desbravaram aquelas matas, pessoas estas que também fizeram a

história do país e que foram esquecidas, pois a floresta amazônica, com sua

biodiversidade, sua imensidão verde, sua fauna e flora, despertavam mais interesse aos

autores, escritores, pesquisadores do que o homem simples que lá vivia (geralmente

pobres muitos deles analfabetos, residentes em casas de “pau a pique” - nas quais a

parede e o teto eram e ainda são feitos de folhas de palmeira entrelaçada e o assoalho

de chão batido, o prato do dia farinha d’água e quando conseguiam tinham uma carne

para comer- proveniente de caça na floresta, entre outras dificuldades que encontravam

no interior da floresta).

Em decorrência de que toda a bibliografia que trata da Amazônia e sobre a

Floresta Amazônica supervaloriza a realidade espacial em detrimento da realidade

social e neste “esquecimento” está inserido o “soldado da borracha” e a construção do

campo de batalha no front dos seringais. A metáfora que transformou o seringal em

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campo de batalha legitimava o confinamento do recruta para acelerar a produção de

borracha para as Nações Aliadas, que se confrontavam com o nazi-fascismo em

expansão na Europa.

Nas entranhas dessa rede de interesses político, social, ideológico e econômico,

tecido pelo capital internacional e o governo brasileiro, foi travada a batalha da borracha

nos confins da Amazônia.Enquanto a Força Expedicionária Brasileira se deslocou para

o Front Europeu, outro contingente com o dobro de recrutas se deslocou para o Front

Amazônico. Ambos os exércitos contribuíram para a vitória. Enquanto o primeiro

lutava conta os inimigos do Eixo, o segundo trabalhava para suprir carência da borracha

na indústria bélica americana. E o combate maior consistia na adversidade da selva, nas

doenças tropicais, na fome, no medo e na solidão além da opressão e exploração dos

seringalistas.

O recrutamento provocado pela emergência da Segunda Guerra Mundial levou

mais de trinta mil soldados a perderem suas vidas nos seringais, enquanto os (in)

responsáveis desta bravata nacionalista, se esconderam atrás da justificativa do esforço

guerra, e assim escamotear a desgraça que se abateu sobre os milhares de brasileiros,

que trabalharam para asseguraram à vitória dos Aliados.

No final dessa operação os sobreviventes foram relegados ao esquecimento e ao

abandono, não lhe foram dadas condições nem mesmo de retornar as origens e a grande

maioria nem soube quando a guerra terminou, muitos deles permaneceram por anos na

condição de soldados acreditando estar servindo a pátria em favor dos Aliados.

Tais homens, não foram sequer reconhecidos como heróis nacionais, como

apregoava o discurso do Presidente Getulio Vargas e nem enriquecem como mostrava a

propaganda de Chabloz. Foram assim, desqualificados, rotulados de incapazes, tiveram

seus corpos esquadrinhados e mutilados seus desejos.

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Ao contrário, estes bravos “soldados” ainda continuam relegados na

historiografica, como se esta batalha que travaram não tivesse espaço na amplitude da

epopéia amazônica.

Portanto, para que este “esquecimento” não seja perpetuado e principalmente

para que as futuras gerações saibam que os heróis expedicionários não foram somente

os que se alistaram na FEB e lutaram no front europeu, mas sim que outro exército foi

para o interior do país, ajudar na luta contra os países do Eixo, e sofreram tanto quanto

ou mais que aqueles que foram lutar em outro continente, é que espera que o tema

abordado neste trabalho, desperte o interesse de outros pesquisadores, historiadores,

autores, para que esta “ legião de esquecidos “ não continuem a margem da historia,

relegados apenas a livros encontrados na região amazônica e esquecidos no restante do

pais.

Termino dizendo que este trabalho não teve a pretensão de se esgotar este tema,

ao contrário, quis contar uma parte da historia do Brasil, dar visibilidade aos sujeitos

que, sem possibilidades de uma vida menos dura foram seduzidos por promessas de

cidadania e encararam a morte e o desatino; enfim uma historia de exclusão.

Daqueles que foram recrutados, ainda há um ou outro sobrevivente que ainda

narra sua historia, teimando resistir o esquecimento, Talvez a historia não fosse

construída de realidades e sim de sonhos. Os homens sonhavam fatos, e depois a

escritura inventava o passado”.105 Marc Ferro, nos ensina que “controlar o passado

ajuda a dominar o presente e legitimar tanto as dominações como as rebeldias”.Assim

sendo este trabalho foi um meio para dar visibilidade à história e ao aspecto social desse

“exército esquecido” remanescente do regime ditatorial Varguista e por acreditar que

105 MARTINEZ, Tomáz Eloy. Santa Evita. Tradução Sergio Molina. Saõ Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.152.

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essa legião de esquecidos também merecem o seu lugar na história como também os

mesmos benefícios e direitos que foram concedidos aos expedicionários da FEB

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FONTES DA PESQUISA

a) Jornais:

Jornal “Manaus”, Manaus, 10 de maio de 1940. nº 82,. Jornal “O Acre”, Rio Branco, 20 de maio de 1943.nº 742. Correio do Ceará, Fortaleza, março de 1942.nº 851,. Diário Carioca, Rio de Janeiro, de 03 de junho de 1942. Brazil, on the march. The South American journal, 28 de dezembro 1942. nº 26,. v.CXXXIII.

b) Revistas: Isto É. nº 1845, de 23 de fevereiro de 2005 Caros Amigos, nº 21, agosto de 2004. História Viva, nº 08, ano 1 – 2004. c) Imagens Cartazes de Propaganda: Borracha para a vitória- figura 01 Acordo de Washington-figura 02 Biotipo para classificação de recrutas – figura 03, 04,05. Incentivo para o front amazônico figura 07 Fotos: Sessão de ginástica sueca-figura 06 Soldados uniformizados-figura 08 Extração do látex – figura 09 d) Memórias

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AGUIAR, Raimundo, 80 anos foi soldado de borracha, recrutado na localidade de Canindé, trabalhou no seringal setenta no antigo território de Guaporé, hoje estado de Rondônia, aposentou se em 1991, depoimento concedido a autora, em 08/01/2005, na cidade de Ji-Paraná/RO. MENEZES, Geraldo, 79 anos, “soldado da borracha” , aposentado, residente na Linha MC 7, do municipio de Ji Paraná Ro.. Entrevista concedida a autora, no dia 12/01/2005 PETRONILHA (“Dona Mocinha”), aproximadamente 65 anos, na década de 80. e) Filmes: Indochina (Indochine, 1992. França) Direção: Régis Wargnier PEARL Harbor (Pearl Harbor, EUA) Direção: Michal Bay f) Cd-Room: EDITORA ABRIL. ALMANAQUE ABRIL. 2003.São Paulo: Editor Abril, 2003. CD-ROM

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